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A Luta Dos Povos Indigenas Por Saude em Contextos de Conflitos Ambientais
A Luta Dos Povos Indigenas Por Saude em Contextos de Conflitos Ambientais
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ARTIGO ARTICLE
de conflitos ambientais no Brasil (1999-2014)
acadêmicos que atuam como parceiros técnico- mobilização dos povos indígenas. Como nosso
científicos de povos e comunidades envolvidas principal interesse era analisar como tais situa-
em situações de conflitos. Buscamos identificar ções resultaram em demandas para o SASI, como
as consequências das transformações socioam- eram apresentadas e que tipo de estratégias eram
bientais sobre o modo de vida e a saúde das co- utilizadas, o campo de busca por palavras-chaves
munidades, bem como as estratégias de resistên- do Mapa de Conflitos nos auxiliou na seleção dos
cia para superação dos problemas enfrentados. casos que contivessem termos como “Funasa”,
Foram coletadas tanto informações mais es- “Sesai”, “DSEI”, “Casai”, “Polo-base” e as versões
truturadas sobre os contextos, antecedentes e extensas das siglas. Foram excluídos nessa filtra-
consequências dos conflitos, produzidas no âm- gem aqueles resultados em que o SASI era citado
bito de estudos realizados nas universidades ou apenas como fonte de informações e os casos re-
em unidades técnico-científicas de diversas ins- petidos.
tituições públicas, quanto discursos e narrativas Para análise dos dados foi construída uma
dos atores sociais envolvidos ou de suas organi- matriz na qual organizamos as informações exis-
zações representativas a respeito de cada situação. tentes no Mapa de Conflitos segundo a localiza-
Isso permitiu identificar como o debate público a ção geográfica, os povos envolvidos, as atividades
respeito dos riscos ambientais e das suas consequ- geradoras de injustiça ambiental, as organizações
ências sociais e/ou sobre a saúde, bem como das de representação indígena, os riscos à saúde, as
propostas de alternativas ao modelo de desenvol- demandas encaminhadas ao SASI ou a outras
vimento hegemônico, foram socialmente cons- instituições estatais, as estratégias de luta e as res-
truídos e quais estratégias os agentes utilizaram postas do SASI e das demais instituições.
para defender suas demandas nos diversos cam-
pos sociais nos quais foram obrigados a interagir.
Todas as informações veiculadas no Mapa de Resultados e discussão
Conflitos estão disponíveis em uma página na
internet e foram registradas a partir de um for- Estima-se que atualmente vivam no Brasil pelo
mulário digital construído com tecnologia do menos 246 povos indígenas, falantes de cerca de
Departamento de Informática do SUS (Datasus). 150 línguas17. Segundo dados do IBGE1, cerca de
Até o presente momento este projeto já ma- 78% dessa população está localizada nos estados
peou quase 600 conflitos ambientais por todo o das regiões Norte (37%), Nordeste (25%) e Cen-
Brasil. Cada conflito é classificado segundo sua tro-Oeste (16%), que também contém a maior
localização geográfica, o processo produtivo as- parte das terras indígenas que hoje estão em al-
sociado, o tipo de população afetada (a partir de guma fase do processo administrativo de demar-
uma perspectiva de autoidentificação que leva cação (57%, 12% e 21% respectivamente)18. Da
em consideração a sociodiversidade que pode mesma forma, em nosso estudo, identificamos
existir em uma mesma comunidade, município que essas regiões também concentram a maior
ou região e a possibilidade de um mesmo conflito parte dos conflitos socioambientais envolvendo
abranger territórios de um conjunto de comuni- povos indígenas no Brasil. Dos 160 casos que
dades socialmente diversas), os impactos ou ris- analisamos, a maior concentração de casos se en-
cos ambientais identificados ou denunciados, as contra na região Norte (43%); a seguir estão as
consequências sobre a saúde das populações e as regiões Centro-Oeste (25%) e Nordeste (15%).
articulações que as comunidades constroem para Ao analisarmos esta informação concomi-
enfrentamento dessas situações. tantemente ao levantamento dos principais pro-
Neste artigo iremos explorar apenas os re- cessos produtivos associados a estes conflitos
sultados de uma amostra dos casos existentes fica claro que esta tendência está associada um
no banco de dados. Para seu estabelecimento, o modelo de desenvolvimento regional baseado no
primeiro critério de seleção foi o tipo de popula- avanço do agronegócio por meio das monocul-
ção atingida. Neste caso, selecionamos apenas os turas (32%), madeireiras (23%), pecuária (18%),
conflitos que direta ou indiretamente envolviam pesca industrial e aquicultura (8%).
povos indígenas, num total de 160 casos, utiliza- Tais conflitos ainda são agravados pelas dis-
mos esta amostra para realizar um breve pano- putas em torno do uso, abuso ou controle de
rama de tais conflitos, apresentado na primeira tecnologias perigosas, poluentes ou ainda outras
parte dos resultados deste artigo. cujos riscos para a saúde humana e o meio am-
Em seguida realizamos uma segunda amos- biente incluem um alto grau de incerteza, como
tragem a fim de identificar as estratégias de os agrotóxicos e os transgênicos19.
