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O ensino

de arte
na educação
brasileira
Rosa Iavelberg
Dossiê Educação

RESUMO ABSTRACT

O presente artigo discorre sobre o ensino This article discusses art education in Bra-
de arte na educação brasileira, explici- zil, and explains the relationship between
tando relações entre as leis e os docu- laws and federal documents that set forth
mentos de âmbito federal que dão as guidelines for the education of art in basic
diretrizes para a educação em arte nas education schools. We addressed the period
escolas de educação básica. Abordamos encompassed from the 1st to 9th grade of
o recorte do 1o ao 9o ano do Ensino Fun- elementary and middle schools, training of
damental, a formação de professores de art teachers, changes in theory and practice
arte, as mudanças teóricas e práticas no over time and curriculum planning in diffe-
tempo e a escrita curricular em diferen- rent educational contexts.
tes contextos educativos.
Keywords: art education; legislation; curri-
Palavras-chave: ensino de arte; legisla- culum, teacher training; art in schools.
ção; currículo; formação de professores;
arte nas escolas.

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N
este texto vamos refletir sobre dados os limites de sua extensão, porém, como
o ensino de arte nas escolas os princípios dos documentos oficiais de cada
brasileiras de educação bási- gestão federal se firmam em bases semelhantes
ca, no recorte do Ensino Fun- em arte nas diferentes etapas e modalidades da
damental, percorrendo pro- escolaridade, supomos nossa amostra represen-
posições federais, verificando tativa nos termos da análise que vamos realizar.
as mudanças e situando-as na A LDBEN no 5.692/71 surgiu em plena ditadu-
Lei no 5.692/71, que aborda- ra militar e estabeleceu as diretrizes e bases para
remos de modo sucinto, e na o ensino de 1o grau, que na época correspondia da
Lei no 9.394/96, ambas deno- 1a à 8a série, orientado para alunos de 7 a 14 anos,
minadas Lei de Diretrizes e e de 2o grau, que se referia ao Colegial, para estu-
Bases da Educação Nacional dantes de 15 a 17 anos.
(LDBEN), incluindo os ajus- Sobre educação artística, terminologia da épo-
tes introduzidos na última para a área de arte. ca, podemos ler no primeiro capítulo da lei de 1971:
Nossa intenção é percorrer uma pequena trajetó-
ria que nos leva às atuais diretrizes do ensino de “Do Ensino de 1o e 2o graus
arte para realizar uma reflexão sobre o estado da […]
arte nas escolas de Ensino Fundamental de nove Art. 7o Será obrigatória a inclusão de Educação Mo-
anos, discorrendo sobre fundamentos, práticas e ral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e
formação de professores. Os demais segmentos, Programa de Saúde nos currículos plenos dos esta-
para os quais foram estabelecidas as Diretri- belecimentos de 1o e 2o graus […]” (Brasil, 1971).
zes Curriculares Nacionais da Educação Básica
(Brasil, 2013)1, não serão analisados neste texto, A obrigatoriedade da educação artística foi
concebida como atividade educativa e não como
disciplina, o que não garantiu uma inserção a
1 A
 lém do Ensino Fundamental de nove anos, hoje
contento no currículo. A orientação tecnicista das
a educação básica envolve: Educação Infantil (creche escolas sob o regime militar e as propostas aligei-
e pré-escola); Ensino Médio; Educação do Campo;
modalidade educação especial; Educação para Jovens
e Adultos em situação privação de liberdade nos
estabelecimentos penais; Educação de Jovens e Adultos
(EJA); educação escolar indígena; educação escolar
de crianças, adolescentes e jovens em situação
de itinerância; educação escolar quilombola; ROSA IAVELBERG é professora do Departamento
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação
de história e cultura afro-brasileira e africana; da USP (FE-USP) e autora de, entre outros, Desenho
educação em direitos humanos e educação ambiental. na Educação Infantil (Melhoramentos, 2013).

