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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS – PUC-GO


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

O DELITO DE HOMICÍDIO NA LEI MOSAICA


RELIGIOSIDADE, TEOFANIA E ASPECTOS SOCIOJURÍDICOS

LUÍS ANTÔNIO ALVES BEZERRA

GOIÂNIA
2013
1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS – PUC-GO


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

O DELITO DE HOMICÍDIO NA LEI MOSAICA


RELIGIOSIDADE, TEOFANIA E ASPECTOS SOCIOJURÍDICOS

LUÍS ANTÔNIO ALVES BEZERRA

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião,
da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-
GO, como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Doutor Haroldo Reimer

Goiânia
2013
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Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)


(Sistema de Bibliotecas PUC Goiás)

Bezerra, Luís Antônio Alves.


B574l A Lei Mosaica e o delito de homicídio [manuscrito]:
religiosidade, teofania e aspectos sociojurídicos / Luís
Antônio Alves Bezerra.-- 2013.
118 f.; 30 cm.

Dissertação (mestrado) -- Pontifícia Universidade Católica


de Goiás, Departamento de Ciências da Religião, Goiânia, 2013.
“Orientador: Prof. Dr. Haroldo Reimer”.

1. Dez mandamentos. 2. homicídio. 3. Pena (Direito) I.


Reimer, Haroldo. II. Título.

CDU 2-74(043)
3
4

RESUM

A presente dissertação tem por fito aquilatar, na lei mosaica, o delito de homicídio, não sem
antes, proceder uma abordagem da história hebraica, em seu desenvolvimento, nos períodos
pré-estatal, monárquico, no exílio, pós-exílio, além da contextualização dos Códigos antigos
hebreus: Aliança, Deuteronômico e Levítico, com a intercalação e paradoxo do homicídio em
cada qual dos códices veterotestamentários. Com a descrição teofânica da história de Êxodo,
da protagonização de Moisés e seu povo, das dificuldades, revoltas, dos locais sagrados, a
entrega do decálogo a Moisés e deste ao povo hebreu, até a saída do deserto e a chegada na
terra prometida. Com explicitação de cada qual das normas ali contidas, cunhadas pelo
elemento religioso, norteia-se sobre a legislação da pena de morte e o não matar, que evoluiu
da cultura jurídica hebraica para as legislações supervenientes e atuais, pois no âmbito do
direito legislado mundial prevalece a referida proibição, porém consistente na realização de
uma ação ou omissão, na realização integral do tipo penal que redunda em pena, na hipótese
de morte do semelhante. No homicídio voluntário, hodiernamente, por ser crime doloso contra
a vida, será o acusado julgado pelo Tribunal do Júri; na ausência de dolo, pelo Juízo singular.
Contribuiu, assim, o decálogo, desde a sua divulgação, para a promulgação de leis que,
notoriamente, inibiram na gênese humana o desvalor pela vida do semelhante; sedimentou, é
certo, até a erradicação de pena capital na maioria dos países civilizados, através da evolução
histórica de cada nação.

Palavras-chave: Decálogo, homicídio, códigos, pena, matar.


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ABSTRA

This dissertation is phyto assess, in the Mosaic law, the crime of murder, but not before, make
an approach of Hebrew history in their development, in the pre-state, monarchy in exile after
exile beyond contextualization Codes ancient Hebrews: Alliance, Deuteronomic and
Leviticus, and merge with the paradox of homicide in each of the old Testament codices. With
the description of theophanic story of Exodus, the protagonization of Moses and his people,
the difficulties, riots, the holy sites, the delivery of this Ten Commandments to Moses and
the Hebrew people to the exit and the arrival of the desert into the promised land. With
explanation of each of the standards contained therein, minted by the religious element,
circling over the legislation of the death penalty and not to kill, which evolved from hebrew
legal culture for supervening legislation and current law as legislated under the prevailing
global prohibition, but consistent in performing an action or omission, the full realization of
the kind that results in criminal penalty, in the event of death similar. In murder being
intentional crime against life, the accused will be tried by jury, in the absence of fraud, the
Court singular. Thus helped the Decalogue, since its release, for the enactment of laws that
notoriously inhibited in the genesis of human worthlessness of life by similar; cemented, it is
true, to the eradication of capital punishment in most civilized countries, through the historical
development of each nation.

Keywords: Decalogue, homicide, codes, penalty, kill.


6

LISTA DE

Amós.......................................................................................................................................Am
Antigo Testamento...................................................................................................................AT
Atos dos Apóstolos....................................................................................................................At
Coríntios................................................................................................................................Cor
Crônicas....................................................................................................................................Cr
Daniel.......................................................................................................................................Dn
Deuteronômio...........................................................................................................................Dt
Êxodo.......................................................................................................................................Ex
Gênesis.....................................................................................................................................Gn
Isaías..........................................................................................................................................Is
Jeremias.....................................................................................................................................Jr
Jó..............................................................................................................................................Jó
João...........................................................................................................................................Jo
Juízes.........................................................................................................................................Jz
Levítico....................................................................................................................................Lv
Lucas........................................................................................................................................Lc
Marcos.....................................................................................................................................Mc
Mateus......................................................................................................................................Mt
Novo Testamento....................................................................................................................NT
Números.................................................................................................................................Nm
Oséias.......................................................................................................................................Os
Reis..........................................................................................................................................Rs
Romanos.................................................................................................................................Rm
Rute..........................................................................................................................................Rt
Salmos......................................................................................................................................Sl
Samuel....................................................................................................................................Sm
7

SUMÁRIO

RESUMO...............................................................................................................................4

ABSTRACT…......................................................................................................................5

LISTA DE ABREVIATURAS.............................................................................................6

INTRODUÇÃO......................................................................................................................10

1 A HISTÓRIA HEBRAICA E SEUS CÓDIGOS DE LEIS............................................12


1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO.............................................................................12
1.1.1 Período Pré-Estatal.........................................................................................................13
1.1.2 Período Monárquico.......................................................................................................17
1.1.2.1 Os reinos de Judá e Israel............................................................................................19
1.1.2.2 Sob a dominação assíria..............................................................................................21
1.1.3 Autonomia e exílio..........................................................................................................22
1.1.3.1 A vida no período exílico............................................................................................23
1.1.4 O pós-exílio.....................................................................................................................25
1.2 MOISÉS E A LEGISLAÇÃO HEBRAICA......................................................................26
1.2.1 O Código da Aliança em Êxodo (20,22-23,19).............................................................28
1.2.2 O Código Deuteronômico em Deuteronômio (12-26)....................................................32
1.2.3 O Código de Santidade em Levítico (17-26)..................................................................36
1.3 O HOMICÍDIO NOS CÓDIGOS HEBRAICOS..............................................................38
1.3.1 O homicídio no Código da Aliança................................................................................39
1.3.2 O homicídio no Código Deuteronômico.........................................................................41
1.3.3 O homicídio no Código da Santidade.............................................................................43

2 O PENTATEUCO E ÊXODO-NÃO MATAR..................................................................44


2.1 O PERSONAGEM MOISÉS.............................................................................................47
2.1.2 A defesa do oprimido e a morte do egípcio.....................................................................51
2.2 A MONTANHA E O PERDÃO DE DEUS.......................................................................52
2.3 O DECÁLOGO..................................................................................................................54
2.3.1 Não matarás....................................................................................................................61
8

2.3.2 A legislação bíblica sobre a pena de morte....................................................................64


2.3.2.1 Quem ferir mortalmente um homem será morto (Ex 21,12)......................................64
2.3.2.2 Quando um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, serão castigados
com a morte tanto homem adúltero como a mulher adúltera (Lv 20,10).........................65
2.3.2.3 Quem sacrificar aos (outros) Deuses será votado ao interdito (Ex 22, 19)......66
2.3.2.4 Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou (Gn 1, 27)..68
2.4 O SISTEMA JUDICIAL VETEROTESTAMENTÁRIO.................................................68
2.4.1 Não prestarás testemunho mentiroso contra teu próximo Ex 20,16; Dt 5,20.....69
2.4.2 Ó Deus, confia os teus julgamentos ao rei... que ele governe teu povo com justiça,
e os teus humildes segundo o direito (Sl 72,1-2).....................................................................70
2.4.3 Olho por olho dente por dente........................................................................................70
2.4.4 Ama teu próximo como a ti mesmo...............................................................................71
2.5 A IDEIA FUNDANTE DO DIREITO VETEROTESTAMENTÁRIO............................72
2.6 LEGISLAÇÕES CONTEMPORÂNEAS E SUPERVENIENTES..................................75
2.7 A PENA DE MORTE E O DOGMA RELIGIOSO..........................................................76

3 ORIGEM DOS DIREITOS DOS POVOS-PROIBIÇÃO DE MATAR.........................79


3.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL............................................................................80
3.2 DIREITO PENAL CANÔNICO.......................................................................................82
3.3 DIREITO PENAL BRASILEIRO....................................................................................84
3.4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA...............................................................85
3.5 A INSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI NO MUNDO...........................................87
3.5.1 O tribunal do júri no Brasil............................................................................................90
3.5.2 Julgamento dos crimes dolosos contra a vida................................................................92
3.5.2.1 Induzimento, instigação e auxílio a suicídio...............................................................93
3.5.2.2 Infanticídio.................................................................................................................93
3.5.2.3 Aborto..........................................................................................................................94
3.6 DELITOS QUE RESULTAM MORTE NÃO JULGADOS PELO JÚRI........................95
3.7 NÃO MATAR – MATAR ALGUÉM................................................................................96
3.8 O DELITO DE HOMICÍDIO............................................................................................97
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3.8.1 Aplicação de pena pelo estado (jus puniendi)............................................................100


3.8.1.1 Conceito de homicídio..............................................................................................101
3.8.1.2 Sujeitos do delito......................................................................................................102
3.8.1.3 Tipo objetivo............................................................................................................102
3.8.1.4 Tipo subjetivo...........................................................................................................102
3.8.1.5 Consumação e tentativa............................................................................................103
3.8.1.6 Homicídio privilegiado por relevante valor social ou moral....................................104
3.8.1.7 Homicídio privilegiado por violenta emoção...........................................................104
3.8.1.8 Homicídio qualificado mediante paga e por motivo torpe.......................................105
3.8.1.9 Homicídio qualificado por motivo fútil...................................................................105
3.8.1.10 Homicídio qualificado por meios insidiosos ou cruéis e causador de perigo...106
3.8.1.11 Homicídio qualificado pelo uso de recurso que dificulta a defesa da vítima. .106
3.8.1.12 Homicídio qualificado para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou
vantagem de outro crime........................................................................................................107
3.8.1.13 Homicídio culposo..................................................................................................108
3.8.1.14 Homicídio culposo qualificado...............................................................................109
3.8.2 Perdão judicial..............................................................................................................110

CONCLUSÃO......................................................................................................................111

REFERÊNCIAS....................................................................................................................116
10

INTRODUÇÃO

O Decálogo representa por si, no antigo testamento, normas éticas bíblicas, para
quaisquer das religiões monoteístas, como mandamentos de validade universal, que
transcendeu ao povo hebreu e foi recepcionado pela maioria dos povos.
Já no seu prólogo – com a auto-apresentação de Deus e apresentação de seu nome,
YHWH, com a sua licitude implícita na formulação “teu Deus” e a referência à retirada do
povo hebreu da escravidão – permite reconhecer, induvidosamente, a existência de uma
relação com Deus e que os referidos mandamentos foram validados nessa intrínseca relação.
Descortina-se em uma história da liberdade do Êxodo, que considera Moisés o
protagonista da Torá, que retirou seu povo do Egito, e que recebeu de Deus na montanha as
Tábuas de pedra com a lei e os mandamentos para instrução de Israel (Ex 24,2).
Êxodo atrai a atenção, pelo gesto histórico salvívico de Moisés e de Israel em sua
saída do Egito, depois pela aliança Sinaítica e, em especial, pelos Dez Mandamentos, com a
marcha pelo deserto de Êxodo a Números, até os umbrais da terra prometida. Assim, os
mandamentos têm como objetivo primário e destaque sócio-histórico e jurídico,
induvidosamente, a conservação da vida e a manutenção do ser humano em liberdade.
Moisés é apresentado como líder, profeta e legislador, que nasceu sob o signo da
ameaça e da vulnerabilidade, como o próprio Israel, é amado por Deus pelas mesmas razões
pelas quais é amado por seu povo, por ter sofrido a opressão e ser vulnerável e fraco, mas é o
símbolo do seu povo, que reconhece nele a marca do herói epônimo, pois nenhum dos dois
pode entender a si mesmo sem ter presente o outro.
Como condutor dos hebreus, imiscuiu o legado divino do decálogo e redigiu leis,
segundo a tradição, compatíveis com a massa humana em cuja consciência trabalhou para
incutir os fundamentos de um direito universal, fulcradas na Constituição político-religiosa do
velho testamento, que influíram no direito que o sucedeu quanto no direito contemporâneo.
A influência do conteúdo mosaístico denota que a pena taliônica não se
11

aplicava em seu rigorismo perante os hebreus, que reconheciam casos de morte involuntária e
a legítima defesa no caso de morte na guerra, também estabeleciam cidades asilos para os
criminosos que não tinham intenção prévia de matar, a comprovar que tudo previu para o seu
tempo, legado ao povo tirado da escravidão para liberdade do estado teológico, esculpido
numa moral ética diferente de todas as civilizações antigas, mesmo aquelas de Hamurabi e
Manu.
Provocou com a norma apodítica, de formulação negativa, do quinto mandamento,
pela proibição de matar, a projeção de um direito universal que cultuou o direito dos povos,
incontestável, como defesa metodológica instaurada em ditames legais, que sedimentou sua
universalidade.
A religião, é certo, influenciou o direito que, mesmo variável, como reflexo de
cada sociedade, conservou a essência e a natureza do Decálogo, mesmo em constante
movimento, sincronizado pelos avanços sociais históricos, porque impregnado na formação
moral do homem e de seu ambiente, pode ser justo ou não, mas não se separa do homem e
tampouco sem cessar de ser direito.
Em alguns países, contudo, prosperou energicamente a forma punitiva capital, em
defesa da conservação da ordem, especificamente assolados pela miséria humana e corrupção,
ao revés de recuperar o indivíduo e não assassiná-lo em nome de uma falsa segurança
nacional que, por sede de vingança, ou mesmo pela disposição taliônica, infligir ao
delinquente sofrimento idêntico ou pior, com odiosa reprovação das organizações
internacionais de direitos humanos.
A pequena Israel, perdida entre os grandes impérios antigos e perseguida alhures e
pelas nações modernas, curva-se ante seu espírito e encampa os ideais que deu ao mundo
através da lei mosaica, transformada numa torrente legislativa que lembrará sempre o
legislador primitivo.
As legislações antigas e atuais, e sua gênese, são oriundas dessa época, em que o
antigo legislador do Monte Sinai alcançou a realidade do seu inconfundível profetismo.
12

1 A HISTÓRIA HEBRAICA E SEUS CÓDIGOS DE LEIS

O Direito Hebraico, assim como todo e qualquer complexo jurídico estatal, teve
seu surgimento e desenvolvimento localizado temporal e espacialmente. Neste sentido, de
extrema importância mostra-se o estudo histórico dos hebreus antigos, com a finalidade de
oferecer melhores subsídios para uma real compreensão de suas normas e institutos
sóciojurígenos.
Desta forma, neste capítulo, primeiramente realizar-se-á um desenvolvimento
histórico do povo hebraico, de sua origem (1.200 a.C.) até o final exílio (520 a.C.), com uma
breve menção aos eventos históricos posteriores.
Ao depois, realizar-se-á um módico estudo teórico das principais características
de cada código de lei, aqueles presentes no Antigo Testamento, quais sejam: Código da
Aliança, Código Deuteronômico e Código da Santidade, bem como um breve intróito sobre o
Decálogo ético em Êxodo 20.
Por derradeiro, um alinhavamento sobre o delito de homicídio em cada qual dos
Códigos Veterotestamentários citados.

1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

Com o implemento do desenvolvimento histórico do povo hebreu buscar- se-á


oferecer maiores subsídios para uma melhor compreensão das normas hebraicas, analisadas,
precipuamente, de um lineamento da perspectiva histórica social e como consequência fática
do descumprimento do imperativo legislativo descrito no Decálogo.
Nesse sentido, destaca-se a origem do povo hebreu até o período de seu exílio,
com importância da oralidade na formação ao gênero literário das lendas, comum pelo
incremento do nascedouro de todos os povos, da transposição histórica do herói epônimo,
Moisés, para coletividade de um grupo, para detalhamento das tradições antigas, dados
geotopográficos da região, sóciohistórico e jurídicos.
13

1.1.1 Período Pré-Estatal

Atualmente, as origens do povo hebraico ainda são obscuras aos historiadores.


Não existem elementos arqueológicos suficientes que indiquem, efetivamente, como decorreu
o surgimento do povo hebraico antigo (LEITE, 2006, p. 21).
Das teorias históricas sobre o surgimento deste povo, tidas como mais aceitas,
reconhece-se que “a reconstrução fornecida pela historiografia difere do que se lê na Bíblia”
(SCHWANTES, 2008, p. 11). Dentre os estudiosos do assunto, duas são as principais teses
sobre o surgimento da comunidade hebraica:

1) Uns dizem que Israel resulta da imigração de pastores seminômades das


cercanias das terras cultiváveis. Afirmam que estes pastores, em algum momento,
interrompem sua transumância regular e tornam-se camponeses. […] 2) Outros
afirmam que Israel resulta da desintegração da sociedade Cananéia ao final do
período do bronze e do êxodo da população dos vales cananeus para as montanhas
[…] (SCHWANTES, 2008, p. 11).

A sociedade Cananeia anterior a 1.200 a.C localizava-se nas planícies na região da


Palestina, não havendo, pelo menos até então, ocupação nas montanhas daquela região, como
atestado pela arqueologia (MAZAR, 2003, p. 53), também por historiadores, que remontaram
a época patriarcal do movimento amorita por volta do século XIX antes de nossa era, muito
discutida, pois dataram da Idade do Bronze II B (século XIII) ou do Ferro I (séculos XII, XI),
os grupos que se ligam a Abraão e Isaac (LEMAIRE, 2011, p. 12).
Existia, na região, uma série de cidades-estados cananeias (Gaza, Megido, Bete
Seã, Hazor). Estas cidades submetiam os camponeses da região sob o regime de exploração
tributarista. Estes camponeses pagavam os tributos, pois os líderes das cidades, possuidores de
armas, assim o exigiam (GOTTWALD, 1988, p. 261-262; SCHWANTES, 2008, p. 12).
A região, ainda, era dominada pelos egípcios, na Palestina e sobre as cidades-
estados cananeias estabeleciam a sua “colônia”. O Egito, na mesma lógica tributarista, exigia
contraprestações das referidas cidades, bem assim nos chamados saques de guerras. “O Egito
aumentava, na Palestina, o terror e a miséria (até as crianças sabiam que o faraó era terrível)”
(SCHWANTES, 2008, p. 12).
14

Entre os séculos XVI e XVII a.C. houve uma ocupação militar egípcia sobre a
região da Palestina.

Canaã [que corresponde à região da Palestina], a partir desse momento, passará a


uma fase de subordinação política e militar ao Egito, principalmente após as ações
de Tutmosis III (1479-1425 a.C.) [...] Por quase quatrocentos anos, até, talvez, o
governo do faraó Ramsés VI (1142- 1134 a.C.) os egípcios manterão um controle
maior ou menor da região [da Palestina], normalmente com presença militar, a partir
de diversos centros administrativos. Os principais foram Gaza, Jope e Betsã.
Haviam muitas cidades independentes reduzidas, no entanto, à condição de vassalas
(LEITE, 2006, p. 31-33).

A dominação egípcia na região declinara após a morte de Ramsés II, em 1213


a.C., momento em que cresceram as dificuldades internas para manter o Império Egípcio
coeso. Faraós posteriores continuaram a atacar o sul da Palestina, provavelmente durante todo
o século XII a.C., todavia sem conseguir exercer um poder soberano na região (KESSLER,
2009, p. 58).
A partir do século XII a.C., observa-se uma profunda mudança nas condições
sociopolíticas na região da Palestina, com o início ou o aprofundamento do povoamento das
montanhas da região. Tal situação ocorreu, basicamente, por dois motivos. Primeiramente,
condiz com a desestruturação das cidades-estados (KESSLER, 2009, p. 59), em que houve a
redução delas em pequenas fortalezas, com o passar da era do bronze para a era do ferro. Tal
circunstancialidade “expulsou” os camponeses das cidades, pois não havia mais espaço na
área fortificada para a acomodação deles (SCHWANTES, 2008, p. 12). Logo em seguida,
decorreu a invasão dos povos do mar (filisteus e outros) na região (KESSLER, 2009, p. 58;
LEITE, 2006, p. 37; SCHWANTES, 2008, p.12).

Com estes fatores, os camponeses cananeus, que viviam próximos às cidades-


estados, tiveram que organizar-se em tribos, para proteger-se, já que a cidade não
oferecia mais proteção, e libertar-se, uma vez que a opressão dos estrangeiros que
dominavam as cidades estava diminuída, onde acabaram por instalar-se nas
montanhas da palestina, local, até então, livre de povoamento (DALOSTO, 2010,
p. 114).

Rainer Kessler (2009, p. 60-61) obtempera que, não necessariamente, as


montanhas da Palestina estavam totalmente desabitadas. Cita ele os hapiru, um povo muito
citado pelos egípcios como uma “terceira força” da região da Palestina, em contraposição aos
poderes já instituídos do Egito e das cidades-estados
15

cananeias. Tal grupo era composto por migrantes errantes, que eram econômica e socialmente
desamparados (bandidos à margem da sociedade) (KESSLER, 2009, p. 55). Estes já
habitavam estas montanhas durante todo este processo anteriormente citado, todavia,
posteriormente, outros povos, principalmente os camponeses cananeus, se juntaram a esta
ocupação nas montanhas.
A partir deste novo “povoamento” nas montanhas, não habitadas (ou parcialmente
habitadas pelos hapiru), vários outros grupos foram atraídos para a região, como os pastores
palestinos, os pastores de Cades, os pastores do Sinai e os trabalhadores forçados no Egito;
todos na tentativa de organizarem-se de maneira mais estável e confortável, como já havia
acontecido com os cananeus (SCHWANTES, 2008, p.12-14).
A integração destes povos se deu tal modo, “[...] a dificultar a afirmação clara do
que seria um hebreu ou um cananeu naquele período formativo” (REIMER, 2009a, p. 65).

A partir daí parece ser adequado descrever a formação de Israel na terra como um
processo evolucionário. Ele se dá diversamente em regiões diferentes em tempos
distintos. O que acontece ali na época do Ferro I paralelamente à dissolução do
sistema das cidades-estados é uma mistura de elementos do antigo sistema de
cidades-estados, de nômades criadores de gado pequeno e de hapiru e talvez
também de imigrantes do ambiente arameu (KESSLER, 2009, p. 65).

Cumpre ressaltar que Rainer Kessler (2009, p. 66-81) analisa a existência de um


grupo definido como “Israel”, antes mesmo da formação de um “povo israelita” propriamente
dito.
Remonta o referido autor, alguns indícios de fontes históricas, como a estela de
Menpetah (LEITE, 2006, p. 21-22), que indica a existência de um “Israel” na região da
Palestina, até mesmo, durante a época de dominação egípcia na região, entre os séculos
XIV e XII a.C. Kessler, a citar Neu (1986, p. 215), explica que se pode “[…] entender o
nome ‘Israel’ como um coletivo para a época pré- estatal, que recebe seu conteúdo somente da
contraposição ‘Isra-el = não outros’, portanto em delimitação aos vizinhos entendidos como
‘estrangeiros’”.
Em sentido semelhante, são consentâneos os ensinamentos de Norman K.
Gottwald (1988, p. 264).

[…] a oposição de raças, israelita vs. cananeu, pode ver-se que sofreu
16

modificações conceptuais no decorrer do tempo. Assim que as classes inferiores


cananeias se converteram e deixaram a estrutura de cidades- estado com a sua
religião oficial de Baal, não mais eram auto-identificadas ou consideradas como
cananeias. O termo cananeu passou a referir-se à estrutura hierárquica de cidades-
estados, com a sua ideologia religiosa concomitante do baalismo, que continuava nas
cidades das planícies e propendia a insinuar-se de novo dentro de Israel […].

Outra hipótese, contudo, seria a de que todos os que eram chamados de “Israel”
corresponderiam a um descendente comum.

Se a unidade do Israel pré-estatal está simbolizada no nome “Israel”, é justamente


porque no sistema genealógico Israel é o nome do mais antigo ancestral comum, a
partir do qual a genealogia se divide em linhas. Os patriarcas das tribos isoladas
valem como filhos dele; os chefes dos clãs e das famílias, como seus descendentes
(KESSLER, 2009, p. 73).

Nesta esteira de raciocínio, vários setores sociais são identificados como Israel,
principalmente, por descenderem de um descendente comum. Este “Israel”, dos tempos pré-
estatais da história hebraica, corresponde a tribos isoladas ou uma coalizão de tribos ligadas
pela descendência em comum.
Portanto, antes mesmo da “formação” de um “povo/nação israelita”, entre os
séculos XIV e XII a.C., já existia um “grupo étnico” denominado Israel, que, posteriormente,
passou a designar a um povo-nação como subdivisão técnica, com costumes, leis, tradições e
território comum.
Feitas as devidas observações, voltado ao povoamento das montanhas, todos
aqueles povos estabeleceram o tribalismo como forma de organização social. O ponto nuclear
deste novo sistema social era a família. “A família, a grande família camponesa é que controla
a terra e destina para si e, às vezes, para seus parentes, o produto dela. Já não há tributo, por
que não há exército, nem rei, nem sacerdote que necessitem do tributo para não trabalhar”
(SCHWANTES, 2008, p. 15).

Empenhavam-se os primitivos israelitas, fundamentalmente, na agricultura irrigada


pelas chuvas e pelos mananciais, suplementada pela criação de gado e artesania
simples. Sob o impulso do movimento israelita, segmentos variados das classes
inferiores cananeias, anteriormente divididos em pendências nas suas lutas,
reuniram-se na região das colinas [montanhas] e uniram-se na agricultura livre
baseada em mesclas regionais de grãos, vinho, óleo, frutas e hortaliças. Possuíam
pequenos rebanhos bovinos e rebanhos maiores de ovelhas e cabras […]
(GOTTWALD, 1988, p. 273).

Várias foram as tribos que se formaram, cada qual com trajetórias muito próprias
e específicas. Senão, veja-se:
17

Ao sul temos uma tribo que vai integrando as demais, é a de Judá. No início só está
ao redor de Belém, logo se expande para o sul, incorporando a Hebron (que era
Calebita), e avança até Berseba. Esta grande Judá será muito importante para as
origens do reinado de Judá e Israel. Ao norte de Judá está outra tribo marcante, a de
Efraim. Junto com Manassés e Gileade forma algo como que semelhante á tribo de
Judá, porém diferente: em Judá tudo já foi integrado; já ao norte cada tribo manteve
a sua autonomia (SCHWANTES, 2008, p. 15-16).

É a partir deste contexto histórico que, necessariamente, inicia-se a história do


povo hebraico antigo como um povo ou nação israelita. Apesar de não apresentar uma
correspondência direta com o que é narrado biblicamente, é o modelo mais aceito atualmente
pela comunidade científica, pautada em uma perspectiva histórico-cultural de estudo.

1.1.2 Período Monárquico

A monarquia tem suas origens no processo de diferenciação social e no acúmulo


de riquezas provenientes com o desenvolver da comunidade tribalista.
Para Milton Schwantes (2008, p. 19-20), na sociedade tribal a vida era de relativa
abundância. Inicialmente, o excedente era distribuído entre a família e outros necessitados,
assim como eram utilizados nas festas. Todavia, em certo momento, o excedente acaba por
superar este mínimo utilizado nas festas e na ajuda aos próximos. Tal acúmulo é representado
na aquisição de gado. Um acúmulo de riquezas e, além de representar um luxo pelo consumo
maior da carne, ainda poderia ser utilizado no arado da produção agrícola, para incrementar
ainda mais a produção agrícola familiar, com geração de riqueza.
O semovente, porém, não poderia ser locomovido facilmente, já que necessitava
de uma base territorial fixa e, consequentemente, de proteção maior dos componentes da
tribo. “O gado necessita de armas de defesa, de exército” (SCHWANTES, 2008, p. 19).
Representa, também, um fator de desigualdade social, na medida em que busca fonte de
alimento e espaço que são retirados da população mais carenciada.
18

O movimento intertribalista de Israel em direção à igualdade social era incompleto


no alvorecer da monarquia, frustrado de um lado por “convertidos” para a sua causa,
os quais não executavam medidas de nivelamento e partilha socioeconômica e, por
outro lado, pelo aumento da prosperidade e influência em relação a determinadas
regiões e famílias, particularmente em Manassés, Efraim, Benjamim e Judá
(GOTTWALD, 1988, p. 304).

O gado, na verdade, transcendia o reforço para manutenção da divisão social, pois


quem tinha um boi, produzia bastante, tinha maior renda, controlava o mercado e
desarticulava, necessariamente, a produtividade e a situação financeira dos pequenos
produtores (MESTERS, 2011, p. 46).
A pobreza decorrente das diferenciações sociais fora, também, um fator motivo do
surgimento do Estado hebraico. Com a pauperização da população há o surgimento de bandos
que promoviam a desordem pública, com a exigência de valores dos senhores locais, sob
ameaça de morte. “Por outro lado, tais grupos constituem a base de poder para a construção
do poder estatal, como o mostram os exemplos de Abimelec, Jefté e Davi” (KESSLER, 2009,
p. 92), que eram comandantes de armas, líderes destes bandos de pauperizados. Os dois
primeiros tentaram estabelecer um Estado hebraico, todavia falharam (SCHWANTES, 2008,
p. 20).
A ideia da constituição de um rei era algo presente e, até mesmo, querido pelo
povo hebraico, tanto pelo fato de o povo hebraico já ter contato com outras monarquias
(egípcia e mesopotâmica) (KESSLER, 2009, p. 92), além do fato de se intensificarem as
tentativas de invasões de povos vizinhos, como os filisteus, às terras hebraicas
(GOTTWALD, 1988, p. 304; KESSLER, 2009, p. 91-92;
SCHWANTES, 2008, p. 20).
Na luta contra os invasores Saul foi o vencedor. Ele foi declarado rei após a sua
vitória na guerra contra os amoritas. O reinado de Saul foi bem episódico, perdurou até
quando os filisteus decidiram ter o controle da região. Saul foi derrotado (GOTTWALD,
1988, p. 305). Além dos filisteus, Judá e Efraim (uma das tribos do norte) tinham interesse no
domínio da região. Davi, com o apoio de Judá, conseguiu derrotar os filisteus, a conquistar,
também, as áreas sob o domínio de Saul e expandiu, ainda, para as tribos do norte
(SCHWANTES; 2008, p. 20-23). Davi derrotou, definitivamente, os filisteus e constituiu um
centro administrativo em Jerusalém (GOTTWALD, 1988, p. 305-306).
19

[…] sob Davi, Judá efetivamente se expandiu em direção ao norte, unindo as tribos
israelitas e incluindo regiões de povoamento até então cananeu no novo estado; além
disso, colocou outros povos em dependência para com este novo estado (KESSLER,
2009, p. 85).

Com a morte de Davi, seu sucessor Salomão assumiu o poder monárquico.


