You are on page 1of 4

O JARDIM DAS AFLIÇÕES – OLAVO DE CARVALHO

CAP. 1 À 6 EPICURO E MARX


Como Pessanha aderiu ao escapismo epicureo e ao ativismo marxista? Ambos se casam ao
rechaçar o transcendente e a teoria e dão as mãos para erigir a natureza e a história como valores
supremos, os quais serão buscados abdicando da inteligência pessoal e se entregando às
crendices das ilusões coletivas. O epicurismo é materialialista à nível individual, e o marxismo
numa escala social.
A filosofia de Epicuro é na teoria um ceticismo e na pratica uma auto hipnose beocia.
Os grupos de ética progressistas a entendem como abdicação da consciência pessoal consagrada
pela filosofia tradicional e religião cristã. Imperialistas pagãos e gnósticos são os antepassados
do movimento atualmente representado por Pessanha.
A igreja, pretendendo fundar um império, caiu na armadilha da restauração romana,
alimentando o monstro imperial que viria a devora-la. A restauração da unidade imperial
romana foi a tônica da história política do ocidente.
Os impérios coloniais esmiuçam a cristandade, a qual será amassada pelo império laico
americano. Todas as religiões passam a existir como seitas populares autorizadas pelo Estado, o
qual possui sua religião cósmica, essa sim difundida amplamente como fator unificante.

CAP.7 MATERIALISMO ESPIRITUAL


Em todas as grandes tradições espirituais, encontra-se alguma divisão ternaria da realidade.
Mircea Eliade constatou a ausência da eternidade, o desinteresse de Deus pelo homem (Deus
otiosus) nas pequenas culturas e o seu efeito: a multiplicação dos deuses.
Desaparecendo a divindade suprema, emergem as divindades subalternas, o espaço e o tempo.
 A DIVINIZAÇÃO DO ESPAÇO
Nicolau de cusa com a criação da douta ignorância transfere a inapreensibilidade do
transcendente para a natureza. Os raciocínios matemáticos tornam o espaço infinito. A captação
das contradições pela intuição é sequestrada pelas ciências que a direcionam a captação do
inapreensível cosmos. O conhecimento da natureza é elevado ao estatuto de mistério. Não se
percebeu que indefinição cósmica é diferente de infinitude cósmica.
De Cusa, todavia, está mais consoante a cosmovisão cristã indeterminista do que consoante aos
desvarios mecanicistas. Nicolau acertou na cosmologia, mas errou na gnoseologia: intuição
intelectual não é produtiva no campo das aparências cambiantes, dos instáveis fenômenos
naturais.
A douta ignorância prometia dar-nos uma visão mais realista da posição que ocupamos no
cosmos. No entanto, ela nos cercou de ilusões matemáticas impedidoras do conhecimento
objetivo. O pior vem se apostares no conhecimento objetivo, pois serás desmoralizado por
fantasiar o conhecimento.
A ciência natural arroga-se legislar sobre a validade dos demais conhecimentos embora não
domine a si mesma. Aristóteles já havia alertado para o uso indiscriminado do método
matemático. Seus efeitos geometricista e formalista sobre a religião são deploráveis. Foi o
fanatismo purista, o utopismo reformista, a regulamentação moral que propiciou o
individualismo sentimentalista protestante e as pseudomísticas, como o ocultismo e o
espiritismo.
A falsa ciência desacreditou a autentica. A história da ciência passou a ser vista como sucessão
de paradigmas. Abriu-se a avenida para o ressurgimento dos velhos irracionalismos –
pragmatismo, relativismo, retórica e epicurismo.
 A DIVINIZAÇÃO DO TEMPO
Do desejo de compreender as escrituras, nasceu o historicismo e o progressismo. O amor aos
documentos nasceu num contexto nacionalista e esteticista. O historicismo nasceu quando
Shaftesbury, Leibniz e Vico declararam que o homem só conhece o que ele faz, isto é, a
história. A antropologia desprendeu-se do coisismo fixista grego, que enxergava o homem de
modo esquemático, e passou a destacar as influencias cósmicas e socias. A crítica textual ao
mesmo tempo que colaborou tecnicamente com a fundação da ciência histórica, lançou dúvida
cética sobre todo o passado. Católicos e protestantes bem como capitalistas e socialistas
enveredaram disputas no campo historiográfico. Tais disputas, almejando demonstrar seus
‘partidos’ como o cume do desenvolvimento histórico, consagrou o viés progressista. O sentido
da vida foi reduzido a sentido da história.
Iluministas e Hegel transformaram as sociedades nacionais em sujeitos históricos. A sociedade,
tradicionalmente foi compreendida como inclinação humana, não como realidade per si
concreta e viva, e sim como pano de fundo dos sujeitos ativos. Os philosophes não mais
concordavam como sendo a natureza humana algo dado e determinado, mas algo maleável.
Assim, o poder ativo e moldante foi outorgado a sociedade. Eis a origem do conceito de vontade
geral dos revolucionários de 1789, apropriado por Hegel para cunhar a nação.
Nenhuma narrativa prevaleceu. Niilismo e psicanálise atacaram com a ausência de sentido o
positivismo, o marxismo e a religião. Instinto e eros eram os motores e metas da vida. O partido
niilista cresceu a tal ponto que fez duas guerras mundiais obrigando os antigos inimigos a
pactuarem: nações liberais e comunistas. Abandone-se o propósito imanente e restará crise
existencial.
As democracias divinizam a história. Creem no progresso das instituições sociais, políticas e
econômicas. E o sentido da vida consiste em colaborar neste avanço. A história é doadora de
sentido, eis a divinização do tempo.

