You are on page 1of 379

B 1,353,988

Ex.completo.

EX-LIBRIZ

Depois de Vos Nós

D・DAIUFC
U

LIBRARIES
THE UNIVER
I
1
1
'
)
RHYTHM AS

DE LVIS DE CAMOES,

Diuididas em cinco partes.

Dirigidas ao muito Illuftrefenhor D. Gonçalo Coutinho.

ES

MIHI TAXVS

Impreffas com licença dofupremo Confelio dageral


Inquifição, & Ordinario.

EM LISBOA ,

Por Manoel de Lyra , Anno de M. D. Lxxxxy:

A culta de Eûtuio Lopez mercador delibros


869.8
C18
1595a

I por mandado defua.A olio intitulado Rinás de poefia de Luisde Ca


moes, afsi comovay nan tem coafa que fjà contra a uoffa fancta Fe Ca
tholicaou contra c's bos coftumes , & guadadelles, antes com fuapoefia pode
eflinas & com a variedade deleytar a maytos. Vfa oautor como pocta deftes
vocabulos Deofes, Fado, Fortuna,& qutios femelhantes , os quais ja algus lhe
tacharão, mas fem rezão,porque não pode prejudicar as confciencias, o que não
encontra as efcripturas, nem a verdadeira Theologa : Fite vocabulo D.ofes he
vladona fagrada Efcrittura acada paffo. Fadole adnitenaTheologia, como
fe pode ver em S.Thomas 1.par.q.116.art.1. & fequentibus,& cótra gates, c.9 .
ondeapproua oparecer daquelles que differam fatum effe ordinationem quæ
eft in rebus ex diuina prouidentia.E mais abaxo accrecēta, Secúdu:n hanc ergo
acceptionem negare fatú,eft prouidentiam diuinam negare. Defortuna loqués
Auguft . lib.i.queftionum fuper Genefim.q.9 . diz Fortuna intelligenda eft pro
hisicbusquæ fortuitô videntur accidere, nó quia nomen aliquod fit. Equeo ,
autorvfe deftes vocabulosneftefentido , efta claro de outros lugares feus, co
momoftreylargamente na approação que day as Lufiadas do inefino autor
agora nouamete fe imprimem o qvitobem fe pode ete liuroimprimir.

F. Manoel Coelbar

Vifaa informação ,podefe imprimir efte liuro, de

pois de impreffo torne a efte Confelho ,pera fe confe

rir, & fe lhe dar licença pera correr. Em Lisboa a

de Nouembro de 94

Obifpo Deluas. Diogo de Soufa Marco. Teixeiraj

Podefe imprimir a 3 de Dezembro de 94


Loão de Lucena Homem
་ ་་་

STAKKRU SCAUN SL W

1
222117-176

VELREY Faço labe: ads qué ofte teu alus


ra virein,que Eſteuão Lopez lirey ro, o.ador
netta Cidade de Lisboa,me enuiou cizerpo. fua
petição , que eu ouuerapor bé delhe dar licença
po: elle ter ja a da fancta Inquifição , & do O: di
nario,pera fe poderem impnir varias Rimas
poéticas de Luis de Camões , que inda não forão
mprellas: & para ſe tornar a imprimir oliu.o dos feus Luziadas q
ja foy impreffo , por agora auer poucos, &porque tivera trabalho
em ajuntar as ditas obras, & galtara muito na impreffam , me pedia
oqueffe por bem delhe conceder priuilegio, paraning tem poderim
primit ,nem vender os dittos liuros fem fia licença, & receberia mer
ee. E viltofeu requerimento, & por lha fazer:ey por bein,& mepraz
que portempo de dez annos,nenhum inprimidor, ne.nliureyro al
gum,nem outra peffoa de qualquer qualidade que feja , nio poffa im
primir,ne vender em todos eftes Reynos & Senhoris de Portugal,
nem trazer de fora d'elles os ditas liuros, fenam a quelles limeyros, &
pelloas que para illo tiuerem licença do dito Etteua Lopez. E qual
quer impr.nidor, hureyro, o. peffoa que datádo os dites dez anos,
imp.imir, on vender os ditos luros de varias Rimas, & o das uzta
das deLuis de Camões,nos ditos Reynos, & Senhor iosoa ustrouxer
1
de forade les fem licéça do dito Elteuão Lope , perderà a a elle to
dos os volumes que afsi imprimir , vender, oid: fora to ixer:
lein diffo encorrerá em pena de vinte cruzados, ametade para m
nha Camara,& a outra ametade para quem o acular. E mando ato
das minhas juftiças, officias, a que o conhecim nto diftoe tancer
que lhe cumprão, guardem, & façam inteiramente co.np.i ,& guar
dar eftealuara , como fe nelle contem: o qual mepraz que valna , &
tenha força & vigor, poſto o effeit , delle aja de durar màis de hữ
anno,fem embargo da Ordenação do fegundo liuro,titulo vinte, que
contrario difpen, Belchio Pinto o fez en Lisɔɔa a t.inta de Da
zembro, de mil & quinhentos, & nuenta& cuco. Ioão da Cofta
faz elcreuer.

REY
Ao muito Illuftre Senhor D. Gonçalo Coutinbes

VAS razões,
muito Illuſtre $.nhor,me moverlo
atirar a luz eſta parte das obras do admirauel
Luys de Camões Principe dos Poetas A primeyra
1917 ferem ellas taes, que merefce o autor eſte none.
fegunda ter eu a vm.por meu fenhor,para me v
ler de feu erparo nos cafos a quefe arriſca quem
fae a publico, & ambas meobrigain a offerecelias a v.m & pedirlhe
que fofra arrimallas a feu nome Porque fe me renderlouuor de bom
juyzo a efcolha que fiz de tao alta poëfia para a imprimir,quero fi
sar de todo acreditado , na eleyção do padroeyro que tomo para a
defender.Quam alta,& quain excellente obra feja elta,bem poffo ef
Cufar de o encarecer,pois a ponho no ticatro do mudo,na mais pura
& emendada impreffam que pude auer. Nella efta retratado,antes vi
uo aquelleadmirauel engenho, de que affimo qfe viuera pudera fa
zer immortal o nome Portuguez,& ainda das feridas de noffas cala
midades,emque tantos falfos elcrittores taopefadamente nos ma
goario,foubera tirar louuores,& tropheos. Não poffo declarar como
efpanta a agudeza de feus conceitos, como obriga a propriedade das
palautas,como enteua pencarecimento das razões. Que alteza tem
defentéças,que metaphoras,que hiperboles,que figuras ti Poëticase
Admirauel he a grauidade dos Sonetos,a graça das O des, & Cáçoes
amalencolia tain mufica , das Elegias , abrandura tam namorada
das Eglogas. Que drey da policia & facilidade do verfoeda elegácia
dos termos da riqueza da lingoa? Por húaparte me parece que tira
a todo homé a efperança defer Poëta : por outra toda a diſculpa aos
que vãomendigado lingoajes eftrangeiras para compor nelias, & ta
chioa noffa de efteril: defeito feu, mais q culpa della. Apontei eftas
coufas,que v.m. não ignora , porque quero que entenda que fer co
nhecer opreço do que dou For ondemne heipor muy obrigado a mi
nha ventura,por me apprefentar occafião, ein que defejando muito
feruir a v.m. quafi igualei avontade com a obra. Mas tambem can
feflo que lhe não deuerei nunca podenne dar coufa que iguale ao
merelcimento de v.m. Em cujos fauores nãoquero entrar , porque
wejodianteo mar Oceano muito mais largo , & eftendido do que
na verdade he. Bafte que fe fiz algum feruiço a v.m. com as poefias
de Camões , muito mayorofiz a elle, em as entregar av.m. de que
fe fabe gemdotes de anuno,he mayor todos feus iguaes, & nas do

corpo
torpo igual atodosos mayores do mundo. Porque quanto a into
que menos importa a cafa dos Coutinhos hehuadas muy poucas
quecomeçarão com o Reyno em Portugal , & com ella permanef
cerão. Mas que digo começarão? No mefino tempo doprimei
To Rey Afon oconfta per efcripturas antiguas, que auia Coutinhos,
que erão conquistadores perfi.Parao que eraneceffario terena fan
gue illuftrepara obrigar o pouo,& riqueza para opagar: quefamos
dous efteos que conferuão a nobreza. De como fe continuou por
eftes quatrocentos annos por virtudepropria, mais que fauor alheo
dao teftemunho todos os lugares,em que Portugueſes fizerão feitos
de valo´ , ſemeados de offos de Coutinhos. E como a virtude per li
mefino fem outravalia ſe ſuſtenta,deu a eſte Reyno doze,& mais ca
fas,q oje co eſplendor illuftre fe continuan libcraes de valerofos pei
tos para a guerra, & não a varas de perfundos juy zios para aadmi
niftração da paz. Entre eltas deu dous Condados, dos quaes, & do
mais antigo & verdadeyro delta familia inda queoje etinato por fe
juntarcom a cafa Real, pellocafamento do Iffante dom Fernando,
yrmio delRey dom Ioão o terceyre, coma fenhora dona Guimar
vltima poffuydora delle)hev.m decendente perlinha legitima maf
sulina. Quauto aspartes do animode que Deos dotoua v. m.boma
indicio nos deu v.m.dellas na fua emprefa da olyueyra,que tanto to
po ha quevfa em fuas armas. Porque efta he aqualla queengeitou o
Reinado das outras aruores, que dignamentelhe offereciam . E eſta
he aquella que he Symbolo da paz, & bradura corteza de quev.m.
he dotado.Efta he a aruore de Pallas,que meſtura có as armastodas
as boasfciencias & difciplinas com tal conferto,que reciprocaments
fe commumicão admitanelluſtre , como as vemos em v; m. na letraj
MIHT TAXV S. Effou contemplando o queixume geral dos
grandes entendimentos , que fentenciofamente fe defcobre nella : os
quaeshúa vez por nam ferem conhecidos daquelles aquem elles fal
áo,& outra porferem dos mesmos enuejados nunca alcanção o que
merefcem.Demaneira que o faber pella Olyueira, fignificando, que
thes ouuera de fer occafião de fobirem a grandes eftados , lhes caufa
effatos de cotradição &odio,entendidos no veneno do texo Outras
muitas applicações fe podem defcubrir nefta empreza,afsi ao fentido
moral,como aɔnam ɔrado,que todos me dão certos penhores dopro
fundo juyzode v.m.das quaes ná trato,pellas não danar co a pobreza
demai eltilio,& por deixar que efpecular aos bos engenhos. E bé ino
ftra v.m. nellas as partes excellentes de feu animo,de que não direy
mais,
porqfey qnão bastão liuros inteiros,quáto mais prologo curto
" Mg
1

Más comonão eyde exalçar até o ceo a magnifica & mui heroica
bra que v.m.fez em dar fepultura honrada aos offos defte admirauel
vaaoque pobre & plebeiamentejazião no Molteiro de fanta Anna,
Tomou v.m. âfua conta aobrigação cómua,não defte Reino foo,mas.
detoda Espanha: & afsi recolheo para fi toda a gloria quea toda cfta
prouincia viera,fe para tão deuida obra fe ajuntara. Baftante razio
era efta parafuas Poelas ferem dedicadas ao nomede v.m. & não co-
nhecerem outro. Aceiteas v.m.defendaas, honreas, que fe v..n. o fizer
entreos eſtrangeiros , elle lhe pagara com honrar feu nome entre os
eftrangeiros & naturaes, Porque a verdadeira patria dos altos enge-
nhos,nãohe olugar queconhecem por nafcimento , he sô o entendi-
mentoclaro. & perfeito, que fabe eftimar as coulas grandes, & leuan-
tadas. E. afsi o emparo que v.m.lhe der entrejuizos pobres que o per
feguem, como eſtrangeiro, pagarà com fazer enuejado o nome de v
m . entre os ricos & excellentes que o eftimão como natural. E bem .
be razão, que pois ellepormeo de v.m.começa oje a viuer noua vida
per gloria de feus efcrittos,fique a memoria dev.m.pello feu,liure das
da morte & do efquecimento, cóforme kantiga & bem prouada
profecia Poctica. Por maneira, quefev mille for Achilles entre aquel
les,feja ellepara v.m.Homero entre hús & outros. Noffo Senhora
muitoilluftre peiloa de v.m.guarde, vida & cafà accrefcente comopo
DeLisboa 27.de Feuereiro de 95..

Beja as maos a V.m.

Etendo Lopez
ļ
IN LAVDEM LODOVICI

Camonij Principis Poĉtaru.

Emanuclis Soufæ Coutigni Epigramma.

Vod Marofublimi, quodfuaui Pindarus, alte


Quod Sophocles, trifti Nafo quod ore canit,

Maftitiam, cafus,horrentia prælia, amores,

lunetafimul, cantufedgrauiore damus.


Quis nam author? Camonius. Vnde hic? Protulit illum

Lyfa in Eoas imperiofaplagas.


Vnus tanta dedit? Dedit, & maiora daturus,

Ni celerifato corriperetur, erat.


Vltimus hicchoreis Mufarum prafuit, illo
Plenior Aonidumeft, nobiliorý chorus]

Flos veteris, virtus , nouafuit ille Camana,

Debitaiurefibifceptra poëfis habet.


In Lufitanos Heliconis culmina traclus

Tranftulit, antra, Lyras,ferta, fluenta, Deas

Currere Caftalios nostra de rupe liquores,

lufsit ab inuitoprata virerefolo.

Cerne per incultos Tempe meliora receffus,

Cernefatasfterili cefpite veris opes.


Omnibus Occidui tibi ridentfloribushorti:
NOM
$4
Non ego iam Lyftos credo ,fed Elyfios

Orpheus attonitas dulci modulamine cauter,

Traxit et ab Stygiafquallida monſtraforo.

Thessalices, Lodaice, facro cum flumine montes

Pieridumátrabis, calitum choros:

Sunt maiora tua Orphæis miracula vocis..

Attica, quidfaceres, fitibi linguaforet ?:

A, LIV. D. EIVSDEM :

Ad Dominum Gondifaluum Coutignum ..

Nominibusgentis, donis, Coutigne, Mineruz,


Nobilitatis honos, Pieridûmg decus.

Victafitu in tenebris Camonij Mufaiacebat,,

Quo nihilin toto grandius.orbefonat.

Pertefquallentem cultum deponit et audes:

Obfita Lyfiacaplectrafei ire Lyra.

Ae velut Orpheo reuocafti munere amicum

Orphaus exiftet nominis ille tui. -


Sicyos alterno viuetis munere, et Orpheus

Aker erit Mufe, nominis alter erite.


T
De Franciſco Lopez, âs obras

de Luis de Camões

SONETO .

E Stà opintor famofo attento & mudo,


Pintando, & recebendo mil louuores,

Pello que retratou de varias cores,

Com engenho futil, viuo, & agudo.

Quem he efte que fala, & pinta tudo,

O ceo, a terra, o mar, o capo, as flores,


! Aucs, & animais, Nymphas, paftores,

Co diuino pincel do grande eftudo?

O Principe fera do gran Parnafo,

Ou oGrego excellente, & foberano,

Ou Torcato tambem q em verfo canta,

Efe não he Virgilio, Homero, ou Tallo.

E he como parece Lufitano,

He Luis de Camões, go mundo efpata


Erratas.

Naoprouação,onde eftà nomen, diga numen.


Na carta dedicatoria, fignificando , fignificado.
No cabo,onde diz profecia poetica, diga doctri-
na poetica.
Fol.1.Soneto 2.verf.7. namorados,magoados.
Fol.20.foneto 62.verf.6.configo, diga veneida.
Fol.46.Ode 3.ver.2 agrauarme, diga alegrarme.
Na meſma,ſtança 2.falta efte verfo, Com tanta
defuentura. Fol.77.Eglo.1.canção 4.ver.1.efpe-
fura, diga afpereza.Na mefma,oitaua 2.adorda-
nos,adornados. Fo.89.cglog.3.gofto, diga gefto
Fol. 100.Eglo.4.Canção 1.ver.13.amor,diga fa-
uor. fo.106.egl.5.ftan . 8. ver. 1.Pindaro , diga Pin
dafo.fo.119.oitaua 4.ver, 2. Deos he do mar Pro
teo, & Focasguarda, diga, Does he do mar , &
Protco Focas guarda. 1 Na mefma , verfs , que
amoradoro,diga que o marádora.
DELVIS FRANCO,

SONET O.

Sopra lapolue, & l'oẞa regnar morte

Potra , ne i mortali bauer l'impero,

Et fepellir il nome al nuouo Homero,

Et negarli ilfepolcbro l'empiaforte..

Berò la fama del morirpiùforte ,

Lo refe chiaro alvno, e altro Hemisphere .

Vregna Phebo, e oue ilpopolpiufiero.


Habita Hircania, Scythia, Cafpieporte-

Di Gonzallo mercegentil Coutigno,,

Per Mufe illuftre, & arme, & ani Illuftri


Cbal Camões nella morte fu Mecenas

Per cui Phenice eglirinasce, evncignoz

Per cuiviurànel mondo mille luftris

Lafua dolce, altifona camena-


Diogo Bernardes, em louuor de Luysde

Camoes.

Soneto.

Quem louuard Camões qu'elle nãoseja?

Quem não vê que canſa em vão engenho, artes

Ellefe louna afifoo, em todapartes

Etodaparte, ellefoo enche d'inueja.

Quem iuntos n'humSprito ver defeja

Quantos dões, entre mil Phebo reparte

(Quer elle de amor cante, quer de Marte, )

Por mais não desejar,ellefoo veja.

Hourou apatria emtudo: imigaforte

Afex, comellefoo ,fer encolhida,


Empremio d'eftender della a memoria.

Masfelbefoyfortuna efcaffa em vida

Não lhe pode tirar defpois da morte

Humrico emparo defuafama& gloria!


AO AVTOR;

De Diego Taborda Leitão,

SONETO.

Spirito, que ao Empyreo.cèo voafte

DasMufascana terratão chorado,

Quanto milhar terásja la cantado,


Domuito que taō bem nos ca cantafter

Partiſtete de nòs, sòs nos deixafte

Afer la doutro lauro laureado,

Differente daquelle que te bão dado

Os que câcom teus versos tantohonraste?


LAHymnos,Odes, cantos maisfuaues.

Pôdes cantar na Angelica Hierarchia,

Onde efla voz de cifre mais se apura..

Nem tepodemfaltar materias graues,

Em que occupes melhor afantaſia,

Qu'emfima decapafla o de la dura


Prologo dosLexteres.

COMO Efté liuro hà de vir à mãos de múl


i tos.E não he pofsiuel em todos fer igoal a noti
cia de coufas, quefe requerem para entendimen
to delle, nãoparefcen pouco acertado aduertir
breuementealguas,aſsi fobre o titulo & diuífitó
da obra, comotambem ſobre o autor della: & co
meçandopellotitulo, efta palaura Rhythimas,
«que os Italianos, & Frapseles pronunciaó fem afpirações) defende
de queues, vocabulo Grego, q quer dizer-numero ou armonia,como
declara Diomedes gramatico, & Nicolao Peroto na Cornucopia no
Comento do4.Epygráma. E em ambas as fignificações connem pro
Priamenteao verfo de medida Italiana, porque não fomente conaſte
em certo numerode fyllabas, mas tambem na armonia caufada dos
accentos & confoantos, comoproua Benedetto Varchi no Dialoge
Herculano, na pregunta 9. Nem ifto recebe duuida por que geralmé
te ocorpode toda a forte de poëma fe forma de numero,& armonia,
donde nafceo chamarlhe Poisidonio Stoico , dicção-numeroſa, que
conta de medida carta, como refere Laertiona vida de Zenão. Em
tanto quefendesocrates anifado por hum oraculo, fequeria alcançar
bemauenturança applicaffe o animo à mufica ,entendeo que'fatif
fazia ao intento daquelle auifo ein feempregartodo em fazer verfos
por fer aarmonia &numeros delles parte da mesma mufica,como có
a Celio Calcagnino sa oração que fezem louvor das artes. Donde
cambem procedeo a ethymologia defte nome, Poeta, que conforme
aopinião de Euftathio feguida por Rhodagino no lib. 4. cap.4. fe
deriua dey, que fignificauil , que quer dizer cantar , &
moſmo nome de Mufa fignifica cantocomo afirma o mesmo Nico-
1ao Perotto sobre o 5. Epygrama, & poriffo Dante chamou a poe-
fia
, ficção, Rhetorica pofta em mufica. E que o titulo de Rhythmas,
conuenha à toda esta obra, moftrale tambem claramente por hum
difcurfo que faz o Cardeal Petre Bembe noliuro 2.das Prolas,onde
diz que as Rhythmas, ou Rimas (como elle fcreue) faó detres manei
ras,porque oufaó reguladas, ou liures: ouparte liures , parte regula
das. Reguladas fechamaó aquellas que vão sempreatadas a húa meſ
maregra,cono faó os Tercettos, de que le creler inuentor Dante ,
que antes delle fenão achão feitospor outrem. E aſsi az oitauas
que
wine inuentarão os Sicilianos fazendoas de dous confoantes até o oï
bo,& defpoisforao reduzidas a melhor forma pellos Thofcanos, &
crefcentandolhe terceyro confoante nos dous verfos vitimos:& as
Seiftinas,que forio inuenção dos Prouenfais , especialmente de Ar
naldo Danielo , Rimas liures fao aquellas que não guardam regra
algúa,nem no nthnero dos verfos,nem na correfpondencia dos cé
foantes,como fam os Madrigais,deriuado de Mádra, palaura Thof
sana,por fer cépofição villaneſca,a que refpondem os neffos villáce
tes. Rimas parte liures, parte reguladas faó as que em algúas coufas
vaofoggeitas a regra,& noutras fao ifentas della : como fam as So
nettos, & Canções,porque os Sonettos ainda que no numero dos
verfos , & difpofição delles, teem obrigação de feguir fempre húa
mefma regra.com tudo na correfpondencia dos confoantes, nãoté
obrigação certa , como moftra Ringifo nafua arte poética no cap.
43.feguindo todauia a obferuação que com muito engenho &juizo
aduertio Torquato Taffo nofeu dialogo da poëfia tofcana.E as can
ções tem á melma natureza, como apponta o mesmo Ringifo no
cap. 59. & nos figuintes. E có iſto temos fatisfeito aotitulo.
Seguele adiuifao da obra, que vai repartida em cinco partes, porque
onumero quinquennario pertence particularmente à obras de po
fia, & eloquencia, o que fe vè clara mente porque conforme adou
trina dos Platonicos era dedicado à Mercurio , & aos outros Deo
fes que nofeu rito gentilico erão padroeiros das artes , como fcreue
Rhodagino lib. 12.c.1o. & a Mercurio tinhão elles por divindade da
eloquencia, & por iffothe confagrauão as lingoas, como refere Vin
sensio Cartario no liuro das imageés dos deofes , ſobre a imagé de
Mercurio. & fendo aſsi da eloquencia,ficaua tambein fendo da poe
fia pella la nça que ambasentrefiteem cóforme a definição de Dá
90
, & Pofidonio.E por iffa a quinta letra do alphabeto Grego era de
dicada à Apollo,como fereue Guillelmo Onciaco nolivro dos luga
res numerais cap. 5. & as Mulas pofto que feiaónoue,sò à cinco del
las tocaua ominifterio da poefia , porque à Clio fe attribuia o fog
geitadella prefidindo à hiftoria: à Polihymnia o ornamento da lin
goage: á Calliope o verfo Heroico: a Melpomene o Tragico: á The
lia o Comicoconforme ao Epygráma vulgar que anda entre os de
Virgilio.Seguindo pois efta diuifaó fe deu aprimeiraparte aos fone
tos por fercompofição de mais merecimente, por caufa das difficul
dadcadella afsi en náo admittir nenhúa palaura ociofa né de pouca
eficacia,
efficatia,como em auer de cercar toda a materia delle dentronol
mite de quatorze verfos,f.chando o vltimo tercetto de maneira,
que nao fique ao entendimento delejo de paffar auante, coula em q
muitos poetas,que andao nas afas da fama teueraó pouca felicida
• de Afegundaparte fe deu às Canções, & Odes , que refpondem aos
verfos Lyricos,como moſtra Fernando de Herrera , no feu do&ilsi
mo Cómento fobre a Canção de Garcilafſo. A terceira, a Ed-gias,
& Oitauas, de que nao achamos que vſaſſe Petrarcha, mas de atu
baseftas compofições fou felicemente Arioko, & por ventura que
foube melhor imitar na graça & perfeição do verlo Elegiato àTibul
lo, & Propertio que lao os Principes defte genero, que na maiefta
de do Heroico à Virgiliɔ. A quarta a Eglogas,por fer fpecie de com
pofiçao em q fe requere menos fufficiencia , & nelle deixando Theo
Crito, & Virgilio, teue particular excellencia Sammazaro , como nas
Pilcatorias Bernardino Rota. A quinta & vltima parte fe deu as gro
fas & voltas,& outras compofições de verfo pequeno , que faópro
4 prias da noffa Hefpanha , em que Gregorio Sylueftre le auentajou
notauelmente entre todos os Hefpanhoes, & teuera o primeiro lu
gar,fe Luisde Camões lho nao ganhara,afsi na agudeza dos conceì
tos,& propriedade das palauras, como na habilidade de metter re
gras impofsiueis, mostrou muito mais nas outras rinas ,comolo
godiremos Ecótinuando com elle(que he à terceira parte deſte pro
Togo) he euidéte temeridade querer lounallo,porq ainda que os ou
eros poetas folfem particularmente abalifados em algúa perfeição
Special,todauia à husfakton a natureza,q lhes fezeffe facil a contex
tura do verfo laurandoo cotanta afpereza & difficuldade, qne parel
ce q estaó alli as palauras violentadas, & os cóceitos encerrados nel
lasper força, & afsi carefcem dafuauidade em que confifte a meſma
poefia,conforme a doutrina de Fracaftorio,no feu Dialogo, intitula
do Naugerio,tirada de Horacio & Quintiliano. Outros q alcáçarao
ter mais natureza , ou por acertarem de fer pouco felices na elej
ção das palavras ou pornao terem cabe dal com que atauiar a ora
çao afsi da linde za da lingoagem ,como de tropos & figuras, fem as
quais Cicero nem Virgilio nunqua falaraó,vfaó de hús termostaó
hurildes & vulgares,como fe a natureza da poelia naó conſiſtira
em fer leuantada do vfo commum de falar,conforme aopiniaó de
Plutarcho, no feu trattado da Poetica , & de Rhodagino , no cap.
4 Jolib. 4 Outros que fe melhoraó mais nalingoagem, nao teem
nenhia
menhúa erudiçač com que illuftrem faas obras, fendo verdade c☛
mo diz Rhodagino , no cap.z.do meľmo liuro , que fò aquelles fe
વિ
chamaó poetas legitimos , que moſtraraó noticia de dinerfas fcien
cias em fuas obras , como Orpheo , Homero, Virgilio, & Pyndaro.
Epello contrario Luis de Camões eftà tao afastado de todoseftes
defeitos, que juntamente vemos nelle natureza promptiſsima pa-
ra declarar leus penfamentos , accompanhada de hua facilidade na-
tural , que enche os feus verfos de fuauidade , & com ella húa lin
goagem tao pura, & ornada de todos os lumes da elocuçao, & taớ
riqua de conceitos, & diuerfas joyas de todas as fciencias , que pa-
refce que nelle sô ajuntou a arte & a natureza tudoo que conuinha
para fubir ao mais alto da Poefia. E com fer excellente em toda a
forte de Rhythinas, & em especial no verfopequeno , como ja dif
feinos , muito mais o foi nas Canções , onde guardou de maneira
todasasleis dellas, que nenbúa enueja pode ter à Petrarcha, Bem-
bo, & Garcilaffo, que neste genero faó os mais louuados: & o'mef
mo lugar teem na na mayor parte dos Sonettos , & o teuera eur
todos,fe algús que aqui. vae impreffos por feus nao forao feitos
fem cuidado, á importunação de amigos, onde acontece muitas vœ
zes aendir mais à preffa com que os pedem , que à obrigaçaó de os lỡ
mar,& defpois fem vontade do author fe publicaó por feus , & ou-
tros à volta diflo que o naofao, como aqui acontelteono Sonetto
2. que despois do impreffo ſe ſoube que naó era ſeu. Trattar do
Aylo Heroico naó he defte lugar, porque quem commentar a lus
Lufada, terà elle cuidado mas o que com razaó le pode affirmary-
he que cumprio nella tanto à riica as obrigações do poema Epico,
que fe naoparefcera arrogancia, poderamos darlhe afseto muito
per
to de Virgilio . Porque na grandeza, grauidade, & armonia das pa-
lauras, na traça & difeurfo da obra na alteza do foggeito,fegnio em
tudoas píladas de Virgilio: & nas ficções allegoricas ( fem as quais
naopode auer nenhumpoema heroico conforme aopinito de Ari
ftoteles, referida por Rhodagino nomefmo lib. 4. c . 4. E ao que ef
ereue Plutarcho no lugar acima allegado reprendendo á Empedo
les ,Parminedes ,Nicandro, & Theognides,por vfurparen onome
de Poetas , sô com verfos riquos de doutrina , mas defacompa
nhados de ficções) moftrou taó admirauel engenho , quequafi fë
gualou a Homero , & ouxala pulera humilhar a grandeza della
algúas das Eglogas,coformandofe mais com oftylo Bucolico.

5 gafas
E polto que não faltão murmuradores q calúniarão fuas obras, não
efcureſce illo o merelcimento dellas, porque tambem Virgilio &
Homero paffarão por este trance,que he natural à todos os ingenhos
raros: em tanto que foo de erros de Virgilio compos Carbilio Grá
matico bum liuro inteiro, & Celar Caligula ouſou affirmar, que ne
nhũa habilį Jade, nem erudição tivera, & efteue determinado para
mandar metter no fogo fuas obras & retrattos que auia en algumas
liurarias, como conta Suetonio Tranquillo, & Petro Crinito ne li.
3. dos poetas latinos. E com ifto não refta mais que lembrar, que os
erres que ouuer nefta impreffao, não paffarão por alto à quem aiu
dou acompilar efte liuro, mas achoule que era menos incouenien
te irem afsi como fe achatão per cóferencia de algús liuros de mão,
onde eſtas obras andauaõ eſpedaçadas, que nao violar as compofi
ções alheas, ſem certeza euidente dejfer a emeda verdadeira,porque
fempre aos boos entendimentos fiqua referuado julgarem que nao
faó erros do author, fenaó vicio do tempo, & inaduertencia de qué
as trasladou. E feguiofe nisto o parefcer de Augufto Cæfar, que na
somiffao que deu a Vario,& a Tucca para em mendar a Eneida de
Virgilio, lhe defendco expreffamente que nenhúa coufa mudaſſém,
nem acreſcentaffem, porque em effeito he confundir a ſubſtancia
dosverfos & conceitos do author com as palauras & inuençaó de
quem emmenda,fem fiquar ao diantecerteza fe o que ſe lee he pro
priofe em mendado. E por iffofe não bolio em mais que foo na
quillo que claramente conftou feruicio de pena, & o mais vai aſså
como fe achou fcritto , & muito differente do que ouuera de ir ſe
Luis de Camões em fua vida o dera à impreffàó : mas aſsi de
baixo deſtas afrontas, que o tempo,& ignorancia lhe
fezera refplandefce tanto a luz de feus mere
cimentos quebafta para nefte genero
de poefia nao auermos er ueja
ámenhúa naçaó cftrar
geira.
Fol.T

RITHMAS

De Luis de Camões , repartidas

em cinco partes.

Parte primeira dos Sonetos.

EMquanto quisfortuna que tiueffe

Efperança de algum contentamento,


Ogoſta debum fudue penfamento

Mefez quefeus effeitos efcreueffe.


Porem temendo amor que auifo deffe

Minha efcriptura a algum juyzo fento

Efcureceom' o engenho co tormento,

Pera quefeus enganos não dißeſſe.

vos que amor obriga aferfogeitos


Adiuerfas vontades, quando lerdes

Num breue liuro cafos tão diuerfos,

Verdades purasfao, não defeitos :


Efabey quefegundo amortiuerdes,
Tereis o entendimento de meus verfos.
Sonero.
Obras de Luis de Camões,

SONETO 11.

EV cantarei de amor tão docemente,


Por bus termos emfitão concertados,

Que dous mil accidentes namorados.

Façafentir aopeito que nãofente..


Farei que amor a todos auiuente,

Pintando mil
fegredos delicados,
Brandas iras, fofpiros namorados,magendes

Temerofa oufadia, pena ausente..


Tambemfenhora do defprezobonefto

De voffa vifta branda & rigurofa,


Contentarmbei dizendo amenos parte.

Poremperacantar de voffo gefto

Acompofiçam alta milagrofa ,.

Aquifaltafaber,engenho, arte.

Soneto.
1
Obras de Luis de Camões.
]
[N

SONETO: 111.

Tanto de meu estado m² acho incerto,


Qu'em viuo ardor tremendo estou defrio,

Sem caufa juntamente choro,& rio,


O mundo todo abarco,&nada aperto.

He tudo quanto finto, hum defconcerto:

D'alma bumfogo mefae, daviſta hum riv

Agora efpero , agora defconfio,

Agoradefuario, agora acerto.


Estando em terra, chego 40 Ceo voando,

Num'bora acho mil annos, & he degeito

Qu'em mil annos não poſſo achar hum'hora,

Seme pregunta alguem porque assi ando,

Refpondo que nãofey : poremfofpeito

Quefoo porque vos vi , minhafenhora.

A 2 Soneto
Obras de Luis de Camões.

SONETO.
'Ransformaſe o amador na coufa amada,
T
Por virtude do muito imaginar,
Não tenho logo mais que defejar,
Pois em mitenho a parte defejada.
Se nella eftà minh'alm a transformada .

Quemais defeja o corpo de alcançar ?


Em fifomente pode defcanfar,
Pois configo tal alma eſtá liada.
Mas efta linda & pura femidea
Que como hum accidente em feu fogeito,
Afsi coa alma minha fe conforma;

Eftano penfamento como idea


Oviuo &puro amor de que fou feito,
Como a materia fimplez bufca aforma.

SONETO
Affopor meus trabalhos tão ifento
PA
De fentimento, grande nem pequeno,
Que fopolla vontade com que peno
Me fica amor deuendo mais tormentoj
Mas vayme amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga co veneno,
Que do penar a ordem defordeno,
Porque não mo confente o foffrimento.
Porem fe efta fineza o amor fente,
Epagarme meu mal com-mal pretende,
Torname comprazer como ao fol neue.
Mas fe me vé cos males tão contente,

Faz fe auaro da pena,porque entende


Que quantomais me paga,mais me deue.
Soneto
Obras de Luis de Camões,
SONETO. VI.

EMfor vos arrancou de entao crefcida


(Ah fenhor dom Antonio)a dura forte,
Donde fazendo andaua o braço forte
Afama dos antigos efquecida,
Húa fò razão tenhoconhecida,

Com quetamanha magoa fe conforte,


Que puis no mundo auia honrada morte

Que não podicis tér mais larga a vida.


Se meus humildes verfos podemtanto,

Que co defejo meu fe iguale a arte,


Efpecial materia me fereis.
E celebrado em trifte, & longo canto
Se morreftes pasmãos dofero Marte,
Namemoria das gentes viuireis.
SONETO VII.

Nhumjardim adornado de verdura,


A que elmaltão por cima varias flores
Entrou hum dia a Deofa dos amores,

Com aDeola da caça,& da eſpeffuras


Diana tomou logo hua rofa pura,
Venushumroxo lirio dos melhores;
Mas excedião muito ás outras flores

As violas, nagraça, & fermofura.


Preguntão a Cupido que alli eftaua
Qual daquellas tres flores tomaria,
Por mais fuaue,pura,& mais fermofa?
Sonrindofe o menino lhe tornaua,
- Todas fermofas fao, mas eu queria,
Viol' antes que lirio,nem que rofa.
A3 Soneto.
Obras de Euis de Camões.
SONETO. VIII .

Todo o animal da calma repouſaua,


Sò Lifo o ardor della não fentia,
Que o repousodo fogo em que ardia
Confiftia na Nympha que buscaua.
Os montes parecia que abalaua
O trifte fom das magoas que dezia,.
Mas nada o duropeito commouia,
Que na vontade d'outrem pofto eſtaua.
Canfado ja de andar pola efpeffura,
No tronca d'hua faya por lembrança.
Efcreuco eftaspalauras de trifteza;.
Nunca ponha ninguem fua efperança
Em peitofeminil, que de natura
Somente em fer mudauel tem firmeza.
SONETO IX..

BVfque amor nouas artes,nouo engenhe


Paramattarme, & nouas efquiuanças,,

Que nãopode tirarme as cfperanças,


Que mal metirarà o que eunão tenho..
Olhai de que efperanças me mantenho ,
Vede que perigofasfeguranças,
Que não temo contraftes , nem mudanças
Andando em brauomar perdido o lenko.
Mas com quanto não pode auer defgofto

Onde efperança falta, la m'efconde


Amor hum mal, que matta, & não ſe vẻ:
Que diás ha que n'alma me tem pofto
Humnão fey que, que nafce não fey onde,
Vem não fey como ,& doe não fey porque.
Soncto
Obras de Luis de Camors.
SONETO X.
Vem vé fenhora clarq & manifeſto
O lindo fer de voffos olhos bellos,

Se não perder a viſta ſò em vellos,


Ia não paga oque déue a voffo geſto.
Efte me pareciapreço honefto ,
Mas eupor de ventag.m merecellos
Deimais a vida & alma por querellos
Dondeja me não fica mais de refto.

Afsique a vida,& alma, & efperança


E tudo quanto tenho,tudo he voffo,
E o proucito ditfo eu fò oleuo:
Porqu'he tamanha bemauenturança
O'daruos quanto tenho, & quanto poffo,
Que quantomais vos pago , mais vos deuo
SONETO XI.

Vando da bella vifta, & doce rifo,


Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão enleuado Ginto o pensamento
Que me faz ver na terra o parayſo.
Tanto do bem humano eſtou diuifo,
Que qualquer outro bem, julgoporvento
Alsi que em cafo tal fegundo fento
Affaz de pouco faz quemperde o fifo.
Em vos louuar ſenhora não me fundo, st
Porque quem voffas coufas claro feate
Septirá que não pode merecellas
Que de tanta eftranheza fois ao mundo,
Que não he d'eftranhar dama excellente
Que quem vos fez , fizeffe ceo & eftrellas.'
A4 '
Soneto,
Mo
Obras de Luis de Camões
SONETO XXII.

Doces lembranças da paffada gloria,


Que me tirou fortuna roubadora,
Deixaime repoufar em paz hüa ora,
Que comigo ganhais pouca vittoria.
Impreffa tenho n'alma larga hiſtoria
Defte paffada bem que nunca fora,
Oufora,& não paffara,mas ja agora
Em mênão pòde auer mais que a memoria.
Vino em lembranças, mouro d'efquecido
De quem fempre deuera fer lembrado,
Selhe lembrara eftado tão contente :

8quem tornar padèra afer nafcido,


Souberame lograr do bem paffado,
Se conhecer foubera o mal prefente.
SONETO . XIII.

ALmaminha gentil , que te partifte


Tão cedo defta vida defcontente,
Repoufa la no ceo eternamente,
E viua eu ca na terra fempre trifte;
Se la no affento Ethereo,onde ſubiſte)
Memoria defta vida fe confente,
Não te efqueça daquelle amor ardente
Que ja nos olhos meus tão puro viſte.
E fe vires que pode merefcerte
Algua coufa a dor que me ficou
Damagoa fem remedio de perderte,
· Roga a Deos que reus annos encurtou ,
Que tão cedo de cà me leue a verte,
Quam cedo de meus olhos te leuou.
Soneto.
Obras de Luis de Camões.
SONETO . XIIII..

Nhum bofque que dasNymphas fe habitaua


Syluia Nympha linda andaua hum dia,
Subida n'húa auore fombria,
As amarellas flores apanhaua.

Cupido que alli fempre coftumaua


A vir paffar a fefta á fombra fria.
N'hum ramo o arco & fettas que trazia,
Antesqueadormeceffe penduraua .
ANymphacomo idoneo tempo vira
Para tamanha imprefa, não dilata,
Mas co as armas foge ao moço efquiuo
Asfettas traz nos olhos, com que tira:

ò paftores fugi, que a todos matta,


Senão a mi, que de matar me viuo.
SONETO XV.
S Reinos, & os imperios poderofos
Que em gradeza namundo mais crefcetão
Ou por valor de esforço florecerão,
Ou por varões nas letras efpantofos.
Teue Grecia Themiftocles, famofos

Os Scipioes a Roma engrandefcerão;


Doze Pares a França gloria derão,
Cides a Espanha , & Laras bellicofos.
Ao noffo Portugal (que agora vemos
Tão differente de feu fer primeiro)
Os voffos derão honra & liberdade..
E em vos grá fucceffor, & nouo herdeiro
Do Braganção estado, ha mil eftremos.
Igua es ao fangue, & mòres que a idade.
Soneto.
Obras de Luis de Camões.
SONETO XVI.

DE vos me aparto(ò vida) em talmudança,


Sinto viuo da morte o fentimento ,
Não feipera que he ter contentamento ,
Semais ha de perder quem mais alcança
Mas douuos efta firme segurança,
Que pofto que me matte meu tormento ,
Pellas agoas do eterno efquecimento
Segura paffarà minha lembrança .
Antes fem vos meus olhos fe entrifteção ,
Que com qualquer couf ' outra fe contente,

Antes os efqueçaes , que vos efqueção .


Antes nefta lembrança fe atormentem ,
Que com efquecimento defmereção
Agloria que em foffrer tal pena fentem.
SONETO XVI .

CHara minha enemiga , em cuja mão


Pos meus contentamentos a ventura,
Faltoute ati na terra fepultura,
Porque me falte a mi confolação.
Eternamente as agoas lograrão
A tuaperegrina fermofura ,
Mas em quanto me ami a vida dura,
Sempre viua cm minh'alma te acharão;
Efe meus rudos verfos podem tanto,
Que poffao prometerte longa hiftoria
D'aquelle amor tão puro , & verdadeiro .
Celebrada feras fempre em meu canto ,
Porque em quato no mudo ouuer memoria,
Sera minha efcrittura teu letreiro.
Soneto.
ObrasdeLuisde Camões.
SONETO XVIII. a
]
[

Quella trifte & leda madrugada,


AC
Chea toda de magoa, & depiedade,
Em quanto ouuer no mundo faudade:

Quero que feja fempre celebrada.


Ella fo , quando amena & marchetada
Saîa, dando ao mundo claridade,
Vio apartarfe d'hua outra vontade,
Que nunca poderà verfe apartada-
Ella fò vio as lagrimas em fio,
Que d'hus & d'outros olhos diriuadas
S'accrefcétarão em grande & largo rio
Ellavio as palauras magoadas,
Que poderão tornar o fogo frio,
E dar defcanfo ás almas condenadas
SONETO XIX .

Spanta crefcer tanto o Crocodilo,


So por feu acanhado naſcimento,
Quefe mayor nafcera,mais ifento
Eftiuera d'espanto o patrio Nilo;
Em vão leuantarâmen baixo eftyllo
Voffe Pontifical nouo ornamento, -
Pois no ventre o immortal merefcimento»
Volo talhou,pera defpois veftillo.
Tardou,mas veo:que â quem mais merefce
Muito mais tarde viro premio he certo,
E fempre tarda ,inda que venha cedo.
Os ceos que do primeiro eftão mais perto,
Mais de vagar fe mouem, quem foubeffe
Tras daquelle fegredo efte fegredo!
Soneto,
Obras de Luis de Camões,

SONETO XX.

E quando vos peräî minha eſperança


S
A memoriaperderajuntamente,
Do docebem paffado ,& mal prefente,
Pouco fentira a dor de talmudança.
Mas amor.em quemtinha confiança,
Me reprefenta mui miudamente
Quantas vezes me viledo & contente,
Por me tirar a vida.efta lembrança.
De coulas de que não auia final,
Por as ter poftas ja em efquecimento,
Deftas me vejoagoraperfeguido;
Ah dura eftrellaminha! ah gran tormento!
Que mal pode fer mòr,que no meu mal
Terlembrança do bem qu'he japerdido?
SONETO XXL

EMfermofa Lethea fe confia,


Por onde vaydaderanta alcança,
Que tornada em ſoberba a confiança
Com os Deofes celeftes competia.
Porque nãofoffe auante efta oufadia,
(Quenafcem muitos erros da tardança)
Em effeito puferão a vingança ,
Que tamanha doudice mereſcia.

Mas Oleno perdido por Lethea,


Não the foffrendo amor que fopportaſſe
Caftigo duro tanta fermofura,
Quis padecer em fi a pena alhea,
Mas porque a morte amor não apartaffe,
Ambos tornados fao em pedra dura.
Soneto .
Obras de Luis de Camões? ›
7,7
SONETO..

MAles quecontra mi vos conjuraftes,


Quanto ha de durartão duro intento?
Se dura porque dura meu tormento,
Bafteuos quanto ja me atormentaftes.
Mas fe afsi perfiaes , porque cudaftes
Derrubar meu tão alto penfamento?
Mais pode a caufa delle, em qo fuftento
Que vos, qdella mefma o fer tomaftes.
Epois voffa tenção com minha morte
Ha de acabar o- mal deftes amores,

Dai ja fim a hum tormento tão cóprido


Porque dambos contentes feja a forte ,
Vos porque me acabaftes, vencedores,
Ecu porque acabei,de vos vencido,

SONETO.
Stafe a Primauera trasladando ›
Em voffa vifta deleitofa ,& honefta,
Nas lindas faces, olhos,boca, & teſta;
Boninas,lyrios ,rofas debuxando. !
De forte voffo gefto matizando
Natura quantopode manifefta,
Que o monte,o capo, o rio, & a florefta,
Se eftão de vos fenhora namorando.

Se agora não quereis que quem vos ama


Poffa colher o fruito deftas flores,

Perderão toda a graça voffos olhos,


Porque pouco aproueita linda dama,
Que femeaffe amor em vos amorës,

LSe voffa condição produze abrolhos.


Soneto,1
Obras de Luis de Camões
SONETO . XXIIII .
Ete annos de paftor Iacob feruia
SE
Labão,pai de Rachel, ferrama bella:
Mas nãoferuia ao pai,feruia a ella,
E a ella fo porpremio pretendia.
Os dias na efperança de hum fò dia
Paffaua, contentandoſe com vellaï
< Porem o pai vfando de cautella,
Em lugar de Rachel, lhe daua Lya.
Vendo o trifte paftor que com enganos
Lhe fora afsi negada a fua paftora,
. Como fea não tiuera merecida:
Começa de fernir outros fet'annos,
Dizendo;Mais feruira, fe não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida.

SONETO. XXV.
Stá o lafciuo & doce paffarinho
Com o biquinho as penas ordenando,
O verſo ſem medida alegre , & brando,
Efpedindo no ruftico raminho.
O cruel caçador (que do caminho
Se vem calado & manfo, defuiando)
Napronta vifta a feta endereitando,
Lhe dano Stigio lago eterno ninho.
Deft'arte o coração, que liure andaua,
(Pofto que ja de longe deftinado)
Onde menos temia foi ferido..

Porque o frecheiro cego m'efperaua, !


Pera que me tomaffe defcuidado ,
Em voffos claros olhos efcondido.
Soncto
Obras de Luis da Camoes,

SONETO. XXVI.

PEdeme o defejo( dama) que vos veja,


Não entende oque pede, eftá enganado,
Heefte amortão fino,& tão delgado,
Que quem o tem nao fabe o que defeja:
Não ha coufa a qual natural feja ,
Que não queira perpetuo feu eftado,
Não quer logo o desejo o desejado,
Porque não falte nunca onde fobeja ,
Mas efte puro affeito em mi fe danna,
Que como a graue pedra tem por arte
O centro defejar da natureza..
Afsi openfamento (polla parte
Que vay tomar de mi terrefte humana,))
Boyfenhora pedir efta bayxeza..

SONETO. XXVII.

Porque quereis fenhora que offereça :


Avida a tanto mal como padefço 2
Se vos nafce do pouco que mereço

Bempor nafcer eftà quem vos mereça.


Sabey que em fim por muito que vos peça,
Quepoffo merecer quanto vos peço,
Que nã cófent' amor qu'em baixo preço
Tão altopenfamento fe conheça.
Afsi que a paga igual de minhas dores ,
Com nada fe reftaura,mas deuesma
Por fer capaz de tantos disfauores..
E fe o valor de voffos feruidores

Ouuer de fer igual conuofco mefma,


Vos fo conuoco mefma andai d'amores.
Soncto

¦
'Obras de Luis de Camões.
SONET O.