Salomão, com uma base territorial e administrativa já organizada, buscou “modernizar” o
Estado hebraico. Criou uma elite da cidade não produtiva, dividiu o reino em províncias,
aumentou o exército, organizou a tributação e os trabalhos forçados e construiu o templo, para
o recebimento de oferendas (SCHWANTES, 2008, p. 24-26).

A onda econômica que [Salomão] começou de maneira tão corajosa chocou-se com
graves dificuldades. O desenvolvimento econômico forçado empurrou Salomão a
políticas que se contradiziam reciprocamente em rendimento decrescentes. […] Para
construir Salomão necessitava de madeira e metais do exterior, em troca dos quais
tinha mormente produtos agrícolas para oferecer. Com efeito o rei ordenava à classe
trabalhadora que executasse tarefas que se contradiziam entre si: permaneçam na
terra e produzam mais safras para exportação! Abandonem a terra e sirvam no
exército e construam cidades! Taxação e corveia irritaram a população […]
(GOTTWALD, 1988, p. 3307).

Diante de tal situação, o poder monárquico de Salomão, opressor, possuía maior


resistência das tribos do norte. Após a sua morte, por volta de 926 a.C., estas tribos (Israel)
“libertaram-se” do poder opressor do sul. A partir daí, começa a história dos reinos de Judá e
Israel (SCHWANTES, 2008, p. 28).

1.1.2.1 Os reinos de Judá e Israel

Com a morte de Salomão desmantelou-se o reino unido (GOTTWALD, 1988, p.


281).

Segundo 1Rs 12, o conflito é desencadeado na transição do poder de Salomão para


seu filho Roboão. Contudo, já nos conflitos anteriores sob o governo de Davi e de
Salomão, a busca por autonomia por parte das tribos do norte foi o ponto de partida
do conflito (KESSLER, 2009, p. 121).

As tribos de Israel (norte) não mais queriam continuar a “servir” Jerusalém, ou


seja, pagar tributos altos e submeter-se a trabalhos forçados. Desta
20

forma, como processo sucessório funcionou como estopim para a separação das tribos do
norte do reino de Judá e, neste processo, colocou sobre si uma nova monarquia
(SCHWANTES, 2008, p. 28-29). “[…] os setores que já haviam se ‘acostumado’ à
monarquia, os anciãos das tribos, gente da administração do antigo estado de Davi/Salomão,
setores do exército, e fazem de Jeroboão o rei do norte” (SCHWANTES, 2008, p. 29).
O reino do norte é caracterizado pela constante troca de dinastias, em
contraposição ao reino do sul, que é dinástico da família de Davi. Apenas com a dinastia dos
omridas houve uma estabilização do sistema de poder em Israel. Como não existia uma
estabilidade no poder, as elites agrárias não conseguiram estabelecer como dominantes tão
facilmente, sendo que, a cada reinado, era necessária uma nova coligação do rei com as elites
locais. Outra característica marcante do reino do norte, é a ideologia da libertação,
personificada na narrativa do exílio (KESSLER, 2009, p. 120-128; SCHWANTES, 2008, p.
28-36).
Com relação ao reino de Judá, percebe-se que possui como principal característica
o seu caráter dinástico, que, apesar de todas as crises, nunca se chegou a cambiar de dinastia.
Outra característica é a fraqueza na política externa, que levou este reino a, periodicamente,
pagar tributos aos egípcios e aos babilônicos. O pagamento dos tributos oferecia, em
contrapartida, relativa paz. Estes pagamentos presumem, assim, uma alta carga tributária
suportada pela população. Em razão da estabilidade dinástica do reino do sul, naquele reino
observou-se, também, uma estável e contínua elite agrária e funcional (“povos da terra”).
Existiam, efetivamente, “dinastias” de funcionários dos reis, seladas por meio de casamentos
entre os filhos do rei e a elite. Outro fator de grande importância para estabilidade da elite se
dava pelo fato de estes por possuírem uma base econômica própria, não os tornando
dependentes do “humor” do monarca. Tudo indica que os funcionários eram recrutados das
famílias dos notáveis, da elite agrária. Neste sentido, pode-se dizer que ao sul existia uma
monarquia participativa, todavia com a participação apenas das elites, não incluindo a massa
do povo (KESSLER, 2009, p. 129-136; SCHWANTES, 2008, p. 28-36).
Para Milton Schwantes (2008, p. 30-33), Judá era dinástico e Israel era
monárquico, mais ou menos golpista, em decorrência das condições geográficas e econômicas
dos dois reinos. O reino de Judá era formado por regiões bem distintas, com uma área deserta,
voltada para a produção de ovelhas e outra muito fértil, que
21

além de criar ovelhas, tinha como principal atividade econômica a produção de grãos e frutas.
Desta forma, ovelhas, cereais e frutas se complementavam. Uma região precisava da outra e,
portanto, existia um efetivo interesse das tribos em manterem- se juntas. Com relação a Israel,
cada região é mais ou menos homogênea nos seus meios de produção, havendo, assim, uma
suficiência econômica interna. Esta suficiência de cada área, provavelmente de cada região
tribal, torna a relação entre elas algo secundário, não existia, portanto, a necessidade de
escambo ou trocas. Tal situação não criou a necessidade, destarte, de uma unidade política e
econômica acima da família/tribo.
O reino de Israel perdurou até o ano de 722 a.C., quando Samaria foi anexada ao
sistema de províncias assírias. Já em relação a Judá, o mesmo se manteve autônomo até 701
a.C., quando Jerusalém foi cercada pelos assírios e quase conquistada. Após este evento o
reino de Judá persistiu, todavia, sob dominação de potências estrangeiras (SCHWANTES,
2008, p. 28-29), como adiante explanar-se-á.

1.1.2.2 Sob a dominação assíria

A partir do ano de 740 a.C. a Palestina começou a ser dominada pelos assírios.
Entre os anos de 732 a 722 a.C. os assírios destruíram o reino de Israel e deportara grande
parte de sua população, transformando Israel em uma de suas províncias (KESSLER, 2009, p.
153; SCHWANTES, 2008, p. 37).
Não demorou muito para o reino de Judá ser alcançado. Em 701 a.C. a cidade de
Jerusalém foi cercada e quase tomada. Neste processo, outra vez, uma grande população foi
deportada (SCHWANTES, 2008, p. 37).

Depois de tomar Judá, os assírios continuam com suas conquistas. Seu alvo era o
Egito. Alcançaram-no em 671 a.C.; assim o império chega, rapidamente, à sua
expansão máxima, no caso também o seu limite. Em 640 a.C., os assírios já estavam
sem forças para manter a Palestina sob o seu controle (SCHWANTES, 2008, p. 41).

Durante este período de dominação assíria, o reino de Judá subsistiu, todavia, sob
a influência do império dominante.
22

A vida sob a dominação assíria foi difícil para aqueles que entraram em contato
com os seus exércitos. Todavia, a vida tribal no interior continuava a mesma. Nos locais em
que não houve o contato direto com o exército assírio a vida deve ter se mantido mais ou
menos a mesma. Os assírios, assim como os reis locais, cobravam os tributos, mas não
exigiam escravos. Desta forma a vida continuou da mesma forma como já era antes feita pelos
próprios monarcas hebraicos (SCHWANTES, 2008, p. 39).

1.1.3 Autonomia e exílio

Logo após terminar a dominação assíria na Palestina, não houve, de imediato, uma
nova dominação estrangeira na região. Durante algum tempo houve uma disputa no poder
entre os babilônios, egípcios e, ainda, os assírios.
Durante este período de vácuo dominatório na região da Palestina, o reino de
Judá, por certo tempo (640-609 a.C.), readquiriu a sua autonomia e autodeterminação como
Estado, que teve como figura central o rei Josias (SCHWANTES, 2008, p. 49).

O que se alcança sob Josias é, pois, um pacto entre Jerusalém e Judá; este foi de
grande impacto, também para Josias, que a partir daí se lança à conquista do
norte, ao antigo Israel. Judá integra partes do norte a seu domínio. Expande-se.
Este projeto novo foi interrompido repentinamente, pois a Palestina só havia sido
liberada, provisoriamente, pelas potências imperiais para iniciativas nacionais […]
(SCHWANTES, 2008, p. 51).

Em 609 a.C. Josias morreu ao confrontar-se com os egípcios (KESSLER, 2009, p.


154). O filho de Josias, Jeoacaz, foi proclamado rei pelo “povo da terra”. Todavia, três meses
após, a Palestina foi dominada novamente pelos egípcios. Jeoacaz foi deportado para o Egito e
lá morreu (SCHWANTES, 2008, p. 51).

A partir de 609, Judá volta a estar sob o impacto de um império. Joaquim (609-598
a.C.) foi feito rei pelos egípcios. Mas, logo depois, estes perdem o domínio
internacional para os babilônicos, em 605. Também Joaquim tem que mudar de lado.
Passa a pagar os seus tributos ao novo imperador babilônico. Por fim, já sob os
interesses do “povo da terra” suspende o pagamento do tributo. Os babilônicos
invadem Judá. Joaquim morre. Assume o seu filho Jeoaquim (597) que se entrega
aos babilônicos para evitar destruição da cidade. Ele, a corte e mais dez mil da elite
de Jerusalém
23

são deportados. Começa para este o exílio (SCHWANTES, 2008, p. 52).

Posteriormente, os babilônicos fizeram rei Zedequias (597-587 a.C.). Logo após,


com o apoio dos egípcios e sob pressão do “povo da terra”, Zedequias novamente suspendeu o
pagamento de impostos aos babilônicos. Nova invasão mesopotâmica ocorreu em 587 a.C.
Jerusalém foi conquistada e queimada e o templo destruído. Neste evento ocorreu nova
deportação de pessoas (KESSLER, 2009, p. 154). Na Babilônia já se somavam quinze mil
pessoas (SCHWANTES, 2008, p. 52).
Pelos relatos bíblicos (Jr 50,30), uma terceira deportação aconteceu no ano de 582
a.C., em punição pela morte do rei Godolias por monarquistas judaítas. Godolias foi um rei
instituído pelos babilônicos (KESSLER, 2009, p. 154-155).
“O fim da época babilônica se dá com a ocupação pacífica da cidade da Babilônia
pelo rei persa Ciro II, no ano de 539” (GOTTWALD, 1988, p. 401; KESSLER, 2009, p. 155).
O exílio hebraico perdurou até o ano de 538 a.C., quando um decreto de Ciro, o imperador dos
Persas e novo dominador da região, deu ordens para libertação dos hebreus e para a
reconstrução do templo (SCHWANTES, 2008, p. 54-55).
Apesar de o exílio ter terminado com a nova dominação persa na região,
provavelmente apenas por volta de 520 a.C., efetivamente, existiu um retorno considerável de
hebreus às antigas terras de Judá e Israel (KESSLER, 2009, p. 155).

1.1.3.1 A vida no período exílico

Apesar de a história bíblica dar a impressão de que a Palestina tenha ficado


totalmente desabitada no período do exílio, não é crível que tal fato efetivamente tenha
ocorrido. “Depois de 586 a.C. [destruição de Jerusalém e do templo], a história judaica
prossegue numa ‘vida dupla’, repleta de tensões entre judeus palestinenses e judeus da
Dispersão” (grifo original) (GOTTWALD, 1988, p. 397). No mesmo sentido ensina Rainer
Kessler (2009, p. 161), que “desde as deportações no início do século VI Israel vive a
dupla existência de uma parte da população viver na terra e outra fora dela” (grifo
original).
24

Com efeito, apesar de as cidades estarem desurbanizadas, diante da


desestruturação destas e pelo exílio, a grande maioria dos hebreus continuava a viver na
Palestina, no interior de Judá, em suas aldeias, trabalhando em seus campos (GOTTWALD,
1988, p. 394). Ou seja, continuou o tribalismo, da mesma forma como ocorreu durante a
ocupação assíria na Palestina (GOTTWALD, 1988, p. 398; SCHWANTES, 2008. p. 54).
A deportação realizada pelos babilônicos alcançou, basicamente, a camada
superior da sociedade hebraica, incluindo especialistas, funcionários do estado, sacerdotes,
oficiais do exército e artesãos (GOTTWALD, 1988, p. 397; KESSLER, 2009, p. 157-158).
Nesta época e ainda no período de dominação anterior, dos assírios, além da
deportação de hebreus, houve, também, a dispersão destes para regiões estrangeiras próximas,
como a Transjordânia, a Fenícia, a Síria e o Egito, afugentados pela opressão (GOTTWALD,
1988, p. 394).
Com relação aos hebreus deportados, na região da babilônia eles foram instalados
em extensas colônias agrícolas (GOTTWALD, 1988, p. 395, 399; KESSLER, 2009, p. 162). É
provável que nestas colônias os hebreus possuíssem o status de arrendatários e não de
proprietários livres, certamente por motivos de estado dos babilônicos. Apesar de estarem
restritos às colônias agrícolas, é provável que os hebreus possuíssem certa autonomia
(KESSLER, 2009 p. 164).

Os exilados podem promover reuniões nos seus lugares de moradia. Os anciãos


funcionam como seus representantes, sendo designados como “anciãos de Judá”
(Ez 8,1), “anciãos de Israel” (Ez 14,1; 20, 1.3) ou também “anciãos da deportação”
(Jr 29,1). Isso aponta para o fato de que os exilados desfrutavam de uma
administração própria - ainda que provavelmente limitada (KESSLER, 2009, p.
162).

Outro fato interessante foi o de que o governo babilônico, em certa medida,


promoveu uma “reforma agrária” na região da Palestina. As terras que foram concentradas nas
mãos das elites durante o século VII a.C., tanto nos reinos de Israel como de Judá, foram
“redistribuídas” ou “permitiu-se a ocupação” pelos que permaneceram na terra. É provável
que alguns fugitivos dos tempos anteriores e estrangeiros tenham ocupado as terras daqueles
que agora estavam no exílio (KESSLER, 2009, p. 158-159).
25

O tempo do domínio babilônico sobre Judá é um tempo em que aqueles que durante
a monarquia concentraram muitas propriedades agora as perdem parcial ou
totalmente. Estas terras são apropriadas por aqueles que em outros tempos as
perderam para os poderosos, mas também babilônicos e membros de outros povos se
apropriaram das terras (KESSLER, 2009, p. 160).

Nestes termos, vislumbra-se que durante o período exílico, apesar das elites terem
sido deportadas para regiões da Babilônia, onde viveram em colônias agrícolas com relativa
autonomia, subsistiram hebreus a viverem em suas terras no interior de Judá. Estes
mantiveram o projeto tribalista vivo.

1.1.4 O pós-exílio

Com o fim do exílio não houve, de imediato, um “repovoamento” da região da


Palestina. O templo estava destruído, assim como Jerusalém. Desde o fim do exílio, que se
deu por volta de 520 a.C., apenas por volta de 420 a.C. houve a reconstrução de Jerusalém, a
partir das ações de Neemias, um governante de origem judaica a serviço dos persas
(SCHWANTES, 2008, p. 73).
Com a reconstrução de Jerusalém, esta perdurou até 70 d.C., quando foi destruída
pelos romanos e com a consequente dispersão dos hebreus, novamente, em uma diáspora
(SCHWANTES, 2008, p. 89).
A partir deste fato histórico não é mais possível estudar os judeus como
povo/nação. Todavia, a sua cultura se mostrou persistente e presente até os dias atuais, apesar
de todas as atrocidades cometidas contra este povo, embora extremamente relevantes, tais
fatos históricos não coadunam com o que foi proposto a ser analisado nesta dissertação.
Dois momentos, porém, apenas historicamente, mas a comprometer o regramento
religioso, social e jurídico do povo hebreu, decorreu na época do Exílio (587-538) com a
tomada de Jerusalém, por Nabucodonosor, que se apossou de Tiro (Ez 29, 17; cf. 25, 28), com
o desaparecimento de uma entidade política judaíta, mas que prevaleceu até os anos 70, que
também não assinalou o desaparecimento do povo hebreu da história, mas na Palestina quanto
na diáspora, especialmente na Babilônia, o judaísmo posterior a 70 tornou-se especificamente
fariseu (LEMAIRE, p.
26

77 e 152).
Realizado este intróito histórico, faz-se mister, agora, a análise dos três
códigos de leis contidos no Antigo Testamento (Pentateuco ou Torá), com breve síntese distal
do Código da Aliança, Código Deuteronômico e do Código da Santidade e, ao final,
igualmente, da legislação específica sobre o homicídio nas normas de cada qual dos códices
veterotestamentários.

1.2 MOISÉS E A LEGISLAÇÃO HEBRAICA

Pela narrativa bíblica, os dez mandamentos foram escritos diretamente por


Deus e, posteriormente, este ordenou que Moisés escrevesse todas as outras normas (Ex 24,
4). Tais fatos, nos termos da tradição passaram-se nos tempos pré- estatais da história
hebraica, no tempo da peregrinação pelo deserto.
Todavia, os estudiosos bíblicos indicam que a legislação hebraica não foi escrita
em um só tempo, mas sim em várias etapas da história deste povo, em que, por final, na época
de exílio e pós-exílio hebraico na Babilônia (sec. V a.C.) houve a reunião destes vários textos
em um corpo único, a formar o que é conhecido como Pentateuco ou Torá (REIMER e
RICHTER, 2006, p. 35; LEITE, 2006, p. 17).
Pela pesquisa bíblica, principalmente através da crítica literária e as evidências
históricas, os textos da Torá foram escritos durante a época estatal deste povo, que é um
período posterior ao de vida de Moisés. Desta forma, estabelece-se um conflito entre “as
verdades” bíblicas e a pesquisa bíblica. Como Moisés teria escrito todos estes textos legais se
a pesquisa demonstra que eles foram confeccionados em uma data posterior de sua existência
física (CRÜSEMANN, 2002, p. 93).
A explicação atualmente mais aceita é a de que estes textos (tanto os textos legais
como a própria “estória” de Moisés) foram escritos apenas a partir do período estatal hebraico
e, posteriormente, foram retro projetados para um tempo antigo, nos primórdios da civilização
hebraica, com o incremento de características que lhe conferiram um caráter mitológico.
A questão da legitimação do judiciário e do legislativo hebraicos está diretamente
atrelada à figura de Moisés. A narrativa mosaica apresenta-se de forma
27

mítica, sendo ela primeiro um mito ou um conto popular, que passou por um processo de
“crescimento hermenêutico” durante toda a trajetória deste povo (REIMER, 2009b, p. 22).
Passou primeiro, pela transmissão oral, com a inserção de ilusões e alucinações
memoriais1. Após essa fase oral, ocorre o espaço na qual acontece o diálogo das narrativas
orais e textuais com narrativas de outros povos em um processo dialético. Por fim, houve a
documentação escrita dessa tradição, em meados do primeiro milênio a.C., onde, com a
formação do estado hebraico, essa narrativa mosaica foi “manipulada” e recontada de forma a
legitimar as leis hebraicas e a sua aplicabilidade (LEITE, 2006, p. 55-56).
A narrativa da bíblia, pela aparição de Deus (Ex 19) e pela conclusão da aliança
entre Deus e o povo de Israel (Ex 24), Moisés recebe primeiro os Dez Mandamentos (Ex 20,
2-17) e depois os mandamentos do Código da Aliança (Ex 20, 22-23, 33) depois a ruptura da
aliança por causa da confecção do bezerro de ouro (Ex 32) e da intercessão de Moisés pelo
povo (Ex 33), a aliança é renovada e novamente são dadas leis para o Povo (Ex 34). Depois da
construção da tenda do encontro (Ex 35-40), são outorgadas leis sobre sacrifícios (Lv 1-7); em
seguida, instituído o sacerdócio (Lv 8) e celebrado um primeiro culto (Lv 9). Seguem outras
leis como pureza e lepra (Lv 11-15) e sobre o dia da expiação (Lv 16) bem como leis éticas e
cúlticas do Código de Santidade (Lv 17-26) e um anexo (Lv 27) seguem longas listas com
números acerca dos israelitas, de acampamento, juntamente com outras leis (Nm 1-10), os
israelitas partem do Sinai em números 10,11 (GRÜNWALDT, 2009, p. 19-20).
A partir dos elementos apresentados, evidencia-se que as normatizações hebraicas
aconteceram com o desenrolar do próprio desenvolvimento histórico deste povo, como a
seguir demonstrar-se-á com a análise de cada um dos Códigos de Leis hebraicos.

1 “As ilusões memoriais ocorrem quando uma imagem memorial é entendida com um sentido diferente
daquele que ela originalmente apresenta. [Já] as alucinações, [aparecem] quando uma imagem é tida por
memorial, mas não esta ligada a eventos passados por uma associação causal” (LEITE, 2006, p. 42).
28

1.2.1 O Código da Aliança em Êxodo (20,22-23,19)

O Código da Aliança, assim como todos os outros códigos da Torá, não foram
escritos nem representam normas da época em que o texto bíblico o situa, aquela época da
peregrinação pelo deserto, no tempo anterior à ocupação da terra prometida. Este código de
lei é o mais antigo corpo de leis dos hebreus (CRÜSEMANN, 2002, p. 159; GRÜNWALDT,
2009, p. 24).
A primeira evidência desta datação posterior daquela atribuída pelo próprio texto
bíblico constitui-se nas próprias leis ali descritas, que pressupõem uma sociedade
segmentária, agrária. Neste caso, o povo não poderia mais estar no Monte Sinai ou no
deserto. As leis do Código da Aliança pressupõem a posse da terra (GRÜNWALDT, 2009, p.
23). Leis sobre escravos e também o direito sobre estrangeiros, por questões lógicas, não
poderiam ser localizados no período pré- estatal (CRÜSEMANN, 2002, p. 162).
Todavia, o fato de o Código da Aliança não se ambientar na época da
peregrinação no deserto não é suficiente para delimitar a sua datação histórica, que, por Frank
Crüsemann (2002, p. 278), o Código da Aliança deve ter surgido no final do século VIII ou
no início do século VII a.C. tendo em vista todo o seu conteúdo.
Ainda de acordo com o referido estudioso, o Código da Aliança é uma
“reelaboração”, por parte dos hebreus, da catástrofe do Reino do Norte. Aglutinou-se a
herança teológica do reino de Israel e as consolidadas regras de adoração exclusiva de Deus
de Israel juntamente com o livro jurídico de Jerusalém, também chamado de mishpatim
(maiores explicações adiante). Incorpora-se ao todo, ainda, a crítica social dos profetas do
Reino do Sul. Todos estes elementos reunidos formam o Código da Aliança e a estrutura
básica da Torá (CRÜSEMANN, 2002, p. 278).
Com os conteúdos centrais apresentados no Código da Aliança, observa- se que a
datação mais provável seja, efetivamente, apenas no final do reino do Sul, uma vez que em
épocas anteriores não se pode verificar as condições históricas necessárias para que o referido
Código tenha correspondência com a realidade.
Dentre os conteúdos principais do Código da Aliança, possuem grande relevância
no corpo do código os chamados mishpatim.
29

A coleção de sentenças legais casuísticas em Ex 21,1-22,16 (e v.19) destaca-se do


contexto como uma grandeza autônoma. Pela linguagem e pelo caráter, ela é
claramente distinta de seu entorno e pela forma e conteúdo não tem analogia nos
outros códigos de leis do Antigo Testamento. Mas tem analogias muito estreitas, nos
livros legais do Antigo Oriente. A proximidade é tão grande que por vezes até se
postulou uma origem extra- israelita para este conjunto (CRÜSEMANN, 2002, p.
206).

Os mishpatim, ou leis casuísticas, são assim chamadas por serem originárias de


casos concretos exemplares. Tais casos eram utilizados como premissa maior em um processo
analógico, em que os casos concretos configuram- se como premissa menor e as possíveis
punições a serem aplicadas representariam a conclusão. Provavelmente, as sentenças
casuísticas têm a sua origem a partir de casos concretos ocorridos na experiência jurídica
hebraica (GRÜNWALDT, 2009, p. 27).
A organização e a origem destas normas, provavelmente, são oriundas da corte de
Jerusalém. Os mishpatim representariam o código jurídico do reino de Judá. Isto dar-se-ia,
basicamente, pois a apurada técnica jurídica e a semelhança destas normas com o direito dos
impérios do entorno pressupõem a existência de escribas e juristas formados que, naquela
época, apenas poderiam existir em função e a serviço do Estado. Outro ponto que indica que
os mishpatim tenham a sua origem na corte de Jerusalém se dá, conforme já dito
anteriormente, pelo fato de suas normas terem a sua gênese de casos concretos que,
posteriormente, foram “resgatados” por estes juristas em todo o território do Estado,
transfigurando-os em casos exemplares (CRÜSEMANN, 2002, p. 235-237).
Diversa espécie de normas contidas no Código da Aliança, em contraposição aos
mishpatim, são as chamadas leis apodíticas. São elas mandamentos proibitivos absolutos,
incontestáveis, sem qualquer prescrição de penas, tendo como a norma mais exemplar o
quinto mandamento: “Não matarás” (Ex 20,13).
Klaus Grünwaldt (2009, p. 27-28) acrescenta que as normas apodíticas
representariam normas éticas, não possuindo caráter jurídico, uma vez que não apresentam
qualquer consequência jurídica (sanção) na eventual transgressão delas.
Além destas normas apodíticas, existem no Código da Aliança, ainda, uma série
de normas éticas voltadas à proteção dos escravos, estrangeiros, viúvas, órfãos, animais e,
ainda, a lei de talião. Segundo Frank Crüsemann (2002, p. 270-
30

276) a colocação destas normas “supostamente éticas” dentro de uma estrutura


eminentemente jurídica (mishpatim) não se deu sem qualquer intencionalidade. Tais normas,
em interpretação analógica com o direito contemporâneo, funcionariam como princípios
gerais do direito, assim como aqueles que encontramos nas Constituições modernas.
Princípios gerais estão positivados em qualquer ordenamento jurídico e devem ser observados
pelo aplicador das normas sob pena de incorrer em uma ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Nestes termos, as normas apodíticas e todas aquelas de caráter ético funcionariam
como os modernos princípios jurídicos, no sentido de orientar e “corrigir” a própria aplicação
do direito aos casos concretos.

Os mishpatim continuam a ter validade, mas eles são corrigidos pelo direito de
talião, pelas prescrições para a proteção de estrangeiros, pobres, viúvas e órfãos, e
pelas prescrições para a proteção de animais. Isso de modo algum irrelevante para a
compreensão dos mishpatim. Sua interpretação e aplicação, para entender a sua
intenção, devem ser orientadas por essas sentenças corretivas. Dito de forma mais
genérica, podemos dizer que as determinações de proteção social se relacionam com
os mishpatim assim como os direitos humanos se relacionam hoje em dia com o
direito positivo vigente na atualidade: eles são “metanormas” e instância crítica
(CRÜSEMANN, 2001, p. 275-276).

O referido código designa uma coleção de leis, com os seguintes conteúdos


(GRÜNWALDT, 2009, p. 22):

20, 22-23 Introdução, proibição de imagens


20, 24-26 Lei do Altar
21, 1 Título: Eis as normas...
21, 2-11 Lei sobre os escravos
21, 12-17 Série de delitos punidos com a morte
21,18-32 Lesão da integridade corporal
21, 37-22,3 Furtos
22, 4-5 Danos materiais
22, 6-14 Direito de depósito e responsabilidade no aluguel de animais 22, 15-
16 Direito familiar
22, 17-19 Delitos no campo religioso que merecem a morte 22,
20-30 Normas de proteção social
23, 1-9 Conduta no Tribunal, solidariedade 23,
10-12 Ano sabático, dias de descanso 23, 13-19
Festas anuais
23, 20-33 Admoestações finais

Com variedade de todos os matizes, trata o Código da Aliança de questões


religiosas fundamentais, como a proibição de fazer imagens de Deus, da construção de altares
e das grandes festas anuais. Além destas questões, assuntos
31

profanos também são normatizados, como a perda de um objeto sob depósito de outrem, a
admoestações de não oprimir os fracos, assim como delitos merecedores de pena capital
(GRÜNWALDT, 2009, p. 22-23).
Ao constatar que se tratava de uma sociedade agrária e sedentária, denota-se que o
povo já não mais está no Monte Sinai ou no deserto, porque já se estabeleceram em terra, para
o trabalho agrícola (Ex 22, 4-5) e pecuário (Ex 21, 28; Ex 22, 3), constrói casas (Ex 22, 6) e
altares (Ex 20, 24-26); já há os primeiros princípios de próspera economia (Ex 22, 24), e a
sociedade é distintamente escalonada com escravos (Ex 21, 2-11; Ex 26-27 etc.) e pessoas
empobrecidas (Ex 22, 24-26). Chama a atenção que a situação política da monarquia é
superficialmente citada (Ex 22, 27).
O mesmo autor situa a tradição de costumes de uma vida pacata e familiar, pois a
convivência entre eles era de uma grande proximidade, pois em caso de eventual viagem,
guardava-lhe o vizinho o dinheiro, objetos e animais (Ex 22,6; Ex 22,9). Viviam a vida no
ritmo das estações e das festas, anualmente (Ex 23,14), mas a vida não era tão tranquila, pois
os escravos eram maltratados (Ex 21,20; Ex 26-27); os estrangeiros eram explorados (Ex
23,9); o direito dos pobres era negado (Ex 23,11; Ex 23,6); havia a usura (Ex 22,24-25);
venda de pessoas como escravos (Ex 21,5) e escravas (Ex 21,7); sequestro de pessoas (Ex
21,16); roubos e assaltos (Ex 22,1-3); brigas por causa de mulher (Ex 21,22), também por
causa do gado (Ex 21,28-36), além da destruição da colheita pelo fogo (Ex 22,5), ciladas (Ex
21,13) e assassinatos (Ex 21,12) (GRÜNWALDT, 2009, p. 40-43).
As instituições da época não defendiam os desfavorecidos, pois no Tribunal havia
falso testemunho (Ex 23,1), pressão da maioria (Ex 23,2), desvio do direito do pobre (Ex
23,2-3.6), acusações falsas (Ex 23,7) e suborno (23,8); na família havia o desrespeito à
autoridade dos pais (Ex 21,15.17); havia o direito de asilo, mas havia assassinos abusando de
tal direito (Ex 21,13-14), tudo para explorar os pobres (Ex 22,24; Ex 25-26) (MESTERS,
2011, p. 40-43).
Até na religião havia confusão, em razão de confecção de deuses de ouro e de
prata (Ex 20,23; Ex 22,19), cujos nomes eram invocados (Ex 23,13); ao lado dos
santuários antigos onde a memória do povo lembrava as manifestações de Javé (Ex 20,24),
onde três vezes ao ano, nas suas festas, faziam grande romaria (Ex 23,14-17), mas também
havia pessoas que frequentavam feitiçarias (Ex 22,17) e praticavam ritos estranhos de
relações sexuais com animais (Ex 22,18). Rotunda
32

dispersão de santuários, deuses e altares (MESTERS, 2011, p. 43).


A base do sistema dos reis era a redução dos agricultores à mercê da tributação
(1Sm 8,11-18), que tinha no gado o reforço para manutenção da divisão social, pois quem
tinha um boi, produzia bastante, tinha maior renda, controlava o mercado e desarticulava,
necessariamente, a produtividade e a situação financeira dos pequenos produtores, tendo por
aliado na religião dos falsos deuses de ouro e de prata, em que os reis eram considerados
filhos desses deuses, venerados em altares de pedra talhada, nos lugares altos e de degraus (Jz
6,25-26). De conseguinte, o boi, sem saber; o escravo, sem querer; os deuses, sem existir,
tudo conspirava em favor do sistema de produção dos reis. Ao revés, entretanto, das duras
exigências dos Dez Mandamentos, convidava o povo a participar de ritos alegres da
fertilidade com práticas sexuais e feitiçaria (MESTERS, 2011, p. 46).
Muitos hebreus continuavam a preferir o sistema dos reis (1Sm 8,5), seja porque
não tinham outra opção, senão viver como escravos (Ex 21,5), ou porque entendiam que era
vontade dos deuses (Ex 20,23; 22,19; 23,13); também porque o gado e os escravos davam-
lhes superioridade e bem estar (1Sm 25,2-11) (MESTERS, 2011, p. 47).

