2010872028, 13:39 No ciberespago, nfo precisamos ser humanos - UOL TAB
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REPORTERES NA RUA
EM BUSCA 0A REALIDADE.
ESPECIAIS PERFIS NASRUAS ABA ANGNIMA —TENDENCIA —OLTIMAS.
0 LIDIA ZUIN
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No ciberespaco, nao precisamos ser humanos
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Lidia Zuin
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as.2010872028, 13:39 No ciberespago, no precisamos ser humanos - UOL TAB
Se vocé pudesse escolher a aparéncia que quisesse para si, qual seria? Caso Ihe
oferecessem um software de computacao grafica, com o qual vocé pudesse criar o seu
avatar perfeito, sera que vocé optaria por reproduzir uma versao "melhorada" de si ou
entao tentaria finalmente "calgar os sapatos" daquela celebridade que admira e que
toma como referencia! de beleza?
Uma recente pesquisa tentou entender melhor como formamos a nossa ideia de padrao
de beleza e 0 quanto as imagens publicitarias e midiaticas so responsaveis por
influenciar na construgao desse ideal. O desafio, no entanto, era encontrar uma
amostragem de pessoas que nao teriam sido expostas a essas imagens—algo quase
impossivel nos dias de hoje, j4 que a maioria da populacdo tem acesso a internet e a
demais meios de comunicagao (televisao, radio, jornal, revista) ou entdo é impactado por
anncios espalhados pela cidade (outdoors, cartazes, folhetos etc). Mas o pesquisador
suigo Jean-Luc Jucker viajou com sua equipe para os vilarejos da Mosquito Coast, na
Nicaragua, onde nao ha acesso a eletricidade e, por isso mesmo, nao ha televisores.
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com uma grande variedade de opcées. Depois de concluida essa fase, metade dos
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voluntarios tiveram acesso a um catélogo de moda ocidental com 72 fotos de mulheres
magras (manequim entre 34 e 38) para que as pessoas escolhessem quais modelos
hes pareciam mais atraentes. Ja a outra metade dos voluntarios recebeu mais 72 fotos
de modelos consideradas plus-size para que fosse feita a mesma escolha.
Com a conclusao dessa etapa, que durou 15 minutos, os voluntarios foram convidados a
recriar a imagem do corpo ideal no mesmo programa de computador usado
anteriormente. O que se percebeu, contudo, foi que as pessoas que foram expostas as
imagens das mulheres magras acabaram diminuindo o manequim das suas simulacdes
de corpo perfeito. Por outro lado, a outra metade dos voluntarios que foi exposta as
imagens de modelos plus-size tiveram justamente o comportamento inverso: agora 0
padrao de beleza do corpo perfeito deveria ser mais curvilineo. Como foco de sua
pesquisa, Jucker quis problematizar esse resultado observado considerando a
predominancia do ideal de beleza do corpo magro em um contexto global caracterizado
por uma alta taxa de obesidade—e, por consequéncia, também de disturbios
alimentares.
Sendo assim, sera que se tivéssemos a oportunidade de criar 0 nosso avatar ideal,
também fariamos um modelo influenciado pelas imagens que nos circundam? E 0 que
sugere o filme de ficgao cientifica "The Congress" (2014), no qual a atriz Robin Wright,
que interpreta a si mesma, tem seu corpo escaneado e recriado como imagem digital
para que os detentores desse conteUdo possam reutilizar e remixar sua presenga nas
telas & maneira que quiserem—isto é, sempre jovem, bela e magra. Por acaso, no
"mundo real", também ha atores que estado considerando essa possibilidade para que
continuem presentes na indUstria do entretenimento mesmo depois de morrerem.
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Uy
Curiosamente, porém, "The Congress" propde que as pessoas nao viverdo mais no
“mundo real", mas sim em uma simulacao imersiva criada pela mesma fabrica dos
sonhos — leia-se Hollywood —, que vem sendo desenvolvida desde o inicio da industria
cinematografica. O que se observa, portanto, é que os usuarios podem escolher
quaisquer avatares que nao necessariamente precisam ser humanos, mas
frequentemente as pessoas usam clones da Robin Wright ou mesmo de outras
celebridades, como Tom Cruise e David Bowie, ou ainda figuras religiosas como Jesus
Cristo ou Buda.