SE tanta pena tenho merecida


Em pago de foffrer tantas durezas ,
Prouay fenhora em mi voffas cruezas ,
Que aqui tendeshũa alma offerecida.
Nella exprimentay ſe ſois feruida,
Defprezos,disfauores,& afperezas,
Que mòres foffrimentos,& firmezas
Softentarei na guerra defta vida.
Mas contra voffos olhos quaes ferão?
Forçado he que tudo fe lhe renda,
Mas porei por efcudo o coração.
Porque em tão dura & afpera contenda,
He bem que pois não acho defenfao,
Com me meternas lanças me defenda

'
SONETO .
Vando o folencuberto vai moſtrando
QAo mundo a luz quieta & duvidofa,

Ao longo de hua praya deleitofa,


Vou na minha inimiga imaginando.

Aqui a vi os cabellos concertando ,


Alico a mão na face, tão fermofa,
Aqui falando alegre, ali cudofa,
Agora eftando queda, agora andando.
qui efteue fentada, ali me vio,
Erguendo aquelles olhos tão ifentas,
Aqui mouida hum pouco, ali fegura;
qui fe entrifteceo , ali ſe rio,
Em fim neftes canfados penfamentos
Pallo efta vida vaa, que fempre dura.
6.0.
Soneto.
25
Obras de Luis de Camões. 20

SONETO.

XXX.

HVm mouer d'olbos brando & piadofo,


Semver de que,hu rifo brädo, & honefto,

Quafiforçado bum doce, bumildegefto ,

De qualquer alegria duuidofo.

Hum defpejo quieto, vergonhofo,

Hum repousograuißimo, & modefto,

Hua pura bondade, manifefto

Indicio da alma,limpo, & graciofo :

Hum encolhido oufar, hua brandura,

Hum medofem ter culpa,hum arfereno,

Hun longo, & obediente foffrimento,

Eftafoi a celeftefermofura

Da minha Circe, & o mágico veneno

Quepode transformar meu pensamento,

Sonelva
Obras de Luis de Camões.

SONETO XXXI.

TOrmoume vofJavifta Jokerana

Adonde tinha as armas mais à mão,

Por mostrar que quem busca defenſaõ


Contra eßesbellos olhos, ques'engana,

Porficar da vittoria mais vfana

Deixoume armarprimeiro da razão::


Cuideide mefaluar masfoi em vão,

Que contra o ceo não val defenfa humana.

Masporemfe voutinha prometido

Ovoffo alto deftino efta vittoria,


Seruos tudo bempouco estàfabido..

Quepofto que estiueffe apercebido,

Não leuais de vencermegrande gloria,

Mayor aleuo eu defer vencido

.Soncto
Obrasde Luis de Camões. TO
SONETO . XXXII.

NAŎpaffes caminhante: Quem me chama?


ΝΑ
Haa memoria noua, & nunca ouuida,

D'hum q trocou finita & humana vida,


Por diuina,infinita,& clara fama.
Quem he, que tão gentil louuor derrama? )
Qué derramar feu fangue não duuida
Porfeguir a bandeira efclarefcida
D'hum capitão de Chrifto,que mais ama.
Ditolo fim, ditofo facrificio,

Quea Deos fe fez, & ao mundo juntamëtë,


Apregoando direi tão alta forte.
Mais poderás contar a toda a gente,
Que fempre deu fua vida claro indicio
De vir a merecer tão fanta morte.

SONETO XXXIII.
Ermofos olhos, que na idade noffa
FE
Moftrais do ceo certifsimos finais

Sequereis conhecer quanto poffais,


Olhaime ami,que fou feitura voffa,
Vereis que de viuer me defapoffa
Aquelle rifo com que a vida dais,
Vereis como de amor não quero mais,
Por mais que o tépo corra, & o dáno poffa.
E fe dentro neft'alma ver quiferdes
Como n'hum claro efpelho ,alli vereis
Tambem a voffa angelica & ferena:
Mas eu cuido que fò por não me verdes
. Veruos em mifenhora não quereis

Tanto gofto leuais de minha pena.


B 2 Soneto.
Obras de Luis de Camões,
SONETO XXXIIII.

Fogo que na branda cera ardia,


Vendo o rofto gentil qu'eu n'alma vejo,
Se acendeo d'outro fogo do defejo ,
Por alcançar aluz que vence o dia.
Como de dous ardores fe encendia,
Dagrande impacienciafez defpejo,
Eremetendo com furor fobejo
Vosfoibeijar na parte onde ſe via.
Ditofa aquella flama que fe atreue
Apagar feus ardores & tormentos,
Navifta de que o mundo tremer deue.
Namoraófe fenhoraos Elementos,
De vos, & queima o fogo aquella neue,
Que queima corações & penfamentos.

SONETO XXXV.

' Legres.campos, verdes armoredos,


A
Claras & frefcas agoas de criſtal,
Que em vos os debuxais ao natural,
Defcorrendo da altura dos.rochedost
Silueftres.montes , afperos penedos..
Compostos em concerto defigual,
Sabei que fem licença de meu mal
Ia não podeis fazer meus olhos le dos
E pois me ja não vedes como viftes ,.
Não me alegrem verduras deleitofas,
Nem agoas que correndo alegres vem,
Semearei em vos lembranças triftes,
Regandovos com lagrimas faudofas,
E nafcerão faudades de meu bem.
Soneto.
Obras de Luis de Camões,
#
11

SONETO XXXVI.

QVantas vezes dofufofefquecia


Daliana, banhando o lindofeo,

Tantas vezes debum afpero receo


Salteado Laurenio, a cor perdia.

Ella que a Syluio mais que afi queria,

Perapodello ver não tinha meo:


Ora como curâra o mal albeo

Quem ofcu mal tão mal curarſabiaề

Elle que vio tão clara efta verdade,

Comfolluços dezialque a efpeffura


Commouia de magoa, a piedade)

Como pode a defordem da Natura,


Fazer tão differentes na vontade

Aquemfeztão conformes na ventura?

B 3 Soneto


Obras de Luis de Camões:

SONETO XXXIX..

I Indo &futtil trençado, queficafte

Empenhor do remedio que merefço,


"
Se so contigo vendote endoudeço,

Quefora cos cabellos que apertaste?

Aquellas tranças d'ouro que ligafte


Que os rayos dufoltem em pouco preço ,

Nãofeife para engano do que peço

Separama atar os defatafie?:


Lindo trançado em minhas mãos-te vejo,

E porfatisfação de minhas dores


Como quem não tem outra , ey de tomarte

Efe nãofor contente meu deſejo,


Dirlh'ei que nesta regra dos amores·

Pello todo tambem fe toma aparte.

Soneto
Obras de Luis de Camões. 12
SONETO XXXVIII .

Cifne quandofente fer chegada


A hora que poem termo a fua vida,
Mufica com voz alta, & mui fubida

Leuanta pola praya inhabitada.


Defeja ter a vida prolongada,
Chorando do viuera defpedida,
Com grande faudade da partida,
Celebra o trifte fim deſta jornada.",
Afsi fenhora minha quando via

O trifte fim que dauão meus amores,


Eftando pofto ja no eftremo fio,
Com maisfuaue canto & armonia

Difcantei pellos voffos disfauores


La vueftra falfa fè ,y el amor mio.

SONETO XXXIX.

PEllos eftremos raros que moftrou


Em faber Pallas, Venus em fermofa,
Diana em caſta, Iuno em animofa,
Africa, Europa,& Afia, as adorou:

Aquelle fabergrande que ajuntou


Efprito & corpo em liga generofa,
Efta mundana machina luftrofa,
Defò quatro Elementos fabricou.
Mas mòr milagrefez a natureza
Em vos fenhoras , pondo em cada hua
O quepor todas quatro repartio
vos feu refplandor deu Sol & Lua,
Avos com viua luz ,graça, & pureza,
Ar,fogo,terra, & agoa, vos feruia,
B 4 Soncre
1
Obras de Luis de Camões.
SONETO XXXX .

'Omaua Deliana por vingança


Tom
Da culpa do paftor que tanto amaua,
Cafar com Gil vaqueiro, & em fivingaua
O erro alheo, & perfida efquiuança.
A defcrição fegura , a confiança,
Asrofas que feu rosto debuxaua,
O defcontentamento lhas fecaua ,

Que tudo muda hûa afpera mudança.


Gentil planta difpofta em fecca terra,
Lindo fruito de dura mão colhido,

Lembranças d'outro amor, & fè perjura,


Tornarão verde prado em dura ferra,
Intereffe enganofo,amor fingido ,
Fizerão defditofa a fermofura.

SONETO XXXXI.
Ramtempo haja que foube da ventura,
GR
A vida que metinha deftinada ,
Que a longa experiencia da paffada
Me daua claro indicio da futura.
Amorfero,cruel, fortuna dura,
Bem tendes vofla força exprimentada,
Affolai, deftrui,não fique nada,
Vingaiuos defta vida, qu'inda dura.
Soube amor da ventura que a não tinha,
E porque mais fentiſſe a falta della,
De images impofsiueis me mantinha .
Mas vos fenhora, pois que minha eftrella
Não foi melhor, viuei nefta alma minha,

Quenão tem a fortuna poder nella.


Soneto.
Obras de Luis de Camões. 13

SONETO.

XXXXII.

SE algua hora em vos a piedade


Detão longo tormentofefentira,

Não confentiraamor que me partira

De voffos olhos,minha faudade .

Aparteime de vos,mas a vontade,.

Quepello natural n'alma vos tira,.

Mefaz crer que esta ausenciabe de mintira,


Mas inda malporemporque he verdade.

Irm'eyfenbora, & nefte apartamento,

Tomarão triftes lagrimas vingança.

Nos olhos de quem foftes mantimento:

Eaßi darei vida a meu tormento,

Qu'emfim came acharà minha lembrança,.

Sepultadono voflo efquecimente.

Bs Soneto?

2607

Jun
Obras de Luis de Camões.

THE 3
H❀KINF

SONETO. XLIII.

ComoJe me alonga de anno em anno

Aperegrinação canfada minha !

Comof'encurta, como ao fim caminha


Efte meu breue vão difcurfo humano !

Wayfe gastando a idade, crefce o danno,

Perdefeme Tum remedio , que inda tinha

Sepor experienciafe adeuinha,

Qualquergrade esperança he grand'engana.


Corro apos efte bem, que nãofe alcança,
No meo do caminho me fallefce,

Mil vezes cayo , perco a confiança.

Quando elle foge, eu tardo, na tardança

Se os olhos ergo a verfe inda parefce,

Daviſtaſe meperde, da eſperança.

Soneto
1

Obrasde Lais de Camões


.
24
SONETO XXXXIIII.

Empohe ja que minha confiança


Tempo
Se deça de húa falfa opinião ,
Mas amor nãofe rege por razão,
Não poffo perder logo a efperança:
Avida fi,que húa aſpera mudança
Não deixa viuer tanto hum coraçãog
E cu na morte tenho a faluação?
Si: mas quem a defeja não a alcança.
Forçado he logo qu'eu efpere & viua,
Áh dura lei de amor,que não confente

Quictação n'hua alma qu'he cattiua.


Se hei de viuer emfim forçadamente
Pera que quero a gloria fugitiua ,
D'húa efperança váa que me atormented

SONETO XXXXV.
Mor, co a efperança ja perdida "
A
Teu foberano templo vifitei,
Por final do naufragio que paffei
Em lugar dos veftidos pus a vida.
Que queres mais de mí , que deftruida'
Me tes a gloria toda que alcancei ?
Não cuides de forçarme, que não fei ¡¡
Tornar a entrar onde não ha faida...

Ves aqui alma, vida, & efperança,


Defpojos doces de meu bem paffado,
Em quanto quis aquella qu'eu adoro:
Nella podes tomar de mi vingança ,
E s'inda não eftas de mi vingado,
Contentate co as lagrimas que choro
Soneto
Obras de Luis de Camões,
SONETO XXXXVI.

APollo, & as noue Mufas ,difcantando


Com a dourada lyra, me influîão
Nafuaue armonia que fazião,
Quando tomei a pena começando;
Ditofofeja o dia & hora quando
Tão delicados olhos me ferião,
Ditofos os fentidos que fentião
Eftarfe em feu desejo trafpaffando.
Afși cantaua, quando amor virou
Atoda,a eſperança que corria,
áo ligeira,que quafi era inuifiuel.
Conuerteuſeme em noite o claro dia.

E fe algua efperança me ficou ,


Serade mayor mal,fe forpofsiuel.

SONETO XXXXVII

Lembranças faudofas, fe cudais


'De me acabar a vida nefte eftado,
Não viuo com meu mal tão enganado,
Que não espere delle muito mais,
De muito longe ja me coftumais ,
A viuer d'algum bem defefperado,
Ia tenho coa fortuna concertado}
De foffrer os trabalhos que me dais.
Atado ao remo tenho a paciencia,
Pera quantos defgoftos der a vida ,
Cuide em quanto quifer o penfamento,
Que pois não ahi outra refiftencia ,
Pera tão certa quedada caida ,
Apararlh'ei debaixo o foffrimento.
Soneto
Okras de Luis de Camões, 15
SONETO XXXXVIII.

APartauafe Nifede Montano, I


Em cuja almapartindoſe ficaua,
Que opaftor namemoria a debuxaua,
Porpoderfuftentarſe deſte engano.
Pellas prayas do Indico Occeano
Sobre o curuo cajado f'encoftaua,
Eos olhospellas agoas alongaua,
Que pouco fe doîaóde feu danno.
Poiscom tamanha magoa & faudade:
(Dézia) quis deixarme a em que adore A
Porteftemunhas tomo ceo & eftrellas T

Mas fe em vos ondas mora piedade, eroti


Leuaitambem as lagrimas que choro,
Pois afsime leuais a caufa dellas.

SONETO . XXXXIX.
Vando vejo que meu deftino ordena

Que por meexprimentar de vosm'aparte,


Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mefma culpa fica graue pena:
Odurodisfauor que me condenna
Quando pella memoria fe reparte,
Endurefce os fentidos de tal arte

Que a dor da ausencia fica mais pequena,


Poiscomopode fer que na mudança
Daquillo que mais quero eftè tão forg
De me não apartar tambem da vida?
Eurefrearei tão afpera efquinança
Porque mais fentirei partir fenhora
Semfentir muito apena da partida.
Soneto
Obras de Luis de Camoer
SONETO L.

DEpois de tantos dias mal gaſtados,


Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lagrimas vertidas,
Tantos fofpiros vãos,vámente dados.
Como não fois vos ja defenganados ,
(Defejos) que de coufas efquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Qu'amorfez fé remedio, o tépo, os fados ?
Se não tiuereis ja experiencia ·
Das femrazões d'amor a quem feruiftes,
Fraquezafora em vos a refiftencia.
Mas pois por voffo mal feus males viftes;
Que tempo não curou ,nem lóga ausencia
Que bem delle efperais; defejos triftes?

L SONETO LI.
NAyades ,vos que osrios habitais
Que os faudofos campos vão regando,
De meus olhos vereis eftar manando ,
Outros que quafi aos voffos fam iguais:
Dryades,vos que asfertas atirais,
Os fugitiuos ceruos derrubando,
Outrosolhos vereis que triumphando
Derrubão corações, que valem mais ,
Deixai as aljauas logo, & as agoas frias,
Evinde Nymphas minhas , fe quereis
Saber como de hus olhos nafcem magoas;
Vereis como fe paffao em vão os dias ,
Mas não vireis em vão , que cà achareis
Nos feus asferras, & nos meus as agoas.
Soneto.
?
Obrasde Luis de Camõeis

SONETO, Lille

Mdaofe os tempos, mudãofe as vontades


Mudafe ofer,mudafe a confiança,
Todo o mundo be composto de mudança

Tomandofempre nouas qualidades

Continuamente vemos nouidades,

Differentes em tudo da eſperança, 2

Domalficão as magoas na lembranças,

E do bem fe algum ouue) asfaudades:

O tempo cobre o chão de verde manto Ni


Que ja cuberto foi deneuefria,
E enfim conuerte em choro o doce canto

Ea fora estemudarfe cada dia.

Outra mudançafaz de mòr eſpanto»»

Que nãose mudaja comofoia.

Soneto
Obras deLuis de Camões,
XOXO
K

SONETO LIIII.

SE aspenas com que amor tão mal metrattå

Quifer que tanto tempo viua dellas

Que veja eſcuro olume das eftrellas,

Em cuja vista o meufe acende & matta.


Efe o tempo que tudo desbarata

Seccar asfrefcas rofasfem colhelas,

Moftrando a linda cor das tranças bellas

Mudada de ouro fino em bellaprata:


Vereisfenhora então tambem mudado

Opensamento, & afpereza voẞa,

Quando nãofiruajafua mudança

Sufpirareis então pellopaffado ,

Em tempo, quando executar ſepoſſa

Em voẞo arrepender minha vingança.

Soneto
Obras de Lais de Camões.
፲፯

SONETO LV.

Afepultura delRei dom

Ioão Terceiro.

Vemjaz no grafepulchro, que defcreue


Tão illuftres finais noforte escudo?

Ninguem,que nillo em fim Je tornatudo,

Masfoiquemtudopode, tudo tene.

Foi Rei:feztudo quanto a Reiſe deue,


Pos naguerra napaz deuido ftudo,

Mus quãopesadofoi ao Mourorudo

Tantolhe feja agora a terra leue.

Alexandreferat Ninguemfe engane


Quefuftentar mais que adquirirfe eſtimas

Sera Adrianografenbor do mundos

Mais obferuantefoi da lei de cima.


HeNuma? Numia não, mas he Ioanne,

DePortugal Terceiro,femfegundo
Obras de Luis de Camões

SONETO. LVL

QVempode liurefergentil fenhora,


Vendavos comjuyzo foßegado ,

Se a minino que de olhos be priuado,

Nas mininas dos voffos olhos mora?


Allimanda, alli reina, alli namora,,

Alliviue dasgentes venerado,.

Que o vino lume, o rosto delicado,

Imagés Jaõ , nas quais o amor fe adora..


Quem ve que em branca neue nafcem roſas,

Quefios crespos d'ouro vão cercando,

Se por antre esta luz a viſta paſſa:


Rayos d'ouro verà, que as duuïdofas.

Almas eftão nopeito trafpaffando

Afi como bum crystal ofol trafpafla..

Soneto
Obras de Luis de Cambes.

SONETO. LVII..

Omofizefte Porcia talferidas


C
Foy voluntaria, ou foi por innocenciat

Masfoifazer amor experiencia

Sepodiafoffrer tirarme avida.

Ecom teupropriofanguete conuida

Anão pores à vida refiftencia ?

Andome acoftumando àpaciencia,


Porque o temor amorte nãoimpidas
Poisporquecomes logofogo ardente,

¿Seaferrate coftumas ? Porque ordena ?

Amor,que morra &penejuntamente


.

Ees ador deferro porpequenat

Si: que a dor coſtumada nãoſeſente, .A

Enão quero amortefem apena. »

C : Soneto
Obras de Luis de Camões.

SONETO LVIII.
XOXOK

AO AVTOR..

Vem be efte que na harpa Lufitana

Abate as Mufas Gregas & Latinas?

Efazque ao mundo. efqueção as Plautinas

Graças, com graça alegre, lyra vfana?

Luis de Camões he, que aſoberana:


Potencia lhe influiopartesdiuinas .

Por querefpirão asflores.& boninas ,

Da :HomericaMuſa Italiana.

Setu ( triumphante Roma)este alcançarasī

No teu theatro, Scena luminofa,

Nunca dogran Terentio te admiraras,,

Mas antesfem contraste, curiofa :


Eftatua d'ouro alli lhe leuantaras,

Contente de ventura tão ditofa.

Soneto
Obras de Luis de Camber
}

SONE TO LIX.

al.. Repoſta fua!

E tão diuino accento & vozbumana,


D De tão docespalauras peregrinas,

Bemfei que minhas obras nãofaõ dinas,

Que orudo engenho meu me defengana.

9ʻmana,
Mas de voffos efcrittoscorre ¿

Licor que vence as agoas Cabalinas,

Econuofcodo Tejo asfloresfinas

Farão enueja à copiaMantuana:

Epois a vosdefi nãofendo anaras


Asfillas de Mnemofinefermoſa,
Partes dadas vos tem ao mundo caras

Aminha Mufa & avoſſa tãofamoſa,

Ambaspoßochamar ao mundo raras,

Aveßa d'alta,a minha d'ennejofa.

. C 3 Soneto
Obras de Luis de Camões;

SONETO LX.

Aafepultura de dom Fernando

de Caftro..

DEbaixo defta pedra eftâ metido

Dasfanguinofas armas deſcanfado,

O capitão illuftre, afinalado,


Dom Fernando de Caftro efclarefcido :
Por todo o Oriente tão temido,

E da inueja dafama tão cantado :

Efte pois so agorafepultado


Eftà aquija em terra conuertido..

Alegrated guerreira Lufitania

Por efte Viriato quecriafte,


Echorao perdido eternamente.

Exemplo toma nifto de Dardania,

Quefe a Roma co elle anichilafte,

Nem por iffo Carthago eftà contente.

Soneto
Obras de Luis de Camões. 20

SONETO LXI.'

A dom Luis d'Attaide

Viforci.

QVe vençais no Oriente tantos Reis,


Que de nouo nos deis da India o estado,

Que efcurefçais afama que ganhado

Tinhão os que aganharão a infieis.


Que do tempotenhais vencido as leis:

Quetudoemfim vençais co tempo armadon

Mais be vencer napatria defarmado ·


Os monftros,& as chimeras que venceis

Eaßi fobre vencerdes tanto imigo,

Epor armasfazer quefem fegundo


Voffo nome no mundo ouuidofeja,
O que nos dà mais nome inda ño mundo,

He vencerdesfenbor no Reino amigo,

Tantas ingratidões , taogrande inueja.

C 4 Sonete
Obras de Luis de Camões.

SONETO LXII.

Partindofe pera a India.

EVme aparto de vos Nymphas do Tejo,


Quando menos temia eſta partida,

Efe minhalma vay entriftefcida,


Nos olhos o vereis.com que vos vejo.

Pequenas efperanças,maljobejo,

Vontade que a razão leua configo, veneid.

Afinha darãofim à trifte vida,


Se vos não torno a ver como desejo.

Nunca anoite entretanto,nunca o dia,

Verà de mipartir voẞa lembrança,

Amor que Day comigo o certifica.

Por mais que na tornada aja tar dança,

Sempre mefarão trifte companhia,

Saudades do bem qu'em vos mefica.

Soneto
Obras de Luis de Camões. 21
SONETO LXIII.
Offos olhos fenhora que competem
Cofolem fermofura & claridade,
Enchem os meusdé tal fuauidade,

4. Que em lágrimas de vellos fe derretem .


Maus fentidos vencidos fe fometem

Afsi cegos a tanta diuindade,


Eda trifte prifaō,da escuridade,
Cheos de medopor fugir remetem.
Mas fe nifto me vedes por acerto,

O afpero defprezo com que olhais


Torna a espertar a alma enfraquefcida
&gentil cura,& eftranho deſconcerto,
Que farà o fauor que vos não daisy
Quando o voffo defprezo torna a vida

SONETO LXIIII..
Ermoſura do ceo a nòs defcida,
F
Que nenhum coração deixais ifeuto
Satisfazendo a todo o penfamento,
Sem feres de nenhum bem entendida.

Que lingoa auera tão atreuida,


Que tenha de fouuarte atreuimento,
Pois aparte melhor do entendimento
No menos que em ti ha fe vè perdida?
Se teu valor contemplo, a melhor parte
Vendo que abre na terra hum paraiſo,
O engenho me falta, o efprito mingoa;
Mas oque mais me tolhe inda louuarte,
He que quando te vejo perco a lingoa,
E quando te não vejo perco o fifo.
Soneto".
t
Obras de Luis de Camões,
SONETO LXV.

Pois meus olhos não canfao de chorar


Tristezas que não canſaó de canfarme,
Pois não abráda o fogo em que abrafarme
Pode quem eu jamais pude abrandar ;
Não canfe o cego amor de me guiar
A parte donde não faiba tornarme,
Nem deixe o mundo todo de escutarme
Em quanto me a voz fraca não deixar.
Efe em montes , rios , ou em valles,
Piedade mora, ou dentro mora amor

Em feras, aues,prantas ,pedras , agoas;


Oução a longa hiftoria de meus malles
E curem fua dor com minha dor,
Què grandes magoas pode curar magoas

SONETO LXVI

DAyme hua lei fenhora de quereruos


Que a guarde,fopena de enojaruos,
Que afe que me obriga a tanto amaruos,
Fara que fique em ley de obedeceruos.
Tudo me defendei,fenão fò veruos,
E dentro na minh'alma contemplaruos,
Que fe afsi não chegar a contentaruos,
Aomenos que não chegue âborreceruos
Efe effa condição cruel & efquiua
Que me deis lei de vida não confente ,
Daima fenhora ja, feja de morte.
Senem effa medais , he bem que viua
Sem faber como viuo triftemente ,
Mas contente porem de minha forte...
Começão
‫سم‬
Obras de Luis de Camões: T

SEGVNDA PARTE

Das Canções.

Canção primeira,

FErmofa & gentil dama, quando vejo

Atefta douro neue, o lindo afpeito,

Abocagraciofa, orifo honefto,

O marmoreo colo, & brancopeito:


De meu não quero mais que meu defejo,
Nem mais devos que ver tão lindo gefto,.

Alli me manifefto

Porvoffo a Deos & ao mundo : alli m'inflamer

Nas lagrimas que choro,


Ede mí que vos amo, ·

Em ver quefoube amaruos, me namoroz


Efico por mifo perdido dearte

Qu'ei ciumes de mipor voẞaparte.

Sep orventura vino deſcontente

Porfraqueza d'efprito padefcendo,

A doce pena qu'entender nãofey,.1


Fujo de mi, acolhome correndo

Avoẞa vifta,& fico tão contente,

Que zombo dos tormentos quepaffer


De
Obras de Luis de Camões

De quem me queixarei
"
Se vos medais a vida defte geito,

Nos malles quepadefço

Senão de meufogeito,
Quenão cabe com bem de tanto preço?

Masainda iffo de mi cudar não poffo,

D'eftar muitofoberbo.comfer voffo.

Seporalgum acerto amor vos erra

Porparte do desejo, cometendo

Algum nefando torpe defatino ,


Se ainda mais que ver emfim pretendo,

Fraquezasfam docorpo , qu'he de terra,

Mas não do pensamento, que he diuino :

Se tão alto imagino


Que de vista meperco,pecco nisto,

Defculpame o que vejo,

Quefe emfim refifto


Contra tão atreuido & vão desejo,

Façome forte emvoffa vistapura,

Earmafe devoffa fermofura.

Das delicadas fombrancelhas pretas,

Os arcos com quefere amor tomox,


Efeza linda cordados cabellos.
E
Obras de Luis de Camões.
233
Eporque de vos tudo lhe quadron ·

Dos rayos deffes olhos fez as fettas,

Com quefere quem alça osfeus a vellose

Olbus que fam tão bellos,


Dão armas de ventagem ao amor,…,

Com que as almas deftrue,..

Poremfe hegrande a dor

Cóa alteza domalg'a reſtitue,

E as armas com que matafam defortee

Que ainda lhëficais deuendo‘a morte. »-

Eagrimas, & fufpiros,pensamentos


Quem dellesfe queixar,fermofa dana :

Mimofo efta do mal que por vosfente..

Que mayorbem defeja quem vos ama:

Que eftardefabafando feus tormentos


Cborando ,imaginando docemente?

Quem viue descontente

Não ha de dar aliuio afeu deſzofto,,

Porquefe lhe agradefsa -


Mas com alegre rofto

Soffrafeus malespera que os merefças:

Que quem do mal


fe queixa que padefce,.

Hallo porque efta gloria não conhece.


De:
et 7
"Obras de Luis de Camões.

Demodo quefe cae o penſamento ,

Em alguafraqueza de contente,

Heporque efte fegredo não conheço:


Aẞi que com razões nãotãofomente

Defculpo ao Amor de meu tormenta,


Mas ainda a culpafua lbe agradefço:

Por estafe merefço

Agraça que effes olhos acompanha.

bem dodace rifas

Masporem nãoſeganha ...


Chum parayfo outro parayfo

Eaßi de enleada a efperança

Sefatisfaz cobem que não alcança.

Se.com razões efcufo meu remedio

Sabe canção queporque não vejo

Engano com palauras odefejo.

Canção fegunda

A Inftabilidade da fortuna,
Os enganos fuaues de amor cego,
Suaues (fe durarão longamente)
Direi,por dar á vida algum foffego;
Que pois a graue pena me importuna,
Importune meu canto a toda gente.
E fe
r
Obras de Luis de Camões.
]
M
[
Efe o paffado bem co mal prefente
Me endurefce a vozno peitofrio
Ogrande defuario
Dará deminha pena final certo,
Que hum erro em tantos erros he concerto,

E pois nefta verdade me confio,


(Se verdade fe achar no mal que digo)
Saiba o mundo de amor o defconcerto,
Queja co a razão fe fez amigo,
So por não deixar culpa fem caftigo..

Ia amorfez feis,fem ter comigo algua, ·


.Ia fe tornou de cego arrazoado ;
Soporvfar comigo femrazões :
E fe em algúa coufa o tenho erradoj ,
Com fifo grande dor não vi nenhŭa;
Nem elle deu fem erros affeiçõesy ,

Mas por farde fuas ifenções -


Bufcou fingidas caufas por matarme;
Que pera derrubarme
No abifino infernalde meu tormento,
Não foi foberbo nunca o penfamento,
Nem pretende mais altó aleuantarme
Daquillo que elle quis; & fe elle ordena
Que cupague feu oufadoatrcuimento,
Saiba que amefine amor que me condena
Me fez cayr ha colpa,& mais na pena.

Os olhos que curadoro,aquelle día”


Que decerão ao baixo pensamento,
N'alma osapofentei fuauemente,
Epretendendo mais,como auarento,
•Obras de Luis de Camões,

10 coração lhe dei porïguaria,


«Qu'a meu mandado tinha obediente:
Porem como ante fi lhefoi prefente,
«Que entenderão ofimdemeu defeja,
Oupor outrodeſpejo,
Que alingoa defcubrio por défuario,
Defede morto estou pofto n'hum rio,
Ondedemenferuiço o frutta vejo
Mas logofe alça fe a cathelo venho,
Efogemea agoa ,fe beber porfio;
Afsique emfome & fede me mantenho,
Não tem Tantalo apena que eu foftenho.'

Depois que aquella em quem


- minh'álma viwe
Quis alcançar obaixo atreuimento,
Debaixodefte engano.a alcancei ,
Anuuem docontine peafamento .
Maafigurou nos braços ,& afsi à tiùe,
Sonhando o que acordado delejéi;

Porque ameu deſejo me gabei


De alcançar hum bem deitanto preço
Allem do que padefço
Atado em búa roda eſtou penando,
Que em mil mudanças me anda rodeande,
Ondefe a algum bem fubodogo deço,
Eafsi ganho & percoa.confiança,
Eafsi de mi fugindo, tras miando.
Eafsi metem atado húa vingança,
Como Ixião,tão firme na mudança
qoydu .
Quando a vifta fuaue & inhumana:

Q
Obras de Luis de Camões.
Meu humano defejo de atreuido 25

Cometeo, fem faber o que fazia,

O cego moço,que co aletta infana


O peccado vingou'defta oúfadia;
E aforaefte mal que eu merefcia,
Me deu outra maneira de tormento,

Que nunqua o penſamento


(Quefempre vea d'hūa'a outra parte)
Deltas entranhas triſtes não ſé farte,
Imaginando fobre o famulento,
Quanto mais come , mais eſtá creſcendog
Porque de atormentarme não ſe aparte;
Afsi quepera a pena éftou viuendo ,
Sou outro nouo Tició,& não m'entendo.

De vontades alheas que roubauz,

E que enganofamente recolhia,


Emmeu fingido peito me mantinha, 15
Demaneira o engano lhe fingia , et valg
Que depois que a meu mando as fojugaua
'Com amor as mattaua, qu'eu não tinha;
Porem logo o caftigo que conuinha
Ovingatiuo amor me fez fentir,
Fazendome fubir

Aomonte da afpereza que em vos vejo,


Copelado penedo do defejo,
Que do cume do bem me vay cair;
Tomoa fubilloao defejado affento,
Torna a cayrme, embalde emfim pelejo,
Não te elpantes Sifipho defte alento,
Rugás coftas ofubi do fofrimento.
D Dela
Obras de Luis de Camões
Defta arte o fummo bem fe me offerefce
Ao faminto defejo , porque finta

A perda de perdello mais penofa,


Como o auaro a quem o fonho pinta
A char thefoura grande,onde entiquefce
E farta fua fede cobiçofa;:
E acordando com furia prefurofa,
Vay cauato lugar onde fonhaua:
Mas tudo o que bufcaua

Lhe conuerte em caruão a defuentura;


Alli fua cobiça mais fe appura,
Porlhe faltar aquillo que efperaua;
Deft'arte amor me faz perder o fifo,

Porque aquelles que estão na noite efcura,


Nunqua fentirão tanto o trifte abyfſo „
Se ignorarem o bem do parayfo..

Canção nomais , que ja não fei que digo


Mas porque a dor me feja menos forte,
Diga o pregao a caufa defta morte..

AUSALATALU

Canção terceira.

【 Aaroxamanhã clara

Do Oriente, as portas vem abrindo,

Dos montes defcubrindo

Anegra efcuridão da luz auara,


O fol
7.4
Obras de Luisde Camões, 29
'que nunqua para, w……….
Ofol

Defug alegreviftafaudofo,
Tras ellapreffurofo, C.A

Nos cauallos canfados do traballo.

Que refpirão nas beruasfrefco orualboy


Se eftende claro, alegre, luminofo,.

Os paffaros voandu,
De raminho em⋅raminho
, modulando, b )0

Com buafuaue doce melodia

O clarodia estão manifeftando!


ORLD 1075.
us}}
pqrO
Amanhãbella & amena retire 20

Seu rosto defcubrindo, a eſpeſſura Bapon 5


Se cobre de verdura,

Branda,fuaue,angelica, ferena,

& deleitofa pena,

Seffeito d'amor tão preeminentel

Quepermitte & confentere over or go on

Que onde quer que me ache, & onde esteja

O feraphicogefto fempre veja, A

Por quem de viuer triftefou contentel


Mas tu Aurorapura, quo omni mlo afs

De tanto bem dagraças â venturdayvə anl}

Pois asfoipor em titão differentes,

Quereprefentes tanta fermofurans


22 Aluz
Obras de Luis de Camões.

Aluzfuaue & leda

Ameus olhos me moftra por que mouro


E os cabellos d'ouro

Não igualãos que vi, mas arremeda:

Efta be aluzque arreda

Anegraefcuridão dofentimento

Ao doce penfamento:

Ooruallo dasflores delicadas,


São nos meus olhos lagrimas canfadas ,

Qu'eu choro.coprazer de meu tormento:

Ospaffaros que cantão.

Os meus efpritosfam que a voz leuantão

Manifeftando ogefto peregrino,

Cótão› diuinofom o mundo espantão

Aßi como acontece

A quem a chara vida eftàperdendo,,

Que em quanto vay merrendo

Alguavifaafanta lhe aparefce:.


A mi em quemfallefce

Avida, quefois vos minhasenhora,

A efta alma que em vos mòra;

(Em quanto daprifaõſe eftâ apartado)

Vos eftais juntamente aprefentando ,

Emformadafermofa & roxa Aurora,


1
Obras de Luis de Camões.
57
B ditofa partida,

gloriafoberana alta, &fubida,


Se mo não impedir o meu deſejo,

Porqu'o quevejo emfim me torna a vida.

Porem a Natureza

Que nesta vistapurafe mantinha,

Mefalta tão afinha,

Quão afinba oSolfaltaà redondeza

Se ouuerdes que befraqueza

Morrer em tãopenofo & trifte eftado


,

Amorferà culpado,
Ou vòs, onde elle viue tão isento,

Que caufaftes tão longo apartamento,


Porqueperdeffe avida co cuidado,

Quefe viuer não pofſo,

Hum homemfoufo de carne & oẞo,

Eftavida queperco amor ma deu,

Que nãofou meu: Je mouro odanno he voffo :

Canção de Cifnefeita n'bora eftrema,

Nadura pedrafria
Damemoria, te deixo em companhia

Do letreiro de minhafepultura,

Que afombra escuraja me impedia.


D 3 Canção
Obras de Lais de Camões,

AVERA RELAT迎

Canção quarta.

Aó as ferenas agoas
Do Mondego deſcendo ,
Manfaméte , que ate o mar não parão,
Por onde minhas magoas
Pouco a pouco crefcendo ,
Para nunca acabar ſe começarão:

Alli fe ajuntarão
Nefte lugar ameno ,
Aonde agora mouro ,.
Tefta de neue & ouro ,
Rifo brando , fuaue , olhar fereno

Hum gefto delicado ,


Que fempre n'alma m'eftarà pintado.

Nefta florida terra;


Leda,frefca,& ferenaj
Ledo & contente para mï viuia
Em paz com minha guerra,
Contente com a pena
Que de tão bellos olhos procedia;
Hum dia n'outro dia

O efperar m'enganaua,
Longo tempo paffei,
Com a vida folguci,
Sòporqu'em bem tamanho m'empregaua,
Mas que me prefta ja
Que tao fermofos olhos não os ha.

Oquem me alli differa


Que
Obras de Luisde Camões.
Que de amor tão profundo

O fim podeffe verind'algúa hora,


O quem cudar podera
Que ouueffe ahi no mundo

Apartarme'eu de vos minha ſenhora,


Para que defd'agora
Perdeffe a efperança,
E o vão pensamento,
Desfeito em hum momento,

Sem me poder ficar mais q a lébrança,


Que fempre estará firme
Are o derradeiro defpedirme.

Mas amòr alegria


Que daqui leuar poffo,
Com a qual defenderme trifte efpero
He que nunca fentia
No tempo que fui voſſo
Quererdesme vos quáto vos eu quero
Porque o tormento fero
De voffo apartamento
Não vos dará tal pena,
Como a que me condena :
Que mais fentirei voffo fentimento,
Que o que minh'alma fente
Morra cu fenhora , & vos ficai cótente.

Canção tu cftaras ! R

Aqui acompanhando ,
Eftes campos, & eftas claras agoas,
E pormi ficaras
Chorando & fufpirando ,
B
Obras de Luis de Camões.
E ao mundo moftrando tantas magoas
Que de tão larga hiſtoria,.
Minhas lagrimas fiquem por memoria.

Canção quinta.

SE efte meupensamento-

Como he doce fuaue,

Daalma podeffe virgritandofora

Moftrandofeu tormento,.
Cruel, afpero, & graue,

Diante de vosso minhafenhora

Poderafer que agora

a vossopeitoduro.
Tornaramanfo & brando

E eu quefempre ando

Paffarofolitario.humilde, efcuro .
Tornado.bum Cifne puro,

Brando & fonovopello ar voandoj.

Com tauto manifefto,..

Pintaramen tormento & voſſo geſtow

Pintara os ollos bellos

Que trazem nas mininas

Q
a minino que osfeus nelles cegoug,

33
Obras de Luis de Camões. 19
Eos dourados cabellos

Em tranças de ourofinas

Aquem ofolfeus rayos abaixou.


Atefta que ordenost

Natura tãofermosa,

Obem proporcionado
Nariz, lindo, afilado,,

Que a cadaparte tem afreſcarofa '

Abocagraciofa,

Que querella lousar be efcufador


Em fim be bum thefouro,

Os dentes perlas, as palauras ouro.

Virafe claramente:
&dama delicada,

Que em vosfe efmerou a natureza

E eu degente em gente

Trouxera trasladada
Em meu tormento voffagentileza,
Somente a afpereza

De voffa condição,
Senbora não dißera

Porquefe nãofoubera

Que em vos podia auer algumfenãor:

Ele alguem com razão


Porque
Obras de Luisde Camões.

Porque morres differa, reſpondera

Mouro porqu'he tão bella

Qu'inda nãofoupera morrerpor ella.

Efepolla ventura

Dama vos offendeſſe

Efcreuendo de vos o que nãofento,

Evoffafermofura
Tão baixo não defceffe,

Que aalcançaße hu baixo entendimento:

Seria ofundamento

Daquillo quecantaffe
Todo de puro amor,

Porque vosso louuor

Emfigura demagoasfe moftraffe

Eondeſe julgaße

A caufapello effeito, minha dor

Diria allifem medo

Quem mefentir vera de quem procedo.

Então amoftraria

Os olhos faudofos,

Ofufpirar que a alina traz configo,

Afingida alegria,

Os paffos vagarofos,
Obras de Luis de Camões.
30
Ofallar, o esquecerme do que digo,

Hum pelejar comigo,

E logo difculparme,

Hum recear oufando,


Andar meu bem buscando,

E de poder achallo acouardarmer

Emfim averiguarme
Que ofim de tudo quanto eſtou fallando

Sao lagrimas & amores,

Saã voßas isenções,& minhas dores.

Mas quem teràfenhora


Palauras com que iguale

Com voffafermofura minhapenaz


Que em doce vozdefora

Aquellagloriafalle
Que dentro na minhalma amor ordena,

Não pode tão piquena

Força d'engenho humano,

Com cargatão pefada,

Se nãofor ajudada

D'bumpiadofo olhar, d'bum doce enganor

Quefazendome o danno

Taodeleitofo, a dor tão moderada,

Que emfimfe conuerteffe

Nosgoftos dos louuores que efcreneffe.

Canção
Obras de Luis de Camões.

Canção não digas mais,&fe teus verfas

Apena vempequenos,

Não queirão deti mais, que diras menos. -


**ISE

Canção feiſta.

Comforça defufada
A quenta ofogo eterno
Hua ilha,lá nas partes do Oriente,
De eftranhos habitada ,
Aonde o duro inuerno

Os campos reuerdefce alegremente;


A Lufitanagente
Por armas fanguinofas,
Tem della o fenhorio:
Cercada eſtá d'hum rio

De maritimas agoas faudofas;


Das heruas que aqui naſcem,
Os gados juntamête, & os olhos pafce

Aqui minha ventura


Quis que hũa gram parte
Da vida que não tinha fe paffaffe,
Para que a fepultura
Nas mãos do fero Marte
De fangue, & de lembranças matizaffe;
Se amor determinaffe
L
Que a troco defta vida.

Que
Obras de Luis de Camões.
31
De mi qualquer memoria
Ficaffe como hyftoria, ·
Que de hús fermofos olhos foffe lida
A vida & alegria 1
Portão doce memoria trocaria.

1
Mas efte fingimento
Por minha dura forte ·
Com falfas efperanças me conuida;
Não cuide o pensamento
Que pode achar na morte
O que não pode achar tão longa vida;
Efta ja tão perdida
A minha confiança,
Que de defefperado
Em ver meu trifte eftado,,
Tambem da morte perco a efperança !
Mas o que fe algum dia
Defefperar podeffe , viuitia ..

De quanto tenho viſto


Iagora não m'efpanto,
Que atè defefperar fe me defende;
Outrem foi caufa difto ,

Que eu nunqua pude tanto,


Que caufaffe efte fogo que me encende :
Se cudão que me offende

Temor de efquecimento ,
Ouxalameu perigo
Me foratão amigo

Que algum temor deixara ao penfamento,


Quem
Obras de Luis de Camões,

Quem vio tamanho.enleo ,


Que ouueffe abi eſperança fem receo?

Quem tem que perder poffa

Se pode recear,
Mas trifte quem não pode ja perder;
Senhora a culpa he voffa,
Que pera me mattar
Batára húa hora fo de vos nãover:
Pofeftesme em poder
De falfas efperanças ,
E do que mais me espanto
Que nunqua vali tanto
Que viueffe tabem com efquiuăças;
Valia tão pequena

Não pode merefcer tão doce pena.

Ouuefe amor comigo

Tao brando, & pouco irado ,


Quáto agora em meus males fe conhefce

Que não há mòr caftigo


Pera quem tem errado,
Que negarlhe o caftigo que merefce;
E bem como acontece
Que afsi como ao doente

Da cura defpedido ,
O medico fabido

Tudo qnanto defeja lhe confente,


Afsi me confentia

Efperança,defejo, & oufadia.


E agora
1
Obras de Luis de Camões.
32
E agora venho a dar
Conta do bem paffado,
A efta triſte vida , & longa auſencia
Quem pode imaginar
Que pode auer peccado
Que merefça tão grauepenitencia?
Olhai que he confciencia
Por tão pequeno erro
Senhora tanta pena:

Não vedes que he onzena?


Mas fe tão longo & mifero defterro
vos dá contentamento,
Nuncame acabe nelle meu tormento

Rio fermofo, & claro,


E vos ò aruoredos.
Que os juftos vencedores corais
E ao cultor auaro,
Continuamente ledos,
D'hum tronco fô diuerfos fruttos dais,
Afsi nunca fintais

Do tempo injuria algua,


Que ein vos achem abrigo
As magoas que aqui digo ,

Em quanto der o fol virtude á lúa:


Porque de gente em gente
Saibão que ja não mata avida aufente

Canção nefte defterro viuirâs,


Voz nua & defcuberta ,

Ate que o tempo em Ecco te conuerta


Canção
Obras de Luis de Camões.

HEKOK

Canção fetrima.

Mandame amor que cante docemente,


O que elleja em minh'almatem.impreſſe,

(Comprofuppofto de defabafarme

Eporque commeu malfeja contente,

Diz que fer de tão lindos olhosprefo

Contallo baftaria a contentarme,

Efte excellente modo de enganarme

Tomára eu de amor por intereffe,


·

Se nãose arrependeße
Co apena o engenho efcurefcendo .
Porem a mais me atreno ,

Em virtude dogefto de que efcreuo,

Efe he mais o que canto que o qentenda,

Inuoco o lindo afpeito,


Quepode maisque amor em meu defeita.

Sem conhecer amorviuerfoia,

Seu arco & feus enganos defprezando,


Quando viuendo delles me mantinha

O amor enganofo, quefingia


MI
Obras de Luis de Camões,
33
Mil vontades alheas enganando,

Mefazia zombar de quem o tinha:

No Touro entraua Phebo, & Progne vinha


O corno de Acheloo Flora entornaud,

Quando v amorfoltaua

Osfios d'ouro, as tranças encreſpadas,


Ao doce vento efquiuas ,

Dos olhos rutilando o lume viuas ,

E as rofas antre a neuefemeadas,


Co rifo tão galante,

Que hum peito desfizera de diamante.

Hum nãofei quefuaue refpirando ,

Caufaua hum admirado & nouo efpanto,

Que as cousas infenfiueis ofentião :


E asgarrulas aues leuantando

Vozes defordenadas emfeu canto,

Como em meu defejofe encendião ,

Asfontes cryftallinas não corrião,


Inflammadas na linda vistapura,
Florescia averdura

Que andando cos diuinos pès tocaua,


Os ramos fe abaixauao,

Tendo inueja das bernas que pifauão,

(Ou porquetudo ante ella fe abaixaua)


E Nao
Obras de Luis de Camões.

Não ouue coufa emfim

Que não pafmaffe della, & eu de mi..

Porque quando vi dar entendimentò

As coufas que o não tinhao, otemor

Mefez cudar que effeito em mifaria


Conhecime não ter conhecimento,

Enifto so otiue,porque amor

Modeixou ,porque vise o que podia:

Tanta vingança amor de mi queria,


Que mudaua a humana natureza:

Os montes, & a dureza

Delles, emmi por troca trafpaffaua:::

& quegentilpartido,
Trocar ofer do montefemfentido,

Pollo que n'hum juyzo humano estaual'


Olhay que doce engano , .

Tirar comum proueito de meu danol .'

Aẞi que indoperdendo ofentimento

Aparte racional me entristecia,.

Vella abum appetite fomettida,

Mas dentro n'alma ofim do pensamento

Por tãofublime caufa me dezia

Qu'erarazão
fer arazão vencida :

AB
T

Obras de Luis de Camões.


34
Aẞi que quando a viaferperdida,

A mefma perdição a restauraua,

Eem manja paz eflaua

Cadabum comfeu contrario n'humfogeito,

ôgran concerto este:

Quemferà que najulgue por celefte

A caufa donde vem tamanho effeito

Quefaz n'hum coração

Que venha o appetite afer razão?

A
" ſenti de amor a mòrfineza,
qui

Comofoiverfentir o infenfiuel,

Eover ami de mi mesmo perderme:

Emfimfenti negarfe a natureza,


Por onde cri que tudo era poßiuel

Aos lindos olhos feus ,fenão quererme,

Defpois quejafenti desfallecerme,

Em lugar dofentido queperdia

Não seique m'efcreuia


Dentro n'alma co as letras da memoria

O mais deste proceſſo

Co claro gesto juntamente impreffo ,

Quefoi acaufa de tão longahiſtoria,


Se bem a declarei

Eu não a cfcreno, d'alma atrasladei.


MA
E2 Canção
Obras de Luis de Camões.

