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GOIÂNIA
2013
1
Goiânia
2013
2
CDU 2-74(043)
3
4
RESUM
A presente dissertação tem por fito aquilatar, na lei mosaica, o delito de homicídio, não sem
antes, proceder uma abordagem da história hebraica, em seu desenvolvimento, nos períodos
pré-estatal, monárquico, no exílio, pós-exílio, além da contextualização dos Códigos antigos
hebreus: Aliança, Deuteronômico e Levítico, com a intercalação e paradoxo do homicídio em
cada qual dos códices veterotestamentários. Com a descrição teofânica da história de Êxodo,
da protagonização de Moisés e seu povo, das dificuldades, revoltas, dos locais sagrados, a
entrega do decálogo a Moisés e deste ao povo hebreu, até a saída do deserto e a chegada na
terra prometida. Com explicitação de cada qual das normas ali contidas, cunhadas pelo
elemento religioso, norteia-se sobre a legislação da pena de morte e o não matar, que evoluiu
da cultura jurídica hebraica para as legislações supervenientes e atuais, pois no âmbito do
direito legislado mundial prevalece a referida proibição, porém consistente na realização de
uma ação ou omissão, na realização integral do tipo penal que redunda em pena, na hipótese
de morte do semelhante. No homicídio voluntário, hodiernamente, por ser crime doloso contra
a vida, será o acusado julgado pelo Tribunal do Júri; na ausência de dolo, pelo Juízo singular.
Contribuiu, assim, o decálogo, desde a sua divulgação, para a promulgação de leis que,
notoriamente, inibiram na gênese humana o desvalor pela vida do semelhante; sedimentou, é
certo, até a erradicação de pena capital na maioria dos países civilizados, através da evolução
histórica de cada nação.
ABSTRA
This dissertation is phyto assess, in the Mosaic law, the crime of murder, but not before, make
an approach of Hebrew history in their development, in the pre-state, monarchy in exile after
exile beyond contextualization Codes ancient Hebrews: Alliance, Deuteronomic and
Leviticus, and merge with the paradox of homicide in each of the old Testament codices. With
the description of theophanic story of Exodus, the protagonization of Moses and his people,
the difficulties, riots, the holy sites, the delivery of this Ten Commandments to Moses and
the Hebrew people to the exit and the arrival of the desert into the promised land. With
explanation of each of the standards contained therein, minted by the religious element,
circling over the legislation of the death penalty and not to kill, which evolved from hebrew
legal culture for supervening legislation and current law as legislated under the prevailing
global prohibition, but consistent in performing an action or omission, the full realization of
the kind that results in criminal penalty, in the event of death similar. In murder being
intentional crime against life, the accused will be tried by jury, in the absence of fraud, the
Court singular. Thus helped the Decalogue, since its release, for the enactment of laws that
notoriously inhibited in the genesis of human worthlessness of life by similar; cemented, it is
true, to the eradication of capital punishment in most civilized countries, through the historical
development of each nation.
LISTA DE
Amós.......................................................................................................................................Am
Antigo Testamento...................................................................................................................AT
Atos dos Apóstolos....................................................................................................................At
Coríntios................................................................................................................................Cor
Crônicas....................................................................................................................................Cr
Daniel.......................................................................................................................................Dn
Deuteronômio...........................................................................................................................Dt
Êxodo.......................................................................................................................................Ex
Gênesis.....................................................................................................................................Gn
Isaías..........................................................................................................................................Is
Jeremias.....................................................................................................................................Jr
Jó..............................................................................................................................................Jó
João...........................................................................................................................................Jo
Juízes.........................................................................................................................................Jz
Levítico....................................................................................................................................Lv
Lucas........................................................................................................................................Lc
Marcos.....................................................................................................................................Mc
Mateus......................................................................................................................................Mt
Novo Testamento....................................................................................................................NT
Números.................................................................................................................................Nm
Oséias.......................................................................................................................................Os
Reis..........................................................................................................................................Rs
Romanos.................................................................................................................................Rm
Rute..........................................................................................................................................Rt
Salmos......................................................................................................................................Sl
Samuel....................................................................................................................................Sm
7
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................................4
ABSTRACT…......................................................................................................................5
LISTA DE ABREVIATURAS.............................................................................................6
INTRODUÇÃO......................................................................................................................10
CONCLUSÃO......................................................................................................................111
REFERÊNCIAS....................................................................................................................116
10
INTRODUÇÃO
O Decálogo representa por si, no antigo testamento, normas éticas bíblicas, para
quaisquer das religiões monoteístas, como mandamentos de validade universal, que
transcendeu ao povo hebreu e foi recepcionado pela maioria dos povos.
Já no seu prólogo – com a auto-apresentação de Deus e apresentação de seu nome,
YHWH, com a sua licitude implícita na formulação “teu Deus” e a referência à retirada do
povo hebreu da escravidão – permite reconhecer, induvidosamente, a existência de uma
relação com Deus e que os referidos mandamentos foram validados nessa intrínseca relação.
Descortina-se em uma história da liberdade do Êxodo, que considera Moisés o
protagonista da Torá, que retirou seu povo do Egito, e que recebeu de Deus na montanha as
Tábuas de pedra com a lei e os mandamentos para instrução de Israel (Ex 24,2).
Êxodo atrai a atenção, pelo gesto histórico salvívico de Moisés e de Israel em sua
saída do Egito, depois pela aliança Sinaítica e, em especial, pelos Dez Mandamentos, com a
marcha pelo deserto de Êxodo a Números, até os umbrais da terra prometida. Assim, os
mandamentos têm como objetivo primário e destaque sócio-histórico e jurídico,
induvidosamente, a conservação da vida e a manutenção do ser humano em liberdade.
Moisés é apresentado como líder, profeta e legislador, que nasceu sob o signo da
ameaça e da vulnerabilidade, como o próprio Israel, é amado por Deus pelas mesmas razões
pelas quais é amado por seu povo, por ter sofrido a opressão e ser vulnerável e fraco, mas é o
símbolo do seu povo, que reconhece nele a marca do herói epônimo, pois nenhum dos dois
pode entender a si mesmo sem ter presente o outro.
Como condutor dos hebreus, imiscuiu o legado divino do decálogo e redigiu leis,
segundo a tradição, compatíveis com a massa humana em cuja consciência trabalhou para
incutir os fundamentos de um direito universal, fulcradas na Constituição político-religiosa do
velho testamento, que influíram no direito que o sucedeu quanto no direito contemporâneo.
A influência do conteúdo mosaístico denota que a pena taliônica não se
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aplicava em seu rigorismo perante os hebreus, que reconheciam casos de morte involuntária e
a legítima defesa no caso de morte na guerra, também estabeleciam cidades asilos para os
criminosos que não tinham intenção prévia de matar, a comprovar que tudo previu para o seu
tempo, legado ao povo tirado da escravidão para liberdade do estado teológico, esculpido
numa moral ética diferente de todas as civilizações antigas, mesmo aquelas de Hamurabi e
Manu.
Provocou com a norma apodítica, de formulação negativa, do quinto mandamento,
pela proibição de matar, a projeção de um direito universal que cultuou o direito dos povos,
incontestável, como defesa metodológica instaurada em ditames legais, que sedimentou sua
universalidade.
A religião, é certo, influenciou o direito que, mesmo variável, como reflexo de
cada sociedade, conservou a essência e a natureza do Decálogo, mesmo em constante
movimento, sincronizado pelos avanços sociais históricos, porque impregnado na formação
moral do homem e de seu ambiente, pode ser justo ou não, mas não se separa do homem e
tampouco sem cessar de ser direito.
Em alguns países, contudo, prosperou energicamente a forma punitiva capital, em
defesa da conservação da ordem, especificamente assolados pela miséria humana e corrupção,
ao revés de recuperar o indivíduo e não assassiná-lo em nome de uma falsa segurança
nacional que, por sede de vingança, ou mesmo pela disposição taliônica, infligir ao
delinquente sofrimento idêntico ou pior, com odiosa reprovação das organizações
internacionais de direitos humanos.
A pequena Israel, perdida entre os grandes impérios antigos e perseguida alhures e
pelas nações modernas, curva-se ante seu espírito e encampa os ideais que deu ao mundo
através da lei mosaica, transformada numa torrente legislativa que lembrará sempre o
legislador primitivo.
As legislações antigas e atuais, e sua gênese, são oriundas dessa época, em que o
antigo legislador do Monte Sinai alcançou a realidade do seu inconfundível profetismo.
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O Direito Hebraico, assim como todo e qualquer complexo jurídico estatal, teve
seu surgimento e desenvolvimento localizado temporal e espacialmente. Neste sentido, de
extrema importância mostra-se o estudo histórico dos hebreus antigos, com a finalidade de
oferecer melhores subsídios para uma real compreensão de suas normas e institutos
sóciojurígenos.
Desta forma, neste capítulo, primeiramente realizar-se-á um desenvolvimento
histórico do povo hebraico, de sua origem (1.200 a.C.) até o final exílio (520 a.C.), com uma
breve menção aos eventos históricos posteriores.
Ao depois, realizar-se-á um módico estudo teórico das principais características
de cada código de lei, aqueles presentes no Antigo Testamento, quais sejam: Código da
Aliança, Código Deuteronômico e Código da Santidade, bem como um breve intróito sobre o
Decálogo ético em Êxodo 20.
Por derradeiro, um alinhavamento sobre o delito de homicídio em cada qual dos
Códigos Veterotestamentários citados.
Entre os séculos XVI e XVII a.C. houve uma ocupação militar egípcia sobre a
região da Palestina.
cananeias. Tal grupo era composto por migrantes errantes, que eram econômica e socialmente
desamparados (bandidos à margem da sociedade) (KESSLER, 2009, p. 55). Estes já
habitavam estas montanhas durante todo este processo anteriormente citado, todavia,
posteriormente, outros povos, principalmente os camponeses cananeus, se juntaram a esta
ocupação nas montanhas.
A partir deste novo “povoamento” nas montanhas, não habitadas (ou parcialmente
habitadas pelos hapiru), vários outros grupos foram atraídos para a região, como os pastores
palestinos, os pastores de Cades, os pastores do Sinai e os trabalhadores forçados no Egito;
todos na tentativa de organizarem-se de maneira mais estável e confortável, como já havia
acontecido com os cananeus (SCHWANTES, 2008, p.12-14).
A integração destes povos se deu tal modo, “[...] a dificultar a afirmação clara do
que seria um hebreu ou um cananeu naquele período formativo” (REIMER, 2009a, p. 65).
A partir daí parece ser adequado descrever a formação de Israel na terra como um
processo evolucionário. Ele se dá diversamente em regiões diferentes em tempos
distintos. O que acontece ali na época do Ferro I paralelamente à dissolução do
sistema das cidades-estados é uma mistura de elementos do antigo sistema de
cidades-estados, de nômades criadores de gado pequeno e de hapiru e talvez
também de imigrantes do ambiente arameu (KESSLER, 2009, p. 65).
[…] a oposição de raças, israelita vs. cananeu, pode ver-se que sofreu
16
Outra hipótese, contudo, seria a de que todos os que eram chamados de “Israel”
corresponderiam a um descendente comum.
Nesta esteira de raciocínio, vários setores sociais são identificados como Israel,
principalmente, por descenderem de um descendente comum. Este “Israel”, dos tempos pré-
estatais da história hebraica, corresponde a tribos isoladas ou uma coalizão de tribos ligadas
pela descendência em comum.
Portanto, antes mesmo da “formação” de um “povo/nação israelita”, entre os
séculos XIV e XII a.C., já existia um “grupo étnico” denominado Israel, que, posteriormente,
passou a designar a um povo-nação como subdivisão técnica, com costumes, leis, tradições e
território comum.
Feitas as devidas observações, voltado ao povoamento das montanhas, todos
aqueles povos estabeleceram o tribalismo como forma de organização social. O ponto nuclear
deste novo sistema social era a família. “A família, a grande família camponesa é que controla
a terra e destina para si e, às vezes, para seus parentes, o produto dela. Já não há tributo, por
que não há exército, nem rei, nem sacerdote que necessitem do tributo para não trabalhar”
(SCHWANTES, 2008, p. 15).
Várias foram as tribos que se formaram, cada qual com trajetórias muito próprias
e específicas. Senão, veja-se:
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Ao sul temos uma tribo que vai integrando as demais, é a de Judá. No início só está
ao redor de Belém, logo se expande para o sul, incorporando a Hebron (que era
Calebita), e avança até Berseba. Esta grande Judá será muito importante para as
origens do reinado de Judá e Israel. Ao norte de Judá está outra tribo marcante, a de
Efraim. Junto com Manassés e Gileade forma algo como que semelhante á tribo de
Judá, porém diferente: em Judá tudo já foi integrado; já ao norte cada tribo manteve
a sua autonomia (SCHWANTES, 2008, p. 15-16).
[…] sob Davi, Judá efetivamente se expandiu em direção ao norte, unindo as tribos
israelitas e incluindo regiões de povoamento até então cananeu no novo estado; além
disso, colocou outros povos em dependência para com este novo estado (KESSLER,
2009, p. 85).
A onda econômica que [Salomão] começou de maneira tão corajosa chocou-se com
graves dificuldades. O desenvolvimento econômico forçado empurrou Salomão a
políticas que se contradiziam reciprocamente em rendimento decrescentes. […] Para
construir Salomão necessitava de madeira e metais do exterior, em troca dos quais
tinha mormente produtos agrícolas para oferecer. Com efeito o rei ordenava à classe
trabalhadora que executasse tarefas que se contradiziam entre si: permaneçam na
terra e produzam mais safras para exportação! Abandonem a terra e sirvam no
exército e construam cidades! Taxação e corveia irritaram a população […]
(GOTTWALD, 1988, p. 3307).
forma, como processo sucessório funcionou como estopim para a separação das tribos do
norte do reino de Judá e, neste processo, colocou sobre si uma nova monarquia
(SCHWANTES, 2008, p. 28-29). “[…] os setores que já haviam se ‘acostumado’ à
monarquia, os anciãos das tribos, gente da administração do antigo estado de Davi/Salomão,
setores do exército, e fazem de Jeroboão o rei do norte” (SCHWANTES, 2008, p. 29).