Também na literatura de ficgao cientifica, obras como "Neuromancer” (1984) e "Snow
Crash" (1992) descrevem narrativas que se passam em ambiente simulado, isto é, no
ciberespaco. O que acontece, porém, é que em ambos os livros, os protagonistas
decidem usar a sua prdpria imagem do mundo real também no virtual. Isso também
ocorre com Robin Wright em "The Congress", o que, na realidade, torna-se um
problema, jé que ninguém realmente acredita que ela 6 a verdadeira Robin, uma vez que
todos podem usar sua imagem na simulacao.
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Entre 0 egocentrismo e a Suomissao a intiuencia miaiatica, porem, encontramos a
brecha em casos como o recentemente relatado pela BBC em uma traducdo de um
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artigo publicado originalmente em noruegués. O texto conta a histéria de Mats, um
garoto de Oslo que possuia uma doenca degenerativa e que faleceu em 2014, quando
tinha 25.
Diante do diagnéstico feito ja durante a infancia, a perspectiva de vida de Mats nao
contava com exercicios ao ar livre ou mesmo uma rotina comum de ida escola,
tampouco quaisquer planos de familia e de envelhecimento, j4 que sua expectativa de
vida era de 20 anos. Com o tempo, a doenca passou a impedi-lo até mesmo de sair de
casa, é foi ai que Mats encontrou, no entanto, uma outra forma de viver a sua vida: se
seu corpo Ihe impunha limitagées, entéo sua mente poderia viajar pelo universo
simulado do jogo "World of Warcraft".
No jogo online, Mats nao era um jovem noruegués que andava de cadeira de rodas, mas
sim lbelin Redmoore, um sedutor detetive com linhagem da nobreza, mas também
Jerome Walker. Segundo ele, ambos os personagens eram extensdes de si, cada um
representando uma de suas facetas. E conforme Mats foi avangando no jogo,
ele também passou a fazer parte de clas dentro da plataforma e, assim, conheceu
pessoas de diferentes paises da Europa, com as quais acabou firmando uma amizade
muito forte, ainda que a dist&ncia,
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Lisette Roovers e sua personagem Rumour. Foto de Patrick da Silva Saether / NRK
Quando Mats faleceu, sua auséncia no jogo causou preocupacdo entre os amigos,
especialmente Lisette Roovers, ou Rumour, como se chamava no jogo. Com ela, 0
garoto trocava inclusive cartas e presentes pelo correio. Diante da morte do filho, 0 pai,
que sabia da importancia dessa comunidade, entrou em seu blog e noticiou 0
falecimento, 0 que levou que alguns de esses seus amigos viajassem para Oslo, de
modo a acompanbar o funeral. Lisette, Kai Simon e Anne Hamill foram algumas das
pessoas que compareceram a solenidade, provando que uma garota holandesa de 28
anos, um homem noruegués de 40 e uma psicdloga aposentada briténica de 65
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Adiversidade dos amigos de Mats mostra, portanto, que ndo ha um perfil Unico entre
aqueles que buscam uma nova vivéncia em ambiente virtual e um outro corpo com o
qual possam interagir e existir na rede. Isso nada mais seria do que um desdobramento
da nossa eterna busca pela alteragao e aprimoramento de nossos corpos — seja
através de cirurgias plasticas ou maquiagem, bem como o crescente uso de aplicativos
de edicdo de imagem e filtros oferecidos em redes sociais.
O momento no qual vivemos, portanto, dé-nos a oportunidade de ter uma nova vivéncia
que também é registrada e se torna dados na rede. Quando pagamos uma conta,
quando usamos um aplicativo para medir nosso gasto calérico durante uma atividade
fisica ou ainda quando fazemos buscas sobre produtos que temos interesse, deixamos
um rastro de partes do nosso eu, o que alguns chamam de "eu quantificado" e que se
tornou, na realidade, um movimento em que os adeptos procuram registrar
absolutamente tudo: desde reagdes fisicas e biolégicas até emogdes e sentimentos.