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plica um elevado número de casos onde foram a falta de infraestrutura leva à morte. Como o
relatadas situações de insegurança alimentar que caso de um idoso Mayoruna que, em fevereiro de
são geradas ou intensificadas pela desapropria- 2013, veio a falecer na aldeia Fruta Pão porque
ção territorial ou pela degradação ambiental. o barco que servia ao DSEI de Atalaia do Norte/
Além disso, pobreza e desigualdades am- AM estava sem combustível16.
bientais aumentam a dependência desses povos Por outro lado, apesar dos territórios indí-
da ajuda do Estado, pressionando-os a recorrer genas serem frequentemente impactados pela
a políticas públicas que desconsideram suas tra- construção de empreendimentos para geração de
dições alimentares. Um estudo identificou que a energia, muitos polos-base sofrem com a falta de
dieta dos Terena do Mato Grosso do Sul tem sido eletricidade. Mesmo quando há geradores, a ins-
determinada pelos itens constantes nas cestas tabilidade no fornecimento de combustível, ou a
básicas que recebem do Governo do Estado uma falta de manutenção adequada, pode levar ao fre-
vez que a caça e coleta nas matas ficaram cada vez quente desligamento dos refrigeradores, afetando
mais raras pela redução territorial25. a continuidade de programas de vacinação ou le-
vando ao desperdício de medicamentos16.
Demandas e estratégias de mobilização Tais situações impõem a discussão a respei-
indígena pela saúde to da urgência de se repensar as formas como os
polos-base são estruturados e a necessidade de
Apesar da extensão dos conflitos ambientais implantar alternativas mais confiáveis e sustentá-
nos quais os povos indígenas brasileiros estão en- veis de fornecimento de energia para esses locais,
volvidos, dos cerca de 160 casos de conflitos am- como a implantação de células fotoelétricas, por
bientais analisados, somente 15 casos atenderam exemplo.
aos critérios de seleção para análise do histórico A precariedade das Casas de Saúde Indígena
de luta pela saúde, a qual apresentamos a partir (Casai) também tem sido objeto de recorrente
de agora. reclamação e demanda por parte dos povos in-
São casos que envolvem comunidades situa- dígenas. Previstas pela PNASI10 como espaços de
das em 12 estados, com povos e contextos econô- permanência de pacientes em tratamento fora de
micos e socioambientais bastante diversos, como suas aldeias, deveriam possuir:
os Galibi, Karipuna e Palikur, no Amapá; diversas Condições de receber, alojar e alimentar pa-
etnias do Vale do Javari/AM; os Tupinambá e os ciente encaminhado e acompanhante, prestar as-
Pataxó na Bahia; os Xakriabá em Minas Gerais; sistência de enfermagem 24 horas por dia, marcar
os Tingui-Botó em Alagoas; os Terena no Mato consultas, exames complementares ou internação
Grosso do Sul; os Bororo no Mato Grosso; e os hospitalar, providenciar o acompanhamento dos
Kaingang no Paraná. pacientes nessas ocasiões e o seu retorno às comu-
Suas principais demandas são por melhorias nidades de origem, acompanhados das informações
na infraestrutura dos DSEIs, que na maioria dos sobre o caso.
casos não contam com uma estrutura eficiente Gomes26 salienta que “embora denominadas
para dar resposta aos problemas de saúde ge- Casas de Saúde Indígena, essas estruturas não
rados ou potencializados pelo contexto socio- executam ações médico-assistenciais”, pois, ape-
ambiental onde vivem. Em suas cartas e docu- sar de algumas vezes contarem com a presença de
mentos, são recorrentes as reclamações quanto à enfermeiros, técnico de enfermagem, auxiliares
precariedade dos prédios, falta de medicamentos, de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos,
equipamentos, meios de transporte e de comuni- médicos, farmacêuticos, etc... Estes estão presen-
cação para execução das atividades. Tais narrati- tes apenas para garantir os encaminhamentos
vas exprimem a forma como esses grupos repre- necessários e o bem-estar dos usuários indígenas
sentam suas vivências como usuários do SASI e durante sua estada. A atenção e o cuidado espe-
reformulam-nas como proposições coletivas, seja cializados, ou de maior complexidade, devem ser
cobrando a execução do que já está previsto na realizados pelas unidades de saúde do SUS para
PNASI, seja exigindo a reformulação das práticas onde foram referenciados. As CASAIs foram pre-
que consideram inadequadas. vistas como um ponto de apoio fora das aldeias
Nos D da Amazônia, por exemplo, são recor- que auxiliariam o usuário indígena na transição
rentes as denúncias quanto à indisponibilidade do DSEI para outras instâncias do SUS.
de barcos ou aviões necessários para percorrer A realidade, no entanto, é bastante distinta.
