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O INÍCIO DA MECÂNICA QUÂNTICA – A NECESSIDADE DE UM NOVO MODELO

TEÓRICO

Primeira parte: A Física “Quântica” antes de Einstein; a proposta de Max Planck

PEDRO SÉRGIO ROSA1


1
Professor Associado do Curso de Eletrônica – Modalidade: Automação Industrial FATEC – Tatuí/SP. email – prosa2010@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste artigo é mostrar alguns aspectos fundamentais, que deram origem a um novo
modelo teórico na Física, sua evolução, e os conflitos a partir das ideias principais de Max Planck, que
tiveram a participação de Einstein nos desdobramentos posteriores, principalmente na introdução, em
1905, da “quantização” da energia de Planck para a radiação do corpo negro. Ainda são objetivos
evidenciar a defesa de Stark à identidade matemática de Planck-Einstein mc 2  h e a negação de
Einstein aos princípios de Planck e da inércia da energia; a proposta de Poincaré em 1912 para a
construção de um novo modelo teórico. No entanto, dividiremos em três partes este artigo, para que se
perceba a importância histórica do físico alemão na evolução e na defesa das novas ideias, a despeito
das grandes dificuldades teóricas que enfrentou e da impossibilidade em sintetizar onda e corpúsculo
numa teoria unificada. A primeira parte tratará da física “quântica” antes de Einstein – a proposta de
Max Planck; a segunda parte, do “ato de desespero” de Planck e das concepções de Einstein para o
quantum de ação e o efeito fotoelétrico; a terceira parte, da presença de espírito e do gênio de
Poincaré, que afirma ser necessário um novo modelo teórico.

PALAVARAS-CHAVE: física. mecânica quântica. evolução conceitual. história da ciência.

1. INTRODUÇÃO

É sempre complexo e muito difícil escrever sobre esta parte da física, que apesar de ainda muito
jovem, produziu um avanço enorme no ramo da tecnologia. Com uma proposta totalmente diferente do
ponto de vista teórico da Mecânica de Newton, a Mecânica Quântica 1 introduziu conceitos que seriam
impossíveis serem abordados de forma completa num simples artigo; seriam necessários muitos
volumes para poder dar conta de uma quantidade enorme de novos conhecimentos que foram se
desenvolvendo durante sua criação. Podemos citar como exemplo o livro de Jagdish Mera e Helmut
Rechenberg - The historical development of quantum theory; em cinco volumes, a coleção descreve
com muitos detalhes o desenvolvimento da teoria, seus conflitos, mudanças de rota e novas
concepções, mas não representa a totalidade do que se produziu neste período. O físico de maior
influência do século XX é, sem dúvida, o judeu-alemão Albert Einstein (1879-1955), que, com sua
coragem e grande poder intuitivo, apropriou-se de algumas concepções de Max Planck, porém, com
originalidade e criatividade, desenvolveu novas concepções sobre o produto da interação da radiação
com a matéria, principalmente explicando teoricamente o resultado experimental do efeito
fotoelétrico.
Este efeito fora demonstrado experimentalmente por Heinrich Hertz (1857-1894) em 18872. No
entanto não se pode atribuir todas as idéias originais da Mecânica Quântica a Einstein, como o faz
deliberadamente o físico estadunidense Abraham Pais em seu livro – Sutil é o Senhor... A Ciência e a
Vida de Albert Einstein 3. Podemos dividir os passos iniciais da nova teoria em antes de Einstein, que
até então era somente um funcionário de um escritório de patentes na Suíça e, depois de Einstein, que,
1
Para um estudo mais detalhado sobre as origens empíricas da Mecânica Quântica consultar o excelente trabalho do
Professor Bruce Wheaton - The tiger and the shark - Empirical roots of wave-particle dualism.
2
Neste experimento, Hertz demonstra que a luz se propaga como uma onda eletromagnética.
3
O título original é “Subtle is the Lord...” The science and the life of Albert Einstein – New York: Oxford University
Press,1982.
em 1905, publica um artigo seminal sobre o quantum de ação de Planck e, explica o fenômeno
chamado de efeito fotoelétrico4, como já descrito acima, imaginando a luz como um conjunto de
partículas localizadas no espaço. Este artigo foi traduzido para o inglês pelos físicos A. B. Arons e M.
B. Peppard como Concerning an heuristic point of view toward the emission and transformation of
light (Sob um ponto de vista heurístico em relação à emissão e transformação da luz); ele descreve a
defesa de Einstein entre a diferença que havia em relação à descontinuidade da matéria e a
continuidade dos campos, ou seja, a diferença entre as visões que havia na época sobre a matéria e a
radiação. Voltaremos a discutir estas questões sobre a posição de Einstein em direção a um modelo
corpuscular mais adiante, na segunda parte deste artigo.