1.2.2 O Código Deuteronômico em Deuteronômio (12-26)

O nome do presente códice tem origem em um equívoco de tradução. Em uma das


normas que versam sobre o rei (Dt 17, 14-20), encontra-se a orientação de que ele deve fazer
para si uma cópia das disposições do Código Deuteronômico em um livro (v. 18). Partindo
desta norma, a tradução grega do Antigo Testamento, em referência a esta necessidade de o
rei realizar uma cópia das normas ali contidas, chamou este agrupamento de normas de
“segunda lei”, em grego: deuteronomion, nome este que chegou até a data atual
(GRÜNWALDT, 2009, p. 28).
Conforme é possível observar de suas disposições legais, o Código
Deuteronômico foi formulado na intenção de substituir o Código da Aliança. Os dois códigos
apenas foram reunidos como uma unidade literária na época da formação da Torá
(CRÜSEMANN, 2002, p. 284-285).
Para se chegar a tal conclusão basta observar as normas relativas aos
33

escravos e às normas protetoras dos socialmente fracos (pobres, viúvas, estrangeiros, órfãos,
levitas). É evidente que existe uma complementação e uma ampliação das normas contidas no
Código da Aliança. Klaus Grünwaldt (2009, p. 31) dispõe que algumas leis são evidentemente
complementação de leis do Código da Aliança, como:

1) No Código da Aliança, cada local de culto que YHWH escolhe para si ainda é
considerado um local permitido (Ex 20, 24-26) o Código Deuteronômico elucida
que há somente um lugar (Dt 12).
2) A lei sobre escravos do Código de Aliança (Ex 21, 2-11) regula as condições
para alforria e a entrega deliberada como escravo, já Deuteronômico (Dt 15, 12-18)
contem regras sobre os presentes que o escravo deve receber juntamente com a
alforria, e essas leis são também justificadas.
3) O calendário das festas no Código Deuteronômico é muito mais detalhado do
que no Código da Aliança (Ex 23, 14-19).

O Código Deuteronômico é fruto de um processo de autonomia política dos


proprietários de terras livres de Judá, os chamados “povos da terra”. Durante o período de
derrocada da dominação assíria na região da Palestina, existiu um processo de tomada de
poder pelo povo da terra, com a morte do rei imposto pelos assírios e a proclamação de Josias
como rei (640-609 a.C.).

Depois da morte de Manassés, vassalo da Assíria durante décadas, mais ou menos


em 642/1 a C, seu filho Amon se torna rei. Em 2Rs 21, 23, lemos de forma lapidar
sobre isto: ‘Os servos de Amon conspiram contra ele e mataram o rei no seu
palácio’. […] o golpe deve ter sido executado pouco tempo depois do começo de
seu governo […]. Nada se diz sobre a razão e o motivo do golpe […]. O que se
pode perceber é que os grupos que desfecharam o golpe pretendiam forçar uma
mudança de dinastia […]. Como em outros casos (esp. 2Rs 11,14,18), o ‘am
’hã’ãres [povos da terra] judaico, que são os homens livres e proprietários de terras
em Judá, assegurou a continuidade da família de Davi, com a qual tinham estreitos
laços políticos. Esta, portanto, é a força que interfere e garante o poder à dinastia
tradicional (CRÜSEMANN, 2002, p. 298-299).

Josias, ao assumir a monarquia judaica, era apenas um menino de oito anos de


idade. Desta forma, é bem provável que o povo da terra tenha exercido o poder político
diretamente por um período considerável de tempo. O Código Deuteronômico, portanto, foi
elaborado com a finalidade de dar forma e legitimidade a esta nova configuração política
pautada em uma soberania popular (CRÜSEMANN, 2002, p. 299-301; SCHWANTES,
2008, p. 50). Em consequência a
esta nova configuração política vivida pelo povo hebraico, observa-se que o sujeito
34

de direito da legislação hebraica é o próprio proprietário rural livre.


Tão relevante é esta questão que até mesmo a forma de transmissão destas normas
para o povo hebraico foi diferenciada em relação aos outros códigos legais contidos na Torá.
Diferentemente do Código da Aliança e o da Santidade, não é um discurso diretamente de
Deus que transmite as normas ao povo, mas sim de Moisés, dirigido ao povo de Israel
(GRÜNWALDT, 2009, p. 28).

Como na ficção histórica de Moisés se dirige aos que foram libertos pelo êxodo e
lhes dá leis para a época depois da posse iminente da terra, a lei, no momento em
que surgiu, está dirigida somente àqueles que são qualificados pela liberdade
pessoal e pela posse da terra, ou seja, pelas grandes dádivas de Deus
(CRÜSEMANN, 2002, p. 310).

A grande dádiva de Deus, citada por Crüsemann, consubstancia-se na posse da


terra de Canaã, aquela terra prometida por Deus ao povo por si escolhido. Desta forma, as
normas do Código de Deuteronômico são dirigidas e devem ser cumpridas por aqueles que
foram abençoadas pela dádiva divina e, portanto, “devedores” para com as normas emanadas
pelo ente superior concedente das graças (CRÜSEMANN, 2002, p. 312).
A falta de uma força política superior ao próprio povo da terra repercutiu no
conteúdo das normas do Código Deuteronômico de forma evidente. Regras como a extinção
do pagamento do dízimo ao monarca e a distribuição deste para os socialmente fracos, a cada
três anos (Dt 14,28-29); a obrigatoriedade de o monarca não acumular riquezas, exército ou
mulheres (Dt 17,16-17); as normas sobre o rei ter de ser “escolhido” e “desejado” pelo povo,
seguindo a indicação divina (Dt 17,15); entre outras, representam normas que, evidentemente,
emanam de uma configuração política de autonomia e liberdade do povo da terra. Na redação
do Código do Deuteronômio as “normas sociais” lá dispostas assumem uma posição teológica
central. A participação na dádiva divina da posse da terra deve ser “retribuída” pelos
mandamentos divinos de proteção aos mais fracos.
Normas tidas como: um imposto aos pobres no terceiro ano; perdão regular de
dívidas no sétimo ano; libertação de escravos ou escravas por dívidas; inclusão dos mais
fracos nas principais festas de peregrinação; proibição da cobrança de juros; deixar um resto
da colheita no campo para os famintos (CRÜSEMANN, 2002, p. 315), reponta normas que
devem ser cumpridas pelos detentores da dádiva divina (possuidores da terra), sob pena
de não receber a
35

bênção divina.

O Código Deuteronômico pode até dizer, de modo muito aguçado, que bênção
existe somente quando o camponês livre dá o suficiente aos pobres na terra -
estrangeiros, órfãos e viúvas (14,28 ss). Em sua orientação social e sua busca por
uma sociedade justa de homens iguais, o Código Deuteronômico acolhe uma
preocupação central da profecia veterotestamentária (GRÜNWALDT, 2009, p. 33).

Este código descortina normas sobre:

12, 1-13,1 Centralização do culto


13, 2-19 Sedução para a renegação de YHWH 14,
1-2 Costumes de luto proibidos
14, 3-21 Animais puros e impuros
14, 22-29 A taxa do dízimo
15, 1-11 Perdão da dívida em casos de empréstimo de dinheiro 15,
12-18 Lei sobre escravos
15, 19-23 Primogenitura
16, 1-17 As festas anuais
16, 18-20 Juízes e escribas
16, 21-17,1 Proibição de ritos cúlticos pagãos; proibição de sacrificar um animal
defeituoso
17, 2-7 Perseguição de cultos a divindades estranhas 17, 8-
13 Supremo tribunal
17,14-20 Lei sobre os reis
18, 1-8 Lei sobre os sacerdotes
18, 9-20 Lei sobre os profetas
19, 1-13 Cidades de refúgio
19, 14 Deslocamento de limites territoriais
19, 15-21 Lei processual
20 Leis para guerra
21, 1-9 Procedimento no caso de uma morte não esclarecida 21, 10-14
Casamento com uma prisioneira de guerra
21, 15-17 Lei primogenitura
21, 18-21 O filho rebelde
21, 22-23 Enterro de uma pessoa enforcada 22,
1-12 Leis de conteúdos mistos
22, 13-23,1 Direito sobre assuntos matrimoniais e sexuais 23, 2-9
Quem pertence à comunidade?
23, 10-15 Pureza do acampamento militar
23, 16-25 Leis de conteúdos mistos (principalmente sociais) 24, 1-5
Outras leis sobre assuntos matrimoniais
24, 6-22 Leis sociais
25, 1-16 Diversas (v. 1-10: lei do levirato)
25, 17-19 A culpa de Amaleq
26, 1-15 Oferecimento das primícias e do dízimo 26,
16-19 Conclusão da aliança
(GRÜNWALDT, 2009, p. 29-30).

Pode-se identificar, no referido código, três partes distintas: 1) Deuteronômio


12,1-16,17 (ou 17,1), que versa sobre a relação entre Deus e povo de Israel, que reforçam o
direito de YHWH sobre Israel, seu privilégio quanto a isso,
36

razão pela qual estas normas também são chamadas de “Direito de Privilégio”; 2)
Deuteronômio 16,18-18,22, contêm normas sobre cargos existentes em Israel e 3)
Deuteronômio 19-25, que abrigam sentenças legais propriamente ditas.
Jacques Briend, contudo, suscita que o código é uma reflexão sobre a infidelidade
de Israel, que levou ao desaparecimento do reino do Norte, que poderia ser lido como
asseguramento da salvação do povo, se a ele tivesse obedecido. Isto é uma explicação post
factum que permite compreender uma situação presente, também tida como reflexão
teológica sobre aquilo que deveria ter sido feito para corresponder à vontade de Deus, na
fidelidade de Moisés, que propõe um ideal de comunidade fraterna, mas que já veio tarde,
pela perda do reino do norte, senão como explicaria o uso do termo irmão 25 (vinte e cinco)
vezes no referido código? (Ex 21,26 e Dt 24,7). Conclui-se, portanto, que proveio de Israel do
Norte (BRIEND, 2012, p. 55).

1.2.3 O Código de Santidade em Levítico (17-26)

É o último dos três grandes códigos de lei veterotestamentários. “Como o Código


Deuteronômico busca continuar, corrigir, completar e substituir o Código da Aliança, assim o
Código da Santidade quer proceder em relação ao Deuteronômio” (CRÜSEMANN, 2002, p.
383).
Tal afirmação mostra-se válida pelo simples fato de que, da mesma forma como
ocorreu com a redação e aplicação do Código Deuteronômico, o Código da Santidade “surge”
com a finalidade de regulamentar uma nova conjuntura política e social. O Código da
Santidade busca regulamentar uma nova conjuntura política e social vivida pelos hebreus, que
é aquela vivida no exílio e pós-exílio. Foi uma corrente autenticamente judaica, nascida da
doutrina e das preocupações cultuais dos sacerdotes de Jerusalém, como a lei de santidade,
antes do exílio, e a história sacerdotal, durante a após o exílio, a que se filia o profeta Ezequiel
(BRIEND, 2012, p. 55).
Vários foram os motivos para esta formulação, como aponta Frank Crüsemann
(2002, p. 396):
1) A organização exílica existente até então desaparece (templo, capital,
37

corte tribunais, funcionários, etc.);


2) Judá se tornou parte de uma província babilônica, em que a administração
está direta ou indiretamente sujeita a forças externas;
3) O Código Deuteronômico havia colocado a Torá, ou a lei, principalmente nas
determinações constitutivas acima do rei, todavia, tais prescrições não poderiam se aplicar ao
império mundial dos babilônicos;
4) o Deuteronômio havia vinculado a validade das instruções divinas à ocupação
da terra e à realidade de habitar a terra, todavia, com o exílio grandes extensões de terras
haviam passado para outras pessoas;
5) o Deuteronômio considerava os hebreus como libertos do “êxodo”, entretanto,
a situação agora é a da volta ao êxodo, à dominação por um governo estrangeiro voltou;
6) Não existe mais templo, que segundo o Código Deuteronômico era o único
legítimo, tal fato “retirou” todo o alicerce que era pressuposto nos Códigos da Aliança e
Deuteronômico;
7) as tradições jurídicas existentes não tinham mais validade e estavam
caducas.

Pelo que consta, apenas o Documento Sacerdotal criou a possibilidade de manter a


vinculação das exigências cultuais e legais, teológicas e éticas que ligavam toda
a vida com a unidade de Deus, com a amplitude indispensável para a tradição da
Torá. Ela o fez como uma transformação profunda de todo o direito existente. Assim
surgiu uma base que - mais tarde - integrará também os textos pré-exílicos e lhe
dará nova validade. As inovações mais importantes que compõem esta mutação
histórica-jurídica […]. Podemos destacar o seguinte:
- O Documento Sacerdotal opera uma separação entre a vontade jurídica de
Deus e o êxodo, entre a posse da terra e o culto, criando assim a base para a vida na
diáspora […];
- O Documento Sacerdotal interpreta o êxodo de modo radicalmente novo,
possibilitando assim a base para um direito que não é mantido (apenas) por livres
proprietários de terras […];
- O Documento Sacerdotal torna a expiação e o perdão centrais para o culto,
integrando assim na Torá de Israel justamente na observação da Torá […]
(CRÜSEMANN, 2001, p. 399).

Ponto alto do Código encontra-se nas leis sobre os sacerdotes (Lv 21-22). Levítico
18-20 encontra-se um bloco de normas sobre a família e a sexualidade. Nos capítulos 23 e 25
encontram-se mandamentos código as épocas sagradas (Lv 23; 25), estes emolduram o
capítulo 24, que trata principalmente da blasfêmia e da fórmula de Talião (GRÜNWALDT,
2009, p. 34). Este código apresenta os seguintes
38

conteúdos:

17 Sacrifício e respeito pelo sangue 18


Família e sexualidade
19 Mandamentos éticos e cúlticos 20
Família e sexualidade
21-22 Leis sobre sacerdotes 23
Festa anuais
24, 1-9 Candelabros e pães de oblação 24,
10-23 Blasfêmia, formula de talião 25 Ano
sabático e ano do Jubileu
26 Promessas e ameaças

É possível distinguir no referido código elementos legislativos ou


consuetudinários, textos genealógicos e narrações esparsas por todo o Pentateuco, cuja
compreensão da mensagem em que está numa tensão entre a tradição do passado e a situação
do presente. O todo é ligado por uma rigorosa teologia da esperança, para qual a bênção
divina ainda deve ter seu cumprimento na experiência histórica, cujas leis suplementares, de
inspiração sacerdotal, reconhecidas por judeus e samaritanos, resultou na composição final da
Torá. Menos de um século mais tarde, os samaritanos se separaram dos judeus e
estabeleceram um lugar de culto no monte Garizim, situação essa que foi encontrada por
Jesus, conforme João 4,20 (BRIEND, 2012, p. 77-81).

1.3 O HOMICÍDIO NOS CÓDIGOS HEBRAICOS

O direito hebraico, da mesma forma como todos os outros direitos, busca


resguardar a paz social e a manutenção de coesão social da comunidade. É o homicídio, por
óbvio, um dos principais fatores de desordem e abalo social, no direito hebraico é, por
corolário, regulamentado e punido.
O direito veterotestamentário não é estagnado e não resulta para eternidade, mas
sem dúvida é de validade eterna para o crente, com modificações condicionadas, cada qual
para sua época, amenizadas ou aguçadas, conforme o Antigo e o Novo Testamento, se assim
não fosse, como explicar o fenômeno dos diversos matizes das igrejas existentes
(GRÜNWALDT, 2009, p. 36-37).
Apesar de os mandamentos contidos no Antigo Testamento, tanto no
39

Código da Aliança (Ex 20,3-17) e no Código Deuteronômico (Dt 5,7-21), denotar ideia
de que qualquer espécie de homicídio para os hebreus antigos era totalmente vedada e
proibida (“Não Matarás!”), é evidente que tal conclusão não é singularmente adequada.
CRÜSEMANN (2006, p. 54-57), aponta que “Não Matar!” do quinto mandamento
do decálogo é concernente apenas ao homicídio ilegal e arbitrário. Neste caso, matar em
guerra ou na aplicação das penas capitais não pode ser considerado como contra o
mandamento divino de “não matar”.
Nomeadamente, ainda com o referido autor, o verbo hebraico antigo “rsh” foi para
o português traduzido como “matar”. Todavia, explica ele que “rsh” teria mais o significado
de “matar violentamente uma pessoa”, seja no cometimento de um homicídio como das
relações daí advindas como, por exemplo, a própria pena capital decorrente do assassinato.
Mesmo em guerra, caso ocorra uma morte violenta, tal ato não se enquadrará no conceito de
“matar” penalizado e proibido pelo decálogo, uma vez que voltada para ações não
consideradas ou tidas como ilícitas (CRÜSEMMAN, 2006, p. 56).
Sequencialmente, analisar-se-á as normas específicas de cada um dos Códigos do
Antigo Testamento.

1.3.1 O homicídio no Código da Aliança

No Código da Aliança, o homicídio é regulamentado a partir de gamas variáveis


jurídicas e fáticas. Inicialmente, encontra-se a norma apodítica do “não matar!” prevista no
quinto mandamento do decálogo (Ex 20,13). Tal assertiva já foi encetada no tópico anterior, a
desmerecer maiores ambages.
De outro vértice, em Ex 21,12 encontra-se: “Quem ferir a outro de modo que este
morra, também será morto”. Neste caso, a norma penal geral proibitiva do homicídio, com a
tipificação da conduta delitiva (“ferir de modo que morra”) e a cominação da respectiva
sanção penal (“será morto”).
Todavia, o Código da Aliança regulamenta, também, uma série de variações
fáticas e jurídicas relativas ao homicídio. Existem normas específicas que regulamentam
situações próprias que, desta forma, se sobrepõem a norma geral
40

encontrada em Ex 21,12. Portanto, a norma em Ex 21,12 terá a uma aplicação apenas


subsidiária, sendo, de antemão, averiguar se nenhuma das circunstâncias específicas
efetivamente decorreram.
Casos como, a diferenciação entre dolo e culpa (em sentido estrito), isto é com
intenção e sem intenção de provocar a morte, e excludentes de ilicitude estão presentes dentro
do ordenamento jurídico hebraico e são normas específicas relacionadas ao homicídio. Na
diferenciação entre dolo e culpa, inicialmente, em Ex 21,13 declina-se uma espécie de
previsão de homicídio culposo, quando “[…] não lhe armou ciladas, mas Deus permitiu que
caísse em suas mãos […]”. Nesta prescrição há, de forma clara, que o homicídio aqui referido
é aquele que hoje se chamaria de homicídio culposo, ou seja, quando não decorre prévia
intenção de matar.
Nesta senda, em face do homicídio culposo, o homicida não poderia ser morto,
conforme a sanção prevista na norma geral do homicídio (Ex 21,12). Ainda no versículo 13,
encontra-se a indicação de que Deus designará um local para que ele possa fugir, local que
não poderá ser vítima da vingança de sangue (assassinato cometido por parente da pessoa
morta).
Neste caso, conquanto, o homicida culposo está livre de qualquer sanção penal,
inclusive aquela a ser aplicada no âmbito privado, pela culpa de sangue, através de parentes
da pessoa morta.
Logo após, no versículo 14, há a indicação de que o local de abrigo a ser oferecido
por Deus é o seu próprio templo: “Se alguém vier maliciosamente contra o próximo, matando-
o à traição, tirá-lo-ás até mesmo do meu altar, para que morra” (sem grifo no original). Nesta
norma, avulta-se como evidente que os locais de asilo apenas são acessíveis àqueles que
cometeram homicídio na sua forma culposa e que este asilo será no altar, ou seja, nos templos
de adoração a Deus.
Além desta diferenciação entre homicídio doloso e culposo presente nas normas
do Código da Aliança, depara-se, também, uma causa de exclusão da ilicitude,
consubstanciada na legítima defesa da propriedade.
Com efeito, em Ex 22,2 expõe a prescrição de que, caso alguém mate ladrão que
for apanhado arrombando uma casa durante o período noturno, este não será culpado de
sangue. Esta norma, de forma sintética e clarividente obstaculariza uma causa de exclusão da
ilicitude do ato homicida, quando realizado em defesa da propriedade, sendo que, neste caso,
o homicida não será culpado do sangue, ou
41

seja, não poderá ser sancionado por seu ato, em tese, defensivo patrimonial.
Por fim, a questão do homicídio cometido contra escravos, que, de maneira
intuitiva, encontra-se uma situação jurídica de sujeição e inferioridade, a demonstrar que o
escravo era objeto e não sujeito de obrigações e direito. Em Ex 21,20-21, lê-se:

20 se alguém ferir com vara o seu escravo ou a sua escrava, e o ferido morrer
debaixo de sua mão, será vingado;
21 porém se ele sobreviver por um ou dois dias, não será punido, porque é dinheiro
seu.

Ensina Frank Crüsemann (2002, p. 216-221), na hipótese em comento, que


apenas poderá subsistir alguma punição ao dono que matar algum dos seus escravos caso
este morra “debaixo de sua mão”, ou seja, imediatamente. Neste caso o escravo morto
poderá ser “vingado” por seus familiares. Indica o autor que tal situação, na prática, não era
exequível pelo fato de que um possuidor de escravos não seria alcançado pela vingança de
algum parente de escravo, tanto pelo poderio econômico daquele como pela provável
distância entre este e o próprio escravo.
Na hipótese em que a morte do escravo apenas se dê dias após as agressões físicas
não haverá punição ao dono do escravo. Isto se dá pelo fato de que o escravo era sua
propriedade e, neste caso, o proprietário já se vê autopunido pela perda, pelo gravame do
dano, com a dilapidação de seu próprio patrimônio. Vale ressaltar que é uma regra geral no
Código da Aliança que, no caso de danos graves à integridade física, a sanção seja apenas
civil, no âmbito da reparação pecuniária.
Cabe ressaltar, assim, que se alguém que não o dono do escravo comete homicídio
este sofrerá uma sanção pecuniária, devendo realizar o ressarcimento do valor do escravo a
seu dono, tida especificamente como ideia fundante do direito veterotestamentário, que será
dirimido em tópico próprio.

1.3.2 O homicídio no Código Deuteronômico

Conforme dito alhures, o Código Deuteronômico foi formulado na intenção


42

de substituir o Código da Aliança (CRÜSEMANN, 2002, p. 284-285). Tal situação torna-se


evidente quando confronta-se as normas relativas aos casos de homicídio neste código em
comparação ao Código da Aliança.
Inicialmente, da mesma forma como no Código da Aliança, a norma apodítica de
“não matar” também está presente no Código Deuteronômico, da mesma forma no quinto
mandamento do decálogo (Dt 5,17).
De outra forma, neste código não existe qualquer disposição explícita sobre o
crime do homicídio e a sua punição. Na verdade, no Código Deuteronômico não existe a
tipificação do homicídio. Tal fato pressupõe que, efetivamente, este código de leis veio
complementar o Código da Aliança, que já havia tipificado e regulamentado de forma
satisfatória o delito de homicídio.
Nestes termos, o Código Deuteronômico apenas acrescenta uma nova causa de
excludente de culpabilidade penal e modificar as normas relativas ao homicídio culposo,
regulamentando o local de asilo conforme a nova conjuntura social.
Destarte, a norma excludente de responsabilidade penal está prevista em Dt 22,8,
que prevê: “Quando edificares uma casa nova, far-lhe-ás no terraço um parapeito, far-lhe-ás
no terraço para que nela não ponhas culpa de sangue, se alguém de algum modo cair dela”.
Conforme se pode observar da respectiva norma, o fato de alguém cair de uma casa presume
uma culpa ao dono do imóvel. Desta forma, a construção do parapeito visa excluir esta
responsabilidade penal pela morte, que será tida como presumida, com ausência de
premeditação, intenção, dolo ou subjetividade para a prática do ato ofensivo.
Com relação ao local de asilo aos homicidas culposos, o Código da Aliança
preconiza que os templos de adoração a Deus cumprirão tal função. Todavia, na época do Rei
Josias (640-609 a.C.), época do desenvolvimento e edição do Código Deuteronômico, existiu
uma política estatal de unificação do culto no templo de Jerusalém e de adoração única a Deus
(YHWH) (REIMER, 2009a, p. 46- 48). Tal situação não existia na época do Código da
Aliança, em que havia uma multiplicidade de templos de adoração a Deus.
A manutenção da norma de que apenas os templos de adoração a Deus poderiam
ser utilizados com locais de asilo, que seria inócua e de nenhum efeito em relação ao objetivo
ao qual se propunha, uma vez que existia apenas um único templo, aquele de Jerusalém.
43

A partir desta nova conjuntura política e social, há uma reformulação daquilo que
está contido no Código da Aliança em Ex 21,13. A nova norma, prevista em Dt 19,3-4,
determina que o território de Israel seja dividido em 3 (três) partes iguais e que, em cada qual,
seja escolhida uma cidade que será uma cidade refúgio. Nestas cidades os homicidas não
poderão ser mortos pelos seus vingadores de sangue, os parentes de suas vítimas.
Já em Dt 19,11-12, encontra-se a mesma determinação contida em Ex 21,14,
que determina que o homicida que o pratica intencionalmente, apenas, seja punido. Tal
encargo, entretanto, deve ser cumprido pela autoridade da cidade, que deve entregar o
homicida ao familiar responsável para execução da vingança privada.

1.3.3 O homicídio no Código da Santidade

Este é o código do Antigo Testamento que menos apresenta normas sobre o


crime de homicídio, uma vez que da mesma forma que “[…] o Código Deuteronômico busca
continuar, corrigir, completar e substituir o Código da Aliança, assim o Código da Santidade
quer proceder em relação ao Deuteronômio” (CRÜSEMANN, 2002, p. 383).
Desta premissa, é compreensível o fato de ser este o código de leis que menos
regulamenta a questão do homicídio, já que nos outros a questão já está ampla e
satisfatoriamente inserida.
O Código da Santidade, conquanto, não dispõe ou contém a norma prevista no
quinto mandamento do decálogo de “não matar”, todavia, há uma norma em Lv 19,16 que
versa que não se deve atentar contra a vida de seu próximo já debatido adredemente. Em um
outro momento, em Lv 24,17 que repete a norma geral tipificadora do homicídio presente no
Código da Aliança, em que está contido que aquele que matar outrem, será morto.
Enumerados os Códigos de Leis, sequencialmente, no Capítulo seguinte,
robustecerá a dramática do Êxodo, a personagem de Moisés, a experiência religiosa, o
decálogo, o quinto mandamento, além da contribuição dele para a evolução da cultura social,
religiosa e jurídica, até a contemporaneidade.
44

2 O PENTATEUCO E ÊXODO-NÃO MATAR

O Pentateuco é composto pelos cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo,


Levítico, Números e Deuteronômio. Estes representam o sustentáculo de narrativas históricas
e leis, revestidas frequentemente em tom parenético, isto é, foram pregadas antes de serem
escritas, e a história aparece em forma narrativa, concebida de uma perspectiva religiosa
judaíta.
Nesta dissertação, referir-se-á tão somente a dois modos de interpretar os textos,
documental e como evento. O primeiro, para fundamentação da hipótese das fontes,
denominada teoria documentária, onde o Pentateuco seria a fusão de quatro documentos:
Javista-J, Eloísta-E, Deuteronomista-D e Sacerdotal-P, originariamente independentes.
Como evento, designa um acontecimento de Deus que vem a nós por sua palavra. Tais
concepções, são fruto de um devir histórico, de um trabalho literário e de um processo
espiritual e canônico (LÓPEZ, 1998, p. 5-6).
Os judeus chamam o Pentateuco de Torá, termo hebraico traduzido por lei, mas
que tem significado mais amplo, como ensinamento ou instrução (SABBAG, 2009, p. 395-
487).
Para compreensão, deve-se seguir alguns fios condutores para estruturação do
texto, inertes que eram, animam-se aos poucos e se revelam portadores de uma tradição viva,
mesmo em contextos históricos diferentes, sobre uma meditação acerca do passado de Israel,
com fincas ao esclarecimento daquele tempo, do presente e do futuro. O povo acolheu essas
contribuições e as fez suas, o que assegurou a transmissão do texto dos cinco livros até a data
atual, que denota a seriedade que a fé exige do homem para com Deus, a dificuldade de ouvi-
lo nas dimensões da existência, com o surgimento da infidelidade, além da necessidade do
perdão para se avançar no caminho da fé (BRIEND, 2012, p. 33-84).
Os versículos iniciais de Êxodo apresentam-se conexos com os versículos finais de
Gênesis demonstrando uma conexão literária. O mesmo acontece com as instruções
sacerdotais contidas nos seus últimos capítulos, estes possuem uma “continuidade” em
Levítico e Números.
O Pentateuco, considerado como um todo, possui cinco temas principais:
1) a promessa de Deus aos patriarcas; 2) o Êxodo; 3) a auto revelação de Deus na
45

aliança e na lei, no Monte Sinai; 4) a longa jornada pelo deserto; 5) a entrada em Canaã.
Dois desses cinco temas são tratados extensivamente nele, que se reponta ao
primeiro tema e se projeta para o último.
A chamada de Moisés ao Monte Sinai representa a revelação e o cumprimento das
promessas de Deus feitas aos patriarcas de Israel. O Êxodo termina com a promessa da
direção divina até que Canaã seja alcançada. Partindo do exposto, observando o livro do
Êxodo no conjunto do Pentateuco, pode-se dizer que ele representa o cerne de toda a
revelação do Pentateuco, pois de todos os livros de leis são ali transmitidas e o cumprimento
da lei divina, para os hebreus, representa a fonte primária das bênçãos de Deus (COLE, 1963,
p. 12-13).
Em tempos idos, emblematicamente, considerava-se que o próprio Moisés havia
escrito o livro de Êxodo, na mesma forma hodierna, com exceção de alguns versículos
escritos por Josué após a morte de Moisés. Ao fim do século XIX, porém, a análise critica da
Bíblia, como Spinoza, indicará que o Êxodo, na verdade, é composto por um mosaico de
documentos elaborados em datas diversas, todas posteriores à suposta época em que viveu
Moisés, a colocar em dúvida a sua historicidade. Todavia, recentemente, alguns eruditos
alemães apresentaram a tese da história da tradição, na tentativa de determinar as possíveis
épocas em que tais relatos foram redigidos na sua forma atual (COLE, 1963, p. 13-14).
A estada de Moisés e dos israelitas no Sinai abrange as narrativas bíblicas de
Êxodo 19 até Números 10,10. Existe, porém, outro lugar onde os mandamentos são
comunicados: o Deuteronômio, principalmente os capítulos 12-26, com a transmissão de
novas normas jurídicas por Moisés dirigidos ao povo de Israel antes da travessia da fronteira
da Terra Santa.
A pesquisa bíblica, tanto a realizada pelos cristãos como pelos judeus, acreditava
que Moisés tivesse, efetivamente, escrito o Pentateuco (Mc 12, 19; 12-26; Jo 1, 17; Jo 7, 22-
23). Porém, nos tempos modernos tal perspectiva mudou. Como exemplo, pode-se citar o
erudito judeu holandês Baruc Spinoza (1.632-1.637), que percebeu que trechos no Pentateuco
foram escritos em tempos posteriores à vida de Moisés, o que e desestabilizou a tese da
autoria mosaica do Pentateuco (GRÜNWALDT, 2009, p. 20).
A partir de então, a análise da crítica dos textos bíblicos não foi mais detida.
Dentre estes críticos, foi do teólogo Wilhelm Martin Leberecht de Wette, que
46

ensinava na Suíça (1780-1849), em sua tese de doutoramento, logrou demonstrar que


