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Sumário

I. Introdução .................................................................................................................1
1. Redução de danos: definindo o campo..................................................................1
2. Drogas: aspectos históricos ...................................................................................5
3. Drogas: uma visão epidemiológica do problema no Brasil.................................11
4. Drogas e AIDS no Brasil.....................................................................................17

II. Objeto e Objetivos.................................................................................................30

III. Aspectos teórico-metodológicos..........................................................................31


1. O proibicionismo e sua relação com a construção do problema droga ...............31
2. Os discursos sobre drogas construídos em tempos de “guerra”: mitos e
preconceitos........................................................................................................42
3. A emergência de um novo objeto: o uso controlado ...........................................46

IV. Aspectos tecno-metodológicos ............................................................................56


1. Material e fontes..................................................................................................56
1.1. Estudo bibliográfico .......................................................................................56
1.2. Observações em serviços: ..............................................................................58
2. Manuseio do material e exposição do texto ........................................................63

V. A redução de danos: a emergência de uma nova perspectiva no


campo das drogas .................................................................................................67
1. Primeiras experiências.........................................................................................67
1.1. O modelo de Mersey: uma resposta emergente ao problema da AIDS
entre usuários de drogas injetáveis...............................................................67
1.2. O modelo holandês: uma política tolerante às drogas ....................................73
2. O movimento internacional de redução de danos, seu nascimento e
tendências ...........................................................................................................75
3. A atenção à saúde dos usuários de drogas injetáveis: ações específicas............84
3.1. Programas de troca de seringa ou que visam aumentar o acesso à
seringas..........................................................................................................84
3.2. Programas de tratamento de substituição ou prescrição de drogas
ilícitas ............................................................................................................91
3.3. Programas “experimentais”............................................................................98
4. A abordagem centrada nas redes de relações sociais de usuários: o
modelo de Chicago ...........................................................................................100
5. Reflexos do movimento de redução de danos: o papel da organizações
de usuários de drogas........................................................................................108

VI. O trabalho de rua e os usos de drogas ilícitas: a abordagem de


populações escondidas .......................................................................................114

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 1


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
1. O trabalho de rua e a prevenção especializada: duas visões .............................117
1.1. A abordagem centrada na pessoa do usuário de droga: um caso francês.....118
1.2. A abordagem centrada em “grupos de populações marginalizadas”: o
caso suiço ....................................................................................................120

VII. A abordagem clínica dos dependentes de drogas: o modelo de cura


francês e a redução de danos.............................................................................125

VIII. A redução de danos e a prevenção: da prevenção do uso de


drogas à prevenção do dano relacionado ao uso de droga .............................138
1. A redução de danos e a prevenção: aproximações inovadoras .........................144
2. O caso do “Projeto de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas e
AIDS”- PPUID-AIDS ......................................................................................150

IX. A emergência da redução de danos no Brasil .................................................158


1. A atenção à saúde dos usuários de drogas no Brasil: o caso de São
Paulo .................................................................................................................158
2. Práticas preventivo e assistenciais voltadas para usuários de drogas................168
3. Os primeiros programas de redução de danos no Brasil ...................................171

X. Considerações Finais...........................................................................................180

XI. Referências bibliográficas.................................................................................187

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 2


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 3
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I. Introdução

1. Redução de danos: definindo o campo

A expressão redução de danos (associados aos usos de drogas) tornou-se corrente no


início da década de 90, entre profissionais de saúde, sobretudo entre aqueles que atuam na
prevenção da AIDS ou são ligados ao campo de drogas.

Desde meados dos anos 80, a precariedade das condições de vida dos usuários de
drogas ilícitas tem se tornado uma das preocupações de departamentos e de especialistas em
drogas em muitos países da Europa. Para enfrentar este problema, havia uma necessidade
de integrar a atenção à saúde e a atenção social voltadas para os usuários para melhorar suas
condições de vida. Como decorrência desta preocupação, a aproximação de reduzir danos
sociais e à saúde de usuários de drogas ganhou importância (Fuchs & Degkwitz, 1995,
p.81).

O’Hare, participante de uma experiência pioneira em redução de danos, atribui a


duas razões o fato de o conceito de redução de danos ter-se tornado corrente no final dos
anos 80: a emergência da infecção pelo HIV entre usuários de drogas injetáveis e a
“suspeita crescente de que as estratégias que nós adotávamos para lidar com o uso de droga
haviam exacerbado os problemas [relacionados ao uso] ao invés de tê-los melhorado”
(O’Hare et al., 1992, p.xiii).

A epidemia de AIDS tornou imperativo aos profissionais e autoridades de saúde que


se ocupassem do novo problema trazido pela transmissão heterossexual e vertical do HIV
associada ao uso de drogas injetáveis. O papel desempenhado pelos usuários de drogas
injetáveis disseminando o HIV para fora dos “guetos” (de homossexuais, de “junkies” 1)
através da transmissão (hetero)sexual, produz uma nova ameaça à sociedade em geral. Esta
nova ameaça acirra uma discussão, anterior à epidemia, sobre a provável não eficácia da

1
Conforme Bastos, (1995, nota de roda pé, p.101) esta denominação se refere à subcultura tradicional de
usuários aditos à heroína, numa configuração que remonta à geração “beat” dos anos 50.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 1
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política de guerra às drogas na solução dos problemas associados às drogas (Shultz, 1990;
Trebach & Zeese, 1990a; O’Hare et al., 1992).

Os conceitos de redução de danos cobrem uma gama mais o menos extensa de


princípios, estratégias e ações, como atestam as seguintes definições:

“política social que visa minorar efeitos negativos decorrentes do


uso de drogas” (Newcombe, 1992, p.1)

“o desenvolvimento de estratégias, práticas e filosóficas, que


produzam resultados em relação a área do uso de drogas tão
seguros quanto as situações possibilitem. Isto envolve o
oferecimento de informações factuais, recursos, educação,
habilidades e o desenvolvimento de mudanças de atitudes, com o
objetivo de minimizar o impacto negativo decorrente do uso de
drogas para os usuários, para a comunidade e para a cultura.”
(Watson [1989] 2, citado por Duncan et al., 1994, p. 283)

“política de prevenção dos potenciais danos relacionados ao uso


droga, ao invés de tentar prevenir o próprio uso de droga.”
(Duncan et al., 1994, p. 281);

“baseada em princípios de saúde pública, a redução de danos


oferece um conjunto (“set”) de estratégias pragmáticas, ainda que
providas de compaixão, que são desenhadas para reduzir as
consequências danosas do comportamento aditivo, tanto para os
consumidores, quanto para as comunidades nas quais eles vivem”
(Marllat, 1996, p.779 ).

Em todas as definições está presente a idéia de que os objetivos devam ser flexíveis
ou ponderados em função dos contextos (“tão seguros quanto as situações possibilitem”), e
que passam a ter como foco o dano associado ao uso (“efeitos negativos”, “impacto
negativo do uso”, “consequências danosas”) e não mais ter como foco todo e qualquer uso
de drogas (ilícitas).

Henman (1995) chama a atenção par o fato de que a adoção da expressão francesa
“reduction des risques” no continente europeu, tradução da expressão no inglês “harm
reduction”, ocorre em um momento histórico em que as propostas mais radicais

2
M. Watson. Harm Reduction: Why do it? Intern. Journ. Of Drug Policy, v. 2, n. 5, p. 197-208, 1989.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 2
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originalmente propostas pelo “modelo de Mersey” estavam sofrendo um retrocesso em
direção a propostas consideráveis mais “amenas” pela lógica proibicionista.3

A discussão sobre esta variação de nomenclatura (Strang, 1993, p. 5) é solucionada


por Soares (1997, p. 82-83) para quem: “o risco é uma condição para que o dano ocorra e -
dentro de uma perspectiva preventiva - cabem tanto ações para evitar danos como para
reduzir riscos”. A reprodução da discussão sobre as implicações do conceito de risco
epidemiológico, a identificação de fatores de risco “passo obrigatório para a prevenção
primária” e sua relação causal com o “dano” ou doença (Almeida, 1989, p. 21-26) foge ao
nosso propósito neste momento. No entanto a importância do estabelecimento correto e
preciso da relação entre risco e dano se averigua no campo de práticas e saberes voltados
para as drogas justamente pelo “uso indevido” de resultados de trabalhos epidemiológicos,
nem sempre metodologicamente apropriados para estabelecer medidas de risco (Almeida
(1989, p. 25). Tal “uso indevido” pode ser fruto tanto de precipitação, movida por ausência
de rigor ou desconhecimento, quanto pode corresponder a distorções ideologicamente
moldadas.

A eleição da expressão redução de danos, em nosso entendimento, traz a vantagem


de demarcar uma ruptura com o “status quo” formado pelos saberes e práticas
estabelecidos, sob o proibicionismo, para abordar os problemas associados aos usos de
drogas. Portanto consideramos que as divergências acima apontadas a cerca de um
problema, aparentemente de nomenclatura, podem de fato reproduzir divergências de
natureza conceitual (e consequentemente passível de identificar opções ideológicas
distintas). Para esta nova perspectiva não se trata mais de reduzir ou prevenir os riscos
associados ao uso de drogas, mas de estabelecer uma nova hierarquia de prioridades para
intervir sobre os danos associados ao uso.

Ao descrever a evolução de estratégia de redução de danos Duncan et al. (1994)


relata que em 1984 a estratégia que preconiza a “promoção de saúde” e o “desenvolvimento
produtivo” passa a ser chamada pela primeira vez de redução de danos em um relatório do
“Home Office of the British” ligado ao governo inglês, ao se referir às duas metas

3
Retomaremos com mais detalhes esta questão na seção “O modelo de Mersey: uma resposta emergente
ao problema da AIDS entre usuários de drogas injetáveis”.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 3
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alternativas para programas de prevenção do abuso de drogas: uma que previne o uso de
drogas e outra - aquela em foco neste trabalho - que busca a “redução de danos” associados
aos usos de drogas.

Diversos programas de educação relacionados às drogas e seus usos (Duncan et al.,


1994) ou de tratamento à dependência de drogas (O’Hare, 1994), anteriores à epidemia,
também passaram a ser enfeixados sob a mesma perspectiva. Mesmo as abordagens de
situações de caráter emergencial (como o atendimento de emergências clínicas associadas
ao uso de drogas, comumente ligadas a overdose) podem ser revistas como constituindo um
momento apropriado para intervenções que assimilem as concepções de redução de danos
(Schulz-Schaeffer & Püschel, 1995).

Desta forma, determinadas medidas ou proposições historicamente anteriores ao


nascimento da redução de danos como um novo "paradigma da saúde pública” (Stimson,
1990; Duncan et al., 1994; Bialakowsky, 1997), passam a ser citados como exemplo de
propostas precursoras da nova perspectiva. É o caso citado por O’Hare (1994, p. 66) que
considera o seguinte trecho presente no Relatório Rolleston datado de 1926 (Inglaterra)
como uma proposição de redução de danos: "a manutenção de usuários por meio do
emprego de opiáceos é o tratamento adequado para determinados usuários [de heroína]".

Comporiam o seu campo de abrangência, uma gama extensa de táticas como as


proposições de mudanças nas sanções legais associadas ao uso de drogas, as medidas que
recomendem o aumento no número de serviços disponíveis para tratamento de drogas,
educação voltada para a mudança de comportamentos entre usuários de drogas e medidas
que visem mudança da percepção pública das drogas e seus usuários (Duncan et al., 1994,
p. 283).

No entanto, a redução de danos é percebida frequentemente como restrita à


prevenção do HIV/AIDS entre usuários de drogas injetáveis. Uma primeira razão para esta
visão restrita, é a importância que a AIDS, como uma epidemia global, adquire ao afetar os
usuários de drogas injetáveis, seus parceiros sexuais e prole. Uma segunda razão, decorre
do fato do nascimento desta perspectiva ter ocorrido na Europa, e que sua expansão se deu
para outros países de 1º mundo. Na maioria destes países os usuários/dependentes que

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procuram os serviços de tratamento (portanto os que ganham maior visibilidade) consomem
em larga escala a heroína, a qual é utilizada, preferencialmente, pela via injetável. Portanto,
é compreensível que o principal dano associado ao uso de droga, que tem sido tomado
como prioridade das políticas de saúde seja a transmissão do HIV/AIDS pelo uso injetável.
Uma terceira razão, acreditamos advir das dificuldades geradas pela percepção social do
“problema droga”. A demonização da droga, expressão que designa a função de bode
expiatório cumprida por esta e seus usuários como “fonte de todos os males”, torna difícil a
aceitação de medidas voltadas para os usuários que os tomem como objeto de intervenções
fora do binômio doente-criminoso. Entendemos que a emergência deste novo marco
conceitual para o campo das drogas, por conter uma posição ético-política divergente
daquela dominante, encontrará inúmeras dificuldades para sua aceitação. A relevância de
abordarmos este tema se dá pela importância que esta perspectiva ganha ao se ocupar de
problemas de saúde decorrentes do uso de drogas, dentre os quais se encontra a transmissão
do HIV/AIDS.

Ressaltamos que, embora o foco deste trabalho nos leve a abordar principalmente as
questões mais diretamente relacionadas aos usos de drogas ilícitas, a perspectiva de redução
de danos inclue ações voltadas igualmente para as drogas lícitas.

Continuando esta introdução, apresentaremos alguns aspectos históricos das drogas,


a situação epidemiológica e a interface drogas e AIDS no Brasil.

2. Drogas: aspectos históricos

O uso de drogas é uma prática que acompanha a história do Homem. Drogas,


substâncias psicoativas, psicotrópicos, entorpecentes, sob diferentes nomenclaturas, as
drogas tem sido objeto do uso por parte dos seres humanos com finalidades múltiplas. Estes
diferentes usos testemunham que a relação do homem com a própria consciência inclui uma
diversidade de modalidades que acompanham a história de povos, culturas e nações
(Totugui, 1988). Da busca do êxtase (Perlongher, 1991; Velho, 1997) à automedicação, os
usos de drogas lícitas e ilícitas ocupam um amplo espectro de práticas submetidas em graus
diversos a controles formais e informais (Castel & Coppel, 1991; Grund, Kaplan, & De

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Vries, 1993). Dentro de seitas como o Santo Daime ou da União do Vegetal o uso de
substâncias psicoativas é submetido a rituais e sanções e cumpre uma função místico
religiosa, tal como entre xamãs que se utilizam de seus efeitos de alteradores de consciência
para o afastamento da cotidianidade a fim de cumprir suas funções sagradas (Abreu, 1992).

Desde a antiguidade, o vinho e a cerveja eram amplamente consumidas na Europa;


neste período; o reconhecimento do seu abuso produzia tentativas de controle através da
moral e da religião (Barata, 1992).

Nos séculos XVI e XVII, estudos históricos revelam que alguns governos
impuseram restrições ao consumo de café e tabaco por razões de cunho social e econômico
(Escohotado, 1992). Tanto o tabaco quanto o café - substâncias produzidas e trazidas do
Novo Mundo - eram consideradas ameaçadoras para o mercado local; um exemplo deste
tipo é o caso do movimento social dos produtores de cerveja que resistiram à chegada das
novas bebidas destiladas fabricadas e trazidas das colônias pelo seu fácil transporte
(Barata,1992; Escohotado, 1992).

No Brasil, a introdução da maconha é atribuída aos escravos vindos da África


Ocidental, segundo Doria (1915) e Mott (1986), citados por Bucher (1992, p. 93-94 4); no
entanto, o uso da maconha feito pelos índios do norte do país sugeriria, a sua existência no
país anterior à chegada dos africanos, segundo Adiala (1986) e Monteiro (1965) 5, também
citados por Bucher (1992, p. 94). Seja de origem autóctone ou importada da África, o uso
da maconha difundiu-se, principalmente no nordeste do país, favorecido pela expansão das
lavouras de cana-de-açúcar e pela necessidade de se importar escravos; o hábito de plantar e
cultivar a maconha era bem tolerado; na opinião de Freire (1937) 6a diamba - um dos
nomes pelo qual a maconha é conhecida, principalmente no norte e nordeste do país -
assegurava a estabilidade aos senhores nos períodos de ociosidade dos escravos.

4
R. Doria. Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício. (1915) In: Henman, A. & Pessoa, O.
diamba Sarabamba. São Paulo, Ground, 1986. P. 19-37. L. Mott A maconha na história do Brasil. In:
Henman, A. & Pessoa, O. diamba Sarabamba. São Paulo, Ground, 1986. P. 117-135.
5
J.C. Adiala. O problema da maconha no Brasil: ensaios sobre racismo e drogas. Rio de Janeiro,
IUPERJ, Série Estudos, n. 52, 1986. M.Y. Monteiro. Folclore da maconha.. Revista Brasileira de
Folclore, v. 5, n. 11, p. 285-300, 1965.
6
G. Freire. Nordeste. Rio de Janeiro, José Olímpio, 1937.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 6
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
A difusão do uso da maconha, inicialmente entre os escravos, se expande aos
caboclos e por fim migra de área rural para a urbana (Bucher, 1992). No entanto, cabe
salientar que o uso da maconha esteve arraigado às camadas populares, sendo testemunho
disso menções nos cancioneiros populares que são sugestivas de diferentes usos: uso que
tem um caráter puramente lúdico, um caráter medicinal tradicional quando usada pelos
feiticeiros ou velhos caboclos, ou uso como remédio propriamente dito (Bucher, 1992).

A coca, observada pela primeira vez pelos espanhóis em 1499, era a planta sagrada
dos Incas; conta a história incaica que esta planta havia sido mandada pelo Deus-Sol para “
mitigar a fome, prover os cansados e fracos com o vigor renovado e levar os infelizes a
esquecer suas misérias” (Lewin, 19747, citado por Bastos, 1992a). Quando da chegada dos
espanhóis, o uso das folhas de coca já havia se estendido às castas inferiores da sociedade
incaica, sendo amplamente utilizada pelos indígenas da região andina.

No século XIX assiste-se o florescer de progressos farmacológicos, dos quais


resultam o descobrimento de fármacos puros tais como a morfina em 1806, a codeína em
1832, a atropina em 1833, a cafeína em 1842, a cocaína em 1860), a heroína em 1883, a
mescalina em 1896 e os barbitúricos em 1903 (Escohotado, 1992).

De maior interesse em nosso meio, a cocaína, um alcalóide derivado da folha de


coca, (isolada por Nieman em 1860), foi sintetizada em laboratório em 1898 por Willstatter.
Nesta época, diversos produtos são comercializados contendo a cocaína, dentre eles a Coca-
Cola; chega a ser considerada uma panacéia, como ilustra uma propaganda do “tônico”
Vinho Mariani, produzido por um químico Mariani que contribuiu para a popularização da
cocaína recém sintetizada: “Vinho Mariani - nutre, fortifica, refresca, auxilia na digestão,
fortalece o organismo. Inigualável como tônico- estimulador para os corpos e cérebros
fatigados ou exigidos por um trabalho excessivo. Previne a malária, a gripe e as doenças
consuptivas.”; ou na propaganda dos laboratórios Merck e Parke Davis: “a cocaína ...
auxiliar indispensável no tratamento do uso continuo da morfina...; deveriam colocar esse
remédio entre os tesouros (do arsenal médico)”, ou ainda: a cocaína é um estimulante

7
L. Lewin. Cocainism. 1924. Traduzido e reimpresso em BYCK (1974).
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 7
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particularmente adaptado a elevar a capacidade de trabalho do organismo, sem quaisquer
conseqüências danosas.” (citado por Bastos, 1992a, p. 29).

O ópio, utilizado tradicionalmente no Oriente, foi objeto de mercância e disputas


com o Ocidente (conhecida como a “guerra do ópio”, no século XIX), e teve seu uso
constituído em um problema no final deste mesmo século.

A partir de 1906, os Estados Unidos passam a reprimir a “onda branca”; 46 estados


norte-americanos passam a adotar leis visando controlar a venda da cocaína. O ápice deste
movimento se dá em 1914 com o Harrison Act que obrigava os fabricantes ou
distribuidores da cocaína a se inscreverem junto a uma agência federal e a pagarem um
imposto especial (Delpirou & Labrousse, 1988; Scheerer, 1993).

A conferência de Haya de 1912, cuja iniciativa partiu dos Estados Unidos, consolida
o primeiro acordo internacional em que se limitava a “usos médicos e legítimos o ópio, a
morfina e a cocaína” (Escohotado, 1992, p. 29).

Entre os anos de 1910 e 1920, se estruturam as bases da política proibicionista de


drogas vigente até hoje, através da ampliação das preocupações com o que até então era
chamado de “problema do ópio”, transformado, pela inclusão da cocaína, em “problema da
droga” (Scheerer, 1993, p 169-191).

Este período (final do século XIX e início do século XX) é considerado como o
primeiro ciclo de intolerância às drogas seguido por um segundo ciclo consolidado nos anos
80 e 90, segundo vários autores como Room (1985a, 1985b), Reinarman e Levine (1989) e
Musto (1991)8 citados por Carlini-Cotrim (1992, p. 13-23). Os períodos de intolerância são
caracterizados pela “explosão de sentimentos e ações contrárias às drogas” como

8
Os trabalhos citados são: C. Reinarman E H. Levine. Crack in context: politics and media in the
manking of a drug scare. Contemporary Drug Problems, v. 16, p. 535-577, 1989; R. Room. Alcohol
as a cause: empirical links and social definitions. In: Van Wartburg, J.P.; Magnenat, P.; Müller, R.,
Wyss, S. eds. Currents in alcohol research and prevention of alcohol problems. Berne; Stuttgart,
Toronto, Hans Hueber, 1985a; R. Room. Drugs, conciousness and society: can we learn from other’s
experience? In: INTERNATIONAL CONGRESS ON ALCOHOL AND DRUG DEPENDENCE, 34.
Proceedings. Alcohol, drugs and tobacco: an international perspective: past, presente and future.
Edmonton (Alberta), Alberta alcohol & Drug comission, 1985b. p. 174-176. D. Musto. Opium,
cocaine, and marijuana in American history. Scientific American, v. 265, n. 1, p. 40-47, 1991.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 8
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
“movimentos de massa, ações legislativas, políticas públicas e campanhas dos meios de
comunicação” de caráter anti-droga (Carlini-Cotrim, 1992, p.10).

No final dos anos 60 há uma expansão do uso de drogas associado ao movimento da


contracultura; o uso, principalmente da maconha e de outros alucinógenos, como o LSD
(alucinógeno sintético, descoberto acidentalmente por Hoffman em 1943) encontrava no
psicodelismo os subsídios para sua expansão. O uso de drogas passa a ser um fenômeno de
massa, predominantemente urbano, acompanhando transformações sociais de cada
sociedade específica, isto é, guardando uma estreita relação entre os usos e a sociedade na
qual esses usos se dão.

Nos anos 70 o uso progressivamente crescente da heroína, tanto nos EUA quanto na
Europa, é seguido de perto, pelo uso crescente da cocaína; ambos os usos acentuando-se
nos anos 80 e 90, guardadas as diferenças de intensidades absolutas e relativas dos usos
entre os EUA e países da Europa.

No Brasil, houve também um incremento do consumo de cocaína desde a segunda


metade dos anos 70 e início da década de 80, ainda que em proporção bem menor se
comparado ao aumento do consumo nos EUA; segundo Carlini et al. (1995), este aumento é
atribuído à inclusão da cidade do Rio de Janeiro na rota do tráfico desta droga para os
Estados Unidos e a Europa. O levantamento feito por Galduróz et al. (1994b) com dados da
polícia federal, também ilustra um aumento considerável da quantidade de cocaína
apreendida entre os anos de 1987 e 1990.

A inexistência de um mercado de heroína até muito recentemente9, faz com que os


principais problemas associados ao consumo e tráfico de drogas ilícitas sejam ligados a
cocaína e derivados.

O crack10 é uma das preparações derivadas da cocaína cujo consumo se associa a


“maiores disfunções psicossociais” (Kandel & Davies, 1996 11) citado por Andrade (1996,

9
Há indícios de que a heroína está entrado em nosso mercado, conforme levantamentos epidemiológicos
de práticas de risco entre usuários feitos em 4 regiões , conhecido por Projeto Brasil, que será visto em
seções posteriores. A entrada de heroína já tem despertado o interesse alardeante da mídia, conforme se
observa na reportagem feita pelo programa Fantástico (29.06.97).
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 9
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
p. 20), pela intensa compulsão relatada pelos seus usuários e a rápida instalação de quadros
compatíveis com o diagnóstico de dependência. Também se associa ao consumo de crack
um maior risco de infecção pelo HIV devido a práticas sexuais de risco conforme trabalho
de (Ratner, 1993b) e Ellerbrock et al. (1995) citado por Andrade (1996, p. 20) 12.

O uso de crack foi pela primeira vez descrito em nosso meio entre prostitutas de São
Paulo em 1991 (Cavallari et al. 1992). Em um estudo com usuários de drogas ilícitas
(injetáveis e não injetáveis), realizado na cidade de São Paulo em 1991/1992, com 306
usuários de drogas recrutados na rua (153 indivíduos) e em clínicas de tratamento (idem),
encontrou-se 138 indivíduos (45% do total da amostra) que relataram fazer uso de crack.
(Cavallari et al., 1992).

Um estudo recente da Organização Mundial de Saúde (“Cocaine Project”) revelou


que o crack mais frequentemente consumido em São Paulo, é preparado a partir da pasta
básica, contendo portanto mais impurezas, nocivas à saúde (WHO, 1995).

A Convenção Única de 1961 (referendada pela Convenção de Viena de 1971)


estabelece as diretrizes, que em linhas gerais, tem ditado a política internacional de controle
das drogas. Em acordo com seu artigo 4, fica explicitado que os países signatários assumem
uma “obrigação geral” de “cooperar com outros Estados na execução das decisões desta
convenção” e, desta forma, exercer um “controle severo” das drogas através de uma “ação
coordenada e universal” (citado por Tongue, [1993?], p. 10).

Desta forma as legislações nacionais referentes às drogas dos países participantes


destes acordos internacionais firmados em convenções organizadas pela Organização das

10
“Crack”, nome onomatopaico de um derivado da planta de coca, preparação “caseira” obtida
habitualmente pela adição de Bicarbonato Sódio ao Cloridrato de Cocaína (o “pó” de cocaína) que após
aquecimento, se transforma em uma “pedra”, cuja quebra em partes menores produz um som
característico o “crack”. Outra forma de preparo, menos habitual nos países avançados e comum em
nosso meio, substitui o cloridrato pela “pasta básica”, produto intermediário obtido pela cocção das
folhas de coca, misturadas à querosene. O crack produzido a partir da pasta básica (às vezes conhecido
como “casca”),contém querosene, responsável por uma maior toxicidade ao organismo quando de sua
inalação.
11
D.B. Kandel & M. Davies. High school students who use crack and others drugs. Arch. Gen.
Psychiatry, n. 53, p. 71-80, 1996.
12
T.V. Ellerbrock et al. Risk of human immunodeficiency virus infection among pregnant crack cocaine
users in a rural community. Obstet. Gynecol., v. 86, n. 3, p. 400-404, 1995.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 10
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Nações Unidas, apresentam uma relativa hegemonia no tratamento proibicionista dado à
questão droga.

Dentro deste panorama internacional, destacam-se os EUA, ocupando a liderança


das posições mais repressivas e a Holanda, contrapondo a tendência “universal”, adotando
uma política tolerante às drogas de “menor risco” (maconha e haxixe) desde o início dos
anos 70. Neste mesmo período os EUA, ainda no governo Nixon, declaram uma "guerra às
drogas", nome pelo qual se convencionou chamar desde então a política norte-americana de
drogas. Contraditoriamente com as pretensões explícitas por esta política, a amplitude do
consumo de drogas ilícitas e dos problemas a ele associados neste país são os maiores do
mundo (Bucher, 1992; Carlini-Cotrim, 1992).

Portanto pode-se dizer que a história recente das drogas é uma história de
proibições, de movimentos cíclicos de intolerância/tolerância a seu consumo (Carlini-
Cotrim, 1992) de "guerras santas ou etnocidas" como a guerra às drogas (Trebach & Zeeze,
1990b; Henman, 1994), de encantamentos e "demonizações" (Zaluar, 1994b), uma história
das paixões e miséria humana.

Um exame "desapaixonado" da realidade brasileira no que se refere ao consumo de


drogas ilícitas é favorecido por uma aproximação epidemiológica do problema.

3. Drogas: uma visão epidemiológica do problema no Brasil

Consultando 3 revisões da literatura sobre a epidemiologia das drogas no Brasil a de


Morgado e Iguchi (1983) de Carlini-Cotrim (1991b) e a de Almeida et al. (1991),
encontramos um quadro de consumo de drogas que não corresponde ao alarde com que a
mídia trata uma suposta epidemia de drogas no país. À pergunta: "Is there an epidemic of
drug misuse in Brazil?" (Almeida et al., 1991) a resposta é não.

Segundo Carlini-Cotrim (1991b), os dados sobre o consumo de substâncias


psicotrópicas por estudantes secundários apontam que as 4 drogas mais utilizadas por este
segmento populacional no mundo eram: "maconha (presentes entre as 4 mais usadas em
todos os países); estimulantes/anfetaminas (presentes em 16 dos 20 países); inalantes (15
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 11
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
dos 20 países); e os tranquilizantes/ ansiolíticos (13 dos 20 países). A cocaína, os
alucinógenos e a heroína aparecem em número bem menor de locais e com cifras bem mais
discretas" no geral (p. 4-5).

Os escores brasileiros de uso na vida13 encontrados para estas drogas foram:


inalantes, 17,3%; ansiolíticos, 7,2%; anfetaminas, 3,9%; maconha, 3,4%. (1991b, p. 5)

Bucher (1992), escreve a respeito desta mesma revisão de Carlini-Cotrim: "em


síntese, os dados epidemiológicos disponíveis até hoje no Brasil não destoam do panorama
internacional, onde a soma aritmética destas quatro drogas se situa entre 20 e 35% (no
Brasil: 31,8%) - com exceção dos Estados Unidos, onde este parâmetro (meramente
indicativo) atinge o nível impressionante de 96,6%.” (Bucher, 1992, p. 22).

Portanto, tomadas as drogas em conjunto, o consumo brasileiro entre estudantes


encontra-se "perfeitamente dentro dos padrões internacionais" (Carlini-Cotrim, 1991b, p.6).

As conclusões extraídas por Carlini-Cotrim e Almeida et al. no que se refere às


drogas ilícitas não são concordantes; para a primeira "o Brasil tem um padrão de consumo
entre estudantes (sem distinção entre drogas lícitas e ilícitas) perfeitamente dentro dos
padrões de consumo internacionais (...) cabe ressaltar, por outro lado, o alto consumo de
drogas entre estudantes norte-americanos, líderes internacionais do uso de maconha,
cocaína, estimulantes e inalantes.”(p. 115); para o segundo "indubitavelmente as
prevalências do consumo de drogas ilícitas entre jovens brasileiros são muito mais baixas
comparadas com indicadores similares de países industrializados." No entanto Almeida cita
índices norte-americanos (uso na vida de maconha: acima de 50% em 1976; ou uso na vida
de cocaína de 17% em 1985) ou entre ingleses os índices de uso recente de maconha de 5%
(entre norte-americanos 35% em 1979 e 22% em 1985).

Em seu conjunto os achados no Brasil apontam para taxas de consumo de maconha


na vida entre 2 a 4% entre estudantes mais jovens e 6 a 9% entre estudantes mais velhos; o

13
A classificação dos usos de drogas proposta pela OMS para populações em geral é: uso na vida,
quando a pessoa fez uso de qualquer droga pelo menos uma vez na vida; uso no ano, quando a pessoa
utilizou droga pelo menos uma vez nos últimos doze meses antes da consulta; uso no mês ou recente,
quando a pessoa utilizou a droga pelo menos uma vez nos 30 dias que antecederam à consulta; uso
frequente, quando a pessoa utilizou a droga 6 ou mais vezes nos 30 dias que antecederam à consulta.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 12
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
mesmo tipo de uso de maconha em São Paulo foi de 4,9%. Se se considera o uso frequente
ou recente de maconha as estimativas caíram para a faixa de 0,8 a 2% (São Paulo: 0,8 %) .

Para outras drogas ilícitas as taxas encontradas eram muito baixas como por
exemplo o uso na vida de cocaína foi estimado entre 0,5% (para estudantes de 2º grau) e
2% (para estudantes mais velhos) (Almeida et al., 1991); em São Paulo, o uso na vida de
cocaína foi de 2,4%, e uso no mês de 0,8%. Os índices nacionais são comparáveis com
aqueles encontrados em estudos latino americanos, feitos com metodologias similares: o
uso de qualquer substância ilícita foi de 2 a 7%, (bastante próximo dos nossos); as taxas de
consumo de medicamentos psicotrópicos e inalantes foi de 5 a 6% (mais baixas que as
nossas) e as taxas de consumo de cigarros de 53-56% (muito maiores que as nossas)
(Galduróz et al., 1994a, p.364).

Em seu conjunto os trabalhos encontrados nestas revisões (e em nossa revisão)


foram dirigidos quase exclusivamente a estudantes de 1º e 2º grau ou universitários.

A carência de estudos epidemiológicos na população em geral (Carvalho Neto et al.,


1987; Almeida et al., 1991; Bucher, 1992) não permite um conhecimento científico sobre a
realidade dos diferentes usos das múltiplas drogas ilícitas e lícitas em nosso país. Incluímos,
a título ilustrativo dados do estudo mais recente (Carvalho Neto, 1987): em uma população
de baixa renda de Salvador o consumo habitual14 de maconha foi de 2%, de inalantes foi da
ordem de 0,2% (p. 13) e nenhuma menção de uso de cocaína.

Um único estudo multicêntrico de morbidade psiquiátrica (Almeida et al., 1992) em


áreas urbanas foi realizado em Brasília, Porto Alegre e São Paulo. Em São Paulo a taxa
encontrada para prevalência do abuso/dependência de álcool foi 8%, disputando o segundo
lugar com distúrbios fóbicos. Já a "demanda potencial" estimada para o alcoolismo foi de
4%. Na distribuição para o gênero masculino o alcoolismo ocupa o 1º lugar com uma
prevalência de diagnóstico de 15%, e uma estimativa de demanda potencial por diagnóstico
de 8,6%. Ressaltam os autores que "apesar de comporem o sistema nosológico
adotado"(…) o "tabagismo e dependência de outras drogas foram excluídos da análise

14
O consumo habitual foi definido: ser usuário atual, sub-dividindo-se os usuários em duas categorias: uso
semanal : mais de 2/3 dos usuários habituais, e uso diário: o restante.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 13
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
porque a metodologia não foi adequada para sua identificação" (p. 98); dentre as
especificidades metodológicas necessárias para realização de estudo de dependência de
“outras drogas” - as ilícitas- está a inclusão de procedimentos que garantam o sigilo,
privacidade e anonimato na obtenção das informações, bem como um reasseguramento
cuidadoso quanto ao destino a ser dado às informações obtidas. Neste estudo a ausência de
privacidade no momento da obtenção das informações a domicílio, com entrevistas
conduzidas muitas vezes na presença de outros membros da família (Almeida et al., 1992,
p. 97) inviabilizou a abordagem de questões sobre drogas ilícitas.

No caso particular dos meninos e meninas de rua dispomos de 3 levantamentos


realizados em 1987, 1989 e 1993 (Noto et al., 1993). No caso do uso de droga ilícita por
crianças de rua15 os altos índices encontrados entre nossos pesquisados coincide com o que
a literatura internacional aponta sobre a estreita relação entre o consumo de drogas e as
carências sociais (Gutierrez et al., 1985; Fuente & Medina-Mora, 198716, citados em
CEBRID/UNFDAC, 1990, p. 17)): o uso na vida entre crianças de rua de 3 capitais (São
Paulo, Porto Alegre e Fortaleza) no ano de 1989 foi de 80%, 52,5% e 49%
respectivamente; o uso recente foi, respectivamente, de 52%, 31% e 32% ; o uso pesado
encontrado foi de 20,5%, 3,5% e 10%, respectivamente (segundo publicação do Centro
Brasileiro De Informações Psicotrópicas & United Nations Fund For Drug Abuse Control
CEBRID/UNFDAC, 1990, p. 11).

As drogas principalmente utilizadas em São Paulo em 1993 por esta população


foram: os solventes relatados por 80,5% dos sujeitos da amostra, seguidos em segundo
lugar pela maconha citada por 69,0% e cocaína e derivados citados por 46,5% dos
respondentes (a soma excede 100% pelo uso frequentemente combinado destas drogas por
um mesmo indivíduo) (CEBRID/UNFDAC, 1990). A distribuição de tipos de uso entre as

15
A classificação da OMS dos tipos de uso para populações que sabidamente fazem uso de drogas é: não
usuário, nunca utilizou droga; usuário leve, utilizou drogas, mas no último mês o consumo não foi
diário ou semanal; usuário moderado, utilizou drogas semanalmente, mas não diariamente, no último
mês; usuário pesado, utilizou drogas diariamente no último mês.
16
Gutierrez et al. Control social y uso de drogas en menores que trabajam em la via publica (cao
Monterrey). Salud Mental., v. 8, n. 3, p. 3-7, 1985; R. Fuente & M.E. Medina-Mora. Las adicciones en
México: II- el abuso y la dependencia de fármacos psicoativos. Salud Mental, v. 10, n. 2, p. 14-21,
1987.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 14
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
crianças de rua em São Paulo, no mesmo ano foi: não-usuário: 17,5%; uso leve: 36%; uso
moderado: 16% e uso pesado: 30,5% (Noto et al., 1994, p. 27).

Sobre o uso de drogas pela via injetável 19 crianças referiram este uso, no total de
565 crianças entrevistadas, assim distribuídas: 3 em São Paulo, 6 em Porto Alegre, 4 em
Fortaleza, 6 em Recife e nenhuma no Rio de Janeiro (Noto et al., 1994, p. 37).

Os recortes populacionais dos estudos sobre uso de droga ilícita de que dispomos
em nosso país (Bastos, 1995, p. 125)17 não permitiram a identificação de números
expressivos de casos de uso de drogas injetáveis.

Por exemplo: desconhecemos ainda hoje, os índices de consumo de drogas ilícitas


entre jovens, que se evadiram da escola ou que adentraram precocemente no mercado de
trabalho, em geral também pertencentes a estratos sócio-econômicos mais baixos. O
interesse neste segmento populacional se justifica pelo achado de que tal perfil corresponde
aos casos notificados de AIDS no município de São Paulo entre adolescentes (de 12 a 18
anos) cuja categoria de transmissão foi o uso de droga injetável, conforme estudo descritivo
feito em 1994 por Soares (1995), a partir de levantamento das fichas de notificação
compulsória, centralizadas no Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado
de Saúde de São Paulo (Soares, 1995).

Ou então, a respeito do baixo número de casos notificados de internação por uso


abusivo de cocaína, Kalichman, (1993) comenta, sobre a provável sub-notificação dos
registros hospitalares, e Bastos (1995a, p.127) pondera sobre a maior importância para
entender este fato, que ele atribui à baixa interação entre os usuários de drogas ativos
(dentre os quais se encontram os UDIs) e os sistemas de saúde.

17
Estes estudos foram realizados pela equipe da Psicofarmacologia da EPM e CEBRID, e constituem
dentro da produção nacional, aqueles considerados metodologicamente corretos; Bastos (1995, p. 125),
cita os trabalhos feitos com usuários de solventes orgânicos (Carlini-Cotrim e Carlini, 1988); usuários de
psicofármacos (Carlini-Cotrim e Silva Fº, 1988) e pacientes hospitalizados (Masur & Carlini-Cotrim,
1987), ou a revisão de precrições indevidas em farmácias (Carlini & Masur, 1986) .Os trabalhos
mencionados são: B. Carlini-Cotrim & E. Carlini, The use of solvents and otrhers drugs among
homeless and destitue children living in the city streets of São Paulo, Brazil. Social Pharmacology, n. 2,
p. 51-62, 1988; B. Carlini-Cotrim & A.R. Silva Fº, O abuso de Artane por meninos e meninas de rua de
São Paulo: possíveis influências da portaria 27/86. Da DIMED. J. Bras. Psiqu. , v. 37, n. 4, p. 201-203,
1988; J. Masur & B. Carlini-Cotrim, Padrão de uso de drogas psicotrópicas precedendo a iternação por

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 15


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O usuário de drogas injetável (“personagem epidemiológico”, retirado dos anais da
justiça penal) foi construído às pressas em nosso meio, como agente importante na
dinâmica da epidemia pelo HIV/AIDS do ponto de vista da saúde pública. O regime de
urgência da construção deste “personagem epidemiológico” no Brasil, difere do
conhecimento que se tem deste “personagem” nos EUA e Europa onde existe ampla gama
de estudos dedicados à questão há décadas (Bastos, 1995a, p.126-127). Esta “construção às
pressas”, somada aos achados de características do uso de drogas em 2 populações de UDIs
estudados em Santos e Rio de Janeiro (WHO, 1993) , “podem elucidar o aparente paradoxo
de termos UDIs (doentes de AIDS) e “não termos” UDIs (detectados em pesquisas
anteriores)” (Bastos, 1995a, p.126).

Como a análise dos dados preliminares deste estudo da OMS mostrou:

“o UDI 18 muito raramente chega a essa via, sem antes ter


experimentado outras formas de auto-administrar o produto. Por
essa razão, apesar de ter iniciado o consumo, via de regra, na
adolescência, passa a se injetar por volta dos 19 anos de idade”.

Bastos (1995a), chama a atenção para o fato de que este padrão foi relatado com
uma grande regularidade nas 13 cidades, o que ele considera incrível se levarmos em conta
as diferenças culturais entre as 13 cidades participantes do estudo19 (p. 126). Portanto pode-
se dizer que os estudos feitos em secundaristas e crianças de rua, não são os segmentos
populacionais mais apropriados para identificar o personagem usuário de drogas injetável.

Tendo já introduzido uma possível razão para a entrada temporalmente defasada do


usuário de drogas injetável no cenário das pesquisas epidemiológicas de drogas e das
patologias transmissíveis de notificação obrigatória, daremos continuidade à
contextualização dos problemas correlatos aos usos de drogas, examinando sua interface
com AIDS.

dependência. Rev. ABP/APAL, n. 9, p. 154-150, 1987; E. Carlini & J. Masur, Venda de medicamentos
sem receita médica nas farmácias da cidade de São Paulo. Rev. Ass. Med. Bras. N. 35, p. 75-78, 1986.
18
UDI: usuário de droga injetável
19
As cidades em questão são: Atenas, Bangkoc, Berlim, Glasgow, Londres, Madri, Nápoles, New York,
Roma, Rio de Janeiro, Santos, Sydney, Toronto.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 16
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
4. Drogas e AIDS no Brasil

A evolução da epidemia da AIDS no Brasil tem seguido um processo de


pauperização e interiorização. Há um crescimento maior entre os estratos sócio-econômicos
mais baixos, expandindo-se para os municípios compostos por cidades de porte médio, de
maneira mais acelerada no interior de São Paulo e estados da região Centro-Oeste e Norte
(Bastos, 1995a, p.30). O eixo Centro-Oeste coincide com o que parece ser o eixo de tráfico
da cocaína através da rede rodoviária, que escoaria a coca tradicionalmente produzida e
refinada na Colômbia, Peru e Bolívia conforme Arbex ( 1993) e UNDCP20 (1993) citados
por Bastos, 1995a). Na cidade de São Paulo, o estudo de Grangeiro (1994) estabeleceu
áreas homogêneas, classificadas segundo a distribuição das categorias de transmissão de
casos notificados pelas regiões da cidade: nas áreas mais pobres, localizadas
perifericamente na cidade, observou-se um número maior de casos entre UDIs, com uma
razão masculino/feminino menor do que nas áreas mais centrais e mais ricas, onde
predominaram os casos entre homossexuais masculinos, com uma razão
masculino/feminino maior.

Quanto à distribuição de casos segundo as categorias de transmissão, tem havido


uma retração da participação proporcional do segmento composto pela exposição homo e
bissexual (não do número absoluto de casos, no âmbito nacional). Passam a sobressair-se as
categorias de exposição pelo uso de droga injetável e a transmissão heterossexual,
acompanhando-se da redução da razão homem-mulher dentre os casos de doença (Bastos,
1995, p.29).

No ano de 1985, a via de transmissão pelo “uso de drogas injetáveis” foi


responsável por 3,1% do total de casos notificados no país; o aumento do número de casos
de AIDS foi tendo uma participação proporcionalmente crescente pela via de uso de droga
injetável, atingindo em 1993 a cifra de 24% e 21,2% em 1996, do total de casos notificados.

20
Os trabalhos citados são: Arbex Jr., J. Narcotráfico: um jogo de poder nas Américas. São Paulo, Ed.
Moderna, 1993 e United Nations International Drug control Programme -UNDCP. Relatório de
atividades no Brasil: 1987-1993. Brasília, UNDCP, 1993.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 17
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O Brasil ocupa o 3º lugar do mundo em número de casos; do total de casos e AIDS
do país, 82.852 (ocorridos entre 1980 e 1/06/96), cerca de 60% (49.381) encontram-se no
estado de São Paulo. A proporção da via injetável no conjunto de casos em São Paulo é
razoavelmente maior que a média nacional, por exemplo, em 1993 esta via contribuiu com
37,6% e em 1996, 32,53% do total de casos notificados (Secretaria de Estado de Saúde de
São Paulo, 1996). No estado de São Paulo, o número absoluto de casos pela via de
transmissão por droga injetável (16.973, até 31/12/96) é maior que o número absoluto de
casos por transmissão homossexual (11.291), segundo o Boletim Epidemiológico da
Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, de março de 1997 (tabela 7, p.12).

Segundo Grangeiro (1994), a questão drogas endovenosas só se tornou objeto de


preocupação das políticas de prevenção e controle da AIDS na cidade de São Paulo e na
cidade de Santos, em 1988 e 1989 respectivamente; neste anos foram elaboradas as
primeiras propostas de intervenção para esse grupo específico (Ferreira et al., 1990, 1991;
Bueno, 1994).

A epidemia de AIDS tem tornado visível, desde então, a inexistência de uma


política de saúde para enfrentamento do problema do uso de drogas sobretudo do uso de
drogas ilícitas.

O crescimento da infecção pelo HIV ocorre em pessoas jovens, período a que


corresponde maior atividade sexual e dentre os quais o consumo de drogas (inclusive de
droga injetável) é mais comum (Bastos, 1995a, p.31).

Em uma comparação dos índices de positividade do HIV, aquilatados por estudos de


soroprevalência21, Bastos verificou que os maiores índices (acima de 16%) foram
encontrados nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro entre UDIs, travestis, população
carcerária e parceiras de pacientes HIV positivos (p. 36).

Foi realizado um estudo na cidade de São Paulo por Ferreira et al. (1992), entre
setembro de 1991 e janeiro de 1992, com uma amostra de 306 usuários de drogas
recrutados na rua (153 indivíduos) e em clínicas de tratamento (idem). A comparação dos

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 18


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
índices de soropositividade entre os usuários de drogas injetáveis (definidos, para efeito
deste estudo, a partir da confirmação de algum uso de injetável nos 6 meses anteriores à
entrevista) e usuários de drogas não injetáveis, (aqueles que nunca se injetaram) revelou:
42% de HIV (+) entre os UDIs, contra 4,2 (+) entre os usuários não injetáveis. Esta
diferença mostra a importância desta via de administração para a contaminação pelo vírus
HIV, bem como corrobora os achados de que nesta população (de UDIs) os índices
encontram-se entre os mais altos se considerados segmentos expostos à situações de maior
risco. Esta mesma população foi investigada quanto ao seu uso de crack e práticas sexuais
de risco. O uso de crack foi referido por 138 (45% do total da amostra); dentre estes
usuários de crack, 24,6% referiram práticas de sexo anal receptivo, sendo que 58,8% destes
(20/34) referiram que nunca usavam preservativo nestas ocasiões; dos 98,6% que referiram
relação sexual vaginal (homens heterossexuais na maioria, visto que 78% eram do gênero
masculino), 62,2% (86/136) referiram nunca terem usado preservativos na vida (Cavallari et
al., 1992). A presença de práticas de risco entre usuários de drogas (injetáveis ou crack) tem
sido objeto de investigações, visto que mudanças na práticas de risco relacionadas ao uso de
injetável tem sido relatadas como mais fáceis de serem conseguidas do que mudanças nas
práticas sexuais de risco (Donoghoe, 1992).

Comparativamente com outras populações em que se estudou a soroprevalência do


HIV, os índices encontrados entre usuários de drogas injetáveis em vários municípios de
São Paulo são bem maiores do que aqueles encontrados:
• entre homens que fazem sexo com homens: 13% (Carvalheiro et al, 1996, citado
no boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo (São
Paulo, 1996) 22;
• entre clientes de serviços de testagem anônima: 15% (COAS/CRT, 1996 23,
(idem, 1996);
• entre profissionais de sexo: 18% (Laurindo et al., 1996 24, (idem, 1996)

21
Em uma análise feita com dados extraídos do relatório “Trends and Patterns of HIV/AIDS infection in
selected developing countries” do Center for International Research, 1993.
22
O trabalho é: J.R. Carvalheiro et al. Estudo de incidência entre homens que fazem sexo com homens:
Projeto Bela vista. São Paulo. Instituto de Saúde. Março 1996. [ relatório de pesquisa].
23
Prevalência de HIV observado em abril de 1996 no COAS/CRT.
24
O trablho citado é: J. Laurindo et al. Estudo epidemiológico e comportamental entre profissionais do
sexo feminino em uma região de baixa renda do município de São Paulo. São Paulo. Centro de
Treinamento e Referência- DST/AIDS-SES/SP. Agosto de 1996. [relatório de pesquisa].
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 19
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O uso de drogas injetáveis teve importante papel no aumento do número de casos
em mulheres: tanto por serem elas mesmas usuárias de drogas injetáveis, quanto por serem
parceiras sexuais de homens usuários de drogas injetáveis. Estudos feitos no município de
São Paulo indicam que as mulheres tem um risco 10 vezes maior de se infectarem se forem
usuárias de drogas injetáveis, e 5,5 vezes maior se forem parceiras de homens usuários de
drogas injetáveis. De 1987 a 1990, o uso de drogas injetáveis foi a principal categoria de
transmissão para as mulheres; a partir de 1991 a prática heterossexual passou para primeiro
lugar, sendo que 34,6 % das mulheres que relataram esta categoria de transmissão
revelaram serem parceiras sexuais de usuários de drogas injetáveis. Ao aumento de casos
entre mulheres correspondeu um aumento de casos entre crianças, através da transmissão
peri-natal (Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, p. 3-4, 1996).