O reino do norte é caracterizado pela constante troca de dinastias, em
contraposição ao reino do sul, que é dinástico da família de Davi. Apenas com a dinastia dos
omridas houve uma estabilização do sistema de poder em Israel. Como não existia uma
estabilidade no poder, as elites agrárias não conseguiram estabelecer como dominantes tão
facilmente, sendo que, a cada reinado, era necessária uma nova coligação do rei com as elites
locais. Outra característica marcante do reino do norte, é a ideologia da libertação,
personificada na narrativa do exílio (KESSLER, 2009, p. 120-128; SCHWANTES, 2008, p.
28-36).
Com relação ao reino de Judá, percebe-se que possui como principal característica
o seu caráter dinástico, que, apesar de todas as crises, nunca se chegou a cambiar de dinastia.
Outra característica é a fraqueza na política externa, que levou este reino a, periodicamente,
pagar tributos aos egípcios e aos babilônicos. O pagamento dos tributos oferecia, em
contrapartida, relativa paz. Estes pagamentos presumem, assim, uma alta carga tributária
suportada pela população. Em razão da estabilidade dinástica do reino do sul, naquele reino
observou-se, também, uma estável e contínua elite agrária e funcional (“povos da terra”).
Existiam, efetivamente, “dinastias” de funcionários dos reis, seladas por meio de casamentos
entre os filhos do rei e a elite. Outro fator de grande importância para estabilidade da elite se
dava pelo fato de estes por possuírem uma base econômica própria, não os tornando
dependentes do “humor” do monarca. Tudo indica que os funcionários eram recrutados das
famílias dos notáveis, da elite agrária. Neste sentido, pode-se dizer que ao sul existia uma
monarquia participativa, todavia com a participação apenas das elites, não incluindo a massa
do povo (KESSLER, 2009, p. 129-136; SCHWANTES, 2008, p. 28-36).
Para Milton Schwantes (2008, p. 30-33), Judá era dinástico e Israel era
monárquico, mais ou menos golpista, em decorrência das condições geográficas e econômicas
dos dois reinos. O reino de Judá era formado por regiões bem distintas, com uma área deserta,
voltada para a produção de ovelhas e outra muito fértil, que
21
além de criar ovelhas, tinha como principal atividade econômica a produção de grãos e frutas.
Desta forma, ovelhas, cereais e frutas se complementavam. Uma região precisava da outra e,
portanto, existia um efetivo interesse das tribos em manterem- se juntas. Com relação a Israel,
cada região é mais ou menos homogênea nos seus meios de produção, havendo, assim, uma
suficiência econômica interna. Esta suficiência de cada área, provavelmente de cada região
tribal, torna a relação entre elas algo secundário, não existia, portanto, a necessidade de
escambo ou trocas. Tal situação não criou a necessidade, destarte, de uma unidade política e
econômica acima da família/tribo.
O reino de Israel perdurou até o ano de 722 a.C., quando Samaria foi anexada ao
sistema de províncias assírias. Já em relação a Judá, o mesmo se manteve autônomo até 701
a.C., quando Jerusalém foi cercada pelos assírios e quase conquistada. Após este evento o
reino de Judá persistiu, todavia, sob dominação de potências estrangeiras (SCHWANTES,
2008, p. 28-29), como adiante explanar-se-á.
A partir do ano de 740 a.C. a Palestina começou a ser dominada pelos assírios.
Entre os anos de 732 a 722 a.C. os assírios destruíram o reino de Israel e deportara grande
parte de sua população, transformando Israel em uma de suas províncias (KESSLER, 2009, p.
153; SCHWANTES, 2008, p. 37).
Não demorou muito para o reino de Judá ser alcançado. Em 701 a.C. a cidade de
Jerusalém foi cercada e quase tomada. Neste processo, outra vez, uma grande população foi
deportada (SCHWANTES, 2008, p. 37).
Depois de tomar Judá, os assírios continuam com suas conquistas. Seu alvo era o
Egito. Alcançaram-no em 671 a.C.; assim o império chega, rapidamente, à sua
expansão máxima, no caso também o seu limite. Em 640 a.C., os assírios já estavam
sem forças para manter a Palestina sob o seu controle (SCHWANTES, 2008, p. 41).
Durante este período de dominação assíria, o reino de Judá subsistiu, todavia, sob
a influência do império dominante.
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A vida sob a dominação assíria foi difícil para aqueles que entraram em contato
com os seus exércitos. Todavia, a vida tribal no interior continuava a mesma. Nos locais em
que não houve o contato direto com o exército assírio a vida deve ter se mantido mais ou
menos a mesma. Os assírios, assim como os reis locais, cobravam os tributos, mas não
exigiam escravos. Desta forma a vida continuou da mesma forma como já era antes feita pelos
próprios monarcas hebraicos (SCHWANTES, 2008, p. 39).
Logo após terminar a dominação assíria na Palestina, não houve, de imediato, uma
nova dominação estrangeira na região. Durante algum tempo houve uma disputa no poder
entre os babilônios, egípcios e, ainda, os assírios.
Durante este período de vácuo dominatório na região da Palestina, o reino de
Judá, por certo tempo (640-609 a.C.), readquiriu a sua autonomia e autodeterminação como
Estado, que teve como figura central o rei Josias (SCHWANTES, 2008, p. 49).
O que se alcança sob Josias é, pois, um pacto entre Jerusalém e Judá; este foi de
grande impacto, também para Josias, que a partir daí se lança à conquista do
norte, ao antigo Israel. Judá integra partes do norte a seu domínio. Expande-se.
Este projeto novo foi interrompido repentinamente, pois a Palestina só havia sido
liberada, provisoriamente, pelas potências imperiais para iniciativas nacionais […]
(SCHWANTES, 2008, p. 51).
A partir de 609, Judá volta a estar sob o impacto de um império. Joaquim (609-598
a.C.) foi feito rei pelos egípcios. Mas, logo depois, estes perdem o domínio
internacional para os babilônicos, em 605. Também Joaquim tem que mudar de lado.
Passa a pagar os seus tributos ao novo imperador babilônico. Por fim, já sob os
interesses do “povo da terra” suspende o pagamento do tributo. Os babilônicos
invadem Judá. Joaquim morre. Assume o seu filho Jeoaquim (597) que se entrega
aos babilônicos para evitar destruição da cidade. Ele, a corte e mais dez mil da elite
de Jerusalém
23
O tempo do domínio babilônico sobre Judá é um tempo em que aqueles que durante
a monarquia concentraram muitas propriedades agora as perdem parcial ou
totalmente. Estas terras são apropriadas por aqueles que em outros tempos as
perderam para os poderosos, mas também babilônicos e membros de outros povos se
apropriaram das terras (KESSLER, 2009, p. 160).
Nestes termos, vislumbra-se que durante o período exílico, apesar das elites terem
sido deportadas para regiões da Babilônia, onde viveram em colônias agrícolas com relativa
autonomia, subsistiram hebreus a viverem em suas terras no interior de Judá. Estes
mantiveram o projeto tribalista vivo.
1.1.4 O pós-exílio
77 e 152).
Realizado este intróito histórico, faz-se mister, agora, a análise dos três
códigos de leis contidos no Antigo Testamento (Pentateuco ou Torá), com breve síntese distal
do Código da Aliança, Código Deuteronômico e do Código da Santidade e, ao final,
igualmente, da legislação específica sobre o homicídio nas normas de cada qual dos códices
veterotestamentários.
mítica, sendo ela primeiro um mito ou um conto popular, que passou por um processo de
“crescimento hermenêutico” durante toda a trajetória deste povo (REIMER, 2009b, p. 22).
Passou primeiro, pela transmissão oral, com a inserção de ilusões e alucinações
memoriais1. Após essa fase oral, ocorre o espaço na qual acontece o diálogo das narrativas
orais e textuais com narrativas de outros povos em um processo dialético. Por fim, houve a
documentação escrita dessa tradição, em meados do primeiro milênio a.C., onde, com a
formação do estado hebraico, essa narrativa mosaica foi “manipulada” e recontada de forma a
legitimar as leis hebraicas e a sua aplicabilidade (LEITE, 2006, p. 55-56).
A narrativa da bíblia, pela aparição de Deus (Ex 19) e pela conclusão da aliança
entre Deus e o povo de Israel (Ex 24), Moisés recebe primeiro os Dez Mandamentos (Ex 20,
2-17) e depois os mandamentos do Código da Aliança (Ex 20, 22-23, 33) depois a ruptura da
aliança por causa da confecção do bezerro de ouro (Ex 32) e da intercessão de Moisés pelo
povo (Ex 33), a aliança é renovada e novamente são dadas leis para o Povo (Ex 34). Depois da
construção da tenda do encontro (Ex 35-40), são outorgadas leis sobre sacrifícios (Lv 1-7); em
seguida, instituído o sacerdócio (Lv 8) e celebrado um primeiro culto (Lv 9). Seguem outras
leis como pureza e lepra (Lv 11-15) e sobre o dia da expiação (Lv 16) bem como leis éticas e
cúlticas do Código de Santidade (Lv 17-26) e um anexo (Lv 27) seguem longas listas com
números acerca dos israelitas, de acampamento, juntamente com outras leis (Nm 1-10), os
israelitas partem do Sinai em números 10,11 (GRÜNWALDT, 2009, p. 19-20).
A partir dos elementos apresentados, evidencia-se que as normatizações hebraicas
aconteceram com o desenrolar do próprio desenvolvimento histórico deste povo, como a
seguir demonstrar-se-á com a análise de cada um dos Códigos de Leis hebraicos.
1 “As ilusões memoriais ocorrem quando uma imagem memorial é entendida com um sentido diferente
daquele que ela originalmente apresenta. [Já] as alucinações, [aparecem] quando uma imagem é tida por
memorial, mas não esta ligada a eventos passados por uma associação causal” (LEITE, 2006, p. 42).
28
O Código da Aliança, assim como todos os outros códigos da Torá, não foram
escritos nem representam normas da época em que o texto bíblico o situa, aquela época da
peregrinação pelo deserto, no tempo anterior à ocupação da terra prometida. Este código de
lei é o mais antigo corpo de leis dos hebreus (CRÜSEMANN, 2002, p. 159; GRÜNWALDT,
2009, p. 24).
A primeira evidência desta datação posterior daquela atribuída pelo próprio texto
bíblico constitui-se nas próprias leis ali descritas, que pressupõem uma sociedade
segmentária, agrária. Neste caso, o povo não poderia mais estar no Monte Sinai ou no
deserto. As leis do Código da Aliança pressupõem a posse da terra (GRÜNWALDT, 2009, p.
23). Leis sobre escravos e também o direito sobre estrangeiros, por questões lógicas, não
poderiam ser localizados no período pré- estatal (CRÜSEMANN, 2002, p. 162).
Todavia, o fato de o Código da Aliança não se ambientar na época da
peregrinação no deserto não é suficiente para delimitar a sua datação histórica, que, por Frank
Crüsemann (2002, p. 278), o Código da Aliança deve ter surgido no final do século VIII ou
no início do século VII a.C. tendo em vista todo o seu conteúdo.
Ainda de acordo com o referido estudioso, o Código da Aliança é uma
“reelaboração”, por parte dos hebreus, da catástrofe do Reino do Norte. Aglutinou-se a
herança teológica do reino de Israel e as consolidadas regras de adoração exclusiva de Deus
de Israel juntamente com o livro jurídico de Jerusalém, também chamado de mishpatim
(maiores explicações adiante). Incorpora-se ao todo, ainda, a crítica social dos profetas do
Reino do Sul. Todos estes elementos reunidos formam o Código da Aliança e a estrutura
básica da Torá (CRÜSEMANN, 2002, p. 278).
Com os conteúdos centrais apresentados no Código da Aliança, observa- se que a
datação mais provável seja, efetivamente, apenas no final do reino do Sul, uma vez que em
épocas anteriores não se pode verificar as condições históricas necessárias para que o referido
Código tenha correspondência com a realidade.
Dentre os conteúdos principais do Código da Aliança, possuem grande relevância
no corpo do código os chamados mishpatim.
29
Os mishpatim continuam a ter validade, mas eles são corrigidos pelo direito de
talião, pelas prescrições para a proteção de estrangeiros, pobres, viúvas e órfãos, e
pelas prescrições para a proteção de animais. Isso de modo algum irrelevante para a
compreensão dos mishpatim. Sua interpretação e aplicação, para entender a sua
intenção, devem ser orientadas por essas sentenças corretivas. Dito de forma mais
genérica, podemos dizer que as determinações de proteção social se relacionam com
os mishpatim assim como os direitos humanos se relacionam hoje em dia com o
direito positivo vigente na atualidade: eles são “metanormas” e instância crítica
(CRÜSEMANN, 2001, p. 275-276).
profanos também são normatizados, como a perda de um objeto sob depósito de outrem, a
admoestações de não oprimir os fracos, assim como delitos merecedores de pena capital
(GRÜNWALDT, 2009, p. 22-23).
Ao constatar que se tratava de uma sociedade agrária e sedentária, denota-se que o
povo já não mais está no Monte Sinai ou no deserto, porque já se estabeleceram em terra, para
o trabalho agrícola (Ex 22, 4-5) e pecuário (Ex 21, 28; Ex 22, 3), constrói casas (Ex 22, 6) e
altares (Ex 20, 24-26); já há os primeiros princípios de próspera economia (Ex 22, 24), e a
sociedade é distintamente escalonada com escravos (Ex 21, 2-11; Ex 26-27 etc.) e pessoas
empobrecidas (Ex 22, 24-26). Chama a atenção que a situação política da monarquia é
superficialmente citada (Ex 22, 27).