Cançãofe quem te ler


Nao crer dos olhoslindos o que dizes

Pello que emfi efcondem,

Osfentidos humanos lhe refpondem

Bempodem dos diuinosferjuyzes..

Canção oitaua .

Omei a trifte pena


To
Ia de defefperado
De vos lembrar as muitas que padefço
Com ver que me condena
A ficar eu culpado
Omalque me trataes, & o q merefço
Confeffo que conheço
Que em parte cu caufei
Omal em que me vejo,
Pois fempre meu.defejo .
Tão comprido, em vos cumprir deixei;
Mas não tiue fofpeita:
Que feguiffeis tenção tão imperfeita.

Se em voffo efquecimento
Tão enuolto eftou
Como os finais demoftrão que moftrais,
Viuo nefte tormento,.

Lembranças mais não dou


Que as que de razão tomar queirais :
Qlhai que me trattais
Afsi
M
Obras de Luis de Camões.
Afsi de dia em dia
Com voffas efquiuanças,
E as voffas efperanças
De que vamente eu m'enriquefcia,
Renouão a memoria

Pois co tela de vos fò tenho gloria

Efe ifto conheceffeis

Quehe verdade pura,


Como ouro de Arabia reluzente,

Inda que não quifeffeis


A condição tão dura
Mudarcis n'outra muito differente,
E eu como innocente
Que eftou nefte cafo,
Ifto em mãos pofera
De quem fentença dera,
Que ficaffe o direito jufto & rafo.
Se não arreceara

Que avos pormi, a mi por vos matară.

Em vos efcritta vi
Voffa grande dureza,
En'alma efcritta eftá , que de vos viue,
Não que acabaffe alli
Sua grande firmeza
Otrifte defengano que então tiue;
Porque antes que a dor priue
De todo meus fentidos ,
Ao grande tormento
Acode o entendimento,
E Com
Obras de Luis de Camões.
Com dous fortes foldados , guarnefcidos

De rica pedraria,
Que ficão fendo minha luz & guia.. 1
Deftes acompanhado
Eftou pofto fem medo
Atudo o que o fatal deftino ordene,

Pode fer que canfado ,


Ou feja tarde ,ou cedo ,.
Com pena de penarme me defpenes
E quando me condene

(Que ifto he o que eſpero )


Inda a mayores dores.
Perdidos os temores .
Por mais que venha não direi não quero,,
Com tudo estou tão forte .
Que nem me inudarâ a meſma morte..

Canção fe ja não queres


Ver tanta crueldade,
La vas onde veras minha verdadės.

Canção nona.

I Vnto d'humfeco,fero,& eſteril monte,


Inutil, defpido,caluo, informe,

¡ Da natureza em tudo aborrefcido ,

Onde nem aue voa, ou fera dorme, 2

h Nem rio claro corre,ou feruefonte,

Nem verde ramofaz doce ruido,


Cujo
Obras deLuis de Camões, 36

Cujo nome do vulgo introduzido

Por antiphrafi befelix infelice,

O qual a natureza

Situonjunto âparte

Onde hum braço de mar alto reparte

Abaẞia daArabica afpereza,

Ondefundada jáfoi Berenice,

Ficando àparte donde

Ofol que nelleferuefellefconde.

Nelle aparefce o Cabo com que a coftà


Africana,que vem do Auftro correndo,

Limitefaz, Aromata chamado,

Aromota outro tempo, que voluendo

Os ceos, a ruda lingoa mal compofta,

Dos proprios outro nome lhe tem dado


1 Aqui, no mar que quer apreffurado

Entrar pollagarganta defte braço, "


Me trouxe hum tempo & teue

Minhaferaventura

Aquineftaremota, afpera, & durá

Parte do mundo, quis que a vida breue

Tambem defi deixaſſe hum breue espaço,

Porqueficaße a vida
Pello mundo em pedaços repartida.

E 4 Aqui
Obras de Luis de Camões,

Aqui m'acheigastando his triftes dias,

Triftes,forçados, maos, folitarios,

Trabalhofos, de dor, d'ira cheos,

Não tendo tãosomente por contrarios.

A vida, ofol ardente, agoasfrias,

Os aresgroffos, feruidos, &feos,

Mas os meuspensamentos quefam meos.

Para enganar apropria natureza,,


Tambem vi contra mi,

Trazendome à memoria.

Algüaja paffada breuegloria,

Qu'euja no mundo vi quando viui,


Por me dobrar dos malles a afpereza .

Por me mostrar que auia


No mundo muitas horas de alegria.

Aqui eftiu'eu co eftespensamentos

Caftado o temp avida ,os quais tão alto


Me fubião nas afas, que caîa

(Evedefe feria leue ofalto,

Defonhados vaos contentamentos)

Emdefefperação de ver bum dia

Aqui o imaginarfe conuertia

N'humfubito chorar, n'husfofpiros,

Querompião os ares:

Aqui
Obras de Luis de Camões.
37
Aqui a alma catiua

Chagada toda eftaua em carne viua,


De dores rodeada, & depefares,

Desamparada descuberta aos tiros:

Dafoberbafortuna,
Soberba, inexorauel,& importuna.

Não tinha parte dondefe deitaffe,


C
Nem esperança algua onde a cabeça

Humpouco reclinaffe por descanso,


Todo lhe be dor & caufa que padefça,,

Mas que pereça não, porque paffaffe:

O que quis o deftino nunca manfo,


Ô que efte irada margritando amanfo,,

Eftes ventos da voz importunados,,

Parece quese enfreão,

Somente o ceofeuero.

As eftrellas & ofadofemprefero

Como meuperpetuo dannofe recreão,,


1
Moftrandofe potentes & indignados,.
Contra hum corpo terreno ,

Bicho da terra vil, tão pequeno

Se de tantos trabalhos sò tiraße

Saber indapor certo que algua hora


Lem
Obras de Luis de Camões.

Lembraua a būs claros olhos queja vi,

Efe eftatriste voz rompendofora,


As orelhas angelicas tocaffe

Daquella em cujo rifoja viui,

Aqual tornada hum pouco sobrefi

Reuoluendo na mente preffurofa

Os tempos jàpaſſados,
De meus doces errores,

De meusfuaues males, furores,

Por ella padefcidos & buscados,

Tornada (inda que tarde) piadoſa,

Hum pouco lbe pefaffe,

E configopor dura fejulgaße.

Ifto sò quefoubeffe, meferia


Defcanfo para a vida que mefica,

Co ifto afagaria o foffrimento,

Abfenborafenbora, que tão rica


Eftais , que câ tão longe de alegria

Mefuftentais c'hum docefingimento,

Emvos affigurando o penfamento

Foge todo o trabalho , & toda apena:

So com voẞas lembranças

Me achofeguro & forte :

Contra oroftoferoz dafera morte:

E logo
Obras de Lais de Camões.
38

Elogo feme ajuntão eſperanças

Com que afronte tornada maisferena


Torna os tormentosgraues.

Emfaudades brandas,
&fuaues?

Aqui coellesfico preguntando


Aosventos amorofos que refpirão

Daparte donde estais por vosfenhora

As aues que alli voãoſe vos virão,

Quefazieis, que eftaueispraticando,


Onde, como , comquem , que dia, & qu'orat

Alli a vida canfada, que melhora


'
Tomanouos efpritos com que vençay

Afortuna & trabalho,.


'

Soportornar a veruos ,

Sopor ir a feruiruos, & quereruos,

Dizme o tempo que atudo darà talho,

Mas odefejo ardente, que detença:

Nuncafoffreo,fem tento

M'abre as chagas de nouo aofoffrimentod

Ai viuo, & fe alguem te preguntafe


Canção, como não mouro,

Podeslhe refponder,queporque mouro.

Canção
Obras de Luisde Camões

Canção decima.

Indequàmeu tão certo fecretario ,


Dos queixames que fempre ando fazedo,
Papel,com que a pena defafogo,
As femrazões digamos que viuendo
Me faz o inexorauel , & contrario
Deftino furdo, a lagrimas & a rogo

Deitemos agoa pouca, em muito fogo,


Acendafe com gritos hū tormento ,
Que a todas as memorias ſeja eftranho ,
Digamos mal tamanho
ADeos , ao mundo, â gente, & enfim ao vento,
A quemja muitas vezes o contei
Tanto debalde, como o conto agora,
Masja que para errores fui nafcido,
Vir efte a fer hum delles nãq duuido;
Que pois ja de acertar eftou tão fora,
Não me culpem tambem fe nifto errei;
Siquer efte refugio fó terei,
Fallar, & errar fem culpa liuremente,
Trifte quem de tão pouco eftà contente.

Ia me defenganei que de queixarme,


Não fe alcança remedio,mas quem pena
Força do he gritar, fe a dor he grande,
Gritarei, mas he debil & piquena
Avoz para poder defabafarme ;
Porque nem com gritar a dor fe abrande,
Quem me daráfiquer que fora á mande.
Lagrimas
F
Obras de Luis de Camões.
39
Lagrimas & fofpiros infinitos,
Iguais ao mal que dentro n'alma mora?
Mas quem pode algúa hora
Medir o mal com lagrimas, ou gritos?
Emfim direi aquillo que m'enfinão
A ira, a magoa, & dellas a lembrança,
Qu'he outra dor porfi mais dura & firme;
Chegai defefperados para ouuirme,
E fujão os que viuem de esperança,
Ou aquelles que nellas imaginão,
Porque amor & fortuna determinão
De lhe darem poder para entenderem
Amedida dos malles que teuerem.

Foi minha ama hua fera, que o deftino


Não quis que molher foffe a que teueffe
Talnome para mí, nem a aueria,
Afsi criado fui,porque bebeffe
O veneno amorofo de minino,
Que namayor idade beberia:
E por coftume não me mattaria .
Logo então vi a imagem & femelhança
D'aquella humana fera tão fermofa,
Suae auenenofa ,

Que me criou aos peitos da efperança,


De quem eu vi defpois o original;
Que de todos os grandes defatinos
Faz a culpa foberba & foberena;
Pareceme que tinha forma humana,
Mas fcentillaua fpiritos diuinos,
Hum meneo & preſença tinha tal,
Que
Obras de Luis de Camões.

Que fe vangloriaua todo o mal


Na vifta della; a fombra coa viucza
Excedia o poder da natureza.

Que genero tão nouo de tormento


Teue amor, que não foffe não fomente
Prouado em mi, mas todo executado?

Implacaueis durezas que o feruente


Defejo que daforça ao penfamento,
Tinhão de feu propofiro aballado;
E de fe ver corrido & injuriado
Aqui fombras phantafticas , trazidas
De alguas temerarias efperanças,
Asbemauenturanças ,

Nellas tambem pintadas & fingidas;


Mas a dor do defprezo recebido ,
Que a phanthafia me defatinaua,
Eftes enganos punha em defconcerto
Aqui o adcuinhar, & o ter por certo
Que era verdade quanto adeuinhaua,
E logo o defdizerme de corrido,
Dar ás coufas que via outro fentido,
Epera tudo emfim buſcar razões,
Mas erão muitas mais as femrazões.

Pois quem pode pintar a vida auſente .


Com hum defcontentarme quanto via,
E aquelle eftar tão longe donde eftaua,
O fallar fem faber o que dezia;
Andar fem ver por onde, & juntamente

Sofpirar,fem faber que fofpiraua;


Pois
Obras de Luis de Camics.
40
Pois quando aquelle mal me atormentaua
E aquella dor que das Tartareas agoas
Saĵo aomundo, & mais que todas doe,
Que tantas vezes foc
Durasiras tornar em brandas magoas,
Agora co furor da magoa irado ,
Querer & não querer deixar de amar,
E mudar noutra parte por vingança
O defejo priuado de esperança ,
Que tão mal fe podia ja mudar,
Agora a faudade do paffado
Tormento,puro , doce,& magoado,
Fazia conuerter eftes furores

Em magoadas lagrimas de amores ..

Que defculpas comigo que bufcaua ”


Quando o fuaue amor me não foffria
Culpa na coufa amada , & tão amada,
Em fim crao remedios que fingia
Omedo do tormento que enfinaua,
A vida a foftentarfe de enganada,

Nifto hua parte della foi paffada,


Na qual fe tiue algum contentamento
Breue,imperfeito, timido ,indecente,
Não foi fenão femente

De longo & amarifsimo tormento ;


Efte curfo contino de tristeza ,

Eftes paffos tão vamente espalhados,


Me forão apagando o ardente gofto,
Que táo de fifo n'alma tinha pofto,
D'aquelles penfamentos namorados,
Em
Obras de Luis de Camões.

Em que eu criei a tenra natureza,


Que do longo coftume da afpereza
Contra quem força humana não refifte,
Se conuerteo no goſto de fer triſte.

Deft'arte avida noutra fui trocando ,


Eu não,mas o deftino fero,irado ,
Qu'eu inda afsi por outra a não trocara;
Fezme deixar o patrio ninho amado ,
Paffando o longo mar, que ameaçando
Tantas vezes me efteue a vida chara;
Agora exprimentando a furia rara
De Marte,que cos olhos quis que logo
Vifle & tocaffe o acerbo frutto feu,

E nefte efcudo meu ,


A pintura verão do infeſto fogo;
Agora peregrino vago, & errante ,
Vendo nações ,lingoages ,& coftumes ,
Ceos varios ,qualidades differentes,
Sòpor feguir com paffos diligentes
A ti fortuna injufta , que confumes
As idades , leuandolhe diante
Húa efperança em viſta de diamante ,
Mas quando das mãos cae fe conhece

Que he fragil vidro aquillo que aparece.

Apiadade humana me faltaua ,


A gente amiga ja contraria via,
No primeiro perigo & no fegundo
Terra em que por os pés me fallefcia,

Arpera refpirar fe me negaua ,


E faltauam emfim o temp' & o mundo :
Que
Obras de Luis de Camões.
41
Que fegredo tão arduo, & rão profundo ,
Nafcer paraviuer, & para avida
Faltarme quanto o mundo tempara ella:
E não poder perdella,
Eftando tantas vezes ja perdida!
Emfim não ouue trance de fortuna,

Nem perigos, nem cafos duuidofos,


Injuftiças daquelles, que o confuſo
1 Regimento do mundo, antiguo abufo,
Faz fobre os outros homés poderofos,
Qu'eu não paffaffe, atado à gra coluna
Do foffrimento meu, que a importuna
Perfiguição de males em pedaços
Mil vezes fez á força de feus braços.

Não conto tantos males como aquelle,


Que depois da tormenta procellofa,
Os cafos della conta em porto ledo;
Que inda agora a fortuna fluctuofa
Atamanhas miferias me compelle,
Que de dar hum fò paffo tenho medo;
Ia de mal que me venha não me arredo,
Nem bem que me fallefça ja pretendo ,
Que para mi não val aftucia humana,
De força foberana,
Da prouidencia emfim diuina pendo,
Ifto que cuido, &vejo ás vezes tomo
Para confolação de tantos dános:
Mas a fraqueza humana quando lança
Os olhos na que corre , & não a alcança,
Senão memoria dos paffados annos,
F Ás
Obras de Luis de Camões.

As agoas que então bebo , & o pão que como


Lagrimas triftes faó, qu'eu nunca domo,
Senão com fabricar na fantafia

Fantafticas pinturas de alegria.

Que fe pofsiyelfoffe que tornaffe


O tempo para tras como a memoria,
Pellos veftigios da primeiraidade,
E de nouo tecendo a antigua hyftoria
De meus doces errores me leuaffe

Pellas flores que vi da mocidade,


E a lembrança da longafaudade
Então foffe mayor contentamento ,
Vendo a conuerfação leda & fuaue,,
Ond'hua & outra chaue

Efteue de meu nouo penfamentoj,


Os campos,as paffadas, os finais ,.
Afermofura os olhos, a brandura ,
Agraça, a manfidão , a cortefia ,,
Afincera amizade,que defuia
Toda a baxa tenção, terrena, impuray.
Como a qual outra algúa não vi mais,.
Ah vás memorias, onde me leyais-
fraco coração? que inda não poffo
Domar efte tão vão defejo voffo

Nomais canção nomais ,qu'irei fallandó


Sem ofentir mil annos, & fe a cafo
Te culparem de larga, & de pefada,.
Não pode fer (lhe dize) limitada
Aagoa do mar em tão pequeno vafo,
Nem
8.4
[
Obras de Luis de Camões
47
Nem eu delicadezas vou cantando.

Co goſto do louuor,mas explicando


'Puras verdades ja por mi paffadas,
Oxalá forão fabulas fonhadas.

SEXTINAS

FOgemepouquo a pouquo a curta vida,


(Sepor cafo be verdade qu'inda viuo)

Vayfeme o breue tempo d'ante os olhos,

Choro pello paffado, em quanto chorefille

Semepasão os diaspaſſo & paſſo:

Vaifeme em fim a idade,& fica apena.

Que maneira tão afpera de pena

Que nunqua hua hora vie tão longa vida,

Em que poffa do mal mouerfe hum paßo,

Que mais me montafer morto, que viuo?

Para que choro emfim? para quefallo?

Se lograrme não pude de meus olhos?


F2 Fer
Obras de Luis de Camões
IN
ôfermofos, gentis,& claros olhos

Cuja ausencia me moue a tantapena,

Quantafe não comprende em quantofallo

Senofim de tão longa & curta vida

Devos m'inda inflamaße o rayo viuo,

Por bem teria tudo quanto paffo.

Mas bemfeis queprimeiro oeftremo paffo


Me ha devir a cerrar os triftes olhos,

Que amor memostre aquellespor que viua.

Testemunhas ferao a tinta & pena,


Que efcreuerito de tao molefta vida,

O menos quepaßei, & o mais quefalla

ô que nãosei qu'eſcreuo, nem quefallo

Queſe de humpenfamento noutropallo

Vejo tao trifte genero de vida,


Quefelbe não valerem tantos olhos,
"

Nao poffo imaginar, qualfeja apena

Que traslade estapena com que viuo.

i
N'alma tembo contino bumfogo viua.

Quefe nao respiraffe no quefallo,

Eflariajafeitacinza à pena:

Masfobr'a mayor dor que foffro & paffo

Me temperao as lagrimas dos olhos,

Com que fugindo nãofe acaba a vida.


Morrendo
Obras de Luis de Camões. 43
Morrendo estou na vida,& emmorte viuo,

Vejofem olhos, fem lingoafallo,

Ejuntamente paffo gloria, &pena.

Profegue a fegunda parte com


as Odes.

Odeprimeira, à Lua!

DEtem humpouco Mufa o largo prato,


Que amor te abre do peito,
E viftida de rico & ledo manto
Demos honra & refpeito
Aaquella cujo obieito
Todo o mundo alumia,
E quando efcuro eftá he mais qué o dia

ô Dellia, que a pesar da neuoa groffa


Cos teus rayos de prata
A efcura noite fazes que não poffa
Encontrar o que tratta,

Eoque n'alma retratta,


Amor por teu diuino
Rofto,porque endoudeço , & defatino

Tu que de fermofifsimas eftrellas,


Coroas & rodeas
Teus cabellos d'argento, & faces bellas,

Eos campos fermofeas ,


F3 Com
Obrasde Luis de Camões.

Co as rofas que femeas ,


Co as boninas que geras ,
Oteu celefte amor na Primauera.

Pois Delia dos teus cêos vedo eftàs quantos


Furtos de puridades

Sufpiros,magoas, ais, muficas,prantos,


As amantes vontades,,

Húas por faudades ,


Outras por crus indicios,
Fazem das proprias vidas facrificios..

Vejo teu Endimião por eftes montes,,


Sufpenfo o ceo olhando,
Eoteu nome cos olhos feitos fontes,
Embalde, & em vão chamando,
Pedindo & fufpirando..
Merces á tua beldade ,
Sem em ti achar hua hora piedade..

Por ti feito paftor de branco armento,


As feluas folitarias
Acompanhado fò dó pensamento,
Conuerfa as alimarias,
De todo amor contrarias
Mas não como ti duras,
Onde lamenta & chora defuenturas..

Por tiguarda o fitio frefco d'Ilio


Suas Combras fermofas ,

ParauErymanto, & o lindo Epillio


Aj
Obras de Luis de Camões." 42

Asmais purpureas rofas,


E as drogas cheirofas
Defte noffo Oriente,
Tambem Arabia Felix eminente.

De que Panthera, Tigre, ou Leopardo


As afperas entranhas ,
Não temerão o agudo & fero dardo,
Quando pellas montanhas
Mui remotas & eftranhas,
Ligeira atraueffauas
Tão fermofa, que amor de amor matauas?

Das caftas virges fempre os altos gritos


Clara lucina ouuifte,

Renouandolhe a força & os efpritos;


Mas os daquelle trifte
Ia nunca confentiſte
Quuillos hum momento,

Para fermenos graue feu tormento.

Não fujas de mi afsi,nem afsi te efcondas,


D'hum tão fiel amante,

Olha como fofpirão eſtas ondas ,


E como o velho Atlante,
O feu colo arrogante,

Moue piadofamente
Ouuindo a minha voz fraca & doente .

Trifte de mi que o pior he queixarme,


Pois minhas queixas digo,
F 4 A quem
Obras de Luis de Camões..

A quem ja ergue a mão para mattárme,


Como a cruel imigo,
Mas eu meu fado figo,
Que a ifto me deftina,

E ifto fo pretende, & fò m'enfina..

Quátos dias ha que o cêo me defengina:


E eu fempre porfio,
Cada vez mais na minha teima infana,
Tendo liure aluedrio.

Não fujo o defuario ,.


E efte que em mi vejo,

Para efperança minha , & meu defejo..

quáto melhor, fora que dormiffem,


Hum fono perenal,
Eftes meus olhos triftes, & não viffem
Acaufa defeu mal;,
Fugir a tempo tal,,
Mais que d'antespor shema,,
Mais cruel que vifa fera,mais que ema..

Ay demi que me abrafo em fogo viuo,,


Com mil mortes ao lado,.

E quádo mouro mais , então mais viuo.


Porque afsime ha ordenado .
Meu infelice eftado,,
Que quando me conuida:
A morte para a morte tenha vida..

Minha fecreta amiga manfa noite,.


Eftas :
Obras de Luis de Camões: 4.5
Eftas rofas (porquanto
Ouuifte meus queixumes (hora doute
Efte freſco Adianto,
Humido inda do pranto

E lagrimas da efpofa
Do ciofo Tithão branca & fermofa..

Ode fegunda.

Tofuaue, tãofresca, & tãofermosa,

Nunqua no ceofabio,,

A Aurora no principio do verão,,

Aasflores dando agraça coffumadas,

Como afermofa manfafera, quando

Humpenfamento viuo me inspirou,

Por quem medefconheço ..

Boninapudibunda, ou frefco rofa,,

Nunqua no campo abrio,

Quando os rayos dofol no Touro eftão

De cores differentes efmaltada.


Como efta flor,que os olhos inclinando ,

Ofoffrimento trifte costumnou .

A a pena quepadefço.
'
Ligeirar
1
Obras deLuis de Camors )

Ligeira,bella Nymphalinda,irofa,

Não creo quefeguro

Satyro, cujo brando coração

D'amores commoueffe fera irada,

Que aßifoffefugindo, & defprezando

Efte tormento, onde amor mostrou

Tãoprofpero começo.
!

Nunqua emfim coufa bella, & rigurosa


Natura produzio,

Que iguale àquellaforma & condição,

Que as dores em que viuo eſtima em nada:

Mascom tão docegefto, irado, brando


Ofentimento, a vida me enleuou

Que apena lhe agradeço.

Bem cudei de exaltar em verfo , ou prof

Aquillo que a alma vio,

Antre adoce dureza & manfidão,

Primores de belleza defufada,

Mas quando quis voar ao ceo cantando,


Entendimento ,& engenho , me cegou ,

Luzde tão alto preço.

Naquella altapureza deleitofa,


Que
Obras de Luis de Camões,
46

Que ao mundofe encubrio

E nos olhos angelicos , quefam

Senhores dafta vida deftinada,

E naquelles cabellos quefoltando

Ao manfo vento a vida me enredou

Me alegro, & entriflefso .

Saudade & fofpeita perigofa,

Que amor conftituyo ,

Por caftigo daquelles quefe vão,

Temores,penas d'alma defprezada,

Fera efquiuança, que me vay tirando


O mantimento que mefuftentou,

A tudo me offereço.

Ode terceira.

SE demeupensamento
Tanta razão tiuera de agrautarme, alegrarme
Quanta de meu tormento
A tenho de queixarme ,

Poderas trifte lyra confolarme..

E minha voz canfada

Que noutro tempo foi alegre &pura,,


Não fora afsi tornada, Contanta desuentura
Tão rouca,tão pelada, nem tão dura.
Afer
Obras de Luis de Camões
Afer comofohia
Poderaleuantarvoffos louuores,
Vos minha Hierarchia

Ouuireis meus amores,


Que exemplo faó ao múdo ja de dores.

Alegres meus cudados,


Contentes dias ,horas,& momentos,
ò quam bem alembrados
Sois demeus pensamentos ,
Reinando agora em mí duros tormētos.

Aygoftos fugitiuos,
Aygloria já acabada , & conſumida ,

Crucis males efquiuos,


Qual me deixais a vida

Quam chea de pefar; quam deftruida!

n Mas como não he morta


A trifte vida jà, que tanto dura?
Como não abre a porta
A tanta defuentura,
Qu'emvão co feu poder o tempo cura

Mas para padefcella


Se esforça meu fogeito , & conualefce,
Que fo
fò pera dizella
Aforça me fallefce ,
1 E de todo me canfa, & m'enfraquefce.

8 bem afortunado .
Tu
Obras deLuis de Camões: 47
Tu que alcançafte com lyra toante
Orpheo fer efcutado ,
Do fero Rhadamante,
E cos teus olhos ver a doce amante.

As infernais figuras
Moueſte com teu canto docemente .
As tres furias efcuras,

Implácaueis à gente,
Quietas fe tornárão de repente..

Ficou como pafmado


Todo o Stygio Reino co teu canto,,
E quafi defcanfado
-De feu eterno pranto,

Ceffou de alçar Sifipho o graue cato

A ordem fe mudaus

Das penas que ordenaua alli Plutão,,


Em defcanfo tornaua
A roda de Ixião,
E em gloria quantas penas alli fao.

Pello qual admirada


A Rainha infernal, & cómouida
Te deu a defejada

Efpofa que perdida,


De tantos dias ja tiuera auida.

Pois minha defuentura


Como ja não abräda húa alma humana,
Que
Obras de Luis de Camões.
Que he contra mí mais dura,
E mui mais deshumana ,

Que ofuror de Caliröc profana.

ô crua, efquiua,& fera,


Duro peito,cruel,impedernido,
De algua tigre fera,
Da Hircania nafcido,
Ou dantre as duras rochas produzido.

Mas que digo coitado


E de qué fio em vão minh as querellas?,
Sávos (ò do faigado
Humido Reino) bellas
E claras Nymphas, condoeyuos dellas.

Edouro guarnefcidas
Voffas louras cabeça's ,leuantando
Sobota goa erguidas,
As tranças gottejando,
Sahi alegres todas , ver qual ando,

Sahi em companhia
Cantando & colhendo as lindas flores,
Vereis minha agonia
Quuireis meus amores ,

Affentareis meus prantos,meusclamores

Vereis omais perdido


E mais mofino corpo que he gerado,
Que eftija conuertido
Em
Obras de Luis de Camões,

Em choro, & neſte eſtado


Somente viue nelle o feu cudado.

Ode quarta.

FErmofaferahumana,

Em cujo coração foberbo & rudo

AforçaSoberana

Do vingatiuo amor que vence tudo

Aspontas amoladas

De quantasfettas tinha tem quebradas.

Amada Circe minha,

(Pofto que minha nao) com tudo amada,

Aquem hum bem que tinha


Da doce liberdade defejaday.

Pouco a pouco entreguei,.

Efe mais tenho inda entregarei

Pois natureza irofa

Da razão te deu partes tão contrarias,


Quefendo tãofermofa .

Folgues de te queimar enflamas varias,


Sem arder em nenhúa,

Mais qu'em quanto alumia o múdo a lúa !


Pois
"Obras de Luisde Camões.

Pois triumphando vas

Comdiuerfos defpojos deperdidos,


Que tupriuando eftâs

De razão , dejuizo, defentidos.

E quafi a todos dando,

Aquelle bem que a todos vas negando.

Pois tanto te contenta

Ver o nocturno moço emferro enuolto


Debaixo da tormenta

De lupiter em agoa & ventofolto,

Aporta que impedido

Lhe temfeu béde magoa adormecido

Porque não tês receo

Que tantas innocecias refquiuaças,

A Deofa que poemfreo

Afoberbas, & doudas efperanças

Caftigue com rigor

E contra tife acenda ofere Amor.

Olha afermofa Flora

De defpojos de milfofpiros rica,

Pello capitão chora

Que la em Thefallia emfign vecido fica


E
Obras de Luis de Camões,
49
Efoifublime tanto

Qu'altares lhe deu Roma, &nome fanto.

Olha em Lesbo aquella

Nofeu Pfalteiro infigne conhecida


Dos muitos que por ella

"Seperderão,perdeo a chara vida

Na rocha quefe inflama

Comfer remedio eftremo de quem ama.

Pello moço escolhido,

Onde maisfe moftrauão as tresgraças,

QueVenus efcondido

Parafi teue hum tempo antre as alfaças

Pagou coa mortefria

A mà vida que a muitosja daria.

E vendofe deixada

Daquelle por quem tantos ja deixára

Sefoi desesperada

Precipitar da infame Rochachara,


Que o mal de mal querida

Sabe que vidalhe he perder a vida.

Tomaime brauos mares,

Te
Obras de Luis de Camões.

Tomaime vos, pois outrem me deixou

Baẞi dos altos ares,


Pendendo comfurorfe arremeffou

Acude tufuaue,
Acudepoder ofa diuina que

Toma nas afas tuas

Minino pio Elyſaſemperigo

Antes que neffas cruas


Agoas, quando apague ofogo antigo ,

He digno amor tamanko.

Da viuer, fer tido por estranha

Não quebe razão quefeja' .


Para as lobas ifentas que amor vendim,,

Exemplo ondefe veja


Que tambemficão prefas as que prendem :

Aẞi deu porfentença


Nemefis, que amor quis que tudo venga

ade
Obras de Luis de Camões.
0
]
[
Ode quinta .

Nncamanhã Juane

Eftendendofeus rayos pello mundo,"


Defpois de noite graue,

Tempeftuofa,negra, em mar profundo,

Alegrou tanto nao, queja nofundo


Se vio em maresgroßos,

Como a luz clara a mi dos olhos veffos.

Aquellafermofura

Que sò no virar delles refplandeſce,

Com que afombra efcura

Clarafe faz, o campo reuerdefce,

Quando meupenfamentofe entriflefce,


Ella & fua viueza

Me desfazem a nuuem da tristeza.

Omeupeito onde eftais,

He pera tanto bempequeno vaso,

Quando a cafe virais

Os olhos que de mi nãofazem caso,


Todogentilfenhora então me abrafe
Na luzque me confume,

Bem como a borboletafaz no lume.


G2 Se
Obras de Luis deamões.

Se mil almas tiucra

Que a tãofermofos olhos entregara,

Todas quantas tiuera

Pollaspeftanas delles pendurara,,

E enleuadas na vifta pura & clára},

(Pofto que diffo indignas, ) ,

Se andarãofempre vendo nas mininas..

Evos que defcuidada

Agora viuireis de tais querellas,.


D'almas minhas cercada

Nãopodeẞeis tirar os olhos dellas,

Nãopodefer que vendo a voffa antrellas


A dor que lhe mostraffem
Tantas húa alma sò não abrandaſſem

Maspois opeito ardente -

Hua söpòde ter,fermofa dama .

Basta que esta somente

Comofe foffem duas mil vos ama: :

Para que a dor defua ardenteflama :

Conuofco tanto poßa,

Que não queiras ver cinzaba almavoẞa.

Terceira

1
Obras de Luis de Camões.
57

TERCEIRA PARTE

Das Elegias, & algúas


Oitauas.
ELEGIA PRIMEIRA.

Poeta Simonidesfallando
Co capitão Themistocles hum dia

Em coufas defcientia praticando,

Hua artefingular lheprometia,

Que então compunha, com que lhe enfinaffe

Afe lembrar de tudo o quefazia.

Onde tão futis regras lhe mostraffe


Que nunqua lhe paffaße da memoria

Em nenhum tempo as cousas que paßaffe.

Bem merefcia certofama & gloria,

Quem daua regra contra o esquecimento,

Qu'enterra emfi qualquer antigua hyftoria.

Mas o capitão claro cujo intento

Bem differente eftaua ,porque auia

As paffadas lembrançaspor tormento

illuftre Simonides (dizia)

Pois tanto em teu engenho te confias,

Que moftras à memoria noua via,

Se medeffes hua arte que em meus dias

Me não lembraffe nada do paſſado,


G3 ô quanto
1

Obras de Luis de Camões.

& quanto milhor obra mefarias...

Seefte excellente ditto ponderado

Foffe por quemfe viße eftar ausente

Em lougas efperanças degradado,

comobradariajuftamente

Simonides inuenta nouas artes

Não meças o paffado co prefente.

Que febeforçado andar por varias partes

Bufcando à vida algum deſcanfo honeſto,

Que tufortuna injufta mal repartes,


Efe oduro trabalho he manifesto

Queporgraue quefeja, ha depaffarfe

Comanimofofprito , & ledogefto,

ferue as peffoas alembrarfe


De que

Do quefepaffou ja,pois tudopaffa

Senão de entriftecerfe, magoarfe?

Se n'outro corpo búa almafe traspaffa,

Não, como quis Pithagoras na morte,

Mas como manda Amor na vida efcaffa ,

Efe efte amor no mundo está deforte


Que navirtude sò d'hum lindo obiecto

Tem hum corpofem alma vino &forte,

1 Onde este obiecto falta, que he defecto

Tamanho pera a vida , que ja nella

M'efta chamando àpena a duro Alector


Porque
J
Obras de Luis de Camões, a
]
32[
Porque me nãocriàra minha estrella

Seluatica no mundo, habitante

Na dura Scythia, on na afpereza della?

Ou no Caucafoborrendofraco infante,

Criado ao peito d'algúa tigre Hyrcana

Homemforaformado de diamante.
Porque a ceruizferina & inhumana

Nãofommettera ao jugo & duralei

Daquelle que da vida quando engana:

Ou em pago das agoas que eftillei

As que do marpaffeiforão de Lethe,

Para que m'efquecera o que paſſei.

Que o bem que a esperança vaapromete,


Ou a morte o eftorua, ou amudança,

Que be mal que hua alma em lagrimas derrete.

lafenhor cairà como a lembrança

No mal do bempaffado,he trifte & dura,

Pois nafce aonde morre a efperança

Efe quiferfaber comofe apura


N'húa almafaudoſa,não se enfade

De ler tão longa & mifera efcrittura.


Soltaua Eolo aredea & liberdade

Ao manfo Fauonio brandamente,

E euja tinhafolta afaudade,

Neptuno tinha posto ofeu Tridente.


Ꮐ Ꮞ A
Obras de Luis de Camões..

Aproa abranca efcuma diuidia,,

Coagente maritima contente..


O coro das Nereidas nosfeguia,

Os ventos namorada Galathea

Configofoffegados os mouia..

Das argenteas conchinhas Panopea

Andaua pello marfazendo molhos:


Melanto, Diamene, com Legea.

Eu trazendo lembranças por antolbos:

Trazia os olhos na agoafoffegada,

Eaagoafemfoffego nos meus olhos .


Abemauenturançaja paẞada

Diante mi tinha tão prefente,

Comofe não mudaffe o tempo nada.

E com ogefto immoto, & defcontente,

C'bumfofpiroprofundo, & mal ouuido,


Por não mostrar meu mal a toda agente:

Dizia,ò claras Nymphas, fe o fentido

Em puro amortiueftes, & inda agora


Da memoria o não tendes efquecido,

Sepor venturafordes algña hora.

Aonde entra ogran Tejo a dar tributo

AThetis, que vos tendes porfenhora,.

Onporverdes oprado verde enxuto

Oupor colberdes ouro rutilante,,


Das
Obras de Luis de Camões:
53
Das Tagicas areas ricofrutto:

Nellas em verfo heroico & elegante,

Efcreuei chua concha o que em mi viftes,..

Podefer que algum peitofe quebrante.


E contando de mi memorias trifles,

Os paftores do Tejo que me ouuião

Oução de vos as magoas que me ouuiftes?

Ellas queja no gefto me entendião,


Nos meneos das ondas me moftrauão

Que em quanto lhe pedia confentião,

Eftas lembranças que me acompanhauão ,


Polla tranquillidade da bonança,

Nem natormenta graue me deixauão

Porque chegado ao cabo da efperança,

Começo dafaudade que renoua,,

Lembrando a longa afpera mudança.

Debaixo eftandoja da estrella noua,

Que no nouo Hemifpherio refplandefce,

Dando dofegundo axe certaproua.

Eis a noite com nnues efcurefce

Do arfupitamente foge o dia,.

E o largo Oceanofe embrauefce::

Amachina do mundo parefcia


Que em tormentafe vinha desfazendo,

Emferras todo o marfe conuertia.


Lutando
Obras de Luis de Camões,

Luttando Boreasfero, & Noto horrendo ,

Sonoras tempeftades leuantauão,


Das naos as velas concauas rompendo.

As cordas co ruido affuuiauão,

Os marinheiros ja defefperados

Comgritos pera o ceo o ar coalhauão .

Osrayos por Vulcanofabricados

Vibraua ofero & afpero Tonante,


Tremendo os Polos ambos de affombrados .

Alli amor moftrandofe poffante

E quepor nenhum modo nãofugia,

Mas quanto mais trabalho mais conftante,


Vendo amorte diante, em mi dezia,

Se algua orafenbora vos lembraffe

Nada do que paffei me lembraria.

Emfim nunca ouue cousa que mudaffe

Ofirme amor do intrinfico daquelle

Em cujopeito hua vezdefifo entraße.

Hua coufa fenhor por certo affelle,

Que nunqua amorfe affina,ncmfe appura

Em quanto eftâprefente a caufa delle.

Deft'arteme chegou minha ventura

A efta defejada& longaterra,

De todo opobre honradofepultura.

Vi quantavaidade em nos s'encerra

E dos
Obras de Lais de Camões.
54
E dospropios quampouca , contra quem

Foi logo neceffario termosguerra.

Que buailla que o Rei de Porça tem

Que o Rei da Pimenta lhe tomára,


Fomos tomarlha, facedeonos bem?

Combua armadagroffa, que ajuntara

O Viforei de Goa,nos partimos

Com toda agente darmas quefe achara,

Ecom pouco trabalho deftruimos


Agente no curuo arco exercitada.

Com mortes ca incendios ospunimos.

Era a ilha com agoas alagada,

De modo quefe andaua em almadias,


Emfim outra Veneza trasladada,

Nella nos detinemos sòs dous dias,

Queforão para algus os derradeiros,

Que paffarão de Styge as agoasfrias.


Que eftesfao os remedios verdadeiros

Quepera a vida eftão apparelhados

Aos que a querem ter por caualleiros.

lauradores bemauenturados ,

Se conheceffemfeu contentamento,

Comoviuem no campofoffegados.

Dalhes ajufta terra o mantimento ,

Dalbes afonte clara a agoa pura,


Mungens
Obras de Luis de Camors,

Mungemfuas ouellas cento a cento,

Não vem o mar irada,a noite eſcura,

Porirbufcar apedra do Oriente,

Nautemem ofuror daguerra dura .

Viue bum.com fuas aruores contente,

Sem lhe quebrar ofonofoßegado


O cudado do ouro reluzente.

Se llefalta o veftido perfumado,

E dafermofa cor Aßyria tinto,


Edos torçaes Attalicos laurado :

Se não tem as dilicias de Corintho ,

Efe de Pario os marmores lhefaltão

O Piropo, a Efmeralda, o Iacintho,

Sefuas cafas d'curo nãoſe eſmaltão ,

Efmaltafelhe o campo de milflores,

Onde os cabritosfeus comendofaltão.

Alli amostra o campo varias cores,

Vemfe os ramospender cofrutto ameno

Allife affina o canto dospaftores.

Allicantara Tityro, Sileno,


"
Emfim por eftas partes caminhoa
***

Afaajustiça pera o cèofereno.

Ditofofeja aquelle que alcançou

Poder viuer na doce companhia

Dasmanfas ouelhinhas que criou.


Efte
Obras de L'uis de Camões.

Efte bemfacilmente alcançaria

As caufas naturais de toda a coufa,

Comofegera a chuua & neuefria.

Os trabalhos dofol que não repousa,

Eporque nos dà a lữa a luzalbea, '


Se tolbernos de Phebo os rayos oufa.

Ecomo tão depreffa o cèo rudea,

E como hum so os outros traz configo,

Efehe benigna ou dura Scytharea.

Bem mal pode entender ifto que digo,

Que ha de andarfeguindo ofero Martee

Que trazos olhosfempre emfeuperigos.

Poremfejafenhor de qualquer arte,

Que pofto que afortuna poßa tanto,


Que tão loge de todo o bem me aparte

Não poderâ apartar meu duro canto

Defta obrigaçãofua, em quato a morte


Me não entrega ao duro Rhadamanto,

Sepera triftes ba tão ledaforte..

漫漫

Elegiau
Obrasde Luis de Camões,

1
Elegia fegunda.

A DOM ANTONIO De no
ronha eftando na India.

Quella que de amor defcomedido


Pello fermofo moço fe perdeo,
Que sopor fi de amores foi perdido .'
Defpois que a Deofa em pedra a conuerteo,
De feu humano geſto verdadeiro,
A vltima voz fò lhe concedeo.

Afsi meu mal do proprio fer primeiro


Qutra cousa nenhua me confente,
Que efte canto que efcreuo derradeiro.
Efe algua pouca vida eftando auſente
Me deixa amor, he porque o penfamento
Sinta a perda do bem d'eftar preſente.
Je fenhor vos efpanta ofentimento
Que tenho em tanto mal para efcreuelo,
Furto efte breue tempo a meu tormento.
Porque quem tem poder para foffrello
Sem fe acabar a vida co cuidado,

Tambem terá poder pera dizello.


Nem en efcreuo mal tão costumado,
Mas n'alma minha trifte , & faudofa
.
A faudade efcreue, & -eu traslado.
Ando gaftando a vida trabalhofa,
Efpalhando a continua faudade ,
Ao longo de hua praya faudofa.
Vejo do mar a inftabilidade ,
Como comfeu ruido impetuofo,
Retumba
I
Obras de Luis de Camões.
30
Retumba na mayor concauidade.
E com fua branca efcuma furiofo,
Na terra a feu pefar the cftá tomando
Lugar onde fe eftenda cauernofo.
Ella como mais fraca lhe eſtá dando
Asconcauas entrenhas onde efteja
Suas falgadas ondas efpalhando.
A todas cftas cousas tenho inueja
Tamanha,que não fei determinarme,
Por mais determinado que me veja.

Se quero em tanto mal defefperarme,


Não poffo,porque amor & faudade,
Nem licença me dão para matarme.
Aas vezes cuido em mife a nouidade
E eftranheza das coufas coa mudança,

Se poderão mudar húa vontade.


E com ifto afiguro na lembrança
A noua terra,o nouo tratto humano,

A eftrangeira gente , & eftranha vſança.


Subome ao monte que Hercules Thebano
Do altifsimo Calpe diuidio,
Dando caminho no mar Mediterrano.
Dalli eftou tenteando aonde vio
O pomar das Hefperidas, mattando
Aferpe que a feu paffo refiftio..

Em outra parte eftou afigurando


Opoderofo Anthco, que derrubado
Mais força fe lhe eftaua accrefcentando.
Mas do Herculeo braço fojugado
No ar deixou a vida,não podendo
Da madre terra ja fer ajudado..
Nem
Obras de Luis de Camoes.
Hem com ifto em fim que estou dizendo
Nem com as armas tão continuadas,
De lembranças paffadas me defendo.
Todas as coufas vejo remudadas,
Porque o tempo ligeiro não confente

Que estejão de firmeza acompanhadas.'


Wi ja que a Primauera de contente
De milcoros alegres reueftia
Omonte, orio, o campo alegremente.
Vija das altas auesa armonia,
Que ate aos montes duros conuidaua

Ahum modo fuaua de alegria.

Vija que tudo emfim me contentaua,


E que de muito cheo de firmeza

Hum mal pormil prazeres não trocaua.


Talme tem a mudança & eftranheza,
Que fevou pellos campos, a verdura
Parefce que fefecca de tristeza.
Mas ifto he ja coftume da ventura,
Que os olhos que viuem defcontentes,
Defcontente oprazer fe lhe afigura.
graues & infuffriueis accidentes
De fortuna & d'amor, que penitencia
Tão graue dais aos peitos innocentes.
Não bafta exprimentarme a paciencia,
Com temores, & falfas efperanças ,
Sem que tambem m'attéte o mal d'aufencia?
Trazeis hum brando animo em mudanças,
Para que nunca poffa fer mudado,

Delagrimas,fufpiros ,& lembranças .


Efe
Obras de Luis de Camões.
57
%
Efe eftiuer ao mal acoftumado,
Tambem no mal não confentis firmeza,

Para que nunqua viua deſcanſado.


Viuia eu foffegado na tristeza ,
E alli não me faltaua hum brando engano,
Que tiraffe os defejos da fraqueza.
E vendome enganado eftar vfano,
Deu á roda fortuna, & deu comigo
Onde de nouo choro o nouo danno.'
La deue de baftar o que aqui digo,
Para dar a entender o mais que callo,

A quem ja vio tão afpero perigo.


E fe nos brauos peitos faz aballo
Hum peito magoado , & defcontentë,
Que obriga a quem o ouue a confolallo ;
Não quero mais fenão que largamente
Senhor me mandeis nouas deffa terra,
Ao menos poderei viuer contente.
Porque fe o duro fado me defterra ,
Tanto tempo do bem, que o fraco efprito
Defampare a prifao onde fe encerra;
Ao fom das negras agoas de Cocito
Ao pê dos carregados aruoredos
Cantarei o que n'alma tenho efcritto.
E por entre effes horridos penedos ,
A quem negou natura o claro dia,
Entre tormentos afperos & medos.
Com a tremula voz , canfada , & fria,

Celebrareio gefto claro & puro,


Que nunqua perderei da fantaſia .
Eo mufico de Thracia ja feguro
H De
Obras de Luis de Camõen

De perder fua Eurydice tangedo,


Me ajudara ferindo o ar eſcuro.
As namoradas fombras reuoluendo
Memorias do paffado me ouuirão,
E comfeu choro o rio irá crefcendo.

Em Salmoneo as penas faltarão,


E das filhas de Bellojuntamente
De lagrimas os vafos fe enherão.
Que fe o amor não fe perde em vida aufente,

Menos fe perderá por morte efcura;


Porque em fim a alma viue eternamente,
E amor he affeito d'alma, & fempre dura

Elegia fegunda.
1.1

Sulmonenfe Ouidio defterrado

Na afpereza do Pontho , imaginando

Verfe de feus parentes apartado::


Suachara molher defamparando ,

Seus docesfilhos, feu contentamento

Defuapatria os olhos apartando:

Não podendo encubrir ofentimento,

Aos montes, às agoasse queixanas

De feu efcuro & trifte nafcimento..

Ocurfo das estrellas contemplaua,,

E comoporfua ordem difcurrias


81

II
Obras de Luis de Camões.
38
O cèo, o ar, &a terra adonde estaua.

O speixespello mar nadando via,

Asferaspello monte, procedendo


Comofeu natural lhes permittia.

Defuasfontes via eftar nafcendo

Osfaudofos rios de cristal,

Afua natureza obedefcendo.

Aẞisò,defeu proprio natural,

Apartadofe via em terra eftranha

A cuja trifte dor não acha igual.

Sòfua doce Mufa o acompanha,

Nos verfosfaudofos que efcreuia,

Elagrimas com que alli o campo hanhag

Deft arte me afigura afantaſia

Avida com que viuo defterrado,

Do bem que noutro tempo poſſuîas

Alli contemplo ogoflojapaffado, 2


Que nunqua paẞarâpolla memoria,
De quem o tem na mente debuxado.

Allivejo a caduca & debitgloria ,


Defenganar meu erro, coa mudança

Quefaz afragil vida tranfitoria:

Allimie reprefenta efla lembrança


Quampouca culpa tenho, &me entriftefce,

Verfem razão apena que me alcança .


H 2 Que
Obras de Luis de Camões

Que apena que com cauſaſepadeſce

A caufa tira ofentimento della,

Mas muito doe a quefe não merece.

Quando a roxa manhã,fermofa ,&bella

Abre asportas aofol, cae o orualko,

Etorna afeus queixumes Philomela.

