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Desigualdade de Oportunidades

no Brasil
Carlos Antonio Costa Ribeiro

Desigualdade de Oportunidades
no Brasil

Publicação com apoio do:

ARGVMENTVM
Belo Horizonte
2009
Todos os direitos reservados à
ARGVMENTVM Editora Ltda.
© Carlos Antonio Costa Ribeiro
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido
por qualquer meio sem a autorização da editora.

As idéias contidas neste livro são de responsabilidade do seu autor


e não expressam necessariamente a posição da editora.

CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE | SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVRO, RJ


R367d
Ribeiro, Carlos Antonio Costa, 1967-
Desigualdade de oportunidades no Brasil / Carlos Antonio Costa Ribeiro. – Belo Hori-
zonte, MG : Argvmentvm, 2009.
ATENÇÃO N. PÁG. p. ; il. – (Trabalho & desigualdade ; 9)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-98885-64-3
1. Igualdade na educação – Brasil. 2. Renda – Distribuição – Brasil. 3. Mobilidade
social. 4. Sociologia educacional. I. Título. II. Série.
09-1961. CDD: 306.43
CDU: 37.015.2
28.04.09 04.05.09 012341

Concepção Artística da Coleção Trabalho & Desigualdade


Paulo André Ferreira de Souza – BELAS ARTES | UFMG

CONSELHO EDITORIAL

Coleção Trabalho & Desigualdade

Celi Scalon | UFRJ


Jorge Alexandre Neves | UFMG
Magda Neves | PUC-MG
Nelson do Valle Silva | IUPERJ
Sergei Soares | IPEA
Tom Dwyer | UNICAMP

ARGVMENTVM
Editora Ltda.
Rua dos Caetés, 530 sala 1113 - Centro
Belo Horizonte. MG. Brasil
Telefax: (31) 3212 9444
www.argvmentvmeditora.com.br
Para Luciana, Joaquim e Clara
Sumário

Introdução ...............................................................................................15

CAPÍTULO 1

Desigualdade de Oportunidades Educacionais no Brasil:


Raça, Classe e Gênero ...............................................................................21
1. Introdução .....................................................................................21
2. Abordagens Teóricas à Estratificação Educacional e às Relações Raciais
no Brasil ...........................................................................................25
3. O Sistema Educacional Brasileiro ....................................................29
4. Dados e métodos ............................................................................33
4.1. Dados....................................................................................33
4.2. Método ..................................................................................38
5. Análise das Tendências na Estratificação Educacional no Brasil .........42
5.1 Mudança nas Taxas de Transição ..............................................42
5.2. Mudança na Estratificação Educacional no Tempo e entre
Transições .............................................................................. 44
5.3. Mudança nas Primeiras Taxas de Transição: Entrada na Escola e
Conclusão de Quatro Anos de Educação Fundamental ................57
6. Conclusão ......................................................................................61
Referências bibliográficas .................................................................. 65
Anexo ...............................................................................................70

CAPÍTULO 2

Cor, educação e casamento: tendências da seletividade marital no Brasil, de


1960 a 2000............................................................................................75
1 – Introdução ...................................................................................75
2 – Teorias sobre seletividade marital ..................................................77
3 – A escolha conjugal por cor no Brasil ............................................. 84
4 – Os dados e os modelos ..................................................................87
5 – Taxas absolutas de seletividade conjugal ........................................93
6 – Seletividade marital por cor dos cônjuges ...................................... 99
7 – Seletividade marital por educação................................................102
8 – Seletividade marital por cor e educação .......................................105
9 – Conclusão .................................................................................. 114
Referências bibliográficas .................................................................115

CAPÍTULO 3

Classe e Gênero no Brasil Contemporâneo: Mobilidade Social, Casamento e


Divisão do Trabalho Doméstico ...............................................................119
1 – Introdução .................................................................................119
2 – Interconexões de família, gênero e classe ....................................122
3 – Metodologia ...............................................................................125
4 – Mobilidade Social.......................................................................127
5 – Casamentos: Homogamia e Heterogamia ......................................133
6 – Divisão do Trabalho Doméstico ...................................................137
6.1 – Distribuição percentual da divisão do trabalho doméstico ......138
6.2 – Tipos de família e divisão doméstica do trabalho ..................140
6.3 – Análises multivariadas .......................................................142
7 – Conclusão ..................................................................................145
Referências bibliográficas ................................................................. 147
Anexo .............................................................................................149

CAPÍTULO 4

Classe, Raça e Mobilidade Social no Brasil..............................................151


1 – Introdução .................................................................................151
2 – Trabalhos anteriores ...................................................................153
3 – Os dados, os modelos e os ajustes dos modelos .............................160
4 – Raça ou classe: os determinantes da mobilidade social ..................168
5 – Desigualdade de oportunidades educacionais ............................... 172
6 – Destinos de classe: efeitos de raça, origem de classe e qualificação
educacional .................................................................................... 174
7 – Conclusões................................................................................. 177
Referências bibliográficas .................................................................181
Anexo .............................................................................................184

CAPÍTULO 5

Mobilidade Social Passada e Futura: Correlações com Opiniões Políticas,


Percepções sobre Conflito e sobre Chances de Vida ....................................187
1 – Introdução .................................................................................187
2 – Hipóteses de trabalho .................................................................189
3 – Metodologia de análise ...............................................................195
4 – Classes, Mobilidade Passada, e Mobilidade Futura........................198
5 – Posições Políticas, a Hipótese de Aculturação e a Hipótese da
Possibilidade de Mobilidade Ascendente Futura .................................202
5.1 – Chances de se identificar com o PT......................................205
5.2 – Opinião sobre políticas distributivas ....................................207
6 – Insegurança social e percepções sobre confl ito..............................209
6.1 – Percepções sobre Confl ito de Classes e Confl itos de Raça ......210
7 – Dimensões da mobilidade: percepções sobre características de
mobilidade ......................................................................................213
7.1 – Opinião sobre a idéia de que os esforços individuais são
recompensados ......................................................................215
7.2 – Opiniões sobre a idéia de que “é preciso ter sorte para subir na
vida”.....................................................................................216
8 – Conclusão .................................................................................. 217
Referências bibliográficas .................................................................219
Anexo .............................................................................................222
Figuras, Gráficos e Tabelas

CAPÍTULO 1
Figura 1 – Percentagem da população entre 5 e 14 anos de idade matriculada em
escolas primárias públicas e privadas, e população entre 15 e 19 anos de idade
matriculada em escolas secundárias públicas e privadas,
Brasil : 1948 a 1995 ..................................................................................... 31
Figura 2 – Percentagem da população entre 15 e 19 anos de idade matriculada em
escolas secundárias, e população entre 20 e 25 anos de idade matriculada em
Universidades, Brasil: 1948 a 1995 ................................................................ 32
Tabela 1 – Estatísticas descritivas: Médias e desvios padrão das variáveis em cada
coorte de idade, homens e mulheres brasileiros nascidos entre 1932 e 1976 ...... 37
Figura 3 – Educação alcançada por coorte de nascimento, Brasileiros nascidos entre
1932 e 1984 ................................................................................................. 42
Figura 4 – Taxas de transição educacional por coortes de idade, brasileiros nascidos
entre 1932 e 1984......................................................................................... 43
Tabela 2 – Coeficientes da regressão logística por transição e coorte:
Brasil, 1996-97 ............................................................................................ 46
Figura 5 – Probabilidades preditas de completar um ano de universidade (T5) para
homens e mulheres com mães tendo 1 e 12 anos de escolaridade por coorte de
idade: brasileiros nascidos entre 1932-71........................................................ 51
Figura 6 – Probabilidades preditas de completar cinco transições educacionais para
brancos, pardos e pretos cujos pais eram Profi ssionais (classe I) ou Trabalhadores
Manuais Qualificados na Industria Moderna (Classe VIa): brasileiros(as) nascidos
em 1932-84 .................................................................................................. 56
Tabela 3 – Efeito do background social nas duas transições educacionais iniciais de
acordo com os modelos escolhidos: brasileiros, 1932-84 .................................. 58

ANEXO
Tabela A1 – Modelos selecionados para sucesso, Brasil: 1996-97 ........................... 70
Tabela A2 – Coeficientes do modelo de regressão lógistica escolhido (26 na tabela A1):
Brasil, 1996-97 ...............................................................................................72
Tabela A3 – Parâmetros estimados pelo modelo logit escolhido para analisar o effeito
das variáveis de background na transição 1 (T1) e na 2 (T2)............................. 73

CAPÍTULO 2
Figura 1 – Esquema Conceitual da Análise da Seletividade Conjugal ...................... 79
Tabela 1 – Parâmetros para os Efeitos de Barreira e Homogamia no Modelo de
Seletividade por Cor no Casamento ................................................................. 91
Tabela 2 – Cor do Marido e Cor da Esposa – (1960, 1980 e 2000)......................... 94
Tabela 3 – Vantagem Educacional Média entre os grupos de Cor no Brasil – (1960,
1980 e 2000)................................................................................................ 95
Tabela 4 – Educação (Anos de Escolaridade) do Marido e
da Esposa (1960 a 2000) ............................................................................... 96
Tabela 5 – Endogamia Racial e Educacional Total, Hipogamia e Hipergamia Racial e
Educacional no Brasil (1960, 1980 e 2000) (%) .............................................. 98
Tabela 6 – Modelos para Tabela Cruzando Cor do Marido (H) com Cor da Esposa (W)
e Ano do Censo (T) para Casais em que Ambos os Cônjuges tinham entre 20 e 34
anos em 1960, 1980 e 2000 ........................................................................ 100
Tabela 7 – Modelos Ajustados à Tabela Cruzando Educação do Marido (E) com
Educação da Esposa (S) e Ano do Censo (T) para Casais em que Ambos os Cônjuges
Tinham entre 20 e 34 anos em 1960, 1986 e 2000 ....................................... 103
Tabela 8 – Ajuste de Modelos Log-Lineares à Tabela Cruzando Cor do Marido (H) com
Cor da Esposa (W), Educação do Marido (E), Educação da Esposa (S) e Ano do
Censo (T) para Casais em que Ambos os Cônjuges Tinham entre 20 e 34 Anos de
Idade em 1960, 1986 e 2000 ...................................................................... 106
Tabela 9 – Parâmetros Selecionados Estimados pelo Modelo 7, Casais com Ambos os
Cônjuges com Idade entre 20 e 34 Anos Brasil, 1960, 1980 e 2000 ............... 108
Tabela 10 – Chances Relativas de Cruzar Barreiras Educacionais e Raciais aos
Casamentos em 1960, 1980 e 2000. Cálculos Feitos a partir dos Parâmetros
Estimados pelo Modelo 7, da Tabela 8, Apresentados na Tabela 9 .................. 111
Gráfico 1 – Barreiras educacionais para cada tipo de casamento inter-racial, Brasil
1960 .......................................................................................................... 112
Gráfico 2 – Barreiras educacionais para cada tipo de casamento inter-racial, Brasil
1980 .......................................................................................................... 113
Gráfico 3 – Barreiras educacionais para cada tipo de casamento inter-racial, Brasil
2000 .......................................................................................................... 113

CAPÍTULO 3
Tabela 1 – Categorias de classe e respectivas médias de renda individual mensal e de
anos de educação completos: Brasil, 2003 .................................................... 126
Tabela 2 – Distribuição de classes de origem e destino e taxas absolutas de mobilidade
intergeracional para homens e mulheres, tabelas de mobilidade do pai para o fi lho(a)
e da mãe para o fi lho(a), Brasil 2003 (em números percentuais %) .................. 129
Tabela 3 – Distribuição de classe de maridos e esposas, e taxas absolutas de
homogamia e heterogamia de classe para todos os casais, e casais em que ambos
estão no mercado de trabalho: Brasil 2003 (em números percentuais %) ......... 135
Tabela 4 – Distribuição percentual da contribuição de cada cônjuge para o trabalho
doméstico no Brasil, 2003 ........................................................................... 139
Tabela 5 – Percentual do Trabalho Doméstico Realizado pelo Conjuge Segundo
Respondente, Brasil 2003. Tipo de família entre parênteses
(explicação no texto) .....................................................................................141
Tabela 6 – Regressão linear da composiçãoo de classe do casal e outras variáveis
selecionadas no trabalho doméstico do cônjuge .............................................. 143
Tabela 7 – Regressão linear simples de gênero em trabalho doméstico
do cônjuge .................................................................................................. 145

ANEXO
Tabela 1 – Estatísticas de ajuste de modelos log-lineares estimados para analisar tabelas
de mobilidade intergeracional entre: (I) pai e fi lho ou fi lha no mercado de trabalho
(3x3x2), (II) mãe e fi lha ou fi lha no mercado de trabalho (3x3x2), (III) pai e fi lho
ou fi lha incluindo destino desempregado (3x4x2), e (IV) mãe fi lho ou fi lha incluindo
orig e dest “do lar” (4x4x2). Brasil 2003 ...................................................... 149
Tabela 2 – Estatísticas de ajuste de modelos log-lineares estimados para analisar tabelas
de mobilidade intergeracional entre: (I) pai e fi lho ou fi lha no mercado de trabalho
(3x3x2), (II) mãe e fi lha ou fi lha no mercado de trabalho (3x3x2), (III) pai e fi lho
ou fi lha incluindo destino desempregado (3x4x2), e (IV) mãe fi lho ou fi lha incluindo
orig e dest “do lar” (4x4x2). Brasil 2003 ...................................................... 150

CAPÍTULO 4
Figura 1 ........................................................................................................... 155
Tabela 1 – Estatísticas de Ajuste dos Modelos de Associação Aplicados a Tabela 1
do anexo: Tabelas de Mobilidade Intergeracional para Homens Brancos, Pardos e
Pretos entre 25 e 64 anos de idade, Brasil 1996 (N = 40.635) ...................... 163
Tabela 2 – Parametros de Interseção, Inclinação, e Escore de Cor para o Model 3
Estimado por Máxima Verossimilhança: Tabela de Mobilidade para Homens
Brancos, Pardos, e Pretos ............................................................................ 164
Tabela 3 – Ajuste, Parâmetros Estimados e Desvios Padrões dos Modelos Logit
Estimados para Cada uma das Transições Educacionais: Homens entre 25 e 64
anos, Brasil 1996 ........................................................................................ 166
Tabela 4 – Modelos Logit Multinomiais em Forma Condicional para Probabilidades de
Entrar em 4 Estratos Ocupacionais em 1996. Homens entre 25 e 64 anos: Brasil ..
168
Figura 2 – Log das Razões de Chances Observadas e Experadas Segundo Modelo M3*
por Escore de Cor.........................................................................................170
Gráfico 1 – Efeitos de Origem de Classe e Cor sobre Log Chances de Fazer Transições
Educacionais para Homens ...........................................................................173
Gráfico 2 – Chances Estimadas de Homens Brancos e Negros se Tornarem
Trabalhadores Manuais ao Invés de Trabalhadores Rurais por Anos de
Escolaridade. (Modelos 2 tabela 4): Brasil 1996 .............................................175
Gráfico 3 – Chances Estimadas de Homens Brancos e Negros se Tornarem Profi ssionais
ou Administradores ao Invés de Trabalhadores Rurais por Anos de Escolaridade.
(Modelos 2 tabela 4): Brasil 1996 ..................................................................176
ANEXO
Tabela A – Tabela cruzando origem de classe (O) por destino de classe (D) por cor (C)
para homens entre 25 e 64 anos de idade, Brasil: 1996 ................................. 184
Tabela B – Hierarquia de Classes e Estratos por Médias de Anos de Escolaridade e
Renda Mensal e Coeficientes de Associação: Brasil 1996................................ 185
Tabela C – Distribuições de Classes de Origem e de Destino, e Índices de Mobilidade
Absoluta para Homens Brancos, Pardos e Pretos entre 20 e 64 anos de Idade, Brasil
1996 (dados da PNAD-1996) ....................................................................... 186

CAPÍTULO 5
Tabela 1 ........................................................................................................... 200
Gráfico 1 – Taxas Absolutad de Mobilidade Social Passada (Intergeracional) e Futura
(esperada para os próximos 10 anos), Homens e Mulheres com mais de 18 anos de
idade, Brasil, 2001...................................................................................... 201
Tabela 2 – Percentagem se identificando com partido de esquerda (PT) e média em
escala concorda-não concorda (5pontos) com aumento de impostos para fi nanciar
políticas sociais, por quatro trajetórias de mobilidade, por sexo, e por mobilidade
passada e futura .......................................................................................... 205
Gráfico 2 – Efeito do tipo de mobilidade no log das chances de se identificar com o PT
(Modelo Logit) ............................................................................................. 206
Tabela 3 – Tabela 3 - Média em escala muito forte-não há (4 pontos) confl ito entre
classe trabalhadora e classe média, e confl ito entre brancos e pretos, por trajetória
de mobilidade, por sexo, e por mobilidade futura e passada............................ 210
Tabela 4 – Tabela 4 - Média em escala concorda-discorda (5 pontos) que pessoas são
recompensadas pelos seus esforços e que é necessário sorte para subir na vida por
quatro trajetórias de mobilidade, por sexo, e por mobilidade futura e passada ..214

ANEXO
Tabela 1 – Mobilidade Social Passada e Futura, Homens e Mulheres com mais de 18
anos de idade: Brasil, 2001.......................................................................... 222
Introdução

As desigualdades de oportunidade só podem ser observadas a partir


da análise da transmissão de vantagens e desvantagens socioeconômicas
ao longo dos ciclos de vida. Em vez de descrever a distribuição de bens
ou posições sociais valorizadas (renda, posição ocupacional, educação,
etc.) em um único momento, para determinar o grau de desigualdade de
condições, as pesquisas sobre desigualdades de oportunidade focalizam
as chances diferenciais que indivíduos e famílias têm de alcançar estas
posições e obter estes bens.
Em sua versão mais completa, uma agenda de pesquisas sobre este
tema prevê a análise da transmissão de vantagens e desvantagens ao longo
das diversas fases do ciclo de vida dos indivíduos que vão desde as famílias
de origem, junto às quais nasceram e cresceram, até a formação de uma
nova unidade familiar autônoma. Os indivíduos não apenas nascem com
características (cor, gênero, etc.) e em famílias (com recursos econômicos,
sociais, culturais, etc.) diferentes, que marcam um início desigual de suas
trajetórias de vida, como também em determinados momentos históricos
proporcionando oportunidades e condições distintas que marcam as co-
ortes e gerações a que pertencem. Enquanto alguns nascem em famílias
pobres, outros são filhos de pais mais ricos, o que significa que ao nascer
os indivíduos já contam com recursos socioeconômicos e hábitos culturais
desigualmente distribuídos. Além disso, os períodos históricos em que as
pessoas nascem e crescem também vão influenciar suas condições de vida;
enquanto algumas coortes estão na idade de freqüentar escolas em um mo-
mento em que há escassez de vagas no sistema educacional, por exemplo,
outras, nascidas em outro momento, chegam à idade escolar quando há uma
expansão do número de vagas no sistema escolar. As biografias individuais
estão diretamente ligadas às condições históricas desde o começo.
A partir deste ponto inicial os indivíduos passam por uma série de
transições que marcam seus ciclos de vida. Uma primeira etapa é a da
“internalização dos recursos”, ou seja, condições de saúde e nutrição das
crianças, acesso a pré-escola e conformação de valores. De fato, alguns
têm inclusive chances maiores de sobreviver do que outros. Uma segunda
fase, de grande importância, porque teoricamente pode levar à superação
de algumas desvantagens iniciais, é a da escolarização. Os indivíduos têm
chances desiguais de progredir no sistema educacional e, portanto, de

15
adquirir recursos fundamentais para alcançar posições sociais valorizadas
na sociedade. Duas outras transições, além da finalização da escolariza-
ção, marcam o início da vida adulta: entrada no mercado de trabalho e
escolha conjugal. A entrada no mercado de trabalho representa o início
da trajetória individual na esfera produtiva do trabalho e da acumulação
de riqueza, ao passo que a escolha conjugal leva, em geral, ao início da
trajetória na esfera reprodutiva de formação da família e nascimento dos
filhos. As características de origem social dos indivíduos (gênero, classe
social, raça ou cor, região de nascimento e coorte de idade), bem como o
nível de escolarização alcançado, estão diretamente correlacionados ao
tipo de cônjuge que encontrarão e ao tipo de carreira que seguirão. Na
fase adulta, observamos as trajetórias ocupacionais e de condição de tra-
balho, a aquisição de renda e a acumulação de riqueza, o comportamento
reprodutivo e sexual (história conjugal e de relacionamentos, bem como
de maternidade e paternidade), e uma série de hábitos (fumo, prática
de exercício, alimentação, etc.) que influenciam as condições de saúde
das pessoas. Finalmente, podemos definir resultados na vida adulta dos
indivíduos tais como: a saúde (expectativa de vida, experiência de vida
saudável, morbidade, incapacidade, etc.); as percepções e opiniões em
geral; os hábitos culturais; e a participação cívica e política. No final, um
novo ciclo se inicia com os indivíduos adultos e suas famílias definindo
condições de origem social para seus filhos.
Embora extremamente simplificada, esta concepção sobre transmis-
são de desigualdades ao longo dos ciclos de vida continua a ser bastante
ambiciosa e não vai ser estudada em todas as suas fases nos capítulos
deste livro. Concentrar-me-ei apenas em algumas das fases e em certas
questões teoricamente relevantes. Antes de apresentar brevemente cada
capítulo, gostaria de destacar dois aspectos mais gerais que estarão pre-
sentes em praticamente todos eles. Por um lado, desenvolvo análises que
permitem descrever mudanças históricas no desenvolvimento da estrutura
social brasileira durante a segunda metade do século XX. Nesse período,
o Brasil se tornou uma sociedade industrial e moderna complexa. Esta
mudança foi acompanhada por uma expansão do sistema educacional
(com características específicas que serão discutidas no capítulo 1) que
afetou de forma significativa não apenas a desigualdade de oportunidades
educacionais em termos de classe social, raça e gênero (capítulo 1), mas
também os padrões de casamento observados entre 1960 e 2000 (capí-
tulo 2). Por outro lado, em todos os capítulos do livro apresento análises
relevantes para o tema das desigualdades de classe, de raça e de gênero
no Brasil. O debate sobre a relação entre desigualdades raciais e de classe

16
é discutido em detalhe em alguns capítulos (1, 2 e 4; e, marginalmente,
no capítulo 5, que trata de opiniões sobre conflito), enquanto o debate
sobre a interação entre desigualdades de classe e de gênero encontra-se
em alguns outros capítulos (1, 2 e 3). A importância das classes sociais
na estrutura social brasileira é discutida ao longo de todo o livro, uma
vez que permanece sendo fundamental para entendermos não apenas os
padrões e tendências das desigualdades sociais, como também as opiniões
e posições políticas (capítulo 5).
No primeiro capítulo, publicado pela primeira vez neste livro, analiso
em detalhe as tendências das desigualdades de oportunidades educacio-
nais no Brasil na segunda metade do século XX. Nesse período, houve
uma enorme expansão do sistema educacional, mas as desigualdades
sociais em cada transição dentro do sistema educacional praticamente
não diminuíram. Algumas mudanças, no entanto, são observadas: (1) a
desigualdade de gênero foi invertida, uma vez que ao longo dos anos as
mulheres passaram a ter mais chances de progredir no sistema do que os
homens; e (2) a desigualdade de classe diminuiu para entrar-se na escola
e completar-se a 4ª série primária depois de 1982, e aumentou para
entrar-se na universidade. A desigualdade racial, outro tema central do
capítulo, permaneceu inalterada. Embora seja sempre menos relevante do
que a desigualdade de classe, e seja especialmente importante na entrada
da universidade. Nesse capítulo também discuto, por um lado, os efeitos
de diferentes políticas educacionais – implementadas entre as décadas de
1960 e 1980 – sobre as tendências da desigualdade de oportunidades, e,
por outro lado, algumas teorias da sociologia da educação. Embora eu não
faça sugestões quanto a possíveis políticas publicas, acredito que os resul-
tados sejam relevantes para debates na área de políticas educacionais.
No segundo capítulo, escrito em parceria com Nelson do Valle Sil-
va, analiso as tendências do casamento inter-racial no Brasil usando os
censos de 1960, 1980 e 2000. O percentual de casamentos inter-raciais
aumentou de um em cada dez em 1960 para um em cada três em 2000.
Paralelamente, a expansão do sistema educacional levou a uma diminuição
na desigualdade educacional agregada entre brancos, pardos e pretos,
que poderia estar em princípio relacionada ao aumento do número de
casamentos heterogâmicos. As análises, no entanto, revelam que realmente
houve uma diminuição das barreiras raciais, e também educacionais, aos
casamentos no Brasil. Em outras palavras, o mercado matrimonial se tornou
mais aberto em termos raciais e educacionais, o que indica que na esfera
da sociabilidade e do casamento as relações raciais brasileiras estão se
tornando mais abertas e menos preconceituosas ao longo dos anos.

17
Enquanto o capítulo 2 focaliza as interações entre raça e classe (re-
presentada por educação) relativamente às tendências do casamento inter-
racial, o terceiro focaliza a interação entre classe e gênero em termos de
mobilidade social, padrões de casamento e divisão do trabalho domés-
tico. Inicialmente, apresento análises sobre as desigualdades de gênero
em termos de mobilidade social e mercado de trabalho, bem como os
padrões de casamento entre diferentes grupos de classe. Estas análises
indicam que os domicílios brasileiros permanecem sendo caracterizados
por maridos com posição socioeconômica superior à de suas esposas. Em
seguida, descrevo como estas desigualdades de gênero se relacionam à
divisão de poder dentro dos domicílios; para tanto, analiso a divisão do
trabalho doméstico entre maridos e esposas. Estas análises indicam que,
mesmo quando as mulheres têm posição socioeconômica mais elevada do
que seus maridos, são as primeiras que desempenham a maior parte dos
trabalhos domésticos. Em outras palavras, não há diferença de classe,
mas apenas de gênero, na divisão do trabalho doméstico.
No quarto capítulo volto a analisar as desigualdades de oportunidade
em termos de raça e classe. Em vez de descrever apenas as desigualdades
educacionais como faço no capítulo 1, estudo o processo de mobilidade
intergeracional entre origem de classe, passando por educação alcançada,
até o destino de classe. O principal objetivo é analisar a interação entre
classe e raça nas chances de mobilidade social ascendente. As evidências
apresentadas indicam que entre os indivíduos com origens nas classes
sociais mais baixas não há desigualdade racial nas chances de mobilidade
social. Em contraposição, entre os indivíduos com origem de classe mais
elevada há desigualdade racial, tendo em vista que brancos têm mais
chances de ficar imóveis no topo da hierarquia do que pretos e pardos. Em
outras palavras, a desigualdade racial nas oportunidades de mobilidade
social parece ser relevante apenas nas posições mais altas da hierarquia
de classes. As implicações destes resultados para o debate sobre raça e
classe no Brasil também são discutidas.
Finalmente, no quinto capítulo, deixo de analisar as características
objetivas da estratificação social para discutir alguns aspectos subjetivos.
Por aspectos subjetivos entendo simplesmente as percepções dos indivíduos
sobre políticas, conflitos e chances de vida. Em vez de simplesmente analisar
a correlação entre estas percepções – tais como expressas em pesquisas de
opinião – e a posição de classe dos indivíduos, analiso a correlação entre,
por um lado, as trajetórias de mobilidade social vividas e esperadas para
o futuro e, por outro lado, as percepções indicadas. Os resultados indicam
a relevância de se levarem em conta a mobilidade social e, portanto, as

18
mudanças que caracterizam a estrutura de classes, para estudar a varia-
bilidade nas opiniões sobre conflito, chances de vida e política.
Além da unidade temática, todos os capítulos deste livro partem de
uma perspectiva inspirada pelas chamadas “teorias de médio alcance”, que
vêm sendo recentemente definidas como “sociologia analítica”.1 Este tipo
de perspectiva compartilha da idéia de que o diálogo entre evidências e
teorias se dá a partir da análise de processos e mecanismos sociais recor-
rentes nas sociedades e passíveis de verificação empírica.2 Neste sentido,
em cada um dos capítulos apresento discussão não apenas sobre pesquisas
anteriores, mas também sobre teorias específicas relacionadas a cada um
dos temas tratados. O objetivo, como é usual em trabalhos acadêmicos, é
estabelecer um diálogo entre evidências empíricas e teorias sociológicas.
No caso dos capítulos que se seguem, este diálogo é estabelecido a partir
do uso de metodologia quantitativa, o que não significa que eu seja contra
outros tipos de metodologia e pesquisa, mas simplesmente que escolhi esta
abordagem para desenvolver esse diálogo fundamental para o desenvolvi-
mento do conhecimento. Uma das vantagens da metodologia quantitativa
é a de que outros pesquisadores podem usar os mesmos bancos de dados
que utilizei para verificar e questionar a validade dos meus resultados.

***

Neste livro reúno artigos representativos das pesquisas que venho de-
senvolvendo nos últimos anos. Gostaria de ter incluído pelo menos outros três
capítulos, mas os respectivos artigos já estavam comprometidos com outras
publicações. A maioria dos trabalhos foi produzida no âmbito do projeto
“As dimensões sociais das desigualdades” (Instituto do Milênio, CNPq). Ao
CNPq, portanto, devo agradecer: (1) o financiamento da pesquisa do Instituto
do Milênio, que possibilitou a publicação deste livro e diversas outras ativi-
dades durante os últimos três anos, bem como (2) a bolsa de produtividade
em pesquisa. O projeto do Milênio foi coordenado por Nelson do Valle Silva,
que o fez de maneira impecável. Agradeço mais uma vez o Nelson pelas

1
Vejam-se Peter Bearman e Peter Hedström (Handbook of Analytical Sociology. Oxford:
Oxford University Press, 2009); e Peter Hedström (Dissecting the Social: On the
principles of analytical sociology. Cambridge: Cambridge University Press, 2005).
2
Vejam-se Charles Tilly (Explaining social processes. Boulder: Paradigm Publishers,
2008); Arthur Stinchcombe (Constructing Social Theories. Chicago: Chicago University
Press, 1987[1968]); e Peter Hedtröm e Richard Swedberg (Social Mechanisms: an
analytical approach to social theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1998).

19
diversas discussões e conversas. A oportunidade de trocar idéias com outros
participantes do projeto também foi fundamental. Agradeço a todos e espero
que consigamos continuar nossos diálogos e discussões.
Grande parte deste livro foi escrita e concebida no Center for Advanced
Study in the Behavioral Sciences (CASBS) da Stanford University, no qual
fui pesquisador visitante entre Setembro de 2007 e Maio de 2008. Minha
estadia foi financiada pela Jacobs Foundation e pelo The William and Flo-
ra Hewlett International Fellows Endowment. Agradeço aos funcionários
do Centro e a seus diretores, Claude Steele e Anne Petersen. Conversas
e discussões com alguns de meus colegas da coorte de 2007-2008 do
CASBS foram especialmente importantes tanto do ponto de vista de mi-
nhas pesquisas quanto da perspectiva pessoal; agradeço em particular a:
Dianna Archancheli, Martin Benavides, Donald Brenneis, Rob Crosnoe,
Patrick Heuveline, Julie Berger Hotchstrasser, Petri Toiviainen, Suman
Verma e Amy Stuart Wells. Devo um agradecimento especial a Marlis
Buchman (University of Zurich), que me indicou como fellow e discutiu
comigo diversos aspectos de minha pesquisa, bem como a Silvia Elena
Giorguli Saucedo (El Colegio de Mexico), que discutiu temas relacionados a
demografia e transições para a vida adulta comigo. Marlis e Silvia fizeram
parte de um projeto que desenvolvemos no CASBS sobre transições da
adolescência para a vida adulta em perspectiva comparada.
Também devo agradecer aos colegas do IUPERJ por terem me con-
cedido uma licença especial, que possibilitou minha estadia no CASBS.
Além disso, os professores, funcionários e alunos do IUPERJ propiciam um
ambiente acadêmico de excelência, que dificilmente encontramos no Brasil
ou no exterior. Gostaria de agradecer especialmente a Adalberto Cardoso,
meu outro colega do IUPERJ que participou da pesquisa do Milênio, e a
Flávio Carvalhaes e Pedro Souza, meus alunos e assistentes de pesquisa.
Juntos, criamos o Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social
(CERES) para continuar a desenvolver nossos temas de pesquisa.
Na UERJ também contei com alguns grandes amigos. Helena Bomeny
preparou e me deu um detalhado documento sobre as políticas educacio-
nais brasileiras, que serviu de base para minhas descrições do capítulo
1. José Augusto Rodrigues me ajudou de forma inestimável em diversos
assuntos institucionais.
Como de costume, deixo o final para os agradecimentos mais íntimos.
Meus pais e amigos, Carlos e Rosa, continuam a me apoiar como sempre
o fizeram. Luciana Villas Bôas, minha mulher, teve o altruísmo de enco-
rajar minha ida para Califórnia, num momento que certamente não era o
melhor para ela.

20
CAPÍTULO 1

Desigualdade de Oportunidades
Educacionais no Brasil:
Raça, Classe e Gênero1

1. Introdução

O efeito das características, condições e recursos dos pais sobre os


resultados educacionais individuais – desigualdade de oportunidades edu-
cacionais (DOE) – desempenha um papel central na reprodução inter-
generacional da desigualdade nas sociedades modernas. A maioria dos
estudos de DOE em sociedades industriais avançadas (Shavit e Blossfeld,
1993), em sociedades socialistas de estado (Szelényi, 1998) e em nações
de industrialização mais recente (Park, 2004; Torche, 2005) confirma-
ram um padrão de ausência de mudança entre coortes de nascimentos
nos efeitos do background socioeconômico sobre os resultados educacio-
nais. Esse padrão persiste, a despeito da maciça expansão educacional,
da industrialização e de muitos tipos de intervenção política que foram
projetados para diminuir a desigualdade. Visto que a “desigualdade per-
sistente” permanece como um achado consistente no que diz respeito a
países completamente diferentes, parece inútil acrescentar mais um estudo
à agenda da pesquisa comparativa da estratificação educacional. Contudo,
esse padrão foi recentemente posto em questão por um estudo que relata a
diminuição da DOE em alguns países europeus (Breen, 2005), bem como
por outros estudos, que indicam o aumento da DOE no nível da educação

1
O autor agradece o apoio do Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences
at Stanford University, onde este capítulo foi escrito. Este capítulo não foi publicado
anteriormente, mas foi apresentado em seminaries na República Checa (reunião do
Research Committee 28 da International Sociological Association), no Center for Latin
American Studies (Stanford University), no Centro para o Estudo da Riqueza e da Es-
tratificação Social (CERES) do IUPERJ, e no Departamento de Sociologia da Princeton
University. Agredeço comentários e criticas de participantes destes encontros.

21
superior pelo menos na Rússia (Gerber, 1995) e no Chile (Torche, 2005).
Esses últimos indicam que condições institucionais relacionadas a estados
de bem-estar, reformas socialistas e reformas de mercado tiveram algum
impacto nas tendências da estratificação educacional. De certa maneira,
o caso brasileiro se soma a essas últimas contribuições, pois as reformas
no sistema educacional também levaram a um aumento da DOE nos níveis
superiores e à sua diminuição nos inferiores.
Em muitas das nações industrializadas, os efeitos socioeconômicos
sobre os resultados educacionais correm paralelamente a outra regula-
ridade: a diminuição significativa da DOE por gênero. A expansão das
instituições educacionais durante o século XX diminuiu gradualmente a
vantagem dos homens sobre as mulheres, a qual, em alguns casos, che-
gou a ser revertida (Shavit e Blossfeld, 1993). Assim, estudos anteriores
sobre o Brasil enfocaram as coortes nascidas antes de 1963 e depois de
1972 (Fernandes, 2001; Silva, 2003; Silva, 1986), enquanto, no presente
capítulo, analiso tendências, de maior longevidade, que abrangem todas
essas coortes. O estudo de tendências de maior longevidade na DOE por
gênero permite verificar não somente quando se reverteu a vantagem dos
homens sobre as mulheres, mas também se a mudança se manteve.
Além da DOE socioeconômica e por gênero, apresento uma análise
de desigualdades raciais. Desde a década de 1990, o debate sobre desi-
gualdades raciais no sistema educacional fez-se central no Brasil por causa
de vigorosas propostas de se implementarem políticas de ação afirmativa
no que diz respeito a grupos em desvantagem em termos raciais. Aqueles
que são a favor desse tipo de política argumentam que a desigualdade
racial é generalizada e que independente da desigualdade de classe (Hen-
riques, 2001), enquanto os que se opõem a ele sugerem que apenas esta
última tem destaque e mostra-se constante. Minha análise, neste capítulo,
não conseguiria testar os impactos de políticas de ação afirmativa muito
recentes, que começaram a ser empregadas em algumas universidades a
partir do final dos anos 90. Em lugar disso, ela se faz útil para o debate
por retraçar a história da DOE racial, indicar as transições educacionais
mais críticas que contribuem para as disparidades raciais e comparar o
efeito relativo de características socioeconômicas e raciais nas chances de
se progredir no sistema educacional.
As análises dos aspectos socioeconômico, de gênero e racial das DOE no
Brasil são relevantes para se discutir tanto a literatura teórica sobre a estra-
tificação educacional quanto a desigualdade racial no Brasil. Utilizaram-se
quatro explicações teóricas para estudar as tendências na estratificação edu-
cacional: a teoria da industrialização, as teorias da reprodução, a hipótese da

22
“desigualdade sustentada ao ponto máximo” e a hipótese da “desigualdade
efetivamente sustentada”. O caso brasileiro é relevante para se discutirem
as três primeiras, mas também sugere que a quarta deve ser relevante,
apesar de não se poder testá-la a partir dos dados disponíveis atualmente.
Além de discutir essas abordagens teóricas, o presente capítulo também
apresenta evidência relevante para o antigo debate acerca da desigualdade
de raça versus a desigualdade de classe no Brasil. Propuseram-se quatro
abordagens no estudo das relações de raça: a primeira afirma que toda
desigualdade racial pode ser reduzida à desigualdade de classe, a segunda
afirma que a desigualdade de raça diminuirá e a de classe aumentará com
a industrialização, a terceira afirma que a industrialização pode trazer mais
desigualdade de raça e conflito, pois posições valiosas seriam disputadas
por grupos diferentes, e a quarta argumenta que a desigualdade de raça
se soma à desigualdade de classe. Como o sistema educacional brasileiro
passou por grandes reformas durante as últimas décadas, o estudo das
tendências da DOE no país é altamente relevante para se discutirem essas
quatro abordagens à desigualdade racial, e também as teorias usadas para
se explicar a estratificação educacional.
O sistema educacional brasileiro passou por três reformas educacionais
principais, as quais poderiam ter impactos na DOE. A primeira foi imple-
mentada em 1961, ajudando a encerrar o debate que opunha educadores
católicos aos defensores da educação pública universal (Bomeny, 2000).
Os primeiros queriam apoio público para expandir a educação por meio
de escolas de propriedade da igreja, e os demais argumentavam a favor da
educação pública laica. A reforma de 1961, enfim, permitiu a expansão da
educação pública laica, sem fechar a possibilidade de apoio governamental
para instituições educacionais religiosas. A principal conseqüência dessa
reforma foi uma grande expansão da educação pública nos níveis primário
e secundário, de um lado, e a continuidade de escolas católicas de alta
qualidade para a elite, de outro. Dez anos mais tarde, em 1971, o governo
fez cumprir uma lei que expandia os anos de escolaridade compulsória de
quatro (primário) para oito (secundário inferior). Embora as duas reformas
tenham ajudado a expandir a provisão de escolas primárias e secundárias,
o sistema continuou a apresentar altas taxas de repetência e de abandono,
fazendo com que grande proporção de jovens não completasse os níveis
educacionais compulsórios. Em 1982, quando governadores de oposição
chegaram ao poder após primeiras eleições diretas desde que os militares
alcançaram o governo em 1964, houve outra expansão do sistema edu-
cacional básico (Franco, 2007). Foi só depois desta última reforma que a
maioria dos jovens nas idades relevantes foi matriculada no sistema. Em

23
paralelo a isso, o sistema universitário não cresceu de modo suficiente,
aumentando assim a competição pelas vagas na educação terciária. Todas
essas reformas relativamente recentes apontam para um fato inegável na
história da educação brasileira: a expansão tardia do sistema durante o
século XX, quando comparado ao de outras sociedades industriais e,
mesmo, da América Latina.
Esse fato implica que o estudo das transições educacionais no Brasil
tem que prestar atenção a uma transição que ocorre muito cedo: o acesso
à escola. Até hoje, os estudos examinaram as transições em níveis educa-
cionais, tais como completar a educação primária e secundária, e entrar na
universidade ou em escolas técnicas. O caso brasileiro é diferente, pois a
desigualdade nas transições antes que se completasse a educação primária
esteve presente até a década de 1990 (Silva, 2003; Ribeiro, 1991). Estudos
anteriores do caso brasileiro dedicaram-se ou a examinar essas transições
iniciais nos anos 80 e 90 (Silva, 2003), ou a examinar as tendências usan-
do dados de 1988 e, portanto, as coortes nascidas até 1963 (Fernandes,
2005). Neste capítulo, integro as duas tendências analisando tanto todas
as transições de coortes nascidas até 1971 quanto as transições iniciais,
que completam um e quatro anos de escolaridade, para as coortes nascidas
respectivamente até 1984 e 1978. Além disso, estimo modelos de regressão
logística combinada (pooled) que não foram utilizados em estudos anteriores
e que permitem determinar tendências nos efeitos das características do
background social sobre as taxas de transição entre coortes e transições.
Este capítulo tem três propósitos. Primeiro, pretende incluir o Brasil
no projeto comparativo de estudar a persistência da DOE socioeconômica
e a crescente vantagem das mulheres sobre os homens ao longo do século
XX. Segundo, pretende contribuir para o debate sobre a transmissão
inter-geracional de desigualdades socioeconômicas e raciais no Brasil.
Terceiro, expande a análise da DOE, já realizada para o Brasil, pela
utilização de modelos de regressão logística combinada (pooled) para de-
terminar a existência de tendências ao longo do tempo e entre transições,
combinando a análise de transições até a educação secundária inferior
para as coortes recentes com o estudo das transições em níveis mais altos
no sistema educacional para as coortes mais velhas.
Este capítulo se divide em sete seções. Após esta introdução, a segunda
seção resenha as principais teorias usadas para se explicar a estratificação
educacional, bem como as teorias sobre raça e estratificação de classe no
Brasil. A terceira descreve o sistema educacional brasileiro e as reformas
de 1961, 1971 e 1982. A seção quatro apresenta os dados, métodos e
variáveis. A seção cinco apresenta a análise e a seis, as conclusões.

24
2. Abordagens Teóricas à Estratificação Educacional e às
Relações Raciais no Brasil

O caso brasileiro é relevante para discutir três abordagens teóricas


principais usadas para entender tendências na desigualdade educacional: a
teoria da industrialização, a da reprodução e a hipótese da “desigualdade
sustentada ao ponto máximo” (DSM).
De acordo com a teoria da industrialização, a desigualdade educacio-
nal diminuiria sempre que os países experimentassem a industrialização
(Parsons, 1970; Treiman, 1970). A modernização das instituições, valores
culturais e atividade econômica levariam grandes proporções da população
a completar níveis mais altos de educação de maneira crescente. Essas
taxas mais elevadas de realização dependeriam mais do mérito do que de
características do background social. As predições da teoria da industria-
lização são questionadas por estudos das oportunidades educacionais que
mostram que em muitos países industrializados as taxas de desigualdade
inter-gerações continuaram altas a despeito da forte modernização. Em lugar
de ser cada vez mais meritocráticas, a teoria da reprodução afirma que as
instituições educacionais funcionam como uma poderosa organização que
reproduz as desigualdades entre as classes sociais. Dentro das instituições
educacionais, os estudantes provenientes das classes privilegiadas vêem ser
valorizadas as suas vantagens culturais, tais como a capacidade lingüística,
que expressam diferenças de classe e do capital cultural que é herdado de
famílias culturalmente refinadas (Bourdieu e Passeron, 1977).
As teorias da industrialização e da reprodução concebem as organi-
zações educacionais como tendo papéis opostos na sociedade moderna.
Uma terceira alternativa a partir da pesquisa empírica, e com base na
teoria da escolha racional, surgiu como um modo de se explicar o achado
empírico da desigualdade persistente. A hipótese da “desigualdade sus-
tentada ao ponto máximo” (DSM), formulada por Raftery e Hout (1993),
foi proposta como modo de explicar por que a desigualdade de oportuni-
dades educacionais não diminui em muitos países a despeito da expansão
educacional e de diversas reformas projetadas para dar igualdade de
acesso às instituições educacionais. Como a DSM é apoiada por evidência
empírica em muitos países e períodos, mas invalidada em outros, Hout
(1993b) sugeriu que ela deveria ser tratada antes como um guia conceitual
útil para a pesquisa e não como uma generalização empírica. Segundo a
DSM, qualquer expansão do sistema educacional não dirigida às classes
mais baixas, em realidade, dá oportunidades aos filhos de todos os grupos.

25
Isso acontece porque os filhos das classes privilegiadas estão preparados
para aproveitar as novas oportunidades, e seus pais também têm mais
recursos econômicos e culturais para lançá-los à frente no sistema. Esses
jovens obtêm melhores notas e aspiram à universidade. Os filhos de famí-
lias de grupos menos privilegiados somente se beneficiarão da expansão
educacional quando praticamente todos os filhos dos setores privilegiados
já não tiverem demandas relativamente àquele nível educacional (taxa de
transição próxima de 100%). Para as duas primeiras transições no Brasil,
relativas a completar um ano do primário e, para os que tiveram sucesso
nessa transição, a completar todo o primário (quatro anos), esse processo
de saturação levou a uma diminuição da desigualdade durante a década
de 80 e o início da de 90, como demonstro mais à frente.
O aumento da desigualdade também pode ser explicado pela hipótese
da DSM. Por exemplo, se a reforma educacional leva a uma expansão das
escolas secundárias, mas se isso não for seguido da expansão das institui-
ções de nível terciário, o maior número de estudantes que completam o se-
cundário enfrentará um gargalo e a competição por vagas nas universidades
crescerá. Os estudantes provenientes de um background privilegiado têm
vantagens nessa competição e a desigualdade provavelmente aumentará.
Há evidências que mostram que esse processo aconteceu na Rússia durante
a abertura de mercado no período pós-soviético (Gerber, 2003; Gerber,
1995). No Brasil, como mostrarei, houve também uma expansão das escolas
secundárias que não foi acompanhada pela expansão das universidades.
Depois da reforma educacional de 1961, houve uma expansão da educação
secundária, mas, durante o final dos anos 70 e dos 80, o investimento nas
universidades voltou-se a programas de pós-graduação e de pesquisa, mais
do que à expansão das vagas na graduação (Castro, 1986). Esse contexto
histórico levou à tendência, esperada, do aumento da desigualdade de
oportunidades no nível educacional superior, no Brasil.
A análise que é conduzida no presente capítulo permite a discussão
dessas três abordagens teóricas, mas não possibilita nenhum dos tipos
de teste da hipótese da “desigualdade efetivamente sustentada” (Lucas,
2001), porque os dados disponíveis não trazem informações sobre os di-
ferentes tipos de escola. Depois das reformas de 1961 e 1971, o sistema
educacional brasileiro permitiu a expansão da escola privada no nível
secundário, com apoio governamental em termos de redução de impostos
e outros incentivos, ao mesmo tempo em que o setor público investia na
educação terciária de alta qualidade. Como um número considerável de
escolas secundárias privadas é de alta qualidade e a entrada na universi-
dade baseia-se num exame de conhecimentos, esse desenho institucional

26
contribui para agravar a desigualdade no acesso à universidade. Seria
extremamente importante testar os efeitos de se estudar em escolas secun-
dárias, públicas e privadas, sobre as chances de se entrar na universidade.
De acordo com a hipótese da DES, tais tipos de diferenças qualitativas
dentro de sistemas educacionais favorecem a desigualdade nas taxas de
transição. Embora pareça importante para explicar a DOE no Brasil, não
se pode testar essa hipótese.
Mesmo com essas limitações nos dados, o Brasil é um caso relevante
para se testarem, pelo menos, as três abordagens teóricas acima esboçadas,
mas há uma outra razão por que esta pesquisa é relevante. Durante a última
década, o debate sobre a ação afirmativa para grupos raciais prejudicados
(pretos e pardos) aumentou, e algumas universidades públicas começaram
a adotar esse tipo de política. Minha análise neste capítulo não pode testar
os impactos sobre a DOE dessas políticas, uma vez que elas se limitam
ainda a um pequeno número de instituições, conquanto importantes para
retraçar a história da desigualdade racial no sistema educacional. Muitas
abordagens teóricas das relações raciais no Brasil que foram propostas
ao longo dos anos podem ser discutidas e testadas com base na análise
que apresento neste capítulo.
Esse debate está marcado pela idéia de que a desigualdade racial
é uma conseqüência mais das desvantagens socioeconômicas do que da
discriminação racial. Embora neste capítulo não se possa medir direta-
mente a discriminação, as presentes análises são uma fonte importante
de informações sobre as diferentes oportunidades que indivíduos com
origens socioeconômicas diversas e de cor de pele diferentes enfrentam
ao fazer transições sucessivas através do sistema educacional. Há quatro
abordagens teóricas principais quanto ao debate de raça versus classe, no
Brasil. Cada uma delas traz uma afirmação diferente acerca da evolução
da desigualdade racial e de classe, associada à expansão da sociedade in-
dustrial. Assim, as análises conduzidas no presente capítulo são altamente
relevantes para a discussão dessas diferentes expectativas, uma vez que
os modelos são projetados para analisar as mudanças e continuidades na
DOE, ao longo do tempo.
Alguns estudos feitos nos anos 40, 50 e 60 argumentavam que não
haveria preconceito racial, mas apenas discriminação de classe. Donald
Pierson, por exemplo, afirma: “não há castas baseadas em raças; apenas
classes. Isto significa que o ‘preconceito’ não está presente, mas apenas
que há um preconceito de classe e não de raça” (Pierson, 1945:402). Essa
interpretação segue a idéia de Freyre (1973[1933]) sobre as relações re-
lativamente harmônicas entre os grupos raciais no Brasil. Outros estudos,

27
relativos à cidade de Salvador (Azevedo, 1996) e a comunidades rurais,
também seguiram e confirmaram a idéia de relações raciais harmônicas
(Wagley, 1952). Ainda Outros estudos, feitos nesse período, contudo, che-
garam a conclusões diferentes.
Num livro sobre relações raciais no Rio de Janeiro, Costa Pinto (Pinto,
1998 [1958]) sugere que a modernização levou a uma crescente relevância
da estratificação de classe em relação à estratificação de raça. No entanto, o
autor também argumenta que o aumento das oportunidades de mobilidade
social, devido a mudanças na estrutura de classes, implicaria num retorno
da discriminação racial na disputa pelas oportunidades crescentes. Ele
utilizou dados dos Censos de 1872 e de 1940 para sustentar seus argu-
mentos. Outros estudos também encontraram situações de desigualdade
em chances de mobilidade entre pretos, pardos e brancos no interior de
São Paulo (Nogueira, 1998) e no sul do país (Cardoso, 1960).
O estudo de Cardoso e Ianni (1960), contudo, traz uma interpreta-
ção diferente, pois segue a idéia de Florestan Fernandes (1965) de que
a modernização estaria criando uma sociedade de classes no Brasil, e
que qualquer tipo de estratificação racial somente poderia ser uma re-
miniscência da escravidão, que acabara em 1888. A raça seria, assim,
gradualmente substituída pela classe como principal fator no sistema de
estratificação. Formulou-se uma quarta interpretação em clara oposição
à de Fernandes (1965). A saber, Hasenbalg (1979) argumenta que a dis-
criminação racial continuará a funcionar no Brasil moderno a despeito
do avanço do capitalismo.
Essas quatro abordagens ajudam a formular algumas hipóteses sobre
os efeitos da raça e das características socioeconômicas sobre a DOE. A
primeira vem do trabalho de Pierson (1942), quando esse autor sugere
que não há fortes barreiras raciais à mobilidade, apenas barreiras de
classe. A segunda é representada por Costa Pinto (1998) e poderia ser
assim resumida: com a criação de novas oportunidades, os não-brancos
começariam a ocupar posições sociais privilegiadas e a discriminação
racial poderia surgir novamente. Uma terceira hipótese é a de Fernandes
(1965), que sugere que a discriminação racial nos processos educacional
e de mobilidade será gradualmente substituída por disparidades de classe,
isto é, o preconceito racial foi herdado do passado colonial. Finalmente, a
quarta hipótese, de Carlos Hasenbalg (1979), é de que há desigualdade
e discriminação racial no Brasil independente do background socioeco-
nômico. O estudo da DOE racial e de classe entre coortes de nascimento
e entre transições educacionais é obviamente relevante para se discutirem
essas hipóteses.

28
3. O Sistema Educacional Brasileiro

O sistema educacional brasileiro compreende quatro anos de educa-


ção elementar; quatro anos de educação secundária inferior; três anos de
educação secundária superior; e educação universitária. Há uma divisão
entre linhas técnicas e acadêmicas na educação secundária, mas, como
ambas têm que seguir um currículo comum, as escolas técnicas compre-
endem quatro anos, em lugar de apenas três, de educação secundária
superior e não fecham a possibilidade de se tentar a educação terciária.
A entrada na universidade baseia-se exclusivamente no exame do vesti-
bular. Como muitos outros países, o Brasil seguiu a tendência geral de
expansão educacional significativa durante o século XX. De acordo com
dados censais, a população brasileira com 25 anos ou mais e com menos
de quatro anos de escolaridade caiu de 75%, em 1960, para 42%, em
1991, enquanto a porcentagem dessa população adulta que completara a
educação secundária aumentou de 1,07%, em 1960, para 7,5%, em 1991.
Apesar dessa expansão, os níveis educacionais no Brasil são notavelmente
baixos não apenas quando comparados aos dos países industrializados,
mas também em relação a outros países latino-americanos (Hasenbalg,
2000). A expansão, por sua vez, foi motivada por uma série de importantes
reformas educacionais que tiveram impacto sobre as chances de transições
educacionais das pessoas representadas nas coortes de nascimento que
são estudadas neste capítulo.
Apresento a análise para sete coortes de nascimento. Os nascidos
entre 1932 e 1984 (C1 a C7) entraram na escola primária, quando o
fizeram, entre 1939 e 1994, enquanto os nascidos entre 1932 e 1971 (C1
a C5) poderiam ter entrado na escola secundária entre 1947 e 1986 e,
na universidade, entre 1950 e 1989. Esse período é marcado por quatro
reformas educacionais nos níveis primário e secundário, e também pela
expansão do sistema universitário.
Entre 1942 e 1946, o Ministro da Educação Gustavo Capanema
implementou uma série de reformas com o objetivo de expandir e mudar
completamente a educação primária e secundária. Antes de 1942, a es-
cola secundária dividia-se entre uma via acadêmica e outra técnica, e a
possibilidade de movimento entre as vias encontrava-se barrada, o que
significava que, aos 10 anos de idade, as crianças e suas famílias tinham
que optar por uma ou outra via. Com a reforma de 1942, unificou-se o
secundário, e o sistema passou a ser dividido em três níveis subseqüentes:
primário (4 anos), secundário inferior (4 anos) e secundário completo (mais

29
3 anos, na via humanística ou científica). Todos aqueles que concluíam o
secundário completo podiam candidatar-se à universidade, e as escolas
técnicas tornavam-se uma continuação da escola secundária, incluindo-se,
em geral, mais um ano, ou eram conduzidas pelas associações profissio-
nais da indústria e do comércio. Essa reforma também confirmou que o
primário deveria ser compulsório para todas as crianças – o que afeta
igualmente todas as coortes estudadas nesta pesquisa. Outra mudança
relevante, especialmente para as mulheres que alcançavam a educação
secundária, foi a expansão e a regulação do programa de treinamento
de professores de escola secundária, que ficou conhecido como “Escola
Normal”. Passou-se a requerer que se completasse esse programa para se
seguir a carreira de professor dos níveis primário e secundário inferior.
Essa mudança afetou primeiramente as mulheres, que eram a maioria
dos que seguiam essa carreira. De fato, demonstro mais à frente que as
chances de completar o secundário eram mais altas para as mulheres do
que para os homens, o que poderia em parte ser conseqüência desse tipo
de política. Apesar disso, minha análise neste capítulo não pode testar
qualquer efeito possível da “Reforma Capanema” sobre as transições edu-
cacionais, pois quase todas as pessoas representadas na análise entraram
na escola em 1942 ou posteriormente.
De modo contrário, a reforma da educação primária e secundária
de 1961 afetou as chances de transição das coortes 4 a 7, pois esses
indivíduos nasceram após 1956 e entraram na escola após 1961. Após
muitos anos de protestos, a Igreja Católica e os donos de escolas privadas
conseguiram incluir na reforma que os recursos governamentais também
seriam utilizados para financiar instituições privadas nos níveis primário,
secundário inferior e secundário. Como conseqüência, o setor privado
começou a investir principalmente em escolas de nível secundário, en-
quanto as instituições públicas se expandiam significativamente no nível
primário. A Figura 1 mostra as taxas brutas de matrículas nas escolas
elementares, mais primárias, e nas secundárias por completo nos setores
público e privado. É claro que, após 1961, a expansão do nível primário
e do secundário inferior deveu-se principalmente à criação de vagas em
instituições públicas, enquanto, no nível secundário, as instituições priva-
das continuavam a dar conta de pelo menos metade das vagas oferecidas.
Essa reforma teve importantes conseqüências para as taxas de transição
analisadas nas seções seguintes deste capítulo. De um lado, ela ajudou a
expandir a realização educacional nos níveis primário e secundário in-
ferior e, de outro, aumentou a participação das escolas privadas no nível
secundário.

30
Figura 1 – Percentagem da população entre 5 e 14 anos de idade matri-
culada em escolas primárias públicas e privadas, e população entre 15 e
19 anos de idade matriculada em escolas secundárias públicas e privadas,
Brasil : 1948 a 1995.