O mesmo autor situa a tradição de costumes de uma vida pacata e familiar, pois a
convivência entre eles era de uma grande proximidade, pois em caso de eventual viagem,
guardava-lhe o vizinho o dinheiro, objetos e animais (Ex 22,6; Ex 22,9). Viviam a vida no
ritmo das estações e das festas, anualmente (Ex 23,14), mas a vida não era tão tranquila, pois
os escravos eram maltratados (Ex 21,20; Ex 26-27); os estrangeiros eram explorados (Ex
23,9); o direito dos pobres era negado (Ex 23,11; Ex 23,6); havia a usura (Ex 22,24-25);
venda de pessoas como escravos (Ex 21,5) e escravas (Ex 21,7); sequestro de pessoas (Ex
21,16); roubos e assaltos (Ex 22,1-3); brigas por causa de mulher (Ex 21,22), também por
causa do gado (Ex 21,28-36), além da destruição da colheita pelo fogo (Ex 22,5), ciladas (Ex
21,13) e assassinatos (Ex 21,12) (GRÜNWALDT, 2009, p. 40-43).
As instituições da época não defendiam os desfavorecidos, pois no Tribunal havia
falso testemunho (Ex 23,1), pressão da maioria (Ex 23,2), desvio do direito do pobre (Ex
23,2-3.6), acusações falsas (Ex 23,7) e suborno (23,8); na família havia o desrespeito à
autoridade dos pais (Ex 21,15.17); havia o direito de asilo, mas havia assassinos abusando de
tal direito (Ex 21,13-14), tudo para explorar os pobres (Ex 22,24; Ex 25-26) (MESTERS,
2011, p. 40-43).
Até na religião havia confusão, em razão de confecção de deuses de ouro e de
prata (Ex 20,23; Ex 22,19), cujos nomes eram invocados (Ex 23,13); ao lado dos
santuários antigos onde a memória do povo lembrava as manifestações de Javé (Ex 20,24),
onde três vezes ao ano, nas suas festas, faziam grande romaria (Ex 23,14-17), mas também
havia pessoas que frequentavam feitiçarias (Ex 22,17) e praticavam ritos estranhos de
relações sexuais com animais (Ex 22,18). Rotunda
32
escravos e às normas protetoras dos socialmente fracos (pobres, viúvas, estrangeiros, órfãos,
levitas). É evidente que existe uma complementação e uma ampliação das normas contidas no
Código da Aliança. Klaus Grünwaldt (2009, p. 31) dispõe que algumas leis são evidentemente
complementação de leis do Código da Aliança, como:
1) No Código da Aliança, cada local de culto que YHWH escolhe para si ainda é
considerado um local permitido (Ex 20, 24-26) o Código Deuteronômico elucida
que há somente um lugar (Dt 12).
2) A lei sobre escravos do Código de Aliança (Ex 21, 2-11) regula as condições
para alforria e a entrega deliberada como escravo, já Deuteronômico (Dt 15, 12-18)
contem regras sobre os presentes que o escravo deve receber juntamente com a
alforria, e essas leis são também justificadas.
3) O calendário das festas no Código Deuteronômico é muito mais detalhado do
que no Código da Aliança (Ex 23, 14-19).
Como na ficção histórica de Moisés se dirige aos que foram libertos pelo êxodo e
lhes dá leis para a época depois da posse iminente da terra, a lei, no momento em
que surgiu, está dirigida somente àqueles que são qualificados pela liberdade
pessoal e pela posse da terra, ou seja, pelas grandes dádivas de Deus
(CRÜSEMANN, 2002, p. 310).
bênção divina.
O Código Deuteronômico pode até dizer, de modo muito aguçado, que bênção
existe somente quando o camponês livre dá o suficiente aos pobres na terra -
estrangeiros, órfãos e viúvas (14,28 ss). Em sua orientação social e sua busca por
uma sociedade justa de homens iguais, o Código Deuteronômico acolhe uma
preocupação central da profecia veterotestamentária (GRÜNWALDT, 2009, p. 33).
razão pela qual estas normas também são chamadas de “Direito de Privilégio”; 2)
Deuteronômio 16,18-18,22, contêm normas sobre cargos existentes em Israel e 3)
Deuteronômio 19-25, que abrigam sentenças legais propriamente ditas.
Jacques Briend, contudo, suscita que o código é uma reflexão sobre a infidelidade
de Israel, que levou ao desaparecimento do reino do Norte, que poderia ser lido como
asseguramento da salvação do povo, se a ele tivesse obedecido. Isto é uma explicação post
factum que permite compreender uma situação presente, também tida como reflexão
teológica sobre aquilo que deveria ter sido feito para corresponder à vontade de Deus, na
fidelidade de Moisés, que propõe um ideal de comunidade fraterna, mas que já veio tarde,
pela perda do reino do norte, senão como explicaria o uso do termo irmão 25 (vinte e cinco)
vezes no referido código? (Ex 21,26 e Dt 24,7). Conclui-se, portanto, que proveio de Israel do
Norte (BRIEND, 2012, p. 55).
Ponto alto do Código encontra-se nas leis sobre os sacerdotes (Lv 21-22). Levítico
18-20 encontra-se um bloco de normas sobre a família e a sexualidade. Nos capítulos 23 e 25
encontram-se mandamentos código as épocas sagradas (Lv 23; 25), estes emolduram o
capítulo 24, que trata principalmente da blasfêmia e da fórmula de Talião (GRÜNWALDT,
2009, p. 34). Este código apresenta os seguintes
38
conteúdos:
Código da Aliança (Ex 20,3-17) e no Código Deuteronômico (Dt 5,7-21), denotar ideia
de que qualquer espécie de homicídio para os hebreus antigos era totalmente vedada e
proibida (“Não Matarás!”), é evidente que tal conclusão não é singularmente adequada.
CRÜSEMANN (2006, p. 54-57), aponta que “Não Matar!” do quinto mandamento
do decálogo é concernente apenas ao homicídio ilegal e arbitrário. Neste caso, matar em
guerra ou na aplicação das penas capitais não pode ser considerado como contra o
mandamento divino de “não matar”.
Nomeadamente, ainda com o referido autor, o verbo hebraico antigo “rsh” foi para
o português traduzido como “matar”. Todavia, explica ele que “rsh” teria mais o significado
de “matar violentamente uma pessoa”, seja no cometimento de um homicídio como das
relações daí advindas como, por exemplo, a própria pena capital decorrente do assassinato.
Mesmo em guerra, caso ocorra uma morte violenta, tal ato não se enquadrará no conceito de
“matar” penalizado e proibido pelo decálogo, uma vez que voltada para ações não
consideradas ou tidas como ilícitas (CRÜSEMMAN, 2006, p. 56).
Sequencialmente, analisar-se-á as normas específicas de cada um dos Códigos do
Antigo Testamento.
seja, não poderá ser sancionado por seu ato, em tese, defensivo patrimonial.
Por fim, a questão do homicídio cometido contra escravos, que, de maneira
intuitiva, encontra-se uma situação jurídica de sujeição e inferioridade, a demonstrar que o
escravo era objeto e não sujeito de obrigações e direito. Em Ex 21,20-21, lê-se:
20 se alguém ferir com vara o seu escravo ou a sua escrava, e o ferido morrer
debaixo de sua mão, será vingado;
21 porém se ele sobreviver por um ou dois dias, não será punido, porque é dinheiro
seu.
A partir desta nova conjuntura política e social, há uma reformulação daquilo que
está contido no Código da Aliança em Ex 21,13. A nova norma, prevista em Dt 19,3-4,
determina que o território de Israel seja dividido em 3 (três) partes iguais e que, em cada qual,
seja escolhida uma cidade que será uma cidade refúgio. Nestas cidades os homicidas não
poderão ser mortos pelos seus vingadores de sangue, os parentes de suas vítimas.
Já em Dt 19,11-12, encontra-se a mesma determinação contida em Ex 21,14,
que determina que o homicida que o pratica intencionalmente, apenas, seja punido. Tal
encargo, entretanto, deve ser cumprido pela autoridade da cidade, que deve entregar o
homicida ao familiar responsável para execução da vingança privada.
aliança e na lei, no Monte Sinai; 4) a longa jornada pelo deserto; 5) a entrada em Canaã.
Dois desses cinco temas são tratados extensivamente nele, que se reponta ao
primeiro tema e se projeta para o último.
A chamada de Moisés ao Monte Sinai representa a revelação e o cumprimento das
promessas de Deus feitas aos patriarcas de Israel. O Êxodo termina com a promessa da
direção divina até que Canaã seja alcançada. Partindo do exposto, observando o livro do
Êxodo no conjunto do Pentateuco, pode-se dizer que ele representa o cerne de toda a
revelação do Pentateuco, pois de todos os livros de leis são ali transmitidas e o cumprimento
da lei divina, para os hebreus, representa a fonte primária das bênçãos de Deus (COLE, 1963,
p. 12-13).
Em tempos idos, emblematicamente, considerava-se que o próprio Moisés havia
escrito o livro de Êxodo, na mesma forma hodierna, com exceção de alguns versículos
escritos por Josué após a morte de Moisés. Ao fim do século XIX, porém, a análise critica da
Bíblia, como Spinoza, indicará que o Êxodo, na verdade, é composto por um mosaico de
documentos elaborados em datas diversas, todas posteriores à suposta época em que viveu
Moisés, a colocar em dúvida a sua historicidade. Todavia, recentemente, alguns eruditos
alemães apresentaram a tese da história da tradição, na tentativa de determinar as possíveis
épocas em que tais relatos foram redigidos na sua forma atual (COLE, 1963, p. 13-14).
A estada de Moisés e dos israelitas no Sinai abrange as narrativas bíblicas de
Êxodo 19 até Números 10,10. Existe, porém, outro lugar onde os mandamentos são
comunicados: o Deuteronômio, principalmente os capítulos 12-26, com a transmissão de
novas normas jurídicas por Moisés dirigidos ao povo de Israel antes da travessia da fronteira
da Terra Santa.
A pesquisa bíblica, tanto a realizada pelos cristãos como pelos judeus, acreditava
que Moisés tivesse, efetivamente, escrito o Pentateuco (Mc 12, 19; 12-26; Jo 1, 17; Jo 7, 22-
23). Porém, nos tempos modernos tal perspectiva mudou. Como exemplo, pode-se citar o
erudito judeu holandês Baruc Spinoza (1.632-1.637), que percebeu que trechos no Pentateuco
foram escritos em tempos posteriores à vida de Moisés, o que e desestabilizou a tese da
autoria mosaica do Pentateuco (GRÜNWALDT, 2009, p. 20).
A partir de então, a análise da crítica dos textos bíblicos não foi mais detida.
Dentre estes críticos, foi do teólogo Wilhelm Martin Leberecht de Wette, que
46
deserto, com fome, sede, transpondo contradições e rebeliões, conflitos internos e externos
que sedimentaram a história do povo israelita (LÓPEZ, 1998, p. 42).
A travessia do mar vermelho foi a passagem da escravidão para liberdade (Ex 14-
15). Todavia esse fato condensa um significado maior: a libertação de um grupo que queria
tornar-se povo, com a presença do Deus libertador, que derrota o opressor, para que seu povo
possa atravessar para a liberdade. A maior dificuldade do oprimido é exatamente começar a
vida em liberdade, pois em algumas vezes preferira acomodar-se na escravidão a enfrentar as
vicissitudes, como fome e sede, com revolta aos seus líderes, com vícios do antigo opressor
(Ex 16).
Outros autores, como o Professor Valmor da Silva, dispõe que o livro de Êxodo
traz nuances curiosas e interessantes, como uma marcha popular dos filhos de Israel, mas não
uma transposição milagrosa, mas que sofreu uma perseguição por parte dos egípcios, com
uma intervenção miraculosa divina, pode até ter decorrido um desentendimento no comando
do faraó, pois a narrativa bíblica não consiste em historizar um fato tribal, ao revés uma
transmissão de testemunho de fé. Declinou, também, a existência de outros grupos tribais,
também em libertação, como o grupo abraâmico, que assumiram a mesma história e
comemoraram juntos uma tradição tribal (p. 24). “Enfim, muitos êxodos estão na origem
histórica de Israel. Vários grupos viveram a libertação. Muitas experiências animaram sua
vida” (DA SILVA, 2004, p. 29).
Tais fatos, entretanto, não afetam o tema teológico central, basta que se saiba que
os israelitas criaram a narrativa da tradição e que tal evento realmente sucedeu, como ato
redentor de Deus a eclipsar todos os demais, até mesmo a criação de Israel, como adiante se
verá.
cumprida, sob alto preço, tanto é que o Faraó, temeroso pela segurança da nação, reduziu os
Hebreus à condição de escravos e os fez trabalhar em vários projetos de construção no delta,
especialmente nas cidades de Pitom e Ramsés. Quando a estratagema para limitação de prole
falhou (1,15-21), decretou que os recém- nascidos hebreus do sexo masculino fossem
afogados no rio Nilo (LASOR, 1999, p. 69-70).
Na situação acima descrita nasceu Moisés, que para não ser morto pelos Egípcios,
foi escondido por sua mãe em um cesto colocado nas águas do Nilo. Posteriormente, a filha
do Faraó o encontrou e o adotou. A irmã de Moisés que cuidava da cesta à distância, viu a
filha do Faraó resgatar o irmão, tendo se aproximado da princesa, conseguindo que sua
própria mãe fosse sua empregada, como ama. Sem maiores detalhes, Moisés cresceu na Corte
Egípcia, educado pela realeza (cf. At 7,22). Evidentemente aprendeu a ler e escrever, o
manejo de armas e sobre administração pública e privada, cujas habilidades o capacitavam
para postos de confiança e responsabilidade daquele império (LASOR, 1999, p. 70-71).