2. ANTECENDENTES HISTÓRICOS – O PROBLEMA DO “CORPO NEGRO”

Antes de entrarmos nas discussões sobre o quantum de ação de Planck, precisamos descrever de
forma breve o que havia de certeza e de dúvida antes que este outro físico alemão ocupasse o cenário
das pesquisas física.
No final do século XIX, a física parecia ter atingido o clímax da compreensão dos fenômenos.
As leis de Newton para a mecânica e para a gravitação, que vinham sendo aperfeiçoadas desde o
século XVII, descreviam com grande precisão o comportamento dos corpos celestes e terrestres. Em
contrapartida, as propriedades elétricas e magnéticas haviam sido unificadas através da teoria
eletromagnética proposta por James Clerk Maxwell (1831-1879). Essa teoria estabeleceu que a luz
seria uma forma de onda eletromagnética que se propagaria pelo espaço, assim (segundo aceitamos
atualmente) o raios X, os raios γ, os raios ultravioleta e as radiações infravermelhas, etc., também são
considerados como propagações ondulatórias.
Com o estabelecimento de regras bem definidas para o comportamento da matéria e das ondas,
restaria aos físicos então apenas o trabalho de aplicá-las. Não haveria fenômenos que não pudessem
ser explicados; haveria apenas o trabalho de desenvolver e ampliar as técnicas existentes para sistemas
cada vez mais complexos. O grande físico inglês Lord Kelvin (Willian Thomson; 1824-1927), em
1900, chegou a afirmar que a física havia atingido o seu limite e que somente duas nuvens negras
ameaçavam seu horizonte; apenas dois fenômenos ainda estavam sem explicação: o experimento de
Michelson e Morley, que procurava determinar a velocidade da Terra em relação ao hipotético éter; e
a distribuição de energia da luz na radiação do corpo negro5. No entanto, foram justamente estas
duas nuvens negras e as tentativas de explicação de seus resultados experimentais que levaram à
elaboração de duas teorias. Estas novas teorias alterariam profundamente a física como era conhecida
até então, e passaram a ser denominadas: Teoria da Relatividade e Teoria Quântica.
A unificação desses novos modelos teóricos ganhará força com a síntese onda-corpúsculo
proposta por Louis de Broglie entre 1923 e 1924, dando início à Mecânica Ondulatória e a novas
formulações desenvolvidas por grupos brilhantes de jovens físicos, tais como: Heinsenberg, Dirac,
Schrödinger, entre outros (ROSA, 2004)6.
O segundo fenômeno refere-se à radiação eletromagnética ou mais especificamente radiação do
corpo negro, mas não necessariamente a luz comum, e era explicado levando-se em consideração a
teoria eletromagnética, a mecânica estatística e a forma como a radiação interage com a matéria.
Quando se fala em uma data histórica para a origem da Mecânica Quântica sempre se pensa no mês de
dezembro de 1900; foi nesse período que Max Ludwig Planck (1858-1947) em seus estudos sobre a
radiação do corpo negro introduziu o conceito de quantum que significa em latim, unidade mínima,
indivisível, lembrando o átomo de matéria 7. Nesta época, pode-se verificar que algumas grandezas
físicas eram consideradas como tendo descontinuidade, ou seja, podiam ser divididas em unidades