Não se dispõe no Brasil de uma estimativa adequada do número de usuários de


drogas injetáveis (Bastos, 1995a, p. 127). A partir do final dos anos 90, surgiram vários
trabalhos, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro sobre usuários de
drogas injetáveis e HIV/AIDS, na sua maioria analisando quantitativamente aspectos
comportamentais e epidemiológicos (WHO, 199525, citado por Andrade, 1996b) .

Os usuários de drogas injetáveis em nosso país revelaram que de modo quase


exclusivo injetavam a cocaína, como demonstram os estudos de Andrade et al. (1995) em
Salvador, Lima et al. (1994) no Rio de Janeiro, e Carvalho et al. (1996) em Santos.

A partir de 1989, a OMS deu início à seleção de 13 cidades do mundo com altos
índices de casos de AIDS notificados para a categoria de transmissão pela via droga
injetável, para participarem do estudo multicêntrico de soroprevalência do HIV entre
usuários de drogas injetáveis. O Brasil foi representado duplamente neste estudo pela
inclusão de Santos e Rio de Janeiro (WHO Colaborative Study Group, 1993). Foram
encontrados índices de contaminação pelo HIV de 59% em Santos (Mesquita et al., 1992a)
e 33% no Rio de Janeiro (Bastos et al., 1992b). Nestas cidades ocorreram os únicos estudos
com usuários de drogas injetáveis, em que se realizaram análises seccionais plurianuais
(Telles et al., 1992, 1993; Mesquita et al., 1992a, Bueno et al., 1993; Carvalho et al., 1997a,

25
WHO Colaborative Study Group, Final Report of the World Health Organization programme on
substance abuse- multi-city Study of HIV infection among injecting drug users. Genebra: WHO, 1995.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 20
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Turienzo et al., 1997). Tomando o exemplo de Santos, não foram observadas mudanças nos
padrões sócio-econômicos e de comportamentos de risco (Turienzo et al., 1997), bem como
nas associações entre intensidade de uso de droga injetável e prevalência do HIV (Carvalho
et al., 1997a), entre os anos de 1992 e 1994.

Projeto Brasil

O primeiro estudo multicêntrico em nível nacional, em 1994 recebeu aprovação pelo


PNDST/AIDS. Este estudo de Comportamento e de soroprevalência para o HIV entre
UDIs, está sendo desenvolvido em 5 cidades brasileiras: Santos, Rio de Janeiro, Salvador,
Itajaí e Campo Grande26, passou a ser conhecido como “Projeto Brasil” (Bueno et al.,
1997).

Uma análise dos dados conjuntamente produzidos pelo Projeto Brasil é feita no
Relatório “Projeto Brasil- 1996: soroprevalência e seus determinantes para infecção pelo
HIV em usuários de drogas injetáveis em 7 cidades brasileiras” apresentado ao
PNDST/AIDS do Ministério da Saúde, em julho deste ano, cujo relator Heráclito Carvalho
é um dos principais pesquisadores responsável pelo referido projeto. Foram recrutados um
total de 668 UDIs, entre abril de 1993 e dezembro de 1996;

Alguns dos resultados extraídos deste relatório e apresentados na tabela abaixo,


permite termos uma idéia de algumas características destes UDIs:
Santos Salvador Rio de Janeiro Itajaí Centro- TOTAL
Oeste[1] [d1] Comentário:
Tamanho 140 216 145 87 80 668 [2]
Amostra
HIV (+) 0.64 0,50 0,29 0.71 0,36 0.50
Gênero 0,81 0,82 0,81 0.82 0,82 0.82
(masc.)
Idade(anos) 30.9 25.5 33.6 30.1 26.0 28.8
(+- 7.2) (+- 8.1) (+- 7.9) (+- 5.8) (+- 7.8) (+- 8.1)
tempo de uso 11.0 9.0 13.9 12.7 8.9 10.8
DI (anos) (+ - 7.8) (+- 7.3) (+ - 9.1) (+- 6.0) (+- 6.1) (+- 7.7)
droga usada:
cocaína
(nasal/IV) 0.94/0.80 0.99/0.97 0.96/0.90 1.0/0.90 0.97/0.97 0.97/0.92
crack (fuma) 0.61 0.36 0.36 0.37 0.61 0.45
heroína (IV) 0.05 0.11 0.15 0 0.08 0.08

26
Atualmente modificou-se o plano inicial de fazer o estudo somente na cidade de Campo Grande,
incluindo-se um pool de cidades da região centro-oeste: Corumbá, Campo Grande e Cuiabá.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 21
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
[1]
3 cidades compuseram a região Centro-Oeste: Corumbá, Cuiabá, Goiânia
[2]
do total de 668 indivíduos testados, estavam disponíveis para análise 627 entrevistas
Fonte: Relatório “Projeto Brasil- 1996: soroprevalência e seus determinantes para infecção pelo HIV
em usuários de drogas injetáveis em 7 cidades brasileiras”, PN-DST/AIDS, Ministério da Saúde,
julho/1997.

Nesta amostra predominaram indivíduos adultos jovens (sendo 28,8 anos a idade
média), do sexo masculino. Referiram saber ler 83%, sendo o tempo médio de estudo, 5,5
anos completos; 84% deles eram residentes na cidade em que foram entrevistados, morando
23% em casa de outros, 19% em casa própria e 27% não tendo moradia fixa (Carvalho,
1997, p. 12-13).

O tempo médio de uso de droga injetável foi de 10,8 anos, sendo a droga
principalmente utilizada pela via injetável a cocaína (referida por 92% dos sujeitos).

O crack foi utilizado por 45% do total de entrevistados, havendo uma maior taxa em
Santos (61%) e Centro-Oeste (61%).

Particularmente em Santos, houve um acréscimo na porcentagem de indivíduos que


relataram uso de crack (10% em 1992, e 60% em 1994) segundo dados de Turienzo et al.
(1997). Em um estudo feito em São Paulo, com 254 usuários de drogas, pacientes de duas
clínicas de tratamento, no período de 1990 a 1993, verificou-se um aumento no consumo de
crack de 17% em 1990 para 64% em 1993 (Dunn et al., 1996), corroborando achados de
outros estudos que sugerem um aumento no país do consumo de cocaína e seus derivados (o
principal deles sendo o crack) (Nappo et al., 1994; Galduróz et al., 1994; WHO, 1995).27

Vale ainda mencionar o aparecimento de menções de uso de heroína injetável (ainda


que por uma parcela diminuta de indivíduos) que constitui uma novidade indesejável no
panorama de consumo de drogas nacional.

É importante ainda ressaltar que estudos comparando a soroprevalência do HIV,


hepatites B e C, sífilis e HTVL (1 e 2) entre UDIs e doadores de sangue, mostraram uma
maior exposição ao risco das doenças sexualmente transmissíveis entre os UDIs (OR para
sífilis em UDIs de 3.57 [2.08-6.25]), bem como um OR para hepatite C de 100 (50-200),

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 22


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
mostrando uma razão de risco entre os UDIs bem mais alto para as doenças de transmissão
parenteral (cerca de 100 vezes maior) comparativamente com as doenças sexualmente
transmissíveis (cerca de 3 e meia vezes maior). Os índices de hepatite B e C e sífilis entre
os UDIs foram 75%, 75% e 34%, e, entre os doadores de sangue, respectivamente, 2%,
23% e 12% (Carvalho, 1995; Carvalho et al., 1996).

No caso particular da hepatite C tem sido encontradas altas taxas de soroprevalência


(entre 60 e 80%) relatadas em vários países (Wodak & Crofts, 1996), mesmo entre
populações de UDIs dentre os quais se obteve relativo sucesso no controle da transmissão
do HIV (Broers et al., 1997; McNally, 1997; Fry et al., 1997). Tal fato tem constituído uma
preocupação da saúde pública uma vez que esta forma de hepatite viral tem, dentre as
hepatites virais, o maior índice de evolução para forma crônica (50%), sendo que uma vez
cronificadas 25% delas evoluem para cirrose (Guimarães, 1992). Dados atuais sugerem que
os fígados com lesão crônica e principalmente cirróticos devido ao vírus C, constituem um
terreno propício ao desenvolvimento do hepatocarcinoma (Carrilho, 1993, 1995). Só a título
de comparação da seriedade deste tipo de hepatite viral, entre 10 a 20% das hepatites B
evoluem para a cronicidade (também um índice razoavelmente alto, dado a gravidade da
cronicidade). Um outro aspecto do problema da transmissão da hepatite C (o que em
menores proporções vale também para a hepatite B), é que apenas 30% a 40% dos casos
com infecção apresentam icterícia, podendo os indivíduos que se contaminaram tornarem-
se portadores assintomáticos, portanto transmissores, evoluindo silenciosamente para a
forma crônica (Guimarães, 1992).

Carvalho (1997) vê como “clara a urgência de implantação de programas de


controle, para amenizar o avanço da epidemia” uma vez que este grupo de UDIs não
“sofreu nenhuma ação sistemática de intervenção até o momento do trabalho”; considera,
ainda resultado importante, “o fato de que metade dos UDIs referiram mudança de hábitos
de risco, após tomarem conhecimento da AIDS, no sentido de se protegerem contra a
infecção pelo HIV”. Uma vez que, “uma substancial parcela de nossa amostra mencionou,
como uma importante razão para compartilhamento de ‘agulhas’, ‘não possuírem as

27
Ainda a respeito do crack, vale a pena mencionar o livro dedicado ao assunto, feito pelo jornalista
Marcos Uchôa, Crack: O caminho das pedras. São Paulo, Ática, 1996
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 23
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
próprias agulhas por ocasião do uso de droga’ (55%), e ‘o medo dos efeitos da droga,
incluindo a overdose’ (26%)”, programas que se propusessem a interferir nestas variáveis,
teriam grande chance de sucesso no controle da epidemia junto a esta população (p. 125-
126).

Os usuários de drogas ilícitas e os serviços de saúde

Corroborando dados da literatura internacional (Drucker, 199228, citado por Bastos,


1995a, p. 185) sobre a baixa interação entre usuários de drogas ilícitas e serviços de saúde,
os dados a respeito dos UDIs entrevistados pelo Projeto Brasil, revelaram que:

1. dentre eles, a média de indivíduos que referiram ter recebido algum tipo de
tratamento anteriormente à entrevista foi de 35%. Houve grande variação neste item
entre as cidades, pois parte da amostra foi obtida partindo de clínicas de tratamento,
como certamente é o caso no Rio de Janeiro onde 79% referiram ter tido algum
tratamento anterior, e 30% nas cidades do Centro-Oeste, e 35% em Itajaí, onde
parte da amostra foi obtida em clínicas de tratamento, e, finalmente, em Santos com
24% {porcentagem que tem se mantido inalterada desde 1992 e 1994 (Turienzo et
al., 1997)} e Salvador com 8% tendo respondido positivamente, local onde a
amostra foi obtida diretamente nas ruas.

2. quanto à questão do “tipo de tratamento de que se utilizou” os entrevistados


responderam, que a primeira modalidade foi “internação”, referida por 69%, 70%,
52%, e 54% dos entrevistados, respectivamente em Santos, Rio de Janeiro, Itajaí,
Centro-Oeste; a exceção foi Salvador, onde a "terapia tradicional” ocupou o
primeiro lugar em modalidade de tratamento recebido (referido por 5 indivíduos
[29%]). A média dos indivíduos que referiram terem tido procurado internação foi
de 60%.

A predominância de internação como forma de tratamento, confirma que também


para os usuários de drogas, mesmo que estes interajam pouco com os serviços de saúde, a

28
Trabalho entitulado: Addiction treatment and AIDS prevention in the US: low enrollment, retention,
and therapeutic efficacy limit population impact. Poster (PoC 4317) apresentado na VIII Int. Conf. On
AIDS, Amsterdam, 1992 .
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 24
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
cultura hospitalocêntrica (Pereira e Giordano, 1996) objeto de crítica e mote das ações de
Saúde Mental prevalece. Cabe aqui um comentário: o modo como foi formulada a pergunta
sobre tipo de tratamento no questionário utilizado pelo Projeto Brasil, não permite
distinguir se esta internação deu-se em hospital psiquiátrico ou em “comunidade
terapêutica”. Esta última modalidade, constitui a principal forma de atenção voltada para
usuários de drogas em nosso país, em sua maior parte utilizando-se de técnicas de
convencimento, calcadas em princípios religiosos, não dispondo de profissionais de saúde
em seu quadro funcional (Bucher, 1992, p. 323). No entanto a crítica à predominância da
internação permanece, mesmo que se resguarde a diversidade entre as duas modalidades,
seja quanto à duração de internação e quanto suas propostas “terapêuticas”, pois em ambas
tanto o isolamento quanto a abstinência constituem instrumentos e finalidades inadequados,
quando exclusivos ou predominantes.

Estudos etnográficos

Há no Brasil três estudos etnográficos feitos com usuários de drogas injetáveis


(Lima, 1990a; Fernandez, 1993; Andrade, 1996).

No estudo etnográfico feito por Lima (1990a), a autora utilizou-se de observação


participante e história de vida de 16 usuários de Algafan29 via injetável, identificados em
uma Delegacia de Entorpecentes na cidade de Recife, à qual se atrelou um programa de
tratamento de dependentes através da Divisão de Serviços Técnicos. A autora dedica-se a
“delinear os momentos marcantes do processo de produção e reprodução da identidade
desviante dos usuários de Algafan no Recife, procurando situar, neste contexto, as relações
que se estabelecem, de forma dialética, entre os acusados - dependentes de Algafan - e
acusadores - lei, polícia, equipe terapêutica”. Seus resultados “indicam que a
operacionalidade da lei nº 6368/76, implementados pela SSP-PE, através de sua Divisão de
Serviços Técnicos (DST), reforçam, consolidam e reproduzem a identidade desviante nos
dependentes de drogas” (Lima, 1990b, p.786-796).

O estudo etnográfico de Fernandez (1993) analisa os padrões de uso e droga


injetável e transmissão do HIV, através de observação de campo e história de vida de 13

29
Medicamento analgésico, composto por um opiáceo sintético, o Cloridrato de D-propoxifeno.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 25
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
UDIs identificados no centro da cidade de São Paulo. Buscando “compreender o uso
comunitário de agulhas e seringas”, Fernandez aborda “alguns pontos relativos ao uso de
drogas: a iniciação, o histórico do consumo, o ritual do preparo, o compartilhar de
equipamentos, a dependência, a frequência de uso, a sociabilidade, a relação com a lei e
com o trabalho”. Para este autor, a condição de clandestinidade, imposta pela
criminalização dos usuários de droga, a perseguição policial de que são objeto,
conjuntamente à introjeção de um clima persecutório e um sentimento de medo, não
permite que os usuários de drogas desenvolvam e assimilem aos rituais de consumo da
droga medidas de segurança que evitem a transmissão o HIV. A prática de injeções de
drogas é um segredo compartilhado pelos usuários, o que contribui para a constituição de
um grupo bastante fechado e isolado. Esta prática pode se caracterizar por um uso pouco
frequente, esporádico e ou circunstancial; os indivíduos que tem esta prática circunstancial,
tem mais facilidade mantê-la em segredo inclusive de seus parceiros sexuais. Já os usuários
que consomem droga injetável de forma compulsiva, frequente e cotidiana, tem mais
dificuldade em ocultar tal prática. Portanto, as diversas práticas de injeções, junto com a
diversidade de graus de dependência, ações farmacológicas de distintas drogas, permitem
inferir diferentes dinâmicas no consumo de drogas e na transmissão do vírus do HIV nas
redes de usuários de drogas injetáveis.

Dois fatores principais foram identificados entre os entrevistados para justificar o


compartilhamento de seringas: a falta de equipamentos em número suficiente para todos os
participantes, no momento do uso e o entupimento das agulhas (por coagulação ou por
impurezas). Outro aspecto, possivelmente envolvido no compartilhamento de seringas, é a
importância simbólica deste compartilhar. Para o entendimento desta importância
simbólica, Fernandez lança mão do conceito de “communitas”. Esta é descrita por M.A.
Andrade (1994) como “um momento inicial de organização de um movimento social (…),
cujas características são: espontaneidade e transitoriedade (…); predominam a liberdade nas
relações entre os indivíduos que dela participam (…); tende a ser filosófica e especulativa
(…); é carregada de sentimentos, principalmente prazerosos e pertence ao mundo atual” (p.
45). Andrade (1994), considera que a “communitas” corresponde a um momento de
liminaridade, sendo esta entendida não apenas como a “suspensão de modos de ação social

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 26


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
convencionais”, como também uma “abertura de um espaço para um exame de valores e
princípios fundamentais na cultura onde ela ocorre” (M.A. Andrade, 1994, p. 45).

Um vez que Fernandez considera que os usuários de drogas estão organizados


segundo esta modalidade de “communitas” usuários de drogas, propicia que o
compartilhamento de seringas pode ser considerado como envolto em significados
positivos, para o estreitamento de relações de camaradagem, de irmandade, de
solidariedade, de confiança, proximidade e de intimidade. No caso dos usuários iniciantes
na forma injetável, o partilhar muitas vezes é motivado pelo medo e inexperiência tanto no
manuseio dos equipamentos injetáveis, quanto da quantidade e preparo da dose.
Finalmente, Fernandez afirma que a presença cotidiana de situações de risco entre seus
entrevistados, acompanha-se de um valorização positiva da experiência de “correr riscos”,
entendendo que o experienciar de seus limites físicos, desafiando a morte, permite que na
vivência destes limites eles se certifiquem vivos (Fernandez, 1994, p. 251-272).

Um último estudo (Andrade, 1996) foi realizado com uma “comunidade


marginalizada do centro histórico de Salvador”, com o objetivo de estimar possíveis
associações entre condições psicossociais e exposição ao risco de infeção pelo HIV,
utilizando-se de uma metodologia combinada: observação etnográfica, anterior e simultânea
à coleta de dados quantitativos (obtidos pela aplicação de questionário com 29 perguntas
fechadas a 100 UDIs). Ressaltamos algumas das conclusões de Andrade:

• os UDIs com parceiro sexual único (homens com mais de 18 anos e eram também
os que menos usam preservativo) tem maior risco de infeção pelo HIV;

• os que mais compartilham seringa, são os UDIs que não usam preservativos (do
gênero masculino, com mais de 18 anos e moradores do Centro Histórico);

• o compartilhamento de seringas está associado a resultado positivo para o teste


HIV-1;

• as condições de precariedade em que vivem os UDIs do Centro Histórico são


reveladas psiquicamente por uma “pobreza de representação simbólica”, ou pela
função de mitigamento “do desamparo e adversidades vivenciadas no cotidiano”
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 27
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
que o consumo de drogas fornece, ou ainda pela predominância de “determinantes
circunstanciais de natureza sócio-econômica sobre os de natureza psicológica” para
compartilhamento de seringas; este conjunto de características encontradas reforçam
a necessidade de que a prevenção da transmissão do HIV utilize meios concretos
como a provisão de seringas e preservativos.

Baseando-se nas observações de que:

1. as altas taxas de positividade do HIV entre UDIs (comparadas com as taxas de outras
populações específicas);

2. a relação entre o número de casos notificados de AIDS entre UDIs e um maior


número de casos por transmissão heterossexual, sobretudo entre mulheres;

3. a relação direta (mães usuárias de drogas injetáveis) e indireta (mães parceiras


sexuais de UDIs) com a transmissão vertical (mãe-bebê);

4. a importância maior que o consumo de drogas tem entre jovens adultos, os achados
do Projeto Brasil, que além de revelarem altas taxas de soropositividade, apontaram
para uma baixa interação entre os UDIs e serviços de saúde (e quando presente,
predominando o tratamento por internação).

Pode-se inferir a relevância de examinar de que maneira as novas e renovadas


práticas de saúde - preventivas e assistenciais - englobadas pela perspectiva de redução de
danos associados aos usos de drogas, podem contribuir para reduzir os danos associados à
precariedade da atenção à saúde voltada à população de UD/UDIs em nosso meio.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 28


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 29
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
II. Objeto e Objetivos

Será objeto desta dissertação a emergência e desenvolvimento da perspectiva de


redução de danos no conjunto de práticas e saberes que constituem o campo das drogas, e
em particular na atenção à saúde dos usuários de drogas ilícitas.

Objetivo Geral

Estudar a perspectiva de redução de danos e suas aplicações às práticas de sáude


voltadas aos usuários de drogas.

Objetivos Específicos

1. Identificar as origens e desenvolvimento do conceito de redução de danos

2. Examinar as práticas correntes de redução de danos

3. Analisar os trabalhos de rua voltados para usuários de drogas e sua articulação com
as práticas de redução de danos

4. Examinar os modelos de prevenção do uso de drogas e sua articulação com a


perspectiva de redução de danos

5. Analisar a atenção à saúde voltada para os usuários de drogas no Brasil

6. Examinar a emergência da redução de danos no Brasil

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 30


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
III. Aspectos teórico-metodológicos

1. O proibicionismo e sua relação com a construção do problema droga

O proibição legal de certas drogas tem sido o modo histórico pelo qual a sociedade
contemporânea tem respondido neste século ao “problema da droga”.

O proibicionismo expressão consagrada no campo das drogas, será utilizada neste


trabalho para referir-se tanto às políticas criminalizadoras das drogas, quanto para referir-se
às concepções constitutivas da cultura (pre)dominante anti-drogas. O proibicionismo tem
conformado as práticas preventivas e assistenciais voltadas para os usuários de drogas.

As críticas ao proibicionismo, neste sentido amplo que adotamos, tem partido de


diversos profissionais de distintos campos tais como Economia, Ciência Política, Direito
Penal e Criminologia, Sociologia, Antropologia, História e Filosofia30, acompanhados por
profissionais de áreas menos diretamente identificadas com estes âmbitos tais como
Medicina, Saúde Pública e Educação.

As críticas levantadas por enfoques distintos, convergem para a conclusão da


“ineficiência” das políticas proibicionistas (Chambliss, 1994): seja através de um ponto de
vista econômico em que se aponta um balanço desfavorável entre os custos e benefícios
(econômicos e sociais) da proibição das drogas (Mudgford, 1989a, 1989b) ou apontando
como o controle legal exercido sobre o mercado das drogas repercute perversamente
determinando o crescimento do poder político e econômico das organizações criminosas em
31
torno do tráfico (Reuter & Kleiman, 1986; Kleiman, 1989 , citados por Paixão, 1994, p.

30
Parte destes críticos organizaram-se, fundando em 1990 a Liga Internacional Anti-proibicionista, com
sede em Bruxelas. Esta fundação teve como facilitadores a existência prévia de 3 grupos organizados de
experts em políticas de drogas: o “The Radical anti-prohibicionista Coordination” (ligado ao Partido
Radical Italiano), o “The European Movement for the normalization of drug policy” (fundado por
especialistas médicos e juristas holandeses) e o “The Drug Policy Fundation” (organização com sede em
Washington , uma extensão da “National Organization for the repeal of marijuana laws”) (Henman,
1990).
31
Reuter, P. & Kleiman, M. Risks and prices: an economic analysis of drug enforcement. In: TONRY,
M. & MORRIS, M. eds. Crime and Justice. Chicago, The University of Chicago, v. 7, p. 289-340,
1986;.M. Kleiman. Marijuana: costs of abuse, costs of control. [s.l.], Greenwood, 1989.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 31
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
131), seja pelas contribuições de juristas e criminologistas que criticam o tratamento penal
dos chamados crimes sem vítimas (como o uso de drogas ainda hoje, ou como,
historicamente, as práticas homossexuais tem sido tratadas) considerado pela corrente da
criminologia crítica como representando um abuso do poder do Estado em detrimento dos
direitos individuais (Sá, 1993, 1994; Flach, s.d.[a], s.d.[b], s.d.[c], 1993; Karam, 1997;
Barata, 1992, 1994; Scheerer, 1992, 1997; Caballero, 1992; Stengers & Ralet, 1991).

Ainda que possamos dizer que nos anos 90 há uma tendência do debate
internacional a cerca do proibicionismo ampliar-se para além de círculos anteriormente
mais restritos (Scheerer, 1994), a luta pelas modificações das legislações nacionais,
condição necessária mas não suficiente para a alteração das políticas nacionais em matéria
de drogas (as quais não podem distanciar-se excessivamente dos acordos firmados
internacionalmente pelos países), tem obtido resultados muitas vezes tão tímidos, que estão
longe de representarem avanços em relação a legalização (Rocco, 1996), ou mesmo, como
propõem alguns, em relação à descriminalização da droga (Sá, 1993, 1994). Esta tendência
também tem sido observada, mais recentemente, nacionalmente; começam a surgir espaços
para uma discussão pública sobre a questão das políticas de drogas, como por exemplo o
“Drogas- Debate Multidisciplinar” ocorrido em São Paulo em setembro de 1996, sob a
organização do Conselho Estadual de Entorpecentes (órgão normativo ligado a Secretaria
de Justiça do Estado) em que “conferencistas nacionais e estrangeiros abordaram com
profundidade, quantas vezes, em oportuna revisão crítica (…) a questão drogas”, conforme
as palavras do jurista Luis Matias Flach, atual presidente do Conselho Federal de
Entorpecentes, convidado a apresentar o livro que compilou as contribuições do debate, sob
o provocativo título: “Drogas: Hegemonia do Cinismo” (Ribeiro e Seibel, 1997).

A “timidez no avanço” constitui o caso do novo projeto de lei “anti-drogas”


brasileira que se encontra atualmente em fase final de aprovação pelo Congresso Nacional;
este permanece excessivamente circunscrito em suas mudanças, ainda que tenha sido
positiva a inclusão de um artigo que suprime as restrições aos procedimentos necessários à
prevenção da AIDS, tal como a troca de seringas.

Outra contribuição no exame do proibicionismo é feita por Barata em seu texto


“Introdução a uma sociologia da droga” (1994), no qual ele discute, a partir de uma
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 32
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
abordagem sistêmica, as consequências de quase um século de proibicionismo. Inicialmente
ele afirma que a política de criminalização de certas drogas, constitui um sistema “auto-
referencial”, isto é, um sistema que se auto reproduz ideológica e materialmente. “O
mecanismo de reprodução ideológica é entendido como o mecanismo geral, por intermédio
do qual cada setor, ou grupo de atores dentro do sistema, encontra confirmação da própria
imagem da realidade na atitude dos outros atores.”(p.21). Já a reprodução material é “o
processo através do qual a ação geral do sistema, determinada por uma imagem inicial da
realidade, modifica parcialmente a própria realidade, de tal forma que a torna, em uma fase
posterior, mais próxima da imagem inicial(…), ou seja é o processo através do qual o
sistema produz uma realidade de acordo com a imagem inicial da qual se origina e o
legitima”(p.21).

O “sistema da droga” caracteriza a realidade por meio de 4 elementos:

1. vínculo necessário entre consumo e dependência (e a necessária


evolução da dependência às drogas leves para uma dependência às
drogas pesadas);

2. a vinculação dos aditos a uma subcultura que não compartilha o


sentido da realidade com a maioria “normal”;

3. o comportamento a-social ou delitivo dos aditos, que os isola da


vida produtiva e os introduz em carreiras criminais;

4. o estado de enfermidade psicofísica dos toxicodependentes e a


irreversibilidade da dependência.” (p.22)

O “sistema da droga” é entendido como “estrutura referencial de comportamentos e


de significados”. Os “empresários morais”32 construíram uma imagem inicial da “cena da
droga”, que originou a política para o setor, a que correspondeu a construção do problema
social correspondente.

32
Para obter uma visão da história dos ciclos de intolerância neste século, e do papel desempenhado pelos
“empresários morais” nesta história ver o capítulo entitulado: “Os movimentos e discursos contra as
drogas nas sociedade ocidentais contemporâneas”(p.9-48), da tese de doutorado de Beatriz Carlini-
Cotrim: “A escola e as drogas”, São Paulo, PUC, 1992.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 33
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
As correlações que constituem esta imagem, são antes “exceção do que a regra no
tocante ao que ocorre quando se consome drogas”. Os conhecimentos científicos mostram
que esta imagem não corresponde à realidade. Mas com o passar do tempo a distância entre
esta imagem inicial e a realidade atual foi progressivamente diminuindo. O elemento
fundamental deste sistema é o efeito da intervenção da justiça penal na dinâmica das drogas
e seus usos. Os conceitos da moderna sociologia, tais como o Teorema de Thomas33 da
profecia que se auto-realiza, explicam este processo de auto-reprodução ideológica e
material. Segundo este teorema “quando se sustenta uma determinada imagem da realidade,
esta imagem produz efeitos reais.”(p.22)34.

Entendemos, que a manutenção desta “imagem da realidade auto-reprodutível” se dá


pelo papel que ela cumpre em servir aos interesses econômicos e políticos daqueles grupos
(e nações) que se locupletam deste “status quo” proibicionista.

Por um lado é imediatamente visível o poder crescente dos “barões da droga”, cujas
organizações criminosas atingiram tamanho poder - inicialmente poder econômico,
propiciado pelos lucros extraordinários que o comércio ilegal propicia, e através da
corrupção, expandindo-se para um poder político, que chegam a constituir, na expressão
usada por alguns, um “Estado paralelo” (Uprimy, 1997). Por outro lado é muito menos
visível a participação conivente (direta ou indiretamente lucrativa) de membros de diversos
setores da sociedade (desde, numa ponta pela corrupção do policial para “relaxar o
flagrante”, ou “arquivar processos”, até noutra ponta pelos acobertamentos fornecidos por
empresas-fachadas que servem para lavar o dinheiro do tráfico). Mais difícil ainda a
visualização da circulação dos lucros fornecidos pelo narcotráfico através dos mercados
financeiros internacionais, que escolhem os “albergues de sigilos bancários e corporativos
que o mercado atual proporciona” (Cervini, 1997, p.197), ou em operações nos “atuais

33
Cujos autores são William e Dorothy Swaine Thomas, segundo Barata. Os editores do livro do qual faz
parte o capítulo de Barata (“Introdução a uma sociologia da droga”) em nota editorial (p.21) explicam
que “por critérios editoriais não ( ) foi possível incluir o extenso sistema de “notas” aposto ao texto”.
Mesmo nosso contato direto com os editores, não permitiu a recuperação destas “notas”, impedindo que
incluamos as referências bibliográficas originalmente presentes no texto de Barata.
34
A respeito do mesmo tema - da realização de uma profecia- deve-se consultar o capítulo de Lévi-Strauss
-“A eficácia simbólica” (p.215-237) do livro clássico do autor “Antropologia Estrutural”, Rio de Janeiro,
Tempo Brasileiro, 1985.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 34
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
mercados da era da informação que giram em torno de uma espécie de “ciberespaço
financeiro” (Cervini, 1997, p.204).

As imbricações complexas entre narcotráfico e poder, através da lavagem de


dinheiro, corrupção e violência tem sido objeto de investigações em âmbitos locais
(Delpirou & Labrousse, 1988; Uprimy, 1997; Spataro, 1997; Machado, 1997) ou em âmbito
global (Observatoire Géopolitiques des Drogues, 1996; Del Roio, 1997; Cervini, 1997).

Um exame detalhado destas múltiplas e complexas relações do narcotráfico e poder


foge ao objetivo deste trabalho, mas não podem ser desconsideradas como desempenhando
um papel determinante nas “resistências” encontradas no tratamento que tem sido dado
pelas nações à discussão sobre a falência do proibicionismo.

Um outro aspecto a ser salientado a partir de uma crítica ao proibicionismo é como


se constrói a percepção social dos usuários de drogas ilícitas.

Para Barata, o “sistema da droga” é um exemplo de sistema fechado35, do qual uma


das principais características é que os atores se condicionam reciprocamente, na sua atitude
positiva em relação ao status quo da política de drogas. O grupo dissidente, isto é, que não
compartilha do mesmo sentido da realidade aceita pelos demais, é constituído pelos
usuários de drogas. Este grupo, desviado da norma, constituída pelas crenças
compartilhadas pelo grupo homogêneo, cumpre a função simbólica de “bode expiatório”.

35
Segundo este autor, os sistemas podem ser classificados segundo o seu grau de homogeneidade interna -
isto é, o grau de consenso entre seus atores - em sistema abertos e fechados. O primeiro se caracteriza
pelo predomínio do dissenso e a dinâmica da mudança de estrutura de comportamentos e significados.
No segundo tipo uma maioria homogênea se estende a todos os grupos de atores, com exceção de um
único grupo que constitui uma minoria dissidente. (p. 23, “Introdução a uma sociologia da droga” (1994)
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 35
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Nos sistemas fechados o papel dos meios de comunicação é fundamental, mas a
relação destes meios com os demais atores sociais é de um condicionamento recíproco.
Estes refletem o consenso generalizado que existe em relação ao status quo da droga nas
sociedades ocidentais. Uma vez que as atitudes são homogêneas, o fluxo de informações
também o é. E desta forma os meios de comunicação são um elemento determinante de sua
auto-reprodução ideológica e material. (p.24-25). Nas palavras do autor:

“Os meios de comunicação de massa são dependentes, no que diz


respeito à seleção de informações das atitudes existentes no
público, e de sua demanda de informação e respaldo quanto à
própria imagem da realidade. Ativando e atualizando tendências
que já existem no público, e oferecendo aos indivíduos isolados
um elemento massivo de agregação e de consenso, afetam não
apenas a imagem da realidade, mas a própria realidade (…) Esta
seleção condiciona a percepção seletiva da realidade, da qual
não escapa nem mesmo a formulação científica dos problemas
da droga, ou seja, a seleção das hipóteses por verificar, a
seleção dos fatores e de sua inter-relações, dos métodos e,
também, do próprio marco teórico e conceitual das
investigações [grifo nosso].” (p.25).

A esse respeito remetemos o leitor à descrição feita por Zimberg36, das dificuldades
encontradas para obter autorização e financiamento para sua pesquisa, uma das primeiras da
área médica a tratar de um tema tabu no “sistema droga”: o “uso controlado”, tanto de uma
droga considerada leve (a maconha), quanto de duas drogas consideradas pesadas (LSD e
heroína).
Portanto através desta seletividade circular,

“os especialistas, as instituições, o público e a imprensa reforçam-


se mutuamente; juntos movem (em nível real e imaginário) a
guerra contra o problema da droga, que essencialmente se volta
contra os consumidores de droga” (citando Meudt37, p.25-26).

Esta característica de interdependência entre a homogeneidade das mensagens dos


meios de comunicação e a homogeneidade das atitudes do público e dos atores sociais, que

36
Zimberg é autor de um dos primeiros trabalhos científicos da área médica, que “quebrou a barreira do
silêncio” em relação à existência do uso controlado de drogas ilícitas. Veja-se o prefácio (p.VII a XIV)
de Zimberg N. E. Drug, set and setting: the basis for controlled intoxicant use. New Haven; Yale
University Press, 1984.
37
Quanto à falta de referência bibliográfica, remetemos o leitor à nota de rodapé de nº 17.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 36
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
vimos para o sub-sistema droga, acompanha os processos de comunicação em geral das
sociedades industriais avançadas. A esfera de comunicação de experiências diretas vem
perdendo espaço para a comunicação através dos meios (p.26).

Alguns estudos sobre o modo pelo qual a mídia tem tratado o tema drogas (Damasio
et al. 1987) e o efeito deste tratamento no público (Patterson, 1994), mostram a
predominância de mensagens que produzem medo (Carlini-Cotrim, Galduróz & Noto,
1995), associando frequentemente o uso de drogas com violência (Imbert, 1995; Restrepo,
1995); em seu conjunto estes trabalhos corroboram a tese de Barata de como a participação
da mídia contribui para esta homogeneidade da percepção social das drogas e seus usuários.

Portanto, as experiências diretas estão sendo substituídas pela experiência do


espetáculo, o que contribui para aumentar a distância da imagem diante da realidade, com
relação à experiência cotidiana dos atores. Este fenômeno foi denominado colonização dos
“mundos da vida” por parte do “sistema” e abarca também o domínio da vida cotidiana e o
domínio da vida afetiva dos atores (Barata, 1994, p.26-27).

Dentro do sistema fechado, este mesmo grupo de dissidentes ou “desviantes”,


cumpre a função de reforçar a capacidade deste se auto-reproduzir, pois desperta uma
hostilidade geral que favorece um alto grau de consenso, estabilizando a integração da
maioria contra o inimigo comum.

Para examinar este aspecto, adotamos a contribuição do sociólogo Howard Becker


em seu livro "Outsiders: Studies in the sociology of deviance" (1973) no qual ele
desenvolve uma teoria sobre o desvio, examinando a carreira dos usuários de maconha e de
músicos da noite.

A partir de uma concepção interacionista do comportamento desviante, Becker


estuda o fenômeno do desvio particularizando a situação em que os indivíduos passam a ser
apreendidos como desviantes, isto é, rotulados como tal.

O processo de rotulação é tomado como um aspecto imprescindível para a


compreensão da manutenção e desenvolvimento do comportamento desviante que ele
nomeia como a "carreira desviante". Becker empresta a noção de carreira dos estudos
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 37
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
originalmente feitos sobre ocupações. A carreira nestes estudos refere-se "a sequência de
movimentos, a partir de uma posição para outra posição em um sistema ocupacional feita
por um indivíduo que trabalha neste sistema." (p.24). Portanto a idéia de carreira desviante
traz consigo uma apreensão sequencial do fenômeno do desvio.

Becker propõe passos ou etapas diferenciadas, que constituem em seu conjunto "a
carreira do comportamento desviante em questão". O exemplo citado é o caso do usuário de
maconha, que precisa passar por etapas definidas para tornar-se um usuário habitual de
maconha. O capítulo "Becoming a marijuana user" (p. 41-53) descreve estas etapas, como
sendo: "aprendendo a técnica", "aprendendo a perceber os efeitos", e "aprendendo a
usufruir os efeitos".

A aceitação de um indivíduo por parte de um grupo com atividades desviantes, pode


ser facilitada se ele adota estas atividades. Portanto parte das motivações para a adoção e
manutenção desta atividades é socialmente aprendida. Citando Becker: "um dos
mecanismos que levam da experimentação casual para padrões de atividade desviante mais
estáveis é o desenvolvimento de interesses e motivações desviantes" (p. 30). E, mais
adiante: "Motivações desviantes tem um caráter social mesmo quando a maior parte desta
atividade é praticada de um modo privado, secreto e solitário (p. 31).

Um dos passos cruciais no processo de construção de um padrão estável do


comportamento desviante é a experiência de ser apanhado publicamente e rotulado como
desviante.(....) tendo como a mais importante consequência a drástica mudança na
identidade pública individual....Esta revelação coloca o indivíduo em um novo estatus"
(p.31-32).

Ao ser rotulado de "drogado", o indivíduo em questão, passa a ser considerado


delinquente ou criminoso (por ter violado a lei “anti-droga”), e é tomado por alguém capaz
de violar qualquer outra lei, portanto alguém capaz de ou que já cometeu outros atos
indesejáveis ou criminosos como: roubar/assaltar, traficar, induzir outras pessoas ao mesmo
caminho - pois o proselitismo é considerado inerente ao suposto membro deste “mundo
paralelo”, “o mundo da droga”, ao qual se associam as maiores atrocidades.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 38


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
“Tratar uma pessoa como se ela fosse um desviante em geral e não específico”
produz um ‘efeito de preenchimento profético de seu devir’38. Isto põe em movimento
múltiplos mecanismos os quais conspiram para a ‘modelagem’ do indivíduo conforme a
imagem que as pessoas fazem dele." (p.34).

Com Becker, o eixo de compreensão do padrão de consumo adotado pelos


indivíduos é deslocado da explicação que se centra fundamentalmente nos efeitos de droga
em si, ou nas características de personalidade, para a socialização que acompanha o uso.
Uma crítica poderia ser levantada à teoria da carreira de Becker, a qual sugere uma relativa
autonomia dos usuários de maconha para migrarem ou não para patamares de uso mais
intensos ou estáveis; esta crítica questionaria a propriedade de se generalizar esta autonomia
encontrada entre usuários de maconha (uma droga “leve”) para usuários de drogas
"pesadas" (como a heroína e cocaína).

O principal critério para distinguir as drogas em "leves" e "pesadas" é a "capacidade


aditiva" de cada substância. As "leves" teriam um baixo “poder aditivo” e as pesadas alto. O
“poder aditivo” é estabelecido através de experimentos controlados com animais, que
recebem implantes de dispositivos de auto-administração da droga. O tempo que demora
entre a primeira exposição à droga estudada e o aparecimento e a intensidade de
comportamentos compulsivos para a obtenção da mesma define o seu "poder aditivo".39

A transposição direta deste "poder aditivo" das drogas em animais como principal
forma de explicar os efeitos e padrões de uso nos homens tem contribuído para uma
compreensão empobrecida da complexidade envolvida no fenômeno dependência40, ao

38
a self full-filling prophecy"
39
Para um exame desta abordagem comportamental centrada na droga, remetemos o leitor a 2 capítulos do
livro: livro de Edwards, Griffith; Lader, Malcolm. A natureza da dependência de drogas. Artes Médicas,
Porto Alegre, 1994. O primeiro é “O comportamento da busca de drogas: implicações para a teoria de
dependência de droga” (p. 206-231) no qual Charles Schuster aborda a questão utilizando-se das teoria
de condicionamento operante; o segundo: “Bases sociais e psicológicas da dependência de drogas: uma
análise do comportamento de busca de drogas em animais e a dependência como um comportamento
adquirido” (p. 232-251) de Tim Stockwell, que ao enfatizar as teorias cognitivas de aprendizagem,
critica a abordagem de Schuster.
40
Uma interessante discussão a respeito da complexidade que envolve a dependência é encontrada no
capítulo final do livro “A natureza da dependência”, de Jim Orford (1994), entitulado: “Em busca de
uma síntese no estudo da natureza da dependência de drogas: enfrentando as complexidades”. (p. 253-
278).
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 39
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
mesmo tempo que tem servido, frequentemente, para reforçar os preconceitos a respeito das
drogas e de seus usos.

Um exemplo disto é a noção de escalada, utilizada pelos proibicionistas, para


justificar a necessidade de manter a repressão mesmo para as drogas ditas “leves”,
41
sobretudo a maconha. Em que pese esta noção não ter sustentação científica, pois se
“trata apenas de retórica” (Morgan, Riley & Chesher, 1993, p. 217), a ampla utilização dela
como argumento privilegiado dos proibicionistas exige que nos detamos nela por um
momento.

A escalada prevê uma trajetória rigidamente concatenada entre as “etapas” do uso


de drogas pelas quais um experimentador passaria para se tornar dependente. O dependente
de uma droga pesada (como a cocaína ou heroína) teria começado experimentando uma
droga leve (geralmente a maconha), passaria a aumentar progressivamente as doses e/ou a
frequência do uso, e desejoso de experimentar efeitos "mais intensos" passaria para drogas
mais pesadas e, desta forma, perderia o controle tornando-se portanto um dependente. Se
por um lado esta pode ser uma descrição verdadeira para a trajetória de parte dos
dependentes de drogas, isto não significa, necessariamente, que todo e qualquer usuário de
droga “leve”, tenha de seguir este caminho, ou então que a “migração” para outras drogas
(mais “pesadas”) dependa exclusivamente ou prioritariamente, da busca de “efeitos mais
intensos”; e não significa também que, uma vez que o indivíduo experimente uma droga
“pesada”, desenvolva, necessariamente, um padrão dependente de uso.

Uma crítica deste tipo se baseia, equivocadamente, em teorias da dependência que


centram suas explicações no “poder aditivo” das drogas. Portanto a pertinência desta crítica
se dilui ao se adotar modelos menos simplistas tanto para o entendimento da dependência,
bem como para o entendimento dos demais tipos de relações que os indivíduos
estabelecem com as drogas.

41
A esse respeito remetemos o leitor ao exame crítico do Relatório Pelletier, feito por experts a pedido do
governo francês em 1978, para examinar uma possível proposta de descriminalização da maconha;
segundo Marie André Bertand (citado por Stengers e Ralet) este é o único relatório de especialista que
conclui pela necessidade de manter o “status quo” da penalização da cannabis e seus derivados. Esta
discussão encontra-se no livro de I. Stengers e O. Ralet “Drogues: le défi hollandais”, Les Empêcheurs
de Penser en Ronde, 1991, p. 55-70; conforme estes autores demonstram, parte dos argumentos

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 40


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Particularmente para o estudo da dependência a drogas as contribuições das escolas
psicodinâmicas e psicoanalíticas deslocam o eixo explicativo da droga para o indivíduo. Em
seu conjunto estas escolas tendem a ter concepções concorrentes quando entendem a
dependência de drogas como uma condição peculiar a determinadas configurações
psíquicas, as quais predispõem determinados indivíduos a estabelecerem uma relação
peculiar com as drogas de natureza dependente. Em coerência com esta visão, o tratamento
psicoterápico/psicanalítico almeja o estabelecimento de uma nova configuração psíquica,
em que seja conquistada uma maior autonomia do sujeito diante de impulsos psíquicos,
anteriormente capazes de agir disruptivamente.42 O conjunto das produções teórico-clínicas
destas escolas, calcado fundamentalmente em casos que buscaram tratamento por
problemas relacionados ao uso, voltam-se para questões que envolvem a gênese e
manutenção da relação dependente com as drogas.

Como veremos mais adiante, outros estudos revelaram a existência de padrões de


uso controlado também para drogas consideradas “pesadas”.

A teoria do rótulo de Becker ao oferecer uma compreensão da dinâmica estabelecida


pelo conjunto de atores sociais que conquistam poder para reproduzir a visão homogênea
sobre o uso de droga ilícita como prática desviante contribui tal como faz Barata, para uma
abordagem crítica ao proibicionismo. Permite que seja revelada uma força constituída pelas
crenças compartilhadas de um coletivo a cerca de indivíduos cujas práticas passaram a ser
(em um dado momento histórico) consideradas desviantes. As trajetórias desviantes
individuais, não podem ser vistas, dentro desta concepção interacionista, como sendo

contrários à despenalização da maconha se calca na idéia da escalada, ainda que sejam utilizados outros
argumentos calcados na função psíquica desempenhada pela droga.
42
Propositalmente utilizamos termos relativamente pouco precisos ou gerais (tal como “configuração
psíquica”, e “autonomia”) para poder caracterizar genericamente as posições psicodinâmicas ou
psicoanalíticas. Foge aos propósitos deste trabalho um detalhamento das divergências ou distinções entre
estas escolas, que reproduzem no campo das drogas em particular, as divergências no campo das
terapêuticas psicológicas em geral. Um exame destas diferenças entre psicanalistas pode ser encontrado
nas páginas 173-178, do capítulo entitulado "Personality and Social Learning: The Theory of controlled
Drug Use” de Zimberg (1984); ou, em Bucher (1992) nos capítulos “Psicopatologia da toxicomania e
vivência do toxicômano” (p. 199-217) e Alienação psicótica e alienação toxicômana” (p. 218-228), nos
quais ele trata mais especificamente de aspectos clínicos, ou nos capítulos “Psicanálise, drogas e
drogadição” (p. 275-298) e “A toxicomania, paradigma da dependência humana” (p. 299-312) onde ele
se detém em aspectos teóricos.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 41
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
independentes e individualizadas, e sim como fenômeno coletivamente (ou socialmente)
constituído.

2. Os discursos sobre drogas construídos em tempos de “guerra”: mitos e


preconceitos

Alguns exemplos de “alegações excessivas”43 citados por Bucher (1992), correntes


nos discursos sobre drogas introduzem o exame dos mitos e preconceitos construídos em
tempos de “guerra às drogas”:

• “a droga é o mal (do século), é o diabo, é a corrupção da alma e


da sociedade;

• o consumo de drogas é uma criação de traficantes, movidos por


motivos perversos e ideológicos (por exemplo, os comunistas,
os muçulmanos, os hedonistas…) com o intuito de corromper as
sociedades ocidentais;

• é possível viver em uma sociedade sem drogas (ou “escolas sem


drogas”) mediante medidas “adequadas” (sobretudo repressivas
ou adestradoras); subestima-se, de modo pouco realista, a força
sedutora da droga e as razões da sua presença na sociedade;

• todas as drogas ilegais são perigosas, induzem dependência e


levam a um caminho sem volta44 (radicalizando os efeitos, sem
referência a quem as usa, como, quanto, quando e em que
contexto, e pautando uma irreversibilidade absoluta);

• o bom cidadão (ou o bom aluno, o bom filho…) não usa


drogas; quem as usa é mau, corrompido, marginal e perdido
(outros exemplos do maniqueísmo que assola o trato do
‘problema das drogas’) ” (p. 150-151)

43
Uma análise aprofundada sobre os aspectos ideológicos do discurso de combate às drogas (ao qual
correspondem as referidas “alegações excessivas”) foi objeto de uma dissertação de mestrado feita por
Oliveira “Ideologia no discurso sobre drogas.” de 1992; parte deste trabalho foi publicado por Bucher
e Oliveira, sob o título: O discurso do "combate às drogas" e suas ideologias. Rev. Saúde Pública, v.
28, n. 2, p. 137-145, 1994.
44
O título do livro de Elias Murad. O que você deve saber sobre os psicotrópicos. A viagem sem bilhete
de volta, é um exemplo que ilustra o uso típico desta expressão comumente encontrada nos discursos de
cunho repressivo às drogas.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 42
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Pode-se encontrar uma razoável superposição na descrição feita acima sobre os
excessos peculiares à posição de combate às drogas e a sistematização feita por Mudgford
(1989, p. 4) dos mitos encontrados sob uma postura proibicionista. Tais características
preconceituosas, próprias aos discursos dominantes a respeito das drogas ilícitas,
constituem o tratamento dado a questão das drogas pelos principais livros didáticos
adotados no ensino de 1º e 2º graus em nosso meio (Carlini-Cotrim & Rosemberg, 1991a).