rapidamente as grandes distâncias entre as al- Em Lábrea/AM, por exemplo, os índios Pau-
deias e as unidades de saúde. Em muitos casos, mari denunciavam, em agosto de 2011, que na
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vas das comunidades em seus veículos próprios de ocupação de prédios públicos, a detenção de
de comunicação, de entidades parceiras, redes funcionários dos DSEIs; a apreensão de veículos
de movimentos sociais ou através de entrevistas ou as manifestações públicas. Apesar de rompe-
concedidas à imprensa. rem com os trâmites normais do Estado, o uso da
Através de seus parceiros nos MPs, entidades não-violência nesses momentos garante a efetivi-
de defesa dos direitos humanos ou parlamentares dade da pressão pela abertura de canais de nego-
engajados com a causa indígena, elas frequente- ciação e evita que a força policial seja utilizada.
mente conseguem que tais documentos se cons- Entre os casos analisados, a estratégia de ocu-
tituam como parte de processos administrativos, pação de prédios públicos foi acionada em pelo
judiciais, figurem como pauta de audiências pú- menos sete ocasiões. Em um caso, um grupo de
blicas, ou contribuam para a organização de se- 150 Xakriabás ocupou o polo-base em São João
minários e debates. das Missões/MG, em agosto de 2013, em protesto
Também inclui a divulgação de estudos in- contra a gestora local16. Tais ações frequentemen-
dependentes sobre a situação de saúde dos seus te mobilizam mais de uma etnia, ativando articu-
povos. Por exemplo, a partir de fevereiro de 2010, lações políticas em momentos críticos.
os índios do Vale do Javari passaram a se utilizar Ocupar fisicamente espaços para pressionar
de um diagnóstico da saúde indígena, produzido o Estado também tem sido uma estratégia comu-
pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) em mente utilizada pelo movimento indígena nas lu-
articulação com o saber acumulado pelas organi- tas socioambientais. A ocupação de terras ou es-
zações indígenas e suas comunidades, para con- critórios da Funai, por exemplo, é um expediente
substanciar suas reivindicações junto à Sesai16. comum nessas situações, numa estratégia para
Tal estratégia é importante, se levarmos em pressionar por avanços no trâmite burocrático e
consideração que há espaços onde o saber dos efetivar direitos já reconhecidos pela legislação.
povos indígenas pode ser deslegitimado face ao
conhecimento produzido cientificamente e tem
sido utilizada com sucesso por comunidades Conclusão
envolvidas em conflitos ambientais em diversas
partes do mundo29. Os casos analisados neste artigo apontam para
b) pressão por vias institucionalizadas: conquistas do movimento indígena brasileiro no
Incluímos neste grupo tanto as estratégias de campo das lutas por reconhecimento de direitos
ocupação e disputa dos espaços de controle so- e pressões pela efetivação de políticas públicas de
cial dentro do SASI quanto o encaminhamento saúde que reconheçam sua diversidade cultural.
de solicitações, documentos ou abaixo-assinados Entretanto, a morosidade e ineficiência da gestão
direcionados ao subsistema ou denúncias às au- ou dos espaços institucionalizados de controle
toridades policiais, MPs e às comissões de direi- social do SASI têm levado os povos indígenas a
tos humanos nacionais e internacionais. recorrer às arenas legislativa e judicial para pres-
Ao analisarmos o tipo de reivindicações que sionar o Estado a assegurar seu direito à saúde.
os povos indígenas encaminham aos MPs e às Na ausência de respostas nesses espaços, eles não
CDHs, percebemos que estas instituições costu- hesitam em utilizar estratégias de ocupação de
mam ser acionadas quando as negociações di- espaços públicos para pressionar por soluções.
retas com o SASI são insuficientes, ou quando a Nos contextos de conflito, os direitos dos
continuidade da violação de determinado direito povos indígenas somente se realizam se garan-
coloca em risco sua integridade física, a sustenta- tidos de forma integral. Nesse sentido, podemos
bilidade dos territórios ou suas organizações so- afirmar que o SASI/SUS precisa estar capacitado
ciais. Há também casos de mobilização dirigida e atento para considerar os contextos socioam-
ao legislativo, como, em 2008, quando a Comis- bientais onde esses povos vivem, os quais fre-
são de Segurança Pública da Assembleia Legisla- quentemente geram impactos significativos à sua
tiva de Minas Gerais coordenou uma audiência saúde coletiva, insegurança alimentar, suicídios
pública para discutir assassinatos relacionados às ou assassinatos e a assumir um papel mais rele-
disputas pelo território Xakriabá16. vante na luta contra a violência, pois esta é a face
c) pressão por vias não institucionalizadas: mais visível da influência dos conflitos sobre suas
Há momentos, contudo, em que as estra- vidas.
tégias de luta das comunidades exigem romper Além disso, é importante que as instituições
com as vias institucionais para pressionar o Esta- do setor enfrentem o desafio de exercer um papel
do. São incluídas nessa classificação as estratégias mais relevante na defesa da saúde e dos direitos
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Colaboradores
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ponível em: http://goo.gl/8xEJWe Versão final apresentada em 18/03/2017
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