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radas de formação de professores de educação ar- ocasionalmente, em um formato não polivalente,


tística em licenciaturas curtas de dois anos – volta- ou seja, respeitando as especificidades de cada área
da aos profissionais que antes ensinavam desenho, e linguagem.
música, artes industriais e artes cênicas – para as Na época, os documentos de 1a a 4a e de 5a a 8a
linguagens das artes plásticas, educação musical séries firmaram a concepção de ensino de arte com
e artes cênicas resultaram em um professor que foco na aprendizagem, ou seja, nas ações de apren-
exercia a polivalência e, assim, diluía os conteú- dizagem significativa dos alunos orientada pelos
dos específicos de cada linguagem, banalizando diferentes conteúdos em jogo nas situações que en-
a arte na escola. Hoje se sabe que o ensino das volvem o aprender sem definir cada conteúdo, mas
linguagens da arte requer formação aprofundada indicando capacidades a serem alcançadas. A se-
em cursos de magistério2, institutos de educação leção dos conteúdos caberia aos elaboradores dos
superior, licenciaturas e bacharelados. currículos dos estados, municípios e escolas. Os
encaminhamentos didáticos apontavam diferentes
“Pode-se dizer que nos anos 70, do ponto de vista tipos de conteúdos a serem observados nos plane-
da arte, em seu ensino e aprendizagem foram man- jamentos: conteúdos conceituais (fatos, conceitos
tidas as decisões curriculares oriundas do ideário e princípios), procedimentais (técnicas e habilida-
do início a meados do século XX, com ênfase em des) e atitudinais (valores e atitudes)3. Além des-
aspectos parciais da aprendizagem, privilegiando- ses dois documentos, os dos Temas Transversais,
-se respectivamente a aprendizagem reprodutiva referentes às questões sociais da época (ética, meio
de modelos e técnicas, o plano expressivo e proces- ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural e
sual dos alunos e a execução de tarefas prefixadas saúde), seriam tratados transversalmente em todas
e distribuídas em planejamentos desvinculados as áreas de conhecimento e também na de arte.
da realidade da escola e do aluno. Os professores Os documentos dos PCNs de 1a a 4a e de 5a a 8a
passam a atuar em todas as linguagens artísticas, séries de todas as áreas de conhecimento foram
independentemente de sua formação e habilita- produzidos nas mesmas bases epistemológicas de
ção. Conhecer mais profundamente cada uma das orientação construtivista e preservam, entre si, co-
modalidades artísticas, as articulações entre elas erência no trato dos conteúdos, fruto das escolhas
e artistas, objetos artísticos e suas histórias não teóricas e do trabalho de equipe entre seus coor-
fazia parte de decisões curriculares que regiam denadores e elaboradores. Os documentos de arte,
a prática educativa em arte nessa época” (Brasil, como os demais, foram submetidos a avaliadores
1998, p. 28). de todo o país.
Os PCNs, reiteramos, foram pensados não
A LDBEN no 9.394/96 consolidou arte como como currículo, mas sim como parâmetros, como
área de conhecimento obrigatória, com conteúdos base à elaboração de currículos de secretarias es-
próprios nas escolas, portanto, em novos moldes taduais, municipais e escolas que optassem por
na educação básica, para promover a formação cul- adotá-los.
tural dos alunos. À lei associaram-se os documen- Os conjuntos dos documentos dos PCNs, sabe-
tos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), -se, mobilizaram um debate nacional sobre currí-
produzidos na mesma época, cuja adoção não foi
obrigatória. Os PCNs de arte foram trabalhados
em equidade com as demais áreas de conheci-
mento e distribuídos para escolas e professores de 2 A
 té 2020 serão aceitos professores formados em cursos
todo o território nacional. Com eles pretendia-se de magistério, e a partir daí será necessário
transformar a reflexão e a prática em cada uma das o curso superior para dar aulas na educação infantil
e nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
linguagens da arte para serem trabalhadas sepa-
 o livro A Prática Educativa, de Antoni Zabala, publicado
3 N
radamente em suas especificidades: artes visuais, em espanhol em 1995 e posteriormente em português
dança, música e teatro. Os projetos interdiscipli- em 1998 pela Editora Artmed, podemos ler sobre o
construtivismo e as concepções de aprendizagem dos
nares entre as linguagens da arte e/ou com as de- diferentes tipos de conteúdos, assim como nos próprios
mais áreas de conhecimento podiam ser propostos, documentos de arte dos PCNs de 1a a 4a e de 5a a 8a séries.