Moisés foi assim nomeado porque foi tirado das águas (Ex 2,10) que em hebraico,
Mõshehe, proveniente do verbo mãshâ, significa “tirar”. Para alguns estudiosos o nome
Moisés é um nome egípcio, relacionado com os nomes dos Faraós da XVIII Dinastia, tais
como Tutmés ou Amósis, associadas pela semelhança sonora. Moisés, quando citado outra
vez já era adulto. Em um dia qualquer, ao ver um Hebreu ser espancado, foi em defesa deste e
matou o opressor Egípcio, o que denota que, evidentemente, tinha ele consciência de sua
origem e raça, como adiante destacar-se-á. Por isso fugiu do Egito e refugiou-se em Midiã, e
ali se estabeleceu com o Sacerdote Jetro, e casou-se com sua filha Zípora, que lhe deu dois
filhos, até a morte do Faraó (Ex 2,23-25) (LASOR, 1999, p. 71).
Quando pastoreava as ovelhas de Jetro perto de Horeb, o monte de Deus, Moisés
teve uma visão em que uma sarça ardia, mas não se consumia (Ex 3,2). Ao se aproximar, foi
abordado por Deus que se apresentou: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus
de Isaque e Deus de Jacó” (v. 6a). Soube ali quem estava a lhe falar e escondeu o rosto,
“porque temeu olhar para Deus” (v. 6b). Depois de declarar a intenção de livramento do povo
de seu julgo (v. 7-9), Deus comissionou seu mensageiro: “Vem, agora, e eu te enviarei ao
Faraó, para que tires o meu povo, os filhos de Israel do Egito” (v. 10). O pastor, então, tornou-
se libertador, pois o chamado foi tão nunciativo que Moisés levantou uma série de dúvidas
e objeções,
49
replicadas pacientemente por Deus (Ex 3,11; Ex 4,17) (LASOR, 1999, p. 71).
É necessário entender que naquele tempo o nome estava relacionado com a
essência da pessoa e expressava seu caráter. A importância do nome de Deus pode ser vista
em 33.18s. Ali, Moisés pede para ver a glória de Deus, quando Deus passa por Moisés e
manifesta sua glória (v. 22s.), ele proclama seu nome, salientando sua graça e misericórdia
(Ex 34,5-7) (LASOR, 1999, p. 72).
A resposta de Deus, em geral traduzida “Eu sou o que Sou”, parece evasiva, mas
tendo em vista Ex 33,19, significa “Sou de fato aquele que é misericordioso e mostra
compaixão”. Tal declaração não é filosófica, possui antes um sentido prático, com forte
apoio no fato do povo de Israel necessitar da presença poderosa de Deus para superar
conflitiva situação desesperadora. Ao revelar seu nome pessoal, Deus tornou-se acessível a
seu povo em comunhão e em poder salvador, pelo tetagrama YHWH. A dificuldade de
traduzir tal nome, associada ao respeito pela comunidade judaica, substituindo-o por Senhor
(geralmente em versal- versalete, para distingui-la do hebraico comum adõnay, “senhor”)
(LASOR, 1999, p. 72).
Moisés mesmo depois da revelação do nome de Deus, levantou objeções contra
seu chamado. Em Ex 4,1ss. alegou não ser eloquente, mas pesado de boca e língua. Deus
replicou uma promessa de estar com sua boca, ensinando-lhe o que falar, mantendo-se firme,
obrigando Moisés a se decidir. Este expressou sua recusa no pedido desesperado de que Deus
enviasse outra pessoa (v. 13). Ainda assim, Deus não desistiu de seu mensageiro teimoso,
fazendo-lhe uma concessão: Arão foi comissionado como porta-voz de Moisés. Assim Moisés
desempenharia o papel de Deus e, Arão, seu profeta (v. Ex 14-16; Ex 7,1-2).
Atendendo, finalmente, ao chamado de Deus, Moisés foi comissionado à maneira
característica dos profetas. Embora a profecia só se tenha desenvolvido plenamente no
período da monarquia, sua forma emergiu na íntegra, no chamado, na comissão e na tarefa
de Moisés, profeta de Deus por excelência (Dt 18,15-20; Os 12,13) (LASOR, 1999, p. 73).
O texto bíblico nada diz sobre os anos passados na corte real nem sobre a
educação de Moisés, apenas em Ex 11,3, singulariza que era muito estimado no Egito. Em At
7,22 está preconizado que Moisés foi iniciado em toda a sabedoria dos egípcios e era
poderoso no falar e em agir.
O único evento que a Bíblia conservou sobre a juventude de Moisés é
50
uma história de assassinatos e matanças. Curiosamente, todo herói popular deve matar para
ser herói. Sansão mata os filisteus (Jz 16,22-31); Davi mata o gigante Golias (1Sm 17) e Elias
os 450 profetas de Baal (1Rs 18,16-40). Tal proeza não surtiu o efeito desejado, pois não
escondeu seu crime, e o herói foge por ser considerado um bandido, tanto pelos hebreus
quanto para os egípcios. Nesta situação resta-lhe somente o deserto, que o seu povo também
se refugiará mais tarde. De fato, a vida de Moisés está intimamente ligada ao destino de seu
povo (VOGELS, 2003, p. 80).
A tradição acentuou claramente que Moisés foi e é o grande legislador de Israel
(Ex 19,1; Nm 10,10). Esse aspecto está no centro do conjunto e ocupa uma gama muito
significativa de textos. O Sinai se situa entre o Egito, o país da escravidão, e Canaã, a terra
prometida. Moisés não é apenas o libertador de seu povo (Ex 5,1; 15,21), mas também o
conquistador da Transjordânia (Nm 20,14; 36,13), onde parte do seu povo se estabeleceu.
Para ir do Egito ao Sinai, guiou seu povo pelo deserto até a fronteira da terra prometida
durante quarenta anos (Ex 15,22; Nm 10,11). Verdadeiramente era um homem de Deus (Ex
2,23; 4,31), mas era um homem falível e pecador (Nm 20,1-13), como herói do povo hebreu,
a tradição israelita recorreu a relatos legendários para descrever o início (Ex 1,1; 2,22) e
também a sua morte, em Deteuronômio (VOGELS, 2003, p. 277-278).
Um aspecto importante da vida de Moisés é a sua relação hesitante com Deus,
sobretudo como reage ao chamado de Javé, em uma série de perguntas e verdadeiras súplicas,
com objeções, a dirigir acusações contra Deus (Ex 5,22-23). Ao aceitar, porém, sua missão,
demonstra uma relação excepcional com Javé e uma obediência notável, tanto é que sua face
se torna resplandecente (Ex 34,29), que não o impede de se tornar objeto da ira divina (Ex
4,14).
O texto bíblico em Números 27,12-14; 31,1, preconizou que Moisés não poderia
entrar na terra prometida por seu pecado e sua exclusão, não só por causa dele, mas pelos
pecados do seu povo (Ex 32,32-33). Moisés se identificou com os pecados de seu povo (Ex
34,9), como o servo sofredor (Is 53,4,6) . O livro de Deuteronômio, e todo o Pentateuco,
conclui-se com o relatório da morte de Moisés (Dt 34, 1-10) (VOGELS, 2003, p. 270-271).
51
involuntariedade do homicídio praticado por Moisés, pois texto bíblico usa o mesmo verbo,
bater, para o egípcio que maltratou o hebreu. O resto do versículo confirma que o feriu até a
morte. Assassinato é vingado por outro assassinato, em referência à Lei de Talião (Ex 21,23-
25). Por outro lado, Deus havia prometido a Caim, o assassino, que o protegeria contra
qualquer pessoa que o quisesse matar (Gn 4,15). Depois de ter matado o egípcio, Moisés o
enterrou na areia. Aquele que havia sido escondido por sua mãe para escapar da morte (2,2-3),
agora esconde sua própria vítima (VOGELS, 2003, p. 76-77).
proporções é análoga à de Abraão (mesmo verbo de Gn 22,1) porque Deus quer testar a
fidelidade de seu povo comunicando-lhe sua palavra” (BRIEND, 2012, p. 41- 42).
2.3 O DECÁLOGO
Em Ex 20,2-17, o Decálogo não está no seu contexto primitivo uma vez que está
inserido no meio da inscrição da teofania. Isso não significa que o texto não seja antigo, pois
seu estilo na segunda pessoa do singular e suas analogias com alguns textos do II milênio
falam em favor de sua antiguidade. Ele é conhecido dos profetas Oseias (4,2) e Jeremias (7,8),
que interpela o homem respeito suas atitudes para com Deus e o próximo, que são
indissociáveis. O decálogo moral é o cerne da legislação israelita (BRIEND, 2012, p. 44).
Trata-se o decálogo, conquanto, de um texto complexo, tematicamente
diferenciado de fórmulas construídas com a negação, em doze fórmulas negativas, e com duas
afirmativas, no imperativo, que se encontram no centro do decálogo. Todas juntas, forma
quatorze imperativos como coluna mestra do texto, a conferir- lhe um rigor formal e um
princípio de estruturação. Soam da seguinte forma:
Eu sou Javé teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão.
Não terás outros deuses diante de mim.
Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá
em cima, nos céus, ou em baixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra.
Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás, porque eu, Javé teu Deus,
sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até terceira e
quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima
geração para aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.
Não pronunciarás em vão o nome de Javé teu Deus, porque Javé não deixará impune
aquele que pronunciar em vão o seu nome.
Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias, e fará
toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado de Javé teu Deus. Não farás
nenhum trabalho, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua
escrava, nem teu animal, nem o estrangeiro que está em tuas portas. Porque em seis
dias Javé fez o céu, a terra e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia,
por isso Javé abençoou o dia de sábado e o santificou.
Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que Javé teu
Deus te dá.
Não matarás. Não cometerás adultério. Não roubarás.
Não apresentarás um falso testemunho contra o teu próximo.
Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua mulher, nem o seu
escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma
que pertença a teu próximo.
Pela situação do povo oprimido no Egito, por seu clamor, Deus quis libertá-los,
pois o faraó mantinha a verdade como prisioneira da injustiça (Rm 1,18) e trocou a glória de
Deus incorruptível por imagens do homem corruptível e de animais (Rm 1,23). O primeiro
mandamento, portanto, não trata apenas de imagens de adoração, mas da libertação do povo
oprimido, para destruir as causas de seu sofrimento, que utiliza a imagem de Deus para
manutenção da injustiça, desordem, mentira, corrupção, praticadas sob a proteção divina
(MESTERS, 2012, p. 17).
O segundo Mandamento completa o primeiro e lhe dá maior ênfase, pois em nome
da divindade fazia-se guerras de conquistas, com subtração de suas riquezas, pois com
invocação do nome dos deuses encobria-se as inverdades e explorações. No momento que
Deus assumiu a luta contra os falsos deuses, esclareceu o sentido do seu Nome (Ex 3,13-15).
É o nome libertador, que revela o compromisso de aprender ao clamor do povo, por sua
libertação (Sl 23,3; Sl 91,14) (MESTERS, 2012, p. 26).
Trata o terceiro Mandamento do dia de descanso, com o fito de impedir
57
que a escravidão voltasse a oprimir povo, pois quando no período da opressão, estes
deveriam trabalhar e produzir, sem descanso (Ex 5,7-8), tampouco podiam celebrar e fazer
festa (Ex 51,1-5), para enriquecimento do poder tirano, sob um jugo extenuante e sem
descanso algum (Lm 5,5). Para criação de uma nova mentalidade, para não mais explorar o
trabalho do irmão, para tomar alento (Ex 23,12; Dt 5,14) para lembrar o porquê do sábado,
para lembrar as maravilhas que Javé realizou pelo povo no passado, da libertação do Egito
(5,15). A palavra sábado, hebraica, quer dizer sétimo, o dia do descanso, para os judeus. Para
os árabes, a sexta feira; para os cristãos, o domingo. Pouco importa, pois é de se pensar
apenas no sentido do trabalho, para celebrar a esperança da libertação com os irmãos
(MESTERS, 2012, p. 33-34).
Os três primeiros Mandamentos, destarte, buscam revelar o rosto de Javé, de sua
vontade e inspiração. Nos mandamentos de quatro a dez, descrevem a organização do povo,
como sinal vivo do Deus libertador, isto é, a fé em Deus nos três primeiros mandamentos,
com a organização da sociedade nos demais, não são dissociadas, defendem as instituições e
os valores que permitem criar novo tipo de organização pela face divina (MESTERS, 2012, p.
35-37).
Qualquer questionamento questionaria tudo aquilo que nela se baseia, pois é a
partir do prólogo – com a auto-apresentação de Deus e apresentação de seu nome, YHWH,
com a sua licitude implícita na formulação “teu Deus” e a referência à retirada do povo
hebreu da escravidão – e sua interligação com os demais mandamentos, é que reside o ponto
nodal para os conceitos de moralidade e justiça, dos primórdios daquela nação, até a data
atual (CRÜSEMANN, 2006, p. 34).
Pela congregação familiar, o quarto mandamento inclui uma promessa para família
e a comunidade, não só aos pais, mas também aos antigos patriarcas e anciãos - honrar pai e
mãe - especialmente com transmissores de ensinamentos e tradições religiosas, além de cuidar
dos pais em idade avançada. A base do mandamento é o respeito pela autoridade dos chefes
do clã, pelo respeito da família e da comunidade, para controlar os abusos de poder por parte
dos seus superiores, obrigado a prestar contas à população (MESTERS, 2012, p. 40-42).
Pela defesa do direito à vida, o quinto mandamento dirige-se à comunidade que se
formou no deserto, para evitar matar como ocorreu outrora, no Egito, pois até Moisés matou
um fiscal egípcio e fugiu (Ex 2,15). O sistema do faraó
58
não respeitava a população e matava quem fosse contrária a seus interesses, como exemplo
temos a morte das crianças recém-nascidas dos israelitas (Ex 1,10-16). A preocupação em
manter o domínio sobre os povos vizinhos levou o faraó a criar um exercito forte para
esmagar as revoltas dos povos por eles dominados (Ex 14,9). Como maior dom de Deus, um
atentado contra a vida é o atentado contra Deus, tal como em Êxodo 21,12 e Gênesis 9,6.