Efte cudado que cofono atalho

Emfonbos me parcfce, que o que agente


Paradefcanfo tem ,me da trabalho.

E depois de acordada cegamente


(Ou por melhor dizer defacordado,
Quepouco acordo tem bum defcontente)

Dallime vou com paſſo carregado,


Abum outeiro erguido, & alli me affento, "
Soltando a redea toda a meu cudado.

Depois defartoja de meu tormento ,

Dallieflendo os olhos
faudofos

Aa parte aonde tenho o penfamento .

Não vejofe não montes pedregofos.

E os camposfemgraça,& ſeccos vejo,

Queja floridos vira, graciofos.


Veja o puro, fuaue, brando Tejo,

Com as concauas barcas, que nadande

Vão pondo em doce effeitofeu desejo.

Huas cobrando vento navegando .


Она
Obras deLais de Camões?
59
Outras cos leues remos brandamente

As cristallinas agoas apartando.

Dallifallo coa agoa que nãofente,

Com cujofentimento a almafai

Em lagrimas desfeita claramente.

8fugitiuas ondas efperai,

Que pois me não leuais em companhia,

Aomenos eftas lagrimas leuai.

Ate que venha aquelle alegre dia,

Que eu va onde vos his contente & ledo,

Mas tanto tempo quem opaſſaria?


"

Não pode tanto bem chegar tão cedo,

Porqueprimeiro a vida acabarà,

Quefe acabe tão afpero degredo


Mas eftatrifte morte que virà,

Se em tão contrario eftado me acabaffe

Aalma impaciente adonde irâ ?

Quefe as portas Tartareas chegaße

Temo que tanto mal polla memoria

Nem ao paffar de Lethe lhe paffaffe. '


Quefe a Tantalo & Tyciofor nottoria

Apena com que vay que a atormenta,

Apena que la tem terão porgloria.

Esta imaginação me accrefcenta

Milmagoas nofentido,porque a vida


H3 De
Obras de Luis de Camões

De imaginações triftesfefuftenta.

Que pois de todo viue confumida,


Porque omal quepoffue le refumma

Imagina nagloriapoßuida.

Atte que a noite eterna me confuma,

Ou veja aquelle dia defejado,

Em quefortunafaça o que coftuma,


Se nella habi mudar hum trifte estado.

百倍 暴

CAPITVLO .

AQuellemouer d'olhos excellente ,


Aquelle viuo fpiritu inflamado
Do cristallino rofto tranſparente,
Aquelle gefto immoto & repoufado ,
Qu'eftando n'aima propriamente cfcritto,
Não pôde lerem verfo trasladado ,
Aquelle parecer que he infinito
Pera fe comprender de engenho humano,
O qual offendo em quanto tenho dito;
Me inflamma o coração d'hum doce engano,
M'enleua,& engrandefce a fantaſia,
Que não vi mayor gloria que meu danno.
bemauentnrado feja o dia
Em que tomei tão doce penfamento,
Que de todos os outros me defuia..
Obras de Luis de Camões. 30
Eb mauenturado o foffrimento

Que foube fer capaz de tanta péna ,


Vendo que o foi da caufa o entendimento !
Façame quem me mata, o mal que ordena,
Tratteme com enganos ,defamores,

Que então me falua,quando me condena.


Efe de tão fuaues disfauores
Penando viue hua alma confumida,

ò que doce penar, que doces dores!


E fe húa condição endureſcida
Tambem me nega a morte por meu danno,
ò que doce morrer,que doce vida!
E fe me moftra hum gefto brando & humano,
Como que de meu mal culpada fe acha,
òque doce mintir, que doce engano!
E fe em quererlhe tanto ponho ta cha,
Moftrando refrear openfamento ,
ò que doce fingir, que doce cacha!
Afsi que ponho ja no foffrimento
A parte principal de minha gloria,
Tomando por melhor todo o tormento.
Se finto tanto bem fò na memoria
De vos ver,linda dama , vencedora,
Que quero eu mais que fer voffa a vittoria?
Se tanto voffa vifta mais namora,
Quanto eu fou menos para merefceruos ,
Que quero eu mais, que teruos por fenhora?
Se procede efte bem de conheceruos ,
E confifte o vencer em fer vencido ,
Que quero eu mais fenhora , que querervos ?
Se em meu proucito faz qualquer partido ,
H 3 so
Obras deLuis de Camões
So na viſta d'has olhos tao ferenos ,

Que quero eu mais ganhar, que fer perdido ?


Se meus baixos fpritos de piquenos
Ainda não merecem feu tormento,
Que quero eu mais q o mais não feja menoss
A taufa emfim m'esforça o foffrimento ,
Porque a pefar do mal que me refifte
De todos os trabalhos me contento,
Que arazão faz a pena alegre ou triſte.

CAdom Antonio de Noronha, fobre o


Defconcerto do mundo .

Vem pôdefer no mundo tão quieto ?

Ou quem tera tão lure o penſamento ?

Quem tao exprimentado, tao difcreto,


Taofora emfim de humano entendimento ?

Que ou com publico effeito, ou comfecreto,

Lhe não reuolua & efpante o fentimento

Deixandolle ojuyzo quafi incerto ,.

Ver, notar do mundo o defconcerto?

Quem ha que veja aquelle que vinia

De latrocinios,mortes , & adulterios,

Que aojuyzo dasgentes merefcia .

Perpetua pena,immenfos vituperios,.

Se afortuna em contrario o leua &guia,.

1 Mostrando em fim
que tudofao myfterios,,

Emalteza d'eftados triumphante,,

Quepor liure quefeja nãofe efpanter


Qua
Obrasde Luis de Camões.

Quem ba que veja aquelle que tão clara

Teue avida, que em tudo porperfeito

OproprioMomo as gentes ojulgara,

Ainda que lhevira aberto o peito,


Se a mafortuna ao bem sòmènte auara

Oreprime, lhe negafeu direito,

Que lhe nãofique opeito congelado

Por mais mais que seja exprimentador

Democrito dos Deofespreferia… “.

Que eraõ sòs dous, a pena & beneficio,

Segredo algumferà dafantafta,"

De que eu achar não poffo claro indicio

Quefe ambos vempor não cudada via,


Aquem os não merece,hegrande vicio,

Em Deofesfemjuftiça &fem razão

Mas Democrito o diffe, & Paulo não.

Dirm'eis quefe efte eftranho defconcerto

Nouamente no mundo fe moftraße,

Quepor liure quefoffe, & mai experto,

Não era d'espantarfe me espantaffe,

Mas quefija de Socratesfoi certo.

Que nenhum grande cafo the mudaffe

Ovulto, ou de prudente, ou deconstante,

Que tome exemplo delle, não m'eſpantes

Parefce
D Obras de Luis de Camõers

Parefce a razãoboa, mas eu digo

Que efte vfodafortunatão danado,

Que quantomais fado, mais antigo

Tantobe mais eftranhado, blasphemados

Porquefe o ceo dasgentes tão amigo

Não da àfortunatempo limitado,

Não be paracaufar muigrande.efpanto,


Que mal tão mal olbado dure tanto.

Outro espanto mayor aqui me enlea,

Que com quantofortuna tãoprofana

Com eftes defconcertos fenhorea,

A nenbua peßoa defengana,

Não ha ningem que aẞente, nem que crea

Efte difcurfo vão da vida humana,

Pormais que pbilofophe,nem que entenda,

Que algum pouco do mundo nãopretenda.

Diogenespifaua de Platao

Com feusfordidos pès o rico eftrado,

Moftrando outra mais alta prefunçao,

Em desprezar ofaufto tão prezado,

• Diogenes noves que eftrèmosfao

Effesquefegues de mais alto estado,

Que fe de defprezar te prezas muito,

laprendes domundofama &fruito.


Deixo
Obras de Luis de Camões.
62
Deixo agora Reisgrandes , cajo estudo

Hefartar eftafede cubicofa,

De querer dominar, mandar tudo

Com fama larga, pompafumptuofa,

Deixo aquelles que tomãopor escudo

Defeus vicios, & vida vergonhofa,

Anobreza defeus anteceffores,


Enao cudao defi quefao peores .

Deixo aquelle a quem ofono eſperta

Dogranfauor do Rei que ferue adora,

Quese mantem defta aura, falfa,incerta,

Que dos corações tanto befenhora.

Deixo aquelles que eftao coa boca aberta

Porfe encher de thefouros d'hora em hora

Doentes deftafalfa hydropefia,

Que quanto mais alcança, mais queria.

Deixo outras obras vas do vulgo errado,

'A quem não ha ninguem que contradiga,

Nem doutra cousa algña hefojugado

Que de lua opinião, vança antigar

Mas pregunto ora a Cefar esforçado,


Ou a Platão diuino, que me diga

Efte das maitas terras em que andou,.

Estoutro de vencellas,que alcançou?

Cefar
Obras deLuis de Camões,

Cefar dirâ
, Sou dino de memoria,

Vencendo varios pouos esforçados,

Fui Monarcha do mundo , & larga hyftoria

Ficarâ de meusfeitosfublimados,

He verdade: mas effe mando & gloria

Lografteo muito tempo? os conjurados

Bruto &Caßio odirão quefe venceste

Emfim emfimâs mãos dos teus morrefte.

Dirà Platão por ver o Ethna & o Nilo

Fui a Cicilia,40 Egypto, a outras partes,

So por ver efcreuer em alto estillo


Danaturalfciencia em muitas artes,

O tempo he breue, & queres confumillo,

Platão todo em trabalhos : repartes

Tao malde teu estudo as breues horas,

Quem emfim dofalfo Phebo ofilho adoras.

Pois quando domundo eftâ apartada

A alma defta prifae terrefte & efcura ,

Eftà em tamanhas coufas occupada ,

Que dafama quefica nada cura,

Poisfe o corpo terreno fintanada

O Synico o dirá,fe por ventura

No campo onde deitado morto eftauà


Defios cães as aues enxotaua.

Quem
Obras de Luis de Camões,
63

Quem tão baixa tiueffe afantasia

Que nunqua em mores coufas a meteffe ,

Que em so leuarfeugado áfontefria,

E mungirlhe do leite que bebeße,


Quão bemauenturado queferia,

Quepor mais quefortuna reuolueffe,

Nunqua emfifentiria mayor pena ,

Que pefarlhe da vidafer pequena.

Veria erguer dofol aroxaface,

Veria correrfempre a clarafonte,

Sem imaginar a agoa donde nafce,

Nem quem a luz efconde no Orizonte,

Tangendo afrauta donde ogado pafce


Conhefceria as heruas do alto monte ,

Em Deos creriafimples & quicto,

Sem mais efpecular nenhumfecreto.

De bnm certo Trafilao fe lee & cfcreue

Entre as coufas da velha antiguidade,

Que perdido bumgra tempo o fifo teue

Por caufa d'huagrande infirmidade,


E em quanto defifora doudo esteue

Tinhapor teima, criapor verdade

Que erãofuas as naos que nauegauão,

Quantas no porto Pirèo anchorauão.


For
Obras de Luis de Camões.

Por bumfenhormuigrandefe teria

Alem da vida alegre que paffaua)

Pois nas quefe perdião nãoperdia,

E das que vinhãofaluas fe alegraua,

Não tardou muito tempo, quando hum dia

Huncritofeu irmão, que aufente eftaua,

Aa terra chega,& vendo o irmão perdido,

Dofraternal amorfoi comouido .

A
' os medicos o entrega,& com auiſo

Ofaz estarâcura refufada,

Trifte,quepor tornarlhe o charofifo,


Lhetira a doce vida defcanfada,

As heruas Apollinias de improuifo

O tornão àfaude atras paẞada,

Sefudo Trafilao, ao charo irmão

Agradefce avontade, a obra não.

Porque depois de verfe no perigo


Dos trabalhos que o fifo lhe obrigaua,

E depois de não ver o estado antigo

Que a va apinião lhe aprefentaua,

ôimigo irmão com cor d'amigo,

Para que me tirafte fuspiraua )

Da mais quieta vida , & liure em tudo,

Que nunqua pode ter nenhumfefudo.

Por
Obras de Luis de Camões.
67
Porque Rei,porque duque me trocara?

Porquefenhor degrandefortaleza?

Que me daua que o mundofe acabâra?

Ou que a ordem mudaße a natureza ?

Agora beme pefada a vida chara.

Sei que coufa be trabalho , que tristeza,


Torname a meu estado , que eu te auifo

Que nadoudice so confifte o fifo.

Vedes aquifenhor, mui claramente

Comofortuna em todos tempoder,


‫نگان‬
Senão so no que menosfabe & fente
Em
quem nenhum desejo pòde auer,

Eftefe pode rir da cegagente,

Nefte não pode nada acontecer,

Nem estarâfufpenfona balança

Do temor mao da perfida eſperauça.

Masfe ofereno cêo me concedera

Qualquer quieto , humilde, & doce eftado,,

Onde com minhas Mufas sò viuera,

Sem verme em terra alhea degradado,

E alli cutremninguem me conhecera

Nemeu conbefcera outro mais honrado,


Senão a vos tambem, como cu , contente,

Quebemfei que a fericisfacilmente..

E
Obras de Luis de Camões,

E ao longo d'húa clara purafonte,


1
Que em burbulhas nafcendo conuidaffe

Ao doce paffarinho que nos conte

Quem da claraconforte o apartaffe:

Depois cubrindo a neue o verde monte

Aogafalhado ofrio nos leuaffe,

Auiuando o juyzo ao doce estudo,

Mais certo manjar d'alma emfim que tudo

Cantaranos aquelle que tão claro

Ofez ofogo da aruore Phebea,

A qual elle em eftillogrande raro,

Louuando, o cristallino rio enfrea,

Tangeranos nafrauta Sannazaro,

Hora nos montes,bora pella aldea,

Paffara celebrando o Tejo vfano

O brando doce Laffo Caftellano.

E comnofco tambemfe acharà aquella

Cuja lembrança, cujo claro gefto

N'almafomente vejo: porque nella

Eftâ em effencia,puro manifesto,


Por alta influição de minha estrella,

Mitigando o firme peito honefto,

Entretefcendo rofas nos cabellos

De que tomaffe a luz ofol em vellos!


E alli
Obras de Luis de Camões.

Balli em quanto asflores Acolbeße,

Ou pello inverno aofogo accommodado,


Quanto de mifentirano's diffeße

Depura'amor bpeitofalteado , T
Nãopedira então que amor me deffe

De Trafilao o infano & doudo estado,

Mas que entao me dobraffeb entendimento ,


Por ter de tanto bem conhecimento.

Maspara onde me leua afantaſia ,

Porque imagino em bemauenturanças come"I


マリ
Se tao longe a fortuna me deſuia,

Qu'inda me não confente as eſperanças?

Se hum nouo pensamento amor me cria,

Onde o lugar, o tempo, as efquiuanças

Do bem mefazem tão defamparado,

Que não podefer mais que imaginado.

Fortuna em fimco Amorfe conjuron

Contrami,porque mais me magoaſſe,


Amor a hum vao desejo me obrigou,
'


So para que afortuna mo negaffe,

A este eftado o tempo me achegou,

Enelle quis que avida ſe acabaſſe,

Se ha em miacabarfe , qu'eu não creo,


Que atte damuita vidame receo.
Lue
Oitaua
!
as s ões
28 Obr de Lui de Cam .

XK
XXX 靈

OITAVA RHIMA ,

A dom Conftantino , Viſorei

on na India.

Omo nos voffos ombros tão constantes

Co
(Principe illuftre raro)fuftenteis

Tantos negocios arduos & importantes,

Dignos do largo Imperio que regeis,

Comofempre nas armas rutilantes


C
Vestido, mar & aterrafigureis

Do pirata infolente, dotyranno,

Lugo do potentißimo Ottomano .


Cha

E como cqm virtude neceffaria

Mal entendida dojuyzo alleo,

Aa defordem do vulgo temeraria

Nafanta pazponkaes oduro freo,


Se com minha efcrittura longa & varia

Vos occupaffe o tempo , certo creo

Que com ridiculofafantafia

Contra o comimumproueitopeccaria.
...
E
Obras de Luis de Camões.

Enão menosferia reputado

Por doce adulador,Jugaz & agudo,

Que contra meu tão baixo trifte eftade

Bufcofauor em vos, que podeis tudo,

Se contra a opinião do vulgo errado

Vos celebraffe.em verfo bumilde & rudo


Dirao que com liſonja ajuda peço

Contra a miferia injufta que padefço.

Poremporque avirtudepode tanto

No liure arbitrio (como diffe bem

ADario Rei, o moçofabio & fanto,

Quefoi reedificar Hierufalem)


Efta me obriga que emhumilde canto

Contra a tenção que a plebe ignara tem,

Vosfaço claro o que vos não alcança,

Enão depremio algum vil d'esperança.

Romulo ,Bacco, & outros, que alcançâraq

Nomes de Semidcofes foberanos,


Em quanto pello mundo exercitáraõ

Altosfeitos, & quafi mais que bumanos

Comjuftifsima caufa fe queixarao

Que não lhe refponderão os mundanos

Fauores, do rumorjuftos & iguoaes,


Afeus merefcimentos immortaes.
1 2 Aquelle
Obras de Luis de Camões.

Aquelle que nos braços poderofos


Tiron avida ao Tingitano Antheo,

A quemosfeus trabalhos taofamofos.

Fizerão cidadao do alto cêo,

Achou que a má tenção dos enuejafos

Naofe domafenaõdefpois que o vêo.

Serompe corporal, porque na vida,

Ninguem alcança agloria merefcida..

Pois logofe varões, tão excellentes


Forao do baixo vulgo moleftados,,

O vituperio vit das rudes gentes.

Em louuor dos Reais & fublimados,,

Quem no lume dos voffos afcedentes,

Poderâper os olhos,que abalados.


Lhe nãofiquem da luzvendo os mayores;

Voffos paffados Reis & emperadores..

Quem vera aquelle pay da patriafua.

Açonte dofoberbo Caftellano,

Que o durojugo so coa efpada nua.

Remoueo do pefcoço Lufitano,

Que não digu ogran Nuno a eterna tua.

Memoria caufarà, fe não m'engano,

Que qualquer teu menor tantofe eftime .

Quenunquapoffasfer fenaofublime..
Nifio
Obras de Luisde Camões.

Nifto nãofallo mais,porque conbeço

Que da materiaje me abaixa o engenho,

Maspois que adizer tudo me offerefço,


ba
Que dias ha que no desejo o tenho,
Sendo vos de tao alto & illuftre preço

A vidafoftespòr n'hum fraco lenho,

Por largo mar, '


vndofa tempeftade,

Sòporferuir a Regia Mageftade.

E defpois de tomar a redea dura

Na mão, do pouo indomito que estaua

Costumado àlargueza, & áfoltura

Do pefadogouerno que acabaua,

Quem nao teraporfanta & jufta cura

Qual de voffo conceito fe efperaua,,

Atão defenfreada infirmidade

Applicarlhe contraria qualidade?

Naō be muitofenhor,fe o moderado

Gouernofe blasphema , &fe defama,

Porque o pouo a larguezas costumado

Aaleiferena &jufta dura chama,

Pois o zello em virtude sòfundado

Defaluar almas da Tartareaflamma

Coa agoafalutifera de Chrifto,

Poderâpor venturafer mal quifto ?

13 QNew
Obras deLuis de Camões,

Quem quifeffe negar tãogran verdade

Qual be afeu effeito fanto &pio,


Negue tambem aofola claridade,

E certifique mais que ofogobefrie

Que ofucceffo he contrario da vontade,

As obras quefaõ boas,& o defuios:

Eftânas mãos dos homes comettellas ”

EmasdeDeoseftà o fucceffo dellas

Sey eu, fabem todos osfuturos

Veraopor vos o estado accrescentado,

Serao memoria poffa osfortes muros

Do Cambaico Dâmão bem fuftentados

Daruina mortalferão feguros,


Tendo todo a alicerfe feufundado :

Sobre orfus emparadas com maridos,

Epagos osferuiços bem deuidos..

Camanha infamia aa Principe he perderfe

Ponto do estadofeu, que inteiro berdou

Por tão celebregloria pòde terfe

Se accrefcentado & profpero o deixou

Nunqua confintio Roma ennobrecerfe

Com triumpho ninguem ,fe não ganhou

Prouincia que o Imperio accrefcentaffe

Pormayores victorias que alcançaffe.


Pode
Obras de Luis de Camões.
38
Podetomar o volo nome dino

Damão por honrafua clara &pura,

Comoja do primeiro Conftantino

Tomou Bizancio aquelle que inda dura,

Etu Rei que no Reino Neptunino

Lanofeo Gangetico a natura

Te apofenton, deferes enemigo

Defte eftado, nãoficasfem caftigo.

1
Bem vifte contrati nadantes naues,

Cortar a efpumofa agoa navegando,"

Ouuifte ofom das tubas nãofuaues,

Mas com temor horrifero foando,

Sentifte os golpes afperos graues

Dobraço Lufitano nunqua brando ,

Não foffreste ogra brado penetrante


ue os
Que os troupes unita do Tonante.

Mas antes dando a coftas & avittoria

Aa Bargances ventura, não corrido,

Dèfte bem a entender camanhagloria

He detal vencedorferes vencido,

Quemfez obras tão dignas de memoria

Sempreferàfamofo & conhecido,


Onde osjuyzos altosfe estimarem,

Que efles sòs tempoder defamadarem!


14 Não
Obras de Luis de Camões.

Não vos temaisfenhor do pouo ignaro

Eingrato a quem tantofezpor elle,

Masfabei,que hefinal de ferdes claro,

Serdes agora tao mal quifto delle:

Themiftocles dapatriafua emparo,

Oforte liberal Cimon , & aquelle

Que leis ao pouo deu de Efparta antigo,

Testemunhasferão difto que digo.

Pois aojufto Aristides hum robuſte

Votando no Oftracifmo costumado,

Lhe diſſe claro aßiporque erajusto

Defejana quefofle desterrado,

Pachitasporfugir dopouo injusto,


Caluniofo , dando no Senado

Conta de Lesbos que elleja mandara

Se tirou comfua efpada a vida chara.

Demosthenes deitado das tortas

Populares, a Pallas foi dizendo.

De que tres monstrosgrandes te contentas,


Do Drago, Enocho, dovilpouo horrendo?

Queglorias immortaes ouue, que ifentas

Do veneno vulgarfoffem? & venda.

Pois mil exemplos deixo de Romanos,

Evos tambem fois hum dos Lufitanos,


Oitana
Obras de Luis de Camões. ‫وة‬
.
!

EX

OITAVA RHIMA ,

Sobre a fetta que o fanto Padre mandou

a elRey dom Sebaſtião , no anno


do Senhor de 1575.

MVialto Reyja quem os cios emforte


Derão o nome Augusto , & fublimado,

Daquelle caualleiro que na morte

Por Christofoi defettas milpaffado,

Pois delle ofielpeito , casto , & forte

Conome Imperialtendes tomado,

Tomai tambem afetta veneranda,

Que avos ofuccessor de Pedro manda

laporforte do céo, que o confentio,

Tendes o braço feu, reliquia chara,

Defenfor contra ogladio queferio


Opouo que Dauid contar mandara.

No qual,pois tudo em vosfe permittio

Prefagio temos, & efperança clara

Quefereis braçoforte &foberano,

Contra ofoberbogladio Mauritano.


盛の
Obras de Luis de Camões.

Eo que este prefagio agora encerra,

Nosfazterpor mais certo verdadeiro

Afetta que vos dâ quem he na terra

Das reliquias celeftes difpenfeiro,

Que as voffasfettasfaas na juftaguerra

Agudas entraraopor derradeiro,

Cayudo a voffospèspouofem lei

Nospeitos que inimigosfao do Rei.

Quando voffas bandeiras deſpregaua

Albuquerquefortißimo com gloria,


Pollas prayas da Perfia, & alcançaua

De nacões tão remotas a vittoria,

Asfettas embebidas que tiraua


O arco Armufiano, he larga hyftoria,

Que no ar, Deòs querendo,


fe virauão.

Pregandofe nospeitos que as tirauão.

O querido de Deos por quem peleja

O ar tambem, o vento conjurado ,

Ao atambor acòde porque veja

Que quem a Teos ama, he de Deos amado,

Os contrarios reueis â madre Igreja

Atroarão co tom do cèo irado,

Que aßi deujafauor mayor que humano,

Alofue Hebreo, a Theodofio Hifpano.


Pois
T

Obras de Luis de Camões,


20
Pois ſe asfettas tiradas da inimiga

Corda, contra fi sò nociuasfaō,

Quefarao Rei as Doffas , que tem liga

Coa quejatocon Sebastiao?


Tinta vem do fenfargue, com que obriga
Alewantar a Deos o coração ,

Crendo que as que vos atirareis

No fangue Sarraceno as tingireis.

Afcanio (fe trazer me he concedido


Entre fantos exemplos humprofano)

Rei do largo imperio conhecido,

Romano, sò reliquia do Troyano,

Vingou comfetta & animo attreuido

Asfoberbas palauras de Numano,

E logofoi dalli remunerado ,

Comlouuores d'Appollo celebrado.

Aẞivos Rei, que foitesfegurança


3
De noffa liberdade, que nos dais

Degrandes bes certißima eſperança,

Nos coftumes & afpeito que mostrais


Concebemus fegura confiança

Que Deos a quem feruis & venerais

Vosfarâ vingador dos feus reueis,

Eospremios vos darâ que mereceis.

E
Obras de Luis de Camões.

Eftes humildes verfos, que pregão


Sao destes voffos Reinos com verdade,
Recebei com humilde & leda mão,

Pois he deuido a Ress benignidade,

Tenbão (fe nao merefcem galardão )

Fauorfequer da Regia Mageftade,

Aßitenhais de quem ja tendes tanto

Com o nome & reliquiafauorfanto.

Fim da Terceira parte.


Obras de Luis de Camõer
71

ISHO
KS

QVARTA PARTE,

DAS ECGLOGAS.

Aa morte de dom Antonio de Noronha , que


morrco em Africa, & à morte de dom loão It

de Portugal, & de dona Ioana,mãi delRey


dom Sebaſtião...

ECGLOGA PRIMEIRA

Vmbrano, Frondelio, paftores .

VMBRANO..

QVegrande variedade vãofazendo


Frondelio amigo , as oras apr‹ßadas,

Comofe vão as cousas conuertendo,.

Em outras coufas varias, infpiradas::

Hum dia a outro dia vay trazendo ,

Porfuas mefmas horasja ordenadas,

Mas quao conformesfaona quantidade,.

Tao differentesfao na qualidade.


Ен
Obras de Luis de Camões,

Eu vi ja deftecampo as varias flores

Aas estrellas do ceofazendo inueja,

Viandar adoranos ospaftores

De quanto pollo mundo fe defeja,

Evido campo compentir nas cores

Os trajos de abratanta , & taoſ beja,

Quefe a rica materia nãofaltaua ,

Aobra de mais ricafobejaua.

Eviperderfeupreço as brancas rofas,

E quafi efcurecerfe o claro dia

Diante d'huas moftras perigofas,


Que Venus mais que nunqua engrandeſcia,

Emfim vi as paftoras tão fermofas


Que o amor defi mesmofe temia:

Mas mais temia o pensamentofalto

De nãofer para ter temor tão alto.

Agora tudo está tão differente,


Que moue os coraçoes agrande espanto,

E parefce que lupiter potente


Se enfadaja d'o mundo durar tanto ,

OTejo corre turuo & defcontente,

As aues deixão feufuaue canto,

Eogado em ver que a berua lhe fallefce


Mais que de a não comer nos emmagrefce

Fronds
Obras de Luis de Camões.
73
Frod.Vmbrano irmão , decreto he da natura

Inuiolauel, fixo,&fempiterno,

Que a todo o bemfucceda defuentura

E não aja prazer queſeja eterno :

Ao claro diafegue a noite eſcuray

Ao verão fuaue, o duro inuerno,

Efe babi quem ſayba ter firmeza,


He somente esta leide natureza,

Toda alegríagrande & fumptuofa

Aporta abrindo vem ao triſte estado


Sebua bora vejo alegre & deleitofa,

Temendo estou do mal aparelhado,

Não vès que mora aferpe venenoſa

Entre asflores dofresco verde prado?

Não te engane nenhum contentamento

Que mais inftauel be que openfamento.

Epraza a Deos que o trifte & durofado


De tamanhos defaftresfe contente,

Quefempre humgrande mal inopinada

Hemais do que o efpera a incautagente

Que vejo efle carualbo, que queimado

Tãograuementefoi do rayo ardente,


Nãofeja ora prodigio que declare i

Que o Barbaro cultor meus campos are.


Vmb .
Obras de Luis de Camões,

Vmb.Em quanto dofeguro azambugeiro

Nospaftores de Lufo owner cajados,

Eo valor antigo queprimeiro

Òsfezno mundotaō aßinalados,

Não temas tu Frondélio companheiro,

Qu'em nenhum tempo ſejaõfojugados,

Nem que a ceruizindomita obedefça, A

A outrojugo algum que fe offereça...

E posto que afoberbafe leuante

Doimigo,a torto a direito,

Nao creas tu que aforça repugnante

Dofero,& nuncaja vencido peito


Que defde quem poffue o monte Athlante,

Atte onde bebe o Hidafpe temfogeito,

Opoffa nunquafer deforça albea,


Em quanto ofol a terra o cèo rodea.

Fro.Vmbrano, a temeraria fegurança

Que emforça, ou em razão naofe affegura,

Hefallava, que a grande confiança.

Naobefempre ajudada da ventura,

Que lajunto das aras da efperança

Nemefis moderadajufta & dura

Humfreo l'efta pando , & lei terribel,

Que os limites nãopaffe do posuel.


Efe
Obras de Luisde Camões.
73
Efe attentas bem osgrandes dannos

Quefe nos vão mostrando cada dia,


Porasfreo tambem a esses enganos

Que te estâ afigurando a oufadia,

Tu não ves como os lobos Tingitanos

Apartados detoda a couardia,


Matão os cães dosgados guardadores ,

E não somente os caes,mas os pastores?

E ogrande curralfeguro & forte


Do alto monte Athlas,não ouuifte,

Que comfanguinolenta &fera morte

Defpouoadofoi por cafo trifte?

ô cafo defastrado , ô duraforte ,

Contra quemforça humana naõ refište,


Que alli tambem da vidafoi priuado

Tionio meu, ainda em flor cortado.


Vmbiano.

De lagrimas me banha todo o peito

Deffe cafo terribel a memoria,

Quando vejo quam fabio, & quão perfeito,


Equam merecedor de longa hystoria

Era effe teu paftor, que fem direito


Deu as Parcas a vida tranfitoria:

Mes não kabi quem d'erua ogadofarte,

Nem dojuuenilfangue o fero Marte.


K Pore
Obras de Luis de Camões.

Parem,fe tenãofor muito pelado,

(la que a trifle morte melembraſte)

Cantares deffe cafo defastrado

Aquelles brandas verfos que cantafte


Quando ontem recolhendo o manfogado

Denofoutros paftores te apartafte:

Qu'eu tambem , que as ouelhas recolhia:

Não te podia ouuir como queria.


Frondelio.

Como ques que renoue no pensamento.

Tamanho mal, tamanha defuentura?

Porque espalhar fofpiros vaos ao vento .

Peraos que tristesfaōhefalſa cura,

Maspois tambem te mòue ofentimento

Da morte de Tionio trifte & eſcura».

Euporci teu desejo em doce effeito,

Se a dor não m'impedir a vozdo peito..


Vmbrano.

Canta agora paftor, que ogado pafce]

Antreas humidas beruas foffegado,

Ela nas altasferras, onde nafce

Ofacro Tejo,afombra recostado,

Comfeus olhos no chão, a mão naface,,

Eftâpera te ouuir aparelhado,

E emfilencio trifte eftão as Nymphas,

Dos olhos eftillando claras Imphas.


0
Obras de Luis de Camões.
74
Oprado,asflores brancas & vermelhas,

Eftâfuauemente apreſentando,

As doces &follicitas abelhas

Com hum brandofufurro vão voando, 1

Asmanfas &pacificas ouelbas ,

Do comer efquecidas,inclinando

As cabeças eftão aofom diuino


'

Quefazpaßando o Tejo cristallino,

O vento dantre as aruores reſpira,

Fazendo companhia ao claro rio,

Nasfombras a auegarrulafofpira

Suas magoas efpalhando ao ventofrio,


Toca Frondelio toca a doce lyra ,

Que daquelle verde alamofombrio


AbrandaPhilomela entriftefcida

Aofaudofo canto te conuida.

Canta Frondelio.

Aquelle dia as agoas não go§tàrão

As mimofas ouelhas, os cordeiros

O campo enchèrao de amorofos gritos,

Não je dependurarão dosfalgueiros

As cabras de tristeza, mas negarao

K 2 Opafto
Obras de Luis de Camões

O pasto a fi, o leite aos cabritos

Prodigios infinitos

Moftraua aquelle dia,

Quando a Parca queria

Principio dar aofero caſo triſte:

E tu tambem (ò coruo ) o descubrifte

Quando da mão direita em voz eſcura

Voando,repetifte
A tyrannica lei da morte dura.

Tionio meu, o Tejo cristallino ,

E as aruores que tuja desamparaste,

Chorão o mal de tua ausencia eterna,

Nãofeiporque tao cedo nos deixafte?

Masfoi confentimento do destino,

Por quem o mar aterrafegouerna

Eanoite fempiterna ,,
Que tu tão cedo vifte,

Cruel,acerba, & trifte,


Sequer de tua idade não te dera

Que lograras afresca primauera ?

Nao vfara com nofco tal crueza,,

Que nem nos montes fera,


Nem paftor ha no campo fem tristeza ..
Os
Obras de Luis de Camões.
73
Os Faunos certaguarda dos paftores

la nãofeguem as Nymphas na efpeffura,

Nem as Nymphas ans ceruos dão trabal bo

Tudo como mês,be cheo de tristura,

Aas abelhas o campo nega as flores

E as
flores a Aurora nega o orualho,

Eu, que cantando eſpalho


Tristezas todo o dia,

Afrauta quefobia
Mouer as altas aruores tangendo,

se me vay de tristeza enrouquefcendo,


Que tudo vejo triste neste monte,
Etu tambem correndo

Manas enuolta & triſte (ò clarafonte. )


《》

As Tagides no rio, el
na efpeffura

No monte, as Orgadas, conhecendo

Quem te obrigou ao duro & fero Marte

Como geralJentença vaõ dizendo

Que não pòde no mundo auer tristeza

Em cuja caufa amor não tenha parte, "


Porque aßi desta arte

Nos olhosfaudofos,

Nos paffos vagarofos,

Novofto, que o amor & afantaſia

K3 DA
2 Obras de Luis de Camões,

Da pallida viola lhe tingia ,

A todos defidauafinal certo

Dofoga que trazia

Que nunquafoube Amorfer incuberto

Ia diante dos olhos lhe roauto

Images ,& fantafticas pinturas ,

E exercicios do fallo pensamento

Epellasfolitarias efpefsuras,

En tre os penedes sas que naofallauão

Falaua descubriafeu tormenta..

N'bum longo efquecimento

Defitodo embebido,,

Andaua tooperdido ,

Que quando algum paftor lheperguntaua

Acaufa datristeza que moftraua,.

Como quemparapenas sô viuia,.


Sonrindalle tornaua ,

Senao viuefse trifte morrerial

Mas como este tormento o assinalous,

E tanto nofeu rostofe moftraffe .


Entendido mui bem do payfejudo,,

Porque dopensamento lhą tiraße,,

Longeda caufa delle o aparton ,

DI Porque
Obras de Luis de Camões,

Porque emfim longa auſencia ucaba tudo:

Masòfalfo Marte rudo,

Das vidas cubicofo,

Que aonde o generofo

Peito refufcitaua em tantagloria

Defeus anteceẞores a memoria,

Allifero & cruelthe deftruiste

Por injuftavittoria

Primeiro que o cudado a vida triſte.

ParefcemeTionio que te vejo

Por tingires a lança cobiçoso,

Naquelle infidofangue Mauritano

No Hifpanoginete bellicofo,
Que ardendo tambem vinha no desejo

De derrubar por terra o Tingitano,


ô confiado engano,
ôincurtada vida,

Que a virtude opprimida

Da multidãoforçofa do inimigo,

Não pode defenderſe do perigo,

Porque aßi o destino o permittio,


E aßileuou configo
.64
O maisgentilpastor que o Tejovio.
# K4
K4 Qual

A13


Obras deLuis de Camões.

Qual o mancebo Euryalo enredado

Entre opoder dos Rutulos,fartando,

As iras dafoberba duraguerra,


J.
Do cristallino rofto a cor mudando,

Cujo purpureofangue derramado

Pellas aluas espaldas tinge aferra,

Que comoflor que aterra,

Lhe nega o mantimento ,

Porque o tempo auarento.

Tambem o largo humor lhe tem negado,

Ocollo inclina languido canfado,

Taltepinto Tionia dando o efprito,,


A quem to tinha dado,

Qu'efte hefomente eterno & infinito..

Da bocacongelada a almapura:

Conomejuntamente da inimiga,
E excellente Marfida derramaua,,

Etugentilfenhora não te obriga.

Aprantafempiterna, a morte dura,

De quempor tifomente a vida amaua ,

Por ti aos Eccos daua,

Accentos numerofos ,

Por ti aos bellicofos


Exerciciosfe den dofero Marte,,
Eta
Obrasde Luis de Camber)

Etu ingrata,o amorjanoutraparte

Porâs,como acontece dfraca intento

Que emfim emfim deftaarte

Se muda o femminapenfamento .

Paftores defte valle ameno &frio,

Que de Tionio o cafo defaſtradaing na osmany I

Quereis nas altas ferrasquefe cantes iku


Hum tumulo deflores adornado ,

Lbe edificai ao longo deste rio:

Que a vellimenfree ao duronauigante,

Eo Laffo caminhante:
Vendo tamanba magoaj›.

Arrafe osolhos d'agoas

Lendo napedradura overfo efcritto,

Que diga aẞsi: Memoria fou que grito

Para danteleniunho em toda parte

Do mais gentil efprito


Que tirárãodo mundo Amon & Marte.

Vmbrano

Qual o quietofono aos canfados:


Debaixo dalgua aruorefombria,

Owqual aosfequiofos & encalmados ,


O ventos
Obrasde Luisde Camões?

Ovento refpirante, afonte fria,

Tais meforgoteus verfosdelicados,

Teu numerofo canto & melodia: 5,

E ainda agora otomswane to branda,

Os ouuidos me fica adormentando.

Em quanto ospeixes humidos tiuerem,

As areofas cosas defterio,

Ecorrendo estas agoas conhefcerem

Do'largo mar o antigofenhorio,

Eem quantoestas beruinhas paftoderem

Aas petulantes cabras, eu tefio

Que em virtude dos verfos que cantafte

Sempre viua opaftor que tanto amafte

Masja quepouco apouco o fal nosfalta,

E dos montes asfombras fe accrefcentão ,

Deflores mil o claro cèofe efmalta,

Que tão ledas aos olhosfe aprefentão ,

Leuemos pellopè deflaferra alta

Osgados, quejagora fe contentão

Do que comido tem,Frondelio amigo,

Anda , que atte o outeiro irei contigo.


a. Frond
Obras deLuis de Camões
78

Fröd Antes poreftevalle , amigo Vmbrano

Se te aprauuer lenemos as ouelhas,

Quefe enpor acerto nao m'engano ,

D'aquimefoabum Ecco nas orelhas,

O doce accento nãopareſce humano,

Efe tunefte cafo me aconselhas,

Eu quero ver daquique coufa feja,

Qu'o tom m'espanta,& a voz mefazinueja!

Ymb. Contigo vou, que quanto mais m'achego

Mais gentilmepareſce a voz que ouuiſte,

Peregrina excellente, & não te nego

Quemefaz ca no peito a alma triſte,

Ves como tem os ventas em fofferoz


Nenhum rumor daferra de refifte,

Nenhumpaffaro voa,mas parece

Que do canto vencido le obedefce.

Porem irmão melhorme pareſcia

Que nãa foffemos lâ, que eftoruaremos ÷

Masfubidos nesta aruore fombria


Todo o valle d'aqui defcubrireinos,

Os currões cajados toda via


Neste comprido tronco penduremos,

Parafubirfica homem mais ligeiro,

Descame tu Frondelio ir primeiro .

Efpera
Obros deLais de Camer
85
Efpera adareidepèfc queres,

SubirásJemtrabalho ,&femruido,

E depois quefubido la eftiueres,

Darm'asa mão de cima, qu'he partido ,

fepuderes
Masprimeiro medize,

Ver,donde nafce o canto nunqua ouuido,

Quem lança o doce accento delicado, :

Falla,que ja te vejo estar paſmado.


Vmbrano.

Coufas não costumadas na efpeffura,

Que nunqua vi, Frondelio, vejo agora,

Fermofas Nymphas vejo na verdura,

Cujo diuinogesto o cèo namora.

Hus de defufada fermofura,

Que das outras parece ferfenhora,

Sobre hum triftefepulchro, não ceßando

Està perlas dos olhos distillando.

De todas estas altasfemideas

Que em torno estão do corpofepultado,

Hua regando ashumidas areas.


Deflorestem otumulo adornado,

Outras queimando lagrimas Sabeas

Enchem o ar de cheiro fublimado,

Outras em ricos panos mais avante,“

Enuoluembrandam.éte.bum nouo infante. I


Hua
Obras de Luis de Camões.
79
Hua que dantre as outrasfe apartou,

Com gritos que a montanha entrišteſcerão,

Diz que depois que a morte a flor cortou,

Que as estrellas somente merefceraō,

Que este penhor charißimo ficou

Daquelle a cujo imperio obedefcerao


Douro, Mondego, Tejo, & Guadiana,

Tèo remoto mar da Taprobana

Diz mais,quefe encontrar este minino

A noite intempeftiua amanhefcendo ,

Que oTejo agora claro cristallino

Tornarà afera Alecto em vulto horrendo,

Masfefor conferuado do deftino,


Que as estrellas benignas prometendo

Lhe estão o largo pafto da'Ampeluſa,

Comonte que em mao ponto vio Medufa,

Efte prodigio grande a Nympha bella


Com abundantes lagrimas recita ,

Mas qual a eclypfada clara estrella,

Que entre as outras o ceo primeiro habita,


Tal cuberta de negro vejo aquella

Aquem so n'alma toca a gran defdita ,


Dà câ Frondelio a mão, &ſobe a ver

Tudo o mais que eu de dor nãofei dizer.

Frond
Obras de Luis de Camões,

Fro.ô trifte morte, efquiua, & mal olhada,

Que à tantasfermofuras injurias ,

De aquella Deofa bella & delicada,

Sequer algum refpeito ter denias.

Esta he por certo Aonia filha amada

Daquellegran paftor, que em noffos dias

Danubio enfrea, manda o claro Ibero,

Eefpanta o morador do Euxinio fero.

Morreolhe o excellente & poderofo,

Que a iffo eftâfogeita a vida humana)

Doce Tionio, d'Aonia charo efpofo,

Ablei dosfados afpera & tyranna,

Mas ofomperegrino,& piadofo

Com que afermofa Nympha a dor engana,

Efcuta hum pouco, nota, & vê Vmbrano,

Quam bem quefoa o verfo Caftellano.

Aonia.

Almay primero amor del alma mia,

Spiritu dicbofo,en cuya vida

La mia eftuuo en quanto Dios queria!

Sombragentil, defuprifion falida ,

Que delmundo a la patria te boluifte

Dondefuiste engendrada ,
y procedida.
Refcibe
π

Obras de Luis de Camões,


80
Refcibe allà eftefacrificio triste,

Que te offrefcen los ojos que te vieron,

Si la memoriadellos noperdiste.

Quepues los altos cielos permittieron ,

Que no te acompanhaße em taljornaday

Ypara ornarfefolo ati quifieron,


Nunqua permittiran que acompañada
Demi nofea efta memoria tuya,

Que està de tus defpojos adornada

Ni dexaran, por mas qu'el tiempo huya

D'eftar en mi con fempiterno llanto

Hasta que viday alma fe deftruya.

Mas tu gentil ſpiritu entretanto

Que otros camposyflores vas pifando,


Totras çampoñas oyes, y otro canto,

Aora embeuefcido eftès mirando.

Allâ enel Empyreo aquella Idea

Qu'el mundo enfrenay rige coufu mando...

Aoratepoffuya Scytherea,

Enfu tercero asiento , o porque amafie,

O porque nueua amante alla tefea..


Aora elfolte admire , fi mirafte

Como vapor los fignos encendido,


Las tierras alumbrando que dexafte.

Sien ver eftos milagros no has perdido.

Lau
Obras de Luis de Camões?

La memoria de mi, ofue en tu mano

Nopaffarpor las agoas del oluido.

Buelue vn poco los ojos a efte llano,

Verás vna que a ti con trifte lloro

Sobre efte marmolfordo llama en vano.

Perofi entraren en los fignos de oro ,

Lagrimasygemidos amorofos,

fuppremoyfanto choro,
Que mueuan el

La lumbre detus ojos tan hermofos

Yo lavere mui prefto , y podrê verte,

Que apesar delos hados enojofos

Tambienpara los triftes vuo muerte.

Ecgloga

.. :
TCHER Obras de Luis de Cambes. 81

EGLOGA II.

Almeno , & Agrario , paftores.

Ao longo dofereno
Tejo, fuaue & brando,
Nhum valle d'alcas aruores fombrio,

Eftaua o trifte Aimeno

SufpirosSpalhando
Ao vento, & duces lagrimas ao rio

No derradeirofio
O tinka a esperança,

Que com doces enganos

Lhefustentara a vida tantos annos

N'hua amorofa branda confiança,

Que quem tanto queria

Parefce que nao errafe confia,

A noite efcura daua

Repouso aos canfados

Animais, efquecidos da verdura,


Ovalle triste cftqua

Clus ramos carregalos


J
L
Que
Obras de Luis de Camões.

Que a noitefazião mais efcura:

Moftraua aefpeffura

Hum temerofo efpanto,

As roucas rãsfoauão

N'hum charco d'agoa negra, & ajudauão

Do paffaro nocturno o trifte canto.

O Tejo comfom graue

Corria mais medonho quefuaue

'Como toda a tristeza:

No filencio confifte,

Parefcia que o valle eftaua mudo,,

E com estagraueza

Eftaua tudo triste.


Porem o tristeAlmeno mais que tudo ::

Tomandopor efcudo

Defua doce pena:

Parapoderfoffrella,
Eftarimaginando a caufa della

Que em tanto malbé cura bempiquena ;

Mayor he otormento,

Que tomapor aliuio hum pensamento .

Ao rio fe queixaua ,.

Com lagrimas em fio,


Com
Obras de Luis de Camões,
82
]
M
[
Com que crefciao as ondas outro tanto,
Sen doce canto daua

Tristes agoas ao vio,

E o rio triftefom ao doce canto.


Co canfado pranto ,

Que as agoas refreaua,

Responde o valle vmbrofo,

Da manfa vozo accento temerofo,

Na outraparte do rio retumbaua ,

Quando dafantaſia

Ofilencio rompendo , afsi dizia.

Correfuauebrando

Comtuas claras agoas,

Saidas de meus olhos ( doce Tejo)


Fè de meus males dando,

Para que minhas magoas

Sejao caftigo igual de meu defejo,

Quepois em minaõ vejo

Remedio nem o efpero,

E a mortese despreza

De me mattar,deixandome à trueza

Daquellapor quem meu tormento quero


,
Saiba o mundo men danno

Porquefe defengane em mes engano


L2 Ia
Obras de Luis de Camões..

Ia que minha ventura,,

On quem me a caufa ordena,.

Quer por paga da dor tomefoffrella,


Serâ maiscerta cura.

Para taman ha pena .

Defefperar de auerja cura nella„

Porque fe miuba eftrella .

Caufou tal efquinança,,

Confinta meu cuidado,

Que mefarte defer defefperado,.

Para defenganar minha esperança,,

Quepara iffo nafci,.

Para viuer na morte, & ella em mii.

Não ceffe meu tormenta ,

De fazerfeu officio,,

Que aqui temhua alma aojugo attada,,

Nemfalte o foffrimento,,

Porqueparefce vicio,,
Para tão doce malfaltarme nada,,

& Nympha dilicada,,


Honra da natureza,,

Como pòde iftofer,,

Que de tão peregrino parecer


Podeffe proceder tanta crueza?.
Não
:
Obras de Luis de Camões.

Não vem de nenhum gesto

De caufa diuinalcontrario effeito.


Pois como penatanta

He contra a caufa dellaè


Fòra he de natural minha triftezas

Mas a mi que me efpanta,

Não bastad Nympha bella,

Que podes preuerter a natureza?


Não be agentileza

De teugefto celeste
Fora do natural?

Não pode a naturezafazer ta'.


