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MULHER FALA PALAVRÃO?

DESAFIOS NA PRODUÇÃO
DE CONHECIMENTO SOBRE USOS LINGUÍSTICOS EM
UMA PERSPECTIVA SOCIAL DO GÊNERO
Sofia Taneguti Benchimol
Angélica Rodrigues
FCL/Câmpus Araraquara

Introdução palavrões, prefiro ser mais feminina, mais recatada.”) é explicada


somente com a menção do machismo. Oliveira (2018, p. 175), por seu
O palavrão, ainda que seja considerado um tabu na sociedade, é usado
turno, ao afirmar que “[a]s mulheres [...] tendem a ter um
com diferentes fins e sentidos. Basso (2018), por exemplo, afirma que
comportamento linguístico menos marcado no que tange estigmas
palavrões podem ser descritivos, enfáticos, abusivos, idiomáticos e
sociais”, opera com um conceito universal de mulher que converge
catárticos. Pesquisas como essas descrevem o uso de palavrões no PB
com a mulher cis, heterossexual, branca, de classe média, magra e sem
sem considerar, todavia, sua distribuição social no que diz respeito ao
deficiência. Qual o peso do estigma social associado ao palavrão
gênero social. Sabemos, no entanto, que o uso de palavrões por
considerando o conceito mais amplo de mulheridade? Essa pergunta
homens e mulheres não é socialmente avaliado da mesma maneira.
não pode ser respondida com base nos trabalhos analisados.
Destacamos, por fim, que, dos sete trabalhos, apenas um deles foi
Objetivos realizado por uma pesquisadora mulher, o que, considerando nossa
O objetivo deste trabalho é analisar estudos sobre o uso de palavrões perspectiva epistemológica, não pode ser ignorado.
tendo em vista uma perspectiva de gênero social. Partindo, pois, de
um conjunto de trabalhos sobre análise do uso de palavrões, nosso Conclusões
desafio é discutir, segundo uma abordagem social de gênero, como
Notamos que o palavrão foi abordado de variadas maneiras, mas
papéis sociais e performances de gênero estão intrinsecamente atados
apenas três trabalhos citaram o machismo, o racismo ou outros
à produção linguística, influenciando não apenas o modo como
fatores sociais que condicionam os sujeitos, seus usos linguísticos e
homens e mulheres usam palavrões, mas também como esses usos
suas práticas sociais. Como destacam Eckert e McConnell-Ginet (2010
podem ser examinados a partir dos conceitos de atitudes linguísticas e,
[1992]), é preciso que pesquisadoras das áreas da Linguística e,
sobretudo, como análises linguísticas podem ser influenciadas por
sobretudo, da Sociolinguística, garantam que as análises relacionadas à
concepções ideológicas sobre o papel da mulher.
categoria de gênero não se limitem a conceptualizações abstratas e
superem o campo das pressuposições. Nesse sentido, considerando
Material e Métodos que as desigualdades de gênero são replicadas no ambiente
As análises foram feitas com base em um córpus constituído de acadêmico e nas epistemologias científicas, esta pesquisa,
trabalhos cujo tema principal é o uso de palavrões. A seleção foi feita desenvolvida por uma pesquisadora mulher, defende, numa
com base na palavra-chave “palavrão”, priorizando pesquisas que perspectiva feminista, como propõe Haraway (1995, p. 24), “uma
destacaram resultados relativos ao sexo/gênero como uma variável doutrina e [...] uma prática de objetividade que privilegie a
extralinguística. Foram selecionados 7 trabalhos escritos em português contestação, a desconstrução, as conexões em rede e a esperança na
brasileiro, sendo 5 na área da Sociolinguística, 1 na área da Lexicologia transformação de sistemas de conhecimento e nas maneiras de ver”.
e 1 na área da Semântica, realizados até, no máximo, 15 anos.
Referências
Resultados BASSO, Renato Miguel. Palavrão é legal pra caral*o!. Roseta,
Observamos que os trabalhos analisados, ao se apoiarem em Campinas: ABRALIN, 17 ago. 2018.
constatações baseadas em noções hegemônicas sobre os papéis ECKERT, P.; MCCONNELL-GINET, S. Comunidades de práticas: lugar
sociais desempenhados por mulheres e homens, desconsideram uma onde co-habitam linguagem, gênero e poder. In: OSTERMANN, A. C.;
visão social de gênero. Nossa conclusão sobre os resultados desses FONTANA, B. (Org.). Linguagem. Gênero. Sexualidade.. São Paulo:
trabalhos é que ou não é discutida a relação social entre o uso de Parábola Editorial, 2010. cap. 6. p. 93-107.
palavrões e o gênero ou são apresentadas visões estigmatizadas sobre
o comportamento linguístico e social da mulher. Podemos concluir que HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o
“Isolar gênero de outros aspectos da identidade social também conduz feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5,
a generalizações prematuras até mesmo sobre concepções normativas p. 7-41, 1995.
a respeito de feminilidade e masculinidade.” (ECKERT; MCCONNELL- OLIVEIRA, J. M. de. Os palavrões no português baiano: uma análise
GINET, 2010 [1992], p. 100). Portanto, nossos resultados mostram que sociolinguística com base em dois filmes. Estudos Linguísticos e
uma análise do uso de palavrões que ignora o papel das construções Literários, Salvador, n. 60, p. 163–181, 2018.
sociais de gênero e, sobretudo, do papel da mulher, está sujeita à
estereotipização, à inferiorização e à reprodução de regras patriarcais SILVA, Elisângela Gonçalves da. “Isso não é palavreado para uma
que buscam estabelecer o que uma mulher pode ou não pode falar. mocinha” - Analisando a avaliação do uso de palavrões por mulheres
Em Silva (2017, p. 638), por exemplo, observamos que a noção de do gênero feminino. Colóquio do Museu Pedagógico, Vitória da
“feminilidade” que aparece na fala de uma informante (“Eu odeio falar Conquista, v. 12, ed. 1, p. 636-640, 2017.

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