Fora isso, também podemos levar essa ideia para o fato de como acabamos usando
diferentes mascaras sociais de acordo com a situagao em que nos inserimos — isto 6,
nado somos os mesmos no ambiente de trabalho, em um jantar da familia e em uma festa
com os amigos, por exemplo. Na internet, isso também se aplica: temos diferentes "Eus"
para cada plataforma digital que alimentamos. Nés nos dividimos em diferentes
"personas" virtuais que séo ao mesmo tempo uma representacao de quem somos, mas
que nao funcionam isoladamente.
Em um artigo de 2015, Julieanne Smolinski endereca justamente essa questéo com um
relato bem humorado sobre como as pessoas se portam de maneira completamente
diferente nas redes sociais do que elas sao realmente no offline. Em suas palavras,
"aquelas pessoas posando de biquini? Nao sinta inveja delas, nés fomos ensinados,
porque elas também esto mortas por dentro.” O que ocorre, porém, é que nés nos
apresentamos no melhor angulo, com fotos dos melhores momentos, com legendas que
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foto glamourosa digna de editorial de moda. Nao somos isso, mas escolhemos ser
nosso melhor quando deixamos nossa presenca imagética na internet.
Com os avatares virtuais, pode ser que isso esteja acontecendo também. Se, por um
lado, conquistamos dessa forma a aparéncia que a propria natureza e fatores
econémicos nos impedem de aleangar no offline, também acabamos perdendo uma
parte da vasta potencialidade que o virtual nos reserva. No ciberespaco, ndo
precisariamos ser seres humanos, muito menos antropomérficos ou sequer parecidos
com qualquer coisa que ja exista na natureza.
E nesse sentido que o filésofo Thomas Metzinger fala ndo apenas sobre a
impossibilidade de se transferir a consciéncia e o préprio Eu para uma maquina, mas
como também diante da incapacidade de realmente emular nossas capacidades
biolégicas na maquina, na realidade, poderiamos criar um outro tipo de existéncia e
vivéncia no virtual. Afinal, "por que simplesmente replicariamos 0 que a biologia ja criou?
Talvez nés queiramos criar algo mais interessante ou mais legal?"
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Matthew Barney em Cremaster
Em seus mais recentes lancamentos, a cantora Bjork vem explorando justamente isso:
novas formas de seres que misturam biologia e tecnologia a partir da confecgao de
roupas e acessorios impressos em 3D. Assim como seu ex-marido, o artista e performer
Matthew Barney, a islandesa tem investigado maneiras de transmutar seu corpo tanto
através da moda como através da computagao grafica e do uso de meios como a
paslidada vicinal An lanna da lanaamania da eau Shim M\Vulainvies" famne annvidadae +
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também pudemos viajar por dentro de sua propria boca, que ganhou vida prépria em
uma existéncia monstruosa, mas ainda familiar, de acordo com a captagao.
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O que Bjérk esta fazendo na arte também se reflete na maneira como alguns pequenos,
mas substanciais movimentos nas redes sociais estdo tentando romper com a estética
que nos foi vendida como a inspiracdo de nossos tempos — por exemplo, a partir da
imagem das Kardashians — usando das mesmas "armas": computacao grafica,
maquiagem e moda. Como aliado, o site Dazed Beauty tem sido uma das principais
publicagées a reforcar essas novas manifestagdes nas quais a "beleza jd ndo é mais
sinénimo de boa aparéncia. As pessoas [hoje] reconhecem beleza como uma forma de
transformagao, sendo que o assustador ou 0 feio também é parte disso", declarou Bunny
Kinney, diretora editorial do grupo Dazed Media.
Nesse sentido, a pagina tem como objetivo "ampliar a mente das pessoas e
conscientizd-las sobre o que é belo", e isso inclui pessoas que exploram modificacdes
corporais ou mesmo expressGes de beleza que nao se enquadram nos esteredtipos
binarios de género, além de artistas que tém trabalhado o grotesco como uma nova
identidade visual para esse novo humano que, em parte, parece monstruoso, mas
também nao deixa de ser uma metafora na contramao da busca pela beleza inatingivel.