4
Título original: Über einen die Erzeugung und Verwandlung des Lichtes betreffenden heuristischen Gesichtspunkt,
publicado na revista Annalen der Physick em 1905.
5
Grifos nosso. É imprescindível a consulta ao livro do Físico e Historiador da Ciência Thomas Samuel Kuhn - Black–body
theory and the quantum discontinuity (1894-1912). Neste trabalho pode-se compreender as principais motivações que
culminaram com a mudança de rumo na física conhecida até então, a Física Clássica ou Newtoniana.
6
Ver esta referência para maiores detalhes sobre a síntese proposta por Louis de Broglie.
7
Mais tarde, em 1926 o quantum de energia seria conhecido como fóton para a luz graças ao artigo de Gilbert Lewis
publicado na revista Nature – ver bibliografia.
diminutas (como a carga elétrica). No entanto, outras grandezas como espaço, tempo e até mesmo a
energia eram consideradas contínuas; o campo poderia ser considerado contínuo.

2.1 A TEORIA DO CORPO NEGRO

Os estudos sobre este fenômeno (“corpo negro”) iniciaram-se por volta de 1859, com os
trabalhos de Gustav Robert Kirchhoff (1824-1887) sobre o espectro observado do Sol. Nesses
trabalhos, Kirchhoff tentava encontrar uma relação entre a temperatura de um corpo que emitia luz e
as propriedades da radiação emitida. Em geral, a natureza da superfície do material que a compõem
influencia na emissão da radiação. Porém, através de um argumento termodinâmico ao analisar vários
corpos em equilíbrio, Kirchhoff provou que o fluxo da radiação emitida pela superfície é independente
do material, o que é um resultado interessante e tem várias consequências, como a de saber qual seria a
temperatura mínima em que ocorreria essa emissão. Além disso, em uma situação de equilíbrio
termodinâmico, o fluxo da radiação absorvida é igual ao fluxo da radiação emitida. Neste caso, se uma
superfície for totalmente negra, caso em que ela seja capaz de absorver toda a radiação que lhe incide
(máxima absorção), ela também será o melhor emissor de radiação, no equilíbrio térmico.Kirchhoff
concentrou-se no estudo teórico dos corpos negros, e considerou que um corpo negro ideal seria uma
cavidade com um pequeno orifício, pelo qual a radiação pudesse entrar e sair livremente. Desta
hipótese, estabeleceu uma relação simples entre a densidade de radiação u dentro da cavidade
(Hohlraum, em alemão) e o fluxo de energia Φ, emitido pelo orifício. Matematicamente, tem-se a
seguinte relação:

4
u (1)
c

Aqui, c representa uma constante geométrica relacionada às dimensões da cavidade 8. Outro


cientista que contribuiu para o desenvolvimento da teoria do corpo negro foi o esloveno Joseph Stefan
(1835-1893). Em 1879, segundo Abraham Pais (PAIS, 1979) ele estava estudando as medidas
realizadas pelo físico inglês John Tyndall (1820-1893), em 1865, da emissão de radiação por um fio de
platina em duas temperaturas diferentes. Stefan concluiu que essa emissão era proporcional à quarta
potência da temperatura absoluta e, dado pela expressão matemática abaixo.

  kT 4 (2)

Definindo literalmente esta lei, temos que: a energia total irradiada pelo corpo negro, para
todos os comprimentos de onda é proporcional à 4a potência da temperatura absoluta, sendo
k  1,38  101 2 cal
. Esta lei que parece ter surgido de críticas às experiências de Dulong e Petit 9
scm 2 0C 4

tem grande importância, pois mostra a fortíssima dependência que há entre a energia emitida por uma
fonte quente e a temperatura absoluta 10. O problema é que as conclusões de Stefan não tinham
nenhuma base teórica, sendo fruto de um único experimento com fios de platina, em duas
temperaturas diferentes (por exemplo: entre 500 e 5000 0K). Evidentemente, um fio de platina não é
um corpo negro ideal e seria incorreto deduzir uma expressão matemática a partir de tão poucos dados,
porém, apesar dessa precariedade teórica, a fórmula apresentada por Stefan está correta. Talvez por
essa razão, a radiação do corpo negro atraia tão pouco interesse da comunidade de físicos da época,
como comenta em seu artigo O nascimento de uma nova física, o professor Roberto Martins
(MARTINS, p. 6).
Outro colaborador de grande intelecto que estudou a teoria do corpo negro (radiação em uma
cavidade) sob o ponto de vista matemático foi o físico austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844-