Tumfna(bella Nympha) tefizete

Porem porque tomaſte

Tão duracondiçãoJe teformaſter

Por ti o alegre prado

Me he pelado & duro,

Abrolhos meparecemfuasflores,
Por ti do manjogado
Como de mí, não curo,

Por nãofazer offenfa a teus amores.

Osjogos dospaites,
As lutas entre a ramaŋ

L 3 Nada
18 Obras deLuds de Camões,

Nada mefazcontente,, © 1:9286a i

Efouja do quefui tao differente,


Que quado por meu nome algué me chamr
$..'
Pafmo quando conheço

Que indacomigo mefmo meparefço.

Ogado que apafcento


Sao n'alma meus cudados,,

E as flores que no campofempre dejo.

Sao no meu pensamento


Teus olhos debuxados,,

Com que estou enganando meu defejo,

As agoas frias do Tejo.

De docesfe tornarão

Ardentes & falgadas ,.

Defpois que minhas Lagrimas canfadas

Comfeupurolicor fe misturarão ,,

Como quando mistura

Hyppanis co Exampèo fu'agoapura .

Se abi no mundo ouueffe

Quuiresme algúa hora

Affentada napraya defte rios.

E de arte te diffeffe

Omalque paffo agora,. i


'
ε Ι Que
Obras de Luis de Camões,
84
Quepodeffe mouerte opeitofrio,
Ô quanto defuario

Que estou affigurando:

la agora meu tormento

Naopode pedir mais o pensamento,

Que eftefautafiar que imaginando


A vida me referua,

Querer mais de meu mal ferà feberba.

La a esmaltada Aurora

Descobre o negro manto,

Dafombra que as montanhas encubria,

Defcanfafrauta agora,

Qua meu canfado canto

Naš merefce que veja o claro dia

Nao canfe afantasia

De estar emfi pintando

O gefto dilicado,

Em quanto tras ao paflo o manfogado.

Efte paftor que la so vemfalando.


Calarmeei sômente,

ouuirfe me conſente.
Que meu mal nem ouuirſe

Agrariopaftor..

Fermofa manhã clara & deleitofa,


L4 Que
Obros de Luís de Camões

Que como fresca rofana verdura.

Te moftras bella & pura , marchetando

As Nymphas efpalhandofeus cabellos.

Nos verdes montes bellos, tu sòfazes .

Quando afombra desfazes, triste er efcura,

Fermofa a efp Bura,& fresca afonte,

Fermofo o alto monte, orochedo,

Fermofo o aruoredo , & deleitofo ,

Emfimtudofermofo co teu rosto,

D'oura & rofas compofto & claridade ,


Trazes afaudade ao penfamento,

Moftrando n'hum momento o roxo dia,


Co a doce armonia nos cantares,

Dospaffaros apares, que voando

Seu pasto andão buscando nos raminhos,


Para os amados ninhos, que mantem,

ôgrande ∞ fummo bem de natureza ,

Estranha fubtileza depintora,

Que matiza n'hua hora de mil cores,..

O cèo, a terra, asflores,monte , & prado,,

& tempo ja paffado, quam prefente

Te vejo abertamente na vontade,

Quamanhafaudade tenho agora,

Do tempo que a pastora minhà amaua,,

Ede quanto prezaua minha dor,

Então
Obras de Luis de Camões. 85

Então tinha o amor mayor poder,

Então n'hum sò querer nos igualaua,

Porque quando hum chamaua a quem queria

O Ecco refpondia da affeição,

No brando coração da doce immiga,,

Nesta amorofaliga concertauão,

Os tempos quepallaudo com prazeres:

Moftraua aflaua Ceres polas eiras,

Das brancasfementeiras ledofrutto,

Pagandofeu tributo òs lauradores,

E enchia aos paftores todo o prado

Pales, do m.infogado guardadora,

Zephiro, afresca Florapaffeando


O's campos efmaltando de boninas,

Nas agoas cristallinas trifte eftaua

Narciffo, que inda olhaua n'agoapura,,

Sualindafigura delicada,
1
Mas Ecco namorada defeu gesto

Compranto manifestofeu tormento,


No derradeira accento lamentaua,

Allitambemfe achaua o fangue tinto

Do purpureo Iacintho, o destroço


De Adonis lindo moço,mortefea,.

Da bella Scythareatão chorada,

Toda aterra efmaltada destas rofas,.


All
Obras deLuis de Camões

Alli as Nymphasfermofas pellos prados

Os Faunos namorados apos ellas,

Mostrandolle capellas de mil cores,

Quefazião das flores que colhiaõ,

As Nymphas lhefagiao amedrentadas,

Asfraldas leuantadas pellos montes,

Afrefca agoa dasfontes espalharfe

Vertuno transformarfe allife via,

Pomona que trazia os docesfruitos,

Allipaftoresmuitos, que tangiao,


Asgaitas que trazião, & cantando

Eftauão enganandofuas penas,


Tomando das Sirenas o exercicio,

Ouuiafe Salicio lamentarfe,

Da mudança queixarſe crua & fea,'

Da dura Galathea tãofermofa,

E da morte enuejofa Nemorofo

Ao monte cauernofo fe querella,

Quefua Elifabella em pouco espaço

Cortára inda emagraço a duraforte,

'
ô immatura morte, que a ninguem

De quantos vida tem, nunca perdoas,

Mas tu tempo que voas apreßado,

Hum deleitofo eftado quam afinha.

Nefta vida mefquinha trasfiguras,


Em
Obras deLuis de Camões,
88
Em mil deſaménturas,& a lembrança

Nos deixas por herança do que leuas,

Aẞiquefe nos ceuas com prazeres,

He para nos comeres no millor,


Cada vez empeor te vas mudando,
Quanto ves inuentanda , que oje approuas,

Logo amanba reprouas cum inftancia,


estranha inconftancia, & tão profana,

De toda a coufa bumana inferior,

A quem o cego errorfempre anda annexo


Mas eu de que me quexo? ou que digo ?

Viue otépo comigo,ou elle tem

Culpa no mil que vem da cegagente? 3

Por ventura ellefente, ou elle entende

Aquillo que defende ofer diuino?


Elle vfa de contino feu officio,

Queja por exercicio lhe he diuido,


Dânosfrutto collido nafazão.

Dofermofa vera , no inuerno,,

Comfeu humor eterno congellado,

Do vapor leuantado, co a quentura

Dofol, aterra dura lhe da alento ,

Paraque o mantimento praduzindos J


Estefempre comprindofeu cofume,

Afsi que não confume defi nada,


$1,10 %. Nem
Obras de Luisde Camões.

Nem muda dapaſſada vida hum dedo,

Antes fempre cftâ quedo no diuido,

Por
Porque este befeu partido, & fua vſança,

Enelle eftâ mudança, &mais firmeza,

Mas quem a lei defpreza, pouco eſtima,


De quem delá de cima eftâ mouendo

O cèofublime horrendo, o mundo puro ,

Efte muda o feguro &firme estado,


Dotempo não mudado da verdade,

Nãofoi naquella idade de ouro claro,

Ofirmetempo caro & excellente,

Viuia então agente moderada,

Semfer a terra arada dauapaõ,

Semfer cauado o chão asfruttas daua,


Nem chuua defejaua , nem quentura,

Supria então natura o neceßario ,

Pois quem foitão contrario a esta vida?

Saturno,que perdida a luzferena,

Caulou que em dura pena defterrado


Foße do ceo deitado onde viuia,

Porque osfilhos comia , quegeraua,

Por iffo fe mudana o tempo igual


Em mais baixo metal, as defcendo
3
Nos veo aßitrazendo a eteeftado, ră

Mas eu delatinado adonde vou?


Poronde
Obrasde Luís de Camões.
87
Para onde me leuou a fantaſia ?

Qu'estou gastando o dia em uás palauras?


Quero ora minhas cabras ir leuando

Ao manfo Tejo brando, porque achar


No mundo que emendar,não he d'agora,

Bafta que a vidafora delle tenho,.


Com meugado me auenho, estou contentes,

Poremfe me não mente a viſta, eu vejo

Nestapraya do Tejo, estar deitado

'Almeno, que enleuado em pensamentos,,


As horas momentos vaygaſtando,,

' elle vou chegando,sò por ver


Par

Sepodercifazer que o mal quefente

Humpoucofe lhe aufente da memorial.

Almeno fonhando ..

docepenfamento,ò doce glorja,

Sao eftes por ventura os olhos bellos:

Que tem de meus fentidos a vittoria?"

São eftas(Nympha)as tranças dos cabelloss

Quefazem defeu preço o ouro alheo,.

E a mi de mi mefmo, sò com vellos?


Hé esta a alua coluna , o lindo efteo,

Sustentador das obras mais que humanas ,.

Quer
Obras de Luis de Camões,

Que eu nos braços tenho,& não no creo,

A falfopensamento , que m'enganas ,

Fazesmepor a boca onde não deuo,

Com palanras de dondo, & quafi infanas

Como alçarte tão alto aßi me atreuo?

Tais afas doutas ex, on tu mas das?


Leuasme tu a mí, ou en teleuo?

Não podereieu ir onde tu vas ?

Porempois ir não poffo onde tufores

Quandofores,não tornes donde eftàs.

Agrario.

que triftefucceffofoi de amores

O que a eftepaftor aconteceo,

Segundo ouui contar a outrospaftores.

Que tantoporfeu dannofeperdeo,

Que o longo imaginar emfeu tormento,

Em defatino amor lho conuerteo.

ôforçoso vigor dopensamento,


Quepode noutra coufa eftar mudando,

Aforma, a vida, ofifo, o entendimento .

Eftafe bum triste amante transformando


Na vontade daquella que tanto ama,

Defifuapropria cffencia trasportando.


E
Obras de Lais de Camões.
88
Enenhua outra coufa mais defama

Que afi,fe vê qu'em fi ha algum fentido,

Que deftefogo infano nãofe inflama.


Almeno que aqui eftâ tan influido

Nofantafticofonho, que o cuidado


Lhe traz fempre ante os olhos esculpidor

Estafelbe pintando de enleuado

Que temja dafantastica paftora

O peito diamantino mitigado.


Emefte doce engano eftaue agora

Falando como emfonhos, mas achando

Ser vento o quefonbaua,grita & choras


Desta arte andauao fonhos enganando,

O paftorfomnolento , que a Diana


Andaua entre as ouelbas celebrando.

Deft'arte a nuuemfalfa emforma humana:

Ovãopay dos Centauros enganaua,

Que Amor quando contenta fempre engana


Como a efte que configo sô fallaua,

Cudando quefallaua de enleuado,

Com quem lhe opensamento figuraua.

Não pôde quem quer muito fer culpado,


Em nenhum erro, quando vem afer
transformado..
O amor em doudice

Não e amor.amor,fe não vier


-

Com
Obres de Luis de Camões

Com doudices, deshonras, diffenfoes,

Pazes, guerras,prazer, desprazer.

Perigos,lingoas más,murmurações,

Čiumes,arroidos,competencias,

Temores,mortes, nojos ,perdições:

Estasfao verdadeiras experiencias


De quempoem o desejo onde não deue

De quem engana alheas innocencias.

Mas isto tem Amor, que nãose efcreue


Senão onde be illicito & cuftofo,

E onde he mòr operigo maisfe attreue.

Paßaua alegre tempo, deleitofo

O Troyano pastor, em quanto andaua

Sem ter alto defejo, perigofo .

Seusfuriofos Touros coroaua ,

Enos alamos altos efcreuia

Teu nome(Ennone)quando ati sò amaua.

Crefcião os altos alamos, creſcia

O amor quete tinhafemperigo,

Efem temor contente teferuia.

Mas defpois que deixou entrar config

Illicito defejo, &pensamento,

Defua quietação tão inimigo,

Atoda apatria pos em detrimento

Com morte deparentes, & de irmaõs.


Com
Obras de Luis de Camões.

Com cru incendio,& grande perdimento. "


• Nisto fenecem penjamentes vaōs,

Triftes feruiços malgalardoados,

Cujagloriafepaſſa dantre as maōs.


Lagrimas & Juspiros arrancados.
Dalma todosfe pagao com enganos,

E oxala foffem muitos enganados .

Andão com feu tormento taōvfanos,

Gafſtando na doçura de hum cuidado

Apos hua efperança tantos annos.


Etal ha taoperdido namorado,

Tão contente co pouco, que daria


Por hum sò mouer d'olhos, todo o gado.
or

E em todo o pouoado & companhia,

Sendo aufentes de fi, eftao prefentes

Com quem lhe pintafempre afantafia,


C'hum certo nãofei que andaõ contentes,

E logo hum nada os torna ao contrario,

De todo ofer humano differentes .

ôtyrannico amor, ò cafo vario ,

Que obrigas hum querer que femprefeja

Defi contino & afpero aduerfario .


E outr❜hora nenbúa alegre eſteja ,

Senaō quando do feu defpojo amado

Sua imiga eftar triumphando veja.

Μ Nesta
Obras de Luis de Camões,

Buerofallar com efte, qu'enredado

Nefta cegeira eftâfem nenhun, tento},

Acordaja pastor defacordado,

Alm.ô porque me tiraffe humpenfamento

Que agora eftaua os olhos debuxando,

De quem aos meusfoi doce mantimento .' .

Agrario..

Nella imaginação estasgastando ,

O tempo a vida Almeno ? ò perda grande,

Não ves quam mal os dias vaspaffando?.


Almeno..

Fermofos olhos, ande agente & andej

Que nunca vos ireis defta alma minha,

Por mais que o tépo corra, & a morte o măde.

Agrario..

Quempoderá cuidar que tão afinha.

Se perca o curfo aßi do fifo humano,

Que correpor direita & justa linha?

Quefejas tão perdido por teu danno,


Almeno irmão, nao hepor certo auifo,

Masmuigrande deudice, grande engano.


Almeno.

Agrario , que vendo o doce rifa,

Eorofta taofermofo , como efquiuo,

faitodo ofifo.
Omenos queperdi ,
E
]]
Obras de Luis de Camões,

E não entendo defquefui cattiuo,

Outra cousa de mi,fenão que mouro

Nem ifto entendo bem,pois inda viuo. 1

Aafombra deste vmbrofo ,& verde louro,

Paſſo a vida, ora em lagrimas canfadas,


Ora em louuores dos cabellos d'ouro.

Sepreguntares porquefaõ choradas,

Ouporque tantapena me confume,

Reuoluendo memorias magoadas.


Defqueperdi da vifta o claro lume,

Eperdi a efperança, a causa della,

Nao choro por razao,mas por coſtume]

Jamaisfoube cofado ter cautella,


Nem nunca ouue em mi contentamento

Que nãofoffe trocado em dura eftrella.

Que bem liure viuia & bemifento,

Sem nuncafer ao jugo fomettido,

De nenhum amorofo pensamento.

Lembrame ( Agrario amigo ) que ofentido

Tãofora de amor tinha, que me ria

De quempor elle via andarperdido.

Devarias coresfempre me vestia,

De boninas afronte coroaua ,


Nenhum pastor cantando me vencia.

Abarbacutão nasfaces me apontaua,


M 2 N
Obras de Luis de Camões.

Naluta,no correr,& em qualquer manba

Sempre apalma antre todos alcançaua.


Da minha idade tenra em tudo eftranha,

Vendo, como acontece affeiçoadas

Muitas Nymphas do rio,& da montanhar

Compalauras mimofas &forjadas

Dafolta liberdade,& liurepeito,

As trazia contentes,& enganadas.

Mas não querendo amor que deftegeito

Dos corações andaffe triumphando ,

Emquem elle criou tão puro effeitos

Pouco pouco mefoi de milcuando ,

Difsimuladamente as mãos de quem

Tad'eftainjuria agora eftà vingando

Agrario

Defte teu cafo Almeno eusei mui bem

Oprincipio o fim, que Nemorof

Contado tudo iffo, er mais me tem.

Mas querote dizerfe o engano


fo

Amorbe costumado a defconcertos,

Quenunca amandofez paſtor ditofo..

La que nelle eftes cafosfao tão certos,

Porque os estranhas tanto , que de magoa


Te chorão as muntanbas, os defertos.

Vejote eftargaftando em viuafragoa


Obras de Luis de Camões.

juntamente em lagrimas vencendo
E

Agran Sicilia em fuga , o Nilo em agoa.

Vejo que as tuas cabras nao querendo


Goftar as verdes heruas,ſe emmagrecem,
As tetas aus cabritos encolhendo.

Os campos que co tempo reuerdefcem,


Os olhos alegrando defcontentes,

Em te vendo parece que entristecem.


Todos os teus amigos & parentes,

Que la daferra vempor confolarte,


Sentindo n'alma apena que tu fentes.

Se querem de teus males apartarte,

Deixando a cafagado,vas fugindo,


Como ceruo ferido,a outra parte.

Não ves que amor as vidas confumindo


Viue sò de vontades enleuadas,

Nofalfo parefcer d'hum gefto lindo?


Nem as heruas das agoas defejadas

Sefartão,nem de flores as abelhas ,

Nemefte amor de lagrimas canfadas.

Quantas vezes perdido entre as ouelhas


Chorou Phebo de Daphne as efquiuanças

Regando asflores brancas & vermelhas.

Quantas vezes as afperas mudanças


O namrrado Gallo tem chorado,

M 3 De
Obras de Lais de Camões,

De quem o tinha enuolto em efperanças.

Estaua o triste amante recostado,


Chorando aopè d'hum freixo o trifte caso,

Que ofalfo amor lhe tinha destinado,

Por elle ofacro Pindo, ogran Parnafo

Nafonte de Aganippe distilando,

Ofazião de lagrimas bum vafo.

Vinha o intenfo Apollo alli culpando

Afobeja tristeza perigofa ,

Com afperas palauras reprouando.

Gallo porque endoudeces, que afermofa

Nympha que tanto amafte, descubrindo

Porfalfa afe que dana mintirofa.

Pollas Alpinas neues vayfeguindo

Outro amor, outro bem , outro defejo,

Como enemiga emfim de tifugindo.

Mas o mifero amante, que ofobeja

Mal empregado amor lhe defendia


Ter de tamanha fèvergonha oupejo,

Dafalfifica Nympha não fentia

Senão que o frio do gelado Rheno 7

Os delicadospês Use offenderia .

Orafetu ves claro, amigo Almeno,

Que de amor os defaftresfan deforte

Queparamattar bafta o maispiqueno,

Porque
Obras de Luis de Camões, 02

Porque não pões bumfreo a mal taoforte,

Que em estado te poem, quefendo viuo

la nãose entende em tividanem morte?


Almeno.

Agrario, fe do geſtofugitiuo

Por cafodafortuna defaftrado


Algua hora deixar defer cattiuo,

Oufendo para as Vrfas degradado


Aonde Borcas temo Occeano,

Cosfrios Hyperboreos congelado,


Ou onde a filho de Clymene infano,

Mudando a cor dasgentes totalmente,

Asterras apartou do tratto humano.

Oufe por qualquer outro accidente

Deixar efte cudado tão ditofo,

Porquemfou defer triſte taõ contente.

Efterio, que paffa deleitofo,


Tornandopor detras, irà negando

Aa natureza o curfo prefurofo.

Asferaspello mar irao buscando

Seupafto, & andarfehãopolla efpeẞura

Das heruas os delpibns apafcentando .

Orafe tu ves n'alma quaõfegura

Tenho estafee,& amor,para que infiftes

Neffe confelho & pratica tão dura ?,


MA Se
Obras de Luis de Camões..

Se de tua perfia não defiftes

Vai repastar teugado a outra parte,


Que he dura a companhia para os triftes

Hua sô coufa quero encomendarte,

Para repouso algum de meu engano,

Antes que o tempo emfim de mite aparte.

Quefe eftafera que anda em trajo humano,

Vires polla montanha andar vagando ,

De meu defpojo rica , & de meu danno ,

Com os efpritos viuos inflamando

O ar, o monte, aferra,que configo ›


Continuamente leua namorando .

Se queres contentarme como amigo ,、

Paffando;lhe dirâs, gentil paflera.

Não ha no mundo viciofem caftigo..


Tornada em duro marmore nãofora .

Afera Anaxarete, Je amorofo


-
Moftråra o rosto angelico algúa hora..
Foi bemjusto o caftigo rigurofo,

Porem quem te ama , Nympha, não queria :

Noda tãofea emgefto tão fermoso ..

F
Agrario..

Tudofarei Almeno, & mais faria,

Por
Obras de Luis de Camões:

Por te ver algum'hora defcanfado ,

Sefe acabão trabalhos algumdia.


Mas bem vès como Phebo ja impinado

Me manda que da calma iniqua & crua

Recolha em algum valle o manfo gado..

Tu neffafantaſiafalfa tua

Para engano mayor de teu perigo

Nao queres companhia fenão afua ..

Voume daqui , & fique Deos contigo,,

Eficarâs melbar acompaahado. ·


Almeno.

Elle contigo va, como comigo ».

Mefica acompanhando meu cudados.

Outra
Obras de Luis de Camões.

ECGLOGA III.

De Almeno , & Belifa, conti-

nuando co a paffada.

PAlfadoja algum tempo que os amores

D'Almenoporfeu mal eraõ paſſados,

Porque nunca amor cumpre o quepromete,

E antrehus verdes vlmeiros apartados,

Regandopello campo as brancasflores,

Em lagrimas canfadasfe derrete:

Quando a lindapaftora que compete

Co monte emafpereza,
:
Coprado emgentileza,
Por quem o triste Almeno endoudecia,

Pellapraya do Tejo difcurria

Alauar a beatilha, o trançado,

la ofol confentia

Quefaiße dafombra omanfogado .

E acordadoja dopensamento

Que tão defacordado ofempre teue,

Vio por acerto o bem que incerto tinha:

E porque onde amor a maisfe atreue

Alli mais enfraquefce o entendimento,


Não
i
Obras de Luis de Camões.
94

Nao lhefoubedizer o que conuinha,

Como homem que aaprazada briga vinha

A quemdefora engana

Aconfiança humana,

E depois vendo o rofto a quem refifte,


Treme,teme operigo, não infifte

Lafe arrepende, a audacia lhe fallefce,

Deft'arte opaftor trifte

Oufa,arrecea, esforça, enfraquefce.

Etendo aßi atonito ofentido,

Cometteo comfuror defatinado

E tiron dafraquexa o coraçao,

Comettimentofazdefefperado ,

Que búa sò saluação tem humperdido,

Perder toda a efperança afaluação,

As magoas quepaffarãofe dirao,

Mas as que ella dizia,


Lembrandolhe que via

As agoas murmurar do Tejo amenas,


'

Remeto a vos,à Tagides Camenas ,

Que de magoa não poffo dizer tanto,

Porque em tamankaspenas

Me canſa apena,& a dor m'impede o canto .

Belifa.
Obras de Luis de Camões.

Belifa pastora.

Que alegre campo, praya deleitofa,

E quamfaudofa faz efta efpeffura

Afermofura angelica &Jerena,

Da tarde amena,& quamfaudofamente

Asèfta ardente abrandafufpirando

De quando em quando o vento alegre & frio.

Nofundo rio os mudos peixes faltão,

No àrfe efmaltão os cêos d'ouro & verde,

E Phebo perde aforça da quentura,

Polta efpeffura leuão paffeando


Ogado bi ando, aofom das çamphoninas,

Pifando asfinas &fermofasflores,

Osguardadores, que cantando ogefto

Fe mofo & honefto, das pastoras que amão,

Ao ar derramão milfofpiros vaos,


Hum louua as mãos , outro os olhos bellos,

Outro os cabellos douro em fomfuaue,

A amorofa aue leua o contraponto ,

Mas ò que conto, quefaudofa bystoris

Que na memoria aquiſe me offerefce:

Se não me efquece, ja neste lugar

Ouuifoar nos valles algum dia,

E refpondia o Ecco o nome em vão

N'hum coração, Belifa retumbando


Eflou
Obras de Luis de Camões

Estou cudando como o tempopaffa ,

B quão eſcaffa be toda alegre vida,

E quão comprida, quando he trifte & dura.

Nefta efpeffura longo tempo amei,


Se me enganei com quem do peito amaua,

Não me pefaua defer enganada,

Fuifalteada emfim de hum penfamento,

Que bum mouimento tinha casto & fao,


Conuerfaçãofoifonte defle engano,

Quepor meu danno entrou comfalla cor,

Porque o amor na Nympha que he fegura

Entra em figura de vontade honefta,

Mas quemepresta agora dar difculpa

Se ahi ouue culpa pola o firme amor,

So n'hum paftor que nunca ofolnem lua

Ouferra algua, desd'o Ibero ao Indo,

Virão outro tão lindo, tão manhofo,

Neste amorofo estado, fe que tinha,


Qua n'alma minhatãofecretamente,

Viui contente amando & encubrindo,

Ellefingindo muintirofos dannos,

Quefao enganos que não custão nada,

Tendo alcançadaja no entendimento


Afe & intento meu sà nelle posto ,

Que logo o rosto moftra os corações,


Ean
ta Obras deLuis de Camões.

Eas affeições ços olhos fepraticão,

Que mais publicão muito que palauras,


I
Comfuas cabrasfempre àparte vinha

Onde eumantinha os olhos & o defejo,

Tu manfo Tejo,& tu florido prado,

Do mais paffado emfim que aqui não digo,

Sereis me obrigo teftemunho certo,

Que defcuberto vosfoi tudo claro,

tempo auaro, forte nunca igual,

Camaubo mal quereis â humanagente,


Porque bumcontente eftado aßi trocaftes

Vos me tiraftes do meu peito iſento,

pensamento bonefto, repousado,


la dedicado ao coro de Diana,

Vos n'húa vfana uida me puſeftes,

E alli quifeftes que gozaffe o danno

Do doee engano, que fe chama amor,

Com cujo errorpaffaua o tempoledo,


Evos tão cedo me tiraiskum bem,

Que amorja tem impreßo na alma minha,

Depois que atinha enuolta em eſperanças; ·


E com lembranças triftes me deixais,

Mal mepagais afè quefempre tiue:

Mas aßi viue quem fem dita nafce,

Masja que aface alegre ofol efconde,


E
Obrasde Luis de Camões

E naorefponde alguem a tantas magoas,

Senão as agoas que dos olhosfaem,

'
Asfombras caem, & vaõſe as alimarias
Das eruas variasfartas ,feu caminho,.

Buscando o ninhos paffarosfem dono

Ia pelloJono efquccem o ccmer,

Quero efquecer tambem taō doce historia,,


Pois he memoria que traz mòr cuidado,.

Ifto bepaffado, & fe me deu paixão,

Os dias vãogastando o malo bem,.


E não.conuem quererme magoar,

Do que emendar naõpoffoja com magoas ,

Nas claras agoas defte rio brando,.

Que vao regando o campo matizado,.

Efte trançado lauar quero emfim,

Queja de mim'efqucço coa lembrança :

Defta mudança, que esquecer näõfei·

Inda qu'eu mudarei a opiniao, ›

Qu'emfim homesfaõ,a que o efquecimento"

Depreffafaz mudar opensamento..

Almeno

Se a vista não m'engana afantafia,

Comoja m'enganou mil vezes, quando


Minha ventura enganos me/offria,

Pare-
Obras de Luis de Camões.

Parefceme que vejo estar lauando

Hua Nympha hum vèo no claro Tejo ,

Quefe m'està Belifa affigurando.

Não pòdefer verdade isto que vejo,

Quefacilmente aos olhosfe affigura

Aquillo que fepintano defejo.


& acontecimento que a ventura

Me dâpera môr danno: efta be certo,

Que não he doutrem tantafermofura.

Se podereifallarlhe de maisperto?

Masfugirmeha: não pòdefer, que o rio


• Par'acolánão tem caminho aberto.

ô temorgrande, ò grande defuario,

Que a voz m'impide, a lingoa negligente


T 0
Deft'arte eftâ tornando o peitofrio.
De quanto mefobeja estando aufente,

Que pera lhe fallarfempre imagino,

Tudo mefalta agora em estar prefente.

Safpeitofuaue & peregrino,


Pois como tão afinha afife efquece

Huafeverdadeira,bum amorfino ?

Belifa.

& altas femideas,poispadefçe

Em vofforio ahonra delicada , ·

De quem tamanhaforça não merefce,


Oth
Obras de Luis de Camões.
27
Oufeja por vos (Nympha ) referuada,

On n'algúa aruore alta oupedra dura

Seja por vos afinha transformada.

Almeno.

Ah Nympha não te mudes afigura,

Nem vos Deofas queirais que eufejaparte

Defe mudar tamanha fermofura.

Porque a quemfalta a voz para falarte,

É a quem fallefce a lingoa & oufadia,


Tambemfaltarão mãos para tocarte.

Belifa

Que me queres Almeno,ou queporfia

Foi a tua tão afpera comigo,


Minha vontade nao to mereſcia,

Se com o amor ofazes, eu te digo,

Que amor que tanto mal mefaz em tudo,

Naopôdefer amor,mas enemigo.

Nao es tu de faber taðfalto & rudo,

Que taofemfifu amaffes, como amaſte,


Almeno.

Onde vifte tu Nympha amor ſeſudo?

Porque te naõ alembra quefolgafte

Com meus tormentos triftes , & alguhora

Com teusfermofos olhos me olhašte?


N Como
Obras de Lais de Camber

/ceja gentilpaftora)
Como te efque
Quefolganas de ler nosfreyxos verdes

O que de ti efcriuia cada hora?

Como tãoprefto aßi a memoriaperdes

Do amor que moftrauas, que eu não digo

Se posò altos montes não differdes?.

Porque te não alembras dopirigo.

A quefopor me ouuir te anenturauas

Buscando boras de sèfta, horas d'abrigo

Coa maçãadedifcordia me tirauas

Que Venus que aganhou porfermoſura

Tu como maisfermofa lhaganbauas..

Eefcondendote entre aefpeffura,

Hiasfogindo como vergonhosa

Da namorada doce traueffura

Não era cfta a maçã dourofermofa,

Com que encuberta afsi de astucia tanta

Cedipe fe enganou de cubicofa.

Nem a que curfo teue de Athalanta-

Mas era aquella com que Galathea.

Opaftor catiuou como elle canta.

Se más tencões poferão nodoafea

Emnoffofirme amor de inueja pura

Porquepagarei eu a culpa alhead


Quem
Obras de Luis de Camoer,

Quem deftafè, quem deste amor não cura b


Nunca teuefogeito a coração,

Que ofirme amor coa alma eterna dura.

Belifa.

Mal conbeçesAlmeno bua affeição

Quefe eu deffe amor tenho efquecimento


Meus olhos magoados to dirão.

Masteufobejo & liure atreuimento

E teu pouco/egredo, diſcudando

Foy caufa defte longo apartamento


Ves as Nimphas do Tejo que mudando

Me vãojapouco apouco o clarogofto


Noutraforma mais dura trafpafande.

Humfofegredo meu te manifefto,

Que te quis muito em quanto Deos queria

Mas de pura affeição, & amor honefto,

Epois teu mao cudado & onfadia

Canfou tão dura & afpera mudança

Folgo que muitas vezes to dizia.

Ficate embora, & perdea confiança

Quemais me não veras, comoja viste

Que assife defengana búa eſperança.


Almeno.

ô duro apartamento, ò vida triſte


N2 8
Obras de Luis de Camões.

ồ nunca aconte/cida defuentura,

Pois como,Nympha , aßi te deſpidiſte?


}
Aẞi
feha de ir tornando fem ter cura:

Neffa filueftre & afpera rudeza,


Tão branda & excellente fermofura

Tuanunca entendidagentileza,
Eteus membros aßife trasformarão,

Negandofelhe apropria natureza?

Deft arte teus cabellosfe tornârao,

Deixando ja feu preço ao ouro fino ,

Em folhas que a cor tem do que negárão?

Se effe confentimentofoi diuino,,

Confintame tambem queperca a vida,

Antes que a mais me obrigue o defatino .

Quefe afortuna dura embrauefcida


Tanto em meu tormentofe defme de,

Não viua mais hua alma.taō perdida,

Evosferas do monte , pois vos peda

Minha pena o remedio derradeiro,.


;
Fartaija de meu fangue voffafede..

Evos paflores rudos deŝte outeiro,,

Porque a todos emfim fe manifefte

Que coufa be amor puro & verdadeiro,,


Aopè deste funerco acipreste.

Mi
Obras deLuis de Camões.

Mefareis humfepulchro fem arreo

De boninas que oprado ameno vefte.

Com defufadas muficas de Orpheo ·

Que me vos cantarei , & destaforte

Não auerci inueja ao Mauſoleo,


Eporque minha cinzaJe conforte

Em voffos metros doces &fuaues,


As exequiasfareis de minha morte.

Alli refponderaõ as altas aues


Nae modulas no canto, nem lafciuas,

Mas de dor bora roucas,boragraues.

Não correrão as ago asfugitiuas

Alegrespor aqui,masfaudofas,
Que pareçao que vem dos olhos viuas

Nafceraōpellas prayas deleitojas

Os afperos obrolhos em lugar

Dos roxos lirios, daspudicas rofas,

Não trarão as ouelhas a paftar

D'arredor dofepulchro osguardadores

Que não comerao nada de pefar.

Virão os Faunos,guarda dospastores

Semorripor amorespreguntando ,
Refponderão os Eccos, Por amores.

Epara os que aquiforem caminhando,


Hum
N3
23 Obras de Luis de Camões

Hum epitaphia tristefe lerâ


Que ofteja minha morte declarando:

E no tronco d'hua aruore eſtarâ

N'hua ruda cortiça pendurado

Efcritto chuafouce, aßi dirâ.

Amenofuipaftor de manfogado,
Em quanto confintio minha ventura

De Nymphas pastoras celebrado.

Se algua hora por dita na eſpeſſura

Seperder o amor & a affeição,


Tirem apedradeftafepultura,

E em figura de cinza os acharaŭs.

Egloga

f
.
‫ل‬
Obras de Luis de Camões,
100

FE MERC. DESC

Taal 2:56 36

EGLOGA IIII.

A hũa dama .

Frendofo, & Duriano, Paftores.

Antando por hum valle docemente


CA
Defcião dous paftores quando Phebo
Norcino de Neptunofe efcondia,
De idade cadabum era mancebo,

Mas velho no cuidado defcontente

Do que lhe efle caufana parefcia,

O que cadahum dizia

Lamentandofeu mal, ſeu durofado,

Naofowen tao onfado,

Que o oufe a cantarfem voſſa ajuda,


Porquefe a minha ruda

Frauta, defte taroffo for dina

Poffſo eſcular afonte Caballina

Em vos tenho Helicon, tenho Pegafe,

Em vos tenho Caliope, em vos Thalia,

E as outrasfete irmãs dofero Marte

Em vos perdeMineruafua valia,


N 4 Em
...
cit Obras de Luis de Camõesà

Emvos eftão os fonos de Parnaſo,


Das Pierides em vos s'encerra a arte”

Co a maispiquenaparte
Senbora, que me deis da ajuda voßa,

Podeis
fazer qu'cu poſſa.

Efcreuer aofolrefplandeſcente,

Podeisfazer que agente

Emmadogran poder voßofe efpante,

E que voffos louuoresfempre cante .

Podeisfazer que crefça d'hora embora

O nome Lufitano, &faça inueja

ASmirna, que de Homerofe engradefce

Podeis fazer tambem que o mundo veja.

Svar na rudafrauta o que afonora


Cithara Mantuana so mere/ce,,

La agora meparefce:

Que podem começar os meus paftores ,


Trattar de feus amores ,{
:
Porque inda que prefentes não estejao

As que elles ver defejão

Mudança do lugar menos de estado,

Não muda hum coração de feu cudador.

Ia
Obras de Luis de Camõesì

la deixaua dos montes a altura

Enasfalgadas ondasſe eſcondia

Ofol,quando Frondofo & Duriano

Ao longo de hum ribeiro que corria

Polla mais fresca parte da verdura,

Claro,fuaue,& manfo todo o anno

Lamentandofeu danno,

Vinhaja recolhendo o manfogado,

E hum eftando calado,

Em quanto hupouco o outroſe queixana,,


Apos elle tornaua

Adizer defeu mal'o quefentia,

Eem quanto ellefallaua, o outro ouuia

Vinhaofe aßi queixando aospenedos,

Aos filueftres montes, & afpereza,

Que quafi defeus males ſe doîaõ,

Alli aspedrasperdiãofua dureza,


Alli os correntes rios eftar quedos

Prontos afuas queixas parefcião,

E sò as que podião

Eftes males curar que ellas cauſauaõ,


Oouuido lhe negauão

Porperderem de todo a efperança,


Mays
101
Obras deLuis de Camões
1
Mas elles que mudança
De amor com tantos males naõfazião,

Fallando inda com ellas lhes deziao.

Frondofo.
#
Iftobe o que aquella verdadeira

Fè,com que te amei fempre merefcia,


Sem nunca te deixar hum so momento,

Como ( cruel Belifa ) t: efquccia

Hum mal cuja efperança derradeira

Emtiso tinhapostofeu affento?


Naovias meu tormento?

Não vias tu afè com que te amaua ?


Porque nãote abrandaua

Este amor, que me tu tão malpagafte?

Maspoisja medeixafte

Co a efperança de ti toda perdida,


Perca quemteperdeo tambem a vida
.
Duriano.

Se os males que por ti tenhofoffrido,


(ô Siluana em meus males tão constante)

Quiferas que algu'hora te dißera


Ainda que de duro diamante

Fora teu cruelpeito endurefcido,

Creo que apiedadete moucra,

Lagora 1

1
Obras de Luis de Camõèi

Lagora em branda cera

Os montesfao tornados, ospenedos,


Eos rios que estão quedos,

Sentiraomen's
fufpiros mimbas quejxas,

Tu so(cruel)me deixas

Qu'es mais quemontes &penedos dura,


Efugitiua mais que a agoa pura.
Frondofo.

Onde eftâ aquellafalla , quefois

Sò comfeu doce tom , que me chegaua

Aauiuarme osfpiritos canfados?


Onde eftâ o olhar brando ,que cegana

Ofol refplandefcente ao meo dia?

Onde estão os cabellos dilicados,

Que ao vento espalhados

Oouro efcureftiao, a mimattauãoë


E a quantos os olbauao

Caufauao tambemnonoš accidentes?


Porque cruel confentes

Quegoze outro agloria a mídenida.

Perca quem te perdeo tambem a vida.


Duriano.

Não vejo bemja que a meu mal espere,


s

Senão fe be esperar que mortedura

Enfin
Obras de Luisde Camões

Emfim me venha dar tuafaudade,

Vejofaltarme a tuafermosura ,

Avontade me dizque defefpere,


Contradizmę a razão esta vontade,

Diz que n'húa beldade

Em quem moftrou o cabo a natureza,

Nao batanta crueza

Qu'hu tãofirme amor deſprezar queira,

Ebüafe uerdadeira
Mas tu quede razaō nunca curaſte
Porque era dar me a vida, ma tirafte.

Frondofo.
Aquem ( Belifa ingrata ) te entregaste?

A quem defte(cruel) afermofura


Que so a meutormento fe deuia?

Porqbuafe deixafte firme & pura?

Porque taofem refpeito me trocafte,


Por quem so nem olharte merefcia ?

E o bem que te queria,

Que nunca perdereifenão por morte,

Nao he de mayorforte

Que quato a cegagente eſtima & preza?


Sò atua crueza

Foi mifto contra mi endurefcila,


Perca
Obras de Luis de Camões. 103

Perqua quem te perdeo tambem a vida,


Sara Doriano.

Leuafteme meu bem n'hum sô momento,

Leuafteme com ellejuntamente

De cobrallo jamais a confiança,

Deixafteme eu lugar delle sòmente


Hua continua dor, & hum tormento,

Hum mal em que não pòde auer mudanç,

Tu que eras a esperança


Dos males que me tu cruel caufaste,
De todo te trocaste,

Com Amor conjurada em minha morte,

Poremfe minhaforte

feja caufada,
Confente quepor ti

Mortenãofoi mais bemauenturada?

Frondofo

Não nacefte de alguapedra dura,

Não tegerou algua tigre Hircana

Naofoi tua criação entre a rudeza,

A quem(cruel)faifte deshumana ?

No ceoformadafoi tuafermofura,

Onde a mefma brandura be natureza,,

Eftatua dureza

Donde teue principio, ou a tomafte?

Porque
Obras de Luis de Camões.

Porque dura engeitalte

Hum verdadeiro amor que tu bem vias ?

Huafè que conhecias,


Por outra de ti nunca conhecida?

Perca quemteperdeo tambem a vida.

Doriano.

Vaife cofeupaftor o manfogado ,

Porque de amor entende aquellaparte

Que a bruta natureza lhe enfina,

Oruftico leaofem nenhua arte


Do inflinto natural sò infinado,

Aondefente amor allife inclina,

E tu que dediuina
14
Naotes menos que Venus & cupido,

Porquefequer co ouuido

Hum amor verdadeiro naofocorres?

Ouporque te não corres

Que te vença o leao em piedade,


SeVenus nao te vence na beldade?

Frondofo.
Aminao me faltaua o que fe preza

Entre os celestes Deofes, queformar ao

Atua mais que humanafermofura,


Emmi os voluntarios cèosfaltâraõ.
Em
Obrasde Luis de Camões 104

Emmife preuerteo a natureza

D'hua cruelfermofa criatura,

Maspois Belifa dura,

Que do mais alto cèo a nos vieste,

E em peito celeste
Hum tal contrario pode apofentarfe,

Naohe contrario acharfe

Tamanhafè,taomal agradecida,

Perca quem teperdeo tambem a vidai

Doriano

Por ti a noite efcura me contenta,

Por ti o claro dia me auorrefce,

Abrolhos para mifaofrescasflores

Adoce philomela m'entriftefce,


Todo o contentamento me atormenta

Com a contemplação de teus amores,

As
feftas dos paftores,

Que podem alegrar toda a tristeza,


Em mi tua crueza

Faz que o mal cad'hora ua dobrando

ô cruel, atè quando

Durarâ em ti hum tal auorrefcimento?

E a vida em mi,quefoffre tal tormento?

Frondofo
Obras de Luis de Camões.

Frondofo .

Fugifte de bum amor tão conhecido

Fugifte de huafe tão clara & firme,

E Jeguiste a quem nunca conheceſte,

Não porfugir d'amor , masporfugirme,

Que bemvias que tinha merefcido

Oamor que tu a outrem concedefte,

A mi não me fizeste

Nenhuafemrazão, que bem conheço


Que tanto não mereço ,

Fizeftea aquelle bemfirme fincero,

Quefabes que te quero ·

Em lhe tirar agloria merecida ,

Perca quemte perdeo tambem a vida.


Doriano..

Creſce cad❜bora em mí mais o cudado,

Evejo que em ti crefce juntamente


Cad'hora mais de mi o esquecimento,

Syluana cruelporque confente

O teufeminilpeito delicado,

Efquecerlhe hum tão afpero tormento?

Tal auorrefcimento

Merefce humcapital teu inimigo,

Nãoj'eu que socontigo


Eston
Obras de Luisde Camões.
TOS
Estou contente, nadamais deſejo, o lat sej

Se algua horate vejo


Tu es hum sò bemaneu húa sò gloria,

Que nuncafe me aparta da memoria.

Frondofo.

Olhos que viraoja tuaformofura

Vidaque sò devertefe fostinha,

Vontade que em ti era transformadaj

Hua alma que a tua emfi sò tinha,


Taïvnida configo, quanto a pura

Almaco debilcorpo eftâ pegadas

E agoraapartada
Tevee deficomtal apartamento,

Qualferafen tormant o?

Qualferâ aquelle mal que temprefente?

Mayorhe que o que fente

Otrifte corpo navltima partida,

Perca quem teperdeo tambem a vida.


Doriano...

Regendo noutro tempo o manfo gado

Tangendo minhafrauta neſtes valles,


Paſſàua a doce vida alegremente, -

Naofentia o tormento deftes males,


Menosfintra o mal deštę cudado,

Que
Abras deLuis de Camões
.

Que tudo entaoem miera contente,

Agora naofamente

Defta vidafuane me apartafte


Mas outra medeixaste

Que ao duro mal quefinto ca no peito

Metem ja tao affeito,

Que fintojaporgloria minha pena

Por natureza a mal que me conden

Frandofo.
Juntamente viner compridos annos,

Osfadoste concedao, que quiferaõ

Ajuntarte com tal contentamento,

Poisparati osbes todos nafcerao,

Tormentos para mi, mates danos,

Logratuso teu bem, eu meu tormento ,


Nenhum apartamento

Belifa ,mefara deixar de amarte,


Porque em nenhuaparte

Poderas nunca eftarfemmi hum'ora .

Confenterpois agora .

Que em pago destafetão conhecida

Perca quemteperdeo tambema vida...


Doriano.

Vejate eu (crua) amar quemte defame,


" Por
Poras deLuis de Camõet, 10

Porqueſaibasque coufo be fer amada, obvi


1.
De quem tu auorrefces & defprezas,

Vejate eufer ainda defprezada i

De quem tu mais defejas que te ame

Porquefintas em ti tuas cruezas,


Sintas tuas durezas

E quanto pôde ofeu cruel effeito,

N'hum coraçãofogeito,

Porqu'emfentindo o mal qu'eufinto agora,


Efpero que algum'bora

Faça oteu proprio mal de milembrarte,

la que não pode o meu nunca abrandarte.

Frondoso.

Mil annos de tormento meparece

Cada hora quefem ti,& fem efperança

Viuo depoder mais tornar a verte,

Suftentame cfta vida tua lembrança,

Avidafobre tudo me entristesce,

A vida antes perdera queperderte ,


Mas eufepor quererte, debody must

Hum bem que em ti so temfeufirme affento


Padefce tal tormento,

Que inda efpera de ti quem te defame,


Ou ao menos te ame,
02 Con
3
Obras de Luís de Camões

Com algumfalfo amor , oufeefingida,


Perca quem teperdeo tambem a vida.

Doriano.

Entao(cruel )verâsfe te merefce

Com tamanho desprezofer trattada,

Hua alma que de amarte sòſe preza::

Mas como pades tufer defprezada,,

Se o menos que em tiforafeparefce

Abrandar pòde montes & afperezað

Porquefe a natureza

Emti o rematepos dafermofura ,

Qualfera a pedradura:

Que ateu vallor refiftabrandamente.

Quanto maisfracagente

Que ao humano parecer nãofe defende ,

E a mefmaVenus Deofa ao teufe rende!.

Frondofo .

E poisfeverdadeira, amorperfeito
Tormento defigual, & vida triſte,,

Junta combum cetino foffrimento ,

E hummal em que todo o mal confiste .

Naopoderaomouer teu duro peito,,

A amoftraresfequer contentamento ›
Deveres meu tormento,

Mas
Obras de Luis de Camões. 107

Mas antes isto tudo defprezafte,

E a outrem te entregaſte,

Por não me ficar nada em que efperaffe:

Senão quando acabaffe

A vida,que a meù mal hè tao comprida ,

Perca quemte perdeo tambem a vida.


Doriano.

Longo curfo de tempo, &apartado

Lugar, a bum coração que eftâ entregue

Nãopodemapartar dejeu intento

Porque foges (cruel)a quem te[egue?

Naoves que teu fugir be efcufado ?


Quefem mi nunca eftàs hum rò momento,

Nenhum apartamento

( Inda que a alma do corpofe aparte, )

Poderâaufentarte
Defta alma trifte,que continuamente

Emfite temprefente,

Torna cruel,nãofujas a quem te ama,


Vem dar a morte ou vida a que te chama.

Frondofo.
A noite efcura,trifte, tenebrofa ,

Queja tinha estendido o negro manto ,


De efcuridade a terra toda enchendo,
03 Fez
Obras de Luis de Camões


Fezpor a eftespastoresfim do canto,
Que ao longo daribeira deleitofa,

Vinhaofeu manſo gado recolhendo

Se aquillo que eu pretendo

Defte trabalbo auer, que he todo voffo,

Senbora alcançarpoffo,

Nãoferà muito auer tambem agloria ,


E o lauro da vittoria,
་་
Que Virgilio procura,&auerpretendė,"}

Pois o mesmo Virgilio a vosfe rende.

Egloga
Obras de Luis de Camors, TO

EGLOGA V.

PROSEGVINDO A PAS SADA

A Dom Antonio de Noronha.

A Quemdarei queixumes namorados,

Do meupaftor queixoſo namorado?


Abranda Doz, fofpiros magoados,

Acaufa porque n'alma be magoado,

De quemferaofeus males confolados,

Quem lhefarà diuidogafalhado,

Sò vos (fenbor)famofo &excellente,

Efpecial em graças entre agente?

Porpartes mil lançando afantaſia,

Bufquei na terra estrella queguiaße

Meus rudos verfos,em cuja companhia.

Afantapiedade fempre andaffe


Luzente dara como a luzdo dia,

Que orude engenho meu one alumiaſſe,

Em vossasperfeições gran fenhor) vejo

Cumprido inda alem o meu defejo.