Existem nações, no mundo atual, que aboliram a pena de morte, mas a organização
delas continua a matar pela fome, desemprego e grupos de extermínio, com defesa dos
interesses dos poderosos, que ainda transgridem, é certo, o referido mandamento (MESTERS,
2012, p. 48-50).
Será tratado, pois, pelo ponto nodal da dissertação, em tópico próprio.
A proibição do sexto mandamento, em não adulterar, é delimitada por um contexto
social no qual as mulheres não estavam no mesmo plano de igualdade que os homens.
Mediante tal proibição, protegia-se o direito exclusivo de todo marido sobre sua mulher,
muito embora o marido só seria adultero se mantivesse relações sexuais com outra mulher
casada que não fosse a sua (LÓPEZ, 1998, p.71).
O mandamento visa a igualdade fundamental entre homem e mulher, no qual
ambos revelam-se a semelhança com Deus, não somente como redução da prática de
sexualidade com outras pessoas (MESTERS, 2012, p. 53-55).
Referentemente ao sétimo mandamento, “não furtarás” (Ex 20,15 e Ex
5,19), com ele proíbe-se qualquer tipo de subtração de objetos, com ou sem violência, de
pessoas, animais e coisas, de forma que a sociedade não se baseie em uma organização que
legitima a espoliação do povo pela lei, de forma que uma parte não se locupletasse de outra,
sem acumulação de bens da mão de poucos, tal como o maná enviado por Deus ao seu povo
(Ex 16,4). Cada um só podia colher o necessário para o dia, sem acúmulos, pois este
apodrecia. De forma que houvesse segurança total para a sociedade a partir de uma
convivência e confiança mútua, sem exploração do ser humano (MESTERS, 2012, p. 57-59).
Afirma o oitavo mandamento, de não cometer perjúrio ou falso testemunho, o
amor à verdade e convivência social, por comunidades fraternas, econômica e politicamente,
da honestidade sobretudo. Pois o falso testemunho não é somente aquele dado em Tribunais
ou Juízos, que tratam de encobrir e proteger culpados, além de prejudicar os inocentes. Exige,
evidentemente, que se ilude por uma melhor configuração jurídica que favoreça a prática
da justiça, dos direitos
59
família sacerdotal que deixou escritos que ajudam a entender os acontecimentos etnológicos e
etnográficos pós Jesus, cujo nome em latim foi adotado por amizade que manteve com o
Imperador Vespasiano (SABBAG, 2009, p. 195).
Flávio Josefo, in Antiguidades Judaicas, vol. 3, cap. 5, § 5º, separou o versículo 3
como o Primeiro Mandamento, os versículos 4 a 6 como o Segundo Mandamento, o versículo
7 é o Terceiro Mandamento, os versículos 8 a 11 são o Quarto Mandamento, e os versículos
12 a 17 são o Quinto ao Décimo Mandamento Outros, como Agostinho, considerava os
versículos 3 a 6 como um só mandamento, ignorando o versículo 4, mas dividiam o versículo
17 em dois mandamentos, o nono a respeito da cobiça da mulher alheia e o décimo contra
cobiçar os seus pertences.
O Antigo Testamento não deixa claro como os textos devem ser divididos, para
chegar aos Dez Mandamentos, tradicionalmente, porém, a divisão usada pela Igreja Católica e
pelo Luteranismo é aquele baseada do livro perguntas sobre o Êxodo, de Agostinho de
Hipona (354-430), foi adotada pela Igreja Católica Romana e Luterana. As demais religiões,
anglicana, presbiteriana e outras protestantes, além da ortodoxa e a adventista do sétimo dia,
no sentido literal judaico dispõem que está no Sexto Mandamento (MESTERS, 2012, p. 48-
50; SABBAG, 2009, p. 127; SELF,
2009, sumário 14).
Tal como no dia para santificar, de descanso, também ocorre discrepância entre as
religiões, pois para judaísmo e o adventista é no sábado. Para os católicos, luteranos,
ortodoxos, anglicanos, presbiterianos e outros protestantes, no domingo. Com efeito, Sabah,
pelo Dicionário Bíblico, é palavra advinda da língua hebraica, que mantêm o significado
do dia do repouso (Êxodo 16,29; Atos 1,12), que corresponde ao sétimo dia da semana no
calendário dos hebreus. Posteriormente os cristãos passaram a considerar o domingo como dia
de descanso, uma vez que Jesus ressuscitou num domingo, decorre do latim Dominus,
“Senhor” (SABBAG, 2009, p. 438).
61
pode dizer que são casos especiais e devem ser desconsiderados. É, porém, constatável –
matar violentamente uma pessoa – pode designar tanto homicídio e assassinato quanto as
reações daí advindas (CRÜSEMANN, 2006, p. 56).
No Antigo Testamento o verbo rsh aparece 47 vezes, 33 vezes em textos sobre
cidades de asilo (Nm 35; Js 20s; Dt 4; Dt 19). Retiradas as passagens do decálogo, subsiste na
forma qal, as passagens Dt 22,26; 1Rs 21,19; Jr 7,9; Os 4,2; Jo 24,14; na forma ninfal Jz
20,4; Pv 22,13; e, no piel, 2Rs 6,32; Is 1,21; Os 6,9; Sl 62,4; 94,6. Observadas conjuntamente,
comparativamente com outros termos que designam “matar”, chama a atenção que a palavra
nunca é empregada no sentido de matança de animais, pois a referida ação é tida como
violenta, nunca usada para designar um agir de Javé. Com isso mencionadas as principais
diferenças em relação a verbos mais frequentes que designam “matar”, ou seja, hrg e mut
(hifil; cf. também qtl; “derramar sangue”). Estes termos correspondem sua extensão à palavra
“matar” em português, que podem designar ações de tipo muito diverso (CRÜSEMANN,
2006, p. 55).
Por vezes, o termo designa processos que diferem do matar físico e pessoal, como
em 1Rs 21,19, em que há o emprego da palavra para referir-se à ação do Rei Acabi contra
Nabote. Pois Rei o havia mandado executar através um mandado judicial, aplicado com
legalidade, que não sujou as mãos no sangue de Nabote, valendo-se da justiça, daí a
semelhança em situações que essa palavra empregada para designar o extermínio de pessoas
socialmente fracas. Assim, em Sl 94,6 o termo expressa a matança de órfãos (uma formulação
paralela do verbo hrg, refere-se à morte de viúvas e estrangeiros). Jó 24,14 utiliza o verbo
para designar a morte de pobres e miseráveis. Acrescente-se a isso a passagem de Dt 22,26
onde o estupro de uma moça é equiparado a um homicídio. Pobres, viúvas e órfãos, além
de moças violentadas, sofrem por causa das sequelas sociais, do que por homicídio, também
por isso, pode ser expresso como rsh a morte violenta de uma pessoa (CRÜSEMANN, 2006,
p. 56-57).
A proibição de matar, vista a partir do prólogo: “Eu sou...”, abarca todas as
formas de comportamento que ocasionam a morte direta ou não de outras pessoas. Para
compreensão do quinto mandamento, no contexto e estrutura do decálogo, deve se pensar no
comportamento do israelita destinatário de responder individualmente pela sua conduta, e na
relação de causa e efeito, significaria o questionamento e a suspensão da liberdade
mencionada no prólogo do decálogo,
63
anos (mínimo na forma simples até o máximo da forma qualificada), sempre encontrou
ressonância na proteção de todos os povos, mesmos os mais primitivos, pela necessidade de
tutela da ordem social. O conceito de morte, agora trazido pela Lei 9.434/97, condiciona a
ausência ou cessação da atividade encefálica, sobre as funções circulatórias e respiratórias, ao
fito de que seja possível a extração de órgãos, pois sem a intervenção artificial da medicina, a
finalização da vida seria mesmo inevitável (NUCCI, 2008, p. 573).
vida, embora não tenha tal princípio com a vingança privada, mas num vínculo que decorre da
identificação de sangue e da própria vida ceifada (Gn 9,4-6).
Na narrativa de Caim e Abel (Gn 4,10), designa o grito por socorro pedido a Deus
e das pessoas oprimidas e sofridas por justiça, pois o sangue não expiado ainda guarda dentro
de si o poder da vida, como no estranho rito de Deuteronômio 21,1-9, quando uma vítima de
homicídio sem encontrar o culpado da morte, os anciãos da cidade lavavam suas mãos e
afirmam a sua inocência. Para o Antigo Testamento não havia distinção entre o assassinato e
o homicídio involuntário, este registrado em Números 35, como a forma de matar, a relação
pessoal entre a pessoa acusada e a vítima, a distinção básica entre um e outro, já existia em
Êxodo 21, 12-14 (GRÜNWALDT, 2009, p. 62-63).
Especificamente nos casos de vingança de sangue, a execução da sanção capital
recaía sempre sobre o parente masculino mais próximo da pessoa morta, como se contempla
em Juízes 8,4-21; 2 Samuel 3,22-7 e 2 Reis 14,5. Tal vingança não era entendida como
assassinato, assim como o ato de matar na guerra, pois no mandamento proíbe-se apenas
o assassinato (GRÜNWALDT, 2009, p. 64-65).
2.3.2.2 Quando um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, serão
castigados com a morte tanto homem adúltero como a mulher adúltera (Lv 20,10)
pois a esposa é considerada o cerne da vida da família, pois os filhos são a sua riqueza. Prova
disso é o exemplo de Sara em Gn 11, em que Agar se tornou arrogante para com a sua ama;
também em Ana 1 Sm 1, pois um homem tinha várias esposas, com todas elas por direito
acerca de relações sexuais e gravidez (Ex 21,10) (GRÜNWALDT, 2009, p. 65-66).
Outros delitos sexuais, igualmente, também possuem como sanção a pena capital,
como em Levítico 18 e 20. São eles o incesto, a homossexualidade, as relações sexuais com
animais e com mulher menstruada, também proibidas, como se vê em Levítico 18,12-13, tal
como a relação sexual com a nora, como abominação (Lv 20,12).
Tais normas visavam a proteção da família, uma vez que a família é um instituto
que deve ser respeitado, não só como o parentesco consanguíneo, mas o legal proveniente do
matrimônio, obstáculo para contatos sexuais com nora ou cunhada, fundem-se no âmbito
familiar, sob a palavra e proteção YHWH. Para a mulher menstruada, existe ameaça de
alijamento do povo ou excomunhão, pois o sangue renova a fonte da vida, que reponta a
fertilidade, que provem o status de tabu (GRÜNWALDT, 2009, p. 68-70).
Com relação aos atos sexuais com animais, a norma é mais clara. Tal ato é
qualificado como abominação, não se permitindo a mistura entre homens e animais. Tal ato
toca a esfera do sagrado, sendo considerado, portanto, um delito religioso (GRÜNWALDT,
2009, p. 70-71).
2.3.2.3 Quem sacrificar aos (outros) Deuses será votado ao interdito (Ex 22,19)
isso a adoração a outras divindades abala esse fundamento e abre-se uma fenda vital do povo,
em decorrência da aliança firmada com Deus. Essa é a razão pela qual a adoração de outras
divindades comina-se sanção tão severa. Percebe-se tal importância, até pela sua catástrofe
estatal, primeiramente no Reino do Norte (722 a.C.), posteriormente também no Reino do Sul
(598/597 e 587 a.C.). Na obra historiográfica Deuteronomista, do Quinto Livro de Moisés até
o Segundo Livro dos Reis, Israel se auto acusa da transgressão desse mandamento, quando da
conquista do Reino do Norte pelos assírios, em que pecaram contra o senhor seu Deus, porque
passaram a temer outros Deuses (2Rs 17,7-8) (GRÜNWALDT, 2009, p. 72-73).
Caso curioso pode ser observado em Dt 13,1-6, que relata o ato de um profeta ou
vidente convidar a comunidade a seguir outras divindades. O legislador exige que ele não seja
seguido, mas sim morto. Caso semelhante encontra-se nos versículos 7-12 de Deteuronômio,
quando um membro de uma família tenta levar os seus parentes para o culto de outras
divindades. Neste caso está previsto: “Tua mão será a primeira a causar-lhe a morte”. No caso
de toda a população de uma cidade adorar outra divindade, todos devem ser queimados. A
pena capital será aplicada a filha de um sacerdote caso torne-se prostituta, sendo que a morte
será pelo fogo (Lv 21,9) (GRÜNWALDT, 2009, p. 74-75).
Os espaços sagrados, também, são protegidos com sanções legais, como no caso
de alguém não autorizado tocar algo sagrado. Ele deve ser morto (Nm 1, 51; 3,10-38;
18,7), pois o sagrado pode profanar-se, perturbando a relação entre Deus e o crente. Nas leis
cúlticas veterotestamentárias ao local do serviço divino é conferida especial proteção, como
por exemplo em Lv 1-7; 11-16.
O primeiro sábado, o sétimo dia da semana, como proibições de trabalhar, remonta
o fato de ter encontrado seu lugar entre os Dez Mandamentos (Ex 20, 8-11; Dt 5,12-15). É
enraizamento de dia de descanso da obra da criação (Gn 1, 1-2, 3), pois o próprio Deus
instituiu ao tempo uma ordem (Gn 1), que corresponde ao próprio Deus, em que os
homens devem viver segundo o repouso sagrado e a ordem santa, por isso a páscoa goza de
especial proteção, porque resulta do ato salvívico de Deus fazer sair o povo de Israel do Egito
(Ex 12) (GRÜNWALDT, 2009, p. 77-78).
68
2.3.2.4 Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou (Gn 1, 27)
para levantamento do mérito, pois não havia advogados para tal fim. Em seguida, falou outro
homem que, por meio de um ato simbólico, desiste de sua pretensão e Bôaz obriga os anciãos
a exercer sua função de testemunha do referido ato. Com isso, a demanda é decidida em
favor do autor, com a declaração do direito e pronunciamento do Juízo, pelo povo e os
anciãos (GRÜNWALDT, 2009, p. 87-88).