Durante os anos 50 e 60, o sistema universitário também passou


por mudanças importantes, expandindo-se de maneira rápida. Enquanto
em 1945 o país tinha apenas 5 universidades, em 1964 esse número au-
mentou para 37. Até 1965, contudo, a expansão do sistema universitário
correu paralelamente à expansão da educação secundária, como se pode
observar nas tendências apresentadas na Figura 2, em que se comparam
as taxas brutas de matrículas nas instituições terciárias e secundárias
superiores. Após 1965, as matrículas na educação secundária continua-
ram crescendo, tendência que se fez ainda mais acentuada pela reforma
educacional de 1971. Essa reforma expandiu os anos de escolaridade
compulsória do primário (quatro anos) para o secundário inferior (oito
anos). Como conseqüência, a proporção de estudantes que completavam
o secundário inferior e que entravam no secundário superior aumentou
significativamente. Ademais, afirma-se que, com a expansão educacional,
caiu a qualidade das escolas secundárias no setor público (Castro, 1986),
com poucas exceções.
Esse aumento do secundário não foi acompanhado por uma expan-
são contínua das vagas no nível universitário. No terciário, levou-se a
cabo uma série de reformas, entre 1966 e 1969, para regular as ativi-
dades das universidades que incluíam pesquisa e ensino. Em 1969, por
exemplo, impementou-se, enfim, a regulação do sistema de programas de
pós-graduação. Durante a década de 70, a expansão das matrículas na

31
educação terciária continuou, mas, nos anos 80, a tendência se deteve,
e as matrículas nas universidades não cresceram no mesmo ritmo da
educação secundária, que continuava se expandindo principalmente por
causa do crescente número de alunos em instituições públicas, como se
pode verificar na Figura 1.

Figura 2 – Percentagem da população entre 15 e 19 anos de idade matri-


culada em escolas secundárias, e população entre 20 e 25 anos de idade
matriculada em Universidades, Brasil: 1948 a 1995.

Em 1982, muitos governadores de oposição chegaram ao poder nas


primeiras eleições diretas desde que os militares haviam tomado o poder,
em 1964. Esses novos governadores de estado deram início a programas
maciços de investimento na educação primária e secundária, criando um
grande número de vagas nas escolas públicas nos dois níveis (Franco,
2007) – a Figura 1 revela claramente essa expansão na década de 80.
Foi somente depois desses esforços que as matrículas na escola primária
quase chegaram a ser universalizadas, incluindo-se mais de 90% das
crianças com a idade relevante.
Em suma, pretendo aqui testar os impactos das reformas educacionais
de 1961, 1971 e 1982 sobre a DOE relativa às transições da educação pri-
mária e secundária. O principal efeito dessas três reformas foi a expansão
da educação primária, secundária inferior e secundária superior durante a
segunda metade do século XX. Além disso, os investimentos na educação
terciária aumentaram até meados de 1975, mas não depois disso, o que,
combinado com a expansão do secundário, criou um congestionamento no
acesso à universidade e, conseqüentemente, a possibilidade de aumento da

32
DOE. Testam-se, pois, os impactos dessas políticas do sistema educacional
brasileiro sobre a DOE na medida do possível, mas também se discutem
limitações dos dados relativos a certas expectativas teóricas.

4. Dados e métodos

4.1. Dados

Utilizo aqui dados da Pesquisa de Padrões de Vida (PPV), que é um


levantamento representativo das regiões sudeste e nordeste do Brasil e,
portanto, de 85% da população brasileira. Esses dados foram coletados
em 1996 e 1997 a partir de uma amostra probabilística, estratificada, em
múltiplos estágios, de 4.900 domicílios. A informação de todos os indi-
víduos nos domicílios selecionados atinge um total de amostra de 19.400
indivíduos, entre crianças e adultos. A amostra se baseia na distribuição
dos municípios e setores censitários (micro-regiões dentro de municípios)
do Censo de 1991, e segue um procedimento probabilístico de seleção
em três estágios. Selecionam-se primeiramente os municípios, depois as
micro-regiões e, finalmente, os domicílios no interior das micro-regiões.
Coletam-se informações relativamente a todos os indivíduos, de dez ou
mais anos de idade, que vivem em cada um dos domicíllios.
Esses dados me permitem modelar cinco transições: (T1) conclusão
de um ano de escola; (T2) conclusão da escola elementar (quatro anos),
dada a conclusão de um ano; (T3) conclusão da educação primária (oito
anos, dada a conclusão do elementar); (T4) conclusão da escola secundária,
dada a conclusão da primária e (T5) conclusão de um ano de graduação
universitária. As quatro últimas transições são os principais marcadores
no sistema educacional brasileiro, enquanto que a primeira é usado como
medição de contato com o sistema educacional. Na Tabela 1 também
defino sete níveis de realização educacional: sem escolaridade e primário
incompleto (correspondendo a T1), primário completo (correspondendo a
T2), secundário inferior incompleto e secundário inferior completo (cor-
respondendo a T3), secundário incompleto e secundário completo (cor-
respondendo a T4), universidade incompleto (correspondendo a T5), e
universidade completo.
Inicialmente defini cinco coortes de nascimento: (C1) 1932 a 1939;
(C2) 1940 a 1947; (C3) 1948 a 1955; (C4) 1956 a 1963; (C5) 1964 a
1971. Essas cinco coortes incluem as pessoas entre 15 e 64 anos de idade

33
e geram uma amostra de 8.405 casos. A reforma de 1961, ao expandir a
oferta de escolas públicas e privadas nos níveis secundário inferior (5ª a
8ª séries) e secundário (8ª a 11ª), poderia ter tido um impacto na taxa de
transições para as coortes que adentraram e/ou completaram esses dois
níveis depois de 1961. Em outras palavras, as taxas de transições em T3
e T4 (secundário inferior e secundário completo) para C3 (1948 a 1955) e
as coortes mais jovens (C4 e C5) poderiam ter sido afetadas pela reforma
de 1961. A reforma educacional seguinte, em 1971, só poderia ter afetado
a conclusão do secundário inferior (T3) para C5 (1964 a 1971) porque
eles entraram nesse nível escolar em 1971 ou posteriormente.
Como afirmei na seção anterior, houve uma grande expansão da edu-
cação primária depois de 1982, quando governadores eleitos de forma
democrática começaram a investir maciçamente em escolas primárias. As
cinco coortes que compreendem indivíduos entre 25 e 64 anos de idade
em 1996 (C1 a C5) não poderiam ter sido afetadas por essa última reforma
educacional, pois aqueles de mais de 25 anos de idade completaram ou
abandonaram a escola primária antes de 1982. A fim de analisar os im-
pactos dessa reforma, incluí duas coortes mais jovens na análise – C6 (os
nascidos de 1972 a 1978) e C7 (os nascidos de 1979 a 1984). Enquanto
as cinco coortes mais velhas (C1 a C5) são analisadas por um modelo
combinado (pooled) para se estudarem as cinco transições em conjunto (T1
a T5), as duas coortes mais jovens (C6 e C7) são usadas em combinação
com as mais velhas para se analisarem separadamente as tendências em
cada uma das duas primeiras transições (T1 e T2). Num primeiro modelo
separado, analiso apenas a transição inicial (T1, que completa um ano
de educação primária) usando as sete coortes de indivíduos que tinham
entre 12 e 64 anos de idade em 1996 (C1 a C7), as quais compreendem
uma amostra de 13.607 casos. Em outro modelo, estimo as chances de
se fazer T2 (completar o primário – quatro anos –, tendo-se completado
um ano de escola primária) usando as coortes de pessoas entre 18 e 64
anos de idade em 1996 (C1 a C6), com uma amostra de 10.928 casos.
Essas duas primeiras transições foram diretamente afetadas pela expansão
da educação elementar e primária que ocorria desde 1982, e, portanto,
apenas as duas coortes mais jovens, dos nascidos após 1972, poderiam
ter sido afetadas por essa última reforma educacional.
O uso das duas coortes mais jovens (C6 e C7) na análise da primei-
ra transição educacional (T1) e de C6 para a segunda transição (T2) é
seguro porque todos os indivíduos de mais de 12 anos de idade que não
completaram um ano de educação (T1) não completarão o nível posterior-
mente em sua vida, e todos os de mais de 18 anos que não completaram

34
os quatro anos de primário (T2) não os completarão quando mais velhos.
Embora exista a possibilidade da educação adulta, o número de adultos
que seguem por ela é extremamente limitado (Fernandes, 2000). Essas
análises são possíveis porque meu survey é uma amostra de domicílios que
inclui informações completas sobre crianças, jovens e adultos.
Meu principal objetivo neste capítulo, pois, é descrever o efeito dos re-
cursos, condições e características paternas sobre a realização educacional
individual, isto é, descrever a desigualdade de oportunidades educacio-
nais (DOE). Para tanto, utilizo uma série de variáveis independentes, que
medem o background social, a fim de modelar as transições educacionais
condicionais. Na Tabela 1, apresento estatísticas descritivas para estas va-
riáveis independentes e a realização educacional dos entrevistados para as
sete coortes de nascimentos. A primeira é sexo (S), codificado como 1 para
as mulheres e 0 para os homens. A segunda é a educação da mãe em anos
de escolaridade (EM),2 que é considera, em geral, como uma variável que
mede o “capital cultural”, mas que também pode ser vista como medida de
background socioeconômico, dado que a educação tem forte relação com a
renda. A raça é classificada em duas dummies: branco (B), codificada como
1 para brancos e 0 para os outros, e pardo (P), codificada como 1 para os
pardoss e 0 para os demais; omite-se a categoria preto – que e obviamente
obtida quando alguém tem valor zero para brancos e pardos. No Brasil,
a classificação racial inclui três categorias, pois há muita miscigenação
e a maioria dos surveys nacionais inclui uma categoria especial para os
pardos. A diferença entre pretos e pardos em realização educacional é
em geral pequena, mas, se possível, considera-se preferível manter pardos
e pretos separados, pois eles compreendem dois grupos diferentes, sendo
que ospardos, em maior número, têm origens sociais no nordeste, e os
pretos concentram-se mais no sudeste (Barbosa, 2003). Ainda que alguns
estudos recentes tenham somado pardos e pretos numa única categoria de
afro-brasileiros ou negros – seguindo o Movimento Negro – (Henriques,
2001; Osório, 2005), há boas razões para mantê-los separados, pois, em
alguns aspectos, como a escolha de parceiros (ver capítulo 3), os pardos
estão mais próximos dos brancos (Hasenbalg, 1999). Se não há uma razão
estatística para unir essas duas categorias, não se deve desperdiçar a in-
formação mais detalhada, que se mostra adequada à história das relações
raciais no país (Hasenbalg, 1979, 1988, 1999; Telles, 2004).

2
Como o efeito da educação do pai é quase idêntico ao da educação da mãe, excluí
a variável relativa ao pai, pois há mais casos com falta da informação do que o
contrário.

35
Além disso, uso duas outras variáveis ao descrever a situação em que
os indivíduos cresceram: região de nascimento (R), codificada como 1 para
sudeste e sul e 0 para nordeste e norte, e residência urbana até os 15 anos
de idade (U), codificada como 1 para urbana e 0 para rural. Os estados do
sul são os mais ricos do país e os do norte, os mais pobres. Ao passo que,
em geral, nos países da América Latina as áreas rurais eram extremamente
pobres durante a maior parte do período coberto pelas coortes que estou
estudando, as áreas urbanas eram mais afluentes. Essas duas variáveis
situacionais não foram utilizadas em estudos anteriores sobre as transições
educacionais no Brasil (Fernandes, 2001; Silva, 2003, 1986).
Finalmente, defino a ocupação do pai (OP) com base na ocupação
desse3 quando o entrevistado tinha 14 anos de idade (trata-se de uma per-
gunta retrospectiva). Classifico as ocupações usando o esquema de classes
proposto por Ribeiro (2007) para adaptar as categorias de classes CASMIN
propostas, por sua vez, por Erickson e Goldthorpe (Erickson, 1993) para
bases de dados brasileiras. A versão brasileira desse modelo expande o
esquema de 12 classes para 19 categorias, pois parece relevante separar
os trabalhadores manuais especializados dos não-especializados (VIe VIIa)
em seis categorias (em lugar de duas), as quais dizem respeito à indústria
tradicional e moderna, e dividir as classes não-manuais de rotina (IIIa e IIIb)
em quatro categorias. Construí, então, um índice de status socioeconômico
(SSE) para ordenar essas categorias ao longo de uma dimensão hierárquica.4
A Tabela 1 mostra o valor de SSE para cada classe (entre parênteses, após
o título da categoria), bem como a porcentagem por coorte com origens em
cada uma das 19 categorias. Testei modelos com variáveis dummy e com
especificações de outra escala padrão (ISSE)5 para a ocupação dos pais;
essas, porém, são piores para explicar as transições educacionais do que
a que decidi usar (ver Tabela A1 e a discussão adiante).
Também testei outras variáveis, as quais, contudo, não se revelaram
estatisticamente significativas. A estrutura da família, por exemplo, quando
os entrevistados estavam crescendo – família completa ou incompleta – e
a região geográfica de residência não se revelaram significativas. Pode-se
argumentar que há fatores que não foram observados, mas que poderiam

3
Quando a informação relativa ao pai não estava disponível porque o pai nunca
estava presente, substituí essa variável pela ocupação da mãe.
4
Esse índice é muito simples, pois apenas soma o valor médio dos anos de escola-
ridade ao valor médio da renda em cada grupo ocupacional, dividindo a soma por
dois. Os valores médios de renda e anos de escolaridade são “normalizados”.
5
International Socioeconomic Index, proposto por Gazeboom (1993).

36
explicar a realização educacional – por exemplo, capacidade cognitiva e
número de irmãos, entre outros. Não resta dúvida de que essas variáveis
seriam importantes, mas o fato de que não estivessem disponíveis não inva-
lidaria os resultados que aqui apresento, dado que o principal objetivo desta
pesquisa é avaliar a dinâmica geral da desigualdade inter-generacional na
realização educacional e, em particular, os efeitos relativos da ocupação
do pai, do gênero e da raça nesse processo. Em outras palavras, posso
testar os níveis de desigualdade e argumentar sobre os efeitos relativos da
origem de classe, gênero e raça, mas não posso adjudicar efeitos causais
que determinam desigualdades de oportunidades educacionais.

Tabela 1 – Estatísticas descritivas: Médias e desvios padrão das variáveis


em cada coorte de idade, homens e mulheres brasileiros nascidos entre
1932 e 1976
C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7
Variáveis
Total 1932-39 1940-47 1948-55 1956-63 1964-71 1972-78 1979-84

S: Sexo (mulher = 1; homem = 0) 0.52 0.54 0.56 0.51 0.52 0.53 0.51 0.49

Anos de escolaridade 5.83 3.80 4.65 5.93 6.72 6.76 6.57 4.71
(Des. Padrão) (4.17) (4.13) (4.68) (4.83) (4.64) (4.25) (3.66) (2.54)

EM: Educação da mãe 3.70 1.51 1.83 2.23 2.64 2.90 3.71 4.66
(Des. Padrão) (3.7) (2.5) (2.9) (3.0) (3.4) (3.5) (4.0) (4.3)

OP: Father Occupation (mean SEI) 0.59 0.40 0.45 0.50 0.56 0.62 0.67 0.71
(Des. Padrão) (0.49) (0.48) (0.49) (0.50) (0.49) (0.48) (0.47) (0.45)

OP: Ocupação do pai (distribuição percentual)

I - Prof e Adm, nível alto (2.54) 0.02 0.02 0.02 0.02 0.03 0.02 0.03 0.04

IVa – Pequeno Proprietários,


0.03 0.02 0.02 0.03 0.03 0.02 0.03 0.02
empregadores (1.65)
II - Prof e Adm, nível baixo (1.52) 0.02 0.02 0.02 0.02 0.02 0.03 0.03 0.04

IIIa2 – Trab. Não-manais de rotina,


0.01 0.00 0.02 0.01 0.01 0.02 0.01 0.01
supervisor (1.08)
V - Técnicos (1.07) 0.02 0.01 0.01 0.01 0.01 0.03 0.02 0.02

IIIa1 – Trab. não-manuais de rotina,


0.02 0.01 0.02 0.01 0.02 0.02 0.04 0.03
burocracia (1.05)
IIIb1 - Trab. não-manuais de rotina,
0.02 0.00 0.02 0.01 0.02 0.02 0.02 0.03
escritório (0.62)
VIa - Trab. Manuais Qualificados, Ind.
0.04 0.01 0.03 0.04 0.05 0.04 0.08 0.08
Moderna (0.59)
IVb – Pequeno Proprietários, autonômos
0.05 0.04 0.05 0.04 0.05 0.05 0.04 0.05
(0.41)
IIIb2 - Trab. não-manuais de rotina,
0.01 0.00 0.00 0.01 0.00 0.01 0.01 0.02
serviços (0.36)

37
VIIa2 - Trab. manuais não-qualificados,
0.04 0.01 0.02 0.04 0.04 0.05 0.06 0.09
Serviços (0.23)
VIIa4 - Trab. ambulantes (0.17) 0.01 0.01 0.01 0.01 0.01 0.02 0.01 0.02

VIc - Trab. Manuais qualificados, serviços


0.02 0.02 0.01 0.02 0.01 0.02 0.02 0.02
(0.14)
IVc1 - Pequenos Empregadores Rurais
0.02 0.01 0.02 0.03 0.03 0.02 0.01 0.01
(0.13)
VIIa1 - Trab. Manuais não-qualif.,
0.05 0.04 0.02 0.05 0.05 0.07 0.08 0.08
Industrria (0.12)
VIb – Trab. Manuais, Ind. Tradicional
0.09 0.06 0.08 0.08 0.09 0.11 0.10 0.12
(0.07)
VIIa3 - Trab. Domésticos não-qualif.
0.05 0.04 0.04 0.05 0.06 0.07 0.07 0.07
(-0.09)
IVc2 – Pequ. Produtores Rurais,
0.23 0.33 0.30 0.23 0.24 0.17 0.17 0.15
autonomos (-0.37)
VIIb - Trabalhadores rurais (-0.37) 0.26 0.36 0.29 0.29 0.22 0.21 0.16 0.12

Total 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00

B: Brancos (Branco = 1; Preto = 0) 0.46 0.51 0.48 0.51 0.50 0.45 0.43 0.40

P: Pardo (Pardo = 1; Preto = 0) 0.47 0.39 0.45 0.42 0.43 0.49 0.50 0.54

R: Região de nascimento
0.44 0.47 0.43 0.46 0.47 0.41 0.43 0.42
(SE, S e CO = 1; N e NE = 0)

U: Residência Urbana até os 15 anos 0.59 0.40 0.45 0.50 0.56 0.62 0.67 0.71

(Urbana = 1; Rural = 0)

4.2. Método

A fim de medir os efeitos do background social sobre a realização


educacional, emprego um procedimento desenvolvido por Hout e Gerber
(1995) e Gerber (2000, 2003) para implementar o modelo, formulado por
Mare (1980, 1981), que trata o progresso no sistema educacional como uma
série de transições educacionais.6 Cada transição tem seu próprio padrão
de efeitos. A versão que utilizo estima a amostra de transições num modelo
combinado (pooled), em lugar da amostra de indivíduos (Hout e Raftery,
1993). Também estima tendências lineares de coortes e transições através de
um procedimento que é descrito em detalhe por Hout e Gerber (1995).
Primeiro, estimei um modelo combinado (pooled) incluindo as cinco
transições (T1 a T5) e as cinco coortes mais velhas (C1 a C5). Em seguida,
estimei um modelo para a primeira transição (T1) usando as sete coortes
(C1 a C7). Finalmente, estimei um terceiro modelo, incluindo as seis coortes

6
Para uma crítica a esse modelo, veja-se Cameron e Hackman (1998).

38
mais velhas (C1 a C6), para analisar a segunda transição (T2). Enquanto
o primeiro modelo combinado (pooled) me permitiu estimar tendências
entre coortes e transições e avaliar os impactos das reformas educacionais
de 1961 e 1971, os dois outros modelos apenas me permitiram observar
tendências entre coortes e foram estimados para avaliar os impactos da
expansão da educação primária promovida pelos governadores de estados
eleitos de forma democrática em 1982.
Para estimar o primeiro modelo, combinei os dados das cinco tran-
sições (T1 a T5) e das cinco coortes mais velhas (C1 a C5). A variável
dependente é uma dummy, sucesso, igual a 1, se a transição foi feita, e
a 0, se não o foi. Para chegar a um modelo preferido, segui uma série de
procedimentos, que são explicados em maiores detalhes por Gerber e Hout
(1995), a qual se resume em minha análise na Tabela A1, no apêndice.
Meu primeiro passo (A na Tabela A1) foi escolher a melhor especificação
para a variável ocupação do pai e os principais efeitos a serem testados. A
especificação da ocupação do pai, hierarquizando-se a ocupação de acordo
com o SSE, ajusta-se (modelo 3) melhor que as outras duas: a primeira,
usando-se ISSE (modelo 1), e a segunda, utilizando-se 18 variáveis dummy
(modelo 2). A terceira especificação em que se usa SSE apresenta o melhor
ajuste ao modelo. Também incluí as outras variáveis independentes que
foram estatisticamente significativas (descritas acima) nesse primeiro passo
e testei outras variáveis que não foram significativas – esses testes não são
mostrados na Tabela A1. Num segundo passo (B), introduzi todas as inte-
rações de duas vias que envolvem as transições, isto é, interações de cada
transição com cada coorte no modelo 4 (20 transições); então, no modelo 5,
acrescentei as interações de cada transição com cada variável independente.
No passo C, introduzi as interações de duas vias entre cada par de variáveis
de background no modelo 6, eliminei as não-significativas no modelo 7
e demonstrei que nenhuma interação entre esses efeitos significativos de
background e as transições foi significativa (não mostrado). Identifiquei,
então, interações de três vias entre cada variável de background, transição e
coorte e, seguindo Gerber e Hout (1995), recodifiquei as interações (envol-
vendo cada uma das variáveis de background) estisticamente significativas
tornando-as ordinais ou categóricas ao longo da variável coorte - na coluna
“comentários”, na Tabela A1, descrevo os diferentes tipos de recodifica-
ção usada para “tornar linear” ou “categorizar” entre coortes cada termo
significativo para a interação entre transição, background e coorte. Fiz
uma transição de cada vez (passos D a H), identificando e recodificando
essas interações. Em cada passo, de D a H, introduzi primeiro todas as
interações de três vias (modelos 8, 11, 14, 17 e 20) e, então, eliminei as

39
estatisticamente não-significativos (modelos 9, 12, 15, 18 e 21) e, final-
mente, fiz uma especificação, usando apenas um grau de liberdade, das
mudanças entre coortes para as interações significativas (modelos 10, 13,
16, 19 e 22). Ainda que esses procedimentos tenham sido explicados em
detalhes por Gerber e Hout (1995), convém dar um exemplo aqui. Depois
de incluir as interações entre cada coorte e cada variável independente e
T1 – um conjunto de cinco termos “background*coorte*T1”, para cada
variável de background – no modelo 8, no passo D ta Tabela A1, selecionei
o coeficiente mais baixo, ou o mais alto, em cada conjunto de interações
como sendo a categoria de referência para avaliar a significação estatística
dos coeficientes restantes. Como nenhum dos termos de interação dummy
que capturam a mudança no efeito de R, B, P e OP entre coortes para a
transição 1 é significativamente diferente de suas respectivas categorias
de referência, concluo que para essas variáveis de background não há
mudança significativa no efeito que foi testado entre coortes, de modo que
posso expressar seus efeitos sobre T1 usando o coeficiente de base para
cada uma dessas variáveis de background. No modelo 9, removi as intera-
ções não significativas e reformulei o conjunto de interações significativas
(S*T1*C(d) + U*T1*C(d) + EM*T1*C(d)) como um único multiplicador
ordinal ou categórico para cada uma destas interações para obter um
modelo mais parcimonioso (10). Para a interação do sexo por coortes pela
Transição 1 (S*T1*C(d)), verifiquei, por exemplo, que S*T1*C4 e S*T1*C5
não são significativamente diferentes de zero e que S*T1*C1, S*T1*C2
e S*T1*C3 são maiores que zero, além de não serem significativamente
diferentes entre si. A especificação que mais se ajusta a essas diferenças
é uma especificação categórica (S*T1*tendênciaC no modelo 10) que faz
interagir sexo (S) com uma variável dummy codificada como 0, se a coorte
é C1, C2 e C3, e como 1, se a coorte é C4 e C5. Em alguns casos, uma
especificação ordinal para coorte se ajusta melhor que uma categórica.
Os modelos em que se usam esses tipos de re-especificações ordinais ou
categóricas foram comparados com os originais, menos parcimoniosos,
e, se seus ajustes não fossem significativamente piores, eu escolhia a es-
pecificação ordinal mais parcimoniosa – o modelo 10, por exemplo, não
apresenta pior ajuste que o modelo 9.
No passo I, segui a mesma estratégia para identificar interações de
duas vias significativas entre background e transições, realizando, então,
uma recodificação, usando apenas um grau de liberdade, de background
por transições ordinais. Apresentei apenas o modelo com as interações
de duas vias com as transições recodificadas ordinalmente (modelo 23).
Então, no passo J, fiz as recodificações ordinais das coortes nas inte-

40
rações de transições por coortes (modelo 24). No passo L, modelo 25,
transformei o efeito principal das transições para uma variável ordinal
usando apenas um grau de liberdade. Finalmente, num último ajuste, no
passo M, removi três termos de interação de três vias (entre três variáveis)
que não eram estatisticamente significativos: região por coorte por tran-
sição 2 (R*tendênciaC*T2), classe de origem por coorte por transição4
(OP*tendênciaC*T4) e residência urbana até os 15 anos por coorte por
transição 5 (U*tendênciaC*T5). O resultado disso é o meu modelo final
(26, na Tabela A1), cujos coeficientes são apresentados na Tabela A2
e utilizados para calcular a magnitude dos efeitos de background e das
constantes para cada combinação de transição e coorte apresentada na
Tabela 2 – explicarei, na próxima seção, como obter os valores da Tabela
2 usando os parâmetros estimados apresentados na Tabela A2.
A fim de expandir a análise das tendências em T1 e T2 para as coortes
mais jovens, estimei dois modelos adicionais: um que utiliza dados para
sete coortes (pessoas entre 12 e 64 anos em 1996) para analisar T1, e
outro, que usa dados para 6 coortes (pessoas entre 18 e 64 em 1996), para
analisar T2. Esses dois modelos seguem os procedimentos propostos por
Gerber (2003), que são similares – porém, mais simples – do que aque-
les usados no modelo combinado (pooled) descrito acima. Para modelar
T1 e T2, usei as mesmas variáveis independentes do modelo combinado
(pooled) (S, U, R, B, P e OP) e variáveis dummy para coortes (6 dummies
para T1 e 5 para T2, tendo a coorte mais velha (C1) como categoria de
referência). Incluí, então, interações entre cada coorte e cada variável de
background, e apliquei um procedimento, para identificar e recodificar es-
sas interações, que é semelhante aos passos D a H, explicados acima, para
o modelo combinado (pooled), porém mais simples, porque apenas para
uma transição e somente para interações de duas vias (coorte*background).
Os modelos preferidos para T1 e T2 são apresentados na tabela A3, no
apêndice, e os coeficientes relevantes a serem interpretados – obtidos pela
multiplicação dos efeitos básicos de background por coortes por interações
multiplicadoras de background – encontram-se na Tabela 3.
Essa alternativa, que usei para analisar as duas primeiras transições,
é muito mais simples, e poderia ter sido utilizada para modelar cada tran-
sição em separado, o que me pouparia de estimar o complicado modelo
usando os dados combinados (pooled) para as cinco transições. O principal
problema dessa estratégia é que ela não me permitiria testar tendências
entre as transições, que se demonstraram muito importantes para discutir
um dos temas centrais desta pesquisa: desigualdades em termos de raça
e background de classe.

41
5. Análise das Tendências na Estratificação
Educacional no Brasil

5.1 Mudança nas Taxas de Transição

Pode-se avaliar a expansão do sistema educacional brasileiro obser-


vando-se a realização educacional entre coortes na pesquisa sobre padrão
de vida. A Figura 3 mostra a situação educacional de cada coorte, e in-
dica um crescimento significativo ao longo do tempo. Essa figura exibe a
porcentagem dos que completaram um ano do primário nas coortes C1 a
C7, dos que concluíram a escola elementar (4 anos) nas coortes C1 a C6,
e dos que completaram o primário (8 anos), o secundário e um ano de
universidade nas coortes C1 a C5.

Figura 3 – Educação alcançada por coorte de nascimento, Brasileiros


nascidos entre 1932 e 1984

A proporção dos que completaram um e quatro anos de escola elemen-


tar aumenta constantemente entre as coortes, ao passo que a porcentagem
dos que entram na escola alcança mais de 90% em C6 e C7, ou seja, para
aqueles cujas trajetórias educacionais começaram em meados da década
de 80 e no início da de 90. A taxa de conclusão da educação primário e
da secundária cresce mais rapidamente de C2 a C4 e, então, se estabili-
za de C4 a C5, enquanto que a proporção dos que concluem um ano de
universidade aumenta apenas de C1 a C2, permanecendo praticamente
constante depois disso. Uma maneira diferente de examinar a expansão

42
educacional é analisando-se as taxas condicionais de transição educacional,
isto é, a taxa de transição para cada nível educacional a partir da transição
para o nível anterior. A Figura 4 apresenta essas taxas de transição para
as coortes que estudo neste capítulo.

Figura 4 – Taxas de transição educacional por coortes de idade, brasileiros


nascidos entre 1932 e 1984

Há taxas de transição crescentes entre as coortes que completam


um ano de primário (T1), o elementar ou quatro anos de escola (T2) e o
primário ou oito anos (T3). O quadro se mostra diferente quando se trata
do secundário (T4) e da educação terciária (T5). As taxas de conclusão
da educação secundária, dada a conclusão do primário (T4), flutuam
entre 67% e 69%, o que indica a inexistência de mudança significativa
entre as coortes. Para a entrada na universidade, dada a conclusão do
secundário (T5), as taxas se expandem de C1 para C2 e, depois, declinam
constantemente, até C5. Essas taxas de constância para T4 e o declínio
para T5 no tempo certamente não significam que as taxas absolutas sejam
constantes ou declinantes. Ao contrário, como mostra a Figura 3, a edu-
cação secundária e terciária se expandiu significativamente ao longo do
tempo, impelida que foi pela expansão dos níveis mais baixos no sistema.
O padrão de taxas de transição constantes para T4 indica que, tendo com-
pletado a educação primária em números maiores do que anteriormente,
os estudantes enfrentam dificuldades crescentes para conseguir completar
a educação secundária. O padrão de taxas para T5 também não significa
que menos estudantes estejam entrando na universidade; antes, indica

43
que um número crescente daqueles que completam o secundário (como
mostra a Figura 3) enfrenta dificuldades também crescentes para entrar
na universidade.

5.2. Mudança na Estratificação Educacional no Tempo e entre


Transições

Nesta seção, apresento as análises principais deste capítulo. Primeiro,


interpretarei o resultado do modelo combinado (pooled), que estima as
probabilidades condicionais de se fazer cada uma das cinco transições (T1
a T5) para as cinco coortes mais velhas (C1 a C5), centrando a análise tanto
nas tendências entre coortes quanto entre transições. Na próxima seção,
apresentarei os resultados dos modelos para T1 entre sete coortes (C1 a
C7) e, para T2, entre seis coortes (C1 a C6). O modelo combinado (pooled)
se baseia na análise das transições condicionais de homens e mulheres
que tinham entre 25 e 64 anos de idade em 1996 e, portanto, que tinham
sido expostos a todas as cinco transições, desde entrar na escola (T1) até
entrar na universidade (T5). Esses dados combinados (pooled) permitem
avaliar não somente os possíveis impactos das reformas educacionais de
1961 e 1971 sobre as tendências nas taxas de transição, mas também
as tendências dos efeitos do background social entre transições, que se
demonstra extremamente relevante para discutir os efeitos relativos da
raça e da ocupação do pai sobre a DOE.7
Os resultados do modelo combinado (pooled) na Tabela 2 mostram as
mudanças nos efeitos de cada variável de background ao longo das coortes,
e através das transições. Como primeiro passo, avalio as mudanças entre
coortes no efeito do background social sobre as probabilidades de se fazer
cada uma das cinco transições. As estimativas de parâmetros na Tabela
2 foram calculadas com base no modelo combinado (pooled) preferido
(26, na Tabela A1), que é apresentado na Tabela A2, no apêndice. Antes
de começar a interpretação, é necessário explicar como foram obtidos os
coeficientes da Tabela 2. Por exemplo, a mudança no efeito da educação da
mãe (EM) sobre a conclusão de um ano de escola(T1) foi obtido somando-
se os parâmetros estimados pelo modelo preferido, que se encontra na

7
Apenas por essa razão o uso do complexo modelo combinado (pooled) faz-se es-
sencial para encontrar e apresentar as evidências necessárias para se discutirem
os papéis da raça e da ocupação dos pais sobre a DOE, que é um dos principais
temas desta pesquisa.

44
Tabela A2. Conforme esse modelo, há três parâmetros estimados que se
referem à educação da mãe em T1: o parâmetro de base para a educação
da mãe (EM = 0,521); um parâmetro para a interação entre transições
e educação da mãe (EM*T = -0,138); e um terceiro parâmetro para a
interação entre transições, coortes e T1 (EM*tendênciaC*T1 = 0,226).
A interação entre transições e educação da mãe (EM*tendênciaT) foi
estimado usando-se uma recodificação ordinal da transição, com valores
de 1 para T1, 2 para T2 e T3, 3 para T4 e 4 para T5 – isso quer dizer
que, para a educação da mãe, a interação com as transições pode ser ex-
pressa por uma variável ordinal em que apenas os valores para T2 e T3
não são significativamente diferentes entre si. As recodificações para cada
termo que foi tornado linear são apresentadas na coluna “comentários”,
na Tabela A1. De modo semelhante, a interação da educação da mãe por
coorte por T1 (EM*tendênciaC*T1) usa uma recodificação categórica das
coortes, com valor 1 para C1 e 0 para C2, C3, C4 e C5 – isso quer dizer
que a única interação que é significativamente diferente de zero é aquela
que corresponde a C1. Somando-se essas três estimativas de parâmetros,
conforme apresentadas na Tabela A2, obtenho os seguintes valores para a
educação da mãe (EM) em cada coorte para T1, na Tabela 2: 0,609 para C1
[0,521 + (1*-0,137) + (1*0,226)], e 0,383 para C2, C3, C4 e C5 [0,521
+ (1*-0,137) + (0*0,226)]. Os demais valores da Tabela 2 foram obtidos
pela combinação do efeito de base das variáveis de background social com
os termos de interação que capturam mudanças entre coortes e através das
transições, as quais são apresentadas na Tabela A2, no apêndice.
A Tabela 2 apresenta os efeitos, sobre cada transição (T1 a T5) e coorte
(C1 a C5), das variáveis independentes: sexo (S), residência urbana até os
15 anos (U), região de nascimento (R), educação da mãe (EM), raça (B para
brancos, P para pardos, tendo-se pretos como a categoria de referência),
ocupação do pai (OP), interação entre sexo e região de nascimento (S*R),
e a constante para cada combinação de cada transição educacional e cada
coorte de nascimento. O fato de que o efeito da interação entre sexo e região
de nascimento (S*R) é estatisticamente significativo significa que o efeito
de se ter nascido no sul (R) é -0,150 mais baixo para as mulheres, em
todas as transições e coortes. Essa constante captura o efeito combinado
de mudança institucional e tamanho da coorte.

45
Tabela 2 – Coeficientes da regressão logística por transição e coorte: Brasil,
1996-97

Coortes
C1 C2 C3 C4 C5

Variáveis independentes 1932-1939 1940-1947 1948-1955 1956-1963 1964-1971

T1 – Completar 1 ano de escola


Sexo (S) -0.080 ** -0.080 ** 0.156 ** 0.156 ** 0.392 **

Residência Urbana até 15 (U) 1.429 *** 1.429 *** 1.429 *** 0.996 *** 0.996 ***

Região de nascimento (R) 0.806 *** 0.806 *** 0.806 *** 0.806 *** 0.806 ***

Sexo X Região de Nascimento (S*R) -0.150 ** -0.150 ** -0.150 ** -0.150 ** -0.150 **

Educação da mãe (EM) 0.609 *** 0.383 *** 0.383 *** 0.383 *** 0.383 ***

Branco (B) 0.721 *** 0.721 *** 0.721 *** 0.721 *** 0.721 ***

Pardo (P) 0.233 *** 0.233 *** 0.233 *** 0.233 *** 0.233 ***

Ocupação do pai (OP) 1.062 *** 1.062 *** 1.062 *** 1.062 *** 1.062 ***

Const. -0.659 *** -0.329 *** 0.001 *** 0.330 *** 0.660 ***

T2 – Completar o elementar, dado T1


Sexo (S) -0.074 *** -0.074 *** -0.074 *** 0.258 *** 0.258 ***

Residência Urbana até 15 (U) 1.000 *** 1.000 *** 1.000 *** 1.000 *** 1.000 ***

Região de nascimento (R) 0.150 *** 0.150 *** 0.150 *** 0.150 *** 0.150 ***

Sexo X Região de Nascimento (S*R) -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 ***

Educação da mãe (EM) 0.335 *** 0.335 *** 0.335 *** 0.335 *** 0.246 ***

Branco (B) 0.406 *** 0.406 *** 0.406 *** 0.406 *** 0.406 ***

Pardo (P) 0.021 *** 0.021 *** 0.021 *** 0.021 *** 0.021 ***

Ocupação do pai (OP) 1.062 *** 1.062 *** 1.062 *** 1.062 *** 1.062 ***

Const. -0.093 *** -0.093 *** 0.127 *** 0.347 *** 0.567 ***

T3 – Completar o primário, dado T2


Sexo (S) -0.124 *** -0.124 *** -0.124 *** 0.258 *** 0.258 ***

Residência Urbana até 15 (U) 0.570 *** 0.570 *** 0.570 *** 0.570 *** 0.570 ***

Região de nascimento (R) -0.178 *** -0.178 *** -0.178 *** -0.178 *** -0.178 ***

Sexo X Região de Nascimento (S*R) -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 ***

Educação da mãe (EM) 0.246 *** 0.246 *** 0.246 *** 0.246 *** 0.246 ***

Branco (B) 0.406 *** 0.406 *** 0.406 *** 0.406 *** 0.406 ***

Pardo (P) 0.233 *** 0.233 *** 0.233 *** 0.233 *** 0.233 ***

Ocupação do pai (OP) 0.648 *** 0.648 *** 0.648 *** 0.648 *** 0.648 ***

Const. -1.447 *** -1.447 *** -1.013 *** -1.013 *** -1.230 ***

46
T4 – Completar o secundário, dado T3
Sexo (S) 0.258 *** 0.258 *** 0.258 *** 0.258 *** 0.258 ***

Residência Urbana até 15 (U) 0.140 *** 0.140 *** 0.140 *** 0.140 *** 0.140 ***

Região de nascimento (R) -0.178 *** -0.178 *** -0.178 *** -0.178 *** -0.178 ***

Sexo X Região de Nascimento (S*R) -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 ***

Educação da mãe (EM) 0.108 *** 0.108 *** 0.108 *** 0.108 *** 0.108 ***

Branco (B) 0.248 *** 0.248 *** 0.248 *** 0.248 *** 0.248 ***

Pardo (P) -0.191 *** -0.191 *** -0.191 *** -0.191 *** -0.191 ***

Ocupação do pai (OP) 0.648 *** 0.648 *** 0.648 *** 0.648 *** 0.648 ***

Const. -0.314 *** -0.314 *** 0.014 *** -0.205 *** -0.314 ***

T5 – Um ano de universidade (terciário), dado T4


Sexo (S) -0.316 *** -0.316 *** 0.262 *** 0.262 *** 0.262 ***

Residência Urbana até 15 (U) 0.140 *** 0.140 *** 0.140 *** 0.140 *** 0.140 ***

Região de nascimento (R) 0.478 *** 0.478 *** 0.478 *** 0.478 *** 0.478 ***

Sexo X Região de Nascimento (S*R) -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 *** -0.150 ***

Educação da mãe (EM) 0.034 *** 0.034 *** 0.099 *** 0.099 *** 0.163 ***

Branco (B) 0.721 *** 0.721 *** 0.721 *** 0.721 *** 0.721 ***

Pardo (P) 0.233 *** 0.233 *** 0.233 *** 0.233 *** 0.233 ***

Ocupação do pai (OP) 0.648 *** 0.648 *** 0.648 *** 0.648 *** 0.648 ***

Const. -1.522 *** -1.522 *** -2.055 *** -2.588 *** -3.120 ***

Nota: Coeficientes obtidos a partir de calculos baseados nos coeficientes da Tabela A2 in the appendix.
(veja texto para explicação)

* p < .05, ** p<.01, *** p<.001 (teste de duas caldas)

A primeira coisa a se observar na Tabela 2 é que a maioria dos efeitos


não muda entre as coortes. Detectam-se as mudanças de background social
entre as coortes apenas para sexo em T1, T2, T3 e T5; para residência
urbana até os 15 anos, em T1; e para educação da mãe, nas transições
T1, T2 e T5. Afora esses, todos os outros efeitos são constantes entre as
coortes. Esses resultados confirmam amplamente o padrão de “desigual-
dade persistente observado em muitos países industrializados (Shavit e
Blossfeld, 1993), em países em desenvolvimento (Park, 2004; Torche,
2005) e em estudos anteriores no Brasil (Fernandes, 2001; Silva, 1986,
2003). Deixarei a interpretação das mudanças entre coortes para T1 e
T2 para a próxima seção, na qual apresentarei os resultados obtidos por
meio desses dois modelos, incluindo-se duas outras coortes mais jovens
(C6 e C7), para T1 e T2, e uma outra coorte mais jovem (C6), para T2.

47
Os resultados do modelo combinado (pooled) e os dois modelos separados
para T1 e T2 (Tabelas 4 e 5) indicam tendências e efeitos semelhantes.
Há pequena mudança em T3. Até C3 os homens tinham vantagens
sobre as mulheres no que diz respeito a completar o secundário inferior;
para C4 e C5, as mulheres tinham maiores probabilidades do que os
homens de fazer essa transição. Conforme expliquei na introdução, esse
padrão foi encontrado em muitos países em todo o mundo. Além dessa
reversão na desigualdade de gênero, na conclusão da educação secundária
inferior, todos os demais efeitos são constantes entre as coortes para essa
transição (T3). Como era de se esperar, aqueles indivíduos cujas mães
são mais escolarizadas (EM = 0,246) e os paisapresentam um status
ocupacional mais elevado (OP = 0,648) têm probabilidades mais altas
de fazer a transição T3 do que aqueles com padrões mais baixos nessas
duas variáveis de background. Esses efeitos socioeconômicos (EM e OP)
são especialmente fortes, uma vez que essas duas variáveis são respecti-
vamente linear e ordinal. Um jovem cuja mãe tenha completado 12 anos
de escola (um ano de universidade), por exemplo, tinha 19 (e0,246*12) vezes
mais chances de fazer a transição T3 do que aqueles cujas mães não tinham
escolaridade, enquanto que aqueles cujo pai era um profissional (classe I)
tinha 7 (e0,648*2,91) vezes mais chances de fazer essa transição do que aqueles
cujo pai era um trabalhador rural (classe VIIb). Além disso, os brancos
(B) tinham chances maiores que os pardos (P), que, por sua vez, tinham
chances maiores que os pretos (categoria de referência) de completar o
secundário inferior (T3). Aqueles que viviam em áreas urbanas até os 15
anos (U) também tinham vantagens em relação aos demais.
O efeito da região de nascimento apresenta um resultado inesperado
tanto para T3 quanto para T4, isto é, os indivíduos nascidos nos estados
do sul – a região mais desenvolvida – têm menores chances de completar o
secundário inferior (T3) e o secundário pleno (T4) do que aqueles nascidos
nos estados do norte – a região menos desenvolvida. Ocorre que a barreira
real para os nascidos nos estados do norte é fazer T1 e T2. De C1 a C5,
os nascidos nos estados do norte tinham 2,2 (e0,806) vezes menos chances
de completar um ano de escola (T1) e 1,2 (e0,150) vezes menos chances de
completar quatro anos (T2) que os nascidos nos estados do sul. Para superar
sua desvantagem e completar a educação primária e a secundária (T3 e
T4), os jovens dos estados do norte tinham que mostrar grande ímpeto e
capacidade – não apenas para terem sucesso, mas também, simplesmen-
te, para encontrar uma escola e freqüentá-la, dado que a provisão nessa
área tem sido historicamente muito menor que nos estados do sul – o que
favorece aqueles que vão para a primária e para a secundária (T3 e T4).

48
Nessas duas transições do nível primário e secundário, os nortistas têm
vantagem sobre os sulistas – para T3 e T4, R = -0, 178. À primeira vista
este resultado pode parecer estranho. No entanto, no processo de tran-
sições educacionais consecutivas é normal que isto ocorra, uma vez que
apenas aqueles indivíduos realmente capazes dos grupos com desvantagens
conseguem progredir no sistema, ou seja, os nortistas que passaram pelas
transições iniciais têm provavelmente outras características – tais como
ambição e desempenho – que não foram mensuradas e lhes conferem al-
guma vantagem nas transições mais acima no sistema educacional – esse
fenômeno geral é conhecido como “heterogeneidade não observada” (Mare,
1980, 1993). Não há mudança entre as coortes no efeito das variáveis
de background social sobre a quarta transição (T4), conclusão da escola
secundária. A maioria das variáveis de background tem o valor esperado,
o que indica que, quanto mais alto o status ocupacional do pai (OP) e mais
alta a escolaridade da mãe (EM), sendo o indíviduo branco (B) e tendo
vivido na cidade até os 15 anos (U), tanto maior a probabilidade de fazer
essa transição (T4). Algumas diferenças em relação a outras transições
são perceptíveis, contudo. Por exemplo, os pardos têm menores chances
de completar a educação secundária que os pretos (P = -0,191), mas a
diferença não é grande, dado que os pretos têm 1,2 (e-0,191) vezes mais
chances que os pardos de fazerem T4. Muitos estudos sobre as relações
raciais no Brasil desprezam esse tipo de diferença, mas penso que isso
não se justifica quando as diferenças são estatisticamente significativas.
Em minha análise não há razão para que não se aproveite a informação
fornecida pela distinção entre pardos e brancos. A desigualdade racial
será discutida ao final desta seção.
Em todas as coortes, as mulheres tinham chances maiores de fa-
zer T4 que os homens (S = 0,258). Embora estranha à primeira vista,
essa vantagem é, mais uma vez, uma conseqüência da “heterogeneidade
não observada”. Como para C1 e C2, as coortes mais velhas, os homens
tinham chances maiores de fazer T1, T2 e T3, é razoável argumentar
que as mulheres que passaram através dessas três transições anteriores
provavelmente tinham grande vontade e capacidade para prosseguir no
sistema. Contudo, para as coortes mais jovens (C4 e C5), as mulheres têm
chances maiores que os homens de fazer todas as cinco transições (T1 a
T5), o que significa que, para C4 e C5, a vantagem das mulheres não é uma
conseqüência da “heterogeneidade não observada”, como teria sido para as
coortes anteriores em T4. As mulheres em C4 e C5 (nascidas entre 1956 e
1971) entraram na escola primária depois da reforma de 1961, durante os
anos 60 e 70, e ingressaram no secundário, ou o completaram, durante os

49
anos 70 e 80. Certamente, a expansão do sistema educacional nos níveis
primário e secundário, que foi levada a cabo pelas reformas de 1961 e
1971, ajudou as mulheres em seu acesso a escolas e a progredirem dentro
do sistema. No entanto, não se pode considerar essas hipóteses como sendo
a única razão por que as mulheres nascidas depois de 1956 superaram
os homens em todas as transições. Sugeriram-se muitas razões para essa
crescente vantagem das mulheres no sistema educacional, as quais são
diferentes para cada transição (Buchmann, 2007). Para T1, a vantagem
das mulheres está provavelmente relacionada a algum mecanismo intra-
escola que facilitou seu progresso para a segunda série. Bem se sabe que
as taxas de repetência na primeira série do primário foram extremamente
altas durante os anos 70 e 80 e que essa repetência foi ainda mais elevada
para os homens do que para as mulheres (Ribeiro, 1991). Essas taxas de
repetência continuam altas em todo o primário e provavelmente operaram a
favor das mulheres, de acordo com pesquisa qualitativa (Schneider, 1980).
No nível secundário (T4), a atração do mercado de trabalho, que ajuda
a aumentar a taxa de abandono da escola secundária, é maior para os
homens que para as mulheres (Corseuil, 2001), o que está provavelmente
relacionado à vantagem das mulheres. O mesmo tipo de explicação pode
ser válido para T5. Outras hipóteses são, de um lado, que as meninas são
simplesmente mais competentes que os meninos na escola ou, de outro,
que os meninos atraem-se mais que as meninas por atividades extra-
escolares, como esportes. Qualquer que seja a explicação, as evidências
indicam claramente que as mulheres têm vantagens sobre os homens no
sistema educacional brasileiro.8
Em suma, colocando-se à parte a crescente vantagem das mulheres
sobre os homens depois de C3, os resultados para o modelo das transições
educacionais T3 e T4 indicam pouca variação ao longo do tempo no efei-
to das características background social, a despeito da grande expansão
do sistema educacional. Em suma, para estas transições intermediárias
(conclusão do primário – T3 – e do secundário, T4) a desigualdade de
oportunidades educacionais permanece inalterada durante a maior parte
do século XX. Contrastando-se com esse cenário sem mudanças, na úl-
tima transição (T5) – conclusão do primeiro ano de universidade, dada

8
Estudos mais detalhados sobre áreas de especialização seriam interessantes para
se observar como as mulheres progridem no sistema educacional. Sabe-se, por
exemplo, que os homens tendem a seguir carreira nas ciências naturais e nas escolas
técnicas (Xie e Schauman, 2003) e as mulheres, em carreiras de menor prestígio,
como pedagogia e letras (Ribeiro, 1983).

50
a conclusão do secundário – há uma clara tendência ao aumento da de-
sigualdade de oportunidades educacionais, pois o efeito da educação da
mãe (EM) aumenta de C2 para C3 e, ainda, de C4 para C5. Em outras
palavras, a educação da mãe foi cada vez mais relevante para aumentar
as chances de se entrar na universidade ao longo do tempo. Esse padrão
de mudança é mais bem observado nas probabilidades preditas, exibidas
na Figura 5, que foram calculadas com base nas estimativas de parâme-
tros da tabela 2 para T5. Essa figura apresenta quatro casos hipotéticos:
homens e mulheres cujas mães têm um ano de escolaridade, e homens e
mulheres cujas mães têm 12 anos de esolaridade, mantendo-se todas as
demais variáveis em seus valores médios.

Figura 5 – Probabilidades preditas de completar um ano de universidade


(T5) para homens e mulheres com mães tendo 1 e 12 anos de escolaridade
por coorte de idade: brasileiros nascidos entre 1932-71

Como se vê na Figura 5, a desvantagem das mulheres é revertida


entre C2 e C3, e a expansão da desigualdade em termos da educação das
mães dá-se também entre C2 e C3 e, outra vez, entre C4 e C5. Enquanto
a vantagem crescente das mulheres sobre os homens é uma tendência
geral, observada em muitos outros países, o aumento da desigualdade em
termos da educação das mães está relacionado a algumas particularidades
da expansão educacional, no Brasil, que confirmam algumas predições
teóricas. Duas interpretações relevantes são oferecidas pela literatura. A
primeira é a consideração da “educação da mãe” como uma variável de
“capital cultural”, e, então, sugere-se que houve uma expansão da desi-

51
gualdade que confirma as predições da “teoria da reprodução” (Bourdieu
e Passeron, 1977), isto é, confirma-se a hipótese de que as pessoas com
certo capital cultural e certas habilidades dentro do sistema educacional
têm vantagens crescentes no sistema. Essa explicação é, todavia, muito
geral e vaga, pois não especifica o mecanismo que leva à expansão da
desigualdade. Uma explicação melhor, acredito, provém da hipótese da
“desigualdade mantida ao máximo” (Raftery e Hout, 1993).
Segundo a DMM, um aumento na desigualdade pode acontecer se
a expansão de um nível de educação não for acompanhada por uma
expansão do nível imediatamente acima dele. Se a reforma educacional
levar a uma expansão das escolas secundárias, por exemplo, sem que a
isso se siga, contudo, uma expansão das instituições do nível terciário, o
grande número de alunos que completa o secundário se deparará com um
gargalo e, assim, a competição por vagas nas universidades crescerá. Os
alunos com um background privilegiado têm vantagem nessa competição
e, desse modo, a desigualdade provavelmente crescerá. As Figuras 1, 2
e 3 confirmam que, ao longo dos anos, a porcentagem de indivíduos que
completavam o primário e o secundário se expandiu significativamente.
A Figura 4 indica que a conclusão do secundário, dada a conclusão do
primário (T4), continuou constante entre as coortes. Em outras palavras,
aqueles que completavam o primário não encontravam dificuldades adi-
cionais para completar o secundário, pois esse nível também se expandia.
O mesmo não aconteceu com as universidades, isto é, aqueles que, em
proporções crescentes, concluíam a escola secundária encontravam cada
vez menos oportunidades de entrar na universidade, onde as vagas não
aumentavam. Esse tipo de situação, segundo a DMM, pode levar a um
aumento da desigualdade de oportunidades educacionais, porque aqueles
com background vantajoso utilizariam seus recursos na competição por
vagas escassas. O aumento da desigualdade de oportunidades de se entrar
na universidade brasileira claramente confirma a hipótese DMM.
No caso brasileiro, o aumento na desigualdade de oportunidades em
termos da educação da mãe está provavelmente relacionado às reformas
educacionais de 1961 e 1971 e à política de investimento na educação
superior, durante os anos 70 e 80. As reformas de 1961 levaram a uma
expansão significativa do investimento público na educação secundária.
Em 1961, aproximadamente 33% das vagas eram oferecidas por institui-
ções públicas; de 1971 a 1978, o setor ofereceu 45% das vagas. Com o
investimento público, o número de estudantes que completavam a escola
secundária aumentou de maneira significativa exatamente para os jovens
que estão representados em C3 e C4, que nasceram após 1948 e que en-

52
traram na escola secundária, quando o fizeram, após 1961. Ao aumentar
a educação compulsória de 4 para 8 anos (do elementar para o primário),
a reforma de 1971 fez ainda mais pressão sobre o sistema, aumentando o
número de alunos que concluíam o secundário inferior e que, conseqüen-
temente, adentravam e concluíam o secundário pleno. Os investimentos em
educação superior ajudaram a expandir as vagas até meados da década de
70 (ver Figura 1); depois disso, os investimentos diminuíram e incidiram
mais sobre pesquisa e programas de pós-graduação e não mais sobre o au-
mento das vagas nas universidades públicas, enquanto o setor privado não
se expandia por causa da crise econômica na década de 80 (Castro, 1994).
Apenas essas reformas e políticas explicariam a expansão do número de
estudantes nas escolas secundárias e as dificuldades crescentes que eles
encontravam para entrar na universidade; no entanto, outras características
institucionais do sistema escolar brasileiro são também relevantes.
É um fato conhecido o de que as melhores escolas secundárias são
tradicionalmente as privadas, ao passo que as melhores universidades são
as públicas. Este desenho institucional favorece a desigualdade socioeco-
nômica no acesso à universidade: famílias mais ricas investem em escolas
secundárias para garantir aos seus filhos chances maiores de acesso à
boa educação terciária, pública e gratuita. Com efeito, pesquisas em que
se utilizam dados dos anos 1990 e 2000 para avaliar o desempenho dos
alunos em provas nas escolas secundárias, públicas e privadas, revelam um
significativo efeito positivo da escola privada nesse desempenho (Soares,
2004). Como o acesso à universidade se baseia inteiramente num exame
de conhecimentos (o vestibular), essa evidência é extremamente relevante.
Devido a essas características institucionais e a essas evidências, seria
recomendável observar o impacto das escolas públicas e privadas de nível
secundário sobre as taxas de transição educacional relativamente à uni-
versidade. No entanto, não posso medir esses efeitos, pois a variável para
tipo de instituição não está disponível em nenhum dos surveys brasileiros
adequados para a análise das tendências nas taxas de transição.9
De qualquer modo, o aumento na desigualdade das oportunidades de
se entrar na universidade é uma evidência clara apresentada neste capítulo.
Afora isso, o modelo de transições educacionais para o Brasil (Tabelas 3
e A2) confirma um padrão de pequena variação entre coortes e de cres-
centes vantagens para as mulheres em relação aos homens, o qual já foi
observado em muitos países (Shavit e Blossfeld, 1993). Além disso, esse
modelo também permite comparar os efeitos do background social entre

9
Novos dados, atualmente coletados, permitirão testar esses importantes efeitos.

53
transições. Tendo já apresentado esse padrão para a região de nascimento,
apresentarei, a seguir, os dados relativos à residência urbana até os 15
anos. Porém, focarei a comparação entre os efeitos da raça (B e P) e da
ocupação dos pais (OP) entre transições, pois os resultados mostram-se
relevantes para avaliar o alcance das desigualdades de raça e classe no
sistema educacional. Esse tópico não somente é o principal dentre aqueles
discutidos na maioria dos estudos sobre transições educacionais no Brasil,
como também mostra-se muito relevante para informar o debate corrente
sobre quotas raciais e ação afirmativa no país.
Os impactos das variáveis de background social sobre as probabi-
lidades de se fazerem as transições educacionais deveriam diminuir a
cada transição mais alta porque a dependência dos filhos em relação aos
recursos de suas famílias de origem diminui à medida que eles crescem
e avançam no sistema educacional. Ademais, por causa da seletividade
educacional, os jovens que fazem as transições educacionais mais altas se
tornam cada vez mais semelhantes, dado que têm pelo menos uma coisa
em comum: completaram o nível educacional anterior. Aqueles que têm
posições inferiores, em termos de background social, e que fazem as tran-
sições educacionais mais elevadas também mostraram competência para
superar sua desvantagem. Logo, espera-se que os efeitos da ocupação do
pai (OP), da área de residência (U) e da raça (B e P) diminuam à medida
que as transições se elevam no sistema. Observa-se essa expectativa com
relação à ocupação do pai (OP) e à área de residência até os 15 anos (U),
mas não para a raça (B e P).
O efeito da residência urbana (U) diminuiu de C3 para C4, prova-
velmente por causa da expansão das escolas rurais depois da reforma de
1961, a qual foi acompanhada pela diminuição da população rural. Entre
as transições, há também um declínio constante do efeito de ter-se crescido
em áreas urbanas, o que sugere que aqueles que possuem origem rural
e que progrediram no sistema educacional superaram suas desvantagens
iniciais – para T1: R = 1,429 para C1 e C3 e R = 0,996 para C4 e C6;
e para T5: R = 0140 para todas as coortes. Esse achado acompanha as
predições dos efeitos declinantes a cada transição educacional.
Seguindo um padrão semelhante, os efeitos da classe de origem me-
dida pela ocupação do pai (OP) declinam de T2 (1,061) para T3 (0,647) e
permanecem constantes até T5. São também maiores que o efeito de raça
(B e P) sobre as probabilidades de se fazerem as transições A associação
entre raça – ser branco ou pardo (B e P), em vez de preto – e transições
educacionais segue uma tendência declinante de T1 a T4, mas aumenta
em T5, ou seja, não segue a tendência geral de declínio a cada transição

54
sucessiva Para comparar os efeitos de raça (B e P) e ocupação dos pais
(OP) sobre as chances de se fazerem as transições educacionais, a Figura
6 mostra as probabilidades preditas para jovens brancos, pardos e pretos
cujos pais eram profissionais de alto nível (SSE = 2,54) ou trabalhadores
manuais especializados em indústria moderna (SSE = 0,59), ficando
todas as outras variáveis de background social mantidas em seus valores
médios. A figura indica que, para T1 e T2, quase todos os jovens cujos
pais eram profissionais ou trabalhadores manuais especializados teriam
feito as transições independentemente de sua raça, isto é, conhecer a ocu-
pação dos pais dos jovens é suficiente para predizer se eles completarão o
primeiro ano de educação elementar (T1), ao passo que a diferença entre
brancos, pardos e pretos com ocupação semelhante dos pais é mínima.
Em outras palavras, para T1 e T2, a desigualdade racial é pequena en-
tre aqueles cujos pais eram trabalhadores manuais especializados em
indústria moderna ou profissionais. De T3 para T5 a desigualdade racial
aumenta – as linhas para brancos, pardos e pretos estão mais afastadas
–, mas as probabilidades de se fazerem as transições são mais altas para
jovens brancos, pardos e pretos cujos pais eram profissionais do que para
aqueles cujos pais eram trabalhadores manuais especializados. Embora a
desigualdade racial nas transições educacionais seja evidente nos dados,
a desigualdade de classe, medida pela ocupação dos pais, tem claramen-
te maior impacto. A figura também indica que a desigualdade racial é
mais alta em T5 que nas transições anteriores, pois as probabilidades
preditas para aqueles com background de classe semelhante varia mais
segundo a raça em T5. A Figura 6 também indica que a possibilidade
de predizer que é dada pelas variáveis no modelo para T1 e T2 é muito
alta, isto é, conhecer as variáveis do modelo ajuda a fazer estimativas de
probabilidade muito precisas sobre chances de transição. Contrastando-se
a isso, nas transições mais elevadas (T3, T4 e T5), as variáveis no modelo
produzem predições menos precisas das chances de transição, pois outras
características dos indivíduos não incluídas no modelo são provavelmente
importantes para determinar as chances de transição em níveis educacio-
nais mais altos. Em outras palavras, as transições em níveis mais altos do
sistema educacional dependem mais de “características não observadas”
em minhas análises – como, por exemplo, a habilidade cognitiva – do que
em níveis mais baixos.