04 A
Obras de Luis de Camões.

Avosfe dem a quemjuntoſe ha dado


Brandura, manfidão, engenbo, & arte,

D'humfprito diuino acompanhado,

Dosfobrehumanos bum em toda aparte,

Em vos asgraças todasſe haojuntado,


Devos em outras partes fe reparte,

Sois claro rayo, fois ardente chama,

Gloria & louuor do tempo, azas dafama.

Em quanto aparelho hum nouo efprito,

Evozde cifne tal que o mundo efpante,


Com que de vos,fenhor,em alto grito
Louuores mil em toda a parte cante,

Ouui o canto agrefte em tronco efcritto,

Entre vacas gado petulante

Que quando tempofor em milhor mode


Por vos me ouuirâ o mundo todo.

As vas querellas bandas, amorofas,

Sejao de vos trattadas brandamente,

Verdades d'alma pouco venturofas,

Saidas cõfuspiro viuo, & ardente,

fe entregao valerofas,
Que em voffas mais

Para despois viuerem entre agente ,

Chorando fempre a antigua crueldade,

Eos corações mouerem a


es mouerem a piedade.
Obras de Luis de CamõesNo 106

la declinaua ofol contra a Oriente,& vocAT

E o mais do dia ja era paßado,

Quando opaftor cograue mal quefente,

Por dar aliuio em parteaſen cuidado,

Se queixa dapaftora docemente,

Cudando de ninguemfer efcutado,

Eu que o ouui d'bua aruore,eſcreuia

As magoas que cantou,& aſidizias

Outu do monte Pindafo es nafcida,

Ou marmor tepariofermofa & dura,

Que não podefer feja concebida


Dureza tal de bumana criatura,

On es quiçais empedra conuertida,


E tes de natureza tal venturas:

Porem nãofez em tiboa impreßao,


Tornarte sè de marmure o coração.

la eſta minha voż ronca & chorofay›

Aagente mais remota moueria,

Ese tocaße a vealacrimoſa,


Os tigredem Hircania amanſaria, anche

Se nãoforas crael quantofermoſay !!

Meu longa fufpirar te abrandaria,

Masfufpirarpor ti,& bem quererte,


Quefazemfenão mais endurecertet .
202 Obras deLuis de Camões,

Šedeixáras vencera crueldade

Detua taoperfeitafermafura,

Humpouco viras bem minha vontade


,

Eviras estafetaalimpa 2 pura,

Par ventura que ouueraspiedade

Etiuera eu quiçaes melhor ventura

Mas unnca achei melhor tua belleza,

Senão com verſe em ti tua dureza.

La hum peito abrandara que naofente

Meu duro grane malfegundo beforte,


Se defcera ao infernofero ardente

Mouera apiedade a mesma morte,

Sehua gotta de agoa brandamente


Abranda hum penedo durs erforte,

Como lagrimas tantas não ferão

Hum piquenofinal num coração?

Na tefta tenho buafonte viua dagoa,

Quepor meus ollos triftesfe derrama,

No peito estádefogo hua viua fragoa,

Que tudo emfi conuerte & tudo inflama,

A mor ao derredor por mayor magoa

Voando mais afende a ardente chama,

Efe ques verfe ardentesfaofeus tiros,

Olhafefao ardentes meusfufpiros.


Quando
Obras deLuís de Camões,” `

Quando rumor algam grandefe fente,

Que fe acende fogo em cafa, ou torre,

Depura compaixão pas toda agente

Gritando agoa aofogo, & cada hum corre,

Afsi anda meupeito em chama ardente

Eco a agua dos olhosfe focorre,

Que quem me abrafa outra agoa me defendey


Porque com efta ofogo maisfe acende.

Quando o Solfae la no Oriento

Ofeu antiguo curfo começando,

Fermofo, intenfo , puro, & refulgente,

O monte, campo, mar,tudo alegrando,

Quando de nosfeefconde no Ponente

Enoutras terrasfae alumyando

Sempre em quanto da ao mundogiro

Por ti meus olhos chorão, & eufofpira

Caminha o dia todo o caminhante,

Vem acabado anoite em que deſcanfa,,


Trabalha na tormenta o mareante

Goza odiafereno & de bonança

Recobra o annofertil, & a bundante-


Na terra o laurador fe nella canfa,

Mas eu de meu trabalho, & maltãoforte,,

Tormento efpero em fim ,& crua morte.


Согла
!
018 Obras de Luis da Camões. ›

Coouuir meu malas rofas matutinas,

De dò de mife cerrão & emmurcheſcem,

Comeufufpiro ardente, as cores finas


Perdemocrauo, lírio , & nãoflorescem,

Co a roxa aurora as pallidas boninas

Em vezdefe alegraremfe entriftefcem,

Deixafeu canto Progne & Philomena,'

Que mais lhe doe que afua a minhapena.

Refponde o monte concauo a meus ais,

E tu como afpide cerraslbe o ouuido,


Asaruores do campo, os animais ,

Moftraofentir meu malfem terfentido,


E ati as minhas dores defiguais

Nao mouem effe peito endurefcido:


Por mais mais que chamo, naõ reſpondes,

E quanto mais tebufco, mais te efcondes.

Naquella parte adonde coftumauas

Apafcentar teus olhos, teugado,


Alli onde mil vezes me moſtrauas :

Ser eu de ti o pasto defejado,

Mil vezes te bufquei por verfe danas

Ainda algum defcanfo a meu cudado ,

No campo em vão te bufco, bufco o morte,

Qual ofride ceruo bufca afome.


Efte
21

Obras de Luis de Camões

Eftelugar dari desamparado,

Com cujas fombrasfriasja folgaste,

Agoratrifte & efcuro heja tornado,


Que todo o bem contigo nos leuafte:

Fueras noffo folmais defejado,

Não temos luz defpois que nos deixastes


Torna meu clarofol,vemja meu bem

Qual he o lofue que te detemè

Depois que defte valle te apartaſte,

Não pafce o branco gado comfecura

Secoufe o campo defque lhe negafte

Dos teusfermofos olhos a luzpura), lar

Secoufe afonte dondejate olhafte I


6
Quando melhor que agora afpera & dura,

Nega, fem ti, a terra dandogritos,::


Pafto às cabras, leite aos cabritos..

Sem ti doce cruel minba inimiga,,

A clara luz efcura me parefce,.

Efte ribeiro, quando amor me obrigaj ,

Com meu chorarpor ti contino crefce,,

•Não bafera que afome não perfiga, » .

Nem o campofem tija não floresce,.

Cegos estão meus olhos,ja não vem ; ·


Pois que nãopodem ver meu claro beme
Obras deLuis de Camões

O campo como de antes naõſe eſmalta.

De boninas azues, brancas, vermelhas,

Naochoue aopafto,ja qha d'agoafalta,

As manfas & pacificas onelhas

Sem tiperecem,& o cêo tambem lhesfalta,

Não achãoflor as melifluas abelhas,

Comlagrimas quemanão dos meus olhos,

Produze a terraja afperos abrolhos.

Tornapois ja paſtora a efte prado,

E restituirâs efta alegria,

Alegrarás o monte, o campo, o gado,


'

Alegrarâs tambem afonte fria,

Torna, vemja meufol tão desejado,

Faze esta noite efcura em claro dia

E alegra ja efta magoada vida ,

Toda em tua ausencia confumida .

!
Vem como quando o rayo eminente

Do noffo Orizonte, que escondido


Deixa hum certo temor â mortalgente,

Que caufa ver o Orbe efcurefcido,

E quando torna a vir claro & luzente

Alegra o muudo todo entriſteſcido,

Aẞibe para mi tu aluz pura,

Clarofol,& aufente noite efcura.


It
Obras de Luis de Camars,
112

Tu efquefidaja do bem paffado,

E do primeyro amor que me moftrafte,

Teu coração de mi tens apartado,

E o lugar tambem defamparaste:

Não te quero eu ati mais que ameu gado? )

Não sou eu mesmo aquelle que tu a maſter


Pois onde merefcitão grão defuio?,

Ouueme, pois me vesja morto e frio.

Bem Des quepor amorſe moue tudo,

E não ba quem d'amorfe veja isento,

O animal mais fimple, baixo , & rudo,

O de mais leuantado pensamento,

Atè debaixo d'agoa o peixe mudo

La tem d'amor tambemfeu mouimento,

Aaue, que no ar cantando voa

Tambempor outra auefe affeiçoa

Amufica do leue paſſarinho»“

Quefem concerto algufolta &


r derrama,
Saltando de raminho em raminho ,

Cantando com amorfufpira & chama,


Te à char no amado & doce ninho.

A quelle a quem bufca & aquem ama

Defeanfa do trabalho que tomàra

Tendofofex defcanfo em quem a chara.

Afera
Obras de Luis de Camões.

Afera que be mais fera, o lião,

Sempre acha outroleão, & outrafera,

Em quempoßa empregar búa affeição,

Que lhe a conuerfação no peitogera,

Tambemfabefentirfuapaixao,

Tambemfufpira , morre, & defefpera,

Acena, falta , brada, ferue, geme,


E não temendo nadajamo sòછે.teme.

Ocerno que efcondido & emboſcado,

Temendo o cubicofo caçador,

Efta nafelua,monte, bofque, ouprado,


Alli onde eftà & viue, vine amor,

D'amor de temor acompanhado,

Com justa caufa amor tem, & temor,

Temor de quem alliferillo vinha,

E a amor a quemjaferido o tinha.

Se o animal infenfiuel que não fente

Tambemfente d'amor afrecha dura,

Porque te não abranda ofogo ardente


i
Que procede de taafermosura,
Porque efcondes a luz do fol agente?

Que nefes olhos trazes bella & pura,

Mais bella, maisfuaue, & maisferm fa,

Que o lirio,o lafmin, o crauo,arofa.


Pode
Obras de Luis de Camões.I
113
Pòdeferfème viras,quefintiras,

Ver desfazerhum peito em tristepranto,

E bempoucofizerasfeme viras,
la que eu sopor te verfufpiro tanto,

As magoas & fufpiros que me ouuiras,

Tepoderaõ mouer agrande efpanto,


Ador,apiedade,a fentimento,

E mais quepera mais be meu tormento?

Os pensamentos vãos,que o vento leue

Ofufpirar em vaotambem ao vento,

O efperar a calma, a chuua, a neue,

E não te poder ver bum so momento,


Tormento be que somente ati fe deue,

Efe pode inda auer mayor tormento,


Quem te vio, & fevè defi aufente

Muito mais paſſarâ mais leuemente.

Fazmoẞa apedra dura emfua dureza,.

Coa agoa que lhe toca brandamente,

Abranda oferroforte afortaleza

Se lhe toca tambem o fogo ardente,


Sò em ti não conheço a natureza,

Que afer depedra, ferro, ou deferpente,

la teupeito cruelfora desfeno


Dofogo, das Lagrimas que deito.
P Quando
ObrasdeLais de Camões.

Quando afermofa Aurora moftra afronte

Alegra toda a terra vendoo dia,

Quando Phebo aparece no Orizonte,

Manifefta tambemgrande alegria,


Contente.come o gado ao pèdo monte,

Alegre vay beber àfontefria,

Tudo contente eftà, alegre tudo,

Eusò, so,penfatiuo,trifte,& mudoi

Se da alma do corpotes a palma,

Edo corpofem alma não tẽs dò,

Ha dodo corpo sò que estàfem alina,

Poisfem alma não viue o corpo sô.

Na chama,no ardor,nofogo , & calina,

Na affeição, no querer, eu fou bum sò,


Não acharâs vontade mais cattina,,

Nem outra somo atua tão esquiua,

Se te apartas por naõ onuir meu rogo,,


Onde estiueres te ei de importunar,

Posto que va por agoa, ferro, ou fogo,

Contigo em toda aparte m'has de achar,

Que a chama que me abrafa he de talfogo,

Queem quanto cu viuofor ba de durar,

Eo nô que me temprefo be detalforte,.

Que nãose ha defoltar em vida oumorte.

Neffe
Obras de Luis de Camõer 114

Nefte meucoração/empre estarás

Em quanto a alma estiuor.com.elle vnida,

Meu ſpiritu tambempoſſuirâs ¸

Despois que a alma do corpoforpartida,

Por mais mais que faças, nãofaras

Que não te ame nefta na outra vida,

Impoßiuel fera que eternamente

Eftes de mi aufente eftando auſente.

Càme acompanharà tua memoria,

Se o rio quefe diz do efquecimento

Da minha não borrar taõ longa byftoria,

Tãograue mal,tão duro apartamento,

Atè que eute veja entrar nagloria,

Viuirei n'bum continofentimento,

Inda entãoferal fe iftofer poffa)


Seruir efta alma minha lâ a voffa.

Aqui comgraue dor, com triste accento,

Deu o triftepaftorfim afeu canto ,

Corofto baixo, & alto o pensamento

Seus olhos começarao nowo pranto ,

Mil vezes fezparar no ar o vento ,

E apiadou no ceo o coro fanto ,

As circunftantesfeluasfe abaixárão,

De dò das tristes magoas que cfcutârao.


P 4 Com
Qbras deLuis de Camões
Combua mão naface, er encostado,

Em fuador tão enleuado eftaua,

Que como emgraue fonofepultado

Nao viaofol queja no mar entraua:

Berrando anda em roda o manfo gado,

Que ofeguro curralja defejaua,

Nas couas as rapofas, &emfeu ninhos

Se recolhem os fimples paßarmbos.

lafobre hum fecco ramo estaua pofto

O mucho cofunefto & triſte pranto,

A cujofom o paftar ergueo o rosto,


E vio a terra enuolta em negro manto,

Quebrando cutão ofio a feu gosto,

Mas não quebrando ofiu a feupranto,


Para melhor cudar em feu cudado,

Leuoupara os currais a manfo gada.

Egloga

i
Obras de Luis de Camões,

ICK*H象
*

EGLOGA VI ,
AO DVOVE. DAVEIRO.

Alicusopescador, Agrariopaftor.

ARuftica contenda defufade


Entre as Mufas dos bofques,das areas, ⠀

Defeus rudoscultores moduladas:

Acujofom attonitas & alheas

Do monte as brancas vaccas eftiuerão,

Edo rio asfaxatiles lampreas,

Defejo de cantar,quefe mouerað

Os troncos & as amenas dospaftores,

E os filueftres brutos fofpenderão.

Naomenos o cantar dos pefcadores

As andas aman/ou do altopego, 10


Efez ouvir os mudos nadadores,

Efe porfuftentarfe o moço cego


Nostraballos agreftes a alma inflama,

O quebe maisproprio no ocio , & nofoffego.

Mais maravilhas dando a voz dafama

Nome/mo mar vndofo, & ventofrio,

Brafas noxas accude a roxaflama,


P 3 Ves
Obras de Luisde Camões.

Vosto ramo de bum tronco alto & fombrio)

Cujafrondente comaja.cubrio

De Lufo todo ogado &fenborio.

Ecujofaomadeirojafato

Álançar aforçofa & larga rede,


No maisremoto mar que o mundo vio

Evos cujo valor tão alto excede

Quecantalo em voz alta & diuina

Afonte de Parnaſo moue afede.


Quui da minha bumilde.sanfonina,

Aarmonia que vos aleuantais :

Tanto, que de vos meſmo afazeis dina..

Efeagora que affabil me escutais.

Nagounirdes cantar com alta tuba

O que vos deue o mundo que dourais,,

Se os Reis auos voffos,que de luba

Os Reinos deuaftarão, não ouuis,

Que nas axas do verfo excelfofubaj.

Se nãofabem asfrautas paftoris

Pintar de Toro os campos, femeados

De armas,corpos fortes, gentis,

Porhum moço animofo fuftentados,

Contra o indomo pai de toda Eſpamba,,

Contra afortuna vaa, injustosfadog.

2 26 Hi
Obras de Luis deCamors, Εισ

Hum moço cujo esforço, animo, & manha

Fezdecer do Olympo o duro Marte, -

E darbe a quinta Efphera que acompanha.


Se não faber cantar a menosparte

Do fapientepeito, & gran confello

Quepode (ò Reino illuftre)defcanfarte,

Peito que o douto Apollofezvermelho,

Deixarofacro monte & as noue irmãs,

Diz que aellefe affeitem como a espelhos


Saberao so cantar as
fuas vás

Contendas, de Alicuto vil & Agrario,

Hum d'efcamas cuberto, outro de läs.

Vereis (Duque fereno) eftillo vario, pla


Anès nouo̟¸mas noutro mar cantado,

D'hum que sòfoi das Mufas ſecretarios ?

Opescadorfincero, que amanfado

Tem o pago do Pòcrita co canto,

•Pellas fonoras ondas compaßade.

Destefeguindo ofom quepòde tanto,

Emisturando o antigo Mantuano, sit

Façamos nouo estillo,& noud'efpunto..

Partirafe do monte Agrario infano,

Paraonde aforça sò dopensamento,

Lhe encaminhaua o lafjo peſo tumano.


P 4 Embie
Obras deLuis de Camões

Embebido abum longo esquecimento

Defi, dofeugado, pobrefato,

Apos d'bum docefonbo , fingimento

Rompendo asfiluas berridas do mato,

Vaiporcima de outeiros &penedos,

Fugindo emfim de todo humano tratte..

Ante osfeus olhos leua os olhos ledos,

Dabranca Diamene, que enuerdefco


Sow menco os valles rochedos...

Orafericonfigo quando tece

Nafantafia algum prazerfingido,

Horafalla,boramudofe entristefce.

Quala tenra.nouilha, que corrido

Tem montanhasfragofas , & efpeffurasi

Porbuscar o cornigero marido,,

E ranfada nas humidas verduras,. :

Cairfe deixaao longodo ribeiro ,

la quando asfombras vem defcendo efcura

nem coa noite ao vallefeuprimeiro,


Se lembra de tornar comofoîa,

Perdidapellobruto companheiro..

Tal Agrario chegado emfim fe via,

Onde ogran pego borriffonofufpira .

Noua praya arenofa bumida r fria .


Tanto
Obrasde Luisde Canes.

Tanto que ad mar eſtranho


, ostolbos virag von
Tornando em fa de longe ounio tocarſe

De donta mão não višta,& noua lyras

Fello ofomdefufado deſniarſty


Para ondemaisfoaua defejando

DE omuir conuerfar, de prouarſty

Não tinha muito espaço andado, quando

N'hĩa concauidade dehumpenedo

,
Quepouco &poucofora o mar canandaj

Topou c'hunpefcador que pronto & quedar

Nhuapedra affentado brandamente

Tangendo, fazia o mar fereno & ledi..O


Mancebo eradeidadeflorefcente,

Peſcadorgrande do alta, conhecido

Pello nome detoda a humidagente:

Aicutofechama, queperdido

Erapellafermofa Lenoria

Nympha que tem o mar ennobreſcidei.

Borella as redes lança noite & dia,

Por ella as ondastumidas-defpreza

Por ellafoffre ofola chuusfrias

Cofeu nome mil vezes a braueza.

Dos ventosferos amansou co verfa,


Que remoue das rochas adureza. J
ObrasdeLuis de Camões,

E agora en fam de rozfuaue & terfo

Eftâfeu nome aos eocos enfinando

Por epillo do agreste fon diuerfo

Do qual Agrario attonito afloxando

Dafantaſia humpoucofeu cudado,

Sufpenfo eftene, os numeros notandos

Mas Alicuto vendofe cstrouado

Pello paftus damufica diuina

Aleuantando roftofoffegado,

Lhe diz aẞi: Vaqueiro da campina

Que ves buscar as arenofas prayas,

Onda bellaAmphitrice sò domina ?.

Querazãohapaftorporque te fayas
Pera onoffo efcamo vil terreno,

Dos muifloridos myrthos, & altasfayas?

Quefe agora o mar ves.brando & fereno,

Eeftenderemfe as ondaspella area

Amanfadas das agoas com que peno,

Veras logo o como defenfrea

Eolo o vento pello mar vndofo,

Deforte que Neptuno o arrecea.

Refponde Agrario: òmufico & amorofo

Pescador, eu não venho a ver o lago

Brauo quieto, ou o vento brando, irofo


Mas
Obras de Luisde Camber

Mas o meupensamento, com que apago

Asflamas ao desejo, me trazia

Sem ounir & fem verſuſpenſo & vago.

Atè que a tua Angelica armonia

Me acordou, vendo ofom com que aqui cantar

Aa tuaperigofaLemnoria.

Masſe de verme ca no mar te eſpantas,

Eu me efpanto tambem do eſtillo nouo

Com que as ondas horrifonas quebrantast

O qualposto que certo luuno`cer aprouo

Delejo deprouar contra o filùèſtre: 1.5

Antigopaftoril,que en mal renouos

Etu que no tocarparefces.meftre

Podesjulgar fe ha clara differença


Entreo nono maritimo o campeftre

Não ba (diße Alicuto) emni detença gun ma

Mas unes almoroçagindaqueveja…


..

Que rßutuaconfiança sò me vençaïí

Mas porquefaibas que nenbña inueja

Os pescadores tem aos paftores,.

Nofont que pello wundafe defejay. «

Toma a lyraua mão queosmòradores›`·

Do vitreofundo vejo jajuntarſe, ›

Para ouuir noßos rufticos amores.


Ebens
27
314 Obras de Luis de Camões

Ebem ves pellapraya aprefentarfe

Nas conchas varia.cor à viſta bumana,

E.o mar dirpor antr’ellas, & tornarfe.

Soffegado do vento afuria infana,

thEncrespa brandamente o ameno rie

Quefeu licor aqui meſtura Ø dana.

Eftepenedo concauo & fombrio,


Quede cangrejos ves eftar cuberto,

Nos da abrigo do fol quieto zafrio.

Tudo nos mostra emfim repouso.certo,

E nos conuida ao canto com que os mudos

Peixesfaem ouvindo ao ar aberto.

Asife defafiaa eftesrudos . ̈‫ܼܪ‬

Poetas,nos afficios diſcrepantes,

Nos engenhos paremfatis agudos.

Eja milcompanheiros circunftantes. 1

Eftauão parapunir aparelhanão :

Ao vencedor ospremiosfemelhantes.

Quando ja as lyrasfubito tocanão

Agrario começaua & da armonia


.

Ospescadores todos fe admiramão,

E defta arteAlicato refpondia. T

Agrario.
PrvoSUTE Voi
Obras de Luis de Camõès.
119
Vos femicapros Deofes do alto monte,

Faunos longeuos, Satyros, Syluanos,

Evos Deofas do bofque & clarafronte,


Ou dos troncos que viuem largos annos,

Se tendespronta bum pouco afacrafonte,

Anoffos verfos rusticos & humanos,

Ou me daija a coroa de loureiro,

Ou penda a minha lyra d'hum pinheiro.


ALICVTO.

Vos humidas Deidades defte pego,


Tritões ceruleos, Proteo, com Palemo,

Evos Nereidas dofal em que nauego,

Porque do vento asfurias pouco temo.

Su ás voẞas ricas aras nunca nego,


0
congro nadador na pâ do Remo,

Nao confintais que a mufica marinha

Vencidafeja aqui da lyra minha.


AGRARIO.

Paftor fefezbum tempo o moço lonro,

Que dofol as carretas moue & guia,

Ounio o rio Amphrifo a lyra douro ,

Que ofeufacro inuentor alli tangia

Lofoi vacca, Pupiterfoi touro,

Manfas ouelhas junto da agoafria

Guardou ofermofo Adonis,& tornado

Em bezerro Neptunofoija achado.

Alicataj
Obras de Luisde Camões

Aicute. Pefcadorjafoi Glauco, o qual agora

Deos be do mar,Protheo Focasguarda

Nafceo no pego a Deofa que hefenhora

De amorofo prazer,quefempre tarda,


omar
Sefoibezerro o Deos que amaradora

Tambejafoi Delphin, quem refguarda

Verâque os moçospescadores erao

Que o efcuro enigma ao vate derão.


AGRARIO.

Fermofa Dinamene,fe dos minhos

Os implumes penhoresjafurtei
Aa doce philomena, & dos mortinhos

Parati ( fera )as flores apanhei,


Efe os crespos madronhos nos raminhos

Ati com tantogosto aprefentei,

Porque não das a Agrario defditofo

Hum sò reuoluer d'olhos piadofo ?


ALICVTO.

Para quem trago eu d'agoa em vafo caus

Os curuos camarões viuosfaltando?

Para quem as conchinhas ruiuas cauo?

Napraya os brancos buzios apanhando?


Para quem de margulho nomar braus

Os ramos de coral venho arrancando?

Senaopera afermofa Lenoria,

Que c'hum sò rifo a vida me daria?

Agras
Obras deLuis deCamões, 120

Agr:Quëvio ja o defgrenhado crefpo inuerno.

D'altas nuues veſtido,borrido ,&feo,

Ennegrefcendo a vista o cèofuperno,


Quando arranca ostroncos o rioche ,

Rayos, cbuuas, trouões, bum triſte infernog


Mostra ao mundobumpallido receo,

Talbe • amor ciofo a quemfofpeita

Que outrem defeus trabalbosfe aproveita


ALICVTO

Se alguem viopello alto ofibilante

Faror,deitandoflamas & bramidos,

Quando aspafmofasſerras traz diante

Horrido aos olhos,borrido aos ouuidosy

Abraços derrubando oja natante

Mundo, cos Elementos deftruidos,

Asi me reprefenta afantafia


・Adefefperaçãode verbum dia
.
AGRARIO.
Minh'alua Dinamene, a Primanera

Que os camposdeleitoſospinta & vefte,

Erindofe buacer aos olbosgêra

Com que na terra vemo arco celeste,

@ beiro,rofas, flores, a verde èras

Com toda afermofura amena,agrefte,

Não bepara meus olhos tãofermesa,

Como a tua que abate o lirio &rofa.


Alicnta
Obras de Luis de Camões.

Alic. As conchinhas da praya que aprefentão

▲ cor das nuuens, quando nafce o dia,

Ocanto das Sirenas, que adormentaō

A tinta que no murice fe cria,

Nauegar pellas agoas quefe aſſentão

Co brando bafo quando afesta hefria ,

Nãopodem Nympha minha aßi aprazerme,

Como vertehua hora alegre verme.


AGRARIO.

A Deofa que na Lybica alagoa

Emforma virginal apareceo,


6 Cujo nome tomou que tantofoa,

Os olhos bellos tem da cor do cêo,

Garços os tem,mas hūa que a coroa

Daşfermofas do campo merefceo

Dacor do campo os mostragraciofos,

Quemdiz que não faõ eftes osfermofos ?


ALICVTO.
Perdoemme as deidades,mas tu diua'

" Que no liquido marmol es gerada,


Aluz dos olhos teus celefte & viua
Tesporvicio amoroso atraueffada , i

No: pretos lhe chamamos , mas quempriua

Do dia o lume baixa foffegada,

Traza dofeus nos meus que o não nego,

E com tudo iffo inda assi esteu cego.


Aẞi
I

Obras de Luisde Cumides. 121


t
Aẞicantauão ambos os cultores

Domonte & praya,quando os atalhárão

Ati paftores, aotropefcadores,

E quaisquer afeu vatecoroarão T

De capellas idoneas fermofas,

Que as Nymphas le tecerão & ordenårão.

A Agrario de mortinhos & derofas

A Alicuto de humfio de torcidos

Buzios, & conchas ruiuas &luftrofas,

Eftquão n'agoa ospeixes embebidos,

fora,& quafiem terra


Co as cabeças ,

Os muficos delphins estão perdidos.

Iulgauao aspaftoras que naferra


O cume & preço eftà do antigo canto,

Que quem o nega contra as Mufas erra.

Dizemos pescadores que outro tanto

Tem dafonorafrautaquanto teue


O campopastoril de antigo manto.

Masja opastor de Admeto o carro leue

Molhana n'agoa amara , & compellia

Arecolher aroxatarde & breue,

Efoifim da contenda ofim do dia.

Egloga

*....
„Obras deLuis de Camões..

GA
EGLO VII:

Intitulada dos Faunos , dirigida


a dom António de Noronha.

AS doces cantilenas, que cantauão


Osfemicapros Deoses amadores,

Das Napeas, que os montes habitauãe::

Cantando cfereuerei ,que fe os amores

Absfilueftres Deofes maltratâraō,,

laficão desculpados ospaftores.


Vos fenhor dom Antonio ) aonde acharão

O daro Apollo & Marte hum fer perfeito

Em quefuas altas mentes aßinarão,


Se meu ingenho herudo & imperfeito, ..

Bemfabe ondefefalua,pois pretende

Leuantar co a caufa o baixo effeito..

Emvos minhafraquezafe defende,,

Emvos inftilla a fonte de Pegafo ,

O quemeu canto pello mundo estende

Vedes que altas Mafas do Parnafo

Cantando vos estão na doce lyra,,


Agely
!
Tomandome das mãos tao alto caſo?
Vedes
Obras de Luis de Camoes, 10
122
Vedes o louro Apollo, que me tira

De louuarvoffa ftirpe,
efcurefce
0 que em voff louuor meu canto afpira
O o

Oupor me auer inueja mefallefce,

Oupornão verfoar nafrauta rude


0
O que afonora cithara mereſce.

Poisfeivos,fenhor, dizer, que a lingoa.muda

Em quanto prognetriste ofentimento,

Da corrompida irmã co pranto ajuda.

Eem quanto Galathea ao manfo vento


Solta os cabellos louros da cabeça,

ETityra nasfombras faz accento.

E em quantoflor aos campos nãofalleça,.

(Senao recebeis iftopor affronta )

Farâ que o Douro o Ganges vos conheça,

Eja que a lingoa nifto fica prompta,, ?

Conferiti que a minha Egloga feroute .

Em quanto Apollo asvoẞas cousas conta


No cume do Parnaſo duro, monte, gularių

De flueftre armoreda rodeada, $40

Nafce bua cristallina & darafonte

Donde hummanfo Ribeiro diriu,adoy

Por cima d'aluaspedras,man(amente… )


(

Vay correndofuaue es faffegado ?

Q 2
2 0
Obras de Luis de Camões..

O murmurar das ondas excellente,

Os paffaros excita, que cantando,


Fazem o monte verde mais contente.

Tao claras vaõ as agoas caminhando

Que nofundo aspedrinhas delicadas.

Sepode búa hüa estar contando..

Nãoje verao ao redor pifadas

Defera ou depaftor que alli chegaffe,

Porque doelpello montefao vedadas

Herua fe não vera, que alli criaffe


Omonte ameno ,trifte, ou venenofa ,

Senao que la no centro as igualaffe.

Oroxo lirto aparda branca rofa,

Acecem branca a flor que dos amantes

Acor tem magaada, fandofa .

Allife vemos myrthos circunstantes,


Que a cristallina Venusencubrirao

Dacompanhia dos Faunos petulantes..

Ortela, manjarona, alli refpirao,

Onde nem frio inuerno,ou quente eftio,,

As murchárão jamais, oufeccas virao.

Defta arte vay feguindo o curfo o r1o,,

Omonte inhabitado, o deferto,.

Sempre com verdes aruoresfombrio .


Aqui
Obras de Luis de Camões.
·
Aqui bua linda Nymphapor acerto

Perdida da fragueira companhia”,

Aquem este alto munte era encuberto.

Canfadaja da caça vindo hum dia,

Quis defcanfar â fombra dafloresta,


E tirar nas mãos aluas da agoafria.

Evendo a nouidade manifefta

Dofitio, como as aruores co vento

As calmas d.fenlião da altaſèfta,

Das aues o lafciuo mouim 'nto,

Què em Jeus modulos verfos occupadas

As afas dao ao docepenfamento.

Tendo notado tudo,ja paffadas

As horas dagran feftafetornou


Abuſcar as irmãs no centro amadas.

Depois que largamente lhes contou

"
Do nao vistolugar que perto estaua

Que tantopor estremo a namoron.

Que ao outro diafoffem lhes rogaua

A lauarfe naquellafonte amena,

Que tao fermojas agoas diftilaua,

Ja tinha dado bum giro a luzſerena


Dogranpaftor de Admeto, ja nafcia,

Aos ditofos amantes nova pena,


23 Quando
Obras de Luis de Camorsi
281
Quando asfermofas Nymphas a porfia

Pera olugardo monte caminhauao,

Rompendo a manha roxa, alegre friar

Delua os cabellos lourosfe efpalbanão,

Pellofermofo collo fem concerto,

Com dous mil nòsfuaues ſe enlaçauão.

Outra leuando o collo descuberto,

Por mais deſpejo em tranças os atâra,

Auendo porpefado o defconcerto.

Dinamene, Phire a quem topâra,


Nuas Phebo n'bum rio, encubriraõ

Seus delicados corpos n'agoa clara,

Sirene, Nife, que das maõsfugiraō

Do Tegeo Pan, Ámunta & Elyſa,


Deftras nos arcos, mais que quantas tirao
.
Alinda Daliana,com Belifa,

Ambasvindas do Tejo, que como ellas

Nenhua taofermofa asheruas pifa.

Todas astas Angelicas donzellas,

Pello vicofo monte alegres hiav,

Quais no ceo largo.as nitidas cftrellas?


Mas dousfiluefires Deofes que traziaõ

Openfimento em duas occupado,.

A quem de longe mais que afi querião.


Nai
Obicns de Luis de Canoes, 124

Não lheficana monte, valle , on prado, t

Nem aruorepor onde quer que andauao,

Que afonbelle dellesfen cudado.

Quantas vezes os rios quepaſſauao

- Detiueraofeu curfo, ouuindo os dannos,

Que ateos duros montes magoauaõ:

Quantas vezes amor de tantos annos

Abrandàra qualquer vontade iſenta,

Seem Nymphas coraçoes ouueſſe humanos

Mas qnem defeu cudado je contenta,

Offerefça de longe apaciencia,

Que amor de alegres magoasfefuštenta


..

Que o moço Idalio quis nefta fciencia

Quefe compadeceffem dous contrarios,

Digao quem tiver delle experiencia.


Indo os Deofes emfimpor montes varios,

Exercitando os oibos faudofos,

Ao cristallino rio tributarios, 2

10
Topâ ão dospès aluos & mimoſoe

Aspifadas na terra conhecidas,

As quaisforaõfeguido prefurofos.
Mas encontrando as Nymphas, que defpidas

Na clarafonte estauač, não cudando

Qued'alguem fuw viſtasyonſentidas A


207 24 Deie
Obras de Luis de Camões.

Deixaraofe estar quedas, contemplande:

Asfeições nunca vistas ,de maneira

Que viffem fem fer vistos, efpreitando

Porem a espeßa mata, menfageira.

Dafutura cilada,co rugido,

Dos raminhos d'hua afpera auelleira,

Mostrando a hum dos Deofes efcondido,,

Todas tam inbagrita alleuantàraõ,,

Comofe foffe o monte deftruido..

E logo afsi defpidasfe lançarão,

Pella efpeffura tão ligeiramente,,


Que mais então que os ventos auoarão..

Qual o bando daspombas, quandofente:

Aformofa Aguia cuja vista pura.

Não obedefce ao fol refplandifcente..

Emprestalhe o temor da morte dura

Nas afas nouaforça,& não parando,


Cortao oar, rompem a elpeffura..

Deffarte van as Nymphas, que deixando ,

De feu defpojo os ramos carregados

Nuuspor entre asfiluas vão voando!.

Mas os amantesja defefperados.

Que para as alcançar em fim fevião ,

Nada dospês caprinos ajudados..


Com
Obrasde Luis de Camões, 127

Com amorofos brados asfeguiao,

Hum sò, que o outro ainda não tomaue

Folego algum dapreffa que traziao,

Masdefpois defcanfadoſe queixaudi-

Primeiro Satyro..

Ab Nymphasfugitiuas,.

Que so por não far bumanidade ,

Os perigos dos matos não temeis,

Para quefois efquiuas,,

Que inda de nos nao peço piedade .

Mas deffas alias carnes que offendeis??

Ah Nymphas não vereis:

Que Eurydicefugindo deſſaforte

Fugio do amante, nao dafera morte?

Tambem aßt Alcitboefoi mordida

Da bibora efcondida,,
Olhay que toda a Nympha naherua verde: I

Que acondição nãoperdeperde a vida .

Que tigre, ou que leão,

Que pesonbentafera , venenofa,.

Ou que inimigo emfin vos vayfeguindo??


D'hum
test Obrus de Luis de Camões..)

D'hum brando coração,) in ei

Que prefo deffa vista rigurofa,

Defipara posfoge, andaisjugindo?

Olbayque em geftolindo,

Nãofe confentepeito tao disforme,

Se não quereis que tudo fe conforme,

Pofto que bellas n'agoa vos vejais,

Aafonte naō creais,

Que vos traz enganadaſua vingança,

Defta nofja esperança que enganais.

Mas al que naoconfinto

Que nempallaura minha vos offenda,


Pofto que me desculpa a magoa pura,

Nymphas digo que minta,

Que não pôde auer nunca quem pretenda

De desfazer em vaffa ferniofura,


Se amor de tanta dura

Por tanto mal tão pouco bem merefce,

Não estranheis minhalma, que endoudece,

Quefefalla doudices de improuifo,


Semtento nem auifo,

Queira Deos que dureza tao crefcida

Que me nad tíre a vida alem dofifo.

Coufas
Obras de Luísde Camões 120

Confasgrandes eftraubas

Tempello mundo feiso &faz natura,


Qu'a quevos não violNymphus)muitoefpantaes

Nas Libycas montanhas

Os Crocodillosferes, de pintara

Taofingular , que sò co a vista encantão,


Afua vozleuantao

Taopropia & natural â voz kumana,

Que a quem a quaefacilmente engana,

Evos (o gentesferas) cujo afpeito

O mundo temfogeito

Tendes de naturezajuntamente

Avifta, &voz degente, &fero opeito.

Das amorosas leis

Com que liga natura oscorações .

Andais fugindo (Nymphas ) na efpeßuray


Como não vos correis

Que aja emvos tão duras condições,

Quepoẞaomais que aprouidā naturals


Sevoffa fermosura, ond natto desk

Hefobrenatural, nao heforçado

Que aßi tenhatumbem opeito irador

Mas antes da amor em cajasão.


Qbrat de Luísde Camõen

Os corações estão

Porvoffagentilezatanfermosa,

Chesdeweisamorofa.condição.

Amor he hum brando affeito,

Que Deos no mundopos. Ga natureza


,

Paraaumentarascousas quecriou,

De amor eftàfogeito

Tudoquantopoffue a redondeza,

Nadafem efte affeitofegèrou, 1

Por elle conferuau

Acaufaprincipal.omundo amado,
Dondeopayfamulento foideitado,

Ascoufas elle as atta & as conforma

Comomundo reforma,

Amateria,quem ba que não o veja?

Quanto meu maldefeja fempreforma

Entre as heruas dosprados

Naõha machos & femeas conhecidas

E junto hua da outra permanefce?

Não estão carregados

Osvineiros das vides retorcidas,

Onde o cache enforcado amadurefce?

Não
Obras de Lais de Camões, :
728

Não vedes quepadece

Tanta tristeza a rola pella morte

Defua amada & vnica conforte?


Pois la no Olympo a quantos catiuos

Cupido, maltrattou ?

Milhor qu'eu o dirà afutil donzella,

Quela nafua tella o dibuxou.

Abcafogrande & graue,

Ab peitos de diamante fabricados ,

E das leis abfolutas naturais,

Aquelle amorfuaue,

Aquellepoder alto, queforçados

O's Deofes obedefcem defprezais ?

Pois quero quefaibais

Que cotra ofero amor nunca ouue efcudo,

Ofeu costumebe vingança em tudo,


Eu vos verci deitar em bum momento,

Sofpiros mil ao vento,

Lagrimas,triftes tantos ,noua dor,

Por que tenha outro amor no penfametor

1
Mais quifera dizer

O defditofo amante, que ajudado

St
Obras de Luis de Camões.

Se via então da magoa & da tristeza,

Masfoilbo defender

O outro companheiro- como irado,

Comtao disforme & afpera dureza,

Aquillo que a rudeza

Ea fciencia agrefte lhe enfinàra,

Imaginando como que acordara

D'humfonbo arrancado d'alma bu grito,

Omais que allifoi ditto,

Vos montes o direis, vospenedos,

Que em voßos aruoredos anda efcritto.

Satyro fegundo.

Nem vos nafcidasfois degente humana,

Nemfoi humano o leite que mamastes,

Mas d'algua disforme fera Hircana,

La no Caucafo monte vos criaftes,

Daqui tomaftes a afpereza infana,

Daqui ofriopeito congelaftes,

Sois Sphinges nos geftos naturais,

Que o rosto sò de humanas amoftrais.

Se....
Obras de Luis de Camões, 13D

Sevosfoftes criadas na eſpeßura,


Onde não ouue cousa quese achaße

Animal,berua verde, ou pedra dura,

Que emfeutempo paffado não amaße,.

Nem a quem a affeiçãofuaue & pura

Nella prefenteforma não mudaſſe:


Porque não deixareis tambem memoria:

De vos,em namorada & longabyſtoria?

Olhaicomo na Arcadiafoterrando

O namorado Alpheofua agoa clara:

La na ardente Sicilia vay bufcando

Por debaixo do mar a Nympha chara

Aßimeſmo vereis paffar nadando

Acis, que Galathea tanto amara,·


Poronde do Cicople a grande magoa ,

Conuerteo do mancebo.oſangue em agoa..

Virai os olhos (Nymphas ) a Erycina.

Efpeffura vereis alli tornarſé·

Egeria emfonte clara & cristallinaj ,


Pella morte de Numa deftillarfe

Olhai que a trifte Biblis vos enfina

Comparderfe de todo & transformarfe

Em lagrimas que emfim poderão tanto

Que accefcentarãofempre o verde manto..


Se
Obras de Luis de Camões.

Se entre as claras agoas ouue amores


,

Os penedos tambemforaoperdidos,
Olbay os dous conformes amadores,

Nomonte Ida em pedra conuertidos,

Letheapor cayr emvaõs errores,

Defuafermofuraprocedidos,

Oleno porque a culpa emfitomaua,

Por não vercaftigar quem tanto amaua.

Tomay exemplo, vede em Cypro aquella

PorquemIphis no laçopos a vida,

Tambemvereis empedra a Nympba bella,

Cuja vozfoi por Iuno confumida,

Efe queixarfe quer defua cftrella,


Avozextrema sò lhe he concedida,

Etu tambem(ô Daphne ) que trouxefte

Primeiro ao monte o doce verfo agrefte.

Tamanho amor tinha â branda amiga,

Que em inimiga emfimfe foi tornando ,

Porque outra Nympha estranha ofogiga

Suas magicas heruas vay buscando,

Olbay a cruador a quanto obriga,

Quepor vingarfua ira, transformando.

Sefoi empedra,ô dura confufao,

Depoislhepefaria, mas em vão.


Olhai
Obras de Luis de Camões. 129

Olhai(Nimphas) as aruorçs alçadas,

A cujafombra andais colhendo flores,

Como emfeutempoforaonamoradas,
Que inda agora o troncofente as dores .

Vereis tambem ,
fefordes alembradas,

Como acor das amoras he de amores,


Emfangue dos amantes na verdura

Testemunha he de Tisbe afepultura.

E lapalla odorifera Sabra,

Nao vedes que de lagrimas daquella

Que comfeupayfe ajunta & ferecrea

Arabiafe enrique/ce & viue della,

Vede mais a verde aruore Penea,

Quefoija noutro tempo Nympha bellas

E Cypariffo angelico mancebo,

Ambosverdes com lagrimas de Phelo.

Está o moço de Phrigia dilicado .

No mais alto aruoredo conuertido,

Que tantas vezes fere o vento irado

Galardão defeus erros mereſcido,


Que da altaBericinthia fendo amado ,

Por bua Nympha baixa foi perdido ,

Ea Deofa a quem perdeo dopensamento ,

Quis que tambem perdeffe o entendimento .

R
Obras de Luis de Camões.

O fubitofurer lhe afiguraua.

Que o monte, as cafas,&aruores cabiaõ,

Ia dos pudicos membrosfepriuana,

Que aDeofa & afuriagrande o conftrangias

la no indino montefe lançaua,.

Defua morte asferas fe dosao,

Deft'arte perdeo Athis na eſpeßura

Despois detantasperdas afigura.


¦

Lembrevos quando as gentes celebrauaõ

Em Grecia asgrandesfeftas de Lyco,

Onde asfermofas Nymphasfejuntaua

Eosfacros moradores do Lyceo ,


Todos em docefonoſe occupauaõ………
.

Pello monte depois que anoiteceo,

Mas o Deos do Helejponto naõ durmia,

Quehumque amor ofonolhe impedia.

Mas ella emfim os braços eftendendo, T

Emramosfelleforao transformando,

Emrayzesospèsfevaõtorcendo ,´

E o nome Latha sô lhe vay ficandos

Vede Napeas efte cafo horrendo,

Que vos eftâ de longe ameaçando,

Que afsi tambem aquella a quemfeguia.

OfacroPan aforma sò perdia


E que
Obras deLuis de Camors, 130

E que direis de Philis,queperdida

Dafaudofa dor emque viuša,

Com defesperação emfim trazida

Do comprido efperar dedia em dia,

Por defatar do corpo a trifte vida

Ataua ao celo a cinta que trazia,

Mas otroncofemfolha pello monte

Rhodope, abraça o lento Demophonte.

Nas boninas tambem vereis Lacintho,

Por quem Phebo defife queixa em vaã,

Vereis o monte Idalio emfanguetinto,

Do neto defeu pai, da mãy irmão,

ChoraVenus a dor do moço extinto,

Maldiz o cèo aterra.com razao,

Aterraporque logo naofe abrio,

O ceoporque tal morte permittio.

Etu conftante Clyeie, a quemfallefce

Afe de teus amores enganofos,

No louro amante que de tife efquece,

Se efquecem os teus olhosfaudofos,

Nenhum alegre eftado permanece,

Que fao do mundo osgostos mintirafos,

Etu ò clara luzpor quemfufpiras,

Ainda agora em berua afolha viras.


R 2 Trago
Obras de Luis de Camões

Tragovos estas cousas â lembrança,

Porquefe estranhe mais voſſa crueza,

Com ver que a criação & longavança

Vos não preuerte & muda a natureza,


Dou estas lagrimas minhas emfiança

Que em tudo quanto eftàna redondeza

Coufa ha de amor ifenta, fe atentais,

Em quanto a vos não virdes não vejais..

In vos diſſe que de amorſempre tiuerão,

As coufas infenfiueis pena gloria,

Vede asfenfiueis como ſe perderao,.

E dirvos ey das aues larga byftoria,.

Que aspenas que emfua almaſeſoffreram

Nas afas the ficarão par memoria.


Eaquelle aliuio , leue mouimento,,

Lbeficou so por dor do pensamento ..

O doce roxinol, a andorinha,,

De donde ellasfeforao transformandos

Senão do puro amor que o Thracio tinha:

Que em Poupa inda armado a auda chamando?

Chamafem culpa â mifera auezinha,

Que nas areas de Aẞis habitando.

Doriotoma o nome, aẞsi


se vay,

Chamando à may cruel, Mouro opa


Vede
ObrasdeLuis de Camões.
BI

Vedea que engeitou Pallas porfalar,

Que dos amores he mayor defeito,

E aquella quefucede emfeu lugar

Ambas aues do mar Vlado effeito.

Hua porquefugia ao Deos do mar,

Outraporque temera opatrio leito,


E Silla que afeu pai pos emperigo,

So porfer muito amiga do enemigo.

A elle lheficarão ainda as cores

Dapurpurea Realque terfoia.

Efaco, quefeguindo feus amores

Otrouxe a ver tão cedo o eſtremo dia,

Ou vede os dous taofirmes amadores,

Que amor aues tornou na prayafria,

Do Rei dosventos eragenro o triste,

Mas contra ofado emfim nada refifted

Estaua a trifte Alcyone efperando

Com longos olhos o marido anfente,

Mas os irados ventos affoprando,

Nas agoas o afogarão tristemente,

Em fonhos fe lhe eftâ reprefentando

Que o coração prefago nunca mente,

So do bem asfofpeitas mintirao,

Que as do malfuturo certasfao.


2 A
R3
.
Obras deLuis deCamõess

Aopranto osolhos Jeus a triste enfaya,

Buscando o m.ir com elles hia & vinha,

Quando o corpofem alma achou na praya,

Semalma ocorpoachou, que n'almatınba,,

Nereidas do Egèo confolaya,.

Pois efte trifte offico vos conuinhaj,

Confolaya, fabi das vosas agoas,.

Se confolação ba em grandes magoas..

Mas ò nefcio de mique estoufallando,

Das auezinhas maujas, amorofàs;

Se tambem teue amor poder & mando.

Entre as feras montefes venenofas,,


aleão ativa como ou quando,

Taisformas alcançâraã temerofas,,


Stabeo da Deofa Dindymene o demplo

E a que odeu a Adonis por exemplo..