Outro caso exemplar é o de Nabot, que fora acusado por haver blasfemado contra
Deus e contra o Rei. Segundo Ex 22,17, tal delito é merecedor de pena capital. Na disputa
judicial, duas testemunhas foram suficientes para acusa-lo e considerá-lo culpado, conforme
Dt 17,6, cuja sentença foi executada em seguida, com apedrejamento fora da cidade.
Tais narrativas do sistema judicial Israelita demonstram como era essencial a
honestidade e integridade das testemunhas, pois bastou apenas o suborno a duas testemunhas
para conseguir a morte de Nabot, conforme denunciado pelo profeta Amós, no século VIII
a.C. (Am 2,6 .; Am 3,10). Também nos Salmos, encontram-se lamentos de pessoas cujo
direito foi manipulado, por exemplo em Sl 26,1; 54,3.
2.4.1 Não prestarás testemunho mentiroso contra teu próximo Ex 20, 16; Dt 5,20
2.4.2 Ó Deus, confia os teus julgamentos ao rei... que ele governe teu povo com justiça,
e os teus humildes segundo o direito (Sl 72, 1-2)
No Antigo Oriente, onde também situava-se Israel, natural era que o rei fosse o
Juiz supremo do povo, tanto é que um dos códigos legais mais famoso de então denominava-
se “Código de Hamurabi”, um rei mesopotâmico.
No direito hebraico antigo também existiu a intervenção monárquica no direito,
porém, em grau mínimo, a saber no 2º Livro de Crônicas 19,5-11, em que Josafat de Judá
(858-851 a.C.) realizou uma reforma no direito, Ora, o Supremo Tribunal em Jerusalém,
composto por sacerdotes e anciãos, tinha competência para decidir sobre assuntos sagrados,
como questões sobre juramentos, órdálios ou sorteios. Este tribunal que deve ser entendido
como uma instância superior aos tribunais laicos. Tal fato, acerca do rei, encontra-se em
Deuteronômio 16,18-20 e 17, 8-12, mais de duzentos anos das reformas relatadas em 2
Crônicas 19.
Há, ainda, no direito hebraico casos em que o rei funcionava como instância
jurisdicional, “O rei como juiz”. A narrativa mais significativa sobre tal fato é aquela em 1
Reis 3,16-28.
E quando homens em briga ferirem uma mulher grávida, mas a criança nascer sem
problema, será preciso pagar uma indenização, a ser imposta pelo marido da mulher
e decidida por arbitragem. Mas se acontecer dano
71
grave, pagarás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por
pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, contusão por contusão.
Quando um homem reduzir a pasto um campo ou uma vinha deixando seu gado
passar em campo alheio, pagará uma indenização com base no seu melhor campo ou
na sua melhor vinha. Quando um fogo se propagar pelos espinheiros, e forem
queimadas medas de trigo, colheitas ou campos, o incendiário deverá pagar uma
indenização pelo incêndio (Ex 22, 4-5).
73
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 164. Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia sem consentimento de
quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo.
Pena – detenção de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa.
Art. 250. Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou
patrimônio de outrem:
Pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
E quando dois homens brigam e um ferir o outro com uma pedra ou com uma
pancada e o atingido cair de cama, mas não morrer, se puder levantar- se e ir para
fora apoiado em sua bengala, quem o feriu não será punido. Deverá apenas indenizá-
lo pelos dias em que ficou parado e cuidar da sua recuperação até ficar curado.
Hamurabi, que também previa penas corporais, conforme parágrafo 202 que prescreve:
humanos, animais e objetos. Se este boi mata pela primeira vez, como pena ele será morto,
mas o dono ficará impune. Mas se o dono sabia que o boi era violento e não tomou as
precauções necessárias, ele também será punido com a morte (Ex 21,28- 29). O homem
perderá o direito de vida, porque sua negligência causou dano a outrem, mas ele pode resgatar
sua vida com uma indenização monetária, paga à família prejudicada, reconciliando-se com
ela (Ex 21,30) (GRÜNWALDT, 2009, p. 45).
A valorização do direito testamentário era a necessidade da indenização
pecuniária, pois tinha a meta de reconciliar a vítima e o infrator, para que convivessem na
mesma aldeia. Tal fato era de extrema importância, uma vez que consistia em uma sociedade
rural, de poucas famílias que eram interdependentes. A reconciliação tinha também um
caráter teológico, com vistas a manter a ordem garantida por Deus.
Após reconciliada a desordem, poderá a sociedade voltar a funcionar em conjunto,
em prol da coletividade, pois é o direito veterotestamentário eminentemente teológico. O ser
humano no antigo Israel é compreendido como boa criação divina, com a qual o criador fala
diretamente, como parceiro de Deus e lhe dá mandamentos, para viver segundo sua vontade,
em coroas de glória e esplendor (Sl 8,5-6). É por isso é que penas como açoite e mutilações
são vistas como degradantes e desonrosas, pois atingem a dignidade humana e a semelhança
do homem para com Deus (GRÜNWALDT, 2009, p. 50-56).
Carletti (1986, p. 22) entre alguns artigos do Código de Hamurabi e a Bíblia, a mostrar a
semelhança existente pelo menos no espírito e a finalidade da existência das disposições tanto
naquele quanto na Bíblia. Mostra uma semelhança inimaginada, algo que não parece ser
verdade. O confrontamento entre o Código de Hamurabi e a Bíblia ajuda a quebrar o estigma
da pena de morte no Código de Hamurabi e fica evidenciado que não era exclusividade
daquela legislação. Ambos os códigos, de Hamurabi e de Moisés, possuem a pena de morte e
o nível de crueldade semelhantes.
Embora o Código de Hamurabi seja o mais antigo, é válido lembrar a existência
de outras legislações também bastante antigas, como é o caso do Código de Manu, que é uma
legislação surgida na Ásia, em estreita relação entre o direito e os dispositivos sacerdotais e as
conveniências de castas sociais. Com relação à Legislação Mosaica é interessante o fato de
algumas disposições do Antigo Testamento terem uma semelhança incrível com o Código de
Hamurabi, o que mostra que não existe uma conexão e que não pode ser discriminado o
Código e adorado o Antigo Testamento, somente pelo fato de este ser religioso. As
semelhanças não ocorrem ao acaso, tudo o que é criado, seja na área do direito, seja em
qualquer área do conhecimento necessita de subsídio, para que o novo possa ser construído, é
necessário conhecer o antigo, no caso o velho testamento, em que se assentam os Dez
Mandamentos (CARLETI, 1986, p. 70).
Essa semelhança entre as referidas legislações pode a princípio chocar, pois as
religiões são vistas muitas vezes com o objetivo de promover o amor, a paz. Então fica
evidente que nem somente de doces palavras e atitudes condignas que está a se constituir uma
religião.
Definido pena como sofrimento, castigo que o poder estatal impõe a pessoa que
comete delitos, de como surgiu a adoção da pena de morte, numa visão global, por todos os
segmentos, dos mais variados povos.
No início do que se pode denominar de período civilizatório, a pena de
77
morte era vista como caráter eminentemente repressivo, por muitas ocasiões ainda agravada
com punições aos membros da família do condenado, além da odiosa prática costumeira de
ultrapassar os limites individuais do condenado, precedida de sofrimentos desumanos.
Instaurando-se a “Santa Inquisição”, todas essas medidas atingiram seu limiar, que nada mais
fez do que adotar métodos punitivos utilizados pelos visigodos. Romanos, árabes, gregos e
outros tantos foram bem mais comedidos em tais práticas de barbárie (RODRIGUES, 1996, p.
38).
Sócrates foi morto pelos gregos; Bruno, pelos cristãos; Jesuíta Edmon Camprien,
executado pelos ingleses; os portugueses, eliminaram Tiradentes; os romanos, crucificaram
Jesus. Os brasileiros, tais como os norte-americanos, não se cansaram de expurgar a raça
negra. Os fascistas aos italianos; os nazistas aos alemães; os russos aos revolucionários. Felipe
dos Santos foi esquartejado pelos portugueses assim como os inquisidores torturaram o autor
da teoria de Copérnico – Galileu. Sempre incontestável o denominador comum que se procura
encontrar não refoge a um fato induvidoso, justificava-se salvaguardar os interesses do
Estado, a defesa nacional era o pretexto maior (RODRIGUES, 1996, p. 39).
Que os brasileiros dizimaram uma infinidade de negros como imperativo de uma
causa nobre sobre outra degradada por questões econômicas é outra verdade.
A pena de morte foi utilizada por muitas ações não só para os delitos comuns mas
também para os crimes políticos, até crianças com menos de 10 anos foram condenadas à
morte. A utilização da pena capital foi universal ou constituiu ou constitui hábito de todas a
épocas e civilizações. Não havia qualquer subordinação à Lei ao poder real. Caracterizavam-
se os governos totalitários e absolutistas por uma forma de punir que poderia limitar a vida
daqueles que se opunham ao majestoso. A pena capital era aplicada precedida de suplício e
mutilações, distanciando-se da proporcionalidade de valoração para o tipo de retribuição,
principalmente entre nobres e plebeus, com punição desigual, é por isso que a pena de morte
acompanha a trajetória como se fosse sua trágica sombra (RODRIGUES, 1996, p. 42-45).
Totalmente desvinculada da sociedade civil e política, em tempos passados, a
igreja mostrou-se contrária às penas capitais de efeito corporal. Non occides (Não matarás –
Ex 20,13), na inviolabilidade do direito a vida demonstrava- se os valores religiosos e a
crença na vida eterna, para justificar a não aceitação da
78
pena de morte. Se acreditar na imortalidade da alma, mostra-se senão para legitimar a questão
da pena de morte mas para justificar inúmeros argumentos contrários. Houve papas, bispos,
padres, pastores, católicos, evangélicos, que foram contrários à pena de morte, mas a igreja
permitiu ou permite em muitos países tais punições, tendo até as utilizado em tempos idos
(RODRIGUES, 1996, p. 69-70).
Mesmo com o preceito bíblico do quinto mandamento, inúmeras passagens da
Bíblia, fazem a defesa da pena de morte, dentre outras:
Tiago 1,15 “O pecado sendo consumado gera a morte”;
Romanos 6,23 “O salário do pecado é a morte”; Ezequiel
18,4 “A alma que pecar, essa morrerá”;
Salmo 101 “Cada manhã exterminarei todos os malvados do país...”; Reis
14,6 “Cada um deve ser morto pelo seu próprio pecado”;
Só Deus é o Senhor da vida, deixa transparecer que jamais se possa matar, pois é
reconhecida a liceidade de certas supressões da vida humana. Pelo Alcorão: “Deus não estima
os agressores e que matar uma pessoa sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a
corrupção na terra será punido com a morte” (Surata 2º, verso 190; Surata 5º, verso 32;
ALCORÃO SAGRADO).
Por intermédio da pena de morte, não se reparam os efeitos da desordem, mas a
ordem que a desordem deixou, muito embora os favoráveis à execução da pena capital,
consignam que o assassino nega o absoluto respeito à vida, pois também renunciou ao seu
direito de viver. Não é com a pena capital, que diminuir-se-á a criminalidade, pois sua
manutenção não tem o condão de frear os instintos assassinos. A pena máxima, segundo
condão religioso, jamais será aplicada para os delitos, pois não há Juízo infalível
(RODRIGUES, 1996, p. 99-100).
Beccaria (1982, p. 71-72), citado por Luiz Flávio Gomes (1993, p. 33-43), em
artigo sobre pena de morte e prisão perpétua, preconiza:
A crueldade das penas dos mais grandes freios dos delitos, senão a infalibilidade
delas [...] a certeza do castigo, ainda que moderado causará sempre maior impressão
que o temor de outro castigo mais terrível, mas que aparece unido com a esperança
da impunidade.
após sua exclusão. Insegurança gera o apelo à pena de morte. Consegue-se a segurança não
com a pena capital, mas com efetiva justiça social (RODRIGUES, 1996, p. 106-107).
Muitos querem a pena de morte, como causalidade do fato, pois o homem parece
direcionado a mais querer a pena capital, do que a morte ou extinção da pena, que jamais deve
sucumbir à causalidade criminógena pela crise repressiva, pois a violação de direitos
humanos, onde a razão, não deve ser escrava da paixão, a predominar apenas sentimentos
emotivos e retaliativos.
predestinados, embora prudente e lógico o engodo da referida outorga divina, porém chegou o
dia de que o direito perdeu o caráter teleológico e existiu de si mesmo, até que cada povo
adotou uma lei na equivalência de suas necessidades e deveres, pela caminhada dos séculos,
até atingirem os recintos parlamentares, onde nem sempre chegam os ecos das aspirações
sociais (ALTAVILA, 2006, p. 13-14).
Pelos direitos, os homens lutaram, morreram e sobreviveram e, apenas para
elucidação, esquematiza-se a seguinte estruturação, para constituição de sua gênese pelo
tempo:
I – Legislação Mosaica; II
– Código de Hamurabi; III
– Código de Manu;
IV – Lei das XII Tábuas;
V – O Alcorão;
VI – A Magna Carta;
VII – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; VIII
– Dos Delitos e Das Penas;
IX – Diversos Direitos;
IX.a – Código de Napoleão;
IX.b – Ordenações do Reino;
IX.c – O Código de Bustamante;
IX.d – A Consolidação e Esboço, de Teixeira de Freitas;
X – Declaração Universal dos Direitos do Homem (ALTAVILA, 2006, p. 14).
direito, de sua dignidade, de sua importância para assegurar a ordem e o progresso social. No
antigo regime tinha por escopo, antes e sobretudo, a condenação do acusado, mesmo em
prejuízo de sua função garantista, e até a segunda metade do século XVIII, é uma sociedade
de ordem, na busca do respeito à autoridade divina e humana, mesmo com o aumento das
transgressões. Caracterizava-se, pois, na crueldade da execução das penas, corporais e
aflitivas, com o objetivo apenas de vingança social e intimidação, aliado ao absolutismo do
poder público, na preocupação da defesa do príncipe e da religião, até o avultamento da
Revolução Francesa (PRADO, 2001, p. 45-46).