55
Figura 6 – Probabilidades preditas de completar cinco transições educa-
cionais para brancos, pardos e pretos cujos pais eram Profissionais (classe
I) ou Trabalhadores Manuais Qualificados na Industria Moderna (Classe
VIa): brasileiros(as) nascidos em 1932-84

Em suma, as desigualdades raciais não mudaram durante o período


estudado. Se eu considerasse a educação das mães (EM) como medida
de posição econômica ou de classe, poderia dizer que a desigualdade de
classe é maior no acesso à universidade. Em níveis mais baixos, como
mostrarei adiante, há um declínio entre coortes no efeito da ocupação
dos pais (OP) e da educação das mães (EM) em T1 e T2. Os resultados
também revelam que a desigualdade de classe (medida pela ocupação
dos pais) tem mais impacto que a desigualdade de raça, e que esta últi-
ma aumenta no acesso à universidade, mantendo-se, porém, mais baixa
que a anterior. Esses achados dialogam com o corrente debate sobre
desigualdade de raça versus desigualdade de classe e discriminação no
Brasil (Ribeiro, 2006).
A primeira coisa que devo observar é que os modelos utilizados
nesta pesquisa não são concebidos para descrever nem a discriminação
racial nem a socioeconômica. Não posso afi rmar, por exemplo, que a
desvantagem dos pretos e pardos em relação aos brancos na conclusão
de um ano de universidade, dada a conclusão do secundário (T5), se
deve à discriminação racial; esse seria o caso se se selecionassem os
estudantes por causa de suas raças, o que, contudo, não acontece, pois
o acesso à universidade se baseia numa prova de conhecimentos e não

56
numa seleção aberta.10 Em lugar de focar a discriminação, esta pesquisa
pretende estudar a desigualdade de oportunidade educacional (DOE)
em termos de variáveis de background. O que posso afi rmar é que a
expansão educacional no Brasil teve os impactos descritos acima – e que
serão descritos também na próxima seção – sobre a desigualdade racial
e de classe nas chances de transição educacional. Se a discriminação ou
outros fatores, como a desvantagem cumulativa, seriam as causas dessas
desigualdades já se trata de tema para pesquisas de outro tipo.
Isto posto, posso concluir que a hipótese que afirma que a desigualdade
racial seria apenas um reflexo da desigualdade socioeconômica (Pierson,
1945) é refutada pelas evidências de minha pesquisa, que, a esse respei-
to, se soma à literatura anterior sobre desigualdades raciais no sistema
educacional (Fernandes, 2000; Silva, 1986, 2003; Soares, 2005). No
entanto, meus resultados avançam em relação a essa literatura, pois indicam
claramente que a desvantagem socioeconômica – medida pela ocupação
do pai e pela educação da mãe – é um fenômeno mais disseminado que
a desvantagem racial.

5.3. Mudança nas Primeiras Taxas de Transição: Entrada na Escola e


Conclusão de Quatro Anos de Educação Fundamental

No Brasil, as transições antes de se completar a educação secundária


foram de importância fundamental durante a segunda metade do século
XX, isto é, o simples acesso à escola já foi uma importante transição
para muitas pessoas que cresceram durante a segunda metade do século
passado. As taxas de analfabetismo da população foram altas durante
todo o século: 32% em 1940, 23% em 1960, 16% em 1980 e 13% em
1990. A pesquisa sobre Padrão de Vida também indica que, em 1996,
entre os indivíduos que tinham entre 12 e 64 anos de idade na ocasião,
13% não concluíram um ano de educação primária e, entre aqueles que
tinham de 18 e 64 anos, 30% não completaram quatro anos de escola.
Esses números são, por si só, testemunhos do baixo nível de realização
educacional no país, nível que é baixo mesmo quando se os comparam
com os de outras nações em desenvolvimento e, também, com os de outros

10
Uma explicação possível seria a de que bons estudantes pretos e pardos sofreriam
de uma “ameaça do estereótipo”, efeito psicológico como os descritos por Steele
(2003). Mas isso não é mais que uma sugestão, de modo que um tipo de pesquisa
totalmente diferente seria necessário para testá-la.

57
países latino-americanos (Birsall, 1996; Hasenbalg, 2000). Portanto, é
essencial que se analisem as mudanças na DOE relativas a essas duas
primeiras transições educacionais (T1 e T2), que normalmente não são
estudadas nos países desenvolvidos.
Como foi dito acima, a expansão da educação elementar alcançou
mais de 90% da população na faixa relevante de idade apenas após 1982,
quando as primeiras eleições de governadores de estado, depois de 18 anos
de ditadura militar, levaram ao poder líderes de oposição em 16 dos 22
estados brasileiros. Os novos governadores estavam comprometidos a fazer
uma expansão da educação elementar e lançaram planos de construção
e reforma de escolas em muitos estados, mas de maneira mais expressiva
nos maiores: São Paulo, Brasília (DF), Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Ainda que alguns estudos critiquem, com razão, a construção de escolas,
mostrando que o principal problema eram os altos níveis de repetência
e não a falta de vagas (Ribeiro e Klein, 1991), sabe-se, e reconhece-se,
que as crianças tinham chances maiores de entrar na escola na década
de 80 (Silva, 1986; Ribeiro e Klein, 1991). Não há análises, contudo,
das tendências entre coortes de nascimento nascidas antes e depois das
reformas de 1982. A fim de investigar essas tendências, estimo modelos
que incluem coortes nascidas entre 1932 e 1984, para analisar as duas
primeiras transições educacionais (T1 e T2).
Os resultados para T1 e T2 são apresentados na Tabela 3 e, como
expliquei na seção 4, foram calculados com base nas estimativas de pa-
râmetros para o modelo na Tabela A3, no apêndice.

Tabela 3 – Efeito do background social nas duas transições educacionais


iniciais de acordo com os modelos escolhidos: brasileiros, 1932-84

Transições C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7

T1 Completar um ano de escola


S -0.240 *** -0.240 *** 0.081 *** 0.081 *** 0.403 *** 0.725 *** 0.725 ***

EM 0.589 *** 0.473 *** 0.473 *** 0.473 *** 0.473 *** 0.357 *** 0.357 ***

Ba 0.623 *** 0.623 *** 0.623 *** 0.623 *** 0.623 *** 0.623 *** 0.623 ***

Pa 0.220 ** 0.220 ** 0.220 ** 0.220 ** 0.220 ** 0.220 ** 0.220 **

U 1.434 *** 1.434 *** 1.434 *** 1.050 *** 1.050 *** 0.667 *** 0.667 ***

R 0.779 *** 0.779 *** 0.779 *** 0.779 *** 0.779 *** 0.779 *** 0.779 ***

OP 1.233 *** 1.233 *** 1.233 *** 1.233 *** 1.233 *** 0.697 *** 0.697 ***

58
T2 Completar o elementar (4 anos), dado T1

S -0.197 *** -0.197 *** -0.197 *** 0.367 *** 0.367 *** 0.367 ***

EM 0.336 *** 0.336 *** 0.336 *** 0.336 *** 0.234 *** 0.234 ***

Ba 0.374 *** 0.374 *** 0.374 *** 0.374 *** 0.374 *** 0.374 ***

Pa 0.001 0.001 0.001 0.001 0.001 0.001

U 0.793 *** 0.793 *** 0.793 *** 0.793 *** 0.793 *** 0.793 ***

R -0.238 ** -0.238 ** 0.309 ** 0.309 ** 0.309 ** 0.309 **

OP 1.034 *** 1.034 *** 1.034 *** 0.882 *** 0.882 *** 0.882 ***

Nota: S = sexo, U = residência urbana até 15 anos, R = região de nascimento, EM = educação da


mãe, B = branco, P = pardo, e OP = ocupação do pai.
* p < .05, ** p<.01, *** p<.001 (teste de duas caldas)
a Categoria de referência Preto

As estimativas de parâmetros para T1 que são mostradas na Tabe-


la 5 sugerem uma clara tendência à diminuição da desigualdade. Em
particular, C6 e C7 são afetadas por muitas mudanças importantes que
ocorreram na sociedade brasileira. As crianças nessas coortes são, em
sua maioria, filhas de moradores urbanos e entraram na escola quando
o sistema de escolas elementares já tinha sido desenvolvido, nos anos 80
e 90. Os efeitos de background social de C1 a C5 na Tabela 5 seguem as
mesmas tendências observadas na Tabela 2, mas continuam nas coortes
C6 e C7. Essas tendências são: (1) crescente vantagem das mulheres sobre
os homens de C3 a C5 e de C5 a C6; (2) diminuição do efeito da educa-
ção das mães de C1 a C2 e de C5 a C6; (3) diminuição da vantagem das
pessoas que cresceram em áreas urbanas de C3 a C4 e de C5 a C6; e (4)
diminuição do efeito da ocupação dos pais (OP) na transição de C5 a C6.
Como os filhos nascidos após 1972 (C6 e C7) estavam entrando na escola
durante os anos 80 e o início dos 90, pode-se interpretar a diminuição
dos efeitos da educação das mães (EM) e da ocupação dos pais (EP) de
C5 a C6 como sendo conseqüência da expansão educacional da educação
elementar e primária que foi posta em prática após 1982.
Também se observa essa tendência à diminuição da desigualdade com
relação a T2, conclusão de quatro anos de escola ou educação elementar,
dada a primeira transição. A Tabela 3 apresenta os efeitos do background
social sobre T2 – obtida a partir das estimativas de parâmetros exibidos
na Tabela A4, no apêndice –, o que indica as seguintes tendências entre
coortes de nascimentos: (1) a vantagem dos homens sobre as mulheres foi
revertida de C3 a C4; (2) o efeito da educação das mães diminuiu de C4

59
a C5; e (3) o efeito da origem de classe diminui de C4 a C5. Os nascidos
entre 1932 e 1963 (C1 a C4) entraram na escola antes da reforma de
1971, quando apenas a educação elementar (quatro anos) era compulsó-
ria, enquanto que os nascidos entre 1961 e 1978 (C5 e C6) entraram na
escola quando oito anos de escolaridade ou o primário eram o requisito
mínimo imposto por lei. Como esses dois últimos efeitos (EM e OP) dimi-
nuem exatamente de C4 a C5, fica claro que eles são uma conseqüência
da reforma educacional de 1971.
A diminuição da desigualdade no acesso à educação depois das refor-
mas de 1971 e 1982, que expandiram muito as vagas nas escolas elementa-
res e primárias, é fato conhecido na literatura (Silva, 2003). Durante os anos
90, o debate e os estudos sobre a educação básica deixou de girar em torno
da questão do acesso à educação e pasou a focalizar o tema da qualidade
da educação (Franco, 2007). Embora a expansão da educação elementar
tenha acabado por fornecer vagas à maioria das crianças e jovens nos grupos
relevantes de idade, o nível de conhecimento dos estudantes, medido por
testes e estudado em surveys nacionais,11 é ainda muito mais baixo que os
padrões esperados para cada série (Mainardes, 2001). Utilizando dados
dos anos 1990 e 2000 sobre as notas das provas para educação primária
e secundária inferior, estudos recentes mostraram alguns efeitos positivos
sobre o nível de conhecimento dos estudantes a partir de certos fatores:
transferências financeiras diretas do governo federal para as escolas muni-
cipais (Alvez, 2007; Barros, 1998), freqüência à pré-escola (Klein, 2006)
e nível educacional dos professores (Albanez, 2002; Daniel, 2005; Soares,
2004; Alves, 2007). Todavia, todos esses estudos revelam altos níveis de
desigualdade no nível de conhecimento a partir do background social dos
estudantes. Em suma, estudos recentes sobre a educação primária avan-
çaram no entendimento das desigualdades, de uma perspectiva do acesso
e progressão no sistema escolar para um foco em fatores intra-escolares e
extra-escolares que produziriam as desigualdades nos níveis de conhecimen-
to dos estudantes. Ainda que não inclua medidas de capacidade, a presente
pesquisa contribui com a literatura ao apresentar as tendências de longo
prazo nas desigualdades de acesso à educação elementar e primária para

11
Desde 1990, para avaliar a qualidade da educação básica brasileira (primária
e secundária), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, INEP, do Ministério da Educação, coleta dados a partir de uma amostra
nacional, incluindo resultados de provas de Português e de Matemática (Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica, SAEB), com informações sobre alunos,
professores e diretores de escolas públicas e privadas.

60
aqueles nascidos entre 1932 e 1984. Estudos anteriores focavam tendências
anteriores à desigualdade de oportunidades para os nascidos até os anos
60 (Fernandes, 2001; Silva, 1986; Hasenbalg, 1999) ou, então, para os
nascidos durante os anos 70 ou mais tarde (Ribeiro, 1991; Silva, 2003).
Esses achados também são relevantes para se discutir a hipótese do
“desigualdade sustentada ao máximo” (DSM), uma vez que a desigualdade
diminuiu, em particular, para as três coortes mais jovens, que entraram na
escola depois das reformas educacionais de 1971 e 1982, período marcado
pela expansão da educação elementar e secundária inferior. Embora a
DSM seja uma boa explicação para essa diminuição, que é observada na
desigualdade, é também uma explicação limitada, porque a evidência de
estudos sobre a desigualdade no nível de conhecimento (discutida acima)
indica que fatores intra-escolares se somam a características do background
social como explicação da desigualdade educacional. Esse fato é também re-
conhecido pela hipótese da “desigualdade efetivamente sustentada” (Lucas,
2001), pelo que se argumenta, simplesmente, que a diferença “qualitativa”
dentro de sistemas educacionais – por exemplo, cursos preparatórios para
o college nos EUA, ou sistemas privado, privado com certificado ou público
no Chile (Torche, 2005) – podem levar à desigualdade de oportunidades
educacional. Indubitavelmente relevante para o caso brasileiro, essa hipótese
não pode ser testada na análise de tendências como as que apresento neste
capítulo, pois não disponho dos dados necessários. Contudo, em estudos
futuros sobre tendências nas transições educacionais no Brasil será possível
utilizar novos dados – que não se encontram disponíveis no momento em que
escrevo – não apenas para ampliar a análise das tendências relativamente
ao período mais recente, mas também para utilizar variáveis qualitativas
sobre as escolas (privadas ou públicas, e professores), bem como indicadores
indiretos da capacidade dos estudantes, a fim de dar sentido às tendências
da desigualdade de oportunidades educacionais no país.

6. Conclusão

Retorno, enfim, aos temas levantados na introdução deste capítu-


lo. A desigualdade de oportunidades educacionais (DOE) no Brasil teria
mudado, durante as últimas décadas? Caso isso tenha acontecido, essas
tendências se relacionariam a políticas educacionais que se desenvolve-
ram no período? Quais são as implicações deste estudo de caso para os
estudos comparativos de estratificação educacional? Quais são as tendên-

61
cias e os padrões de desigualdades de raça e classe na desigualdade de
oportunidades educacionais, e qual é sua importância na discussão das
teorias sobre as relações raciais no Brasil? Quais são as tendências da
desigualdade de gênero?
Para examinar essas questões, estudei as probabilidades de se faze-
rem cinco transições educacionais subseqüentes para diferentes grupos
socioeconômicos, raciais e de gênero entre coortes. No que diz respeito
aos estudos comparativos de estratificação educacional e a tendências na
DOE, a análise revelou, neste capítulo, que o caso brasileiro confirma um
padrão geral, que é encontrado na maioria dos países estudados hoje em
dia: houve pouca mudança na estratificação educacional entre coortes de
nascimento, e a vantagem das mulheres sobre os homens foi revertida.
Além de confirmar o padrão de crescente vantagem das mulheres sobre
os homens, minha análise indicou quando essa tendência teve início no
Brasil. A vantagem das mulheres sobre os homens começou para as coor-
tes nascidas após 1948 e após 1956 (C3, C4 e C5). As mulheres nessas
coortes entraram e progrediram na escola durante os anos 60, 70 e 80,
longo período que foi marcado pela expansão da educação em todos os
níveis (com exceção da universidade após 1975). Em outras palavras,
uma conseqüência positiva da expansão educacional no Brasil foi que ela
facilitou a inclusão das mulheres.
Contrastando-se a essa tendência geral, que é observada em muitos
países, o padrão de desigualdade persistente em termos de vantagem
socioeconômica não se aplica inteiramente ao Brasil. Duas questões são
importantes. Primeiro, a análise detectou um declínio no efeito da educa-
ção da mãe (EM), da residência urbana até os 15 anos (U) e da ocupação
do pai (OP) sobre a probabilidade de se completar um ano de escola(T1),
especialmente para as duas coortes mais jovens, que entraram na escola
depois da reforma de 1982. Detectou-se uma tendência similar para a pro-
babilidade de se completar a educação elementar: os efeitos da educação
da mãe (EM) e da ocupação do pai (OP) diminuem em particular para as
coortes mais jovens, que entraram na escola depois da reforma de 1971.
Esses achados indicam uma diminuição da desigualdade que está de
acordo com a hipótese DSM, porque foi somente depois das reformas de
1971 e 1982 que a escolaridade básica passou a estar disponível para a
maioria da população. Como os grupos mais bem situados já viam serem
atendidas suas necessidades básicas de escolaridade quando as reformas
foram implementadas, o declínio na desigualdade segue as predições da
DSM. Ainda que este primeiro afastamento da desigualdade persistente
fosse esperado, ele revela ainda uma particularidade do caso brasileiro: o

62
declínio da desigualdade nas transições educacionais mais elementares –
conclusão de um ano e de quatro anos de educação primária – começou
apenas nos anos 1970. Essa evidência confirma a expansão tardia do
sistema educacional brasileiro e é também uma indicação de que estudos
de estratificação educacional em países em desenvolvimento devem prestar
atenção às transições básicas, tais como as probabilidades de se entrar
na escola, pois, se elas forem negligenciadas, as chances de se estimarem
probabilidades erradas em transições educacionais subseqüentes podem
se tornar um problema para a análise empírica.
Em segundo lugar, minha análise detectou um aumento nos efeitos
da educação da mãe sobre a probabilidade de se entrar na universidade
para as coortes dos nascidos após 1948. Nos casos em que entraram na
universidade, esses indivíduos o fizeram durante os anos 1970 e 1980,
período marcado por uma enorme expansão da educação secundária e
por uma estagnação no número de vagas na educação terciária (ver Figura
2). Essas tendências criaram um gargalo na entrada na universidade, que
se relaciona diretamente ao aumento na desigualdade observada. Esse
achado referente à crescente desigualdade também pode ser explicado pela
hipótese DSM. Como as reformas educacionais no Brasil levaram a uma
expansão das escolas secundárias, que não se seguiu de uma expansão
das instituições de nível terciário, um grande número de estudantes que
completaram o secundário durante os anos 1980 enfrentaram esse gargalo,
e cresceu a competição pelas vagas na universidade. Estudantes cujas mães
tinham mais formação possuíam vantagens crescentes nessa competição,
o que pode explicar o crescimento da desigualdade que foi observado. O
caso brasileiro se soma à evidência da desigualdade crescente na Rússia
durante a abertura pós-soviética dos mercados (Gerber, 2003; 1995). No
Brasil, depois da reforma educacional de 1961, houve uma expansão da
educação secundária, porém, durante o fim dos anos 70 e os 80, o investi-
mento nas universidades se centrou nos programas de pós-graduação e na
pesquisa e não na expansão das vagas na graduação (Castro, 1986). Esse
contexto histórico levou à tendência esperada da crescente desigualdade de
oportunidades no nível educacional superior no Brasil e também poderia ser
explicado pela DSM. Há, contudo, outra explicação possível, relacionada
à expansão da educação secundária pública e privada no Brasil, que não
pode ser testada com os dados utilizados neste capítulo. Com as reformas
de 1961 e 1971, a educação secundária se expandiu especialmente no
setor público. Visto que se sabe que as escolas secundárias privadas são
melhores do que as públicas, é muito provável que uma variável que
cubra o tipo de escola secundária (pública ou privada) pudesse explicar

63
o aumento da desigualdade no acesso à universidade. Conquanto não
se possa testar essa hipótese, por falta de dados, é importante deixar a
questão em aberto para futuras análises nas quais se utilizem dados que
estão sendo atualmente coletados no Brasil. Se essa expectativa estiver
correta, aspectos da hipótese da “desigualdade efetivamente sustentada”
(DES) poderiam ser importantes para explicar os padrões observados no
Brasil. É também possível que a inclusão de uma variável para o tipo de
escola (pública ou privada) viesse a alterar os resultados, o que indicaria
vantagem persistente, e não aumento, na desigualdade. Essas questões
permanecem em aberto para pesquisas futuras.
Finalmente, as evidências acerca da raça e de efeitos socioeconômicos
sobre a probabilidade de se realizarem as transições educacionais subse-
qüentes entre coortes nos permitem avaliar as quatro hipóteses sobre rela-
ções raciais no Brasil, que foram brevemente descritas na seção 2. Minhas
análises indicam que os efeitos da raça são constantes entre as coortes de
nascimento. Contudo, elas também mostram que os efeitos de classe são
mais importantes que os de raça para todas as transições, a despeito do fato
de que o efeito da classe diminui constantemente entre todas as transições
e de que o efeito da raça aumenta para a última transição (conclusão de
um ano de universidade). Esses achados confirmam as expectativas de
Hasenbalg (1979), embora alguma qualificação seja necessária. A saber, a
raça é um fator independente da estratificação escolar e não se diminui em
importância, ao longo do tempo, com a industrialização. Devo acrescentar,
no entanto, que a desigualdade de classe é claramente mais importante que
a desigualdade de raça (como se vê na Figura 6). Contudo, a desigualdade
racial está claramente presente e não muda, a despeito da impressionante
expansão do sistema educacional. Uma interpretação fácil é a de que isso
seria uma conseqüência da “discriminação racial”; porém, isso não está
nos dados. As análises aqui apresentadas apenas indicam que a desigual-
dade racial é persistente, mas não que ela se deva à discriminação. O que
poderia explicar, então, a continuidade dos efeitos da raça entre coortes?
É ela conseqüência de baixa autoconfiança, de discriminação no sistema
educacional ou de variáveis não medidas? Essas perguntas permanecem
para serem respondidas, e espero que pesquisas futuras hajam de encará-
las, usando, para tanto, dados novos e relevantes.

64
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69
Anexo

Tabela A1 – Modelos selecionados para sucesso, Brasil: 1996-97


Pseudo

Passos e Modelos Log-lik LR X 2


d.f. R 2 Comentários

A Escolha de especificação de classe e variáveis independentes:


1 T(d) + S + U + R + EM + B + P + OP(ISEI) -11542.2 6596.2 11 0.222
2 T(d) + S + U + R + EM + B + P + OP(d) -11782.3 6584.2 19 0.180
3 T(d) + S + U + R + EM + B + P + OP(SEI) -11379.6 6921.5 11 0.233

B Incluir interaçõs de duas variáveis (dummies): transição*coorte e background*transição:


4 [3] + TC(d) -11167.7 7345.3 31 0.248
5 [4] + S*T(d) + U*T(d) + R*T(d) + EM*T(d) -10868.4 7943.8 59 0.263
+ B*T(d) + P*T(d) + OP*T(d)

C Incluir todas as interações entre duas variáveis de background, remover as não significativas:
6 [5] + todas as interações entre duas variáveis -10850.0 7980.8 79 0.269 B*P foi excluída porque é colinear
de background nenhuma interação

7 [5] + S*R -10865.4 7949.9 60 0.268

D Identificar e restringir interações entre backgroud, transição 1, e coortes


8 [7] + todas as interações entre -10839.3 8002.1 88 0.270 Entre background e transição
T1*C*background
9 [7] + S*T1*C(d) + U*T1*C(d) + EM*T1*C(d) -10849.7 7981.4 72 0.269
10 [9] especificação com 1 g.l.para S*T1*Ctrend, -10852.1 7976.4 63 0.269 S*T1*Ctrend (1 2=1) (3 4=2) (5=3)
+ U*T1*Ctrend and EM*T1*Ctrend
U*T1*Ctrend (1 2 3 =0) (4 5=1)

EM*T1*Ctrend (1=1) (2 3 4 5=0)

E Identificar e restringir interações entre backgroud, transição 2, e coortes


11 [10] + todas as interações entre -10826.3 8028.2 91 0.271
T2*C*background
12 [10] + S*T2*C(d) + RT2C(d) + ET2C(d) -10836.6 8007.5 75 0.270
13 [12] especificação com 1 g.l.para S*T2*Ctrend -10840.8 7999.2 66 0.270 S*T2*Ctrend (1 2 3 =1) (4 5=0)
+ R*T2*Ctrend + EM*T2*Ctrend
R*T2*Ctrend (1=1) (2 3 4 5=0)

EM*T2*Ctrend (1 2 3 4=1) (5=0)

F Identificar e restringir interações entre backgroud, transição 3, e coortes


14 [13] + todas as interações entre -10819.4 8041.9 94 0.271
T3*C*background

15 [13] + S*T3*C(d) -10835.1 8010.5 70 0.270


16 [15] especificação com 1 g.l.para S*T3*Ctrend -10836.4 8007.9 67 0.270 S*T3*Ctrend (1 2 3 =1) (4 5=0)

70
G Identificar e restringir interações entre backgroud, transição 4, e coortes
17 [16] + todas as interações entre -10814.2 8052.3 95 0.271
T4*C*background
18 [16] + OP*T4*C(d) -10831.3 8018.2 71 0.270
19 [18] especificação com 1 g.l.para -10831.7 8017.3 68 0.270 OP*T4*Ctrend (1 5 =0) (2 3 4 =1)
OP*T4*Ctrend

H Identificar e restringir interações entre backgroud, transição 5, e coortes


20 [19] + todas as interações entre -10805.3 8070.1 96 0.272 drop U*T5*C(d) because it is
T5*C*background constant, not presented

21 [19] + S*T5*C(d) + U*T5*C(d) + -10811.7 8057.3 80 0.272


EM*T5*C(d)
22 [21] especificação com 1 g.l.para S*T5*Ctrend, -10815.3 8050.0 71 0.271 S*T5*Ctrend (1 2=0) (3 4 5=1)
U*T5*Ctrend and EM*T5*Ctrend
EM*T5*Ctrend (1 2=1) (3 4=2)
(5=3)

I Restringir interações entrebackgroud e transições


23 [22] especificação com 1 g.l.para -10835.0 8010.6 50 0.270 Ttrend*S (1 5=1) (2 3 4 =0)
S*Ttrend, U*Ttrend, R*Ttrend, EM*Ttrend,
B*Ttrend, P*Ttrend, and OP*Ttrend Ttrend*EM (1=1) (2 3=2) (4=3)
(5=4)

Ttrend*U (1=1) (2=2) (3=3) (4 5=4)

Ttrend*R (1=1) (2=3) (3 4=4) (5=2)

Ttrend*B (1 2 3 5=0) (4=1)

Ttrend*P (1 2 3 5=0) (4=1)

Ttrend*OP (1 2=0) (3 4 5=1)

J Restringir transições por coortes


24 [23] especificação com 1 g.l.para T*Ctrend -10848.4 7983.9 35 0.269 T1*Ctrend (1=1) (2=2) (3=3) (4
5=4)

T2*Ctrend (1 2=0) (3 4 5 =1)

T3*Ctrend (1 2=0) (3 4 5 =1)

T4*Ctrend (1 2 4 5=0) (3 =1)

T5*Ctrend (1 3=2) (2=1) (4=3)


(5=4)

L Restringir efeito principal de transições


25 [24] especificação com 1 g.l.para para -10853.0 7974.6 32 0.269 Tendência das transições
transições (1=2) (2=1) (3=4) (4=3) (5=2)

G Ajustes fi nais
26 [25] - R*T2*Ctrend - OP*T4*Ctrend - -10861.8 7957.1 29 0.268
U*T5*Ctrend

Nota: Transições = termo geral, S = sexo, U = residência urbana até 15 anos, R = região de nascimen-
to, EM = educação da mãe, B = branco, P = pardo, OP = ocupação do pai, Ttrend = recodificação
ordinal para transições (padrão definido entre parenteses), Ctrend = recodificação ordinal para coortes
(padrão definido entre parenteses), termos de interação usam um símbolo de multiplicação (*) e os nomes
relevantes, defi nições dummy são (d), e Especificações com 1 g.l. são defi nidas como trend.

71
Tabela A2 – Coeficientes do modelo de regressão lógistica escolhido
(26 na tabela A1): Brasil, 1996-97
Variáveis Independentes Coeficientes

Transições (1 5=2) (2 4=1) (3=3) -0.675 ***


S 0.258 ***
U 1.859 ***
R 1.134 ***
EM 0.521 ***
Ba 0.879 ***
Pa 0.445 ***
OP 1.062 ***
Ctrend*T1 (1=1) (2=2) (3=3) (4=4) (5=5) 0.330 ***
Ctrend*T2 (1 2=1) (3=2) (4=3) (5=4) 0.220 ***
Ctrend*T3 (1 2=1) (3 4=3) (5=2) 0.217 ***
Ctrend*T4 (1 2 5=0) (3=3) (4=1) 0.109 **
Ctrend*T5 (1 2=1) (3=2) (4=3) (5=4) -0.533 ***
Ttrend*S (1 5=1) (2 3 4=0) -0.575 ***
Ttrend*U (1=1) (2=2) (3=3) (4 5=4) -0.430 ***
Ttrend*R (1=1) (2=3) (3 4=4) (5=2) -0.328 ***
Ttrend*EM (1=1) (2 3=2) (4=3) (5=4) -0.138 ***
Ttrend*B (1 5=1) (2=3) (3=3) (4=4) -0.158 ***
Ttrend*P (1 3 5=1) (2=2) (4=3) -0.212 ***
Ttrend*OP (1 2=0) (3 4 5=1) -0.414 ***
S*R -0.150 **
S*Ctrend*T1 (1 2=1) (3 4=2) (5=3) 0.236 ***
U*Ctrend*T1 (1 2 3=0) (4 5=1) -0.434 **
EM*Ctrend*T1 (1=1) (2 3 4 5=0) 0.226 **
S*Ctrend*T2 (1 2 3=1) (4 5=0) -0.333 ***
EM*Ctrend*T2 (1 2 3 4=1) (5=0) 0.090 ***
S*Ctrend*T3 (1 2 3=1) (4 5=0) -0.382 ***
S*Ctrend*T5 (1 2=0) (3 4 5=1) 0.578 ***
EM*Ctrend*T5 (1 2=1) (3 4=2) (5=3) 0.064 ***
Constante 0.361 **

Nota: Transições = termo geral para transições, S = sexo, U = residência em área urbana até 15
anos, R = região de nascimento, EM = educação da mãe, B = branco, P = pardo, OP = ocupação
do pai, Ttrend = recodificação ordinal para transições (padrão defi nido entre parênteses) , Ctrend =
recodificação ordinal para coortes (padrão defi nido entre parenteses), termos para interação utilizam
o símbolo (*) para multiplicação e os nomes de variáveis Relevantes.
a Categória de referência Black

72
Tabela A3 – Parâmetros estimados pelo modelo logit escolhido para anali-
sar o effeito das variáveis de background na transição 1 (T1) e na 2 (T2)

Modelo para T1: Completa 1 ano de escola Modelo para T2: Completar Elementar

Variáveis Coef. Variáveis Coef.

C2 0.321 ** C2 0.279 **

C3 0.608 *** C3 0.342 **

C4 0.943 *** C4 0.392 **

C5 1.011 *** C5 0.433 **

C6 1.165 *** C6 0.327 **

C7 1.206 ***

S -0.562 *** S 0.367 ***

EM 0.589 *** EM 0.234 ***

Wa 0.623 *** Wa 0.374 ***

Ba 0.220 ** Ba 0.001

U 1.434 *** U 0.793 ***

R 0.779 *** R -0.785 **

OP 1.233 *** OP 0.882 ***

Ctrend*S 0.322 *** Ctrend*S -0.564 ***


(1 2=1) (3 4=2) (5=3) (6 7=4) (1 2 3=1) (4 5 6=0)

Ctrend*U -0.383 ***


(1 2 3=0) (4 5=1) (6 7=2)

Ctrend*EM -0.116 ** Ctrend*EM 0.102 **


(1=0) (2 3 4 5=1) (6 7=2) (1 2 3 4=1) (5 6 =0)

Ctrend*R 0.547 ***


(1 2=1) (3 4 5 6=2)

Ctrend*OP -0.536 ** Ctrend*OP 0.152 **


(1 2 3 4 5=0) (6 7=1) (1 2 3=1) (5 6 7=0)

_cons -0.481 ** _cons -0.009 *

Estatísticas de ajuste

Log-Likelihood -3487.3 -3173.197

Modelo LR X2 3050.3 1687.728

Parâmetros 17 16

McFadden Adj R2: 0.301 0.206

BIC -2889.3 -1551.543

Nota: S = sexo, U = residência urbana até 15 anos, R = região de nascimento, EM = educação da


mãe, B = branco, P = pardo, e OP = ocupação do pai, e Ctrend = especificação 1 g.l.
* p < .05, ** p<.01, *** p<.001 (teste de duas caudas)
a Categoria de referência preto

73
CAPÍTULO 2

Cor, educação e casamento:


tendências da seletividade marital no
Brasil, de 1960 a 20001

co-autoria
de Nelson do Valle Silva – IUPERJ

1 – Introdução

Estudos sobre casamentos inter-raciais no Brasil têm indicado que os


indivíduos autoidentificados como pardos têm chances maiores de se casar
com brancos do que com pretos. Ou seja, no mercado matrimonial, pardos
se encontram relativamente mais próximos de brancos, e os pretos parecem
estar mais isolados se comparados a esses dois outros grupos (Silva, 1987).
Esses resultados sugerem que as distâncias separando brancos, pardos e
pretos, no mercado matrimonial, não seriam equivalentes às distâncias mais
estritamente socioeconômicas entre os grupos de cor, ou raciais, uma vez
que essas desigualdades no sistema educacional e no mercado de trabalho
indicam claramente que pardos estão bem mais próximos de pretos e que
ambos os grupos estão em clara desvantagem em relação aos brancos. Além

1
O autor agradece o apoio do Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences
at Stanford University, onde este capítulo foi escrito. Agradeço em especial a Nelson
do Valle Silva por ter concordado em publicar este artigo neste livro. O artigo foi
publicado anteriormente em DADOS – Revista de Ciências Sociais, volume 52, nú-
mero 1, 2009. Também apresentamos o trabalho no Center for Advanced Study in
the Behavioral Science (Stanford University), na reunião da Associação Nacional de
Programas de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) em outubro de 2008,
e no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) em novembro
de 2008. Agradecemos os comentários de participantes em todos estes encontros.

75
disso, utilizando dados de 1980, os estudos sobre o mercado matrimonial
prevêem um crescente aumento dos casamentos inter-raciais (Silva, 1992).
Esses padrões de casamento inter-racial favorecem o aumento da miscige-
nação e sugerem que as relações raciais no Brasil se caracterizam por uma
crescente fluidez ou abertura à aceitação dos diferentes grupos de cor na
esfera dos relacionamentos sociais ou de sociabilidade.
Os dados que analisamos no presente capítulo confirmam a indicação
de que há um aumento dos casamentos inter-raciais no Brasil e, portanto,
um provável aumento gradativo da miscigenação ao longo do último meio
século. Em 1960, 1 em cada 10 de todos os casamentos era entre pessoas
de grupos de cor diferentes; em 1980, esse número aumentou para 1 em
cada 5; em 2000, para 1 em cada 3. Por outro lado, também sabemos
que, nesse mesmo período, entre 1960 e 2000, o Brasil se transformou
radicalmente em termos de estrutura social. Deixou de ser um país pre-
dominantemente rural para se tornar uma nação altamente industrializa-
da, expandiu o acesso à educação em todos os níveis, modernizou-se de
maneira rápida e definitiva. Acompanhando essa modernização, parale-
lamente ao aumento dos casamentos inter-raciais, ocorreram duas outras
mudanças que podem a ele estar relacionadas. Por um lado, houve uma
diminuição das barreiras educacionais aos casamentos (Silva, 2003), ou
seja, o percentual de casamentos entre maridos e esposas com níveis edu-
cacionais distintos aumentou ao longo dessas quatro décadas. Em 1960,
somente 20,8% dos casamentos eram entre maridos e esposas com níveis
educacionais distintos, ao passo que, em 1980, esse percentual aumentou
para 40,6% e, em 2000, para 51,9%. Somando-se a esse aumento de ca-
samentos intereducacionais, verifica-se um aumento do acesso ao sistema
educacional, bem como uma progressão relativa de pretos e pardos, levando
a uma diminuição proporcional das desigualdades educacionais entre os
grupos de cor. Enquanto em 1960 os brancos tinham em média 2,2 anos
a mais de educação do que os pardos (com diferença muito semelhante
entre brancos e pretos), em 2000 essa diferença se reduzia para 1,2 ano
a mais. Em outras palavras, a desigualdade educacional entre brancos e
não brancos diminuiu consideravelmente.
Uma hipótese que pode ser interessante seria aquela propondo que a
diminuição das barreiras educacionais ao casamento e das desigualdades
educacionais entre os grupos de cor pode estar relacionada ao aumento
dos casamentos inter-raciais, hipótese esta que, como vimos, foi prevista
nos estudos anteriores e confirmada pelos dados analisados no presente
capítulo. Nosso objetivo aqui será investigar a relação entre essas três ten-
dências observadas no Brasil nas últimas décadas. Tentaremos responder

76
às seguintes perguntas: em que medida diminuíram as barreiras ao casa-
mento inter-racial e intereducacional entre 1960 e 2000? Qual é a relação
entre esses dois tipos de barreira? Será que a diminuição das barreiras ao
casamento inter-racial pode ser explicada, em parte, pela diminuição das
barreiras ao casamento intereducacional? Será que pode ser explicada pela
diminuição das desigualdades educacionais entre os grupos raciais?
Para responder a essas perguntas, utilizamos amostras dos censos
populacionais de 1960, 1980 e 2000. Estudos anteriores sobre casamento
inter-racial se concentraram nos anos específicos de 1980 ou 1991 e só
analisaram as tendências de longa duração utilizando informações sobre
coortes de idade (Silva, 1992; Telles, 2004). Já os estudos sobre barreiras
educacionais ao casamento analisaram as tendências históricas, nas déca-
das de 1980 e 1990, utilizando dados de 1981, 1990 e 1999. Nenhum
desses estudos, no entanto, combinou a análise das mudanças nas barreiras
raciais e educacionais com os casamentos. Ao analisarmos conjuntamente
a mudança nos dois tipos de barreira entre 1960 e 2000, seremos capazes
de verificar em que medida a diminuição das barreiras ao casamento inter-
racial é um reflexo da diminuição das barreiras educacionais ao casamento
e da desigualdade educacional entre os grupos de cor.
Com o objetivo de investigar essas questões, dividimos este capítulo
em nove partes. A primeira é esta introdução. Na segunda, apresentamos o
debate teórico sobre seletividade matrimonial; na terceira, a literatura sobre
seletividade matrimonial no Brasil. Na quarta parte, descrevemos os dados e
modelos utilizados. Na quinta, analisamos as taxas absolutas de casamento
por cor e educação. Na sexta e na sétima, mostramos o ajuste dos modelos
utilizados para analisar a seletividade matrimonial por cor e educação,
respectivamente. Na oitava parte, analisamos conjuntamente (em um mesmo
modelo) a seletividade matrimonial por cor e educação. A última parte se
debruça sobre as conclusões que podemos tirar das análises feitas.

2 – Teorias sobre seletividade marital

Um tema que tem uma longa tradição dentro das ciências sociais é
o da escolha conjugal, ou, em outro termo também usual, a seletividade
marital. Nesse caso, tenta-se explicar a tendência empírica e universalmente
observada que as pessoas têm em escolher seu cônjuge, seja dentro de seu
próprio grupo social, a chamada endogamia (por oposição ao casamento
fora do grupo, a exogamia), seja entre aqueles com situação social seme-

77
lhante, a denominada homogamia (por oposição ao casamento socialmente
desigual, a heterogamia). Assim, o estudo da seletividade marital diz res-
peito à análise da relação entre as características sociais dos esposos, bem
como de suas conseqüências para a dinâmica da vida social. Esse tema
tem sido estudado em grande diversidade de contextos sociais e nacionais
(Murstein, 1976; Bozon e Héran,1989; Forsé e Chauvel, 1995; Smits, Ultee
e Lammers, 1998), dando origem a uma produção bibliográfica bastante
extensa, que foi objeto de uma útil revisão por Kalmijn (1998).
Uma grande parte, se não a maioria dos estudos sociológicos sobre
padrões de casamento entre diferentes grupos sociais, tem dois objetivos
principais: por um lado, delinear as “fronteiras” que separam esses grupos;
por outro, estudar as conseqüências dos padrões de intercasamento para
as gerações futuras. Pelo menos desde os trabalhos de Weber (1978) sobre
fechamento dos grupos de status e criação de grupos étnicos, estudiosos
vêm considerando o padrão de casamentos um indicador das fronteiras
mediando a relação entre grupos sociais distintos. Sobre grupos étnicos,
por exemplo, Weber afirma claramente que: “Em todos os grupos com uma
consciência ‘étnica’ desenvolvida, a existência ou ausência de intercasamen-
tos (connubium) seria uma conseqüência normal da atração ou segregação
racial” (1978:385; tradução dos autores). Tendo em vista que o casamento
é, em geral, uma forma de relacionamento íntimo e duradouro, os padrões
de intercasamento – raciais, nacionais, religiosos, socioeconômicos etc.
– podem ser usados como uma medida tanto das barreiras que separam
os grupos quanto da aceitação mútua entre os membros desses grupos. A
heterogamia, ou intercasamento, pode ser entendida como uma forma de
relação “íntima” entre grupos distintos; inversamente, a endogamia, ou ho-
mogamia, pode ser vista como indicador do grau de fechamento dos grupos
sociais. Não são apenas as fronteiras entre grupos sociais que se revelam
nos padrões de intercasamento, mas também as possibilidades de mudança
nessas barreiras. Se houver índices altos de heterogamia, ou exogamia, em
uma determinada sociedade, os filhos de casamentos mistos terão maior
liberdade para se identificar com mais de um grupo, o que significa que
uma maior miscigenação ou mistura dos grupos se tornará mais provável.
Embora os padrões de intercasamento possam ser usados para definir
fronteiras e formas de aceitação entre grupos sociais, como sugeria Weber,
os estudiosos contemporâneos do tema propõem algumas especificações te-
óricas e metodológicas importantes na tentativa de explicar os mecanismos
que levam aos padrões observados. Em particular, a literatura parte da
idéia de que as taxas de endogamia e exogamia observadas em qualquer
sociedade são o produto de forças sociais relacionadas a: (1) preferências

78
e vontades individuais; (2) influências dos grupos ou normas sociais; e
(3) características estruturais dos mercados matrimoniais. Estudos sobre
intercasamento devem elaborar modelos que especifiquem e mensurem
explícita ou implicitamente essas três forças sociais. Na prática, a diferen-
ciação metodológica entre variáveis relacionadas às preferências individuais
e às influências dos grupos sociais (ou normas sociais) é difícil de ser feita
em modelos estatísticos usando dados empíricos.
Para organizar os conceitos envolvidos na discussão da seletividade por
cor no casamento, podemos partir de uma representação gráfica (Figura
1), proposta por Silva (1987), com base nos estudos de Bumpass (1970)
e Johnson (1980).

Figura 1 – Esquema Conceitual da Análise da Seletividade Conjugal

Elaboração dos autores

Nos modelos estatísticos que elaboramos mais adiante, levamos em


conta os seguintes fatores representados no esquema analítico acima: (b)
similaridade socioeconômica e/ou educacional; (d) mercados locais (no
caso, a escola); (e) composição populacional; (f) normas endogâmicas; e (g)

79
distância social. Na prática, é difícil distinguir (b) de (f) e (b) de (g), ou seja,
é difícil verificar se são preferências individuais ou normas do grupo que
influenciam os padrões de seletividade marital. Em contraste, os modelos
log-lineares que utilizamos são adequados para distinguir as influências
da composição populacional (e), das normas endogâmicas (f) e da distância
social (g). Embora não tenhamos informações sobre os mercados locais,
alguns autores sugerem que a homogamia educacional entre pessoas com
algum nível universitário seria um reflexo do fato de a universidade ser um
mercado local de casamento (Mare, 1991). Nesse sentido, também seria
difícil, metodologicamente, distinguir as normas endogâmicas (f), em termos
educacionais (principalmente entre universitários), do mercado local (d) re-
presentado pelas universidades. Outra limitação do modelo que utilizamos é
o fato de não incluirmos características da segregação espacial (c). O efeito
do preconceito (a) também será apenas presumido no modelo, na medida
em que podemos imaginar que as normas endogâmicas (f) e a distância
social (g) estão relacionadas não apenas às similaridades socioeconômicas
(b) mas também ao preconceito (a). Apesar dessas limitações, cremos que o
esquema acima (Figura 1) ajuda a organizar os conceitos e teorias utilizados
nos estudos sobre seletividade marital. Em certa medida, todas as teorias
sobre padrões de intercasamento levam em conta esses três aspectos que
conformam os padrões observados. Não obstante, podemos, grosso modo,
identificar teorias que dão maior ênfase a apenas um desses aspectos.
O economista Gary Becker (1981), por exemplo, afirma que os in-
divíduos preferem e competem por parceiros que tenham características
socioeconômicas valorizadas. Essas preferências, ou a maximização delas,
seriam a principal força moldando os padrões de casamento observados.
Por exemplo, as pessoas maximizam sua renda na medida em que pro-
curam e encontram parceiros com recursos socioeconômicos atrativos.
As competições por recursos socioeconômicos no mercado matrimonial
poderiam ser investigadas a partir da associação estatística entre as ca-
racterísticas dos cônjuges, que por sua vez levam a padrões agregados de
homogamia. Além disso, Becker afirma que a natureza da competição, no
mercado matrimonial, variaria de acordo com o papel desempenhado pelas
mulheres na sociedade. Por exemplo, em sociedades em que há uma forte
divisão sexual entre trabalho pago e doméstico, os homens procurariam
se casar com mulheres que desempenhem bem o trabalho doméstico e
de procriação, e as mulheres procurariam homens com capacidade de
produzir mais renda.
Argumentos semelhantes foram propostos para a troca de prestígio
e status no mercado matrimonial, ou seja, quando o status ou prestígio

80
depende do trabalho do homem, haveria uma troca por outros aspectos
valorizados das mulheres, como beleza, origem de classe ou sofisticação
cultural (Jacobs e Furstenberg Jr., 1986). Tanto as trocas econômicas
quanto as de prestígio ou status vêm passando por enormes modificações na
medida em que as mulheres estão participando cada vez mais do mercado
de trabalho. Essa mudança estaria levando a uma tendência crescente a
valorização dos recursos propriamente socioeconômicos das mulheres nos
mercados matrimoniais (Davis, 1984).
Em contraste com essas teorias enfatizando a competição no mercado
matrimonial, alguns autores sugerem que as pessoas tendem a se casar
com pessoas com as quais compartilhem valores e visões de mundo. Dessa
forma, semelhanças culturais favoreceriam a atração entre as pessoas,
facilitariam a convivência e contribuiriam para o entendimento mútuo
(DiMaggio e Mohr, 1985; Kalmijn, 1994). Na prática, a partir de análises
empíricas, é muito difícil definir se as pessoas escolhem seus parceiros em
uma competição no mercado matrimonial ou em um processo de procura
por pessoas culturalmente semelhantes.
Tendo em vista essa dificuldade metodológica, alguns autores ar-
gumentam que diversas características sociais estão correlacionadas a
recursos socioeconômicos e que, portanto, a homogamia, ou endogamia,
em termos de algumas características sociais, seria na realidade uma
conseqüência indireta (ou by-product) desse tipo de correlação (Kalmijn,
1991a). Segundo Murstein (1976), o processo social para se encontrar um
parceiro tem duas etapas. Em um primeiro momento, as pessoas criam
círculos de amigos, conhecidos e possíveis candidatos ao casamento, com
os quais compartilham certas características sociais em comum. Em um
segundo momento, as pessoas encontram seus parceiros por meio da in-
teração nesses círculos sociais relativamente homogêneos em termos de
características sociais, econômicas e culturais. Por causa desse tipo de
processo, seria comum encontrarmos uma forte correlação entre diferentes
características dos cônjuges.
Por exemplo, como renda ou educação estão correlacionadas aos gru-
pos de cor no Brasil, poderíamos supor que a homogamia racial é, na reali-
dade, uma conseqüência indireta da convivência dos indivíduos com outros
tendo recursos socioeconômicos semelhantes. Essa última perspectiva é
relevante para nossas análises neste capítulo, uma vez que investigamos
em que medida os padrões de casamento inter-racial no Brasil estão rela-
cionados (ou são um by-product) aos padrões de seletividade matrimonial
por nível educacional dos cônjuges. Nossas análises permitem distinguir
esses dois efeitos.

81
Além das preferências individuais, há normas (influências) dos gru-
pos e fatores demográficos que podem estar relacionados aos padrões de
casamento. Ao teorizar sobre casamentos inter-raciais nos Estados Unidos,
Merton (1941) argumenta que normas de endogamia seriam muito fortes
para os diferentes grupos étnicos. Outros autores enfatizam que a expan-
são educacional levaria os indivíduos a se tornarem mais independentes
em relação às normas de seus grupos de origem, o que implicaria um
aumento dos casamentos entre grupos raciais ou com origens de classe
distintas (Qian, 1997). Valores particularistas relacionados aos grupos de
origem seriam substituídos por valores universalistas ligados à sociedade
moderna, em que as pessoas tendem a ter mais educação (Smits, Ultee
e Lammers, 1998). Mais uma vez há dificuldades metodológicas para
distinguir preferências individuais de normas dos grupos, uma vez que
os estudos empíricos estão, na realidade, apenas analisando a associação
estatística entre características dos cônjuges. Por exemplo, se a associação
entre cor de maridos e de esposas estiver diminuindo ao longo do tempo,
não temos como decidir se foi por causa de mudanças nas preferências dos
indivíduos (o preconceito estaria diminuindo) ou nas normas de endo(homo)
gamia impostas pelas famílias brancas, pardas e pretas. Poderíamos mesmo
argumentar que, no mundo social, ambas estão relacionadas.
De qualquer forma, o modelo que elaboramos mais adiante permite
controlar a associação entre cor de maridos e de esposas por seus respec-
tivos níveis educacionais. Podemos, portanto, testar se a distância entre os
grupos de cor está relacionada (é um by-product) às distâncias educacionais
entre cônjuges. A idéia weberiana de que os padrões de casamento são
medidas adequadas das fronteiras entre grupos sociais e de status pode
ser perseguida a partir dos modelos que apresentamos, mas não podemos
decidir se são preferências individuais ou normas sociais que conformam
esses padrões. Apesar dessas limitações, os modelos que utilizamos são
adequados para separar o efeito da composição populacional (e) do efeito
da associação estatística entre características de cônjuges, que poderia
ser tanto um fruto das preferências individuais (1) quanto das normas dos
grupos (2) ou de uma combinação entre ambas – (1) e (2) –, tal como
representado no esquema da Figura 1.
Em um importante estudo sobre círculos sociais, Blau e Schwartz
(1984) propuseram uma teoria estrutural sobre os casamentos que aponta
para a importância de aspectos demográficos, relativos ao tamanho dos
grupos, e geográficos, relativos à distribuição espacial dos grupos. Do ponto
de vista demográfico, a endogamia está negativamente relacionada ao grau
de heterogeneidade da população. Para explicar essa tendência, Blau e

82
Schwartz nos dão o exemplo de duas populações hipotéticas constituídas
cada uma por dois grupos sociais. A primeira população é heterogênea,
tendo 50% em cada grupo social (por exemplo, 100 no grupo A e 100 no
B), enquanto a segunda é relativamente homogênea, tendo 90% em um
grupo e 10% no outro (por exemplo, 180 no grupo A e 20 no B). Ambas
as populações têm número igual de homens e mulheres. Na população
heterogênea, o número de mulheres casando com homens do mesmo gru-
po é 0,5 x 50 = 25 para A e 0,5 x 50 = 25 para B, ou seja, 50% dos
casamentos seriam endogâmicos. Em contraste, na população homogênea,
o número de mulheres casando com homens do mesmo grupo é 0,9 x 90
= 81 para A e 0,1 x 10 = 1 para B, ou seja, 82% dos casamentos seriam
endogâmicos. Isso indica que, em populações heterogêneas, a endogamia
é menor do que em populações homogêneas, se considerarmos que os
casamentos ocorrem aleatoriamente. Por exemplo, considerando apenas
brancos e não brancos, podemos dizer que, mesmo se não houvesse asso-
ciação entre raça dos cônjuges no Brasil e nos Estados Unidos (ou seja, se
o casamento inter-racial fosse aleatório), teríamos mais endogamia racial
nos Estados Unidos do que no Brasil, simplesmente pelo fato de que a
população norte-americana é mais homogênea (88% de brancos e 12%
de não brancos – afro-americanos) do que a brasileira (54% de brancos
e 45% de não brancos – pretos e pardos)2.
No entanto, como sabemos, existe uma significativa associação estatís-
tica na escolha conjugal no que diz respeito à cor dos cônjuges (bem como
a outras características). Em outras palavras, sabemos que as escolhas
conjugais não são aleatórias. O esquema da Figura 1 parte da idéia de que
há forças sociais unindo e separando pessoas pertencentes a diferentes
grupos sociais e com diversas características, o que implica dizer que
os casamentos não são aleatórios. Por isso, devemos considerar tanto o
tamanho dos grupos sociais quanto a associação entre as características
dos cônjuges mesmo que não saibamos bem se essa associação é fruto
de preferências individuais (1) ou de normas dos grupos (2), como já ar-
gumentamos. Se imaginássemos que, no exemplo das populações A e B
do parágrafo anterior, também houvesse associação estatística entre A e
B, teríamos taxas de endogamia variando de acordo tanto com o nível de
heterogeneidade/homogeneidade (tamanho dos grupos) quanto com o grau
de associação estatística, o que significa que as taxas seriam diferentes

2
Esses percentuais incluem apenas as populações branca e afro-americana
para os Estados Unidos em 1998, e as branca e não-branca (parda e preta)
para o Brasil em 2000.

83
das descritas para o caso de casamentos aleatórios. Em outras palavras,
precisamos de um modelo que separe o efeito do tamanho dos grupos (da
heterogeneidade/homogeneidade) da associação estatística entre caracte-
rísticas dos cônjuges na escolha marital. Além disso, podemos dizer que,
em um modelo que leve em conta o tamanho dos grupos sociais, o grau
de associação estatística entre as características dos cônjuges revela as
preferências individuais (1) e/ou as normas dos grupos (2) que também
conformam os padrões de intercasamento. Na seção sobre a metodologia
adotada, apresentamos modelos log-lineares que atendem a essas exigên-
cias e que são, portanto, adequados para o estudo dos padrões de inter-
casamento. Antes, precisamos fazer uma pequena revisão da literatura
brasileira sobre seletividade marital por cor e educação.