Para Mudgford (1989), o encadeamento das crenças que constituem estes mitos
sustentam (ideologicamente) as medidas repressivas próprias do proibicionismo.

São sete os mitos por ele arrolados:


1. drogas são intrinsecamente agradáveis e prazerosas;
2. drogas desinibem pessoas e causam ações desviantes;
3. uso controlado é impossível;
4. sociedade livre de drogas;
5. o traficante demônio;
6. o usuário como vítima;
7. o jovem visto como culturalmente crédulo e acrítico
(“cultural dope”) (P. 83-84)

Os três primeiros mitos se relacionam às drogas propriamente ditas, o de número


quatro é relacionado aos objetivos das intervenções e os três últimos são relacionados ao
sistema social de uso de droga.

Os três primeiros criam a base que justifica as medidas de controle social, sobretudo
aquelas voltadas para os jovens45.

O conjunto formado pelos 3 primeiros mitos listados por Mudgford, produz uma
falsa impressão de que os casos extremos - os dependentes grave de drogas, com problemas
anti-sociais - são a regra e não a exceção do universo de usuários de drogas. Assim sendo
criam um efeito de reafirmação de que o mal está nas drogas, pois qualquer um que

45
Cássia B. Soares em sua tese de doutorado Adolescentes, drogas e AIDS: avaliando a prevenção e
levantando necessidades. 1997, trata dos aspectos ideológicos que sustentam medidas preventivas
“controlistas”, particularmente no capítulo “O caso da prevenção”, à seção “Os pressupostos ideológicos
da prevenção” , p.80-82.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 43
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
experimente uma droga tornar-se-á um dependente anti-social, corroborando o poder
corrompedor da droga.

Diante de um quadro tão sombriamente ameaçador, o ideal (necessário) é atingir-se


uma sociedade livre de drogas. Logo, se é necessário, tal ideal é eticamente justificado.

E com uma lógica circularmente viciada criam-se as figuras caricatas como o


(jovem)usuário-vítima-crédula, incapaz de resistir ao traficante-demônio (portador do
46
mal) . Tais construções discursivas conduzem a uma crença de que a presença da droga é
capaz de aniquilar o sujeito, retirando-lhe a capacidade de decidir, por si mesmo, pelo uso
ou não uso (seja experimental ou controlado).

A principal diferença encontrada entre os dois arrolamentos (de Bucher e de


Mudgford) é que, para o segundo, as drogas são redutivamente consideradas como
“intrinsecamente positivas e agradáveis”, e para Bucher (1992, 1994), como “o mal (do
século), o diabo, a corrupção da alma e da sociedade”47.

Mais do que configurarem visões conflitantes, podemos considerá-las como


complementares, mas igualmente parciais. Parciais pois as drogas não são nem
intrinsecamente (sempre)boas, nem (sempre)más.

Os efeitos das drogas, não são exclusivamente determinados por suas características
psicofarmacológicas (Del Porto & Masur, 1984), mas pela interação entre o produto, o
sujeito (com suas particularidades psíquicas), e o contexto do uso (condições particulares
dadas pelas circunstâncias em que o uso se dá) (Zimberg, 1984; Ratner, 1993).

A qualidade que atribuída às drogas faz delas intrinsecamente más, é o suposto


poder delas destruírem (tornar dependente e criminoso) aquele que as usa. Para aumentar o
poder da droga a esse ponto, é preciso primeiro anular o sujeito e, segundo, eliminar a
influência das circunstâncias sociais nas quais ele se encontra.

46
Sobre a temática da demonização da droga como fenômeno associado à violência e exclusão social ver o
texto de Alba Zaluar A criminalização das drogas e o reencantamento do mal. p. 97-128.
47
Um estudo sobre o tema da representação social da droga em Brasília aponta para uma visão
predominantemente negativa da droga. Martins F.; Totugui M.; Catunda C.; Santo L.C. A representação
social do produto da droga em Brasília: o Produto. Psic.: Teor. E Pesqu., v. 7., n. 1, p.47-58.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 44
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O fato omitido é a existência de sujeitos que só experimentaram a(s) droga(s), ou
que fazem delas um uso controlado. Se é possível usar controladamente uma droga, o
“poder destrutivo” não é intrínseco à droga, mas fruto da interação sujeito-droga.

A visão que toma a droga como exclusivamente prazerosa enfatiza o aspecto


sedutor, irresistível deste objeto, colocando exclusivamente nela droga, por suas qualidades
de alterar algumas das funções da consciência, o poder de agir sobre todos os indivíduos de
modo idêntico. Tal visão ignora os relatos de que usuários de determinadas drogas, não
gostam necessariamente dos efeitos produzidos por outras (Waldorf, Reinarman & Murphy,
1991) ou que não sentem como prazeroso de imediato o efeito inicial destas mesmas
drogas, e que, posteriormente, aprendem a reconhecer os efeitos e atribuir-lhes um caráter
positivo (Becker, 1973).

Esta visão, tal como a que toma a droga como “o mal”, reduz, novamente, os
sujeitos a uma condição de absoluta incapacidade de (ao menos potencialmente) administrar
sua relação com o prazer, mesmo que seja o prazer que extraem da sua interação com a
droga e seus significados. Ao mesmo tempo, ao se associar “o mal” intrinsecamente à droga
(tomando-a de um modo a-histórico e a-social), deixa-se de levar em conta que parte dos
prejuízos ou efeitos negativos experimentados pelos sujeitos se associam aos múltiplos
contextos nos quais as drogas são usadas, muitas vezes gerados em circunstâncias ligadas à
exclusão social.

Quanto a afirmativa de que as “drogas desinibem pessoas e causam ações


desviantes”, encontramos nela o mesmo desbalanço idealizado entre o (excessivo) poder
atribuído à droga e (nulo) poder atribuído ao sujeito de responder interativamente a ela. Este
“poder desinibidor” não leva em conta as diversidades psicofarmacológicas dos efeitos
distintos das drogas - nem sempre “desinibidores”, nem leva em conta a resposta do sujeito
à suposta “força desinibidora”. E uma vez desinibido, a ação desviante não é uma
necessidade lógica, pois “desvio” não é um comportamento em si, mas em relação a normas
socialmente determinadas.

No limite, usuários de drogas, gravemente dependentes, podem cometer “atos


considerados desviantes” (inclusive criminosos), cujas razões são de múltiplas naturezas,

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 45


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
que passam por exemplo pelo preço da droga (determinado pela ilegalidade de seu
comércio) e pelo poder aquisitivo do usuário, determinado pelas condições prévias e
correntes ao período dependente.

Tais concepções, são parcialmente derivadas de preconceitos alastrados no e pelo


senso-comum, e parcialmente sustentadas pelos “usos indevidos” de saberes médico-
epidemiológicos, construídos ambos - saberes e preconceitos- sob uma política
proibicionista em relação às drogas.

3. A emergência de um novo objeto: o uso controlado

O caso do casal Sobell

Desde o final os anos 60 início dos 70, nos EUA a questão do uso controlado de
uma substância lícita - o álcool - havia se tornado objeto de controvérsia (Marlatt et al.,
1993, p. 467-469). Esta se intensifica no final dos anos 70 quando Sobell e Sobell (197848,
citado por Marlatt et al. 1993) publicam um estudo que considera que o uso controlado
pode ser uma meta alternativa ou preferencial no tratamento de determinados perfis de
alcoolistas. As divergências em torno desta questão saíram do âmbito científico para
tornarem-se um debate público explorado pela mídia (Marlatt et al., 1993, p. 471).

Em 1978, Sobell e Sobell publicam os resultados de um ensaio clínico, no qual


comparam os resultados obtidos, a curto e médio-prazo (garantidos por um “follow-up” de
2 anos, com 98% da amostra inicial) junto a pacientes dependentes do álcool, tratados por
uma técnica “convencional” (de terapia “behaviourista”, orientada para a abstinência) ou
por uma técnica behaviourista inovadora orientada para o beber controlado.

48
A publicação em questão é: Behavioural treatment of alcohol problem drinkers. New York, Plenum.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 46


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Esta publicação provocou inicialmente uma forte reação de alguns membros da
comunidade científica norte-americana, pois a definição tradicional aceita para o
alcoolismo49 a vê como uma doença, nos seguintes termos:

“Alcoolismo é uma doença crônica primária com fatores


genéticos, psicossociais e ambientais que influem seu
desenvolvimento e manifestações. A doença é frequentemente
progressiva e fatal. É caracterizada pela impossibilidade
(impaired) de manter o controle sobre o beber [grifo nosso],
preocupação com o álcool, uso do álcool a despeito de
consequências adversas, e distorções do pensamento, mais
notavelmente a negação.” (Morse & Flavin, 1992, citado por
Marlatt et al. 1993, p. 464)

A publicação de um relatório no jornal Science em 9 de julho de 1982 (de autoria de


Penders, Maltzman & West), põe em dúvida os resultados do estudo do casal Sobell.
Apesar deste relatório conter impropriedades metodológicas e omissões de aspectos
essenciais ao desenho da pesquisa dos Sobell (Marlatt et al., p. 472-473) o efeito negativo
da acusação se multiplicou.

Um exame acurado50 dos possíveis “viéses” da metodologia deste estudo dos Sobell,
sugerem que o único reparo metodológico a ser feito era que a entrevistadora dos pacientes
seguidos no “follow-up” - Linda Sobell - sabia a quais das duas técnicas de tratamento os
pacientes haviam sido submetidos. Este conhecimento impedia que o “duplo-cego” do
pesquisador estivesse presente no momento das entrevistas de seguimento, o que pode ser
“corrigido” pela formalização da entrevista e pela existência de gravações de todas as
entrevistas realizadas por ela.

Segundo esta publicação: “os resultados provêem positiva evidência de que o beber
controlado pode ser uma meta de tratamento preferível [grifo nosso] para alguns
alcoolistas.” (Marlatt et al. 1993, p. 470). O casal Sobell foi vítima de acusação de fraude

49
Esta definição foi publicada em 1992 pelo Joint Committee of the National Council on Alcoholism and
Drug Dependence e pela American Society of Addiction Medicine, no Journal of the American Medical
Association (Marlatt et al., 1993, p. 463).
50
O caso Sobell levou a que alguns cientistas checassem o referido trabalho; dentre estas mencionamos o
acompanhamento de 3 anos com os pacientes tratados pelo casal Sobell feito por um grupo de
pesquisadores independentes chefiados por Glen Cady e publicado posteriormente por G. Cady, H.J.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 47


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
científica e má conduta profissional, posteriormente afastadas pelo parecer do Dickens
Committee, da Universidade de Toronto, chefiado pelo professor de Direito nesta
universidade51). No entanto a difamação alimentada pela mídia deixou suas marcas, levando
o casal de cientistas a migrarem para o Canadá, onde tornaram-se pesquisadores da
Addiction Research Foundation.

O “caso do casal Sobell”, ilustra como os movimentos de temperança norte-


americanos (Carlini-Cotrim, 1992) conformam posturas de “caça às bruxas” em relação ao
consumo de substâncias psicotrópicas (lícitas ou ilícitas) não apenas do público leigo, mas
de membros da comunidade científica.

O uso controlado de substâncias ilícitas

O trabalho de Zimberg (1984) traz uma contribuição importante para a questão


anteriormente levantada sobre possíveis diferenças e similaridades entre as trajetórias de
consumidores de drogas "leves" e drogas "pesadas".

Psiquiatra e professor de Psiquiatria Clínica da Harvard Medical School, foi o


pioneiro no estudo do uso controlado de drogas ilícitas (maconha, LSD e heroína), sendo o
autor do clássico estudo: Drug, set and setting. The Basis for Controlled Intoxicant Use.
(1984).

Os estudos sobre consumo de drogas dos anos 60 em diante, tendiam a igualar uso
(qualquer tipo de uso) com abuso. Ainda que fosse aceito a possibilidade do uso não
abusivo, ele era tratado como um período curto, transicional para a abstinência ou para o
uso compulsivo (p.3). Os pesquisadores buscavam primeiro determinar os efeitos
potencialmente danosos das drogas ilícitas e então estudavam os distúrbios de
personalidades resultantes do uso destas substâncias - distúrbios os quais ironicamente eram
colocados em primeiro lugar como responsáveis pelo uso da droga (p. 3). Zimberg fez uma
revisão da literatura científica (de 1958 a 1981) dedicada ao estudo de uso de opiáceos, na

Addington, e D. Perkins. Individualized behaviour therapy for alcoholics: A third year independent
double-bind follow-up. Behaviour Research and therapy, n. 16, p. 345-362, 1978.
51
Este parecer consta do relatório final do comitê: Dickens, B.M.; Doob, A.N.; Warwick, O.H. &
Winegard, W.C. Report of the Committee of enquiry into allegations concerning Drs. Lina and Mark
Sobell. Toronto, Canada: Addiction Research Foundation, oct. 1982.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 48
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
qual foi encontrado apenas uma dúzia dentre centenas de estudos que tecia considerações
substanciais sobre o uso ocasional de opiáceos (appendix C, p. 241-254).

Zimberg lista 4 razões para este limitado número de estudos que mencionavam o
uso ocasional de opiáceos:

1. a crença generalizada no mal inerente da heroína, criando um


estereótipo de junkie 52 para todo e qualquer usuários desta
droga;

2. a dificuldade alegada em conseguir acessar, em número


significativo, usuários não compulsivos de heroína, fora de
instituições de tratamento;

3. questões de responsabilidade ética do pesquisador, em


indiretamente estimular o uso desta droga, se demonstrar a
existência de usuários controlados;

4. a confusão generalizada entre termos que definem o nível e a


qualidade da heroína usada. (p. 243)

O nascimento do interesse no estudo do uso ocasional de opiáceo data dos anos 60;
os estudos são em número reduzido (5 estudos mencionam a existência deste padrão de uso,
mas tendem a considerá-lo como transitório para a abstinência ou uso compulsivo). Um
53
único estudo, de autoria de Douglas Powell (1973) dedicou-se a descrever 12 casos de
uso controlado de heroína, por um período de 3 anos, cabendo portanto a este estudo o
mérito de ser a primeira descrição consistente da existência deste padrão de uso (conforme
Zimberg, p. 244-245) 54.

Em seu primeiro estudo, de caráter exploratório (datado de 1973) a respeito do uso


controlado de maconha, LDS e heroína, Zimberg define o uso controlado como “aquele uso
que não deveria ser tão frequente que interferisse com a vida familiar, amizade, trabalho ou
escola e saúde.” Quanto à frequência de uso os critérios utilizados foram: 1. excluir os

52
Expressão que designa ao mesmo tempo um dependente grave de heroína injetável, decadente,
marginal, criminoso, figura a que se associa todo e qualquer usuário de droga, conforme mito que
compõe o imaginário coletivo.
53
D.H Powell. A pilot study of occasional heroin users. Arch. Gen. Psychiat., n. 32, p. 955-961, 1973.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 49


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
usuários que referissem fazer uso várias vezes ao dia ou diariamente; 2. incluir pessoas que
referiram usar a droga no máximo uma vez por semana, por um período de pelo menos um
ano antes do momento da entrevista (p.47).

Dando continuidade a este primeiro estudo, em 1976, Zimberg passou a focalizar


sua atenção nos usuários controlados de heroína (que se mostraram, no primeiro estudo,
mais difíceis de serem encontrados).

O uso de heroína feito pelo sujeito eleito, no período de 2 anos anteriores à


entrevista, deveria preencher os seguintes critérios:

• ter usado pelo menos 10 vezes a droga em cada um dos últimos


2 anos.

• o número de dias de uso em um mês não pode exceder o


número de dias de não uso;

• o uso de outras drogas ilícitas e lícitas no período de 2 anos


deveria ter sido controlado;

• não ter tido em cada um dos dois anos, mais de 3 períodos em


que fosse usada a droga consecutivamente de 4 a 15 dias. (p.48)

Algumas diferenças entre os grupos formados por usuários controlados das 3 drogas
(maconha, LSD e heroína) foram observadas. Foi mais fácil encontrar usuários controlados
de maconha e psicodélicos do que abusadores ou dependentes destas drogas; o oposto
ocorreu com a heroína. Os usuários controlados das duas primeiras drogas, tendem a não
considerarem a si próprios como “junkies” considerando seu uso algo bom (o que é
explicado pela condenação moral intensa e generalizada ao uso da heroína).

Já os usuários controlados de heroína tinham grande preocupação em serem


percebidos como desviantes. Eles tendiam a manter grande segredo de seu uso, permitindo
que apenas as pessoas estritamente necessárias para que o uso ocorresse (os fornecedores da
droga, e poucos usuários com quem eles faziam uso conjuntamente) tomassem

54
Uma descrição detalhada desta revisão feita por Zimberg encontra-se no apêndice C, de seu livro, obra já

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 50


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
conhecimento deste uso. Tal cuidado era menos significativo entre os usuários controlados
de maconha e psicodélico justamente pela facilidade de se encontrar um número
relativamente grande de usuários controlados destas drogas, e pelo menor processo de
estigmatização associado a estas drogas e seus usuários.

O grupo formado pelos usuários controlados de heroína era mais frágil e centrado na
droga, devido à dificuldade em encontrar em número significativo de usuários controlados
que pudessem se tornar amigos compatíveis. Uma parte substancial dos usuários
controlados de heroína deste estudo, eram ex-dependentes. Desta forma eles mantinham e
partilhavam com outros usuários os rituais de uso da droga.

Zimberg deu grande destaque em sua análise às formas de controle informais


utilizadas pelos usuários para manter seu uso controlado. Foram descritas 4 formas de
sanções e rituais relacionadas ao uso controlado:

1. Sanções que definiam o uso controlado e condenavam o uso


compulsivo. Relacionavam-se à frequência e quantidade usada,
sobretudo em se tratando de uso controlado de heroína.

2. Sanções que limitassem o uso a circunstâncias físicas e sociais


consideradas capazes de propiciar experiências com a droga
positivas ou seguras. Eram escolhidos locais agradáveis e
momentos para o uso, em que o tempo para usufruir dos efeitos
fosse suficiente para não terem de agir perigosamente (tal como
dirigir ainda intoxicado).

3. Sanções que buscassem identificar e prevenir efeitos


indesejáveis da droga (tal como overdose, no caso da heroína,
ou excessiva embriaguez canábica). Se relacionavam a dosar
cuidadosamente a quantidade de droga consumida por sessão.

4. Sanções que buscassem compartimentalizar as situações de uso,


de maneira a não prejudicar ou interferir com as situações de
não uso. Se referiam tanto a controles de gastos destinados a
droga, quanto aos momentos de seu consumo (p. 17-18)

A maneira pela qual cada indivíduo construiu seus rituais e sanções era variável.
Constituía-se, geralmente, em um processo gradativo, e a mais importante fonte de

citada.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 51
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
preceitos e práticas de controle vinha da relação que eles estabeleciam com seus pares,
usuários não compulsivos de drogas.

Os padrões de amizade e as atividades com grupos de pares jogaram um papel


fundamental no estabelecimento de diferentes estilos de uso, tal como o uso compulsivo e o
uso controlado. Os usuários controlados tenderam a ter uma maior diversidade de grupos de
amigos, bem como referiram ser menos solitários que os usuários compulsivos. Os usuários
controlados também tenderam a ter um menor número de amigos (camarada/companheiro)
que fizessem uso compulsivo de opiáceos ou outras drogas.

Em síntese, ao construir sua teoria do uso controlado, Zimberg, tal como Becker,
relativizaram o papel atribuído à droga em si, bem como o papel atribuído à personalidade
na gênese da dependência.

Zimberg mudou o enfoque, por ele considerado clássico entre os psicanalistas


freudianos, em relação à importância dada aos impulsos sexuais e agressivos na
constituição da personalidade, acrescentando a importância da influência do meio social a
que o indivíduo pertence. Para ele, o uso de droga pode desempenhar uma função
adaptativa do ego (p. 191).

Enfatizamos uma vez mais que a originalidade e riqueza da contribuição trazida por
Zimberg advém em primeiro lugar de ele tornar visível um novo objeto: o uso controlado de
drogas ilícitas, que se acresce de importância em se tratando de uma droga "pesada" como a
heroína.

Em segundo lugar são interessantes suas considerações a respeito da contribuição do


intrapsíquico na gênese do uso de droga ilícita, pois ao criticar as teorias psicoanalíticas
"clássicas" relativiza o papel do intrapsíquico incorporando "variáveis sociais e o processo
de aprendizado social”.

Um estudo francês (Caiata, 1996) aborda também esta questão. A autora entrevistou
11 usuários de heroína, cujo “modo de vida” e estilo de uso da droga, levou a mesma a
nomeá-los como sendo “toxicômanos integrados” (toxicodépendants integrés). Esta
expressão pretende dar conta ao mesmo tempo das estratégias utilizadas por estes
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 52
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
indivíduos para manterem sua integração social, a despeito de manterem, simultaneamente
o uso da heroína. Caiata considera que função deste uso é prover uma “auto -assistência”
(p.18). Para esta autora tal fenômeno pode representar a incorporação de novos padrões de
consumo das drogas ilícitas, reflexos de mudanças mais amplas da cultura da droga.

Dentro desta mesma linha de reflexões, o pensamento de Zimberg tem a vantagem


de situar-se "a meio caminho" entre as ciências sociais e a psicologia e psicanálise criando
espaço para uma interlocução indispensável entre estes ramos do conhecimento humano ao
se tratar de um fenômeno complexo como as drogas ilícitas e seus usos. Não pretendemos
com esta afirmativa propor que a aproximação entre teorias sociológicas e psicológicas feita
por Zimberg através da Psicologia do Ego (uma escola psicanalítica predominantemente
desenvolvida nos EUA) seja a única, ou mesmo a melhor aproximação. Estamos apenas
ressaltando a necessidade de compor ou articular os conhecimentos construídos a partir
destas áreas, quando se busca construir uma “teoria geral das drogas e seus usos”, ou
quando se busca estabelecer um sistema de atenção à saúde de usuários de drogas com
instrumentos e objetos menos comprometidos com o reducionismo teórico-técnico que
caracterizam a maioria das intervenções voltadas para a população de usuários de drogas.

Em quarto lugar este novo objeto - uso controlado - tem consequências teórico-
práticas relevantes para analisarmos a atenção à saúde dos usuários de drogas ilícitas.

Acresce-se a isso que a descrição feita por Zimberg das estratégias (sanções e
rituais) usadas por estes usuários para manter o uso controlado, revela a existência de um
grande cuidado deles para se protegerem dos efeitos negativos da incorporação de uma
"identidade (social) deteriorada" (Goffman, 1978) bem como em se protegerem do processo
de rotulação que acompanha o desenvolvimento de uma "carreira desviante" (Becker,
1973).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 53


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Mudgford (1989a) em seu estudo sobre o uso recreacional de cocaína na Austrália55,
encontrou uma gama de patamares de uso (do experimental ao controlado) dentro dos quais
uma tomada de decisão estabelece a manutenção ou progressão para outros patamares. Em
suas palavras:

“A carreira de usuário pode ser descrita como tendo níveis de uso,


determinados por controles que estabelecem estes níveis:

• decidir, após alguns poucos usos, que a droga não é atraente e


decidir não usá-la mais;

• decidir que, apesar de o uso ser agradável, é melhor só repetir a


experiência em determinadas circunstâncias (como festas, etc.)

• decidir que embora o uso seja agradável em muita


circunstâncias, ele não irá dominar suas vida e outras
atividades;

• decidir que o uso ultrapassou um nível seguro e é necessário


reduzir ou interromper o uso por um período de tempo
(incluindo parar definitivamente);

• decidir que o uso é um hábito e que porisso, seja sozinho ou


com terapia, a pessoa deverá parar o uso e recuperar o
controle.” (Mudgford, 1989a, p.5)

As conclusões deste estudo do uso recreativo de cocaína são concordes com as de


Zimberg no que se refere a capacidade de alguns usuários de drogas “pesadas” (tal como a
heroína) estabelecerem controle sobre o uso.

O fato de que tais usuários sejam menos visíveis, é assim explicado por Mudgford:
“a razão pela qual existe maior visibilidade dos usuários pesados com problemas sérios é
que, por um lado, são estes que chegam aos serviços de tratamento e, por outro, que os
outros tipos de usuários, dado a ilegalidade desta prática, mantém seu uso clandestino.”
(p.6).

55
O estudo, citado neste artigo, foi publicado no mesmo ano , com o título: Drug Use, Social Relations
And Commodity Consuption: A Study Of Recreational Cocaine Users In Sydney, Caberra And
Melbourne. Report To The Research Into Drug Abuse Advisory Committee, National Campaign Against
Drug Abuse, Canberra, June, 1989.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 54
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Estes achados são corroborados por outro estudo realizado em São Francisco com
267 pessoas usuárias atuais e ex-usuárias de cocaína, pertencentes a uma mesma rede de
sociabilidade (Waldorf, Reinarman & Murphy, 1991). Como os autores estavam
interessados em conhecer histórias de usos de cocaína, as pessoas entrevistadas não foram
recrutadas a partir de serviços de tratamento, com o intuito de não acessar redes de usuários
onde predominassem o uso dependente. Foi utilizada a técnica de amostragem chamada de
“snowball” (bola de neve), apropriada para acessar populações escondidas (Biernarki &
Waldorf, 1981; van Meter, 1990). Parte da amostra de 267 indivíduos foi constituída por
uma rede de usuários de cocaína que vinha sendo acompanhada por estes mesmos
pesquisadores há longa data; os resultados deste acompanhamento foram publicados num
artigo de 1989, entitulado: “An 11-year follow-up of a network of cocaine users”. Uma de
suas conclusões ressalta a importância que os controles informais e normas usadas pelos
usuários exercem na obtenção do uso controlado da cocaína.

No estudo de São Francisco, as trajetória de uso foram descritas segundo 7 temas: 1.


Usando cocaína: iniciação e estilos de uso; 2. Cocaína e trabalho; 3. Vendendo cocaína; 4.
O uso do crack e “freebasing”; 5. Usuários controlado”; 6. Problemas com a cocaína e 7.
Suspendendo o uso.

A descrição dos percursos e técnicas utilizados para manter um uso controlado, são
similares aquelas encontradas em Zimberg (1984) e Mudgford (1989a).

O estabelecimento do uso controlado como uma das formas de relação com as


drogas ilícitas põe em cheque concepções preconceituosas que perduram até nossos dias a
respeito dos usuários destas drogas, segundo as quais os usuários de drogas ilícitas tendem a
ser confundidos com a parcela de dependentes graves que dispõe de mínimos recursos para
cuidar de si próprios.

Nosso interesse neste trabalho se focaliza em estabelecer como a emergência da


redução de danos relacionados aos usos de drogas, trouxe uma maior visibilidade à maneira
pela qual o proibicionismo tem conformado o conjunto de práticas preventivas e
assistenciais voltadas para os usuários de drogas ilícitas.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 55


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
IV. Aspectos tecno-metodológicos

1. Material e fontes

Esta monografia constitui-se de um estudo bibliográfico, complementado por


informações colhidas através de visitas, entrevistas e observações feitas em alguns
programas ou serviços que prestam atenção a usuários de drogas.

O primeiro procedimento metodológico do estudo bibliográfico adotado foi a


realização de levantamentos bibliográficos feitos em banco de dados convencionais,
bibliotecas ou centros especializados.

1.1. Estudo bibliográfico

Foram realizados e ou consultados os seguintes levantamentos bibliográficos:

A. Consulta ao MEDLINE, utilizando-se do indicador bastante abrangente "drug


abuse" foi feita na biblioteca da Medical Harvard School, em julho de 1994. Os achados
desta pesquisa (1600 referências) foram selecionadas pela leitura dos resumos, obtendo-se
aproximadamente 50 publicações, entre artigos e monografias, cobrindo um período de
aproximadamente 5 anos). Esta seleção permitiu o estabelecimento de um panorama
razoavelmente atualizado sobre o assunto drogas abrangendo assuntos como prevenção,
intervenções de tratamento à dependência, programas de troca de seringas e agulhas,
estudos etnográficos, avaliação de programas de prevenção dentre os principais eleitos.
Grande parte deste material constituiu-se de publicações do NIDA (National Institute of
Drug Abuse- USA) das quais pouco dispomos em nosso país.

B. Consulta aos seguintes banco de dados, da biblioteca da Faculdade de Saúde


Pública da USP:
UNIBIBLI - os unitermos utilizados: "drogas", "tóxicos" e "Brasil". Foram encontrados 37
referências. A indexação por biblioteca não tem restrição de tempo.
HIGEA : no qual utilizando-se o unitermo "abuso de drogas" encontrou-se 12 documentos.
O período abrangido foi de 1983 a 1996.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 56
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
LILACS: Unitermos: "abuso de drogas" e "drogas de abuso" cruzando com
"epidemiologia" e "Brasil". No período de 1982 a 1996 foram encontrados 27 referências.
MEDILINE: Utilizando-se de unitermos "drug abuse" cruzando com "epidemiologia" e
"Brasil", foram localizadas 8 referências. Período abrangido 1992 a setembro de 1996.
SOCIOFILE: Utilizaram-se os unitermos "drug" or "drugs" e "Brasil", foram encontradas
16 referências, cobrindo um período de 1974 a 1996.

C. Consulta a um levantamento bibliográfico feito pelo Toxibase56: “Bibliographie:


Réductions des risques” (164 páginas), datado de março de 1997. Este levantamento incluiu
405 documentos datados, a grande maioria, de 1993 em diante. Destes, 312 tratam da
situação no plano internacional. Os documentos que compõem este levantamento foram
selecionados, segundo seus realizadores “respeitando os conjunto de pontos de vista
existentes; elegendo os documentos mais significativos e mais recentes pelos autores que
mais publicaram sobre o assunto; privilegiando-se os estudos e trabalhos que testemunham
uma reflexão e uma análise sobre as práticas de redução de riscos (excluindo-se os
documentos que tivessem somente um caráter descritivo)” (TOXIBASE & CRIPS, 1997,
p.2). As referências foram apresentadas em tópicos: “redução de riscos: definições,
histórico, políticas nacionais e internacionais; “legislações”; “epidemiologia”;
“comportamento”; “substituição”; “injeção com menos risco”; “auto-suporte”; “prevenção
primária e educação para a saúde” e “atenção sanitária e social”.

Privilegiamos a seleção das publicações que se referiram a “definições”, “histórico e


políticas”, complementado-as com publicações que permitissem o estabelecimento das
práticas correntemente relacionadas como pertencentes à perspectiva de redução de danos.
Através deste levantamento foi possível localizar os textos em sua maioria publicados em
periódicos ou editoras especializadas, disponíveis na biblioteca do Hospital Marmmotan,
especializada em drogas.

O livro de atas de 8a Conferência Internacional de Redução de Danos Relacionados


às Drogas (março/1997), que forneceu um panorama recente da produção prática e
científica sobre o assunto.

56
Toxibase é uma associação de 8 centros que compõe uma rede francesa de documentação sobre
farmocodependências que conta com 17.000 referências de publicações em língua francesa e inglesa.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 57
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Através da colaboração de pesquisadores e amigos, pudemos contar com o
fornecimento de publicações de “difícil acesso” ou textos não publicados, estrangeiros e
nacionais.

Dos livros que tratam sobre drogas elegemos um que é referência nacional
obrigatória no assunto: “Drogas e Drogadição no Brasil” (Bucher, 1992), e um de
atualização: “Drogas: Atualização em Prevenção e Tratamento” (Andrade, Nicastri &
Tongue, [1993?]).

Levantamos as obras nacionais mais diretamente relacionadas ao assunto “redução


de danos”. Foram incluídos todos os livros nacionais encontrados sobre a redução de danos
dos quais obtivemos referência através dos levantamentos bibliográficos ou por
informações dos estudiosos do tema: 1. “Só Socialmente” (Bastos & Gonçalvez, 1992); 2.
“Drogas: é legal?” (Bastos & Gonçalvez, 1993); 3. “Drogas e AIDS- Estratégias de
Redução de Danos” (Mesquita & Bastos, 1994); 4. “Drogas e cidadania: repressão ou
redução de riscos” (Zaluar, 1994); 5. “Ruínas e Reconstrução - AIDS e Drogas
injetáveis na cena contemporânea” (Bastos, 1995) e 6. “Drogas: hegemonia do
cinismo” (Ribeiro & Seibel, 1997).

1.2. Observações em serviços:

Foram feitas visitas a dois tipos de serviços/programas:

• os que desenvolviam ações sócio-educativas ou comunitárias,


voltadas para os usuários de drogas.

• os que desenvolviam atividades de redução de danos;

As informações obtidas pela pesquisadora (ou visitante) produziram dois tipos de


registro: 1. Registro das observações realizadas durante as visitas; 2. Registro de
informações coletadas (oralmente ou contidas em material de divulgação, relatórios
técnicos internos, publicações em congressos, periódicos etc.)

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 58


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Estas visitas foram realizadas em 3 momentos:

A. Em 1986, à ocasião na condição de estagiária de Marmottan, tivemos a


oportunidade de acompanhar um turno das atividades de uma equipe de educadores de rua
da Association L’Abbaye em Paris. O impacto produzido por este contato - o primeiro
contato com um serviço voltado para usuários de drogas que não seguia as restrições
próprias aos serviços de tratamento da dependência - levou a visitante a se interessar por
esta modalidade de atenção aos usuários, obtendo, junto aos responsáveis do serviço, cópias
dos relatórios anuais de avaliação que cobriram o período de 1979 (ano que o serviço
inaugurou) a 1986. Em 1990, ao retornar para um segundo estágio em Marmottan, a
estagiária obteve a informação de que este programa havia sido extinto.

B. Por ocasião do estágio promovido pela University of the State of New York -
SUNY: “Grassroots and Outreach Prevention Strategies” dirigido a trabalhos de
“outreach”57 para usuários de drogas, adolescentes “foragidos de casa” ou instituições de
reabilitação/reinserção social, em 4 cidades norte-americanas (Chicago, Boston, Nova
Iorque e Washington). O estágio cobriu o período de 26 Junho a 24 Julho de 1994. Foram
visitados 12 serviços dentre os quais: Justice Resource Institute, Martha Elliot Center,
Bridge Over Troubled Waters, Coalition for the Homeless/Massachusetts General
Hospital (Boston); Trabalho comunitário do Dr. Ron White, Chicago Alliance
Recovery/Needle Exchange Program, AIDS Intervention Model- Chicago (programa
coordenado por Dr. W. Wiebel) (Chicago); Iris House, Caribean Women’s Health
Association, ADAPT- Needle Exchange Program (Nova Iorque); Drug Strategies,
Sasha Bruce Youth Works (Washington).

Foram utilizados informações mais especificamente sobre 3 destes serviços (AIDS


Intervention Model- Chicago; ADAPT- Needle Exchange Program de Nova Iorque e

57
Este termo, que em nosso meio tem sido traduzido por “agente comunitário ou agente de saúde”, refere-
se a utilização de ex-usuários ou pessoas extraídas desse meio, em programas que atuam nas ruas e
locais frequentados por usuários de drogas.
57
“outreach work”: Esta expressão se consagrou no campo da prevenção da AIDS entre usuários de drogas
ilícitas; de tradução não ainda convencionada se refere genericamente a “trabalho que utiliza
(comumente) pessoas extraídas da própria comunidade para “atingir” usuários de drogas que não
procuram serviços”.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 59
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Chicago Alliance Recovery/Needle Exchange Program), selecionados segundo dois
critérios: dispormos de material suplementar (numerosas publicações em periódicos
científicos sobre o trabalho, no caso do AIDS Intervention Model- Chicago, feitas pela
equipe de Dr. W. Wiebel) ou termos tido um contato mais estreito e ou prolongado como no
caso dos dois outros serviços (participamos de um curso realizado pelo ADAPT em
Chicago: “An Outreach Strategies Training”, e visitamos a sua sede e seu posto de troca
de seringas em Nova Iorque; a convivência durante 20 horas no curso com um membro (ex-
UDI, um “outreach worker” do Chicago Alliance Recovery) e a visita ao ônibus de troca de
seringa desta entidade, possibilitaram a produção de observações e relatos mais completos
que os obtidos nas demais visitas.

C. Por ocasião da 8ª Conferência Internacional de Redução de Danos relacionados


às Drogas (março/1997) em Paris, a delegação brasileira (da qual fizemos parte), foi
convidada a visitar 4 serviços/organizações, dentre os quais incluímos 3 (mais diretamente
relacionados ao nosso tema):

I. EGO (associação de moradores do bairro Goutte D’Or),

II. Programa de troca de seringa do Médecins du Monde, (posto móvel em


ônibus adaptado)

III.STEP (programa de troca de seringas ligado a EGO).

As informações sobre os programas II, III foram complementadas pelos trabalhos


apresentados por membros destes serviços na 8a conferência. Já as informações sobre EGO,
constituem um apanhado de vários relatórios técnicos fornecidos a partir de 1990, à ex-
estagiária de Marmottan (atual pesquisadora), que tem acompanhado a história desta “ação
coletiva”, desde antes de seu nascimento oficial em 1987. Lia Cavalcanti, atual consultora
da Comunidade Européia para assuntos de ações comunitárias para drogas, foi a
idealizadora e implementadora das ações que culminaram com a montagem desta
associação de bairro, considerada hoje modelo de ação comunitária. Lia esteve presente,
prestando informações, conjuntamente com os coordenadores dos programas II e III .

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 60


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Para a apresentação dos exemplos de serviços/programas, quando disponíveis,
foram consultados documentos tais como relatórios técnicos ou material de divulgação
oficial produzidos pelas instituições/serviços visitados, conforme a listagem de documentos
abaixo apresentada:

1. BILAN ANNUEL DE L’ABBAYE: 8 relatórios de avaliação anual do programa de


trabalho de rua (1979-1986);

2. ASSOCIATION NACIONAL DES INTERVENANTS EN TOXICOMANIES. Le


Modele de Soins Français. Revue de L´ANIT- Interventions, juin 1988. [Dossier]
18p.;

3. ASSOCIATION NACIONAL DES INTERVENANTS EN TOXICOMANIES


Toxicomanie et SIDA: Prise en Charge. Revue de L´ANIT-Interventions. n. 19, p. 8-
9, avr. 1989. [Dossier];

4. RAPPORT D’ACTIVITES, da Association Éspoir Goutte D’Or (EGO),


de 1992 e 1993;

5. Alter EGO (jornal de divulgação da associação);

6. MÉDECINS DU MONDE. Exclus des soins, qui sont-ils? nov., 1996. [mimeo] 4p.;

7. MÉDECINS DU MONDE. Projet bus Methadone: um programme expérimental


de rue à bas niveau d’exigences sur 2 sites- Paris/Marseille. Mars. 1997. [mimeo]
18p.;

8. MÉDECINS DU MONDE. Nous soignons les blessures qui se voient et aussi


celles qui ne se voient pas. s.d. [mimeo] 17p.

Para o capítulo sobre emergência da redução de danos no Brasil foram examinados


documentos oficiais (do judiciário, do Ministério e Saúde e Secretaria de Saúde do Estado
de São Paulo).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 61


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Para o exame da atenção a saúde voltada para usuários de drogas no Brasil, em
especial o caso de São Paulo, os documentos consultados da Secretaria de Saúde e do
Governo do Estado de São Paulo se focalizaram no período referente à gestão 91-94 do
governo estadual. Esta escolha se deveu ao fato de que nesta gestão o governo declarou
como uma de suas 4 prioridades da área social a questão das drogas, cabendo ao Fundo
Social de Solidariedade do Governo a implantação e coordenação de um programa de
prevenção do uso indevido de drogas.

1. “Sugestões para Programas de Prevenção ao Abuso de Drogas no Brasil” (Carlini;


Carlini-Cotrim, & Silva Filho, 1990);

2. SÃO PAULO (Estado). Fundo Social de Solidariedade do Governo do Estado de São


Paulo - FUSSESP. Programa Permanente de Prevenção ao uso Indevido de Drogas
(PPP): Ações Preventivas [1992?].

3. Resolução do Secretário de Saúde de nº 430 e 431 (esta última retificando a anterior),


ambas publicadas no D.O. de 6-11-91;

4. “Proposta de um Sistema Integrado e Hierarquizado de Atenção ao Dependente de


Álcool e Drogas”, datado de agosto de 1991, com timbre da Secretaria de Estado da Saúde
e Área Técnica de Atenção à Saúde Mental - ATA de Saúde Mental; [mimeo]

5. Ministério da Saúde\ Coordenação de Saúde Mental, em 1991: “Normas e procedimentos


na abordagem do abuso de drogas.”

6. “Políticas Públicas na Prevenção ao Uso Indevido de Drogas”, palestra proferida em


1992, no curso de treinamento organizado pelo PROAD, o Dr. Nilson F. Páscoa, médico da
Secretaria de Saúde. (mimeo) 4p.

7. SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Programa Estadual
de Controle das DST/AIDS-CRTA-SP. Prevenção do HIV entre usuários de drogas
injetáveis: estratégias de redução de danos. São Paulo, 1995.

8. SÃO PAULO (Estado). Fundo Social de Solidariedade de São Paulo. Direitos da


Criança e do Adolescente São Paulo, s.d.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 62
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
9. SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Programa Estadual
de Controle das DST/AIDS-CRTA-SP.. Boletim Epidemiológico: AIDS e drogas. n. 3,
16p, 1996.

10. BRASIL. Ministério da Saúde/Secretaria Nacional de Assistência à saúde


/Departamento de Programas de Saúde/Coordenação de Saúde Mental. Normas e
procedimentos na abordagem do abuso de drogas. Brasília, 1991.

11. BRASIL. Ministério da Saúde/ Secretaria Nacional de Assistência à Saúde/Programa


Nacional de DST/AIDS. Uso indevido de drogas e AIDS, ano I, n. 1, 1997.

12. Documento-convite para “Oficina de Avaliação de projetos na área de drogas e AIDS”,


organizada pelo PNDST/AIDS, realizada em Brasília em 16 a 21 de junho de 1997;

13. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Programa
Estadual de Controle das DST/AIDS-CRTA-SP. Prevenção do HIV entre usuários de
drogas injetáveis: estratégias de redução de danos. São Paulo, 1995;

14. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Programa
Estadual de Controle das DST/AIDS-CRTA-SP. Boletim Epidemiológico: AIDS e
drogas. n. 3, 16p, 1996;

15. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Programa
Estadual de Controle das DST/AIDS-CRTA-SP. Boletim Epidemiológico: tendências da
epidemia. n. 1, 16p, 1997.

2. Manuseio do material e exposição do texto

A leitura do conjunto formado pelo material bibliográfico permitiu que um


panorama das práticas de saúde e sócio-educativas voltadas para usuários de drogas fosse
sendo esboçado. Parte destas práticas são percebidas como estando incluídas na perspectiva
de redução de danos, outras não obrigatoriamente.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 63


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Esta distinção se faz, em parte pela distância temporal e em parte pela distância
tecno-institucional que determinadas práticas guardam da experiência inglesa reconhecida
como o primeiro conjunto articulado de práticas de saúde, assistenciais e preventivas de
redução de danos. A anterioridade temporal da resposta original representada pela política
holandesa ao problema da droga, é menos relevante do que seu caráter tolerante para fazê-la
reconhecida como constituindo junto com a experiência inglesa a perspectiva de redução de
danos.

Assim colocada, a redução de danos descortina-se como uma perspectiva de saúde


pública que aporta novas tecnologias em saúde, modificando finalidades, instrumentos,
agentes do trabalho que respondem a necessidades de saúde anteriormente negativadas pelo
proibicionismo; simultaneamente, a perspectiva de redução de danos descortina-se como
um movimento que abarca posições ético-políticas distintas da posição dominante
conhecida como proibicionista. Um exame das posições ideológicas que compõem o
movimento de redução de danos ilumina as contradições e potencialidades transformadoras
que esta perspectiva contém.

Seguindo com a descrição da construção do texto, passamos a descrever as práticas


de saúde que são internacionalmente reconhecidas como práticas de redução de danos. Tais
práticas testemunham a concretização de parte desta potencialidade transformadora em
direção a uma percepção social dos usuários de drogas menos estigmatizante e
estigmatizada. Assim é caso dos programas de troca de seringas (ao introduzir um novo
objeto de intervenção: os usuários de drogas ilícitas injetáveis, com a finalidade de prevenir
a transmissão do HIV/AIDS, e não a suspensão do uso de droga), dos programas de “baixa
exigência” de substituição da heroína pela metadona, dos programas de prescrição da
própria droga ilícita (heroína ou cocaína), ou por último dos programas que disponibilizam
“salas para injeção segura”.

Este capítulo conta ainda com um exame de programas de redução de danos


(também de prevenção do HIV/AIDS entre usuários de drogas injetáveis), que não se
utilizam da troca de seringa como instrumento principal. O destaque é dedicado a
abordagem centrada nas redes sociais de usuários de drogas, uma vez que esta constitui um
passo a mais na direção da construção de dispositivos tecnológicos, com potencialidades
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 64
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
emancipadoras dos sujeitos-usuários de drogas em questão. O reconhecimento da
importância que as redes de sociais de usuários de drogas tem para a prevenção da
disseminação do HIV/AIDS, se dá pela possibilidade de estas mesmas redes se tornarem
redes de disseminação de medidas preventivas (redes solidárias?). Estas ações preventivas
paralelamente abrem espaço para uma positivação da apreensão social dos usuários de
drogas como sujeitos solidários. Um exame da produção científica dos componentes do
“modelo de Chicago”, demonstra resultados promissores desta abordagem.

Dentro deste percurso o capítulo é fechado ressaltando-se a importância da


emergência das auto-organizações de usuários de drogas, como interlocutores legítimos a
serem ouvidos e cujo empoderamento representa um avanço necessário na reversão do
status quo do “sistema droga” que fez da parte visível dos usuários de drogas, bodes
expiatórios, excluídos e estigmatizados.

Uma vez que a perspectiva de redução de danos opera com uma racionalidade de
saúde pública (nova para o campo das drogas) ela inclui questões tais como facilitar o
acesso aos usuários de drogas, ampliar e diversificar formas de abordar e atuar junto aos
mesmos. O capítulo seguinte, dedica-se ao exame dos trabalhos de rua, que constituem uma
modalidade de atenção a esta população, anterior à emergência das propostas diretamente
reconhecidas como de redução de danos. Novamente rastreando práticas que guardem
potencialidades emancipadoras aos sujeitos-usuários, identificamos em algumas destas
propostas de trabalho de rua, saberes e práticas passíveis de serem articuladas com
propostas mais diretamente ligadas às práticas de saúde de redução de danos.

No capítulo seguinte elegemos o “modelo de cura francês” para, ao examinar por


dentro um sistema de atenção aos dependentes de drogas, desvendar as dificuldades de se
estabelecer um “diálogo” entre saberes e práticas que obedecem a racionalidades distintas:
clínica e de saúde pública. A eleição do caso francês se deu pela importância que a clínica
da dependência de drogas francesa tem em nosso meio.

Além de examinarmos esta interface clínica da dependência - redução de danos/


saúde pública, dedicamos um capítulo para examinar a interface redução de danos-
prevenção ao uso de drogas. A perspectiva de redução de danos introduz e amplia a

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 65


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
discussão defendida por posições minoritárias no campo da prevenção, conhecidas como
prevenção ao uso indevido de drogas ou prevenção dos riscos associados aos usos de
drogas.

Finalizamos a trajetória do trabalho com um capítulo que se dedica a situar a


emergência da redução de danos no Brasil. Inicialmente fazemos um exame da atenção à
saúde) no Brasil, enfocando particularmente São Paulo; prosseguimos elencando o conjunto
de práticas preventivas e assistenciais voltadas para usuários de drogas (tais como
programas de educação de rua); e fechamos o capítulo com um panorama dos programas de
redução de danos que estão ocorrendo em nosso meio, cujo foco são as intervenções de
prevenção do HIV/AIDS entre usuários de drogas injetáveis.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 66


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
V. A redução de danos: a emergência de uma nova perspectiva
no campo das drogas

1. Primeiras experiências

1.1. O modelo de Mersey: uma resposta emergente ao problema da AIDS entre usuários de
drogas injetáveis

Há concordância entre os autores que escrevem sobre o tema da redução de danos


de que a experiência pioneira de redução de danos se deu em Liverpool a partir de 1985.

O conjunto de ações articuladas voltadas para a redução de danos à saúde de


usuários de drogas, implantado em Liverpool passou a ser conhecida como “modelo de
redução de danos de Mersey” (O’Hare, 1990).