Com o Iluminismo, difundiu-se o uso da razão para direcionamento do progresso
da vida, entre duas linhas bem distintas o racionalismo cartesiano e empirismo inglês, pois o
fato punitivo desvinculou-se das preocupações éticas e religiosas, em que o delito encontrava
razão no contrato social violado, onde a pena era concebida como medida preventiva. Além
de Beccaria, também os reformadores Servan (Discurso sobre a administração da justiça
criminal); Marat (Plano de legislação criminal); Lartizábal (Discurso sobre las penas) e
Howard (O estado das prisões na Inglaterra e Gales), foram contundentes para categorizar a
igualdade de todos perante a lei, com abolição da tortura e da pena de morte, com
proporcionalidade pelo delito praticado (PRADO, 2001, p. 46-47).
Os ideais reformistas contribuíram para o desenvolvimento de uma ampla
mudança legislativa – movimento codificador –, dentre eles o Código Penal Francês, de 1810;
o da Baviera, de 1813, a dar certeza ao direito, com facilitação da pesquisa, da interpretação
e aplicação das normas jurídicas (PRADO, 2001, p. 47).
Daí o direito não mais se deteve, principalmente como movimento de defesa social
e garantismo, estribados em escolas e tendências penais diversas, como a clássica, positiva,
crítica, humanista, correicionalista e defensista, até nos dias atuais, porque toda pena deve ser
necessária para que seja justa (PRADO, 2001, p. 60).
No Brasil, o pensamento jurídico penal pode ser resumido em três fases principais:
colonial, Código criminal do império e período republicano. Na época pré- colonial, os
nativos povoavam as terras brasileiras com a economia de subsistência e incapacidade de
domação de animais, onde existiam simples regras consuetudinárias comuns de
sociabilidade, de transmissão oral e mística, mas as leis da metrópole a isso se impuseram,
pois ao tempo do descobrimento, vigoravam em Portugal as ordenações Afonsinas, de 1446,
substituídas pelas Manuelinas, de 1521; posteriormente as ordenações Filipinas, em 1603, em
que predominavam as penas de morte, de açoite, amputações, galés, degredo e multa, em que
o crime era confundido com pecado ou vício (PRADO, 2001, p. 60-63).
Em 25 de março de 1824, por outorga da primeira Carta Magna Brasileira,
elaborou-se o código criminal do império do Brasil, primeiro autônomo da América Latina,
fincado nas ideias de Beccaria, Bentham, nos Códigos da França (1810), da Baviera (1813),
Napolitano (1819) e, especialmente, no Código da Lusiania de 1825, de autoria de
Levingston, que era dotado de clareza e concisão, de um trabalho original e de notável
monumento legislativo, como resultado geral da orientação talional kantiana que influenciou o
Código Espanhol de 1848 e o português de 1852 (PRADO, 2001, p. 64-66).
Com o advento da República, Baptista Pereira encarregou-se da elaboração do
projeto do Código Penal, isto em 11 de outubro de 1980, convertido em lei, apressadamente,
antes da Constituição Federal de 1981, com alvo de ácidas críticas, sendo logo objeto de
estudos com vistas à sua substituição, não tardou que o primeiro código da república ficou
profundamente alterado e acrescido de inúmeras leis extravagantes, com vistas a combatê-lo,
daí a consolidação das leis penais de Vicente Piragibi, oficializada em 1932 (PRADO, 2001,
p. 67).
Por fim, durante o Estado novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou um
projeto de Código Criminal Brasileiro, que, submetido a uma comissão revisora,
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foi sancionado pelo Decreto-Lei 2.848, 7 de dezembro de 1940, passando a vigorar desde
1942 até os dias de hoje, ainda que parcialmente reformado, tanto na parte geral como em
legislações extravagantes, o que objetivou sua substituição, terminada por Nelson Hungria em
1963, revisado e promulgado pelo Decreto-Lei 1.004, de 21 de outubro de 1969, retificado
pela Lei 6.016, de 31 de dezembro de 1973. O Código Penal de 1969, como ficou conhecido
teve sua vigência sucessivamente postergada até sua revogação pela Lei 6.578, de 10 de
outubro de 1978 (PRADO, 2001, p. 68).
A Constituição Federal preconiza que todos são iguais perante a Lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, no título
II, capítulo I, tido como direitos e garantias fundamentais do cidadão, de primeira geração ou
de liberdade, contido no artigo 5º, da Carta Magna. O direito à vida é o mais fundamental de
tais direitos, porque pressupõe à existência e exercício dos demais que dele exsurge
(MORAES, 2008, p. 35).
Proclama, pois, a Carta Magna, o direito à existência humana, e cabe o Estado
assegurá-lo em sua dupla acepção, isto é, de permanecer vivo e ter vida digna quanto à
subsistência, que se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, quanto o embrião
ou o feto representa um ser individualizado com carga genética própria, por isso a lei
considera os direitos do nascituro, como textualiza o artigo 2º do Código Civil Brasileiro, a
proteger inclusive a vida intra- uterina (MORAES, 2008, p. 36).
A proteção à vida, bem maior do ser humano, tem garantia e fundamento na
Constituição Federal, a propagar-se para os demais ramos do ordenamento jurídico pátrio. O
direito à vida, contido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal é considerado um direito
fundamental, de ordem material, indispensável ao desenvolvimento do ser humano de
natureza supra-estatal, procedente do direito das gentes o do direito humano do mais alto
grau. Nenhum direito fundamental, entretanto, tem o condão de ser absoluto, à vista da
convivência harmoniosa com
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“[ ]há quem afirme com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal
do Júri se encontram na lei mosaica, nos dikastas, na Hiliéia (Tribunal dito popular) ou no
aeropago gregos; nos centeni comitês, dos primitivos germanos; ou, ainda, em solo britânico, de
onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeus e
americanos”.
O Júri em matéria criminal só se consolidou muito depois do júri civil, que lhes
submeteu também as matérias criminais, não só de liberdade individual, como a vida, pois em
alguns países a pena de morte foi conhecida, inclusive no Brasil (art. 66 da Lei 261 de
1841), onde retirava-se das mãos do soberano o poder de decidir, isoladamente, sobre a vida
dos seus súditos (RANGEL, 2011, p. 41).
Os jurados, pessoas do povo que compunham o tribunal onde ocorreu o crime,
deviam decidir segundo o que sabiam e com base no que se dizia,
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próprios de cada legislação (RANGEL, 2011, p. 44). O júri foi substituído em 1808, na
França, por uma câmara de conselho de Magistrados, isto é, uma turma de Juízes da Corte
Imperial, de curto período no governo de Napoleão que, como ditador, não nutria simpatia
pelo júri, como afirma Almeida Junior, na obra “O Processo Criminal Brasileiro”, citado por
Rangel (p. 42).
Característica marcante no sistema processual norte-americano é o processamento
de causas cíveis e penais perante o Tribunal do Júri, onde os Juízes togados exercem a função
de direção dos debates, moderação dos interrogatórios e a decisão das questões de direito,
presidindo a sessão na função de guardião dos direitos consagrados nas emendas
constitucionais, pois o princípio acusatório puro rege o processo penal nos EUA, cabendo ao
órgão ministerial, lograr provar o ônus da existência de indícios de criminalidade em
desproveito do acusado, na mesma igualdade de condições perante a defesa técnica. O
Ministério Público (prosecutor), tem papel preponderante, pois o júri, onde atua, constitui
uma notória garantia do Due Process of Law. Portanto, a base do Tribunal do Júri
americano é a constituição, como direito substantivo fundamental de todo e qualquer acusado
que cometer delito que a ele deva submeter-se (RANGEL, 2011, p. 46-47).
Em França, com a revolução de 1789, visou combater o autoritarismo dos
Magistrados do ancién régime, que cediam à pressão da monarquia e das dinastias das quais
dependiam, o Tribunal do Júri foi a tábua de salvação, pois os juízes não eram dotados, como
atualmente, de independência funcional, por isso representou um símbolo ideológico da
própria Revolução Francesa. Necessitava, pois, de controle do abuso estatal durante o
procedimento criminal, como freio na prática da tortura, pelos conceitos básicos de
liberdade de decisão dos cidadãos; igualdade perante a justiça e fraternidade no
exercício democrático do poder. Nos demais países europeus, apenas para exemplificação,
como a Itália, Espanha e Portugal, com algumas variantes e matizes diversos, mas de índole
constitucional, houve separação do juízo de fato e de direito, como garantia constitucional,
com exceção do sistema português, tido como facultativo, se as partes o requeressem.
(RANGEL, 2011, p. 48-56). (grifei).
90
A sociedade, uma vez dividida em classes, passa a ter o Direito Penal como
protetor das relações sociais que nela existem, preferencialmente na proteção da classe
dominante, pois o furto qualificado (reclusão de dois a oito anos) tem penalidade maior do
que o abandono de recém-nascido com resultado morte (detenção de dois a seis anos); assim,
a vida tem menos valor para o Direito Penal, do que o patrimônio, se considerada a
reprovação social que recai sobre ambas as condutas (Código Penal, 2010, artigos 133 e 155).
A adoção do Júri tem, na incomunicabilidade dos jurados e o sigilo do voto, a
cristalização de seus ideais, primeiramente porque é a incomunicabilidade fruto de um sistema
de política elitista, mas impede que o jurado exteriorize sua forma de decidir e venha influir,
para condenação ou absolvição, qualquer um de seus membros, sendo, praticamente,
compelido a votar, muitas vezes, sem entender a lógica estrutural do sistema. Referentemente
ao sigilo, deve-se assegurar que a contagem dos votos cesse no quarto sim ou não, conforme o
caso, pois na medida em que o Juiz Presidente permite que sejam retirados todos os sete votos
da urna é possível que haja unanimidade de decisão, por isso saberá quem exatamente
condenou ou absolveu o réu. A decisão soberana do Júri obedece a uma maioria qualificada
ou unanimidade, mas esta compromete o sigilo do voto, como já dito (RANGEL, 2011, p. 71-
77).
92
Com uma simplificação do procedimento, agora já pela Lei 11.689/08, que não
fez uma reforma do Processo Penal, mas sim parcial do Tribunal do Júri, divide- se em duas
fases. A primeira, encerra um juízo de admissibilidade, com oferta da denúncia (art. 406 do
CPP); citação do acusado (406); oitiva do Ministério Público sobre resposta prévia à acusação
(409); inquirição de testemunhas e diligências (410); instrução processual com inquirição de
testemunhas arroladas pelo órgão da acusação e pela defesa, além de interrogatório do
acusado (411); alegações orais (411); conclusão em noventa dias (412); decisão de pronúncia
(413), impronúncia (414), absolvição sumária (415) ou desclassificação (419). Na segunda
fase, já em plenário, sinteticamente, serão os atos novamente repetidos perante os jurados,
logo depois da escolha dos sete jurados, com a possibilidade de recusa de três, por cada qual
dos representantes, do Ministério Público e da Advocacia. Após os debates de acusação e
defesa, o Juiz conclama os jurados para exortação dos votos em sala secreta e divulga a
sentença de absolvição ou condenação, da qual cabe recurso de apelação ao Tribunal de
Justiça (RANGEL, 2011, p. 95-97).
delitos que resultam morte, como o infanticídio, o aborto e o suicídio, dolosos contra a vida, a
merecer tal qual o homicídio, o julgamento pelo Tribunal do Júri, além de outros, como roubo
seguido de morte (art. 157, §3º), extorsão mediante morte (art. 158, §3º), extorsão mediante
sequestro com resultado morte (art. 159, §3º).
3.5.2.2 Infanticídio
3.5.2.3 Aborto
De acordo com o artigo 157, §3º, do Código Penal, com a redação que lhe foi dada
pelo artigo 6º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, confirmada pelo artigo 1º da Lei 9.426,
de 24 de fevereiro de 1996, se da violência resulta morte a pena cominada é de vinte a trinta
anos de reclusão, além da multa. Ocorre latrocínio com a efetiva subtração do objeto e morte
da vítima, quando esta querida pelo agente, desde que exercida para subtração do objeto ou
para garantir, depois desta, a impunidade do crime ou a detenção da coisa subtraída,
conquanto é um delito contra o patrimônio, mesmo com resultado morte, será julgado pelo
Juízo Singular e não pelo Tribunal do Júri, a não ser que a motivação da violência seja outra,
como a vingança, por exemplo, caso que haverá concurso entre roubo e homicídio
(MIRABETE, 2004, p. 242-243).
Já o delito de extorsão, também contra o patrimônio, estão protegidos a
inviolabilidade e a liberdade individual, onde o agente ao revés de subtrair o objeto da
vítima, como no roubo, obriga-a a entregá-lo. Neste último caso, em decorrência de morte,
também prevista no §3º, será o delito julgado pelo Juízo Singular (MIRABETE, 2004, p.
247).
Por fim, na extorsão mediante sequestro, com resultado morte, com de 24 a 30
anos, a maior do Código Penal, justifica-se a severidade da sanção por serem
96
ofendidos, além do patrimônio, a liberdade individual, e a vida da vítima, pois pode ser ela
morta pelo agente durante a consumação do crime (MIRABETE, 2004, p. 254).
Mesmo com resultado morte, repita-se, o julgamento será feito pelo Juiz singular e
não pelo Tribunal do Júri, porque não são tais delitos crimes dolosos contra a vida, previstos
no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, mas crimes contra o patrimônio, embora com
pena mais graves que o próprio homicídio.
violar uma ordem ou uma proibição, tidas como normas penais incriminadoras, surge então
para o Estado o direito de punir (jus puniendi). (PRADO, 2001, p. 93-94).
