You are on page 1of 9
27108123, 23:03 ‘wow fla pro riteladToxtos/Toxtos/Anals/SENALE. | ORALIDADE E GENEROS EMERGENTES Ingedore G. Villaga Koch UNICAMP/CNPq conceito de texto como unidade sécio-comunicativa, que ganha ¢ dentro de um processo interacional, é comum a textos escritos e falados, Reconhece-se, hoje em dia, que todo texto resultado de uma co-produgio entre interlocutores, Contudo, ainda & forte a conviegdo de que o que distingue o texto escrito do falado & a forma como tal co-produgao se realiza, Afirma-se que, no texto escrito, a se resume 4 considerago do outro para 0 qual se escreve, co-produ na elaboragio lingiiistica do texto, em havendo participagao direta ¢ ativa d fungao do distanciamento entre escritor ¢ leitor. Conseqiientemente, inexistiriam no texto escrito marcas explicitas de atividade verbal conjunta, A dialogicidade constituiria, portanto, numa relagZo ‘ideal’, em que o escritor desempenha © papel que Ihe cabe, na qualidade de produtor do texto, assumindo, a0 mesmo tempo, a perspeetiva do leitor, No texto falado, ao contririo, por estarem os interlocutores co-presentes, ter-se-ia uma interlocugo ativa, que implica um processo de co- autoria, refletido, na materialidade lingiifstica, por meio de marcas da produgao verbal conjunta, Com base nessa visio dicotémica, uma série de diferengas entre fala e escrita, entre as quais as mais freqiientemente mencionadas so as seguintes: FALA ESCRITA contextualizada descontextualizada implicita explicita redundante condensada ndo-planejada planejada predomindncia do modus pragmatico _predominancia do modus sintitico fragmentada ndo-fragmentada incompleta completa pouco elaborada elaborada pouca densidade informacional densidade informacional jNV_SENALEMIngedore_Koch hm 19 27108123, 23:03 predomindncia de frases curtas predomindncia de frases simples ou coordenadas com subordinagdo abundante pequena freqiiéncia de passivas ‘emprego freqiiente de passivas poucas nominalizagdes abundancia de nominalizagdes menor densidade lexical maior densidade lexical Acontece, porém, que fala e escrita ndo devem ser vistas de forma dicotémica, estanque, como era comum até ha pouco tempo e, por vezes, acontece ainda hoje. © que se vem postulando é que os diversos tipos de praticas sociais de produgao textual situam-se ao longo de um continuo tipolégico, em cujas extremidades estariam, de um lado, a escrita formal ¢, de outro, a conversagio espontinea, cologuial (Marcuschi, 1995; Koch & Oesterreicher, 1990; Halliday, 1985; Koch, 1992, 1997). # Marcuschi (1995: 13) quem escreve: “As diferengas entre fala e escrita se dio dentro do continuum tipolégico das priticas sociais e no na relagdo dicotémica de dois polos opostos Para situar os diversos tipos de texto ao longo desse continuo, Koch & Oesterreicher (1990) sugerem a utilizagdo, além do critério do meio, oral ou escrito, 0 critério da proximidade/distancia (fisica, social, etc.); Chafe (1987), por seu turno, postula que se leve em conta para tanto o envolvimento maior ou menor dos interlocutores, que se verifica, entdo, & que existem textos escritos que se situam, a0 longo desse continuo, mais préximos ao pélo da fala conversacional (bilhetes, recados, cartas familiares etc.), a0 passo que existem textos falados que mais se aproximam do polo da escrita formal (conferéncias, entrevistas profi ionais, artigos cientificos e outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros intermedisrios. Os géneros emergentes da Internet, embora escritos, pertencem, em grande parte ao primeiro tipo (papos virtuais, e.mails, blogs, por exemplo). Mas ha também os que ocupam posigdo intermediaria nesse continuo, como determinadas entrevistas, e outros que muito se aproximam do pélo da escrita formal, como discusses mais elaboradas, videoconferéncias e matérias jornalisticas e cientificas hipertextuais. Evidencia-se, assim, que as caracteris -as que se costumavam apontar no so exclusivas de uma ou outra das duas modalidades: tais caracteristicas foram sempre estabelecidas tendo por pardmetro o ideal da escrita (isto é, a lingua falada vista através das lentes de uma gramética projetada para a escrita), 0 que levou a wow lla pro briteladTextos/Toxtos/Anals/SENALE_IVI_SENALEIIngedore_Koch.him 219 27108123, 23:03 ww lffa pro brtolad/Toxtos/Toxtos/Anais/SENALE_N uma visio preconceituosa da fala (descontinua, pouco organizada, rudimentar, sem qualquer planejamento), a