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na tentativa de superar as contradições. Não é possível entender os
fenômenos naturais e sociais sem entender suas múltiplas relações, pois
estão em constante movimento. O conhecimento é ativo, comprometido
com um ponto de vista determinado pelo investigador como sujeito social
e expressa como ele se insere na totalidade. Para se chegar ao
conhecimento é necessário um método que permita desvendar por trás da
aparência, o fenômeno tal qual realmente é, suas contradições e o que o
determina, o que o leva a apresentar-se da maneira como o faz.” (Kahhale;
Peixoto; Gonçalves, 2011, p. 69)
Contradição
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Assim, o princípio fundamental do materialismo histórico e dialético é a
contradição. Trata-se de princípio básico porque orienta o pensamento na abordagem e
descrição do real. E, por se tratar de uma concepção materialista, entende-se que orienta o
pensamento porque expressa uma característica da própria realidade objetiva: seu
movimento de transformação constante. O trecho a seguir trata desse princípio.
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c) Lei da unidade dos contraditórios.
Categorias da dialética
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produção. A totalidade, então, só é apreensível através das partes e das
relações entre elas.
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contraditória. A produção da vida social é a produção da história. O conteúdo histórico das
produções humanas deve ser considerado quando se estuda os fenômenos sociais e
humanos. Essa é a base da historicidade.
O materialismo histórico e dialético é o método que parte de uma visão materialista,
orienta o pensamento pela contradição e inclui a historicidade como qualidade presente nos
fenômenos estudados.
Historicidade e naturalização
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processo de constituição histórica; quando se universalizam conceitos e
explicações; quando se desconsideram os aspectos ideológicos; quando se
desconsidera a possibilidade de ações de transformação, ou quando elas
são atribuídas apenas ao esforço individual ou a aspectos da subjetividade
intrínseca aos sujeitos; quando, enfim, se individualiza a compreensão dos
fenômenos, desconsiderando determinações e mediações sociais e
históricas. Desnaturalizar significa, então: reconhecer as mediações
sociais e históricas presentes na constituição dos sujeitos e da realidade
social; apontar as contradições que marcam as relações sociais e seus
aspectos ideológicos; reconhecer o processo de constituição mútua na
relação indivíduo e sociedade. (Gonçalves, 2015a, p. 67)
Relação sujeito-objeto
Vêm também dos princípios e leis do materialismo histórico e dialético as
referências para uma concepção de relação sujeito-objeto que considere o processo de
transformação de ambos que se dá na relação. O sujeito tem uma intenção e age sobre o
objeto no processo de conhecimento, transformando-o. Ao mesmo tempo, é por ele
transformado. O sujeito que age o faz inserido em um lugar social determinado
historicamente e é a partir dele que se posiciona perante o objeto de conhecimento. É a
práxis, dialética entre teoria e prática.
O reconhecimento da transformação constante de toda a realidade, do papel da ação
do homem no processo de transformação social e da relação desses aspectos com o
conhecimento compreendido como práxis impõem um compromisso para a Psicologia: o
conhecimento psicológico deve ser reconhecido em seu papel histórico, sujeito e objeto em
relação dialética, subjetividade e objetividade em processo.
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A Epistemologia Qualitativa defende o caráter construtivo interpretativo
do conhecimento, o que de fato implica compreender o conhecimento
como produção e não apropriação linear de uma realidade que se nos
apresenta. A realidade é um domínio infinito de campos inter-
relacionados independente de nossas práticas; no entanto, quando nos
aproximamos desse complexo sistema por meio de nossas práticas, as
quais, neste caso, concernem à pesquisa científica, formamos um novo
campo de realidade em que as práticas são inseparáveis dos aspectos
sensíveis dessa realidade. São precisamente esses os aspectos suscetíveis
de serem significados em nossa pesquisa. É impossível pensar que temos
um acesso ilimitado e direto ao sistema do real, portanto, tal acesso é
sempre parcial e limitado a partir de nossas próprias práticas. [...]