CAP.8 A REVOLUÇÃO GNÓSTICA E CAP.9 A RELIGIÃO DO IMPÉRIO


Gnosticismo é nostalgia da religiosidade greco-romana em oposição ao cristianismo emergente,
o qual inova radicalmente ao separar adesão de fé da estrutura social. A organização político-
social não é mais uma verdade sagrada. A emancipação da consciência individual frente as
crenças coletivas antecipada por Sócrates é difundida pelo cristianismo. O estado deixa de ser
intermediador da relação com o Divino. Ele foi dessacralizado, e a alma foi consagrada como
habitação Divina. A liberdade interior nasceu com a humanização de Deus e a secundarização
dos interesses particulares e idealismos sociais na religião.
A disciplina, a espiritualidade e o silêncio dos cristãos, principalmente dos monges, assustavam
a aristocracia militar e letrada. Cerimonias, virtudes cívicas e discursos elaborados inexistiam na
fé emergente.
Sendo a ênfase cristã na vida da alma individual para com Deus, os gnósticos empenham-se em
reerguer o culto a natureza e ao estado dentro da sociedade cristã.
Roma cresceu organicamente comandada por civis e militares, ambos submissos a mesma
tradição moral e cultual. Essa unidade cultural e organizacional inexistia na Europa medieval.
Há ainda o fator do ressentimento: enxertar instituições do império pagão na religião que
abomina o culto ao estado e a natureza.
A igreja não quis destruir o império, mas não podia submeter-se a ele; não quis restaurá-lo, mas
não podia expandir-se sem ele. Por causas externas, a igreja lança-se na organização do mundo,
e mediante adaptações deformantes, é feita religião pública, religião do império. A vocação
interiorizante cristã sofreu abalos com o processo de estruturação temporal. A fé cristã não
nasceu para produzir códigos civis.
Portanto, após constatar o desinteresse do império bizantino em assumir as responsabilidades
civis no ocidente barbarizado, a Igreja subdivide a autoridade que acumulara. A nobreza barbara
é sagrada autoridade nos assuntos temporais. A síntese romana e depois cristã das castas
sacerdotal e real é desfeita. Desse momento até Napoleão, haverá ostensivo conflito entre
sacerdócio e realeza. A casta guerreira relutava em estudar e rezar, bem como temiam e
desprezavam o clero, respectivamente por superstição e soberba. Acima de tudo, os governantes
públicos não se contentavam em ser legitimados por outro poder superior, a Igreja.
Além da oposição de castas, a base econômica é também fator de inadaptação e conflito. O
feudalismo antigo funcionava com estreita vinculação à cidade, à cultura e a política. O
feudalismo medieval é majoritariamente rural e bélico. A unidade política e administrativa era
absolutamente inviável com os nobres espalhados e encastelados. Não se esqueça da escravidão,
a qual banida pela Igreja desagradava a aristocracia feudal.
Carlos Magno foi um episódio único e razoavelmente positivo de harmonia do braço armado