Deuteronômio é uma obra bem diferente dos outros livros do Pentateuco. Foi ele redigido
por um autor distinto daqueles outros livros do Pentateuco e, também, lhe é posterior, sendo
exatamente aquele livro que foi encontrado na ocasião de obras de reforma no tempo de
Jerusalém (2Rs 22) e que foi tomado pelo judaíta Josias (639-609) como base de reforma do
culto Israelita (2Rs 23), como extrato de sua tese (GRÜNWALDT, 2009, p. 20-21).
O referido autor comprovou, além disso, que o estilo e o conteúdo do
Deuteronômio são mais novos que os da lei em Êxodo 20,22-23, levando-o à conclusão de
que a época de elaboração do livro do Deuteronômio e a época da sua descoberta não
poderiam se distanciar muito tempo. Considerando tais detalhes, na ciência atual comprova-se
como resultado sólido, o seguinte:
a) nenhum dos códigos de lei foi escrito por Moisés pessoalmente, porque em
todos é pressuposta a vida sedentária do povo na Terra de Canaã;
b) que o Código da Aliança (Ex 20,22-23,33), é o mais antigo documento legal
dos judeus;
c) que o Código Deuteronômico (Dt 12-26) é mais novo que o Código da Aliança,
pois adota leis daquele e as reformula;
d) que o Código de Santidade (Lv 17-26) é o código de lei mais novo porque
inclui tanto leis do Código da Aliança como do Código Deuteronômio (GRÜNWALDT,
2009, p. 21).
Há uma associabilidade do Êxodo com a redenção e isto não foi uma invencionice
posterior da igreja, pois até Cristo considerava sua morte como o sacrifício da nova aliança
(1Co 11,25), a selar com sangue a nova aliança de Deus. Assim, é possível indicar que os
preceitos e a aliança firmada em Êxodo foram cumpridos e não abolidos em Cristo (Mt 5,17).
O Êxodo é o núcleo do velho testamento e o relato do estabelecimento da velha aliança
firmada com Israel (COLE, 1963, p. 17-18).
Êxodo é um dos livros mais conhecidos da Bíblia pela protagonização de Moisés,
da narrativa da passagem pelo Mar Vermelho e dos acontecimentos do Monte Sinai. O Êxodo,
precipuamente entre os estudiosos latino-americanos, é muito valorizado e estudado, tendo
em vista a teologia da libertação. Todavia, o Êxodo certamente exerce fascínio pela narrativa
da libertação dos povos, precipuamente do israelita escravizado, no anseio de liberdade, que
caminha pelo
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deserto, com fome, sede, transpondo contradições e rebeliões, conflitos internos e externos
que sedimentaram a história do povo israelita (LÓPEZ, 1998, p. 42).
A travessia do mar vermelho foi a passagem da escravidão para liberdade (Ex 14-
15). Todavia esse fato condensa um significado maior: a libertação de um grupo que queria
tornar-se povo, com a presença do Deus libertador, que derrota o opressor, para que seu povo
possa atravessar para a liberdade. A maior dificuldade do oprimido é exatamente começar a
vida em liberdade, pois em algumas vezes preferira acomodar-se na escravidão a enfrentar as
vicissitudes, como fome e sede, com revolta aos seus líderes, com vícios do antigo opressor
(Ex 16).
Outros autores, como o Professor Valmor da Silva, dispõe que o livro de Êxodo
traz nuances curiosas e interessantes, como uma marcha popular dos filhos de Israel, mas não
uma transposição milagrosa, mas que sofreu uma perseguição por parte dos egípcios, com
uma intervenção miraculosa divina, pode até ter decorrido um desentendimento no comando
do faraó, pois a narrativa bíblica não consiste em historizar um fato tribal, ao revés uma
transmissão de testemunho de fé. Declinou, também, a existência de outros grupos tribais,
também em libertação, como o grupo abraâmico, que assumiram a mesma história e
comemoraram juntos uma tradição tribal (p. 24). “Enfim, muitos êxodos estão na origem
histórica de Israel. Vários grupos viveram a libertação. Muitas experiências animaram sua
vida” (DA SILVA, 2004, p. 29).
Tais fatos, entretanto, não afetam o tema teológico central, basta que se saiba que
os israelitas criaram a narrativa da tradição e que tal evento realmente sucedeu, como ato
redentor de Deus a eclipsar todos os demais, até mesmo a criação de Israel, como adiante se
verá.

2.1 O PERSONAGEM MOISÉS

Moisés é a figura chave das narrativas do Pentateuco - de Êxodo a Deuteronômio -


pois é considerado o fundador da religião de Israel, promulgador da lei, organizador das
tribos, além de líder carismático.
Começa o livro de Êxodo a relatar o aumento populacional dos Hebreus no
Egito, tal como a promessa na grande posteridade a Abraão (Gn 12.2) seria
48

cumprida, sob alto preço, tanto é que o Faraó, temeroso pela segurança da nação, reduziu os
Hebreus à condição de escravos e os fez trabalhar em vários projetos de construção no delta,
especialmente nas cidades de Pitom e Ramsés. Quando a estratagema para limitação de prole
falhou (1,15-21), decretou que os recém- nascidos hebreus do sexo masculino fossem
afogados no rio Nilo (LASOR, 1999, p. 69-70).
Na situação acima descrita nasceu Moisés, que para não ser morto pelos Egípcios,
foi escondido por sua mãe em um cesto colocado nas águas do Nilo. Posteriormente, a filha
do Faraó o encontrou e o adotou. A irmã de Moisés que cuidava da cesta à distância, viu a
filha do Faraó resgatar o irmão, tendo se aproximado da princesa, conseguindo que sua
própria mãe fosse sua empregada, como ama. Sem maiores detalhes, Moisés cresceu na Corte
Egípcia, educado pela realeza (cf. At 7,22). Evidentemente aprendeu a ler e escrever, o
manejo de armas e sobre administração pública e privada, cujas habilidades o capacitavam
para postos de confiança e responsabilidade daquele império (LASOR, 1999, p. 70-71).
Moisés foi assim nomeado porque foi tirado das águas (Ex 2,10) que em hebraico,
Mõshehe, proveniente do verbo mãshâ, significa “tirar”. Para alguns estudiosos o nome
Moisés é um nome egípcio, relacionado com os nomes dos Faraós da XVIII Dinastia, tais
como Tutmés ou Amósis, associadas pela semelhança sonora. Moisés, quando citado outra
vez já era adulto. Em um dia qualquer, ao ver um Hebreu ser espancado, foi em defesa deste e
matou o opressor Egípcio, o que denota que, evidentemente, tinha ele consciência de sua
origem e raça, como adiante destacar-se-á. Por isso fugiu do Egito e refugiou-se em Midiã, e
ali se estabeleceu com o Sacerdote Jetro, e casou-se com sua filha Zípora, que lhe deu dois
filhos, até a morte do Faraó (Ex 2,23-25) (LASOR, 1999, p. 71).
Quando pastoreava as ovelhas de Jetro perto de Horeb, o monte de Deus, Moisés
teve uma visão em que uma sarça ardia, mas não se consumia (Ex 3,2). Ao se aproximar, foi
abordado por Deus que se apresentou: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus
de Isaque e Deus de Jacó” (v. 6a). Soube ali quem estava a lhe falar e escondeu o rosto,
“porque temeu olhar para Deus” (v. 6b). Depois de declarar a intenção de livramento do povo
de seu julgo (v. 7-9), Deus comissionou seu mensageiro: “Vem, agora, e eu te enviarei ao
Faraó, para que tires o meu povo, os filhos de Israel do Egito” (v. 10). O pastor, então, tornou-
se libertador, pois o chamado foi tão nunciativo que Moisés levantou uma série de dúvidas
e objeções,
49

replicadas pacientemente por Deus (Ex 3,11; Ex 4,17) (LASOR, 1999, p. 71).
É necessário entender que naquele tempo o nome estava relacionado com a
essência da pessoa e expressava seu caráter. A importância do nome de Deus pode ser vista
em 33.18s. Ali, Moisés pede para ver a glória de Deus, quando Deus passa por Moisés e
manifesta sua glória (v. 22s.), ele proclama seu nome, salientando sua graça e misericórdia
(Ex 34,5-7) (LASOR, 1999, p. 72).
A resposta de Deus, em geral traduzida “Eu sou o que Sou”, parece evasiva, mas
tendo em vista Ex 33,19, significa “Sou de fato aquele que é misericordioso e mostra
compaixão”. Tal declaração não é filosófica, possui antes um sentido prático, com forte
apoio no fato do povo de Israel necessitar da presença poderosa de Deus para superar
conflitiva situação desesperadora. Ao revelar seu nome pessoal, Deus tornou-se acessível a
seu povo em comunhão e em poder salvador, pelo tetagrama YHWH. A dificuldade de
traduzir tal nome, associada ao respeito pela comunidade judaica, substituindo-o por Senhor
(geralmente em versal- versalete, para distingui-la do hebraico comum adõnay, “senhor”)
(LASOR, 1999, p. 72).
Moisés mesmo depois da revelação do nome de Deus, levantou objeções contra
seu chamado. Em Ex 4,1ss. alegou não ser eloquente, mas pesado de boca e língua. Deus
replicou uma promessa de estar com sua boca, ensinando-lhe o que falar, mantendo-se firme,
obrigando Moisés a se decidir. Este expressou sua recusa no pedido desesperado de que Deus
enviasse outra pessoa (v. 13). Ainda assim, Deus não desistiu de seu mensageiro teimoso,
fazendo-lhe uma concessão: Arão foi comissionado como porta-voz de Moisés. Assim Moisés
desempenharia o papel de Deus e, Arão, seu profeta (v. Ex 14-16; Ex 7,1-2).
Atendendo, finalmente, ao chamado de Deus, Moisés foi comissionado à maneira
característica dos profetas. Embora a profecia só se tenha desenvolvido plenamente no
período da monarquia, sua forma emergiu na íntegra, no chamado, na comissão e na tarefa
de Moisés, profeta de Deus por excelência (Dt 18,15-20; Os 12,13) (LASOR, 1999, p. 73).
O texto bíblico nada diz sobre os anos passados na corte real nem sobre a
educação de Moisés, apenas em Ex 11,3, singulariza que era muito estimado no Egito. Em At
7,22 está preconizado que Moisés foi iniciado em toda a sabedoria dos egípcios e era
poderoso no falar e em agir.
O único evento que a Bíblia conservou sobre a juventude de Moisés é
50

uma história de assassinatos e matanças. Curiosamente, todo herói popular deve matar para
ser herói. Sansão mata os filisteus (Jz 16,22-31); Davi mata o gigante Golias (1Sm 17) e Elias
os 450 profetas de Baal (1Rs 18,16-40). Tal proeza não surtiu o efeito desejado, pois não
escondeu seu crime, e o herói foge por ser considerado um bandido, tanto pelos hebreus
quanto para os egípcios. Nesta situação resta-lhe somente o deserto, que o seu povo também
se refugiará mais tarde. De fato, a vida de Moisés está intimamente ligada ao destino de seu
povo (VOGELS, 2003, p. 80).
A tradição acentuou claramente que Moisés foi e é o grande legislador de Israel
(Ex 19,1; Nm 10,10). Esse aspecto está no centro do conjunto e ocupa uma gama muito
significativa de textos. O Sinai se situa entre o Egito, o país da escravidão, e Canaã, a terra
prometida. Moisés não é apenas o libertador de seu povo (Ex 5,1; 15,21), mas também o
conquistador da Transjordânia (Nm 20,14; 36,13), onde parte do seu povo se estabeleceu.
Para ir do Egito ao Sinai, guiou seu povo pelo deserto até a fronteira da terra prometida
durante quarenta anos (Ex 15,22; Nm 10,11). Verdadeiramente era um homem de Deus (Ex
2,23; 4,31), mas era um homem falível e pecador (Nm 20,1-13), como herói do povo hebreu,
a tradição israelita recorreu a relatos legendários para descrever o início (Ex 1,1; 2,22) e
também a sua morte, em Deteuronômio (VOGELS, 2003, p. 277-278).
Um aspecto importante da vida de Moisés é a sua relação hesitante com Deus,
sobretudo como reage ao chamado de Javé, em uma série de perguntas e verdadeiras súplicas,
com objeções, a dirigir acusações contra Deus (Ex 5,22-23). Ao aceitar, porém, sua missão,
demonstra uma relação excepcional com Javé e uma obediência notável, tanto é que sua face
se torna resplandecente (Ex 34,29), que não o impede de se tornar objeto da ira divina (Ex
4,14).
O texto bíblico em Números 27,12-14; 31,1, preconizou que Moisés não poderia
entrar na terra prometida por seu pecado e sua exclusão, não só por causa dele, mas pelos
pecados do seu povo (Ex 32,32-33). Moisés se identificou com os pecados de seu povo (Ex
34,9), como o servo sofredor (Is 53,4,6) . O livro de Deuteronômio, e todo o Pentateuco,
conclui-se com o relatório da morte de Moisés (Dt 34, 1-10) (VOGELS, 2003, p. 270-271).
51

2.1.2 A defesa do oprimido e a morte do egípcio

A narração do ferimento mortal de um egípcio (Ex 2, 11-15c), por Moisés,


denotou o uso de força física pelo profeta, à vista da defesa do mais fraco numa sociedade
opressora e escravista (GRENZER, 2007, p. 33).
A narrativa, repetitiva, preconiza que o homem hebreu espancado pelo egípcio é
do meio dos irmãos de Moisés (Ex 2,11e), pois só a postura e as atitudes que tornam os
hebreus seus irmãos, embora por parte de pai e mãe, seja um levita (Ex 2,1; 6,20), onde
confronta duas realidades: o trabalho forçado dos hebreus e a violência sofrida por eles, pois
os hebreus construíram para o faraó as cidades- armazéns de Pitom e Ramsés (Ex 1,11)
(GRENZER, 2007, p. 37-38).
Ex 2,11-15c textualiza Moisés em uso da força física: ele virou-se para cá e para
lá e viu que não havia ninguém. Bateu no egípcio e o escondeu na areia (Ex 2,12). O
sofrimento do hebreu, pelo egípcio, leva Moisés a bater no agressor, pois Moisés aplica
golpes em quem golpeou, marca da violência, antes mesmo da reação de Moisés, pois arrisca-
se em favor do mais fraco e em defesa do oprimido, pois na defesa do irmão hebreu, seu
destino ficou em plano secundário (GRENZER, 2007, p. 39-40).
Ora, a lei em Ex 21,12-13, preconiza: quem bater num homem e causar sua
morte, certamente será morto. Entretanto, se não lhe armou uma cilada, mas foi
Deus quem permitiu que caísse em sua mãos, eu colocaria para ti um lugar, onde
ele poderá refugiar-se. O acontecimento de Moisés, conquanto, pode ser interpretado
como ferimento mortal involuntário. Deus permitiu que o egípcio caísse em suas mãos, pois
foi consequência da intenção de defender o agredido diante do agressor. Trata-se da ajuda
necessária a um terceiro, pois o fato de ter conseguido fugir da folha do Faraó, torna o fato
compreensível (GRENZER, 2007, p. 40).
De fato, o faraó inicia, imediatamente, a perseguição a Moisés quando cientifica-
se do caso, tampouco o livro de Êxodo condena ou louva a ação de Moisés, pois no auge do
conflito não há decisões fáceis, muito embora em At 7,25, julgava Moisés e seus irmãos
compreenderiam que Deus queria salvá-los por meio dele (GRENZER, 2007, p. 41-42).
Outro autor, entretanto, assinala dubiedade acerca da eventual
52

involuntariedade do homicídio praticado por Moisés, pois texto bíblico usa o mesmo verbo,
bater, para o egípcio que maltratou o hebreu. O resto do versículo confirma que o feriu até a
morte. Assassinato é vingado por outro assassinato, em referência à Lei de Talião (Ex 21,23-
25). Por outro lado, Deus havia prometido a Caim, o assassino, que o protegeria contra
qualquer pessoa que o quisesse matar (Gn 4,15). Depois de ter matado o egípcio, Moisés o
enterrou na areia. Aquele que havia sido escondido por sua mãe para escapar da morte (2,2-3),
agora esconde sua própria vítima (VOGELS, 2003, p. 76-77).

2.2 A MONTANHA E O PERDÃO DE DEUS

Na história das religiões frequentemente os montes, montanhas e cumes possuem


importante papel, seja como espaço valorizado, ou localização geográfica. A teofania
experimentada por alguém ou comunidade, em determinado local, determinava, em concreto,
o seu valor, como manifestação da divindade pela conotação ou encontro com o sagrado
(LÓPEZ, 1998, p. 61).
Não é outro o entendimento na obra “O Sagrado e o Profano” de Mircea Eliade:
“Não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o
lugar onde te encontras é uma terra santa.” (Ex 3,5). A manifestação do sagrado funda
ontologicamente o mundo e essa não-homogeneidade espacial traduz-se pela experiência de
uma oposição entre o espaço sagrado – o único que é real, que existe realmente – e todo o
resto, extensão informe, que o cerca. Como experiência primordial, o eixo central de toda a
orientação futura, que tem um valor existencial para o crente (ELIADE, 2010, p. 25-26).
A tradição bíblica raramente fala do monte Horeb, tendo maior destaque o monte
Sinai. Existem alguns que acreditam tratar-se da mesma montanha, com nomes diferentes
segundo as diferentes tradições.
A montanha de Deus anunciou o que ela representa, primeiramente a Moisés e
posteriormente para todos os hebreus (Ex 19): a caminhada que Moisés fez até então
prenuncia a caminhada do seu povo mais tarde, pois escapou da morte, decretada pelo rei
do Egito; salvo pela água, no mar vermelho. Refugiado no deserto encontrou-se com Deus na
montanha sagrada. Pela primeira vez encontra-
53

se um lugar da terra santa (Gn 28, 16-17) (VOGELS, 2003, p. 90-93).


Várias montanhas sagradas são mencionadas, algumas em Canaã outras fora dela,
mas todas umbilicadas com a religião israelita. Outros, porém, acreditam que Horeb é uma
região montanhosa mais vasta, onde Sinai seria um cume particular. Dentre todas, destacam-
se a Montanha do Sinai/Horeb e o Monte Sião. A propósito, em Jubileus (8, 19), destaca-se
que o Sinai é o centro do deserto e Sião, o umbigo da Terra. Ex 19s e Dt 5, representam a
cimeira de todos os relatos de teofania do antigo testamento. Veja-se Ex 24,1ss e Dt 5,2ss,
onde Deus revelou sua lei. Também, Ex 20,2-17 e Dt 5,6-21, ponto de hierofania e elemento
nevrálgico da aliança, que consignam, sobremaneira, especial relevância às leis do antigo
testamento (LÓPEZ, 1998, p. 62).
Fosse Sinai ou Horeb, o versículo 16 do capítulo 19, refere-se explicitamente a
trovões, relâmpagos e a nuvem de tempestade, todos os elementos presentes numa atmosfera
de eletricidade, comuns em certas épocas do ano sobre aquelas montanhas. No versículo 18,
quando se trata de fogo, subtende-se em fogo de Deus (cf. 2Rs 1,12, com referência a
relâmpagos).
Os elementos visuais associaram-se então com a voz divina, no momento do
diálogo de Deus com Moisés (cf. Ex 19,16ss; Dt 5, 22ss; Ex 19,19 e Sl 29), em que o trovão
torna-se a voz do Senhor, com o povo, imóvel, aterrorizado, ao sopé da montanha. Neste
momento, Deus pronunciou todas estas palavras (Ex 20,1). Tais palavras recebem o caráter da
lei revelada, precedida, porém, por um relato de aliança (Ex. 19,3b-8 e Dt 5,2s). As dez
palavras ou o decálogo passaram a ser os compromissos do pacto, que consiste em guardar a
lei, obedecer a vontade divina e cumpri-la, solenemente (LÓPEZ, 1998, p. 63).
O texto de Êxodo 20,18-20 merece ser citado: “Todo o povo percebia os trovões,
os relâmpagos e o som da trombeta e a montanha fumegante; e vendo isso tremia e se
mantinha distante”. E disseram a Moisés: “Fala tu conosco e nós te ouviremos, mas não fale
Deus conosco, para que não morramos!”. E Moisés disse ao povo: “Não temais, pois Deus
veio para nos provar, e para que o seu temor vos esteja sempre presente, para que não
pequeis!”.
Diante dessa teofania, descrita simbolicamente como uma tempestade, o povo se
enche de temor sagrado (vv. 18b e 19) e pede a Moisés que seja intermediário entre Deus e
ele, porque tem medo de morrer se Deus lhe falar. A resposta de Moisés é capital: “A vinda
de Deus é uma prova que, guardadas as
54

proporções é análoga à de Abraão (mesmo verbo de Gn 22,1) porque Deus quer testar a
fidelidade de seu povo comunicando-lhe sua palavra” (BRIEND, 2012, p. 41- 42).

2.3 O DECÁLOGO

Os dez mandamentos ou decálogo, segundo Dicionário Bíblico, é denominado o


código de moral dado a Moisés por Deus no Monte Sinai, como estampa Êxodo 20,1-17.
Palavra que advém do grego Dekalogos e que em hebraico é pronunciado como Asseret há-
Dibrot, cujo significado literal é “As Dez Palavras”. Gravadas em duas tábuas de pedra, as
primeiras foram quebradas violentamente por Moisés ao ver o ídolo construído pelo povo
com o consentimento de Aarão. As segundas tábuas permaneceram na Arca da Aliança
embora tenham sido uma fórmula de ética e moral atribuída ao povo do Antigo Testamento,
foi confirmada por Jesus Cristo como fundamento da moral e da ética cristã (SABAGG, 2009,
p. 132).
A primeira palavra do Decálogo: “Eu, YHWH, sou teu Deus, que te tirou do país
do Egito, da casa da servidão” (Ex 20,12). Segundo Êxodo, o decálogo ou a lei mosaica foi
revelada no Monte Sinai no ano da saída do Egito, que segundo a tradição rabínica não pode
ser pronunciado: “Deus falou a Moisés, dizendo: Eu sou YHWH. Apareci a Abraão, a Isaque
e a Jacó como El-Xadai; mas meu nome não foi dado a conhecer” (Ex 6,2-3). Tais tradições
sobre a origem do povo de Israel, como fundante, na torá ou pentateuco, vinculam essa
origem com a fuga da servidão no Egito e com a revelação no Monte Sinai aos pobres que
constituirão seu povo, Israel. A partir de tal relato, é certo, adequa-se dizer que YHWH é um
Deus dos pobres (PIXLEY, 2011, p. 17).
No antigo testamento são conservadas duas distintas versões do decálogo, uma
em Êxodo (20,2-17) e outra em Deuteronômio (5,6-21). As duas estão delimitadas pela
hierofania e pela aliança do povo judeu que se realizou na Montanha Sagrada, juntamente
com Deus. Recebe ela o nome de Sinai, na tradição de Êxodo e Horeb em Deuteronômio.
Representa o decálogo ou na lei mosaica a revelação mais importante da vontade divina do
Senhor Deus, como fundamental elo da aliança sinaítica (LÓPEZ, 1998, p. 60).
55

Em Ex 20,2-17, o Decálogo não está no seu contexto primitivo uma vez que está
inserido no meio da inscrição da teofania. Isso não significa que o texto não seja antigo, pois
seu estilo na segunda pessoa do singular e suas analogias com alguns textos do II milênio
falam em favor de sua antiguidade. Ele é conhecido dos profetas Oseias (4,2) e Jeremias (7,8),
que interpela o homem respeito suas atitudes para com Deus e o próximo, que são
indissociáveis. O decálogo moral é o cerne da legislação israelita (BRIEND, 2012, p. 44).
Trata-se o decálogo, conquanto, de um texto complexo, tematicamente
diferenciado de fórmulas construídas com a negação, em doze fórmulas negativas, e com duas
afirmativas, no imperativo, que se encontram no centro do decálogo. Todas juntas, forma
quatorze imperativos como coluna mestra do texto, a conferir- lhe um rigor formal e um
princípio de estruturação. Soam da seguinte forma:

Não terás outros deuses além de mim.


Não farás para ti escultura nem imagem alguma. Não
te prostrarás diante delas.
Não as adorarás.
Não proferirás o nome de Javé, teu Deus, em vão.
Lembra. Observa o dia de sábado.
Não farás trabalho algum.
Honra teu pai e tua mãe.
Não matarás.
Não cometerás adultério.
Não furtarás.
Não levantarás falso testemunho contra teu próximo. Não
cobiçarás a casa/ a mulher do teu próximo.
Não cobiçarás, desejarás a mulher/ a casa do teu próximo (LÓPEZ, 1998, p. 64).

O texto completo está edificado em Ex 20,2ss e Dt 5,6ss, a série de leis e visa à


circunspecção entre dois pólos, com vistas a regulamentar o comportamento do israelita com
Javé, seu Deus, e outro para regulamentar o comportamento do israelita com seu próximo. O
decálogo possui natureza ética obrigacional, dirigida ao israelita crente (LÓPEZ, 1998, p. 65).
Foi elaborado na época em que os hebreus já estavam livres, já posteriormente à
fuga do Egito, (Cf. Dt 6,20-24). A lei aparece como um dom divino ao povo hebreu, que
deve agradecê-lo e ser a ele fiel, pois os tirou da escravidão. Tal ética, proveniente das
normas, é oriunda do dom da libertação, deve guardar a lei não para salvar-se, mas porque
foi salvo, a referendar resposta do homem libertado, para nova vida, amalgamada na aliança
do Sinai (LÓPEZ, 1998, p. 72-73).
56

Carlos Mesters (2012, p. 6), fiel ao disposto na Bíblia, em Êxodo 20,1-17, o


enumera e explicita-lhe comentários:

Eu sou Javé teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão.
Não terás outros deuses diante de mim.
Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá
em cima, nos céus, ou em baixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra.
Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás, porque eu, Javé teu Deus,
sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até terceira e
quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima
geração para aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.
Não pronunciarás em vão o nome de Javé teu Deus, porque Javé não deixará impune
aquele que pronunciar em vão o seu nome.
Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias, e fará
toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado de Javé teu Deus. Não farás
nenhum trabalho, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua
escrava, nem teu animal, nem o estrangeiro que está em tuas portas. Porque em seis
dias Javé fez o céu, a terra e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia,
por isso Javé abençoou o dia de sábado e o santificou.
Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que Javé teu
Deus te dá.
Não matarás. Não cometerás adultério. Não roubarás.
Não apresentarás um falso testemunho contra o teu próximo.
Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua mulher, nem o seu
escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma
que pertença a teu próximo.

Pela situação do povo oprimido no Egito, por seu clamor, Deus quis libertá-los,
pois o faraó mantinha a verdade como prisioneira da injustiça (Rm 1,18) e trocou a glória de
Deus incorruptível por imagens do homem corruptível e de animais (Rm 1,23). O primeiro
mandamento, portanto, não trata apenas de imagens de adoração, mas da libertação do povo
oprimido, para destruir as causas de seu sofrimento, que utiliza a imagem de Deus para
manutenção da injustiça, desordem, mentira, corrupção, praticadas sob a proteção divina
(MESTERS, 2012, p. 17).
O segundo Mandamento completa o primeiro e lhe dá maior ênfase, pois em nome
da divindade fazia-se guerras de conquistas, com subtração de suas riquezas, pois com
invocação do nome dos deuses encobria-se as inverdades e explorações. No momento que
Deus assumiu a luta contra os falsos deuses, esclareceu o sentido do seu Nome (Ex 3,13-15).
É o nome libertador, que revela o compromisso de aprender ao clamor do povo, por sua
libertação (Sl 23,3; Sl 91,14) (MESTERS, 2012, p. 26).
Trata o terceiro Mandamento do dia de descanso, com o fito de impedir
57

que a escravidão voltasse a oprimir povo, pois quando no período da opressão, estes
deveriam trabalhar e produzir, sem descanso (Ex 5,7-8), tampouco podiam celebrar e fazer
festa (Ex 51,1-5), para enriquecimento do poder tirano, sob um jugo extenuante e sem
descanso algum (Lm 5,5). Para criação de uma nova mentalidade, para não mais explorar o
trabalho do irmão, para tomar alento (Ex 23,12; Dt 5,14) para lembrar o porquê do sábado,
para lembrar as maravilhas que Javé realizou pelo povo no passado, da libertação do Egito
(5,15). A palavra sábado, hebraica, quer dizer sétimo, o dia do descanso, para os judeus. Para
os árabes, a sexta feira; para os cristãos, o domingo. Pouco importa, pois é de se pensar
apenas no sentido do trabalho, para celebrar a esperança da libertação com os irmãos
(MESTERS, 2012, p. 33-34).
Os três primeiros Mandamentos, destarte, buscam revelar o rosto de Javé, de sua
vontade e inspiração. Nos mandamentos de quatro a dez, descrevem a organização do povo,
como sinal vivo do Deus libertador, isto é, a fé em Deus nos três primeiros mandamentos,
com a organização da sociedade nos demais, não são dissociadas, defendem as instituições e
os valores que permitem criar novo tipo de organização pela face divina (MESTERS, 2012, p.
35-37).
Qualquer questionamento questionaria tudo aquilo que nela se baseia, pois é a
partir do prólogo – com a auto-apresentação de Deus e apresentação de seu nome, YHWH,
com a sua licitude implícita na formulação “teu Deus” e a referência à retirada do povo
hebreu da escravidão – e sua interligação com os demais mandamentos, é que reside o ponto
nodal para os conceitos de moralidade e justiça, dos primórdios daquela nação, até a data
atual (CRÜSEMANN, 2006, p. 34).
Pela congregação familiar, o quarto mandamento inclui uma promessa para família
e a comunidade, não só aos pais, mas também aos antigos patriarcas e anciãos - honrar pai e
mãe - especialmente com transmissores de ensinamentos e tradições religiosas, além de cuidar
dos pais em idade avançada. A base do mandamento é o respeito pela autoridade dos chefes
do clã, pelo respeito da família e da comunidade, para controlar os abusos de poder por parte
dos seus superiores, obrigado a prestar contas à população (MESTERS, 2012, p. 40-42).
Pela defesa do direito à vida, o quinto mandamento dirige-se à comunidade que se
formou no deserto, para evitar matar como ocorreu outrora, no Egito, pois até Moisés matou
um fiscal egípcio e fugiu (Ex 2,15). O sistema do faraó
58

não respeitava a população e matava quem fosse contrária a seus interesses, como exemplo
temos a morte das crianças recém-nascidas dos israelitas (Ex 1,10-16). A preocupação em
manter o domínio sobre os povos vizinhos levou o faraó a criar um exercito forte para
esmagar as revoltas dos povos por eles dominados (Ex 14,9). Como maior dom de Deus, um
atentado contra a vida é o atentado contra Deus, tal como em Êxodo 21,12 e Gênesis 9,6.
Existem nações, no mundo atual, que aboliram a pena de morte, mas a organização
delas continua a matar pela fome, desemprego e grupos de extermínio, com defesa dos
interesses dos poderosos, que ainda transgridem, é certo, o referido mandamento (MESTERS,
2012, p. 48-50).
Será tratado, pois, pelo ponto nodal da dissertação, em tópico próprio.
A proibição do sexto mandamento, em não adulterar, é delimitada por um contexto
social no qual as mulheres não estavam no mesmo plano de igualdade que os homens.
Mediante tal proibição, protegia-se o direito exclusivo de todo marido sobre sua mulher,
muito embora o marido só seria adultero se mantivesse relações sexuais com outra mulher
casada que não fosse a sua (LÓPEZ, 1998, p.71).
O mandamento visa a igualdade fundamental entre homem e mulher, no qual
ambos revelam-se a semelhança com Deus, não somente como redução da prática de
sexualidade com outras pessoas (MESTERS, 2012, p. 53-55).
Referentemente ao sétimo mandamento, “não furtarás” (Ex 20,15 e Ex
5,19), com ele proíbe-se qualquer tipo de subtração de objetos, com ou sem violência, de
pessoas, animais e coisas, de forma que a sociedade não se baseie em uma organização que
legitima a espoliação do povo pela lei, de forma que uma parte não se locupletasse de outra,
sem acumulação de bens da mão de poucos, tal como o maná enviado por Deus ao seu povo
(Ex 16,4). Cada um só podia colher o necessário para o dia, sem acúmulos, pois este
apodrecia. De forma que houvesse segurança total para a sociedade a partir de uma
convivência e confiança mútua, sem exploração do ser humano (MESTERS, 2012, p. 57-59).
Afirma o oitavo mandamento, de não cometer perjúrio ou falso testemunho, o
amor à verdade e convivência social, por comunidades fraternas, econômica e politicamente,
da honestidade sobretudo. Pois o falso testemunho não é somente aquele dado em Tribunais
ou Juízos, que tratam de encobrir e proteger culpados, além de prejudicar os inocentes. Exige,
evidentemente, que se ilude por uma melhor configuração jurídica que favoreça a prática
da justiça, dos direitos
59

pisoteados do povo oprimido (MESTERS, 2012, p. 63-65).