3 – A escolha conjugal por cor no Brasil

Tendo em vista a importância dos intercasamentos para definir as


fronteiras entre grupos sociais, não é novidade dizer que o tema dos
casamentos inter-raciais e da miscigenação é fundamental para o debate
sobre relações raciais no Brasil. De fato, há um conjunto razoavelmente
numeroso de estudos sobre casamentos inter-raciais. Os três tipos de
abordagem mais frequentemente adotados nesses estudos são: observa-
ções antropológicas ou qualitativas, registros civis de casamento e da-
dos agregados (como censos e pesquisas por amostragem populacional).
Enquanto os estudos fazendo referência à importância do tema dos ca-
samentos inter-raciais para o entendimento das relações raciais no país
são relativamente numerosos, há apenas algumas poucas pesquisas mais
minuciosas sobre o tema.
Os estudos usando observação qualitativa e registros civis de casa-
mento tendem a focalizar regiões específicas do país. Analisando regis-
tros civis referentes aos anos 1933 e 1934, Pierson (1942) afirma que
a incidência de casamentos inter-raciais na Bahia é muito baixa. Em
contraste, Azevedo (1966) utiliza métodos antropológicos e sugere que,
na década de 1950, praticamente um em cada cinco casamentos era
inter-racial. Enquanto o trabalho de Pierson não se concentra no tema
dos casamentos, Azevedo escreveu diversos artigos especificamente sobre
o tema (1955; 1963; 1966; 1975). Nesses estudos, o autor afirma que os
padrões de casamento inter-racial seguem uma série de normas ideais e
de comportamentos reais.

84
Essas normas ideais e seus respectivos padrões reais são os seguin-
tes: (1) idealmente, pessoas de cores diferentes podem se casar, mas na
prática há sempre desconforto e tensão nas famílias quando ocorrem
esses tipos de casamento; (2) o casamento entre homens mais escuros e
mulheres mais claras seria mais aceito, e de fato esse tipo de casamento
seria mais comum e menos problemático do que o inverso; (3) casamentos
de tipos fisicamente mais próximos seriam mais aceitos, mas na prática
a distância de cor que separa os tipos diferentes diminui na medida em
que os casamentos se dão em classes ou grupos de status mais altos; e
(4) casamentos inter-raciais são mais aceitos se os homens mais escuros
tiverem status mais alto do que as mulheres, mas, de fato, em casamentos
socialmente assimétricos, a diferença de cor é mais aceita do que em
casamentos socialmente mais simétricos.
Como veremos mais adiante, há evidências que comprovam a idéia de
que homens mais escuros tendem a se casar com mulheres mais claras em
maior proporção do que mulheres mais escuras com homens mais claros.
Vários estudos qualitativos sugerem esse padrão (Azevedo, 1955; 1963;
Willems, 1961). É interessante notar que, embora Azevedo e Pierson
tendam a concordar que as relações raciais no Brasil são relativamente
harmônicas, ambos observam uma incidência muito baixa de casamentos
inter-raciais mesmo na Bahia, que seria o estado mais miscigenado. Além
disso, a perspectiva de Azevedo se diferencia à medida que mostra as
tensões relacionadas aos casamentos inter-raciais. Em ambos os casos, no
entanto, há evidentemente limitações relacionadas aos métodos utilizados,
uma vez que estudos qualitativos não possibilitam generalizações sobre
os padrões observados.
Além desses estudos, o trabalho mais pormenorizado sobre o tema
de que temos conhecimento é a tese de doutorado do padre Austin Staley
(1959), intitulada Racial Democracy in Marriage: A Sociological Analysis
of Negro-White Intermarriage in Brazilian Culture. A pesquisa de Staley foi
bastante detalhada e extensa, tendo utilizado uma série de metodologias
distintas: uma análise de registros civis, uma pesquisa amostral sobre a
atitude de jovens estudantes, uma análise de conteúdo de textos literários
e um conjunto de entrevistas pormenorizadas com casais inter-raciais.
Destacamos as seguintes conclusões de Staley, baseadas sobretudo nas
entrevistas que fez: (1) no Brasil, uma boa proporção de casais inter-raciais
revela um total desconhecimento da existência de preconceito racial nos
círculos familiares e de amizade, enquanto um segundo tipo de casal se
caracteriza pelo isolamento social e também não percebe a existência de
preconceito (cerca de 70% dos casais inter-raciais estudados por Staley

85
estão nessas duas situações); (2) graus variados de preconceito são obser-
vados em todas as classes e partes do Brasil; (3) quanto mais elevada a
posição social, maior a resistência ao casamento inter-racial.
Embora Staley tenha mostrado que, a partir dos registros civis, na
década de 1950 havia uma incidência muito baixa de casamentos inter-
raciais, ele dá mais ênfase ao fato de a maioria dos casais que entrevistou
ter desconhecimento de preconceito racial. Nesse sentido, conclui que:
“[...] a sociedade brasileira parece ser capaz de conciliar o inconciliável.
Pode mesmo haver uma ‘conspiração natural inconsciente’ para ignorar
o conflito existente entre a norma geral de igualdade racial e normas
específicas governando relações inter-raciais ao nível da família [...]. A
democracia racial brasileira permanece como uma das mais admiráveis
na sociedade humana moderna” (1959:127).
Enquanto Azevedo (1955) mostra os conflitos e tensões relacionados aos
casamentos inter-raciais, Staley (1959) enfatiza a relativa falta de percepção
de preconceito. Talvez essas conclusões opostas estejam relacionadas ao fato
de que Azevedo analisou principalmente os casamentos inter-raciais nos
grupos de elite e Staley em uma gama mais ampla de estratos sociais. De
fato, ambos sugerem que os casamentos inter-raciais tenderiam a ser mais
conflituosos e tensos à medida que se sobe na escala de posições socioe-
conômica. De qualquer forma, ambos os estudos baseiam suas conclusões
em amostras não representativas da população brasileira.
Foi apenas na década de 1980 que estudos sobre padrões nacionais
de casamentos inter-raciais foram realizados. Usando dados do censo de
1980, Silva (1987) chega a algumas conclusões relevantes e faz algumas
previsões sobre as tendências dos casamentos inter-raciais. A primeira
conclusão é que, em termos de casamentos, os pardos estão mais próximos
dos brancos do que dos pretos. Como afirma o autor,

[...] contrariamente ao que sabemos das distâncias socioeconômicas


entre os grupos de cor, o grupo pardo ocupa uma posição realmente
intermediária entre brancos e pretos. De fato, parece mesmo estar
ligeiramente mais próximo do grupo branco do que do grupo preto.
O padrão dicotômico observado nos estudos socioeconômicos, isto é,
brancos claramente diferenciados de pardos e pretos, estes últimos
ocupando posição muito próxima entre si, claramente não se reproduz
nos padrões de distâncias sociais implícitas nos padrões de casamento
inter-racial no Brasil. Estes resultados sugerem que as distâncias so-
ciais no casamento não são de natureza primariamente socioeconômica,
seguindo talvez outras hierarquias como, por exemplo, hierarquias de
status ou de prestígio (Silva, 1987:50).

86
Silva destaca que esse padrão favorece a miscigenação e prevê uma
diminuição crescente não apenas das taxas absolutas de endogamia racial
mas também das barreiras, dificultando os casamentos inter-raciais. No que
diz respeito às taxas absolutas de endogamia, o trabalho de Telles (2004)
confirma as previsões de Silva (1992), ao passo que, ao analisar coortes
de idade, Silva (1987) mostra uma tendência à diminuição das distâncias
sociais entre os grupos de cor. Em outro artigo, o autor (1992) mostra uma
tendência à diminuição das taxas de casamento inter-racial entre as diversas
regiões do Brasil, fato que também é confirmado no estudo de Telles (2004)
sobre o tema. Embora Silva e Telles apresentem algumas análises sobre
a relação entre casamentos inter-raciais e nível educacional dos cônjuges,
sugerindo que não há interferência entre padrões de casamento por cor e por
nível educacional, ambos os autores se limitam a analisar taxas absolutas
de casamento e sua relação com níveis educacionais.
Neste capítulo, fazemos a análise da relação entre seletividade marital
por cor e educação não apenas no que diz respeito às mudanças demográ-
ficas representadas nas taxas absolutas mas também no nível da associação
estatística que, como vimos anteriormente, pode ser usada para descrever as
preferências individuais e/ou as normas sociais que estão relacionadas aos
padrões observados de endogamia e exogamia. Dessa perspectiva, parece
realmente haver uma lacuna na literatura, tendo em vista que houve tanto
uma diminuição da desigualdade racial em termos de acesso à educação
quanto um aumento dos casamentos entre pessoas com educação diferente.
Diversos estudos mostram que houve uma diminuição no hiato educacional
entre brancos, pardos e pretos desde 1960 (Beltrão, 2005). Além disso, as
barreiras educacionais da seletividade marital se tornaram significativamente
mais permeáveis durante as décadas de 1980 e 1990 (Silva, 2003). Será que
essas mudanças estão relacionadas ao aumento dos casamentos inter-raciais?
Essa é a principal pergunta que pretendemos responder neste capítulo.

4 – Os dados e os modelos

Para analisar a seletividade matrimonial por cor e educação, utili-


zamos a classificação de grupos de cor padrão no Brasil, que os divide
entre brancos, pardos e pretos. Dessa forma, excluímos os amarelos e
indígenas não apenas porque há modificação na classificação desses dois
grupos entre 1960 e 2000, mas, sobretudo, porque constituem grupos
extremamente pequenos e não podem ser significativamente incluídos nas

87
análises estatísticas elaboradas neste capítulo. Quanto aos grupos educa-
cionais, fazemos as seguintes distinções: 0 a 3 anos (sem escolaridade e/ou
elementar incompleto); 4 a 7 anos (elementar completo); 8 anos (primário
completo); 9 a 11 anos (alguma educação secundária); e 12 ou mais anos
de escolaridade (alguma educação universitária). Analisamos três censos
populacionais brasileiros cobrindo os quarenta anos, de 1960 a 2000. Para
1960, utilizamos uma amostra de 1% do censo populacional; para 1980
e 2000, uma amostra de 5% dos respectivos censos. Tendo em vista que
as amostras para 1980 e 2000 são muito grandes e poderiam influenciar
os resultados dando maior peso a esses dois últimos anos, seguimos o
procedimento padrão de multiplicar cada amostra por uma constante com
o objetivo de obter três bancos de dados com número de casos equivalente
(Raymo e Xie, 2000). Além disso, as análises estão restritas a casais em
que marido e esposa tinham entre 20 e 34 anos no ano do censo, com o
objetivo de restringir a amostra a pessoas que estejam provavelmente em
seu primeiro casamento, tendo em vista que os padrões de segundos casa-
mentos podem ser diferentes (Mare, 1991). Obviamente, estamos apenas
presumindo que as pessoas estão em seu primeiro casamento, porque não
temos a informação completa. De qualquer forma, essa pressuposição faz
sentido em termos do que se sabe sobre padrões de casamento.
Tal organização dos bancos de dados implica dizer que analisamos
o “estoque de casamentos” em cada um dos três anos estudados, ou seja,
investigamos a associação entre características das pessoas entre 20 e 34
anos que estavam casadas no momento em que o censo foi coletado. Uma
alternativa, geralmente preferível, seria analisar a incidência de casamentos
em um determinado período, o que exigiria o uso de dados longitudinais
ou de painel para verificar as chances de casar com pessoas tendo dife-
rentes características. Esse tipo de abordagem é preferível porque permite
calcular tanto as chances de as pessoas se casarem quanto o momento
ou tempo em que esses eventos ocorrem (Blossfeld, 2003). No Brasil,
não há dados longitudinais que permitam esse tipo de desenho analítico,
embora alguns bancos de dados possuam perguntas retrospectivas sobre
o momento em que as pessoas se casaram e poderiam ser usados, com
alguma limitação, para estudar a incidência de casamentos usando modelos
de sobrevivência. De qualquer modo, bancos de dados sobre estoques de
casamento vêm sendo utilizados com sucesso em várias pesquisas sobre
tendências de longa duração na seletividade matrimonial (Kalmijn, 1991b;
Mare, 1991; Schwartz e Mare, 2005).
Aparentemente, no Brasil, as chances de pessoas entre 20 e 34 anos
de diferentes grupos educacionais e de cor se casarem não se modificou

88
muito entre 1960 e 2000. Entre os brancos, 62% em 1960 e 57% em 2000
estavam casados quando tinham entre 20 e 34 anos, enquanto que entre
os pardos esse percentual era de 65% em 1960 e 57% em 2000; entre
os pretos, de 57% em 1960 e 54% em 2000. Brancos e pardos tinham
em geral chances um pouco maiores do que pretos de estarem casados
na faixa de idade que estamos estudando. Além disso, como vemos, há
também uma leve tendência geral de diminuição no percentual de pessoas
casadas entre 1960 e 2000 em todos os grupos de cor.
Os dados para educação revelam não apenas que o percentual de
pessoas com menos educação que estão casadas é levemente menor do que
o percentual para pessoas mais educadas, mas que há também a mesma
tendência de diminuição do percentual de pessoas casadas entre 1960 e
2000. Todas essas variações percentuais são relativamente pequenas, o
que indica que não levar em conta as probabilidades de os indivíduos se
casarem não estaria enviesando substancialmente as análises que fazemos.
Em outras palavras, o estudo do estoque de casamentos nos anos dos censos
provavelmente permite analisar com relativa segurança as tendências de
endogamia e exogamia na sociedade brasileira.
Outra questão metodológica a qual já nos referimos diz respeito à
distinção entre os efeitos da composição populacional (tamanho dos gru-
pos de cor e de educação) e da associação estatística entre características
dos cônjuges. Essa associação poderia ser usada para definir o efeito das
normas dos grupos e/ou das preferências individuais influenciando os pa-
drões de casamento observados. Para dar conta dessa distinção, utilizamos
modelos log-lineares que controlam a associação estatística pelo tamanho
dos grupos de cor e de educação. Dessa forma, temos como separar os
efeitos da composição populacional da associação estatística líquida entre
as características dos cônjuges.
Inicialmente, na próxima seção, apresentamos as taxas absolutas de
casamento por cor e nível educacional de maridos e esposas. Em segui-
da, utilizamos modelos log-lineares para analisar a tabela cruzando cor
do marido com cor da esposa e ano do censo (1960, 1980 e 2000). O
principal objetivo é estimar um modelo que represente bem as barreiras
ao casamento inter-racial e as propensões à endogamia em cada grupo de
cor. No passo seguinte, analisamos a tabela cruzando nível educacional do
marido com nível educacional da esposa e ano do censo, também visando
descrever as principais barreiras educacionais e as chances de endogamia.
Tendo em vista que os modelos para analisar as tendências entre 1960
e 2000, tanto da seletividade marital por cor quanto da por educação,
são muito semelhantes, apresentamos a seguir apenas o modelo para a

89
seletividade por cor (o modelo para analisar a seletividade educacional é
o mesmo, com duas linhas e duas colunas a mais). A equação do modelo
log-linear é:

ln(Fijt) = μ0 + βi + βj + βt + βit + βjt + (υij βt)


H W T HT WT HWT
(1),

em que ln(Fijt) é o logaritmo natural da freqüência esperada na célula (i,


j, t); i = cor do marido; j = cor da esposa; t = ano do censo; βiH = distri-
buição marginal da cor do marido; βjW = distribuição marginal da cor da
esposa; βtT = distribuição marginal dos censos; βitHT e βjtWT representam
as interações entre cor do marido e ano do censo e cor da esposa e ano
do censo, respectivamente. O termo (υij βt)HWT define a interação entre cor
de maridos e de esposas e sua variação ao longo do tempo. Nesse termo,
se βt for definido como tendo o valor 1, temos o modelo de associação
constante entre 1960 e 2000; caso βt varie livremente, temos um modelo
especificando mudanças temporais nas barreiras de cor. Para o termo υij,
as seguintes condições se aplicam:

Essas condições definem que a interação entre cor de maridos e de


esposas é definida por um padrão de barreiras simétricas (iguais para
homens e mulheres) entre os três grupos de cor e pela homogamia entre
pardos (a homogamia entre brancos e entre pretos também é dada pelas
barreiras). O logaritmo das chances de intercasamento relativas a esse
modelo é apresentado na Tabela 1:

90
Tabela 1 – Parâmetros para os Efeitos de Barreira e Homogamia no
Modelo de Seletividade por Cor no Casamento
Cor da Esposa
Cor do Marido
Branca Parda Preta
Branca 0 υ1 υ1+υ2
Parda υ1 ξ2 υ2
Preta υ1+υ2 υ2 0
Elaboração dos autores

Como mencionamos, o modelo para seletividade educacional no casa-


mento também é um modelo de barreiras como o apresentado na Tabela 1
para a seletividade por cor. A diferença é que, em vez de estimar apenas
duas barreiras, inclui quatro dessas barreiras e, em vez de estimar apenas
um parâmetro de homogamia, inclui três (para as três categorias educa-
cionais intermediárias). Na análise das chances de casamento inter-racial,
a Equação 1 define o “modelo de barreiras de cor”, que pode apresentar
associação constante ao longo dos três anos (Modelo 3 da Tabela 6) ou
variação ao longo do tempo (Modelo 4 da Tabela 6). Na análise dos casa-
mentos intereducacionais, a Equação 1 (agora ampliada porque contém
duas linhas e duas colunas a mais, como explicado anteriormente) define
o “modelo de barreiras educacionais”, que é estimado nas seguintes com-
binações: (1) sem incluir os três termos de homogamia ( ) e assumindo
associação constante no tempo (Modelo 4 da Tabela 7); (2) incluindo os
termos de homogamia e assumindo associação constante no tempo (Modelo
5 da Tabela 7); (3) deixando o padrão de homogamia constante ao longo
do tempo, mas permitindo que as “barreiras educacionais” ( 1, 2, 3 e
4) variem no tempo (Modelo 6 da Tabela 7); e adicionando à especifica-
ção anterior (Modelo 6 da Tabela 7) um termo para capturar a variação
ao longo do tempo nas chances de hipergamia em relação à hipogamia
(Modelo 8 da Tabela 7), ou seja, maior chance de mulheres se casarem
com homens mais educados do que elas. Nas análises, também são usados
outros modelos simples para a análise da associação entre cor ou educação
de maridos e esposas: o modelo de independência (Modelos 1 das Tabelas
6 e 7); o modelo de associação completa (Modelo 2 das Tabelas 6 e 7); e
o modelo de simetria (Modelo 3 da Tabela 7)3.

3
Não é possível fazer uma explicação pormenorizada desses modelos por
falta de espaço neste artigo, mas os leitores interessados podem encontrar as
especificações em Powers e Xie (2000, pp. 107-119).

91
Depois de estimar modelos para a seletividade educacional e por cor,
elaboramos outro mais complexo para analisar conjuntamente a variação
dessas duas formas de seletividade entre 1960 e 2000. Isso implica ajustar
modelos a uma tabela de contingência com cinco variáveis: cor do marido,
cor da esposa educação do marido, educação da esposa, e ano do censo.
A equação geral é a seguinte:

ln(Fijklt) = μ0 + βi + βj + βk + βl + βt + βik + βjl + βit + βjt +


H W E S T HE WS HT WT

βkt + βlt + βij + βkl + βljt + β WST + (υ β ) HWT + (υ β ) EST


ET ST HW ES HWT
jkl ij t kl t (2),

Em que ln(Fijklt) é o logaritmo natural da frequência esperada na


célula (i, j, k, l, t), cujos subscritos são: i = cor do marido; j = cor da
esposa; k = educação do marido; l = educação da esposa; t = ano do
censo. Os parâmetros estimados são: βiH = distribuição marginal da cor
do marido; βjW = distribuição marginal da cor da esposa; βk E = distri-
buição marginal da educação do marido; βlS = distribuição marginal da
educação da esposa; βtT = distribuição marginal dos censos; βik HE, βjlWS,
βitHT, βjtWT, βktET, βltST, βijHW e βklES representam, respectivamente, as
interações entre cor do marido e educação do marido, cor da esposa e
educação da esposa, cor do marido e ano do censo, cor da esposa e ano do
censo, educação do marido e ano do censo, educação da esposa e ano do
censo, cor do marido e cor da esposa, educação do marido e educação da
esposa. O modelo também inclui termos para a interação entre as seguintes
três variáveis: cor do marido, educação do marido e ano do censo (βiktHET);
cor da esposa, educação da esposa e ano do censo (βjltWST).
Finalmente, os parâmetros de maior interesse são os dois últimos,
estimando a variação das associações entre: cor dos cônjuges ao longo do
tempo (υij βt) HWT e educação dos cônjuges ao longo do tempo (υkl βt)EST.
Esses dois termos seguem o padrão e as condições especificados para a
Equação 1 e são, respectivamente, as “barreiras de cor” (que podem ou
não incluir a homogamia entre pardos) e as “barreiras educacionais” (que
podem ou não incluir a homogamia nas três categorias educacionais inter-
mediárias). Na seção Seletividade Marital por Cor e Educação, Tabela 8,
testamos essas diferentes combinações nos Modelos 3, 4, 5, 6, 7, 8, e 9.
Tendo em vista que os modelos log-lineares seguem estrutura hierárquica,
fazemos os testes partindo de um modelo de base (Modelo 1 da Tabela
8) que só inclui o ajuste das distribuições marginais e das interações de
segunda ordem, e, em seguida, incluímos os termos de interação de terceira

92
ordem para a associação entre cor e educação do marido e cor e educação
da esposa (Modelo 2 da Tabela 8).
Nas análises empíricas, também testamos se havia interação entre
todas as características dos cônjuges (βijklHWES) e entre todas as caracterís-
ticas dos cônjuges e o ano do censo (βijkltHWEST). Como mostramos adiante,
essas interações não são estatisticamente significativas. Todos os modelos
estimados são usuais e suas especificações podem ser obtidas na litera-
tura (Hout, 1983; Powers e Xie, 2000). Além disso, modelos para testar
a hipótese das trocas de status (Merton, 1941) também foram estimados,
mas não se ajustaram bem aos dados, indicando que as barreiras de cor
e educação são as características predominantes do mercado matrimonial
brasileiro (Gullickson, 2006). Como usual, a referência aos termos utili-
zados nos modelos apresentados nas tabelas seguintes são feitas apenas
utilizando os termos sobrescritos das Equações 1 e 2 anteriores4.

5 – Taxas absolutas de seletividade conjugal

A endogamia por cor da pele parece ter realmente diminuído no Brasil,


como previam os estudos anteriores, passando de 88% dos casamentos
em 1960, para 80% em 1980 e 69% em 2000 (ver Tabela 2). Como
argumentamos, há dois fatores relacionados a esse aumento: (1) mudan-
ças na composição populacional, expressando causas demográficas; e (2)
mudanças na associação estatística entre cor de cônjuges, expressando
preferências individuais ou normas sociais. Se não houvesse o efeito de
preferências individuais e/ou normas sociais, ou seja, se não houvesse
associação estatística entre a cor dos cônjuges, as taxas de endogamia
seriam: 51% em 1960, 48% em 1980 e 45% em 20005. Portanto, mesmo
que não houvesse associação estatística entre cor dos cônjuges, haveria um
percentual relativamente alto de casamentos endogâmicos por cor que seria
produto unicamente do tamanho relativo dos grupos de cor no Brasil.

4
Como a inclusão de apenas um termo de ordem superior (segunda ordem,
por exemplo), em qualquer modelo, implica a inclusão de todos os termos de
ordem inferior (primeira ordem, por exemplo), não faremos referência aos
termos de ordem inferior na Tabela 8.
5
Esses percentuais foram calculados a partir do modelo de independência
estatística entre a cor dos cônjuges. Como veremos adiante, esse modelo não
se ajusta aos dados.

93
Tabela 2 – Cor do Marido e Cor da Esposa – (1960, 1980 e 2000)
1960
(N = 41.120)
Cor da Esposa
Cor Branca Parda Preta Total (%)
Branca 61,2 3,7 0,4 65,3
Cor do Marido Parda 4,8 21,2 0,9 26,9
Preta 0,7 1,4 5,7 7,8
Total (%) 66,7 26,3 7,0 100,0

1980
(N = 308.432)
Cor da Esposa
Cor Branca Parda Preta Total (%)
Branca 50,6 6,7 0,6 57,9
Cor do Marido Parda 9,3 26,4 1,1 36,8
Preta 0,8 1,5 3,0 5,3
Total (%) 60,7 34,6 4,7 100,0

2000
(N = 450.327)
Cor da Esposa
Cor Branca Parda Preta Total (%)
Branca 40,3 10,8 1,6 52,7
Cor do Marido Parda 13,0 26,1 1,3 40,4
Preta 2,1 2,2 2,5 6,8
Total (%) 55,4 39,1 5,4 100,0

Elaboração dos autores

Estudos anteriores mostraram claramente que fatores demográficos


e normas sociais e/ou preferências individuais conformam os padrões de
casamentos inter-raciais no Brasil. No entanto, nenhum estudo verificou se
esses efeitos sobre as taxas de casamento inter-racial estão relacionados a
outras mudanças importantes que ocorreram na sociedade brasileira. Em
particular, houve uma diminuição da desigualdade educacional entre os
grupos de cor, bem como um aumento dos casamentos intereducacionais.
A Tabela 3 apresenta a vantagem educacional média entre os grupos de
cor no Brasil, ou seja, a razão entre as médias de anos de educação de cada
grupo de cor. É evidente que houve uma significativa diminuição nessas
vantagens educacionais médias de brancos em relação tanto a pardos
quanto a pretos entre 1960 e 2000. Essa mudança se deve, em grande
medida, à expansão educacional que ocorreu no país desde 1960 e pode
estar relacionada ao aumento dos casamentos inter-raciais.

94
Tabela 3 – Vantagem Educacional Média entre os grupos de Cor no
Brasil – (1960, 1980 e 2000)

Vantagem (Razão) Educacional 1960 1980 2000

Branco/pardo 2,2 1,7 1,3


Branco/preto 2,5 1,9 1,3
Pardo/preto 1,1 1,1 1,0

Elaboração dos autores

A expansão do acesso ao sistema educacional também representou


uma enorme diminuição da desigualdade de gênero, uma vez que as mu-
lheres passaram a ter cada vez mais acesso à educação de fato, como já
vimos, revertendo a vantagem educacional que os homens tinham. Essa
mudança está, provavelmente, relacionada a um aumento dos casamentos
intereducacionais no Brasil. Enquanto em 1960 cerca de 70% das pessoas
entre 20 e 34 anos tinham menos de quatro anos de escolaridade, em 2000
apenas 24% dos homens e 19% das mulheres tinham menos de quatro
anos de educação. Em outras palavras, a expansão do sistema educacional
tornou a distribuição educacional da população mais heterogênea (pessoas
mais distribuídas por diferentes níveis educacionais), o que, como vimos,
leva necessariamente a uma diminuição da endogamia (Blau e Schwartz,
1984; Blau, Blum e Schwartz, 1982). De fato, 79,2% dos casamentos
eram educacionalmente homogâmicos em 1960, 59,4% o eram em 1980
e 48,1% em 2000 (ver Tabela 4 a seguir). Inversamente, podemos dizer
que houve um aumento significativo dos casamentos intereducacionais no
Brasil. De novo, lembramos que, se não houvesse associação estatística
entre os níveis educacionais de maridos e esposas e se apenas as forças
relacionadas à composição populacional estivessem presentes, as taxas de
homogamia educacional seriam muito menores, mais precisamente 56%
em 1960, 32% em 1980 e 26% em 2000.
Assim, quando examinamos o quadro da escolha conjugal consideran-
do os níveis de escolaridade do casal, os resultados gerais são semelhantes,
tanto estrutural quanto temporalmente, ao caso do casamento inter-racial.
Verifica-se igualmente um largo predomínio do casamento homogâmico,
mas o nível da homogamia, como vimos, vem caindo rapidamente no tempo,
a ponto de em 2000 já ser possível verificar o predomínio do casamento
heterogâmico. No entanto, um ponto de diferenciação em relação ao caso
da cor deve ser lembrado: diz respeito ao perfil educacional das esposas,
que, de uma situação inicial de desvantagem em relação aos esposos em

95
1960, em 2000 já haviam efetuado uma inversão de posição, agora ultra-
passando claramente o nível de escolaridade de seus parceiros.

Tabela 4 – Educação (Anos de Escolaridade) do Marido e da Esposa


(1960 a 2000)
1960
(N = 41.120)
Educação da Esposa

Educação 0a3 4a7 8 9 a 11 12 e Mais Total (%)


0a3 63,9 6,1 0,2 0,1 0,0 70,3
4a7 8,1 13,8 0,8 0,6 0,0 23,3
Educação do
8 0,3 1,3 0,7 0,3 0,0 2,6
Marido
9 a 11 0,1 1,0 0,5 0,7 0,0 2,3
12 e mais 0,0 0,3 0,4 0,5 0,2 1,4
Total (%) 72,4 22,5 2,6 2,2 0,2 100,0

1980
(N = 308.432)
Educação da Esposa

Educação 0a3 4a7 8 9 a 11 12 e Mais Total (%)


0a3 30,4 10,0 0,7 0,6 0,0 41,7
4a7 9,1 20,2 2,6 2,7 0,4 35,0
Educação do
8 0,8 2,9 1,6 1,4 0,3 7,0
Marido
9 a 11 0,4 2,5 1,5 4,1 1,1 9,6
12 e mais 0,1 0,5 0,5 2,4 3,2 6,7
Total (%) 40,8 36,1 6,9 11,2 5,0 100,0

2000
(N = 450.327)
Educação da Esposa

Educação 0a3 4a7 8 9 a 11 12 e Mais Total (%)


0a3 11,3 9,8 1,2 1,8 0,1 24,2
4a7 5,9 19,2 4,2 6,9 0,5 36,7
Educação do
8 0,8 3,8 2,7 3,5 0,4 11,2
Marido
9 a 11 0,8 4,3 2,8 11,9 2,1 21,9
12 e mais 0,1 0,3 0,3 2,1 3,1 5,9
Total (%) 18,9 37,4 11,2 26,2 6,2 100,0

Elaboração dos autores

Com o objetivo de verificar se há evidências de relação trivariada


entre o nível educacional dos cônjuges e a endogamia por grupo de cor,
calculamos as taxas de endogamia por cor para cada nível educacional de
maridos e esposas. Esses resultados indicam que, entre os homens brancos,
94% casaram com mulheres brancas em 1960 e 76% em 2000. Tendência

96
semelhante ocorreu para a endogamia das mulheres brancas, que passou de
92% em 1960 para 73% em 2000. As endogamias de homens e mulheres
brancas são maiores entre os grupos mais educados e menores entre os
menos educados, e acompanham a mesma tendência de diminuição entre
1960 e 2000 para todos os níveis educacionais. Entre homens e mulheres
pardos também observamos a tendência de diminuição das endogamias
gerais e específicas para cada grupo educacional entre 1960 e 2000, mas,
ao contrário do que ocorreu com os brancos, as endogamias, nesse caso,
tendem a ser maiores para os níveis educacionais inferiores e menores para
os níveis superiores. Finalmente, para os pretos também observamos a
tendência geral de diminuição das taxas de endogamia por cor entre 1960
e 2000. Para os homens pretos há mais endogamia por cor nos grupos
educacionais mais baixos e menos para os grupos educacionais mais altos,
ao passo que para as mulheres pretas observamos que, em 1980, havia
endogamia por cor maior nos grupos educacionais mais elevados do que
nos menos elevados. Em 2000, as endogamias por cor das mulheres pretas
são semelhantes em todos os níveis educacionais.
Ao todo, esses padrões de endogamia por cor em cada nível edu-
cacional sugerem que a endogamia por cor varia de acordo com o nível
educacional de homens e de mulheres, mas não mostram que a endogamia
por cor é um reflexo da endogamia educacional. Na seção Seletividade
Marital por Cor e Educação, utilizando um modelo adequado, analisamos
com mais cuidado esta hipótese.
Antes de analisarmos mais detalhadamente a associação entre carac-
terísticas de maridos e esposas, vale a pena observar algumas informações
relevantes para questões já levantadas pela literatura sobre seletividade
marital. Na Tabela 5, apresentamos as taxas de hipogamia por cor, per-
centual de mulheres casando com homens mais claros, e hipergamia por
cor, percentual de mulheres casando com homens mais escuros. Em 1960,
42% das mulheres em uniões exogâmicas por cor se casaram com homens
mais claros do que elas e 58% com homens mais escuros. Em 2000,
esses percentuais permaneceram semelhantes, sendo, respectivamente,
44% e 56%. Como previsto na literatura, é mais fácil encontrar mulheres
casadas com homens mais escuros do que o inverso. Essa tendência não
se modificou durante os quarenta anos estudados. Cabe lembrar que há
uma leve tendência para mulheres pretas permanecerem solteiras, como
observado na seção Taxas Absolutas de Seletividade Conjugal.
Verificamos um padrão diferente para a tendência de mulheres se ca-
sarem com homens mais educados (hipergamia educacional). Em 1960,
entre todas as mulheres em uniões educacionalmente heterogâmicas, 84%

97
se casaram com homens mais educados, ao passo que, em 2000, essa
proporção diminuiu para 55%. De fato, na seção Seletividade Marital por
Educação, estimamos um modelo incluindo um parâmetro para capturar a
associação entre homens mais educados e mulheres menos educadas (hiper-
gamia educacional) e verificamos que há evidência dessa associação para
1960 e 1980. No entanto, o padrão observado nos percentuais é claramente
uma conseqüência da mudança na composição populacional, uma vez que o
número de mulheres alcançando níveis educacionais mais elevados passou
por uma completa revolução entre 1960 e 2000, e a associação estatística
que acabamos de mencionar não é muito forte. Por exemplo, em 1960, apenas
0,2% das mulheres tinha alguma educação universitária, enquanto 1,4% dos
homens tinha alcançado esse nível educacional. Em 2000, esses percentuais
passaram a ser 5,8% para os homens e 6,3% para as mulheres. Realmente
houve uma explosão do acesso das mulheres ao sistema educacional.
Tabela 5 – Endogamia Racial e Educacional Total, Hipogamia e Hiper-
gamia Racial e Educacional no Brasil (1960, 1980 e 2000) (%)
1960 1980 2000
Cor
Endogamia por cor total 88,0 80,0 69,0
Homem com mulher mais escura 5,0 8,4 13,7
Homem com mulher mais clara 7,0 11,7 17,3
Total 100,0 100,0 100,0

Homem com mulher mais escura 42,0 41,8 44,3


(Hipogamia racial dada endogamia)
Homem com mulher mais clara 58,0 58,2 55,7
(Hipergamia racial dada endogamia)
Total 100,0 100,0 100,0

Educação
Endogamia educacional total 79,2 59,4 48,1
Mulher com homem menos educado 8,1 19,7 30,6
Mulher com homem mais educado 12,6 20,8 21,3
Total 100,0 100,0 100,0

Mulher com homem menos educado 15,9 35,0 44,1


(Hipogamia feminina)
Mulher com homem mais educado 84,1 65,0 55,9
(Hipergamia feminina)
Total 100,0 100,0 100,0

Elaboração dos autores


Nota: Percentuais podem ultrapassar 100% por motivos de arredondamento.

98
Em resumo, os percentuais descritos nesta seção são o produto de
dois tipos de força social: (1) composição populacional e (2) preferências
individuais e/ou normas sociais. Como já vimos, se não houvesse associação
estatística entre características de maridos e esposas, as taxas de homo-
gamia e heterogamia descritas seriam significantemente diferentes. Mais
especificamente, haveria muito mais heterogamia do que a descrita acima.
Nesse sentido, é altamente relevante verificar os padrões de associação
entre as características dos cônjuges não só para verificar em que medida
eles determinam os padrões de casamento mas também para indicar qual
é o papel que preferências individuais e/ou normas sociais desempenham
nesses padrões de casamento para além das tendências demográficas.

6 – Seletividade marital por cor dos cônjuges

Os poucos estudos sobre seletividade marital por cor dos cônjuges


no Brasil se dedicaram, por um lado, a analisar os padrões de casamento
em apenas um ano ou analisar tendências usando coortes de idade (Silva,
1987; 1992); por outro, a apresentar taxas absolutas comparando os censos
de 1960 e 1991 (Scalon, 1992; Telles, 2004). Nenhum trabalho analisou
tendências de longo prazo nas chances relativas de casamento inter-racial.
Neste capítulo, dedicamo-nos a estimar essas tendências para o período
que vai de 1960 a 2000. Além de apresentarmos e interpretarmos as taxas
absolutas (ver a seção Taxas Absolutas de Seletividade Conjugal), procura-
mos estimar modelos que descrevam mudanças nas chances relativas de
casamento inter-racial. Esse tipo de exercício é importante porque permite
mensurar as chances relativas de casamento controlando pelo tamanho dos
grupos que, como vimos anteriormente, determinam, em grande medida,
os percentuais de casamentos homogâmicos e heterogâmicos. A análise
das chances relativas de casamento, por sua vez, permite determinar o
grau de fluidez social do mercado matrimonial. A Tabela 6 apresenta os
modelos utilizados e os parâmetros obtidos pelo modelo preferido para
analisar as tabelas de casamento cruzando raça do marido (H) com raça
da esposa (W) e ano do censo (T).

99
Tabela 6 – Modelos para Tabela Cruzando Cor do Marido (H) com Cor
da Esposa (W) e Ano do Censo (T) para Casais em que Ambos os Cônjuges
tinham entre 20 e 34 anos em 1960, 1980 e 2000

Modelo L2 g.l. Sig. Bic

1. HT, WT 13.112,9 12 0,000 12.991,9

2. HT, WT, HW 828 8 0,000 750


3. HT, WT, HW
(barreiras de cor + homogamia de pardos) 837,6 9 0,000 745,9
4. HT, WT, T * HW
(barreiras de cor + homogamia de pardos) 6,4 3 0,094 -23,8

Parâmetros
1960 1980 2000
Branco/pardo -1,69 -1,26 -0,59
Pardo/preto -1,83 -1,65 -1,12

Homogamia entre pardos 0,90 0,53 0,84

Chances relativas
Branco/pardo 0,19 0,28 0,55
Pardo/preto 0,16 0,19 0,33

Homogamia entre pardos 2,47 1,70 2,31

Elaboração dos autores

Inicialmente, ajustamos o modelo de independência (1: HT, WT),


que pressupõe não haver associação estatística entre a cor de maridos
e esposas e, portanto, que os casamentos inter-raciais são aleatórios.
Como esperado, esse modelo não é estatisticamente significativo (L2 =
13.112,9; g.l. = 12; Bic = 12.991,9), o que indica que os casamentos
inter-raciais não são aleatórios. Em seguida, ajustamos o modelo de asso-
ciação constante no tempo (Modelo 2), que pressupõe que há associação
entre a cor de maridos e esposas, mas que ela não é a mesma entre 1960
e 2000. Embora o Modelo 2 não se ajuste aos dados (L2 = 828; g.l. =
8; Bic = 750), a inclusão de um termo para explicar a relação entre a
cor de maridos e esposas explica 93,7%6 da associação não explicada
pelo modelo de independência (Modelo 1). No Modelo 3, propomos uma

6
Esse percentual é calculado da seguinte forma: (L2 modelo A1 - L2 modelo
A2)/(L2 modelo A1).

100
especificação mais parcimoniosa e substantivamente interessante para a
associação entre cor de maridos e esposas. Ou seja, utilizamos um pa-
râmetro para capturar a barreira ao casamento entre brancos e pardos,
outro para definir a barreira separando pardos e pretos, e um último
efeito para dar conta da propensão à endogamia entre pardos7. Os dois
parâmetros de barreira ao casamento inter-racial também servem para
estimar a endogamia para brancos e pretos. Usando um grau de liberdade
a menos, o Modelo 3 é melhor do que o 2, embora ainda não se ajuste
bem aos dados. Finalmente, o Modelo 4 considera a mudança temporal
na associação entre a cor de maridos e esposas, o que leva ao bom ajuste
aos dados de acordo com a estatística L2 e o Bic (L2 = 6,4; g.l. = 3; Bic
= -23,8) – quanto mais negativa a estatística Bic, melhor o ajuste dos
modelos aos dados. Vamos deixar a interpretação dos parâmetros esti-
mados para a seção seguinte, mas vale adiantar que o Modelo 4, assim
como o modelo preferido da próxima seção, indica que há um aumento
significativo entre 1960 e 2000 na probabilidade de casamentos entre
brancos e pardos, bem como na de casamentos entre pardos e pretos ou
entre pretos e brancos. Em outras palavras, a propensão para casamentos
inter-raciais está aumentando significativamente no Brasil, sendo mais
acentuada para os casamentos entre brancos e pardos, depois para aqueles
entre pardos e pretos, tendo os casamentos entre brancos e pretos como
os menos prováveis, embora essa propensão também esteja aumentando
entre 1960 e 2000. Isso significa que os pardos estão mais próximos dos
brancos do que dos pretos em termos de chances relativas de casamentos
e que todas as barreiras para casamentos inter-raciais estão diminuindo
significativamente entre 1960 e 2000.
Esse resultado é importante porque confirma as previsões de Silva
(1992), mostrando que, em termos de casamentos, brancos e pardos estão
mais próximos do que pardos e pretos, bem como que a propensão para
casamentos inter-raciais estaria aumentando no Brasil. Observe-se que a
proximidade entre brancos e pardos contrasta com outra encontrada em
análises sobre desigualdades no mercado de trabalho e no sistema edu-
cacional, em que pretos e pardos estão, com frequência, muito próximos
entre si e distantes dos brancos. Ou seja, no mercado matrimonial, em

7
Na tabela com três linhas para categorias de cor de maridos e três colunas
para categorias de cor de esposas, diversas especificações desse mesmo
modelo utilizando três graus de liberdade podem ser estimadas. Também
estimamos uma alternativa com um parâmetro para cada homogamia por cor
que é completamente equivalente ao modelo que apresentamos.-

101
oposição ao mercado de trabalho e ao sistema educacional, os pardos têm
mais chances de se casar com brancos do que com pretos. Teoricamente,
esses resultados são importantes porque, ao tomarmos weberianamente o
casamento como um indicador de sociabilidade ou contatos sociais entre
diferentes grupos raciais (isto é, da distância social, diferente de distância
socioeconômica, entre os grupos de cor), confirmamos a observação de
que o Brasil se caracteriza por relações raciais cada vez mais fluidas, com
forte favorecimento à miscigenação. Esses resultados contrastam com as
análises sobre ascensão social em áreas mais duras, como mercado de
trabalho e sistema educacional, nas quais as desvantagens de pretos e
pardos se alteram de forma mais lenta ao longo das décadas (ver Ribeiro,
2008). No mercado matrimonial e, portanto, na esfera da sociabilidade e
da proximidade mais íntima entre os grupos raciais, há um aumento rápido
e significativo da fluidez, indicando crescente proximidade e aceitação
entre os diferentes grupos de cor.

7 – Seletividade marital por educação

Só temos conhecimento de um estudo sobre tendências de seletividade


marital educacional no Brasil (Silva, 2003). Esse estudo utilizou um modelo
de barreiras educacionais e mostrou que, entre 1981 e 1999, observavam-
se as seguintes tendências: diminuição da barreira aos casamentos entre
pessoas analfabetas e com primário (1 a 4 anos de estudo); diminuição da
barreira separando aqueles com primário daqueles com secundário (5 a
8 anos de estudo); estabilidade da barreira separando os com secundário
dos com colegial (9 a 11 anos de estudo); e aumento da barreira separando
aqueles com colegial daqueles com alguma educação superior (12 ou mais
anos de estudo). Esses resultados confirmam tendências encontradas em
outros países (ver Mare, 1991). Nesta seção, apresentamos os resultados
obtidos a partir de nossos dados. A Tabela 7 apresenta os diversos modelos
ajustados à tabela cruzando educação do marido (E) com educação da
esposa (S) e ano do censo (T).

102
Tabela 7 – Modelos Ajustados à Tabela Cruzando Educação do Marido
(E) com Educação da Esposa (S) e Ano do Censo (T) para Casais em que
Ambos os Cônjuges Tinham entre 20 e 34 anos em 1960, 1986 e 2000

Modelos L2 g.l. Valor-p Bic

1. ET, ST 12.783,4 48 0,000 12.299,3

2. ET, ST, ES 493,0 32 0,000 170,8

3. ET, ST, ES (simetria) 512,5 38 0,000 129,2

4. ET, ST, ES (barreiras educacionais) 818,9 44 0,000 375,2

5. ET, ST, ES (barreiras educacionais +


homogamia nas categorias intermediárias) 546,1 41 0,000 135,5

6. ET, ST, ES (homogamia nas categorias


intermediárias), ES (barreiras educacionais) * T 76,4 33 0,000 -256,5

7. ET, ST, ES (homogamia nas categorias interme-


diárias) * T, ES (barreiras educacionais) * T 55 27 0,001 -216,4

8. ET, ST, ES (homogamia nas categorias


intermediárias) + ES (barreiras educacionais) *
T + (hipergamia/hipogamia) * T 63 30 0,000 -239

Elaboração dos autores.

Como era esperado, o modelo de independência (Modelo 1) não se


ajusta aos dados (L2 = 12.783,3; g.l. = 48; Bic = 12.299,3). O modelo
seguinte (2) inclui a associação entre educação do marido e da esposa,
e assume que essa associação é constante entre 1960 e 2000. Embora
apresente uma enorme melhora do ajuste em relação ao modelo anterior,
ainda não é estatisticamente significativo (L2 = 493,0; g.l. = 32; Bic =
170,8). Os Modelos de 3 a 5 testam diferentes especificações para a as-
sociação entre educação de maridos e esposas, mas, em todos os casos,
assumem que a associação é constante ao longo do tempo. O Modelo 3
testa um padrão de simetria e homogamia na associação, ou seja, testa a
hipótese de que os padrões de casamento de esposas são simétricos aos dos

103
maridos e que há homogamia variável em cada nível educacional. Embora
não se ajuste aos dados, o Modelo 3 indica que o padrão de simetria e
homogamia, apesar de usar menos gruas de liberdade, não é pior do que
o de associação completa do Modelo 2. Esse teste é importante porque
sugere que há simetria nos padrões de casamento de maridos e esposas.
O Modelo 4 também não se ajusta aos dados, mas utiliza outro tipo de
especificação da simetria, que é teoricamente mais interessante porque
permite estimar barreiras ao casamento entre maridos e esposas com di-
ferentes níveis educacionais. O Modelo 5, que acrescenta ao 4 o padrão de
homogamia nas três categorias educacionais intermediárias, também não
se ajusta. Os Modelos 3 e 5 são teoricamente equivalentes porque testam
um padrão de simetria e homogamia nos casamentos, embora em ambos
os casos esse padrão seja constante entre 1960 e 2000. Finalmente, o
Modelo 6 permite que o padrão de simetria estimado a partir das barreiras
educacionais varie ao longo do tempo, mantendo o padrão de homogamia
constante ao longo do tempo. Esse Modelo 6 é o primeiro a se ajustar bem
aos dados de acordo com a estatística Bic (L2 = 76,4; g.l. = 48; Bic =
-256,5). O Modelo 7 (L2 = 55,0; g.l. = 27; Bic = -216,4) acrescenta ao
anterior a variação temporal da homogamia nas três categorias educacionais
intermediárias, o que não melhora significativamente o ajuste e gasta mais
graus de liberdade. Finalmente, o Modelo 8 acrescenta ao 6 um parâmetro
para capturar uma possível assimetria representada pela maior chance de
mulheres casarem com homens mais educados do que elas. Como vimos
na análise das taxas absolutas, há uma mudança espetacular na expansão
educacional das mulheres, o que se poderia traduzir em uma mudança
na assimetria dos padrões de casamento em que homens tendiam a ter
educação mais elevada do que a esposa.
Embora o Modelo 8 não se ajuste melhor do que o 6, que é o preferido
para a análise desses dados, o parâmetro indicando que homens tendem
a casar com mulheres menos educadas proposto no Modelo 8 fornece in-
formação interessante. Ou seja, em 1960, os maridos tinham 1,3 vez mais
chance de serem mais educados do que as esposas; em 1980, essa chance
diminuiu para 1,1 vez mais; em 2000, não há assimetria educacional nas
chances de casamento de maridos e esposas. Em outras palavras, em
2000, as chances de encontrarmos maridos mais educados do que suas
esposas são aleatórias, ao passo que, nos anos anteriores, essas chances
são mais sistemáticas, ou não aleatórias.
O Modelo 6, que, como já indicamos, é o preferido para esta análise,
apresenta resultados interessantes sobre as mudanças nas barreiras edu-
cacionais aos casamentos no Brasil. Tendo em vista que as análises da

104
próxima seção sobre a seletividade matrimonial por cor e educação dos
cônjuges revelam que o padrão de barreiras educacionais não se modifi-
ca quando consideramos a cor dos cônjuges, deixaremos a interpretação
desses parâmetros para a seção seguinte. Vale adiantar, no entanto, que
as tendências são de diminuição das barreiras educacionais entre 1960 e
2000. De todo modo, as análises acima são importantes para determinar
que modelo utilizar para a seletividade matrimonial por nível educacio-
nal dos cônjuges. Agora sabemos que, para a seletividade matrimonial
por cor, podemos usar um padrão de associação tal como o especificado
no Modelo 4 da seção anterior e que, para a seletividade por educação,
devemos utilizar um padrão de associação tal como o definido no Modelo
6 desta seção (ambos representados na Equação 1 da quarta seção). Ao
combinarmos esses dois modelos, estaremos testando se as barreiras ao
casamento inter-racial se modificam quando levamos em conta as barrei-
ras ao casamento intereducacional. Como mencionamos na introdução,
é possível que os padrões de casamento inter-racial observados sejam,
na realidade, um reflexo da diminuição das barreiras educacionais e da
desigualdade educacional entre os grupos de cor.

8 – Seletividade marital por cor e educação

Nesta seção, combinamos os modelos preferidos das duas seções an-


teriores em uma única análise, ou seja, aplicamos uma série de modelos
à tabela cruzando cor do marido (H) com cor da esposa (W), educação
do marido (E), educação da esposa (S) e ano do censo (T). Essa tabela
com cinco variáveis requer uma série de testes mais complexos do que
os apresentados até agora. O aumento da complexidade na análise é im-
portante na medida em que permite testar formalmente se as mudanças
na seletividade matrimonial por educação dos cônjuges têm alguma in-
fluência sobre as mudanças nas chances de casamento entre grupos de
cor e vice-versa. Esta pesquisa é a primeira a analisar conjuntamente os
dois tipos de seletividade matrimonial no Brasil. A Tabela 8 apresenta as
diferentes etapas de ajuste dos modelos aos dados. Procedemos por etapas
adicionando parâmetros em cada modelo subseqüente.

105
Tabela 8 – Ajuste de Modelos Log-Lineares à Tabela Cruzando Cor do
Marido (H) com Cor da Esposa (W), Educação do Marido (E), Educa-
ção da Esposa (S) e Ano do Censo (T) para Casais em que Ambos os
Cônjuges Tinham entre 20 e 34 Anos de Idade em 1960, 1986 e 2000

Modelos L2 g.l. Valor-p Bic

1. Modelo de base
H, W, E, S, T, HE, WS 37.716 644 0,000 31.219

2. Modelo 1 + HT, WT, ET, ST, HET, WST 24.834 588 0,000 18.902

3. Modelo 2 + ES (barreiras educacionais) 13.240 584 0,000 7.349

4. Modelo 3 + HW (barreiras de cor) 2.022 582 0,000 -3.849

5. Modelo 4 + T * ES (barreiras educacionais) 1.580 574 0,000 -4.211

6. Modelo 5 + T * HW (barreiras de cor) 780 570 0,000 -4.970

7. Modelo 6 + ES
(homogamia nas três categorias intermediárias) 578 567 0,368 -5.142

8. Modelo 7 + HW (homogamia dos pardos) 429 566 1,000 -5.281

9. Modelo 7 + T * ES (homogamia dos pardos) 545 561 0,683 -5.115

Elaboração dos autores.

O primeiro modelo é o de independência entre cor e educação de


maridos e esposas. Como era esperado, ele não se ajusta aos dados (L2
= 37.716; g.l. = 644; Bic = 31.219). O segundo modelo controla pela
variação dos marginais da tabela ao longo do tempo, mas assume que
não há associação entre as características de maridos e esposas. Como o
anterior, esse modelo também não se ajusta bem aos dados. O Modelo 3
acrescenta ao 2 a associação entre educação de maridos e esposas segundo
o padrão de barreiras educacionais, o que também não leva a um ajuste
aceitável. Ao adicionarmos um parâmetro para as barreiras ao casamento
inter-racial, obtemos o Modelo 4, que é o primeiro a se ajustar bem aos
dados de acordo com a estatística Bic (L2 = 2.022,4; g.l. = 582; Bic =
-3.849). Esse modelo assume que a associação entre educação de maridos
e esposas segue um padrão de barreiras educacionais; a associação entre
cor de maridos e esposas também segue um padrão de duas barreiras de

106
cor; e ambos os tipos de associação são constantes ao longo do tempo. Ao
permitir que os parâmetros de barreiras educacionais variem ao longo do
tempo, o Modelo 5 apresenta um ajuste ainda melhor do que o 4 aos dados
(L2 = 1.580; g.l. = 574; Bic = -4.211). No Modelo 6, acrescentamos a
variação temporal aos parâmetros de barreiras de cor e alcançamos um
melhor ajuste em relação aos modelos anteriores (L2 = 780; g.l. = 570;
Bic = -4.970).
Como vimos nas duas seções anteriores, alguns parâmetros de homo-
gamia são necessários para explicar a associação entre as características
de maridos e esposas. No Modelo 7, acrescentamos a homogamia para as
três categorias educacionais intermediárias. Ao incluirmos esse parâmetro,
obtemos um ajuste melhor do que o de todos os modelos anteriores em
termos tanto da estatística Bic (= -5.142) quanto da razão de verossimi-
lhança (L2 = 578; g.l. = 567; valor-p < 0,368). No Modelo 8, incluímos
o parâmetro para a homogamia de pardos, o que leva a um ajuste excessivo
do modelo aos dados (poderíamos dizer que o ajuste quase reproduz os
dados, o que não é recomendável). Finalmente, o Modelo 9, adicionando
ao 7 a variação temporal do parâmetro de homogamia educacional, não
apresenta um melhor ajuste aos dados. Modelos testando a interação en-
tre cor dos cônjuges e educação dos cônjuges também não apresentam
melhora em relação ao Modelo 7, que permanece sendo o melhor para
analisar esses dados.
De acordo com o Modelo 7, há variação temporal nas associações
entre cor do marido e da esposa, e entre educação do marido e da esposa.
Esses efeitos são aditivos, ou seja, um deve ser somado ao outro, mas não
há interferência ou interação entre as propensões de casamentos intere-
ducacionais e entre grupos de cor. Em outras palavras, ao controlarmos a
associação entre cor de maridos e esposas pela associação entre educação
de maridos e esposas, observamos que esses dois efeitos se somam, ou seja,
eles não são reflexo um do outro. Substantivamente, isso significa que os
padrões de seletividade matrimonial por cor e educação, analisados a partir
dos modelos das seções anteriores, são válidos. A única diferença é que,
ao incluirmos a homogamia educacional e a por cor no mesmo modelo, a
segunda não é estatisticamente significativa. Além disso, a análise conjunta
permite verificar não apenas em que medida um tipo de efeito se soma
ao outro (cálculo que fazemos mais abaixo para interpretar os resultados)
mas também qual barreira é mais difícil de ser transposta: a de cor ou
a educacional. A Tabela 9 apresenta alguns parâmetros estimados pelo
Modelo 7, bem como as chances relativas derivadas desses parâmetros
(exponencial dos parâmetros). Barreiras educacionais de curta distância

107
(entre grupos educacionais próximos) são mais fáceis de serem transpostas
do que barreiras de cor, ao passo que barreiras educacionais de longa
distância tendem a ser mais difíceis de serem transpostas do que barreiras
de cor. A soma desses dois tipos de barreira, no entanto, revela algumas
tendências interessantes que descrevemos mais adiante.

Tabela 9 – Parâmetros Selecionados Estimados pelo Modelo 7, Casais


com Ambos os Cônjuges com Idade entre 20 e 34 Anos Brasil, 1960,
1980 e 2000

Parâmetros Estimados Chances Relativas

1960 1980 2000 1960 1980 2000

Cor

Branca/parda -2,005 -1,433 -0,889 0,135 0,239 0,411

Parda/preta -2,037 -1,743 -1,194 0,130 0,175 0,303

Branca/preta -4,042 -3,175 -2,083 0,018 0,042 0,125

Educação

0-3 a 4-7 -1,723 -1,240 -0,900 0,178 0,289 0,407

4-7 a 8 -1,450 -1,058 -0,787 0,235 0,347 0,455

8 a 9-11 -0,587 -0,799 -0,684 0,556 0,450 0,505

9-11 a 12 ou mais -0,915 -1,089 -1,126 0,401 0,337 0,324

Homogamia educacional

4-7 -0,620 -0,620 -0,620 0,538 0,538 0,538

8 0,040* 0,040* 0,040 – – –

9-11 -0,388 -0,388 -0,388 0,679 0,679 0,679

Elaboração dos autores


Nota: * não significativo

Como especificamos anteriormente, o Modelo 7 inclui parâmetros


para barreiras aos casamentos entre grupos de cor e entre pessoas com
níveis educacionais distintos. Quanto menores essas barreiras, mais pro-
váveis são os casamentos inter-raciais e intereducacionais. Parâmetros
com valores mais altos (menos negativos) correspondem a maiores chances
relativas de cruzar as respectivas barreiras. Chances relativas menores
(obtidas por parâmetros menores) indicam barreiras educacionais e de

108
cor menos permeáveis ou, inversamente, mais rígidas. Todas as barreiras
a casamentos entre grupos de cor se tornaram significativamente mais
permeáveis entre 1960 e 2000. As chances de casamento entre brancos
e pardos aumentaram de 0,135 em 1960 para 0,239 em 1980 e para
0,411 em 2000. Aumento semelhante ocorreu para o casamento entre
pardos e pretos, passando de 0,130 em 1960 para 0,303 em 2000, e
entre brancos e pretos, passando de 0,018 para 0,125 nessas mesmas
datas. Outra maneira de entender esses números é calcular as chances de
casamento dentro dos mesmos grupos de cor (homogâmicos). Por exemplo,
mantendo-se a educação constante, podemos dizer que, em 1960, uma
pessoa preta tinha 56 vezes (ou 1/0,018) mais chances de se casar com
outra pessoa igualmente preta do que de se casar com uma pessoa de
outra cor, ao passo que quarenta anos mais tarde, em 2000, essas chan-
ces haviam diminuído para apenas oito vezes mais chances. De forma
semelhante, uma pessoa branca tinha sete vezes mais chances de se casar
com outra pessoa branca do que com uma pessoa de outra cor em 1960 e
apenas duas vezes mais em 2000. Em suma, as barreiras aos casamentos
inter-raciais estão se tornando cada vez menos rígidas ou, inversamente,
a sociedade brasileira está se tornando significativamente mais aberta ou
fluida em termos de casamento entre grupos de cor. É bom lembrar, no
entanto, que essas chances que acabamos de mencionar assumem que
o nível educacional se mantém constante, ou seja, que não há variação
nos níveis educacionais. Mais adiante apresentamos informações sobre
chances de casamento entre pessoas com cor e educação distintas, mas
antes é importante apresentarmos as mudanças nas barreiras educacionais
também obtidas pelo Modelo 7.
As mudanças nas barreiras educacionais entre 1960 e 2000 seguem
um padrão um pouco diferente do das mudanças nas barreiras aos casa-
mentos inter-raciais. Enquanto as barreiras separando grupos educacionais
mais baixos diminuíram, aquelas separando pessoas com segundo grau
(9 a 11 anos de educação) de pessoas com alguma educação universitá-
ria (12 ou mais anos) aumentaram. A Tabela 8 também apresenta essas
tendências. As chances de cruzar barreiras separando pessoas com 0 e 3
anos de estudo de outras com 4 e 7 anos passaram de 0,18 em 1960 para
0,41 em 2000. Uma tendência semelhante ocorreu na barreira separando
pessoas tendo entre 4 e 7 anos de estudo daquelas com primário completo
(8 anos de educação), ou seja, a permeabilidade aumentou de 0,23 em
1960 para 0,46 em 2000. Já a barreira separando pessoas com primário
completo (8 anos) daquelas com algum secundário (9 a 11 anos) diminuiu
em menor proporção, passando de 0,56 em 1960 para 0,50 em 2000.