E a partir desse pressuposto que artistas como Hatti Rees, 22, cria alter egos
virtuais com a ajuda de maquiagem, figurino e edicdo fotografica. Ha
também Salvia, que com mais de 260 mil seguidores conquistou a atengao de artistas
como Lady Gaga devido exploracao do corpo a partir de um ideal de beleza
assustador, porém ainda assim composto por detalhes que tradicionalmente vemos
como belos e atraentes, dai reforcando a ambiguidade e 0 erotismo suscitado por suas
imagens.
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hitps:liiazuin blogostera.uol.com br/2019/04/0Bino-ciberespaco-nao-precisamos-ser-humanos! 10s0108/2028, 13:39 No ciberespago, néo precisamos ser humanos - UOL TAB
ja
O mesmo vale também para essa nova leva de filtros do Instagram que sao criadas por
blogueiros como Johanna Jakowska. Dentre suas criagGes esté um popular filtro que
cobre o rosto das pessoas com uma camada plastificada e iridescente, o que da um
aspecto de beleza ciborgue.
Para a blogueira, a grande popularidade conquistada pelos seus filtros revela que
vivemos um momento no qual a autopromocao é uma forte presenga entre as pessoas:
"Ser bonito, mostrar-se com a melhor iluminagao. Narcisismo. E multifacetado: pode ser
sobre mostrar seu corpo, seu trabalho ou seu humor. Cada elemento da sua
personalidade pode ser usado para isso. Nao é necessariamente uma coisa ruim, talvez
algumas vezes isso ndo é muito espontaneo. Ha essa teoria popular de que seu
‘verdadeiro' eu e seu eu digital podem ser completamente diferentes. Mas é também de
certa forma legal que vocé tem a possibilidade de criar completamente a sua
personalidade no mundo virtual."
Em outras palavras. a provocacao ave deixo aaui é como realmente estamos planeiando
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dUld YUE valUS 1eplUUUZIT US IURAt> Ud HHAYeND 1
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encontrar uma nova existéncia que condiz melhor ao ambiente, com suas limitagdes e
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extrapolacdes? Quando Donna Haraway, em 1984, publicou o seu Manifesto Ciborgue,
ela propunha o uso da tecnologia como uma forma de modificar nosso préprio corpo ndo
apenas como um adendo, mas sim como a conquista de um novo patamar de existéncia:
um ser que nao é humano, mas ciborgue; um ser que esta para além das nocdes de
género e quaisquer outras definigdes exclusivamente humanas.
E nesse sentido que os artistas da Cyborg Foundation esto explorando possibilidades
como 0 Transpecies Society, no qual se abre um espaco de expressao para aqueles que
nao se identificam como humanos, mas como algo além e diferente. Mas até que ponto
conseguiremos nos desamarrar do nosso olhar viciado de perspectiva humana, se é que
isso é realmente possivel devido as nossas préprias limitacdes biolégicas? Do mesmo
modo que humanizamos objetos e animais, também nao deixamos de humanizar
criaturas que em nada tém a ver com 0 homem ou com a propria biologia como a
conhecemos ~ e é ai que se pide o desafio.
Porque, por um lado, se levarmos em consideraco a proposta de Metzinger, s6
conseguiremos realmente desfrutar de toda a poténcia dos mundos virtuais quando
deixarmos de tentar emular 0 mundo fisico e suas leis da natureza dentro dele. Ao
entendermos as simulacées digitais como uma espécie de outra dimensdo, nas quais as
regras desse mundo nao se aplicam e nem precisam se aplicar, talvez entao
possamos verdadeiramente nos livrar de algumas das nossas amarras para adentrar em
um novo universo que nao precisa ser povoado pelas imagens da midia e pelos
preconceitos e esterestipos que construimos ao longo da historia das nossas.
civilizagdes.
Mas como diria Nietzsche, somos humanos, demasiado humanos, e abandonar essa
nossa esséncia talvez seja um desafio ainda mais dificil do que realmente conseguir
criar um hardware que nos possibilite a confec¢éo de um mundo virtual to
imersivo como sé na ficgao cientifica foi possivel de se imaginar.
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Sobre a autora
Jornalista e pesquisadora em futurologia, Mestre em semistica, doutoranda em artes visvais, palestrante,
professora e escritora de ficcio cientifca
Sobre o blog
Artigas sobre os impactos das inovacdes tecnolégicas na
jade e na cultura com uma pitada de arte e
Fiecio cientifica
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