Algumas características do consumo de drogas nos anos 80 e 90, os índices de


infecção pelo HIV, e características da atenção à saúde voltada para os usuários de drogas
na província de Merseyside (cuja maior cidade é Liverpool), podem ajudar a compreender o
sucesso das propostas deste modelo:

•nos anos 80 houve um grande aumento do consumo de heroína, o que contribuiu


para que a taxa de casos notificados de dependência da região nos dias de hoje (1.718 por
milhão de habitantes) tivesse se tornado a mais alta da Inglaterra (cuja média nacional é 288
por milhão de habitantes); destes dependentes, 50% são usuários de drogas via injetável;

•atualmente nesta região se encontra a 2a menor taxa de infeção pelo HIV entre
UDIs de Inglaterra: 6 por milhão da população;

•em 1990 Mersey foi a única região do país em que a taxa de crimes relacionados
com droga caiu;

•em 1985 foi aberta a primeira clínica para tratamento de dependência de drogas em
Liverpool (Drug Dependency Clinic); até então os pacientes eram tratados em clínicas
privadas por psiquiatras que mantiveram o antigo “Sistema Inglês” de prescrição de

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 67


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
opiáceos injetáveis para uso doméstico; tal prática facilitou a disponibilização de
equipamentos para injeção estéreis;

•em 1986 iniciou-se através do “Mersey Regional Drug Training and Information
Centre” um dos primeiros programas de troca de seringa ingleses, que era manejado pelos
usuários de drogas (tal como na Holanda)

•a cooperação da polícia local foi um fator que propiciou a emergência do modelo


de Mersey. (O’Hare, 1992, p.XIII)

O’Hare (1994) cita o seguinte trecho das recomendações contidas em documento do


“Advisory Council on the Misuse of Drugs” (ACMD, 1988, como exemplo do caráter
pragmático das respostas dadas às questões de drogas e AIDS:

“… não hesitamos em concluir que a disseminação do HIV


representa uma ameaça de maior magnitude para a saúde pública
do que o uso indevido de drogas. Em função disso, os serviços que
têm como objetivo primordial minimizar os comportamentos de
risco, relativos à disseminação do HIV,(…) são prioritários do
ponto de vista de planejamento”. E, mais adiante, acrescenta:
“…(a política de drogas na região de Mersey) não tem vínculos
com os princípios da “higiene moral” ou aqueles da promoção do
prazer” (p. 70).

Seguindo estes princípios, continua O’Hare, a proposta de redução de danos “pode


ser entendida segundo uma hierarquia de objetivos” (p. 70):

1. evitar o compartilhamento de seringas;

2. substituir o uso de injetável pelo uso não parenteral;

3. reduzir globalmente o uso de drogas e

4. interromper o uso de drogas.

As metas do conjunto de serviços que passaram a atuar para reduzir danos sociais e
à saúde, incluíam estabelecer contato com usuários de drogas; preservar este contato e
promover mudanças de comportamento.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 68


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Para cumprir tais metas os serviços precisaram adquirir determinadas características
que os tornassem “mais acessíveis aos usuários”, “mais atraentes” e “user friendly”58. Para
isso sua localização (urbanos, centrais e em regiões de maior densidade populacional)
buscava torná-los mais acessíveis geograficamente aos usuários de drogas; mas maior
acesso significa também mudanças no funcionamento deste serviços, tais como abri-los
“em horários mais flexíveis”, “não permitir a formação de filas”, “respeitar rigorosamente a
confidencialidade e o anonimato”, limitar as perguntas àquelas realmente essenciais (à
saúde) para estabelecer uma relação de confiança entre profissionais e clientela” (p. 70-72).

Como em outras cidades do mundo, também em Liverpool uma parcela significativa


de usuários de drogas (sobretudo aqueles “mais marginalizados”) não procuram os serviços
de saúde (Drucker, 1992; Grund, 94). Com o intuito de aumentar a procura dos usuários de
drogas por serviços de saúde, além das mudanças e diversificação de programas, foram
adotadas ações que visassem “difundir ativamente suas estratégias e serviços nos locais de
congregação dos usuários através das suas redes de interação habituais”.

Tais ações articuladas foram implementadas por uma variedade de serviços, tais
como: abertura de postos de trocas de seringa; engajamento de farmácias que garantissem o
fornecimento, sem entraves, de seringas e agulhas estéreis e gratuitas (financiadas pelo
Serviço Sanitário Regional); estabelecimento de equipes volantes de recolhimento de
seringas descartadas pela cidade; programas de “outreach workers59” - agentes
comunitários- cujas ações permitissem que fossem localizados os usuários de drogas de
mais difícil acesso.

As clínicas (de tratamento dos dependentes de drogas) passaram a atuar com


esquemas flexíveis de prescrição de metadona, heroína e cocaína (Marks, 1997); tal
flexibilidade inclui oferecer esquemas terapêuticos de curta ou de longa duração.

Um centro de informação e aconselhamento, para facilitar o acesso à informação,


contava com uma biblioteca pública, um departamento de publicações e um serviço de

58
expressão usada em informática que se refere as facilidades novas que tornam as máquinas ou
programas mais fáceis de serem manejadas, isto é, mais “amigáveis aos usuários”.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 69


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
“disque drogas”. Este centro era responsável pelo desenvolvimento de campanhas locais.
Distribuídos em uma base distrital, passaram a existir centros de aconselhamento e suporte
tanto para os Uds quanto para os familiares, em locais de convivência (“drop-in”).

Para o bom funcionamento deste sistema era fundamental que a polícia local desse
seu apoio, pois se as ações repressivas fossem cumpridas “ao pé da letra” poderiam
inviabilizar ou dificultar grandemente o caráter acessível e amigável dos serviços. Portanto
o sucesso do modelo de Mersey incluiu uma cooperação da polícia local com as autoridades
sanitárias, possibilitado por sua participação no Conselho Consultivo de Drogas, e traduzido
diretamente pela sua decisão em “não exercer vigilância sobre os centros de assistência” e
“encaminhar os UDIs a estes centros”, além de dar “apoio público aos postos de troca de
seringas” (O' Hare, p. 68)

Henman em seu texto “Harm Reduction on Merseyside 1985-1995: the rise and fall
of a radical paradigm of health care for illicit drug users” faz uma análise das
transformações político-ideológicas sofridas pela “modelo de redução de danos de Mersey”,
quando de sua expansão e organização em “movimento de redução de danos” de âmbito
internacional.

Em sua análise a “localização periférica” de Liverpool e o “status pioneiro” da


iniciativa foram fatores decisivos na emergência do modelo e de seu sucesso. Sua
“localização periférica” permitiu que se desenvolvesse, uma “aproximação diferente da
prevenção dos crimes e doenças relacionadas ao uso de drogas”. Tal aproximação revela
um caráter mais pragmático das autoridades policiais e serviços de tratamento locais se
comparadas com aquelas de grandes centro urbanos (Henman, 1995, p. 2).

A existência de um serviço de “outreach work”60 consolidado através do Maryland


Centre e o arrefecimento do caráter militante do Partido dos Trabalhadores inglês são forças

59
Este termo, que em nosso meio tem sido traduzido por “agente comunitário ou agente de saúde”, refere-
se a utilização de ex-usuários ou pessoas extraídas desse meio, em programas que atuam nas ruas e
locais frequentados por usuários de drogas.
60
“outreach work”: Esta expressão se consagrou no campo da prevenção da AIDS entre usuários de drogas
ilícitas; de tradução não ainda convencionada se refere genericamente a “trabalho que utiliza
(comumente) pessoas extraídas da própria comunidade para “atingir” usuários de drogas que não
procuram serviços”.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 70
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
às quais Henman atribui uma facilitação da aceitação das medidas de redução de danos que
foram progressivamente implantadas por líderes locais. Tais medidas contaram com apoio
formal ou informal dado por importantes instituições governamentais ou de profissionais,
dentre elas “Mersey Regional Health Authority, o “Home Office’s Drug Branch”, o “Royal
College of Psychiatrists” e o “The Royal Pharmaceutical Society” e as publicações
especializadas “The Lancet” e “Druglink”.

Como decorrência desta reorientação da abordagem dos problemas associados ao


uso de drogas em 1988 e 1989 o “Advisory Council on the Misuse of Drugs” declarou
como primeira prioridade de saúde pública a contenção do vírus do HIV (p. 2).

As estratégias inicialmente adotadas foram: distribuição de seringas feita por uma


rede de usuários de drogas previamente participantes de programas de “outreach work” ou
feita em farmácias (programa especialmente desenhado para compor um sistema de
alternativas mais amplo), prescrição médica de heroína e cocaína. Este foi um programa
inédito na Inglaterra e provavelmente no mundo conforme relatório de Mino61, citado por
Henman (p. 3).

Em paralelo, a polícia local passou a atuar em sintonia com estes programas uma
vez que suas próprias avaliações sugeriram que tais medidas estavam contribuindo para
62
uma redução significativa do envolvimento criminal associado às drogas (Fazey, 1992 ,
citado por Henman, 1995). Progressivamente as autoridades policiais locais passaram a se
mostrar “desiludidas com a política proibicionista” (p. 3).

No final de 1990, após a apresentação do modelo desenvolvido nesta cidade, na


Conferência de Cidades Européias em Frankfurt (ocorrida em novembro deste ano), foi
atraída a atenção tanto da mídia quanto de profissionais de outros locais. Para Henman, o
desagrado das autoridades nacionais e internacionais (Casa Branca, EUA) diante do sucesso
da experiência pode ser evidenciado pela sequências de ações descredibilizadoras que

61
MINO, A. Analyse scientifique de la litérature sur la rémise controlée d’heroine ou de morphine, redigée
à la demande de L' Office Fédéral de la Santé Publique. Genève: Instituitions Universitaires de
Psychiatrie, 1990.
62
C. Fazey. An empirical study of the relationship between heroin addiction, crime and medical treatment.
In O’HARE, P; NEWCOMBE, R.; MATTHEWS, A.; BUNING, E.C.; DRUCKER, E. The reduction
of drug-related harm. London/New York, Routledge, 1992. Chap. 16, p. 154-161.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 71
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
atacaram vários profissionais participantes dos trabalhos em Mersey. Os ataques
focalizaram especialmente John Marks, o psiquiatra que foi o responsável pela instalação
do programa de prescrição médica de heroína e cocaína, pois tal prática era uma das que
mais incomodava as posições próprias ao proibicionismo.

Em pouco tempo passaram a prevalecer novamente os programas de substituição


que se utilizavam da prescrição de metadona via oral ao invés da prescrição da própria
heroína aos dependentes desta droga (p.5).

Um redimensionamento das prioridades da política de drogas culminou em 1993,


com a passagem para segundo plano da prevenção da AIDS e o estabelecimento como
primeira prioridade a abstinência de drogas (segundo o documento oficial do Advisory
Council on the Misuse of Drugs, ACMD, 1993, citado por Henman).

Desta forma após 1990 ao mesmo tempo que a redução de danos tornou-se um
movimento de âmbito internacional, houve uma perda da radicalidade inicial no nível local,
com a “reforma” realizada pelo nível central, com a eliminação das estratégias mais
“ofensivas”, pela sua radicalidade, à política “oficial” (p. 5).

É neste momento também que surge uma modificação da nomenclatura adotada em


Mersey, “modelo de redução de danos” (the Mersey model of harm reduction) para
“redução de riscos” ocorrida pela tradução feita no continente (referindo-se à Europa). Para
Henman este momento representa uma “perda do espírito original de Merseyside” que
incluía o “envolvimento direto de usuários de drogas no controle de seu destino”, e que
continha uma proposta fundamental: o desenvolvimento de formas de administração de
drogas com “otimização de efeitos e minimização de danos”.

A “nova ortodoxia” internacionalmente adotada: a disseminação de programas de


troca de seringa e prescrição de metadona via oral, tem um caráter “reformador” se
comparado com a “radicalidade” e diversidade das propostas iniciais implantadas em
Mersey (Henman, 1995).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 72


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Incluímos este texto de Henman, pela contribuição crítica que este breve histórico
aporta à questão das dificuldades impostas pelo proibicionismo à absorção de muitas das
práticas de saúde integrantes da perspectiva de redução de danos.

1.2. O modelo holandês: uma política tolerante às drogas

A Holanda é o país pioneiro na implantação de uma política nacional compatível


com a perspectiva de redução de danos. É interessante que tal política antecede de anos a
emergência da AIDS, refletindo que o abuso de drogas neste país “ é visto menos como
sendo um problema primariamente de repressão legal, e mais como um assunto que afeta a
saúde e o bem estar social” (Chapell et al., 1993, p. 119)

O “modelo holandês” (Marllat, 1996) teve seu início nos anos 70, mais
especificamente em 72 quando da publicação de um documento pelo “Narcotics Working
Party” onde se concluía que as premissas básicas de uma política de droga deveriam ser
congruentes com a extensão de riscos envolvidos no uso de droga” (p. 784). Em 1976
houve um revisão do “Dutch Opium Act” na qual a lei passa a diferenciar o tratamento a ser
dado às drogas com risco inaceitável (como heroína, cocaína, anfetaminas e LSD) e aquelas
que oferecem riscos mais baixos como a maconha e o haxixe (p. 784). Tal política reflete
um princípio implícito, segundo o qual seu objetivo “não é a erradicação do uso de droga
ilícita, mas a minimização do seu dano. Este princípio é comumente descrito como
‘normalização’, isto é, redução da demanda através da integração social dos usuários de
drogas”. (Van Vliet, 198963, citado por Chapell et al., 1993, p. 119).

Graças a mudança introduzida pelo “Dutch Opium Act” surgiram os famosos


“coffees shops” holandeses. Existem “cerca de 1500 em toda Holanda, dos quais 500
localizam-se em Amsterdã” (Barata, 1994, p. 49). Tais cafés são tolerados, na medida em
que respeitem 4 regras básicas:
• não vender drogas pesadas;
• não vender a menores (abaixo de 16 anos);
• não trazer problemas para a vizinhança;

63
O trabalho de H.J. Van Vliet é: Drug Policy as a management strategy: some experiences from the
Netherlands. International Journal on Drug Policy, n. 1, p. 27-29, 1989.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 73
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
• veto à propaganda acerca das drogas ou do seu uso. (p. 50)

Os próprios proprietários dos cafés, organizados em uma Associação dos


Revendedores de Maconha (fundada em janeiro de 1994 e da qual participam cerca de 100
coffees shops), tem cuidado para que estas regras básicas sejam obedecidas. Esta associação
se empenha em garantir: “a manutenção da qualidade e honestidade dos estabelecimentos, e
o aprimoramento das relações com as autoridades fiscais, bancos, companhias de seguro,
assim como a boa imagem desses estabelecimentos perante a opinião pública” (Barata,
1994, p. 50).

Em 1980 na cidade de Roterdã foi estabelecida a primeira liga de “drogados”


(Junkiboden) que além de impulsionar novas organizações locais de usuários de drogas tem
desempenhado um papel fundamental na viabilização de propostas de redução de danos em
conjunto com o estado holandês.

Segundo Wijingaart (1991) 64, citado por Marlatt (1996):

“O ponto de partida do “Junkieboden” é cuidar dos interesses dos


usuários de drogas. A coisa mais importante é combater a
deterioração do usuário ou, dito de outra forma, incrementar
acomodações e situação em geral do dependente. Sua filosofia é
que os usuários de drogas sabem eles próprios o que é melhor para
si. O trabalho do “Junkieboden” envolve consultas com oficiais do
governo sobre assuntos como distribuição de metadona,
disponibilização de seringas estéreis gratuitas, a política legislativa
e policial e problemas de moradia.” (p. 784):

É o caso da implantação do primeiro programa de troca de seringas em Amsterdã no


ano de 1984. A descrição da integração entre órgão público e organização de “junkie” é
testemunho do caráter tolerante da política holandesa. “O serviço municipal de saúde
entrega semanalmente grandes quantidades de seringas/agulhas para que os “junkieboden”
distribuam e coletem seringas usadas” (Marllat, 1996, p. 784).

Em recente trabalho Buning e Brussel (1995) avaliam os efeitos das práticas de


redução de danos em Amsterdã. Dentre suas conclusões os autores afirmam que a política

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 74


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
(tolerante) holandesa de drogas era efetiva para manejar o “problema da droga” (conforme
indicam a estabilidade do número de dependentes, o baixo número de novos dependentes,
taxa de mortalidade baixa entre usuários de drogas), mas que ao mesmo tempo demorou
para estabelecer medidas efetivas para controlar a disseminação do HIV. Uma outra
conclusão é de que as intervenções de redução de danos não desencorajaram os usuários de
drogas a procurarem serviços e tratamento que tem como meta a abstinência de droga
(Buning e Brussel, 1995, p. 92).

Segundo outro autor holandês (Grund, 1994) a política holandesa de droga é “uma
mistura de pragmatismo, de compromisso, de realismo, de planejamento estratégico, mas
também de tentativa e erro e, talvez, um pouco de sorte” (Grund, 1994, p. 71). A política de
drogas acompanha a política social holandesa [tolerante] no que se refere a questões morais
ou sociais tais como a homossexualidade e o aborto (p.72). Diferentemente da maioria das
políticas européias que são repressivas e levam os usuários de drogas a um “ostracismo
social”, os princípios que regem a política holandesa são de “circunscrever (o problema),
adaptar e integrar (os usuários)”.

As características de tolerância da política de drogas holandesa tornam este país


alvo de ataques dos países vizinhos europeus (Stenger & Ralet, 1991; Trebach & Zeese,
1990b; Grund, 1994) que visam reduzir o contraste e, para isso, pressionam politicamente
no sentido de que esta endureça seus mecanismos de repressão.

2. O movimento internacional de redução de danos, seu nascimento e


tendências

Como visto acima, foi no ano de 1990 que teve início em âmbito internacional o
movimento de redução de danos (Fromberg, 1995). A “1ª Conferência Internacional de
redução de danos”, ocorrida em Liverpool em 1990, é considerada o marco deflagrador
deste movimento. “Nesta 1ª conferência havia aproximadamente 250 participantes, dentre
os quais uma grande parte eram trabalhadores na rua ou ativistas” (p.189). Esta composição
dá o tom de “movimento” que, neste momento, tem como preocupação predominante

64
O trabalho de Van de G.F. Wijingaart é: Competing perspectives on drug use: The dutch experience.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 75


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
promover a divulgação da “aproximação de redução de danos” e, ao mesmo tempo, obter
apoios.

Com o decorrer do tempo, as pressões exercidas contra o grupo de Mersey, bem


como as dificuldades na implantação de programas de redução de danos em outras
localidades, levaram os organizadores do movimento a direcionar seus esforços no sentido
de obter mais chances de sucesso.

A partir da 3ª conferência, ocorrida em 1992, cujo título foi: “From faith to science”
(da fé à ciência), ganha importância a necessidade de obter um reconhecimento científico
das práticas e saberes que compõem a proposta de redução de danos.

A concomitância de representantes de diversos campos de saber, bem como de


pessoas atuando em áreas distintas, produzia uma multiplicidade discursiva, que gerou a
necessidade de uma delimitação do movimento.

As discussões travadas por profissionais de saúde, com atribuições distintas


(clínicos - em AIDS ou em tratamento de dependentes - pesquisadores, ou planejadores de
políticas) ou por profissionais de áreas como Direito, Sociologia, Ciência Política, e
Filosofia (dentre outros), ou ainda as discussões daqueles ativistas do movimento (tais
como membros de grupos de usuários de droga, ou ligados ao movimento anti-
proibicionista e defensores de legalização) propiciam um panorama da amplitude de
questões que povoavam a cena da redução de danos.

Buscando ordenar este cenário composto por uma multiplicidade discursiva, Fuchs e
Degkwitz (1995) propõem a definição de campos distintos. No título do editorial por eles
escrito: “Harm reduction in Europe- trend, movement, or change of paradigma?”, tais
campos começam a ser parcialmente delineados como indicam os termos: “tendência”,
“movimento” ou “paradigma”.

Num primeiro momento, os autores buscam distinguir 3 dimensões: a primeira


indicada pelo termo tendência, em que a redução de danos se constituiria em um conjunto
de atividades e posições filosóficas e políticas, que apesar de não estarem plenamente

Amsterdã: Swets & Zeitlinger, 1991.


O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 76
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
desenvolvidas, já indicavam uma possibilidade de modificação da intolerância
proibicionista em direção a uma política tolerante.

A segunda dimensão, indicada pelo termo movimento, seria uma dimensão,


eminentemente, política (descrevendo a necessidade de organização de seus propositores
para a divulgação e obtenção de novos interessados); e a terceira, uma dimensão científica
- indicada pelo termo paradigma.

A busca de um enquadramento científico das proposições de redução de danos,


passa a ser a tônica do movimento (Fuchs & Degkwitz, 1995; Fromberg, 1995).

A respeito da dimensão política do movimento de redução de danos, Fuchs e


Degkwitz propõem que se distingam as proposições diretamente de redução de danos
daquelas que comportam outras dimensões. Como exemplo destas outras “dimensões”, os
autores citam as proposições daqueles que lutam pelo respeito aos direitos civis dos
usuários de drogas, ou dos grupos que tem como pauta principal a luta pela mudança de
legislação de drogas.

Fuchs e Degkwitz consideram que o movimento de redução de danos deve


distinguir os aspectos específicos particulares à redução de danos, assim definidos:

“quaisquer aproximações públicas, legais ou de saúde individual,


que preconizem medidas relacionadas a drogas, deverão ater-se ao
grau de aumento ou diminuição do dano que poderão produzir.”
(Fuchs & Degkwitz, 1995, p. 84).

Na opinião dos autores, a separação desta dimensão - efeito direto sobre o grau de
dano - das demais dimensões (como aquelas entretidas em discussões de ordem político-
legal, ideológico/moral, etc.) é necessária para que o debate em torno da redução de danos
sobreviva. Por exemplo, “...a discussão sobre legalização de drogas, do ponto de vista da
redução de danos, deveria se concentrar na questão de quais as desvantagens e benefícios
que tal medida traria para a sociedade, para os IDUs, para os novos usuários etc.” (Fuchs &
Degkwitz, 1995, p. 84).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 77


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Ao distinguir o “ponto de vista” da redução de danos, como aquele que “pesa
vantagens e desvantagens”, Fuchs e Degkwitz estão propondo uma postura pragmática para
o movimento, na qual a “despolitização” das discussões, através do desvinculamento com
as questões de direitos humanos, ou questões ético-legais, dentre outras, seria
estrategicamente recomendável.

Fromberg (1995) faz uma análise distinta, que consideramos mais apropriada, a
cerca da direção tomada pelo movimento a partir da 3ª conferência.

A posição de Fromberg (sociólogo holandês, ativista do movimento) em relação à


busca de reconhecimento científico pelo movimento, é de que, estrategicamente, isto era
necessário para que se obtivesse maior poder político.

Em paralelo à necessidade de aumento do poder, Fromberg reconhece a necessidade


de produção de teoria que dê sustentação às práticas de redução de danos.

Para ele uma “ciência honesta” é aquela que deixa transparecer sua ideologia. No
entanto a preocupação crescente em obter um caráter científico da “redução de danos” pode
obscurecer as posições ideológicas do movimento, cuja natureza o autor se propõe a
detalhar em nome da “honestidade intelectual” (Fromberg, 1995, p. 190).

A progressiva preocupação em dar uma sustentação científica às ações relacionadas


à “redução de danos” produziu um efeito por ele chamado de dicotomia “coração-cabeça”,
isto é, um efeito de reorientar as motivações do movimento, que tinham, inicialmente, uma
natureza sobretudo emocional, em uma direção de natureza predominantemente intelectual.

Ao buscar dar à “aproximação de redução de danos” um caráter científico, seja


através da mensuração dos fatos observados ou da coleta de “fatos objetivos”, houve uma
mudança da orientação do movimento em direção à “intelectualização”.

Desde o seu início o movimento despertou a atenção de órgãos que tiveram, e ainda
tem, importante papel dentro do proibicionismo, tal como a OMS e a ICCA.65

65
ICCA: International Council on Alcohol and Addiction, é uma organização não-governamental, que atua
em cooperação direta com a Comissão sobre Drogas Narcóticas das Nações Unidas (Comission On
Narcotic Drugs -CND/ONU. (Tongue E. Visão geral dos problemas das drogas no mundo (p. 9-26), in
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 78
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
“Quanto mais científicos nos tornamos, mais obscuros se tornam nossas motivações
ideológicas, mais semi-conscientes tendem a se tornar as raízes de nossos assim chamados
‘dados’.” (Fromberg, 1995, p. 190).

A dimensão política na 1ª conferência parecia ser a mesma do movimento


“antiproibicionista”, que o autor chamará de “pró-legalização” (das drogas), ainda que
houvesse neste mesma conferência uma presença significativa de representantes de
posições proibicionistas. Dada a descrição do autor, podemos deduzir que ele chama de
posições proibicionistas todas as posições que não defendem a legalização (das drogas).
Uma vez que organizações proibicionistas, tais como a OMS, passaram a abraçar posições
de redução de danos, fica evidente que a redução de danos passa a não ser necessariamente
conectada à posição pró-legalização (p. 191). Portanto passam a existir dentro do
movimento, representantes das posições extremas proibicionistas e legalizadoras, bem
como um contínuo de posições que são encontradas entre os dois extremos. Como exemplo
destas posições “intermediárias”, o autor cita a prescrição de heroína para dependentes feita
pelos irmãos Marks (Marks, 1997) e, em maior escala, pelo governo suiço (Uchtenhagen,
Gutzwiller & Dobler-Mikola, 1996; Swiss Federal Office of Public Health, s.d.[a]).

Para classificar as posições encontradas no movimento de redução de danos,


Fromberg constrói uma matriz. Compõem esta matriz duas dimensões, uma política e outra
moral. A dimensão política contém duas posições extremas: uma favorável à legalização
das drogas e outra contrária à legalização, chamada de proibicionismo. A dimensão moral
inclui um contínuo cujos extremos são representados por aqueles que consideram que o uso
de drogas pode ser bom, e por aqueles que consideram as drogas intrinsecamente más.

Daí resultam 4 posições das quais 3 são favoráveis à redução de danos:


atitude positiva face as drogas atitude negativa face as drogas
legalização 1 3
proibição 2 4

Andrade A.; Nicastri S.; Tongue E.(orgs.) Drogas: Atualização em Prevenção e Tratamento,
PNUDCP/ICAA/GREA, s.d.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 79
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
A posição 1: atitude positiva/legalização parece ser um necessidade lógica. Se o uso
de drogas pode ser positivo só caberia à sociedade regular este uso, para otimizar os
benefícios e reduzir os efeitos negativos.

A posição 2: atitude positiva/proibicionismo é uma combinação ilógica. Para


Fromberg, o componente ilógico é decorrente de uma superposição entre uma atitude
positiva, intelectualmente construída, em relação às drogas, acompanhada pelo medo que as
drogas despertam. Neste caso a proibição seria uma forma de proteger aqueles que,
supostamente, não teriam capacidade para lidar sozinhos de uma forma satisfatória com as
drogas.

A posição 3: atitude negativa/legalização, se aproxima da anterior, pois a


legalização ao mesmo tempo que é intelectualmente escolhida, faz com que “os estômagos
de seus propositores embrulhem” diante desta idéia. Para tais pessoas a legalização seria
uma forma de reduzir o uso prejudicial de droga. Trata-se de uma posição liberal, segundo a
qual não importam quais sejam os seus valores, desde que não interfiram nos valores
alheios diversos dos seus.

A posição 4: atitude negativa/proibicionismo, mantém uma lógica interna, pois uma


vez que as drogas são intrinsecamente más, a proibição é uma consequência lógica. Tais
pessoas estão preparadas para infringir prejuízo intencionalmente para as pessoas que usam
drogas, pois eles conscientemente sacrificam alguns poucos para proteger muitos. São
chamados de “maximizadores de danos” (“harm maximizers”).

As modificações das políticas de drogas em direção a políticas de redução de danos

Fuchs e Degkwitz (1995) consideram que nos anos 80, na maioria dos países da
Europa a implementação da redução de danos teve um caráter de disputa ideológica. As
características particulares que as práticas ou políticas de redução de danos adquiriram em
cada país, guardaram estrita relação com fatores sociais e históricos de cada local (Berridge,
1992).

Em alguns países foi feita uma revisão das políticas repressivas de drogas. A
Holanda foi pioneira, pois havia estabelecido as bases conceituais e implantado uma

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 80


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
política tolerante às drogas ainda nos anos 70. Como resultado desta revisão, a Grã
Bretanha, Suiça e Austrália passaram a ser os países que adotaram uma política avançada de
redução de danos (Stimson, 1995; Swiss Federal Office of Public Health, s.d.[b]);
Lehmann, 1997; Staples, 1993).

Na Suíça, dentre outras inovações implementadas por iniciativa governamental


(Uchtenhagen, 1995) teve grande repercussão nacional e internacional a experiência da
Platzptiz (Buhrer, 1991; Martins, 1991; Rodger, 1992).

De 1988 a 1992 o parque da Platzpitz em Zurique tornou-se um ponto de encontro


diário de 1500 a 3000 consumidores e pequenos traficantes de drogas, a maior parte ilícitas,
particularmente heroína e cocaína (Muller & Grob, 1992).

A experiência da Platzptiz, consistiu em criar uma zona de "tolerância" (isto é,


suspensão da legislação repressiva em um espaço geográfico circunscrito, a Platzptiz) onde
múltiplas ações preventivas e de redução de danos foram estabelecidas. Neste período foi
possível ter acesso a usuários de drogas nesta "cena aberta", alguns dos quais nunca haviam
procurado serviços de tratamento; com este acesso livre e amigável aos usuários de drogas
ilícitas, tornou-se possível conhecer facetas do universo de usuários de drogas antes
inacessíveis aos profissionais de saúde, conforme atestam estudos longitudinais lá
realizados (Muller & Grob, 1992; Lehman, 1993; Vogt, 1993; Fuchs & Grob, 1995).

Em coerência com os perfis nacionais de tratamento das questões relativas às


drogas, existem países, tais como Alemanha (Michels, 1993), Espanha, Itália e Áustria, que
ainda estão buscando a sua maneira de desenvolver as práticas de redução de danos. A
França e a Grécia, somente muito recentemente iniciaram este processo (Fuchs &
Degkwitz, 1995, p. 81-82).

Saindo do continente europeu, os avanços em outros países também acompanham


suas características históricas em relação às políticas de drogas.

A Austrália já em 1989 havia instaurado um comitê especial para tratar do problema


do HIV, uso de drogas ilícitas e prostituição, o Select Committee on Illegal Drugs and
Prostitution (Bammer et al., 1993, p. 138). Uma das atribuições deste comitê era estabelecer
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 81
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
“modos mais efetivos de reduzir os danos associados ao uso de droga injetável”. Havia
evidências de que os usuários de drogas injetáveis que haviam entrado para programas de
tratamento tinham reduzido seus riscos de infecção; uma vez que o aprovisionamento legal
de substâncias era um desejo dos UDIs, o oferecimento destas substâncias pelos serviços de
tratamento poderia atrair novos usuários para o tratamento, o que seria recomendável.

Tomando-se como exemplo o caso norte-americano, em agosto de 1995, um


conjunto de recomendações foram encaminhadas, ao “Escritório de Política de Controle
Nacional de Droga” (dos EUA) com o intuito de contribuir para uma necessária redefinição
da política norte-americana de drogas. Tais recomendações, publicadas no American
Journal of Public Health, preconizam um redefinição de objetivos da política de drogas em
direção a um “maior balanço entre políticas de redução de uso e de redução de danos”
(Marlatt, 1996, p. 779). Fazem parte destas recomendações as seguintes assertivas que
deveriam nortear uma política norte-americana de redução de danos, segundo Marllat:

• A redução de danos é uma alternativa de saúde pública para os


modelos moral/criminal e de doença do uso e dependência de
drogas;

• Ela reconhece a abstinência como um resultado ideal, mas


aceita alternativas que reduzem dano;

• Ela emergiu primariamente como uma aproximação de baixo


para cima (“bottom up”), baseada em advocacia pela
dependência [pelos usuários], ao invés de ser uma política de
cima para baixo (“top down”), estabelecida por profissionais
(especialistas) em dependência;

• Ela promove serviços com acesso facilitado (“low thresold”)


como alternativa para os serviços tradicionais com critérios
seletivos de alta exigência (“high thresold”) (p. 785-788).

O fato de que esta proposição de mudança de política nacional (norte-americana)


tenha uma data tão recente, reflete as resistências encontradas neste país em abandonar a
política de “guerra às drogas”, deflagrada pelo governo norte-americano, no final dos anos
60 (Brie, 1989). Ainda assim, inúmeras experiências e projetos implantados localmente, que
podem ser considerados como pertencentes à perspectiva de redução de danos, tem ocorrido
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 82
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
66
em vários estados norte-americanos desde meados dos anos 80 (Des Jarlais, s.d.; Des
Jarlais, Friedman, & Strug, 1986; Des Jarlais, 1992; Des Jarlais, Friedman & Ward, 1993;
Friedman et al., 1992; Grund, 1992; Wiebel, 1993; Lurie & Reingold, 1993; Watters, 1994).

As alterações de políticas correspondem, muitas vezes, a mudanças nas legislações


de drogas (França em 1987, Alemanha, pós 1994). Tais mudanças ocorreram no sentido de
tornar viáveis a implantação das práticas de redução de danos, sobretudo daquelas voltadas
diretamente para o controle da epidemia de AIDS entre usuários de drogas injetáveis.

Um exemplo de uma mudança legislativa necessária foi a suspensão (inicialmente


em caráter experimental) da lei que proibia a venda de seringa sem receita médica no ano
de 1987, na França. Nenhum programa que seguisse os princípios de baixa exigência ou
fácil acesso (para usuários) e que pretendesse ao mesmo tempo disponibilizar seringas para
usuários de drogas, poderia ser implantado enquanto o porte de seringa sem receita médica
fosse considerado crime no país. No entanto se tal medida é necessária, por outro lado, ela
sozinha não é suficiente para que mudanças de hábito de usuários quanto ao porte de
seringas, ocorram de imediato (como foi documentado por Broadhead, 1997(a), a propósito
da mudança na legislação de Connecticut em 1992).

Assim como mudanças na legislação não mudam imediatamente os hábitos dos


usuários de drogas, também as mudanças de “práticas habituais” entre profissionais do
campo das drogas, sustentadas por saberes particulares, exigem reformulações do pensar e
do fazer, nem sempre fáceis de serem conseguidas. Esta “resistência à mudança” no âmbito
profissional será vista quando examinarmos o “modelo de cura francês” no capítulo a ele
dedicado.

Uma vez estabelecidas a emergência da perspectiva de redução de danos e sua


disseminação através do seu movimento internacional, passaremos a um exame das práticas
que compõem esta perspectiva.

66
Uma extensa revisão bibliográfica destes trabalhos é encontrada ao final do artigo de Des Jarlais D.C.;
Friedman, S. R.; Ward, T. P. Harm Reduction: a public health response to the AIDS epidemic among
injection drug users. Annu. Rev. Publ. Health, 14: 413-430, 1993.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 83
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
3. A atenção à saúde dos usuários de drogas injetáveis: ações específicas

Examinaremos nesta seção as práticas que se tornaram correntes na redução de


danos à saúde relacionados aos usos de drogas, com ênfase na prevenção da transmissão do
HIV/AIDS entre os usuários de drogas injetáveis.

3.1. Programas de troca de seringa ou que visam aumentar o acesso à seringas

O programa “prototípico” de redução de danos para prevenir o HIV entre UDIs é a


troca de seringa (Des Jarlais, Friedman & Ward, 1993). Estes programas propiciam aos
UDIs a obtenção de seringas estéreis, sem custo, através da troca, o que beneficia também a
comunidade que tem removidas de seu ambiente as seringas usadas, potencialmente
contaminantes.

A estratégia comumente usada para fazer a troca é a intervenção face-a-face; por


intermédio deste contato podem ser disponibilizados outros serviços, tais como: educação e
aconselhamento para AIDS, distribuição de preservativos e encaminhamentos (quando os
usuários solicitam) para programas de tratamento.

Habitualmente são distribuídos “swabs” (compressas de algodão embebido em


álcool), e menos frequentemente, hipoclorito de sódio (com uma diluição de 5,25%) para
desinfecção de seringas.

São encontradas outras variações entre os programas; por exemplo, os postos de


troca de seringa podem ser móveis ou fixos, o período de funcionamento e frequência por
semana são variados, e o número de seringas trocadas por sujeito pode ser limitado ou não
(Des Jarlais, Friedman & Ward, 1993, p. 427-435). Alguns programas restringem o número
de seringas (entre 5 e 30 por pessoa) para evitar o “repasse” (comercialização) das seringas.
Quanto a esta limitação do número de seringas trocáveis, Des Jarlais, Friedman e Ward
citam um trabalho de avaliação de resultados, segundo o qual quando o número de seringas
por pessoa foi de no máximo 5 (o que é considerado baixo) existia ainda compartilhamento

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 84


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
de seringas; este compartilhamento foi atribuído à insuficiência de seringas necessárias para
um consumo diário (Des Jarlais, Friedman & Ward, 1993).

O caráter fixo ou móvel dos postos de troca tem sua relevância, sobretudo se o local
escolhido para fixar o posto for uma região residencial.

Conforme relato de Lia Cavalcanti67 sobre o processo de abertura do STEP, um


posto fixo de troca de seringa em uma bairro de Paris, foram necessários aproximadamente
6 meses, para um trabalho de sensibilização e envolvimento da comunidade para obter seu
apoio. O STEP foi inaugurado em novembro de 1995 (Brahimi, 1997).

Foram discutidos com a comunidade quais as ações seriam implementadas, bem


como levados em conta os aspectos que despertavam preocupação ou rejeição desta; foram
eles: temores de que este local fosse funcionar com uma “sala de injeção protegida”68;
temor de que o local se tornasse um ponto de permanência (aglomeração) de usuários e ou
pudesse atrair traficantes estranhos ao bairro. Foi objeto de uma negociação com a
comunidade a localização exata do posto. Como fruto desta negociação, decidiu-se que este
posto deveria ser localizado “na fronteira” do bairro para perturbar o mínimo possível seus
moradores.

Tais problemas são de menor relevância, quando se trata de postos móveis (ônibus,
perua), os quais cumprem roteiros pré-fixados, geralmente em locais onde atividades
noturnas relacionadas com uso/comércio de drogas ou sexo já ocorrem previamente à
introdução do posto volante de troca.

Mesmo neste caso, a escolha do local para estacionar (uma perua) sistematicamente,
estabelecendo um posto de troca de seringas móvel, pode exigir negociação com outro
segmento social que não os moradores: o traficante, “dono daquele território”, que pode se
sentir prejudicado. Obtivemos a seguinte explicação, de um “outreachworker”, membro de
uma ONG69 em Chicago, que prestava este serviço, quando indagado sobre as dificuldades

67
Comunicação pessoal durante visita que realizamos em 26 de março de 1997, ao STEP, localizado em
Goutte D’Or, um bairro de imigrantes africanos, e árabes, na região 18ème de Paris.
68
Este tipo de prática será examinado mais abaixo.
69
O caso em questão ocorreu em Chicago, quando de uma visita previamente agendada pelos
organizadores de um estágio promovido pela University of the State of New York -SUNY: “Grassroots
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 85
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
e critérios para escolher o local para estacionar regularmente o ônibus: este local fora eleito,
após negociação feita com um traficante local (“dono daquele território”) que indicou a
esquina exata onde ele supunha que a presença do ônibus não atrapalharia “seu comércio”;
e o nosso informante70 acrescentou, que quando tal negociação não era possível, o programa
simplesmente desistia do local e partia para outro “point”.

Este dois exemplos são ilustrativos da natureza, extensão e diversidade de cuidados


que estas práticas inovadoras exigem de seus propositores para sua implementação. Estes
cuidados, no entanto, não eliminam o risco que os responsáveis e seus agentes correm de
serem presos e ou processados71: Lurie (1997), afirma que mais de 30 pessoas funcionárias
de programas de troca de seringa norte-americanos foram detidas, nos locais onde as
legislações de drogas consideram tais práticas criminosas.

Mesmo sob o risco de sofrerem repressão policial e judicial, há referência da


existência de numerosos programas de troca de seringas atuando “clandestinamente”
(“undergroundly”), neste país (Gillman, 1990; Davidson, 1990; Des Jarlais, Friedman &
Ward, 1993). Em setembro de 1993 havia apenas 37 NEPs no país, tendo passado para 68,
ao final de 1994 e, segundo estimativas da North American Syringe Exchange Network,
atualmente haveria mais de 100 programas em funcionamento (Lurie, 1997).

and Outreach Prevention Strategies” dirigido a trabalhos de “outreach” para usuários de drogas em 4
cidades norte-americanas (Chicago, Boston, Nova Iorque e Washington). Participamos deste estágio,
que cobriu o período de 26 Junho a 24 Julho, 1994. O serviço visitado era um ônibus de troca de
seringa, do Chicago Alliance Recovery, uma ONG, que desenvolve trabalhos de prevenção e
aconselhamento de AIDS para usuários de drogas injetáveis.
70
Membro do Chicago Alliance Recovery -um homem de mais de 40 anos, ex-usuário de heroína
injetável, mas que não negava ( em conversa privada) seu uso de maconha atual. Para ele o importante
era nunca mais ter se aproximado da heroína, pois só com ela perdia sua capacidade de manter uma vida
produtiva. Sua profissão na ocasião era de “outreachwork” e “conselour” para assuntos de droga,
conforme constava de um cartão de apresentação profissional que ele nos entregou. O contato com este
homem, havia se tornado mais estreito pois participamos durante 3 dias um mesmo curso de treinamento
(“Outreach Strategies Training”), promovido pela prefeitura de Chicago, entre 29 de junho e 1º de julho,
realizado pelo ADAPT (uma outra ONG, de Nova Iorque, que também desenvolve trabalhos de
“outreachworker”, troca de seringa e treinamentos por todo os EUA). A participação como colegas de
um curso propiciou uma relação de confiança de tal sorte que pudemos obter informações que
habitualmente são omitidas diante de “estranhos”.
71
Foi este o caso relatado pelo coordenador do programa de troca de seringas de Brooklin/ New York,
pertencente ao ADAPT - Association for Drug Abuse Prevention and Treatment-, que após várias
detenções e um processo judicial, conseguiu um acordo com as autoridades (policiais e judiciais ) locais
de agirem “tolerantemente”, uma vez que puderam demonstrar, com seus registros, que os usuários que
faziam troca em seus postos tinham uma média maior de 10 anos de uso de injetável, e eram de uma

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 86


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Bastos (1993) ao resenhar a literatura científica sobre o assunto troca de seringas
encontrou “uma bibliografia verdadeiramente imensa” apontando tal achado como
testemunho da “polarização que atravessam estes programas” (p. 106). Em que pesem estas
polarizações, os programas de troca de seringa desenvolvidos em diversos países tem
mostrado resultados positivos quanto à redução da transmissão do HIV entre usuários de
drogas e parceiros sexuais (Des Jarlais, Friedman & Strug, 1986; Des Jarlais & Friedman,
1988; Des Jarlais, s. d.; Bardsley, 1990; Des Jarlais, Friedman & Ward, 1993; Des Jarlais,
1994; Friedman et al., 1992; Ljungberg et al., 1991; Lurie & Reingold, 1993).

Podemos supor que haja uma tendência de que as restrições impostas à troca de
seringa, venham a diminuir, na medida em que as avaliações que tem sido feitas destes
programas têm mostrando a sua eficiência para a prevenção da AIDS, ao mesmo tempo
que afastam o temor de que tais programas tenham contribuído para o aumento do consumo
de drogas (Des Jarlais, Friedman & Ward, 1993; Lurie & Reingold, 1993 e Lurie,
1997).

Os programas de troca de seringas são universalmente concordes quanto ao seu


objetivo principal de reduzir o risco de contaminação pelo HIV pelo uso de droga injetável,
todavia guardam características particulares quanto a objetivos secundários (como o
referenciamento para serviços de tratamento, ou na forma de conceber as intervenções
educativas) que refletem as distintas concepções teóricas de seus propositores.

Elegemos para ilustrar tais diferenças, o programa de troca de seringa implementado


em Paris desde 1989 (LHomme, Edwige & Gehant, 1997) por uma organização não
governamental, Médecins du Monde, que assim descreve suas intervenções:

“…Esta presença regular (em locais e horários pré-estabelecidos)


não é neutra, ela tem uma função de escuta e de iniciação de
relação. Todos (a equipe do ônibus) são identificados como
profissionais, e tornam-se depositários da confiança dos usuários
que os colocam no lugar de interlocutores privilegiados e para
quem podem mostrar suas errâncias e suas delinquências. Para os
usuários, nós somos identificados simbolicamente com a
sociedade, sociedade fora da toxicomania. Uma sociedade que

faixa etária média maior de 30 anos, o que não levava a crer que a troca estivesse estimulando novos
usuários a se injetar.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 87
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
decidiu fazer uma ação que corresponde a sua demanda, aquela de
obter seringas limpas e de obter informações simples sobre os seus
direitos sociais e sobre as possibilidades de se tratar72 (Avril et
al.,1997, p. 2).

E mais adiante,

“…Sem esquecer o objetivo principal do PTS73, a saber a redução


de riscos, tal projeto permite, graças a sua posição geográfica e
temporal intermediária, que o acesso aos serviços de tratamento
aos usuários de drogas mais marginalizados seja facilitado”. (Avril
et al., 1997, p.5).

Uma particularidade deste programa é a composição da equipe do ônibus: um


médico generalista, um assistente social e um “membro extraído da rede”74 de usuários de
drogas. A presença de um médico durante todo o período de permanência do ônibus (turnos
de 3 horas noturnas) diferencia este programa da grande maioria dos programas de troca de
seringa, os quais utilizam, principalmente ou exclusivamente, “outreachworkers”. Esta
presença médica, garante àqueles que formularem uma demanda específica a possibilidade
de fazerem um exame médico e receberem orientação e encaminhamento (quando
necessário) no próprio ônibus; para outras intervenções clínicas (prescrição de tratamento) o
Médecins du Monde conta em Paris, com um centro de atendimento ambulatorial, com
critério de inclusão de pacientes de “baixa exigência” (“centre d’accueil”) e um centro de
metadona (MDM, s.d.).

Este papel de “médico na rua” acaba por ter um caráter simbólico reparador, pois o
distingue daquele papel altamente normatizado e normatizador, que é desempenhado pelo
profissional dentro dos serviços convencionais de tratamento dos dependentes de droga.

O papel das farmácias e as máquinas de troca de seringas

Mapeando ainda as práticas de redução de danos que visam aumentar o acesso a


seringas estéreis existem duas outras formas: a troca (ou disponibilização) de seringa em
farmácias e as máquinas de troca de seringa.

72
Tradução livre do francês.
73
PTS: programa de troca de seringa.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 88


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Os comportamentos das farmácias em relação a venda de seringas é variável em
diferentes localidades e países.

Em 1996, havia ainda na maioria dos estados norte-americanos uma lei que exige
que os farmacêuticos avaliem se “o comprador potencial pretende usar (as seringas) para
um “legítimo propósito médico”; uma segunda lei, que mantinha-se em vigor em apenas 10
estados norte-americanos, exigia receita médica para a venda de seringas, segundo Gostin,
Lazzarini e Flaherty (1996)75, citados por Lurie (1997, p. 262).

Em muitos estabelecimentos se o vendedor suspeitasse que o comprador fosse um


usuário de droga injetável, a venda poderia não ser efetivada (Brohaded et al., 1997).

Há um consenso entre os profissionais atuantes no campo das drogas que a


existência de práticas em farmácias, informalmente consolidadas ou construídas em
obediência à lei, tem redundado em restrição do acesso à seringa aos usuários de drogas
injetáveis. Para mudar tais práticas é necessário que programas de sensibilização e
envolvimento das farmácias quanto às mudanças de concepções trazidas pela redução de
danos sejam postos em ação.

A proposição de redução de danos, reorientou as prioridades em relação aos UDIs:


não se trata mais de tentar impedir (o que de fato não acontecia) que o usuário faça o uso da
droga, sonegando-lhe a venda; a redução de danos preconiza que o maior acesso possível a
equipamentos de injeção sejam garantidos aos usuários. O prioridade passa a ser o controle
dos danos e não do uso em si. Este se tornou o mote dos programas de redução de danos
envolvendo farmácias, nem sempre com resultados muito favoráveis. Há relatos de que
alguns comerciantes de farmácias consideram a presença em seu estabelecimento de
usuários de drogas prejudicial para seu comércio (Bunning & Brussel, 1995).

Em algumas localidades (como no caso de Mersey, na Inglaterra, segundo O’Hare,


1994) as seringas passaram a ser disponibilizadas gratuitamente nas farmácias, pois
passaram a ser financiadas pelo órgão público local.

74
Por ocasião de uma visita feita a um destes ônibus do Médecins du Monde em Paris, em março de 1997,
o “membro da rede”, um ex-usuário de drogas, era o motorista.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 89


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Um exemplo do trabalho de sensibilização e envolvimento com os farmacêuticos é o
trabalho que foi desenvolvido por EGO76 desde 1992. Neste ano foi implementado o
Projeto “Pochettes Pharmacies”. Foram visitadas as 18 farmácias do bairro e 3 localizadas
na vizinhança. Quinze farmácias locais aderiram as projeto. A proposta era que os
farmacêuticos entregassem um “saquinho preventivo” a cada seringa vendida a um usuário
de droga. Neste saquinho existia um preservativo e uma compressa de algodão com álcool,
além de material educativo. Entrevistas e visitas mensais às farmácias foram realizadas ao
longo do ano para verificar quais as mudanças operadas nas relações (anteriormente
frequentemente relatadas como sendo tensas) entre farmacêuticos e usuários. A utilização
deste instrumento - os “saquinhos preventivos”- propiciou uma mudança na interação, pois
introduziu-se um caráter de cuidado, pela adoção de uma medida de prevenção à AIDS.
Também foi possível divulgar a existência de EGO, desconhecida para 1/3 dos usuários
entrevistados. Foram distribuídos 30.690 saquinhos (de abril a novembro de 92)
(Association Éspoir Goutte D’Or, EGO, 1993)

Durante o ano de 1993 foram discutidos: os resultados do projeto “pochette


pharmacie” e as próximas ações a serem postas em andamento no bairro para aumentar o
acesso de seringas para os usuários; foram discutidos os recursos das máquinas automáticas
de troca de seringas; a “impessoalidade” da troca propiciada pelas máquinas levou a maior
parte das pessoas da comunidade a se posicionarem contrariamente a sua implantação no
bairro. Optou-se pela distribuição do “stéribox”, um kit preventivo, inicialmente, na sede da
entidade. Formou-se um grupo de trabalho constituído por usuários de drogas
frequentadores da associação para estabelecer as características que este kit deveria ter
(conteúdo, forma, tamanho etc.).