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culo e formação de professores apesar de grupos valendo isso para as quatro linguagens, como po-
favoráveis e contrários à sua adoção, como ocorre demos verificar no que foi proposto no documento
em toda inovação de ensino. Em relação aos do- de 5a a 8a séries do Ensino Fundamental:
cumentos de arte, dos quais participamos como
coordenadora e uma das elaboradoras de 1a a 4a “– conteúdos que favorecem a compreensão da arte
séries e também entre as elaboradoras de 5a a 8a como cultura, do artista como ser social e dos alu-
séries, desde a época entendíamos que as orien- nos como produtores e apreciadores;
tações didáticas e teóricas, para sua efetiva com- – conteúdos que valorizam as manifestações ar-
preensão, seriam de difícil concretização sem a tísticas de povos e culturas de diferentes épocas
formação dos professores e ações políticas mais e locais, incluindo a contemporaneidade e a arte
amplas, por ser importante que os dirigentes das brasileira;
secretarias de educação, suas equipes técnicas e a – conteúdos que possibilitem que os três eixos da
comunidade escolar – familiares e agentes comu- aprendizagem possam ser realizados com grau
nitários – fossem preparados para as mudanças. crescente de elaboração e aprofundamento” (Bra-
Isso serve para qualquer nova diretriz educacional sil, 1998, p. 51).
a ser concretizada e, no caso dos PCNs, como o
desenho curricular a ser construído previa auto- Esses documentos, elaborados há dezoito anos,
nomia e trabalho de equipes em diferentes con- merecem ser atualizados porque ainda são ampla-
textos, esperava-se que o currículo fosse feito em mente usados, dada sua abertura à criação curricular
associação ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) e sua qualidade de caracterização de objetivos, con-
das escolas, o que significa que a escrita curricular teúdos, orientações didáticas e propostas de avalia-
envolveria e levaria em conta a realidade das dife- ção. Não foram reimpressos mas podem ser consul-
rentes comunidades e parcerias das escolas. tados on-line no portal do Ministério da Educação.
Desse modo, nos PCNs, pressupunham-se pro- Na maioria das escolas do país, na época dos
jetos de formação inicial e continuada dos profes- PCNs e atualmente, do 1o ao 5o ano do Ensino Fun-
sores que assegurassem a reflexão e a prática de damental, embora existam exceções, são os pro-
profissionais autorais que soubessem elaborar o cur- fessores regentes de classe que ministram todas
rículo das escolas e redes de modo compartilhado. as disciplinas, inclusive arte, e, do 6o ao 9o anos,
Nesse processo, a formação de professores de são especialistas.
Ensino Fundamental de arte foi ressignificada para Algumas secretarias estaduais e municipais
que se pudesse atuar nas novas proposições, saben- ainda promovem concursos de efetivação do pro-
do orientar as aprendizagens da área em cada uma fessor de arte exigindo conhecimento das quatro
das linguagens nos eixos das ações de aprendiza- linguagens desenvolvidas nos PCNs, o que reflete
gem significativa dos alunos, que foram definidos uma visão de polivalência e retrocesso em relação
nos documentos de arte de 1a a 4a e de 5a a 8a séries, à atual legislação. A Lei no 5.692/71 foi muito com-
a saber: do fazer artístico e da fruição da arte, as- batida por arte-educadores nos anos de 1980. A
sim como de sua contextualização – contextualizar partir da Constituição de 1988 abriu-se discussão
e/ou refletir para saber situar a própria produção e para uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
a dos colegas em trabalhos individuais ou coleti- cação Nacional, que, inicialmente, suprimiu a obri-
vos, sem separá-las da produção social e histórica gatoriedade do ensino de arte e, posteriormente,
da arte em sua diversidade por intermédio de uma teve essa supressão revogada mediante articulação
seleção não hegemônica, visando à equidade e ao política dos arte-educadores em âmbitos estadual
direto dos povos de expressar e documentar sua e federal. Como decorrência dessa luta, arte foi
arte. considerada componente curricular obrigatório na
Nos eixos de aprendizagem significativa, era LDB 9.349/96.
esperado que os alunos aprendessem conteúdos
que seriam definidos e selecionados nas escolas, “A partir do anos 80 constitui-se um movimento de
escolhidos a partir de critérios que visavam à for- organização de professores de arte […].
mação cultural dos alunos orientada à cidadania, […]