Por fim, com a divisão do nono mandamento em dois, proíbe cobiçar a mulher do
próximo e a propriedade alheia, atacando e combatendo a ganância e a cobiça. Não se visava
combater somente a cobiça, como elemento subjetivo, mas sim a raiz da opressão, de modo a
impedir o retorno da escravidão, na defesa do direito dos pequenos de possuir o necessário
para viver (MESTERS, 2012, p. 68- 70).
O decálogo recebeu sua formulação definitiva no seio da comunidade de Israel, de
pessoas livres e crentes, que haviam experimentado a salvação do Senhor, tampouco podem
ser separadas dos acontecimentos históricos, pois os eventos do Êxodo 1-15 precedem os do
Sinai, Ex 19ss, pois não só fundamenta como também ilumina e dá sentido aos Dez
Mandamentos; e mais ainda, a todas as leis, pois a principal razão pela qual Israel deve
observar os mandamentos é o fato de que Javé o libertou do Egito (LÓPEZ, 1998, p. 72).
Com a intervenção de Deus na história salvífica, também as leis por ele
determinadas aparecem como um verdadeiro dom de Deus a seu povo, por isso deve
Israel mostrar-se agradecido e corresponder fielmente a ele, pois é libertadora tanto quanto
comprometedora. A ética nasce do dom da libertação, e não ao revés a obediência aos
mandamentos constitui a resposta adequada do homem libertado, pois os mandamentos, é
certo, são caminhos de vida e liberdade (LÓPEZ, 1998, p. 73).
Como disposto no capítulo anterior, entende Crüsemann que o decálogo pertence à
época pré-exílica tardia, como um produto da época entre Oséias e o Deuteronômio,
historicamente entre a destruição do reino do norte e Josias, cuja compreensão representa uma
reação à profunda crise religiosa, teológica, política e social não somente do século 9, mas
também do século 8, com fortes contradições sociais em Israel, com o surgimento dos grandes
profetas de Juízo como sua expressão, com desmantelamento do reino do norte e o choque
que isso causou, como parte dessa crise. Decorrente disso, e das experiências incisivas
destacam-se as exigências básicas elementares de Javé, reunidas no Decálogo e
formuladas, pela primeira vez, em tal concretude (CRÜSEMANN, 2006, p. 22).
Dicionário Bíblico, reponta que Flavius Josephus era intelectual de família
abastada que tornou-se político, soldado e historiador, tendo vivido de 38 a 100 d.C. Seu
verdadeiro nome era Yoseph Ben Mattiyahu Há-Cohen, judeu palestino de
60

família sacerdotal que deixou escritos que ajudam a entender os acontecimentos etnológicos e
etnográficos pós Jesus, cujo nome em latim foi adotado por amizade que manteve com o
Imperador Vespasiano (SABBAG, 2009, p. 195).
Flávio Josefo, in Antiguidades Judaicas, vol. 3, cap. 5, § 5º, separou o versículo 3
como o Primeiro Mandamento, os versículos 4 a 6 como o Segundo Mandamento, o versículo
7 é o Terceiro Mandamento, os versículos 8 a 11 são o Quarto Mandamento, e os versículos
12 a 17 são o Quinto ao Décimo Mandamento Outros, como Agostinho, considerava os
versículos 3 a 6 como um só mandamento, ignorando o versículo 4, mas dividiam o versículo
17 em dois mandamentos, o nono a respeito da cobiça da mulher alheia e o décimo contra
cobiçar os seus pertences.
O Antigo Testamento não deixa claro como os textos devem ser divididos, para
chegar aos Dez Mandamentos, tradicionalmente, porém, a divisão usada pela Igreja Católica e
pelo Luteranismo é aquele baseada do livro perguntas sobre o Êxodo, de Agostinho de
Hipona (354-430), foi adotada pela Igreja Católica Romana e Luterana. As demais religiões,
anglicana, presbiteriana e outras protestantes, além da ortodoxa e a adventista do sétimo dia,
no sentido literal judaico dispõem que está no Sexto Mandamento (MESTERS, 2012, p. 48-
50; SABBAG, 2009, p. 127; SELF,
2009, sumário 14).
Tal como no dia para santificar, de descanso, também ocorre discrepância entre as
religiões, pois para judaísmo e o adventista é no sábado. Para os católicos, luteranos,
ortodoxos, anglicanos, presbiterianos e outros protestantes, no domingo. Com efeito, Sabah,
pelo Dicionário Bíblico, é palavra advinda da língua hebraica, que mantêm o significado
do dia do repouso (Êxodo 16,29; Atos 1,12), que corresponde ao sétimo dia da semana no
calendário dos hebreus. Posteriormente os cristãos passaram a considerar o domingo como dia
de descanso, uma vez que Jesus ressuscitou num domingo, decorre do latim Dominus,
“Senhor” (SABBAG, 2009, p. 438).
61

2.3.1 Não matarás

Por meio de uma formulação negativa, negando o homicídio, o quinto (sexto?)


mandamento (Ex 20,13 e Dt 5,17), afirma a vida, que deve ser assegurada contra qualquer
transgressão. Isto se dá pois o homicídio, dentre as negações do decálogo, é ato mais
repulsivo que o ser humano pode praticar em detrimento de outrem. Repugna, pois, a
consciência humana, que universalmente condena tal ato, pois é o homem a imagem de
Deus e sua existência, um dom sagrado. A vida, assim, somente procede de Deus e só a
ele pertence, tal como o cântico de Ana: “Javé faz morrer e faz viver” (1Sm 2,6).
Tal mandamento, entendido como lei apodíctica, concisamente, tem no hebraico
apenas duas palavras, o termo rãsah palavra, podendo significar “matar”, mas em casos bem
raros, significando, na maioria das vezes a morte violenta de um desafeto (hyatt), ou seja,
algo parecido com “não assassinarás” (LÓPEZ, 1998, p. 71).
Se nos mandamentos seguintes ao quinto, considera não tirar dos outros aquilo que
a própria pessoa tem, dado por Javé a ambos, de conseguinte deve-se tematizar primeiramente
a vida, que é o corolário de todo o pressuposto lógico do referido mandamento, que é a
segurança elementar da vida do próximo e de sua família. No direito veterotestamentário
formou-se um consenso nas interpretações populares de que o verbo rsh, não sedimenta todas
as formas de matar, mas somente o homicídio ilegal e arbitrário ou ainda matar um inocente,
pois pela interpretação do verbo, matar na guerra ou a pena de morte não estão incluídos no
referido mandamento, pois há de se diferenciar entre significação, designação, intenção e
extensão, que não devem ser confundidas com concepções de conteúdo (CRÜSEMANN,
2006, p. 54).
Matar violentamente alguém, esta seria a significação do mandamento, mas os
textos bíblicos podem designar tanto o homicídio não intencional ou por descuido, quanto o
assassinato planejado e traiçoeiro. Neste sentido, somente se dá o asilo a quem mata
involuntariamente. Mas a palavra também pode designar a ação legítima e justificada da
vingança de sangue (Nm 35,27), bem como a pena de morte legalmente aplicada (Nm 35,30).
Metodologicamente não é consentâneo falar que a partir destas passagens que rsh inclui a
pena de morte, mas também não se
62

pode dizer que são casos especiais e devem ser desconsiderados. É, porém, constatável –
matar violentamente uma pessoa – pode designar tanto homicídio e assassinato quanto as
reações daí advindas (CRÜSEMANN, 2006, p. 56).
No Antigo Testamento o verbo rsh aparece 47 vezes, 33 vezes em textos sobre
cidades de asilo (Nm 35; Js 20s; Dt 4; Dt 19). Retiradas as passagens do decálogo, subsiste na
forma qal, as passagens Dt 22,26; 1Rs 21,19; Jr 7,9; Os 4,2; Jo 24,14; na forma ninfal Jz
20,4; Pv 22,13; e, no piel, 2Rs 6,32; Is 1,21; Os 6,9; Sl 62,4; 94,6. Observadas conjuntamente,
comparativamente com outros termos que designam “matar”, chama a atenção que a palavra
nunca é empregada no sentido de matança de animais, pois a referida ação é tida como
violenta, nunca usada para designar um agir de Javé. Com isso mencionadas as principais
diferenças em relação a verbos mais frequentes que designam “matar”, ou seja, hrg e mut
(hifil; cf. também qtl; “derramar sangue”). Estes termos correspondem sua extensão à palavra
“matar” em português, que podem designar ações de tipo muito diverso (CRÜSEMANN,
2006, p. 55).
Por vezes, o termo designa processos que diferem do matar físico e pessoal, como
em 1Rs 21,19, em que há o emprego da palavra para referir-se à ação do Rei Acabi contra
Nabote. Pois Rei o havia mandado executar através um mandado judicial, aplicado com
legalidade, que não sujou as mãos no sangue de Nabote, valendo-se da justiça, daí a
semelhança em situações que essa palavra empregada para designar o extermínio de pessoas
socialmente fracas. Assim, em Sl 94,6 o termo expressa a matança de órfãos (uma formulação
paralela do verbo hrg, refere-se à morte de viúvas e estrangeiros). Jó 24,14 utiliza o verbo
para designar a morte de pobres e miseráveis. Acrescente-se a isso a passagem de Dt 22,26
onde o estupro de uma moça é equiparado a um homicídio. Pobres, viúvas e órfãos, além
de moças violentadas, sofrem por causa das sequelas sociais, do que por homicídio, também
por isso, pode ser expresso como rsh a morte violenta de uma pessoa (CRÜSEMANN, 2006,
p. 56-57).
A proibição de matar, vista a partir do prólogo: “Eu sou...”, abarca todas as
formas de comportamento que ocasionam a morte direta ou não de outras pessoas. Para
compreensão do quinto mandamento, no contexto e estrutura do decálogo, deve se pensar no
comportamento do israelita destinatário de responder individualmente pela sua conduta, e na
relação de causa e efeito, significaria o questionamento e a suspensão da liberdade
mencionada no prólogo do decálogo,
63

da retirada da casa de servidão, bem como de seu pressuposto, a vida (CRÜSEMANN,


2006, p. 57).
Se a guerra não foi objeto de tematização do decálogo, então também não é ela no
sentido de ser permitida, muito mais do caráter do decálogo, que enfoca coagir típico e
cotidiano do indivíduo. Qualquer tradução precisa considerar não somente a outra situação
mas também a outra língua, justamente neste ponto ressalta-se que o que se visa é assegurar a
liberdade concedida, além da vida, pois o mandamento compreende qualquer matar que
coloque a referida liberdade onde não é designada, por isso não pode ser transformada em
significado (CRÜSEMANN, 2006, p. 56-57).
Ocorre, porém, que a despeito de existir esta diferença nos sentidos nos termos
hebraicos, os mesmos sempre foram traduzidos como simplesmente “matar”, não realmente
diferenciando os casos de assassinato e de homicídio acidental ou não premeditado (Ex 21,12-
14).
É de se ressaltar, todavia, que para os hebreus antigos o referido mandamento
nunca significou a proibição à pena de morte (Ex 21,15), expressa no verbo morrer e não pelo
verbo matar. Nota-se, igualmente, a ausência de pacifistas ao tempo do velho testamento,
como no versículo 16. A proibição parece ser destinada para evitar o assassinato do próximo,
na verdade o membro da mesma comunidade da aliança. De qualquer sorte, a santidade da
vida, como dom infinito de Deus é estabelecida, daí a culpa do sangue ser uma terrível
realidade para os Judeus, desde o tempo de Caim, conforme Gênesis 4,10 (COLE, 1963, p.
153-154).
Segundo Ez 12, 5, é homicídio justificável matar um ladrão que tenta perfurar uma
parede de tijolos para entrar na casa, se tal fato acontecer depois do escurecer. O arrombador
pode ser um assassino armado, no entender do dono da casa, pois sua morte pode ser até
acidental, pela cega luta na calada da noite. Durante a luz solar, entretanto, o dono da casa não
pode escusar-se em matar o arrombador, pois poderá identificá-lo. Assim, a legislação
israelita, até mesmo para os ladrões, é benevolente. O homicídio justificável, conhecido como
aquele que não produz culpa de sangue, também é usado metaforicamente em Jeremias 34
(COLE, 1963, p. 165).
Conceitualmente, designa a supressão da vida de um ser humano ocasionada por
outro, tratando-se do bem mais valioso que o homem possui, representa um dos crimes mais
graves, cuja reprimenda pode variar de seis a trinta
64

anos (mínimo na forma simples até o máximo da forma qualificada), sempre encontrou
ressonância na proteção de todos os povos, mesmos os mais primitivos, pela necessidade de
tutela da ordem social. O conceito de morte, agora trazido pela Lei 9.434/97, condiciona a
ausência ou cessação da atividade encefálica, sobre as funções circulatórias e respiratórias, ao
fito de que seja possível a extração de órgãos, pois sem a intervenção artificial da medicina, a
finalização da vida seria mesmo inevitável (NUCCI, 2008, p. 573).

2.3.2 A legislação bíblica sobre a pena de morte

Existem delitos, entretanto, que não garantiam o restabelecimento da ordem


através de reparação do dano, de natureza indenizatória, que é a coluna central do direito
veterotestamentário. São aqueles que tocam os limites da vida ou da culpa de sangue, que
pode ser expiada somente por meio de sangue do autor da ofensa. A vida deve ser protegida e
abrange a família, cuja fonte é considerada a mulher, pois esta na criação dos seres humanos
(Gn 2-3), recebe o nome de “Eva”, “vida”, motivo pelo qual tem em alta a relação entre
homem e mulher, na forma jurídica consistente no matrimônio, e procura protegê-la de modo
especialmente eficaz, razão pela qual o adultério é passível de sanção de morte. Também para
os delitos sexuais e a maldição ou agressão física contra os pais, Ex 21,15-17, há previsão da
pena de morte (GRÜNWALDT, 2009, p. 60).
Outro grupo de delitos, de natureza religiosa, como citado em Levítico 4, também
possuem como sanção a pena de morte. Portanto, a seguir, serão destacadas três categorias da
legislação sobre pena de morte: matar, ameaçar o matrimônio e a família, e delitos no âmbito
religioso.

2.3.2.1 Quem ferir mortalmente um homem será morto (Ex 21,12)

Ao tirar a vida de outra pessoa, perde o agente o direito a sua própria


65

vida, embora não tenha tal princípio com a vingança privada, mas num vínculo que decorre da
identificação de sangue e da própria vida ceifada (Gn 9,4-6).
Na narrativa de Caim e Abel (Gn 4,10), designa o grito por socorro pedido a Deus
e das pessoas oprimidas e sofridas por justiça, pois o sangue não expiado ainda guarda dentro
de si o poder da vida, como no estranho rito de Deuteronômio 21,1-9, quando uma vítima de
homicídio sem encontrar o culpado da morte, os anciãos da cidade lavavam suas mãos e
afirmam a sua inocência. Para o Antigo Testamento não havia distinção entre o assassinato e
o homicídio involuntário, este registrado em Números 35, como a forma de matar, a relação
pessoal entre a pessoa acusada e a vítima, a distinção básica entre um e outro, já existia em
Êxodo 21, 12-14 (GRÜNWALDT, 2009, p. 62-63).
Especificamente nos casos de vingança de sangue, a execução da sanção capital
recaía sempre sobre o parente masculino mais próximo da pessoa morta, como se contempla
em Juízes 8,4-21; 2 Samuel 3,22-7 e 2 Reis 14,5. Tal vingança não era entendida como
assassinato, assim como o ato de matar na guerra, pois no mandamento proíbe-se apenas
o assassinato (GRÜNWALDT, 2009, p. 64-65).

2.3.2.2 Quando um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, serão
castigados com a morte tanto homem adúltero como a mulher adúltera (Lv 20,10)

Para o Antigo Testamento, o homem casado comete adultério tão-somente no caso


em que ele “interfere” em um casamento alheio já existente, ou com uma mulher prometida.
Caso haja a relação sexual com uma mulher não casada, tal ato não era considerado adultério,
interpretava-se como uma eventual promessa de casamento, pois para o homem era permitido
o casamento múltiplo.
Refere-se a esse caso a lei, em Ex, 22,15-16, válido para homens casados ou não,
em que se pagava o dote para escusar-se ao casamento, caso não fosse ela prometida a
outrem. Para a mulher casada, porém, cada ato específico, pela impossibilidade de permissão
de outros parceiros matrimoniais, violaria o próprio casamento. A morte, assim, visa a
proteção do espaço vivencial da família,
66

pois a esposa é considerada o cerne da vida da família, pois os filhos são a sua riqueza. Prova
disso é o exemplo de Sara em Gn 11, em que Agar se tornou arrogante para com a sua ama;
também em Ana 1 Sm 1, pois um homem tinha várias esposas, com todas elas por direito
acerca de relações sexuais e gravidez (Ex 21,10) (GRÜNWALDT, 2009, p. 65-66).
Outros delitos sexuais, igualmente, também possuem como sanção a pena capital,
como em Levítico 18 e 20. São eles o incesto, a homossexualidade, as relações sexuais com
animais e com mulher menstruada, também proibidas, como se vê em Levítico 18,12-13, tal
como a relação sexual com a nora, como abominação (Lv 20,12).
Tais normas visavam a proteção da família, uma vez que a família é um instituto
que deve ser respeitado, não só como o parentesco consanguíneo, mas o legal proveniente do
matrimônio, obstáculo para contatos sexuais com nora ou cunhada, fundem-se no âmbito
familiar, sob a palavra e proteção YHWH. Para a mulher menstruada, existe ameaça de
alijamento do povo ou excomunhão, pois o sangue renova a fonte da vida, que reponta a
fertilidade, que provem o status de tabu (GRÜNWALDT, 2009, p. 68-70).
Com relação aos atos sexuais com animais, a norma é mais clara. Tal ato é
qualificado como abominação, não se permitindo a mistura entre homens e animais. Tal ato
toca a esfera do sagrado, sendo considerado, portanto, um delito religioso (GRÜNWALDT,
2009, p. 70-71).

2.3.2.3 Quem sacrificar aos (outros) Deuses será votado ao interdito (Ex 22,19)

A segunda, de seu turno, imiscui a palavra “interdito”, muito difundido em atos de


conquista e tomada de terra contra estrangeiros, portanto consagradas a Deus, que podiam ser
mortas, até mesmo com seus familiares. Torna-se claro, porém, a severidade com que são
perseguidos os delitos contra Deus, somente compreensível em Israel, que não se formou
politicamente, pois a experiência central que levou à reunião do povo de Israel foi a
libertação da escravidão do Egito (GRÜNWALDT, 2009, p. 71-72).
É, conquanto, o Primeiro Mandamento fundamental de amar a Deus, por
67

isso a adoração a outras divindades abala esse fundamento e abre-se uma fenda vital do povo,
em decorrência da aliança firmada com Deus. Essa é a razão pela qual a adoração de outras
divindades comina-se sanção tão severa. Percebe-se tal importância, até pela sua catástrofe
estatal, primeiramente no Reino do Norte (722 a.C.), posteriormente também no Reino do Sul
(598/597 e 587 a.C.). Na obra historiográfica Deuteronomista, do Quinto Livro de Moisés até
o Segundo Livro dos Reis, Israel se auto acusa da transgressão desse mandamento, quando da
conquista do Reino do Norte pelos assírios, em que pecaram contra o senhor seu Deus, porque
passaram a temer outros Deuses (2Rs 17,7-8) (GRÜNWALDT, 2009, p. 72-73).
Caso curioso pode ser observado em Dt 13,1-6, que relata o ato de um profeta ou
vidente convidar a comunidade a seguir outras divindades. O legislador exige que ele não seja
seguido, mas sim morto. Caso semelhante encontra-se nos versículos 7-12 de Deteuronômio,
quando um membro de uma família tenta levar os seus parentes para o culto de outras
divindades. Neste caso está previsto: “Tua mão será a primeira a causar-lhe a morte”. No caso
de toda a população de uma cidade adorar outra divindade, todos devem ser queimados. A
pena capital será aplicada a filha de um sacerdote caso torne-se prostituta, sendo que a morte
será pelo fogo (Lv 21,9) (GRÜNWALDT, 2009, p. 74-75).
Os espaços sagrados, também, são protegidos com sanções legais, como no caso
de alguém não autorizado tocar algo sagrado. Ele deve ser morto (Nm 1, 51; 3,10-38;
18,7), pois o sagrado pode profanar-se, perturbando a relação entre Deus e o crente. Nas leis
cúlticas veterotestamentárias ao local do serviço divino é conferida especial proteção, como
por exemplo em Lv 1-7; 11-16.
O primeiro sábado, o sétimo dia da semana, como proibições de trabalhar, remonta
o fato de ter encontrado seu lugar entre os Dez Mandamentos (Ex 20, 8-11; Dt 5,12-15). É
enraizamento de dia de descanso da obra da criação (Gn 1, 1-2, 3), pois o próprio Deus
instituiu ao tempo uma ordem (Gn 1), que corresponde ao próprio Deus, em que os
homens devem viver segundo o repouso sagrado e a ordem santa, por isso a páscoa goza de
especial proteção, porque resulta do ato salvívico de Deus fazer sair o povo de Israel do Egito
(Ex 12) (GRÜNWALDT, 2009, p. 77-78).
68

2.3.2.4 Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou (Gn 1, 27)

Elucida-se outras três passagens importantes sobre do Antigo Testamento,


apenadas com a morte, como assassínio do tipo homicídio, são elas: transgressões na esfera
familiar (sexualidade) e transgressões contra o Primeiro Mandamento e a Esfera Divina em
tempo e espaço. Paralelamente a isso, também existem com a mesma sanção, os seguintes
delitos: amaldiçoar o Rei ou o Príncipe (Ex 22, 27; 1Rs 21,10); o rapto de uma pessoa para
matá-la (Ex 21,16) e acusação indevida de alguém de um crime que acarretaria a sanção de
pena capital (Dt 19, 16-19).
Tal fato pode ser explicado, talvez, tendo em vista o motivo teológico presente no
mandamento “Não matarás” (Ex 20, 13; Dt 5, 17). Com exceção de Números 35, 30, designa
um ato legal, por isso aplicar a pena de morte e matar na guerra não era tido como proibitivo.
O argumento mais decisivo contra a pena de morte é o de a humanidade possuir a qualidade
de ser imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-28). É por esse motivo que a dignidade do ser
humano é inviolável, indisponível e imperdível. Ninguém tem o direito de violá-la, ninguém
tem o direito de tirá-la (GRÜNWALDT, 2009, p. 80-81).
Talvez por agir de modo desumano, a perder sua dignidade, alguns países têm,
atualmente, sanções para a pena de morte pois não deve o agente violar direitos de outras
pessoas. Deve-se julgar condutas, mas avaliação do ser humano, evidentemente, para julgá-lo,
só poderá fazê-lo Deus (GRÜNWALDT, 2009, p. 81- 82).

2.4 O SISTEMA JUDICIAL VETEROTESTAMENTÁRIO

Entre os hebreus antigos, os julgamentos eram realizados por tribunais laicos.


Basicamente, os anciãos de famílias livres e donas de terras que moravam numa cidade
tinham a atribuição de decidir casos judiciais conforme a situação concreta. As provas,
basicamente, eram as testemunhais.
Em um exemplo típico, de natureza pública, encontra-se em Rt 4,1,4-11, em que
Bôaz apresenta o caso de direito familiar e de herança, a partir de sua visão,
69

para levantamento do mérito, pois não havia advogados para tal fim. Em seguida, falou outro
homem que, por meio de um ato simbólico, desiste de sua pretensão e Bôaz obriga os anciãos
a exercer sua função de testemunha do referido ato. Com isso, a demanda é decidida em
favor do autor, com a declaração do direito e pronunciamento do Juízo, pelo povo e os
anciãos (GRÜNWALDT, 2009, p. 87-88).
Outro caso exemplar é o de Nabot, que fora acusado por haver blasfemado contra
Deus e contra o Rei. Segundo Ex 22,17, tal delito é merecedor de pena capital. Na disputa
judicial, duas testemunhas foram suficientes para acusa-lo e considerá-lo culpado, conforme
Dt 17,6, cuja sentença foi executada em seguida, com apedrejamento fora da cidade.
Tais narrativas do sistema judicial Israelita demonstram como era essencial a
honestidade e integridade das testemunhas, pois bastou apenas o suborno a duas testemunhas
para conseguir a morte de Nabot, conforme denunciado pelo profeta Amós, no século VIII
a.C. (Am 2,6 .; Am 3,10). Também nos Salmos, encontram-se lamentos de pessoas cujo
direito foi manipulado, por exemplo em Sl 26,1; 54,3.

2.4.1 Não prestarás testemunho mentiroso contra teu próximo Ex 20, 16; Dt 5,20

O oitavo (nono) Mandamento do Decálogo é compreendido como proibição geral


de dizer uma inverdade ou perjúrio. Em hipótese contrária, sua afirmação seria: “Não
mentirás!”. O mandamento tem um significado maior na convivência entre as pessoas, tal
como Nabot (1Rs 21). O Código da Aliança, em Êxodo 23, 1-3. 6-8, aborda a proibição do
falso depoimento, seja contra o justo, seja em favor do ímpio. Existe, ainda, a prescrição de
que o testemunho não pode ser realizado segundo a opinião majoritária, que, muitas das
vezes, não segue a retidão ou a justeza.
As normas hebraicas antigas buscavam uma particularidade: uma sociedade
juridicamente igualitária. O sistema jurídico vive do pressuposto de que testemunhas no
processo diziam a verdade. Eram punidas quando se percebia o contrário, tal como em
Deuteronômio 19,15-21. Guardava o testemunho, portanto, estreita a relação com o delito,
pois o que se quer infringir a outrem, as testemunhas
70

mesmas sofrerão (GRÜNWALDT, 2009, p. 92-94).

2.4.2 Ó Deus, confia os teus julgamentos ao rei... que ele governe teu povo com justiça,
e os teus humildes segundo o direito (Sl 72, 1-2)

No Antigo Oriente, onde também situava-se Israel, natural era que o rei fosse o
Juiz supremo do povo, tanto é que um dos códigos legais mais famoso de então denominava-
se “Código de Hamurabi”, um rei mesopotâmico.
No direito hebraico antigo também existiu a intervenção monárquica no direito,
porém, em grau mínimo, a saber no 2º Livro de Crônicas 19,5-11, em que Josafat de Judá
(858-851 a.C.) realizou uma reforma no direito, Ora, o Supremo Tribunal em Jerusalém,
composto por sacerdotes e anciãos, tinha competência para decidir sobre assuntos sagrados,
como questões sobre juramentos, órdálios ou sorteios. Este tribunal que deve ser entendido
como uma instância superior aos tribunais laicos. Tal fato, acerca do rei, encontra-se em
Deuteronômio 16,18-20 e 17, 8-12, mais de duzentos anos das reformas relatadas em 2
Crônicas 19.
Há, ainda, no direito hebraico casos em que o rei funcionava como instância
jurisdicional, “O rei como juiz”. A narrativa mais significativa sobre tal fato é aquela em 1
Reis 3,16-28.

2.4.3 Olho por olho dente por dente

É considerado como um princípio dominante do direito veterotestamentário,


buscando um conceito de justiça compensatória. Um exemplo encontra-se no Código da
Aliança, no caso da ocorrência de uma briga entre dois homens, durante a qual decorre a lesão
corporal em uma mulher grávida em Êxodo 21,22, in verbis:

E quando homens em briga ferirem uma mulher grávida, mas a criança nascer sem
problema, será preciso pagar uma indenização, a ser imposta pelo marido da mulher
e decidida por arbitragem. Mas se acontecer dano
71

grave, pagarás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por
pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, contusão por contusão.

Na interpretação de textos bíblicos, deve prevalecer a análise contextual, pois a


fórmula não se encontra isolada, mas dentro de uma caso jurídico. No caso acima citado,
quando ela adentra em briga de homens, sofrer dano, assumiu o risco de tal fato, por isso não
podem os homens ser acusados de homicídio ou lesão corporal intencional, já que foi
oriundo de acidente ou negligência. Caso a sanção de morte estivesse prevista pelo
homicídio acidental, contrariaria outra determinação legal do Código da Aliança, contida em
Êxodo 21,13, onde aquele que mata acidentalmente pode procurar asilo, local este em que
terá proteção das perseguições de um vingador de sangue. Em casos que tais, a morte foi
causada por trágico acaso, onde escapa da sanção de morte, prevalecendo apenas a obrigação
de se indenizar a vítima com sua força de trabalho, pelo tempo da convalescença e pagar os
gastos com o tratamento (Ex 21,18-19) (GRÜNWALDT, 2009, p. 160-161).
No caso de homicídios acidentais, a condenação ao pagamento pecuniário, por
certo, não tem uma pena capital, conforme previsto em Êxodo 21,19; 21,30 e 32. Esta é a
lógica do direito veterotestamentário, em que o causador de um dano deve pagar à pessoa
lesada ou a sua família, buscando limitar a vingança de sangue por meio de uma justa
compensação. Todavia, tal lógica compensatória não ficou imune a protestos, uma vez que os
poderosos de livravam-se sempre de qualquer punição maior por meio de pagamentos,
criando condições, desta forma para que pudessem maltratar os pobres e marginalizados
(Amós 2,7 e Isaías 3,15) (GRÜNWALDT, 2009, p. 162-170).
Segundo a tradição do Evangelho de Mateus 5,38, Jesus parece distanciar-se da
ideia de justiça na fórmula de Talião, não na medida igualitária do fato, mas da justa
compensação, que deve render lugar o amor aos inimigos.