109
Em contraste com esse aumento de permeabilidade nas três barrei-
ras educacionais mais baixas, a barreira separando pessoas com alguma
educação de segundo grau (9 a 11 anos) de pessoas com alguma educação
universitária (12 anos ou mais) se tornou ligeiramente mais rígida ou menos
permeável. A permeabilidade dessa barreira diminuiu de 0,40 em 1960
para 0,32 em 2000. Inversamente, podemos dizer que a homogamia entre
pessoas com algum nível universitário aumentou. Em 1960, as chances de
casamento homogâmico para pessoas com alguma educação universitária
eram 2,5 vezes maior do que as chances de casamento educacionalmente
heterogâmico, ao passo que em 2000 essas chances aumentaram para
3,1 vezes mais. Mais uma vez devemos tomar cuidado ao interpretar esses
números, porque eles assumem que não há variação na barreira separando
grupos de cor, que, como vimos, está na realidade diminuindo. Uma ma-
neira mais realista de interpretar esses números é observar alguns tipos
de combinação entre barreiras aos casamentos entre pessoas com níveis
educacionais distintos e em diferentes combinações de cor dos cônjuges.
Fazemos esses cálculos a seguir.
Uma das propriedades do Modelo 7 é que os parâmetros para cada
uma das quatro barreiras educacionais podem não apenas ser somados
entre si, para obtermos estimadores de chances relativas de casamento
cruzando mais de uma barreira, mas também somados às chances de
cruzar barreiras ao casamento entre grupos de cor. Aproveitando essa
característica do modelo, calculamos, na Tabela 10, as chances relativas
de cônjuges cruzarem uma, duas, três ou quatro barreiras educacionais
para os três tipos de casamento inter-racial. Apresentamos apenas valores
para o triângulo inferior porque o modelo é simétrico, ou seja, o valor para
os casamentos entre maridos mais educados do que esposas é exatamente
o mesmo que para o caso inverso, em que esposas são mais educadas.
Podemos, assim, interpretar as linhas ou colunas como sendo a especifi-
cação do nível educacional de esposas ou de maridos.
As barreiras educacionais são cumulativas, portanto cruzar uma é
mais fácil do que cruzar duas e assim por diante. Casamentos cruzando
quatro barreiras educacionais (entre pessoas com educação entre 0 e 3
anos e pessoas com 12 ou mais anos de escolaridade) são extremamente
raros, independentemente da cor dos cônjuges. Isso indica que, para ca-
samentos entre pessoas com nível socioeconômico (medido pela educação)
muito diferente, praticamente não há efeito das barreiras de cor, ou seja,
nesses casos, é realmente a barreira educacional que impede casamentos
de qualquer tipo. Para casamentos cruzando uma, duas ou três barreiras
educacionais, o efeito das barreiras de cor parece ser mais relevante. De

110
fato, as barreiras educacionais são crescentemente mais rígidas (o valor
numérico diminui cada vez mais) na seguinte ordem por tipo de casamento
entre grupos de cor: entre brancos e pardos; entre pardos e pretos; e entre
brancos e pretos. Além disso, há uma tendência de aumento das chances
de cruzar barreiras educacionais entre 1960 e 2000 (o valor numérico é
cada vez maior), ou seja, todas as barreiras educacionais e de cor se tornam
mais permeáveis ao longo dos quarenta anos estudados. Mesmo assim,
as chances de cruzar quatro barreiras educacionais ainda permanecem
muitíssimo baixas para casamentos entre pessoas de todas as cores.
Tabela 10 – Chances Relativas de Cruzar Barreiras Educacionais e Raciais
aos Casamentos em 1960, 1980 e 2000. Cálculos Feitos a partir dos Parâ-
metros Estimados pelo Modelo 7, da Tabela 8, Apresentados na Tabela 9
Barreiras Educacionais para Casamentos entre Brancos e Pardos

1960 1980 2000

Educação 0-3 4-7 8 9-11 0-3 4-7 8 9-11 0-3 4-7 8 9-11

4-7 0,024 0,069 0,167

8 0,006 0,032 0,024 0,083 0,076 0,187

9-11 0,003 0,018 0,075 0,011 0,037 0,107 0,038 0,094 0,207

12 ou mais 0,001 0,007 0,030 0,054 0,004 0,013 0,036 0,080 0,012 0,031 0,067 0,133

Barreiras Educacionais para Casamentos entre Pardos e Pretos

1960 1980 2000

Educação 0-3 4-7 8 9-11 0-3 4-7 8 9-11 0-3 4-7 8 9-11

4-7 0,023 0,051 0,123

8 0,005 0,031 0,018 0,061 0,056 0,138

9-11 0,003 0,017 0,073 0,008 0,027 0,079 0,028 0,070 0,153

12 ou mais 0,001 0,007 0,029 0,052 0,003 0,009 0,026 0,059 0,009 0,023 0,050 0,098

Barreiras Educacionais para Casamentos entre Brancos e Pretos

1960 1980 2000

Educação 0-3 4-7 8 9-11 0-3 4-7 8 9-11 0-3 4-7 8 9-11

4-7 0,003 0,012 0,051

8 0,001 0,004 0,004 0,014 0,023 0,057

9-11 0,000 0,002 0,010 0,002 0,007 0,019 0,012 0,029 0,063

12 ou mais 0,000 0,001 0,004 0,007 0,001 0,002 0,006 0,014 0,004 0,009 0,020 0,040

Elaboração dos autores

111
As tendências gerais de mudanças nas barreiras educacionais ao
casamento para cada combinação de grupo de cor já foram descritas no
parágrafo anterior, mas a descrição de alguns exemplos pode ajudar a
ilustrar os resultados. Em 1960, as chances de casamento entre pessoas
tendo 8 anos de escolaridade e pessoas tendo entre 0 e 3 anos eram de:
0,006 para casamentos entre brancos e pardos; 0,005 para casamentos
entre pardos e pretos; e 0,001 para casamentos entre brancos e pretos.
Em 2000, essas chances aumentaram para: 0,076 para casamentos entre
brancos e pardos; 0,056 para casamentos entre pardos e pretos; e 0,023
para casamentos entre brancos e pretos. Várias outras mudanças seguindo
o mesmo padrão podem ser observadas nos valores das chances relativas
apresentadas na Tabela 10.
Outra maneira de observar os dados da Tabela 10 é apresentada
abaixo, nos Gráficos 1, 2 e 3. Essas representações gráficas apenas re-
ordenam os números da Tabela 10 a fim de facilitar a visualização das
tendências. Os gráficos mostram as chances de cruzar uma, duas, três
e quatro barreiras educacionais para casamentos inter-raciais em 1960,
1980 e 2000. As colunas para uma barreira educacional estão ordenadas
da esquerda para a direita: 0-3 anos de escola para 4-7 anos; 4-7 anos
para 8 anos; 8 anos para 9-11 anos; e 9-11 anos para 12 anos ou mais.
As colunas para duas barreiras educacionais também estão ordenadas da
esquerda para a direita: 0-3 anos para 8 anos de escola; 4-7 anos para
9-11 anos; e 8 anos para 12 anos ou mais. Da mesma forma, as colunas
para três barreiras educacionais: 0-3 anos para 9-11 anos; e 4-7 anos
para 12 anos ou mais. Finalmente, a coluna para quatro barreiras educa-
cionais representa chances de casamento entre pessoas com 0-3 anos de
escolaridade e com 12 anos ou mais.

Gráfico 1 – Barreiras educacionais para cada tipo de casamento inter-


racial, Brasil 1960

112
Gráfico 2 – Barreiras educacionais para cada tipo de casamento inter-
racial, Brasil 1980

Gráfico 3 – Barreiras educacionais para cada tipo de casamento inter-


racial, Brasil 2000

As tendências expressas nos Gráficos 1, 2 e 3 são bastante claras. A


primeira informação relevante e válida para todos os anos é que as chances
de casamento entre brancos e pardos são um pouco maiores do que as
entre pardos e pretos, e ambas são muito maiores do que as entre brancos
e pretos. Como previsto na literatura, os pardos ocupam uma posição in-
termediária entre brancos e pretos, estando um pouco mais próximos dos
brancos, e as chances de todos os tipos de casamento inter-racial aumentam
entre 1960 e 2000. Além disso, podemos dizer que: (1) as chances de
casamento cruzando uma e duas barreiras educacionais aumentam para
todos os tipos de casamento inter-racial entre 1960 e 2000; (2) as chances
de casamento cruzando três barreiras educacionais eram muito pequenas
em 1960, mas também apresentam tendência de aumento ao longo dos

113
anos para todos os tipos de casamento inter-racial; e (3) as chances de
casamento cruzando quatro barreiras educacionais são muito pequenas
para qualquer tipo de casamento inter-racial. De fato, há evidências de
que as chances de casamento cruzando quatro barreiras educacionais são
extremamente baixas, o que expressa claramente a desigualdade socioe-
conômica existente no Brasil. Ou seja, pessoas com 12 anos ou mais de
escolaridade estão muito distantes em termos socioeconômicos de pessoas
com educação entre 0 e 3 anos. Casamentos cruzando quatro barreiras
são, portanto, raríssimos, independentemente da cor dos cônjuges.

9 – Conclusão

Em suma, podemos concluir que, entre 1960 e 2000, houve uma


diminuição realmente significativa nas barreiras, dificultando o casamento
entre pessoas brancas, pardas e pretas, bem como entre pessoas com níveis
educacionais diferentes. Isso significa que a sociedade brasileira parece
estar se tornando significativamente mais aberta aos casamentos cruzando
barreiras educacionais e de cor. Isso não quer dizer, no entanto, que as
barreiras de cor e educacionais não existam, mas indica uma forte tendên-
cia de diminuição dessas barreiras. Interpretando os casamentos como um
indicador da proximidade entre os grupos de cor, podemos concluir que,
pelo menos na esfera da sociabilidade representada pela união matrimo-
nial, há uma crescente tendência de aceitação de pessoas de grupos de
cor distintos, sendo a proximidade de brancos e pardos significativamente
maior do que a de pardos e pretos. Essas tendências são independentes
do nível educacional dos cônjuges, ou seja, não são apenas um reflexo da
diminuição das desigualdades educacionais entre brancos, pardos e pretos
nem da crescente diminuição das barreiras educacionais aos casamentos.
Essas últimas barreiras, por sua vez, também estão diminuindo, o que
indica que casamentos entre pessoas com níveis educacionais distintos
são cada vez mais comuns.
As barreiras entre grupos educacionais adjacentes diminuíram signifi-
cativamente entre 1960 e 2000, com exceção da barreira aos casamentos
entre pessoas com segundo grau (9-11 anos) e universidade (12 anos ou
mais), a qual está se tornando mais rígida, sobretudo por causa do aumento
do número de mulheres alcançando educação universitária entre 1960 e
2000. Ou seja, como as mulheres passaram a freqüentar em números cada
vez maiores as universidades entre 1960 e 2000, a tendência aos casa-
mentos entre homens e mulheres com algum nível universitário aumentou

114
muito: a endogamia nesse grupo educacional cresceu significativamente.
Além disso, é importante ressaltar que as barreiras aos casamentos entre
pessoas com níveis educacionais muito distintos continuam extremamente
fortes, o que torna esse tipo de casamento muito improvável, independen-
temente da cor dos cônjuges. De fato, as barreiras ao casamento entre
pessoas com níveis educacionais muito diferentes são muito mais fortes
do que as barreiras aos casamentos inter-raciais.

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117
CAPÍTULO 3

Classe e Gênero no
Brasil Contemporâneo:
Mobilidade Social, Casamento e
Divisão do Trabalho Doméstico1

1 – Introdução

Gênero e classe social são dois princípios básicos da estratificação


social. Embora a distinção de gênero seja ainda mais antiga e universal
do que a de classe, as teorias sociológicas clássicas sempre deram mais
atenção ao estudo das classes sociais como elemento essencial de diferen-
ciação social e ação política. A análise de classes, em particular, insiste em
considerar classe social como sendo mais “importante” ou “fundamental”
do que gênero, na medida em que seria um mecanismo mais geral de
estratificação social, estruturando, inclusive, diferenças entre mulheres
e entre homens.
Essa abordagem, que confere primazia às relações de classe sobre as
de gênero, tem sido constantemente criticada nas ciências sociais contem-
porâneas. Em oposição a uma visão simplificada, que procura definir o que
é mais importante, se classe ou gênero, alguns estudiosos da estratificação
social nas sociedades industriais procuram entender os diferentes meca-
nismos de interação ou não-interação de classe e gênero na produção de
desigualdades sociais (Wright, 1997). Não se trata apenas de constatar que
há diversas formas de desigualdades entre homens e mulheres, mas sim
de entender quais as conseqüências destas formas de desigualdade para o
entendimento das relações de classe e de gênero na sociedade moderna.

1
Uma versão anterior deste artigo foi publicada em ARAÚJO, Clara e SCALON,
Celi . Gênero, família e trabalho no Brasil. FGV Editora, 2005. Agradeço a Clara, a
Celi e à editora por concordarem que eu publicasse o texto neste livro.

119
São justamente a definição e a análise dos mecanismos de interação
entre classe e gênero que podem contribuir para o avanço da análise de
classe nas relações de gênero, bem como da análise de gênero nas relações
de classe. Quando se trata de estudar a interação entre classe e gênero,
há ainda um outro elemento a ser necessariamente levado em conta: a
família. Formas de interação de gênero e classe dentro das famílias cer-
tamente contribuem para a estratificação social entre indivíduos fora das
famílias, e vice-versa.
Neste capítulo, procuro definir algumas formas de interação ou não-
interação entre classe e gênero em casais heterossexuais na sociedade
brasileira contemporânea. Meu objetivo é tanto o de contribuir para o
entendimento da desigualdade de gênero e classe no Brasil quanto o de
discutir mecanismos mais gerais de estratificação social nas sociedades
contemporâneas. Mais especificamente, trato de três temas relevantes para
se entenderem as relações de classe e gênero na sociedade brasileira: (1)
mobilidade e classe sociais, (2) casamento e classes sociais, e (3) divisão
doméstica do trabalho e classes sociais.
O primeiro tema, mobilidade social, é importante para a discussão
sobre a unidade de análise dos estudos de estratificação e para definir
a diferença nas chances de mobilidade de homens e mulheres. Teorias
sociológicas funcionalistas, marxistas e weberianas determinam que a
unidade básica de estratificação é a família e não o indivíduo (Sorensen,
1994). Ou seja, a estrutura de classes de uma determinada sociedade deve
ser definida pela posição de classe ocupada por cada família e não pelos
indivíduos. Tendo-se em vista que na maioria das famílias os homens têm
posições de classe superiores às das mulheres, a estrutura de classes, bem
como os padrões de mobilidade que a constituem, poderia ser descrita e
analisada a partir do estudo da mobilidade de classe dos homens. Neste
sentido, torna-se fundamental verificar em que medida há diferenças nos
padrões de mobilidade de homens e mulheres. Se houver diferença, poder-
se-á dizer, então, que há interação entre classe e gênero, e, portanto, seria
necessário incluir alguma forma de distinção de gênero para descrever a
própria estrutura de classes, mesmo se se considerar a família como uni-
dade básica de estratificação. Estes padrões de mobilidade também podem
ser estudados por outros motivos, a saber, para que se possam entender
as diferentes trajetórias de mobilidade de homens e mulheres indepen-
dentemente de sua posição de classe, definida pela família em que vivem;
porém, neste segundo caso também é importante definir-se a mobilidade
intergeracional de mulheres em relação a suas mães. Tendo-se em vista
que há ocupações tipicamente femininas, a comparação da mobilidade

120
das filhas em relação aos pais não é suficiente para definir trajetórias de
mobilidade de mulheres. Informações sobre ocupação das mães não são
comuns em pesquisas amostrais, mas felizmente estão presentes nos dados
que analisarei neste capítulo.
O segundo tema, casamento e classe social, também é relevante,
porque está relacionado à questão da unidade básica de estratificação.
O estudo dos padrões de casamento de classe pode confirmar, ou não, a
idéia de que os maridos tendem a ter posição ocupacional hierarquicamente
superior às de suas esposas ou companheiras, e que, portanto, a posição
ocupacional do marido é um bom indicador da posição de classe em que a
família se encontra (Erickson e Goldthorpe, 1993). Além disso, os padrões
de casamento de classe podem servir como um indicador da desigualdade
de classe interna em cada família. Embora faça sentido dizer-se que um
casal pode ser considerado como uma unidade básica de consumo e nível
de vida, não é difícil imaginar que a posição hierárquica diferenciada de
cada cônjuge na estrutura ocupacional pode ser um fator importante na
distribuição de poder entre homens e mulheres, casados ou que vivem
juntos.2 Finalmente, o estudo da associação estatística entre classe de
maridos e esposas possibilita definir o grau de permeabilidade de classe
do mercado matrimonial (Hout, 1982; Wright, 1997). Uma sociedade
em que há maior probabilidade de casamentos inter-classes deveria ser
considerada mais aberta ou fluida do que outra sociedade, em que há
baixa permeabilidade.
O último tema, o estudo empírico da divisão sexual do trabalho domés-
tico, nos permite analisar se a composição de classe dos casais brasileiros
tem algum impacto sobre a divisão do trabalho dentro de casa. Será que,
em casais, por exemplo, em que a esposa tem posição direta de classe
superior à do marido, os homens tendem a desempenhar mais atividades
domésticas? Ou será que a divisão do trabalho doméstico é totalmente
definida pelo gênero? Como se verá adiante, a resposta a esta segunda
pergunta é positiva, o que leva a constatar quantitativamente algo de que já
se tinha quase certeza de que era verdade, a saber, a divisão do trabalho
doméstico é praticamente inexistente, tendo-se em vista que as mulheres
de todas as classes desempenham pelo menos três vezes mais trabalhos
domésticos do que seus maridos e companheiros. A quantificação desta
informação também é importante, pois permite comparar o Brasil com
outros países.

2
Veja-se Zelizer (1994) para uma interessante interpretação sobre o papel do dinheiro
na distribuição de poder dentro dos casais.

121
Para discutir e analisar estes três temas, dividi este capítulo em seis
partes, além desta introdução. Na segunda seção, apresento o debate sobre
classe, família e gênero e descrevo algumas formas de interação entre
gênero e classe. Na terceira parte, apresento brevemente as variáveis do
banco de dados da pesquisa ISSP3 que foram utilizadas, a metodologia e
os modelos estatísticos estimados. Na quarta parte, trato da mobilidade
intergeracional de homens e mulheres. Na quinta parte, descrevo e analiso
os padrões de casamento de classe. Na sexta parte, apresento as análises
sobre divisão do trabalho doméstico e composição de classe dos casais.
Na conclusão, discuto algumas das implicações teóricas derivadas das
análises empíricas das partes anteriores.

2 – Interconexões de família, gênero e classe

Todas as teorias clássicas de estratificação e classes sociais pressu-


põem que a família é a unidade de estratificação (Parsons, 1953). Homens,
mulheres e crianças no mesmo núcleo familiar estariam, todos, na mesma
posição na hierarquia de classes, independentemente do trabalho que cada
um dos membros da família executa. Em outras palavras, membros de
uma mesma família são vistos como partilhando dos mesmos interesses e
padrões de consumo, bem como níveis e oportunidades de vida. Partindo-
se desta perspectiva, não haveria qualquer forma de interação entre classe
e gênero; os dois princípios seriam responsáveis por formas totalmente
distintas de diferenciação social.
Foi exatamente contra esta perspectiva “convencional” que os estudos
de gênero levantaram as críticas mais desafiadoras às teorias clássicas de
estratificação social e análise de classes (Abbot e Sapsford, 1987). De
acordo com essas críticas, a crescente entrada das mulheres no mercado
de trabalho pago, nas sociedades industriais, a partir da década de 1960,
imporia sérios limites aos estudos de estratificação e análise de classe que
partissem da família como unidade básica de estratificação. Tendo em vista
que os estudos clássicos consideravam a família não apenas como uma

3
ISSP é o International Social Survey Program. Neste livro utilizo dois destes surverys
coletados no Brasil. Neste capítulo utilizo o survey “Gênero, família e trabalho”,
coletado em 2003 com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio
de Janeiro (FAPERJ) e coordenado por Celi Scalon (UFRJ) e Clara Araújo (UERJ).
Agradeço a estas colegas pelo convite para trabalhar com estes dados.

122
unidade econômica, mas também como uma comunidade de interesses e
opiniões, os estudos de gênero, na realidade, reivindicavam a necessidade
de se estudarem aspectos particulares da atividade das mulheres dentro
e fora das unidades familiares.
Esta reivindicação deu início a uma série de estudos extremamente
importantes sobre a divisão doméstica do trabalho e sobre as características
da atividade feminina no mercado de trabalho (por exemplo, Hartman,
1979, 1981; Acker, 1973; Lewis, 1985; Crompton e Mann, 1986). No
entanto, não se pode tão-somente taxar a perspectiva “convencional” de
preconceituosa ou sexista. Parece que há razões realmente importantes
para que se considere a família como a unidade básica de estratificação
(Sorensen, 1994; Goldthorpe, 1983). Esta idéia fica muito mais clara nos
estudos de desigualdade de renda do que nos estudos de desigualdade
de classe. Ao se estudar a distribuição de renda em uma determinada
sociedade, deve-se considerar a renda familiar per capita, e não a renda
individual, porque somente assim ter-se-á como derivar a distribuição
do padrão de consumo e bem-estar. Em uma família em que a esposa
recebe rendimentos de 950 reais mensais, por exemplo, e o marido, 50
reais mensais, deve-se considerar a média entre estas duas rendas como
sendo a renda familiar per capita (nesse caso, 500 reais mensais). É esta
renda familiar per capita que deve ser comparada, para que se possa
saber a distribuição de renda no país. Se isto não for feito, se estaria
superestimando, por exemplo, o número de pobres em uma determinada
sociedade. No caso acima, o marido seria pobre, e a mulher não, mas, de
fato, o marido não o é, pois, pelo menos em parte, compartilha o nível de
consumo da esposa.
Da mesma forma, ao analisar a estrutura de classes de uma determi-
nada sociedade, deve-se considerar as famílias como unidades, e não os
indivíduos. No caso de classes sociais, em vez da renda, utiliza-se geral-
mente a posição no mercado de trabalho e a ocupação como instrumentos
de mensuração. Desta forma, um casal em que o marido é advogado e a
esposa é operária têxtil estaria em uma única posição de classe. Mas em
qual posição? Como somar a classe do marido e a da esposa de forma
semelhante a que se fez com a renda? Embora haja algumas propostas
metodológicas para combinar as duas posições de classe (Britten e Heath,
1983), defensores da posição “convencional” argumentam que o fato de
a desigualdade de gênero ainda ser tão grande na sociedade moderna faz
com que o uso somente da posição de classe dos maridos, para definir a
estrutura de classes, não implique em erros de mensuração (Erickson e
Goldthorpe, 1993). Ou seja, o número de maridos em posição de classe

123
mais elevada do que as de suas esposas continua sendo tão grande, que
não seria necessário levar em conta a posição de classe das esposas para
se delinear a estrutura de classes de uma dada sociedade.
De certa forma, os defensores da perspectiva “convencional” estão
certos. Estudos empíricos em diversas sociedades industriais, inclusive no
Brasil, comprovam que os maridos continuam a ter posições mais elevadas
no mercado de trabalho do que suas esposas (Scalon, 1999; Erickson
e Goldthorpe, 1993). Conseqüentemente, estudos baseados apenas na
posição de classe de homens representam fidedignamente a estrutura de
classes das sociedades estudadas (Sorensen, 1994). Vale lembrar que os
defensores da perspectiva “convencional” não são ingênuos, uma vez que
consideram que, em famílias nas quais a esposa têm posição de classe
mais elevada, é esta posição que deve ser usada para definir a classe da
unidade familiar (Erickson, 1984). Além disso, pessoas solteiras, de am-
bos os sexos, entrariam como unidades familiares separadas no cálculo
da estrutura de classes. Se a posição relativa de homens e mulheres no
mercado de trabalho se modificar, havendo mais igualdade, aí sim seria
necessário rever a idéia da família como unidade de classe, ou, pelo menos,
seria mais comum medir-se a unidade de classe pela posição de classe
das mulheres. No entanto, nas sociedades contemporâneas (e também no
Brasil) a desigualdade de gênero no mercado de trabalho é tão grande,
que ainda é possível utilizar a posição de classe do marido para definir a
posição de classe da unidade familiar (Scalon, 1999).
Embora os estudos que utilizem a posição de classe do marido para
definir a estrutura de classes não estejam empiricamente errados, não há
a menor dúvida de que são em grande parte limitados, porque deixam de
analisar importantes aspectos da estratificação ligados as desigualdades de
gênero. As unidades familiares não são homogêneas internamente. Famílias
em que marido e esposa, ou outros membros da família, ocupam posições
distintas na hierarquia ocupacional provavelmente disputarão autoridade e
divisão do trabalho dentro da própria família. Será que, em uma família
em que marido e esposa têm posições de classe semelhantes, a disputa
de poder é diferente de em famílias nas quais um dos dois tem posição
superior? Será que as posições de classe internas à família têm relevância
nas inevitáveis disputas de poder entre homens e mulheres?
Para responder a tais perguntas, tem-se que pensar em duas posi-
ções de classe paralelas para cada pessoa, das quais uma deriva-se da
sua família nuclear e outra, de sua posição no mercado de trabalho. É
justamente esta distinção que o sociólogo norte-americano Erick O. Wright
(1997) propõe, ao afirmar que cada indivíduo pode ter uma posição de

124
classe direta e outra indireta. A primeira diz respeito à posição de classe
derivada do trabalho que o indivíduo desenvolve na hierarquia ocupacional,
enquanto a segunda deriva-se da posição de classe dominante no domicílio.
Por exemplo, uma secretária que é casada com um industrial teria uma
posição direta na classe dos trabalhadores não-manuais de rotina e, ao
mesmo tempo, uma posição indireta na classe dos capitalistas. De acordo
com esta perspectiva, as pesquisas na área de estratificação e de análise
de classes estariam interessadas ora na posição de classe direta, ora na
indireta. Esta distinção é muito interessante em termos analíticos, pois
permite uma maior clareza dos objetivos de cada pesquisa.
A partir da idéia de que há posições de classe, diretas e indiretas,
compartilhadas por um mesmo indivíduo, pode-se pensar, de forma mais
clara, em diferentes maneiras de interconexão de família, classe e gênero.
Em cada uma das seções a seguir, analisarei diferentes tipos de interação
de classe e gênero, mas, antes, apresentarei, brevemente, os grupos de
classe elaborados e a metodologia que será utilizada.

3 – Metodologia

Com o objetivo de analisar diferentes formas de relação entre classes


sociais e gênero, classifico os grupos ocupacionais de acordo com uma
metodologia que é amplamente utilizada em pesquisas comparativas de
estratificação social. A partir de uma combinação entre posição na divisão
do trabalho e títulos ocupacional, alocam-se os indivíduos em diferentes
grupos de classe (veja-se Ribeiro, 2007).
Neste capítulo utilizo, infelizmente, apenas três grupos de classe,
além de um grupo de indivíduos fora do mercado de trabalho, uma vez
que, havendo poucos casos na amostra, as tabelas que cruzam mais do
que quatro categorias ficam com várias células vazias.
O primeiro grupo é o dos profissionais, administradores e peque-
nos empregadores (ou pequenos proprietários). Indivíduos neste grupo
se caracterizam ora por possuir altos níveis educacionais, que conferem
relativa autonomia em relação aos empregadores, ora por serem pequenos
empregadores que exercem o controle sobre seus próprios negócios. Em
termos de médias de renda mensal e anos de educação completos, este
grupo, como se pode ver na tabela 1, encontra-se no topo da hierarquia
de classes. Logo a seguir, tem-se a classe dos trabalhadores não-manuais
de rotina, ou seja, o pessoal de escritório e do comércio que ocupa uma

125
posição intermediária no processo produtivo das sociedades contemporâ-
neas. O trabalho dos indivíduos deste grupo é supervisionado por algum
superior e se concentra, geralmente, no setor de serviços. Em termos de
renda mensal de trabalho e anos completos de escolaridade, este grupo
se encontra numa posição intermediária, como fica claro na tabela 1. O
terceiro grupo de classe é composto pelos trabalhadores manuais, em geral
pouco qualificados, que vão desde estivadores até operários da indústria,
passando por trabalhadores rurais. Esta é a classe menos privilegiada no
esquema que utilizo nas análises deste capítulo. Obviamente, esta divisão
é bastante simplificada, mas, mesmo assim, representa três posições de
classe distintas em termos de renda e educação, bem como das relações
de emprego que as caracterizam.
Finalmente, a tabela 1 mostra as médias de renda mensal e os anos
de educação completos para um quarto grupo de indivíduos. Este gru-
po não constitui propriamente uma classe social, já que é composto por
indivíduos que estão fora do mercado de trabalho. No caso dos entrevis-
tados do sexo masculino, este grupo contabiliza os desempregados e, no
caso dos respondentes do sexo feminino, é constituído por aquelas que se
definiram como “do lar”, ou seja, donas de casa. Há apenas um homem
que se definiu como “do lar” (como “dono” de casa). Embora este quarto
grupo não constitua um agregado minimamente homogêneo, uma vez que
pode consistir de um conjunto de pessoas com rendas familiares e níveis
educacionais distintos, é importante, em análises sobre classe e gênero,
que se definiam os indivíduos nesta categoria.

Tabela 1 – Categorias de classe e respectivas médias de renda individual


mensal e de anos de educação completos: Brasil, 2003

Renda Educação

1 Prof, Adm e Prop. 1116 11

2 Nao-manual de Rotina 619 9

3 Trab Manuais 378 5

4 “Do lar” ou “Desemp.” 274 6

Coeficiente de correlação 0,40 0,45

Nota: Inclui todos os entrevistados (homens e mulheres)

126
Utilizam-se os quatro grupos acima para se definir a posição de classe
direta de homens e mulheres nas análises sobre mobilidade social e ca-
samento. Na seção sobre divisão do trabalho doméstico, a posição direta
de classe de maridos e esposas é cruzada, formando diferentes tipos de
composições familiares de classe. Estes tipos de família são utilizados nas
analises estatísticas como variáveis independentes.
No restante deste capítulo, utilizo três tipos de análises: estatísticas
descritivas ou percentuais, para descrever as diferentes distribuições de
interesse; modelos log-lineares, para desvendar os padrões de associação
entre classes de origem e destino ou classes de maridos e esposas (neste
caso, descreverei as taxas relativas de mobilidade e casamento, respectiva-
mente), e regressões lineares (usando o método dos mínimos quadrados),
para analisar o efeito de diversas variáveis independentes sobre a proba-
bilidade de diminuir a desigualdade na divisão do trabalho doméstico.

4 – Mobilidade Social

As análises dos padrões de mobilidade intergeracional entre pais


ou mães e seus filhos ou filhas serão interpretadas com o objetivo de: (1)
delinear diferenças de gênero nas posições de classe, (2) verificar o efeito
relativo das origens de classe e da diferença de gênero na determinação
das chances de mobilidade social, e (3) verificar em que medida a análise
dos padrões de mobilidade intergeracional de homens é suficiente para
se estudar a formação de classes da sociedade. Nos dois primeiros casos,
interessa-me a posição de classe direta de homens e mulheres e, no terceiro,
a posição de classe indireta, definida pela família.
Para verificar se as posições de classe diferenciam-se por gênero,
deve-se observar os percentuais nas colunas que descrevem o destino de
classe nas distribuições que se baseiam na relação entre a classe dos pais
e a dos filhos e filhas na tabela 2, a seguir (a conclusão não mudaria, se
se interpretassem os números referentes à comparação da classe de mães
e filhos ou filhas).4 Ao observar os dados que descrevem a posição de
classe de homens e mulheres em casais em que ambos estão no mercado
de trabalho, fica claro que há mais homens na classe de trabalho manual
e mais mulheres na classe de trabalho de rotina não-manual: 67% dos

4
Os percentuais são distintos porque se baseiam em tabelas diferentes: a que cruza
a classe dos pais com os fi lhos ou fi lhas e a das mães com os fi lhos ou fi lhas.

127
homens estão no trabalho manual e 59% das mulheres exercem este tipo
de trabalho, em contraposição a 27% das mulheres que estão no trabalho
de rotina não-manual e a 20% dos homens nesse mesmo tipo de trabalho.
Estes dados comprovam que os homens têm maiores chances de desenvolver
trabalho manual, ao passo que as mulheres têm maiores chances de entrar
no setor de serviços (comercio e escritório). Claramente, há indícios de
uma divisão de gênero entre estas duas posições de classe. Os dados sobre
casais em que ambos o marido e a esposa estão no mercado de trabalho
também indicam que um percentual de 14%, tanto de homens quanto de
mulheres, se encontra na classe de profissionais.
Deve-se interpretar esses números percentuais de maneira algo distinta
ao se analisarem as informações referentes a todos os casais. Neste caso,
observa-se que, em todas as classes, há um percentual maior de homens
do que de mulheres, em conseqüência do fato de que 41% das mulheres
estão na categoria “do lar”. Ou seja, de cada cinco mulheres casadas, duas
são donas de casa. Na última seção deste capítulo analisarei a divisão do-
méstica do trabalho tanto em famílias em que ambos o marido e a esposa
estão no mercado de trabalho quanto em famílias que incluem donas de
casa e homens desempregados. Estas análises indicarão se a participação
das mulheres no mercado de trabalho implica numa diminuição da desi-
gualdade na divisão do trabalho doméstico.
Os dados descritos acima, e apresentados na tabela 2, confirmam
a expectativas da literatura sobre estratificação e gênero (Baron, 1984,
1992; Tilly, 1998) segundo as quais as relações de gênero e de classe se
complementam reciprocamente, na medida em que a própria organização
da divisão do trabalho se identifica com a distinção de gênero. Dados mais
detalhados mostram que certas ocupações são tipicamente desenvolvidas
por mulheres, enquanto outras se destinam aos homens. Obviamente,
esta divisão do trabalho em gêneros funda-se em aspectos culturais que
determinam certas atividades como sendo tipicamente masculinas e outras
como sendo femininas. Caminhoneiros ou estivadores, por exemplo, são
geralmente homens e manicures e telefonistas, ocupações desempenhadas,
na maioria das vezes, por mulheres. Desta forma, a divisão do trabalho e
de gênero se complementa na estratificação das sociedades.

128
Tabela 2 – Distribuição de classes de origem e destino e taxas absolutas
de mobilidade intergeracional para homens e mulheres, tabelas de mo-
bilidade do pai para o filho(a) e da mãe para o filho(a), Brasil 2003 (em
números percentuais %)
Mobilidade do pai para o fi lho ou fi lha
Todos Só respondentes no mercado de trabalho
Origem Destino Origem Destino
Classes Sociais
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

1 Prof., Adm., e Pq Empr. 9 10 12 9 9 12 14 14


2 Trab. nao-manuais rotina 10 9 18 16 10 9 20 27
3 Trab. manuais urb e rur 81 80 61 35 81 79 67 59
4 Do lar ou desempr. - - 8 41 - - - -
Total 100 100 100 100 100 100

Taxas Absolutas de Mobilidade Homens Mulheres Homens Mulheres

Mobilidade Total 36 64 30 38
Mobilidade Ascendente* 20 16 22 27
Mobilidade Descendente* 7 7 8 11
Entrada no dest. “do lar ou desemp.” 8 41 - -
Índice de Dissimilaridade - - 14 20

Mobilidade da mae para o fi lho ou fi lha


Todos Só respondentes no mercado de trabalho

Classes Sociais Origem Destino Origem Destino

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

1 Prof., Adm., e Pq Empr. 3 4 12 8 8 8 11 12


2 Trab. nao-manuais rotina 4 5 18 16 6 10 18 22
3 Trab. manuais urb e rur 40 50 62 35 86 82 71 66
4 Do lar ou desempr. 52 41 8 42 - - - -
Total 100 100 100 100 100 100 100 100

Taxas Absolutas de Mobilidade Homens Mulheres Homens Mulheres

Mobilidade Total 65 57 29 32
Mobilidade Ascendente* 10 8 22 23
Mobilidade Descendente* 3 3 7 8
Entrada no dest. “do lar ou desemp.” 4 23 - -
Saida da orig.”do lar ou desemp.” 48 22 - -
Imob. na cat. “do lar ou desemp.” 4 19 - -
Índice de Dissimilaridade 44 16 15 16

* Estas taxas nao incluem a categoria “4 – Do lar ou desempr.” porque não é possível determinar se há
verticalidade da mobilidade nestes casos

129
Conforme dito acima, as análises sobre mobilidade e posição de
classe também são importantes para que se possa comparar as chances
de mobilidade social de homens e mulheres. A tabela 2 mostra algumas
taxas absolutas de mobilidade social para homens e mulheres (em casais
em que ambos estão no mercado de trabalho e em todos os casais) em
relação a seus pais e suas mães.
As taxas de mobilidade absoluta para homens e mulheres casados
indicam que 20% dos homens tiveram mobilidade ascendente em re-
lação a seus pais e 10% em relação a suas mães, ao passo que 16%
das mulheres tiveram mobilidade ascendente em relação a seus pais e
8% em relação a suas mães. Os dados para a mobilidade em relação à
mãe são de interesse por mostrar que 19% das mulheres que são do-
nas de casa são fi lhas de donas de casa e 23% são fi lhas de mulheres
que estavam no mercado de trabalho. Metade das donas de casa são
fi lhas de mulheres que também são donas de casa. Embora os dados
indiquem que os homens têm mais chances de mobilidade ascendente
do que as mulheres, esta interpretação muda quando se observam os
dados referentes aos casais em que ambos o marido e a esposa estão
no mercado de trabalho. Neste caso, os percentuais são mais próximos:
22% dos homens casados com mulheres que estão no mercado de tra-
balho tiveram mobilidade ascendente em relação a seus pais e 29%
em relação a suas mães. Dentre as mulheres no mercado de trabalho,
38% tiveram mobilidade ascendente em relação a seus pais e 32% em
relação a suas mães.
Em suma, quando se consideram todos os casais, observa-se que os
homens têm chances maiores de mobilidade ascendente do que as mu-
lheres, mas, quando se consideram os homens casados com mulheres no
mercado de trabalho e as mulheres no mercado de trabalho, as chances
de mobilidade são maiores para as mulheres. Ou seja, para os casais
em que ambos o marido e a esposa estão no mercado de trabalho, as
taxas de mobilidade ascendente, mobilidade descendente e imobilidade
são mais semelhantes entre si do que essas mesmas taxas para ambos
os tipos de casais, o que indica uma melhor situação das mulheres que
estão no mercado de trabalho, quando comparadas a seus maridos.
Embora interessantes, estas comparações de taxas absolutas de
mobilidade não permitem definir aquilo que é mais determinante das
chances de mobilidade social: a classe ou o gênero. Para se determinar
se os padrões de mobilidade de homens e mulheres com origens na
mesma classe são distintos, tem-se que lançar mão de modelos estatís-
ticos mais complicados. Na tabela 1 do anexo, apresento o resultado do

130
ajuste de três modelos log-lineares a quatro tabelas de mobilidade. Os
dados analisados são os seguintes: (I) uma tabela que cruza três classes
de pais com três classes de destino para homens e mulheres em casais
em que ambos o marido e a esposa estão no mercado de trabalho, (II)
uma tabela que cruza três classes de mães com três classes de destino
para homens e mulheres em casais em que ambos estão no mercado de
trabalho, (III) uma tabela que cruza três classes de pais com três classes
de destino para homens e mulheres em todos os tipos de casais, e (IV)
uma tabela que cruza três classes de pais com três classes de destino
para homens e mulheres em todos os tipos de casais.
Utilizei três modelos log-lineares para analisar cada uma destas
tabelas (veja-se o ajuste destes modelos na tabela 1, em anexo). Estes
modelos são de interesse porque seu ajuste aos dados possibilita que se
verifiquem hipóteses simples e sociologicamente significativas. O pri-
meiro modelo é o de mobilidade perfeita; se este modelo se ajustar aos
dados, pode-se dizer que as classes de origem não são relevantes para
explicar as chances de mobilidade de indivíduos. É muito pouco provável
que este modelo se ajuste aos dados, tendo-se em vista que, em todas
as sociedades estudadas até hoje, ele nunca se mostrou verdadeiro; no
entanto, ele serve como um modelo de base. O segundo modelo é o de
associação constante, que testa a hipótese de que o impacto da origem
de classe nas chances de mobilidade é o mesmo para homens e mulhe-
res. Ou seja, se este modelo se ajustar aos dados, pode-se afi rmar que
homens e mulheres com as mesmas origens de classe têm chances iguais
de mobilidade social. O terceiro modelo testa a hipótese de que homens
e mulheres com a mesma origem de classe têm chances diferentes de
mobilidade social.
O ajuste destes três modelos às quatro tabelas descritas anterior-
mente indica que o segundo modelo é o que melhor se ajusta a todas
as tabelas. Portanto, não se pode rejeitar a hipótese de que: homens e
mulheres têm chances iguais de mobilidade social, ou seja, é a classe
social de origem (que pode ser medida tanto pela classe da mãe quanto
pela do pai) que determina as chances relativas de mobilidade social.
Não há diferença de gênero.
As freqüências esperadas que se derivam de cada um destes modelos
permite que se comparem as chances relativas de mobilidade social de
homens e mulheres, levando-se em conta sua classe de origem, medida
ora pela classe do pai, ora pela da mãe. Veja-se um exemplo destas
chances relativas: homens e mulheres cujas mães estavam na classe
de profissionais e pequenos proprietários (classe 1) têm 12 vezes mais

131
chances de permanecer nesta classe, em vez de descer para a classe de
trabalhadores manuais, do que homens ou mulheres cujas mães esta-
vam na classe de trabalhadores manuais. Estas chances relativas são as
mesmas para homens e mulheres, porém muito diferentes para fi lhos ou
fi lhas de trabalhadoras manuais e profissionais ou proprietárias.
Esta situação não muda muito quando se considera a classe dos pais
em vez da classe das mães. Ou seja, homens ou mulheres cujos pais eram
profissionais ou pequenos proprietários têm 11 vezes mais chances de
permanecer nesta classe do que homens ou mulheres cujos pais eram
trabalhadores manuais. Estas chances relativas confi rmam que há muita
desigualdade de oportunidades de mobilidade social entre indivíduos
cujas origens de classe são distintas, mas não há desigualdade entre
homens e mulheres na distribuição destas oportunidades. Em outras
palavras, as chances relativas de mobilidade social são determinadas
antes pela classe de origem do que pelo gênero dos indivíduos
Além de indicar que homens e mulheres têm chances semelhantes
de mobilidade social, o ajuste do modelo de associação constante nas
tabelas acima reforça a conclusão de trabalhos anteriores segundo a qual
se pode estudar a estrutura de classes da sociedade brasileira a partir
da análise das chances de mobilidade dos homens que são chefes de
família. Tendo-se em vista que 41% das mulheres casadas são donas
de casas e que não há diferença nas chances relativas de mobilidade
social de homens e mulheres, é mais prudente descrever a estrutura de
classes da sociedade partindo-se da posição de classe dos maridos como
definidora da posição de classe das famílias. Ou seja, se o objetivo for
descrever a estrutura de classes brasileira e os padrões de mobilidade
que a formam, deve-se continuar analisando os dados para os homens.
No entanto, se o objetivo da análise for discutir diferenças na posição de
classe diretas de homens e mulheres, deve-se fazer análises comparativas
de gênero, como o fi z nesta seção.
As análises mostraram, entre outras coisas, que as chances de mo-
bilidade são definidas pela classe de origem e não pelo gênero dos in-
divíduos. No que diz respeito às chances de mobilidade social, a classe
é mais determinante do que o gênero.

132
5 – Casamentos: Homogamia e Heterogamia

Ao descrever padrões de casamento de acordo com a classe social de


maridos e esposas, proponho interpretações semelhantes às que sugeri para
os padrões de mobilidade social. Estes padrões de casamento indicam: (1) se
se pode considerar a classe social dos maridos como um bom indicador da
classe social da família, (2) uma possível distribuição de poder interna aos
casais, e (3) a rigidez da estrutura de classes em termos de permeabilidade
matrimonial de suas fronteiras. No primeiro tipo de interpretação interessa
saber se, em geral, os maridos têm posições de classe superiores às de
suas esposas e quais são estas desigualdades de posições. Caso realmente
haja este tipo de desigualdade interna aos casais, ter-se-á mais evidências
de que a posição de classe dos maridos é um bom indicador da posição
de classe das famílias. Proponho uma segunda interpretação dos mesmos
dados visando a verificar a possível distribuição de poder derivada desta
desigualdade interna dos casais. A saber, é possível que a desigualdade na
posição de classe entre maridos e esposas esteja relacionada a comprometi-
mentos distintos com a divisão doméstica do trabalho e/ou com o mercado
de trabalho. Desta forma, pode-se estudar a desigualdade interna, em
termos de posição de classes, não só porque ela traz mais evidências para
que se entenda a posição de classe das famílias, mas também porque se
pode vê-la como um indicador da distribuição de poder dentro dos casais
brasileiros. Finalmente, as taxas relativas de casamento indicam o grau
de fluidez matrimonial de classe. Caso haja fluidez alta (pouca associação)
entre as classes de maridos e esposas, então se poderá dizer que há pouca
rigidez de classes no mercado matrimonial brasileiro.
A tabela 3 mostra distribuições de classe em todos os casais pes-
quisados e nos casais em que ambos os cônjuges estão no mercado de
trabalho. Também apresenta algumas taxas absolutas de casamento inter
e intra-classes.
As duas primeiras colunas da tabela 3 revelam que, nos casais bra-
sileiros, os maridos têm posição de classe superior às das esposas. 12%
dos maridos, por exemplo, estão na classe de profissionais e pequenos
proprietários, ao passo que 8% das esposas estão nesta mesma classe. A
informação que mais se destaca é a de que 55% das esposas estão fora
do mercado de trabalho, isto é, são donas de casa ou, em alguns poucos
casos, estão desempregadas. Na parte da tabela 3 que apresenta as taxas
absolutas de casamento, encontram-se outras informações importantes
sobre todos os casais. Por exemplo, enquanto 59% das esposas se casam

133
com maridos que têm posições de classe superiores, apenas 12% dos
maridos se casam com mulheres que tenham posições superiores às deles.
Estas informações são evidências de que, na grande maioria dos casais
brasileiros, os homens têm posições de classe superiores às de suas es-
posas. Desta forma, as evidências continuam a indicar que a posição de
classe dos maridos parece ser adequada para medir a posição de classe
das famílias. Esta conclusão é uma conseqüência direta da desigualdade
de classes entre homens e mulheres, ou seja, é justamente porque os
homens têm posições de classe superiores às mulheres que ainda se deve
utilizar estas posições masculinas para definir a estrutura de classes da
sociedade como um todo.
Este tipo de interpretação se modifica um pouco quando se consideram
apenas os casais em que ambos o marido e a esposa estão no mercado
de trabalho. Nesses casos, há mais igualdade entre os cônjuges. As duas
últimas colunas da primeira parte da tabela 3 indicam que, em casais
cujos cônjuges estão no mercado de trabalho, a distribuição de classes é
mais parecida. Nesses casais, 18% dos maridos e 19% das esposas estão
na classe de profissionais e pequenos proprietários, 21% dos maridos e
24% das esposas estão na classe de trabalhadores de rotina não-manual,
e 61% dos maridos e 57% das esposas estão na classe de trabalhado-
res manuais. Além disso, 63% dos casamentos dão-se entre homens e
mulheres com a mesma posição de classe (homogamia total). Um dado
interessante sobre estes casais, em que ambos os cônjuges estão no mer-
cado de trabalho, é que 21% dos homens e 16% das mulheres casam-se
com pessoas de classes mais altas. O que é surpreendente nesses tipos de
casal é que há mais homens que se casam com mulheres de classes mais
altas do que mulheres que se casam com homens de classes mais altas.
Obviamente, como se viu relativamente aos dados de todos os casais, este
padrão não é dominante nos casais brasileiros, mas apenas nos casais em
que ambos os cônjuges estão no mercado de trabalho. De fato, os dados
indicam que há pouca desigualdade de classe nos casais em que ambos
estão no mercado de trabalho e muita desigualdade de classe nos casais
brasileiros em geral.

134
Tabela 3 – Distribuição de classe de maridos e esposas, e taxas absolutas
de homogamia e heterogamia de classe para todos os casais, e casais
em que ambos estão no mercado de trabalho: Brasil 2003 (em números
percentuais %)

Todos os Casais Casais no Merc Trab

Classes Maridos Esposas Maridos Esposas

1 Prof., Adm., e Pq. Propr. 12 8 18 19

2 Trab. nao-manuais rotina 19 11 21 24

3 Trab. manuais urb. e rur. 63 25 61 57

4 Do Lar ou desempregado 7 55 - -

Total 100 100 100 100

Taxas absolutas de casamento

Tabela incluindo todos os casais

Heterogamia total 71 Percentual de casais em que 52


espo. e “do lar”
Homogamia total 29

Casamentos asc. maridos 12

Casamentos asc. esposas 59 Percentual de casais em q 4


marido e desemp
Ind. Diss. Todos 49

Tabela incluindo casais em que ambos estão no mercado de trabalho

Heterogamia total 37

Homogamia total 63

Casamentos asc. maridos 21

Casamentos asc. esposas 16

Ind. Diss. Todos 5

O terceiro tema que me propus a analisar foi o do grau de fluidez


no mercado matrimonial brasileiro. Para realizar estas análises, utilizei
alguns modelos log-lineares, cujas estatísticas de ajuste se encontram na
tabela 2, em anexo, a fim de desvendar o grau de associação entre as
classes dos maridos e das esposas. O modelo selecionado para descrever
a associação estatística na tabela 4, por 4, incluindo-se todos os casais
(inclusive maridos desempregados e mulheres do lar) revela que há forte
associação entre a classe do marido e a da esposa. A melhor maneira de

135
se descrever esta associação é a partir de algumas das chances relativas
de casamento entre classes. Vejam-se alguns exemplos:

1. homens na classe de profissionais e pequenos proprietários têm


17 vezes mais chances de se casarem com donas de casa do que
homens da classe de trabalhadores manuais,

2. homens na classe de profissionais e pequenos proprietários têm


28 vezes mais chances do que homens da classe de trabalhado-
res manuais de se casarem com mulheres que estejam na classe
de profissionais, em vez de se casarem com mulheres que sejam
trabalhadoras manuais, e

3. homens na classe de profissionais e pequenos proprietários têm


1,8 vez mais chances do que homens na classe de trabalhadores
de rotina não-manual de se casarem com mulheres que estejam na
classe de profissionais, em vez de se casarem com mulheres que
estejam na classe de trabalhadores de rotina não-manual.

Esses três exemplos bem representam as características da associa-


ção entre classes de maridos e esposas no Brasil. Em geral, homens das
classes mais altas tendem a se casar ora com mulheres das classes mais
altas, ora com donas de casa. Há fortes barreiras para casamentos entre a
classe de “profissionais e pequenos proprietários” e a classe de trabalha-
dores manuais. Estas constatações indicam que o mercado matrimonial
no Brasil é fortemente estruturado por barreiras de classe. A associação
estatística entre classe de maridos e esposas revela que há barreiras rígi-
das para casamentos entre pessoas de classes altas e baixas, e barreiras
fracas para casamentos entre pessoas de classes sociais hierarquicamente
próximas. Além disso, o modelo indica que os homens das classes altas
têm chances maiores de se casarem com donas de casa do que os homens
das classes baixas.
Em suma, todos os dados analisados nesta seção indicam que há forte
homogamia de classes no Brasil. Os homens tendem a se casar ou com
mulheres que tenham posições de classe semelhantes às suas, ou que sejam
donas de casa. Os eventuais casais inter-classes são geralmente compostos
por maridos que têm posição de classe direta superior à de suas mulheres.
Estes padrões revelam uma forte rigidez e tradicionalismo no mercado
matrimonial brasileiro.

136
6 – Divisão do Trabalho Doméstico

Será que os padrões de distribuição de posições de classe entre mari-


dos e esposas descritos acima têm algum efeito sobre a divisão do trabalho
doméstico? Embora casamentos em que a esposa esteja em posição de
classe superior à de seu marido sejam pouco freqüentes, será que, nesses
tipos de casais, os homens ajudam mais nas tarefas domésticas? Enfim,
será que há algum efeito de classe sobre a divisão do trabalho doméstico,
ou esta divisão é puramente determinada pela distinção de gênero? Nesta
seção procuro dar respostas para estas questões.
Para responder estas perguntas, adoto a seguinte estratégia metodo-
lógica:

1. Descrevo as respostas de homens e mulheres casados sobre o mon-


tante de trabalho doméstico que seus cônjuges realizam. Analiso
separadamente as respostas de homens e mulheres, pois parto do
pressuposto de que as percepções de maridos e esposas sobre a
divisão do trabalho doméstico são distintas. Os maridos podem
achar, por exemplo, que fazem mais do que as esposas pensam
que eles fazem ou vice-versa.

2. Analiso a distribuição da percepção sobre a divisão do trabalho


doméstico de acordo com diferentes tipos de composição de classe
dos casais. Ou seja, verifico se as porcentagens de trabalho do-
méstico atribuídas aos cônjuges por homens e mulheres variam
de acordo a combinação entre classe direta de maridos e esposas.
Estas descrições permitem observar se há diferenças na divisão
do trabalho doméstico entre, por exemplo, os casais em que os
maridos estão em classes inferiores às de suas mulheres e os
casais em que eles estejam em classes superiores ou iguais às de
suas mulheres.

3. Finalmente, estimo modelos de regressão múltipla (pelo método dos


mínimos quadrados) para verificar quais são os principais fatores
relacionados à divisão doméstica do trabalho.

Estes três tipos de análise são realizados tanto para casais em que
ambos os cônjuges estão no mercado de trabalho quanto para todos os
casais, que incluem mulheres donas de casa e maridos desempregados.

137
6.1 – Distribuição percentual da divisão do trabalho doméstico

A tabela 4 mostra a distribuição percentual das respostas que homens


e mulheres (em todos os casais e em casais com ambos os cônjuges no
mercado de trabalho) deram a uma série de perguntas sobre a divisão do
trabalho doméstico. Na última coluna, apresento um índice de trabalho
doméstico total, que é a soma ponderada das respostas referentes às ativi-
dades descritas nas colunas anteriores – para a metodologia de ponderação,
veja-se Wright (1997:306).
Nos dados referentes a todos os tipos de casais, pode-se ver que 81,9%
das mulheres dizem que sempre fazem o trabalho doméstico, enquanto
36,2% dos maridos afirmam que a divisão do trabalho doméstico é igua-
litária. Obviamente, há uma clara diferença na percepção de maridos e
de esposas acerca da divisão doméstica do trabalho. As esposas tendem a
dizer que fazem quase todo o trabalho, e os maridos, embora reconheçam
que não fazem quase todo o trabalho, tendem a dizer que fazem mais do
que suas esposas percebem.
Os padrões são semelhantes para os casais em que ambos os cônjuges
estão no mercado de trabalho, embora haja uma leve tendência dos maridos
e de suas esposas a reconhecerem que há um pouco mais de divisão de
trabalho. Nestes tipos de casais, 69% das mulheres afirmam que sempre
fazem o trabalho doméstico (veja-se a última coluna), e 40% dos homens
dizem que a distribuição é igualitária. Poderíamos imaginar, de acordo
com a literatura feminista, que os homens tendem a ser mais indulgentes
e as mulheres, realistas em suas percepções sobre a divisão do trabalho
doméstico. Adotando-se esta perspectiva, pode-se estimar que, em todos os
tipos de casais (ou seja, no conjunto que representa os casais brasileiros),
as mulheres tendem a fazer 4/5 do trabalho doméstico. Ao observar os
dados referentes aos casais em que ambos os cônjuges estão no mercado
de trabalho, estimo que as esposas fazem 2/3 do trabalho doméstico. Em-
bora haja, aparentemente, menos desigualdade na distribuição do trabalho
nos casais em que ambos trabalham fora de casa, os números brasileiros
são semelhantes aos de outros países, onde os homens tendem a afirmar
que os maridos fazem entre 20% e 30% do trabalho doméstico (veja-se
Wright, 1997:288). Esta semelhança entre diversos países é impressio-
nante e, certamente, trata-se de uma regularidade que convida a maiores
especulações teóricas.