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Esse movimento denominado arte-educação per- Art. 26o […]


mitiu que se ampliassem as discussões sobre o § 2o O ensino da arte, especialmente em suas ex-
compromisso, a valorização e o aprimoramento pressões regionais, constituirá componente curri-
do professor, e se multiplicassem no país as novas cular obrigatório nos diversos níveis da educação
ideias, tais como mudanças de concepções de atua- básica, de forma a promover o desenvolvimento
ção com arte, que foram difundidas por meio de cultural dos alunos.
encontros e eventos promovidos por universidades, […]’ (NR).
associações de arte-educadores, entidades públicas Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua pu-
e particulares” (Brasil, 1998, p. 28). blicação.
Brasília, 13 de julho de 2010” (Brasil, 2010).
Para estar em correspondência com o que
está na lei, a formação inicial em arte precisa ser Em 2013 foram publicadas as Diretrizes Curri-
realizada em cada uma das linguagens de modo culares Nacionais da Educação Básica, referentes
aprofundado, o que revela ser uma contradição a às suas três etapas: educação infantil: creche (0 a 3
organização de concursos para professores para anos e 11 meses) e pré-escola (4 e 5 anos); Ensino
quatro linguagens da arte simultaneamente. Fundamental (do 1o ao 9o anos) e Ensino Médio
Os documentos de orientação curricular das (três anos de duração). Essas diretrizes tratam de
três gestões federais do Ministério de Educação normas obrigatórias para a educação básica, que
que sucederam a do presidente Fernando Henrique visam a orientar a elaboração de currículos em
Cardoso, ou seja, nos dois mandatos do presidente escolas e redes especificando conteúdos mínimos,
Luiz Inácio Lula da Silva e no da presidente Dilma obrigatórios, que preservam a formação básica ten-
Rousseff, no que se refere à arte, seguiram com a do como referência a LDBEN de 1996, e definem
LDB 9.394/96, embora com propostas de ajustes. competências e diretrizes para uma base nacional
A alteração na lei para a educação básica foi comum e outra diversificada.
sancionada pelo presidente Lula em 2008, na ges- Arte no segmento do Ensino Fundamental
tão do ministro da Educação, Fernando Haddad, de nove anos, no documento citado, está incluída
nos seguintes termos: como componente curricular obrigatório na área
de conhecimento denominada Linguagens, que
“Art. 1o O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro abarca outros componentes: língua portuguesa;
de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6o: língua materna, para populações indígenas; língua
‘Art. 26 estrangeira moderna e educação física.
§ 6 o A música deverá ser conteúdo obrigató- Em relação à música, o documento assim se
rio, mas não exclusivo, do componente cur- expressa:
ricular de que trata o § 2 o deste artigo’ (NR).
Art. 2o Alterado [ver a seguir]. “A Música constitui conteúdo curricular obrigató-
Art. 3o Os sistemas de ensino terão 3 (três) anos rio, mas não exclusivo, do componente curricular
letivos para se adaptarem às exigências estabele- Arte, o qual compreende, também, as artes visuais,
cidas nos arts. 1o e 2o desta Lei. o teatro e a dança” (Brasil, 2013, p. 114).
Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua pu-
blicação. Segundo o texto, espera-se ainda que no com-
Brasília, 18 de agosto de 2008” (Brasil, 2008). ponente arte se contribua para o ensino da história
do Brasil em relação à temática obrigatória “histó-
Outra alteração foi feita em 2010 e incidiu na ria e cultura afro-brasileira e indígena”
redação do § 2o do artigo 26 da LDB 9.394/96:
“[…] a História e a Cultura Afro-Brasileira, bem
“Art. 1o O § 2o do art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de como a dos povos indígenas, presentes obrigato-
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e riamente nos conteúdos desenvolvidos no âmbito
bases da educação nacional, passa a vigorar com de todo currículo escolar, em especial Arte, Lite-
a seguinte redação: ratura e História do Brasil, assim como a História