8
Para maiores detalhes em relação à visão mais atual sobre o conceito de corpo negro e as leis de Kirchhoff e Stefan,
consultar o livro – Física Quântica: Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas – Eisberg & Resnick.
9
Esta lei será mais bem comentada na segunda parte deste trabalho, pois é a partir da explicação teórica dela que Einstein
começa a fazer parte da comunidade científica e, inicia sua trajetória como cientista de grande influência no cenário mundial.
10
Verificar o livro “Origens Históricas da Física Moderna” pp. 266-267.
1906)11. De acordo com a teoria eletromagnética, a radiação deve exercer uma pressão P sobre as
paredes da cavidade, proporcional à densidade de energia u:

u
P (3)
3

A explicação possível para esta equação é que se o volume da cavidade onde estaria contida a
radiação variasse de forma adiabática (sem trocas de calor com o meio externo), a pressão realizaria
trabalho e, assim, haveria variação da temperatura. Boltzmann estudou esse tipo de processo e, a partir
da termodinâmica mostrou que a densidade de energia da cavidade deveria ser proporcional à quarta
potência da temperatura, exatamente como Stefan havia concluído a partir das medidas de John
Tyndall (1820-1893) [equação (2)]. Essa expressão que depois passou a ser chamada de “equação de
Stefan-Boltzmann”, foi testada e confirmada em 1897 por diversos pesquisadores, como: Friedrich
Paschen (1865-1947), Otto Lummer (1860-1925), Ernst Pringsheim (1859-1917), Charles Elwood
Mendenhall (1872-1935) e Frederick Albert Saunders (1875-1963).
Mesmo não havendo muito interesse da comunidade de físicos da época sobre este ponto da
física, percebe-se que alguns pesquisadores buscaram dar uma explicação para os resultados
experimentais. É óbvio que se trata de apenas uma parte da física mais geral que é a termodinâmica.
Tentar compreender a evolução histórica dessas propostas ajuda a entender melhor como Planck se
apropriou dos resultados e teorias daquele período. A figura abaixo mostra alguns resultados
experimentais de alguns dos pesquisadores acima envolvidos com o conceito de corpo negro 12.

Fig.1 – Distribuição da
intensidade da radiação do calor
em função do comprimento de
onda, segundo as medições
realizadas por
Lummer e Pringsheim.

Discutiremos mais adiante os detalhes matemáticos da lei de Wien (lei do deslocamento) no


item 3.1; no entanto, o gráfico acima mostra que a intensidade da radiação (u) emitida por um corpo
incandescente (“corpo negro”), mantido a determinada temperatura, varia com o comprimento de onda
(λ) (BORN, 1986) . Para ondas muito curtas, assim como para ondas muito longas, a intensidade é
infinitamente pequena e, por isso, deve ter um valor máximo para determinado comprimento de onda
(λmáx.). Se se fizer variar a temperatura do corpo radiante, o gráfico da intensidade também varia, a
posição do ponto máximo é deslocada e obedece à seguinte relação: max .  T  const. que é expressa em
função da frequência como na equação (4).