138
Tabela 4 – Distribuição percentual da contribuição de cada cônjuge
para o trabalho doméstico no Brasil, 2003

Todos os tipos de casais


Lava e Trabalho Trabalho
Compra Limpa a Lava os Cuida das
Frequencia que faz passa
comida casa
Cozinha
pratos
doméstico
Criancas
doméstico
roupa de rotina total
Respondentes Mulheres
Sempre eu 81,2 42,6 71,6 74,4 69,1 81,5 71,3 81,9
Geralmente eu 12,4 13,8 15,9 12,4 15,1 13,9 25,7 13,9
Igualmente 4,9 27,8 10,6 10,7 11,8 3,5 2,5 3,4
Geralmente meu cônjuge 1,0 8,9 1,3 1,5 3,2 1,1 0,5 0,8
Sempre meu cônjuge 0,5 6,9 0,5 1,0 0,8 0,0 0,0 0,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Media 12,5 21,9 14,1 13,9 15,3 14,7 16,0 14,8
N 388 406 377 394 372 475 202 475
Respondentes Homens
Sempre eu 2,1 17,1 3,6 3,5 5,3 2,3 4,2 2,3
Geralmente eu 1,2 7,4 1,9 2,1 2,9 3,9 8,5 4,3
Igualmente 8,1 36,9 16,6 15,6 21,4 35,2 47,3 36,2
Geralmente meu cônjuge 42,1 19,4 36,1 34,3 33,2 44,4 21,8 44,4
Sempre meu cônjuge 46,4 19,1 41,8 44,4 37,3 14,2 18,2 12,8
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Media 42,7 31,8 40,8 41,1 39,0 40,2 36,9 40,1
N 420 444 416 423 416 486 165 486

Respondentes em casais em que ambos estão no mercado de trabalho

Lava e Trabalho Trabalho


Compra Limpa a Lava os Cuida das
Frequencia que faz passa
comida casa
Cozinha
pratos
doméstico
criancas
doméstico
roupa de rotina total
Respondentes Mulheres
Sempre eu 73,2 34,5 60,9 65,0 58,9 68,3 63,8 69,1
Geralmente eu 15,3 16,4 18,5 14,1 14,6 23,1 31,9 23,0
Igualmente 8,9 32,2 18,5 17,2 21,2 7,9 0,9 7,2
Geralmente meu cônjuge 1,9 10,5 2,0 2,5 4,6 0,7 0,0 0,7
Sempre meu cônjuge 0,6 6,4 0,0 1,2 0,7 0,0 0,0 0,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 96,6 100,0
Media 14,0 23,5 16,0 16,3 17,4 16,6 17,3 16,6
N 157 171 151 163 151 139 47 139
Respondentes Homens
Sempre eu 1,9 14,9 5,2 5,1 5,2 2,1 2,1 2,1
Geralmente eu 1,3 8,0 2,6 3,2 3,3 5,6 12,5 7,0
Igualmente 12,8 42,9 18,8 19,2 29,4 42,0 56,2 40,6
Geralmente meu cônjuge 42,3 17,7 35,7 32,7 31,4 38,4 16,7 39,8
Sempre meu cônjuge 41,7 16,6 37,7 39,7 30,7 11,9 12,5 10,5
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Media 42,00 30,80 39,90 39,80 37,70 39,20 36,48 39,14
N 156 175 154 156 153 143 48 143

139
6.2 – Tipos de família e divisão doméstica do trabalho

Numa primeira tentativa de verificar se as diferentes combinações de


classes nos casais brasileiros podem ter impacto sobre a divisão do traba-
lho doméstico, descrevo o percentual de trabalho doméstico que homens e
mulheres destes tipos de família declaram que seus cônjuges realizam. Os
tipos de família são simplesmente algumas combinações possíveis entre as
posições de classe diretas de maridos e esposas. Tendo em vista que, em
alguns casos, há poucas famílias, tive que fazer algumas simplificações. Para
os dados sobre casais que incluem donas de casa e homens desempregados,
elaborei os seguintes tipos de família: (1) profissionais casados com profis-
sionais, (2) profissionais casados com trabalhadores de rotina não-manual,
(3) profissionais casados com trabalhadores manuais, (4) marido profissional
com mulher dona de casa, (5) ambos trabalhadores de rotina não-manual,
(6) marido trabalhador de rotina não-manual e mulher trabalhadora manual,
(7) marido trabalhador de rotina não-manual e mulher dona de casa, (8)
marido trabalhador manual e mulher trabalhadora de rotina não-manual,
(9) ambos trabalhadores manuais, (10) marido trabalhador manual e mulher
dona de casa, (11) marido desempregado e mulher empregada em qualquer
classe, e (12) ambos fora do mercado de trabalho.
Para os dados que incluem apenas os casais em que ambos os côn-
juges estão no mercado de trabalho, construí sete tipos de família: (1)
ambos profissionais, (2) profissional casado com trabalhador de rotina
não-manual, (3) profissional casado com trabalhador manual, (4) ambos
o marido e a esposa trabalhadores de rotina não-manual, (5) marido tra-
balhador de rotina não-manual e mulher trabalhadora manual, (6) marido
trabalhador manual e mulher trabalhadora de rotina não-manual, e (7)
ambos trabalhadores manuais.
A tabela 5 mostra a média do percentual do trabalho doméstico
realizado pelo cônjuge em cada um destes tipos de família, de acordo
com a declaração de maridos e esposas. Algumas hipóteses podem ser
avaliadas a partir destes dados. Inicialmente, deve-se verificar se a dis-
tribuição do trabalho doméstico é mais igualitária em famílias em que
ambos os cônjuges estão na mesma classe social. Em seguida, pode-se
observar se, em casais em que a esposa tenha posição de classe mais alta
do que a do marido, a divisão do trabalho doméstico é mais equânime do
que em famílias nas quais o marido tem posição de classe mais alta ou
semelhante à da esposa.
A primeira observação que deve ser destacada é a de que as mulheres,
em qualquer tipo de família, declaram que seus maridos fazem em torno

140
de um terço do trabalho doméstico. Na realidade, o percentual varia entre
27% e 36%, entre os diferentes tipos de casais. É fácil concluir que a
variação das respostas não é grande entre os tipos de casais.
Os maridos, por sua vez, declaram que suas esposas realizam entre
4/5 e 2/3 do trabalho doméstico. O percentual varia entre 59%, no caso
de famílias em que o marido está desempregado e a esposa está empre-
gada em qualquer uma das classes, e 84%, no caso em que o marido
é trabalhador de rotina não-manual e a esposa é trabalhadora manual.
Nas respostas dos homens, somente nos casos em que eles estão fora do
mercado de trabalho é que há uma contribuição um pouco maior na di-
visão do trabalho doméstico. Mas, de um modo geral, os dados indicam
claramente que o tipo de composição de classe dos casais não tem efeito
significativo sobre a divisão do trabalho doméstico.

Tabela 5 – Percentual do Trabalho Doméstico Realizado pelo Conjuge


Segundo Respondente, Brasil 2003. Tipo de família entre parênteses
(explicação no texto)
Domicílios com casais (marido e esposa)
Todos os respondentes (N = 746)
Classe de Trabalho do Marido
Prof, Adm e Nao-manual de
Classe de Trabalho da Esposa Trab Manuais Desempregado
Prop. Rotina
Prof, Adm e Prop. 55 58 63 42
Nao-manual de Rotina 58 44 55 42
Trab Manuais 63 55 58 42
Do lar 56 55 61 41
Respondentes mulheres (N = 349)
Classe de Trabalho do Marido
Prof, Adm e Nao-manual de
Classe de Trabalho da Esposa Trab Manuais Desempregado
Prop. Rotina
Prof, Adm e Prop. 36 (1) 35 (2) 35 (3) 36 (11)
Nao-manual de Rotina 35 (2) 30 (5) 34 (8) 36 (11)
Trab Manuais 35 (3) 33 (6) 33 (9) 36 (11)
Do lar 29 (4) 27 (7) 27 (10) 28 (12)
Respondentes Homens (N = 397)
Classe de Trabalho do Marido
Prof, Adm e Nao-manual de
Classe de Trabalho da Esposa Trab Manuais Desempregado
Prop. Rotina
Prof, Adm e Prop. 71 (1) 73 (2) 70 (3) 59 (11)
Nao-manual de Rotina 73 (2) 83 (5) 82 (8) 59 (11)
Trab Manuais 70 (3) 84 (6) 78 (9) 59 (11)
Do lar 77 (4) 81 (7) 84 (10) 68 (12)

141
Domicílios em que marido e esposa estao no mercado de trabalho
Todos os respondentes (N = 376)
Classe de Trabalho do Marido
Classe de Trabalho da Esposa Prof, Adm e Prop. Não-manual de Rotina Trab Manuais
Prof, Adm e Prop. 55 58 61
Nao-manual de Rotina 58 44 55
Trab Manuais 61 55 58
Respondentes mulheres (N = 188)
Classe de Trabalho do Marido
Classe de Trabalho da Esposa Prof, Adm e Prop. Não-manual de Rotina Trab Manuais
Prof, Adm e Prop. 36 (1) 35 (2) 36 (3)
Nao-manual de Rotina 35 (2) 30 (4) 34 (6)
Trab Manuais 36 (3) 33 (5) 33 (7)
Respondentes Homens (N = 188)
Classe de Trabalho do Marido
Classe de Trabalho da Esposa Prof, Adm e Prop. Não-manual de Rotina Trab Manuais
Prof, Adm e Prop. 71 (1) 73 (2) 80 (3)
Nao-manual de Rotina 73 (2) 83 (4) 82 (6)
Trab Manuais 80 (3) 84 (5) 78 (7)

6.3 – Análises multivariadas

Nas seções anteriores, analisei as distribuições percentuais da divisão


do trabalho doméstico e os desta divisão dentro de famílias com diferentes
composições de classe entre maridos e esposas. De um modo geral, estas
análises indicam que tanto mulheres como homens declaram que a maior
parte do trabalho doméstico é realizado pelas esposas. Também observei
que aparentemente não há variação na divisão do trabalho doméstico entre
famílias com diferentes composições de classe dos cônjuges. Para realizar
um teste final, implementei análises de regressão que incluem diversas
variáveis independentes, as quais poderiam correlacionar-se à divisão do
trabalho doméstico.
Uma vez que o principal interesse era o de verificar se haveria variação
na divisão do trabalho doméstico, de acordo com a composição de classe
dos casais, incluí as variáveis sobre tipo de casal em todas as regressões e
fui adicionando diversas outras variáveis como, por exemplo, educação em
anos completos, renda individual, renda do cônjuge, ideologia de gênero,
presença de empregada doméstica, presença de crianças menores de 5
anos no domicílio, idade do respondente, e horas que o cônjuge trabalha
por semana. Dentre estas variáveis, a única estatisticamente significativa

142
é educação do respondente. Por isto, apresento na tabela 6 os modelos
que incluem o tipo de família e a educação do respondente. Esta tabela
apresenta o resultado de quatro regressões múltiplas que foram estimadas
pelo método dos mínimos quadrados. As duas primeiras incluem todos os
tipos de arranjos familiares e educação para, respectivamente, respon-
dentes homens e mulheres, e as duas últimas incluem apenas casais em
que ambos os cônjuges estão no mercado de trabalho e educação para,
respectivamente, respondentes homens e mulheres. As equações estimadas
têm a seguinte equação:

Y = β0 + β1X1 + β2X2 + ε,

onde Y é a variável dependente (trabalho doméstico), β0 é o termo para a


intersecção, β1 define o efeito de X1, que é o tipo de família (na realidade β1
é um conjunto de estimadores para dicotomias, tendo-se os casais em que
ambos são profissionais como a categoria de referência), β2 define o efeito de
X2, que são os anos de educação do respondente, e ε é o termo de erro.

Tabela 6 – Regressão linear da composiçãoo de classe do casal e outras


variáveis selecionadas no trabalho doméstico do cônjuge
Homens (p) Mulheres (p)
Todos os casais
Categorias de classe
2 Prof + N-M Rotina 0,07 (0,78) 0,11 (0,70)

3 Prof + Manual 0,28 (0,30) -0,04 (0,90)

4 Marido Prof + Mulher do lar 0,18 (0,48) 0,25 (0,30)

5 Ambos Tr Não-manu Rotina 0,48 (0,18) 0,25 (0,31)

6 Marido Rot + Mulher Manual 0,44 (0,12) 0,03 (0,90)

7 Marido Rot + Mulher do lar 0,29 (0,21) 0,35 (0,11)

8 Marido Manual + Mulher Rotina 0,37 (0,17) 0,05 (0,83)

9 Ambos Manual 0,11 (0,63) -0,06 (0,76)

10 Marido Manual + Mulher do lar 0,41 (0,06) 0,28 (0,18)

11 Marido Desemp + Mulher Empr -0,86 (0,01) 0,11 (0,77)

12 Ambos Desemp -0,36 (0,27) -0,04 (0,50)

Educação do respondente -0,03 ´(0,00) 0,25 ´(0,00)

R2 0,14 0,12

N 397 347

143
Homens (p) Mulheres (p)

Casais ambos no mercado de trabalho


2 Prof + N-M Rotina 0,04 (0,88) 0,12 (0,72)

3 Prof + Manual 0,18 (0,54) -0,14 (0,65)

4 Ambos Tr Nao-manu Rotina 0,40 (0,31) 0,23 (0,43)

5 Marido Rot + Mulher Manual 0,33 (0,31) -0,06 (0,84)

6 Marido Manual + Mulher Rotina 0,27 (0,37) 0,03 (0,92)

7 Ambos Manual -0,05 (0,86) -0,19 (0,46)

Educação do respondente -0,06 ´(0,00) -0,06 ´(0,00)

R2 0,13 0,11

N 143 137

“Educação” é a única variável estatisticamente significativa (p > 0,5)


em todas as quatro regressões. No entanto, o efeito é muito pequeno em
três modelos, observando-se um efeito um pouco mais intenso apenas no
caso das respondentes mulheres que incluem todos os tipos de casais, o
qual indica que mulheres com mais anos de educação tendem a ter maridos
que contribuem mais na divisão do trabalho doméstico. Além do efeito da
educação, no modelo para respondentes do sexo masculino que incluem
todos os tipos de casal pode-se observar também que a variável referente
a casais em que o marido está desempregado também é estatisticamente
significativa. O modelo indica, portanto, que maridos desempregados ten-
dem a afirmar que contribuem mais no trabalho doméstico.
Com base nos quatro modelos acima, é preciso limitar as conclusões
que acabo de expor. No entanto, todos estes modelos separam respondentes
do sexo masculino de respondentes do sexo feminino. Neste sentido, estimei
mais uma regressão que inclui respondentes de ambos os sexos e a variável
sexo como única variável explicadora da divisão do trabalho doméstico.
Estes modelos, para todos os tipos de casais e para casais com ambos os
cônjuges no mercado de trabalho, são simples, na medida em que incluem
apenas uma variável independente (sexo), mas são extremamente eficazes;
a saber, explicam, respectivamente, 79% e 71% da variação da variável
dependente. Em Ciências Sociais é muito difícil encontrarem-se modelos
com tal magnitude de poder explicativo. O que isto significa?
Significa, simplesmente, que a divisão do trabalho doméstico é uma
divisão sexual do trabalho em que as esposas fazem muito mais do que
seus maridos. Mais precisamente, pode-se asseverar que respondentes do
sexo masculino, nas análises que incluem todos os tipos de casais, declaram

144
que suas esposas fazem 81% de todo o trabalho doméstico, ao passo que as
mulheres afirmam que seus maridos fazem, em média, apenas 30% desse
trabalho. A análise que inclui apenas os casais em que ambos os cônjuges
estão no mercado de trabalho indicam que os homens declaram que suas
esposas realizam, em média, 78,4% de todo o trabalho doméstico, ao passo
que as mulheres afirmam que seus maridos fazem, em média, 33,6% do
trabalho doméstico. Estas análises indicam, por um lado, que não há dife-
rença dramática entre casais em que ambos os cônjuges trabalham fora de
casa e os outros tipos de casais e, por outro lado, que as mulheres tendem
a declarar que seus maridos fazem um pouco mais do que eles próprios
declaram fazer. Ou seja, enquanto os maridos dizem fazer em torno de 20%
do trabalho doméstico, as esposas tendem a afirmar que eles fazem algo
em torno de 30% desse trabalho. De qualquer forma, não resta dúvidas de
que as mulheres são as principais responsáveis pelo trabalho doméstico.
Embora não seja novidade, o presente capítulo comprova que: há realmente
jornadas duplas para as mulheres brasileiras de todas as classes sociais.

Tabela 7 – Regressão linear simples de gênero em trabalho doméstico do


cônjuge

Todos os casais Casais no mercado de trabalho

Hom e Mulh (p) Hom e Mulh (p)

Gênero -2,53 ´(0,00) -2,23 ´(0,00)

R2 0,79 0,71

N 746 282

Média de trabalho doméstico do cônjuge:


Resp. Homem 4,04 3,92
Resp. Mulher 1,50 1,68

7 – Conclusão

Neste capítulo discuti e apresentei análises sobre as interações entre


gênero e classe na sociedade brasileira. Dois aspectos desta interação
foram investigados: as relações entre classe e gênero na sociedade, e as
relações entre classe e gênero dentro das famílias. Em ambos os casos
observamos diferenças na forma como homens e mulheres se relacionam
com o mercado de trabalho e nas famílias.

145
No mercado de trabalho, observei que há uma divisão sexual da estru-
tura de classes. Ou seja, enquanto os homens se concentram em certas ativi-
dades masculinas, as mulheres fazem trabalhos femininos. Para entendermos
os mecanismos de funcionamento do mercado de trabalho, temos que levar
em conta estas divisões. Meu estudo neste ponto é apenas indicativo e mostra
algumas tendências deste tipo de divisão sexual do mercado de trabalho; no
entanto, as análises são limitadas porque trabalho com um número muito
reduzido de categorias ocupacionais. Em suma, no mercado de trabalho
classe e gênero são dois fatores importantes de estruturação social.
No que tange à mobilidade social, os resultados apontam para conclu-
sões distintas. As chances de mobilidade social não diferem para homens e
mulheres cujos pais estavam na mesma classe de origem deles, ou seja, as
chances de mobilidade social são inteiramente determinadas pela origem
de classes. Além disso, minhas análises indicam que os homens continuam
a ter posição de classe superior à das suas mulheres (ver também Ribeiro,
2007), o que implica em dizer que, para descrever a estrutura de classes
brasileira, basta observarmos a posição de classe dos chefes de família (que
ainda continuam a ser em sua grande maioria homens). Como mostrei em
outro trabalho, há sinais de mudança neste sentido, mas ainda há muita
desigualdade de gênero, o que corresponde, em certa medida, a dizer que
os homens casados continuam a ter posição ocupacional e socioeconômica
superior as de suas esposas. Sendo que um grande percentual das esposas
continua fora do mercado de trabalho, ou seja, se dedicando apenas ao
trabalho doméstico.
Quando observamos os casais em que ambos o marido e a esposa
estão no mercado de trabalho, é possível verificar um pouco menos desi-
gualdade entre suas posições ocupacionais. Por exemplo, em casais em que
ambos estão no mercado de trabalho há inclusive uma tendência marginal
para homens casarem com mulheres que têm maior nível ocupacional do
que eles. Estes dados, no entanto, podem estar sendo influenciados pelo
pequeno número de grupos ocupacionais usado para analisar os dados.
De qualquer forma, algumas das análises indicam que em casais em que
ambos trabalham os padrões de casamento e mobilidade são ligeiramente
diferentes do que para o total dos casais brasileiros.
Finalmente, analiso a divisão sexual do trabalho doméstico. Neste caso
as conclusões são simples e diretas: as mulheres realizam a maior parte do
trabalho doméstico no Brasil e as classes não têm qualquer efeito sobre a
divisão deste tipo de trabalho. Em média, as mulheres brasileiras realizam
80% das tarefas domésticas – média muito maior do que a observada nos
E.U.A e na Suêcia (Wright 1997).

146
Em suma, embora as classes sociais sejam mais importantes do que o
gênero para definir chances de mobilidade social e a estrutura de classes
brasileira possa ser descrita usando a ocupação dos homens como prin-
cipal indicador, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e no
interior das famílias brasileiras é extremamente elevada. Na realidade,
é justamente por causa da grande desigualdade de gênero que ainda é
possível definir a estrutura de classes brasileira utilizando apenas indica-
dores masculinos. Torçamos para que neste próximo milênio mudanças
sejam alcançadas e a diminuição da desigualdade de gênero leve a uma
feminização da estrutura de classes.

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ZELIZER, Viviane. The Social Meaning of Money. Princeton: Princeton
University Press, 1997.

148
Anexo

Tabela 1 – Estatísticas de ajuste de modelos log-lineares estimados para


analisar tabelas de mobilidade intergeracional entre: (I) pai e filho ou filha
no mercado de trabalho (3x3x2), (II) mãe e filha ou filha no mercado de
trabalho (3x3x2), (III) pai e filho ou filha incluindo destino desempregado
(3x4x2), e (IV) mãe filho ou filha incluindo orig e dest “do lar” (4x4x2).
Brasil 2003.

# Model L2 df Bic L m 2 / L 02 p

I. Mobilidade pai para fi lho e para fi lha

1, Perfect mobility 160,10 8 104 100,0% <.001

2, Constant association (CSF) 13,69 4 -14 8,6% ,008

3, Additive layer effect 11,70 3 -9 7,3% ,008

4, Mulitplicative layer effect 13,09 3 -8 8,2% ,004

II. Mobilidade mae para fi lho e para fi lha

1, Perfect mobility 77,69 8 26 100,0% <.001

2, Constant association (CSF) 4,39 4 -21 5,7% ,356

3, Additive layer effect 4,38 3 -15 5,6% ,223

4, Mulitplicative layer effect 3,97 3 -15 5,1% ,265

III. Mobilidade pai para fi lho e para fi lha incluindo destino “do lar ou desp.”

1, Perfect mobility 165,73 12 79 100,0% <.001

2, Constant association (CSF) 18,16 6 -25 11,0% ,006

3, Additive layer effect 18,12 5 -18 10,9% ,003

4, Mulitplicative layer effect 17,80 5 -18 10,7% ,003

IV. Mobilidade mae para fi lho e para fi lha incluindo ori. e des. “do lar ou desp.”

1, Perfect mobility 117,17 18 -15 100,0% <.001

2, Constant association (CSF) 21,82 9 -44 18,6% ,009

3, Additive layer effect 21,57 8 -37 18,4% ,006

4, Mulitplicative layer effect 19,23 8 -39 16,4% ,014

Nota: L2: estatística de razão de verossimilhança

149
Tabela 2 – Estatísticas de ajuste de modelos log-lineares estimados para
analisar tabelas de mobilidade intergeracional entre: (I) pai e filho ou filha
no mercado de trabalho (3x3x2), (II) mãe e filha ou filha no mercado de
trabalho (3x3x2), (III) pai e filho ou filha incluindo destino desempregado
(3x4x2), e (IV) mãe filho ou filha incluindo orig e dest “do lar” (4x4x2).
Brasil 2003.

# Model L2 df Bic L m 2 / L 02 p

I. Casamento em que ambos estao no mercado de trabalho (3x3)

1, Idependência 96,23 4 73 100,0% <.001

2, Quase independência 0,08 1 -6 0,1% ,777

3, Efeito das linhas (row effect) 2,80 2 -9 2,9% ,247

4, Associação uniforme 3,06 3 -15 3,2% ,382

5, Modelo RCII 1,91 1 -4 2,0% ,167

II. Casamento incluindo “do lar” e “desempregado” (4x4)

1, Idependência 117,11 9 56 100,0% <.001

2, Quase independência 28,80 5 -5 24,6% <.001

3, Quase Simetria 3,27 3 -17 2,8% ,352

4, Efeito das linhas (row effect) 38,09 6 -3 32,5% <.001

5, Associação uniforme 68,88 8 14 58,8% <.001

6, Quase Efeito das linhas 1,05 2 -13 0,9% ,592

7, Quase Associação uniforme 5,84 4 -21 5,0% ,211

8, Modelo RCII 4,89 4 -22 4,2% ,299

150
CAPÍTULO 4

Classe, Raça e Mobilidade Social


no Brasil1

1 – Introdução

Recentemente, tem sido constante o debate público sobre as desi-


gualdades raciais e de classe. Embora não haja dúvidas sobre os altos
níveis de desigualdade (Oliveira, Porcaro e Costa, 1983; Hasenbalg, 1979;
Hasenbalg e Silva, 1988; 1992; 1999; Henriques, 2001), a principal
questão do debate atual continua sendo a de definir se as desigualdades
de oportunidade são determinadas por preconceito de classe ou de raça.
Alguns comentadores afirmam que o preconceito racial é menos importante
do que o de classe, ao passo que outros argumentam que o preconceito
racial é importante e deve ser levado em conta como um fator que vai além
do estigma de se vir de uma classe baixa.
Ao analisar estas questões, a grande maioria dos estudos utiliza infor-
mações estatísticas sobre as desigualdades nas condições de vida (renda,
educação, etc.) de indivíduos e famílias em um determinado momento,
tipicamente em algum ano ou mês, e freqüentemente comparam estas
condições de vida ao longo de diversos anos. Embora permita observar
diversas formas de desigualdade racial e de classe, este tipo de abordagem
não pode ser usada para decidir o que é mais relevante, se raça ou classe,
na determinação das chances de ascensão social. Ou seja, informações

1
Este capítulo foi publicado anteriormente em DADOS – Revista de Ciências Sociais,
volume 49 n. 4, 2006. Diversos colegas e alunos, com opiniões diferentes sobre
o tema das cotas raciais e da ação afirmativa no Brasil, leram este capítulo antes
de sua publicação. Como a lista é grande, faço aqui apenas um agradecimento
generalizado a todos. As críticas dos dois revisores anônimos da revista Dados
foram especialmente importantes para dar forma ao texto final, publicado na forma
de artigo, que deu origem a este capítulo. Todas estas leituras e comentários me
ajudaram a melhorar o argumento deste capítulo. Como de praxe, sou inteiramente
responsável pelo resultado final.

151
sobre desigualdade de resultados não substituem informações sobre de-
sigualdade de oportunidades. Esta distinção é de extrema importância,
porque o principal foco de interesse no debate é a desigualdade de opor-
tunidades entre pretos, pardos e brancos, e entre pobres e ricos, mas os
dados utilizados são freqüentemente sobre desigualdade de resultados em
determinado período de tempo.
Neste sentido, torna-se fundamental estudar a associação entre a classe
de origem, e da cor da pele, e as chances de mobilidade social ascenden-
te, já que este tipo de análise é uma das únicas formas de se abordar o
principal tema do debate: a desigualdade de oportunidades entre grupos
de classe e de cor. As perguntas relevantes que se deve responder são as
seguintes: será que pessoas com origens de classe distintas e de diferentes
grupos de cor ou raça têm oportunidades desiguais de mobilidade ascen-
dente? De que forma a cor da pele e a classe de origem se relacionam às
oportunidades de mobilidade ascendente?
São exatamente estas perguntas que me proponho a responder neste
capítulo a partir de análises empíricas sobre desigualdades de oportu-
nidades de mobilidade social. Para realizar estas análises, é necessário
utilizar bancos de dados que tenham informações sobre: origem de classe
(mensurada através da ocupação do pai quando o entrevistado tinha 14
anos); destino de classe (medido pela ocupação do indivíduo); cor ou raça e
escolaridade. As três últimas variáveis estão presentes em diversas pesqui-
sas usualmente coletadas no Brasil, nas quais, porém, normalmente não se
obtém a primeira. O último banco de dados nacionalmente representativo
e que contém informações sobre a ocupação dos pais dos respondentes
é a Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar de 1996. Utilizo este
banco de dados em todas as análises do presente capítulo.
Faço três tipos de análise. Primeiro, descrevo a mobilidade inter-
geracional entre a classe dos pais ou a classe de origem e a classe de
destino de brancos, pardos e pretos. O objetivo é verificar o que mais
influencia a desigualdade de oportunidades de mobilidade ascendente: a
classe de origem e/ou a cor da pele. Em seguida, faço uma decomposição
desta mobilidade, tomando como ponto intermediário o nível educacional
alcançado. Como é de conhecimento geral, a educação é um dos fatores
mais importantes de ascensão social. Sem qualificações educacionais não
é possível, por exemplo, ocupar os cargos dos profissionais liberais, entre
outros que proporcionam condições de vida relativamente mais confortá-
veis. Desta forma, analiso a desigualdade de oportunidades educacionais,
ou seja, procuro verificar o peso da origem de classe e da cor de pele nas
chances de se completarem diversos níveis educacionais. Por fim, analiso

152
as chances de mobilidade das classes mais privilegiadas, de acordo com
o nível educacional alcançado, a origem de classe e a cor dos indivíduos.
Esta análise em três etapas não somente permite desvendar quais são as
principais barreiras de mobilidade social ascendente, como também revela
em quais pontos a raça e a classe de origem se combinam como fatores
inibidores desta mobilidade ascendente.
Antes de apresentar as análises empíricas, discutirei, na próxima
seção, os estudos anteriores sobre mobilidade social de brancos, pretos
e pardos no Brasil não apenas com o objetivo de descrever os resultados
anteriormente encontrados, mas também com o de definir hipóteses que
possam ser testadas e discutidas a partir das análises empíricas. Na seção
que se segue a ela, apresentarei a metodologia que utilizo nas análises e as
estatísticas de ajuste dos modelos aos dados. Por fim, discuto os resultados
das análises e proponho respostas às perguntas iniciais deste capítulo.

2 – Trabalhos anteriores2

Embora, na literatura sobre relações raciais, o tópico da mobilidade


social seja considerado fundamental para determinar se há preconceito
ou discriminação racial, os estudos que utilizam metodologia quantitativa
sobre o tema não são muito numerosos no Brasil. Até a década de 1970,
a grande maioria dos trabalhos baseou-se ora em pesquisas qualitativas,
ora em interpretações históricas. Foi apenas no final dessa década que
começaram a surgir estudos que utilizavam bancos de dados agregados
e estatísticas descritivas. A maioria desses novos estudos, no entanto,
faz análises das desigualdades de condições, sendo que somente alguns
poucos trataram da mobilidade social e da desigualdade de oportunidades
educacionais e de mobilidade social.
Alguns estudos dos anos 1940, 1950 e 1960 argumentavam que
não havia preconceito racial, mas sim de classe. Donald Pierson, por
exemplo, afirmava que “não existem castas baseadas nas raças; existem
somente classes. Isto não significa que não exista algo que se possa cha-
mar propriamente de ‘preconceito’, mas sim que o preconceito existente é
um preconceito de classe e não de raça” (1945:402). Esta afirmação de
Pierson confirmava a interpretação de Freyre (1973) sobre a convivência
relativamente harmônica entre grupos raciais no Brasil. Outros estudos

2
Para uma revisão mais detalhada da literatura, veja-se Osório (2004).

153
realizados na cidade de Salvador (Azevedo, 1996) e em comunidades rurais
(por exemplo, Wagley, 1952) também seguiram e confirmaram, a partir de
estudos de caso e estudos qualitativos, a interpretação freyreana. Mas nem
todos os estudos do período chegaram à conclusão de que o preconceito
seria, antes, de classe do que de raça.
No livro O Negro no Rio de Janeiro: Relações de Raça numa Socieda-
de em Mudança, Costa Pinto (1952) propõe uma interpretação distinta.
Embora sugerisse que a modernização da sociedade brasileira tornava a
estratificação por classe social mais relevante do que aquela por raça ou
casta, argumentava que, com o aumento da mobilidade social advindo de
mudanças na estrutura de classes, haveria uma ameaça ao establishment e,
conseqüentemente, um retorno da estratificação por casta e um acirramento
das discriminações raciais. Para chegar a estas conclusões, esse autor
utilizou os Censos Populacionais para mostrar que os pretos se concen-
travam nas ocupações de trabalho manual e que tiveram poucas chances
de mobilidade entre 1872 e 1940. Outros estudos também indicavam a
existência de discriminação racial e as desvantagens de mobilidade social
dos pretos e dos pardos em relação aos brancos, no interior de São Paulo
(Nogueira, 1998) e no sul do país (Cardoso e Ianni, 1960).
O estudo de Cardoso e Ianni (1960) sobre Florianópolis chegou a uma
interpretação diferente daquela feita por Costa Pinto, aproximando-se da
perspectiva de Florestan Fernandes (1965). Segundo esse autor, o Brasil
estaria rapidamente se transformando em uma sociedade de classes, e a
estratificação por raça era uma herança do passado colonial que persistia,
mas que seria aos poucos substituída por discriminações de classe. As des-
vantagens raciais existiam como um legado do passado de escravidão.
Pode-se observar três hipóteses sobre a relação entre classe, raça e
mobilidade social nessa literatura. A primeira deriva-se do trabalho de
Pierson (1942:59) e sugere que “não haveria barreiras raciais fortes a
mobilidade ascendente, mas sim barreiras de classe”. A segunda é de
Costa Pinto (1952:212) e pode ser formulada da seguinte maneira: “a
expansão da sociedade de classes vai levar a um aumento da mobilidade
social e na medida em que não-brancos comecem a entrar nas classes mais
privilegiadas haverá um retorno e acirramento da discriminação racial”.
A terceira é a de Fernandes (1965:159) e sugere que “a discriminação
racial no processo de mobilidade social será paulatinamente substituída
pela discriminação de classe, ou seja, o preconceito racial é uma herança
do passado colonial”.
Em 1979, Carlos Hasenbalg publicou o livro Discriminação e Desigual-
dades Raciais no Brasil. Esse livro faz uma revisão da literatura sobre relações

154
raciais no Brasil e sugere uma hipótese, alternativa àquela de Florestan
Fernandes (1965), que pode ser resumida da seguinte forma: a discrimina-
ção racial continuaria sendo um importante fator de estratificação social na
sociedade brasileira, mesmo com a expansão da sociedade de classes advin-
da da industrialização. Esta quarta hipótese, portanto, previa que: haveria
desigualdade nas chances de mobilidade social entre brancos e não-brancos
(pretos e pardos) independentemente de sua classe de origem.
Estas quatro hipóteses foram, direta ou indiretamente, o foco de dis-
cussões nos estudos sobre relações raciais realizados a partir do final da
década de 1970, principalmente a partir de 1976, quando as pesquisas
nacionais por amostragem domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE começaram a coletar informações sobre raça ou cor
dos entrevistados (principalmente: branco, preto e pardo). Os principais
trabalhos empíricos foram desenvolvidos por Carlos Hasenbalg e Nelson
do Valle Silva (1988; 1992; 1999). Embora a maioria dos artigos tenha
sido sobre desigualdade de condições entre brancos e não-brancos,3 esses
dois autores também escreveram sobre desigualdade de oportunidades
educacionais e de mobilidade social. Estudos sobre desigualdade de opor-
tunidades procuram, em geral, analisar a relação entre origem de classe
(O), educação (E) e destino de classe (D). O gráfico a seguir apresenta o
triângulo básico das análises sobre desigualdade de oportunidades:

Figura 1

Os estudos sobre desigualdade de oportunidades educacionais dedi-


cam-se a analisar a relação entre O e E. Procuram, portanto, determinar
se há associação estatística entre origem de classe e raça, por um lado,
e transições educacionais, por outro, para diferentes coortes de idade.
Este tipo de análise utiliza modelos de regressão logística ou de logitos,

3
Utilizo a categoria não-branco para enfatizar que a soma de pretos e pardos
é antes uma necessidade metodológica, e não uma escolha política ou uma
escolha advinda de alguma fundamentação teórica.

155
ou seja, estima o logaritmo das chances relativas de se fazer ou não uma
determinada transição educacional. Normalmente, estas chances relativas
são estimadas para cada uma das coortes de idade. Para cada transição é
utilizado um modelo;4 por exemplo, um modelo para as chances relativas
de cada coorte concluir o ensino fundamental, outro para as chances de
que aqueles que completaram o ensino fundamental concluam o ensino
médio, e assim por diante. Além de variáveis independentes, como classe
de origem e raça, utilizam-se, nas análises, algumas outras variáveis. Esta
metodologia foi inicialmente proposta por Mare (1980; 1981) e amplamente
utilizada em pesquisas comparativas (Shavit e Blossfeld, 1993).
O primeiro artigo sobre o Brasil a utilizar tal metodologia foi o de
Silva e Souza (1986). Nesse estudo, os autores são bastante cuidadosos ao
destacar que algumas variáveis importantes (principalmente capacidade
cognitiva e aspiração educacional) não estavam disponíveis no banco de
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 1976,
que eles utilizaram. De fato, estas variáveis, extremamente importantes,
ainda não existem nos bancos de dados mais contemporâneos.5 De qualquer
forma, os autores chegam à importante conclusão de que, para os homens
que tinham entre 20 e 64 anos de idade em 1976, tanto a ocupação e a
educação do pai quanto a cor dos indivíduos associam-se fortemente às tran-
sições escolares. Esta associação, como era de se esperar, diminui quando
das transições nos níveis mais elevados do sistema escolar. Posteriormente,
Silva (1992) utilizou dados da PNAD de 1982 para mostrar que havia
desigualdade racial nas transições educacionais para pessoas entre 6 e 24
anos de idade. Os pretos e os pardos tinham desvantagens em relação aos
brancos. Silva (1992) usou controles para a idade dos indivíduos, mas não
analisou os efeitos das origens de classe. Posteriormente, Hasenbalg e Silva
(1999) ampliaram o estudo incluindo outras variáveis independentes, além
da cor dos indivíduos. Ao incluir variáveis relativas à estrutura familiar
no modelo, mostraram que houve uma diminuição substancial da mag-
nitude do efeito da cor do indivíduo, embora ele permaneça significativo
mesmo assim, o que indica a existência de um viés racial. Esses autores
concluíram que deve realmente haver discriminação racial no momento
da matrícula das crianças no sistema escolar. Finalmente, Silva (2003)
analisou as transições escolares de indivíduos entre 6 e 19 anos em três

4
Há casos de anállise conjunta de todas as transições em um único modelo,
mas, para os dados brasileiros, isso ainda não foi feito.
5
Sobre este assunto, veja-se a crítica de Cameron e Hackman (1998) à me-
todologia de Mare (1980; 1981).

156
momentos, 1981, 1990 e 1999 (também utilizando dados das PNADs),
e chegou à interessante conclusão de que os efeitos da cor nas transições
educacionais “crescem conforme se progride dentro do sistema escolar”
(Silva, 2003:132). Além disso, o efeito da renda familiar (uma variável
socioeconômica) também cresce ao longo das transições.
Outro estudo importante sobre desigualdade de oportunidades edu-
cacionais é o de Fernandes (2004). Nesse artigo, a autora analisa as
transições educacionais para diversas coortes de idade utilizando dados
da PNAD de 1988. Sua principal conclusão é a de que o efeito da raça
aumenta nas transições mais elevadas (conclusão do ensino médio). Em-
bora o efeito das outras variáveis socioeconômicas diminua ao longo das
transições educacionais, não é possível comparar a magnitude dos efeitos
das variáveis socioeconômicas e de raça sobre as transições educacionais,
pois o artigo não apresenta coeficientes padronizados. A autora, no entan-
to, revela que o efeito da raça diminui ao longo das transições e aumenta
bastante justamente no momento da conclusão do ensino médio.
No que diz respeito aos efeitos de raça e classe de origem (caracterís-
ticas socioeconômicas), os estudos sobre desigualdade de oportunidades
educacionais apontam para a permanência de ambos sobre as transições
educacionais. Pessoas brancas com origens nas classes mais privilegiadas
tendem a ter melhores chances de se tornarem bem-sucedidas nas tran-
sições educacionais. Os brancos passam a ter vantagens ainda maiores
para completar o ensino médio. Essas conclusões corroboram a quarta
hipótese, apresentada anteriormente (a de Hasenbalg, 1979). A saber,
as desigualdades de oportunidades educacionais são marcadas pela es-
tratificação racial, que parece ser ainda mais acentuada nos níveis mais
elevados do sistema educacional.
Além de estudar as transições educacionais, as pesquisas sobre de-
sigualdade de oportunidade costumam analisar a mobilidade intergera-
cional para verificar se há vantagens e desvantagens de classe e de raça
nas chances de ascensão social. O estudo da mobilidade diz respeito à
associação entre origem de classe (O) e destino de classe (D). No Brasil, a
maioria dos estudos sobre a mobilidade social dos diferentes grupos raciais
baseou-se principalmente na análise das taxas absolutas de mobilidade,
ou seja, dos percentuais calculados a partir da tabela de mobilidade que
cruza classe do pai com classe do filho. Mais adiante, mostrarei por que
esta metodologia confunde os efeitos de raça e de classe de origem nas
chances de mobilidade.
Os primeiros estudos sobre mobilidade e raça a utilizar metodologia
quantitativa foram realizados por Hasenbalg (1979; 1983; e Hasenbalg e

157
Silva, 1988), usando, respectivamente, dados para seis estados da região
Centro-sul do Brasil, das PNADs de 1976 e de 1982. Em todos esses
estudos, o autor mostra que brancos têm mais mobilidade ascendente do
que não-brancos e interpreta os resultados como indicações de que deve
haver discriminação racial ou barreiras raciais no processo de mobilidade
intergeracional. Posteriormente, as conclusões de Hasenbalg foram confir-
madas por Caillaux (1994), que comparou os dados das PNADs de 1976
e de 1988. Em 1996, uma nova PNAD, contendo dados sobre mobilidade
social, foi coletada. Utilizando esses dados, Hasenbalg e Silva (1999a) e
Telles (2003) confirmaram, mais uma vez, o que haviam observado nos
estudos em que se utilizaram dados anteriores, ou seja, concluíram que, em
1996, continuava a haver barreiras raciais à mobilidade intergeracional.
Apesar de todos esses estudos terem sido fundamentais para avançar
o conhecimento sobre a mobilidade social, o fato de serem baseados na
simples análise de percentuais gera dúvidas sobre quais os efeitos da raça
e quais os efeitos da classe de origem nas chances de mobilidade, uma vez
que estas duas variáveis estão correlacionadas. Ou seja, pretos e pardos
consistem de um percentual maior dentre indivíduos que cresceram nas
classes mais baixas e menor dentre os que cresceram nas classes mais
altas. Portanto, ao analisar as chances de mobilidade social ascendente,
tem-se que ficar atento com esta desproporção inicial. Se houver mais
mobilidade ascendente de brancos, como indicam os estudos supracitados,
isto pode se dever ao fato de o grupo contar com um maior percentual do
que os outros nas classes mais privilegiadas. Para resolver este problema,
é necessário utilizar modelos log-lineares que controlem os marginais das
tabelas de mobilidade, ou seja, que controlem a desproporção de brancos
e não-brancos nas classes de origem.
Cientes dessa limitação, Silva (2000) e Hasenbalg e Silva (1999b)
utilizam modelos log-lineares para analisar a mobilidade social intergera-
cional de brancos, pretos e pardos. Os testes estatísticos que utilizam os
modelos log-lineares indicam que destino ocupacional e cor associam-se
independentemente da origem de classe dos indivíduos, ou seja, os mode-
los indicam que há desigualdade de oportunidades de mobilidade social
entre brancos e não-brancos. Uma das limitações dos modelos utilizados
é o fato de que permitem somente conclusões globais, como as que foram
indicadas, mas não possibilitam uma análise mais detalhada da interação
entre cor e origem de classe. Nas análises do presente capítulo, utilizo
modelos log-lineares mais avançados, que permitem verificar não somente
se há interação entre classe de origem e raça nas chances de mobilidade
social, como também qual o padrão desta interação.

158
Finalmente, há alguns artigos que procuram analisar conjuntamente a
relação entre origem de classe (O), qualificação educacional (E) e destino
de classe (D), bem como seus diferenciais por grupo racial. Os trabalhos
de Silva (1988), Pinto e Néri (2002) e Osório (2003) estudam diferentes
aspectos da relação entre origem, educação e destino de classe.
Para entender o processo de realização socioeconômica (status attain-
ment), Silva (1988) propõe modelos de regressão linear a fim de explicar
a posição ocupacional e a renda alcançada pelos indivíduos. Estimados
separadamente para brancos e não-brancos, os modelos incluem variáveis
explicativas de características da origem socioeconômica (como ocupação do
pai, instrução do pai), da situação de moradia (como região de residência e
de nascimento) e de educação alcançada (anos de escolaridade). Com base
nessas análises, Silva (1988:158) conclui que: “além dos indivíduos herda-
rem uma situação socioeconômica, existe, ainda, uma herança de raça que
faz com que os indivíduos de cor se encontrem em desvantagem competitiva
em relação aos brancos na disputa pelas posições na estrutura social”.
Outro artigo que trata da mobilidade ocupacional é o de Pinto e
Néri (2000), que se baseia na análise dos dados da Pesquisa Mensal de
Emprego – PME de 1996. Além de fazer as usuais análises percentuais
das tabelas de mobilidade (nesse caso, de mobilidade intrageracional), os
autores estimam modelos de regressão logística. Concluem, por um lado,
que, nas tabelas que cruzam ocupação inicial com ocupação final, há um
diferencial de mobilidade entre brancos e não-brancos e, por outro lado,
que a variável raça não é estatisticamente significativa quando analisada
em conjunto com outras variáveis de origem socioeconômica na regressão.
Em suma, as variáveis socioeconômicas são mais importantes do que a
raça nas chances de mobilidade intrageracional.
Finalmente, Osório (2003) estima modelos log-lineares que incluem
origem de classe (O), destino de classe (D), escolaridade (E), sexo (S),
idade (I) e cor (C). Embora modelos log-lineares estimados desta forma
sejam de complicada interpretação, Osório, em um bom trabalho, chegou
a conclusões interessantes sobre o processo de mobilidade intergeracional.
Afirma, por exemplo, que “[...] Não completar o segundo grau na classe alta
representa um risco concreto de cair para as classes média e baixa, mas
ser branco reduz especificamente o risco de que o movimento se direcione
à baixa – negros terão mais chances de o terem como destino – além de
aumentar a chance de permanência na classe” (Osório, 2003:144).
Os resultados desses três artigos são importantes. Por um lado, Sil-
va (1988) e Osório (2003) mostram em suas análises que há diferença
nas chances relativas de mobilidade entre brancos e não-brancos. Osório

159
(2003) indica que tal diferença é mais acentuada nas classes mais al-
tas – resultado que se assemelha aos encontrados por mim no presente
capítulo. Por outro lado, Pinto e Néri (2002) indicam que no processo de
mobilidade intrageracional as variáveis socioeconômicas melhor explicam
as chances de mobilidade.
Embora não discutam diretamente suas implicações teóricas, os es-
tudos de Osório (2003) e Pinto e Néri (2002) desafiam a hipótese de
Hasenbalg (1979) segundo a qual fatores de desigualdade racial são in-
dependentes de fatores de estratificação por classe. O que esses trabalhos
indicam é que alguma forma de interação entre classe e raça deve existir
na formação das desigualdades. De certa forma, a teoria de Hasenbalg
(1979) prevê isso, embora a interpretação mais simplificadora do argu-
mento não enfatize a interação entre raça e classe. Uma das implicações
dos resultados deste capítulo é justamente a necessidade de se pensar
mais coerentemente sobre as interações entre raça e classe na produção
de desigualdades sociais.

3 – Os dados, os modelos e os ajustes dos modelos

Nesta seção apresento os modelos que utilizo para analisar a desigual-


dade de oportunidades de mobilidade social entre homens brancos, pardos
e pretos de 25 a 64 anos. Os dados analisados são os da PNAD de 1996 e
são representativos para todo o Brasil. Ao apresentar as características dos
modelos e seus ajustes aos dados, também descrevo as variáveis que são in-
cluídas em cada um. Antes, no entanto, discuto brevemente os quatro estratos
que são utilizados para classificar classes de origem (mensuradas a partir
da ocupação do pai dos respondentes quando estes tinham 14 anos) e de
destino (baseadas na ocupação dos respondentes em setembro de 1996).
As classes de origem e destino foram classificadas da seguinte forma:
(1) profissionais, administradores e empregadores (as médias de renda
e os anos de educação para classe de destino são: R$ 2.074,00 e 11
anos); (2) trabalhadores de rotina não-manual, técnicos e proprietários
sem empregados (as médias de renda e anos de educação para classe de
destino são: R$ 801,00 e 8 anos); (3) trabalhadores manuais e peque-
nos empregadores rurais (as médias de renda e anos de educação para
classe de destino são: R$ 490,00 e 5 anos); e (4) trabalhadores rurais
(as médias de renda e anos de educação para classe de destino são: R$
244,00 e 2 anos). Estes quatro grupos de classe são uma agregação dos

160
16 grupos descritos por Costa Ribeiro (2006: cap. 2). Obtêm-se estas 16
classes a partir das variáveis ocupacionais, (que também incluem posição
na ocupação) presentes na PNAD, com o objetivo de construir uma versão
brasileira do esquema internacional que é descrito no segundo capítulo de
Erickson e Goldthorpe (1993), tendo sido obtido a partir da metodologia
proposta por Ganzeboom e Treiman (1996). No caso dos dados brasileiros,
as classes de trabalhadores manuais qualificados (VI) e não-qualificados
(VIIa) podem ser subdivididas em sete categorias, de acordo com o tipo
de indústria em que se concentra o trabalho. Para analisar a mobilidade
intergeracional dos grupos de cor (brancos, pretos e pardos), fui obrigado
a diminuir o número de categorias de classe, porque o grupo de pretos é
muito pequeno, o que leva à impossibilidade metodológica de se analisar a
tabela de mobilidade para este grupo. Diante desta limitação, agreguei os
grupos de classe de 16 para 4 categorias, levando em conta as característi-
cas de trabalho de cada grupo e as condições socioeconômicas expressas
nas respectivas médias de escolaridade e renda do trabalho principal. As
médias de renda e de anos de educação para os esquemas com 16 e 4
categorias são apresentadas na Tabela B, em anexo.
Todas as análises do presente capítulo baseiam-se em modelos es-
tatísticos referentes a dados categórico; mais especificamente, a modelos
log-lineares, logit (regressão logística) e logit multinomial condicional.
Esses três tipos são matematicamente equivalentes, ou seja, são especifi-
cações distintas a partir de um mesmo tipo de modelo. Minhas análises
encontram-se na seguinte ordem: inicialmente, descrevo a mobilidade
intergeracional e estimo modelos para verificar se a força e o padrão de
associação entre classe de origem (O) e de destino (D) variam entre os
três grupos de cor (C). Em seguida, analiso a associação entre origem de
classe (O) e transições educacionais (E), por um lado, e os impactos das
qualificações educacionais adquiridas (E) e da origem de classe (O) sobre
as chances de mobilidade para as classes de destino (D), por outro lado.
Para cada uma destas etapas, utilizo modelos distintos.
Para analisar a mobilidade intergeracional, ajustei três modelos log-
lineares à tabela que cruza quatro classes de origem (O) com quatro de
destino (D) por três grupos de cor (C).6 Os três modelos ajustados a esta
tabela foram os que descrevo a seguir. Modelo de associação constante:

6
Veja-se a Tabela A, em anexo.

161
log Fijk = µ + λiO + λjD + λkC + λikOC+ λjkDC+ λijOD (M1),

onde log Fijk é o logaritmo da razão de chances que mede a associação


entre origem i e destino j condicional em cor k; o termo µ é a média geral;
os termos λiO, λjD e λkC controlam as distribuições marginais de origem,
destino e cor; o termo λikOC controla a associação entre origem e cor; e o
termo λjkDC controla a associação entre destino e cor. Como este modelo
inclui um termo para a associação entre origem e destino (λijOD), e não
inclui um termo para a interação entre origem, destino e cor (λijkODC),
caso se ajuste aos dados, deve-se concluir que a associação entre origem
e destino é a mesma para os três grupos de cor.
O segundo modelo que ajusto aos dados é o log-multiplicativo proposto
por Xie (1992), cuja formula geral é:

log Fijk = µ + λiO + λjD + λkC + λikOC+ λjkDC + exp(ψijφk ) (M2)

A única diferença deste modelo (M2) para o primeiro (M1) é que o


termo λijOD do primeiro é substituído por exp(ψijφk). ψij descreve um
único padrão de associação entre origem e destino e é multiplicado por φk,
que define a variação por grupo de cor da força da associação entre O e
D. Se este modelo se ajustar melhor aos dados do que o anterior, pode-se
concluir que a força da associação é diferente para cada grupo de cor, de
acordo com o valor numérico de φk.
Finalmente, utilizo um último modelo, que permite não apenas que
a força da associação entre origem e destino varie por grupo de cor, mas
também que o padrão desta associação seja diferente. Este modelo, que
foi proposto por Goodman e Hout (1998), é o seguinte:

log Fijk = µ + λiO + λjD + λkC + λikOC + λjkDC + λijOD + exp(ψijφk) (M3)

Esta fórmula (M3) simplesmente adiciona o termo λijOD ao modelo


anterior (M2). Ao fazer esta inclusão, permite analisar a diferença no
padrão da associação entre os três grupos raciais, além daquela na força
(exp[ψijφk]). Este terceiro modelo pode ser reescrito de modo a tornar sua
fórmula semelhante à de uma regressão linear que inclui uma interseção
(que mede o padrão da associação – µij) e uma inclinação (que mede a
força da associação – µ’ij). Esta maneira alternativa de conceber o mesmo
modelo permite uma interpretação mais clara, ajuda a melhorar o ajuste

162
do modelo a partir de restrições aos seus estimadores e é a ele que se
deve o nome do modelo, qual seja “regression-type layer effect model”
(Goodman e Hout, 1998). A fórmula alternativa é:

lnθij/k = µij + µ’ij φk (M3’)

Este terceiro modelo (fórmulas M3 e M3’) é bastante complexo, e sua


interpretação correta depende da inclusão de restrições aos termos de
interseção (µij) e/ou de inclinação (µ’ij). A tabela a seguir mostra o ajuste
dos três modelos (M1, M2, e M3) à tabela que cruza quatro classes de
origem com quatro de destino e com três grupos de cor (Tabela A, em
anexo). Além disso, apresento o ajuste do modelo de mobilidade perfeita
(M0), segundo o qual não há associação entre origem e destino, e o modelo
M4 que impõe restrições ao modelo M3.

Tabela 1 – Estatísticas de Ajuste dos Modelos de Associação Aplicados


a Tabela 1 do anexo: Tabelas de Mobilidade Intergeracional para
Homens Brancos, Pardos e Pretos entre 25 e 64 anos de idade, Brasil
1996 (N = 40.635)

# Model L2 X2 df Bic L m 2 / L 02 p

M0 Perfect mobility 9.726,05 9.453,23 27 9.440 100,0% <.001

M1 Constant association (CSF) 80,19 77,94 18 -111 0,8% <.001

M2 Mulitplicative layer effect 68,01 66,67 16 -102 0,7% <.001

M3 Regression-type layer effect 11,23 10,38 7 -63 0,1% ,129

M4 Regression-type layer effect + mu6 15,75 14,93 11 -101 0,1% ,497

Fonte: PNAD/IBGE, 1996. Tabulação do autor

163
Para avaliar o ajuste dos modelos, utiliza-se o teste de qui-quadrado
(χ2) e o teste bic, dando-se preferência ao χ2. O modelo de mobilidade
perfeita (M0) não se ajusta aos dados, o de associação constante (M1)
ajusta-se de acordo com o bic (quanto mais negativo o bic, melhor o ajus-
te do modelo), o modelo log-multiplicativo (M2) também se ajusta, mas
não representa uma melhora significativa em relação à M1. Finalmente,
o modelo “regression-type” (M3) ajusta-se, de acordo com o bic e o χ2.
Este modelo deveria ser escolhido como o melhor ajuste, mas ele ainda é
muito complexo, pois utiliza 9 graus de liberdade a mais do que M2 (df =
16 – 7 = 9), razão pela qual a estatística bic, que penaliza modelos muito
complexos, é menos negativa do que nos modelos anteriores. Por causa
deste tipo de complexidade, Goodman e Hout (1998) sugerem restrições
específicas aos parâmetros estimados da interseção e/ou da inclinação.
Estes parâmetros para o modelo M3 são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 – Parametros de Interseção, Inclinação, e Escore de Cor para o


Model 3 Estimado por Máxima Verossimilhança: Tabela de Mobilidade
para Homens Brancos, Pardos, e Pretos
j

Parâmetros i 1 2 3

Interceção (:ij) 1 0,264 -0,670 1,569

2 0,055 0,887 -0,555

3 0,342 0,185 2,378

Inclinação (:ij’) 1 0,523 0,992 -2,054

2 0,156 0,213 0,803

3 -0,099 0,071 -0,460

Escore (Nj) - ,900 ,460 ,100

brancos pardos pretos

Fonte: Elaborada pelo autor a partir da análise dos dados da PNAD 1996.

164
Tendo em vista que inclinações entre –0,3 e + 0,3 são praticamente
iguais a zero, pode-se definir as inclinações nas coordenadas i e j (2,1),
(2,2), (3,1) e (3,2) como sendo iguais a zero. Uma vez aplicada esta res-
trição, tem-se o modelo M4 da tabela anterior. Este modelo (M4) utiliza
menos graus de liberdade do que M3 (é menos complexo), ajusta-se melhor
aos dados do que todos os outros modelos anteriormente propostos (para
M4 o χ2 = 14,93 com valor de p = 0,497) e, portanto, será utilizado na
próxima seção para interpretar a variação entre os três grupos raciais na
associação entre origem e destino de classe.
Além de analisar a mobilidade intergeracional, investigo a correlação
entre classe de origem e transições educacionais. Para analisar estas tran-
sições, utilizo modelos de regressão logística cujas fórmulas encontram-se
em diversos livros de metodologia (por exemplo, Powers e Xie, 2000:49).
Estes modelos são utilizados para estimar seis transições educacionais
importantes:

1. entrada na escola (comparando-se os que concluíram a 1ª série do


ensino fundamental com todos os que não concluíram);
2. completar com sucesso a 4ª série do ensino fundamental (tendo-se
em vista que se terminou a 1ª série do ensino fundamental);
3. completar com sucesso a 8ª série do ensino fundamental (para os
que terminaram a 4ª série, mas não completaram a 8ª);
4. completar com sucesso o ensino médio (para os que concluíram
o ensino fundamental);
5. entrar na universidade (comparando-se os que completaram um
ano de universidade com todos os que terminaram o ensino mé-
dio); e

6. completar a universidade (comparando-se os que completaram o


curso com todos os que completaram apenas um ano).

Cada uma destas transições, a partir da segunda, é condicional em


relação à anterior. Ou seja, para que se tenha a chance de fazer uma dada
transição educacional, é necessário ter sucesso na transição anterior. Os
modelos estimados para as seis transições são apresentados na Tabela 3.

165
Tabela 3 – Ajuste, Parâmetros Estimados e Desvios Padrões dos Modelos
Logit Estimados para Cada uma das Transições Educacionais: Homens
entre 25 e 64 anos, Brasil 1996

Transição 1 Transição 2 Transição 3 Transição 4 Transição 5 Transição 6

L2 5777 3942 4146 1115 827 165

g.l. 7 7 7 7 7 7

p-value 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000

Cox & Snell R Square 0,14 0,12 0,15 0,08 0,09 0,04

Nagelkerke R Square 0,23 0,18 0,20 0,11 0,12 0,06

BIC -5.703 -3.869 -4.075 -1.049 -763 -108

N 38106 31556 24931 13024 8104 3652

B S.E. B S.E. B S.E. B S.E. B S.E. B S.E.