A partir deste ano de 1993, tais atividades de EGO, passam a ser denominadas de
ações de “reduction de risques”, conforme consta do relatório anual da associação (EGO,
1994, p. 20-29).

75
O trabalho citado é: Limitations on the sale and possession of syringes: results of a national survey of
laws and regulations. Atlanta, Center for Disease Control and Prevention, 1996.
76
EGO: Associtacion Éspoir Goutte D’Or, localizada no 18ème , há 10 anos em atividades nesta localidade.
O presidente desta associação é um morador antigo do local que é farmacêutico. Esta associação tem
como principal objetivo promover ações locais junto à comunidade que propiciem uma reintegração
social dos usuários de drogas.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 90
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Em 1994, EGO passa a disponibilizar o kit preventivo, colocado em uma cesta sobre
uma mesa na sede da associação, onde qualquer usuário pode ter acesso nos horários de
funcionamento do local (horário comercial, exceto pelas 4as feiras que funciona até às 22
horas). A evolução desta estratégia foi a abertura do posto de troca em novembro de 1995, o
STEP, como foi visto acima.

Tais kits preventivos são um instrumento utilizado pelos programas de troca de


seringa, sejam eles mediados por pessoas ou por máquinas. Sua composição é uma
variação do seguinte conteúdo: seringa(s) e agulha(s) estéreis, “swabs”, preservativos,
dispositivo para a diluição da droga; frasco de água destilada e de hipoclorito de sódio
(diluído a 5,25%).

Em muitos países da Europa (Alemanha, Holanda, França, Suiça dentre outros),


bem como Austrália e Canadá, tais máquinas constituem uma terceira maneira de propiciar
aos usuários de drogas injetáveis um maior acesso a seringas estéreis.

Sua maior utilidade é permitir que o acesso a seringas seja garantido, mesmo em
horários (sobretudo de madrugada) nos quais outras fontes de seringa não estão disponíveis.
Uma segunda vantagem é apontada para a utilização das máquinas automáticas de troca de
seringa: é que através delas, o usuário não necessita ter contato com nenhuma pessoa (seja
profissional convencional ou “outreachworker”) para obter o seu lote de seringa estéril
(Avril et al., 1997).

3.2. Programas de tratamento de substituição ou prescrição de drogas ilícitas

Seguindo a lógica preconizada pela perspectiva de redução de danos de oferecer a


maior diversidade possível de estratégias de intervenção, um segundo grupo de medidas é
aquele que admite a utilidade de oferecer programas para os usuários que estejam dispostos
ou desejosos de modificar mais intensamente suas práticas, como por exemplo aceitando
abandonar o uso injetável de heroína ou de outras drogas.

Os programas de prescrição de metadona

Deste segundo conjunto de medidas de redução de danos, a substituição da heroína


injetável pela prescrição médica de metadona oral (prática terapêutica da dependência da
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 91
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
heroína adotada em ampla escala pelos norte-americanos, e pelos ingleses) ganhou nova
importância, pois passa a ser considerada uma das estratégias para a prevenção da AIDS,
para a maciça maioria dos países em que a heroína é uma das drogas mais utilizadas.

No Brasil não temos heroína sendo usada em larga escala, como confirmam estudos
epidemiológicos feitos junto a populações de usuários de drogas no chamado “Projeto
Brasil” (Bueno et al., 1997; Seibel et al., 1997; Mesquita, 1997 ).

Como os programas conhecidos com o nome de substituição não tem uma aplicação
imediata em nosso país, faremos um resumo mais sucinto de suas variações.

Dentro da perspectiva de redução de danos, são valorizados os programas que


tenham um caráter flexível tanto para a inclusão quanto para a manutenção dos pacientes
dentro do programa, pois considera-se desejável alargar o espectro de pacientes atingidos
por eles. Os programas de substituição serão mais afinados aos princípios da redução de
danos quanto menos restritivos e excludentes forem seus critérios.

Discussões a cerca do tempo de manutenção dos pacientes em tratamento com


metadona (a curto ou a longo prazo) ou sobre os critérios para inclusão e exclusão de
pacientes, antecedem a adoção desta prática pela perspectiva de redução de danos.

Na Holanda, o tratamento da dependência da heroína é feito fundamentalmente


através dos programas de metadona, com critérios de inclusão de “baixa exigência” (Grund,
1994).

São considerados de “baixa exigência” aqueles programas que não utilizam exames
de urina para checar as informações dos pacientes sobre quais outras drogas estão ou não
usando, que não incluem a obrigatoriedade de encaminhar o cliente para aconselhamento,
que não eliminam o paciente do programa se este refere uso concomitante de drogas ilícitas,
que tem maior flexibilidade quanto à quantidade de metadona disponibilizada, não
restringindo a provisão de metadona somente para as próximas 24 horas. As únicas
exigências feitas aos pacientes são: avaliações médicas a cada 3 meses; inclusão das
informações sobre o paciente para alimentar um banco de dados: Central de Registro de

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 92


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Metadona (operado sob a proteção legal do sigilo médico), e por último um contrato de não
violência (Buning e Brussel, p.93, 1995).

Pacientes que frequentam clínicas ambulatoriais de metadona, que não estejam


motivados para suspender seu uso de drogas, e que ao mesmo tempo estejam “relativamente
não problemáticos”, podem ser estimulados a receberem a metadona no ônibus de metadona
(Buning e Brussel, p.93, 1995).

Prescrição médica de heroína e outras drogas ilícitas

Algumas informações pontuais sobre pacientes que se submeteram ao tratamento


com metadona oral (Henman, 1995; Wieviorka, 1996) revelam que parte deles sentem-se
insatisfeitos com os efeitos produzidos por esta droga. Portanto dentro do propósito de
ampliar o leque de alternativas terapêuticas e propiciar máxima cobertura dos usuários de
drogas ilícitas, outros programas tem sido experimentados.

Na Holanda a prescrição de heroína injetável está sendo objeto de discussões,


motivada pela constatação de que para uma parcela de usuários de drogas - dependentes
severos de heroína- os programas disponíveis não produzem bons resultados (Garretsen,
1996, p.170).

O caso da Austrália: primeiras medidas

Na Austrália desde 1991, foi aprovado, o fornecimento controlado de opióides,


dentre os quais a heroína, após recomendação de um comitê especial o “Committee on
Illegal Drugs and Prostitution” (Bammer et al., 1996, p. 138). Este fornecimento faria parte
de uma investigação para avaliar os possíveis custos e benefícios desta medida.

As múltiplas implicações desta medida, de natureza legal e política, em âmbito


nacional, mas também com implicações internacionais (devido ao fato de que a Austrália é
signatária dos acordos internacionais que tratam da política de drogas) levou os
responsáveis pela realização deste ensaio clínico, a incluirem uma pesquisa de opinião
como primeira etapa.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 93


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Nesta etapa inicial, cujo intuito é buscar respaldo na sociedade australiana para a
realização desta investigação sobre prescrição de droga ilícita, 4 segmentos sociais foram
convidados a responder à pergunta “o ensaio clínico deve ou não ser realizado?”.

Os resultados encontrados foram favoráveis: dos 516 membros da comunidade em


geral consultados, 66% responderam sim, dos 446 membros da polícia consultados, 31%
concordaram; 71% dos 93 provedores de serviços também disseram sim, juntamente com
76% dos 133 usuários e ex-usuários de drogas consultados. (Bammer et al., 1993, p.141-
142).

A pesquisa foi conduzida pelo National Centre for Epidemiology and Population
Health (NCEPH) em colaboração com o Australian Institute of Criminology (AIC), após a
solicitação feita pela Assembléia Legislativa australiana.77

O caso da Suiça: resultados iniciais

Na Suiça (outro exemplo de país onde mais se avançou na adoção de medidas de


redução de danos) ao lado de programas mais ou menos convencionais, como os programas
de prescrição de metadona oral (além de outros programas clássicos de tratamento
orientados para abstinência), surgiram programas de prescrição de outras substâncias tais
como, heroína ou morfina (inspirados na experiência inglesa e holandesa) ambas por via
injetável (Uchtenhagen, Gutzwiller, Dobler-Mikola, 1996).

O PROVE2 - Medical Prescription of Narcotics Programme- foi aprovado como


sendo um “experimento de caráter científico para testar e avaliar aproximações e métodos
de tratamento para dependentes de drogas”. Dois fatores foram decisivos para a decisão de
testar esta nova forma de tratamento: “a existência de um número relativamente grande de
usuários pesados habituais, cujo estado de saúde era precário e associado a um alto grau de
marginalização social” (Uchtenhagen, Gutzwiller, Dobler-Mikola, 1996, p.2). O público
alvo deveria ser composto por usuários pesados de drogas (“hard-core drug abusers), que

77
As informações sobre este ensaio clínico foram obtidas no livro From Faith to Science, editado a
primeira vez em 1993, e a segunda vez em 1996. Não consta desta 2ª edição nenhuma informação
adicional sobre o andamento desta pesquisa.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 94
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
nunca tivessem tido contato com serviços de tratamento ou que houvessem respondido mal
aos mesmos.

A partir dos resultados de um estudo piloto, foi reduzido o número inicialmente


previsto de prescrições de metadona e morfina injetável (uma vez que foram observados
efeitos colaterais indesejáveis e baixa aceitação) e aumentado o número de prescrições de
heroína injetável.

O programa iniciou-se em 1994; inicialmente compararam as características da


amostra de 1994 com a de 1995, não encontrando diferenças significativas em sua
composição.

A dose de heroína prescrita foi estabelecida em comum acordo com os pacientes; a


isso os pesquisadores atribuem o achado de que não houve relato de sub-dosagem (o que
seria aquilatado por sinais ou sintomas de abstinência). O maior índice de abandono foi
encontrado entre aqueles que receberam metadona ou morfina injetável, que, como já foi
mencionado, tivera baixa aceitação. Por esta diferença com os demais subgrupos, a parcela
da amostra formada pelo grupo de pacientes que receberam heroína, foi analisado
separadamente.

Discutindo os resultados obtidos em 12 meses de segmento dos pacientes que


receberam heroína, os pesquisadores consideraram principalmente satisfatórios aqueles
resultados que se referem a:

• alta aderência dos pacientes (11% abandonaram o tratamento, o


que é bem mais baixo que a média de 45% de abandono dos
programas de tratamento orientados para abstinência);

• relato de redução do consumo de drogas ilegais: 3% da amostra


continuava a usar diariamente heroína obtida ilegalmente
(contra 86% no início do programa); 7% mantinha um consumo
diário de cocaína (contra 31% no início do programa).
Particularmente o decréscimo do consumo de cocaína foi um
resultado positivo não esperado.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 95


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
• 50% dos desempregados que frequentavam diariamente a “cena
da droga”, estavam empregados e não frequentavam mais a
“cena”;

• houve melhora significativa no estado de saúde física (27%


estado precário na entrada do programa, contra 10% em estado
precário após participação) e mental (na entrada 48% estado
precário, contra 18% após participação);

• as condições sociais tiveram uma melhora num grande número


de pacientes, embora um pequeno número tenha tido uma piora
(Uchtenhagen, Gutzwiller, Dobler-Mikola, 1996, p.11)

O caso de Mersey, Inglaterra: uma prática clínica

Um último exemplo, é o programa desenvolvido na clínica Chapel Street Clinic, em


Widnes (região de Mersey, Inglaterra), cujo responsável é o psiquiatra John Marks. O
programa de prescrição de heroína e cocaína desta clínica serviu de modelo para outras
clínicas da região, todas conhecidas por “clínicas Rolleston”. Este nome é para lembrar a
política Rolleston, adotada em toda Inglaterra de 1920 a 1971, segundo a qual era permitido
um “racionamento de drogas (ilícitas) por meio de prescrição médica de clínicos gerais” (p.
274, Marks, 1997). Segundo Marks, nos anos 60 com a facilidade das viagens
transatlânticas, os “refugiados da droga” norte-americanos, criaram na Inglaterra um
“turismo da droga”, cuja consequência foi que em 1971, as prescrições passassem a ser uma
prática restrita aos psiquiatras clínicos. Posteriormente, “alguns psiquiatras londrinos
descontentes com sua função na prescrição de quotas de drogas, conseguiram persuadir e
até ameaçar (inclusive alegando falta de ética) seus colegas, para que adotassem o sistema
norte-americano” (programas de prescrição de metadona oral) (p. 276, Marks, 1997).

Marks critica o sistema norte-americano de prescrição de metadona oral: “… os


exames e análises (dos trabalhos feitos com) da metadona raramente mencionam que os
testes de sua eficácia são aplicados em colegas voluntários; que a droga causa alto grau de
dependência, a ponto de até mesmo os seus fabricantes não a recomendarem para
desintoxicação, e que, segundo dados fornecidos pelo Ministério dos Negócios Interiores da
Inglaterra, é mais tóxica que a heroína. Mas a prova cabal de seu fracasso é o fato de os
usuários não a consumirem, utilizando-se apenas como moeda para a compra de heroína
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 96
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
conforme explica a polícia metropolitana de Londres” (p.270-271). Esta passagem do texto
- lembrando que seu autor, propusera a (re)tomada de uma prática clínica condenada por
alguns colegas- nos permite ilustrar uma outra divergência quanto à suposta excelência dos
programas de prescrição da metadona oral. Esta crítica ao uso preferencial da metadona
como droga de substituição é mais abrangente do que aquela anteriormente mencionada de
que os usuários de drogas não apreciavam seus efeitos (Henman, 1995; Wieviorka, 1996).

O programa atende somente os pacientes que chegam com encaminhamentos por


escrito de seus médicos. Em primeiro lugar lhes é oferecido uma desintoxicação, se
necessário em hospital. Para a grande maioria de pacientes que recusa este tratamento, é
feito um encaminhamento para um ambulatório onde eles obtêm uma receita médica
(manipulável em qualquer farmácia da comunidade) e o compromisso de participar de uma
sessão semanal de terapia em grupo. Na semana em que os pacientes não participam da
sessão de grupo, deixam de receber a prescrição médica de drogas para aquela semana. O
consumo do dia pode ser feito em casa ou na clínica, onde recebem instruções de técnicas
de injeção mais segura, mais higiênica e mais eficiente, além de receberem recomendações
de como reduzir possíveis danos (p. 272, Marks, 1997).

Uma vez por mês, cada paciente é examinado individualmente, aproveitando-se a


ocasião para fazer ajustes finos na dosagem diária.

O programa inclui ainda recomendações para que abandonem a dependência, bem


como são estimulados a trocarem o consumo da droga via injetável, pelo consumo da droga
fumada, cujos efeitos são também rápidos. Para os pacientes que aceitam são feitas receitas
de drogas em forma de fumo, bem como em forma de aerossol, ingestão nasal, drágeas,
pílulas, xaropes e mesmo supositórios (p. 273, Marks, 1997).

Marks descreve os procedimentos para a prescrição de heroína ou cocaína, sem


discriminar se há diferenças nos procedimentos e formas de apresentação utilizadas para
cada uma das drogas. Ambas podem ser consumidas tanto por via injetável, quanto fumadas
(o crack, e a heroína) ou inaladas (a cocaína). As demais formas de apresentação (drágea,
pílula, supositório e xarope) são conhecidas para os opiáceos, mas desconhecemos se estão
sendo manipuladas também para a cocaína.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 97


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Estes dois programas - da Inglaterra em várias clínicas na região de Mersey, e da
Suiça, em vários postos experimentais- aqui descritos, exemplificam o espírito da
perspectiva de redução de danos: a preocupação de atingir a todo usuário-problema de
drogas, através da ampliação da diversidade de intervenções oferecidas, incluindo novas
intervenções complementares àquelas já existentes especialmente desenhadas para a parcela
de usuários mais marginalizados.

3.3. Programas “experimentais”

Uma última estratégia, menos comumente utilizada, é a das “salas de injeção


abrigadas” (“sheltered rooms for injecting”) programa implantado em caráter experimental
em cidades pré-selecionadas da Suiça (Uchtenhagen, Gutzwiller & Dobler-Mikola, 1996).

Ainda que na maioria dos países europeus as leis que proibiam o porte de seringa
(sem receita médica) tenham sido suspensas, os riscos (legais) de portar a própria droga por
trajetos mais ou menos longos, pode contribuir para que o usuário, procure se
“desvencilhar” rapidamente da droga, isto é, use a droga o mais rápido possível, assim que
acaba de adquiri-la. Nem sempre os UDIs estão habilitados ou desejosos de injetar-se a
droga sozinho. Seja a razão para este comportamento o medo de ser preso ou a compulsão
em ficar alto rapidamente, os UDIs buscam frequentemente minimizar o tempo entre a
compra e a injeção da droga (Ouellet et al., 1991, p.3).

A existência das “shootings galeries”, em cidades norte americanas, guarda


diferenças que variam de acordo com as características da vizinhança. Desta forma em
Nova Iorque as “shootings galeries” tem grandes dimensões: ocorrem muitos negócios, os
indivíduos pagam para entrar, por seringas e ou por assistência para se injetar. (Des Jarlais,
Friedman & Strug, 1986). Em São Francisco elas são menores, e mais íntimas, em geral
sendo localizadas em hotéis residenciais (conforme Feldman & Biernacki, 198878, citado
por Oullet et al., 1991, p.1)

78
O trabalho de Harvey Feldman e Patrick Bienacki é: The etnography of needle sharing among
intravenous drug users and implications for public policies and intervention strategies. In: Battjes R.J. &
Pickens R.W. eds. Needle sharing among intravenous drug abusers: National and International
Perspectives. Rockville, NIDA Research Monograph 80, 1988 [p.28-39].
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 98
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Tais utilitários comuns nos EUA, são substituídos na Europa pelas chamadas cenas
abertas da droga.

Guardadas as diferenças das cenas da droga, muitos usuários de drogas injetáveis


enfrentam uma mesma questão quando adquirem a droga: permanecer o mínimo de tempo
com ela. Esta premência pode estar ligada a razões de segurança, ou para evitar o
desconforto provocado pela abstinência ou pela “fissura”79.

A lógica que norteia a proposta das salas de injeção, é oferecer um espaço seguro,
para um uso com menor risco. Este era um dos objetivos do projeto da Platzpitz (Muller &
Grob, 1992; Lehman, 1993; Vogt, 1993), no entanto com o passar do tempo a fama que o
local adquiriu na comunidade de usuários de drogas, fez com que houvesse uma aumento da
circulação de usuários e traficantes, que provocavam distúrbios ou desconforto na
vizinhança (a praça localiza-se em uma bairro de classe média).

O programa experimental das salas de injeção tem características que


provavelmente buscaram evitar tais problemas. Elas foram instaladas em locais fechados,
preferencialmente mais distantes de áreas residenciais; os procedimentos para a injeção
estão privados do olhar de estranhos, seu horário de funcionamento é mais restrito,
exclusivamente noturno (de aproximadamente 18:00 às 22:00), o número de pessoas que
podem entrar é restrito (no máximo 4 por vez), sendo o tempo de permanência médio por
pessoa de aproximadamente 10 minutos80.

Este programa suiço desperta ainda controvérsias localmente, sendo que alguns
foram bem aceitos (pelas comunidades vizinhas) e outros tiveram de ser fechados
(Uchtenhagen, 1995, p.88).

A utilização desta estratégia permanece restrita em outros países, sendo que tanto o
programa suiço, quanto algumas experiências feitas em poucas cidade alemãs e holandesas

79
“fissura” é um termo do jargão de usuários de drogas, assimilado por alguns profissionais da área, que
se refere à premência que assola um indivíduo quando ele se aproxima do momento do uso; em nosso
meio este termo é usado primordialmente para se refererir à premência produzida pela cocaína
80
Conforme informações fornecidas por Cristina Brites (coordenadora do projeto de redução de danos da
APTA/SP) que em visita oficial pelo Ministério da Saúde esteve em uma destas salas de injeção, em
Zurique (em abril de 97).
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 99
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
tem começado a despertar o interesse de implementadores de políticas de drogas, pela
possibilidade que tais programas oferecem de produzir um impacto positivo na ordem
pública (ao reduzir o uso de droga nas ruas) bem como na situação de saúde dos usuários
de drogas (de Jong, 1997).

As práticas de atenção à saúde tais como: troca de seringa e agulha, prescrição


médica de drogas ilícitas e espaços para uso seguro de drogas injetáveis, tem um caráter
radicalmente inovador. Esta radicalidade, afeta crenças e valores profissionalmente
consagrados, ainda que por vezes tais valores encubram moralidades excludentes daqueles
cujas vidas fogem de padrões convencionais.

Examinaremos a seguir uma modalidade de atenção à saúde dos usuários de drogas


injetáveis, que ao restringir sua atuação preventiva à transmissão do HIV junto aos UDIs, a
medidas educativas articuladas em torno da necessidade de modificar práticas de uso de
drogas, sem oferecer troca de seringas/agulhas, constitui uma resposta aos problemas
trazidos pela epidemia da AIDS entre os UDIs, que “fere” menos as restrições impostas
pelo proibicionismo.

4. A abordagem centrada nas redes de relações sociais de usuários: o


modelo de Chicago

Uma nova abordagem dos usuários de drogas, centrada nas redes de relações
sociais de usuários, será examinada nesta seção, tomada tanto como uma metodologia de
intervenção quanto de investigação. Esta tem sido considerada uma “promissora
aproximação para o entendimento da epidemiologia e comportamentos de risco nesta
população” (Friedman, 1995, p.281).

A importância do suporte social, e o papel que este desempenha no processo de


adoecimento na saúde em geral (Cohen, 1985) e em particular na saúde mental é

81
Tivemos acesso a este texto em uma versão mimeografada, previamente à sua publicação, cuja
referência obtivemos posteriormente. Esta é a razão pela qual a numeração das páginas não é a mesma
do texto publicado.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 100
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
reconhecida de longa data. Estudos do epidemiologista John Cassel82 (citado por Gotlieb,
1985, p.303-323) oferecem evidências da influência da exposição à desorganização social
nos distúrbios mentais; por outro lado indivíduos que tinham um processo de "feedback"
favorável de seus grupos primários de maior importância, não eram afetados por condições
estressantes, indicando o poder do suporte social na proteção à saúde (Gotlieb, 1985,
p.307). O trabalho do psiquiatra social Gerald Caplan83, aponta para a influência dos
suportes sociais informais (grifo meu), no aparecimento e evolução de múltiplas
desordens mentais. Estes autores desenvolveram propostas que eram coincidentes com o
movimento de desinstitucionalização de tratamento (p.308), servindo-lhes como
sustentação teórico-empírico. Na década que se seguiu à explanação das idéias de Caplan,
inúmeras iniciativas da comunidade de trabalhadores de saúde mental foram implementadas
no sentido de estabelecer mais efetivos sistemas de suporte social. Estas iniciativas tinham
em comum o fato de serem intervenções de caráter preventivo, envolvendo a mobilização e
otimização de suportes sociais informais a populações em risco (Gotlieb, 1985).

Adotada recentemente em nosso meio, como forma de intervenção no campo da


prevenção de drogas e AIDS, Sudbrack (1997) assim define as redes sociais: “o conjunto de
caminhos materiais e fictícios que, de alguma maneira, vinculam as pessoas” (Sudbrack,
1997, p.7). Para esta autora, “a prática de redes define-se como um processo de construção
coletiva que possibilita a otimização das relações sociais”(...), que se coloca “como
estratégia para o enfrentamento das situações de exclusão e desagregação social”
(Sudbrack, 1997, p. 6-7).

Uma vez que a linha de pesquisa de redes sociais é relativamente recente no campo
da prevenção da AIDS, o próprio conceito de rede social não está homogeneizado.

As redes sociais são conceptualizadas distintamente por investigadores que se


utilizam de metodologias quantitativas ou qualitativas: assim para os pesquisadores
quantitativistas as redes são tomadas como uma estrutura formal constituída por relações
binárias entre as pessoas componentes da rede (estas relações binárias constituindo as

82
J. Cassell. Psychossocial processes and stress: theoretical formulation. Intern. Journ. of Health
Services. N. 4, p. 471-482, 1974.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 101


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
unidades de análise) (Neaigus et al., 1995); para os pesquisadores etnográfos, as redes são
entendidas como grupos de pessoas que interagem entre si dentro de um mesmo contexto
cultural (Friedman, 1995, p. 4). Nos estudos de disseminação da epidemia de AIDS no
âmbito do macro-social, as unidades de análise das redes são as vizinhanças ou cidades
(Bastos & Barcellos, 1995).

Recentemente os estudos de redes sociais passaram a despertar a atenção para o


campo da prevenção e investigação de comportamentos de risco para o HIV/AIDS entre
usuários de drogas injetáveis. Algumas evidências têm mostrado que diferentes padrões de
inserção nas redes de usuários correspondem a distintos níveis de infecção pelo HIV. As
redes de UDIs parecem afetar:

1. quem se infecta;

2. os comportamentos individuais de risco: partilhar


equipamentos, utilizar seringas usadas por outros,
comportamentos sexuais (número de parceiros, solicitação de
sexo a profissionais de sexo, tornar-se trabalhador do sexo);

3. a decisão de adotar medidas de redução de riscos (Friedman,


1995, p.3).

Um estudo de Latkin (citado por Friedman, 1995) sugere que “sessões de redução
de risco” feitas em grupos de usuários de drogas recrutados de uma mesma rede tiveram
mais sucesso que sessões feitas com indivíduos usuários de drogas isoladamente”.

Vários estudos tem combinado observações etnográficas feitas em campo com


técnicas de “survey” para estudar as redes (Neaigus et al., 1995; Wiebel et al., 1990;
Wiebel, Oullet & O’Brien, 1993; Curtis et al., 1995).

As "estações de campo" são um exemplo da apropriação de uma “tecnologia” da


antropologia, para o campo da prevenção de AIDS. Estas “estações” são postos avançados,
isto é, locais situados nas proximidades da comunidade estudada, que podem desempenhar

83
G. Caplan. Support systems. In: G. Caplan. ed. Support systems and community mental health.
New York, Human Science Press, 1974.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 102
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
múltiplas funções para os investigadores ou membros da equipe (os “outreach workers”-
ORW):

1. “tornar-se moradia dos ORW;

2. local conveniente para manter contatos regulares com membros


da população alvo;

3. tornar-se um centro de convivência;

4. local para realização de testes e aconselhamento para HIV;

5. locais para encontros de grupos de suporte;

6. centro para encaminhamento e manejo de casos individuais;

7. local para prover cuidados médicos básicos.” (Wiebel, 1992, p.


25)

Estas “estações de campo” nunca haviam sido financiadas por verbas de agências
governamentais até o aparecimento da AIDS (Feldman & Aldrich, 1990).

Entre 1987 e 1989 o National Institute on Drug Abuse Research estabeleceu em 60


locais, espalhados por todo os EUA, Projetos Demonstrativos de AIDS (NADR) com o
intuito de avaliar estratégias de prevenção do HIV entre UDIs (Wiebel et al., 1996).

Tanto em Chicago, quanto em São Francisco cidades que contam com uma tradição
de trabalhos etnográficos em drogas, considera-se que a "aproximação mais efetiva para
levar mensagens educativas-preventivas contra o HIV entre usuários de drogas e suas
parceiras sexuais é através de uma estratégia agressiva de “outreach” baseada em
etnografia" (Feldman & Aldrich, 1990, p.24).

Tais programas são genericamente chamados de “street-based outreach”84, ou


simplesmente “outreach work”.

84
Cuja tradução é busca ativa com base na rua.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 103
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O modelo de Chicago: uma práxis multi-método

Um dos programas implantados inicialmente como um dos Projetos Demonstrativos


de AIDS (NADR), em 1988 em Chicago, o “The Indigenous Leader Outreach Model”
(Wiebel, 1992), tornou-se um modelo de programas de “outreach” nos EUA.

Tomaremos este caso para ilustrar um programa de prevenção do HIV/AIDS entre


usuários de drogas injetáveis, que se utiliza de uma abordagem centrada em redes sociais de
usuários de drogas.

O programa foi desenhado para:

1. “conduzir um atividade de outreach agressiva, com o intuito de


localizar e prover informações e intervenções preventivas de
AIDS para usuários de drogas injetáveis e suas parceiras
sexuais;

2. obter informação com os participantes eleitos para a pesquisa,


antes da intervenção e em seguida a intervalos de 6 meses cada,
usando o AIA - avaliador inicial de AIDS- e o “AIDS follow-
up” para as entrevistas agendadas;

3. testar e avaliar a efetividade da intervenção para mudanças de


comportamentos que coloquem os UDIs e suas parceiras
sexuais em risco para a infeção pelo HIV e AIDS”(Wiebel,
1992, p.1).

Seus objetivos eram:

1. fornecer informações relativas à transmissão do HIV;

2. prover aos clientes assistência personalizada de avaliação de


risco;

3. prover continuamente reforço para sustentar mudanças de


comportamento e encorajamento da adoção crescente de
medidas efetivas de redução de risco ao longo do tempo.

O programa em questão é baseado em uma “aproximação multi-método” que


combina os princípios de uma etnografia comunitária e da epidemiologia do abuso de
drogas. A dificuldade em se trabalhar com as populações consideradas de “difícil acesso”,
seja no campo da investigação Epidemiológica seja no campo das intervenções

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 104


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
educativas/preventivas, tem trazido à baila discussões a respeito da utilização de
metodologias quantitativas e qualitativas combinadas (Mynaio & Sanches, 1993; Lopez,
1988, Bastos, 199585).

Tal aproximação combina: “uma sistemática metodologia para identificar e acessar


redes sociais de UDIs na cena da comunidade; o uso da influência de redes sociais de
pares para encorajar e facilitar absorção de medidas de redução de riscos; uma grade
integrada para focalizar as intervenções baseada na análise da dinâmica dos padrões de
progressão da epidemia e um sistema para integrar procedimentos para a avaliação de
necessidades e o encaminhamento para serviços” (Wiebel, 1992, p. 2).

E prosseguindo: “Ainda que a avaliação do risco seja personalizada, as intervenções


visam as redes sociais. Ao se focalizar na rede, a intervenção se endereça tanto ao
comportamento do indivíduo quanto ao contexto social que define as normas relativas a este
comportamento”. O uso da “busca ativa” nas ruas é para que se possam atingir aquelas
pessoas em risco dentro do meio natural de suas comunidades (projetos de moradia,
parques, locais de prostituição etc.) (Wiebel, 1992, p. 2).

A avaliação do risco populacional é feita através de instrumentos padronizados,


cujos resultados permitem estabelecer como as práticas de risco sexuais e de riscos
relacionados ao uso de droga injetável para HIV/AIDS se distribuem nesta população.

As informações obtidas pelas observações etnográficas, permitem compreender o


papel que esta práticas de risco desempenham no sistema de relações sociais dos membros
da rede.

Com a combinação das informações obtidas segundo estes dois recortes distintos - o
epidemiológico e o etnográfico - é possível estabelecer intervenções culturalmente
ajustadas e metas viáveis de mudanças das práticas de risco identificadas nesta população
em direção a práticas de menor risco.

85
Uma discussão sobre a complementaridade do qualitativo e quantitativo, como estratégia metodológica
contemporânea necessária ao campo das drogas é feita por Bastos (1995) em seu capítulo “Os riscos e
singularidades”, particularmente entre as páginas de 116 a 125, op.cit..
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 105
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
As metas inicialmente propostas são aquelas que parecem mais viáveis para cada
segmento; progressivamente os outreach workers vão estimulando os membros do grupo a
adotarem práticas progressivamente mais seguras. Este princípio é condizente com a
perspectiva de redução de danos, para a qual as metas (do conjunto de medidas) devem
seguir uma hierarquia em que os objetivos mais viáveis antecedem os “ideais” ou “mais
ambiciosos”.

O modelo de Chicago: resultados

Um estudo prospectivo para avaliar a soroincidência do HIV em uma população


seguida por este programa foi publicado recentemente (Wiebel et al., 1996).

Uma amostra de 641 UDIs, HIV negativos, contatados pela 1ª vez em 1988, pela
equipe do programa foi aleatoriamente constituída para participar deste estudo.

Além do acompanhamento feito continuamente pelos ORWs junto a rede de


usuários de drogas da qual este grupo fazia parte, semestralmente cada sujeito desta coorte
foi testado para o HIV e respondeu a um questionário para avaliar práticas de risco para o
HIV/AIDS.

Houve um decréscimo na incidência do HIV observada de 8,4 para 2,4 por 100
pessoa-ano. A prevalência dos comportamentos de risco relativos ao uso da droga injetável,
também decresceu de 100 para 14%. A soroconversão mostrou-se associada com os
comportamentos de risco relativos aos usos da droga injetável, mas não claramente
associado com os comportamentos de risco sexuais. Desta forma os autores concluem que:
“Os UDIs fora de tratamento em Chicago reduziram suas taxas de nova infecção pelo HIV,
reduzindo seu comportamento de risco relacionado ao uso de droga injetável.” (Wiebel et
al., 1996).

Ao afastar outros fatores aos quais pudessem ser atribuídos os decréscimos das taxas
de soroconversão ao longo do período, os autores concluem que a intervenção deve ser
responsável por tal decréscimo. As características do processo de construção da amostra
não permitiu medir o quanto e em quais aspectos a intervenção deste programa está
contribuindo para este decréscimo (Wiebel et al., 1996, p. 288).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 106


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Um aspecto interessante foi o achado de que, para esta população estudada, a
limpeza da seringa com hipoclorito de sódio não foi, dentre as estratégias de redução de
risco, aquela que contou substancialmente para a redução da soroincidência. Os membros
da coorte, mais frequentemente reduziram o risco eliminando o compartilhamento do
equipamento de injeção (seringa e agulha, algodão, frasco para diluição ou aquecimento
da droga). O uso da limpeza só foi usado secundariamente, quando o compartilhamento era
inevitável (p.288).

Os autores sugerem, a partir dos achados deste estudo, que “uma ênfase na
distribuição de materiais de prevenção deveria ser menor do que a relevância a ser atribuída
ao conjunto das estratégias de intervenção e serviços adotados” (p.288). E finalizam,
afirmando que: “As mudanças observadas nas práticas de injeção, no presente estudo,
sugerem um alto grau de motivação para evitar a infecção do HIV [grifo nosso] por
parte dos membros da coorte e o potencial do modelo de intervenção usado para ajudar a
motivar tal mudança.”

Concluindo...

As variações dos programa de “busca ativa” para a prevenção da AIDS, são de


diversas naturezas: ênfase no material utilizado: distribuição de hipoclorito de sódio
(Watters, 1994) ou troca de seringas/agulhas; ênfase no modelo de educação adotado:
intervenção face-a-face calcado no reforço positivo dos pares (Broadhead et al., 1995a, b;
1997b) ou intervenção no grupo social, pela reformulação das normas do grupo (rede
social) (Des Jarlais, s.d.; Des Jarlais & Friedman, 1988; Friedman et als, 1992).

Os trabalhos de prevenção de AIDS que atuam junto a redes sociais de usuários de


drogas tem despertado interesse pelos resultados favoráveis obtidos na redução de práticas
de risco (Friedman et al., 1992), nas taxas decrescentes de soroincidência do HIV (Wiebel
et al.,1996), nas correlações encontradas entre diversos segmentos das redes sociais e
prevalências distintas do HIV (Neaigus et al., 1994), ou ainda no estabelecimento da
desintegração social como um co-fator crítico na aceleração da disseminação do HIV
(Wallace, 1993).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 107


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Os estudos de redes sociais tem contribuído para uma compreensão menos simplista
dos mecanismos de difusão da epidemia de AIDS, que antes da utilização dos conceitos de
rede, “consideravam-na restrita a grupos de risco delimitados social e espacialmente”
(Barcellos & Bastos, 1996). Este conhecimento mais apurado da complexidade da
construção social das práticas de risco possibilita que a busca de sua desconstrução seja
menos ingênua e simplistamente, constituindo um aporte de “subsídios fundamentais às
intervenções preventivas” (Bastos, 1997).

Tal importância pode ser aquilatada revendo a história da epidemia, em que as


comunidades gays obtiveram resultados notáveis, pela “mobilização de pessoas atingidas
pela epidemia que lançaram mão dos seus próprios canais de difusão de informação e
estímulo/reforço à alteração de padrões de comportamento” (Bastos, 1997, p. 8).

5. Reflexos do movimento de redução de danos: o papel da organizações


de usuários de drogas

Acompanhando um movimento mais geral das respostas da sociedade civil à


epidemia de AIDS, deparamo-nos com o importante papel desempenhado pela organização
de grupos específicos (no início da epidemia, sobretudo de gays e lésbicas) em associações
conhecidas como ONGs (Organização Não-Governamental) ou como CBO (“community-
based organization”) a depender de seus membros terem formado grupos organizados “fora
do governo” ou terem se organizado a partir do seu pertencimento a uma mesma
comunidade (O’Malley, 1996, p. 341). Nestas duas décadas da epidemia, a proliferação de
organizações acompanhou-se também de uma diversificação e profissionalização das
mesmas, correspondendo a um avanço em sua capacidade de planejar e avaliar seus
serviços. Continuam a surgir novos grupos voluntários mais especializados e com missões
locais, em paralelo a uma estruturação de grandes organizações, nacionais ou
internacionais, provedoras de serviços “compreensivamente articulados” (O’Malley, 1996,
p.343).

As ONGs (sobretudo aquelas especificamente voltadas para AIDS) tem


desempenhado papel de pressão junto a outros setores da sociedade - instituições de saúde

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 108


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pública e privada, instituições que defendem direitos, como o sistema judiciário,
instituições de pesquisa etc. Pressão no sentido de vigorosamente advogar em prol de
pesquisas de causas e tratamentos da AIDS, trabalhando para reduzir a discriminação e
estigmatização contra as pessoas com AIDS e conduzindo campanhas para mudar as
normas da comunidade em favor da redução de risco (Friedman, Jong & Wodak, 1993, p.
264).

As ONGs, ao tratar questões ligadas à AIDS, cobrem uma gama de atividades, tais
como:

1. Ações advocatícias: aquelas que defendem os direitos dos


atingidos ou mais ameaçados pela doença, seja pela denúncia
pública de casos onde um portador ou doente teve seus direitos
feridos, ou por ações que visem modificar as condições que
tornam os sujeitos mais vulneráveis;

2. Ações preventivas: tais como intervenções educativas, de


aconselhamento, de “outreach work” etc.;

3. Ações psico-sociais: grupos de auto-ajuda, moradias para


doentes sem recursos próprios, atendimento domiciliar,
acompanhamento e transporte para tratamento em hospital-dia
ou ambulatório;

4. Ações médico-jurídicas: atenção médica ou jurídica para os


segmentos mais marginalizados, cuja exclusão social dificulta
até o atendimento em instituições públicas. (Marllat, 1996)

O mesmo fenômeno de organização de respostas comunitárias ocorreu com grupos


de usuários e ex-usuários de drogas (UD/ex-UDs) (Herkt, 1996, p.321). A questão principal
em torno da qual estes grupos se desenvolveram era a necessidade de minimizar a
potencialmente mais grave complicação do uso de drogas: a transmissão e adoecimento
pelo HIV.

Exceção feita à Holanda, na qual existe, a partir de 1980, uma liga nacional formada
por associações de usuários de drogas - a "Junkieboden" - nos demais países as associações
de UD são um fenômeno mas recente que data do final dos anos 80 início dos 90 (Marlatt,
1996).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 109


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
As atribuições das ONGs de AIDS, correspondem à maioria daquelas atividades
desenvolvidas pelas organizações de usuários de drogas.

Algumas questões particulares aos usuários de drogas, se referem às restrições


legais, que ferem os direitos dos mesmos de receberem uma atenção à saúde específica. Um
exemplo desta privação: a legislação brasileira, como muitas outras pelo mundo dificulta
ou impede que programas de troca de seringas sejam implantados (Sá, 1993, 1994; Ferreira
et al., 1993; Karam, 1997) a despeito de já ter sido demonstrado que muitos deste
programas foram eficientes para a prevenção da AIDS (Des Jarlais, Friedman & Ward,
1993).

Outra questão discutida pelas organizações é o prejuízo trazido pela estigmatização


sofrida pelos usuários de drogas, construída por um sistema duplamente recriminador
(moralmente e legalmente) de suas práticas.

Como fruto destas discussões, as organizações de UD/ex-UDs, tem se posicionado,


em sua maioria, favoravelmente a que sejam feitas modificações nas legislações de drogas.

As organizações formadas exclusivamente por ex-usuários (como por exemplo os


NA -Narcóticos Anônimos- distribuídas por vários países, ou o grupo Le Patriarche na
França), tendem a reproduzir os discursos e posições políticas de combate às drogas
(Friedman, Jong & Wodak, 1993).

Nos países onde existem associações de UD/ex-UD estas tem contribuído para
ampliar a discussão na sociedade em geral, e em particular ao divulgar em suas
comunidades e construir com os principais interessados - os usuários de drogas - a agenda
de prioridades que os afetam mais diretamente. Os países que adotaram modificações em
suas políticas de drogas, compatíveis com os princípios da redução de danos, tem
favorecido o desenvolvimento das comunidades de usuários de drogas. Friedman, Jong e
Wodak (1993) fizeram uma repertorização das organizações UD/ex-UD, distribuídas em 3
continentes -Europa, América e Australásia; com esta repertorização foi possível verificar
que os usuários de drogas tem tido uma maior dificuldade em se organizar e ganhar
visibilidade nos países com políticas mais repressivas em relação às drogas.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 110


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
As políticas de redução de danos e as organizações de usuários de drogas: efeitos
“sinérgicos”

No caso da Austrália, as organizações de usuários de drogas foram concebidas para


facilitar a redução de danos da prevenção do HIV (Herkt, 1996, p.321), e traduzem a
agilidade com que neste país se adotou uma política de redução de danos associados ao uso
de drogas. A velocidade de “disseminação” desta política na maioria dos países
desenvolvidos tem sido bem mais lenta.

Na Austrália seria inconcebível que há uma década (isto é em 1982), UDIs


pudessem estar utilizando seringas e agulhas trocadas sob o financiamento governamental
(Herkt, 1996, p. 320), e menos ainda que usuários de drogas fossem pagos para atuar na
educação para o HIV, ou que pudessem ocupar posições de “advocacia” ou desempenhar
papéis administrativos. (Herkt, 1996, p. 320).

Mas as primeiras medidas governamentais para a prevenção do HIV ocorreram já


em 1989 (conforme o documento do Governo, chamado White Paper, citado por Herkt,
1996).

Como resultado da efetiva implantação desta política na Austrália, desenvolveu-se


uma extensa participação de usuários de drogas tanto em programas de prevenção para o
HIV (“peer-based HIV education”) quanto “ao serem chamados a prestar informações e
opiniões para a elaboração e implantação das políticas voltadas para os usuários de drogas”
(Herkt, 1996, p.322).

O maior desenvolvimento destas organizações de usuários reflete, portanto, a


adoção de políticas para as drogas menos repressivas, muitas vezes fruto da assimilação de
princípios da redução de danos por parte dos formuladores de políticas de drogas. Por outro
lado, estas organizações tem dado uma contribuição para a divulgação e fortalecimento da
perspectiva de redução de danos no enfrentamento das questões relativas aos usos de drogas
ilícitas, pois, além de fazerem uma divulgação interna às suas comunidades, externamente,
funcionam como órgãos de pressão junto às autoridades ou ao influenciarem os formadores
de opinião, contribuem para mudanças de atitudes preconceituosas frente aos usuários de
drogas
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 111
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Um dos efeitos não previstos destas organizações de usuários de drogas, foi a
influência destas na mudança tanto da visão que a sociedade tinha em relação aos usuários,
quanto da visão dos usuários em relação a si próprios (Herkt, 1996, p. 321). Isto ficou
demonstrado em um estudo de opinião junto a outras comunidades que não de usuários de
drogas, feito pelo Departamento de Saúde de New South Wales em 1990. Além de ter sido
aquilatado que 90% das pessoas entrevistadas eram favoráveis aos programas de troca de
seringas e 78% achavam positivo para o controle da epidemia ensinar usuários de
drogas a usar drogas mais seguramente, verificou-se que 72% concordaram ser positivo
o aprendizado do uso mais seguro de drogas para reduzir os riscos dos UDIs sofrerem
“overdoses”. Portanto, nas palavras de Herkt: “as ações implementadas pelas autoridades na
Austrália para prevenir a disseminação do HIV parecem ter propiciado mudanças nas
atitudes da comunidade em relação às políticas governamentais para o uso de drogas e os
UDIs. Prevenir a disseminação do HIV entre UDIs, foi percebida pela maioria dos
respondentes como justificativa suficiente para uma atitude mais tolerante para com o
uso de droga ilícita. (grifo nosso) (Herkt, 1996, p. 324).

Algumas das práticas reconhecidas como de redução de danos, tais como programas
de prevenção do HIV/AIDS entre UDIs, particularmente aquelas que se utilizam de
membros extraídos da própria comunidade, (os “outreach workers” ou “peer-user
educator”) tem favorecido a emergência de uma consciência mais ampla a cerca da
importância do suporte social desempenhado pelos pares também entre os usuários de
drogas (Friedman et al., 1992). A ênfase destas práticas na identificação e mobilização dos
membros das redes de sociabilidade de UDIs, com vistas a disseminar medidas de
prevenção do HIV/AIDS, tem propiciado um investimento valorativo destes sujeitos não
habitual. As mesmas redes de disseminação do HIV, são, potencialmente, redes de
disseminação de medidas de prevenção (Bastos, 1997). Dominantemente os usuários de
drogas ilícitas são tidos como incapazes de cuidar de si próprios, pois tendem a ser tomados
redutivamente como aqueles dependentes graves, cuja capacidade para o auto-cuidado se
encontra seriamente comprometida, dado o caráter compulsivo que caracteriza seu uso de
droga; também não são considerados capazes de se engajar em ações solidárias para com
seus iguais, acreditando-se que apenas se envolvam coletivamente com as ações voltadas
para a obtenção das drogas, pois são majoritariamente serem percebidos, como
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 112
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generalizadamente desviantes ou criminosos, distorção que leva as pessoas lhes retirarem
qualquer qualidade positiva.

Podemos dizer que em países como Holanda, Alemanha e Austrália, tais associações
vem desempenhando um importante papel no sentido de pressionar os governos ou oferecer
programas alternativos à rede de atenção à saúde oficial, e desta forma estarem
contribuindo para "alterações dos quadros epidemiológicos nacionais" (Bastos, 1995, p.
214). Além desta fundamental contribuição, uma transformação mais sutil, na percepção
social dos usuários de drogas, está se operando; estes tem sido apontados como vítimas dos
prejuízos que acompanha a estigmatização, mas na medida em que estes usuários passam a
ser vistos como capazes de solidarizar-se aos seus iguais, ao perfilarem-se junto a outros
segmentos sociais, na mobilização contra o avanço da epidemia da AIDS, poderão ser
apreendidos também como merecedores da mesma solidariedade dirigida aos demais
militantes da luta anti-AIDS.

A abordagem solidária aos usuários de drogas ilícitas historicamente tem sido


representada pelas intervenções conhecidas como trabalhos de rua. As práticas deste âmbito
serão objeto do próximo capítulo, uma vez que suas preocupações e estratégias utilizadas
para abordar os usuários de drogas ilícitas constituem aportes fecundos à perspectiva de
redução de danos.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 113


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
VI. O trabalho de rua e os usos de drogas ilícitas: a abordagem
de populações escondidas

Populações escondidas são aquelas que desenvolvem atividades consideradas


desviantes, e que portanto, preferem manter sigilo sobre suas práticas. Dentre elas estão os
usuários de drogas ilícitas, que, pelo caráter criminoso de suas práticas, sofrem um processo
social de estigmatização (Kuebler, 1997; Becker, 1994). Daí decorre que o trabalho com
populações escondidas requer uma metodologia de abordagem específica, na qual o
primeiro obstáculo a transpor é como acessar essa população (Bueno, 1994; Brites, Reale,
Cavallari et al., 1994).

A etnografia e as drogas ilícitas

A Antropologia Urbana ao se dedicar ao estudo de grupos e temas de sua própria


sociedade, tem fornecido inúmeros estudos sobre as características culturais de grupos
urbanos desviantes, tais como os usuários de drogas ilícitas.

A importância que a etnografia das drogas (ilícitas) tem na abordagem destas


populações (Maurer, 1992, p. 9) levou-nos a iniciar esta seção apresentando uma revisão
realizada por Feldman e Aldrich em 1990, entitulada: “The role of etnography in substance
abuse research and public policy: historical precedent and future prospects”.

No capítulo “O desenvolvimento da moderna etnografia das drogas”, é citado um


primeiro trabalho que estabelece uma linha de investigação que desempenha um papel
crítico à política de drogas proibicionista, posição esta que perdura até hoje no campo da
etnografia das drogas. Trata-se do trabalho clássico de Alfred Lindesmith- “Opiate
Addiction” de 1947. Lindesmith fez uso de técnicas de entrevistas qualitativas para estudar
os sentidos correntes associados à expressão "addiction". Baseado em seus achados e
conclusões, Lindesmith argumenta contra aquilo que acreditava serem severas limitações da
política pública de proibição que apareceu com o Harrison Act. "O trabalho etnográfico de
Lindesmith contribuiu para o entendimento do duplo sentido que a palavra "addiction"
veiculava à época, servindo para justapor duas visões do fenômeno: abuso de drogas como
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 114
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
crime e abuso de drogas como doença. Esta justaposição foi de fato título de um relatório:
"Drug addiction: Crime or Disease?”, apresentado para o Joint Commitee of The American
Bar Association e a American Medical Association em 1961. O caráter crítico à política
oficial, levou a que o “The Federal Bureau of Narcotics” se posicionasse contra a
divulgação deste relatório.

A tentativa de censura da publicação interna deste relatório, teve um efeito


contrário, pois resultou que o mesmo tivesse sido objeto de uma publicação com ampla
divulgação. Desde então a pesquisa de Lindesmith tornou-se a base uma discussão pública
sobre o manejo da adição e abuso de drogas na América, tornando-se uma referência
obrigatória, nos últimos 30 anos (Feldman e Aldrich, 1990).

