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POEMA 1

AMÉRICA NEGRA
Élio Ferreira

Brasil,
Trabalhei de sol a sol,
dia e noite,
de norte a sul do país:
na cultura da cana de açucar,
na cultura do algodão,
do café, do tabaco.
Trabalhei mais de dezesseis horas por dia,
Nos charques das terras do Sul.
Cuidei dos rebanhos,
Das fazendas, estâncias,
Da casa grande,
Do sinhô, da sinhá,
Cachorros, galinhas e do diabo-a-4.

Contei histórias de reinos encantados,


fábulas,
e cantei canções bonitas da minha
África
para ninar o sinhorzinho
e a sinharzinha
Alimentei todos com o suor do meu
próprio rosto

Américas,
Minha América Negra
Construí estradas,
Ruas, pontes, mansões, palácios,
Palacetes, igrejas, edificios
Lavei o cascalho dos rios,
Tirei ouro, o diamante
E pedras preciosas das minas
E fui soterrado sob os escombros
das valas

Enchi os bolsos, baús, cofres,


bolsas de valores do senhor de engenho
dos barões do café,
fazendeiros,
homens de negócio e banqueiros.
POEMA 2

ESPERANÇA GARCIA
Élio Ferreira ( uma reescrita da carta de Esperança Garcia)

Brasil,
meu Brasil Negro.
Sou Esperança Garcia do Piauí:
escrava da fazenda Algodões da Coroa
de Portugal,
casada e mãe de dois filhos.
A escola é maça proibida para escravos
De cada cem ou mil
um de nós saber ler ou escrever.

Sei ler e escrever,


coisa rara entre nós da escravaria.
Escrevi a “Carta” de 6 de setembro de 1770,
Escrevi a “Carta” ao governador da Capitania do Piauí.
Contei-lhe as trapaças e as peversidades
Do administrador das fazendas reais,
Contei-lhe das “ trovoadas de pancadas”
contra o meu filho,
um menino de três anos de idade
que chegou a sangrar pela boca

O administrador me tirou de perto


dos meus filhos e do meu marido.
Ele me confinou na casa dele.
Sou um “colchão de pancadas”
uma vez caí do sobrado, rolei escada
abaixo,
quase morri:
eu estava peada feito bicho brabo.

Escrevi ao Governador sobre a peia


o chicote, as humilhações
contra mim e parceiros de
escravidão
da inspeção de Nazaré do Piauí
e fugi com os meus filhos
um de sete meses,
ainda de colo,
e o outro de três anos.
POEMA 3

ALFORRIA
Fernanda Lisboa

Ouviu-se distante
Um som estridente
Sem dúvida, um grito,
Angustiado e reverente...

Uma voz de súplica,


De desespero e terror
Cuja intenção na noite
Era demonstrar a dor!

Chegando a ser sinistro


Aquele grito ecoou
E na noite vazia de nuvens
Como um bicho noturno voou.

Estremencendo as estrelas,
Em meio à agonia,
No tronco, uma negra escrava
Implorava
Pela carta de Alforria!
POEMA 4

AMA DE LEITE
Maria da Conceição do A. Alves

Venderam o meu sonho


Venderam o amor
Venderam meu sorriso
Venderam minha dor
Vendido em leilão
Moendo em moinho
Plantei meu suor
Reguei com meu sangue
Meu sonho maior

Meu corpo bonito


Minha bela cor
Meu filho no ventre
Pertencem ao senhor

Filho nos braços


Foste arrancado
Vendido em leilão
Praças e mercados

Gritos e gemidos
Lágrimas roladas ao chão
Leite esbanjado
Serve ao filho do patrão

Dança, minha negra, dança


Ao som dos tambores
Grita, minha negra, grita
Grita teus clamores!

Canta, minha negra, canta


Que alguém há de te escutar
Dança, minha negra, dança
Que a liberdade virá
POEMA 5

RECORDAR E SENTIR
Márcia de Freitas Santana

Lá na mãe África
Éramos reis, rainha, gente.
Como com rolo compressor,
Definiram-nos diferentes.
E como animais ou saco de batatas.
Dos porões para o mundo,
Imundo, desmundo...
Comeram fogo, feitos ratos,
Baratas...

Aqui no País tropical


Dos porões para o canavial
E do torrão, cada vez mais distante,
Arrancaram tudo,
Sua terra, sua gente...
Arrancaram, separaram,
Pisaram, humilharam,
Exploraram...

Por mais de 300 anos,


Foram infinitos os danos,
Gente forte, gente brava,
Não se entrega, dá as mãos.
Forma cordão, não fica no chão.
Salve Zumbi, Martin Luter King, Mandela...

,
POEMA 6

ME GRITARAM NEGRA
Victoria Santa Cruz

Tinha sete anos apenas,


apenas sete anos,
Que sete anos!
Não chegava nem a cinco!
De repente umas vozes na rua
me gritaram Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
“Por acaso sou negra?” – me disse
SIM!
“Que coisa é ser negra?”
Negra!
E eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia.
Negra!
E me senti negra,
Negra!
Como eles diziam
Negra!
E retrocedi
Negra!
Como eles queriam
Negra!
E odiei meus cabelos e meus lábios grossos
e mirei apenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
E retrocedi . . .
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
E passava o tempo,
e sempre amargurada
Continuava levando nas minhas costas
minha pesada carga
E como pesava!…
Alisei o cabelo,
Passei pó na cara,
e entre minhas entranhas sempre ressoava a mesma palavra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Até que um dia que retrocedia , retrocedia e que ia cair
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
E daí?
E daí?
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
De hoje em diante não quero
alisar meu cabelo
Não quero
E vou rir daqueles,
que por evitar – segundo eles –
que por evitar-nos algum disabor
Chamam aos negros de gente de cor
E de que cor!
NEGRA
E como soa lindo!
NEGRO
E que ritmo tem!
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro
Afinal
Afinal compreendi
AFINAL
Já não retrocedo
AFINAL
E avanço segura
AFINAL
Avanço e espero
AFINAL
E bendigo aos céus porque quis Deus
que negro azeviche fosse minha cor
E já compreendi
AFINAL
Já tenho a chave!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
Negra sou!
POEMA 7