Não-Branco (ref.)

Branco 1,087 0,030 0,709 0,030 0,457 0,029 0,479 0,040 0,706 0,056 0,209 0,100

Origem Estrato 4 (ref.)

Origem Estrato 1 2,739 0,157 2,332 0,106 2,506 0,064 1,579 0,069 1,347 0,075 0,483 0,128

Origem Estrato 2 2,172 0,089 1,988 0,070 1,887 0,044 1,027 0,055 0,699 0,070 0,079 0,125

Origem Estrato 3 1,457 0,042 1,148 0,035 0,903 0,031 0,340 0,046 0,177 0,068 -0,278 0,122

Coorte 55-64 (ref.)

Coorte 25-34 1,182 0,046 0,931 0,049 0,570 0,056 -0,336 0,084 -0,707 0,103 -1,308 0,195

Coorte 35-44 1,037 0,044 0,829 0,048 0,598 0,055 -0,035 0,084 -0,266 0,101 -0,773 0,192

Coorte 45-54 0,503 0,044 0,399 0,050 0,360 0,059 0,185 0,090 0,029 0,106 -0,367 0,202

Constante -0,231 0,038 -0,323 0,045 -1,491 0,057 -0,278 0,088 -0,929 0,113 1,653 0,219

166
Cada um dos modelos analisa as probabilidades de se fazer ou não
uma transição educacional, de acordo com cor ou raça, origem de classe e
coorte de idade. Todos os modelos bem se ajustam aos dados (as estatísticas
bic são negativas) e serão interpretados mais adiante.
Finalmente, utilizei um modelo “condicional para logitos multinomiais”
para explicar a associação entre raça, classe de origem e escolaridade, por
um lado, e as chances relativas de se entrar em uma das quatro classes
de destino, por outro. Este tipo de modelo é equivalente por completo a
um modelo log-linear, mas permite a inclusão de mais de três variáveis
sem tornar a interpretação muito complexa (como ocorre, por exemplo,
no trabalho de Osório, 2003). Apesar de ter sido considerado por Logan
(1983), Breen (1994) e DiPrete (1990) como importante para a análise da
mobilidade social, o modelo só passou a ser utilizado na literatura socioló-
gica depois que Hendrickx (2000) forneceu sintaxes para operacionalizá-lo
usando-se o pacote estatístico STATA. A fórmula para a versão que utilizo
no presente capítulo é:
Lij = γj – (α1ri.1 + αjrij) + δuaij + βj1ci + βj2ei ,

onde Lij é o logit para o indivíduo i na classe de destino j, γj (j = 2, 3 e 4) são


variáveis indicadoras da classe de destino; (α1ri.1 + αjrij) são os parâmetros
de herança de classe (probabilidades de imobilidade); δ é o efeito da origem
no destino, de acordo com o padrão de associação uniforme (associação
linear com escala de origem e destino idêntica) para o indivíduo i na classe
de destino j; βj1 é o efeito de ser branco na classe j para o indivíduo i; e βj2
é o efeito de cada ano de educação do indivíduo i.7 Ajustei duas versões do
modelo anterior: (1) uma excluindo as variáveis independentes para raça
e educação (βj1ci + βj2ei); que equivale ao modelo log-linear de associação
uniforme com restrições para a diagonal, e (2) outra incluindo todas as
variáveis independentes. A segunda versão melhora bastante o ajuste do
modelo, como fica claro pelo valor do pseudo-R2 na Tabela 4. Os efeitos de
imobilidade e de associação uniforme (UA) diminuem quando se incluem
raça e anos de educação. A vantagem dos brancos é mais acentuada para
entrar na classe 1 do que na 2 e na 3; e cada ano de educação tem um efeito
positivo que aumenta as chances de mobilidade ascendente. A interpretação
detalhada do modelo será feita mais adiante.

7
Tendo-se em vista que a diferença entre pretos e pardos não é estatistica-
mente significativa, ela não foi incluída neste modelo, de modo que trabalhei
com a diferença entre brancos e não-brancos (pretos + pardos). A variável
“anos de educação completos” alterna entre 0 e 15 anos.

167
Tabela 4 – Modelos Logit Multinomiais em Forma Condicional para
Probabilidades de Entrar em 4 Estratos Ocupacionais em 1996. Homens
entre 25 e 64 anos: Brasil
Modelos Logit Multinomial Condicional
Modelo de Associação Quase Uniforme
Ajustes do Modelo Modelo de Associação Quase Uniforme com Variáveis Indep.
(Raça e Anos de Educação)

Log likelihood -43921,27 -38570,38

Número de casos (expandidos 4 vezes) 152736,00 152424,00

LR chi2(8) 18025,99 28511,51

g.l. 8 14

Prob> chi2 = 0,00 0,00

Pseudo R2 = 0,17 0,27

Parâmetros Estimados

Interceções Coef, Std, Err, z P>|z| Coef, Std, Err, z P>|z|

Inteceção p/ Tr. Manual vs Rural ( 3 vs 4) 1,033 0,050 20,630 0,000 0,418 0,062 6,75 0,000

Inteceção p/ Tr. Não-man. vs Rural (2 vs4) -0,585 0,060 -9,750 0,000 -2,039 0,076 -26,94 0,000

Inteceção p/ Prof. vs Rural (1 vs 4) -1,849 0,078 -23,860 0,000 -4,690 0,101 -46,38 0,000

Efeitos de Imobilidade

Est. 4 - Trab. Rurais 1,297 0,047 27,790 0,000 1,175 0,050 23,45 0,000

Est. 3 - Trab. Manuais 0,285 0,026 10,770 0,000 0,384 0,029 13,25 0,000

Est. 2 - Trab. Não-manuais 0,353 0,037 9,610 0,000 0,294 0,038 7,67 0,000

Est. 1 - Prof e Adm -0,045 0,056 -0,810 0,420 0,113 0,062 1,84 0,066

Efeito das Classes de Origem (UA) 0,449 0,010 42,880 0,000 0,134 0,012 10,95 0,000

Efeito das Variáveis Independentes

Anos de Edu. por Est. 3 vs 4 0,214 0,006 37,46 0,000

Anos de Edu. por Est. 2 vs 4 0,405 0,007 62,05 0,000

Anos de Edu. por Est. 1 vs 4 0,569 0,008 75,2 0,000

Raça (branco) por Est. 3 vs 4 0,007 0,030 0,24 0,807

Raça (branco) por Est. 2 vs 4 0,110 0,038 2,88 0,004

Raça (branco) por Est. 1 vs 4 0,568 0,049 11,68 0,000

4 – Raça ou classe: os determinantes da mobilidade social

O principal problema metodológico que um estudo sobre as chances de


mobilidade social ascendente de pessoas em grupos de cor diferentes e com
origens de classe distintas enfrenta é que, em geral, estas duas variáveis
estão relacionadas. Ou seja, pretos e pardos são um percentual maior das

168
pessoas que cresceram nas classes mais baixas e menor das que cresceram
nas classes mais altas. Portanto, ao se analisarem as chances de mobilidade
social ascendente, tem-se que ficar atento para esta desproporção inicial.
Usando dados de 1996, pode-se observar este fato (ver Tabela C, em anexo).
Enquanto 61% dos pardos e 56% dos pretos eram filhos de trabalhadores
rurais, apenas 49% dos brancos tinham esta origem familiar. As famílias
de trabalhadores rurais são historicamente as mais pobres no Brasil. Pode-
se, então, concluir facilmente que uma proporção de pretos e pardos maior
do que a de brancos cresceu em famílias pobres. O inverso se dá com as
famílias mais ricas. Entre todos os brancos, 9% são filhos de profissionais
e pequenos empresários, ao passo que apenas 4% dos pardos e 2% dos
pretos têm origem semelhante. Portanto, uma proporção de brancos maior
do que a de pretos e pardos advém de famílias mais abastadas.
Esta maior proporção de pretos e pardos que têm origem nas classes
baixas e de brancos oriundos da classe alta se reflete no destino de classe,
nas ocupações, em que os indivíduos se encontram no presente. Em 1996,
56% dos pretos, 48% dos pardos e 43% dos brancos eram trabalhadores
manuais urbanos (classe também muito pobre). No topo há mais brancos
e menos pretos e pardos. Em 1996, 18% dos brancos eram profissionais
e pequenos empresários, ao passo que apenas 7% de pardos e 5% de
pretos tinham esta posição de classe.
Logo, a diferença na posição de classe, em 1996, é determinada,
em parte, pela diferença na posição de classe de origem. Não se pode,
por exemplo, dizer simplesmente que a desproporção de pretos e pardos
na classe de profissionais e pequenos empresários, em 1996, é fruto do
preconceito racial, porque, como se viu, pretos e pardos se concentram,
mais do que brancos, nas classes de origem baixas, o que diminui suas
chances de mobilidade social ascendente. De fato, 50% dos brancos, 45%
dos pardos e 43% dos pretos tiveram mobilidade ascendente.
Para se definir o papel da raça e da classe de origem nas chances
de mobilidade social ascendente, tem-se que utilizar modelos que con-
trolem estatisticamente as desproporções nas classes de origens. Depois
de implementar as diversas análises estatísticas que foram apresentadas
na seção anterior, cheguei a um modelo (modelo M4, na Tabela 1) que,
embora complexo matematicamente, expressa de forma clara a interação
entre raça e classe de origem nas chances de mobilidade ascendente. A
principal maneira de expressar os resultados deste modelo é a partir de
um valor numérico conhecido como “razão de chances”, que define as
chances relativas de pessoas com origens de classe semelhantes em grupos
de cor distintos alcançarem as mesmas classes de destino. Estas razões de

169
chance, ou melhor, o logaritmo delas permite desenhar a figura a seguir,
que mostra o diferencial nas chances relativas de mobilidade social ascen-
dente entre brancos, pardos e pretos, controlando pelas desproporções nas
classes de origem que expliquei anteriormente. Se a reta que liga pretos,
pardos e brancos for completamente horizontal em relação ao eixo dos
escores de cor em cada gráfico da figura, as “razões de chances”, ou as
chances relativas de mobilidade, serão, logo, idênticas para pretos, brancos
e pardos. Caso contrário, haverá desigualdade entre os grupos de cor nas
chances relativas de mobilidade ascendente.

Figura 2 – Log das Razões de Chances Observadas e Experadas Segundo


Modelo M3* por Escore de Cor

Nota: As linhas em cada gráfico mostram a razão de chances esperada, os pontos mostram a razão de
chances observada. O círculo aberto representa os pretos, o círculo fechado representa os pardos e o
triângulo representa os brancos

170
Embora a Figura 2 seja bastante complexa, o que ela revela é bem
simples e muito importante para que se avalie aquilo em que a classe de
origem é mais importante do que a raça na determinação das chances de
mobilidade social e vice-versa.
Os quatro gráficos do canto inferior esquerdo indicam que não há
diferença nas chances relativas de mobilidade ascendente entre pretos,
pardos e brancos cujos pais pertenciam às classes mais baixas. Estes grá-
ficos comparam as chances relativas de filhos de trabalhadores rurais e de
trabalhadores manuais urbanos experimentarem mobilidade ascendente
rumo às classes de profissionais e trabalhadores não-manuais urbanos.
Em nenhuma destas comparações há diferença entre as chances relativas
de mobilidade de homens pretos, pardos e brancos. Por exemplo, inde-
pendentemente de sua cor ou sua raça, os filhos de trabalhadores manuais
urbanos têm 1,3 vez mais chances de chegar à classe de profissionais do
que filhos de trabalhadores rurais. Em suma, as chances de mobilidade
ascendente de indivíduos de origens nas classes mais baixas são inteiramente
determinadas pela origem de classe, sendo que a cor da pele não tem rele-
vância. Não há desigualdade racial nas chances de mobilidade ascendente
de pessoas com origem nas classes baixas.
No entanto, se se observam as chances relativas dos filhos de pro-
fissionais e trabalhadores não-manuais de rotina (representadas nos três
primeiros gráficos, na primeira linha da Figura 2), observa-se que as
chances relativas de imobilidade no topo e de mobilidade descendente são
diferentes para pretos, pardos e brancos. Filhos brancos de profissionais,
por exemplo, têm 2 vezes mais chances de permanecer nesta classe do
que de descer para a classe de trabalhadores não-manuais de rotina, ao
passo que filhos pretos de profissionais têm apenas 1,2 vez mais chances
de fazê-lo. Em suma, as chances de mobilidade descendente e de imobilidade
de indivíduos de origens nas classes mais altas são significativamente influen-
ciadas pela cor da pele. Há desigualdade racial nas chances de mobilidade
descendente e de imobilidade de indivíduos de origem nas classes altas.
O que estas análises sugerem é que o preconceito racial se torna mais
relevante na medida em que se sobe na hierarquia de classes, no Brasil.
Indivíduos de origem nas classes mais baixas encontram dificuldades de
mobilidade ascendente porque pertencem a classes mais baixas e não por
causa de sua cor ou de sua raça. No entanto, há evidências importantes
que sugerem que, possuindo suas origens nas classes mais altas, indiví-
duos negros teriam desvantagens, ou seja, teriam chances menores do
que os brancos oriundos destas mesmas classes, de permanecer no topo
e chances maiores de mobilidade descendente. As análises revelam que

171
a desigualdade de oportunidades de mobilidade social é racial apenas
nas classes altas, mas não o é nas classes baixas. Esta conclusão é muito
importante, pois indica que o preconceito racial deve estar presente com
mais força no topo, e não na base, da hierarquia de classes.

5 – Desigualdade de oportunidades educacionais

Na sociedade contemporânea, uma das mais importantes vias de mobi-


lidade social é a educação formal. Para ocupar certas posições de prestígio,
é essencial que se tenha qualificação educacional, não bastando ser filho
de alguém que é qualificado. Por exemplo, para se tornar médico ou juiz
de direito, é necessário ter educação superior. Ser filho de médico ou juiz
não qualifica ninguém como médico ou juiz, o que o faz são as escolas
de medicina e de direito. No entanto, é um fato amplamente discutido o
de que filhos de profissionais qualificados têm chances maiores do que
filhos de trabalhadores não-qualificados de alcançarem níveis educacionais
mais altos. Além disso, no debate contemporâneo, no Brasil, muito se fala
sobre chances educacionais desiguais entre brancos e não-brancos. Estas
pressuposições devem ser investigadas empiricamente.
A metodologia sociológica moderna relativa ao estudo da estratificação
educacional indica que é necessário estudarem-se as diversas transições
educacionais importantes. Ou seja, deve-se ver quais são as principais ca-
racterísticas que influenciam as chances de as crianças e os jovens virem a
fazer, com sucesso, uma transição. No presente capítulo, analiso seis transi-
ções: (1) entrada na escola; (2) conclusão da 4a série do ensino fundamental;
(3) conclusão da 8a série do ensino fundamental; (4) conclusão do ensino
médio; (5) entrada na universidade; e (6) conclusão da universidade.
Uma das conseqüências esperadas ao longo destas transições edu-
cacionais é que as características herdadas (tais como classe de origem,
raça ou gênero) tendem a ter peso maior nas primeiras transições do
que nas últimas, já que a cada transição é feita uma seleção em termos
de qualificação educacional. Indivíduos com diferentes origens de classe
que entram na universidade apresentam, por exemplo, uma importante
semelhança entre si: todos eles completaram o ensino médio.
Embora diversas características influenciem as chances de suces-
so em cada uma das transições educacionais (nos modelos de regressão
logística que utilizei, incluí origem de classe, idade e cor), apresento no
Gráfico 1 apenas o peso da origem de classes e da cor dos indivíduos em

172
cada uma das transições. Meu objetivo é verificar qual é a magnitude da
desigualdade de oportunidades educacionais em termos de raça e classe
de origem em cada transição.

Gráfico 1 – Efeitos de Origem de Classe e Cor sobre Log Chances de Fazer


Transições Educacionais para Homens

O Gráfico 1 revela, de fato, que a influência das classes de origem


e da cor das pessoas diminui progressivamente ao longo das transições
educacionais. Além disso, a origem de classe parece ter um efeito maior
do que a cor dos indivíduos nas chances de se fazerem transições. A
saber, indivíduos cujos pais pertenciam às classes mais altas (eram, por
exemplo, profissionais) têm mais chances de obter sucesso nas transições
educacionais do que indivíduos cujos pais pertenciam a classes mais bai-
xas. Brancos também têm mais chances de sucesso do que não-brancos,
mas o peso da classe de origem é maior do que o da raça. Em outras
palavras, pode-se afirmar que há mais desigualdade de oportunidades
educacionais em termos de classe do que de raça. No entanto, nas últimas
transições, a raça passa a ter um efeito semelhante ao da classe, ou seja,
as chances de se adentrar e de completar a universidade são desiguais
em termos raciais e de classe. Veja-se um exemplo: filhos de profissionais
têm 15 vezes mais chances de entrar na escola do que filhos de traba-
lhadores rurais, ao passo que brancos têm 3 vezes mais chances do que
não-brancos de fazê-lo. Há desigualdade de oportunidades educacionais
tanto em termos de classe de origem quanto de raça, embora a primeira
seja mais forte do que a segunda. Para ingressar na universidade, filhos
de profissionais têm 4 vezes mais chances do que filhos de trabalhadores
rurais; e brancos têm 2 vezes mais chances do que não-brancos. Em suma,

173
no início da carreira escolar, a desigualdade de classes é muito mais forte
do que a de raça, ao passo que, nos níveis educacionais mais elevados,
os dois tipos de desigualdade diminuem em relação ao que ocorre nas
primeiras transições e se tornam mais semelhantes. Assim, nas transições
educacionais de níveis mais altos, as desigualdades de raça e de classe
têm magnitudes semelhantes.
Estas conclusões acerca das transições educacionais reforçam aquelas
relativas à mobilidade ascendente que foram apresentadas na seção ante-
rior deste capítulo. Em termos de oportunidades, a desigualdade de classe é
muito mais forte nas transições iniciais do que a desigualdade de raça. Em
contraposição, a desigualdade racial passa a ser mais relevante, em relação
à de classe, nas transições mais elevadas do sistema educacional. Na medida
em que se sobe na hierarquia socioeconômica da sociedade, a desigualdade
racial parece se tornar mais importante que a de classe, ou, pelo menos, tão
importante quanto ela.

6 – Destinos de classe: efeitos de raça, origem de classe e


qualificação educacional

Tendo-se analisado a mobilidade social intergeracional e a estratifica-


ção educacional nas duas seções anteriores, cabe agora integrar as duas
análises. Em outras palavras, resta saber quais os efeitos da origem de
classe, da cor e da educação alcançada nas chances de mobilidade social
para as classes de destino em 1996, ano em que foram coletados os dados
do IBGE que analiso neste capítulo.
Convém, ainda, utilizar aqui modelos estatísticos que sejam capazes de
controlar pela proporção diferente de brancos, pardos e pretos de origens
nas classes altas e baixas. Além disso, introduzi a variável “anos comple-
tos de escolaridade” como um dos principais fatores que determinam a
mobilidade social. O modelo que utilizei é conhecido como “modelo logit
multinomial condicional” (veja-se a seção acerca da metodologia).
Os resultados do modelo (segundo a Tabela 4) reforçam ainda mais
as conclusões que encontrei anteriormente. A desigualdade racial parece
ser realmente mais forte para se entrar nas classes mais altas do que para
se entrar nas classes mais baixas. A saber, a entrada nas classes mais
baixas é antes desigual, em termos de origem de classe, em vez de o ser
em termos de raça, ao passo que, para se entrar nas classes mais altas,
há desigualdade de oportunidades entre brancos e não-brancos (pardos +

174
pretos), o que indica que a discriminação racial fica mais forte na medida
em que se sobe na hierarquia de classes.
O Gráfico 2 apresenta as chances relativas de homens brancos e
não-brancos entrarem na classe de trabalhadores manuais urbanos, no
lugar de trabalhadores rurais, de acordo com os anos de escolaridade que
completaram. O cálculo destas chances também leva em conta a classe
de origem. Em linguagem estatística, dize-se que se controla pela classe
de origem, ou seja, que estão sendo observadas as chances condicionais
(em termos de educação e de classe de origem) de brancos e não-brancos
entrarem na classe de trabalhadores manuais.
O que o gráfico revela é que não há diferença entre as chances de
brancos e não-brancos e que, quanto mais forem os anos de educação,
maiores serão as chances de se entrar na classe de trabalhadores urbanos
(mais alta em termos hierárquicos que a de trabalhadores rurais).

Gráfico 2 – Chances Estimadas de Homens Brancos e Negros se Tornarem


Trabalhadores Manuais ao Invés de Trabalhadores Rurais por Anos de
Escolaridade. (Modelos 2 tabela 4): Brasil 1996

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos modelos estimados com base nos dados da PNAD 1996.

Encontra-se um resultado diferente por completo quando se analisam


as chances de se entrar na classe de profissionais, em vez de na classe de
trabalhadores rurais (os dois extremos da hierarquia de classes). O Gráfico
3 apresenta justamente esta comparação, de acordo com o mesmo modelo
que foi utilizado para desenhar o gráfico acima.

175
Gráfico 3 – Chances Estimadas de Homens Brancos e Negros se Tornarem
Profissionais ou Administradores ao Invés de Trabalhadores Rurais por
Anos de Escolaridade. (Modelos 2 tabela 4): Brasil 1996

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos modelos estimados com base nos dados da PNAD 1996.

Este gráfico revela que há uma diferença significativa nas chances


de brancos e não-brancos entrarem na classe de profissionais. Tendo os
mesmos anos de escolaridade do que os brancos, os não-brancos pos-
suem chances bem menores de se tornarem profissionais (lembre-se de
que esses dados controlam pela origem de classe). Entre os homens que
completaram 15 anos de escolaridade (que concluíram a universidade),
por exemplo, os brancos têm 3 vezes mais chances do que os não-brancos
de se tornarem profissionais. É interessante observar que, apesar de não
haver desigualdade racial nas chances de se completar a universidade,
há fortes evidências de que não-brancos formados em universidades en-
contram mais dificuldade para ingressar em cargos profissionais do que
brancos que têm o mesmo nível educacional.
Estas análises confirmam, mais uma vez, o que observei anteriormente.
A saber, no processo de mobilidade ascendente, a desigualdade racial está
presente nos níveis mais elevados da hierarquia de classes, principalmente, ao
passo que as chances de ascensão de quem é originário das classes baixas são
determinadas pela posição de classe e não pela raça ou pela cor da pele.

176
7 – Conclusões

A principal conclusão deste capítulo é a de que a desigualdade racial


está presente nas chances de mobilidade apenas para indivíduos originá-
rios das classes mais altas. Homens brancos, pardos e pretos de origens
nas classes mais baixas têm chances semelhantes de mobilidade social.
Cheguei a este resultado a partir da análise detalhada de três aspectos da
mobilidade social: (1) as desigualdades de oportunidades de mobilidade
intergeracional de classes de origem e de destino; (2) as desigualdades nas
chances de se fazerem transições educacionais; e (3) os efeitos da educação
alcançada e da origem de classe nas chances de mobilidade social. Em
todas as análises, enfatizei as comparações entre os efeitos da cor da pele
e os da classe de origem.
O principal problema na análise da mobilidade intergeracional de
brancos, pardos e pretos é que o primeiro grupo tende a estar representado
em maior proporção nas classes de origem mais altas e os dois últimos
grupos, nas classes de origem mais baixas. Este fato faz com que as opor-
tunidades de mobilidade de brancos sejam maiores do que as de pretos e
pardos. Portanto, ao se analisarem as chances de mobilidade utilizando
apenas as taxas brutas (percentuais), não se têm como separar o efeito da
classe de origem do efeito da cor de pele. Por este motivo, utilizei modelos
estatísticos que controlam esta desproporção na classe de origem, e que
permitem analisar a variação entre os grupos de cor do padrão e da força
da associação entre classes de origem e de destino. Em outras palavras,
eles permitem verificar não apenas quais são os efeitos da classe de ori-
gem e da cor de pele nas chances de mobilidade, mas também como estes
efeitos se combinam (interagem) ou não.
Os resultados desta análise levam à conclusão de que, para os homens
originários das classes mais baixas (trabalhadores rurais, trabalhadores
manuais urbanos e pequenos empregadores rurais), não há desigualdade
racial nas chances de mobilidade ascendente, ou seja, nos estratos mais
baixos, brancos, pardos e pretos enfrentam dificuldades semelhantes de
mobilidade ascendente. Em contrapartida, homens brancos, pardos e
pretos originários das classes mais altas (profissionais, administradores e
pequenos empregadores; e trabalhadores de rotina, técnicos e autônomos),
têm chances de imobilidade e mobilidade descendente distintas. Os brancos
têm chances maiores do que os pardos e os pretos de imobilidade no topo
da hierarquia de classes, enquanto estes últimos têm chances maiores de
mobilidade descendente. Assim, há desigualdade racial nas oportunidades

177
de mobilidade intergeracional para homens originários das classes mais
altas. Estes resultados revelam que: a desigualdade de oportunidades está
presente no topo, mas não na base, da hierarquia de classes. Esta conclusão
leva a sugerir que a discriminação racial ocorre principalmente quando
posições sociais valorizadas estão em jogo.8
Outro aspecto fundamental do processo de mobilidade social é a aqui-
sição de educação formal. A escolarização é um dos principais fatores que
levam à mobilidade social. A análise das desigualdades de oportunidades
educacionais, portanto, é fundamental para que se entenda o processo de
mobilidade. Neste sentido, analisei os efeitos de raça e classe de origem
nas chances de se fazerem seis transições educacionais: (1) completar a
1ª série do ensino fundamental; (2) completar a 4a série do ensino funda-
mental, tendo-se feito a transição 1; (3) completar o ensino fundamental,
tendo-se feito as transições 1 e 2; (4) completar o ensino médio, tendo-se
feito as transições anteriores; (5) completar um ano de universidade, tendo-
se feito as transições anteriores; e (6) completar a universidade, tendo-se
feito todas as transições. Segundo a interpretação corrente (Shavit e Blos-
sfeld, 1993), o efeito das variáveis de origem de classe tende a diminuir
ao longo das transições educacionais. Esta tendência se confirma nas
minhas análises. No entanto, meu maior interesse foi o de verificar qual
o peso da cor da pele e da classe de origem nas chances de se fazerem
transições educacionais.
As análises indicam que há desigualdade nas chances de se fazerem
transições tanto em termos de cor da pele quanto de classe de origem,
mas que o segundo tipo de desigualdade é maior do que o primeiro. Além
disso, enquanto a desigualdade de classe diminui ao longo das transições,
a desigualdade racial aumenta na transição cinco, que diz respeito a
completar ou não o primeiro ano de universidade. Até a quarta transição
(completar o ensino médio) os efeitos de classe de origem são, pelo menos,
seis vezes maiores do que o efeito de raça. Ou seja, até a quarta transição,
a desigualdade de classes é maior do que a de raça. Na quinta e na sexta
transições (completar o primeiro ano da universidade e terminar a uni-
versidade) a desigualdade racial torna-se mais semelhante à desigualdade

8
Conclusões sobre discriminação com base em estudos estatísticos como o
que apresento neste capítulo não são inequívocas. Pode haver uma série de
outros fatores que levem ao padrão de desigualdade racial que apresento aqui.
Uma alternativa interessante para se investigar diretamente a discriminação
são estudos quase-experimentais. Para uma discussão metodológica a partir
do caso norte-americano, veja-se Pager (2003).

178
de classe, tendo-se em vista que o peso da classe de origem é apenas 2,5
vezes maior do que o peso da cor de pele. Ter origens nas classes mais
altas aumenta as chances de se fazerem as transições educacionais de
modo bem-sucedido; ser branco, em vez de não-branco (preto ou pardo),
também as aumenta. Em suma, nas transições educacionais, até a entrada
no ensino médio, a desigualdade de classe é muito maior do que a de raça,
ao passo que, para completar um ano de universidade e para concluí-la, a
desigualdade racial é quase tão grande quanto a desigualdade de classe.
Por fim, analisei os efeitos de escolaridade alcançada, raça e classe
de origem nas chances de mobilidade ascendente. Nestas análises, que
combinam as duas anteriores, fica claro que o efeito da raça sobre as
chances de mobilidade, levando-se em conta a escolaridade e a classe
de origem, está presente somente em relação a indivíduos com mais de
10 ou 12 anos de educação e que pertencem à classe de profissionais,
administradores e empregadores. Tendo mais de 12 anos de escolaridade,
brancos possuem, em média, três vezes mais chances do que não-brancos
de vivenciar mobilidade ascendente rumo às classes mais privilegiadas.
Embora a educação seja importante para qualquer tipo de mobilidade
ascendente, a desigualdade racial está presente apenas nas chances de
mobilidade referentes ao topo da hierarquia de classes. Mais uma vez,
os resultados comprovam que: só há desigualdade racial nas chances de
mobilidade ascendente para as classes mais altas hierarquicamente.
Os resultados desta pesquisa são extremamente relevantes para se
discutirem as quatro teorias sobre estratificação racial e de classe que
apresentei, resumidamente, na seção 2 deste capítulo. A primeira, que
é derivada do trabalho de Pierson (1945), sugere que: não haveria bar-
reiras raciais fortes à mobilidade ascendente, mas sim barreiras de classe.
A segunda, apresentada por Costa Pinto (1952), sugere que: a expansão
da sociedade de classes levaria a um aumento da mobilidade social e, na
medida em que não-brancos começassem a entrar nas classes mais privile-
giadas, haveria um retorno e um acirramento da discriminação racial. A
terceira, apontada por Fernandes (1965), assevera que: a discriminação
racial no processo de mobilidade social seria paulatinamente substituída pela
discriminação de classe, ou seja, o preconceito racial seria uma herança do
passado colonial. Finalmente, o trabalho de Hasenbalg (1979) sugere que:
a discriminação racial continuaria sendo um importante fator de estratifica-
ção social na sociedade brasileira mesmo com a expansão da sociedade de
classes advinda da industrialização.
Esta apresentação das quatro perspectivas é, obviamente, reducio-
nista. Até mesmo Pierson (1945:221-239) sugere que alguma forma de

179
estratificação por raça poderia surgir de um aumento da competição dos
não-brancos com os brancos por posições socialmente privilegiadas.9 Neste
ponto, a perspectiva de Pierson parece se aproximar da de Costa Pinto
(1952), embora este último argumente que existe discriminação racial.
Embora minhas análises não permitam estudar as mudanças temporais nas
chances de mobilidade, na medida em que descrevo a mobilidade apenas
em um determinado momento do tempo, elas sugerem que as competições
por posições sociais hierarquicamente mais elevadas são marcadas por
desigualdades raciais, ao passo que as chances de ascensão daqueles
originários das classes mais baixas são inteiramente determinadas por
sua posição de classe. Este resultado indica que a desigualdade racial está
presente no topo, mas não na base, da hierarquia de classes.
Estas conclusões também desafiam as teorias de Fernandes (1965) e
de Hasenbalg (1979). A idéia de Fernandes (1965) de que a desigualda-
de racial seria uma herança do passado estaria bem representada se as
análises não tivessem levado em conta a desproporção de não-brancos e
brancos na classe de origem. Esta desproporção, que influencia as taxas
brutas de mobilidade, é uma conseqüência da desigualdade do passado que
determina as chances de mobilidade do presente. No entanto, ao controlar
estas diferenças iniciais, a metodologia que utilizei permite afirmar que
as formas de desigualdade racial nas chances de mobilidade encontradas
não são apenas uma conseqüência da desigualdade do passado. Não são
tampouco generalizadas, como a teoria de Hasenbalg (1979) sugere, ou
seja, a idéia de que haveria desigualdade nas chances de mobilidade entre
não-brancos e brancos independentemente de sua origem de classe não
se comprova em minhas análises. Pelo contrário, indico que as desigual-
dades raciais nas chances de mobilidade são marcadas por diferenças
significativas nas origens de classe.10
Os resultados das análises apresentadas neste capítulo indicam que
há necessidade de novas sínteses teóricas acerca da relação entre classe,
raça e mobilidade social. A resposta não pode ser, simplesmente, a de que
há ou não discriminação e desigualdade racial nas chances de mobilida-
de. Este tipo de visão maniqueísta, que parece estar presente em grande
parte do debate atual, não vai ajudar no desenvolvimento de novas teorias
e análises sobre as relações raciais no Brasil. Este estudo pretende ser

9
Agradeço ao parecerista anônimo do periódico Dados, onde uma versão
anterior deste capítulo foi publicada, por ter me alertado para estes pontos.
10
Mais uma vez, conforme a nota anterior, agradeço ao parecerista anônimo
de Dados por me alertar para este ponto.

180
uma pequena contribuição ao debate acadêmico. Análises sobre o tema
que incluam mudanças, ao longo do tempo, nas chances de mobilidade
seriam possibilidades interessantes de extensão deste trabalho.

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gualdades Sociais ao Longo da Vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.
SILVA, Nelson do V. e SOUZA, A. M. “Um Modelo para Análise da Estrati-
ficação Educacional no Brasil”. Cadernos de Pesquisa, nº 58, Fundação
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TELLES, E. Racismo à Brasileira: Uma Nova Perspectiva Sociológica. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 2003.
WAGLEY, C. Race and Class in Rural Brazil. Paris: UNESCO, 1952.
XIE, Yu. “The Long-Multiplicative Layer Effect Model for Comparing Mobility
Tables”. American Sociological Review, vol. 16, 1992, pp. 159-183.

183
Anexo

Tabela A – Tabela cruzando origem de classe (O) por destino de classe


(D) por cor (C) para homens entre 25 e 64 anos de idade, Brasil: 1996

Origem de classe (pai) Destino de classe (filho)

1 2 3 4 Total

Brancos

1 Prof., Admin., e Propr. Empreg 1056 571 354 39 2020

2 Trab de Rot. Não-man., Téc., e Propr s/ empreg. 935 1045 822 67 2869

3 Trab. Manuais, e Pq. Empegadores Rurais 1157 1590 3632 357 6736

4 Trabalhadores Rurais 946 1655 4905 3514 11020

Total 4094 4861 9713 3977 22645

Pardos

1 Prof., Admin., e Propr. Empreg 129 167 241 19 556

2 Trab de Rot. Não-man., Téc., e Propr s/ empreg. 226 513 556 81 1376

3 Trab. Manuais, e Pq. Empegadores Rurais 351 848 2591 305 4095

4 Trabalhadores Rurais 331 1127 4103 3977 9538

Total 1037 2655 7491 4382 15565

Pretos

1 Prof., Admin., e Propr. Empreg 7 14 31 1 52

2 Trab de Rot. Não-man., Téc., e Propr s/ empreg. 24 46 87 8 165

3 Trab. Manuais, e Pq. Empegadores Rurais 57 155 595 40 847

4 Trabalhadores Rurais 37 118 648 558 1361

Total 125 333 1361 606 2425

Fonte: PNAD 1996, tabulação do autor

184
Tabela B – Hierarquia de Classes e Estratos por Médias de Anos de Esco-
laridade e Renda Mensal e Coeficientes de Associação: Brasil 1996

Média de Anos de Escolaridade e Média de Renda Mensal e


(desvio padrão) (desvio padrão)

4 Estratos 16 Classes 16 Classes 4 Estratos 16 Classes 4 Estratos

1 I - Prof e Adm, nível alto 14.4 (2) 11 (2.1) 2661.8 (261.64) 2074.44 (407.9)
II - Prof e Adm, nível baixo 11.7 (2.9) 1392.9 (379.72)
IVa - Pequenos Propriet.,
10.2 (2.6) 2133.6 (224.79)
empregadores

2 IIIa - Não-manual rotina, nível alto 11.1 (2.7) 8 (2.2) 969.42 (333.14) 800.95 (79.3)
V - Técnicos e supervisores do
9.5 (3.1) 897.29 (192.83)
Trab. Manual
IIIb1 - Não-manual rotina, nível
8.5 (3.1) 575.34 (175.05)
baixo (escritório)
IVb - Pequenos Propriet., sem
7.1 (2.5) 766.08 (134.08)
empregados

VIa - Trabalhadores Manuais


3 7.4 (2) 4 (2.1) 608.81 (122.72) 490.48 (49.1)
Qualif., Ind. Moderna
VIc - Trabalhadores Manuais
6.7 (2.4) 599.99 (140.26)
Qualif., Serviços
VIIa2 - Trabalhadores Manuais
6.6 (1.9) 507.92 (138.82)
Não-qualif., Ind. Mod.
IVc1 - Pequenos Prop. rurais, com
6.4 (2.6) 1173.25 (388.14)
empregados
VIIa4 - Trabalhadores Manuais
5.7 (2.1) 440.52 (159.31)
Não-qualif., Ambulantes
VIb - Trabalhadores Manuais
5 (2.1) 408.88 (166.63)
Qualif., Ind. Tradicional
VIIa3 - Trabalhadores Manuais
5 (2.2) 287.44 (114.45)
Não-qualif., Serv Domest
VIIa1 - Trabalhadores Manuais
4.9 (2.2) 345.84 (120.81)
Não-qualif., Indu. Trad.

VIIb - Trabalhadores Manuais


4 2.2 (1.6) 2.2 (1.6) 240.9 (72.42) 244.34 (61.4)
Rurais

Total 6,7 5,7 710,9 715,0

Coeficiente de Associação (Eta ao quadrado) 0,45 0,38 0,25 0,20

185
Tabela C – Distribuições de Classes de Origem e de Destino, e Índices de
Mobilidade Absoluta para Homens Brancos, Pardos e Pretos entre 20 e
64 anos de Idade, Brasil 1996 (dados da PNAD-1996)

Brancos Pardos Pretos

Estratos Origem Destino Origem Destino Origem Destino

1 Prof., Admin., e Propr. Empreg 8,9% 18,1% 3,6% 6,7% 2,1% 5,2%

2 Trab de Rot. Não-man., Téc., e 12,7% 21,5% 8,8% 17,1% 6,8% 13,7%
Propr s/ empreg.

3 Trab. Manuais, e Pq. 29,7% 42,9% 26,3% 48,1% 34,9% 56,1%


Empegadores Rurais

4 Trabalhadores Rurais 48,7% 17,6% 61,3% 28,2% 56,1% 25,0%

Índices de Mobilidade Absoluta Brancos Pardos Pretos

Mobilidade Total 59% 54% 50%

Mobilidade Ascendente 49% 45% 43%

Mobilidade Descendente 10% 9% 7%

Razão Mob. Asc./Mob. Desc. 5 para 1 5 para 1 6 para 1

Dissimilaridade entre Origem 31% 33% 31%


e Destino

186
CAPÍTULO 5

Mobilidade Social Passada e Futura:


Correlações com Opiniões Políticas, Percepções sobre
Conflito e sobre Chances de Vida1

“Numa sociedade onde há mobilidade social ocorre ‘des-


localização’, ‘atomização’ e difusão. Uma vez que um indi-
víduo pretence a diferentes grupos sociais e mude de um
[...] para outro, sua área de solidariedade não se limita a
um único grupo’2
Pitirim A. Sorokin
Social and Cultural Mobility,1927

“[…] as classes ainda não estão fixas, mas em fluxo constante,


com uma persistente troca de seus elementos.”3
Karl Marx
O 18 Brumário de Louis Bonaparte, 1852

1 – Introdução

Classes sociais não são grupos estáticos. Embora praticamente todo


cientista social concorde com esta proposição, é comum que emitam frases
como, por exemplo, “fulano pertence à classe A ou B, etc.”. Foi justamente
com o propósito de relativizar a idéia de que as classes seriam estáticas
que surgiram os primeiros estudos sobre mobilidade social. Para Piti-
rin Sorokin (1927), que escreveu o primeiro livro totalmente dedicado

1
Este capítulo foi inicialmente publicado em SCALON, Celi. Imagens da Desigual-
dade. Belo Horizonte: UFMG, 2004. Agradeço a Celi e à editora por permitirem a
publicação aqui.
2
“In a mobile society a ‘delocalization’, and ‘atomization’, and difusion tend to take
place. Since an individual belongs to different social groups and shifts from one (...)
to another his area of solidarity is not limited within one group”.
3
“[...] classes are not yet fi xed, but in constant flux, with a persistent interchange
of their elements”.

187
ao estudo da mobilidade social, os indivíduos estão constantemente em
movimento entre as diversas classes, e, por meio desses indivíduos em
movimento, idéias e valores também circulam pela sociedade. Muitos anos
antes, também Karl Marx (1852) reconhecera este fato, ao afirmar que as
classes sociais estavam em “fluxo constante”, e que, portanto, as idéias dos
membros de cada classe seriam influenciadas não apenas por sua posição,
mas também por sua origem de classe e por suas possibilidades, reais ou
imaginárias, de mudar de classe, no futuro. Partindo das sugestões destes
pensadores, diversos cientistas sociais voltaram-se ao estudo da relação
entre classes sociais e atitudes políticas ou sociais, levando em conta os
padrões tanto da mobilidade social de fato quanto das possibilidades
reais e imaginárias de mobilidade social futura. Em tese, as idéias dos
indivíduos em cada sociedade deveriam estar relacionadas tanto com a
posição que ocupam nesta sociedade, de acordo com suas origens sociais,
quanto com as posições que eles acreditam que deverão ocupar no futuro.
Será que esta tese se aplica à sociedade brasileira contemporânea? Esta é
a questão que procuro investigar neste capítulo; porém, antes de começar
a fazê-lo, convém recordar alguns fatos acerca da estrutura de classes e
da mobilidade social brasileiras.
Embora a literatura sobre mobilidade social no Brasil não seja volu-
mosa, todos os estudos concordam, pelo menos, em um ponto: há muita
mobilidade estrutural. Isto significa que as rápidas industrialização e
urbanização, que ocorreram no país desde 1950, se espelham na enorme
dissimilaridade existente entre a estrutura de classes contemporânea e a
distribuição da origem de classe dos trabalhadores. Em 1996, mais de
50% dos homens, entre 20 e 64 anos de idade, eram filhos de trabalha-
dores rurais, ao passo que menos de 20% desses homens trabalhavam no
campo (Costa Ribeiro, 2002), o que mostra que houve muita oportunidade
agregada de mobilidade intergeracional. Obviamente, estas oportunidades
nunca foram distribuídas de forma equânime, tendo-se em vista que (1)
filhos das classes mais privilegiadas sempre tiveram chances relativas muito
maiores de chegar ao topo do que filhos das classes desprivilegiadas; e que
(2) a maior parte da mobilidade social é de curta distância, ou seja, para
classes próximas na estrutura ocupacional. Contudo, é inegável o fato de
que muitos indivíduos se encontram em uma classe social um pouco mais
promissora do que a de seus pais.
Considerando-se que houve muitas oportunidades agregadas de mo-
bilidade intergeracional (taxas absolutas), é de se esperar que posições
políticas, e opiniões sobre conflito e sobre oportunidades de vida, variem
de acordo com as trajetórias de mobilidade vivenciadas pelos indivíduos.

188
Em outras palavras, o estudo sobre a relação entre posições de classe e
ideologias na sociedade brasileira deveria necessariamente levar em conta
os padrões de mobilidade social.
Também parece fazer sentido a idéia de que as imagens que os indi-
víduos têm da sociedade desempenham um papel tão ou mais relevante
em suas opiniões políticas e sociais do que o lugar que realmente ocupam
nesta sociedade e do que sua origem social. Dentre as imagens que cada
indivíduo faz da sociedade em que vive, talvez uma das mais importantes
seja a das oportunidades que eles teriam no futuro. Uma maneira de se
observar estas perspectivas imaginárias de oportunidade futura é por
meio das expectativas, ou esperanças, de mobilidade futura, o que torna a
investigação sobre a correlação entre mobilidade futura e opiniões políticas
e sociais teoricamente relevante.
Neste capítulo, procuro avaliar as idéias expostas acima mediante aná-
lises estatísticas a respeito da associação das mobilidades sociais passada
e futura com: (1) as chances de se identificar com partidos de esquerda
(PT) e de se concordar com políticas redistributivas; (2) as percepções
sobre conflitos entre classes e grupos de cor; e (3) a valorização da sorte
e do esforço como fatores necessários para se melhorar de vida.

2 – Hipóteses de trabalho

Diversos sociólogos especularam sobre os efeitos da mobilidade social,


de fato e esperada, nas idéias e nos valores dos indivíduos, mas poucos
se preocuparam em desenvolver estudos sistemáticos sobre este tema. Há
algumas pesquisas qualitativas no Brasil sobre as características psicos-
sociais de pessoas que têm propensão à mobilidade ascendente – como os
japoneses em São Paulo (Cardoso, 1972) –, mas não tenho conhecimento
de trabalhos acerca dos impactos da mobilidade social sobre as opiniões
sociais e políticas. A despeito desta lacuna na literatura brasileira, várias
hipóteses que correlacionam mobilidade social e percepções sociais e ide-
ologias são recorrentes desde os primeiros trabalhos sobre estratificação
social (i.e., Marx, 1852; Sorokin, 1927; Bendix e Lipset, 1966; Merton,
1968; Strauss, 1971; Goldthorpe, 1980). Esta literatura deu origem a duas
tradições distintas de pesquisa sobre classes sociais, mobilidade social e
opiniões políticas ou sociais. A primeira tradição, iniciada por Blau e Dun-
can (1967), constitui-se de vários estudos empíricos que se preocuparam
em analisar os impactos da mobilidade social sobre os comportamentos
e opiniões dos indivíduos, independentemente das posições de classes de

189
origem e destino. Ao contrário das especulações, as pesquisas empíricas
indicam que há apenas um efeito moderado da mobilidade social sobre
opiniões sociais e posições políticas em países europeus e nos EUA.4 A
segunda tradição de estudos, relacionada aos trabalhos de Merton (1968)
sobre grupos de referência, dedicou-se a mostrar como as correlações entre
classes (e outros tipos de grupos sociais) e opiniões devem ser entendidas
em um contexto de constante fluxo de indivíduos entre grupos reais e
imaginários. Tendo em vista que se deve considerar classes sociais como
entidades formadas por indivíduos em constante movimento, e não como
entidades fixas, as correlações entre classes e diversos tipos de opiniões
podem ser entendidas somente quando se leva em conta o movimento dos
indivíduos entre grupos sociais reais e imaginários. Erick Olin Wrigth
(1997), por exemplo, sugere que a relação entre classes e ideologias pode
ser desvendada somente quando se consideram os padrões de mobilidade
entre classes, de amizades entre classes, de casamentos entre classes, e
outros tipos de relações sociais que cruzam fronteiras de classe. Na reali-
dade, as próprias classes só seriam identificadas a partir destes padrões
de relações sociais, entendidas ao longo do tempo e do espaço.
O presente capítulo segue esta segunda tradição de estudos sobre
classes, mobilidade e opiniões. Procuro, portanto, mostrar como a correla-
ção entre classes sociais e opiniões políticas ou sociais deve ser entendida
levando-se em conta o fato de que, em sociedades modernas, há sempre
mobilidade social e movimento de indivíduos entre diversos grupos e
classes sociais. Obviamente, meu estudo não dará uma solução definitiva
para a questão da relação entre classes e opiniões políticas, pois apenas
indicará a importância de se levarem em conta os padrões reais e imagi-
nários de mobilidade social, para que se possa compreender as possíveis
correlações entre classes sociais e ideologias. Como mencionei acima,
também procurarei observar as possíveis correlações entre as esperanças
de mobilidade e as opiniões sociais e políticas.
Nos últimos dez anos, alguns poucos estudos vêm sugerindo que as
perspectivas futuras de mobilidade social têm efeito considerável sobre
atitudes políticas. Graham e Pettinato (2002) afirmam que as esperança
de mobilidade social futura, para si próprio ou para seus filhos, leva os
indivíduos a terem posições políticas e percepções sobre conflito e sobre

4
Os estudos mais sofisticados e recentes desta tradição utilizam modelos de “refe-
rência diagonal” (Sobel, 1981; 1985) para distinguir os efeitos da mobilidade social
dos efeitos das classes de origem e de destino nas atitudes sociais e políticas, bem
como nos padrões de fecundidade.

190
oportunidades de melhorar de vida que são distintas daqueles que pos-
suem no presente. Indivíduos que acreditam em um futuro mais próspero,
por exemplo, tendem a suportar mais privações, e a concordar com elas,
no presente. No presente capítulo, dou início a algumas análises sobre a
relação entre as esperanças relativas ao futuro e as opiniões presentes.
Para investigar as correlações das mobilidades sociais passada e futura
com opiniões sociais utilizo os dados do ISSP,5 coletados em 2001, sobre
percepções de desigualdade no Brasil. Embora tenha trabalhado com
diversas variáveis desta pesquisa de opinião, limitar-me-ei à análise de
apenas algumas delas, visto que os resultados não se modificam muito em
relação a outras variáveis. Meu objetivo principal é verificar se há ou não
correlação das mobilidades sociais, passada e futura, e as opiniões políticas
e sociais; e, caso haja, qual é o padrão e/ou a força desta correlação.
Para definir a mobilidade social passada (intergeracional), classifico a
origem e o destino de classe de homens e mulheres com mais de 18 anos
em cinco grupos: 1 – profissionais, administradores e empregadores; 2 –
trabalhadores não-manuais de rotina de alto nível, técnicos, e supervisores;
3 – trabalhadores não-manuais de rotina de baixo nível e autônomos no
comércio; 4 – trabalhadores manuais; e 5 – trabalhadores rurais. Quatro
trajetórias de mobilidade social são definidas usando-se estas cinco classes:
1 – imobilidade ou mobilidade de curta distância no topo (imobilidade nas
classes 1 e 2 e mobilidade entre estas duas classes); 2 – mobilidade ascen-
dente de longa distância (mobilidade das classes 3, 4 e 5 para as classes 1
e 2); 3 - mobilidade descendente de longa distância (mobilidade das classes
1 e 2 para as classes 3, 4, e 5); e 4 - imobilidade ou mobilidade de curta
distância na base (imobilidade nas classes 3, 4 e 5 e mobilidade entre estas
três classes). O esquema de cinco classes que ora utilizo está hierarquizado
de acordo com a renda e a educação dos indivíduos pertencentes a cada
uma das classes, conforme disposto na Tabela 1, na seção 4, a seguir. Este
esquema é uma combinação especial de classes do esquema CASMIN, que
foi desenvolvido para se analisar a mobilidade de classes em sociedades
industriais (Erickson e Goldthorpe, 1993).
Para investigar as esperanças de mobilidade social, utilizo as respostas
a duas perguntas da pesquisa do ISSP. Após mostrar uma escala de sete

5
ISSP é o International Social Survey Program. Neste livro utilizo dois destes surverys
coletados no Brasil. Neste capítulo utilizo o survey “Percepções da desigualdade”,
coletado com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro
(FAPERJ) e coordenado por Celi Scalon (UFRJ). Agradeço a Celi pelo convite para
trabalhar com estes dados.

191
grupos hierárquicos aos entrevistados, os entrevistadores perguntavam-
lhes: “onde o Sr.(a) acha que se situa e que sua família se situa”, e “onde
o Sr.(a) acha que estará daqui a 10 anos”. Cruzando os valores das duas
respostas, tem-se uma tabela de mobilidade social para o futuro (ou es-
perada) em que se contrasta o lugar que o indivíduo pensa ocupar no
presente com o lugar que acha que vai ocupar daqui a dez anos. A partir
do cruzamento destas informações, defini quatro trajetórias de mobilidade
esperada para os próximos dez anos: 1 – imobilidade ou mobilidade de
curta distância no topo; 2 – mobilidade ascendente de longa distância;
3 - mobilidade descendente de longa distância; e 4 - imobilidade ou
mobilidade de curta distância na base. Embora estas quatro categorias
tenham o mesmo nome das quatro categorias referentes à mobilidade so-
cial passada (intergeracional), é importante ter em mente que não se trata
de variáveis totalmente equivalentes. Portanto, utilizarei com cautela as
comparações entre ambas.
A mobilidade passada diz respeito à transição da posição da família
de origem, quando o indivíduo tinha 15 anos de idade, para a classe em
que ele se encontrava em 2001,6 enquanto a mobilidade futura designa a
transição do local imaginário que as pessoas pensam ocupar na sociedade,
em 2001, para o que pensam que ocuparão, em 2011. Como mostram os
dados analisados a seguir, não há correspondência exata entre a posição de
classes que o indivíduo ocupa e a que imagina ocupar. Na seção 4, apre-
sento algumas análises comparativas sobre mobilidade futura e passada
com o objetivo de descrever semelhanças e diferenças entre ambas.
Finalmente, analiso as correlações entre trajetórias passadas e futuras
de mobilidade com seis variáveis que indicam opiniões políticas e sociais.
Estas seis variáveis foram selecionadas seguindo-se três hipóteses de tra-
balho que são propostas por Peter Blau (1956) em sua teoria sobre grupos
e trocas sociais (Blau, 1956, 1966); segundo esta teoria, há correlação
entre opiniões ou atitudes individuais e grupos sociais. No entanto, esta
correlação só pode ser compreendida corretamente quando se entendem
os grupos sociais como entidades dinâmicas, formadas por indivíduos
em constante movimento entre estes grupos. Assim, um indivíduo nunca
pertence a um único grupo, na medida em que participa, diacrônica e
sincronicamente, de diversos grupos sociais. A correlação entre os grupos

6
Utilizo o critério de dominância proposto por Erickson (1983). Segundo este critério,
a classe a que cada um pertence é definida pela posição mais alta do indivíduo na
família (marido ou esposa). A classificação da origem também segue este princípio
em relação à classe do pai ou da mãe.

192
e as idéias expressas pelos indivíduos só pode ser devidamente entendida
quando se leva em conta esta característica dinâmica das sociedades.7
A primeira hipótese de Blau é a de “aculturação”. Indivíduos que
vivenciaram mobilidade social tendem a ter preferências políticas interme-
diárias, isto é, entre as de suas classes de origem e as de suas classes de
destino,8 uma vez que ainda estão sofrendo o processo de “aculturação”
ao novo grupo, o qual passaram a integrar. Esta hipótese é contra-intuitiva
em relação à idéia de que os indivíduos tendem a ter posições e atitudes
racionalmente condizentes com a posição material que ocupam na socie-
dade. Para observar a validade desta hipótese, escolhi duas variáveis: (1)
se a pessoa se identifica com partido de esquerda (PT) ou não, e (2) se
a pessoa concorda totalmente, em parte, não concorda nem discorda, ou
discorda, em parte ou totalmente, com a proposição de que “o governo
deve aumentar os impostos e, com isso, garantir melhor educação, mais
saúde e mais moradia para os que precisam”. Em tese, tanto a identifica-
ção com um partido de esquerda quanto a tendência a concordar com a
proposição acima estariam ligadas a posições políticas mais progressistas
e menos conservadoras.
Neste sentido, investigo se há algum indício de aculturação política
não apenas em quem vivenciou a mobilidade social intergeracional, como
também naqueles que esperam a mobilidade social para os próximos anos.
Estes últimos sofreriam aculturação, na medida em que adotariam posições
que imaginam ser as do grupo em que estarão no futuro. Embora Blau
não tivesse previsto a possibilidade dos impactos da mobilidade futura
sobre as preferências políticas, recentemente alguns autores começaram
a desenvolver pesquisas sobre este tema (vejam-se, por exemplo, Graham
e Pettinato, 2002; Bénabou e Ok, 1998). Bénabou e Ok propõem, por
exemplo, a hipótese das possibilidades de mobilidade ascendente (POUM
– Possibility of Upward Mobility), segundo a qual a possibilidade futura
de mobilidade estaria correlacionada a opiniões políticas no presente.
Indivíduos que acreditam num futuro com possibilidades de mobilidade
ascendente, por exemplo, tenderiam, no presente, a concordar com polí-
ticas recessivas.
A segunda hipótese de trabalho é a da “insegurança social”; a saber,
indivíduos que vivenciaram a mobilidade social teriam uma tendência

7
As hipóteses de Blau foram retomadas, recentemente, em estudos sobre mobilidade
de classes e preferências políticas (De Graaf, Nieuwbeerta e Heath, 1995; Clifford
e Heath, 1993).
8
Esta hipótese também seria válida para as taxas de fecundidade.

193
maior a se sentirem inseguros. Indivíduos que experimentaram mobilidade
ascendente, por exemplo, tenderiam a ser mais conscientes dos conflitos
sociais advindos da mobilidade e da entrada em novos grupos sociais; o
mesmo seria válido para os indivíduos que tiveram mobilidade descendente.
Inversamente, indivíduos imóveis, no topo, em sociedades nas quais há
muita mobilidade também tenderiam a se sentirem inseguros, justamente
por causa da “invasão” de suas classes por indivíduos de origens menos
privilegiadas. Para verificar a validade destas proposições, utilizei duas
variáveis referentes a percepções de conflito social. Uma sobre o grau de
conflito (muito forte; forte; não muito forte; não há conflito) entre classe
trabalhadora e classe média, e outra sobre o grau de conflito entre pretos
e brancos. Também analisarei a correlação entre as perspectivas de mo-
bilidade futura e as percepções acerca dos conflitos.
A terceira e última hipótese é a das “dimensões da mobilidade social”,
segundo a qual indivíduos que mudaram para um estrato social superior
sentiriam a necessidade de enfatizar a importância de seus esforços in-
dividuais para que tivessem alcançado a posição em que se encontram.
Em contrapartida, aqueles que tiveram mobilidade descendente ou que
permaneceram nos estratos mais baixos tenderiam a atribuir a possibili-
dade de mobilidade ascendente a fatores externos, e não a capacidades
individuais. Para investigar estas proposições, utilizo os dados sobre a
opinião dos entrevistados (concorda totalmente; em parte; não concorda
nem discorda; discorda em parte; discorda totalmente) em relação às idéias
de que “as pessoas são recompensadas pelos seus esforços” e de que “é
preciso sorte para se dar bem na vida”. Também procurarei verificar se
há correlações entre estas opiniões e as esperanças de mobilidade para
os próximos dez anos.
Todas estas hipóteses de trabalho relacionam-se a teorias sociológicas
que procuram enfatizar as “relações sociais”, e não as vontades indivi-
duais (racionais ou não), como principal fonte de explicação das ações
sociais. Esta tradição de teoria sociológica, que tem origem nos trabalhos
de George Simmel e de Norbert Elias, entre outros, vem, ultimamente,
sendo denominada como “relacional” (Emirbayer, 1998), justamente por
enfatizar as “relações sociais”, em vez de estruturas supra-individuais ou
de volições individuais. Apresento, a seguir, as análises empíricas; voltarei
a discutir esta tradição teórica ao final do capítulo.