ponto de se chegar a comparé-la a linguagem nistica das, sociedades primitivas ou a das criangas em fase de aquisigio de linguagem. E, se pensarmos em muitos dos géneros internetianos emergentes, como os jé citados bate-papos virtuais, blogs, e.mails, listas de discussio ete., as distingdes entre fala e escrita tornam-se cada vez. menos acentuadas. Isso tudo leva a uma desmitifigao da escrita como a tinica forma correta de uso da lingua e como padrio de avaliagdo dos demais usos. Contudo, tal visdo preconceituosa é freqiiente em relagdio a esses géneros intemetianos, causando, assim, grande preocupagdo aqueles que se arvoram em defensores da norma tinica, anatemizando, por conseqiiéncia, 0 uso de variedades coloquiais, informais ou repletas de marcas da oralidade na escrita, especialmente quando se tem em mira alunos de ensino fundamental e médio, Indubitavelmente, os géneros que acabo de mencionar apresentam uma série de caracteristicas que séo comumente atribuidas 4 fala (cf, por exemplo, Koch, 1992, 1997; Koch et al., 1990), 0 que, de modo nenhum, os tora inferiores aos escritos: a) so relativamente nio-planejaveis de antemao, 0 que decorre de sua natureza altamente interacional; isto é, eles necessitam ser localmente planejados, ou seja, planejados e replanejados a cada novo lance do jogo da linguagem; b) a0 contrario do que acontece com o texto escrito, em cuja elaborago 0 produtor tem maior tempo para o planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisées e corregdes, modificar o plano previamente tracado, na maioria deles planejamento e verbalizagdo ocorrem quase simultaneamente, visto que emergem praticamente no momento da interagdo. Fatores como tempo e economia desempenham aqui importante papel; ©) apresentam uma sintaxe mais préxima do texto falado, sem, contudo, deixarem de ter como pano de fundo a sintaxe geral da lingua (Marcuschi, 1986; Koch, 1992,1997), Além dis ‘0, da mesma forma como acontece em situagdes de interagdo face-a-face, o locutor que, em dado momento, detém a palavra, no € 0 ‘nico responsdvel pela produgdo do seu discurso: em se tratando de uma atividade de co- IN_SENALEIIngedore_Koch htm 39 27108123, 23:03 ww lffa pro brtolad/Toxtos/Toxtos/Anais/SENALE_N produgo discursiva, os interlocutores estio juntamente empenhados na produgio do texto: eles ndo sé procuram ser cooperativos, como também co-negociam, co- argumentam (Marcuschi, 1986), a tal ponto que nao teria sentido analisar separadamente as produgdes de cada interlocutor. Durante 0 processo de produgio do texto falado - salvo excegdes como a conversa telefénica, gravagdes, programas radiofinicos e de televisio, por exemplo - os interlocutores se encontram in praesentia, num mesmo tempo, e partilhando um mesmo espago fisico no qual se encontram muitos dos referentes de que discurso ird tratar, Por isso, o processamento do texto, nessas circunstncias, tem de ser simultneo (on line) 4 sua verbalizago. Ora, no caso de géneros como bate- papos virtuais, emails etc., é verdade que os participantes ndo dividem o mesmo espaco fisico (embora partilhem 0 mesmo espago virtual), mas trata-se de eventos temporalmente simulténeos - sio interagées sincronas - de modo que, também aqui, © processamento deve ser on line. Enfim, como é a interagdo (imediata) o que importa, tanto no texto falado como em muitos dos géneros da internet, ocorem pressdes de ordem pragmética que se sobrepdem, freqiientemente, is exigéncias da sintaxe Assim sendo, com relagdo a esses textos da Internet, pode-se afirmar que, da mes ma forma que o texto falado, eles nao sio, absolutamente, cadticos, desestruturados, problemiticos. Ao contririo, eles tém uma estruturagdo diferente da escrita, ditada pelas circunstancias sécio-cognitivas de sua produgdo, e é a luz destas que devem ser descritos ¢ avaliados. Por exemplo, em muitos dos géneros virtuais emergentes, a construgdo de identidades se processa de forma bastante diferente quer da fala, quer da escrita. O uso de ‘nicknames’ em bate-papos, blogs etc. leva 4 construgo de identidades que em muito diferem das identidades sociais reais dos participantes. Por meio deles, criam-se identidades imagindrias, freqiientemente com caracteristicas (fisicas, psicolégicas, sociais, sexuais) bem diversas das identidades reai . 