2.4.4 Ama teu próximo como a ti mesmo

Tido como mandamento mais conhecido no Antigo Testamento, porque


72

se encontra no Código da Santidade e em Levítico 19,18, mas também é um mandamento de


Jesus, quando no Novo Testamento respondeu sobre qual seria o mandamento mais
importante. Levítico 19, 3º Capítulo do Código de Santidade, é um texto que confronta os
exegetas com grandes enigmas, pois é unânime na opinião de que cada capítulo da Bíblia
apresenta uma estruturação demonstrada, por isso para compreensão do sentido em “Deveis
ser santos”, pertence ao campo do sagrado, oposto ao profano, do sentido religioso e cúltico,
separado do mundo cotidiano. Portanto, o Deus que tirou Israel do Egito, em atuação
salvífica, antecede qualquer exigência e que é, assim, a legitimação por excelência dessas
exigências. Portanto, os Israelitas não podem se comprovar como santos graças aos seus
próprios esforços, e sim somente porque Deus atuou neles primeiro para a santificação
(GRÜNWALDT, 2009, p. 173-176).
O mandamento do amor, em Levítico 19, versículos 17-18, da convivência
humana, proíbe o Israelita de odiar seu irmão em seu coração e deve mostrar ao próximo sua
conduta equivocada, para que ele possa corrigir-se, para prevenir-se contra uma possível
sanção divina. Amar significa apoiar o outro na adversidade, com palavras, mas
principalmente com atos, com a possibilidade de forasteiros aderirem à religião israelita,
pois devem ser tratados exatamente como se faz consigo próprio, tal como na parábola do
bom samaritano, pois o próximo não é apenas alguém de meus irmãos de fé, mas de quem
precisar de minha ajuda. O mandamento do amor lembra, por fim, de cumprir a vontade de
Deus, porque Ele capacitou os homens para isso (GRÜNWALDT, 2009, p. 177-186).

2.5 A IDÉIA FUNDANTE DO DIREITO VETEROTESTAMENTÁRIO

Seguem excertos bíblicos, enunciativos sobre reparação do dano, não na Lei de


Talião, mas na possibilidade de indenização material ao prejudicado. A propósito:

Quando um homem reduzir a pasto um campo ou uma vinha deixando seu gado
passar em campo alheio, pagará uma indenização com base no seu melhor campo ou
na sua melhor vinha. Quando um fogo se propagar pelos espinheiros, e forem
queimadas medas de trigo, colheitas ou campos, o incendiário deverá pagar uma
indenização pelo incêndio (Ex 22, 4-5).
73

À vista do excerto da referida sentença legal, caso alguém causa um dano à


propriedade alheia precisa repará-lo, apenas materialmente, como ideia fundante do direito
veterotestamentário, tal como citado em Êxodo 22,4-5.
Tal ideia, corresponde ao senso comum da responsabilidade civil do direito, nos
moldes como preconizado no artigo 186 do Código Civil Brasileiro de 2002, antigo artigo 159
do Código Civil de 1916. A responsabilidade civil era prevista, também, como fundamento
de direito obrigacional no Código do Império e das Ordenações, ainda do Brasil Colônia. Tais
disposições encontram ressonância, também, nos dois dispositivos, de reparação do dano pelo
animal e o incêndio, respectivamente os artigos 164 e 250, ambos do Código Penal, que além
da reparação material, cotejam aplicabilidade de pena privativa de liberdade para a prática dos
referidos atos (BRASIL, 2010, Código Civil e Código Penal).

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 164. Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia sem consentimento de
quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo.
Pena – detenção de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa.
Art. 250. Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou
patrimônio de outrem:
Pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Portanto, a recomposição material é de natureza civil, já a sanção penal serve de


desestímulo a outros atos idênticos.
Quem fere um outro homem, de modo que este fique incapaz para o trabalho,
deve compensar o tempo que ele ficou parado e assumir os gastos com o médico, tal como
prevê (Ex 21,18-19):

E quando dois homens brigam e um ferir o outro com uma pedra ou com uma
pancada e o atingido cair de cama, mas não morrer, se puder levantar- se e ir para
fora apoiado em sua bengala, quem o feriu não será punido. Deverá apenas indenizá-
lo pelos dias em que ficou parado e cuidar da sua recuperação até ficar curado.

Não tratou neste caso, o direito veterotestamentário, de reprimenda física do


infrator, tal como no Antigo Oriente, em casos idênticos, como no Código de
74

Hamurabi, que também previa penas corporais, conforme parágrafo 202 que prescreve:

Quando um homem bate em outro, que é de posição superior, na face, recebe da


assembleia 60 golpes de vergalho.

No direito hebraico antigo também existiam penas corporais. Todavia, a norma


prevista em Deuteronômio 25,3 limitou como número máximo de açoites, não podendo
ultrapassar a 40. Tal limite tinha a finalidade de “[...] evitar que, passando desse limite fique
ferido gravemente e teu irmão se torne desprezível a teus olhos”. Pretendia-se evitar que a dor
levasse o ofensor punido a urinar, defecar ou desmaiar, pois respeita-se a dignidade humana,
como imagem de Deus (Gn 1, 26).
O Código de Hamurabi previa uma série de penas mutilatórias, como: cortar a
língua (§ 192); arrancar o olho (§ 193) ou destruí-lo (§ 196); cortar um seio (§ 194) ou uma
mão (§§ 195; 218; 226; 253); quebrar um osso (§ 197); quebrar os
dente (§ 200); cortar a orelha (§§ 205; 282) (GRÜNWALDT, 2009, p. 42-43). Nas leis do
Pentateuco, tais penas são inexistentes, existindo uma única exceção:

Quando um homem e seu irmão entra em luta, e a mulher de um deles se aproxima


para livrar seu marido da mão de seu adversário, se ela estende a mão para pegar as
partes vergonhosas deste, cortar as mão desta mulher. Não terás pena (Dt 25, 11-12).

Tal sanção decorre da representatividade da vida pelo membro gerador masculino.


O Antigo Testamento é inflexível com aqueles que violam a vida da família. Naquela época
não existia a punição pela prisão celular, apenas difundida modernamente, embora o profeta
Jeremias (Jr 20,2; 29,26; 32,2-3) tenha ficado temporariamente preso em razão de suas
profecias, que acabaram por irritar o rei da época. Outro exemplo é o de José que foi para
cadeia em razão de falsa acusação por parte da esposa do alto funcionário da corte Potifar (Gn
39-40).
No Pentateuco, é possível identificar, ainda, um embrião da instituição da prisão
preventiva, conforme disposto em Levítico 24,12 e Números 15,34, em que o acusado é posto
sob custódia até que Deus anuncie o juízo sobre ele. (GRÜNWALDT, 2009, p. 43).
No Código da Aliança há um versículo que fala da reconciliação e da expiação,
no caso do “boi que chifra”, que constantemente põe em perigo seres
75

humanos, animais e objetos. Se este boi mata pela primeira vez, como pena ele será morto,
mas o dono ficará impune. Mas se o dono sabia que o boi era violento e não tomou as
precauções necessárias, ele também será punido com a morte (Ex 21,28- 29). O homem
perderá o direito de vida, porque sua negligência causou dano a outrem, mas ele pode resgatar
sua vida com uma indenização monetária, paga à família prejudicada, reconciliando-se com
ela (Ex 21,30) (GRÜNWALDT, 2009, p. 45).
A valorização do direito testamentário era a necessidade da indenização
pecuniária, pois tinha a meta de reconciliar a vítima e o infrator, para que convivessem na
mesma aldeia. Tal fato era de extrema importância, uma vez que consistia em uma sociedade
rural, de poucas famílias que eram interdependentes. A reconciliação tinha também um
caráter teológico, com vistas a manter a ordem garantida por Deus.
Após reconciliada a desordem, poderá a sociedade voltar a funcionar em conjunto,
em prol da coletividade, pois é o direito veterotestamentário eminentemente teológico. O ser
humano no antigo Israel é compreendido como boa criação divina, com a qual o criador fala
diretamente, como parceiro de Deus e lhe dá mandamentos, para viver segundo sua vontade,
em coroas de glória e esplendor (Sl 8,5-6). É por isso é que penas como açoite e mutilações
são vistas como degradantes e desonrosas, pois atingem a dignidade humana e a semelhança
do homem para com Deus (GRÜNWALDT, 2009, p. 50-56).

2.6 LEGISLAÇÕES CONTEMPORÂNEAS E SUPERVENIENTES

Quando se busca, neste caso, a origem do Direito, volta-se ao passado e lá se


encontram entre as várias civilizações regras distintas, mas na civilização babilônica encontra-
se o Código de Hamurabi, legislação mais antiga de que se tem conhecimento, que tem como
marca a lex talionis (CARLETI, 1986, p. 69-70).
A Lei das XII Tábuas foi uma conquista dos plebeus condicionados à submissão
dos costumes, pautadas na vida romana, conhecida como Lei Decenviral. Muito
interessante, sobre os códigos antigos, é a comparação feita por
76

Carletti (1986, p. 22) entre alguns artigos do Código de Hamurabi e a Bíblia, a mostrar a
semelhança existente pelo menos no espírito e a finalidade da existência das disposições tanto
naquele quanto na Bíblia. Mostra uma semelhança inimaginada, algo que não parece ser
verdade. O confrontamento entre o Código de Hamurabi e a Bíblia ajuda a quebrar o estigma
da pena de morte no Código de Hamurabi e fica evidenciado que não era exclusividade
daquela legislação. Ambos os códigos, de Hamurabi e de Moisés, possuem a pena de morte e
o nível de crueldade semelhantes.
Embora o Código de Hamurabi seja o mais antigo, é válido lembrar a existência
de outras legislações também bastante antigas, como é o caso do Código de Manu, que é uma
legislação surgida na Ásia, em estreita relação entre o direito e os dispositivos sacerdotais e as
conveniências de castas sociais. Com relação à Legislação Mosaica é interessante o fato de
algumas disposições do Antigo Testamento terem uma semelhança incrível com o Código de
Hamurabi, o que mostra que não existe uma conexão e que não pode ser discriminado o
Código e adorado o Antigo Testamento, somente pelo fato de este ser religioso. As
semelhanças não ocorrem ao acaso, tudo o que é criado, seja na área do direito, seja em
qualquer área do conhecimento necessita de subsídio, para que o novo possa ser construído, é
necessário conhecer o antigo, no caso o velho testamento, em que se assentam os Dez
Mandamentos (CARLETI, 1986, p. 70).
Essa semelhança entre as referidas legislações pode a princípio chocar, pois as
religiões são vistas muitas vezes com o objetivo de promover o amor, a paz. Então fica
evidente que nem somente de doces palavras e atitudes condignas que está a se constituir uma
religião.

2.7 A PENA DE MORTE E O DOGMA RELIGIOSO

Definido pena como sofrimento, castigo que o poder estatal impõe a pessoa que
comete delitos, de como surgiu a adoção da pena de morte, numa visão global, por todos os
segmentos, dos mais variados povos.
No início do que se pode denominar de período civilizatório, a pena de
77

morte era vista como caráter eminentemente repressivo, por muitas ocasiões ainda agravada
com punições aos membros da família do condenado, além da odiosa prática costumeira de
ultrapassar os limites individuais do condenado, precedida de sofrimentos desumanos.
Instaurando-se a “Santa Inquisição”, todas essas medidas atingiram seu limiar, que nada mais
fez do que adotar métodos punitivos utilizados pelos visigodos. Romanos, árabes, gregos e
outros tantos foram bem mais comedidos em tais práticas de barbárie (RODRIGUES, 1996, p.
38).
Sócrates foi morto pelos gregos; Bruno, pelos cristãos; Jesuíta Edmon Camprien,
executado pelos ingleses; os portugueses, eliminaram Tiradentes; os romanos, crucificaram
Jesus. Os brasileiros, tais como os norte-americanos, não se cansaram de expurgar a raça
negra. Os fascistas aos italianos; os nazistas aos alemães; os russos aos revolucionários. Felipe
dos Santos foi esquartejado pelos portugueses assim como os inquisidores torturaram o autor
da teoria de Copérnico – Galileu. Sempre incontestável o denominador comum que se procura
encontrar não refoge a um fato induvidoso, justificava-se salvaguardar os interesses do
Estado, a defesa nacional era o pretexto maior (RODRIGUES, 1996, p. 39).
Que os brasileiros dizimaram uma infinidade de negros como imperativo de uma
causa nobre sobre outra degradada por questões econômicas é outra verdade.
A pena de morte foi utilizada por muitas ações não só para os delitos comuns mas
também para os crimes políticos, até crianças com menos de 10 anos foram condenadas à
morte. A utilização da pena capital foi universal ou constituiu ou constitui hábito de todas a
épocas e civilizações. Não havia qualquer subordinação à Lei ao poder real. Caracterizavam-
se os governos totalitários e absolutistas por uma forma de punir que poderia limitar a vida
daqueles que se opunham ao majestoso. A pena capital era aplicada precedida de suplício e
mutilações, distanciando-se da proporcionalidade de valoração para o tipo de retribuição,
principalmente entre nobres e plebeus, com punição desigual, é por isso que a pena de morte
acompanha a trajetória como se fosse sua trágica sombra (RODRIGUES, 1996, p. 42-45).
Totalmente desvinculada da sociedade civil e política, em tempos passados, a
igreja mostrou-se contrária às penas capitais de efeito corporal. Non occides (Não matarás –
Ex 20,13), na inviolabilidade do direito a vida demonstrava- se os valores religiosos e a
crença na vida eterna, para justificar a não aceitação da
78

pena de morte. Se acreditar na imortalidade da alma, mostra-se senão para legitimar a questão
da pena de morte mas para justificar inúmeros argumentos contrários. Houve papas, bispos,
padres, pastores, católicos, evangélicos, que foram contrários à pena de morte, mas a igreja
permitiu ou permite em muitos países tais punições, tendo até as utilizado em tempos idos
(RODRIGUES, 1996, p. 69-70).
Mesmo com o preceito bíblico do quinto mandamento, inúmeras passagens da
Bíblia, fazem a defesa da pena de morte, dentre outras:
Tiago 1,15 “O pecado sendo consumado gera a morte”;
Romanos 6,23 “O salário do pecado é a morte”; Ezequiel
18,4 “A alma que pecar, essa morrerá”;
Salmo 101 “Cada manhã exterminarei todos os malvados do país...”; Reis
14,6 “Cada um deve ser morto pelo seu próprio pecado”;
Só Deus é o Senhor da vida, deixa transparecer que jamais se possa matar, pois é
reconhecida a liceidade de certas supressões da vida humana. Pelo Alcorão: “Deus não estima
os agressores e que matar uma pessoa sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a
corrupção na terra será punido com a morte” (Surata 2º, verso 190; Surata 5º, verso 32;
ALCORÃO SAGRADO).
Por intermédio da pena de morte, não se reparam os efeitos da desordem, mas a
ordem que a desordem deixou, muito embora os favoráveis à execução da pena capital,
consignam que o assassino nega o absoluto respeito à vida, pois também renunciou ao seu
direito de viver. Não é com a pena capital, que diminuir-se-á a criminalidade, pois sua
manutenção não tem o condão de frear os instintos assassinos. A pena máxima, segundo
condão religioso, jamais será aplicada para os delitos, pois não há Juízo infalível
(RODRIGUES, 1996, p. 99-100).
Beccaria (1982, p. 71-72), citado por Luiz Flávio Gomes (1993, p. 33-43), em
artigo sobre pena de morte e prisão perpétua, preconiza:

A crueldade das penas dos mais grandes freios dos delitos, senão a infalibilidade
delas [...] a certeza do castigo, ainda que moderado causará sempre maior impressão
que o temor de outro castigo mais terrível, mas que aparece unido com a esperança
da impunidade.

Pena justa é aquela aplicada proporcionalmente ao delito, pois unidades


federativas como o Texas, na América do Norte, tiveram visível incremento nos índices de
criminalidade, por isso o efeito intimidatório, não tem confirmação, pois países civilizados
que aboliram a pena de morte não tiveram aumento vertiginoso
79

após sua exclusão. Insegurança gera o apelo à pena de morte. Consegue-se a segurança não
com a pena capital, mas com efetiva justiça social (RODRIGUES, 1996, p. 106-107).
Muitos querem a pena de morte, como causalidade do fato, pois o homem parece
direcionado a mais querer a pena capital, do que a morte ou extinção da pena, que jamais deve
sucumbir à causalidade criminógena pela crise repressiva, pois a violação de direitos
humanos, onde a razão, não deve ser escrava da paixão, a predominar apenas sentimentos
emotivos e retaliativos.

3 ORIGEM DOS DIREITOS DOS POVOS-PROIBIÇÃO DE MATAR

A consciência jurídica do mundo, desde sua gênese, foi sempre e é multifacetada,


milenária e de galhos frondosos e ramos densos, com a floração dos direitos que, por vezes,
desmurchassem sobre o implacável fator temporal, também pela ventania evolucionista e
revolucionária, das carências sociais, que agitam as ramagens e as faz rolar para o solo
poroso, novamente reabsorvida pelas raízes poderosas e insaciáveis da árvore do tempo. Cada
floração, ao seu período, pareceu a melhor solução dada aos fatos da época que,
naturalmente, por ausência de vergação, oxida-se a lei e emperra-se a sua finalidade, porque a
lei, reflexo do direito, é uma expressão viva da sociedade, com ideias grandiosas e
generalizadas, em um punho de exação coletiva (ALTAVILA, 2006, p. 9-12).
Desde os primórdios, sentiu o homem a existência do direito, para converter em
leis as necessidades sociais. Para trás havia ficado a era da força física e da ardilosidade, que
se defendera na caverna e nas primeiras organizações gregárias. A palavra, por si só, não
justificava os atos humanos, tampouco as fórmulas pactuais não circundavam de garantias as
suas relações econômicas e políticas, o testemunho falhava como expressão da verdade,
desvirtuado pelo receio e pelo interesse. Assim, a composição de lei escrita, era uma
legitimidade perpetuadora do direito, inicialmente procedente dos deuses, mais pela
religiosidade do que laicismo; ao depois, pelo ápice cultural atingido, pela saturação do estado
primitivo (ALTAVILA, 2006, p.13).
Não foram os deuses que ditaram os direitos pela boca de seus
80

predestinados, embora prudente e lógico o engodo da referida outorga divina, porém chegou o
dia de que o direito perdeu o caráter teleológico e existiu de si mesmo, até que cada povo
adotou uma lei na equivalência de suas necessidades e deveres, pela caminhada dos séculos,
até atingirem os recintos parlamentares, onde nem sempre chegam os ecos das aspirações
sociais (ALTAVILA, 2006, p. 13-14).
Pelos direitos, os homens lutaram, morreram e sobreviveram e, apenas para
elucidação, esquematiza-se a seguinte estruturação, para constituição de sua gênese pelo
tempo:

I – Legislação Mosaica; II
– Código de Hamurabi; III
– Código de Manu;
IV – Lei das XII Tábuas;
V – O Alcorão;
VI – A Magna Carta;
VII – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; VIII
– Dos Delitos e Das Penas;
IX – Diversos Direitos;
IX.a – Código de Napoleão;
IX.b – Ordenações do Reino;
IX.c – O Código de Bustamante;
IX.d – A Consolidação e Esboço, de Teixeira de Freitas;
X – Declaração Universal dos Direitos do Homem (ALTAVILA, 2006, p. 14).

Depara-se, assim, amistosamente com Moisés, Hamurabi, Manu, os Decênviros,


Maomé, os Bispos Ingleses, João sem terra, deputados franceses de 1789 e Napoleão
Bonaparte, entre os artigos, parágrafos e incisos dos Códigos contemporâneos. Coincidem
com a religião e explicam, no tempo e no espaço, sua gestação. Absurdos, rígidos, liberais,
mas convergiram os anseios de muitos que, para eles, rogaram suas benesses, em gesto de
súplica ou de enternecido reconhecimento.

3.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL

Para bem entender uma legislação é indispensável o conhecimento de sua


graduação histórica, pois o passado, em cada época, é o produto e o resumo de todas as épocas
anteriores. A história do direito penal reflete o estado social e as ideias que o caracterizam,
que podem, segundo Regis Prado, p. 34, in Curso de
81

Direito Penal Brasileiro, assim, ser resumidas:


a) Primeira época. O crime é atentado contra os Deuses, que tem a pena o meio
de aplacar a cólera divina;
b) Segunda época. O crime é a agressão violenta de uma tribo contra a outra.
Pena, vingança de sangue de tribo a tribo;
c) Terceira época. Crimen é a transgressão da ordem jurídica estabelecida por
ente estatal. Pena, reação do Estado contra a vontade do individual oposta à
sua (PRADO, 2001, p. 34-35).
Segundo a concepção bárbara, podem os delitos ainda serem divididos em
públicos, punidos com penas corporais cruéis e até a morte; e delitos privados, perseguidos e
reprimidos pela vítima ou sua família; uma concepção teocrática, na qual delito sempre é um
atentado à ordem religiosa; e, por fim, uma concepção política na qual o delito é considerado
como uma lesão de ordem social e a pena como meio político de preveni-la e repará-la
(PRADO, 2001, p. 35).
Roma apresentou uma verdadeira síntese da sociedade antiga, entre o mundo
antigo e moderno, e o positivismo romano dissociou o faz do jus, em confusão entre o
religioso e o laico, com afirmação do caráter público da pena (PRADO, 2001, p. 35).
Os germanos ocupavam, fora das fronteiras no Império Romano, longa zona
de terra, hoje denominada Rússia, divididos em tribos nômades e organização específica,
como os visigodos, álavos, vândalos, ostrogodos etc., unidos por um ancestral comum,
escolhido em razão da bravura, que tiveram a aceitação de residirem nas proximidades de
Roma, em pacto de aliança (foedus), e foi originariamente a causa do desmoronamento
do Império Romano do Ocidente. Entre os bárbaros germânicos vigorava a vingança de
sangue (blutrache), que somente em etapas mais avançadas, com o fortalecimento do
poder estatal, foi substituída pela composição voluntária, depois obrigatória (PRADO, 2001,
p. 38-39). Tal instituição consistia no dever de compensar o prejuízo com numerário,
a objetivar a supressão da vingança privada, tida como dever da vítima de vingar as ofensas
recebidas, a consagrar a vingança hereditária e solidária da família (PRADO, 2001, p. 40).
Tal fato coaduna, é certo, pela reparação indenizatória com a ideia fundante do Direito
Veterotestamentário.
Com a fusão do direito romano-germânico, sob forte influência religiosa e do
direito canônico, teve como efeito principal restaurar na Europa o sentimento de
82

direito, de sua dignidade, de sua importância para assegurar a ordem e o progresso social. No
antigo regime tinha por escopo, antes e sobretudo, a condenação do acusado, mesmo em
prejuízo de sua função garantista, e até a segunda metade do século XVIII, é uma sociedade
de ordem, na busca do respeito à autoridade divina e humana, mesmo com o aumento das
transgressões. Caracterizava-se, pois, na crueldade da execução das penas, corporais e
aflitivas, com o objetivo apenas de vingança social e intimidação, aliado ao absolutismo do
poder público, na preocupação da defesa do príncipe e da religião, até o avultamento da
Revolução Francesa (PRADO, 2001, p. 45-46).
Com o Iluminismo, difundiu-se o uso da razão para direcionamento do progresso
da vida, entre duas linhas bem distintas o racionalismo cartesiano e empirismo inglês, pois o
fato punitivo desvinculou-se das preocupações éticas e religiosas, em que o delito encontrava
razão no contrato social violado, onde a pena era concebida como medida preventiva. Além
de Beccaria, também os reformadores Servan (Discurso sobre a administração da justiça
criminal); Marat (Plano de legislação criminal); Lartizábal (Discurso sobre las penas) e
Howard (O estado das prisões na Inglaterra e Gales), foram contundentes para categorizar a
igualdade de todos perante a lei, com abolição da tortura e da pena de morte, com
proporcionalidade pelo delito praticado (PRADO, 2001, p. 46-47).
Os ideais reformistas contribuíram para o desenvolvimento de uma ampla
mudança legislativa – movimento codificador –, dentre eles o Código Penal Francês, de 1810;
o da Baviera, de 1813, a dar certeza ao direito, com facilitação da pesquisa, da interpretação
e aplicação das normas jurídicas (PRADO, 2001, p. 47).
Daí o direito não mais se deteve, principalmente como movimento de defesa social
e garantismo, estribados em escolas e tendências penais diversas, como a clássica, positiva,
crítica, humanista, correicionalista e defensista, até nos dias atuais, porque toda pena deve ser
necessária para que seja justa (PRADO, 2001, p. 60).

3.2 DIREITO PENAL CANÔNICO

O Direito Penal Canônico, tido como ordenamento jurídico da Igreja


83

Católica Apostólica Romana, é formado pelo Corpus Juris Canonice, resultado do


Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos pontífices romanos (sec. XII), de
Gregório IX (1234), de Bonifácio IIIX (1298) e pelas clementinas, de Clemente V (1313).
Outra fonte canônica eram os Libri poenitentiales. Em 25 de janeiro de 1983 foi promulgado
o novo Código de Direito Canônico, pelo Papa João Paulo II (PRADO, 2001, p. 41).
Deriva da palavra grega kánon (regra, norma) que se indica qualquer prescrição
de fé ou ação cristã; a partir do século IV, passaram a ser designadas como normas
disciplinares dos sínodos, em contraposição às leis dos imperadores. Na Idade Média,
chamaram-se cânones todas as regras emanadas da igreja, em oposição às legis de origem
laica (PRADO, 2001, p. 41).
O papel da lei penal na igreja católica, de relevância profunda, condicionou que
as tradições jurídicas romanas adentrassem na vida social do ocidente, além de contribuir para
civilizar as práticas brutais germânicas, adaptando- as à vida pública. Nos primeiros idos, o
direito penal canônico teve caráter disciplinar, logo depois passou a abarcar religiosos e
leigos. Dentro dessa evolução, a jurisdição eclesiástica aparecia dividida em ratione
personae e ratione materiae. Pela primeira, decorrente da pessoa, o religioso era julgado
sempre por um tribunal da igreja, qualquer que fosse o delito cometido. Na segunda, porém,
pela matéria, firmava-se a competência eclesiástica, ainda que o crime fosse praticado por um
leigo (PRADO, 2001, p. 42).
Referentemente à punição, o Direito Penal Eclesiástico consagrou a pena como
instrumento de conservação social ou superior da ordem moral no qual se harmonizam
interesses sociais e individuais, respeitadas todos os seus matizes que atingiam bens
espirituais e direitos eclesiásticos, quem tem por escopo o arrependimento e a correção do
delinquente, bem assim o restabelecimento da ordem social e a exemplaridade da punição. É
de se cotejar a instituição do Tribunais do Santo Ofício, com a utilização de procedimento
inquisitório, a partir de 1215 (Inocêncio III), com ampla atuação na Península Ibérica, e as
Ordenações da Santa Irmandade, promulgada em 1496 pelos reis católicos (PRADO, 2001, p.
42- 43).
Dentre as principais características do Direito Penal Canônico, contribuiu para a
humanização das penas e para fortalecer o caráter público do Direito Penal, com o
recrudescimento da vingança privada, com a distinção do dolo e a culpa, além
84

de inspirar a penitenciária, como internação em monastério, típica da prisão celular hodierna


– a pena privativa de liberdade (PRADO, 2001, p. 43).

3.3 DIREITO PENAL BRASILEIRO

No Brasil, o pensamento jurídico penal pode ser resumido em três fases principais:
colonial, Código criminal do império e período republicano. Na época pré- colonial, os
nativos povoavam as terras brasileiras com a economia de subsistência e incapacidade de
domação de animais, onde existiam simples regras consuetudinárias comuns de
sociabilidade, de transmissão oral e mística, mas as leis da metrópole a isso se impuseram,
pois ao tempo do descobrimento, vigoravam em Portugal as ordenações Afonsinas, de 1446,
substituídas pelas Manuelinas, de 1521; posteriormente as ordenações Filipinas, em 1603, em
que predominavam as penas de morte, de açoite, amputações, galés, degredo e multa, em que
o crime era confundido com pecado ou vício (PRADO, 2001, p. 60-63).
Em 25 de março de 1824, por outorga da primeira Carta Magna Brasileira,
elaborou-se o código criminal do império do Brasil, primeiro autônomo da América Latina,
fincado nas ideias de Beccaria, Bentham, nos Códigos da França (1810), da Baviera (1813),
Napolitano (1819) e, especialmente, no Código da Lusiania de 1825, de autoria de
Levingston, que era dotado de clareza e concisão, de um trabalho original e de notável
monumento legislativo, como resultado geral da orientação talional kantiana que influenciou o
Código Espanhol de 1848 e o português de 1852 (PRADO, 2001, p. 64-66).
Com o advento da República, Baptista Pereira encarregou-se da elaboração do
projeto do Código Penal, isto em 11 de outubro de 1980, convertido em lei, apressadamente,
antes da Constituição Federal de 1981, com alvo de ácidas críticas, sendo logo objeto de
estudos com vistas à sua substituição, não tardou que o primeiro código da república ficou
profundamente alterado e acrescido de inúmeras leis extravagantes, com vistas a combatê-lo,
daí a consolidação das leis penais de Vicente Piragibi, oficializada em 1932 (PRADO, 2001,
p. 67).
Por fim, durante o Estado novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou um
projeto de Código Criminal Brasileiro, que, submetido a uma comissão revisora,
85

foi sancionado pelo Decreto-Lei 2.848, 7 de dezembro de 1940, passando a vigorar desde
1942 até os dias de hoje, ainda que parcialmente reformado, tanto na parte geral como em
legislações extravagantes, o que objetivou sua substituição, terminada por Nelson Hungria em
1963, revisado e promulgado pelo Decreto-Lei 1.004, de 21 de outubro de 1969, retificado
pela Lei 6.016, de 31 de dezembro de 1973. O Código Penal de 1969, como ficou conhecido
teve sua vigência sucessivamente postergada até sua revogação pela Lei 6.578, de 10 de
outubro de 1978 (PRADO, 2001, p. 68).