194
3 – Metodologia de análise

Para analisar as possíveis correlações entre mobilidade social (passada


e futura) e opiniões, é necessário ir além da simples análise dos percentuais.
Em trabalhos de ciências sociais, é comum observar o simples cruzamento
de uma variável X com outra, Y, e o cálculo de percentuais proveniente
deste cruzamento como uma forma de se descrever a relação entre as duas
variáveis. Embora cálculos percentuais deste tipo nos revelem informações
importantes, por exemplo, sobre a proporção de homens e mulheres que
concordam com determinada opinião ou dela discordam, estes cálculos
não permitem a análise do grau de associação entre o gênero e a opinião
em jogo. Além disso, quando o número de casos é pequeno, os cálculos
percentuais se tornam imprecisos. Diante destas dificuldades, é necessário
lançar mão de modelos para se estimar a probabilidade de os indivíduos da
população com determinadas características terem determinadas opiniões.
Estes modelos permitem que se descrevam as taxas relativas de adesão a
determinadas opiniões, ou seja, possibilitam comparar as chances relativas
de que indivíduos com características diferentes venham a ter opiniões
também diferentes. No presente capítulo, utilizo modelos log-lineares hie-
rarquicamente aninhados (Silva, 1990) e modelos log-lineares para dados
categóricos ordinais, conforme desenvolvidos por Goodman (1984), para
estimar tais probabilidades. Estes modelos permitem não apenas determi-
nar se há associação estatística entre as variáveis estudadas, como também
qual é a forma característica da associação.
A metodologia de análise utilizada foi a seguinte:

1. Utilizei modelos log-lineares aninhados hierarquicamente (Silva, 1990)


para analisar as diversas tabelas que cruzam tipo de mobilidade, sexo
e opinião política ou social. Por meio deste exercício, é possível deter-
minar se as três variáveis associam-se ou se são independentes; caso
não haja associação entre duas delas, é aconselhável que se agregue
a tabela (que passa, então, de 3x3 para 2x2). Estas análises seguem
o exercício usual de se estimarem modelos log-lineares para tabelas
tridimensionais (que cruzam três variáveis). Consiste este exercício
em encontrar-se o melhor modelo que haja entre o saturado e o de
eqüiprobabilidade. O modelo saturado é o seguinte:

Fijk = t0 t iA t jB t kC t ikAC t jkBC t ijAB t ijkABC (1)

e o modelo de eqüiprobabilidade é apenas:

195
Fijk = t0. (2)

Na medida em que os termos da equação 1 são adicionados à equação


2, realizam-se testes, para verificar hipóteses de independência entre
pares de variáveis, até o ponto em que se encontra o modelo mais
adequado para a descrição dos dados.
2. Em seguida, utilizei análises propostas por Duncan (descritas em
Knoke e Burke, 1980) para verificar se há independência entre cat-
egorias da variável de tipo de mobilidade social; se houver, é acon-
selhável diminuir o número de categorias, juntando-se aquelas que
sejam independentes entre si. Na prática, esta metodologia consiste
em definir uma variável para cada uma das quatro categorias de
mobilidade social e estimar modelos log-lineares para verificar se
há associação de cada uma destas novas variáveis com a variável de
opinião em jogo. O resultado destas análises permite verificar, por
exemplo, se há diferença significativa de opinião entre indivíduos
com mobilidade ascendente e descendente, ou entre indivíduos que
se encontram imóveis, no topo e na base, ou, ainda, entre quaisquer
outros pares de categorias de mobilidade social.
3. Nos casos em que havia correlação estatística entre as três variáveis
em jogo, utilizei modelos para camadas log-multiplicativos (Xie, 1992)
a fim de observar se a associação entre tipo de mobilidade e opinião
tinha força e padrão distintos para homens e mulheres. Os modelos
log-multiplicativos utilizados têm a seguinte formula geral:
Fijk = t0 t iA t jB t kC t ikAC t jkBC exp(yijfk ) (3)

Enquanto o termo yij define o padrão de associação entre tipo de


mobilidade e opinião, o termo f k descreve a variação da força desta
associação entre homens e mulheres (ou brancos e não-brancos, em
um dos casos analisados a seguir).
4. Finalmente, nos casos em que não havia diferença por gênero, utilizei
modelos log-lineares de associação linha por linha (Goodman, 1984)
para analisar as características da associação entre tipo de mobili-
dade e opinião política ou social. Usei quatro modelos desta família:
o primeiro é o modelo de associação uniforme, que segue a hipótese
de que as variáveis das linhas e das colunas ordenam-se corretamente
e com distância igual entre as categorias. A fórmula do modelo de
associação uniforme é:

196
log Fijk = m + liA + ljB + bij (4),

onde o termo bij define a interação do tipo de mobilidade (A) com a


opinião (B) como sendo linear e uniforme. Neste modelo, considera-
se como sendo idênticas as distâncias entre as categorias, tanto nas
linhas quanto nas colunas.
O segundo modelo utilizado é semelhante ao anterior, mas impõe
somente a restrição de que a variável das colunas seja linear, de
modo que define, portanto, o efeito da variável das linhas na variável
linearizada das colunas. Este é o modelo do efeito das linhas que tem
a seguinte fórmula:

log Fijk = m + liA + ljB + jfi (5),

onde o termo fi define o efeito da variável das linhas da tabela (nos


casos analisados neste capítulo, o efeito do tipo de mobilidade ou
imobilidade) na variável da coluna (j), que se encontra linearizada
(no presente caso, as variáveis de coluna são os diferentes tipos de
opinião).
Também é possível definir-se a variável das linhas como sendo lin-
earizada. O modelo com esta especificação é o do efeito das colunas,
que tem a seguinte fórmula:

log Fijk = m + liA + ljB + ijj (6),

onde o termo jj define o efeito da variável das colunas da tabela (nos


casos ora analisados, o efeito dos tipos de opinião) na variável da linha
(i), que se encontra linearizada (no caso do presente capítulo, a variável
da linha é o tipo de mobilidade e imobilidade). Substantivamente, o
modelo do efeito das colunas é menos interessante para a presente
análise, tendo-se em vista que meu principal interesse é definir o efeito
da mobilidade sobre a opinião. No entanto, não se deve descartar, de
antemão, a possibilidade inversa.
Finalmente, utilizo o modelo II, de efeito de linhas e colunas (conhe-
cido como o modelo RCII de Goodman), que é bastante versátil, pois,
além de pressupor que as categorias das variáveis de linhas e colunas
encontram-se ordenadas, estima a ordem e a distância corretas entre
as categorias, sem que para isso exija uma ordenação prévia. Assim,
esse modelo pode ser usado, inclusive, para verificar quais são a ordem

197
e a distância corretas entre as categorias, nas linhas e nas colunas.
A fórmula deste modelo é:
log Fijk = m + liA + ljB + fijj,

onde os termos fi e jj são, respectivamente, os escores de linhas e


colunas, diretamente estimados a partir dos dados que foram obser-
vados. Para maiores detalhes sobre esta família de modelos, vejam-se
Goodman (1984) e Agresti (1984).

Antes de aplicar a metodologia descrita acima, apresento os percentuais


de homens e mulheres, em cada tipo de mobilidade ou imobilidade, que se
identificam com o Partido dos Trabalhadores (PT), bem como as médias de
cada opinião, estudada neste capítulo, para homens e mulheres. A simples
investigação destas estatísticas descritivas não revela uma diferenciação
importante entre tipos de mobilidade ou de imobilidade, gênero e opiniões
políticas e sociais. Assim, diante destas distribuições percentuais e médias,
o investigador seria obrigado a concluir: (1) que não há relação entre tipo de
mobilidade ou imobilidade e opinião política ou social; e (2) que as opiniões
são praticamente as mesmas para todas as pessoas, independentemente do
gênero e das trajetórias de mobilidade, ao passo que a análise da associação
estatística entre estas variáveis revela padrões significativos de correlação
entre mobilidade social (passada e futura) e opiniões políticas, percepções
sobre conflito e sobre chances de vida.
Antes de iniciar a discussão do resultado destas análises, apresen-
tarei as taxas absolutas e relativas, tanto de mobilidade social passada
(intergeracional) quanto de mobilidade social futura (esperada para os
próximos dez anos).

4 – Classes, Mobilidade Passada, e Mobilidade Futura

Nesta seção, analiso os padrões de mobilidade social intergeracional


(passada) e esperada para os próximos dez anos (futura) a partir dos
dados coletados, em 2001, na pesquisa de opinião sobre percepções de
desigualdade do ISSP. Os dados analisados são referentes a indivíduos
(homens e mulheres) com 18 anos de idade ou mais. A inclusão deste
grupo de idade ampliado, assim como dos dois sexos em conjunto, faz-se
necessária porque a amostra da pesquisa não é muito grande e não pos-
sibilita a desagregação dos dados. É também por este motivo que utilizo

198
um esquema de classes que contém apenas cinco categorias, tanto para
mobilidade social passada quanto para a futura. Estas cinco categorias
não possuem o mesmo significado para os dois tipos de mobilidade social.
Enquanto as categorias de classe utilizadas para analisar a mobilidade
social passada foram elaboradas usando as informações sobre ocupação
de respondentes ou seus cônjuges, e as ocupações dos pais (mãe ou pai)
destes, as categorias de classe da mobilidade futura são auto-atribuídas,
ou seja, indaga-se aos respondentes sobre onde eles se encontram e sobre
onde estarão no futuro, em uma escala de classes hipotética que contém
sete categorias. Tendo em vista que análises preliminares indicam que as
duas categorias do topo e as duas da base desta escala de sete são res-
pectivamente independentes, optei por agregá-las, obtendo, assim, uma
distribuição de classes que são percebidas com cinco categorias.
Embora as categorias de classe sejam distintas, fiz algumas compa-
rações entre a mobilidade passada e a futura. Obviamente, estas com-
parações são limitadas e devem ser lidas com cautela, pois não há cor-
respondência exata entre as classes de fato (definidas de acordo com a
posição ocupacional dos indivíduos) e as classes percebidas (definidas pelo
auto-posicionamento do próprio respondente em uma escala hipotética de
classes hierárquicas). De fato, não se pode usar a classe percebida como
proxi para a classe de fato, pois não se sabe nem se todos os respondentes
imaginam uma distância igual entre as sete classes percebidas, nem se eles
as concebem como tendo o mesmo significado. Enquanto um respondente
pode imaginar, por exemplo, que existe uma classe baixa que é enorme,
bem como cinco classes médias e apenas uma classe alta, outro respon-
dente pode perfeitamente ter uma percepção diferente desta e imaginar,
por exemplo, seis classes baixas e uma classe alta. Isto fica ainda mais
claro quando se cruzam as classes de fato com as classes percebidas e
se verifica que diversos indivíduos que ocupam posições altas na classe
de fato se auto-posicionam em lugares baixos na classe percebida, ou
vice-versa. As duas tabelas a seguir apresentam as médias de renda e de
anos de educação completos para cada classe de fato e para cada classe
percebida. Estas médias provam que não há, de forma alguma, corres-
pondência entre as classes de fato e as classes percebidas. Enquanto as
classes de fato estão claramente hierarquizadas de acordo com a renda
e a educação e têm um coeficiente de correlação com estas variáveis que
é relativamente alto (0,48), as classes percebidas não se hierarquizam
desta forma e apresentam coeficiente de correlação baixo com a renda
e a educação (0,22). Apesar de constatar que as classes percebidas não
correspondem a nenhuma medida de classe ou de nível sócio-econômico

199
objetivo, sugiro que devemos continuar a seguir o que os indivíduos imagi-
nam, com relação à sua posição na hierarquia da sociedade, para analisar
a mobilidade percebida para o futuro (mesmo porque não há outra forma
de se definir a mobilidade social esperada para o futuro). Deve-se ter o
cuidado, no entanto, de saber que se está tratando de um mundo totalmente
imaginário, tanto no que diz respeito tanto à classe percebida quanto à
mobilidade futura, esperada para os próximos dez anos.

Tabela 1

A B
Cinco Classes Sociais Hiererquizadas, por Classe Percebida por Média de
Média de Renda Individual, e Média de Anos Renda individual e média de anos de
Completos de Escolaridade. Brasil, 2001, escolaridade. Brasil, 2001, pessoas com
pessoas com mais de 18 anos de idade. mais de 18 anos de idade

Renda Escolaridade Renda Escolaridade


Classes Classes Percebida
Individual dos Filhos Individual dos Filhos
1 Profi ssionais, 1493,0 11,2 1 Posição 1-2 (topo), 347,56 6,86
administradores, escala de 7 categorias
e empregadores. de classe

2 Não manual de rotina 592,3 8,2 2 Posição 3 550,02 7,3


de alto nível, técnicos,
e supervisores

3 Não manual de 487,9 7,2 3 Posição 4 685,03 9,65


rotina de baixo nível,
e autonomos no
comércio

4 Trabalhadores 335,4 5,1 4 Posição 5 472,27 8,23


manuais

5 Trabalhadores rurais 266,8 3,8 5 Posição 6-7 (base) 360,59 6,87

Total 446,4 6,1 Total 450,27 7,71

Coeficiente de correlação 0,48 0,48 Coeficiente de correlação 0,22 0,22

Apesar da dissimilaridade entre classes de fato (Tabela 1A) e classes


percebidas (Tabela 1B), há uma impressionante semelhança nas taxas ab-
solutas e relativas de mobilidade social, que foram calculadas a partir das
tabelas de mobilidade social passada (usando-se as classes de fato) e futura
(usando-se as classes percebidas). Diante do fato de que classes percebidas
e as classes de fato não são, de nenhuma forma, correspondentes, não sei
como explicar a semelhança nas taxas de mobilidade que descreverei a
seguir. Talvez as semelhanças sejam pura coincidência, talvez se devam
às pessoas tenderem a acreditar que o passado da sociedade se repetirá
no futuro de suas vidas, individualmente.

200
Deve-se ler com muito cautela a semelhança nas taxas absolutas e
relativas de mobilidade social passada e futura que apresento a seguir. Não
se pode concluir, por exemplo, que o fato de haver 51% de mobilidade as-
cendente passada (intergeracional) e 48% de mobilidade ascendente futura
(esperada para os próximos dez anos) seja uma tradução da experiência
individual passada para as expectativas futuras dos indivíduos. Não são
os 51% com mobilidade ascendente no passado que esperam mobilidade
social ascendente nos próximos dez anos. A despeito da devida cautela,
não se pode negar que a semelhança das taxas de mobilidade passada e
futura seja impressionante. Como mencionei acima, uma possibilidade para
isso é a de que as pessoas imaginem que seu futuro será como o passado
da sociedade, mesmo que este não seja o passado individual delas. As
taxas absolutas de mobilidade social estão dispostas no Gráfico 1 e foram
calculadas a partir das tabelas de mobilidade que se encontram como
anexo ao presente capítulo.

Gráfico 1 – Taxas Absolutad de Mobilidade Social Passada (Intergera-


cional) e Futura (esperada para os próximos 10 anos), Homens e Mulheres
com mais de 18 anos de idade, Brasil, 2001

O índice de mobilidade total passada mede o percentual de indivíduos


que se encontram numa classe social diferente daquela de seus pais (65%
das pessoas), e a mobilidade total futura mede o percentual de indivíduos
que acham que estarão, em 2009, numa posição social diferente da que
imaginavam estar em 1999 (60% das pessoas). A proporção de indivíduos
que estão em classe social (de fato) superior à de seus pais é de 51%, e a

201
proporção dos que esperam estar numa posição futura que é superior à
que imaginam estar no presente é de 48%. Entre a geração dos pais e a
dos filhos, apenas 14% tiveram mobilidade descendente. Com relação ao
futuro, apenas 13% imaginam que terão mobilidade descendente. O mesmo
ocorre com o grau de imobilidade intergeracional (35%) e o grau de imo-
bilidade esperado para o futuro (40%). O único índice que não segue este
padrão de semelhança é o que mede a dissimilaridade entre a distribuição
de classe dos pais e dos filhos (no caso da mobilidade passada), que é de
32 %, e a dissimilaridade entre a distribuição de classes imaginada no
presente e a imaginada para o futuro (no caso da mobilidade futura), que
é de 21%. Ou seja, há mais dissimilaridade entre a distribuição de classe
de origem (dos pais) e a de destino dos filhos do que entre as distribuições
de classe imaginadas, no presente e no futuro.
É difícil definir se todas essas semelhanças entre mobilidade social
passada e futura são apenas uma coincidência ou se revelam alguma cor-
relação entre percepções do passado e esperanças para o futuro. Qualquer
que seja a interpretação, a semelhança, em todas as medidas apresentadas,
não deixa de ser impressionante. A seguir, apresentarei as correlações
entre tipos de mobilidade social e opiniões políticas e sociais. Apesar de
não mostrar semelhanças tão impressionantes como as descritas acima,
as análises seguintes revelam informações essenciais para se avaliar a
correlação entre classes sociais e ideologias políticas e sociais.

5 – Posições Políticas, a Hipótese de Aculturação e a Hipótese


da Possibilidade de Mobilidade Ascendente Futura

Em seus estudos sobre a formação de grupos e sobre as trocas sociais,


Peter Blau (1966) reformulou algumas teses recorrentes do pensamento
sociológico clássico. Entre estas teses, uma das mais relevantes é a da
“aculturação”. Partindo de uma simplificação das idéias de Simmel (1955)
sobre a interação de indivíduos e grupos, Blau sugere que algumas opiniões
e atitudes políticas estão fortemente relacionadas a determinados grupos
sociais, mesmo tendo-se em vista que os indivíduos participam de diversos
grupos distintos. Conseqüentemente, quando estes indivíduos deixam de
fazer parte de um determinado grupo, para se juntar a outro, tendem a
adotar gradualmente a atitude política do novo grupo, apesar de continuarem
compartilhando algumas das idéias provenientes de seu grupo de origem.
A mudança de um grupo para outro leva, por assim dizer, a ideologias e

202
atitudes intermediárias. O agregado de indivíduos imóveis na classe média,
por exemplo, teria, de um modo geral, posições políticas mais conservado-
ras do que o agregado de indivíduos imóveis na classe trabalhadora. Em
contraposição, o contingente de indivíduos que vivenciaram mobilidade
social entre a classe média e a classe trabalhadora, e vice-versa, teriam, em
média, posições tanto de uma quanto da outra classe. Haveria uma grande
proporção de conservadores entre os indivíduos imóveis na classe média,
uma pequena proporção entre os que estão imóveis na classe trabalhadora,
e uma proporção intermediária entre aqueles que tiveram mobilidade social
intergeracional ascendente ou descendente.
Além da possibilidade das opiniões políticas estarem relacionadas
a posições de classe e mobilidade social, Benabou e Ok (1998) sugerem
que elas poderiam também estar associadas à possibilidade de mobilidade
ascendente futura. De acordo com esta hipótese (POUM – Possibility of
Upward Mobility), indivíduos com esperança de mobilidade ascendente no
futuro tendem a ter posições políticas diferentes daqueles que não têm tal
expectativa. No presente capítulo, faço um teste inicial e provisório sobre a
hipótese POUM; um teste completo dependeria de modelos multivariados
mais complexos e de dados mais pormenorizados, contendo informações
que não estão disponíveis na pesquisa do ISSP.
Para verificar a validade das hipóteses de “aculturação” e POUM, uti-
lizo duas questões da pesquisa do ISSP sobre percepções de desigualdade.
A primeira é uma pergunta sobre o partido com o qual o respondente mais
se identifica. Esta questão informa sobre identificação partidária e não
sobre intenções de voto, como é usual em pesquisas eleitorais. Portanto,
não estamos investigando as chances de um determinado partido vencer
alguma eleição, mas, simplesmente, a identificação partidária de um modo
geral. Parece-me consensual que o Partido dos Trabalhadores (PT) se filie
a posições políticas de esquerda. Neste sentido, descreverei as chances
relativas de que indivíduos, imóveis no topo da hierarquia de classes, imó-
veis na base, e que vivenciaram mobilidade ascendente e descendente de
longa distância, se identifiquem ou não com o PT, ou seja, de que possuam
identificação relativamente clara e inequívoca com a esquerda.
A segunda questão que analiso é a resposta (concorda totalmente;
concorda em parte; não concorda nem discorda; discorda em parte; e
discorda totalmente) à indagação sobre se “o governo deve aumentar os
impostos e, com isso, garantir mais educação, mais saúde e mais moradia
para os que precisam”. Teoricamente, indivíduos de posições políticas
mais à esquerda tenderiam a concordar com esta indagação, e pessoas de
posição política mais conservadora tenderiam a discordar dela.

203
Procurarei verificar se há diferenças significativas nas respostas das
para estas duas perguntas por homens e mulheres que vivenciaram a
mobilidade ascendente e descendente, ou a imobilidade intergeracional
(mobilidade passada), e que imaginam que vão vivenciar imobilidade ou
mobilidade nos próximos dez anos (mobilidade futura). A Tabela 2 des-
creve: (1) a porcentagem de homens e mulheres com mobilidade futura
(esperada para os próximos dez anos) e passada (intergeracional) que se
identificam com o PT (respectivamente, nas colunas 1 e 2); e (2) a média
em escala com cinco valores (que variam entre concorda totalmente e
discorda totalmente) das respostas de homens e mulheres com mobilidade
futura (esperada para os próximos dez anos) e passada (intergeracional)
à pergunta sobre se o governo deve aumentar os impostos para financiar
políticas sociais.
Antes de apresentar os resultados destas análises sobre opinião polí-
tica e mobilidade social (futura e passada), gostaria de alertar os leitores
para o fato de que a identificação com o PT e com políticas distributivas
parece ser mais comum junto às classes mais altas das hierarquias que
utilizo neste capítulo. Seria lógico imaginar que indivíduos das classes
mais baixas fossem as que mais claramente se identificassem com o PT
e com políticas distributivas (i.e., a classe trabalhadora se identificaria
com o partido e as idéias de esquerda); no entanto, no topo da hierarquia
utilizada (classes 1 e 2) não se encontram indivíduos das classes mais
altas da sociedade, mas sim aqueles da classe média. As classes mais
baixas, por sua vez, incluem, na realidade, um grupo de pessoas muito
pobres (vejam-se os anos de educação e a renda média em cada classe na
Tabela 1A). De fato, poder-se-ía considerar as classes 1 e 2 (profissionais,
administradores, trabalhadores não-manuais de rotina, supervisores e
técnicos) como constituindo o “espaço poliárquico”, que, segundo Santos
(1993), é onde há disputas políticas organizadas. Ou seja, as classes 1
e 2 não são constituídas por burgueses, mas sim por trabalhadores com
alguma chance de se organizar politicamente, enquanto os pobres, repre-
sentados nas classes 3, 4 e 5, teriam menores chances e recursos para o
embate político.

204
Tabela 2 – Percentagem se identificando com partido de esquerda (PT) e
média em escala concorda-não concorda (5pontos) com aumento de impos-
tos para financiar políticas sociais, por quatro trajetórias de mobilidade,
por sexo, e por mobilidade passada e futura

Percentagem se Média de escala concorda –


identificando com partido de não concorda: aumento de
esquerda (PT) impostos para políticas sociais

Direção da Mobilidade Sexo Mobilidade Mobilidade

Futura Passada Futura Passada

Imobilidade ou curta Homem 9,5 42,5 2,7 3,32


distância no topo Mulher 14,9 26,7 2,79 3,53

Ascendente de longa Homem 19,9 13,3 2,95 2,99


distância Mulher 12,8 13,9 2,97 3,04

Descendente de longa Homem 11,1 14,6 2,8 3,47


distância Mulher 10 16 2,81 3,93

Homem 15,5 12,2 3,11 2,83


Imobilidade ou curta
distância na base Mulher 13,7 9,2 2,9 2,82

5.1 – Chances de se identificar com o PT

Os dados da segunda coluna de números da Tabela 2 mostram que


indivíduos imóveis no topo possuem maiores chances de se identificar com
o PT, ao passo que aqueles com mobilidade ascendente e descendente
têm menores chances de fazê-lo, e aquele indivíduos imóveis na base
são os que apresentam a menor chance de identificação com o PT. Esta
conclusão fica ainda mais evidente nos resultados do modelo logit que
analisam as chances de que homens e mulheres com imobilidade no topo,
com mobilidade ascendente ou descendente, e com imobilidade na base,
se identifiquem com o PT. Os resultados deste modelo, que bem se ajusta
aos dados (L2 = 4,59; g.l = 3; e valor de p < 0,20), conforme dispostos
na Gráfico 2, comprovam que há associação estatística entre mobilidade,
ou imobilidade, e identificação com o PT. Segundo este modelo, não há
diferença nas chances de homens e mulheres votarem no PT. Nas porcen-
tagens da Tabela 2, parece haver diferença de gênero, mas a estimação do

205
modelo indica que esta diferença não é estatisticamente significativa. Além
disso, o modelo revela que não há diferença significativa de identificação
entre indivíduos com mobilidade ascendente e aqueles com mobilidade
descendente (as chances são as mesmas).

Gráfico 2 – Efeito do tipo de mobilidade no log das chances de se iden-


tificar com o PT (Modelo Logit)

Conforme as chances estimadas (cujos logaritmos estão representados


no gráfico acima), indivíduos imóveis, ou com mobilidade de curta distân-
cia, no topo, têm 4,5 vezes mais chances de se identificar com o PT do
que indivíduos imóveis, ou com mobilidade de curta distância, na base; e
indivíduos que vivenciaram mobilidade ascendente ou descendente têm 1,3
vezes mais chances de se identificar com o PT do que aqueles na base da
hierarquia de classes. Em outras palavras, o gráfico indica que as chances
de se identificar com o PT decrescem à medida que as pessoas se afastam
das classes de profissionais, administradores, trabalhadores manuais de
rotina, supervisores e técnicos (classes 1 e 2). Estas análises indicam que
a hipótese de “aculturação” proposta por Blau (1956) parece ser pertinente
para explicar a identificação partidária no Brasil. Embora não seja possível
chegar à determinação das causas da identificação partidária a partir de
simples correlações estatísticas, minhas análises confirmam que é essencial
levar em conta os padrões de mobilidade social para se entender a relação
entre classes sociais e identificação partidária.
Em sociedades industriais, classes sociais não são grupos estáticos,
havendo sempre a possibilidade de mobilidade social entre gerações. Desta

206
forma, a origem social das pessoas que constituem cada classe social pode
variar muito, de acordo com a velocidade do processo de industrialização ou
de outras mudanças sociais. No Brasil, a industrialização foi muito rápida,
o que implicou em muita mobilidade intergeracional. Conseqüentemente, a
origem de classe dos indivíduos (classe dos seus pais) é bem diferente da
classe à qual eles pertencem quando adultos. Em suma, muito da mobili-
dade social e das classes constitui-se por pessoas de origens heterogêneas.
De acordo com as análises que desenvolvi acima, esta heterogeneidade de
origem tem impacto significativo na identificação partidária dos grupos de
classe. Será que este impacto também está presente na correlação entre
classes imaginárias, presentes e futuras?
Não há correlação estatística entre mobilidade futura e identificação
com o PT (proporções da primeira coluna de números da Tabela 2). As-
sim, o modelo de independência é o que melhor se ajusta aos dados (L2
=0,50; g.l.=3; valor de p = 0,91) e confirma a hipótese de que as duas
variáveis não estão associadas.

5.2 – Opinião sobre políticas distributivas

A associação entre o tipo de mobilidade social e a opinião sobre au-


mento de impostos a fim de melhorar políticas sociais segue um padrão
semelhante ao da associação entre identificação partidária e tipo de mobili-
dade. A única conclusão que se pode tirar da investigação da última coluna
da Tabela 2 é que há uma leve tendência geral de se discordar da idéia de
que deve haver aumento de impostos para financiar políticas sociais. Esta
leve tendência se expressa no fato de que as médias se aproximam mais
de 5 (discorda totalmente) do que de 1 (concorda totalmente) – as médias
variam entre 2,99 e 3,93. Embora estas médias não sugiram outra inter-
pretação que seja de interesse, o modelo de associação uniforme bem se
ajusta aos dados (L2 = 9,36; g.l.=7; e valor de p = 0,23) e mostra que há
associação estatística entre tipo de mobilidade e opinião sobre aumento de
impostos para financiar políticas sociais. Este modelo também indica que
não há diferença de opinião entre homens e mulheres, nem entre indivíduos
com mobilidade ascendente e descendente de longa distância.
O padrão da associação entre tipos de mobilidade e opinião sobre
aumento de impostos que é revelado pelo modelo de associação uniforme
pode ser resumido da seguinte forma: (1) há mais chances de se discor-
dar, de um modo geral, do aumento de impostos para financiar políticas
sociais do que de se concordar com isto (esta tendência também é visível

207
nas médias da última coluna da Tabela 2); (2) indivíduos imóveis no topo
da hierarquia de classes e que vivenciaram mobilidade ascendente ou
descendente tendem a ser mais favoráveis ao aumento de impostos a fim
de financiar políticas sociais do que indivíduos imóveis na base; e (3)
indivíduos imóveis no topo da hierarquia de classes tendem a ser mais
favoráveis ao aumento de impostos para financiar políticas sociais do que
indivíduos que vivenciaram mobilidade ascendente ou descendente.
Assim, indivíduos que vivenciaram, por exemplo, imobilidade ou
mobilidade de curta distância no topo têm 1,8 vezes mais chances de
concordar totalmente com a idéia de que deve haver aumento de impostos
a fim de financiar políticas sociais do que aqueles que tiveram mobilidade
ascendente ou descendente de longa distância, e 1,5 vezes mais chances
de concordar com esta idéia do que indivíduos imóveis, ou que tiveram
mobilidade de curta distância, na base. Por seu turno, indivíduos que
tiveram mobilidade ascendente ou descendente de longa distância têm 2
vezes mais chances de concordar totalmente com o aumento de impostos do
que indivíduos imóveis, ou com mobilidade de curta distância, na base.
Estas análises também indicam uma leve tendência, por parte de
indivíduos que são do topo, ou que vêm do topo, ou que chegam ao topo,
da hierarquia de classes (lembre-se de que o topo, no esquema utilizado
aqui, é uma posição de classe média trabalhadora), de concordar mais
com políticas distributivas do que aqueles na base (em ocupações com
baixa remuneração e escolaridade). A hipótese de “aculturação” de Blau é
válida para descrever a correlação entre classes sociais e opiniões políticas,
ou seja, é necessário levar em conta os padrões de mobilidade social para
se entender a correlação entre classes sociais e opiniões políticas. Estas
análises reforçam as conclusões da seção anterior do presente capítulo.
De fato, parece ser necessário considerar os padrões de mobilidade social
para que se entenda a relação entre classes sociais e opiniões políticas.
As altas taxas de mobilidade social intergeracional que tornam as classes
sociais heterogêneas em suas origens parecem influenciar significativa-
mente os padrões de identificação partidária e de opinião sobre políticas
redistributivas.
Finalmente, conduzi algumas análises a fim de investigar a correlação
entre mobilidade futura e opinião sobre política redistributiva. Além de
indicar uma tendência geral de se discordar de políticas redistributivas, as
médias da terceira coluna da Tabela 2 não sugerem nenhum outro padrão
que seja de interesse. Com efeito, as análises que utilizam modelos log-
lineares também não sugerem interpretações diferentes. O único modelo
que se ajusta aos dados é o de independência, que testa a hipótese de

208
que sexo, tipo de mobilidade futura e opinião sobre política redistributiva
não se associam (L2 = 40,0; g.l.=31; e valor de p = 0,13). Enfim, não
há associação entre esperança de mobilidade e opinião sobre aumento de
impostos a fim de financiar políticas sociais.
As análises acima confirmam que o estudo da relação entre classes
sociais e posições políticas não pode ser conduzido de maneira correta se
não se levarem em conta os padrões de mobilidade que contribuem para
formar as classes sociais. Portanto, a hipótese de “aculturação” tem valida-
de como fonte de explicação das opiniões políticas. Em contraposição, não
há indícios de que as esperanças de mobilidade futura mantenham quais-
quer relações com as opiniões políticas. Não se pode defender a hipótese
POUM a partir das análises acima; talvez dados mais pertinentes (como
mobilidade de renda) sejam necessários para que se teste esta hipótese.

6 – Insegurança social e percepções sobre conflito

Segundo Peter Blau, alguns aspectos das percepções sobre “inseguran-


ça social” também estariam relacionados à mobilidade social. Indivíduos
que mudaram de classe social ao longo de sua vida teriam maior tendência
a se sentirem inseguros. Indivíduos que tiveram mobilidade ascendente,
por exemplo, tenderiam a estar mais cientes dos conflitos sociais advindos
da mobilidade e da entrada em novos grupos sociais, algo que seria válido
também para os indivíduos que tiveram mobilidade descendente. Além
disso, também é possível que indivíduos que se encontram imóveis no topo
se sintam inseguros com a mobilidade ascendente de indivíduos de origem
em classes mais baixas. Para investigar estas proposições, analisarei as
respostas a duas variáveis sobre percepções de conflito social. A primeira
investiga a percepção sobre o grau de conflito entre classe trabalhadora
e classe média, e a segunda, a percepção sobre o grau de conflito entre
negros e brancos. Também examinarei a correlação entre as perspectivas
de mobilidade futura e as percepções sobre os conflitos.
A Tabela 3 apresenta as médias (em escala que vai de: 1 = muito forte;
2 = forte; 3 = não muito forte; a 4 = não há conflito) de percepção de
conflitos, entre as classes média e trabalhadora, e entre negros e brancos,
conforme declarada por homens e mulheres em quatro tipos de mobilidade
social, passada e futura (as quatro primeiras colunas de números). As duas
últimas colunas da tabela descrevem a média das opiniões de negros e
brancos sobre conflitos raciais.

209
Tabela 3 – Tabela 3 - Média em escala muito forte-não há (4 pontos) conflito
entre classe trabalhadora e classe média, e conflito entre brancos e pretos, por
trajetória de mobilidade, por sexo, e por mobilidade futura e passada.

Média de escala “muito Média de escala “muito Média de escala


forte-não há”conflitos forte-não há” conflitos “muito forte-não há”
entre classe trabalhadora entre pretos e brancos conflitos entre pretos e
e média brancos
Direção da
Sexo Mobilidade Mobilidade Cor Mobilidade
Mobilidade
Futura Passada Futura Passada Futura Passada

Imobilidade ou Homem 2,64 2,73 2,47 2,44 Branco 2,39 2,27


curta distância
no topo Mulher 2,42 2,7 2,28 2,31 Preto 2,34 2,48

Homem 2,56 2,57 2,53 2,48 Branco 2,5 2,44


Ascendente de
longa distância
Mulher 2,4 2,52 2,32 2,31 Preto 2,34 2,35

Homem 2,59 2,55 2,21 2,43 Branco 2,05 2,46


Descendente de
longa distância
Mulher 2,25 2,44 1,88 2,24 Preto 2,02 2,15

Imobilidade ou Homem 2,75 2,62 2,65 2,56 Branco 2,72 2,61


curta distância
na base Mulher 2,69 2,54 2,61 2,52 Preto 2,54 2,42

A observação mais imediata que se pode fazer a partir da Tabela 3 é


a de que há uma tendência geral de se achar que os conflitos de classe e
raciais são “fortes” ou “não muito fortes”. Em outras palavras, de um modo
geral, as pessoas consideram que há conflito, mas que ele não é agudo.
Além desta tendência geral, que é válida para homens, mulheres, brancos e
negros com qualquer trajetória de mobilidade social, passada e futura, não
há outra diferenciação relevante que se possa observar a partir da Tabela 3.
A seguir, apresentarei as análises em que uso os modelos estatísticos para
investigar padrões de associação que não são perceptíveis na Tabela 3.

6.1 – Percepções sobre Conflito de Classes e Conflitos de Raça

A análise hierárquica de modelos log-lineares aninhados para a tabela


que cruza sexo, tipo de mobilidade passada e opinião sobre conflito de
classes revela claramente que não há associação entre estas três variáveis.
O modelo que testa a hipótese de independência estatística entre as três
variáveis é o que melhor se ajusta aos dados (L2 = 12,25; g.l.=24; e valor

210
de p = 0,97). Também não há correlação entre sexo, tipo de mobilidade
social passada e opinião sobre conflito entre brancos e negros. O modelo
de independência entre estas três variáveis é o que melhor se ajusta aos
dados (L2 = 30,14; g.l.=24; e valor de p = 0,18). Em suma, não há
correlação estatística entre tipo de mobilidade social passada e opinião
sobre conflito de classe ou de raça, nem entre sexo e opinião sobre conflito
de raça ou de classe, nem, ainda, entre raça e opinião sobre conflito de
classe ou de raça.
Este quadro de independência não se repete quando se analisa a
associação entre mobilidade social futura (esperada para os próximos dez
anos) e opinião sobre conflito de classe e de raça. A análise de modelos
hierárquicos aninhados indica que não é necessário levar em conta a raça
e o sexo para se descrever a associação entre o tipo de mobilidade social
futura e a opinião sobre conflito de raça ou classe, ou seja, tanto homens
e mulheres quanto brancos e negros tendem a ter opiniões semelhantes.
Conseqüentemente, apresento as análises apenas para os cruzamentos entre
mobilidade social futura e opiniões sobre conflito, sem levar em conta a
raça ou a classe dos respondentes, uma vez que estas não se associam
significativamente à opinião sobre conflito de classes.
O melhor ajuste da Tabela que cruza tipo de mobilidade futura e opi-
nião sobre conflito de classe é o do modelo II, de efeito de linhas e colunas
(conhecido como o modelo RCII de Goodman). Este modelo, que se ajusta
com estatística L2 = 1,23, com 4 graus de liberdade (g.l.=4) e com valor
de p = 0,87, testa a hipótese de que há associação linear entre o tipo de
mobilidade desejada e a opinião sobre conflito de classes. Por esse modelo
estimam-se também a distância e a ordem entre as categorias de tipo de
mobilidade e de opinião sobre o conflito. Como era de se esperar, a ordem
entre os graus de conflito está correta, embora a distância não o esteja. Os
estimadores para as categorias de grau de conflito são os seguintes: muito
forte = -,80; forte = -,04; não muito forte = ,34; e não há conflito = ,50.
Estes resultados sugerem que se deveria recalcular as médias da primeira
coluna de números da Tabela 3. Se isto fosse feito, encontrar-se-ía uma
tendência ainda maior do que aquela que está expressa na tabela quanto
aos indivíduos acharem que os conflitos são “fracos”, em vez de “fortes”
(os números ficariam ainda mais próximos de 4, ou seja, da categoria
segundo a qual “não há conflito” entre classes média e trabalhadora).
Além de relativizar a distância entre as categorias de grau de conflito,
o modelo RCII sugere uma nova ordem crescente para as categorias de
tipo de mobilidade futura: (1) mobilidade ascendente de longa distância e
mobilidade descendente de longa distância estão praticamente juntas; (2)

211
imobilidade ou curta distância no topo vêm em seguida; e (3) imobilidade
ou curta distância estão na base.
Respeitando esta ordem estimada das categorias de tipo de mobilidade
e a distância, também estimada, entre as categorias de grau de conflito, a
associação entre o tipo de mobilidade futura e a opinião sobre conflito de
classes que é revelada por esse modelo tem as seguintes características:
(1) indivíduos com expectativa de mobilidade ascendente ou descendente
e de imobilidade no topo têm duas vezes mais chances do que aqueles com
expectativa de imobilidade na base de considerar o conflito entre classes
média e trabalhadora “muito forte”, em vez de “forte”; (2) indivíduos com
expectativa futura de mobilidade ascendente ou descendente têm pelo
menos cinqüenta vezes mais chances, do que aqueles que acham que
ficarão imóveis na base, de considerar o conflito entre classes média e
trabalhadora como sendo “forte”, em vez de “não muito forte”; (3) indiví-
duos com expectativa de imobilidade no topo têm pelo menos vinte vezes
mais chances do que aqueles com expectativas de imobilidade na base
de considerar o conflito entre classes média e trabalhadora “forte”, em
vez de “não muito forte”; e (4) indivíduos com expectativa de imobilidade
no topo ou de mobilidade ascendente ou descendente têm quatro vezes
mais chances do que aqueles com expectativa de imobilidade na base de
considerar o conflito de classes “não muito forte”, em vez de “inexistente”.
Em suma, o modelo RCII permite concluir que:
Indivíduos com esperanças de mobilidade futura ascendente ou des-
cendente de longa distância têm chances significativamente maiores do
que outros indivíduos de responder que há conflito relativamente forte
entre as classes média e trabalhadora.
Esta conclusão não fica clara nem a partir das médias da Tabela 3, nem
pela análise de percentuais (que não é apresentada aqui). Estas análises
sugerem, por sua vez, que os indivíduos que imaginam que experimentarão
mobilidade social no futuro têm maiores chances relativas de pensar que
há fortes conflitos de classe no Brasil.
Também há associação estatística entre tipo de mobilidade social
futura e opinião sobre conflito de raça. Neste caso, também não há o
efeito de raça ou sexo dos respondentes. O modelo RCII é o que melhor
se ajusta aos dados da tabela que cruza o tipo de mobilidade futura e a
opinião sobre conflito racial (L2 = 2,52; g.l.=4; e valor de p = 0,64).
O melhor resumo da associação entre mobilidade futura e opinião sobre
conflito racial que se define por este modelo é o seguinte: (1) indivíduos
que se imaginam imóveis na base da estrutura de classes nos próximos
dez anos têm três vezes menos chances do que os outros de achar que há

212
conflito “muito forte”, em vez de “forte”, entre brancos e negros, e duas
vezes menos chances do que os outros indivíduos de achar que há conflito
“forte”, em lugar de “não muito forte”.
Portanto, pode-se concluir que:

• Indivíduos que acham que ficarão imóveis na base da estrutura


de classes nos próximos dez anos têm menos chances de achar
que há conflito entre brancos e negros no Brasil, ao passo que
aqueles com esperança de mobilidade ascendente ou descendente
e de imobilidade no topo tendem a considerar que há conflito
relativamente forte entre brancos e negros no país.

As conclusões sobre a relação entre mobilidade social e as percepções


sobre o conflito são claras: indivíduos que se imaginam vivenciando mobi-
lidade social nos próximos dez anos têm chances maiores do que os outros
de considerar os conflitos de classe e racial como sendo “fortes”, em vez de
“fracos”. Parece que a perspectiva de mobilidade futura (seja ascendente
ou descendente) está relacionada à tendência de se perceberem conflitos
de classe e de raça na sociedade. Em suas proposições sobre “insegurança
social”, Peter Blau não previa esta possibilidade sobre mobilidade futura.
Desconheço outros artigos que tragam conclusões semelhantes, mas vale
a pena teorizar sobre esta correlação. Parece plausível a idéia de que
indivíduos que esperam mobilidade social no futuro tendam a imaginar
que enfrentarão situações de conflito social.

7 – Dimensões da mobilidade: percepções sobre


características de mobilidade

Nesta seção, farei um balanço da hipótese das “dimensões da mo-


bilidade social” proposta por Peter Blau (1956). Segundo esta hipótese,
indivíduos que vivenciaram mobilidade social ascendente tenderiam a
enfatizar a importância de seus esforços pessoais como fatores que os
levaram à ascensão social, ao passo que aqueles com mobilidade des-
cendente ou imobilidade nos estratos mais baixos tenderiam a atribuir a
possibilidade de ascensão a fatores externos, e não a capacidades pesso-
ais. Para investigar estas proposições, utilizarei as respostas a perguntas
sobre a opinião dos entrevistados (concorda totalmente; em parte; não
concorda nem discorda; discorda em parte; ou discorda totalmente) sobre

213
as idéias de que “as pessoas são recompensadas pelos seus esforços” e de
que “é preciso sorte para se dar bem na vida”. Também verificarei se há
correlações entre estas opiniões e as esperanças de mobilidade para os
próximos dez anos. O fato de que alguns indivíduos mostram-se otimistas
quanto às suas possibilidades futuras de mobilidade ascendente talvez se
correlacione à tendência que têm de concordar com a idéia de que seus
esforços serão recompensados.
A Tabela 4 apresenta as médias em escala de cinco pontos entre
“concorda totalmente” e “discorda totalmente” com as idéias de que é
preciso esforço e sorte para se subir na vida. Estas médias são apresen-
tadas para homens e mulheres com quatro tipos diferentes de trajetórias
de mobilidade social, passada e futura.

Tabela 4 – Tabela 4 - Média em escala concorda-discorda (5 pontos) que


pessoas são recompensadas pelos seus esforços e que é necessário sorte para
subir na vida por quatro trajetórias de mobilidade, por sexo, e por mobili-
dade futura e passada

Média de escala concorda- Média de escala concorda-


discorda: pessoas são discorda: sorte para se dar
recompensadas pelos seus bem na vida
esforços

Direção da Mobilidade Sexo Mobilidade Mobilidade

Futura Passada Futura Passada

Homem 2,84 3,88 2,21 2,15


Imobilidade ou curta
distância no topo
Mulher 3,43 3,47 1,87 2,2

Homem 3,31 3,25 2,05 1,92


Ascendente de longa
distância
Mulher 3,44 3,48 2,12 2,16

Homem 3,5 2,94 2,13 2,45


Descendente de longa
distância
Mulher 3,85 3,41 1,85 1,94

Homem 3,33 3,15 2,09 2


Imobilidade ou curta
distância na base
Mulher 3,34 3,31 1,93 1,94

214
Por um lado, os dados da tabela, nas duas primeiras colunas de núme-
ros, indicam que há a tendência, comum a homens e mulheres, em todos
os tipos de mobilidade social, futura e passada, de se discordar da idéia
de que os esforços individuais são recompensados (as médias variam entre
2,84 e 3,85 e, portanto, estão mais próximas de 5, que mede “discorda
totalmente”). Por outro lado, os dados das duas últimas colunas indicam
a tendência geral de que homens e mulheres concordem com a idéia de
que é preciso sorte para se dar bem na vida (as médias variam entre 1,85
e 2,45 e, portanto, estão mais próximas de 1, que mede “concorda total-
mente”). Não se pode aferir nenhuma outra conclusão a partir dos dados
da tabela acima; contudo, as análises da associação estatística entre as
variáveis acima indicam alguns padrões relevantes.

7.1 – Opinião sobre a idéia de que os esforços individuais são


recompensados

A análise da associação entre sexo, tipo de mobilidade social passada


e opinião sobre se os esforços individuais são recompensados mostra que
não há associação estatística entre estas variáveis. O modelo de indepen-
dência é o que melhor se ajusta aos dados (L2 = 33,67; g.l.= 24; e valor
de p = 0,10).
Outras análises indicam que há associação entre mobilidade social
esperada (futura) e a opinião sobre esforços individuais. Os modelos tam-
bém sugerem, por um lado, que não há diferença entre as opiniões de
homens e mulheres e, por outro lado, que as categorias para mobilidade
futura ascendente e descendente são independentes. Logo, os resultados
que serão apresentados a seguir se resumem à tabela que cruza três tipos
de mobilidade futura (imobilidade no topo, mobilidade ascendente ou
descendente, e imobilidade na base) e a opinião sobre a recompensa a
esforços individuais. O modelo que melhor se ajusta aos dados da tabela
é o dos efeitos da coluna (L2 = 5,53; g.l.= 4; e valor de p = 0,24). De
acordo com este modelo, a variável das linhas (tipo de mobilidade social
futura) está linearizada.
A associação estatística que é encontrada por este modelo revela que
não há muita diferença relativa nas opiniões extremas (concordar totalmente
ou discordar totalmente), ou seja, indivíduos que esperam imobilidade
no topo (1), mobilidade ascendente ou descendente (2), ou imobilidade
na base (3) têm chances semelhantes de ter opiniões extremas. Já suas
chances relativas de ter opinião moderada são bastante diferenciadas.

215
Indivíduos que se imaginam imóveis no topo nos próximos dez anos, por
exemplo, têm dezesseis vezes mais chances de responder que não concor-
dam com a idéia, nem discordam dela, de que “esforços individuais são
recompensados” do que indivíduos imóveis na base, e quatro vezes mais
chances de dar esta resposta do que aqueles que esperam algum tipo de
mobilidade social no futuro.
Em suma, indivíduos que se imaginam imóveis no topo da hierarquia
imaginária de classes durante os próximos dez anos têm chances maiores
do que os outros de apresentar uma opinião neutra (não concordar nem
discordar) sobre a idéia de que “esforços individuais são recompensados”.
Estes resultados sugerem que aqueles que imaginam que estão e que
permanecerão no topo da hierarquia de classes nos próximos anos acham
que os esforços individuais são importantes para se subir na vida, mas
que não são o único fator determinante disto. Eles acham que estão no
topo e que lá continuarão não apenas por seus esforços, mas também por
motivos outros. Como veremos a seguir, estas pessoas, que se imaginam
no topo, também têm chances maiores do que os outros de achar que a
sorte é importante para se subir na vida.

7.2 – Opiniões sobre a idéia de que “é preciso ter sorte para subir na vida”

Não há associação estatística entre tipo de mobilidade social passada,


sexo e opinião sobre a sorte. O modelo de independência bem se ajusta
aos dados (L2 = 34,47; g.l.= 4; e valor de p = 0,30).
Em contrapartida, há a associação estatisticamente significativa entre
esperança de mobilidade futura e opinião sobre se “é preciso ter sorte para
se subir na vida” (não há diferença de opinião entre homens e mulheres).
O modelo que melhor se ajusta aos dados é o RCII (modelo de efeito de
linhas e colunas II de Goodman), que possui estatística L2 = 7,16; 6 graus
de liberdade; e valor de p = 0,31.
Os padrões de associação deste modelo revelam as chances relativas
(para cada tipo de mobilidade futura) de se concordar com a idéia, ou de
se discordar dela, de que “é preciso ter sorte para se subir na vida”. De
acordo com este modelo, indivíduos que se imaginam imóveis no topo nos
próximos anos apresentam chances maiores de concordar com esta idéia
do que aqueles que se imaginam imóveis na base, ou que se imaginam
experimentando algum tipo de mobilidade, no futuro. Indivíduos que se
vêem imóveis no topo no futuro, por exemplo, têm três vezes mais chances
de concordar com a idéia de que a sorte é necessária para se subir na vida

216
do que aqueles que se imaginam imóveis na base, ou que se imaginam
experimentando algum tipo de mobilidade.
As análises desta seção, assim como as da seção anterior, ajudam
para que se definam algumas características de interesse por parte das
pessoas que se imaginam no topo da hierarquia de classes durante os
próximos dez anos. Estes indivíduos têm chances maiores do que outros
de acreditar que é necessária uma combinação de sorte e de esforços para
se vencer na vida. Eles estariam no topo e permaneceriam lá não apenas
porque são esforçados, mas também porque têm sorte.

8 – Conclusão

Além de fazer um resumo dos resultados das análises apresentadas aci-


ma, aproveitarei esta conclusão para propor algumas idéias que considero
importantes sobre a relação entre grupos sociais e opiniões individuais.

Os principais resultados são os seguintes:


1. Há correlação entre mobilidade social intergeracional e identifi-
cação político-partidária, e, ainda, opinião sobre política redis-
tributiva. Indivíduos que se encontram imóveis no topo têm chances
maiores de se identificarem com o PT e de serem a favor de políti-
cas redistributivas do que os outros. Por sua vez, os indivíduos
que vivenciaram mobilidade ascendente têm chances maiores de
se identificarem com o PT e de serem a favor de políticas re-
distributivas do que aqueles que ficaram imóveis na base. Estas
conclusões confirmam que a correlação entre classes sociais e
opiniões políticas deve levar em conta os padrões de mobilidade
social, ou seja, que se considerar não apenas a classe atual dos
indivíduos, mas também sua classe de origem, para definir suas
opiniões políticas.

2. Há correlação entre mobilidade social esperada para o futuro e


opinião sobre conflitos de classe e de raça. Pessoas que acham
que experimentarão algum tipo de mobilidade social no futuro têm
chances maiores do que os demais de achar que há conflito entre
as classes média e trabalhadora, e entre pretos e brancos. Além
disso, os indivíduos que se imaginam imóveis no topo da hierar-
quia de classes no futuro também apresentam chances maiores,

217
do que aqueles que se imaginam imóveis na base, no futuro, de
achar que há conflitos entre brancos e pretos no Brasil. Estes re-
sultados sugerem que há uma tendência maior das pessoas que se
imaginam mudando de classe no futuro a achar que há conflitos
de raça e classe no país. O que as pessoas imaginam para o seu
futuro parece correlacionar-se à maneira pela qual percebem os
conflitos na sociedade brasileira.

3. Há correlação entre mobilidade futura e a opinião sobre a sorte


e os esforços como fatores de promoção social. Pessoas que se
imaginam imóveis no topo da hierarquia de classes têm chances
maiores do que os demais de concordar que é necessário haver
uma combinação de esforços e de sorte para se subir na vida.

Gostaria de ressaltar que a metodologia utilizada – para que eu che-


gasse às conclusões acima – possibilitou as análises das taxas relativas
de adesão a cada uma das opiniões estudadas. Estas taxas relativas, que
são representadas pela associação estatística (pelas razões de chances),
permitem a apreciação comparativa das chances relativas dos indivíduos
em cada um dos tipos de mobilidade, passada ou futura. Embora envol-
vam modelos log-lineares relativamente complexos, estas comparações
possibilitam um entendimento mais adequado das chances que cada um
tem de concordar com as questões investigadas (identificação partidária,
políticas redistributivas, a existência de confl itos de raça ou classe, e a
opinião sobre a importância da sorte ou dos esforços individuais para
se subir na vida) ou de discordar delas. As taxas puras e absolutas
(percentuais) não permitiriam a análise comparativa que desenvolvi no
presente capítulo.
A primeira conclusão é importante porque mostra que as classes so-
ciais não são entidades estáticas, mas sim dinâmicas, na medida em que
se constituem de indivíduos de origens em classes distintas. Considerar
esta heterogeneidade interna das classes, no que diz respeito à origem
de seus membros, é essencial para se entender a correlação entre classe
e opinião política. Tendo em vista que, no Brasil, as classes foram for-
madas por pessoas com origens sociais bastante distintas, novos estudos
sobre classe e opinião política deveriam levar em conta os padrões de
mobilidade social entre gerações, pois as pessoas cresceram em classes
muito distintas das classes a que pertencem atualmente. Conforme as
análises do presente capítulo, este fato é bastante significativo para que
se entendam as opiniões políticas desses indivíduos. Novos estudos nesta

218
área deveriam continuar investigando esta questão para que se possa fazer
avaliações cada vez melhores sobre as conexões entre classe, mobilidade
e política.
As duas últimas conclusões acima levam a indagações ainda mais
complexas. Os resultados sugerem que as percepções sobre confl ito e
sobre chances de vida estão relacionadas às classes imaginárias e aos
padrões de mobilidade social futura, também imaginários. Com efeito,
Robert Merton desenvolve uma teoria sobre os “grupos de referência”
nos capítulos X e XI de seu livro, Social Theory and Social Structure, ca-
pítulos estes em que o autor procura fomentar várias proposições e uma
taxonomia acerca da correlação entre atitudes, idéias e grupos sociais.
Mostra, enfim, que, para se entenderem as opiniões e as idéias dos indi-
víduos, é necessário definir quais são os grupos (que, às vezes, podem
ser até mesmo imaginários) aos quais eles se fi liam com freqüência ou
aos quais se referem quando expressam estas opiniões – trata-se dos
“grupos de referência”.
Minhas análises mostram que a referência a classes reais ou imagi-
nárias às quais os indivíduos se filiam correlaciona-se a opiniões sobre
política, sobre conflito e sobre chances de vida. Assim, neste capítulo,
procurei dar uma pequena contribuição ao estudo de um tema clássico
da Sociologia: a relação entre grupos sociais e idéias individuais. Obvia-
mente, para tanto, mais estudos fazem-se necessários, de modo que espero
que outros pesquisadores continuem a investigar esse tema, procurando
observar padrões empíricos e produzir generalizações teóricas.

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221
Anexo

Tabela 1 – Mobilidade Social Passada e Futura, Homens e Mulheres com


mais de 18 anos de idade: Brasil, 2001

Mobilidade Passada (Intergeracional)

Classe de Destino em 2001 (fi lho ou fi lha)

Classe de Origem (pai ou mãe) 1 2 3 4 5 Total

1 - Prof., Adm., e Empregadores 5 9 6 9 4 33

2 - Trab.-não man. de rot. (alto), téc. e superv. 11 30 20 31 4 96

3 - Trab.-não man. de rot. (baixo), e autôn. comércio 5 20 21 28 3 77

4 - Trabalhadores manuais 11 50 69 208 13 351

5 - Trabalhadores rurais 5 41 66 254 143 509

Total 37 150 182 530 167 1066

Mobilidade Futura (Esperada para os Próximos 10 anos)

Classe Esperada para 2011

Classes Percebidas em 2001 1 2 3 4 5 Total

1 - Posição 1-2 (topo) 20 11 5 5 5 46

2 - Posição 3 28 23 19 16 11 97

3 - Posição 4 64 58 42 19 39 222

4 - Posição 5 60 89 98 154 79 480

5 - Posição 6-7 (base) 47 51 89 201 404 792

Total 219 232 253 395 538 1637

222
Educação, Trabalho e Desigualdade Social
Jorge Alexandre Neves, Danielle Cireno Fernandes, Diogo Henrique Helal (Org.)

Desigualdade e Desempenho:
uma introdução à sociologia da escola brasileira
Maria Ligia de Oliveira Barbosa

Desemprego, uma construção social.


São Paulo, Paris e Tóquio
Nadya Araujo Guimarães

As escolas dos dirigentes paulistas:


Ensino médio, vestibular, desigualdade social
Ana Maria Fonseca de Almeida

Qualidade na Educação Fundamental Pública nas Capitais Brasileiras:


Tendências, contextos e desafios
Fátima Cristina de Mendonça Alves

Ensaios de Estratificação
Celi Scalon

Escola e Destinos Femininos:


São Paulo, 1950/1960
Graziela Serroni Perosa

À Procura de Trabalho:
Instituições do Mercado e Redes
Nadya Araujo Guimarães

Desigualdade de Oportunidades no Brasil


Carlos Antonio Costa Ribeiro

Trabalho: opção ou necessidade?


Um século de informalidade no Rio de Janeiro
Patrícia Sonia Silveira Rivero
1ª EDIÇÃO: Maio, 2009
IMPRESSÃO: O Lutador
FORMATO: 15,5 x 22,5 cm; 224 p.
TIPOLOGIA: Bodoni
PAPEL DA CAPA: Supremo 250 g/m2
PAPEL DO MIOLO: Master 90 g/m2
PRODUÇÃO EDITORIAL: Daniela Antonaci
CAPA& DIAGRAMAÇÃO: Milton Fernandes
REVISÃO DE TEXTOS: Erick Ramalho

ARGVMENTVM
Editora

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