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O ATOR E A CÂMERA DE CINEMA

O cinema é uma forma de narrativa que se filma de maneira fracionada


(em planos), captados de forma descontinua (por eixo de luz, por partes do
cenário e segundo os problemas e as necessidades de produção). O tempo
cinematográfico na tela não é continuo. Ora os planos são em tempo real
(planos sequência), ora em tempo dramático (síntese de ações em um ou
vários planos de temporalidade curta ou longa). A chamada “boca de cena” que
em cinema são os limites do tamanho de plano, não é fixa, muda de tamanho,
posição, altura e pode estar fixa ou em movimento. A encenação não se dá
num palco italiano, numa arena onde o público e seu “ponto de vista”, como
espectador, estão num só lugar. O olhar do espectador é a lente da câmera. A
área dramática de atuação é o espaço do plano enquadrado por esta lente
naquele momento da narrativa. Portanto, a plateia de um filme não fica fora do
palco (área de encenação) Ao contrário, os espectadores ficam dentro do
espaço dramático que é o plano enquadrado. Não assistimos ao filme com uma
visão pessoal. Vemos o filme e participamos da atuação do ator naquela
determinada cena, através do “ponto de vista do narrador” (na primeira,
segunda ou terceira pessoa narrativa) determinada pelo diretor do filme. É ele
quem coloca o espectador no ponto de vista narrativo que desejar. É ele quem
escolhe de que ponto de vista (ou personagem) vai narrar a história. E você
espectador só vai ver o filme do ponto de vista deste personagem escolhido.
Esse conjunto de características da arte e da técnica de narrar as histórias,
através da linguagem cinematográfica, impõe aos atores e aos diretores de
atores de cinema, um conhecimento da arte e da técnica de atuar com as
câmeras. Os atores de cinema não atuam para a câmera, mas com a câmera,
sem demonstrar ao espectador a presença dela. Como se ele, (o espectador-
câmera) não estivesse ali presente. As primeiras experiências na
cinematografia mundial foram feitas pelos russos (Pudovikin e Eisenstein) e os
americanos, treinando atores para esta forma de atuar num método (jamais
escrito, mas desenvolvidos em exercícios práticos de Stela Adler, Lee
Strasberg e Elia Kazan). O chamado Actor’s Studio (atores para estúdio), que
nada tem haver com métodos brasileiros repletos de invencionices bizarras de

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atuação para televisão. O ator em televisão atua em tempo real (contínuo),
para várias câmeras captando a cena no mesmo momento. Trata-se de um
teatro filmado por cortes. Já o cinema trabalha com sínteses de tempo - o
tempo dramático. Os atores e diretores de atores que desejam trabalhar com
cinema devem se familiarizar com a linguagem cinematográfica e a
metodologia de atuar com as câmeras. Conhecer as lentes, os
posicionamentos e enquadramentos de câmera. E também as possibilidades
dos movimentos de câmera.
De forma resumida podemos assinalar alguns pontos dessa tecnoarte a
serem estudados e empregados como ferramenta pelos atores e diretores na
atuação dos atores, diante das câmeras cinematográficas (de: 16 mm, 35 mm,
Fotográficas HD que filmam: 5D, 7D e similares) ou câmeras videográficas (fita
magnética, cartão digital e similares), em narrativas ficcionais, empregando a
linguagem cinematográfica, independente do estilo do cineasta-diretor:

1 – Atuação dramática descontínua com rupturas e mudanças temporais;


Numa mesma jornada de trabalho, o ator roda em torno de 25 a 30
planos. Estes planos correspondem a momentos emocionais diferentes e de
trechos da narrativa descontínuos. Mas nem sempre, são filmados em ordem
numérica da decupagem do roteiro ou da programação do dia.

2- A construção do espaço fora de quadro (ou plano);


Em alguns planos, nas mais variadas cenas, o ator contracena com outro
ator que não está no quadro nem nas filmagens para lhe dar a “deixa” do texto.
O seu diálogo transforma-se num monólogo, contracenando com o espaço fora
de quadro. O seu olhar deve ser focado para a distância do espaço cênico real
que vai para a tela. O ator tem que acreditar que vê aquele espaço inexistente
no momento da filmagem.

3- A partitura corporal ou a ligação dramática de atuação plano a plano;


Pelo fato de se filmar plano a plano e de forma descontinua uma mesma
ação, o ator, deve obedecer, sem modificações, “as marcas” em cena e
construir a sua partitura corporal com a mesma intensidade na voz, nos gestos,

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nos deslocamentos e nos comportamentos em todos os planos daquela
sequência. Saber pontos básicos, tais como: que não se fala qualquer texto de
um roteiro cinematográfico: sentando, levantando-se ou voltando-se durante as
ações do plano.

4- O texto, o subtexto e o movimento de câmera;


Em cinema não há “cacos” ou improvisações. Uma vez decidido o texto
e a partitura corporal que se grava num plano, ele deve ser mantido ao longo
da cena em todos os planos que se captar nesta ação. Nas cenas sem texto, o
ator tem de aprender a construir o subtexto que vão determinar a sua partitura
corporal. O texto deve ser trabalhado: na intensidade, no ritmo e na pontuação,
evitando o texto projetado, empostado e quase gritado. Como numa partitura
musical onde variamos na melodia, no arranjo instrumental, sem sair do
compasso, o mesmo ocorre na atuação cinematográfica.

5 – A representação buscando a atuação orgânica.


O ator de cinema não representa um personagem. Ele é o personagem
com o seu próprio tipo físico. Não busca um “fisique du role”. O ladrão, o
policial, o amante ou o personagem do traído é o ator com suas características.
Ele veste o personagem em sua pessoa, com a sua memória afetiva,
intelectual e vivência psico-social. Sem naturalismo ou interpretação. Não
projetar a interpretação, evitando-se os gestos largos, as expressões faciais e a
movimentação “over”. A “atuação” em cinema é intimista, minimalista, orgânica
e o espectador (a câmera) está sempre muito próximo de você. Aumentando
tudo cem vezes mais.

Jorge Monclar
https://aictv.com.br/o-que-todo-mundo-deveria-saber-sobre-atuacao-ou-
direcao-de-atores-para-cinema-parte-1/

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