Howard Becker, em suas obras desde os anos 50, tais como “Becoming a marijuana
user” de 1953 e o clássico “Outsiders Studies on the sociology of Desviance”, de 1963 (mas
só publicado 10 anos após) deu forma à sua teoria da “carreira desviante” e da “teoria do
rótulo”.

O predomínio de pesquisas em torno da “teoria da carreira”, abriram espaço, ainda


nos anos 60, para pesquisas cujo interesse se focalizava mais na influência do contexto e da
comunidade sobre o uso, do que nos efeitos físicos e psicológicos da droga.

A nova linha de pesquisa passou a adotar a hipótese de que o uso de droga tinha
uma importante relação com o acréscimo de estatus social que o seu uso propiciava.

O relatório final do “The Add Center Project final Report: The World of Youthful
Drug Use” de Herbert Blumer (1967) citado por Feldman (1968), tornou-se um documento
chave para essa mudança de direção da maneira de encarar o uso de drogas. Esta visão do
uso da droga como uma atividade capaz de propiciar acréscimo de estatus social dentro de
certas comunidades nas quais a ação na rua e os comportamentos de alto-risco eram
altamente valorizados, foi referendada por outros trabalhos, tais como os de Edward Preble
(Preble and Casey, 1969) e Feldman (1968).

Nos anos 60 e 70 inúmeros estudos foram realizados tendo como foco populações
específicas usuárias de drogas. Alguns exemplos: estudos realizados com usuários de
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 115
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
anfetamina em São Francisco (Carey & Mandel, 1968); estudo de clientes de programas de
metadona (Soloway, 1974), usuários de cocaína em Miami (Cleckner, 1976a, 1976b, 1977);
com prostitutas em Seattle (James, 1976, 1977) ou de Marsha Rosenbaum e Sheila Murphy
(1987, 1988) estudando o uso de drogas entre mulheres.86

Nos anos 80, as pesquisas etnográficas tomaram dois caminhos: o estudo do tráfico
nas ruas e dos usuários de droga fora de instituição.

Dentro desta última linha, 2 trabalhos tiveram grande importância: “Life with
Heroin” de Hanson et al. (1985), cuja contribuição foi de propiciar um entendimento do
caminho que os dependentes percorrem desde o início do uso da heroína até a procura de
programas formais de tratamento; o segundo trabalho foi o de Patrick Biernacki: “Pathways
Heroin Addiction” (1986) 87.

O foco mudou em relação aos anos 70: se na década de 70 os estudos etnográficos


mantiveram seu foco em etnicidade e cultura de usuários de drogas, nos anos 80 com o
surgimento de novas drogas houve um deslocamento do foco dos estudos para drogas
específicas.

O uso de etnografia como método para identificar novas drogas foi abordado em 2
importantes conferências, posteriormente publicadas como “Street Etnography: Selected

86
J.T. Carey & J. Mandel A San Francisco Bay Area speed scene. J. Health Soc. Behav., n. 9, p. 164-174,
1968; I.H. Soloway. Methadone and culture of addiction. J. Pchedelic Drugs, n. 6, p. 1-99, 1974; P.J.
Cleckner blowing some lines: Intracultural variations among Miami cocaine users. J. Pchedelic Drugs,
n. 8, p. 37-42, 1976a; P.J. Cleckner. Dope is to get high: a preliminary analisys of intracultural variation
in drug categories among heavy users and dealers. Addict. Dis. , n. 2, p. 537-552, 1976b; P.J. Cleckner.
Cognitive and ritual aspects of drug use among black urban males. In: DuToit, B.M. ed. Drugs, rituals
and altered States of Consciousness. Rotterdan, A.A. Balkema, 1977; J. James. Prostitution and
addiction: an interdisciplinary approach. Addict. Dis, n. 2, p. 601-618, 1976; J. James. Ethnography and
social problems, In: Weppner, R.S., ed. Street Ethnography : Selected studies of Crime and Drug Use
in Natural Settings. Beverly hills, Sage, 1977; S. Murphy & M. Rosenbaum. Money for methadone. II:
Unintended consequences of limited-duration methadone maintenance. J. Psichoative Drugs. , v. 20, n.
4, p. 397-402, 1988; M. Rosenbaum & S. Murphy . not the picture of health: women on methadone. J.
Psichoative Drugs, v. 19, n. 2, p. 3217-226, 1987.
87
Os trabalhos citados são B. Hanson et al. Life with Heroin: voices from the Inner city. Lexington,
MA, Lexington books, 1985; P. Biernacki: Pathways from Heroin Addiction: Recovery without
Treatment. Philadelphia, Temple University, 1986.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 116
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
studies of crime and drug use in natural settings” (Wppner, 1977) “Etnography: A research
tool for policymackers in drug and alcohol fields” (Akins and Beschner, 1980)88.

Recentemente, um importante estudo etnográfico - o primeiro deste porte,


financiado pelo NIDA - foi realizado simultaneamente em 8 cidades norte-americanas89,
com usuários de crack. O estudo buscou estabelecer relações entre as trocas de sexo e uso
de crack, dado a relevância que estas trocas adquiriam nos Estados Unidos para a
transmissão sexual da epidemia da AIDS. Tais trocas de sexo por crack foram tipificadas
como: 1.vender sexo por dinheiro, por droga ou ambos; 2. receber sexo em troca de droga
ou dinheiro; 3. vender e receber sexo por droga ou dinheiro. Nesta pesquisa foram
exploradas “as características da droga, as histórias psicológicas e emocionais dos
indivíduos, e o contexto sócio-cultural no qual a ocorrência do fenômeno (de trocas) “sexo-
por-crack” surgiu e se desenvolveu” (Ratner, 1993).

A contribuição das técnicas de abordagem de populações “escondidas”, dentre as


quais se encontram os usuários de drogas ilícitas não frequentadores de instituições será
melhor apreciada uma vez que examinemos as práticas conhecidas como “trabalhos de rua”.

1. O trabalho de rua e a prevenção especializada: duas visões

Antes do aparecimento da perspectiva de redução de danos, existiam intervenções


voltadas para populações marginalizadas, dentre as quais se encontram os usuários de
drogas. A característica comum a estas intervenções é que elas tem um caráter sócio-
educativo e buscam a reinserção social das populações a que se dirigem.

Na Europa a origem dos primeiros “trabalhos de rua”, remonta o período pós II


guerra, quando autoridades preocupadas com o crescimento de jovens com atividades anti-
sociais, nas periferias da cidade, solicitam que profissionais da área social, buscassem uma
solução para o problema (Girard, 1994).

88
Este trabalho foi publicado pelo NIDA, DHHS Pub. Nº (ADM)80-946, Washington, Supt. of docs., US
Govt Print. Off.
89
O estudo foi realizado nas seguintes cidades: Chicago, Nova Yorque, Denver, Miami, São Francisco,
Los Angeles, Newark e Filadélfia.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 117
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
No fim dos anos 60, começo dos anos 70, se desenvolvem projetos de trabalho de
rua em muitos países europeus (Inglaterra, Holanda, Alemanha, Noruega etc.); na Suiça o
trabalho de rua se inicia principalmente em Zurique em 1976 (Maurer, 1992, p. 9).

O trabalho com populações marginais desenvolvido na rua recebe diversas


denominações: “streetwork” (trabalho de rua), “Street-corner-work” (trabalho de esquina),
“animation-jeunesse mobile” (animação móvel de jovens), “consultation de rue” (consulta
na rua), e “travail de rue” (trabalho de rua) (Maurer, 1992, p. 21).

A origem do termo suiço alemão (“gassenarbeit”) de trabalho de rua é uma tradução


da expressão norte-americana “streetwork”. Nos anos 20, dois sociólogos Shaw e McKay
de Chicago, desenvolveram um estudo sobre a criminalidade e a delinquência de grupos de
jovens marginalizados: “Area youth work”; é deste trabalho que deriva o essencial do
conceito de trabalho com jovens em seu próprio meio (“sur leur propre terrain”) (Maurer,
1992, p. 9).

1.1. A abordagem centrada na pessoa do usuário de droga: um caso francês

Na França, com o crescimento do consumo de drogas ilícitas ao longo das décadas


de 70 e 80, progressivamente as equipes que desenvolviam trabalhos de rua com jovens
marginalizados, foram se “especializando” em usuários de drogas (Girard, 1994).

Em 1986, tivemos a oportunidade de ter contato em Paris com uma equipe de


educadores de rua que desenvolvia um trabalho de rua, em locais centrais em Paris, de alta
freqüência de usuários e dependentes de drogas (Bilan Annuel de L’Abbaye, 1979-1986).

O trabalho era desenvolvido por uma instituição não governamental, sem fins
lucrativos, cujo quadro funcional incluiu, ao longo de sua história, voluntários ex-
toxicômanos ou não, técnicos (assistentes sociais e educadores) e estagiários.

Nos seus primórdios, pós maio de 68, havia um espírito de experimentação, de


aprendizagem de uma práxis “com a clientela” e não uma práxis “sobre a clientela”. O
espírito que animava o trabalho de L ‘Abbaye era similar aquele que animava a “Free
Clinic”, uma clínica aberta em São Francisco em 1967, onde o controle à saúde dos

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 118


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
usuários seria exercido por seus pares, sobretudo através de atividades de animação de
caráter “underground”, num “espaço estreito e colorido”, não “medicalizado” (Ephraïm,
Isambart & Werebe, 1980, p. 61-62).

Se inicialmente o caráter do trabalho era de “animação”, de organização


“recreativa” junto aos jovens, progressivamente com a evolução do programa, ocorre uma
profissionalização do trabalho, no duplo sentido: tanto a equipe se torna “mais
profissionalizada” (tanto na sua composição, quanto na estruturação do trabalho) quanto as
ações sócio-educativas voltadas para os usuários de drogas, passam a ter um caráter
progressivamente de (re)inserção profissional (Ephraïm, Isambart & Werebe, 1980). Esta
trajetória de profissionalização do trabalho de rua da L’Abbaye coincide com o processo de
profissionalização e institucionalização das estruturas que compõem o “sistème de soins
français”, com a criação em 1980 da ANIT - Association Nacional Des Intervenants En
Toxicomanies (Guégan, 1997, p. 9).

O trabalho de rua da equipe da Abbaye se iniciou em Paris, em 1972, e acompanhou


as alterações da clientela; acompanhou-a, literalmente, quando a seguiu em seus
deslocamentos geográficos ao longo dos anos; também acompanhou a evolução do perfil de
sua clientela ao adaptar-se às transformações nos padrões de usos e tipo de drogas
consumidas, e às novas características sócio-econômico-culturais da referida clientela; as
adaptações implicavam em reajustes na oferta de serviços que passavam a ser requisitados
pelos novos perfis da clientela (Bilan Annuel de L’Abbaye, 1979-1986).

Um objetivo que pode ser extraído da leitura dos relatórios anuais, a que tivemos
acesso, era que a ação da equipe de rua e da equipe de retaguarda buscava promover a
reinserção social dos jovens dependentes vinculados à equipe; esta reinserção era um
processo lento em que se previa um percurso não linear mas, ao contrário, sujeito a
inúmeras “recaídas”, idas e vindas, aliás, percurso esse conhecido pelos serviços
especializados no tratamento de dependentes de drogas. Este acompanhamento tinha um
caráter individual e personalizado. Este programa foi desativado em 1990 90.

90
Segundo informou um psiquiatra que era membro desta instituição, Dr Samuel Werebe, a desativação
deste programa se deu pela reestruturação da instituição L’Abbaye.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 119
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Em 1972, o trabalho de rua, que existia há 25 anos, foi reconhecido oficialmente na
França, com a criação do “Conseil technique des clubs et équipes de prévention spécialisée”
(CTPS), organismo privado, dispositivo de caráter “consultivo” junto aos poderes públicos,
que agrega as associações de “terreno” (Girard, 1994, p. 111).

Uma sistematização recente dos trabalhos desenvolvidos pelos educadores de rua


adotada pela CTPS, preconiza que os trabalhos de rua sigam 3 princípios, segundo Girard
(1994, p.113):

• criar um trabalho de contato, de presença e de construção de


uma relação de confiança junto aos jovens, sejam eles usuários
ou não de drogas “leves” ou “pesadas”, que permita além de um
acompanhamento em momentos de crise, favorecer um
encaminhamento para os serviços especializados;

• sustentar uma aproximação etnográfica e sociológica das


situações, permitindo através destes instrumentos fazer um
“diagnóstico local” da dinâmica dos atores sociais, que favoreça
a inserção das equipes de prevenção da toxicomania;

• situar a ação em direção à prevenção do uso de drogas e da


AIDS.

Ainda que o texto de Girard não faça uma descrição aprofundada dos trabalhos de
rua realizados em França atualmente, os princípios acima mencionados são sugestivos de
que há uma tendência em modificar a abordagem centrada na pessoa do usuário, através da
inclusão nas propostas de intervenção de uma “aproximação etnográfica e sociológica”, que
toma os usuários de drogas e as pessoas de sua relação como atores sociais.

1.2. A abordagem centrada em “grupos de populações marginalizadas”: o caso suiço

A ASIT- Association Suisse des Intervenants en Toxicomanie91 - em sua


publicação: “Tout Va Bien, Travail de Rue en Suisse 1981-1991”, dedica-se a
contextualizar histórica e metodologicamente o trabalho de rua deste país.

91
A ASIT foi fundada em 1989; segundo seus organizadores, esta associação refletia a preocupação dos
educadores de rua era “ganhar peso (através de sua organização profissional) nas discussões em curso
(na Suiça) em torno da política em matéria de drogas” , Maurer, 1992, p.21, op. cit.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 120
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Inicialmente a rua é tomada como “um espaço público que serve à circulação eficaz
da força de trabalho e de consumo”, mas também é tomada como “o cruzamento das
contradições da sociedade contemporânea”; desta forma “aqueles que fazem da rua seu
campo de trabalho se inscrevem nessas contradições”.

A definição de “domínio de campo de ação” proposta pela ASIT permite aquilatar a


amplitude atribuída por eles ao trabalho de rua :

1. atividades dentro do quadro de lazer e recreação: criação de


locais de encontro, de atividades culturais;

2. trabalho de sensibilização de opinião pública visando melhorar


as condições de vida das pessoas concernidas: saúde, formação,
moradia, transporte e outros;

3. desenvolvimento de contatos e esforços para fazer aceitar os


marginais com vistas a sua (re)inserção social (Maurer,1992, p.
22-25).

O trabalho de rua se articula em torno da noção de “presença”: “uma continuidade


da presença na rua (praças, locais de encontro, bares, manifestações culturais) contitui a
base do trabalho”; a partir dessa presença, que “significa o partilhar do cotidiano sensível às
situações e necessidades” das pessoas da “zona” se articulam as atividades tais como:
informação e aconselhamento, apoio a auto-organização e trabalho de sensibilização. A
“zona” é concebida, tal como a rua, como fazendo parte da vida social; “é um espaço onde
se desenvolve (parte) desta vida social, é um terreno onde se exprime um modo de vida e
uma cultura próprios, livremente escolhidos”. E mais adiante, “é um lugar onde se
manifestam as tensões e conflitos sociais”. A “zona”, ou a rua, é um espaço de vida
constituído por múltiplas redes, onde vivem e se situam pessoas que não querem ou não
podem encontrar outro local na sociedade” (Maurer, 1992, p. 22).

O apoio dado pelo trabalho de rua à auto-organização de pessoas da rua, tais como
“movimento dos “sem-abrigo”, o sindicato de “junkies”, os grupos musicais das pessoas da
“zona” dentre outros é coerente com sua proposta de favorecer a (re)inserção social dos
marginalizados.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 121


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
As pessoas da rua, alvo das atividades acima mencionadas são um conjunto de
“grupos de população marginalizada”: jovens, “punks”, “drogados” dentre outros. Tais
pessoas não são tomadas como “populações alvo”, objeto de intervenções
“intrumentalizadas”, isto é, formalizadas segundo conjuntos distintos e estanques de
problemas. A particularização das intervenções acompanham as solicitações formuladas
individualmente ou coletivamente em torno de questões que emergem do e no cotidiano
compartilhado, tais como questões relacionadas “a alojamento, trabalho, saúde,
dependência (de drogas), identidade sexual, exclusão social, locais de encontro e repressão”
(p.22). Contra uma formalização e instrumentalização a priori das intervenções, a ASIT,
preconiza um trabalho de rua independente de “toda instituição”, portanto estruturado em
“coletividades responsáveis constituídas sob a base do código civil” (esta organização do
trabalho se assemelha àquela feita, em nosso meio, pelas organizações não governamentais,
sobretudo por aquelas que trabalham com crianças de rua). Assim estruturado, o trabalho de
rua implica numa tomada de posição (não neutra) “a favor das pessoas da zona”,
distinguindo-o de “um conjunto de intervenções de urgência de serviços oficiais”. E, mais
adiante: “mais do que um conceito, o trabalho de rua é uma atitude (…) de solidariedade e
aceitação do outro” (p.23).

A posição da ASIT particularmente em relação aos usuários de drogas


marginalizados é traduzida pela “recusa de desenvolver um trabalho visando
exclusivamente a abstinência dos toxicômanos” (p.89). No entanto existem ainda muitos
trabalhadores de rua que substituiram a imagem de criminoso, associada ao consumidor de
drogas, pela imagem, aparentemente mais humana, de doente (…); as equipes que partilham
essa atitude desenvolvem uma “gestão social tecnocrática dos consumidores de drogas que
não respeita a autonomia destes usuários e é incapaz de fazer face aos problemas que a
proibição gera” (p.89).

Portanto, a posição da ASIT em relação à política em matéria de drogas é de que


“somente a supressão pura e simples da lei federal (suiça) sobre os estupefacientes (…) tem
condições de mudar a problemática atual neste domínio.” (p.89). Esta posição está contida
O movimento anti-proibicionista, também norteia suas posições políticas a respeito de

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 122


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
drogas por esta convicção, acompanhados por aqueles que fazem parte de organizações de
usuários de drogas.

Segundo sugere a literatura internacional, apenas parte da população de usuários de


drogas que apresenta problemas relacionados ao seu uso de drogas, chegam aos serviços
especializados no tratamento da dependência de drogas. Há evidências também de que a
população de usuários de drogas que procuram estes serviços não é a mesma população
mais marginalizada que é atendida pelos trabalhos de rua. Examinaremos no capítulo
seguinte um sistema de atendimento a esta parcela da população de usuários de drogas - os
dependentes de drogas.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 123


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 124
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VII. A abordagem clínica dos dependentes de drogas: o modelo
de cura francês e a redução de danos
Como vimos anteriormente, a epidemia de AIDS introduziu novos problemas no
campo das drogas, cuja natureza exige a utilização de novas estratégias para seu
enfrentamento. Esta novas estratégias são aquelas que constituem o campo das intervenções
da saúde pública, que ampliam a atenção à saúde para além do atendimento médico
individual, e são introduzidas pela perspectiva de redução de danos.

No entanto a adoção desta nova perspectiva, não se dá de imediato, pois a redução


de danos introduz uma profusão de novos conceitos e sentidos, que constituem uma
verdadeira “revolução conceitual” para o campo das drogas.

Tomaremos o caso da França, para examinar os problemas da interlocução entre a


clínica do tratamento de dependentes de drogas e a perspectiva de redução de danos. Uma
das razões para a eleição do caso francês, é que a influência do “modelo francês de
tratamento de dependentes de drogas” na estruturação de vários serviços especializados em
nosso país é indiscutível. (CPPC92, 1989)

A história da construção do “modelo de tratamento francês” é uma história de


“resistência”. A utilização da metáfora bélica, é proposital pois traduz um clima peculiar ao
campo as drogas, onde a política (pre)dominante na sociedade ocidental, nos últimos 30
anos ficou conhecida como “guerra às drogas”.

Esta política, inicialmente norte-americana, se internacionalizou, ganhando um


caráter hegemônico, que acompanha a história das políticas de drogas deste século93.

92
Dos 6 centros citados como referência no tratamento da dependência de drogas neste catálogo, 3
adotavam conceitos e práticas próprias do “modelo francês”. Em São Paulo, dos 3 centros de tratamento
de dependentes ligados à universidade , um deles se aproxima bastante do “modelo francês” .
93
Para um exame mais detalhado da história das políticas de drogas deste século consultar: Escohotado, A.
história de las drogas, vol 2, Madrid, Alianza Editorial, 1992; Scheerer S. Estabelecendo o controle
sobre a cocaína (1910-1920). In Bastos F.I., Gonçalves O. D, orgs. Drogas: É legal ? Um debate
autorizado. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1993; Barata A. Fundamentos ideológicos da atual política
criminal sobre drogas. In Gonçalves O. D., Bastos F.I., orgs., Só Socialmente, Relume Dumará, Rio de
Janeiro,1992; Tongue E. Visão geral dos problemas de droga no mundo. In: Andrade, Nicastri, &
Tongue. Drogas: Atualização em Prevenção e Tratamento, PNUDCP/ICAA/GREA, São Paulo, [1993?].
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 125
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
No âmbito da clínica a “resistência francesa” ao “modelo norte-americano de
tratamento”, se caracterizou por uma recusa de adotar qualquer medida (terapêutica) que
ferisse os direitos humanos (Valleur, Debourg & Matysiak, 1992; Bucher, 1992;
Olievenstein, 1983; 1985).

As propostas tanto das comunidades terapêuticas (organizadas sob princípios e


técnicas behavioristas), quanto dos tratamentos de substituição com metadona, constituem
as estratégias terapêuticas predominantes na clínica norte-americana de dependentes de
drogas, as quais são consideradas pelos profissionais do “modelo francês”, desrespeitosas
dos direitos humanos.

As constrições que a legislação de drogas impõem à produção, comércio e uso de


algumas94 drogas, aquelas consideradas ilegais, imprime um caráter particular ao processo
de estruturação de respostas aos problemas de saúde associados aos usos destas drogas.
Portanto as conquistas alcançadas no campo da atenção à saúde de usuários de drogas, no
caso francês em particular, carregam uma história de lutas, negociações, acertos e
desacertos com os órgãos de repressão.

A resposta dos serviços de tratamento para abordar clinicamente os problemas de


saúde (primordialmente problemas diretamente relacionados à dependência) trazidos pelos
dependentes de drogas ilícitas, compreende uma dimensão técnica e uma dimensão política.
A dimensão técnica das práticas adotadas na clínica francesa se sustenta em concepções
inspiradas na psicanálise, mas que constituíram um corpo teórico psicodinâmico próprio. A
dimensão política se refere ao caráter de “resistência” conferido a estas práticas, que
passam a ser consideradas como aquelas que respeitam os direitos humanos dos usuários de
drogas. O direito ao atendimento gratuito95 e o direito ao anonimato, são princípios que em
conjunto com o voluntariado constituem o tripé da clínica francesa (ANIT, 1988; ANIT,
1989). O anonimato visa garantir o direito do paciente de que sua busca de saúde, não

94
Lembrando que o álcool e o tabaco, não são considerados ilegais na sociedade ocidental, apesar de
serem substâncias que agem no SNC, cujos usos são associados com danos à saúde, dentre os quais está
a dependência.
95
A garantia do tratamento gratuito, nã o r es tr i n ge o a t en di ment o a os que pod em pa ga r, nem
as c on s tr içõ es d o si s t em a pr e vi denc i ár i o f ra ncê s, que oper a pe l o s is t ema de
ree mb ols o, e ex ige u ma i ns er çã o s óc i o- pr of is s i ona l qu e n em se mpr e os us uár i os de
dr oga s t em.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 126
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
servirá a propósitos repressivos, risco potencial a que todos os usuários de drogas ilícitas
estão sujeitos, dado o caráter criminoso de suas práticas.

O respeito à liberdade do paciente decidir se quer ou não ser tratado, é garantido


pelo princípio do voluntariado. Nenhum paciente será tratado compulsoriamente96. A
tradução técnica deste direito é assegurada pela importância dada, pelo sistema francês, à
demanda do paciente. A aceitação de um paciente em tratamento seguirá um percurso que
ao mesmo tempo visa proteger o paciente dos abusos de poder (médico ou mesmo judicial)
e propicia, correlatamente, uma otimização dos recursos, selecionando aqueles altamente
motivados.

Este sistema assim caracterizado, revela em sua constituição uma proposição de


“desmedicalizar” o atendimento aos toxicômanos (Guégan, 1997). Um dos aspectos desta
desmedicalização é a importância crucial dada à demanda do paciente, para a sua entrada no
sistema.

A demanda do paciente dependente “pela cura” é considerada pela clínica


psicodinâmica ou psicoanalítica um momento crucial. Esta demanda é constituída por um
movimento complexo do paciente, em que se entrecruzam motivações conscientes e
inconscientes ao sujeito que formula um pedido de cura97. Dada sua importância, os
critérios para a aceitação deste pedido, incluem uma aquisição de uma certa “qualificação
psíquica”, propiciada pelas consultas preliminares à “entrada para o tratamento”.

96
No Brasil, também a opinião consensual da comunidade formada por especialistas em drogas
(psiquiatras e outros profissionais de saúde atuantes neste campo específico) é de que a internação
compulsória do dependente de droga não é tecnicamente adequada. No entanto, distintamente do que
acontece na França, a inexistência de uma política de saúde de drogas, faz com que os usuários de
drogas estejam sujeitos pela legislação vigente a serem submetidos a tratamentos compulsórios, muitas
vezes por determinação judicial
97
A demanda do toxicômano tem sido objeto de inúmeros obras psicanalíticas ou psicodinâmicas
dedicadas à clínica da dependência.: Aulagnier, P. Les destins du plaisir. Paris, PUF, 1975.Kaes R.,
Anzieu D.(org.) Le psychanalyste à l’écoute du toxicomane. Dunod, Paris, 1981; Freda H;
Communication séance Plennière, Journées du CATS, déc, 1983 (mimeo); Ferbos C., Magoudi A.
Approche psychanalytique des toxicomanes. PUF, Paris, 1986; Ocampo E. V. L’Envers de la
toxicomanie: un idéal d’indépendance. Denoël, Paris, 1989; Poulichet Le S. Toxicomanies et
Psychanalyse. Les narcoses du désir. PUF, Paris, 1987; Bucher R. Drogas e Drogadição no Brasil.
Artes Médicas, Porto Alegre, 1992.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 127
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Os pacientes aceitos seriam aqueles que ao passarem por estas “consultas
preliminares”, teriam seu “pedido de cura”, transformado em uma “demanda de cura”. Tal
“transformação”, consiste no início do trabalho (psico) terápico em direção à cura.

Portanto o caráter seletivo, destas consultas preliminares, tem a finalidade de


produzir um “ajustamento terapêutico”. Serão privilegiados aqueles pacientes que através
delas atinjam uma condição psíquica (momentaneamente) mais favorável para percorrer a
“trajetória da cura”.

Outra idéia prevalente na clínica do dependente, com consequências técnicas, é a de


que não deve haver urgência na resposta (psico) terapêutica (Olievenstein, 1985). A
resposta (psico)terapêutica não deve reproduzir as mesmas características dinâmicas,
atingidas no topo da “carreira do toxicômano”: o imediatismo, a premência diante da
“falta”, que traduzem o caráter impulsivo ou compulsivo de muitos dos atos dos
dependentes em “topo de carreira” (Olievenstein, 1983; 1985).

A cura é entendida não somente como a manutenção da abstinência, mas também


como a reestruturação do aparato psíquico, no sentido de passar a poder viver uma vida
mais satisfatória (sem a “necessidade” da droga).

Um exemplo ilustrativo desta posição para a qual o conceito de cura inclui


necessariamente a abstinência, ainda que não se restrinja a ela, encontra-se neste trecho do
livro "La drogue sans poudre aux yeux" (1986), de autoria de Marc Valleur (médico-
adjunto, Centre Médical Marmottan), Alain Debourg e Jean Claude Matysiak (médicos de
outros serviços de tratamento de dependência):

"Os estudos mais sérios - entenda-se honestos - indicam o seguinte


estado das cifras: dentro de um grupo de toxicômanos graves, 1/3
pararam e vivem bem, 1/3 pararam e vivem em equilíbrio frágil,
1/3 morreram ou continuam sua intoxicação, às vezes tendo
trocado a toxicomania com droga ilícita por uma toxicomania
lícita: de medicamentos ou álcool. Para as equipes que tratam, a
ambição é elevada (grifo meu): a interrupção do uso do tóxico é
apenas uma parte do percurso, é preciso também recuperar uma
vida afetiva livre de produtos de "substituição", tranquilizantes ou
álcool, e se em meio aberto, sem seitas nem reclusão ou
isolamento forçado [grifo nosso]" (p. 130)
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 128
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As práticas consagradas na clínica do tratamento da dependência de drogas,
sustentadas por estes saberes particulares, tem sido chamadas de “modelo de cura
francês” (ANIT, 1988).

A implantação do sistema francês de tratamento se deu ao longo dos


anos 70. Uma das decorrências dos “acordos firmados” sob a lei de 31 de dezembro de
1970 (Coppel, 1996) é que o tratamento de dependentes de drogas passou a ser feita por
especialistas, em serviços específicos para os dependentes, distintos do sistema de atenção à
saúde em geral e em particular do sistema psiquiátrico.98

Esta primeira década de estruturação deste sistema de tratamento se deu em um


contexto, no qual o espírito libertário e contestatório da contracultura, se fez sentir na
adoção de discursos e práticas que se opunham a ordem psiquiátrica-institucional, próprias
do movimento anti-psiquiátrico. A instituição especializada para os toxicômanos se “torna
um espaço onde a pessoa do toxicômano é reconhecida e sua palavra livremente ouvida”
(…) criada [a instituição] como um espaço para marginais, é tecida ao mesmo tempo uma
identidade de instituição marginal (Guégan, 1997, p. 33).

O caráter experimental, constituindo espaços onde são exploradas novas formas


terapêuticas, subjaz à constituição das múltiplas unidades de pós-curas (que garantem uma
continuidade ao tratamento após a “cura” da dependência física, período que se segue à
desintoxicação). Os serviços de pós-cura, a grande maioria localizada fora de Paris, muitas
das quais organizadas em bases comunitárias, acompanham os toxicômanos após a
“primeira fase”, aquela da desintoxicação, oferecendo um espaço de convivência, que
permitem uma reestruturação da vida sem a droga. Este conjunto, constitui uma rede
institucional de atendimento especializada (“la chaîne thérapeutique”), organizada
paralelamente ao aparato médico-psiquiátrico.

98
Esta conquista dos especialistas, permitiu um grande desenvolvimento da clínica psicodinâmica
especializada em toxicomania. Isto não impede que na França também existam serviços psiquiátricos
“clássicos” que também tratam de pacientes dependentes. A orientação psiquiátrica, adotando um
modelo médico, com ênfase na terapêutica psicofarmacológica, exclui estes serviços do chamado
“modelo de cura francês” ao qual estamos dando especial atenção, sobretudo pela extensão e
importância que este adquiriu na atenção aos dependentes de drogas na França.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 129
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
A redução de danos: o [difícil] diálogo com esta nova racionalidade para o campo das
drogas

O modelo de cura francês construído no rastro da herança do movimento anti-


psiquiátrico, adotando, uma clínica psicodinâmica própria, igualmente marginal, resiste
ainda hoje às incursões “pragmáticas”, agora identificadas à perspectiva de redução de
danos.

Na França os profissionais99 ligados à clínica da dependência de drogas tem


oferecido grande resistência à perspectiva de redução de danos (Coppel, 1996) .

As críticas a este modelo, formuladas pelos defensores da perspectiva de redução de


danos, se dirigem a:

• sua baixa capacidade de absorção da clientela, decorrente de


critérios de inclusão excessivamente restritos;

• funcionamento dos serviços, de tal sorte que não se moldam às


características da clientela: ausência de horários de
funcionamento noturnos, localização geográfica distante de
locais de concentração de usuários, dentre outros;

• eleição exclusiva de metas ideais para sucesso do tratamento: a


abstinência;

• ausência de programas alternativos (que se dirigissem a parcela


de usuários que não se enquadram nos critérios mais restritos)

Tais críticas são norteadas por um recorte de prioridades (de saúde pública)
diferente daquele proposto pelo “modelo” que aqui examinamos. As prioridades para este
modelo são aquelas que constituem, de uma maneira geral, as preocupações dos serviços de
atendimento médico individual e, em particular, de uma clínica psicodinâmica da
dependência, construída sob as constrições de uma legislação de drogas repressiva.

99
Os profissionais que atuam no campo de tratamento de dependência de drogas, formaram em 1980, uma
associação a ANIT - Association Nationale des Intervenants en Toxicomanie; um órgão que é
constituído não só por profissionais, como também por outras pessoas “não diplomadas” - como ex-
toxicômanos- ligados a rede de instituições de tratamento de toxicômanos francesa. (Coppel, 1996, note
42, p. 106).
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 130
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Como visto acima, algumas particularidades da história da implantação do “sistema
de cura francês”, certamente determinaram o atraso da França em adotar uma política de
redução de danos. Dois relatórios o Rapport Pelletier de 1978 e o Rapport Trautmann,
1989100 citados por Stenger e Ralet (1991) afirmam que o problema da toxicomania não é
um problema de saúde pública, pois a amplitude do problema (número de casos de
dependência graves, ou de morte por overdose) não justifica tal inclusão. Portanto a
toxicomania permanece como um problema de ordem social, uma vez que este
comportamento ameaça esta ordem (Coppel, 1996).

Anne Coppel101, em seu artigo: “Les intervenants en toxicomanie, le SIDA et la


réduction des risques en France” (1996), faz uma análise crítica da história recente das
posições tomadas pelos defensores do “modelo de cura francês” contra a perspectiva de
redução de danos.

Assim ela descreve a ética humanista do “modelo de cura francês”:

1. ela é contra a penalização do usuário de drogas, mas soluciona


isto “protegendo-o” da repressão através de sua adesão ao
tratamento; uma vez dentro da rede de tratamento, o usuário
está protegido pela deontologia médica; e uma vez que a
definição de cura pertence ao terapeuta, este sistema de cura
pode fugir ao controle social, o qual, necessariamente, é
tomado como ataque repressivo.

2. ela é “libertária”: o “modelo de cura francês” se opõe às


“técnicas comportamentalistas aviltantes” utilizadas nas
comunidades terapêuticas (canadenses e norte-americanas). A
contraproposta francesa é a liberdade de escolha, o respeito pela
dignidade do paciente, e o tratamento voluntário fundado (e
legitimado) pela demanda (p. 89).

“A este preço (a conquista do respeito do sistema de repressão


francês às prerrogativas médicas no tratamento especializado dos
dependentes), a lei foi aceita como um mal necessário, concessão

100
ambos foram analisados extensamente por Stengers I., Ralet O. no livro: Drogues le défi hollandais, Les
Empêcheurs de Penser en Ronde, 1991.
101
É socióloga, mais afeita a posições anti-proibicionistas na França, figura aliada ao movimento da
redução de danos em França, foi convidada para presidir a 8th International Conference on the reduction
of Drug Related Harm, ocorrida em Paris neste ano.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 131
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
aos medos coletivos, que tem ao menos o precioso mérito de
oferecer um espaço que escapa à lei.” (p. 89).

Portanto, para Coppel, as conquistas do modelo francês, incluem um “acerto” com o


sistema de repressão.

Seguindo o raciocínio de Coppel, a lei de 1970, na qual se inscreve o “dispositivo de


cura francês”, encerra contradições, pois esta lei prevê um sistema de equivalência entre
tratamento e erradicação da toxicomania” (Coppel, 1996, p. 88; Stengers & Ralet, 1991, p.
29-45).

A tentativa de superar esta contradição102 cristalizou o sistema francês numa postura


defensiva contra toda forma de avaliação do sistema, igualada (equivocadamente) como
formas de reprimir o espaço terapêutico (confundido como espaço “libertário”). Como
exemplo desta “fobia de avaliação”, Coppel cita Marc Valleur, que se posiciona contrário à
formulações que questionam a “eficácia do tratamento”: “a necessidade de produzir
resultados poderá conduzir a modelos que atentam aos direitos do homem” (Valleur, 1992).

Uma vez estruturada esta “lógica defensiva libertária”, posições inovadoras para o
campo das drogas, sustentadas por uma racionalidade de saúde pública (trazidas no bojo do
novo paradigma da redução de danos), foram, vigorosamente, rejeitadas.

Desta forma criou-se um silêncio nos primeiros anos da epidemia de AIDS, que
contribuiu para um enorme atraso da França na adoção de medidas de redução de danos. Só
em junho de 1994, que o Ministério de Saúde francês passa a adotar a política de redução
de riscos oficialmente.103

No entanto, dado que o “modelo de cura francês”, preconiza um tratamento feito por
especialistas (não identificados com o sistema de atenção médico em geral), as mudanças

102
Uma discussão aprofundada sobre a lei francesa de drogas, datada de 31 de dezembro de 1970 é feita
por Izabelle Stengers e Olivier Ralet , no capítulo: “Contrastes” (p. 29-45). O interesse desta discussão é
que ela descreve a complexa injunção entre crime e doença no caso do uso de drogas, cuja solução
determinou algumas das características .
103
Conforme citado por Coppel (p. 107, nota 56) na conferência de imprensa de julho de 1994, de Mme.
Simone Veil, alta funcionária representante oficial do Ministério da Saúde francês.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 132
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
para absorver os problemas de saúde trazidos apela AIDS para a população de usuários de
drogas injetáveis, têm sido excessivamente circunscritas.

Um exemplo destas mudanças circunscritas, foi a operada por Claude


Olievenstein104, em 1991, no Hospital Marmmotan. Foi buscada uma resposta institucional
ao problema novo: a necessidade de atenção à saúde dos dependentes/usuários de drogas,
portadores do HIV ou doentes com AIDS, que respeitasse as características do centro de
tratamento da dependência. Aqueles que desejassem um acompanhamento clínico, sem no
entanto estarem dispostos a tratarem sua dependência, seriam atendidos, numa “clínica de
AIDS para usuários de drogas”, cuja entrada se localiza “numa porta ao lado” de
Marmmotan. As exigências para o atendimento nesse serviço, são menos restritivas, pois o
que se busca é um acompanhamento médico, “para os males do corpo” (Olievenstein, 1991;
Muarrek, 1994).

A solução encontrada por Olievenstein resolve institucionalmente o problema


(médico) em Marmmotan trazido pela emergência de uma nova clientela.

No entanto para solucionar os novos problemas (de saúde) trazidos pela AIDS,
modificações mais amplas no “sistema de cura francês” se tornaram imprescindíveis.

Sua estrutura instituída sob uma lógica curativa psicoterápica, criou obstáculos ao
acesso de usuários de drogas que tivessem demandas menos “ambiciosas” de cura (assim
definidas, por Marc Valleur, as metas do tratamento dos dependentes).

Como já vimos em seção anterior, uma das práticas que compõe o leque de
intervenções de redução de danos é a utilização de tratamentos de substituição de heroína
(droga ilegal principalmente utilizada pela via injetável) por metadona (droga legal,
utilizada por via oral).

Mas os defensores do modelo francês, como já foi visto, têm-se oposto


sistematicamente às propostas terapêuticas que constituíam o “modelo anglo-saxão” de
tratamento de dependentes (assim chamado pelo franceses). Tais divergências são,
historicamente, anteriores à emergência da epidemia da AIDS, além de reproduzirem no

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 133


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
campo das drogas, divergências entre concepções da psiquiatria clássica, norte-americana
ou francesa e a anti-psiquiatria.

As posições se antagonizavam em torno da utilização sistemática de drogas de


substituição no tratamento da dependência a drogas, em particular o uso de metadona para o
tratamento de heroinômanos (Morel, 1992).

A postura “humanista” da clínica francesa deveria se opor, aos tratamentos que ao


adotarem a substituição pela metadona, “não faziam mais do que manter a dependência”, da
mesma forma que deveria se posicionar contra o modelo dos narcóticos anônimos, que
produz “uma submissão a um poder superior [...] sorte de religião privada” (Valleur, 1992).

Liderando a oposição ao uso (sistemático) de metadona encontramos Olievenstein


que, fiel a já referida ética humanista, opunha-se a qualquer assujeitamento como aquele
que a dependência produz, julgando ser dever do Estado oferecer tratamentos que libertem
o sujeito da dependência e não apenas substituam a dependência de uma droga ilícita por
uma dependência a uma droga lícita, esta última sob o controle de Estado (Olievenstein,
1989).

Por outro lado, os propositores anglo-saxãos do tratamento de substituição,


sobretudo norte-americanos e ingleses, consideravam que a dependência substitutiva
favorecia uma melhora da qualidade de vida para os heroinômanos. A aceitação da
permanência da dependência, como regra geral dos tratamentos de substituição norte-
americanos, inaceitável para os franceses, representa um pragmatismo desrespeitoso aos
dependentes (ANIT, 1988).

As divergências maiores atualmente giram justamente em torno do uso da


metadona, não considerado pelos franceses como tratamento da dependência, mas como
paliativo indesejável, mas suportado, pelo problema da AIDS.

Em 1993, passam a existir 52 vagas em programas de metadona. Até este ano


existiam apenas 40 vagas, distribuídas entre dois programas abertos desde 1973). As 12
vagas “a mais” foram abertas no ano de 1993, constituindo um programa “experimental” de

104
psiquiatra francês, médico chefe e fundador do Centre Médical Marmottan.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 134
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
substituição pela metadona, do Centre Pierre Nicole, localizado em Paris - o primeiro e
único pertencente a rede especializada de tratamento de dependentes - que adotou esta
medida. (Coppel, 1996, p. 96). Estes números testemunham, para Coppel, as resistências à
adoção desta medida na França.

Alguns autores como Wieviorka105 (1996), tem posições que indicam um avanço no
impasse criado pela confrontação dos modelos. Em seu artigo entitulado: “Les toxicomanes,
entre prise de risque et réduction des risques”, Wieviorka, afirma considerar impróprio
utilizar-se de conceitos da clínica para opor-se a uma política de redução de danos (p.100).

“A oposição entre o conhecimento clínico da aproximação do risco dos toxicômanos


(…), e a implantação de políticas de redução de riscos não é pertinente. Esta falsa oposição
tem uma finalidade de gerar polêmica, criando uma linha divisória artificial entre “aqueles
que se ocupam da realidade” e os outros (psicólogos e psiquiatras) que ignoram o corpo em
sofrimento e a epidemia…”

A questão para a autora se soluciona, pela aceitação da necessidade de implantação


de medidas de redução de riscos, incorporando o conhecimento trazido pela clínica de
toxicômanos sobre as características (psíquicas) da clientela a que ela se dirige. Em suas
palavras: “nada justifica que haja uma negligência dos riscos reais que os toxicômanos
encorrem, nem é autorizável se subestimar o lugar (psíquico) que o risco tem para eles.”
(Wieviorka, 1996, p. 100). A autora afirma (com o que concordamos) que a discordância
(intransponível) entre os dois modelos se trata de uma falsa oposição gerada pela confusão
entre grupo (coletivo) e indivíduo, entre contexto e sujeito.

A população de usuários de drogas ilícitas é constituída por uma diversidade de


indivíduos, em condições distintas, num contínuum que vai da experimentação, passando
pelo uso controlado até os estágios mais avançados de dependência, sendo expostos e
sujeitos em sua trajetória de vida a graus distintos de exclusão. Os dependentes que buscam
ajuda nas instituições de tratamento especializado, representam uma parcela do universo de
usuários. Mas as discussões travadas em torno de aspectos éticos, particulares a certas

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 135


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
práticas, parecem ter ignorado que para uma diversidade de usuários, corresponde uma
diversidade de necessidades (dentre as quais a “demanda de cura” é uma delas), que por sua
vez só podem ser respondidas por práticas igualmente diversificadas.

Diante deste quadro, coube às organizações não governamentais um papel


primordial na luta pela adoção de medidas de redução de danos em França. Tanto as ONGs
estruturadas em torno da questão da AIDS (como por exemplo AIDES, a primeira ONG de
AIDS, que se aproxima de usuários de drogas, a partir de 1985), quanto o Médecins du
Monde - ONG fundada em 1980, cujo objetivo principal é cuidar de populações de
excluídos (MDM, 1996) - são dois exemplos do papel positivo desempenhado na luta pela
abertura de diálogo em prol da diversidade de intervenções para usuários de drogas. O
Médecins du Monde-MDM iniciou sua missão na França em 1986 ao reconhecer que
também lá haviam excluídos de atenção (dentre os quais estava uma grande parcela de
usuários de drogas “marginalizados”). Em 1989, o MDM abriu o primeiro programa de
troca de seringas em Paris (Avril et al., 1997). Em 1997, existe um projeto, já em fase de
negociações, de implantar o primeiro ônibus de metadona (LHomme, Edwige & Gehant,
1997).

Em 1992, nasce o primeiro e único grupo de auto-representação formada por ex-


usuários ou atuais usuários de drogas, a “Auto-support des usagers de drogues e prevention
du SIDA” - ASUD (Coppel, 1996, p.106).

O conjunto de organizações não governamentais tem desempenhado tanto na


França, como em muitos outros países (Friedman, 1996; Bastos, 1995) um importante papel
na necessária transformação das políticas de drogas repressivas em direção à tolerância,
como vimos na seção dedicada a este tema.

Os usuários de drogas ao se organizarem caminham para o seu desvencilhamento de


uma identidade socialmente construída em torno do binômio crime-doença, ganham
visibilidade e voz tornando as políticas de drogas que endossam “soluções terapêuticas
restritas” ou “soluções repressivas” objeto de questionamentos. A perspectiva de redução de

105
Sylvie Wieviorka, é diretora médica do Centre Saint Germain Pierre Nicole, serviço especializado que
faz parte da rede do sistema francês de tratamento de dependentes de drogas, o primeiro da rede a adotar

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 136


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
danos associados ao uso de drogas tem favorecido este questionamento e representado uma
posição que avança em direção a uma atenção à saúde dos usuários de drogas mais
abrangente, ao prever a inclusão de práticas de saúde voltada para parcelas de usuários de
drogas que não formulam “demandas de cura”.

Examinaremos a seguir o conjunto de intervenções que constituem o campo da


prevenção ao uso de drogas, e as proposições preventivas que se coadunam à perspectiva de
redução de danos.

um programa “experimental” de metadona (com 12 vagas).


O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 137
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
VIII. A redução de danos e a prevenção: da prevenção do uso de
drogas à prevenção do dano relacionado ao uso de droga
As diferentes concepções a cerca da prevenção do uso (e abuso) de drogas foram
objeto de estudo e sistematização por parte de vários autores como Nowlis (1982), Kornblit
(1988)106 citados por Acselrad (1989), que juntamente com Carlini-Cotrim (1992)
dedicaram-se ao mesmo tema em nosso meio.

Acselrad (1989), em dissertação entitulada “Os discursos preventivos sobre o uso de


drogas e as potencialidades dos educadores na prevenção primária - Relato de uma
experiência”, analisou manuais destinados à prevenção nas escola brasileiras, classificando
os discursos quanto ao uso de drogas e quanto à atuação dos educadores na prevenção
primária. Acselrad baseou sua análise crítica na classificação de Nowlis dos discursos
preventivos em 4 modelos: o modelo jurídico-moral, o modelo sanitarista ou de saúde
pública, o modelo psico-social e o modelo sócio-cultural. Segundo ela, os dois primeiros - o
modelo jurídico-moral e o modelo sanitarista - são propiciadores de atitudes
preconceituosas e autoritárias em relação às drogas e aos usuários, o que tornaria sua
utilização contra-producente no âmbito da prevenção107.

Para Acselrad as “propostas preventivas autoritárias devem ser definitivamente


superadas; propostas preventivas que privilegiem a escuta das demandas de orientação e de
ajuda, por parte dos alunos usuários de drogas, que admitam a discussão sobre a estrutura
geradora do consumo de drogas, que incorporem a necessidade de prazer e se liberem do
poder constituído, têm possibilidade de contribuir para a diminuição dos problemas
decorrentes do abuso de drogas.” (Acselrad, sumário, 1989). Tais conclusões são similares
àquelas formuladas por dois outros autores Carlini-Cotrim e Bucher.

Em publicação do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas


(CEBRID) entitulada “Sugestões para Programas de Prevenção ao Abuso de Drogas no
Brasil” (Carlini et al., 1990) foram elencadas as grandes linhas de atuação em prevenção: o

106
As obras citadas são: Nowlis H. A verdade sobre as drogas. Rio de Janeiro, IBESC/UERJ, 1982 [3ª
ed.]. Kornblit, A.L. Actualizaciones sobre prevención de la drogadicción. Bol. De invest. Buenos
Aires, Ed. Convivir, v. III, n. 4, 1988.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 138


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
aumento do controle social; o oferecimento de alternativas e a educação. Esta última pode
ser desenvolvida a partir de 6 modelos educacionais: o modelo do princípio moral; do
amedrontamento; da informação científica; da educação afetiva; do estilo de vida saudável
e da pressão de grupo (Carlini-Cotrim & Pinsky, 1989). Estes modelos educacionais
embora sejam mais desenvolvidos no âmbito escolar, são utilizados também para ações
preventivas fora deste espaço.

Carlini-Cotrim (1992) distingue a partir deste conjunto de linhas duas grandes


correntes preventivas: a da guerra às drogas e a de redução aos riscos associados ao uso de
drogas (p. 50) 108.

Sintetizando as características da primeira corrente, esta “repousa na firme


convicção de banir qualquer uso de drogas entre a juventude, e privilegia, para a realização
deste objetivo, ações de controle social e punição”. As ações práticas da postura de guerra
às drogas estão ligadas aos modelos de amedrontamento, apelo moral, treinamento para
resistência, pressão de grupo positiva e de orientação de pais (p. 54). Em seu conjunto tais
modelos “diretivos e intervencionistas, são destinados a incutir seja pela via moral, pelo
medo, pelo treinamento ou pela disciplina uma atitude de rejeição às drogas e a seus
usuários” (p. 57).