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da África, contribuirão para assegurar o conhe- ficas e das licenciaturas – é uma das disciplinas
cimento e o reconhecimento desses povos para a da formação do pedagogo, de modo que ele terá
constituição da nação” (Brasil, 2013, p. 114). uma visão conceitual sobre a área para seguir se
aperfeiçoando nos espaços de trabalho, o mesmo
Entre as propostas, desde a LDBEN 9.394/96 ocorrendo com os professores formados nos cursos
e sua compreensão pelos professores nas salas de de magistério:
aula, ainda temos uma distância na maioria das
escolas, o que desarticula as diretrizes teóricas “Em dezembro de 2010, o Conselho Nacional de
daquilo que é posto em prática em prejuízo das Educação (CNE) aprovou a Resolução CEB no 07,
expectativas de aprendizagem, ou seja, do que po- fixando diretrizes para o Ensino Fundamental de
deria ser realmente aprendido nas escolas. Essa nove anos. Entre outras questões relevantes, o do-
distância entre a produção de conhecimento na cumento estipula que, ‘do 1o ao 5o ano do Ensino
área de arte e a prática na sala de aula pode ser di- Fundamental, os componentes curriculares Educa-
minuída com a melhoria da profissão dos professo- ção Física e Arte poderão estar a cargo do profes-
res (valorização profissional e salários dignos) e da sor de referência da turma, aquele com o qual os
infraestrutura das escolas associadas a projetos de alunos permanecem a maior parte do período es-
formação inicial e continuada dos professores para colar, ou de professores licenciados nos respectivos
os quais, sabe-se, além da necessidade de formação componentes’ (art. 31). Ou seja, tanto um pedagogo
teórica, a maior dificuldade reside na transposição quanto um professor formado no magistério de ní-
didática, ou seja, no saber dar aula assegurando as vel médio estão autorizados a dar aulas de Arte e
novas orientações de ensino para que as propostas Educação Física para os seus alunos. Contudo, es-
não sofram deformações. As transformações pre- ses profissionais não podem atuar com turmas do 6o
cisam ser assimiladas, e para tanto nunca bastaram ano em diante nem no Ensino Médio” (Gil, 2013).
as leis e os documentos oficiais, pois, à formação
dos professores, é necessário associar a mobiliza- Entretanto, em relação à formação dos profes-
ção política e social para efetivar as demandas de sores que ensinam arte em todos os segmentos nas
uma escola que visa à promoção da equidade e da escolas brasileiras, segundo dados elaborados pelo
participação profissional, cultural e social dos seus programa Todos pela Educação 4, com fonte no
agentes educadores. MEC/Inep/Deed, o total de docentes lecionando
A formação inicial nos cursos de pedagogia, a disciplina de Artes (sic) é de 536.488, sendo que
bacharelado e licenciatura em arte deveria preparar entre esses apenas 29.195 possuem formação em
os professores nos campos teórico e prático para artes (licenciatura ou bacharelado – L/B), assim
saber dar aulas, entretanto, depara-se com o fato distribuídos: 19.400 (bacharelado interdisciplinar
de que a oportunidade para os estágios é menor do em Artes); 8.377 (artes visuais – L/B); 406 (artes
que é necessário à escala numérica de professores cênicas – L/B); 122 (dança – L/B); 1435 (música –
em formação inicial, e o estágio é fundamental à L/B) e temos ainda 185 docentes com mais de uma
articulação entre teoria e prática, já que nele se formação específica.
aprende, entre outras coisas, sobre a teoria em ação Aos dados acima se acrescem gritantes dife-
em sala de aula de arte observando ações didáticas renças regionais. Dos 29.195 docentes com forma-
de qualidade. Além disso, hoje é exigido mais da ção em artes, 982 estão na Região Norte; 2.133,
formação do professor de arte porque ele precisa na Nordeste; 18.041, na Sudeste; 6.202, na Sul; e
conhecer a história da arte em um recorte não hege- 1.857, na Centro-Oeste.
mônico, ter experiências de criação nas linguagens Com base nesses dados, verifica-se que 94,6%
com as quais vai trabalhar e conhecer a gênese da dos professores que lecionam arte no país não
arte da criança e do jovem para observar a apren- possuem formação em arte. Acreditamos, como
dizagem, foco das orientações contemporâneas, in-
terligando esses conhecimentos ao PPP da escola.
Nos cursos de pedagogia, a arte – diferente- 4 D
 ados fornecidos pelo programa Todos pela Educação
mente dos bacharelados em linguagens especí- em pesquisa demandada pelo Projeto Arte na Escola.