0 que & impossivel ocorrer em interagGes face-a-face € mesmo em textos escritos como bithetes, cartas e outros tipos de mensagens em que os interlocutores so conhecidos uns dos outros (a nio ser, é claro, que se trate de textos anénimos ou nos quais se usam pseudénimos ndo conhecidos dos parceiros, o que, porém, ndo & absolutamente a regra). Por conseqiiéncia, também as estratégias de preservagio IN_SENALEIIngedore_Koch htm 49 27108123, 23:03 ww lffa pro brtolad/Toxtos/Toxtos/Anais/SENALE_N das faces operam de maneira diferente, visto que so de outro tipo as faces que se procura preservar Também quanto as regras conversacionais, ocorre uma série de diferencas significativas: a sistemética da troca de tuos nem sempre ¢ obedecida, os pares adjacentes podem no ser — e, em geral nfo sio - to adjacentes assim, sobreposigSes ndo so viaveis em e.mails, blogs, entrevistas e aulas virtuais, para citar alguns casos. Portanto, pode-se mesmo postular uma ‘emancipagdo’de muitos dos géneros eletrdnicos tanto em relagdo a escrita, como em relagdo a fala. Ou seja, trata-se de transmutagdes dos géneros que thes deram origem (Bakhtin, 1953). Por isso, para se pensar a questo da relagdo oralidade/escrita na Internet, cabe fazé-lo com referéncia a cada um dos géneros textuais que nela emergiram. Por exemplo, chats e e.mails reproduzem estratégias da lingua falada, como a produgdo de enunciados mais curtos ¢ com menor indice de nominal zacdes (Halliday, 1996; Marcuschi , 2002). Para Halliday, no entanto, isto ndo significa uma ‘neutralizacdo’ das diferengas entre fala e escrita; o que acontece, na verdade, € que esto se criando condigdes materiai de uma nova tecnologia que ira permitir ‘maior interago entre ambas e da qual surgiro novas formas de discurso’, levando-se em conta que ‘os computadores encorajardo os escritores a integrar mais e mais materiais nao-verbais em sua escrita’ (Halliday, 1996: 356-358). Desta forma, a escrita na Internet, em géneros emergentes que derivam de praticas quer escritas, quer orais, permite maior informalidade ¢ maior grau de liberdade com relagao a ortografia e gramatica, além de recorrer ao uso de outras, semioses como sons, magens, bem como uma série de elementos icénicos, como os emoticons por exemplo, tomando-se uma escrita multimodal. Entre tais géneros, podem-se mencionar, entre outros, ladeados aos géneros que thes deram origem: e.mail carta, bilhete bate-papo conversagdo, encontros agendados bate-papo ICQ encontros com agenda aula virtual aula presencial entrevista entrevista videoconferéncia _conferéncia Em muitos desses géneros internetianos, conforme dissemos, a escrita menos formal, com o uso de muitas abreviaturas (algumas comuns escrita taquigrifica, outras inventadas ad hoe, isto &, localmente decididas e, muitas delas IN_SENALEIIngedore_Koch htm 59 27108123, 23:03 ww lffa pro brtolad/Toxtos/Toxtos/Anais/SENALE_N passageiras; mas ha também as que acabam se firmando, vindo a constituir um canone préprio do meio (Marcuschi, 2002). As aulas virtuais, por seu tuo, sdo eventos que se realizam essencialmente por escrito, ao contrario das aulas presenciais, que se utilizam predominantemente da fala, Além dis Ainda mais: no caso das aulas_ virtuais 0, as aulas presenciais sdo sincronas e as virtuais sdo as \cronas, , ocorre 0 que se pode chamar de “desteritorializagdo”, j que ndo exigem a presenga simultinea de professor ¢ alunos, que podem, assim, cada um, determinar seus hordrios e seu ritmo de aprendizagem. Nelas, portanto, 0 aluno assume grande parte do processo de aprendizagem, tornando-se mais independente do professor. E 0 texto, embora corrido, quase em forma de livro, tem uma organizagdo hipertextual, apresentando condigdes de acesso e de lincagem rapidas e bem diversificadas. Ampliam-se, desta forma, as diferengas entre uma ¢ outra, permitindo, inclusive, pensar-se na constituigo de um novo género, ainda que derivado do anterior. Caracteristico da comunicagao digital é seu alto grau de envolvimento, proprio da interagio face-a-face (Chafe, 1987), fazendo com que a escrita digital tenha, em varios de seus géneros, influéncias diretas das estratégias orais de textualizacao. Nao se pode, contudo, como dissemos, estabelecer um paralelo linear entre os géneros pertencentes a cada uma das duas modalidades. Além disso, na comunicagio digital, o envolvimento € nao apenas com 0 outro, mas com o préprio texto que est na tela do computador, Deste modo, a escrita digital sofre, sem davida, influéncia das estratégias de textualizago proprias da