A segunda corrente preventiva - a de redução aos riscos associados ao uso de drogas


- construída a partir da crítica às anteriores, se sustenta basicamente em dois argumentos109:
o primeiro considera que a postura de guerra às drogas é irrealista e o segundo que esta
postura fere princípios éticos e direitos civis (p. 58).

Dentre os autores que se dedicaram a sistematizar conceitos e princípios da


perspectiva de redução de danos, a concordância com o primeiro argumento (do caráter
irrealista de acreditar-se ser possível banir as drogas) é universal. Quanto a posição contida
no segundo argumento, que considera a atitude (preventiva) peculiar da guerra às drogas

107
Uma análise desta mesma classificação, foi feita por Bucher (1992), como será visto abaixo.
108
Como foi visto acima a terminologia para se referir à redução de danos não é, ainda neste momento,
padronizada também em nosso país, sendo muitas vezes utilizada a expressão redução ou minimização
de riscos” com o mesmo sentido.
109
Como vimos na seção dedicada ao “O proibicionismo e sua relação com a construção do problema
droga” que as críticas à postura de “guerras às drogas” inclui outros argumentos além destes dois.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 139
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
como uma postura que fere os direitos humanos, nem sempre encontramos uma menção
explícita a esse respeito, mas quando se fala em direitos dos usuários, a posição adotada é
sempre concordante com a explicitada por Carlini-Cotrim (ver Mudgford, 1989a; Trebach
& Zeese, 1990a; Des Jarlais et al., 1993; Mesquita & Bastos, 1994; Henmam, 1994).

Dentro de uma mesma linha crítica aos modelos de prevenção calcados no combate
às drogas, Bucher (1992) contrapõe uma prevenção ao uso indevido de drogas110, que se
baseie em proposições de valorização da vida e da pessoa humana.

Historicamente, o primeiro modelo de prevenção é o jurídico-moral e corresponde à


resposta mais tradicional que a sociedade tem reservado aos problemas associados às
drogas, que é calcada na repressão. As medidas que correspondem a esse modelo priorizam
o controle da oferta do produto através da proibição de seu cultivo, produção distribuição e
venda. Buscam dissuadir o seu uso através da coação e ameaça de punição e da divulgação
de informações a respeito dos riscos físicos, psíquicos e sociais atribuídos ao produto111.

O modelo que sucede o anterior é o modelo de saúde pública ou sanitarista. Neste o


apelo se faz pelo engendramento entre o uso da droga e a dependência, construído
simultaneamente pelos avanços da clínica psiquiátrica da dependência e das metodologias
de pesquisa epidemiológica.

A clínica da dependência de outras drogas que não o álcool, tem uma história
recente, datando de 1987 a definição ainda em uso de dependência, proposta pela
Associação Psiquiátrica Americana na Revisão da 3º edição do Manual de Diagnóstico e
Estatística das Doenças Mentais, o DSM-III-R (Spitzer & Robert, 1987).

Nicastri [1993?] assim justifica a tendência da Psiquiatria Clínica em buscar


máxima objetividade: “a necessidade de se obter uma melhor forma de comunicação entre
clínicos, pesquisadores e o público em geral, foi uma das razões práticas para se encontrar

110
Esta expressão, “prevenção ao uso indevido e drogas”, tem sido usada para diferenciar uma postura que
não acredita que todo e qualquer uso deva ser prevenido, posicionamento este que preconiza que os
esforços devam ser dirigidos ao uso indevido ou abusivo das drogas, admitindo portanto a possibilidade
de existirem usos não problemáticos (ou “devidos”).
111
Este modelo jurídico-moral, ao qual corresponde estratégias preventivas calcadas no amendrontamento,
é fartamente utilizado pelos livros didáticos adotados em nossas escolas de 1º e 2º graus conforme foi
demonstrado por um estudo de Carlini-Cotrim e Rosemberg (1991a).
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 140
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
regras objetivas para as formulações diagnósticas das dependências (Nicastri, [1993?],
p.44,). Dentro desta perspectiva, os critérios diagnósticos do DSM-III-R, são um avanço na
objetividade na medida em que suas definições não fazem nenhuma suposição a respeito da
etiologia, adotam um modelo comportamental para a caracterização da dependência e
eliminaram suposições psicológicas e biológicas [grifos nossos] que estavam presentes em
definições anteriores (Nicastri, [1993?], p. 45). Esta padronização de fato favorece uma
tomada de decisão calcada em regras objetivas para a categorização de pessoas em função
de razões legais, médicas e psiquiátricas (Nicastri, [1993?]). Mas para o exercício da
clínica, o estabelecimento de uma “terapêutica” da dependência, momento que sucede o
diagnóstico clínico, necessariamente, deverá incluir as “suposições psicológicas e
biológicas” que foram suprimidas, bem como considerar os sujeitos dependentes de drogas,
como reprodutores de processos de sociabilidade particulares a contextos historicamente
determinados. 112

Entendemos, no entanto, que esta “máxima objetividade”, além de não alcançar de


fato uma “neutralidade científica”, corresponde a uma “reificação” da dependência.113.
Entendemos que a “objetivação” perseguida e conseguida pelo DSM-III-R no seu conjunto
de critérios diagnósticos, corresponde a utilização deste mesmo processo reificador ao
conceito de comportamento (dependente), tomando-o como “impulso ou propensão de
ordem natural-biológica, destituída de história e de razão social”; os comportamentos assim
tomados refletem uma concepção de “sujeitos tolhidos no exercício de sua subjetividade,
seres da sociedade alienados de sua sociabilidade, cidadãos alienados de sua cidadania”
(Mendez-Gonçalvez & Schraiber, 1996, p.31). Também encontramos em Bastos (1996,
p.124) uma contribuição crítica ao modelo da multicausalidade da doença (ao qual
associamos a proposta do DSM-III-R): a fraqueza deste modelo se deve “à utilização
acrítica e abusiva dos testes estatísticos de associação, a uma confusão entre associação

112
Cf. O capítulo “Complexidade e diversidade na relação dos indivíduos com as drogas” (p. 8-35) em
especial à seção “Diferentes contextos: variadas relações com as drogas” (p.14-18), onde a autora
apresenta suas concepções, sobre a construção de “comportamentos” relacionados aos usos de drogas,
sob uma perspectiva que considera as complexas relações entre as subjetividades e contextos geradores
dos distintos usos. Cássia Soares, Op. Cit.
113
Emprestamos o conceito de reificação, utilizado por Gonçalvez e Schraiber (1996, p.31), para definir o
processo segundo o qual as necessidades sociais ou de saúde “são tomadas como naturais, destituídas de
sua história e razão social”.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 141
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
estatística e causal e, ao descuido para com as variáveis recortadas de categorias
epistemológicas díspares e homogeneizadas de modo simplista”.

Consideramos ainda relevante para esta discussão, acrescentar a seguinte passagem


de autoria de Almeida e Rouquayrol: “na área da pesquisa clínica cada vez mais se valoriza
a avaliação da precisão diagnóstica através de estudos de confiabilidade em detrimento de
investigações da validade do diagnóstico”. E, continuando: “Tal tendência poderá resultar
em tecnologias diagnósticas extremamente estandardizadas, de alta precisão, aparentemente
com maior grau de cientificidade, porém de fato carentes de validade teórica e operacional;
em síntese, vazias da referência clínica fundamental. Como não há clínica sem um impulso
verdadeiro de apreensão do real-concreto, dessa maneira corre-se o risco de se construir
uma clínica cientificista (e não científica) como resultado da adoção ingênua e acrítica da
contribuição epidemiológica particularmente em relação à questão crucial do diagnóstico”
(Almeida & Rouquayrol, 1990).

Feitos estes reparos, entendemos como pertinente a crítica que Bucher faz ao
“modelo sanitarista” que faz um uso acrítico de estudos epidemiológicos de “fatores de
risco” para a dependência de drogas114. A maioria destes estudos são norte-americanos, e
foram construídos sob circunstâncias particulares à guerra às drogas. Tais circunstâncias
determinam, entre outras coisas, quais os “problemas de interesse” para serem pesquisados,
dentre os quais não se encontra, o estudo do uso controlado de drogas proibidas115.

Portanto concordamos com Bucher quando ele afirma que tal como o modelo
jurídico-moral, este modelo (médico) sanitarista acrítico, ao se centrar na droga e “não levar
em conta as razões pelas quais se procura drogas” torna-os inoperantes quando aplicados à
prevenção (Bucher, 1992, p. 146).

114
Remetemos o leitor à discussão feita por Soares (1997, op.cit. ) sobre o conceito de risco aplicado ao
campo das drogas, para tanto valendo-se das críticas feitas pelos autores latino-americanos à
epidemiologia clássica, constituindo o corpo teórico conhecido como epidemiologia crítica ou social (p.
71-73). Para uma abordagem histórico-filosófica exaustiva do conceito de risco em epidemiologia,
consultar “Sobre o risco. Para compreender a Epidemiologia”, de José Ricardo Ayres, Ed.
HUCITEC, São Paulo, 1997.
115
Dedicamos uma seção à questão do uso controlado, no capítulo “Aspectos teórico-metodológicos”.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 142
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O modelo historicamente sucessor é o psicossocial, desenvolvido nos anos
cinquenta. Considerado um avanço em relação aos anteriores por incluir “em primeiro
plano o indivíduo, enquanto agente ativo (e portanto responsável) do consumo de drogas”
(p.149). Os efeitos das drogas e tipo de uso (recreativo, abuso ou dependência) passam a ser
compreendidos como fruto da interação entre diferentes drogas, quantidades, frequências e
modalidades de uso com situações e indivíduos particulares. O contexto imediato é incluído
na compreensão dos tipos de uso.

O último modelo, o sócio-cultural, diversifica e amplia a importância atribuída ao


contexto no trinômio indivíduo-droga-contexto. A relatividade cultural de qualquer tipo de
consumo é ressaltada, bem como a importância de fatores sócio-econômicos e ambientais
na conformação das pressões para o uso.

Em que pesem os detalhamentos maiores ou menores dos autores que se dedicaram


a sistematizar e classificar as vertentes discursivas ou preventivas em relação às drogas,
parece razoável considerá-las em última instância como pertencentes a um dos dois eixos: o
de guerra (ou combate) às drogas (o proibicionismo) e o de redução de danos (ou riscos)
associados aos usos (“indevidos” ou “abusivos”) de drogas.

A adoção de uma perspectiva de saúde pública, própria da redução de danos, para o


campo da prevenção leva a estabelecer prioridades segundo a relevância epidemiológica do
problema. Assim sendo as drogas que devem ser objeto prioritário dos esforços preventivos
são as drogas lícitas, álcool e cigarro, por serem as drogas mais consumidas e responsáveis
por problemas de saúde de maior prevalência na população em geral (Carlini-Cotrim, 1992,
p. 60).

No âmbito escolar, as práticas preventivas orientadas para a “diminuição de riscos”,


podem ser classificadas como pertencentes a cinco modelos básicos: conhecimento
científico, educação afetiva, oferecimento de alternativas, educação para a saúde e
modificação das condições de ensino (Carlini-Cotrim & Pinsky, 1989; Carlini-Cotrim,
1992). Nas palavras de Carlini-Cotrim (1992), a diversificação de ações concretas próprias
a estes modelos,

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 143


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
“se caracterizam por tentar oferecer subsídios e propiciar
vivências, seja no campo do conhecimento ou do afeto, para que o
estudante possa ser mais estruturado, consciente, questionador.
Neste sentido, as ações não visam resultar, obrigatoriamente, numa
rejeição a qualquer contato com drogas. Acredita-se, somente, que
quanto mais realizado e consciente estiver, menores são as chances
de o jovem se envolver patologicamente com drogas” (p. 64-65).

1. A redução de danos e a prevenção: aproximações inovadoras

Um primeiro aspecto que gostaríamos de abordar neste tópico, se refere ao


redimensionamento do papel desempenhado pelo sistema repressivo, particularmente pela
polícia, sob a perspectiva de redução de danos. A política de drogas holandesa,
particularmente exemplificada com o caso de Roterdã (Chapell et al., 1993) preconiza que
exista uma “cooperação balanceada entre a força policial e as agências de saúde, de bem
estar social, e jurídicas”; e que “o princípio de ‘redução de dano’ no contexto policial
signifique que o tráfico seja reprimido enquanto o usuário de droga seja deixado sozinho, o
quanto possível”; e mais adiante: “somente se eles [os usuários de drogas “leves e
“pesadas”] causarem ‘distúrbio inaceitável’ para os outros cidadãos, especialmente em
áreas residenciais, deve a polícia entrar em ação.” (Chapell et al., 1993, p. 120).

Em Merseyside (Inglaterra) o reconhecimento da polícia local de que “algum grau


de ‘mal uso’ [‘misuse’] de drogas é inevitável” levou a mesma a cooperar com as
autoridades de saúde locais, na operacionalização da política de redução de danos, a qual
permite uma flexibilidade [grifo nosso], na maneira pela qual a repressão é realizada”
(Chapell et al., 1993, p. 122).

Tanto a polícia de Roterdã, quanto a de Merseyside, são consideradas pioneiras, no


redirecionamento e implementação desta nova filosofia de ação policial, que enfatiza a
redução de demanda ao invés de redução de oferta (Chapell et al., 1993, p. 123).

A disseminação desta nova forma de conceber o papel da polícia diante do problema


da droga, parece acompanhar as reformulações mais amplas de uma política de drogas

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 144


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
inspirada na redução de danos, como é o caso da Austrália (Price & Forrel, 1997.; Lough,
1997; Fletcher, 1997) e da Suiça (Mani & Hausser, 1997).

A reformulação da política de drogas australiana, que data de 1985 (Staples, 1993,


p. 50) um exemplo de como a adoção da perspectiva de redução de danos, traz um
balanceamento entre as ações voltadas para as drogas ilícitas (com ênfase na prevenção do
HIV/AIDS entre UDIs) e aquelas voltadas para as drogas lícitas (álcool e cigarro). Os
esforços orientam-se segundo uma “aproximação aos problemas relacionados às drogas ao
mesmo tempo compreensiva e multidisciplinar”, cuja meta é atingir a longo prazo uma
atitude responsável da sociedade em relação às drogas” (Staples, 1993, p. 50-51).

Heather (1993), reclama de uma “aparente amnésia” quanto à utilização dos


princípios da redução de danos no tratamento dado aos problemas relacionados ao álcool,
que ele afirma datar do final da Segunda Guerra (p. 168); relaciona esta “amnésia” à
“obsessão recente” pela abstinência, orientação dominante no campo das práticas e
pesquisas relacionadas ao álcool nos Estados Unidos e cuja influência no resto do mundo
generalizou esta “amnésia”. Heather propõe 4 sentidos para a redução de danos (RD)
encontrados em sua breve história das ações relacionadas aos problemas com álcool:

1. RD no sentido do conceito tradicional de “drinking but


improved”116 ao seguir tratamento;

2. RD no sentido de um apelo a adoção de um mais amplo


espectro de critérios considerados sucesso para avaliar e
planejar o tratamento;

3. RD no sentido limitado de atingir um “uso controlado” ou livre


de problemas seguindo o tratamento;

4. RD se referindo a utilização ampla de intervenções breves


baseadas na comunidade, cuja meta seria reduzir os danos
agregados ao consumo de álcool na sociedade mais ampla.
(p.180)

116
Esta expressão identifica a parcela de pacientes que ao seguir um tratamento para o “beber
problemático”, passa a beber menores quantidades, provavelmente reduzindo o nível dos problemas
observados anteriormente ao tratamento
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 145
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Heather finaliza seu capítulo, afirmando que “o renovado interesse em almejar
realisticamente a redução dos danos (em contraposição a meta exclusiva pela abstinência)
causados pelo álcool aos indivíduos e à sociedade, poderá ajudar a re-estabelecer a
disciplina como um genuíno discurso científico” (p. 180).

Em nosso meio, dois estudos sobre intervenção breve, utilizada desta feita como
tratamento da dependência não apenas de álcool, mas para dependência de outras drogas
demonstraram sua eficácia, além dos benefícios potenciais de sua aplicação em ampla
escala, dada sua potencial menor relação custo-benefício. (Formigoni, 1992; Marques &
Formigoni, 1997a).

Ambos os estudos foram feitos a partir de uma adaptação da técnica inicialmente


117
desenvolvida por Sanchez-Craig et al. (1984) conforme Seabra e Silva (1992, p. 53) .O
primeiro estudo compara a eficácia da intervenção breve individualmente delineada com
uma intervenção grupal realizada segundo orientação clássica psicodinâmica. Os resultados
apontam para uma eficácia terapêutica similar (indicada por índices de recuperação, e
abandono similares), o que sugere a vantagem de se utilizar a terapia breve dada sua maior
simplicidade técnica (uma vez que pode ser realizada por profissional submetido a um
treinamento muito mais curto e muito menos oneroso do que aquele necessário para formar
um psicoterapeuta) (Formigoni, 1992).

O segundo estudo (em fase final de redação) compara a eficácia da terapia breve
individualmente aplicada com a mesma técnica adaptada para sessões grupais. Os
resultados indicam que os pacientes alcoolistas que foram submetidos a intervenção breve
grupal, tiveram maior aderência do que os alcoolistas tratados individualmente. Já os
pacientes que tinham dependência a outras drogas que não o álcool tiveram aderência
similar em ambas aproximações - grupal e individual. A conclusão do trabalho de Marques
é que as vantagens representadas pelo mais baixo custo relativo na utilização da técnica de
terapia breve em grupo deve ser considerada como forma de tratamento a ser adotada pelo
sistema público de saúde (Marques & Formigoni, [1997?b]; Marques & Formigoni, 1997a).

117
Sanchez-Craig et al. Random assigment to abstinence and controlled drinking: evaluation problem
drinkers. Joun. Of consult. And clinical Psychology, v. 52, n. 3, p. 390-403, 1984.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 146
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
A preocupação com a redução de danos (ou riscos) associados ao uso do álcool,
prioritária se consideramos a extensão do consumo do álcool na população em geral, e por
conseguinte dos problemas relacionados ao seu uso, faz parte do redimensionamento de
prioridades das políticas que pretendam propor medidas que fujam do modelo de guerra às
drogas. Estudos mostram que mudanças na legislação que estipula a idade mínima a partir
da qual o consumo de álcool se torna permitido que os acidentes de carro relacionados ao
consumo de álcool diminuem na faixa etária entre os 18 e 21 anos, nos períodos em que
esteve vigente uma lei que proibia o consumo de álcool nesta faixa etária (O’Maley &
Wagenaar, 1991). Este exemplo nos remete a posição do movimento de redução de danos,
majoritariamente defendida desde a 3ª conferência, segundo a qual as mudanças nas
políticas de drogas (e álcool, consequentemente) para serem uma tradução da perspectiva de
redução de danos, deverão levar em conta o impacto (estimado, ou previamente relatado
cientificamente) potencial sobre o dano que se pretende evitar (Fuchs e Degkwitz,
1995, p. 84).

Programas de prevenção que se coadunem com esta perspectiva podem ser aqueles
delineados previamente para acessar populações que potencialmente estão expostas a um
maior risco de apresentar problema no consumo de álcool. Um exemplo deste tipo de
programa é o estudo de intervenção voltado para jovens universitários da Universidade de
Washington; o “High Risk Drinkers Project” (Baer, 1993) é um projeto de “prevenção
secundária”, “a meio caminho entre a prevenção primária e os cuidados terciários”, que
além de ser flexível, adota múltiplas estratégias (grifo nosso) que integra outras
aproximações àquelas próprias ao tratamento dos problemas associados ao álcool (Baer,
1993, p. 131). Baseando-se em uma aproximação com passos hierarquicamente articulados,
grande ênfase é dada à utilização dos recursos pessoais para modificar padrões
problemáticos do uso; a adoção desta estratégia como primeiro passo deste programa se dá
pelas evidências revelada por estudos de “recuperação espontânea” (Sobell, Sobell &
Toneato, 1992118, citados por Baer, p. 132) que mostram que muitos indivíduos são capazes
de se recuperar sem ajuda de tratamentos formais (McCartney, 1996).

118
Sobell, L.C.; Sobell, M.B. & Toneatto, T. Recovery from alcohol problems without treatment. In:
Heather, N.; Miller, W.R. & Greeley, J. eds. Self-control and addictive behaviours. Botany Bay, NSW,
Australia: Maswell MacMillan. 1992. [p. 198-242].
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 147
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Um estudo brasileiro (o único desta natureza em nosso meio) entitulado “A história
não-oficial do uso de drogas” (Galduróz & Masur, 1990) corrobora a existência de
recuperação espontânea mesmo entre pessoas que fizeram um “uso intensivo de drogas
ilícitas”.

Um outro exemplo de programa que focaliza uma droga lícita, desta vez visando a
redução dos danos associados ao cigarro, é aquele descrito por Russell (1993); seus
objetivos são: 1. reduzir o número de casos novos (“recruitment”); 2. incrementar a
interrupção; 3. reduzir os riscos do “fumar ativo”; 4. reduzir a exposição passiva dos não
fumantes aos fumantes. Estes objetivos devem ser focalizados articuladamente. Por
exemplo a restrição dos locais onde o fumar é permitido, pode ao mesmo tempo proteger os
não-fumantes da exposição passiva, quanto reduzir a quantidade de cigarros consumida
pelos fumantes. Ou, então, a interrupção do consumo de adultos, pode favorecer a redução
do início do consumo por parte de seus filhos (Russell, 1993, p. 154-155).

Dentro desta perspectiva se encontram programas preventivos voltados para


populações que consomem drogas específicas, cujos objetivos adotam o pressuposto de que
a minimização dos riscos associados ao consumo é prioritário: as propostas de Erickson
(1993) para o consumo de psicoestimulantes, ou a discussão de MacDermott, Riley e
Chesher (1993) sobre o consumo de ectasy são exemplos desta perspectiva.

Incluímos ainda a discussão a respeito da maconha ser legalizada ou ter seu uso para
fins terapêuticos, sob prescrição médica autorizada (Morgan, Riley & Chesher, 1993;
Ferguson, 1997). Podemos afirmar que as evidências científicas sobre os efeitos da
intoxicação aguda ou crônica da maconha, falam a favor de se estabelecer um tratamento
jurídico diferenciado entre esta e as demais drogas ilícitas, o que já foi estabelecido desde
os anos 70, pela política holandesa, ou em alguns estados norte-americanos (Scheerer,
1996; Johnston, O’Malley & Bachman, 1981119, citado por Morgan, Riley & Chesher,
1993).

119
Trata-se do trabalho de L.D. Johnston, P.M. O’Mally & J.G. Bachman, Marijuana decriminalization: the
impact on youth 1975-1980. Monitoring the future: Occasional papers series, paper 13. Ann. Arbor:
Institute for social Research, University of Michigan, 1981.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 148
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
A título ilustrativo citamos o trabalho feito em nosso meio por Labigalini e
Rodrigues (1997), “O uso ‘terapêutico’ de cannabis por dependentes de crack no Brasil”,
que aborda os possíveis efeitos terapêuticos a maconha para reduzir os sintomas de
abstinência ( a “fissura”) após a suspensão do crack. Foram acompanhados 20 casos de
pacientes dependentes do crack (diagnosticados pelo DSM-III-R), durante o período de 9
meses, observando-se que o uso mais intenso nos 3 primeiros meses imediatamente após a
suspensão do uso do crack (uso diário, em média de 3 a 4 baseados por dia), acompanhou-
se de uma redução espontânea posterior. O uso de maconha observado nos 14 pacientes que
foram acompanhados até o final deste período, pode ser classificado como um uso
recreativo (Labigalini & Rodrigues, 1997, p. 4).

O “Harm Reduction Drugs Education” - HRDE, é um programa educacional inglês


dirigido para escolas e projetos de juventude (com 12 ou mais anos), construído a partir de
uma crítica aos objetivos da prevenção primária, na qual qualquer uso de droga (ilícita) é
considerada um mal em si, ou que o “uso de droga pelos jovens é anormal”, daí decorrendo
uma visão de que os jovens usuários de drogas são “pessoalmente ou socialmente
inadequados” (Cohen, 1993, p. 67). O HRDE entende que:

• o uso de droga é parte dos comportamentos normais na


adolescência;

• a educação deve ser sobre e não contra as drogas;

• a atitude primordial é de não-julgamento em relação ao uso e


usuários;

• a principal chave é respeitar o direito das pessoas jovens


tomarem suas próprias decisões em relação ao uso de droga;

• deve incluir uma crítica aos estereótipos comumente associados


às drogas e usuários;

• o fornecimento de informações acuradas, deve focalizar não


apenas os riscos quanto os benefícios.

Em recente tese de doutorado, “Adolescentes, drogas e AIDS: avaliando a


prevenção e levantando necessidades”, Soares (1997) dentro de seu exame das políticas

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 149


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
públicas voltadas para a prevenção de drogas no país120, incluiu uma avaliação do programa
de prevenção “Escola é Vida” desenvolvido na Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo, na gestão de governo 91-94, interrompido bruscamente com a mudança de governo.
Este programa foi avaliado positivamente por Soares, por:

• fornecer uma educação contextualizada;

• fornecer subsídios para projeto educacionais específicos, a


partir de um diagnóstico de cada escola;

• advogar o redimensionamento do professor frente ao aluno e ao


problema da droga,

• adotar uma postura que respeite as opções individuais e que,

• dilua o estigma (contra o usuário de droga), marca diferencial


arbitrária;

• incluir temas como: direitos civis, a ética, a ecologia e a


solidariedade, que convidam os alunos a

• poderem apontar as responsabilidades sociais e defender


ativamente seus direitos e convicções;

• ter sido avaliado positivamente pelos alunos que dele


participaram, revelando terem atingido uma interlocução com
os professores do programa, ficarem mais mobilizados e
participantes e situarem-se em relação à droga num patamar
menos preconceituoso, mais tolerante e, por vezes, solidários.
(p.249-255)

O “Escola é Vida” como pode ser aquilatado pelas características acima


sumarizadas, se alinha, tal como os programas acima citados, com a perspectiva de redução
de danos no campo preventivo de drogas.

2. O caso do “Projeto de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas e AIDS”-


PPUID-AIDS

Dedicaremos a parte final deste capítulo, para descrever brevemente o trabalho


desenvolvido durante a vigência do “Projeto de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas e

120
Tema desenvolvido, no capítulo “O caso de Prevenção”, particularmente nas páginas 76-99. Op. Cit.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 150
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
AIDS”, o PPUID-AIDS121. Este projeto foi escolhido por constituir um exemplo em nosso
meio do surgimento de propostas inovadoras que quebram com o “status quo” das
intervenções convencionais no campo da atenção à saúde dos usuários de drogas.

O PPUID-AIDS foi desenvolvido de junho de 1991 a dezembro de 1994, em um


Escritório Regional de Saúde Butantã, (ERSA-2-Butantã) da Secretaria de Saúde, na cidade
de São Paulo. De sua primeira versão são os seguintes objetivos: 1. a identificação do
usuário e dependente de drogas em seu meio; 2. a mobilização de líderes de comunidade e
de recursos institucionais disponíveis, que possibilitará a reintegração desta população
(Reale & Czresnia, 1991).

A existência de uma proposta de atuar com usuários de drogas diretamente e atuar


com membros de comunidades locais e profissionais de instituições (locais e de referências)
expressa uma preocupação da coordenação do projeto, de que não bastaria “sensibilizar” os
usuários contatados para procurarem ajuda, mas seria necessário também “sensibilizar”
aqueles (profissionais ou lideranças das comunidades locais) a fornecerem respostas
adequadas às demandas geradas.

As ações previstas junto aos usuários de drogas, se traduziam nas seguintes


atribuições educativo/preventivas do educador de rua (Reale, 1993a, 1993b):

1. habilidades de manejo de situações em campo, utilizando-se


para isso de técnicas extraídas da Antropologia Urbana, como
observação em campo, observação participante, coleta de dados
através de contatos informais, dentre outras;

2. um treinamento em serviço, para familiarizar-se com os


usuários de drogas e sua sub-cultura, fora da situação de
atendimento institucional;

3. participação em seminários para a obtenção de noções advindas


da clínica do tratamento de dependentes de drogas, que incluía
conhecimento sobre as drogas e seus efeitos, sobre os achados
mais expressivos na dependência de drogas e informações sobre
a legislação de drogas; informações sobre serviços e técnicas
de tratamento disponíveis para fornecer, quando solicitado por
um usuário interessado, encaminhamentos o mais
individualizado possível ;
121
Este projeto foi concebido e coordenado pela autora desta dissertação.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 151
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
4. participação em seminários e participação em cursos para
obtenção de conhecimentos sobre AIDS, especificamente sobre
formas de transmissão e prevenção, bem como informações
sobre serviços de testagem anônimos e tratamento da AIDS,
para encaminhamento.

O principal desafio que o PPUID-AIDS deveria enfrentar era encontrar uma forma
de garantir uma atenção à saúde dos usuários de drogas que fosse uma resposta mais
adequada às necessidades de saúde desta clientela. Desafio porque estes eram (e ainda são
uma clientela predominantemente virtual), isto é, não buscam os serviços de saúde, exceto
em situações de grande agravo à saúde.

Ao reconhecermos que esta clientela pouco procura os serviços de saúde estamos


também dizendo que suas necessidades concretas nos eram grandemente desconhecidas.
Portanto num primeiro momento o projeto precisaria conhecer esses usuários para poder
estabelecer, a partir desse conhecimento, qual a melhor forma de atuar junto a eles.

Este “conhecimento” da clientela, preocupação inicial e contínua da equipe do


projeto, constituiu uma de suas principais marcas: o caráter exploratório e inovador deste
trabalho. Isto significa que foi necessário construir os elementos que constituiriam o
trabalho, tais como desenvolver seus instrumentos: intervenções técnicas - condutas e
procedimentos discursivos-, materiais educativos e de suporte, planilhas de registro de
atendimento na rua - que permitissem um dimensionamento quantitativo e qualitativo do
trabalho- definição das atribuições e capacitação de seus agentes; definição de seus objetos
e finalidades a partir de um entendimento do processo saúde/doença envolvendo os usuários
de drogas que levasse em conta as várias dimensões envolvidas. A finalidade buscada de
minimizar o risco de adoecimento, deveria levar em conta a complexidade constitutiva de
seus objetos, contemplando a dimensão biológica (diretamente ligadas a interação
farmacológica entre produto/corpo), a dimensão psíquica (ligadas a interações simbólicas
entre sujeito-droga, sujeito-ambiente, sujeito/usuário-sujeito/não-usuário e assim por diante)
e a dimensão social: no plano imediato do contexto micro-social (rede de sociabilidade dos
usuários de drogas e relação com outros atores sociais). O entendimento de que estas
dimensões estão mediadas por condições macro-sociais, historicamente determinadas pelo
proibicionismo, permite reconhecer que a droga (ilícita) não pode ser apreendida apenas
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 152
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
como psicofarmacológica e simbolicamente “ativas”, mas que a qualidade de produto-
mercadoria, introduz mediações às relações droga-sujeito que seguem regras do mercado
(ilícito), mobilizam recursos financeiros, geradores de renda, através de divisões de
“trabalhos ilícitos”. 122

O caráter inovador e exploratório deste projeto, permitiu o estabelecimento de


relações inéditas entre uma equipe de saúde - na figura das educadoras de rua deste projeto-
e usuários de drogas fora do ambiente institucionalizado; as relações de confiança
estabelecidas permitiram a identificação simultânea de problemas de diversas naturezas que
afetavam a vida deste usuários, e barreiras que impediam que estes problemas fossem
formulados ou endereçados às instâncias institucionais (nem sempre preparadas para
responder a estes problemas). Os aspectos envolvidos com a construção do papel do
educador, bem como barreiras encontradas na realização deste trabalho foram descritas em
dois trabalhos (Reale & Cavallari, 1993b, 1993c).

Como fruto do trabalho das educadoras de rua, foi possível estabelecer relações de
confiança estáveis com uma parte da rede de usuários contatados, desenvolvendo ações
educativas, com ênfase na prevenção da transmissão sexual do HIV, aconselhamento para
questões relativas ao uso de drogas, relacionamentos familiares e com seus parceiros
sexuais, problemas de saúde, trabalho e moradia, dentre outros. Algumas características da
parcela da rede de usuários que estabeleceu vínculo com as educadoras foi descrita em dois
trabalhos (um comunicação oral apresentada no “Prevenção secundária e terciária em
usuários de drogas em seu meio”, Reale & Cavallari, 1993a; e no capítulo entitulado “Hard-
To-Reach or Out-of-Reach? São Paulo Outreach Workers and Inner-city Addicts”, Kirsch,
Reale & Osterling, 1995).

Já o desenvolvimento de ações previstas no eixo relacionado ao segundo objetivo


(“a mobilização de líderes de comunidade e de recursos institucionais disponíveis”),
permitiu constatar inúmeras dificuldades seja entre profissionais (de saúde ou de educação,
com quem a equipe teve mais contato), seja entre membros das comunidades locais, em

122
Um panorama atualizado da extensão das ramificações do crime organizado em escala mundial, em
torno do comércio das drogas ilícitas, é encontrado na obra do Observatoire Géopolitique des Drogues,
entitulada Atlas Mondial des Drogues , PUF, Paris, 1996
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 153
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
relacionar-se e responder adequadamente às situações do cotidiano intra e extra-
institucional, que envolvessem o uso de drogas.

Uma vez que uma das principais barreiras encontradas em diversos momentos e
níveis entre os diversos interlocutores do PPUID-AIDS, relacionava-se às inúmeras
manifestações de preconceito, entendemos que um trabalho que fosse voltado para a
dissolução ou redução deste em relação aos usuários de drogas seria prioritário.

Em resposta a esse problema foi proposto e desenvolvido no ano de 1994 um curso:


“Treinamento para multiplicadores em prevenção ao uso indevido de drogas e AIDS”
(Reale & Brites, 1993). Este treinamento foi delineado a partir das seguintes premissas:

1. preconceito contra os usuários de drogas era uma das principais


causas do dano social entre eles;

2. este preconceito também afetava indiretamente sua saúde;

3. muitos mitos e conceitos equivocados sobre drogas e seus usos


- nutridos em nossa sociedade pela ideologia da “guerra às
drogas - contribuiam para a inadequação das estratégias de
prevenção e assistência à saúde aos usuários de drogas;

4. a legislação de drogas, refletindo esta ideologia, reforçava a


marginalização dos usuários de drogas. (Reale, Brites & Soares,
1997, p. 4).

Este treinamento buscou tratar com a diversidade e multiplicidade de aspectos do


tema drogas introduzindo a heterogeneidade do público alvo como estratégia pedagógica;
para isso decidimos trabalhar com grupos compostos por diversas categorias profissionais
(profissionais de saúde, de educação, de Secretaria da Criança, da FEBEM, e profissionais
de Segurança Pública - Policiais Militares) e lideranças comunitárias (compostas por
membros com atividades comunitárias associativas ou religiosas) numa mesma turma. Esta
“convivência” com os diferentes “outros” dentro de uma mesma turma permitiu que os
preconceitos ou mesmo as diferentes visões sobre as drogas, seus usos e os usuários
pudessem ser trabalhadas num nível mais próximo daquele experimentado no cotidiano dos
participantes.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 154


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Um vez que o princípio norteador de suas proposições educacionais visava
favorecer a emergência das múltiplas manifestações de preconceitos em relação às drogas e
usuários de drogas ilícitas, julgamos que a exploração destes aspectos seria melhor obtida
através de jogos (role-playing, elaboração de "sketchs") e discussão de casos em pequenos
grupos. Com a emergência de manifestações que expressassem os preconceitos, seria
possível, segundo nossas concepções, obter um aproveitamento qualitativamente
diferenciado dos aspectos cognitivos propriamente ditos do curso (os conceitos e
classificações de drogas, ação farmacológica, tipos de uso etc.)

Acreditávamos que a eleição de situações concretas que aproximassem os


participantes do curso do "mundo do drogado", poderia reduzir a distância (preconceito)
que contribui para o processo marginalizador do usuário de drogas ilícitas.

As informações transmitidas ao longo do curso eram, portanto, sempre que possível,


subsequentes aos relatos vívidos dos participantes e calcadas em discussões sobre opiniões
trazidas pelos mesmos.

O curso moldado para um público de até 30 participantes, tinha vinte horas de


duração, distribuídas inicialmente em cinco oficinas, com os temas: 1. Drogas: mitos e
preconceitos; 2. Drogas: conceitos, efeitos, classificação; 3. Drogas e prazer; 4. Drogas e
AIDS; 5. Drogas: uso, abuso e dependência.

A resposta ao curso foi bastante positiva, tendo sido possível realizar 5 treinamentos
atingindo 105 pessoas, durante o ano de 1994. A boa receptividade dos treinandos ao curso,
é uma provável evidência de que este veio preencher uma lacuna da formação profissional
em educação em saúde voltadas para a questão das drogas e seus usos.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 155


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Foi realizada uma avaliação do curso, enfocando a adequação entre suas técnicas
educacionais e objetivos, particularmente em relação à sua capacidade de identificar
manifestações de preconceito e propiciar aos participantes uma reflexão crítica. Utilizando-
se da técnica de grupo focal123 e de observação em classe (Reale, Brites & Soares, 1997, p.
12-13) foi possível formular-se a seguinte classificação de discursos e atitudes relacionadas
às drogas entre os participantes:

1. substituição de mitos por informações científicas em relação às


drogas; 2. capacidade de criticar posições estigmatizantes em
relação aos usuários de drogas, condensadas na figura do
“drogado-criminoso-doente”; 3. redução de sentimentos que
expressam uma distância social em relação aos usuários de drogas
(Reale, Brites & Soares, 1997, p. 14-18)

Atribuiu-se um papel fundamental à heterogeneidade da composição do grupo como


propiciador do aparecimento de preconceitos relacionados à profissão do “outro”,
deflagradas, sobretudo, pela presença no grupo de “representantes da lei”. As discussões
promovidas a respeito destes preconceitos entre os profissionais, favoreceu uma percepção
mais acurada de como parte das certezas sobre quem são e o que fazem os drogados, nada
mais eram do que preconceitos amplamente divulgados e consolidados em nossa sociedade.
A possibilidade de confrontar as situações cotidianas geradas nos múltiplos e distintos
contextos profissionais (escola, serviços de saúde, “reformatórios”, trabalhos de rua) ou em
situações do dia-a-dia em família e vizinhança, enriqueceu a construção de uma visão mais
complexa e diversificada do que venham a ser os usos e usuários de drogas (Reale, Brites e
Soares, 1997, p. 18-20).

Em que pese a existência de algumas iniciativas locais ou regionais que apontam


para o surgimento de abordagens do uso e usuários de drogas, que rompem com as
propostas excludentes dos modelos preventivos inspirados nos princípios da guerra às
drogas, e ao mesmo tempo se aproximem da perspectiva de redução de danos, a situação da
atenção à saúde voltada para os usuários de drogas em nosso meio, permanece precária,
reafirmando a inexistência de política públicas voltadas para as drogas.

123
O tema grupo focal, como instrumento de avaliação, foi objeto de uma comunicação coordenada, no V
Congresso de Saúde Coletiva (agosto de 1997), sob o título “Uso de grupo focal como instrumento de
avaliação”, de autoria de Soares C.B.; Reale D.; Brites C.M.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 156
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Examinaremos no próximo capítulo esta situação tomando o caso particular de São
Paulo.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 157


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
IX. A emergência da redução de danos no Brasil

1. A atenção à saúde dos usuários de drogas no Brasil: o caso de São


Paulo

No Brasil não se dispunha (e não se continua dispondo) de uma política nacional de


drogas que se traduzisse em medidas coerentemente articuladas seja na prevenção,
tratamento ou mesmo para o dimensionamento dos problemas relacionados ao uso de
drogas (ABEAD,1990; ABEAD,1992; Bucher, 1992; Soares, 1997).

Em 1980 foi criado por lei o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e


Repressão a Entorpecentes, do qual fazem parte o Conselho Federal de Entorpecentes, em
posição central e com a responsabilidade de “normatizar e finalizar os objetivos”; também
fazem parte o Órgão de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, Órgão de Repressão a
Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal, Conselho Federal de Educação, Órgão
de Fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, Instituto de
Previdência de Assistência Médica da Previdência Social, Fundação Legião Brasileira de
Assistência, Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Silva, 1986).

Em 1986, Técio L. Silva, presidente do CONFEN, declarava publicamente que


“estes objetivos (do referido Sistema) não funcionaram e não corresponderam às
expectativas do legislador”. Até aquele momento só haviam sido criados 12 Conselhos
Estaduais de Entorpecentes- CONENS, dentre eles o de São Paulo, em 1986.

O Conselho Federal de Entorpecentes, é um órgão interdisciplinar, interministerial,


cuja composição foi prevista pela lei que instituiu o Sistema Nacional, anteriormente
mencionado, em 1980. O CONFEN é composto por: representantes dos Ministérios da
Justiça, da Saúde, da Educação, da Previdência Social, da Fazenda, das Relações
Exteriores, da Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, do Órgão Federal
de Vigilância Sanitária, da Divisão de Medicamentos, além de contar com juristas com
comprovada experiência no assunto e médicos indicados pela Associação Médica Brasileira
(Silva, 1986).

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 158


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Em 1988, o CONFEN divulgou um documento programático, sob o título: “Política
Nacional na Questão das Drogas”; este documento começa por admitir que: “O Brasil
jamais teve uma política nacional a respeito de drogas” (citado por Bucher, 1992). Sobre a
prevenção, nos diz Técio, citando o referido documento: “a questão da prevenção e da
informação é absolutamente prioritária”, e mais adiante: “deve ser prioridade, nas escolas
de primeiro e segundo graus, a atenção especial de drogas”. Até o momento os documentos
analisados são sugestivos de que ao se falar em prevenção do uso de drogas o setor
implicado é principalmente a Educação, ficando a cargo da Saúde a fiscalização e
regulamentação da produção, distribuição e comercialização das drogas lícitas, e a
assistência.

De acordo com a legislação vigente, a prevenção do uso de drogas está a cargo do


setor Educação, sendo priorizada a prevenção primária, isto é, as intervenções educativas
incluídas no currículo escolar cujo caráter é, em linhas gerais, de evitar “o primeiro uso de
drogas” (segundo consta no documento do Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e
Repressão a Entorpecentes criado por lei em 1980). Mas mesmo, que a prevenção nas
escolas seja preconizada pela lei, a omissão do Estado nesta matéria é reconhecida
oficialmente (MEC, maio de 1994, citado por Soares, 1997)124.

Esta desconexão entre ações preventivas (atribuídas às secretarias de educação) e


ações curativas (atribuídas às secretarias de saúde) se refletem uma fragmentação da
abordagem dos problemas relacionados aos usos de drogas, e são ao mesmo tempo reflexo
da ausência de uma política de Saúde Pública para a questão das drogas.

Em outubro de 1991 foi criado pelo Fundo Social de Solidariedade do Governo do


Estado de São Paulo- FUSSESP (gestão 1991-1994 ), o Programa Permanente de Prevenção
ao uso Indevido de Drogas (PPP), em acordo com a política social nesta gestão que
privilegiava a questão drogas como uma das 4 áreas de prioridade.

O exame do documento “Programa Permanente de Prevenção ao uso Indevido de


Drogas (PPP)- Ações Preventivas” (sem data), editado pelo Fundo Social de Solidariedade

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 159


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
do Governo do Estado de São Paulo - FUSSESP - permite averiguar o papel da Secretaria
da Saúde, pois nele são descritas as atribuições das diferentes Secretarias de Estado
previstas de comporem o PPP (segundo decreto nº 34.074, publicado no Diário Oficial de
30-10-91).

O PPP deverá desenvolver “ações preventivas inespecíficas e específicas”; a


primeira definida como: “ A finalidade (...) é atuar sobre aquelas causas ou fatores que
predispõem ao uso ou abuso de drogas, e criar uma mentalidade entre a sociedade de
participar.. na dinâmica social de forma ativa e preventiva.”; a segunda é separada em dois
níveis: 1. Informação; 2. Educação para a Saúde.

“Educação para a Saúde” prevê que “as atividades a serem desenvolvidas neste
âmbito são prioritariamente do tipo pedagógico...sua finalidade é a saúde em geral ainda
que faça referência ao tema drogas”. Mais adiante ao examinarmos as atribuições das
diferentes Secretarias fica claro que “Educação para a Saúde” será realizada pela Secretaria
da Educação, em acordo com o previsto pelas regulamentações oficiais anteriores.

À Secretaria da Saúde caberá:

“reduzir o número de internações e reinternações por alcoolismo e


outras drogas por meio das seguintes ações: 1. capacitação dos
profissionais da Saúde Mental; 2. incentivo a interconsultas; 3.
detecção precoce em gestantes e adolescentes; 4. assistência aos
familiares dos pacientes; 5. articulação com outros setores
institucionais. A ação desta Secretaria é de natureza específica.”

Em resposta a este decreto, a primeira manifestação oficial da Secretaria de Saúde


foi a Resolução do Secretário de Saúde de nº 430 e 431 (esta última retificando a anterior),
ambas publicadas no D.O. de 6-11-91, na qual são criados Centros de Desintoxicação e
Tratamento ao Dependente de Álcool e Drogas.

Tais resoluções foram antecedidas pela produção de um documento de circulação


interna na Secretaria de Saúde denominado: “Proposta de um Sistema Integrado e

124
O documento do MEC citado é “Brasil- diretrizes para uma política educacional de prevenção ao uso de
drogas”, produzido por ocasião do Fórum de Especialistas sobre a Redução da Demanda ao uso indevido
de drogas na América Latina, realizado em 1994.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 160
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Hierarquizado de Atenção ao Dependente de Álcool e Drogas”, datado de agosto de 1991,
com timbre da Secretaria de Estado da Saúde e Área Técnica de Atenção à Saúde Mental -
ATA de Saúde Mental. Tal documento parece ser um parecer fornecido pela Área Técnica
de Saúde Mental que subsidiou os responsáveis pela resolução publicada pelo Secretário a
posteriori.

Enfocaremos prioritariamente a presença ou não de recomendações que ampliem ou


diversifiquem a atenção à saúde a seguimentos da população de usuários de drogas ilícitas.

Um primeiro aspecto se refere à tônica dada ao atendimento ambulatorial para


dependentes de drogas dentro da proposta da ATA de Saúde Mental e a ausência de
qualquer proposta neste sentido na resolução do Secretário de Saúde.

A capacitação de recursos humanos é enfatizada em diversos momentos. E a toda


argumentação de “assegurar que o que já está previsto fosse cumprido” adiciona-se um
“lembrete” quanto à necessidade de assegurar a existência de equipes mínimas de Saúde
mental nas UBS e Ambulatórios de Saúde Mental .

Dentro do atendimento ambulatorial não é proposto nenhum programa novo, só o


que poderíamos chamar de “reciclagem” ou “aprimoramento técnico” dos profissionais de
programas já existentes, como o programa de adolescentes e materno-infantil. Esta
reciclagem deveria capacitar estes profissionais para detecção de uso abusivo de drogas
entre adolescentes e de gestantes, ou para uma maior utilização do recurso da interconsulta.

Um aspecto curioso deste documento é a desconexão entre a seguinte passagem e a


ausência de qualquer proposta a ela atrelada: “Órgãos governamentais norte-americanos
responsáveis pela Saúde vem apontando a grande vantagem, em termos de custo-benefício,
de investimentos em programas dirigidos aos usuários [de drogas, grifo nosso], quando
comparados ao que se tem que investir no tratamento da população já atingida pela doença
[os dependentes de drogas]” (p. 3).

Esta passagem poderia estar prenunciando que alguma recomendação de ação com
os usuários ocasionais ou frequentes, não dependentes, seria incluída dadas as
“vantagens em termos de custo-benefício” de se atuar “preventivamente”. No entanto há
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 161
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
um vazio a esse respeito nas recomendações finais, a menos que se considere a detecção de
uso abusivo de drogas em gestantes ou adolescentes como pretendendo ser uma medida (ou
programa?) dirigida aos usuários e não aos dependentes125.

A novidade é a inclusão nas recomendações finais da criação de Centros de


Desintoxicação, “preferencialmente ligados a hospitais gerais” (p. 6).

Para o cumprimento do atendimento ambulatorial as recomendações enfatizam a


necessidade de se contar com um “quadro funcional adequado” de profissionais para as
equipes de saúde mental das unidade básicas (UBS) e ambulatórios de especialidades e de
Saúde Mental. Ao atendimento dos dependentes deve-se associar um acompanhamento
familiar e uma articulação com outros setores institucionais e “grupos comunitários
específicos” (“grupos de mútua ajuda e outros”, que em nosso meio são quase
exclusivamente os AA e NA126) (p. 5).

Citando o texto, ao mencionar as atribuições das UBS na atenção devida aos


dependentes de álcool e drogas:

“Para a realização de tais atividades deve-se alocar profissionais


de Saúde Mental (preferencialmente 01 Psiquiatra, 01 Psicólogo e
01 Assistente Social ou Enfermeira) em Unidade Básica para
50.000 habitantes ou por critérios geográficos de acesso.” (p. 5).

E para as atribuições da retaguarda ambulatorial:

“Os programas de atenção aos pacientes alcoolistas e drogaditos


devem organizar-se em todos os Ambulatórios de Saúde Mental,
sejam eles autônomos ou integrantes de Ambulatórios de
Especialidades, respeitadas a composição de equipe com 03
Psiquiatras, 03 psicólogos, 03 Assistentes Sociais, 01 Enfermeiro,
01 Terapeuta Ocupacional, além de pessoal auxiliar treinado e a
existência de uma serviço para 150.000 a 200.000 habitantes.
Além disso deve-se atentar para a organização do serviço
125
Este exame das propostas oficialmente veiculadas nesta gestão governamental, corrobora nossa
afirmação a respeito do caráter inovador e o sentido de ruptura com as práticas de saúde
convencionalmente voltadas para os usuários de drogas trazido pelo PPUID-AIDS, conforme vimos no
capítulo anterior.
126
Alcoólico Anônimos e Narcóticos Anônimos, cuja filosofia baseia-se no objetivo de atingir e manter a
abstinência calcada no reforço positivo oferecido pelos pares, considerados eternamente como
“alcoolistas” mesmo que abstinentes há anos.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 162
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
buscando a extensão do atendimento até 21 horas, visando
preservar os vínculos empregatícios dos pacientes.”(p. 6).