Quemfoße a manfa vacca diloîa,

Mas ogran Nilo o diga que a adoraj ,

Que força tem a Vrfa faberfehia


Do Polo Borealdonde ella mora :

O cafo de Acteon tambem diria

Em ceruo transformado, & milhorførå ›

Que dos olhos perdera a vifta efcura .

Que escolher nosfeusgalgosfepultura.


Tude
。.. Raquife tirario duas oitauas
Obras de Luis de Camors,
732

Tudo isto Acteon vio nafonte clara,

Aonde afi de improuifo em ceruo via,

Que aßi quemdefta arte alli o topàra,

Quefe mudaffe em ceruo permitio ,

Mascomo o triste amante emfi notara

A defufadaforma,fepartio,
Osfeus que o não conhecem, o vão chamando

Eeftando allpreſente o vaõ buſcando.

Cos olhos & cogesto lhes fallaua,

Que a vozhumanaja mudadatinha ,

Qualquer delles por elle entaõchamaua,


Ea multida dos caes contra elle vinha,

Que viſſe ver hum ceruo lhegritaua,

Alteonconde eftâs acude afinha,

Que tardar tanto be efte, (lhe dizia)

He efte,be efle, oecco refpondia.

Questas cousas em vão estoufallando,

(ô esquinas Napeas ) fem que veja


Opeito de diamante hum pouco brando ,

De quemmeu danno tanto sò deſeja,

Poispar mais que de mi andeis tirando,

Epor mais longa emfim que a vida feja,

Nunca em mifeverá tamanha dor,


Que amor a não comuerta em mais amor.

R4 Aqui
SST Obras de Luis de Camões.

Aqui (ò Nymphas minhas )vos pintei

Todo de amores humjardimfuaue,

Das aues,pedras,agoas vos contes

Sem meficar bonina, fera,ou auez

Se o amor dos peitos que deixei


Que dos contentamentos tem a chaue

Pondita em tempo algum determinaſſe

Que de tão longos dannos vospeffalle

Quanto mais de vagar Dos contaria

De minhalarga by toxia, não albca

Ecom quanta mais agoaregaria

De contente,que o rio a branca area,

Entre os contentamentos me feria

Efte bum não cudada ,&grande idea,

Evosgostando defte estado vfano


Zombareis então de volo engana

Mas.comquem fallo ou que effougritando

Pois não ba nospenedosfentimento?

Ao venta estoupallauras efpalhando,


Aquem as digo corre mais que o vento

Avoz, avida, ador me eſtua tirando,

Enão me tira o tempo.o pensamento,

Direi emfim as duras efquiuanças .

Que sàna morte tenbo as esperanças.


Ago
Obras de Luisde Camõess 133

Agal o trifleSatiroacabou, --

Comfaluços que aalma lhe arraticauão,

E os montes infenfiueisque abalon

Nas vltimas repoftas o ajudando,

QuandoPhebo nas agoasfe encerros,

Cos animais que o mundo alumiquão,

Eco luzentegado appareteo

A cleftepastorapellacio
5.9
Obres de Luisde Cambero

EGLOGA VIL
WA

PESCATORIA

ARdepor Galathea branca & laura,

Serenopefcador pobre,forçado

Dhua eftrellacruel, que â miugoa moura.

Os outrospefcadares tem lançado

NoTejoas redes,etle sòfazia

Efte querxume ao vento defcuidados

Quando virà fermofa Nympha) odia

Em quetepoffa dar a conta eftreita

Defta doudice trifle, va porfia?

Nao ves que mefoge a alma, & que m'engeitan

Buscando u❜hum sòrife da tua boca,

Nos teus olhos azuis manſa colheita?

Se a effefpiritu algua magoa toca,


Se d'amorfica nelle bña pègada,

Que te vay,Galathea ,nefta troca?

Dart'eiminhalma,la mates roubada,

Na ta demandarei, dame por ella

Hüa sò volta d'olhos defcuidada.


Obričade Luis de Camões;:)

Se muito te parefce, minha eftrella

Não conſentir ventura tão ditofa,


:
Doute as afas do amorperdidasmella

Que mais tepoffo dar Nymphafermofa,

Inda que o mardaljofarmecubrira

Talweftaprayaleda & graciofa ?!

Amanfaoondas,quebra o vento airas

Minha tormenta triste.nãofoffega,

Arde.apeito em Vavzem vaōfofpira

"
Ao romper d'alica anda ametoa čega,.

Sobre os montes Arrabida vicofos,

Em quanto a elles a luz dofol não chega

Eu vejo aparecer outros fermofps

Rayos,que agraça & cor ao cêo roubârao”,

Ficão mens olbos cegos mais faudofos..


Quantas vezes arondasfe encresparan
, Sa

Commeusfilpiros,quantas com meu prant

Separurat com magoa, me eſcutárão-

naforça da dor a voz leuanto ,

E asfom doremo que a agoa payferindo,

Poraltalúa meucudadu canto”

Os mauiofosdelphins me eftão ouuindo,

A noiteJoffegada, o mar caludo..


*
Sò Galadbenfogeyes. Vasting : [

Eftres
221 Obras de Luis de Camões.

Estranhaspor ventura o mar cercado

Dafracarede, a barca ao ventofolta,

Ehun pobrepescador aqui lançado?

Antes que ofolde no cèo hua volta,

Sepode melhorar minha ventura,

Como acontece aos outros n’agoaenuolta,

Igualpreço não be dafermefura

Aread'ouro,que o rico Tejo efpraya,

Mas hum amor queperafempre dura.

Vejao teus ulbost bella Nymphaja praya


Verás teu nome na mimofa area ,

Nuncafobre elle o mar comfuriafaya.

Que ategora nem vento & arfaltea,

Tres dias ha que efcritto aqui o deixou

Amor,guardandoo a toda aforça alhed.


Elle comfuas mãos mesmo ajudou,

Efcolher eftas conchas , queguardando,

Hua buaparati sô ajuntou.

Hum ramo te colbi de coral brando,

Antes que o ar lhe deffe ,parefcia

O que eu de tua boca estou cudando,

Ditofofe ofoubeffe inda algum dia.

Fim da quarta parte 003


Obras de Luis de Camões.
FTT

CHE

QVINTA PARTE,

Das redondilhas, motes , efparfas, & grofas

Sobre os rios que vão destefonho imaginado,

Por Babylonia m'achei, vi que todo o bem paffado


ondefentado chorei não begostomas be magoa
as lembranças de Syão,

& quanto nellapaſſei. Evi que todos os danos.


Alliorio corrente
'
fe caufauao das mudanças !
de meus olhos foi manado, & as mudanças dos annos,
& tudo bem comparado , onde vi quantos enganos,)
Babylonia ao mal preſente, faz o tempo âs eſperanças
Syão ao tempo paffado. Allivio mayor bem,

quao pouco efpaço que daraja


Alli lembranças contentes
" o mal quaõ de preßa vem,

Walrafe reprefentarão, & quam triste estado tem

minhas coufas aufentes, quemfefia da ventura


fizerao tãoprefentes
fe

como fe nunca paffarao . V'i aquillo que mais val,

Alli depoisde acordado, que entãofe entende milhor

roftobanbado em agoa, quando mais perdidofor


Yi
ObrasdeLuis de Camões.

vioBemfûcenter ma! Aquelle inftrumento lea


deixeida vidapaffada,
&ømal muitopior.
Evi com muito trabalho dizendo, muficaamada

comprar arrependimento, deixovos neste aruoredo

di nenhum contentamento, â memoria confagrada.

& vejome a mí, qu'eſpalbo

Trifespalauras ao vento . Frauta minha que tangëdo,

os montesfazieis vir

Bem sao rios eftas agoas,' pera onde eftaucis correndo

com que banho estepapel, Gas agoas que bião decedo

bemparefecfer cruel, tornauão logo afubir.


variedade de magoas, Iamais vos não ouuirão

confufao de Babel. ostigres quefe amarſauão,

Como homem qpor exéplo as ouelhas quepaſtanaõ,

dos trances em qfe achou, das beruas fe fartarao,

defpois qaguerra deixou , queporvos ouuir deixanão.

pellas paredes do templo

fuas armaspendurou . Ja naofarcis docemente

em rofas tornar abrolhos

'ßt deſpois que affentei


A naribeira florefcente,

quetudo o tempogaftaua, nem poreisfreo a corrente

datristeza que tomei e maisfefor dos meusolhos.

ños falgueiros pendurei Não mouereis aefpeffura

osorgaos comacantana. nem podereisja trazer.


atar
Obras deLuis de Camões, 136

atras vos afonte pura, està receitando a morte.

pois nao podeftes mouer


defconcertos daventura. Mas deixar nefta efpeffura
ocanto damocidade,

Ficareis offerefcida nao cude agentefutura

âfama quefempre vèlla, quefera obra da idade

franta de mi tão querida, o que heforça da ventura.

porque mudandofe avida Que idade,tepo, o efpanto

Je mudao osgostos della. de ver quam ligeiropaſſe,


Acha atenra mocidade nunca emmipodèraō tanto

prazeres accomodados. que pofto que deixe o canto,

logo a mayor idade. caufa delle deixaſſe.

fentepor pouquidade.

aquellesgostospaffados......
Más em trillezas enojos

Hi gofto que ojefe alcăça, emgosto & contentamento

amanhãja o naõvejo, .. porfol,


por nene , por veto,

aßi nos traz a mudança : ternepreſentealos ojos

de efperança em esperança, porquiemuero tan couteto.

& de defejo em defejo. Orgaus & frauta deixana,

Masem vidatao efcaffa defpoja mea tao querido,

que efperançafera forte? nofalgueiro que alli eftaus

fraquezada humanaforte, quepara tropheoficana ·

que quanto da vidapaffa de quem me tinha Pencido!


Mas
Obras de Luis de Camões.

Mas lembraças da affeição como dirâ, refpondi,

que alli catiuo me tinha, quem tao albeo eftâ defi

1.mepreguntarao entsõ. doce canto em terra alheat

que era da mufica minha, Comopoderà cantar

qu'eu cantâua em Syaa? que em choro banks o peito?

Quefoi daquelle cantar porquese quemtrabalhar

das gentestao celebrade, canar


canta por menos canfar

porgo deixaua de vfar, eu sò defcanfos engeito,

pois fempre ajuda a paffar

qualquer traballo paffado. Que naoparefce razao.

nemferiaconfa idonia,

Canta o caminhante ledo por abrandar apaixão


mo caminho trabalhofo , que cantaffe em Babylonia

por antro efpeſſo aruoredo as cantigas de Sião.


de noite otemerofo Que quado amuitagraueza

cantando refrea o medo. defaudade quebrante

Cantao prefo docemente, efta vitalfortaleza, : m

osduros grilhões tocando, antes moura de trifleza

cantaofegador contente, quepor abrandala cante


Go trabalhador cantando

otrabalho menosfente. Quefe o finopensamento


12 sòna tristeza confifte,
nãotenho medo do tormento
Eu qu'eftas cousasfenti

a'almademagoas tão chea, que morrer depuro triste.


!
que
2

Obras deLuis de Camões. 137

que mayor contentamento? \ que ex mais desejo efculpida


Nem nafrauta cantarei em pedra, ou em duro ferro, -

。 quepaffo & pufferja, effa nuncafeja ouuida,

nem menos o efcr euerei, em castigo de meu erro.

porque apena can/arà,

eu nao defcanfarei. Efe eu cantar quifer,

em Babylonia fogeito,

Quefe vida tao pequena . Hierufalemfemtever,

d'accrefceta em terra estranha avoz quando a mouer

Je amor aßi o ordena, " Je me congele no peito.

rezão be que canfe a pena, Aminha lingoale apegue

de eſcreuer pena tamanha. âsfauces,pois teperdi,

Porem fe pera affentar Se em quanto viuer aſſi

p'quefente o coração · ouuer tempo em que te negue

penaja me canfar, ou que me esqueça de ti.

nao cansepara voar,


@memoria em Siaa: Mas ò tu terra degloria,

Se eu nunca vi tua effencia,


Terra bemauentarada, como me lembras naaufencial

fepor algum mouimento não me lembras na memoria,

d'alma mefores mudada, fenaõ na reminifcencia.

minha penafeja dada Que a almabe taboa rasa,

aperpetuo z
/quecimentos que com a efcrita doutrina

Apevadefte defterra. celefte, tanto imagina,


S que
Obras deLuis de Camões:

Deftes omsendo tiranna


Thewoudapropria cafa

&fobe àpatriadinina.. me obriga com defatino,

a cantar aofom do danne

Naõbalogo afaudade. cantares de amor profano

das terras onde nafceo. por verfos de amordiuino.

a carne,mashe de cèo, Mas enluftrado cofanta

daquellafanta cidade, rayo na terra de dor,

donde a alma defcendeos de confulues & d'efpantos :

Eaquella humanafigura, como ei de cantar o canto.

que câme pode alterar, que safe deue ao Senborz

naoke quem s'ha de buscarin

he rayo dafermofura, Tantopode o beneficios

que sofedeuede amar.. dagraça, que dáfaude,

que ordenaque avida mude

Que analhos co aluz gatea: & o quetomeipor vicios w

ofogo que cafogeita, mefezgraopera a virtudes.

não dafel, mas da candea, Efezque este natural:

befombradaquella idea amor, que tanto ſepreza

Spicem Deos eftàmaisperfeita fuba dafombra Real.

..
E.as que cà me catiuâraŭ…… daparticular belleza,

e para belleza gerale


saopoderofos efeitos,
queos corações tem fogeitas,

Jopbistas que n'enfinârao Fiquelogopendurada

maos caminhospor direitos a franta.com que tangi,

SP
Obras deLuis de Camões

8 Hierufalem fagrada, apalynodiaja canto.

tome a lyradourada, Apos some queroir

para sò cautar deti, ... fenbor &gran capitão,


Não catiuo &ferrolhado da alta torre de Syão,

na Babylonia infernal, à qualnãopoſſoſubir.


mas dos vicios defatado, Je mevos nao dais a maō.

✔ cà defta atileuado,

patria minha natural Nogran diafingular


,

que na lyra o douto fom..

Efe eu maisder aceruiz Hierufalem celebrar,


amundanos accidentes, lembraiuos decaftigar

duros tyrannos, & vrgentes, os rainsfilhos de Edoma

rifquefe quantojafiz Aquelles que tintos vão


gran liuro dos viuentes. nopobreJangue innocente,

E tomandoja na mão foberbos copoder vão,

a lyrafanta & capaz, arrafayos igualmente,joj oka

doutra mais alta inuenção , conheção que humanos


fao.

caleſe eſta confufao,

cantefa a vifauda paz. E aquellepoder tão duro

1 dos effeitos com que vento,,,

Ouçame opaſtor, & o Rei, que encende alm. engenho,

retumbe efte accentofanto, queja me entrârço o muro

mcuafe no mundo espanto, doliure aluidrio que tenko.

que do quejamalcantei. stjat..


S 2 Efte's
1625
Obras de Luís de Camões.

Eftes que tãofuriofos contratipreualefcer


&te vier afazer
gritando vem ae/callarme,

maosfpiritas dannofos, omal que lhe tufizeste.

que querem comoforcofos.


do alicerce derrubarme.. Quem com difciplina crua

Lefere mais que búa vez


,:

Derrubayos ,
fiquem sos, cuja alma de vicios nua,.

de forças fracos, imbelles, faz nadaas na carnefua,.

porquenão podemos nosdo queja a carne n'almafez.

nem.comelle's ir a vos, Ebeato quem tōmar:

nemfem vos tirarnos delles feuspensamentos refentes,

Nãabafta minha fraqueza, em nafcendo os afogar,

parame dar defensão,, por não virem apazar

Se nosfantucapitão. em vicios graues. urgenter

neftaminha fortaleza

naopoferdes guarnição. Quem comelles logo der

napadra dofurorfautor

Etuo carne,que encantas: batendo os desfizer

filba de Babel tãofea, napedra que veo a fer.

toda de miferias chea, emfim cabeça do canto.

qhemilvezes te leuantas, Quem logo quando imagina

contra quem tefenborea.. nos vicios da carne mà,

Beato sopode fer os penfamentos declina

quem coa ajuda celeste. ¿quella carne diuina, ``.

que
Obrasde Luis de Camõer. 139

que na ecure/ reveja . para ti terraexcellente,


Quemdovil contentamento tãojuſto,& taōpenitente,

câdeſtemundovifiuel quedespois de atiſubir

quanto ao homemforpoßinet ladefcanfeeternamente y

paffarlogo o entendimento

para o mundo intelliguel Carta ahua dama!

Alliacharà alegria
Querendo efcreuer humdiag

em tudo perfeita & chea, o mal que tantoeflimei,

de taofuaue armonia, cudando no queporia

que nem porpoucarecrea


, viamor que me dezia

mimporJobeja enfaftia. efcreue,que eu notare.


Alli verataoprofundo

mysterio naJumma alteza, Ecomoparafelar

que vencida a natureza não era byſtoriapequen

os moresfauftos do mundo a que de mi quisfazer,

julguepor mayor baixeza das alas tirou apena,

com quemefez escreuer,


ô tú diuino apofento,

minhapatriafingular, E logo como atiron

Lesò com te imaginar Me diffe, auina os efpritos,

tantofobe o entendimento, quepois em tenfauerfou


quefarafe em tife achar? eftapena que te dou

Ditolo quem fepartir fara your teus efcrittos,


S 3
Y Abrao de Luís de Camõèsă

eſtejais deme escutar],


E dawdome apadofcer
porme não remedear,
tudo o que quis quepufeffe,
ouui,quc.pois amor notay
pude emfum delle dizer
milagres
fao de notar.
que me dowce que cfcroweße

aque medeu a efcreuer


Nota

Eu qu'efte engano entendij.


Efereuem varios autores,
bffelbe ,Que escreuereits
quejunto da clarafonte
refpondeo, dizendo aßi .
do Ganges,os moradores
Altos effeitos de ti,.
☞daquette a quem te driviuendo cairo dasflores

que nafcem naquelle monte..

Eja que te manifesto-

todas muliud effraubezas , Se osfentidos podem dar

mautimento ao viuer,
efcrempois que te prezas

milagresd'hum clarogesto, não be logo d'eſpantar,


feeftes nem de cheirar
& de quem ovio tristezas
que viua eu sò de vos ver?

Abfenbora em quem fe apura.

afe de meupenjamento Hua aruorefe conhefce

efcutai & effai atento, que nageral alegria


que com voffa fermosura. ellasò tanto entristesses.
iguala amor meutormento. que como de noitefloreſce; &

perdewafloresdediques
Epofte que tão remota
ObrandeLuisde Camões; 140

Engem veruos fusco o preço quando aquella Fenix vejo

que em voffa vista confiste, são de todoficaria,

em a vendo me entristeço, mas ficamie hydropefia,

porquefei que não mereço mais,mais defejor


que quanto mais,mais

agloria de viuer trifte.


... Dabiuorabe verdadeiro ".

Hum Rei degrande poder fe a conforte vay buscar,

com venenofoicriado, que emfe querendojuntar,

porquefendo costumado, deixa a peçonba primeiro ,

nãotepodeffe empecer porque lhe impede o gêrar la

Je depois lhefoffe dado.

Asi quandome aprefente

Euque criei depiquens âvoſſa vista inbumana,

yida a quantopadefce, apeçonha dotormento…..

defta forte me acontece, deixà s'parte , porque danna


tamaubo contentamenta , vaa
que não mefaz mal a pena,

fenão quando mefallefce.

¡ Querendo amor.fuftentarfer
Quem da doença Real
fezbúa vontade efquisa
de longe enfermofe fente
d'hua estatuanamorarfe
,
porfegreda natural, 24466
y defpoispormanifeſtarfe
ficaLao vendo somente conuertsoa em valber ninadi
a
bum volatil animal.

Domal queamoren micaid De quem naritei qu'nikyndəb


S 4
Obras de Luis de Camões.

onquem direi que m'engana, a conftancia que em mïvejo":

Je voufeguindo & buscando não somente ma dobrais,

bua imagem que de bumana maado brase meu deſejo,

em pedra fe vay tornando?, com que então vos quero mais

De buafontefefabia Se alguem os olhos quifer

da qual certofe prouaua. às andorinhas quebrar,

que quemfobriellajuraua, logo amayfemfe deter

fe falfidade dizia, bua berua lhe vay bufear,

dos olhos logo regana. • que lhefaz outros nafcer.

Vos queminha liberdade: Eu que os ollos tenho a tentò

Lenbora tyranizais, nos voffos que estrellasfao,


injustamentemandais: cegaōfe os da entendimento,
quando vosfallo verdade mas naſcemme os da razão,

que vas nac poffa ver mais.. defolgar commeu tormentof


*

Di palinafe efcreue canta Lapara onde ofolfas

fer tsadura taoforçosa,. Descubrimos naurgando.


quepefo nãoa quebranta,, hum nouorio admirande,

mas antes deprefuuçofa, que olenho que nelle cae.

com elle maisfe leuanta.. empedrafe vay tornando

Copefadæmalquedais, Našse espantediftansgetery.


125.415
Obras de Luis de Camões.
148

mais razaofera que espante, porque quis amor aßim

bum coraçaotaopoffante, quepor vos verdes a vos,


que com lagrimas ardentes. tambemme viffeis a mi.
fe conuerte em diamante..

Dios males que me ordenais


Pade bummudo nadador que indatenho porpequenos
nalinha canainfluir
fabeifemos efcutais,
tão venenofo vigor queja nãofei dizer mais,
que fazmais nãofe bulir
・ nem vos podeisfaber menos,
abraço dopescador..

Masja que a tanto torment


Secomeção de beber nãose acha quem refišta,

defte veneno excellente,, eufenhora me contento,


».

meusolhosfemfedeter, de terdes meufoffrimento

nãofefabem mais mouer por aluo devos vista .

anada quefeaprefente..

Quantos contrarios. confenta


Lito são clarosfinais
amorpor maispadefcer, N
do muito que em mipodeis,,
que aquella viftaexcellente
nem podeis defejarmais,.
que mefazviuer contente:...
quefe veruosdefejais,
emmi cara vos vereis.. mefaça tão triftefer.

E quereis ver a quefin Más dau efte entendimento


smmi tanto bemfepos.. ao mal que tanto me offende,
COMO
Obras de Luis deCamões.

como na Vellaſeentende, Sao asicomo as Harpyas,

que seseapaga co vento, que as mais doces iguarias

comesmoventofe accende. vaoconuerter em peçonba.

Exprimentouse algúa hora Fazme este mal infinito

da aue que chamão Cảmão , nzō poderjamais dizer,

quefe da cafa onde mora pornaovir acorromper

vê adultera asenhora, osgostos que tenho efcritto,

morre depurapaixao. cos males que ey de efcreuer.

Adorhe tão fem medida,


" Não quero quese apregoe

que remedio lle não val, mal tanto para encubrir,

mas òditofo animal, porqem quanto aquife ounir


qucpodeperder a vida nenbúa outra coufafoe,
quando vê tamanho mal.
que agloria de vosfcruir.

Kosgostos de vós querer Outras.

eftaua agora enleuade,

fenãofora falteado, Dama d'estranhoprimor,


daslembranças de temer fevosfor

ferpor outrem defamado, pefada minha firmeza,


lhai não me deis tristeza,

Eftes fofpeitas taofrias, porque a conuerto em anor

Com que openfamientofonbas Secudaise od raniînai


de
Obras de Luis de Camões 142

de mepiatar quando vfais fe vos podeis mais que amorð


de efquiuansa,
Despois que dama vos vi
wei tomar por vingança
entendi
amaruos cada vez mais.
que perdêra amorfeu preço,

Porem volo pensamento pois ofauor que l'eu peço

como ifento vospede elle parafi..


Nem dauido
feguiràLua tenção,

arendo que em tanta affeição que naopòde defentido


naoaja accrefcentamento. refiftir,
Não creais
pois em vezde vosferir

| que desta arte vosfaçais ficou de vos ver ferido?


inuenciuel,
Mas pois voff nifta be tal
que ainor fobre o impofsiuck
em meu mal,,
amostra quepòde mais.
quepoffo de vos querer

que malpoderei valer


Masja da tençao quefigo
onde o mesmo amor não val
me defdigo,
Se atentar, :
quefe ha tanto poder nelle
neubum bempoffo efperar
tanibevos podeismais qu'elle,.
oxalà:
wfte'mal que vfais comigo .

Masfefor que vos alembraffeja,

avosso poder mayor, Jequer para me matar..

antrenos,
Mas nem com ifto creais
quem poderá mais que vos,
façais
que
meas
ľ
es.
& 41 Obras deLuis de Camõ

aseusferuiços mais pequenos , quede certas mematen,

porqu'en quado espero menos je acaufa de que nafceis

Jubeique então quero mais. vos quite


leconfellar.

Nadaefpero,

nas de micrede eftefero, Que de não lhe achar defculpa

que emfer vollo, agrande magoa paffada

Dos querotudo o quepoffo, meteor a alma tão canfada,


65 aaopoffoquanto quero quefe meconfeffa a culpa

telacypor defculpada.

Soporestafantefia

merefcia Oravedequeperigos

mous males algum fruito, temcercado o coraçao,

queainda nãoquero muito, que no meo daoppressio

ao muito que queria. afeusproprios enumagos


De maneira, Daypedir a defenfao.
quenaõbe maderradeira
1
grandeelpanto, Quefofpeitas eu bem fei

quequé,dama,vosquertanto como fe claro vos viſſe,

que autrocantodevosqueira. que be certo o queja rudei

quenuncamalfofpeitei,

Ahuas fofpeitas quecerto me nãofaiße.

Sofpeitas que me quereis , Mas queria efla certeza

queen vo quero darlugar, daquella que me atormenta


,
porque
Obras de Luis de Camões 143

porque em tamanhaeſtreitza, queja doudo imaginei,

ver que diffofe contenta, jamais doudo jures


darrancar dalma os amores
be deſcan/o da tristeza.

Ia determinei mudarme
Porque fe efta so verdade
paraoutraparte comira
me confeffa limpa & nua,.
defpois vim aconcertarme
de cautella & falfidade,
naopòde a minha vontade que era bom certificarme

no que mostraua amintira.


defconformarse dafua.

Porfegredo namorado, mas defpoisja de canfadas

be certo estar contefcido, furias do imaginar,

vinha emfiin aarrebentar


que a mal defer engeitado ,

maisatormenta fabido, em lagrimas magoadas

mil vezes quefofpeitado.. & bem peramagoar.

Mas eu soem quemfe ordena E deixandofe vencer .

nouomodo de querella,. osmeusfingidos enganos


de tao claros defenganosy
de medo dador pequena

Venho achar na mayor pena : não poffo menosfazer,


que contentarme cos danos.
arefrigerio para ello

Epedir que me tiralem


Janas iras me inflamei,

mas vinganças nosfurores, " efte mal defofpeitar,

que
Obras deLuis de Camões,ND

quemevejo atormentar , que nem nesta vltima ora

indaque me confeffaffem mehade perdoar amor

quanto mepòde matar. boffospeccadosfeubora.

Olhaibemfe metrazeis Eaßi voudefefperade

Jenbora ,pofto nofim, porque eftes são as costumes

poisnefte eftada a que vim d'amor,qu'be malempregado .

para quevos confefleis, do qualvonja condenados

fedão os tratos amin. ao inferno de ciumes.

Outras a búa fenbora , T


Masparaque tudo poß

amor,que tudo encaminha, quen derão pera húa f

saljustiçalhe conuiuha, lha fua hum pedaço de

porqueda culpa que he voff cetim amarello, dea


quem fetinha
venbafer a morteminha.

fofpeita.

Justiça tão mal albada, "



olhay com quecorfe doura, SE dirinais de verdade

que quer nofim dajornada esta palaura Sitim,

que vosfejais confiffeda femfalfidadejt


acbarejs

T para quceufeja o quemoura, que apos òfi; tem otim,

quetine em toda acidade,


}
Pois confeffaiuosjágora,

inda quotcubo tensor : Bom vejo que me entendeis,


mas
Obras de Luis de Camões, 143

másporquenãofalle em vão, eu tomais outro caminho,

Labeique a esta nação por exemplo opodeisver


canto que o Siconcedeis quando la virdes arder

• Tim,logo eftà na mão .. a casa d'algum vezinho.

E quem dafamafe arreda, &fimininafimpreza,


que tudo vay defcubrir, donde estão culpas apares,

deue fempre defugir que por hum dom de nobrezaj,


deixão does de natureza,
de Sitis ,porque dafeda:

feu natural be rugir. mais altos &fingulares,

Maspano fino, delgado, Hum domanda enxertado

qual'raxa,& outros asi, no nome, nas obras não,

durazaquenta, the calado,, (fallo como exprimentado, )

anorofo, &dadefi, que fitim deftafeição.

mais quefitim, nem borcados eutenho muito cortado

Masefies quefedassabi Dizemuse que era amara

com ques'enganão mil damas a quem af o quis dury's

mais vos tomão do que dão ,. sopara me Deos vingar,

prometem ,mas não darão, Jevemâ mao amarelo,

Jenaõnodoaspara asfamas. o que eu nãopoffo cudar.

Efenão me quereiscrerto Porquequemfabebingo. A

por
Obras deLuis de Camões.
EAS
"
por eftas artes manhofas, Seporvos que aẞimatais *N

(isto bem pode não fer,)

daa a mininasfermojas Se sãopor vos ,fãoperdidas


,

que qualfera a oração


somentepolasfazer.
quefejafatisfação

Quem vos isto dizfenbora, Jenboradetantas vidas?

feruio mas voffas armadas.

muito,mas andajafora, Quefe vedes quantosvem

pòdeferqueindaagora asò vida vospedir,

traz abertasasfrechadas. como vos ha Deos de ounir

fe vos não ouuis ninguem?

Epofto que disfauores

ofirao deferuidor,. Nao podeisferperdoada

pråkonDentura melhor, çõmaōs a matar tañprontat

que dos antigos amores que fe n'buatrazeis contasy

inda ibefica este amor. na outratrazeis efpada.

Abúafenbora, que efta Se dizeis que encomendando

na rezando por.. os que matastes andais,

búas cōras, ferezaispor quematais,anti

para que matais rezando?

394
PEçouos que medigais

as orações que rezastes, Quefe naforça do orar

fanpellosque matafter,
fe leuantais as mãos and sini,
Obras de Luis de Camões. 145

não as ergueis para Deos, mões fez na India, a ce

orguellaspara mattar. tos fidalgos, cujos no

mes aqui vão.

E quando os olhos térrais A primeira iguaria for


Toda enleuada na fè, poita a Vafco d'Attaide,

Cerraōfe os dequem vos ve entre dous pratos,

pera nunca veremmais. & dizia,

Poisfe aßiforemtrattados. Se não quereis padefcer


osque vos ve quando orais kna ou duas horas tristes,

effas boras que rezais , fabeis que aueis defazer,


são as horas dos finados. bolueros por do veniftes,

que aqui não ha que comer

Feis logo fe fois feruida,

que tantos mortos não sejão, Epofto que aqui leaïs

nao rezeis ònde vos vejaõɔ trouinha que vos enlea

ouvede para dar vida. corrido não estejais ,

porquepor mais que corrais

Oufe quereis efcnfar nao eis d'alcançara cea.

estes males que caufafter ,

refufcitai quem mataftes, Afegunda foi pofa aDa


mab tereis por quem rezar. Frácifco Dalmei

da, & dizia. "

Couite que Luis de Ca Heliogabalo zombana.


T das
7
: Ohras deLuis de Camões..
"

das peloas conuidadas,.

&deforte as enganawa,. A quarta foi poſta aloão

que as iguarias que dana Lopez Leitão ,a quemo

inbao nos pratospintadas, autor mandou hu mote,


que vai adiante , fobre

Nagtemais tal traueffura, húa peça de cacha , que

mandou a húa
poisja nãopodefer noua,
dama.
que a cea cftà muifegura

de vos naõ vir em pintura,

mas ha de vir toda em troua .. Porque os qvos conuidára☎

voſſo eſtamago não danem,

Aterceira foi pofta a Porjufta caufa ovdenàraõ


Eitor da Sylueita,, fe trouas vos enganaraõ,
& dizia.
que trouas Dos difenganem?

Ceanão a papareis

camtudoporque naa minta, Vestereis.iškoportacha,


para beber achareis . conuerter tudo cm trouar,

neo Caparica,mas tinta, . poisfe me virdes zombar,


mil coufas que papeis.. naõ cudoisfenher qu'he caché
Evos torceis o focinho, que aqui naaha cachar.

cym eſta amphibologia?

poisfabei quea Poefia Finge querefponde 105


vos dà aqui tintapor vinho, J Lopez Leitao.

&papeispor iguaria...

Pefar
Obras de Luisde Camões, 146

Pefarora não defaë, Defumo tendes taffalbos


,""

eujuropello.cèo bento ques da pena queJente

fede comer me não dão , quem defome anda doente,

que cunãofou Camaleão bocejar de vinho dalhus,

que m'ci de manter do vento. manjar em branco excelléte

Finge que refponde o


Autor.
A quinta & derradeira,

foipofta a Francifco de
Senhor não vos agafteis, Mello, & dezia,

porque Deos vos prouerà,

fe mais faberquereis, D'hum homem que teu'o cetrő

nas coftas deftelereis da vea marauilhosa


,

as iguarias queha naofoi confa duuidofa,


quefe lhe toruaua em-metro

Virao papel, que di 0


que hia adizer em profa.
z13 afsi.

Demivos quero apostar

Tendes nem migalha affada, quefaça coufas mais nouas

coufa nenhũa de molho, de quanto podeis cudar,

nadafeito em empada, efta cea quehe manjar ,

vento de tigellada , vosfaça na buca emi trouarč

picar no dente em remolho,


I'2
Mote
Obras de Luis de Camões.

¶ More , a Ioão Lopez A dona Francifca d'Ara

Leitão , fobre húa piça gão , mandaudandolhs

de cacha q elle mandʊu . citaregra que lha

a hũ da na na India , q fe glofaffe.

The fazia dōzella : o qual

João Lopez Leitão , he o MOTE.

que elle conuidou no Mas poré a qcuidados

banque atras..
Tanto mayores tormentos

Mote forao fempre os que fofri,


daquilo que cabe em mí,

Sevoffa dama vos da que nãofei que penfamentos


"
tulo quanto vos quifeftes,. Jasos para que nafci.
dizeipara que lhe destes. Quando vejo estemeu peito.

• que vos ellafezju?, aperigos arrifcalos,,

inclinado, bem fofpeito.

Sendoos restos inuidados : que a culadosfoufogeito,

& vos de tachas mil contos . Masporem a que cudados?:

fibeiscom quam poucos pótos .

que lhos a :haftes quebrados ?. Outra ao mefmo..

S: o que tem, iſſovos dâ,, Que vindes em ni buſcar ,

vas mui bem tho mere/çeftes, culados , quefou catiuo ?

porquefe a cacha lhe deftes, não tenho que vos dar

tubanolafettaja.. Je vindos a me matar,.


ja:
Obras de Luis de Camões. 147

jaha muito que não viuo . vem por taofuauès meor,

Se vindes porque me dais não ba que temerreceos,

tormentos defefperados, que val tum cudado meu

eu quesemprefuffri mass, por mil defcanfos albeos .

não digo que não venhais, Ter n'hus olhos tao fermofor

Masporem a que,culados? osjentidos enleuados,

bemfei que embaixoseftados .


Outra ao mesmo .
faocudadosperigofos,

Se aspenas que amor me den Masporem abque cadados.

Carta que Luis de Camões mandou a dona

Francifca de Aragao, com a glofa acima.

Shora.

Deixeime enterrar no efquecimento de v. m. crendo me

feria aßi maisfeguro: mas agora que heJeruida de me tor

nar a refufcitar, por moftrar feuspoderes , lembrolhe


:
que búavida trabalhofa be menos de agradecer que bus

morte defcanfada. Masfe esta vida que agora de nouo me

daforparama tornar a tomar,feruindoſe della¸não me

*fica mais que desejar, que poder acertar com este mote de

v.m. ao qual dei tres entendimentos, fegundo as pas

lanras dellepoderaofoffrer: Je forem bos,be

omote de v. m.fe maos, Jaõ as

glofas miales.
.....
T 3 Mote
TA Obras de Luis de Camões.

Mote que the mandou o como cudados não canfaõ.

ViforeinaIndia,pera lhe Seeftes cudados que digo


.
fazer húas voltas . diffem fima mi, afi,

Muitofou nieu encrnigo,, farido pazes comigo,


pois que não tiro de mi que por a vida em perigo,

cudadospom que nafci,. · obom foraparami..

poemavida emperigo
Redondilhas mandadas
axali quefora aßi..
ao Viforei , com o
Voltas proprias..
morcatras.
Viuer cufendo mortal
de cadadosredeado, Conde, cujo illuftre peito

parefcemelnatural, merefce nome de Rei

que a peçonha nãofaz mal: do qual muito certofei

a quemfoi nella criado. que lheficafendo eftreito

Tanto fou meu inimigo. • cargo deViforei

que por naōtirar de mi

Seruirdesvos de occuparme,
culados comque nafci» .

tanto contra meu planeta ,


porti a vida em perigo,

xala quefora aßi. naofeifenaoafas darme

có as quais vou a queimarme,

Tanto vim a accrefcentar- comofaz a borboleta.

cudados-que nunca amansão,

em quanto a vida durar; Efe eu apena tomar


que tão mal cortada tenho.
que canfojade cudar
fera
Obras de Luisde Camões
, 148

Jerapara celebrar s'eu niflopufeffe@pena,


rosso valorfingular, feria encerrar o mar
dino de mais alto engenho
em coua muito pequena.

Quefe o meu vos celebraffe, Bem basta fenhor que agora

neceffario meferia vosfiruais de me occupar,

qos olhos d'Aguia tomaße, que aßifareis aparar

para que nać cegaffe 4pena com que algúahora

nofol de voſſa valia. vos vereis ao ceo voar.

Voffos feitosfublimados, Asi vos ireilouuando,

nas armas dinos degloria, vos a mi do chao erguendo,

fao nomundo taofeados, ambos o mundo eſpantando,

que ens vos de vossos paffados vos co a efpada cortando,

je refufcita a memoria. euco apendeferemendo of

Pois aquelle animo eftranho, Glofas do Autor.

prontopara todo effeito,

efpanta todo o conceito, Mote albeo.M

como coraçaotamanho

vos pòde caber nopeito. Campos bemauenturados..

tornaiuos agora triftes,


A clemencia que aſſerena que os dias em que me vistes

coração taōfingular, alegre,jafaopaffados..


I4 Glofa
Obras de Luis de Camões.

Glofa. La me vistes ledo fer

mas defpois que o fallo amor

Camposcheos de prazer, tão trifte mefezviuer,

vos que estais reuerdefcendo ledosfolgo de vos ver;.

jame alegrei com vos ver », porque me dobreis a dor..

agora venho atemer, Efe eftegostofobejo,


I
que entrifteçais em me vendo. de minha dor me fentiftes,

E paisa vifta alegrais, julgai quanto mais defejo.

dos olhos defefperados, as oras, que vos não vejo ,

não quero que me vejais,. Que os dias em que me vistes

paraquefempre
fejais,

Campos bemanenturados….

tempo que he defigual,

defeccos verdes vostémy.

Poremfiporaccidente porque em voffo natural:

vos pefar de meu tormento , femula.omalpera obem,

Jaberris que amor confente : mas omeupara mòr mat.

que tudomedefcontente,, Sepreguntaisverdes prados,

fenão defcontentamento.. pellos tempos differentes,

Por iffo vos armoredos, que de amor meforão dados,

queja nosmeus olhos viftess tristes aquifaoprefentes,

mais alegrias que medos, Alegresja faopaffados..

femos quereisfazer ledos ,


Mote
tornainos agora trifles..
Obras de Luis de Camõer.
149
Mote alheo.
em vos hum conhecimento:

Pormalque o mal¨me trataſſe


Trabalbos defcanfarião:
tudopor bem tomaria,
fe para vos trabalhaffe,.
pofto que o corpo canfaffe
tempos triftespaffarião,
a alma defcanfaria,
fe algua bora vos lembrasse
fe para vos trabalhaffe

Glofa propria
Quem voffas cruczas jas

foffreo, a tudofepos ,.
Nunca oprazerfe conbefce:
costumado ficarà,
Jenão depois da tormenta;
& muito millorfera
tampouco o bempermanefce,
fe traballar para vos:
quefe adefcanfo florefce Tristezas el quecerian,
logoo trabalhoarrebenta.
posto que mal me tratârao ,
Sempre os besfe lograrião, annos naome lembrarião,,
mas os males tudo atalhão,
que como eftoutros paßarao

poremja queasi porfiao, tempos triſtes paſſariaō.


onde defcanfos trabalbao
trabalhos.defcanfario..
Sefoffegalardoado
efte trabalho tão duro ,

Qualquer trabalho mefora


nao viueramagoado,
por vosgran contentamento, mas não o foto paſſado,
nadafentiraſenbora,
comooferaofuturo?.
Levira difto algum bora:
De canfar nao canfariaj. V

Je
Obras deLais de Camões.

fe quifercis que canfaffe, De contente do meu mal

Cauar,morrer, falobia, a taogrande eftremo vim,

tudo emfimme efqueceria, que confinto em minhafim,


'

fe algňa bora vos lembraffe. aßi que vos & mais ex,

ambosfomos contra mí.


Mote alheo. Mas quefofra meutormento

fem querer maisgalardao,

Triftevidafe me ordena, naoleforaderazão,

pois quer voffa condição que queira meufoffrimento

que os males adais por pena, Pois quer vofa condiçao.

mefiquemporgalardaõ.

O mal que vos daispor bem,


Glofa propria. effe fenbora he mortal,
que o mal que dais come mal ,

Depois desempre foffrer em muito menos fetem,

Senhoravoffas cruezas, por coftume natural.

a pefar de meu querer, Mas porem nefta vittoria, j

e quereis fatisfazer que comigo be bem piquena,


's

meusferuiços com tristezas. amayor dor me condena

Mas pois embalde refifte


a pena que dais porgloria,
que voffa vistacondena, Que os males a daisporpena

preftes estoupera apena,


que degalardão tão triste
Que mòr bemepoffa virtu

Trifte vidafe me ordena. queferuiruos, não ofei


Pois
Obras de Lais de Camões
150

pois quemais quero eu pedir, porque vè mui claramentė

fe quanto mais vos feruir que pois nafcipara trifte,


tanto mais vos deuerei?
la não possofer contente.

Se voffos merefcimentos
de tao alta estima são, Por iffo contentamentos

affazdefauor me dao, fugi de quem vos defpreza,

em querer que meus tormētos ja fizoutrosfundamentos

Mefiquem porgalardaō- jafizfenbora a tristeza

de todos meus pensamentos, >


More alheo! O menos que lhe entreguei

La naapoffo fer contente foieftacaufadavida,.

tenbo defperança perdida, cuido que mifto acertzi,

ando perdido entre agente, porque de quanto efperci


nemouro,nemtenbu vida. Tenho a cfperançaperdida ·

Glofa propria Acabar de me perder

foraja muito melhor,

Depois que meu cruelfado, teuera fim efta dor,.

deftruiobua efperança,- que nãopodendo nòrſer

em quemevileuantado , cada vez afinto mor.


1
no malfiqueifem mudança, De vos defejo efcondern e

do bem defefperado. Gde mi principalmente,

O coração que iftofente onde ninguem poffa verme,

fus dor não refiite pois meganho emperderme


ando
Obras de Luis deCamões.

Andoperdido antr'a gente. mefalue.com cujofou

Eco esta defenfao,

Gostos de mudanças cheos, coquetudo vencerpoſſo,

naome bufqueis, nao vosgro, diz acaufa ao coraçao,

denhovos portão alheos, nãote em mijurdiçao,

que do bemque não espero, Amorte, pois quefou voffe

inda meficaōreceos.

Empenataofem medida, Por exprimentar bu dia

emtormentotao efquino, amorfem'achaua forte


,

que moura ninguem duuida, neftafee como dizia,

mas eufe mouro, oufeviuo, meconuidou co amorte,

Nem mouro, nem tenho vida. sòpor verfeatomaria .

Ecomo ellefeja acousa

Mote, & glofa do autor, onde eftâtodomeu be,


ahua dama que fe cha refpondille ( como que
maua Ana.
quer dizer mais, & não ouſa)

A mortepois quefou voffo, Naõ a quero, masſe vē,


Não na quero,masfe vem,
1
Adefer todo meubem. Não diffe mais porq entao

Glofa. entendeo quanto me toca,

Amor que em meu penfaméto fetinha dito , o não,


I
com tantafefefundou, muitas vezes diz a boca !

• me tem dado bum regimento, o que nega o coração .


I
que quandovir meu tormento Toda aconfa defendida
1
Obrasde Enis de Camões.
153:

em mais eſtima fe tem, Jobre vos pede pretende,

porißo be coufa fabida, como o doente quepede

que perder por vos a vidas o que mais fe lhe defende:

bade fer todo meu bem.. Eu que em aufentia não vejo,.

tenho piedade pejo,.


Mote alhco.. de me ver taopobre estar,

Fejoan'almapintada,. que então nao tenho que dar

quando ma pede o defejo,. quando mepede o defejo.


anatural que não vejo..

Como aquelle que cegos!


"

Glofa propria: be coufa vista & notoria,.

Se so no ver puranente“ que a natureza ordenou

me transformei no que vij . que fe lhe dobre em memoria



dé vista tao excellente· o que em vistallefaltou.

malpodereifer aufente, Aẞi a mique não rejo¸ .

em quanto onãofor de mi os olhos ao que defejo;

Porque a almanamorada : namemoria. nafirmeza,


me.concede a natureza
atraztão bemdebuxada,,
Camemoriatanto voa,. anatural que não vejo.

que fe anão vejo em peffoa,


Mote alheo.
Vejoan'alinapintada..

Odesejo quefe eftende Sem vos com meu cudado,

10
da que menos fe.concede. olhay com quem, & fem que.

Glofa
‫זין‬ Obras deLuis de Camões.

Glofa propria. Amor cujaprouidencia

foifempre que não erraffe,

Vendo amor que com vos ver porque n'alma vos leuaffe,

maisleuemente
foffria refpeitando o mal de aufencia.

asmales que mefazia, quis qem vos metrasformaſſe

-Evendome ir maltratado,
não mepòde iftofoffrer.
eu meu cudado sos
Conjuroufe com meufado,

hum nouo mal me ordenou , prouco miffo d'atentado,

ambos me leuasforçado por não me aufentar devos,

Sem vos, &com meu cudado.


naofci onde, pois que vou
10
Semvos, commeu.cudado.

Mas eft'alma qu'eu trazia !

Naofeiqualbemais eftranho porque vos nella morais,

destes dous males que figo, deixamecego & femguia,

que hapor melbor companbie


fe não vos ver, fe comigo

leuar imigo tamanho, ficaronde vosficais.nantia

Aßime vou de meubem


O quefica & o que vem

hum me mata, outro defejo, onde quer aforte estrella,

com talmal, fem tal bem, fem a alma que em fivos tem

em tais eftremos me vejo, co maldevinerfem ella,

olhai com quem, &fem quem. Olbai com quem, &femques

Outrafua,ao meſmo : More albeo.O

motc. San ventura lepordemais

Glofa
Obras de Luis de Camões
.
ISE

Glofa propria. . Efeatalestado vim

:
guiado de minha estrella,,
Todo o trabalhado bem quando ouuerdos dò de mi

prometegoftofofrutto, minha vida daithe afim

mas os trabalhos que vemminkʼalma lembrainos della.

para quem dita não tem,

Dalem pouco, & cufluo muito. Outro more alheo.

Rompem todaapedradura, Tudopode bia offeição.

fazosbomes immortais,

otrabalha quando atura, vá Glofaproprial dan ba

mas querer açbar ventura Tem taljurdiçaò amors,

fem kenturabe por demais.. w'alma dondese aposentas

de quefefaz fenbor

More.allco que aliberta ifenta›


de todo o humano temor

Wink alnus lembraiuos della.. Ecom mus jufta razão

comofenhorſoberano,,

Clola propria que amor não confente däro”,

&poismeſoffre tenggo

Lois o vernos tenho em mais gritareipor defengano,...

que mil vidas que me deis, Tudopòdebúa affeiça ..


aẞicomo aqueme dais

meu bem ja que mo negais: Troua de Bofcão)

meus olhos nao mos negugis luftafue miperdicion,


327 Obras de Luis de Camões.

• refifto,
de mis malles foy contento, y no lo confiento,

ya no esperogalardon, masfi me lo toma a trueco

puesvueftro merefcimiento De mis malesfoy contento .

Jatisfizo a mi
paßion.