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muitos formadores, que além da formação inicial língua portuguesa e matemática, são priorizadas
a escola precisa se constituir como um lugar de nos planejamentos, e arte fica com o tempo que
formação continuada dos professores de arte, tanto resta no desenho curricular.
para suprir as faltas de formação inicial como para Observa-se que muitos documentos curricula-
garantir a atualização permanente. res regionais têm como base os Parâmetros Cur-
O professor de arte, como vimos, quando re- riculares Nacionais e agora também as Diretrizes
gente que ministra todos os componentes do cur- Curriculares Nacionais da Educação Básica, mas
rículo, volta-se mais para aqueles tidos como mais verificamos casos nos quais o desenho curricular
importantes, no que corroboram as avaliações da segue escolhas teóricas específicas das equipes de
aprendizagem junto às redes do ensino público que elaboradores, orientadas por escolhas próprias.
incidem apenas sobre língua portuguesa e mate- Os formatos dos documentos curriculares vão
mática, levando educadores e gestores a dar prio- de orientações gerais que auferem liberdade aos
ridade aos dois componentes curriculares. professores em seu planejamento até textos mais
Além disso, o professor especialista, com for- prescritivos, com escrita de sequências de ativi-
mação em arte, que ministra aulas do 1o ao 9o anos dades a serem seguidas em sala de aula, de modo
do Ensino Fundamental, desloca-se de escola para similar ao que ocorre em muitos livros didáticos.
escola ou entre diversas turmas de alunos e, por- É comum ser sugerida a adequação de cada pro-
que trabalha em diferentes escolas, não consegue fessor às sequências didáticas segundo seu con-
pertencer a um grupo de educadores de um espaço texto educativo para que ele se sinta participante
escolar, salvo raras exceções, prejudicando a pos- dos documentos. Existem também redes públicas
sibilidade de troca e de formação continuada que que adotam livros didáticos feitos por editoras e
poderia ter seu locus mais eficaz na própria escola. programas apostilados, nomeados por sistemas de
Soma-se a tudo isso o fato de que poucos di- ensino, feitos por grandes grupos educacionais que
retores e coordenadores pedagógicos de escola disputam junto com as editoras o lucrativo merca-
possuem preparo em arte para incentivar e gerir do de vendas em escolas e redes. A qualidade e
um processo continuado de formação e, em geral, a adequação desses produtos precisam ser verifi-
o trabalho segue documentos oficiais (federais ou cadas caso a caso, pois não há regularidade entre
locais) ou materiais e livros didáticos. eles, e os materiais de arte não são avaliados como
Em alguns casos, na área de arte ainda se dei- os livros didáticos, que entram do Plano Nacional
xa o planejamento por conta do professor, que se do Livro Didático (PNLD).
sente isolado da equipe e solitário em seu trabalho.
Hoje muitas secretarias produzem documentos de ENSINO DE ARTE
arte com maior definição de conteúdos, métodos
e propostas de avaliação, porque se acredita que O ensino de arte está ligado à história da arte,
esse procedimento seja mais eficiente, sobretudo da educação e da criança. As teorias e práticas em
se os próprios professores forem consultados ou sala de aula são fruto de ideias, do contexto polí-
participarem de sua elaboração, com ou sem apoio tico e social de cada época, portanto, ensinar aos
de especialistas externos. professores a história do ensino da área de arte na
A falta de professores de arte é um problema educação escolar é importante para conscientizá-
frente à obrigatoriedade da área de conhecimento -los sobre o valor da memória e da origem das
a partir da LDB 9.394/96. Além disso, não existe propostas curriculares contemporâneas.
a determinação da carga didática, o que faz com A escola moderna ou renovada, que antecede a
que em muitas escolas se planeje cada aula com contemporânea, na qual a produção social e histó-
50 ou 45 minutos para arte, em geral com uma rica da arte não era conteúdo de ensino, teve base
por semana e raramente duas separadas ou juntas, na livre expressão e nos fundamentos da psicolo-
em “dobradinha”, como se convencionou chamar gia, que visavam à liberdade da criança e a uma ati-
entre os professores, para que a aprendizagem seja vidade artística com finalidade em si mesma para
mais eficaz. Portanto, o que se observa é que as cumprir o desenvolvimento do potencial criador
demais áreas do conhecimento, principalmente e o equilíbrio emocional alcançado pela garantia