3.4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA

A Constituição Federal preconiza que todos são iguais perante a Lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, no título
II, capítulo I, tido como direitos e garantias fundamentais do cidadão, de primeira geração ou
de liberdade, contido no artigo 5º, da Carta Magna. O direito à vida é o mais fundamental de
tais direitos, porque pressupõe à existência e exercício dos demais que dele exsurge
(MORAES, 2008, p. 35).
Proclama, pois, a Carta Magna, o direito à existência humana, e cabe o Estado
assegurá-lo em sua dupla acepção, isto é, de permanecer vivo e ter vida digna quanto à
subsistência, que se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, quanto o embrião
ou o feto representa um ser individualizado com carga genética própria, por isso a lei
considera os direitos do nascituro, como textualiza o artigo 2º do Código Civil Brasileiro, a
proteger inclusive a vida intra- uterina (MORAES, 2008, p. 36).
A proteção à vida, bem maior do ser humano, tem garantia e fundamento na
Constituição Federal, a propagar-se para os demais ramos do ordenamento jurídico pátrio. O
direito à vida, contido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal é considerado um direito
fundamental, de ordem material, indispensável ao desenvolvimento do ser humano de
natureza supra-estatal, procedente do direito das gentes o do direito humano do mais alto
grau. Nenhum direito fundamental, entretanto, tem o condão de ser absoluto, à vista da
convivência harmoniosa com
86

outros direitos, igualmente essenciais, que buscam assegurar a construção de uma


personalidade digna e feliz para os membros da coletividade, embora restrições sejam
comumente e paralelamente dispostas, para assegurá-los (NUCCI, 2008, p. 571).
O direito à vida, como destaque, encontra limitação em contraposição com outros
interesses estatais, razão pela qual a própria Constituição prevê a possibilidade, em tempo de
guerra, de haver pena de morte (artigo 5º, XLVII, “a”) e o Código Penal Militar estabelece as
hipóteses de sua aplicação (artigos 55, “a” e 355, a 362, 364 a 366, caput, 368, 371 e 372,
375, parágrafo único, 378, 379, §1º, 383,
caput, 384, 385, caput, 386 e 387, 389 e 390, 392, 394 a 396, 400, III, 401, 405, 406,
408, parágrafo único) pois entende-se, em casos que tais, uma disciplina rígida e indeclinável,
a não se tolerar traição, covardia, motim, revolta, incitamento, quebra dos deveres militares,
colocados in casu acima do bem jurídico vida, sujeitando o infrator à pena de morte (NUCCI,
2008, p. 571).
Em regra, protege-se a vida, mas nada impede que seja ela perdida por ordem do
Estado, que se incumbiu de lhe dar resguardo, desde que interesses maiores devam ser
abrigados. Nesta esteira, em tempo de guerra, o traidor da pátria não tem direito ilimitado à
vida. A mulher, estuprada, merece proteção para decidir pelo aborto, nos modos do artigo 128
do Código Penal. Interesses, assim, conflitivos, tende o bem jurídico como a vida ser de
menor interesse pelo Estado. Mesmo a Convenção Européia dos Direitos do Homem (art. 2º,
1), preconiza que ninguém será privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital,
pronunciado por um Tribunal (NUCCI, 2008, p. 572).
Admite-se, pois, a existência da pena de morte, sem que isso, por si só, seja uma
violação dos direitos humanos fundamentais. Destarte, o direito à vida é essencial, mas não
absoluto, pelo menos no que pertine aos crimes militares em tempo de guerra; afora tais
hipóteses, citadas no penúltimo parágrafo, não é tolerada a pena de morte no Estado
Brasileiro.
Quando o direito à vida é violado, nos chamados crimes dolosos contra a vida, a
Constituição Federal, no artigo 5º, XXXVIII, reconhece a instituição do Júri, com a
organização que lhe der a lei infraconstitucional, pelo Código de Processo Penal, assegurados
a plenitude de defesa, o sigilo das votações, e a soberania dos veredictos, como prerrogativa
democrática do cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, apontando-se seu
caráter místico e religioso, pois
87

tradicionalmente reponta a lembrança de doze membros, como apóstolos, que haviam


recebido a visita do espirito santo (MORAES, 2008, p. 88).
É um tribunal popular, de origem anglo-saxônica, de essência e obrigatoriedade
constitucional, composto por um Juiz de Direito que o preside, e por
21 (vinte e um) jurados, que serão sorteados dentre cidadãos que constem do alistamento
eleitoral do Município, a formar o Conselho de Sentença, com sete deles, retirados de todas
as classes sociais, com opinião resguardada dos jurados, mesmo que a decisão deles seja
visceralmente contrária a prova dos autos, com recorribilidade de suas decisões, onde deve
prevalecer o princípio da inocência em relação à soberania dos veredictos, portanto
inafastável a competência do tribunal do Júri, pois é tida como cláusula pétrea, portanto
inamovível, dentro do sistema jurídico e essencialmente democrático, a referida matéria
sequer pode ser objeto de deliberação, mesmo por Emenda Constitucional, a rigor do artigo
60, § 4º e 5º da Constituição Federal (MORAES, 2008, p. 89).

3.5 A INSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI NO MUNDO

O tribunal popular, diferentemente do que muitos asseveram, não nasceu na


Inglaterra, pois já existiam no mundo, outros tribunais com suas características.
Rogério Lauria Tucci (1999, p. 12), prelecionando sobre o júri, dispõe

“[ ]há quem afirme com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal
do Júri se encontram na lei mosaica, nos dikastas, na Hiliéia (Tribunal dito popular) ou no
aeropago gregos; nos centeni comitês, dos primitivos germanos; ou, ainda, em solo britânico, de
onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeus e
americanos”.

O Júri em matéria criminal só se consolidou muito depois do júri civil, que lhes
submeteu também as matérias criminais, não só de liberdade individual, como a vida, pois em
alguns países a pena de morte foi conhecida, inclusive no Brasil (art. 66 da Lei 261 de
1841), onde retirava-se das mãos do soberano o poder de decidir, isoladamente, sobre a vida
dos seus súditos (RANGEL, 2011, p. 41).
Os jurados, pessoas do povo que compunham o tribunal onde ocorreu o crime,
deviam decidir segundo o que sabiam e com base no que se dizia,
88

independentemente de provas, de responsabilidade de outros doze homens de bem, recrutados


entre os vizinhos, que decidia se o réu era culpado ou inocente, derivada da verdade emanada
de Deus, pelos doze apóstolos que seguiram Cristo, com base em um vere dictum, ou seja, de
dizer a verdade, avultando-se daí, o sistema de provas da íntima convicção, que persiste até
hoje, no atual artigo 472, do Código de Processo Penal Brasileiro, em contrariedade à
fundamentação nas decisões judiciais, previstas no artigo 93, IX, da Constituição Federal
Brasileira (RANGEL, 2011, p. 43).
No júri há afirmativa que os iguais julgam os iguais: o réu é julgado pelos seus
pares, embora tal afirmativa nem sempre seja verdadeira, pois os réus – na maioria pobres –
são julgados por servidores públicos e profissionais liberais, muito embora seja defendido o
fato de que o tribunal popular seja formado por pessoas das diversas camadas sociais
(RANGEL, 2011, p. 44).
Na Inglaterra, quando de seu nascedouro, o júri contrapôs-se ao juízo de Ordálios
(germânicos), eminentemente religioso, por sorteio onde a divindade preponderaria em
proveito do justo, durante o governo do Rei Henrique II (1154- 1189) em que, no ano de
1166, instituiu o Writ (ordem, mandado) pelo qual encarregava o sheriff de reunir doze
homens da vizinhança para dizer se o detentor de uma terra desapossou o queixoso, com o fito
de eliminar possível duelo judiciário praticado até então. Nesta senda, pelo conjunto de
medidas, a acusação pública efetuada pelo Ministério Público, passou a ser feita pela
comunidade local nos crimes graves, como homicídio e roubo, por isso era chamado de júri
de acusação (RANGEL, 2011, p. 42).
Atualmente, porém, com as feições que ganhou com passar do tempo, o Tribunal
do Júri é responsável por apenas 1 a 2% dos casos criminais, desde que houve abolição do
chamado Grand Jury em 1933, cuja história remonta às origens do Common Law na
própria Inglaterra, pela criação de uma polícia profissional no século XIX, significou a
restrição do referido sistema, como residual até sua abolição, com plena comunicação entre
os jurados, a democratizar a decisão sobre a liberdade do réu, com fincas a evitar o arbítrio
ou o abuso de poder do rei ou governante (RANGEL, 2011, p. 45-46).
Na Inglaterra, após o ano de 1215, com a edição da Magna Carta do Rei João
Sem-Terra, o júri espalhou-se pela Europa, primeiramente na França em 1791, depois para os
demais países, com feições mais modernas e modelos estruturais
89

próprios de cada legislação (RANGEL, 2011, p. 44). O júri foi substituído em 1808, na
França, por uma câmara de conselho de Magistrados, isto é, uma turma de Juízes da Corte
Imperial, de curto período no governo de Napoleão que, como ditador, não nutria simpatia
pelo júri, como afirma Almeida Junior, na obra “O Processo Criminal Brasileiro”, citado por
Rangel (p. 42).
Característica marcante no sistema processual norte-americano é o processamento
de causas cíveis e penais perante o Tribunal do Júri, onde os Juízes togados exercem a função
de direção dos debates, moderação dos interrogatórios e a decisão das questões de direito,
presidindo a sessão na função de guardião dos direitos consagrados nas emendas
constitucionais, pois o princípio acusatório puro rege o processo penal nos EUA, cabendo ao
órgão ministerial, lograr provar o ônus da existência de indícios de criminalidade em
desproveito do acusado, na mesma igualdade de condições perante a defesa técnica. O
Ministério Público (prosecutor), tem papel preponderante, pois o júri, onde atua, constitui
uma notória garantia do Due Process of Law. Portanto, a base do Tribunal do Júri
americano é a constituição, como direito substantivo fundamental de todo e qualquer acusado
que cometer delito que a ele deva submeter-se (RANGEL, 2011, p. 46-47).
Em França, com a revolução de 1789, visou combater o autoritarismo dos
Magistrados do ancién régime, que cediam à pressão da monarquia e das dinastias das quais
dependiam, o Tribunal do Júri foi a tábua de salvação, pois os juízes não eram dotados, como
atualmente, de independência funcional, por isso representou um símbolo ideológico da
própria Revolução Francesa. Necessitava, pois, de controle do abuso estatal durante o
procedimento criminal, como freio na prática da tortura, pelos conceitos básicos de
liberdade de decisão dos cidadãos; igualdade perante a justiça e fraternidade no
exercício democrático do poder. Nos demais países europeus, apenas para exemplificação,
como a Itália, Espanha e Portugal, com algumas variantes e matizes diversos, mas de índole
constitucional, houve separação do juízo de fato e de direito, como garantia constitucional,
com exceção do sistema português, tido como facultativo, se as partes o requeressem.
(RANGEL, 2011, p. 48-56). (grifei).
90

3.5.1 O tribunal do júri no Brasil

Declarada a independência do Brasil, as leis portuguesas teriam aplicação no


território nacional, em razão do decreto de 20 de outubro de 1923, desde que não conflitasse
com a soberania brasileira e com o novo regime, pois até então vigoraram as Ordenações
Filipinas, mantidas em vigor já que regiam desde 1603. Foi nesse ambiente político
conturbado e de liberdade da metrópole, a gênese do Tribunal do Júri no Brasil, antes,
conquanto, da independência, 7 de setembro de 1922 e da primeira constituição brasileira, de
25 de março de 1824, e, também, sob o domínio português, mas com notória influência
inglesa. Na época, o júri era apenas para crimes de imprensa e os jurados eram eleitos para o
exercício do digno labéu. (RANGEL, 2011, p. 59-60).
Do império à república, com o Estado novo, e ascensão da burguesia, instituiu
ideias nacionalistas e industrializadoras, com intervenção do Poder Executivo perante o
Poder Judiciário, onde o Direito Penal passou a ser usado como instrumento de defesa do bem
jurídico público, por isso o júri era manipulado, a perder sua essência democrática e popular,
até a chegada dos dias atuais, com a reforma processual penal da Lei 11.689/08, marcante na
incomunicabilidade dos jurados, onde a função deste não é um exercício de cidadania, como
nos EUA, mas obrigatório, como reponta o artigo 436 do CPP, onde o cidadão não pode
furtar-se na sua participação (RANGEL, 2011, p. 73).
A origem, porém, da persecução penal, de origem inquisitorial, do inquérito
policial, acaba por ser um instrumento de manipulação política que o Estado utiliza para
contensão das tensões sociais, que teve adentramento ao direito por intermédio da Igreja
Católica, na ambiguidade entre o crime e o pecado, fazendo-se acreditar que através dele a
verdade aparecerá, onde o mito da verdade real do processo, ganhou espaço no inquérito
policial, por isso a tortura foi durante muito tempo tolerada e até legalizada pelo estado com o
escopo de se alcançar a verdade (RANGEL, 2011, p. 73).
Michel Foucault (1999, p. 78), na obra “A Verdade e as Formas Jurídicas”,
in verbis:
91

O inquérito é precisamente uma forma política, uma forma de gestão, de exercício


do poder que, por meio da instituição judiciária, veio a ser uma maneira, na cultura
ocidental, de autentificar a verdade, adquirir coisas que vão ser consideradas como
verdadeiras e de as transmitir. O inquérito é uma forma de saber poder.

O termômetro da temperatura da decisão do Júri é o Estado na sua política liberal


ou repressiva, do bem estar social ou punitivo e sempre foi seletivo tanto no seu aspecto
subjetivo, isto é, de quem será julgado e quem vai julgar, quanto no seu aspecto objetivo, ou
seja, quais condutas deverão ser julgadas.
Neste sentido, Alessandro Baratta, arremata:

O sistema de valores que se exprime no Direito Penal reflete, predominantemente, o


universo moral próprio de uma cultura burguesa individualista, dando a máxima
ênfase à proteção do patrimônio privado e orientando-se, predominantemente, para
atingir as formas de desvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e
marginalizados [...] As malhas dos tipos são, em geral, mas sutis nos casos dos
delitos próprios das classes sociais mais baixas do que no caso dos delitos de
colarinho branco. (BARATTA, 1999, p. 176).

A sociedade, uma vez dividida em classes, passa a ter o Direito Penal como
protetor das relações sociais que nela existem, preferencialmente na proteção da classe
dominante, pois o furto qualificado (reclusão de dois a oito anos) tem penalidade maior do
que o abandono de recém-nascido com resultado morte (detenção de dois a seis anos); assim,
a vida tem menos valor para o Direito Penal, do que o patrimônio, se considerada a
reprovação social que recai sobre ambas as condutas (Código Penal, 2010, artigos 133 e 155).
A adoção do Júri tem, na incomunicabilidade dos jurados e o sigilo do voto, a
cristalização de seus ideais, primeiramente porque é a incomunicabilidade fruto de um sistema
de política elitista, mas impede que o jurado exteriorize sua forma de decidir e venha influir,
para condenação ou absolvição, qualquer um de seus membros, sendo, praticamente,
compelido a votar, muitas vezes, sem entender a lógica estrutural do sistema. Referentemente
ao sigilo, deve-se assegurar que a contagem dos votos cesse no quarto sim ou não, conforme o
caso, pois na medida em que o Juiz Presidente permite que sejam retirados todos os sete votos
da urna é possível que haja unanimidade de decisão, por isso saberá quem exatamente
condenou ou absolveu o réu. A decisão soberana do Júri obedece a uma maioria qualificada
ou unanimidade, mas esta compromete o sigilo do voto, como já dito (RANGEL, 2011, p. 71-
77).
92

Com uma simplificação do procedimento, agora já pela Lei 11.689/08, que não
fez uma reforma do Processo Penal, mas sim parcial do Tribunal do Júri, divide- se em duas
fases. A primeira, encerra um juízo de admissibilidade, com oferta da denúncia (art. 406 do
CPP); citação do acusado (406); oitiva do Ministério Público sobre resposta prévia à acusação
(409); inquirição de testemunhas e diligências (410); instrução processual com inquirição de
testemunhas arroladas pelo órgão da acusação e pela defesa, além de interrogatório do
acusado (411); alegações orais (411); conclusão em noventa dias (412); decisão de pronúncia
(413), impronúncia (414), absolvição sumária (415) ou desclassificação (419). Na segunda
fase, já em plenário, sinteticamente, serão os atos novamente repetidos perante os jurados,
logo depois da escolha dos sete jurados, com a possibilidade de recusa de três, por cada qual
dos representantes, do Ministério Público e da Advocacia. Após os debates de acusação e
defesa, o Juiz conclama os jurados para exortação dos votos em sala secreta e divulga a
sentença de absolvição ou condenação, da qual cabe recurso de apelação ao Tribunal de
Justiça (RANGEL, 2011, p. 95-97).

3.5.2 Julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Com efeito, é a instituição do Tribunal do Júri, por determinação da Carta Magna,


competente para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ex vi artigo 5º, XXXVIII,
letras “a”, “b”, “c” e “d”.
De seu turno, no Título I da parte especial são definidos os crimes que atingem a
pessoa humana em seu aspecto físico ou moral. Na Lei Penal, a tutela sobre os direitos de
personalidade estão nas normas incriminadoras ali contidas, se refere aos “crimes contra
pessoa”, divididos em seis capítulos: I – Dos crimes contra a vida; II – Das lesões corporais;
III – Da periclitação da vida e da saúde; IV – Da rixa; V – Dos crimes contra a honra; VI –
Dos crimes contra a liberdade individual. No primeiro capítulo, refere-se aos crimes contra a
vida, são definidos os delitos de homicídio (art. 121), induzimento, instigação ou auxílio ao
suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e aborto (arts. 124 a 128) (MIRABETE, 2004, p. 61).
Do homicídio, que retrata a destruição do homem por outro, será tratado em
tópico próprio, pois serão aqui expendidas considerações acerca dos demais
93

delitos que resultam morte, como o infanticídio, o aborto e o suicídio, dolosos contra a vida, a
merecer tal qual o homicídio, o julgamento pelo Tribunal do Júri, além de outros, como roubo
seguido de morte (art. 157, §3º), extorsão mediante morte (art. 158, §3º), extorsão mediante
sequestro com resultado morte (art. 159, §3º).

3.5.2.1 Induzimento, instigação e auxílio a suicídio

Com efeito, segundo Mirabete (2004, p. 82) o suicídio é a eliminação direta da


própria vida. Por razões que se prendem à impossibilidade de punição do suicídio e a política
criminal não se incrimina a prática do suicídio, pois a pena não pode passar da pessoa do
delinquente (art. 5º, XLV, da CF), seria impossível sua aplicação ao suicida, pois quem quer
morrer não se importa com ameaça de sanção. Mesmo quanto à tentativa, o Estado renuncia à
punição, que o impede de agravar com a pena alguém que busca sua morte.
Fato é, entretanto, que não se aplica pena ao suicida, mas àquele que pode ser
sujeito ativo do crime, com atos de induzimento, instigação ou auxílio, a colaborar com uma
causa para morte do suicida, que pode ser tida como uma forma especial do delito de
homicídio; distingue-se, entretanto, na circunstancialidade de que o agente não pratica o ato
consumativo da morte, que cabe à própria vítima (MIRABETE, 2004, p. 82-83).
Define-se no artigo 122 do Código Penal: “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se
ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão de dois a seis anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de
natureza grave”.

3.5.2.2 Infanticídio

Tal delito consiste em um verdadeiro homicídio privilegiado, cometido pela mãe


em detrimento do filho em condições especiais, porém é ele menos grave do que aqueles
incluídos no artigo 121, §1º, que o definiu como delito autônomo e
94

denominação de política própria, cominando-lhe pena menor que a do homicídio privilegiado.


Optou o legislador pelo sistema fisiopsicológico, apoiado no estado puerperal, de
problemática influência no psiquismo da parturiente. Protege-se a vida humana do neonato ou
daquele que acaba de nascer, numa transição entra a vida endo-uterina e a vida extra-uterina
(MIRABETE, 2004, p. 88).
Fenômeno não bem definido, a prescindir de disposição médica, é o estado
puerperal, por vezes, confundido com perturbações da saúde mental, mas há diferenciação
sensível entre eles, pois se ausente o estado puerperal, responderá a mãe por homicídio, caso
tenha ela anomalia mental, a pena será substituída por medida de segurança, nos termos do
artigo 26, parágrafo único, do Código Penal (MIRABETE, 2004, p. 89).
A conduta típica do artigo 123 do Código Penal é matar, seja da mais variada
gama, por ação ou omissão, isto é, fraturas, sufocamentos, ausência de alimentação, falta de
ligadura do cordão umbilical, desde que o fato ocorre durante o parto ou logo após, sem
fixação de limite de prazo, pela interpretação do julgador (MIRABETE, 2004, p. 91).

3.5.2.3 Aborto

Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção,


seja do óvulo, embrião ou feto, desde que ainda não tenha nascido, pois a vida é protegida,
não só ao nascituro, como a vida na integridade corporal da mulher gestante, no caso de
provocação de aborto sem o seu consentimento. Diversos são os processos utilizados, como
meios químicos, físicos, mecânicos ou morais, desde de que sejam eficazes, pois manobras
abortivas praticadas em mulher não grávida ou com o feto já morto, não é considerado aborto
mas lesão corporal. O artigo 124 é tido como auto aborto, quando a gestante pratica o aborto
em si mesma, mas quando é obtido seu consentimento, migra a figura para o aborto
consensual do artigo 126. Se houver dissenso da genetriz, é o aborto provocado por terceiro,
em que a gestante também é vítima do crime. Já o artigo 127 decorre das formas qualificadas
para os dois tipos penais nos artigos 125 e 126, quando ocorre lesão corporal grave ou morte,
da gestante (MIRABETE, 2004, p. 96-98).
95

Há casos, porém, quando ocorrem circunstâncias que tornam lícita a prática do


fato, previstas nos incisos I e II, do artigo 128, quando não houver outro meio de salvar a vida
da gestante, ou, se resulta de estupro, duas causas de excludente de criminalidade, embora
indiquem causas de ausência de culpabilidade ou punibilidade (MIRABETE, 2004, p. 98-99).
O aborto distingue-se do infanticídio porque somente pode ocorrer antes do
início do parto. Praticadas manobras abortivas que geram a expulsão do feto, que sobrevive,
não se consuma o delito, mas sua tentativa, além da lesão corporal do terceiro praticada na
mãe. Inexistente a gravidez a prática das manobras abortivas que levaram à morte da vítima,
constituíram homicídio culposo, já que inexistente objeto próprio para o delito de aborto
(MIRABETE, 2004, p. 101).

3.6 DELITOS QUE RESULTAM MORTE NÃO JULGADOS PELO JÚRI

De acordo com o artigo 157, §3º, do Código Penal, com a redação que lhe foi dada
pelo artigo 6º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, confirmada pelo artigo 1º da Lei 9.426,
de 24 de fevereiro de 1996, se da violência resulta morte a pena cominada é de vinte a trinta
anos de reclusão, além da multa. Ocorre latrocínio com a efetiva subtração do objeto e morte
da vítima, quando esta querida pelo agente, desde que exercida para subtração do objeto ou
para garantir, depois desta, a impunidade do crime ou a detenção da coisa subtraída,
conquanto é um delito contra o patrimônio, mesmo com resultado morte, será julgado pelo
Juízo Singular e não pelo Tribunal do Júri, a não ser que a motivação da violência seja outra,
como a vingança, por exemplo, caso que haverá concurso entre roubo e homicídio
(MIRABETE, 2004, p. 242-243).
Já o delito de extorsão, também contra o patrimônio, estão protegidos a
inviolabilidade e a liberdade individual, onde o agente ao revés de subtrair o objeto da
vítima, como no roubo, obriga-a a entregá-lo. Neste último caso, em decorrência de morte,
também prevista no §3º, será o delito julgado pelo Juízo Singular (MIRABETE, 2004, p.
247).
Por fim, na extorsão mediante sequestro, com resultado morte, com de 24 a 30
anos, a maior do Código Penal, justifica-se a severidade da sanção por serem
96

ofendidos, além do patrimônio, a liberdade individual, e a vida da vítima, pois pode ser ela
morta pelo agente durante a consumação do crime (MIRABETE, 2004, p. 254).
Mesmo com resultado morte, repita-se, o julgamento será feito pelo Juiz singular e
não pelo Tribunal do Júri, porque não são tais delitos crimes dolosos contra a vida, previstos
no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, mas crimes contra o patrimônio, embora com
pena mais graves que o próprio homicídio.

3.7 NÃO MATAR–MATAR ALGUÉM

No âmbito do direito legislado mundial, prevalece o exame tipológico, isto é, a


descrição abstrata de um fato real que a lei proíbe (tipo incriminador), com exceção do Direito
Consuetudinário. Desse modo, o tipo legal vem a ser o modelo, o esquema conceitual da ação
ou da omissão vedada, seja dolosa ou culposa. É concreta a expressão dos bens jurídicos
amparados pela lei penal. Com lastro no princípio da reserva legal, prevista no artigo 5º,
XXXIX, da Constituição da República e no artigo 1º do Código Penal Brasileiro, o tipo
legal de delito engendra uma série de funções, precipuamente a de seletividade e de garantia,
que somente o provocador do delito pratica o ilícito e por ele responde; o fundamento da
ilicitude (ilicitude tipificada – uma ação atípica é lícita, penalmente); criação do mandamento
proibitivo, relativa àquilo que se pode ou não fazer, e, por fim, delimitação do início e fim do
processo executivo do delito. Portanto crime, segundo a teoria clássica e também para a teoria
finalista, é a ação típica, antijurídica e culpável (PRADO, 2001, p. 218-219).
A norma jurídico-penal tem a natureza imperativa e endereça-se a todos os
cidadãos genericamente considerados, por meio de mandatos (imperativo positivo) ou
proibições (imperativo negativo) previamente formulados, pois a lei penal modernamente
não contém ordem direta, como no decálogo, “não matar”, mas sim de vedação indireta, na
qual se descreve o comportamento humano como pressuposto da consequência jurídica,
verificado no artigo 121, caput, do Código Penal: “Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis)
a 20 (vinte) anos”. Além disso, o que realmente importa é o conteúdo próprio da norma, que
é sempre imperativo. Ao
97

violar uma ordem ou uma proibição, tidas como normas penais incriminadoras, surge então
para o Estado o direito de punir (jus puniendi). (PRADO, 2001, p. 93-94).
Estrutura-se a norma penal como proposição condicional, composta de dois
elementos: hipótese legal, previsão fática ou antecedente (tipo legal = modelo de conduta) e
consequência jurídica, efeito ou estatuição (sanção penal = a pena ou medida de segurança).
Quer isso dizer que é uma proposição hipotética, com afirmação de um dever-ser
condicionado pelo preceito legal, secundado pela punição (PRADO, 2001, p. 94-95).
Reponta que o imperativo jurídico é hipotético e condicional, vinculado a certo
pressuposto, como relação entre uma fato condicionante e uma consequência condicionada,
ou seja, é formado pela hipótese legal (prótase) e sua consequência jurídica (apódose), pois os
elementos integrantes da norma jurídica são conceitos de natureza abstrata (PRADO, 2001, p.
95).

3.8 O DELITO DE HOMICÍDIO

Em Roma o homicídio era considerado crime público (753 a.C.), denominado


parricidium, havido como a morte de um cidadão sui juris (paris coedes ou paris exidium)
– e não necessariamente a morte dada ao ascendente (patris occidium)1, era severamente
punido. A lei das XII tábuas (450 a.C.)2, previa a designação de Juízes especiais para
julgamento do delito de homicídio. Cumpre-se esclarecer que os escravos, não eram havidos
como pessoas, mas como coisas, de consequência, objeto material somente do crime de dano.
Pela antiga concepção germânica, o Direito era entendido como uma ordem de paz
e o delito caracterizava sua ruptura, se dava lugar à Faida, em que o agressor era entregue à
vítima ou a seus parentes para que exercessem o Direito de vingança (PRADO, 2001, p. 39).
O direito canônico, que muito contribuiu para civilizar as práticas brutais

1 A esse respeito, afirma-se que apenas ao término da república o homicídio passou a designar a morte dada a
um parte próximo (NOMMSEN, Teodoro. Derecho Penal Romano, p. 325).
2 A tábua VII (De delictis) assim dispunha: “XVII. Se alguém matou um homem livre e empregou feitiçaria e
veneno, que seja sacrificado com o último suplício. XVIII. Se alguém matou o pai ou a mãe, que se lhe
envolva a cabeça, e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio”.
98

germânicas, classificava homicídio como delicta mixta, pois violava as ordens religiosa e
laica, e o julgamento incumbia ao tribunal que primeiro tivesse conhecimento de sua prática.
Pela igreja, o homicídio era punido com as denominadas poene temporales. Foi na Idade
Média, entretanto, que passou ele a ser punido com a pena de morte, sobretudo quando
qualificado pela emboscada, envenenamento, latrocínio e assassinato. Com o período
humanitário, sobreveio tratamento mais benévolo aos acusados de homicídio comum, com a
suspensão gradativa da pena capital pela pena privativa de liberdade, cumulada com trabalhos
forçados (PRADO, 2001, p. 32-33).
As ordenações filipinas ocuparam-se do parricídio e do homicídio voluntário e
simples, do venefício, do assassino e do homicídio culposo. A este último era reservada pena
arbitrária, a critério do julgador, enquanto os demais eram punidos com a pena de morte,
frequentemente cumulada com a imposição de mutilação e confisco de bens (PRADO, 2001,
p. 34).
O Código Criminal do Império Português, de 1830, disciplinava o homicídio nos
delitos de segurança individual, considerando qualificado na hipótese de concursos de
circunstância e agravante, com emprego de veneno, incêndio ou inundação; ser ofendido o
ascendente, mestre ou superior do sujeito ativo, mediante abuso de confiança, paga ou
esperança de alguma recompensa; através de emboscada, arrombamento, entrada efetiva ou
tentativa de penetração da casa da vítima; ou, por fim, procedência de ajuste entre duas ou
mais pessoas para prática do delito. O homicídio culposo não se achava previsto entre os
dispositivos alocados no citado título, lacuna essa suprida somente com advento da lei
2.033/1871 (PRADO, 2001, p. 34).
O Código Penal de 1890, já independente o Brasil, previa o delito de homicídio
doloso, ao lado da modalidade culposa, com o aumento de circunstâncias qualificadoras. Por
fim, já em 1940, até a data hodierna, pelo Decreto Lei 2.848, de 7/12/1940, disciplinou no
artigo 121 da parte especial do Código Penal, o homicídio doloso, simples e qualificado, e o
culposo, também simples e qualificado, agregando a figura do homicídio privilegiado
(PRADO, 2001, p. 35).
Há tipicidade no delito de homicídio, se o agente pratica a conduta de matar
alguém. É, portanto, a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural,
concreto e a descrição contida na lei. Como tipo penal é composto não só de elementos
objetivos, mas também de elementos normativos e subjetivos, é
99

indispensável para a existência da tipicidade que não só o fato, objetivamente considerado,


mas também sua antijuridicidade ou contrariedade à lei, e os elementos subjetivos se
subsumam a ele como garantia de sustentação do princípio da legalidade do delito como
contrariedade ao ordenamento jurídico. No delito então, estão envolvidos o sujeito ativo, que
pratica a conduta descrita na lei, além do sujeito passivo, que é o titular do bem jurídico
lesado ou ameaçado pela conduta criminosa. Bem assim, o objeto do delito, contra o que se
dirige a conduta criminosa. Assim, na descrição do crime de homicídio, previsto no artigo 121
do Código Penal, “matar alguém”, condiciona a prática do delito por uma pessoa em
detrimento de outra, pois o ser humano é o objeto material do próprio crime (MIRABETE,
2004, p. 125-127).
Pode ser o crime doloso e culposo, segundo a sistemática do artigo 18, I e II, do
Código Penal, até mesmo para entendimento do homicídio justificável e não querido pelos
israelitas, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. No culposo,
excluída a inequívoca vontade de matar ou a assunção de tal risco, o agente é impelido à
conduta, por imprudência, negligência ou imperícia (MIRABETE, 2004, Código Penal
Comentado, p. 139-145). Equipara-se ao direito hebreu como o homicídio involuntário, onde
o agente acorria-se para as cidades de asilo, para evitar a vingança da família do falecido.
No capítulo I, do título I, da parte especial do Código Penal, Decreto Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940, trata dos crimes contra a vida, pois é o bem maior do ser humano,
garantido e protegido pela Constituição Federal, considerado fundamental em sentido
material, indispensável ao desenvolvimento da pessoa humana procedente no direito das
gentes ou direito humano no mais alto grau. Entretanto, em um direito fundamental e
absoluto, pois necessita conviver com outros, igualmente primordiais. O que é indispensável a
um Estado Democrático é a previsibilidade dos direitos supra estatais, que buscam assegurar a
construção de uma personalidade digna e feliz para os membros da sociedade, com possíveis
restrições, quando houver confronto com outros interesses do Estado, razão porque a Carta
Magna prevê a possibilidade, em tempo de guerra, de haver pena de morte (artigo 5º, XLVII,
“a”) e o Código Penal Militar estabelece as hipóteses de sua aplicação, pois entende-se, em
casos que tais, uma disciplina rígida e indeclinável, a não se tolerar traição, covardia, motim,
revolta, incitamento, quebra dos deveres militares, colocados in casu acima do bem jurídico
vida, sujeitando o infrator à pena de morte (NUCCI, 2008, p. 571).
10

Mencione-se, ainda, a autorização legal para prática do aborto quando a mulher


engravida-se por violência sexual ou corre risco de vida na gestação. De conseguinte, no
artigo 4º, l, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica), “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido
pela lei e, em geral, desde o momento da concepção” (NUCCI, 2008, p. 572).