MINHA DOR E MINHA VIDA


Gilberto Soares da Silva

Sou negro
Sou gente
Que dá jeito e que constrói.
Fizeram de mim
Injustiças migrações que não pude caminhar
E sim, apanhar.

Amor de mãe, que tive.


Sendo escrava, ela me disse.
Amamentou o filho do branco.
Fraca, sofrida e dando a vida.

Lá vou eu...
Derramando o meu sangue por toda essa terra
Que eu ajudei.

Tiraram nossas vidas.


Espancaram-me de dor
Com essa violenta burguesia
Somos sem valor.

Hoje sou discriminado,


Não sou aceito,
Não tenho valor no cargo,
E sou marginalizado.
Vivo sofrendo,
Sempre escutando e sem alegria
No dia-a-dia.

Quero romper.
Criar asas e voar.
Unidos iremos formar
Liberdade irá conquistar.

Formaremos a vida pura


Formando a nossa cultura,
Nossa organização e nosso futuro.

Meu corpo cansado e torturado,


Mas não fracassado
Pra lutar e se unir
Sempre ao teu lado.
Tenho tanto amor.
Como tenho valor,
O sistema é contra nós porque nos deve favor.

Vamos levantar as mãos


Dando grito para libertação
De dentro e fora do coração
Formamos essa nação.

É muito bonito quando a gente vai à luta


Pra esse povo humilde que sofre escravidão.
Hoje, multiplicaremos a união,
Para que haja libertação
Dessa raça negra que sofre escravidão.
POEMA 8

SOU NEGRO PORQUE ENCARO MINHAS ORIGENS


Genivaldo Pereira dos Santos

Não precisa ter cor, nem raça, nem etnia.


É preciso amar
É preciso respeitar
Não sou negro porque minha pele é negra
Não sou negro porque tenho cabelo embolado de “pixain”
Não sou negro porque danço a capoeira
Não sou negro porque vivo África
Não sou negro porque canto reggae.
No sou negro porque tenho o candomblé como minha religião
Não sou negro porque tenho Zumbi como um dos mártires da nossa raça.
Não sou negro porque grito por liberdade
Não sou negro porque declamo Navio Negreiro
Não sou negro porque gosto das músicas de Edson Gomes,
Margareth Menezes ou Cidade Negra.
Não sou negro porque venho do gueto.
Não sou negro porque defendo as idéias e Nelson Mandela
Não sou negro porque conheço os rituais afro.
Sou negro porque sou filho da natureza
Tenho o direito de ser livre.
Sou negro porque sei encarar e reconhecer as minhas origens.
Sou negro porque sou cidadão.
Porque sou gente.
Sou negro porque sou lágrimas
Sou negro porque sou água e pedra.
Sou negro porque amo e sou amado
Sou negro porque sou palco, mas também sou platéia.
Sou negro porque meu coração se aperta
Desperta,
Deseja,
Peleja por liberdade.
Sou negro na igualdade do ser
Para o bem à nossa nação.
Porque acredito no valor de ser livre
Porque acredito na força do meu sangue numa canção que jamais será calada.
Sou negro porque a minha energia vem do meu coração.
E a minha alma jamais se entrega não.
Sou negro porque a noite sempre virá antecedendo o alvorecer de um novo dia.
Acreditando num povo afro-descendente que ACORDA, LENVANTA E LUTA!
POEMA 8

DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA
Jeremias Brasileiro

Epa baba ifá!


Queria falar de esperança
Que fosse sem discriminação
Dá-me então Orunmilá
Referencial de anjos
Que não sejam somente ocidentais
Pra eu poder, quando chegar perto de ti,
Sentir que também faço parte de teu céu
Sinto-me só, Orunmilá! Sinto-me só!
Como negro de orfanato
Que todo mundo olha e quase ninguém quer!
Os anjos deveriam parecer com Ósúnmaré
De todas as cores, mas cor preta também!

*Epa baba ifá - Saudações


*Órunmilá - Deus do destino
*Ósunmaré - Deusa do arco-íris.

ANJOS NEGROS
Shirley Pimentel de Souza

As “pragas devastadoras” invadiram a Diáspora,


E embranqueceram nossa cultura.
Transformaram em vovós e vovôs,
Nossas iaiás e ioiôs.
Instituíram um “bem” branco
E um “mal” negro...
Uma “paz” branca,
E um “luto” negro...
Almas brancas que vão pro céu,
Almas negras, pro inferno.
Deuses brancos que são benéficos,
Deuses negros que são maléficos...
Anjos brancos que são “cristos”,
Anjos negros que são demônios.
Chega!!!
A negritude dá seu grito de desabafo!
As crianças negras querem anjos da guarda negros.
O povo negro quer magia negra.
O povo negro quer cultura negra!
Repudiamos sua prepotência,
Repudiamos sua divisão racial,
Repudiamos sua aquarela racista.
Queremos anjos negros!
Faremos um “bem negro”.
Somos povo N E G R O!!!

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