com o braço espiritual. Razoavelmente pois no exercício da autoridade e nos hábitos pessoais,
Carlos muitas vezes distanciava-se dos princípios cristãos. Felipe, o belo, na direção inversa, foi
a mais destacada antecipação de monarca arrogante auto divinizado, figura que se multiplicaria
na modernidade.
Os repetidos fracassos de unificar o ocidente numa aliança entre braço espiritual e secular
atestam a inadaptação cristã a missão reguladora. E tal fracasso engendrou efeitos nefastos para
o culto, moral e doutrina da própria Igreja.
Leviatã, o espírito histórico jurídico, fez-se presente dentro da Igreja. Mas a outra cabeça do
paganismo, Beemot, o espírito naturalista, permaneceu vivo nas seitas dissidentes.
A história dos últimos séculos pode ser contada como uma série de embates entre os dois braços
da Cruz. Abandonando-se o eixo central vertical DEUS-HOMEM, os dois braços perdem o fiel
da balança, e as nações caem na alternância entre rebelião autolátrica e submissão desesperada à
natureza, entre triunfalismo cientificista e temor catastrofista.
A imensa transformação que inaugura a era moderna pode ser resumida na mudança do projeto
Europeu, de domestico para colonial. Nesse redirecionamento, multiplica-se os concorrentes
imperiais, altera-se a relação entre realeza e clero, diversifica-se as culturas nacionais rompendo
a unidade cristã. Ingleses, franceses, portugueses e espanhóis largam na frente nas campanhas
colonizadoras em prol da coroa e da fé. Cansadas de lutar contra o império, decidiram cada qual
fazer seu próprio império com uma religião ditada pelo monarca, usurpador das chaves papais.
O antigo projeto imperial – unificar o mundo sob o estandarte cristão – é reinterpretado segundo
a ótica da razão de estado.
Numa inversão simétrica da expansão cristã nos primeiros séculos, feita à custa do sangue dos
mártires, os cristianismos imperiais inaugurarão uma modalidade de sacrifício
comproporcionada à mentalidade dos novos tempos: o martírio dos outros. A epopeia da
cristianização submergiu no sangue de inocentes.
Augusto Comte e Hegel propuseram, para preencher o vazio criado pela rejeição do
cristianismo nacionalista e burocrático, a religião da humanidade, cujo Deus é o Estado servido
pelas massas conforme um calendário de ritos festivos aos grandes heróis sociais e aos feitos
científicos. Napoleão tentou, mas falhou em instaurar esta religião civil, a qual aliena os
cidadãos no socioeconômico.
Porém, a ideia de império é decisiva e contínua, capaz de imigrar atravessando oceanos. É o
fantasma de um morto ilustre que não quer morrer e insiste em voltar à vida na obsessão
inconsciente dos vivos.
Assim como nas metamorfoses anteriores o império fundiu-se com movimentos antagônicos,
cristianismo e nação, agora ela plasmava-se a burguesia, a república, a maçonaria e ao
protestantismo...

You might also like