Estrutura-se a norma penal como proposição condicional, composta de dois
elementos: hipótese legal, previsão fática ou antecedente (tipo legal = modelo de conduta) e
consequência jurídica, efeito ou estatuição (sanção penal = a pena ou medida de segurança).
Quer isso dizer que é uma proposição hipotética, com afirmação de um dever-ser
condicionado pelo preceito legal, secundado pela punição (PRADO, 2001, p. 94-95).
Reponta que o imperativo jurídico é hipotético e condicional, vinculado a certo
pressuposto, como relação entre uma fato condicionante e uma consequência condicionada,
ou seja, é formado pela hipótese legal (prótase) e sua consequência jurídica (apódose), pois os
elementos integrantes da norma jurídica são conceitos de natureza abstrata (PRADO, 2001, p.
95).
1 A esse respeito, afirma-se que apenas ao término da república o homicídio passou a designar a morte dada a
um parte próximo (NOMMSEN, Teodoro. Derecho Penal Romano, p. 325).
2 A tábua VII (De delictis) assim dispunha: “XVII. Se alguém matou um homem livre e empregou feitiçaria e
veneno, que seja sacrificado com o último suplício. XVIII. Se alguém matou o pai ou a mãe, que se lhe
envolva a cabeça, e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio”.
98
germânicas, classificava homicídio como delicta mixta, pois violava as ordens religiosa e
laica, e o julgamento incumbia ao tribunal que primeiro tivesse conhecimento de sua prática.
Pela igreja, o homicídio era punido com as denominadas poene temporales. Foi na Idade
Média, entretanto, que passou ele a ser punido com a pena de morte, sobretudo quando
qualificado pela emboscada, envenenamento, latrocínio e assassinato. Com o período
humanitário, sobreveio tratamento mais benévolo aos acusados de homicídio comum, com a
suspensão gradativa da pena capital pela pena privativa de liberdade, cumulada com trabalhos
forçados (PRADO, 2001, p. 32-33).
As ordenações filipinas ocuparam-se do parricídio e do homicídio voluntário e
simples, do venefício, do assassino e do homicídio culposo. A este último era reservada pena
arbitrária, a critério do julgador, enquanto os demais eram punidos com a pena de morte,
frequentemente cumulada com a imposição de mutilação e confisco de bens (PRADO, 2001,
p. 34).
O Código Criminal do Império Português, de 1830, disciplinava o homicídio nos
delitos de segurança individual, considerando qualificado na hipótese de concursos de
circunstância e agravante, com emprego de veneno, incêndio ou inundação; ser ofendido o
ascendente, mestre ou superior do sujeito ativo, mediante abuso de confiança, paga ou
esperança de alguma recompensa; através de emboscada, arrombamento, entrada efetiva ou
tentativa de penetração da casa da vítima; ou, por fim, procedência de ajuste entre duas ou
mais pessoas para prática do delito. O homicídio culposo não se achava previsto entre os
dispositivos alocados no citado título, lacuna essa suprida somente com advento da lei
2.033/1871 (PRADO, 2001, p. 34).
O Código Penal de 1890, já independente o Brasil, previa o delito de homicídio
doloso, ao lado da modalidade culposa, com o aumento de circunstâncias qualificadoras. Por
fim, já em 1940, até a data hodierna, pelo Decreto Lei 2.848, de 7/12/1940, disciplinou no
artigo 121 da parte especial do Código Penal, o homicídio doloso, simples e qualificado, e o
culposo, também simples e qualificado, agregando a figura do homicídio privilegiado
(PRADO, 2001, p. 35).
Há tipicidade no delito de homicídio, se o agente pratica a conduta de matar
alguém. É, portanto, a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural,
concreto e a descrição contida na lei. Como tipo penal é composto não só de elementos
objetivos, mas também de elementos normativos e subjetivos, é
99
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por
motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965) Pena
– detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta
de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa
de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências ato, ou
foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada
de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou
maior de 60 (sessenta) anos.
Por ser crime comum, pode o delito ser praticado por qualquer pessoa, excluídos
os que atentam contra a própria vida, já que o suicídio, por si mesmo é fato atípico. Como
sujeito passivo, independentemente de idade, sexo, raça, condição social, desde que seja
pessoa nascida com vida, pois a morte no ventre materno é tida como aborto, passível de
figurar como vítima do referido delito. Também configura o crime o homicídio na eliminação
da vida de seres monstruosos, moribundos, condenados a morte etc. De outra plana, a ação
pendente a matar alguém que atinge um cadáver pratica o crime impossível por impropriedade
do objeto material (ser humano vivo). Pouco importa o consentimento da vítima para prática
do delito já que a vida é tida como bem indisponível. Possível é, entretanto, a ocorrência de
homicídio privilegiado (121, §1º), por relevante valor moral quanto tratar-se de eutanásia
(MIRABETE, 2000, p. 643).
Consuma-se o delito com a morte da vítima, de forma clínica, com morte cerebral
e biológica, comprovadas pelo laudo de exame do corpo de delito (laudo necroscópico). A
tentativa ocorre quando, iniciada a execução com o ataque ao bem jurídico, da vida humana,
não se verifica a ocorrência da morte, por situações
10
alheias à sua vontade, diferindo-se o elemento subjetivo do crime, para diferenciá-lo das
lesões corporais quando o evento não ocorre. Surge a chamada tentativa branca ou incruenta,
mesmo tendo alvejado a vítima mas não a atinge, deflagra disparos contra ela (MIRABETE,
2000, p. 646).
delimita a lei o tempo para reação do agente, mas é necessário que não ocorra lapso temporal
para que o efeito da injusta provocação tenha cessado. Não se caracteriza a causa de redução
da pena no chamado homicídio passional e ela só poderá ocorrer se preencher os requisitos
apontados para o homicídio emocional. Já o ciúme ou vingança por abandono da pessoa
amada não constitui, só por isso, homicídio privilegiado. A redução da pena será de um sexto
a um terço, obrigatoriamente, a critério do conselho de sentenças e do Juízo prolator da
decisão (MIRABETE, 2000, p. 648).
qualificação da qualificadora, tal como matar por dívida já paga, induvidosamente, caracteriza
futilidade, pois revela ter o agente sido impelido por fato desarrazoado de propósito. Diga-se o
mesmo, em mortes por mera discussão no trânsito (MIRABETE, 2000, p. 653).
3.8.1.11 Homicídio qualificado pelo uso de recurso que dificulta a defesa da vítima
O artigo 121, §3º, é tido como homicídio involuntário, que produz um resultado
morte antijurídico não querido, mas previsível, ou excepcionalmente previsto, de tal modo
que podia, com a devida atenção, ser evitado. Exige sua caracterização a demonstração da
culpa, isto é, da inobservância do dever de cuidado objetivo derivado de imprudência,
imperícia ou negligência e a previsibilidade do evento, além de, como em todo crime, nexo
causal. Também na forma culposa, admite-se o homicídio por acidente de trânsito, a partir dos
artigos 291 a 312 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, especificamente no artigo 302,
que estipulou um tipo incriminador específico, alterada posterior e sucessivamente (11.705/08
e 12.760/12) agora conhecida nacionalmente como Nova Lei Seca (MIRABETE, 2000, p.
650).
Trata-se de matar com elemento subjetivo diverso do dolo, consistente na culpa,
contida no artigo 18, II, do Código Penal, conhecida como imprudência, negligência ou
imperícia, que concretiza o tipo penal incriminador do homicídio culposo, como já visto, não
mais se aplica o tipo penal do §3º do artigo 121, ao homicídio cometido na direção de veículo
automotor, especificamente culposo, pois se a conduta for dolosa, desde que o agente utilize o
veículo como arma, a figura migrará do Código de Trânsito, para o artigo 121 do Código
Penal Brasileiro (NUCCI, 2008, p. 591).
Calha acentuar, por oportuno, a descrição do homicídio culposo por delito de
trânsito:
CONCLUSÃO
E este é o caso tocante ao homicida, que se acolhera ali para que viva:
aquele que por erro feriu o seu próximo, a quem não aborrecia dantes (Dt
19,4). (grifo não original)
Como aquele que entrar com o seu próximo no bosque para cortar lenha e,
pondo força na sua mão com o machado para cortar a árvore, o ferro
saltar do cabo e ferir o seu próximo e morrer, o tal se acolherá a uma
destas cidades e viverá (Dt 19,5). (grifo não original)
Mas havendo alguém que aborrece seu próximo e lhe arma ciladas e se
levanta contra ele e o fere na vida, de modo que morra, e se acolhe a uma
destas cidades (Dt 19,11).
Então os anciãos de sua cidade mandarão e dali o tirarão e o
entregarão na mão do vingador do sangue, para que morra (Dt 19,12).
Com efeito, nestes dois últimos arestos, denotava-se já a figura dolosa do agente
ou autor do fato, pela inequívoca vontade de matar, animus necandi ou occidendi, em que
ordenamentos jurídicos desenvolvidos, sejam alhures ou nacionalmente, especificamente
neste último caso, no artigo 18, I, do Código Penal Brasileiro, reconheceu a teoria da
vontade, ou seja, doloso é o homicídio quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco
de produzi-lo. Embora no último caso, mais detalhadamente, impera a teoria do
assentimento, tida como dolo eventual, resumidamente quando o agente se embriaga e
atropela um cidadão e o mata, muito embora não quisesse o resultado específico, mas pelo
risco assumido, responderá pelo resultado morte (BRASIL, 2010, Código Penal).
Nos três primeiros dispositivos bíblicos citados, indubitavelmente, pela
involuntariedade ou conduta não querida pelo agente, diz-se que o crime é culposo, pois
quando deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, como prevê o
inciso II do referido artigo 18 do mesmo Estatuto repressivo.
Chega-se, pois, à ilação de hercúlea e notória distinção de condutas para o delito
de homicídio, fosse doloso ou voluntário e culposo ou involuntário, mas ambas contidas no
mandamento apodítico de não matar, pois a despeito de existir esta diferença de sentidos nos
termos hebraicos, os mesmos sempre foram traduzidos como simplesmente “matar”, não
realmente diferenciando os casos de assassinato e de homicídio acidental ou não
premeditado, mas com formas obtusas e resultados diversos, com reprimenda capital ou
possível indenização, conforme a intencionalidade do homicida, tal como se apresenta em
Êxodo 21,12-14 e Ex 21,15-
17. Calha acentuar, por oportuno, para verificação e confirmação, trasladação das referidas
citações:
Quem ferir a outro e causar a sua morte será morto. Se não lhe armou
cilada, mas Deus lhe permitiu que caísse em suas mãos eu te designarei um lugar no
qual possa se refugiar. Se alguém matar outro por astúcia, tu o arrancarás
até mesmo do meu altar, para que morra (Ex 21,12-14).
Quem ferir seu pai ou sua mãe, será morto. Quem raptar alguém e o vender,
ou for achado na sua mão, será morto. Quem amaldiçoar seu pai
11
Deflui-se, também, que a pena taliônica não se aplicava com todo o seu rigorismo
entre os hebreus, mas somente na premeditação da morte, pois no reconhecimento de casos de
involuntariedade ou culpa (negligência, imprudência e imperícia), reverter-se-ia em eventual
reparação de dano, como justa e compensatória indenização pelo prejuízo causado, a
exteriorizar-se em reparação, pois quem fere um outro homem, de modo que este fique
incapaz para o trabalho, deve compensar o tempo que ele ficou parado e assumir os
gastos com o médico, tal como prevê (Ex 21, 18-19). Uma notória e moderna evolução
daquele período que nos legou o eco temporal religioso, tida como ideia fundante do direito
veterotestamentário, para delitos menores e causação de prejuízo a terceiros, agora replicada e
ancorada nos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil Brasileiro, tida como fundamento do
Direito Obrigacional Brasileiro, ad exempli:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito (BRASIL, 2010, Código Civil).
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo (BRASIL, 2010, Código Civil).
perpetuou para adiante sem separar-se dele, como uma ação perene e vitalizante da sociedade,
em consonância com um sentido diretivo de seu passado que projetou- se para o futuro.
Rudolf Von Ihering asseverou que o Direito não exprime a verdade absoluta: a
sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim. E assim é que o direito não só pode mas
deve ser infinitamente variado. Neste ponto, porém, o ilustre jurista não cotejou o princípio
geral do direito específico no quinto mandamento do Decálogo, ou dele olvidou-se, pois
exprimiu ele a verdade absoluta da sociedade da época, animadas pelas condições morais e
culturais de então, que até hoje são validados e punidos pela sociedade de outrora e atual
(IHERING, 1950, p.51).
Tamanha sua amplitude, de proteção da vida humana, foi erigido à categorização
constitucional nos países desenvolvidos, seja no bloco consuetudinário ou romanístico-
germânico, do qual neste último o Brasil filia-se, em consonância com os direitos e garantias
individuais e coletivos, previstos no artigo 5º, caput, da Carta Magna, logo em seguida aos
princípios fundamentais da Constituição. De seu inteiro teor, merece ser transcrita a
referência:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
I – omissis...
Não há, pois, direitos novos, mas renovados, mormente pelos caminhos do
evolucionismo, com maior horizontalidade histórico-jurígena, mesmo que o legislativo social
adredemente tenha sido marcado por sacralidade e religião, foi posteriormente codificado no
Oriente e no Ocidente, a iluminar a consciência humana para um caminho compatível com a
finalidade para qual o Criador moldou o barro humano sobre a face da terra, sem desprezar os
alicerces da natureza religiosa e de seu destino de universalidade.
As legislações antigas eram firmes e sinceras, com restrições odiosas e
penalidades brutais, mas eram compatíveis com o seu tempo e é, por isso, o Decálogo, com
sua tratação franca, um corpo único, sem possibilidade de violações, em sua simplicidade,
como objeto e o conteúdo do direito contido na lei mosaica, precipuamente no quinto
mandamento, de perpetuação da vida e da liberdade.
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