Señora ved lo que ordena

Glofa propria. este amor tanfalfo nueftroj \

Despues que amor meformò porpagar a cofta agena

todo de amor qual me veo, mandag de vn mirar vueftra

culasleyes que me dio, hagaelpremio de mi pena.

el mirar me confentio, ) Mas vospara que veais

y defeudiome el deffeo. tan engañosa tencion,


Mas el alma como injuste, aunque muerto mefintais",\

enviendo talperficion, no mireis,quefi mirais

dio al deffeo occafion, Ya no efperogalarda

Ypues quebrè leytanjufta


·
Luftafue miperdicion. Pues que premio( me dire

efperas quefera bueno,

Mostrandofeme el amor fabedfi nolofabeis


273.5 que es lo mas delo quepeno
mas benigno que cruel,

Sobre tyranno traydor, to menos que merefceis .


de celos de mi dolor Quien haze al mal tanvfand

quilo tomar parte enel. y tan libre alfentimiento?


Yo que tan dulce tormento el deffeo? "o, ques vand,

no quiero dallo aunque pecco, el amor? no ques tyranno,


Pues
I

Obras de Luis de Camões.


153
Pues?vueftro merefcimiento. indo en onde elles vão,

por mi sò quifeffeis ler.


No pudiedo amor robarme

de mis tan charos defpojos ,

aunquefuepor mas hōrarme, Depois de ver hum cudado


vosfolapara matarme
tão contente defeu mal,
Leprefiaftes vueftros ojes . verieis o natural
Mataronme ambos a dos,
do que aquivedespintado
mas a vos con mas razen
que operfeito
deue el lafatisfacion, amor de quefoufogeito,

que a mí,por ely for vos, Vereis afpero cruel,

Satisfizo mipaßion. aqui com tinta papel,

em micofangue nopeito.
Trouas a hua dama que

The mandou pedir algúas


obras fuas. Que hum contino imaginar

naquillo que amor ordena,.


Senhorafe eu alcançaffe he pena que cmifim por pena
no tempo que ler quereis, Je nãopode declarar,
que a dita dos meus papeis quefe enleuo

polla minhafe trocaffe, dentro n'alma quanto deuò,


Opor ver de trasladar empapeis,
A
tudo o que poffo efcreuer vede qual mellor lereis,
I
em mais breue relação,
fe a mi,
feaquilo que efcrenor
$ Ꮴ Atua
1
Obras de Luis de Camões.

A hu Dama com quem por fer men

queria audar da fe outrem vos dera o fen

mores. podeferforeismaisfua.

Menina tende maneira


Mote.

que ainda não venha afer


Mininafermofa, & cruc
pois não quereis quevos quer
bem jey eu
quem deixàra deferſeu ¶queirais que vos não queira

o lhay não mefejais crua


fevos quizereis ferfua..
Volta: quepois.eu..
querofer voffe, & não meu,
Minina mais que naydada

fa para me querer bem fede vosminha nãofua.

vos não vejo ter vontade,

teporque outrem vola tem Mote a hua dama que,


eltaua doente.
tempola fazvola crua,

prorem eu
Da doença , em que ardeis,
} įtamira nãofer meu --
eufora voffa mezinba
fe vosnãoforeis tãofua..
foo com vosfer des a minha.

Nos olhos & nafeição » ,


vos vi quando vos olhaua, He muito para notar.“
curatão bem acertada::
tantagraça que vos daus

quepodereisfer curada
degraçae o coração,
Lomente comme curar
nãono quifestes de cruaj
Le que
Obras deLuis de Camõesor
F54
fe quereis damatrocar então vendo a differença, i

ambos temos a mozinha, que ha de vos a toda agente,


eua voffa, & vos a minha. mandou quefoßeis doente,

paragloria da doença.
Olbay que não quer amor,

(porquefiquemos iguais ) E digovos de verdade,

pois meu ardor não curais, que afaude anda enuejofà

que fe curevio ar dors por ver estar tãofermosa


A
cu cafinto a voffa dor, em vos efsa infimidade.

fevosfintis a minha, Nãofaçaes logo de tença

day & turray a mezinha. fenhora emeftar doente

porque adoecera agente


Outro a outra damā com defejos da doença.
eftauatábem doente.

Deufenhorapor Sentença Que euperterfermofa dama

amor quefoßsersdoente, adoença que em vos veja

parafazerdes aagente vos com fello que defejo.

doce &fermofa a doença. de cair comvofco em cama

Se confentis que me vença

Não fabendo amor curar efte mal, não ouucgente

foy a doençafazer dafaude tão contente

como euferey da doença


formosaparafever,

doceparafepafsar
1 2 Elan
Obras de Luis de Camões.

Eftancias , a outra dama fao meus males.de forte


doente. que vos ameaça a morte,

porque me negais a vida,


Olhai que durafentença,. Seporboa

foi amor dar contra mí, taljustiça fepregos,

queporque em vos me perdi , quandodefta fortefor


em vos mè buſca a doenças. auei vos perdão d'amor,.

claro eftâ
que a parteja vos perdoa.
que em vos so me achard,

que em mi,fe mevem buscar, Mas o quemais temo emfim


nãopoderâ mais achar he que nesta differença.

que a forma do quefuija.. que se não torne a doença,

Je me não tornais ami

Quefe em vos amorfepos, de verdade.


Senhoraheforçado aßi,. น
queja bola bumanidade:

que a mal que me bufca a mi,, de quefe queixe não tem ,,

que vosfaça mal a vosy, pois para as almas tambem

fem mintir,, fez amor infirmidade..

amor me quis deftruir,,

por modo nunca cudado, húa dama que eltau


pois vosba deferforçado . veltida de dó..

pefaruosde vosferuir..

De atormentado & perdido,

Masfois tão defconbefcida , javos nãopeça senão b


que
Obras de Louis de Camões. iss

que tenkais no coração Je foy daflama tocado :

o que tendes no vestido. foyporquefinta o quefaz

Se de dò veftida andais Bemfey que amorfe lhe rende

por quemja vida nãotem, porem o feuprofepofto

porque não no aueis de quem foyfentir o voffo rosto,

Vos tantas vezes matais , o que nas almas affende.

que bradofem fer ouuido

& nunca vejosenão Ahua molher q foy allow

cruezas no coraçamı , tada por hum homé que

chamauam foão Corel


grande dòdo vestido.
ma na India.

Outro a dona Guiomar


Não estejais agramada
de Blasfe , queinan , fenam fe for de vos mesm
dofe com húa vella
porque a molker qbe errada
no rolto.
com rezam pella core/ma

deue fer defiprinada .


Amor que todos offende Quererdesprofano amor
ceuefenhora porgofte em corefma he confcrnua,
que fentiffe a valoirofto
affoutes,& penitencia
• que nas almas afcende. vos eftà muito millor.

Aquelle rofto que tras


Namfiqueis difto afrontada
● undo todo abrafado
V 3 pus
Obras de Luis de Camões
.

Pois a culpabe woffa mesma nas ancas do prometer,


que molhir q betam malnada

be bem que pella corefma Eja que Dolla merce

fija bem defciprinada largeza tem por disifa

coma todumundove

Se apenitenciados Dub ha miſter que tanto dě

muy bemaſſoutada eſtais que venha dar a camifa.

pois por corefmapagais


More a húa dama q lhe
HoffesDiços docarnak chamou diabo , por nos

Nam sorneis afer errada


me foã dos Anjos .

nem éondeneis a vos mesma

pois eftaisja emendada, Senborapois me shamais

namfereisporcore
/ma tamſcm rezão tão mao nome,
inda odiabo vos tome.
autranezdefiprinadas

Efparfa a hum fidalgo na Quem quer que dio, ou q·lo,

India que lhe tardaua co terapor nouo, & moderno


… hứa camifa galante ,
ter quem viue no inferno
que the pormeteo.. openfamento no ceo.

Mas fe a vos vos parcooo

Quem no mundo quiferfer que me eftaua bem sal nome


":

auido por fingular iffe diabo nos tome..

paramaisfe engrandefcer

ade trazerfempre a dar Perdido mais que ninguem •


104
COM
Obras deLuis de Camões. iss

Confefio fenborafer
maso diabo nam quer Mote alheo.

aos Anjos tamanho bem,

pois logo nam me conuem, Caterina bempromete


eramacomo ella mente.
ouje me conuem tal noute

ferapcraque vostome.

Voltas propias

Se vos benzeis com cautella

como Danjo , & não de luz, Caterina he mai‹fermoſa

malpodefugir da Cruz para mim que a luz do dia

quem vos tendes pofto nella mas mais fermofaferia

masja quefoy minha estrella, fenam foßße mentirofa,

fer diabo, ter tal nome oje a vejopiadofa,

guardayuos que vos nãtome , a men'am tam diferentë

quefempre cudo que mente?

La que cheagis tanto ao cabo Caterina me mentio

com as mãospoftas aos ceos, muitas vezesfem ter ley

vonfemprepedindo a Deos mas todas lheperdoey

que vos leue efte diabo , por buafoo quecumprio,

Je como meconfentio
eufenhora namintgabo,
maspois que me dais tal nome falar omiasme confenta,

tomoopara que vos tome. nunca mais direy que montéed


V4 Ma
Obrasde Luis de Camões.

Pormeteome ontem de vie


Ma mintir ofa maluada

dizeypara que mentis, nunca mais aparece

pormeteis,& nam cumpris creo que namprometeon

poisfem coprir tado be nada, fenam fo por me mentir

namfois bem aconfelbadu


. fuzmeem fimchorar , rir,
que quemprometefe mente: rio quando me promete,

• queperdenim nofente. mas choro quando me mente..

Iuraume aquella cadella. Mas poisfolgais de mentir

de vir,pella alma que tinha pormetendo de me ver


enganouinetem a minha. euvos deixo o pormcter

dalbe pouco deperdella,. deixayme vos o comprim

avidagaſto apos ella. a.veis entam defentir

porque ma dajepormete„ quantofica mais contente:


mas tirama quando mente..
o que cumpre , qo que mentes ,

Labarinto do autorquci

Tudo vos confetiria xandofe do mundo.

quanto quifefleisfazen

feeffevoffopormeter
Correfem vella, & fem limes
folle permeter bun dia, otempo defordenado
todo então me desfaria. dhum grandevento leuade

conuofco , & vos de contente 747-3


o queperigo nam teme:
zambaries de quem mentes.
be depouco efprementadastros
AS
Obras de Luis de Cambes. 157
.
Asredeas trazem na mão com esta fimulação
osque redeas nam tiuerão fempre caftigos tiucram

vendo quanto malfizeram Nam porque gouerne o leme


acubiça , ambiçam em mar emuolto, turbado

disfraçados fe acolherão . que temfeu remo mudado

Anao quefe vayperder Je merece grita, geme

distrue mil efperanças,


em tempo defordenado ,
vejo o mao que vem a ter

vejo perigos correr Teremjuftogalardão

quem não cuda qha mudaças ? dor dos que merecera


Sempre castigos tiueram
Os que nuca emfella andarão
fem nenua redempção
nafella postosfe vem ,
pofto quefe detiueram!
defazer mal não deixaram,
Natormentafe vier
de demonios habito tem
defefpere nabonança,
as que ojusto profunarão ..
quem manhas namfabe ter
Quepoderá vir afer
fem que lhe valla gener
omal nunca refreado,.
vera falçar a balança,
andaporforto enganado.
aquelle que quer valer,
Os que nunca trabalharam
leuando o caminho erado.
tendo o que lhe nam conuem,

Hepera os bos confiança fe ao innocete enganaram

ver que os maos perualecera, perderão o eterno bem,

posto quefe detinera Je do maluamfe apartaram.


Abo
Obras de Luis de Camões.

A hum feu amigo a qué Voltas.

não podia encótrar. Os priuilegios que os Reis


· nampodě dar, pode amor

Mote. que fazqualquer amador

liure das bumanas leis,

Qualtera culpa de nos mortes, &guerras , crucis,

nefte mal que todo be meu ferrefrio,fogo, ncue.


quando vindes não vou eu tudofofre quem o ferue.
quando vou nam vindes vos.

Moçafermofa defprefa

Reinado amor emdouspeitos todo ofrio . toda a dor

trffe tantasfalcidades, olhay quanto pòde amor


que de conformes vontades
. mais quea propria natureza?

fazdefconformes, feitos medo nemdelicadeza

Igualmente viucem nos , The empede que paffe a neue,


"

mas por defconcerto fes aßifaz quem amorferue.

Dos leua fe venho eu,


1
meleuafe vindes vos. Por mais trabalhos que leue

a tudofe offreceria,

paffapella neuefria
Mote feu. mais alua que apropria newe

com todo ofriofe atreue,

Descalça vaypolla neue, vede em quefogo ferue


-
Bifaz quem amor ferue otrifle que o amorfiruct
otra
Obras de Luisde Camões, 158
Outro alheo.
de mifoofeja chora da,

de ninguem fejafentida,

Ador que a minha almafente ou me mate,on me de vida,

não na fabe toda agente. onviua trifte.ou contente

não malayba toda agente


Voltas propias!

Que eftranto cafo de amor, Otro feu.

e defejado tramento

que venho afer auarenta Dalma, & de quanto tiner

das dores de minha dor queró que me defpojeis,

por me nam tratarpior com tanto que me dexeis

fe fefubeyoufefe fente, os olhos pera vos ver.

na na digo a toda a gente-

Volta
Minha dor,& a caufa della

de ninguem a oufofiar

queferia auenturar Coufa efte corpo nam tem

aperderme , ou aperdella, quejá não tenhais rendida

poisfoo com padeffella depois de tirarlhe a vida,


aminhaalma efta contente, tiraylhe a morte tambem:

nãoquero qo fayba ageute.. fe mais tenho que perder


mais quero que me leucis,

Ande no peito efcondida com tanto que me deixeiss

dentroualna fepultada, asolhos peravos ver.


mothe
Obras de Luis de Camões.
Mote alhep. mas amorfoy tam madraçı

que lhe cortou obaraço.

Amores de búa cafade Voltas.


que eudipollo meu mal….
foy a'efperançajulgada

porfentença da ventura,
Voltas propias.
quepois me teue apindura

Núa cafada fuypor quefoffe depindurada,

os olhos defifenbores, vem Cupidocoa efpads

cuidey quefoffem amores cortalheferçeo o baraço,

elles fizeraōfe amor, Cupido fofte madraço.

falle o desejo mayor


donde oremedio nam val Outro feu.

emperigo de usesmal. Pus o coração nos olhos

os olhospus no chão

Nam me pareceo que amor porvingar o coração,

podeffe tanto comigo Volta.


que dode entrapor amigo
O coraçam enuejofo
fe leuanteporfenhor, como dos olhos andand
leuame de dor em dor
Sempre remoques me danà
e de final em final,
que nam era o meu mimoſ
cadavezpera mòr mal.
venho eudepiad fo .
Outro feu .
dofenhor meu coraçam

Enforquey minha esperança boto os meos olhos no chies


otre
Obras de Luisde Camões. 159
Outro feu ..
emfuaues molhos,

que para meus olhos .

Fus meus olhos n'buafunda, foffe mais fermofa


fizhumtiro com ella,

as grades de búajanella.. Nemno ceo estrellas

nem no campo flores


Voltas.
meparefcem bellas,
Hüa dama de maluada,. como os meus amores

tomoufeus olhos na mao, roftofingular,


tiroume huapedrada. olbos foffegados,
com elles ao coração, pretos.& canfadoss
armei minhafunda entao mas não de mattar.

pusos meus ollos nella,.

trape,quebrolla janella- Huagraçavina


nelles the mord
que
Endechas, A húa catiua paraferfenhoras

com que andaua d'amo- de quem be cattiua

res na India , chama-


7 pretos os cabellos,.
da Barbora. onde o pouovao

Aquella cattina perde opinião


que metem cattiuo,. que os louros
faa belloss

porquenella viuo.

janão quer que viua , Pretidão de amor

eununcavirofa tao doce a figura,

quee
Obras de Luis de Camics.

näö vi em meus annos


que aneue lhejura

que trocâra a cor. homeque apan¹affe

Leda manfidao • quefemeafse.


j que ofifo a companha,

Viterra florida
bem pareffe eftranha
mas barbora nao. de lindos abrolhos,

lindespara os olhos

PresençaSerena duros para a vida


que a trommenta amanfa mas a Resperdida
nella emfim defcanfa
que tal eruapaffe
toda amiuba pena.
em fortehora nafce.
Eftake acatius
que me tem catiuo
Con quanto perdi

pais nella vino trabalhaua em vao

Leforça que vius. Jefemeeygrao


Chiftc.
grande dor colly,

Quem orafoubeſſe amor nunca vy


onde o amor nafce
que muito duraffe

que ofe me afse. quenao magoaffe

Damor &feus danos Alhco.

me fiz laurador,

fe meaua amor Se meleuco agoas


collia enganos, nos olhos as leno.
!

proprias

I
Obras de Luisde Camões,
[164
doces me parecem.
Propias Correy doces agoas

quefe em vos me cnlen


Se defaudade. nao doem as magoas.
morrerey ounão
que nopeito leuo?
meus olhos diraa.

de mim a verdade..
Outra alheo
Por elles me atreuo

alcanfar as agoas
Minina dos olhos verdes
que mostrem as magoas
porque me naovedes?
que nesta alma leuo..

Propias
As agoas que em va☎o

mefazem chorar
Elles verdesfas
fe ellasfao do mar
& tempor vfançai
eftas do marfao.
na cor esperança.
Por ellas releuo
nas obras naõ
todas minhas magoas
α
volla condiçao
quefeforça d'agoas naobe dolhos verdess
meleuzõ, eu as leuo.
porque menaovedes

Todas me entristecem,,
Infenções a molhos
todasfaofalgadas,
que elles dizem terder
porem as choradas.
naofaō d'olhos verdes :.

nema
1
Obras de Luis de Camões.

mem deverdes olhos, que hefer defamado.

firuo degiolbos, Voltas proprias .


vosnão me credes,
Se trocar desejo
porque me não vedes?
o amor entre nòs,

Aulão defer bepara que em vos

porque
poffa vellos, vejais o que vejo,

quehus olhos tao bellos fendo trocado,

nãofehio d'efconder, efte amorcomigo,

masfazeisme.crer fervosha castigo,


terdesmeu cudado.
queja nãofao verdes,

porqueme nao vedes.


Tendes ofentido

Verdes não ofao d'amorliure, ifento, ¦

noquealcanço delles, cudais que he vento

verdesfao aquelles fer tao mal querido,

que esperança dao, nãofeja o cudado

Jenacondição tao voffo inimigo,

aftaferem verdes, que quero operigo


porque me naovedes? deferdefamado.

Outro alheo! Mas nuncafoital

efte meu querer,


Trocai o cadado
que quem tanto quer
Jenboracomigo,
queira tanto mal,
vereis operigo

I
ObrasdeLis de Camões. 161

Jeja en maltratado, Ver, defender

nunca o castigo muito bomferia,

vos mostred perigo mas quem poderias

que lefer defamado


Alheo.

Outra à tençam de Mi Depiquer a tomey amor

raguarda . porque o nam entendi,

agora que o conheci

Ver, mais guardar matame com disfauors .


de ver outro dia

quem acabaria? Voltas propias.

Alindefa voffa, n Vio moço, pequinine

dama quem a vè & a mesma idade enfina

impofiuelhe quefe encline hua minina,

as moftras de hum minino.


queguardarfe poffa
Ouuilhe chamar amor
fefaztanta moffa ,

Veruos bumfoo dia pello nome me venci

quemfe guardarias uunca tal engano vi,

nem tamanho defamor

Milhor deue fer

nefte aventurar, Crefeume de dia em dia

ver, namguard. com a idade a affeição,

queguardar de vers porque amor de criação


X nalme
Obras de Luis de Camões.

alma ena vidafe cria, quem entender estador.


criofe em min este amor

fenboreonfe de mim,
Cantiga velha
agora que o conheci

matame com disfauor. Apartaraffe os meus olhos


de mim tau longe,

falfos amores

Asflores me torna abrollas, falfos mos enganadores


amorte meditrimina

quem cu troxe de menina

nas meninas dos meus olhos .


Voltas propias

deftamagoa & desta dor

tenho fabido em fil , Tratardome con cantella

por amor meperco a mim, por me enganar mais azinho

porque de mimperde o amor deillepoffe da alina minha


forãomefogir com ella.

Não ba vellos, nem ha vella

Parecefercafo eftranho de mi tão longe

• que amor en mim ordena, fallos amores.

que emjdade tão pequena falfosmaos enganadores


aja tormento tamanho.

Sejão milagres de amor, Entregueilhe a liberdadez


ey os de fofrer afsi, em fim da vida o melbon

que aja do de mumS


foraōfe, & do defamor

fizerão
Obras de Luisde Camões, 167

fizerão necifidade, para enganar inocencias

quem teue afua vontade piadofas aparencias


de mim tan longe
Sobrey zento coraçao:
fallos amores eu vos amo , & vos ingrato
erão crucis matadores,
onagoaifme ,

dizendo que eu vos mate

Nãofe pos terra nem mar vos mataisme.

entre vos queforaō em vao,

poſſe voßsa condição, Vede agora qualde nos

qui tao doçe he de paffar anda maisperto dofim

Joo ella vos quis leuar que ajustiçafazſe em min

de mimtao longe opregão dizquefois vos

quando mais verdade trate


falfos amores,
xala que enganadores. leuantaifme

que vos defamo & vos mat

Outra cantiga velha. vos mataifme

Falfo canaleiro ingrato

erganaifme:

› dizeis que eu vos mato , Proprio

¿ vos ataifme.
Se de meu mal me contento,

Voltas propias. hepor quepara vos vejo

em todo o mundo defėjo


cmningem mericimento :
Coumadas artesfao
X. Voltas
Obras de Luis de Camões...
, ོ ;

Voltas propias. Ouro azulbe a milher

cor porque agentefe perdes:


Para quem vos foube olhar
mas agraça deffe verde
tam impofiuel foyfer
tira agraça a toda acorr
poderuos merecer,
fica agorafendo aflor
como o nam vos defejar..
a cor que nos olhos tendes,
Pois logo a meu penfamento porquefam voffos, & verdes
1.
nenhnu remedio lhe vejo,

Je nam fe der odefejo


Qtro mote alhco
afas ao merifcimento

Otro alheo
Para que me dan tormenta

aprouechando tum poco.


Vosfenhora tudo tendes
perdado mas notam loco
Jenáo átedes, os olhos verdes.
que difcubra lo quefiento

Voltas propias

Voltas propias
Dotou em vos natureza
.

•Jumo da perfeiçam, Tiempo perdido es aquel

que o que em vos lefenam, quefepaffa en darme affan


pues quanto mas melo dan
he qe outras gentileza:··

overdenam fe defpreza, tanto menosfiento del;

que agora que vos o tendes,. que defcubra lo que fientos:

Jam bellos os olhos verdes , no lohare que no es tan por


que
Obras de Luis de Camões. 163

que nopuedefer tan loco Porque quandomiro en ellas,

quien tiene talpensamiento de como alumbran al cielo

nofe queferan nel cielo.

·Sepan que me manda amor, mas fe que a ca fon estrellas


que de tan dulce querella,

a nadie dè parte della , Nifepuede prefumir,


porque lafienta mayor, que el ciclofubanfeñora
estan dulcemi tormiento
•que la lumbre que envos mor

que aunfemantoja poco: no tiene mas quefubir,


yfi es mucho quedo loco mas pienso que dan querellar

degusto de lo quefiento. a Dios nel octauo cielo,

porquefon a ca en elfuelo,
Otro mote alhco.
dos tan hermofas eftrellas.

Devueftros ojosfentellas, Otro alheo

que enfienden pechos deyello

Jubenpor el ayre al cielo De dentro tengo mi mal

Jen llegandofon eftrelles que defora no ayfinal


Jeñal

Voltas propias. Voltas propias.

Falfosloores os dan Minueuay dulce querella,

que effasfentellas tan raras, es inuifible a la gente,

nofon nel cielo mas claras, el alma fola lafiente,

que en los ojos donde eftan que el cuerpo no es dino della


X3 como
Obras de Luis de Camões.

como la viuafentella I tan contrario viuiendo

Se encubre enelpedernal alfin alfin confirmamɔs ,

de dentro tengo mi mal . pues ambos ados bufcamos

lo que mas nos valuyendo


Otro mote alheo .
voy tras vosfiemprefiguiedo,

y vos buyendo por otro

Amor loco, amor loco, andais-loca, y me hazeis loco,

yopor vos,y vos por otro.


Chifte.
Voltas proprias .
Diome amortormentos dos

para quepene doblado Irme quiero madre

vno es verme defamado aquella galera,.


con el marinero
otro es manfilla de vos;

ved que ordena amor en nos, afer marinera..

porqueme vos bazeis tôco


Voltas propias
que feais locapor otro.

Madrefi mefucre
Tratais amor de manera do quiera que vò

queporque asi me tratais no lo quieroyo

quiere que pues no me amais quel amor lo quiere,

que amais otroquo os quiera a quel ninho fiero

mas con todo fino os viera baze que me muera,

de todoloca por otro por vn marinero,

con mas razonfuera loco, afer marinera.


et
Obras de Luisde Camões, 16A

El que todopuede veayo quien quiero,

madre nopodrà fea marinera.


pues el alma vá
Outra cantiga velha,
que el cuerpofe quede,

con el por quien muera

boyporque no muera
Saudade minha
que fies marinero

fere marinera. quando vos veria!

Es tirana ley,
Voltapropia.
del niñofenbor

que por un amor


Efte tempo vam
Je defecte vn Rey
eftavida efcaffa
pues defta manera
paratodospalla
quiereyo me quiero
foopara miin nam
> por vn marinero
os diasfe vam
bazer marinera.
Jen ver efte dia

quandovos vería?

Difid ondas quando

viftes vos donzella,


Vede esta mudança
fiendo tiernay bella,
feeftà bem perdida,
andar navegando
emtam curtavida.SLIST
masno se efpera

daquel ninhofiero, tam longa efperança, ..

X4 feefts
Obras de Luis de Camões.

ifto nam he vida


fe efte bemfe alcança,

tudofefreria, parafe fofrer.

quando vos viria..


Voltas propias.

Quando vos en via


Sandofa dor
eu bem vos entendo
effe bem lograua

mas nam me deffendo , a vida eftimaua,

porque offendo amer mais então vivia,

Je foffeis mayor porque vosferuia,,

em mayor valia . Joopara vos ver,.

vɔs nam vejo ,


ja que vos
vos estimaria..
para que he viuer..

Minhafaudade:

caro penhor meu , Viuo fem rezão

a quem direy eu porque em minha dor

tamanha verdade · nam a pus amor··

na minha vontade que enumiguosfam :

de noite, & de dia . muy grande treyçamŋ,

Sempre vos teria.. me obriga afazer

que viuafenbora

Qutra alhea.. Jem vospoder ver..

Vida da minhalma : nam me atreuoja·

nam vos poffover,. aninha tam querida,


achrè.
Obras de Luisde Camõer: 165

chamaruos vida. nunca podemfer guais;


que inda que eftes la maltrate
porque a tenko má,.
elles ca maltratam mais.
ningem cuidara

que isto pode fer


Poremja que amor confente
fendome vos vidas.
empiques tam difiguais, i
nam poder viuer..
onde vosfois mais valente:
Trouas que mandou cō .
eufenhorafoucontente
hum papel dalfenetes a
- do que vos contentar mais
húa dama ,

Venham os alfinetes cas.


Effes alfinetes vam :
deffes olhos porque affertem
avos picaremnam mais,,
donde acertoja namhaj,
Looporquejulgueis então,
porem os meus que vam las
o como mepicarams '
Loo quero que vos apertem
oscom que vos mepicaiss

Mas os que defas eftrellas Edeixando o mais paffadog ,

fazy queste papeljeja


vem,tempontas tam agudas,
pregado digo empregado
qem que estoutros vão cō ellas .
porque dofeu gafellado
podem vos darpicadellas,
eu mesmo lhe tenho enueja.-
mas os voffe's damferidas,.

Efe elles em vosfepregão»„


Aẞi quefe bem notais,
ne como ambos debatem porforça os exde enuejar
não
Obras de Latis de Camões.
Otra
mamfo porq bemfe empregaõ
Poẞible es a mi cudado
masporquefenbora chega

ondeeu uam poffo chegar.poderme hazer fatisfecho,


fifueraposible albado

hazer no echo lo echo


Lavam, laficaram

a don le coutinuamente y futuro lopaffado.

apar defi vos teram, Sioluido pudiera auer,

fuera remediofufrible
enfim la vospicaram,
eucapicarey no dente.· mas ya que no puedefer

para contento me hazer,

Mote alheo. codo es poco lopofible.

Todo espoco lopofible.

Glofa propia. Mote alheo.

Ved que engaños feñorea


Vede bemfe nos meus dias
nueftrojuyzio tan loco,

quepor mucho quefe crea os defgostos vi fobejos,

todo elbien que fe defea pois tenho medo a defejos

∞ quero mal à alegrias.


alcançado quedapoco

vabien de qual quieragrado


Voltas propias
fede averfe esimpofible,

queda mucho defeado, Se defejosfuy ja ter,

maspara mucho alcanfado, feruiram de atormentarme,

Todo espoco lo pofsible efe algum bempode alegrarme


quifme
Obras de Luis de Camõest ίσσ

quifme antes entristecer Senhora pois minha vida

paffey annos paffey dias, tendes em voffo poder

em defgoftos tamfobejos, porferdes dellafiruida,

quefoo por não ter defejos, não queiraes que deftruyda

perderey mil allegria. poffafer

Volta.
Motefcu!
Isto nam por mepefar
Pois he mais voffo que men
de morrerfevos quiferes
Lenhora meu coração
que milhor mebe a cabar
euvosso captiuofam
mil vezes quefoportar ·
meus olhos lembreuos eut
os males que mefizerdes,

masfooporferdesfiruida ·
Volta
de mi em quanto viuer,
Dospelo quemiuba vida
Lembremos minha trifleza .
não queirais que diſtruyda .
queja mais nunca me deixa
poffafer.
lembreuos com quanta queixa
Outrofeu ahua dama

Le queixa minha fi meza.


lembreuos que nambe meu Pois mefaz danno olharuon

efte triſte coraçam não quero por não querermos

pus ba tanta rezão que ninguem me veja veruos


meus olboo lembrenos eu. Volta.

De veruos a nam vas ver

Otro mote fen ba dous eftremos mortais,,

tw ...
Obras de Luis de Camões.

Efam elles emfi tais


¡ mas emjura de molher

que hum por bu mefaz morrer quem crerâ ,fellas não crem,

mas antes quero escolher não poẞo não crer a Helena.


que poffa viuerfem veruos a Maria, nem loana,

ninbalma por nãoperderuos, mas nafey qual mais mégana.

Deftetamanho perigo, Huafafme juramentos

que remediopoffoter? quefoo meu amor estima,

Weviuofoo.com vos ver a outra diz que fefina,

fevos nam vejo perigo, Ioana quebebe oveetos,

quero acabar comiguo fe cudo quemente Helena,

que ninguem me veja veruos, tambem mintirà loana,

fenhorapor namperderuos. mas quem.mente não engana,

Mote a tres damnas que Otrofeu a húa dama mal

The diziam que o empregada.


amauão,

Nãofeyfeme engana Helena Minina namfey dizer

fe Mariafe loana, vendouos tam acabada,

mãofey qualdellas mengana? quam trifte eftou por vosver

Volta. fermofa, mal empregada.

Voltas.
Hüadiz que me quer bem,

outrajura que me quer, Quem tao mal vos empregon,


pouce
Obras de Luis de Camões: D
167
pouco de mise dobia eſte meu coração mendez.
pois nam vio quanto me hias
Volta
em tirarme o que tiron ,

obriga o primor que tem.


Eusou boa testemunha
lindefa tameftremada ,,
que amor tem por confa ma
que digam quantos a vem que olhos quefam homesja
fermofa , mal empregada
fe nomeyem fem alcunha

pois o coração apunha,


Tomates dafermofura
& diz olhospois vos tendes
quanto della defejastes,.
chamayme coraçam hendes
com ella me guardaftes;

paratam trifteventura , ´ Outrofei


70%
mataueis fendofolteyras

matais agora em cafadas;


De que mefernefugir
matais de toda a maneyraz
de morte , dor, G perigor

fermofa,& mal empregada.


Je me eu leuo comigo ?
Voltas.

Otro a húa foã Gon Tenhomeperfuadido

çalues . por rezão conueniente ,

que nãopeffo for contente


Mote
pois quepudefer nacido

andafempre tam vnido


Com vofforolhosgonçaluess omeu tormento comigo
Enbora captiuo tendes
que eu mesmo feu meu perigg

Efe
¿,

Obras de Luis de Camões.

Efe de mi me liuraffe diz logode muitofengo


villas & caftilhos tengo,
menbumgosto meferia
que namjendo eunam teria todos a mi mandarfone.

mal que effe bemmetiraffe, então eu que estou de malbo,

com alagrimano olbe,


força be logo que aßi paffe

ou com defgofto comigo, pelo virar do en vez,

oufem gofto,& fem perigo. digolbe tu infanus es,


por iffo nãototolbo

Disbarates feus na Pois bonra porucito

India. não cabě numfaco.

Efte mundo es el camino

ado ay dozientos vaos Vereis his, que nofeufeye

por onde roins ,bons, & maos cudãoque trazem Paris,

todosfomos del mirino &querem con dousfeitis

mas os maosfaõ de teor fender a anca pello meyo.


1
vereis mancebinhos darte
que des q mudão a cor

chamão logo al Rey copadre com efpada emtalabarte

emfim dexaldos mimadre não ha maisytaliano :


a este direis meu mano
quefempre tem hufabor.

De quem torto nace tarde vosfoisgalante quefarte.

Maspan vino anda el


feendireyta..
camino,que no muço

Deixay abum quefea bone, garrido.


Outros
Obras de Luis de Camões.
168
Outros em cada treatro
Asbareis rafeyro velho
por officio the omuireis
que fe quer venderporgalge
quefe matarancontres diz o dinheirobe fidalgo,
lo mismo haran con quatro que o fangetodohe vermelho
prezaofe de dar repoftas felle mais alto o difera
9
compalauras bem compoftas,
eftepellotepufera
masfe lhe meteis a mão
que afewecco lerefponda
napaz moſtrão coração quefupadre era de Ronda,
naguerra moftrão as coftas, fu madre de ante quera.
Porque aqui troce aporca
E quer cubrir o ceo cuma
@rabo.
joeyra.
"
Fraldaslargasgrane afpeito
Outros Dejopor aqui
parafenadorRomano
a quefeacha mal ofundo que grandifsimo engano
andão emendando o mudo
, o peitos
que momo lhe abriffe
✔ nãofé eiendão afij conciencia que fobeju,
aftes refpondem aquem:
fifo com que o mudo reja
dellos não entende bem
mansidão outro quefi
al dolor que estanfecreto
mas que lobo efta em ti
masporem quem for difcreto metido empelle de o veja?
wefponderlhe bamuyto bem.
ELabem nopoucos
Aẞi entrou o mundo , aſsi

adefair. Guardaïuos d'husmeusfñores

que aindacomprão e vendem


büs
Obras de Luis de Camões.

Aus quche ferto que decende, Porem como em cafostais

dageraçam depaflores, andoja vifto, & corrente

moftranfe vos bos amigos fem outrosfertosfinais

anasfevos vem emperigos quanto mellajura mais,

tanto mais cudo que mente.


eſcarrãuos nasparedes,
que defora dormiredes,

irmão que he tempo defigos Então vendolhe offender


būs tais olhos como aquelles,
porque de rabo deporco
munca bom virote. deixo me antes tudo crer

foopelta namconftranger,
Ahua dama que lhe ju
ajurarfalso por elles.
raua fempre pellos
feus olhos . Mote.

Quando me quer enganar Vos teneis mi corazon.

4 minba bella perjura,


Glofa propia.
paramais me confirmar

@ que quer fertificar,

pellosfeus olhos mojura Mi coraçon me an robade

y amor viendo mis enojos,


Como meu contentamento me dixofuete lleuado

todo fe regepor elles, porlosmas bermofos ojos

ymagina opensamento que des que viuo be miradoj

que fe faz agrauo a elles, graciasfobrenaturales,

não crer Lamgramjuramento , te lo tienen en prifion,


Obras de Luis de Camões. 167

yfi amor tiene razon Se alguem te vir

Senhorapor lafenbales que dira de ty

que deixas a mim


yos teneis mim coraçon.

por coufa tão vil?

¶ Coyfa de Beirame terá bem que rir

namorou Ioane. pois amas beirame

☞ a mim não loane.

Voltas proprias.

Quem ama afsi

Por coufataopouca a defer amada

andas namorado? ando maltratada

amasatoucado damores por ti


amame a mim
não quem o touca?
deixa o beirame
andoſega louca
portymeu loane que be rezão Ioane,

tapello beirame
Atodos encanta

Amas oviſtido tha paruoife

esfallo amador de tua doudife

mu não ves que amor gonfalo fe e/panta


zonbando canta
fepinta difpido

cego & perdido? coyfa de beirame


namorou loane.
andas por beirame

& eupor ty Loane!


Y Eunar
Obras de Luis de Cames.

chamfe efte bem tal


Eu nãofey queviste
ter bem parafentir mal.
neste meu toucado
Volta propia.
que tão namorado
mifer
Quem viueofempre num¸
delle tefentifie
inda que feja empobreza
não te veja triste
não vio o bem da riqueza
amame loane
nem o mal de empobrecer
deixa'o beirame
não ganhou peraperder

Loanegimia masganhou có vida igual


Maria choraua não ter benem fentir mal.

afsilamentava Outras a húa dama gilbe


virou o rofto .
amal quefentia

Os olhosfiria Olhos não vos increci .

não o beixame:: que tenbaistal condição

que matouLoane. tão liberais pera o chão

tão ireļosperami.
Não fey de que vem :
Voltas proprias.
andares viftido
Bayxus oneftos andais “
que o mesmo Cupido ...
por vos negardès aquem
viftido nás tem e
não quer mais que aquell be
Sabesde que vem is
que vos no chão espalha ,
amores beirame
• Se pouco vos mereci
vem defer Ioane.
não me eftinais mais q o chao,
Mote alico.
a quem vos ygalardaő

Hahum béque chéga &foge dais, & mo negais a mi.


Sentença
Obras de Luis de Camões ) for

Semtenças do autor por faibaja temer


fim do liuro.
& pe.lo que vio

julge o que a defer


Vay o bemfugindo

creſe o mal cos annos Alegre viuia

vanfe defcubrindo triste viuo agora

co tempo os enganos. chora a alma de dia

de noite chora.

Amor & alegria

menos tempo dura Confeffo os enganos


triſte de quem fia
de meupensamento
nos bens daventura. bem de tantos annos

foife num momento.


bemfemfundamento

tem certa mudança Meus olhos que vistes

certofentimento pois vos atreueftes


na dor da lembrança. choray olhos triftes

o bem queperdeftes!
Quem viue contente

viua receofo Aluz dofolpura

matque fe nãofente So a vosfenega

be mais piriguoffo. feja anoite efcura

nunca a menhã chege.

Quem malesfintio
Y 2
O campo
Obras de Luis de Camões..

O campofloreça Tristefant fia


mormurem as agoas quanta couļs guarda.
tudo me entrifteça quem javile odia

creção minhas magoas. que tanto lie tarda..

Quifera mostrar Nesta idadefega

nada permanece
o mal quepadeço

nam lhe da lugar o que inda não chega

quem lhe deu comefo.. ja defapareçe ..

Emtristes cudados; Qual quer efperança :

pallo a trifte vida. foge como o vento .


Cudados canfados tudofas mudanfa .

vida aborregida.. faluo mcu tromento..

Nunca pude crer AmorJego &triste

o que a gora creo , quem otem padeçe

Jegoume oprazer mal quem lhe refifte

do mal que me veo . mal quem the obedefe,.

Abventura minha. No meu mal efquiuo .

como menegafte fey como amor tratą .

humfoo bem que tinha ; pois nelle vino

porque mo roubaste?. menbu amor mata.

LAVS DEO.
TABOAD A.

SONETOS.

Fol.4
A Alma minhagentil que te partiſte

Aquella triste leda madrugada , fol. 5

Alegres campos , verdes aruoredos, fol. 10

Amor com efperança ja perdida, fol. 14

Apollo, as none Mufas difcantando, fol . 14


Apartauafe Nife de Montano 15.

B Bufca amor nouas artes, nouo engenho : 3

C Clara minha enemiga em cuja mão,


18
Comofezeste doce a talferida,

D Doces lembranças da paſſada gloria, 4

De vos me aparto ò Nymphas em tal mudança , 5

Depois de tantos dias malgaftados,


19
De tão diuino assento , & vozhumana,
ibid.
Debaixo desta pedra està metido ,
21
Daime hua leifenhora de querervos

E Em quanto quisfortuna que tineffe,


Eu cantarei de amor tão docemente. ibidem !

Emflor vos arrancou de então crefcida , 3

Espanta crecer tanto o Crocodilo,

Emfermofa Latheafe confia,

Eftafe a Primauera trasladado , 7

7
Està o lafciuo & doce paffarinho ,
20
Eu me aparto de vos Nymphas do Tejo,
r 3
TAVOA DA.

F Fermofos olhos que na idade noff

Fermofura do ceo a nos decida, 21

G Gran tempo ha quefoube da ventura, 12

H Hummouer d'olbos brádo & piadofo 9

L Lindo & fubultrançado queficafte, 11

LembrançasJaudofasfe cudaes. 14

M Males que contra mi vos conjuraštes, 7

Mudafe o tempo mudanſe as vontades. 16!

N Num iardim adornado de verdura. 3.

Num bofque que das nimphasfe abitaua. 5.

Não palles caninbante , quem me chama, 10.

Nayadas que os rios abitaes. .


15

Os Reinos, & os Imperiospoderofos


Ofogo que na branda cera ardia. 10.

£2.
• Cifne quandofentefer cheguada..

O comojo me alongua de anno em anno 13.


2.
P. Paffo por mens trabalhos tam ifento,
8.
Pedeme o defijo dama que vos veja..

Porque quercisfenbora que ofereça. ibidem.

Pelios eftremos raros que moftrou . 12 .

2
Pois meus ollos não canfaõ de chorar.

Quevefenhora claro, & manifefto.. 4


ibidem.
Quando da bella vista & dece rifo..
8.
Quando o Solemcuberto vay mostrando.
Quantas
TAVOA DA.

13.
Quantas vefes dofufose esquecia.
Quando vejo que meu deftino ordena . 15.

Quemjaz nogrão Sepulchro que defcreue. 17


ibidem .
Quem pode liurefergintilfenbora.

Quem be efte que na arpa Lufitana 18.

Que vençais no Oriente tantos Reys. 20.

6.
Se quando vos perdi minba efperança,

Sete annos depaftor lacob feruia.


Se tanta penatenho merecida.

Se algña hora em vos a piedade.

Se aspenas com que amor tammal metrata, 16.

T Tanto de men estado me acho incerto. 12.

na coufa amada.
Trasformafe o amador us 2.

Todo animal da calm repoufaua.

སསྶ
སསྒཻ

Tomoume voffs vistafoberana.

Tomaua Delianapor vinguança.

Tempo beja que minha confiança. 34..

Voffus olhosfenbora que competem

Canções .

AA
" instabilidade dafortuna. 23.

C. Comforça defujada. 30..


\22.
F Fermofa gentil dama quando vejo..
Llaa Roxa menha clara, 250

Lunto dalumfecofero, & efferil nome 35


Mandame
TAVO ADA

Mandame amor que cante docemente. 32.


28.
S Se efte meupensamento.

T Tomey atriftepena. 34.

27
V Vão asferenas agoas!

Vinde quâ meu tamfertofecretario. 33.

Sextina.

F Fogeme pouco a pouco a curta vida,

Odes .

D Detem bumpouco Mufa o largo pranto. 43 .

F Fermofafera humana , 48

N Nunca manhãfuaue! 50.

45!
S Se demeu penfamento .

T Tamfuaue, tamfresca, tamfermofa. 45

Elegias.

A Aquella de amor defcomedido 35

0 Opoeta Simonidesfalando . 52.

0 Sulmonenfe Ouuidio defterrado. 37:

Capitulo .

A Aquelle mouer de olhos excellente . 32.

Oitaua Rima .

C Comonos voffoshombros tam conftantes. 63.


Muy
TAVO ADA
'

Muy alto Rey aquem os ceos en forte..


fol. 6 .
Quempodefer no mundo tam quietos.
fol.60

Eglogas..
A Aolongo dofereno .. fol. 81..
A quem darei queixumes namorados: fol. 108..
A ruftica contenda defufadas . fol. 115..
As doçes cantilenas que cantauão .. fol. 121..

Arde porgualathea branca , & loura.. fol. 1331.


CCantandopor hum valle docemente .. fol. 100%.
P Pafsado ja algum tempo que os amores .. fel. 93 .

Quegrande variedade vãofazendo, foli755.

Taboada das redondilhas, motes,fpar-

fas , & glofas ..

A Amortepois quefou voẞo.. fol. 150

Amor que todos offende,. ibid.

Ador que minba alinafente.. 158%.

Amores de hua cafada : ibidem ..

Aquell catiua.. 159)

eus olhos.. 1611


Apartarãofe os meus

Amor loco, amor loco.. 163.

Condecuyo elustrepeito 147..


C
Camposbemauenturados .. 143..
:
Caterina bem promete : 156 ..

Correfemvela,
But at & fem leme.. 156.
Com
TAKOAD AS

Convofus olhosgonçalues. . 167


fal.141.
D Dama de eftranho primar.

Da doença en quesardeis. fol. 153.

Deufenhora porfentença. • fol. 154.

De atormentado & perdido fol. 154

Deſcalça vaypola neue. fol. 157°

Dalma, & de quanto tiuer. fol.158.

De piquena tomey amor. fol. 161.

De vueftros ojos centellas. fol.163!

себя De dentro tengo mi mal. ・fol. 163

De que meferuefogir. fol·167.

E Enforquey minba esperança. fol.158.

Effes alfinetes vão. fol. 165!

Efte mundo es clcamino. fol.167

F Falfocanaleiro ingrato. fol. 162.


la naopoffofer contente fol. 150.


I
Lustafue miperdicion. fol. 152!

Irme quiero madre. fol.163.

M Mas porem aque cudados. . 145!


fol

Muitofois meu enemiguos fol


. 145.
V.
Minha alina lembraiños della . fol. 152.

fol. 153.
Meninafermofa crua.
Menina dos olhos verdes. fol. 160 .

Menina nao feydizer. fol. 166.


Não
TAVOVANDA

•N ' Nabestejaes agrifol.155.

Naofeyfe me engana Elena fol. 160.

bagon fol. 154.


Olhay que durafentença
fal. 14.
PI Perouos que medigunes ♪

+ Pas o coração nos ollos. fol- 158.

Pus meus olhos nuafundar fol.159.

Di Para que me dao tormentosd fel. 192 !

Pois he mais voffs wepnem fol. 166.1

del Pais mefazdano olhar fol.1a64

Querendo efcreuerhumdia…… fol. 139.


..

10 . Quen, no mundo quizerferida fol. 155!



ཀྲལས་
Mfol.157.
• Qual tera culpa de nos.
1. fol. 1594
Quem horafokbeſe.
KDA Quando me quer gamarinara acfol. 168.

S Sobre os rios que vadu mua sede en fol. 135?

Sofpeiths que me quereisis fol. 1.4.20

Se deriuacs de verdade . fol. 1.43

Se não quercis padecer . fol. 145 .

Se voffa dama vos da . fol.145

Sem vos, & com meu cudado. ful. 151.

Sem ventura hepordemais . fol. 151.

Senhora je eu alcançaße. fol 1530.

Senbora pois me chamais . fel. 155.

Se me leuao aguass fol. 156.


Se de
TAVO AD A.

Se de meu mal me contento.


ful. 162:
Saudade miuba.
fol. 163.
Senhora peis minha vida. ful. 166.
Trabalhos defcanfarião. ful. 149.
Triste vida fe me ordena ful. 149.

Tudo pode búa afeição . fol. 152.


"
Trocay o cudado. fol. 160.

Todo espoco lo pofible.


·
Vejo nalma pintada. Fl. 151.

Ver, maisguardar fol 161.

Kosfenhoratudo tendes ful.165.


Vida da minha alma.
Fol.164.

Vede bem fenos meus dias. fol.165.


Fos teneis mi coraçon.
fol. 168.

Vay obem fugindo . ibidemy , ་


LAVS DEO.
ESTA EDIÇÃO, COMEMORATIVA DO IV CENTENARIO
DA ESTADA DE LUIS DE CAMOES NA ILHA DE
MOÇAMBIQUE , FOI AUTORIZADA POR DESPACHO
DE 26 DE FEVEREIRO DE 1968 , DE SUA
EXCELENCIA O MINISTRO DO ULTRAMAR ,
PROF. DOUTOR JOAQUIM MOREIRA DA SILVA CUNHA .
TIP. SILVAS, LDA.
1
THE UNIVERSITY
11201

You might also like