3. O QUANTUM DE AÇÃO DE MAX PLANCK

Max Karl Ernst Ludwig Planck13 nasceu em Kiel, Alemanha, em 23 de abril de 1858. Era o
quarto filho de Johann Julius Wilhelm von Planck (1817-1900), professor de direito civil, e de Emma
Patzig (1821-1914). Realizou os primeiros estudos em sua cidade natal. Em 1867 ingressou no ginásio
em Munique, onde sua aptidão para a matemática logo se fez notar (STUDART, 2006). Planck
11
Para detalhes sobre Boltzmann verificar o livro de Abraham Pais p. 67. Na nota de rodapé do livro Pais comenta que
utilizou o trabalho de Martin Klein sobre Maxwell e Boltzmann.
12
Esta imagem foi retirada do livro “Física Atômica” do físico Max Born, p. 228 – 4a edição, 1986.
13
O professor Dr. Nelson Studart escreveu um artigo esclarecedor sobre Max Planck na revista Scientific American Brasil.
Ver bibliografia ao final do artigo.
ingressou na Universidade de Munique em outubro de 1874. Pensava estudar matemática, mas logo foi
atraído pela física, pois nutria interesse pelas questões ligadas à natureza do Universo. Nesse período
fez alguns experimentos sobre osmose dos gases, mas nunca mais voltou a realizar nenhum tipo de
experiência. Formou-se físico teórico na época em que o status dessa carreira era pequeno se
comparado com a do pesquisador experimental (STUDART, 2006). Em junho de 1880, Planck
recebeu autorização para lecionar na Universidade de Munique, graças ao trabalho em que, usando o
conceito de entropia, estendeu a teoria mecânica do calor para tratar forças elásticas entre corpos a
diferentes temperaturas. Em maio de 1885, foi nomeado professor extraordinário de física teórica da
Universidade de Kiel. Continuou com as pesquisas em termodinâmica enquanto sua reputação
científica aumentava. A repercussão desses trabalhos o levou a suceder Gustav Robert Kirchhoff
(1824-1887) na Universidade de Berlim em novembro de 1888 e tornar-se diretor do Instituto de
Física Teórica recém-criado para ele (STUDART, 2006). Antes de entrarmos em detalhes sobre os
trabalhos teóricos de Planck que o tornaram famoso no meio acadêmico e posteriormente para o mudo
da ciência, é necessário descrevermos de forma sucinta o trabalho de Wilhelm W. Wien (1864-1928)
que foi de grande importância para o pensamento físico de Planck.

3.1 A LEI DE WIEN

Voltando um pouco à análise de Boltzmann, cujo objetivo era determinar o fluxo total de
energia em função da temperatura, esta não conseguia proporcionar a distribuição de energia em
função dos comprimentos de onda (λ) ou frequência (ν) da radiação – isto é, o espectro de radiação do
corpo negro não era possível ser determinado. Esse aspecto do problema do corpo negro foi estudado
por Wien em 1894 (ROSA, 2004). Ele avaliou a radiação contida em um cilindro dotado de pistão,
com as paredes perfeitamente refletoras. Quando o pistão se move e o volume ocupado pela radiação
varia, quando refletida pelo pistão em movimento deve mudar seu comprimento de onda, por efeito
Doppler. Wien provou inicialmente que, quando o volume varia de forma adiabática, tanto a
temperatura T quanto a frequência ν deve variar proporcionalmente. Neste caso, a distribuição
espectral da radiação mantém a mesma forma, porém, todos os pontos da curva se deslocam,
mantendo ν/T = cte ou λT = cte; (é a conhecida lei do deslocamento de Wien). Então, se a
distribuição espectral tiver um ponto de máximo, esse ponto também se desloca, obedecendo à mesma
relação:


 cte (4)
T

Wien mostrou que para satisfazer ao mesmo tempo a lei do deslocamento e a equação de
Stefan-Boltzmann (equação 2), a densidade de energia deve satisfazer uma equação do tipo:


u(T )  T y
4 3
f ( y )dy (5)
0

Os limites de integração podem variar do zero (0) ao infinito (∞) e a variável y é definida por
y = ν/T. A demonstração mais detalhada desta expressão pode ser encontrada no apêndice XXXIII do
livro Física Atômica do físico Max Born, pp. 503-508. Segundo consta da descrição do artigo de
Martin Klein pp. 6-7, de 1977, a dependência da densidade de energia com o comprimento de onda (λ)
e com a frequência (ν) é do tipo:
 
du  B( )d   3 F  d (6)
T 

du  E ( )d  5( , T )d (7)