Objeto da psicologia
Os princípios, leis e categorias do materialismo histórico e dialético orientam
concepções em psicologia que procuram superar a dicotomia subjetividade-objetividade no
estudo do homem, abordando o estudo de processos psicológicos na sua constituição e
produção a partir da atividade do indivíduo, a qual se dá em um contexto histórico e social,
sendo por ele determinada. Vigotski (1896 – 1934), psicólogo soviético, é considerado o
pioneiro na elaboração de uma psicologia que segue essa orientação. Os trechos a seguir, do
próprio Vigotski e de outros pesquisadores que seguem essa mesma perspectiva mostram
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como as características do materialismo histórico e dialético aparecem na psicologia,
principalmente na conceituação de seu objeto.
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a subjetividade e a objetividade; enfim, em vez de se buscar causalidades
ou determinações estritas, busca-se os elementos de mediação entre
indivíduo e sociedade, subjetividade e objetividade, compreendendo que
estão em processo constante.
Procedimentos metodológicos
A Psicologia Sócio-Histórica desenvolve a pesquisa aplicando as leis e categorias da
dialética ao objeto da psicologia. Seus procedimentos de pesquisa são definidos de forma
a desenvolver recursos e instrumentos que permitam apreender a dialética subjetividade-
objetividade, identificando as mediações que a constituem e sua relação com a totalidade.
Nesse processo, busca-se apreender a historicidade do objeto.
[...]
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Em resumo, então, o objetivo e os fatores essenciais da análise psicológica
são os seguintes: 1) uma análise do processo em oposição a uma análise
do objeto; 2) uma análise que revela as relações dinâmicas ou causais,
reais, em oposição à enumeração das características externas de um
processo, isto é, uma análise explicativa e não descritiva; e 3) uma análise
do desenvolvimento que reconstrói todos os pontos e faz retornar à origem
o desenvolvimento de uma determinada estrutura. O resultado do
desenvolvimento não será uma estrutura puramente psicológica, como a
psicologia descritiva considera ser, nem a simples soma de processos
elementares, como considera a psicologia associacionista, e sim uma
forma qualitativamente nova que aparece no processo de
desenvolvimento.” (Vigotski, 1996, p. 86)
Desse modo, as pesquisas [...] tomarão as falas dos sujeitos como ponto
de partida, para daí caminharem na busca de significados e sentidos
constituídos. [...]
[...] nossa análise deverá ter como meta: não nos contentarmos com a
aparência dos fatos; não fazer simplesmente uma análise das construções
narrativas, mas sim do sujeito; fazer uma análise que nos ajude a
apreender a totalidade que representa o sujeito, entendendo-a sempre
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como aberta, em movimento; não fragmentar o texto, fazendo com que as
partes fiquem desconexas, portanto sem explicação; apreender as
contradições, os momentos lacunares.[...]
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O tipo de conhecimento produzido numa pesquisa com abordagem sócio-
histórica, qualitativa, que a partir dos exemplos utilizados, poderia ser
caracterizada como Estudo de Caso (sujeito único, grupo...), tem um
caráter singular. Cada caso é único e a informação torna-se relevante e
pode ser generalizada a outros casos, não porque os resultados obtidos
sejam estendidos a outras situações ou sujeitos pretensamente
semelhantes, ou comparados a eles, mas porque essa abordagem nos
permite apreender o processo, as determinações constitutivas. Assim, a
generalização se define pela capacidade explicativa alcançada sobre uma
diversidade de fenômenos. Dá-se, portanto, pela capacidade de
desvelamento das mediações constitutivas do fenômeno pesquisado,
contribuindo qualitativamente no curso da produção teórica. O
conhecimento produzido, seja a partir de um sujeito, uma escola, um
grupo, constitui-se, pois, em uma instância deflagradora da apreensão e do
estudo de mediações que concentram a possibilidade de explicar a
realidade concreta. (Aguiar, 2001, p.13)
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