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da possibilidade expressiva. Os procedimentos da que ocorrem mediante a interação do aluno com
experimentação e a ênfase no processo de criação a arte presente no mundo, marcaram as escolas
queriam preservar a natureza da infância – con- de orientação construtivista dos anos 1980, nas
ceito em transformação permanente –, separando diversas áreas de conhecimento e também na área
a estética da criança da do adulto. Havia acordo de arte, no Brasil e em outros países.
com os ideais da modernidade de orientação ao Em decorrência, os museus e as instituições
desenvolvimento do indivíduo, da sua autonomia culturais, locais de apresentação artística e outros
e do que era suposto sobre a arte da criança e do espaços que exibem, documentam e preservam
jovem, uma natureza universal. arte, passaram a ser parceiros das escolas, numa
O diálogo da criança com a arte adulta acon- relação profícua porque aproxima alunos e pro-
teceu na escola tradicional, que antecedeu a mo- fessores de educadores de museu e de outros es-
derna. A arte adulta ligada a padrões clássicos paços culturais, dos artistas e da arte presente nas
era um motivo a ser copiado e um modelo a ser cidades, implementando o desfrute de produções
alcançado. Os conteúdos e procedimentos eram artísticas como forma de participação social. Nas
selecionados a partir da lógica adulta, o que de- escolas, a diversidade das culturas, articulando os
sapareceu na escola renovada, dando espaço à atos de criação artística dos alunos aos dos artistas,
lógica, à imaginação e à perspectiva da criança. é reconhecida, ou seja, vincula-se o saber escolar
Essa mudança paradigmática no ensino da arte, a às práticas sociais, proporcionando uma ponte en-
seguir, nos anos 1980, em vários países, passou tre a escola e a vida em sociedade e dando ao aluno
da arte como expressão (proposta renovada) para uma visão de si como ser histórico, criador que se
a arte como expressão e interação com a produ- reconhece na sociedade em que vive.
ção social e histórica da arte em sua diversida- Essas ideias, presentes no ensino de arte, nas
de (proposta contemporânea), incluindo saberes discussões e pesquisas contemporâneas, valorizam
sobre o sistema da arte situado no tempo e no as trocas simbólicas entre os que fazem, pensam e
espaço, na variedade de formas de significação, aprendem arte nas escolas e na sociedade. O que se
produção, documentação, difusão e acesso. Essas quer é que todos os alunos das escolas brasileiras
novas proposições, que não observam apenas o possam aprender, saber fazer e conhecer arte. É o
desenvolvimento artístico espontâneo da criança que, assim, propomos àqueles que trabalham pela
e do jovem, como ocorreu na escola renovada, mas melhoria da qualidade da educação, da vida dos
as relações entre aprendizagem e desenvolvimento alunos, dos professores e da sociedade.

Bibliografia

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