No entanto, a função F(ν/T) ou a função F, caso em que se pudesse utilizar o comprimento de
onda em lugar da freqüência não podia ser determinada pela termodinâmica.
Em 1896, para determinar a função F(ν /T), Wien utilizou uma analogia com a distribuição de
velocidades das moléculas de um gás perfeito – a distribuição de Maxwell-Boltzmann (KUHN, 1978,
p. 10)14. Desta forma, Wien encontrou a densidade de moléculas de acordo com a equação abaixo:

 mv2
dn  kN 2 e T
d (8)

Mas, de acordo com sua análise, Wien havia concluído que a temperatura T deveria aparecer
sempre sob a forma ν/T, ele substituiu o expoente por βν/T. Por outro lado, como a análise
termodinâmica havia indicado que a equação deveria ter a forma indicada na equação (6), ele chegou à
seguinte fórmula:

du   3e  T d

(9)

Esta “lei de Wien” descrevia a distribuição de energia no espectro da radiação do corpo negro.
Ela parecia estar de acordo com os dados experimentais conhecidos na época. A equação foi
confirmada por F. Paschen e H. Wanner em 1897, estudando o caso de baixa temperatura e altas
freqüências luminosas (PAIS, 1979, p. 868).

4. PLANCK E A LEI DE WIEN

Max Planck, que havia se dedicado a estudos sobre termodinâmica e eletromagnetismo,


interessou-se pela teoria do corpo negro a partir de 1895 (KLEIN, 1962).
Inicialmente, Max Planck aceitava a teoria de Wien como correta. No entanto, a lei de Wien
não havia sido deduzida, propriamente. A partir de 1897, Planck procurou encontrar uma
demonstração dessa distribuição espectral da radiação do corpo negro baseando-se em considerações
da termodinâmica e do eletromagnetismo (KLEIN, 1977, pp. 3-5; KUHN, 1978, pp. 72-91; MEHRA
& RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 35). A idéia geral utilizada por Planck era que a radiação em
uma cavidade deve estar em equilíbrio (térmico) com moléculas que emitem e absorvem essa
radiação. Essas moléculas devem possuir certos osciladores ou ressoadores, cuja estrutura Planck não
discutiu15. Ele imaginou que seria possível chegar à distribuição do espectro do corpo negro estudando
essa situação de equilíbrio, utilizando as equações do eletromagnetismo que descrevem a emissão de
ondas por um dipolo elétrico oscilante e a absorção de energia por este dipolo, relacionando-as com
equações da termodinâmica (JAMMER, 1966, pp. 10-12). Os dipolos oscilantes (segundo a teoria de
Maxwell) haviam sido estudados por Heinrich Hertz em 1889, e pelo próprio Planck em 1895 e 1896
(KUHN, 1978, pp. 29-37). Utilizando esses estudos, Planck calculou a energia emitida Eem e absorvida
Eabs (por unidade de tempo) por ressoadores eletromagnéticos:

8 2 e 2 v 2
Eemitida   (10)
3mc 2

 2e2
Eemitida  u , T  (11)
3m

14
Ver nota 9.
15
Planck aceitava a teoria de Maxwell, segundo a qual a luz era uma onda eletromagnética. Portanto, a emissão e absorção
da radiação era um fenômeno eletromagnético, que deveria envolver o movimento de cargas elétricas dentro dos átomos ou
moléculas. A existência do elétron ainda não havia sido estabelecida, e não se sabia qual era a estrutura dos átomos. Assim,
Planck (como a maior parte dos físicos da época) preferia não discutir detalhes, e trabalhar de modo mais abstrato .
Nessas equações, e é a carga e m é a massa da partícula que oscila ν é a freqüência do
oscilador, e  é a energia média do oscilador. Na situação de equilíbrio, a taxa de emissão deve ser
igual à taxa de absorção de energia e, portanto:

8 2
u , T   3  (12)
c

Esta relação é puramente clássica, baseada no eletromagnetismo de Maxwell, no entanto