3.8.1 Aplicação de pena pelo Estado (jus puniendi)

Enquanto a legislação mosaica antevia eventual possibilidade de consumação do


delito de homicídio, para evitar que o crente o cometesse, pelo aspecto negativo em não
realizar a conduta típica, pela fórmula negativa não matarás. No Direito legislado,
mundialmente, o núcleo do tipo é representado pelo verbo matar. A conduta incriminada
consiste em matar alguém, das mais variadas formas, seja dolosa ou culposamente, quando
ao agente compreende a realização da conduta típica, do evento morte e da lesão ao bem
jurídico protegido, inclusive pela Constituição Federal Brasileira (artigo 5º).
Admite-se, igualmente, a tentativa, quando iniciada a execução o resultado não
sobrevém por circunstâncias à vontade do agente, mas os atos preparatórios, como por
exemplo, aquisição de veneno, local adequado, preparação, são impuníveis (PRADO, 2001, p.
39-40).
Será julgado, conforme a Constituição Federal, pelo Tribunal do Júri, como
textualmente dispõe o artigo 5º, XXXVIII, como garantia fundamental e cláusula pétrea,
inamovível, como já visto, contido no artigo 60, §4º, IV, e §5º, da Carta Política de 1988.
Está previsto delito no artigo 121 no Código Penal Brasileiro, in verbis:

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena


§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
10

terço.

Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por
motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965) Pena
– detenção, de um a três anos.

Aumento de pena
§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta
de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa
de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências ato, ou
foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada
de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou
maior de 60 (sessenta) anos.

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as


consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária.

3.8.1.1 Conceito de homicídio

É a supressão da vida de um ser humano ocasionada por outro, tratando- se do


bem mais valioso que o homem possui, representa um dos crimes mais graves, cuja
reprimenda pode variar de seis a trinta anos (mínimo na forma simples até o máximo da forma
qualificada), sempre encontrou ressonância na proteção de todos os povos, mesmos os mais
primitivos, pela necessidade de tutela da ordem social. O conceito de morte, agora trazido
pela Lei 9.434/97, condiciona a ausência ou cessação da atividade encefálica, sobre as funções
circulatórias e respiratórias, ao fito de que seja possível a extração de órgãos, pois sem a
intervenção artificial da medicina, a finalização da vida seria mesmo inevitável (NUCCI,
2008, p. 573).
10

3.8.1.2 Sujeitos do delito

Por ser crime comum, pode o delito ser praticado por qualquer pessoa, excluídos
os que atentam contra a própria vida, já que o suicídio, por si mesmo é fato atípico. Como
sujeito passivo, independentemente de idade, sexo, raça, condição social, desde que seja
pessoa nascida com vida, pois a morte no ventre materno é tida como aborto, passível de
figurar como vítima do referido delito. Também configura o crime o homicídio na eliminação
da vida de seres monstruosos, moribundos, condenados a morte etc. De outra plana, a ação
pendente a matar alguém que atinge um cadáver pratica o crime impossível por impropriedade
do objeto material (ser humano vivo). Pouco importa o consentimento da vítima para prática
do delito já que a vida é tida como bem indisponível. Possível é, entretanto, a ocorrência de
homicídio privilegiado (121, §1º), por relevante valor moral quanto tratar-se de eutanásia
(MIRABETE, 2000, p. 643).

3.8.1.3 Tipo objetivo

O objeto material é a pessoa que sofre a conduta criminosa, enquanto o objeto


jurídico é o interesse protegido pela norma, isto é, a vida humana (NUCCI, 2008, p. 577).
Neste sentido, a conduta tipificada pelo homicídio, consiste em matar alguém,
eliminar a vida de um ser humano, com toda sorte e gama de meios para a sua concepção,
como desferir golpes de faca na vítima ou atirar nela (meios diretos), os dependentes de outra
causa para que o resultado seja atingido, tais como açular um cão bravio ou um doente mental
em detrimento da pessoa que se quer matar, coagir alguém ao suicídio (indiretos). Podem ser
materiais, que atingem a integridade física do indivíduo, de forma mecânica, química ou
patológica, bem como morais ou psíquicos, com o agravamento de doenças já existentes,
que eleva a morte, ou provocando-lhe reação orgânica, como o susto ou condução de um cego
ao abismo. Pode ser praticado por ação ou omissão, com nexo causal entre a conduta do
agente e a morte do ofendido, sempre com fundamento na teoria da
10

equivalência dos antecedentes, contida no artigo 13 do Código Penal Brasileiro (MIRABETE,


2000, p. 644).

3.8.1.4 Tipo subjetivo

Como elemento subjetivo do agente, impera o dolo. Consiste na vontade


inequívoca de eliminar uma vida humana (animus necandi ou occidendi), e não exige
uma finalidade específica, que poderá constituir, conforme o caso, uma circunstância
qualificadora ou uma causa de diminuição de pena. Admite-se o dolo eventual, isto é, quando
o agente não quer a morte, mas assume o risco de produzi- la (MIRABETE, 2000, p. 644).
O Direito Brasileiro adotou a teoria da vontade, contida no inciso I, do artigo 18
do Código Penal Brasileiro, referentemente ao dolo, quando o agente quer o resultado ou
assume o risco de produzi-lo. Conclui-se, assim, que a intenção é o elemento básico da
conduta dolosa, na intenção criminosa, muito embora a doutrina clássica subdivida-o, quanto
à vontade, em direto, indireto, e eventual; quanto à finalidade, em genérico e específico etc.
Para aplicação de pena, porém, nos crimes dolosos contra a vida, a única distinção será entre o
dolo direto, quando o agente quer o resultado, do dolo eventual, quando o agente assume o
risco de sua produção (MEHMERI, 2000, p. 89-91).
Admite-se, porém, a figura do homicídio culposo, previsto no artigo 121,
§3º, do CP, e artigo 302, da Lei 9.503/97, homicídio culposo por acidente de trânsito, que será
visto posteriormente.

3.8.1.5 Consumação e tentativa

Consuma-se o delito com a morte da vítima, de forma clínica, com morte cerebral
e biológica, comprovadas pelo laudo de exame do corpo de delito (laudo necroscópico). A
tentativa ocorre quando, iniciada a execução com o ataque ao bem jurídico, da vida humana,
não se verifica a ocorrência da morte, por situações
10

alheias à sua vontade, diferindo-se o elemento subjetivo do crime, para diferenciá-lo das
lesões corporais quando o evento não ocorre. Surge a chamada tentativa branca ou incruenta,
mesmo tendo alvejado a vítima mas não a atinge, deflagra disparos contra ela (MIRABETE,
2000, p. 646).

3.8.1.6 Homicídio privilegiado por relevante valor social ou moral

Descrita no §1º do artigo 121 do CP, a motivação do delito de homicídio pode


caracterizar-se como privilegiado, que nada mais é do que uma causa especial de diminuição
de pena. Tendo o agente praticado o delito por relevante valor social, que demonstra interesse
ou finalidade da vida coletiva, como humanitária e patriótica, tal como matar um traidor de
guerra, ou moral, que se refere aos interesses particulares do agente, como a piedade ou
compaixão, praticará homicídio privilegiado. A eutanásia tem sido reconhecida como
homicídio praticado por relevante valor moral (MIRABETE, 2000, p. 647).
A propósito, o Tribunal de Justiça de São Paulo, acerca do tema, posicionou-se
sobre isso, no aresto que ficou assim ementado:

O motivo de relevante valor moral, o projeto entende significar o motivo que, em si


mesmo é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o
irremediável sofrimento da vítima, quando o agente pratica o homicídio eutanásico
(MIRABETE, 2000, p. 647).

3.8.1.7 Homicídio privilegiado por violenta emoção

Diz-se privilegiado o homicídio praticado sob o domínio de violenta emoção, logo


em seguida à injusta provocação da vítima. O homicídio emocional exige portanto: a) a
existência de uma emoção absorvente; b) a provocação injusta do ofendido; c) a reação
imediata do agente. Deve a emoção ser violenta e intensa, em verdadeiro choque emocional
do agente, não bastando estar o agente sob sua influência (artigo 65, III, c, do CP)
(MIRABETE, 2000, p. 648).
A provocação deve ser injusta, contra o direito, desarrazoada, tampouco
10

delimita a lei o tempo para reação do agente, mas é necessário que não ocorra lapso temporal
para que o efeito da injusta provocação tenha cessado. Não se caracteriza a causa de redução
da pena no chamado homicídio passional e ela só poderá ocorrer se preencher os requisitos
apontados para o homicídio emocional. Já o ciúme ou vingança por abandono da pessoa
amada não constitui, só por isso, homicídio privilegiado. A redução da pena será de um sexto
a um terço, obrigatoriamente, a critério do conselho de sentenças e do Juízo prolator da
decisão (MIRABETE, 2000, p. 648).

3.8.1.8 Homicídio qualificado mediante paga e por motivo torpe

O chamado homicídio mercenário, no parágrafo 2º do artigo 121, decorre quando


o agente recebe pagamento ou promessa de recompensa, em conteúdo econômico. Segundo a
doutrina dominante, a circunstância qualificadora, que é elementar no delito, comunica-se
àquele que paga ou promete a recompensa, como pode ocorrer no concurso de pessoas,
previsto no artigo 29 do Código Penal, desde que conhecidos pelos co-autores ou participes. É
considerado crime hediondo, pela classificação disposta na Lei 8.072/90 (MIRABETE, 2000,
p. 650).
Torpeza, de seu turno, é outra motivação repugnante, desprezível, profundamente
imoral (cupidez, satisfação de lascívia etc.) a vingança pode constituir motivo torpe, que
cause repulsa segundo os valores éticos correntes (MIRABETE, 2000, p. 651).

3.8.1.9 Homicídio qualificado por motivo fútil

É aquele desarrazoado, em avantajada desproporção entre a motivação e o crime


praticado, frívolo, leviano, insignificante. Traduz o egoísmo intolerante, prepotente,
mesquinho, que vai até a insensibilidade moral, que deverá ser aferida de forma objetiva
pelos jurados e o Magistrado. Não se deve confundir motivo fútil e motivo injusto, não tendo
este, muitas vezes, o caráter de frivolidade necessário à
10

qualificação da qualificadora, tal como matar por dívida já paga, induvidosamente, caracteriza
futilidade, pois revela ter o agente sido impelido por fato desarrazoado de propósito. Diga-se o
mesmo, em mortes por mera discussão no trânsito (MIRABETE, 2000, p. 653).

3.8.1.10 Homicídio qualificado por meios insidiosos ou cruéis e causador de perigo

A insídia é a utilização fraudulenta ou clandestina, desconhecida pela vítima.


Além disso, a prática do delito com veneno, substância mineral, vegetal ou animal que
introduzida no organismo é capaz de lesar a saúde ou destruir a vida. Qualifica também o
crime a utilização de meio cruel, que sujeita a vítima a graves e inúteis sofrimentos físicos ou
morais, que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima. Especifica, também, as causações
de perigo, como a utilização do fogo, explosivo, asfixia e tortura, esta última, além de
constituir a qualificadora no homicídio, pode caracterizar, na ausência desse ilícito, crime
autônomo (Lei 9.455, de 7 de abril de 1997) (MIRABETE, 2000, p. 656).

3.8.1.11 Homicídio qualificado pelo uso de recurso que dificulta a defesa da vítima

Quando o agente se vale da boa-fé ou desprevenção do ofendido, como a traição,


que é a quebra de confiança depositada pela vítima do agente, que dela se aproveita para
matá-la, isto denuncia perfídia e deslealdade. Pode, assim, ter um aspecto moral ou material.
Já a emboscada ou tocaia, consiste na espera pelo agente, pela passagem da vítima
descuidada, com o escopo de eliminá-la. A dissimulação é o recurso de distrair a atenção do
ofendido do ataque do agente, como o disfarce. A surpresa, quando o ato homicida é
inesperado, impedindo ou dificultando a defesa, encontrando-se nesta circunstância na
cognição e vontade do agente, por isso incompatível com o dolo eventual. A simples
superioridade em forças ou em armas, também não qualifica, por si mesma, a qualificadora
(MIRABETE, 2000, p. 658-659).
10

3.8.1.12 Homicídio qualificado para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou


vantagem de outro crime

Tais formas configurariam, em tese, a torpeza, mas receberam atenção especial do


legislador, como casos de conexão teleológica ou consequencial. Ocorre a primeira, quando o
homicídio é meio para executar outro crime, tal como matar a testemunha que presenciou o
sequestro de outrem, que é finalidade última do agente. É consequencial quando praticado
para ocultar a prática de outro ilícito ou para assegurar a impunidade ou vantagem do produto,
preço ou proveito dele, tal como o agente que se livra dos comparsas para usufruir da res
furtiva (MIRABETE, 2000, p. 663).
Pode o homicídio ser praticado com duas ou mais qualificadoras e, basta uma
delas, obrigatoriamente, para que o delito adeque-se à qualificadora, com modificação do
patamar mínimo de pena, isto é, de seis a vinte anos, para doze a trinta anos. Nada impede,
tanto na doutrina quanto jurisprudência, que, havendo duas ou mais qualificadoras, uma
alterará o tipo simples para qualificado, com as demais a serem utilizadas como circunstâncias
agravantes, pois as qualificadoras do homicídio, somente neste crime, igualmente são
reproduzidas como agravantes genéricas do artigo 61 do Código Penal Brasileiro
(MIRABETE, 2000, p. 666).
Diferencia-se o homicídio do aborto, porque este só pode ocorrer quando a
conduta é exercida antes do início do parto; do infanticídio, porém, pelo fato de que neste
o sujeito passivo é o que está nascendo ou o recém-nascido e a agente é a mãe, que atua sob a
influência do estado puerperal. Também não se confunde o homicídio com lesão corporal
seguida de morte por exigir aquele o animus necandi, vontade inequívoca de matar, ao
contrário do que ocorre com este, em que está presente apenas o animus laedendi, vontade
de lesionar. De igual sentir, não se confunde com o latrocínio, pois embora haja morte, está
presente a vontade de subtrair coisa alheia móvel. Pode constituir crime militar (artigo 205 do
Decreto-Lei nº 1.004/69 – Código Penal Militar), crime político (artigos 6º e 29 da Lei
7.170/83 – Lei de Segurança Nacional) ou genocídio (artigo 1º da Lei 2.889/56)
(MIRABETE, 2000, p. 666).
10

3.8.1.13 Homicídio culposo

O artigo 121, §3º, é tido como homicídio involuntário, que produz um resultado
morte antijurídico não querido, mas previsível, ou excepcionalmente previsto, de tal modo
que podia, com a devida atenção, ser evitado. Exige sua caracterização a demonstração da
culpa, isto é, da inobservância do dever de cuidado objetivo derivado de imprudência,
imperícia ou negligência e a previsibilidade do evento, além de, como em todo crime, nexo
causal. Também na forma culposa, admite-se o homicídio por acidente de trânsito, a partir dos
artigos 291 a 312 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, especificamente no artigo 302,
que estipulou um tipo incriminador específico, alterada posterior e sucessivamente (11.705/08
e 12.760/12) agora conhecida nacionalmente como Nova Lei Seca (MIRABETE, 2000, p.
650).
Trata-se de matar com elemento subjetivo diverso do dolo, consistente na culpa,
contida no artigo 18, II, do Código Penal, conhecida como imprudência, negligência ou
imperícia, que concretiza o tipo penal incriminador do homicídio culposo, como já visto, não
mais se aplica o tipo penal do §3º do artigo 121, ao homicídio cometido na direção de veículo
automotor, especificamente culposo, pois se a conduta for dolosa, desde que o agente utilize o
veículo como arma, a figura migrará do Código de Trânsito, para o artigo 121 do Código
Penal Brasileiro (NUCCI, 2008, p. 591).
Calha acentuar, por oportuno, a descrição do homicídio culposo por delito de
trânsito:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:


Penas – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter
a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor,
a pena é aumentada de 1/3 à metade, se o agente:
I – não possuir Permissão para dirigir ou Carteira de Habilitação; II –
praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima
do acidente;
IV – no exercício de sua função ou atividade estiver conduzindo veículo de
transporte passageiro;
V – (revogado pela Lei 11.705, de 19/06/2008). (CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO)
10

Na hipótese de que o agente utilize o veículo como meio doloso para


intencionalmente matar a vítima, a figura típica migrará, evidentemente, para o artigo 121 do
Código Penal.

3.8.1.14 Homicídio culposo qualificado

É qualificado o homicídio culposo se o crime resulta de inobservância de regra


técnica de profissão, arte ou ofício. Refere-se a lei à norma de natureza técnica não
obedecida pelo agente, mesmo que não conste obrigatoriamente do regulamento da atividade
profissional (MIRABETE, 2000, p. 673).
Outros, porém, de seu turno, dispõe tratar-se de desacertada causa de aumento de
pena, pois confunde-se nitidamente, com a imperícia. Considerando-se que a imperícia é a
imprudência ou a negligência no campo técnico, a doutrina tem buscado formas para tornar
compatível o aumento do homicídio culposo cometido na modalidade de imperícia. O
legislador pretendia impedir o aumento para o profissional que descurasse de regra técnica de
uma responsabilidade objetiva inaceitável, que não deve levar a uma presunção de culpa,
tampouco para aumentar a pena (NUCCI, 2008, p. 591-593).
Já a omissão de socorro, o socorro prestado por terceiros, não procurar diminuir as
consequências e fuga da prisão em flagrante, contidos no §4º do artigo 121, cuidavam,
anteriormente dos crimes de trânsito, que agora já tem capitulação e inserção em tipificação
própria no artigo 302, da Lei 9.503/97 (NUCCI, 2008, p. 593- 595).
Há crítica contundente com a da vítima menor de 14 (quatorze) e maior de 60
(sessenta) anos, não porque privilegiam o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90) ou o do Idoso (Lei 10.741/2003), é porque a referida causa de aumento aplica-se
somente aos crimes dolosos, puramente subjetiva e que necessitam de conhecimento do
agente, repita-se mas que abrange todas as formas de homicídio doloso (simples, privilegiado
e qualificado) (NUCCI, 2008, p. 595-596).
11

3.8.2 Perdão judicial

Oriundo de clemência do Estado que deixa de aplicar a pena prevista para


determinados delitos, em hipóteses expressamente previstas em lei, onde a pena tem caráter
aflitivo, preventivo e reeducativo, não sendo cabível a sua aplicação para quem já foi punido
pela própria natureza do delito, tal como o pai que provoca a morte do filho, em virtude de
imprudência. Assim, a dor por ele experimentada é mais forte do que qualquer pena que se lhe
pudesse aplicar, por isso surge a hipótese do perdão descrita no §5º do artigo 121, do Código
Penal. O crime existiu, mas a punibilidade é afastada pelo Juiz, que pode negá-la, pois não se
trata de obrigação, mas faculdade do Magistrado, desde que o faça fundamentadamente
(NUCCI, 2008, p. 597).
Deve ser feita com prudência e cuidado para que não se transforme contra
o seu espirito, em instrumento de impunidade e, portanto, de injustiça, a considerar-se de
acordo com a prova do feito e não um direito do acusado (MIRABETE, 2000, p. 676).
11

CONCLUSÃO

As três grandes religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo –


invocam o mesmo patriarca, Abraão; veneram, porém, outro personagem bíblico: Moisés.
Pela tradição judaica, é considerado o autor da Torá ou do Pentateuco, não raro é
comum dizer “os cinco livros de Moisés”, como os livros sagrados, pois a ninguém pode
acrescentar mais ao que disse e escreveu, pois em Israel nunca mais surgiu outro profeta como
Moisés (Dt 34,10).
A tradição cristã também reserva-lhe lugar de destaque, pois é o personagem do
antigo testamento mais citado no novo testamento (Moisés 80 vezes, Abraão 73 vezes), pois
o novo testamento lhe atribui toda a lei (Mc 12,26), bem assim ter sido apresentado,
juntamente com Elias, na transfiguração de Jesus (Mt 17,1-8). O Alcorão, de seu turno, como
o novo testamento, textualiza mais situações de Moisés, do que Abraão e até de Jesus.
Com efeito, o que é dito de Javé nos cinco livros é dito também frequentemente
de Moisés, pois Javé salvou Israel do Egito, mas o texto bíblico denota que “Moisés que nos
tirou do Egito” (Ex 32,1). Javé escreveu a lei, Moisés também: “Moisés colocou por escrito
todas palavras de Javé” (Ex 24,4). A tradição acentuou que Moisés é o grande legislador de
Israel e que está ele no centro do conjunto e ocupa parte significativa de textos (a décima
parte do livro do Êxodo, todo livro do Levítico e a primeira parte do livro de Números).
Foi Moisés o redator da nova lei para incutir os fundamentos de um direito,
quando buscou o píncaros do Sinai para maturação de espírito e para o legado divino do
Decálogo, por isso sua personalidade continuará a sobreviver pelos séculos, na letra da
legislação, sob uma consagração universal, imbricada num historicismo desde o período
rudimentar da história hebraica, de seus codices veterotestamentários, aos dias atuais.
O Pentateuco é um dos códigos fundamentais da humanidade, mas é de se avultar
nos Dez Mandamentos, princípios fluentes da antiga lei até às legislações contemporâneas,
isto é, a Constituição político-religiosa do Antigo Testamento, influiu no direito que a
sucedeu até a contemporaneidade, independente de vários elementos como normas
proibitivas, pelo adultério (Dt 5,18); a usura (Dt 23,19-20); a
11

impenhorabilidade (Dt 23,6); a inviolabilidade de domicílio (Dt 24,10-11); prova testemunhal


(Dt 19,15); o falso testemunho (Dt 19,16-19); direito do trabalho (Dt 15,12-13); descanso
semanal (Dt 5,12-13; Dt 5,20); justiça (Dt 19,20); não furtarás (Dt 5,19); normas processuais
(Dt 13,14); limites de propriedade (Dt 19,14), assistência social (Dt 14,28-29); penalidades
(Dt 19,21; Dt 25,1-2); divórcio (Dt 22,15-19) etc.
Com uma das Regras Gerais de Direito, porém, como norma apodítica, não
matarás, contida no quinto mandamento, das dez palavras fluídas de YHWH, é que
estabeleceu o direito à vida e a proibição da morte, entendida extensivamente como proibição
do aborto, suicídio, eutanásia e pena de morte, proibida na grande maioria dos países
civilizados, atualmente.
Havia entre os hebreus, desde os primórdios, a distinção entre homicídio
premeditado, pelo fato de matar violentamente alguém, tido como assassinato, com morte
involuntária. As demais formas como matar na guerra, por exemplo, era tida como fato
escusativo, de caráter defensivo, pessoal ou de terceiro. Ainda assim, pela situação das
cidades de asilo ou de refúgio, somente para pessoas que haviam involuntariamente cometido
homicídio, poderiam se dirigir e obter proteção contra o direito legal de retribuição, para que
um parente próximo da vítima não pudesse matá-lo, tal como se vê em Números 35,6-7; Josué
20,7-8; 1Crônicas 6,67.
Elenca-se, conquanto, para constatação disso, os seguintes excertos legais em
Deuteronômio, litteris:

E este é o caso tocante ao homicida, que se acolhera ali para que viva:
aquele que por erro feriu o seu próximo, a quem não aborrecia dantes (Dt
19,4). (grifo não original)

Como aquele que entrar com o seu próximo no bosque para cortar lenha e,
pondo força na sua mão com o machado para cortar a árvore, o ferro
saltar do cabo e ferir o seu próximo e morrer, o tal se acolherá a uma
destas cidades e viverá (Dt 19,5). (grifo não original)

Para que o vingador do sangue não vá após o homicida, quando se


esquentar o seu coração e o alcançar, por ser comprido o caminho, e lhe tire a
vida; porque não culpado de morte, pois o não aborrecia dantes (Dt
19,6). (grifo não original)

Por fim, em contraposição ao homicídio culposo, citado nestes três últimos


adágios, é de se observar aguda retorção imediata, em razão da voluntariedade do ato de
morte cometido, nos seguintes exemplos:
11

Mas havendo alguém que aborrece seu próximo e lhe arma ciladas e se
levanta contra ele e o fere na vida, de modo que morra, e se acolhe a uma
destas cidades (Dt 19,11).
Então os anciãos de sua cidade mandarão e dali o tirarão e o
entregarão na mão do vingador do sangue, para que morra (Dt 19,12).

Com efeito, nestes dois últimos arestos, denotava-se já a figura dolosa do agente
ou autor do fato, pela inequívoca vontade de matar, animus necandi ou occidendi, em que
ordenamentos jurídicos desenvolvidos, sejam alhures ou nacionalmente, especificamente
neste último caso, no artigo 18, I, do Código Penal Brasileiro, reconheceu a teoria da
vontade, ou seja, doloso é o homicídio quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco
de produzi-lo. Embora no último caso, mais detalhadamente, impera a teoria do
assentimento, tida como dolo eventual, resumidamente quando o agente se embriaga e
atropela um cidadão e o mata, muito embora não quisesse o resultado específico, mas pelo
risco assumido, responderá pelo resultado morte (BRASIL, 2010, Código Penal).
Nos três primeiros dispositivos bíblicos citados, indubitavelmente, pela
involuntariedade ou conduta não querida pelo agente, diz-se que o crime é culposo, pois
quando deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, como prevê o
inciso II do referido artigo 18 do mesmo Estatuto repressivo.
Chega-se, pois, à ilação de hercúlea e notória distinção de condutas para o delito
de homicídio, fosse doloso ou voluntário e culposo ou involuntário, mas ambas contidas no
mandamento apodítico de não matar, pois a despeito de existir esta diferença de sentidos nos
termos hebraicos, os mesmos sempre foram traduzidos como simplesmente “matar”, não
realmente diferenciando os casos de assassinato e de homicídio acidental ou não
premeditado, mas com formas obtusas e resultados diversos, com reprimenda capital ou
possível indenização, conforme a intencionalidade do homicida, tal como se apresenta em
Êxodo 21,12-14 e Ex 21,15-
17. Calha acentuar, por oportuno, para verificação e confirmação, trasladação das referidas
citações:

Quem ferir a outro e causar a sua morte será morto. Se não lhe armou
cilada, mas Deus lhe permitiu que caísse em suas mãos eu te designarei um lugar no
qual possa se refugiar. Se alguém matar outro por astúcia, tu o arrancarás
até mesmo do meu altar, para que morra (Ex 21,12-14).

Quem ferir seu pai ou sua mãe, será morto. Quem raptar alguém e o vender,
ou for achado na sua mão, será morto. Quem amaldiçoar seu pai
11

ou sua mãe, será morto (Ex 21,15-17).

Percebe-se, de igual sentir, como característica de legítima defesa, como a


prescrição em Êxodo 22,2, caso alguém mate ladrão que for apanhado arrombando uma
casa durante o período noturno, este não será culpado de sangue. Esta norma, de
forma sintética e clarividente, obstaculariza uma causa de exclusão da ilicitude do ato
homicida, quando realizado em defesa pessoal ou de sua propriedade, sendo que, neste caso, o
homicida não será culpado do sangue, isto é, não poderá ser sancionado por seu ato, em tese,
defensivo pessoal-patrimonial.
Idêntica situação condensa o artigo 25, do Código Penal Brasileiro, in
verbis:

Art. 25 Entende-se em legitima defesa quem, usando moderadamente dos meios


necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem
(BRASIL, 2010, Código Penal).

Deflui-se, também, que a pena taliônica não se aplicava com todo o seu rigorismo
entre os hebreus, mas somente na premeditação da morte, pois no reconhecimento de casos de
involuntariedade ou culpa (negligência, imprudência e imperícia), reverter-se-ia em eventual
reparação de dano, como justa e compensatória indenização pelo prejuízo causado, a
exteriorizar-se em reparação, pois quem fere um outro homem, de modo que este fique
incapaz para o trabalho, deve compensar o tempo que ele ficou parado e assumir os
gastos com o médico, tal como prevê (Ex 21, 18-19). Uma notória e moderna evolução
daquele período que nos legou o eco temporal religioso, tida como ideia fundante do direito
veterotestamentário, para delitos menores e causação de prejuízo a terceiros, agora replicada e
ancorada nos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil Brasileiro, tida como fundamento do
Direito Obrigacional Brasileiro, ad exempli:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito (BRASIL, 2010, Código Civil).

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo (BRASIL, 2010, Código Civil).

Em sua constante palpitação, o legado religioso fundiu-se à moral do povo


hebreu e traduziu-se na impregnação do direito de seu tempo que se
11

perpetuou para adiante sem separar-se dele, como uma ação perene e vitalizante da sociedade,
em consonância com um sentido diretivo de seu passado que projetou- se para o futuro.
Rudolf Von Ihering asseverou que o Direito não exprime a verdade absoluta: a
sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim. E assim é que o direito não só pode mas
deve ser infinitamente variado. Neste ponto, porém, o ilustre jurista não cotejou o princípio
geral do direito específico no quinto mandamento do Decálogo, ou dele olvidou-se, pois
exprimiu ele a verdade absoluta da sociedade da época, animadas pelas condições morais e
culturais de então, que até hoje são validados e punidos pela sociedade de outrora e atual
(IHERING, 1950, p.51).
Tamanha sua amplitude, de proteção da vida humana, foi erigido à categorização
constitucional nos países desenvolvidos, seja no bloco consuetudinário ou romanístico-
germânico, do qual neste último o Brasil filia-se, em consonância com os direitos e garantias
individuais e coletivos, previstos no artigo 5º, caput, da Carta Magna, logo em seguida aos
princípios fundamentais da Constituição. De seu inteiro teor, merece ser transcrita a
referência:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
I – omissis...

Não há, pois, direitos novos, mas renovados, mormente pelos caminhos do
evolucionismo, com maior horizontalidade histórico-jurígena, mesmo que o legislativo social
adredemente tenha sido marcado por sacralidade e religião, foi posteriormente codificado no
Oriente e no Ocidente, a iluminar a consciência humana para um caminho compatível com a
finalidade para qual o Criador moldou o barro humano sobre a face da terra, sem desprezar os
alicerces da natureza religiosa e de seu destino de universalidade.
As legislações antigas eram firmes e sinceras, com restrições odiosas e
penalidades brutais, mas eram compatíveis com o seu tempo e é, por isso, o Decálogo, com
sua tratação franca, um corpo único, sem possibilidade de violações, em sua simplicidade,
como objeto e o conteúdo do direito contido na lei mosaica, precipuamente no quinto
mandamento, de perpetuação da vida e da liberdade.
11

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