O texto não inclui um levantamento do quadro funcional destas unidades que mapee
o não mencionado “desfalque” das equipes, que pudesse ser um “diagnóstico funcional” de
perfis profissionais e das vagas e a serem preenchidas.

Na ausência deste dimensionamento fica difícil considerar que esse documento


contenha uma proposta concreta de uma “política adequada de recursos humanos”
(conforme afirmado na p. 3) para a atenção à saúde de dependentes de drogas.

A resposta contida nas resoluções do Secretário, se refere exclusivamente à criação


dos Centros de Desintoxicação.

Estes centros são lotados, na resolução 430, em hospitais gerais, e deveriam prever
até 20 leitos para desintoxicação, com os pacientes permanecendo por um tempo médio de
15 dias.

Esta medida representa uma avanço relativo, ao propor que a desintoxicação de


pacientes dependentes de drogas e álcool se fizesse em hospital geral. Tal medida vem
sendo, há algum tempo, preconizada por profissionais da área de álcool e drogas. (Soares,
1986).

No entanto, chama a atenção o fato de que a resolução de nº 431 retifica a anterior,


incluindo tais Centros de Desintoxicação em hospitais psiquiátricos, não previstos
inicialmente na resolução de nº 430. Não fica claro se a retificação da res. nº 431 acrescenta
novos locais ou substitui os locais indicados na res. nº. 430.

Sabe-se que na capital foi criado um único Centro nestes moldes que funciona no
Hospital Geral de Taipas. 127

Não fica claro neste documento o processo de “sucateamento” que vem afetando os
serviços de saúde pública em geral, e em particular os serviços de saúde mental, graças a

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 163


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
políticas públicas deprivadoras para o setor saúde nas últimas gestões governamentais
federais, estaduais e municipais.

No documento editado pelo Ministério da Saúde\ Coordenação de Saúde Mental, em


1991: “Normas e procedimentos na abordagem do abuso de drogas.” é interessante atentar
para alguns aspectos que contribuem para uma visão panorâmica da ótica oficial diante do
problema do abuso de drogas, agora em âmbito nacional.

Neste documento não é abordado em nenhum momento a prevenção, em


consonância com o que foi visto anteriormente. Fica reafirmado que à Saúde cabe oferecer
tratamento, dentro de uma visão curativa e fragmentada do problema droga.

O enfoque clínico do tratamento de dependentes de drogas é a tônica, dele


decorrendo as recomendações voltadas para profissionais de saúde no manejo destes
pacientes, os dependentes de drogas.

A abordagem dos usuários ocasionais ou frequentes não fica claramente delimitada


como é possível verificar-se no único trecho dedicado ao assunto, no início do item:
“Abordagem Terapêutica” (p. 15): “quando do tratamento de usuários ocasionais ou
mesmo freqüentes [grifo nosso], mas não dependentes de drogas, cabe insistir [grifo
nosso] sobre a importância de uma parada ou, pelo menos, uma diminuição do padrão de
consumo; cabe, ainda, tranquilizar a família quanto à gravidade da situação, para que esta
possa operar, por si mesma, a desdramatização requerida. Uma vez diagnosticada a
dependência de drogas, a etapa posterior consiste em motivar o paciente (e sua família,
quando indicado) para que se engaje em um processo terapêutico”.

Esta passagem parece sugerir que o papel do profissional de saúde diante dos
usuários ocasionais ou mesmo frequentes de drogas deve ser sobretudo (e parece que
exclusivamente) de “desdramatizar” o significado deste uso. Dentro da lógica clássica entre
os especialistas na atenção médico-psicológica da dependência de drogas em nosso meio,
não há indicação de tratamento especializado para usuários ocasionais ou frequentes de

127
Este serviço que inclui uma enfermaria para desintoxicação de dependentes de drogas, com 15 leitos, e
um acompanhamento ambulatorial (comunicação pessoal de Sérgio Seibel diretor deste serviço à autora
deste trabalho
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 164
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
drogas. Resta, segundo esta racionalidade de natureza assistencial, restringir a intervenção a
um “aconselhamento pontual”.

Consideramos que somente em um sistema que adote uma racionalidade de saúde


pública para a questão as drogas poderão emergir propostas de intervenção para esta parcela
da população de usuários de drogas ilícitas.

Portanto pode-se dizer que Secretaria de Saúde, em consonância com a posição de


órgãos oficiais hierarquicamente superiores a ela, abstém-se de preconizar ações de
prevenção, e consequentemente, omite-se na atenção aos usuários ocasionais ou frequentes
de drogas.

A escassez de recursos destinados à saúde pública gera problemas que reduzem a


capacidade dos serviços em manterem atendimentos quantitativa e qualitativamente
adequados, bem como reduzem as chances de que novos programas sejam implantados.

O atendimento aos usuários de drogas ilícitas acaba sendo feito em poucas unidades
128
ambulatoriais de saúde mental ou de especialidades , ou em pronto socorros que
encaminham, via de regra, para hospitais psiquiátricos da rede pública ou conveniados por
ela. A internação psiquiátrica muitas vezes acaba sendo a única intervenção de saúde para
esta população (“que não vem cumprindo com sua finalidade terapêutica”, conforme
afirmativa na p. 3, do documento da Secretaria de Estado da Saúde, 1991) reforçando os
mecanismos de exclusão desta população de uma efetiva atenção 129.

Parece incorporado ao senso comum a idéia de que para se tratar a dependência é


necessário (e suficiente) a internação. Os profissionais de saúde, não capacitados em sua

128
Em palestra proferida em novembro de 1992 sobre o tema “Políticas Públicas na Prevenção ao Uso
Indevido de Drogas” (mimeo), o Dr. Nilson F. Páscoa, médico da Secretaria de Saúde, reconhece que as
ações de prevenção ao uso indevido de drogas incluindo a área de saúde, ocorreram pela iniciativa de
“alguns poucos profissionais”, que se valeram de se sua “disposição, conhecimento e voluntariedade” e
que tiveram um “caráter isolado… sem o alicerçamento institucional”. Tais profissionais “não
conseguiram com efetividade transformar a estrutura na qual prestavam serviços”.
129
Para uma crítica quanto ao papel excludente do hospital psiquiátrico em nosso meio, Giordano (1996)
cita (Mourão Dias I. Sob o signo da exclusão. A história da psiquiatria no estado de São Paulo.
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1985) e, em produção
mais recente, Pereira Urquiza L.M.F. Um tratamento para a loucura: contribuição à história da
emergência da prática psiquiátrica no estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade
Estadual de Campinas, 1991.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 165
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
maioria para atender esta clientela, acabam por reproduzir, em sua prática, esta idéia do
senso comum.

Nas unidades ambulatoriais o atendimento se dá seguindo fluxo e critérios gerais


administrativo-técnicos destes serviços: atendimento regionalizado, com comprovante de
residência atestando o pertencimento à região coberta pela unidade, atendimento em horário
comercial (das 8:00 às 17:00), obrigatoriedade de identificar-se, apresentando documento
de identidade, sujeição a espera de acordo com o agendamento de triagem e ou consultas
novas para citar algumas das características gerais dos serviços.

Tais características dos serviços tornam-nos excessivamente restritivos para os


usuários de drogas ilícitas. Estes constituem-se em uma população estigmatizada, muitas
vezes com estilos de vida desviantes, e em parte compondo um segmento excluído
socialmente. Para que os usuários de drogas ilícitas procurem atendimento devem
ultrapassar as barreiras que o atendimento “normal” dos serviços representa para esta
população. A primeira garantia a ser oferecida a um usuário de droga ilícita é que ele vai ser
respeitado em sua condição "não convencional", que não lhe serão impingidas as
retaliações sociais habituais ou, o que é em certas situações difícil de ser conseguido, que
sua demanda por ajuda médica-psicológica não o exponha aos mecanismos de repressão
previstos em lei.

O atendimento longe de seus locais de moradia (ou de trabalho), com adesão


voluntária que respeite o anonimato, em horários flexíveis (inclusive noturnos), constituem
necessidades frequentemente relatadas, seja para os usuários marginalizados, com hábitos e
estilos de vida noturnos (desviantes ou “não convencionais”), seja para os usuários
trabalhadores comuns, que não desejem ter de justificar sua ausência no trabalho por
estarem se consultando com "psiquiatras" pelo seu uso de drogas.130

Adicione-se às barreiras ao atendimento de ordem administrativa, as peculiaridades


técnicas do tratamento da dependência onde a abstinência é a meta. Para atingir este
resultado os serviços utilizam-se de combinações variadas de técnicas de atendimento

130
Esta condição pode ser observada ao longo de minha experiência clínica de 15 anos, através de
depoimentos de pacientes ou familiares de dependentes ou usuários de drogas ilícitas.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 166
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
grupal ou individual (com variadas técnicas de psicoterapia) com acompanhamento clínico
psiquiátrico (quando dispõem de médicos) e de familiares associados.

Para que a atenção médico-psicológica individual ou grupal, se torne mais


adequada, adaptações seriam necessárias, tais como diversificação de metas e técnicas, que
tornassem os serviços mais atraentes e “amigáveis”, correspondendo à diversidade de perfis
que constituem o conjunto da população de usuários de drogas.

Os serviços municipais e federais de saúde mental não modificam substancialmente


o panorama composto pelos serviços de saúde estaduais.

Com a evolução da epidemia de AIDS os serviços de saúde passaram a receber um


contingente maior de usuários de drogas, vitimados pela doença ou preocupados com ela.

A atenção a saúde relacionada a AIDS, introduziu uma nova modalidade de atenção:


o rastreamento de casos, através de serviços como o COAS- Centro de Orientação e
Aconselhamento Sorológico, que oferecem a testagem anônima para o HIV,
aconselhamento e encaminhamentos pós obtenção do resultado, além de exibição de vídeos
educativos para pequenos grupos de clientes.

Pela primeira vez os usuários de drogas ilícitas podem ter um contato com um
serviço de saúde (mais ligado à prevenção e controle epidêmico) sem ter de identificar.

Exceto por um Centro de Referência, o CRT-DST/AIDS, e o Hospital Emílio Ribas,


os demais serviços que atendem portadores do HIV ou pacientes com AIDS, estão
atrelados aos ambulatórios de especialidades, centros de saúde ou serviços da rede
municipal e federal.

Os serviços que atendem os portadores de HIV ou pacientes com AIDS, dada a


associação entre a contaminação pelo vírus HIV e a prática de compartilhamento de
seringas a agulhas entre usuários de drogas injetáveis, tendem a receber uma grande parcela
desta população.131

131
Conforme aquilatamos através de depoimentos de colegas atuando em diferentes níveis de atenção do
Programa de AIDS do Estado.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 167
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O despreparo dos profissionais torna-se evidente pelas dificuldades alegadas por
estes em manejar as situações criadas pela "rebeldia" dos usuários em seguir as
recomendações médicas, ou em submeter-se aos regulamentos das instituições durante as
internações.

Além do atendimento oferecido aos usuários de drogas ilícitas pelos serviços


públicos, existem as clínicas privadas psiquiátricas ou especializadas no tratamento de
dependentes e as entidades sem fins lucrativos, em sua maioria mantidas por entidades
religiosas. Estas últimas instituições, “representam a maioria das entidades que tratam de
problemas decorrentes do abuso de drogas” (Bucher, 1992, p. 322). Quase todas pertencem
à categoria de comunidades terapêuticas, sendo que em grande parte utilizam-se de
pressupostos religiosos expressos pelo desejo de "querer salvar" ou "querer convencer" e
"recuperar as ovelhas desgarradas" (Bucher, 1992, p. 323) como base para sua "orientação
terapêutica". As comunidades que incluem na composição de suas equipes profissionais de
área social e médico-psicológico minimizam o caráter "terapêutico" dado ao convencimento
religioso (Bucher, 1992, p. 323).

Com a epidemia de AIDS adicionaram-se novas comunidades terapêuticas (também


mantidas por entidades religiosas) voltadas para pacientes com AIDS, usuários ou não de
drogas ilícitas.

2. Práticas preventivo e assistenciais voltadas para usuários de drogas

Uma nova modalidade de atenção múltipla (legal, social, e de saúde) surgiu com as
associações sem fins lucrativos, as chamadas "ONGs" (organização não-governamental)
que se desenvolveram desde o início da epidemia. A título ilustrativo, em julho de 1993
havia 175 ONGs voltadas para AIDS conhecidas em todo o Brasil (Bastos, Galvão,
Pedrosa, Parker, 1994, p.51), tendo seu número estimadamente aumentado para 400 em
1995 (Terto Jr., 1995, p. 33).

Tais organizações tiveram “no ativismo de grupos americanos (leia-se, grupos gays,
sobretudo) …fundamental incentivo à criação de organizações semelhantes no Brasil e em

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 168


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
132
outras partes do mundo” (Galvão, 1994, p. 345) . Esta proximidade entre ativismo e
formação de ONGs/AIDS pode ajudar a entender a relativa pouca sensibilidade das mesmas
às questões que envolvem os usuários de drogas ilícitas.

As características fortemente comunitárias destas organizações determinam tanto a


forma de problematizar as questões, quanto a eleição dos grupos que serão beneficiários de
suas ações; é possível, portanto, atribuir a esta relação grupos ativistas -resposta
comunitária - ONG/AIDS, o fato de apenas um número reduzido delas prestarem
atendimento aos usuários de drogas.

As poucas ONGs que se ocupam de ou aceitam usuários de drogas injetáveis,


tomando especificamente o caso da cidade de São Paulo, quando oferecem tratamento
(sobretudo quando o tratamento oferecido for a internação), muitas vezes reproduzem as
mesmas características das instituições de tratamento para dependentes de drogas, em
particular a exigência de abstinência como condição de participação. 133

Uma outra parcela de usuários de drogas tem sido objeto de atenção, através das
organizações voltadas para parcelas de populações de excluídos constituídas pelas crianças
de rua, ou jovens pertencentes a estratos sócio-econômicos mais baixos, moradores de
bairros periféricos da cidade (CEDECA, 1996).

Inúmeras associações desenvolvem trabalhos de rua, com a população de crianças


em situação de rua, que habitam ou permanecem grande parte do dia nas regiões centrais da
cidade. Sabe-se que uma maciça maioria destas crianças são usuárias de drogas ilícitas.
(CEBRID/UNFDAC, 1990; Noto et al., 1994).

Estas organizações são ou ligadas a instituições de caráter religioso (como por


exemplo na Igreja Católica a Pastoral do Menor, ou a Igreja Batista com o Ministério
JEAME, ou o Exército da Salvação) ou a instituições mistas (como o caso da Fundação

132
Um exame detalhado do perfil e papel desempenhado por esta “respostas comunitárias aos problemas
trazidos pela AIDS, foi feito por Jane Galvão no capítulo: AIDS e Ativismo: o surgimento e a
Construção de novas formas de solidariedade” (p. 341-350), do livro A AIDS no Brasil (1982-1992).
133
Como é o caso da ALIVI, uma ONG de AIDS que tem uma casa de apoio, para residentes usuários de
drogas que já desenvolveram AIDS. Além da internação a casa oferece alguns programas, para usuários
que se mantém abstinentes (comunicação pessoal de seu diretor Nivaldo (um ex-usuário de drogas).à
autora deste trabalho
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 169
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Projeto Travessia, composta de um pool de instituições como sindicatos e empresas do
sistema financeiro (Fundação Projeto Travessia, 1997)

As atividades desenvolvidas por estas instituições são fundamentalmente sócio-


educativas e advocatícias; estas ações advocatícias ocupam importante papel no conjunto
das instituições voltadas para crianças marginalizadas. A advocacia na área da criança
constitui-se por um conjunto de ações estrategicamente planejadas para obter mudanças nos
sistemas que respondem pela insuficiência, tanto quantitativa quanto qualitativa, na
prestação de serviços de saúde, educacionais ou que ofereçam a proteção integral, previstos
em lei, a que as crianças tem direito (São Paulo, s.d.; UNICEF/ CBMM/ABRINQ, 1994).

Se por um lado as atividades desenvolvidas pelo conjunto formado por estas


associações representa uma prestação de serviço de suma importância no sentido de reduzir
parte da privação a que estão expostos estes segmentos sociais, por outro lado não garante,
necessariamente, que os problemas de saúde agravados pelo consumo de substâncias
psicoativas sejam diretamente contemplados.

A composição das equipes inclui educadores de rua (na maioria das vezes agentes
comunitários, não formados) e técnicos, também não necessariamente com formação
específica de área de saúde.

O desenvolvimento de ações específicas, como por exemplo a prevenção de AIDS,


ou a abordagem do uso de drogas destas crianças, além de depender de uma capacitação
específica (nem sempre realizada com a profundidade e extensão necessárias) representam
um grande desafio, dada a complexidade e gravidade constituída pelos múltiplos problemas
que afetam estas crianças. Se para os adultos não houve e ainda não há, sempre um
consenso entre profissionais e ou autoridades sobre quais as ações a serem
implementadas134, quando se trata de temas perturbadores como o são sexualidade e uso de
drogas, para as crianças as opiniões são mais diversificadas, e as polarizações mais
acirradas.

134
Lembrando que é recente, mas não unânime, a existência de manifestações públicas de autoridades
eclesiásticas que sejam explicitamente favoráveis às campanhas de prevenção da transmissão sexual da
AIDS através uso de preservativos.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 170
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O caráter ilícito das práticas associadas ao uso de drogas injetáveis, associado a um
tratamento repressivo e estigmatizador dado aos usuários de drogas ilícitas torna
especialmente difícil que os usuários de drogas possam organizar-se em associações de
caráter público, como é o caso das organizações oficialmente registradas.

Permanecem conhecidas exclusivamente as organizações formadas por ou contando


com ex-usuários de drogas (aos moldes dos Narcóticos Anônimos). Estas organizações
tendem a reproduzir o modelo convencional de resposta ao problema da droga: preconizam
e reforçam exclusivamente a abstinência como solução135.

3. Os primeiros programas de redução de danos no Brasil

Ainda pouco conhecida em nosso meio, a expressão de redução de danos tem sido
utilizada para designar estratégias de prevenção à AIDS entre usuários de drogas injetáveis
(Mesquita, Moss & Reingold, 1992; Mesquita, 1992a; Mesquita & Bastos, 1994).

A primeira publicação em nosso país dedicada especificamente ao assunto, o livro


organizado por Mesquita e Bastos (1994): “Drogas e AIDS. Estratégias de Redução de
Danos”, estabelece um primeiro marco nacional na apresentação do conceito de redução de
danos. Ainda que Telles (1994, p. 182) admita a precocidade de fazer uma “demarcação
clara entre as perspectivas deste movimento e outras perspectivas sobre os problemas
associados ao uso de drogas psicoativas”, ao buscar mapear “alguns elementos abordados
em quase todas as tentativas de definição do termo”, passa a elencar alguns pontos comuns
dos programas de redução de danos que visam a prevenção da infecção pelo HIV entre
usuários de drogas injetáveis. Assim podemos dizer que a prevenção do HIV/AIDS entre os
usuários de drogas injetáveis tem ocupado uma posição central entre as práticas de redução
de danos.

A primeira iniciativa de um programa de troca de seringa no Brasil ocorreu em


Santos no ano de 1989 (Mesquita, 1992a; Bueno, 1994).

135
Existe uma exceção neste panorama geral dos serviços prestados pelas ONGs da cidade de São Paulo
que é o “Projeto AIDS e o uso de droga injetável” (Projeto UDI) da Associação para a Prevenção e

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 171


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Em 1990, os responsáveis por esta iniciativa, o coordenador do Programa
Municipal de AIDS - Fábio Mesquita - e o Secretário de Saúde Municipal - David
Capistrano - sofreram um processo criminal e a Administração do município sofreu um
processo cível. Os processo criminais “foram arquivados por falta de prova” e o cível
determinou a suspensão do projeto (Mesquita, 1992b, p. 3).

Tal iniciativa correspondia à intenção de implementar um conjunto de medidas de


redução de danos voltada para os usuários de drogas injetáveis na cidade de Santos, cujos
índices de contaminação pelo HIV eram os maiores registrados no país à época -59% em
1992, e 65% em 1993- (Mesquita et al., 1992; Bueno et al., 1993). Em virtude das restrições
impostas pelas autoridades judiciais locais, o programa oficialmente deixou e fazer a troca
de seringa, mas manteve as demais ações de prevenção do HIV, tais como distribuição de
informações e instrumentos (frascos de água destilada e hipoclorito de Sódio), para a
prevenção da AIDS entre os usuários de drogas injetáveis.

Em 1991, numa tentativa de facilitar a implementação das ações de redução de


danos, adotou-se a estratégia de abrir uma ONG, o IEPAS, Instituto de Estudos e Pesquisas
de AIDS de Santos - para ganhar mais liberdade de ação.

O IEPAS participou de uma primeira investigação internacional de natureza


epidemiológica realizada no país para usuários de drogas injetáveis - o estudo multicêntrico
de soroprevalência do HIV entre usuários de drogas injetáveis, desenvolvido pela OMS em
13 cidades do mundo com altos índices de casos de AIDS notificados para esta categoria de
transmissão (WHO Colaborative Study Group, 1993). Além de Santos, houve a
participação também do Rio de Janeiro neste estudo multicêntrico (WHO Colaborative
Study Group, 1993; Bastos et al., 1992).

A partir de 1994, foi aprovado pelo PNDST/AIDS, um estudo de Comportamento e


de soroprevalência para o HIV entre UDIs, a ser desenvolvido em 5 cidades brasileiras:

Tratamento da AIDS (APTA), cujas ações propostas seguem os princípios e estratégias de redução de
danos, como veremos no capítulo dedicado a este assunto.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 172
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Santos, Rio de Janeiro, Salvador, Itajaí e Campo Grande136. Este projeto, coordenado pelo
IEPAS, passou a ser conhecido como “Projeto Brasil”.

A imprensa passa a noticiar desde 1993 a intenção do Ministério em financiar


projetos de trocas de seringa, tratando polemicamente o assunto (Folha de São Paulo, 1993;
Biancarelli, 1993, 1994; Sobral, 1994; Mendes, 1994).

O primeiro programa de troca de seringa, oficialmente financiado pelo Programa


DST/AIDS do Ministério de Saúde foi o “Projeto de Redução de Danos entre usuários de
drogas injetáveis de Salvador”, em abril de 1995 (Andrade et al., 1996).

A troca de seringa foi uma estratégia adotada após 3 anos de um trabalho que se
iniciou como uma pesquisa de doutorado de um médico do CETAD/UFBA137, que aliou
uma observação etnográfica a um levantamento epidemiológico de práticas de risco entre
UDIs do centro velho de Salvador (a região conhecida como “Pelourinho”) (Andrade,
1996).

Este programa, diferentemente do caso de Santos, não teve problemas com a justiça
local, o que em parte depende da receptividade das autoridades judiciais locais. Também
deve-se atentar que este programa foi desenvolvido por uma instituição de tratamento da
dependência e prevenção de drogas, um dos centros de referência nacional para o assunto
drogas, o CETAD/UFBA, que conquistou amplo reconhecimento na região, como fruto de
seus 12 anos de existência (CPPC, 1989).

Um terceiro projeto de redução de danos voltado para UDIs, também


iniciado em 1995(outubro), existe na cidade de São Paulo: o “Projeto AIDS e o
uso de droga injetável” (Projeto UDI) de uma ONG, a Associação para a Prevenção e
Tratamento da AIDS (APTA). O projeto utiliza-se de uma equipe mista, formada por
agentes comunitários e agentes de saúde138, para desenvolver ações preventivas junto a uma

136
Posteriormente modificou-se o plano inicial de fazer o estudo somente na cidade de Campo Grande,
incluindo-se um pool de cidades da região centro-oeste: Corumbá, Campo Grande e Cuiabá.
137
Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas, ligado a Universidade Federal da Bahia -
CETAD/UFBA.
138
Os agentes comunitários são pessoas treinadas em prevenção a AIDS, que foram extraídas da rede de
interação social dos UDIs; os agentes de saúde são profissionais de saúde cujo perfil inclua habilidades
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 173
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
rede de usuários de drogas, distribuindo, na base de troca, seringas e um kit preventivo por
pessoa, batizado pelos usuários de kit “baque seguro” (Brites, 1996; Brites &
Domanico, 1996; Brites, Reale & Soares, 1997).

Em outubro de 1996, o Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde


organizou o primeira reunião dos Projetos de Redução de Danos do Brasil, que favoreceu a
ampliação do número de projetos a iniciarem suas atividades. A partir do final do ano de
1996, iniciaram-se ainda o “Projeto de Redução de Danos” em Porto Alegre e Sorocaba.

Na edição de novembro de 1996, especialmente dedicada ao tema AIDS e Drogas, o


Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, são preconizadas
ações de prevenção da transmissão do HIV/DST, identificadas como política de redução de
danos, assim definida: “Redução de danos [são um conjunto] de estratégias de Saúde
Coletiva que tem por objetivo reduzir os efeitos negativos provocados pelo uso de drogas
lícitas ou ilícitas, enquanto não é possível adotar a abstinência”. Acrescenta-se à definição,
o comentário: “Recentemente ganhou maior ressonância pelo seu emprego na prevenção do
HIV entre usuários de drogas injetáveis” (São Paulo, 1996, p. 7).

Em 1997, está previsto o início de mais 4 projetos de redução de danos (da


Prefeitura Municipal de Itajaí, “Projeto Bocada” do CRT/AIDS da Secretaria de Saúde do
Estado de São Paulo, do NEPAD-Rio de Janeiro, da Associação Santista de Prevenção e
Pesquisa em DST/AIDS). Estas informações foram obtidas em documento do
PNDST/AIDS do Ministério da Saúde, em que foi divulgada a realização de uma “Oficina
de Avaliação de projetos na área de drogas e AIDS” (entre 16 e 21 de junho de 1997, em
Brasília). A programação inclui uma lista de instituições que já desenvolvem ou estão
começando a desenvolver projetos de redução de danos, todos financiados pelo
PNDST/AIDS.

Um exame deste documento-convite, sugere que a expressão redução de danos foi


usada para nomear exclusivamente os projetos de prevenção do HIV/AIDS entre usuários
de drogas injetáveis. Estão incluídos como “clientela” da oficina “executores de Projetos de

para manejar situações emergentes em campo, e ou que tenha experiência prévia de trabalho de rua ou
com usuários de drogas.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 174
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Redução de Danos, Centros de Referência e de Centros de Treinamento” (ambos
instituições específicas de drogas). No total, 3 centros de referência estavam incluídos:
PROAD/São Paulo, NEPAD/Rio de Janeiro e CETAD/Salvador. As 3 instituições são
ligadas a universidades e desenvolvem programas de atendimento a dependentes de drogas,
programas de prevenção/educação e pesquisa relacionadas a drogas.

O financiamento destes projetos inclui verbas do Estado brasileiro (80% do


montante envolvido) e da UNDCP- Programa das Nações Unidas para o Controle
Internacional de Drogas (Brasil, 1994). Existe um setor específico do PNDST/AIDS
(chamado de “Projeto Drogas”) que é responsável pela execução da política do Ministério
da Saúde para o controle da disseminação da infeção pelo HIV por via sanguínea. Este
projeto tem dois grandes objetivos:

1. prevenir o abuso de drogas e a transmissão do HIV entre a população em geral,


com ênfase nos grupos de comportamento de risco;

2. reduzir ou estabilizar a transmissão do HIV e outras doenças sexualmente


transmissíveis, entre usuários de drogas injetáveis.

Para a execução destes objetivos existem 6 linhas, dentro das quais podem se
encaixar os projetos:
1. Projeto Escola;
2. Centros de Referência Nacional;
3. Centros de Treinamento;
4. Projetos Comunitários;
5. Centros de Tratamento, Recuperação e Reinserção Social;
6. Projetos de Redução de Danos.

Estes últimos são entendidos como “ações de prevenção específica entre usuários de
drogas injetáveis” (Brasil, 1997). Portanto podemos aquilatar segundo este documento
ministerial, que a expressão redução de danos é usada oficialmente para identificar ações
preventivas da transmissão do HIV entre usuários de drogas injetáveis.

Esta particularização do uso da expressão redução de danos, corresponde em parte à


reprodução no âmbito nacional da história da perspectiva de redução de danos, que encontra
nos problemas de saúde trazidos pela AIDS seu mote principal.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 175
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O retardamento na implantação destas práticas em determinadas regiões, como por
exemplo no caso do estado de São Paulo, que desde 1995 prevê programas de prevenção do
HIV entre UDIs (Biancarelli, 1995; Folha de São Paulo, 1995), mas só no 2º semestre de
1997, dá início oficialmente a programas de troca de seringa, reflete sobretudo, as barreiras
que a legislação nacional de drogas impõe. Em matéria de jornal de 10 de agosto de 1997
encontramos referência que corrobora esta afirmativa: “Secretaria de Saúde, ainda não
havia colocado o projeto [de 1995] em prática, por medo de sofrer ações na Justiça”
(Folha da Tarde, 1997).

Mudanças na referida legislação de drogas federal, contidas no Projeto de Lei nº


1.873, de 1991 (proposta substitutiva da lei 6368/76 ora vigente), estão “em fase final de
aprovação”.

Tal projeto permanece excessivamente circunscrito em suas mudanças, ainda que


tenha sido positiva a “inclusão de um artigo que suprime as restrições aos procedimentos
necessários à prevenção da AIDS, tal como a troca de seringas” 139.

As críticas a este projeto indicam que ele não agradou nem representantes de
posições progressistas (pró-legalistas), nem de posições conservadoras (proibicionistas, que
clamam, por exemplo, por mais rigor nas punições ao tráfico). Considerado descuidado
(por ser excessivamente simplista ao tratar de matéria complexa) “cheio de falhas
avançando pouco na resolução dos problemas associados à questão” (MacRae, 1997, p.
329-330), ou que faz “inovações não condizentes com a nossa realidade jurídica, científica
e social” (como opinou o conservador autor da lei vigente à p. 335, Barreto, 1997).

Análise apurada é feita pela jurista Maria Lúcia Karam, que considera o tratamento
penal das drogas “incompatível com os postulados de racionalidade que devem enformar os
atos do governo em um Estado Democrático de Direito (…) ao se inserir no campo da
intimidade e da vida privada, em cujo âmbito é vedado ao Estado - e, portanto ao Direito-
penetrar”(p. 346). Portanto, “sob este ângulo, a descriminalização é um imperativo nascido
do indispensável respeito à liberdade individual”. Ainda pensando no consumo, “outra forte
razão para o rompimento com a irracional política legislativa, é que explicitando a intenção

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 176


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
de proteger a saúde pública, contraditoriamente cria, com a proibição, maiores riscos à
integridade física e mental dos consumidores daquelas substâncias proibidas” (p.347). Nas
palavras de Karam: “impondo a clandestinidade à distribuição e ao consumo, a
criminalização favorece a ausência de um controle de qualidade das substâncias
comercializadas, aumentando a possibilidade de adulteração, impureza e desconhecimento
de sua potência, com riscos maiores daí decorrentes”; e, mais adiante: “as condições
clandestinas em que se realiza o consumo geram, ainda, maiores tensões, podendo acentuar
a problemática original sintomatizada por uma eventual adição, funcionando, assim,
frequentemente, como um realimentador na busca da droga. A isto se somam as limitações
ao controle terapêutico-assistencial, a clandestinidade do consumo, pela necessária
revelação da prática de uma conduta tida como ilícita, sendo um natural complicador à
procura do tratamento, cujo êxito, por outro lado, se condiciona, como é sabido, à
voluntariedade de sua busca, o que é contrariado pela concepção expressa tanto na
legislação vigente quanto nos projetos que pretendem alterá-la, a trabalhar com a imposição
do tratamento.” (p. 347-348, Karam, 1997).

Em São Paulo, passamos a ter desde 17 de setembro de 1997, data de sua publicação
em Diário Oficial, a primeira lei estadual do país, que versa especificamente sobre o
assunto distribuição de seringas: Lei nº 9.758 (projeto de lei nº 353/96, do deputado Paulo
Teixeira-PT). Assim é seu texto:

“Art. 1º. Fica a Secretaria da Saúde autorizada a adquirir e


distribuir seringas descartáveis aos usuários de drogas
endovenosas, com o objetivo de reduzir a transmissão do vírus da
AIDS por via sanguínea em São Paulo. Art. 2º. É facultado à
Secretária celebrar convênios, com municípios, universidades e
organizações não-governamentais, visando acompanhamento,
execução e avaliação desta lei.” (São Paulo, 1997).

Consideramos, tal como seus propositores nacionais, que a adoção de práticas que
se dirigem diretamente à prevenção da AIDS entre UDIs são prioritárias em termos de
saúde pública. No entanto, entendemos que a perspectiva de redução de danos associados
aos usos de drogas, é muito mais ampla do que tem sido reconhecida pelos órgãos oficiais.

139
Conforme informações fornecidas pessoalmente por Fábio Mequita, em setembro de 1997.
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 177
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
Os danos associados aos usos de drogas lícitas e ilícitas, se estendem a outras
práticas de usos de drogas, além do uso pela via injetável. Por exemplo, o uso do crack,
cujo crescimento nos últimos anos, não mobilizou as autoridades de saúde, a instituirem
programas específicos, continua a testemunhar a omissão do estado em relação a constituir
um política de drogas. Sua presença no campo da atenção à saúde aos usuários de drogas,
através de medidas voltadas para a prevenção da AIDS, retrata ainda esta omissão. Drogas
continuam em nosso meio a ser um “problema de polícia”. Os méritos de haver “programas
de redução de danos” para usuários de drogas injetáveis, devem ser atribuídos
majoritariamente aos profissionais de saúde, organizações não-governamentais e militantes
do campo da AIDS. Neste sentido, não nos surpreende o fato de que o setor do Ministério
de Saúde que é o executor do “Projeto do Governo do Brasil, AD/ BRA/94/851 - Prevenção
ao Abuso de Drogas com ênfase especial na Prevenção do HIV entre usuários de drogas
intravenosas no Brasil”, seja o Programa Nacional de DST/ AIDS. Este projeto é fruto do
convênio firmado entre o governo brasileiro e o Programa das Nações Unidas para o
Controle Internacional de Drogas (UNDCP). Nas palavras do seu representante no Brasil, a
UNDCP tem como “seu papel fundamental no âmbito internacional, a promoção de ações
conjuntas em combate à produção, ao tráfico e ao consumo de drogas ilícitas [grifo
nosso]” (Brasil, 1997, p. 2). Não há dúvidas quanto ao papel político da UNDCP de
“harmonização das políticas nacionais com os Convênios internacionais” (p. 2), portanto de
órgão “executor” da política proibicionista internacional. É dentro deste contexto que
consideramos que a utilização da expressão redução de danos exclusivamente para as
“ações de prevenção específica entre usuários de drogas injetáveis”,
constitui um movimento de circunscrever (excessivamente), a adoção da
perspectiva de redução de danos em nosso meio. Tal redução, constitui uma
recusa de formulação de uma política de drogas, que fuja ao caráter
proibicionista, isto é, que assuma as proposições amplas (e críticas às
políticas proibicionistas hegemonicamente adotadas) contidas na redução de
danos.

A “suspeita crescente de que as estratégias [proibicionistas] que nós adotávamos


para lidar com o uso de droga haviam exacerbado os problemas [relacionados ao uso] ao
invés de tê-los melhorado” (O’Hare et al., 1992, p. xiii), constitui uma das molas
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 178
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
propulsoras da construção e disseminação global da perspectiva de redução de danos
associados aos usos de drogas.

Portanto, podemos dizer que em nosso meio, a política de drogas adotada pelo
Ministério de Saúde, através do Programa Nacional DST-AIDS, desde 1994, reproduz os
acordos firmados em convênios internacionais, mantendo o caráter proibicionista, e
retardando a reflexão e mudanças necessárias para reduzir os prejuízos associados aos usos
de drogas que tal posição conserva. O caminho da redução de danos, que substitui o estigma
pela solidariedade aos usuários de drogas abriu-se em nosso meio, apenas para os usuários
que se utilizam da droga pela via injetável.140

140
Nos dias 1º a 3 de outubro de 1997, por ocasião do encotro de trabalhadores em projetos de redução de
danos ocorrido em São Paulo, tivemos notícia da criação da “Associação Brasileira dos Redutores de
Danos” (conforme comunicação pessoal de Crstina Brites, coordenadora do “Projeto UDI”-APTA)
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 179
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
X. Considerações Finais
A perspectiva de redução de danos, sejam eles danos à saúde ou outros danos
sociais, trouxe à cena mundial um debate sobre o sistema droga, que anteriormente era
circunscrito ao círculo de especialistas.

A AIDS descortinou questões de saúde que afetavam potencialmente a todos, e


acionou mecanismos de enfrentamento próprios da saúde pública. Esta foi a principal mola
propulsora dos discursos e práticas que foram desenvolvidos ou reconsiderados dentro da
perspectiva de redução de danos.

Por razões que não eram inicial ou necessariamente de natureza humanitária, foram
postos em prática programas de atenção à saúde ou sócio-educativos voltados para
usuários/dependentes de drogas, que em seu conjunto constituem um quadro prático-
discursivo, um sub-sistema de controle terapêutico-assistencial e de controle informativo-
educacional, do sistema droga inimaginável há 10 anos atrás.

Falar de “uso seguro” de droga seria considerado uma heresia, pois mais do que
realçar a existência de usos não nocivos à saúde - coisa que já era objeto dos discursos de
ativistas do movimento anti-proibicionista nos primórdios de sua organização - esta
expressão admite que usos não recreativos ou dependentes (sobretudo o uso pela via
injetável) podem ser mantidos dentro de padrões de risco mais aceitáveis à saúde.

Supomos que nem mesmo aos anti-proibicionistas ocorreria defender o direito dos
dependentes de se injetarem mais seguramente, antes da articulação prático-discursiva de
redução de danos propiciada pela premência em estruturar respostas aos problemas de
saúde pública trazidos pela AIDS. Ocorreu aos próprios usuários de drogas, membros de
organizações de usuários de drogas holandesas, que montaram o primeiro programa de
troca de seringas para proteger os UDIs da disseminação da hepatite B, em 1984.

Afetados negativamente pelo sistema droga, os usuários de drogas tornaram-se


bodes expiatórios privilegiados a quem atribuir as mazelas da sociedade, responsabilizados
direta ou indiretamente pela degradação da juventude, pelo aumento da criminalidade e

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 180


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
violência tributárias das crescentes organizações criminosas (os cartéis da droga), cuja
existência é explicada por esta postura dominante, pelo enorme mercado consumidor que os
“drogados” representam.

Tornar os serviços mais amigáveis aos usuários, prescrever-lhes heroína ou cocaína,


ou oferecer-lhe seringas e agulhas estéreis ou locais seguros para injetar-se, são práticas
inovadoras e signatárias do novo paradigma de saúde pública para as drogas: a perspectiva
de redução de danos.

Sustentado pela lógica de saúde pública, o modelo de redução de danos busca nos
saberes clínico e epidemiológico, alcançar legitimidade e credibilidade científica para o
âmbito das práticas de atenção à saúde.

As ações sócio-educativas voltadas para populações onde o uso de drogas é


conhecido, articuladas por disciplinas ligadas mais diretamente à educação em saúde ou
promoção de saúde, ou sustentadas por conhecimentos extraídos da sociologia, e
antropologia e educação, buscam a mesma credibilidade científica. No entanto, a aquisição
do status científico não ocorre pela simples coerência e consistência metodológica dos
procedimentos adotados nas intervenções ou mesmo de pesquisas realizadas dentro do
campo de redução de danos. É necessária uma reformulação mais ampla das políticas de
drogas, que absorvam as críticas à guerra às drogas, como se convencionou chamar a
política norte-americana, cujo reflexo se faz sentir nas políticas internacionalmente
vigentes.

Uso controlado, uso seguro, efeitos benéficos das drogas ilícitas, ou uso médico da
maconha, foram objeto de estudos científicos pontuais, nem sempre referendados pela
comunidade científica.

Esta mudança radical de enfoque trazida pelo modelo de redução de danos, tem
sofrido os processos de assimilação pelo stablishment científico, o que se traduz muitas
vezes, pela resistência diante dos aspectos “mais radicais” do modelo.

Para Barata (1994) a autonomia que o subsitema constituído pelo pensamento


científico, guarda em relação ao sistema das relações sociais de produção, é reduzida
O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 181
Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
quando se trata do tema droga. O subsistema droga, se articula em torno de um eixo
criminalizador. Um vez que droga é matéria penal, sua apropriação pelos demais
subsistemas acaba por ser sobredeterminada pelo sistema fechado da criminalização. E
como vimos anteriormente, um sistema fechado tende a ser fortemente conservador do
status quo.

A superação deste aprisionamento dar-se-á, segundo Barata (1994) pela libertação


da análise teórica de sua subordinação ao círculo atual da droga, para que se possa
compreender histórica e sociologicamente esta círculo (p. 38). É preciso

“abandonar o ponto de vista interno ao próprio sistema fechado da


criminalização e adotar um ponto de vista externo. Somente assim,
elaborando um verdadeiro metadiscurso que tenha por objeto o
círculo da droga e os discursos que o integram (dos especialistas,
dos políticos, das instituições, dos meios de comunicação e da
chamada ‘opinião pública’), será possível liberar-nos do que foi
denominado ‘cárceres do pensamento’. Estes cárceres são capazes
de aprisionar o próprio pensamento científico, fazendo com que
este pensamento aprisionado sirva à instância de perpetuação do
‘status quo’, e seja responsável, ao mesmo tempo, pelo fracasso da
política das drogas (no que diz respeito às exigências
incontestáveis de minorar os efeitos primários negativos de muitas
substâncias tóxicas, estupefacientes e psicotrópicas) e pelo seu
êxito (no que diz respeito às suas funções latentes)” (p.39).

A tarefa não é pequena, nem fácil pois se trata de rever:

1.a divisão das atribuições de competências entre os distintos poderes, estabelecidos por lei,
e o reflexo disto sobre as relações entre o sistema repressivo às drogas e o sistema de saúde;

2. as necessidade de saúde instauradas pelo modo de organização da produção, oferta e


distribuição de serviços (Schraiber & Mendes Gonçalvez, 1996), sobredeterminados por
uma política proibicionista;

3. as implicações de um “sistema da droga” que ao transformar os usuários de drogas em


bodes expiatórios, conforma subjetividades entendidas tanto como objeto e resultado do
processo de disciplinamento, quanto como reflexo de uma situação efetiva do status quo de
uma sociedade (Barata, 1992);

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 182


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
4. a propriedade questionável da oferta de serviços de tratamento cujas metas se voltam
exclusivamente para a abstinência;

5. a pouca importância dada ao “uso controlado” e aos controles sociais informais


desenvolvidos por estes usuários, ao pensar estratégias de intervenção (Zimberg, 1985;
Grund, Kaplan & de Vries, 1993);

6. as restrições legais e políticas para implantação de intervenções de prevenção do


HIV/AIDS entre os usuários de drogas injetáveis;

7. o abandono de objetos e instrumentos de trabalho (tais como os tratamentos de


substituição pela metadona), considerados pragmáticos, mas não humanitários, mas que
diante das novas necessidades de saúde trazidas pela AIDS, se tornaram alternativas a
serem reconsideradas nos países onde o uso de heroína é epidemiologicamente expressivo.

As práticas de redução de danos, como vimos neste trabalho, testemunham a


concretização de parte desta potencialidade transformadora em direção a uma percepção
social dos usuários de drogas menos estigmatizante e estigmatizada.

Exemplificando: tomemos o caso dos programas de troca de seringa, os quais são


reconhecidos como emblemáticos da perspectiva de redução de danos. Estes elegem como
objeto de intervenção o segmento de usuários injetáveis de drogas ilícitas, adotam como
agentes do trabalho membros de sua rede social de relações (os “outreachworkers”),
utilizam como instrumento principal do trabalho a disponibilização de seringas, agulhas e
outros apetrechos usados para a prática injetável, e tem como finalidade principal a redução
do risco de contaminação pelo HIV (e não mais a suspensão do uso). Tal modo de
organização do trabalho instaura simultaneamente:

1º. Novos objetos, instrumentos, agentes e finalidades segundo uma racionalidade


epidemiológica que preconiza a eleição de prioridades de acordo com a importância dos
distintos riscos de adoecimento (privilegiando a prevenção do HIV/AIDS, ao invés de
privilegiar a busca da abstinência);

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 183


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
2º. Assim fazendo abre a possibilidade de que os usuários de drogas sejam tomados
não apenas como doentes e ou criminosos, mas como sujeitos engajados nos cuidados de
suas coletividades. Sujeitos que passam a ter sua prática de uso de droga ilícita injetável
tolerada, por haver um bem maior em jogo: a preservação da vida, em sua dimensão
individual e coletiva;

3º. Instaura uma nova contradição: se é possível (e desejável) tolerar determinados


usos de drogas ilícitas menos nocivos à saúde, por que restringir-se esta tolerância
exclusivamente ao uso injetável, e não estendê-lo a outros usos menos ou não diretamente
nocivos, seja pelo tipo de droga usada (maconha) em determinados contextos, ou tipo de
uso (uso recreativo, ocasional ou “controlado” de outras drogas).

Tais questões constituem em seu conjunto uma abertura para uma apreensão social
do uso de droga ilícita de caráter tolerante, constituindo um tensionamento à apreensão
social que vê todo e qualquer usuário como exclusivamente desviante (doente ou
criminoso).

Suas proposições para o campo das drogas vão mais além, ao tocar questões
complexas como as relações entre legislação e políticas proibicionistas e os danos sociais
(dentre os quais se encontram os danos à saúde) relacionados aos usos de drogas ilícitas,
que afetam não somente seus usuários como também a sociedade considerada em seu todo.

A perspectiva de redução de danos modifica também abordagens clássicas em


relação às drogas lícitas, tal como o cigarro e o álcool. Isto se dá, por exemplo, quando tal
perspectiva aponta para a necessidade de (re)situar a importância de se privilegiar as
medidas de controle, muitas vezes desproporcionalmente laxas, se levarmos em conta a
extensão e gravidade dos danos associados a seus usos. Ou então, ao descortinar a
necessidade de se rever determinados aspectos do tratamento, como, por exemplo, a
propriedade de se aceitar o uso controlado como meta alternativa do tratamento para
determinados casos. As reações a estas proposições não convencionais, são sobretudo
reflexo de posturas preconceituosas.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 184


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
A reformulação dos saberes e práticas de saúde, voltados para os usuários de drogas,
deverá sob uma lógica de saúde pública, garantir um maior acesso à informação e serviços,
que ao mesmo tempo sejam conformados de acordo com a magnitude, relevância e
transcendência dos problemas de saúde relacionados aos usos de drogas lícitas e ilícitas dos
quais se ocupam.

No âmbito do conhecimento, apontamos especialmente para a necessidade de


realização de pesquisas que abordem objetos pouco estudados, tais como o uso controlado
de drogas, ou, particularmente em nosso meio, o impacto do crack sobre as práticas de uso
de droga injetável e sua relação com a epidemia da AIDS.

Entendemos que a perspectiva de redução de danos contém potencialidades para


torná-la um projeto ético-político para o campo das drogas que se afaste dos mecanismos de
exclusão e estigmatização que afetam os usuários de drogas de um modo geral, cujos efeitos
se acentuam particularmente entre as parcelas desta população que ocupa os segmentos
mais sujeitos à exclusão social. O efeito do preconceito e dos mecanismos de rotulação
como desviante prejudicam mais gravemente aqueles jovens usuários que se encontram no
polo social desprivilegiado, reforçando ainda mais sua já precária inserção social. Estudos
que possam delimitar melhor como tais mecanismos afetam os usuários de drogas ilícitas
pertencentes a distintos recortes sócio-econômicos, são desejáveis para que se possam
particularizar intervenções tanto de caráter preventivo quanto assistencial.

O sucesso destes programas deverá ser medido, não apenas segundo categorias do
tipo tudo ou nada, polarizadas entre não-uso (sucesso) e uso (fracasso), mas incluindo na
sua avaliação as condições em que o uso se dá, diferenciadas segundo uma hierarquia que
leve em consideração critérios de “tolerabilidade”, calcados, em conhecimentos, já
existentes ou a serem adquiridos, advindos de uma clínica liberta de preconceitos
dissimulados, e que reflitam decisões que aliem respeito à liberdade individual e não
percam de vista a “pragmaticidade” de sua realização.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 185


Diva Reale Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da USP
O delineamento de uma política pública voltada para as drogas que supere, ainda
que parcialmente, os prejuízos aos usuários de drogas relacionados as políticas
proibicionistas, deverá levar em conta em sua formulação, não apenas:

- os aspectos empíricos e teóricos desvelados por mais de dez anos de práticas e


investigações implementadas sob a perspectiva de redução de danos, mas também

- considerar, no processo de sua formulação outros atores sociais (além dos


formalmente imbuídos desta função) postos em evidência por essa práxis, tais como, os
profissionais de saúde, educação e das áreas de ciências sociais, mas , sobretudo, um novo
interlocutor - o usuário de drogas ilícitas - que despontou no cenário de drogas como
responsável, solidário e engajado nas lutas pelos interesses de seus iguais.

Uma sociedade que busque dar vida a um projeto onde os danos sociais associados
aos usos de drogas sejam minimizados ao máximo deverá abandonar os mecanismos ainda
hoje atuantes, que se traduzem pela intolerância, “caça às bruxas”, segundo os quais ao bem
social é contraposto o mal da droga. Se, como diz o filósofo, in médiu virtus, a tolerância e
solidariedade que integrem as diferenças e os diferentes, numa busca do bem comum,
poderá ser uma das perspectivas despontadas pelo caminho da redução de danos.

O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade 186


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