Planck considerou n ressoadores iguais, com uma energia média  , mas admitindo que os ressoadores
individuais pudessem ter energias ε maiores ou menores do que  . Calculou, então, a relação entre
mudança de energia e mudança de entropia utilizando esse modelo:

d 2S 
 (13)
d 2

Desenvolvendo os cálculos matemáticos, conclui-se que:

d 2S
  ln   (14)
d 2

Essa equação, deduzida do modelo, foi combinada com a relação termodinâmica dS/dε = 1/T e
Planck obteve a relação abaixo:

1

1
T
e (15)

Relacionando essas duas equações e combinando com a condição de deslocamento, Planck


obteve a lei de Wien (equação 9), ou seja, até o início de 1900, a principal contribuição de Planck à
teoria do corpo negro era ter “provado” a lei de Wien, que antes se baseava em uma analogia. Planck
acreditava, nessa época, que a lei de Wien era a única compatível com a termodinâmica e o
eletromagnetismo. Por causa desse trabalho, passou-se a considerar a equação acima como sendo a lei
de Wien-Planck.
Porém, medidas do espectro do corpo negro realizadas por Otto Lummer e Ernst Pringsheim
em 1899-1900 deram resultados diferentes dessa lei (PAIS, 1979, p. 868). As primeiras medidas, de
1899, indicavam que o espectro se desviava da lei de Wien-Planck para pequenas freqüências
(radiação infravermelha), mas não estava claro se as diferenças eram importantes. Depois, as
diferenças entre teoria e experimento aumentaram (KUHN, 1978, p. 93; MEHRA & RECHENBERG,
1982, vol. 1.1, pp. 39-43).
Em junho de 1900, Lord Rayleigh propôs uma nova lei para o espectro do corpo negro,
baseando-se na lei da equipartição da energia e analisando as ondas estacionárias que podem se formar
em uma cavidade (KLEIN, 1977, pp. 7-9; KUHN, 1978, pp. 144-147; MEHRA & RECHENBERG,
1982, vol. 1.1, pp. 85-87). Utilizando a teoria clássica de ondas, Rayleigh considerou que a densidade
de ondas obedeceria à relação Nλ = 8π/λ4. Por outro lado, pela lei da equipartição da energia, a cada
onda estaria associada uma energia E de acordo com a expressão abaixo:

R
E   T (16)
N

Nesta equação, R é a constante dos gases perfeitos e N é o número de Avogadro (número de


moléculas por mol). Atualmente chamamos (k = R/N) de “constante de Boltzmann”, porém não se
utilizava esse nome, na época. A densidade de energia u das ondas na cavidade, de acordo com
Rayleigh, seria simplesmente o produto da densidade das ondas pela energia de cada uma 16.

 8RT 
ud   4 
d (17)
 N 

A densidade de energia pode ser representada também em função da freqüência,


transformando-se a equação anterior em:

 8 2 RT 
ud   3
d (18)
 Nc 
Ao contrário do trabalho de Planck, Rayleigh não se preocupou com as propriedades dos
osciladores que absorviam e emitiam radiação. Ele estudou apenas as propriedades da própria
radiação, considerada como um conjunto de ondas na cavidade, e aplicou-lhes a lei da equipartição da
energia, provando que esta densidade deveria ser proporcional ao quadrado da frequência e à
temperatura absoluta. Depois, Rayleigh adicionou à fórmula um fator exponencial (KLEIN, 1977, p.
8). Essa equação satisfazia as medidas de Lummer e Pringsheim, para pequenas freqüências (grandes
comprimentos de onda).
As medidas de Heinrich Rubens (1865-1922) e Ferdinand Kurlbaum (1857-1927) eram
compatíveis com a equação de Rayleigh, para grandes comprimentos de onda, mas esses autores
apenas afirmaram que seus resultados, como um todo, não eram satisfeitos pela fórmula de Rayleigh
(KLEIN, 1977, p. 9).
Em um trabalho apresentado no dia 18 de setembro de 1900, em que expunham os resultados
de medidas para comprimentos de onda entre 12µ e 18µ, Lummer e Pringsheim indicaram que as
diferenças entre os dados experimentais e as previsões teóricas eram de 40 a 50%. A conclusão mais
imediata foi de que a lei de Wien-Planck estava errada (MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p.
43).
A reação do próprio Wien foi analisar novamente a dedução de sua fórmula. Ele concluiu que a
teoria apenas garantia que ela deveria ser válida para curtos comprimentos de onda (alta freqüência),
mas não para grandes comprimentos de onda (MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 43). A
opinião de Wien, expressa em diversos trabalhos, é bastante curiosa. É conveniente reproduzir uma
parte de um artigo que ele publicou no final de 1900:

Devo enfatizar, primeiramente, que eu mantenho, em contraste com o Sr. Planck, minha opinião
apresentada anteriormente, de que as ondas eletromagnéticas curtas e longas – naquilo que se refere às
suas relações com a radiação térmica – diferem mais do que apenas quantitativamente entre si. Com
respeito ao processo de absorção, assume-se geralmente que as ondas longas podem ser descritas por um
único vetor ou, o que dá na mesma, que a matéria pode ser considerada nesse caso como sendo contínua;
no entanto, para comprimentos de onda mais curtos, a influência da constituição molecular dos corpos
entra em jogo. Exatamente a mesma coisa deve ser verdade para os processos de emissão. Portanto, eu
acredito que é muito improvável assumir desde o princípio que uma lei da radiação que se baseia na
hipótese molecular, possa também ser válida para ondas muito longas. A concordância [da lei de radiação
de Wien] com os dados empíricos no caso dos comprimentos de onda curtos mostra obviamente que as
suposições feitas são satisfeitas aproximadamente para ondas cujo comprimento de onda não são muito
longos. (WIEN, 1900, apud MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, pp. 46-47)

Se existisse uma diferença qualitativa entre ondas de pequeno comprimento de onda e as de


grande comprimento de onda, não seria possível uma teoria unificada dessas ondas – e, em particular,
a teoria eletromagnética de Maxwell não poderia ser válida. A posição de Wien era peculiar e
mostrava uma atitude contrária à unificação, que era a posição predominante na época. Adotar uma

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Na verdade, Rayleigh havia cometido um erro numérico na sua dedução. Esse erro só foi detectado em 1905, pelo
astrônomo inglês James Jeans (MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 89). Depois disso, a equação ficou conhecida
como “lei de Rayleigh-Jeans” (JAMMER, 1966, p. 16).
teoria válida para pequenos comprimentos de onda e outra válida para grandes comprimentos de onda
significaria uma perda de unidade da física.

5. CONCLUSÃO
Fechamos esta primeira parte do artigo verificando, é óbvio, que havia uma tentativa de fundir
os aspectos da teoria, termodinâmica, eletromagnetismo, mecânica estatística, etc., com os resultados
obtidos das experiências com radiação do corpo negro. Embora, Planck tenha apresentado
demonstrações matemáticas que mostravam a validade da lei de Wien, este parecia não estar certo da
aplicação da lei em diferentes comprimentos de onda. Isto pode ser observado na sua declaração final;
reproduzimos aqui parte da citação acima: ... Portanto, eu acredito que é muito improvável assumir
desde o princípio que uma lei da radiação que se baseia na hipótese molecular, possa também
ser válida para ondas muito longas... Este trecho mostra que não havia conformidade dos resultados
experimentais com o modelo apresentado para todo o espectro de radiação envolvendo a dependência
do comprimento de onda com a temperatura. Talvez, isso possa ter influenciado Planck na hipótese do
quantum de radiação; fato que estaria em contradição com a teoria eletromagnética estabelecida por
Maxwell e “verificada” experimentalmente por Hertz.
Na próxima parte do artigo, estabeleceremos uma descrição mais detalhada da nova teoria
proposta por Planck (o quantum de ação introduzido como um ato de desespero), a quantização da
energia e a influência desta nova teoria sobre o artigo de Einstein envolvendo o efeito fotoelétrico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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