modalidade falada, passando a servir-se de recursos morfoldgicos ¢ sintiticos diferentes dos da escrita padro; mas é preciso ter cuidado em afirmar que se trata de uma ‘fala por escrito”: © que existe é um “hibridismo acentuado, nunca visto antes, inclusive com o actimulo de representagdes semidticas” (Marcuschi, 2002), Alids, no restam diividas de que, apesar da sua multimodalidade, os géneros da Internet sdo fundamentalmente baseados na escrita. Tal escrita tende, em geral, a uma certa informalidade, a par de menor monitoracdo e exigéncia, devido a fluidez, do meio e 4 preméncia do tempo. E por estas razées que se pode rer que a Internet transmuta os géneros existentes e, a par disso, desenvolve outros novos. que todos os pesquisadores do assunto vém ressaltando é que os textos eletrénicos estio propiciando uma nova relagdo com a escrita: trata-se, de modo geral, de uma escrita mais préxima da oralidade, que apresenta, portanto, muitas IN_SENALEIIngedore_Koch htm 69 27108123, 23:03 das caracteristicas desta, possibilitando, como dito acima, o surgimento de novas, formas de textualizagdo. Sem as barreiras das normas rigidas da escrita, estamos todos — principalmente criangas ¢ adolescentes - escrevendo muito mais do que antes: com os géneros emergentes da Intemet, esta ocorrendo no sé uma volta maciga a escrita, como também a sua revalorizagao, agora sem as peias que antes a encarceravam. Cabe aos professores, particularmente os de linguas ~ quer materna, quer estrangeiras - aproveitar essa nova ‘vocagdo’ dos alunos, desde os pequeninos até os de niveis mais adiantados de ensino, para incrementar a produgao de textos escritos nessa nova modalidade, com as caracteristicas proprias de uma nova tecnologia, mas, assim mesmo, essencialmente, escritos, Assim, em lugar de condenar a linguagem comum a esses géneros, temendo sua influéncia na escrita dos alunos, cumpre explorar ao maximo as possibilidades que essa nova tecnologia (alias, j4 nem mais tio nova assim) oferece, inclusive chamando a ateng3o dos educandos para a questio da variagZo presente no s6 na fala, como também na escrita, e mostrando-lhes que esta ndo é tio monolitica e imutvel como querem os puristas, defensores intransigentes da norma gramatical linica. E aproveitar essa fascinago pela escrita na Internet para leva-los a escrever mais e mais e ainda mais, na Internet ou fora dela, de forma a possibilitar-lhes, conforme postulam os PCNs de Lingua Portuguesa, 0 desenvolvimento de uma competéncia comunicativa condizente com a realidade que os cerca, propiciando- Ihes, assim, uma participacdo responsavel e critica nas préticas sociais em que sio levados a interagir, para concretizar com sucesso seus propésitos comunicativos. Referéncias CHAFE, Wallace .1987. Cognitive constraints on information flow. In: TOMLIN, R.S. Amsterdam: John Benjamins HALLIDAY, M.A.K. 1987. Spoken and written modes of meaning. In: HOROWITZ, R. & SAMUELS, S.J. (eds.), Comprehending oral and written language, San Diego: Academic Press. (ed.), Coherence and grounding in discourse. 1996. Literacy and Linguistics: a functional perspective. In: HASAN, R.& WILLIAMS, G. (eds). Literacy in Society. London: Longman, pp 339-376. KOCH, Ingedore G. V. 1992. A inter-agao pela linguagem. Sao Paulo’ Contexto, _. 1997. 0 texto e a construgao dos sentidos. Sao Paulo: Contexto. __et al. 1990. Aspectos do processamento do fluxo de informagao no wow lla pro briteladTextos/Toxtos/Anals/SENALE_IVI_SENALEIIngedore_Koch.him 79 27108123, 23:03 3 discurso oral dialogado. In: CASTILHO, Ataliba T.C., Gramdtica do Portugués Falado, vol.1, Campinas: Edunicamp/FAPESP, pp. 143-84. KOCH, Walter ; OESTERREICHER, W. 1990. Gesprochene Spracke in der Germania: Franzésisch, talienisch, Spanisch. Tiibingen: Niemeyer. MARCUSCHI, Luiz A. 1986. Andlise da Conversacao. so Paulo: Atica, Série Principios. 1995. Bases para a identificagdo de diferengas e semelhangas no continuo fala-escrita, Anais do IX Encontro Nacional da ANPOLL, vol.2, tomo II, Jodo Pessoa, pp.1188-1198. 2002.Géneros textuais emergentes e atividades lingilisticas no contexto da tecnologia digital. Conferéncia apresentada no GEL — Grupo de estudos Lingiiisticos, USP, Sio Paulo, maio de 2002. wow lla pro briteladTextos/Toxtos/Anals/SENALE_IVI_SENALEIIngedore_Koch.him 89 2708/23, 23:03 a wt effa pro.britelad/Textos/Textos/Anals/SENALE_IVIIV_SENALE/Ingedore_Koch.htm ery

You might also like