You are on page 1of 195

A CONSTRUÇÃO DA EUROPA

A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

António Carlos Lessa

INSTITUO BRASILEIRO DE
Furuc
Funiv
FUNnAÇÃO
\f T- j RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ÒE GU5MÀO
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA:
A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Diretoria José Flávio Sombra Saraiva (diretor-geral)
Antônio Carlos Lessa
Antonio Jorge Ramalho da Rocha
Luiz Fernando Ligiéro

COLEÇÃO RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Conselho Editorial Estevão Chaves de Rezende Martins (presidente)


Amado Luiz Cervo
Andrew Hurrel
Antônio Augusto Cançado Trindade
Antônio Carlos Lessa
Denis Rolland
Gladys Lechini
Hélio Jaguaribe
José Flávio Sombra Saraiva
Paulo Fagundes Vizentini
Thomas Skidmore
Coleção Relações Internacionais

A CONSTRUÇÃO DA EUROPA:
A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ANTÔNIO CARLOS LESSA


ANTÔNIO CARLOS LESSA

L638 Lessa, Antônio Carlos.


A construção da Europa: a última utopia da relações
internacionais / Antônio Carlos Lessa. – Brasília : IBRI,
2003.
192 p. ; 23cm. (Relações internacionais; 10)

ISBN 85-88270-10-2

1. Relações internacionais. 2. Política internacional.


3. Relações exteriores. I. Instituto Brasileiro de Relações
Internacionais. II. Título.

CDD 327

Direitos desta edição reservados ao

Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI)


Universidade de Brasília
Caixa postal 4400
70919-970 – Brasília, DF
Telefax (61) 307 1655

ibri@unb.br
Site: www.ibri-rbpi.org.br

Impresso no Brasil 2003

Efetuado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional


conforme Decreto nº 1.825, de 20.12.1907

4
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Sumário

Prefácio .......................................................................................7

Apresentação ..............................................................................11

Introdução .................................................................................15

1. Uma idéia de Europa .............................................................19


1.1. A paz perpétua e a construção da Europa.........................19
1.2. O impulso da Guerra Fria...............................................22
1.3. O relançamento da idéia de Europa.................................26
1.4. O início da construção européia ......................................31
1.5. Da Cecaà tentativa da concertação na defesa ...................38
Cronologia ............................................................................42

2. A primavera européia .............................................................47


2.1. Os tratados de Roma ......................................................47
2.2. O desafio francês ............................................................53
2.3. A crise do Mercado Comum Europeu ............................58
2.4. O novo despertar das Comunidades................................64
2.5. O Europessimismo.........................................................68
Cronologia ............................................................................75

3. A era das grandes ambições.....................................................85


3.1. Crescendo para dentro ....................................................85
3.2. Alargamento e aprofundamento nos anos 80...................88
3.3. O retorno das grandes ambições......................................92
3.4. O Ato Único Europeu....................................................94
3.5. Um novo tempo de crise: o fim da Guerra Fria ...............97
3.6. O Tratado de Maastricht...............................................100
3.7. O alargamento sob a égide de Maastricht ......................108
3.8. De Maastricht ao euro ..................................................109
Cronologia ..........................................................................112

5
ANTÔNIO CARLOS LESSA

4. AEurolândia: atores e instituições do processo europeu de


integração ............................................................................131
4.1. O sistema institucional da Europa.................................131
4.1.1. O Conselho Europeu...........................................133
4.1.2. O Conselho da União Européia ...........................134
4.1.3. Parlamento Europeu...........................................138
4.1.4. A Comissão Européia ..........................................140
4.1.5. O Tribunal Europeu de Justiça.............................142
4.1.6. O Tribunal de Contas da União Européia ............145
4.1.7. Outros organismos e agências ...............................146
a) O Comitê Econômico e Social Europeu ...........147
b) O Banco Europeu de Investimentos ................148
c) Comitê das Regiões........................................149
d) O Banco Central Europeu .............................150
e) As Agências especializadas..............................153

5. Da economia ao cidadão: as políticas públicas comunitárias ...157


5.1. As competências e as políticas públicas comunitárias.....157
5.2. Políticas voltadas para o estabelecimento do mercado
único...........................................................................158
5.3. Políticas funcionais ......................................................165
5.4. Políticas setoriais – o caso da Política Agrícola Comum
(PAC) .........................................................................171
5.5. Políticas externas..........................................................174

Conclusão ................................................................................181

Bibliografia ..............................................................................185

Fontes de informação sobre a União Européia ...........................189

Siglas........................................................................................191

6
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Prefácio

O livro de Antônio Carlos Lessa revela o professor em ação.


Escrito de forma didática e simples para que os estudantes de ciências
sociais, particularmente os de História e de Relações Internacionais
contemporâneas, venham a conhecer a mais rica de todas as experiências
de integração, não se furta à profunda reflexão sobre o alcance histórico
da formação do bloco europeu de Estados-nação, e, com isso, também
satisfaz a curiosidade de especialistas.
O livro descreve e interpreta as fases sucessivas da formação da
União Européia, desde a organização da Comunidade Européia do
Carvão e do Aço, em 1951, àpresente perspectiva de alargamento da
Europa dos Quinze mediante a admissão de dez ou mais novos sócios.
Embora inúmeras variáveis tenham sido identificadas e isoladas pela
análise do professor, a dimensão econômica emerge como o eixo
condutor do processo de integração. Essa teria sido capaz de render os
Estados, tolhendo-lhes parcelas de soberania em benefício do aumento
da competitividade e do fortalecimento de um núcleo forte com base
regional. Bela lição para nosotros do Cone Sul!
Ao desenvolver o tema A última utopia das relações internacionais,
usado como subtítulo do livro, Lessa, que metodologicamente inscreve-
se na linhagem de outros especialistas no assunto, enriquece a análise
com uma visão inteligente e perspicaz do processo histórico. Com
efeito, reflexões clássicas de autores europeus sobre a experiência
européia de integração vêm sugerindo, há alguns anos, uma questão
central: para além da fortaleza econômica em que se firmou, o que
esperar da União Européia, se é que os dirigentes nacionais pretendam
agregar-lhe uma função tão relevante internamente quanto a econômica,
porém, de amplitude global. Pierre Gerbet (La construction de l’Europe.
Paris: Imprimerie Nationale, 1994), por exemplo, se pergunta quando
os Estados-membro terão vontade, de desempenhar, nas relações
internacionais, não somente o papel econômico, mas também o
político que lhes poderia caber. Nosso saudoso René Girault e seus

7
ANTÔNIO CARLOS LESSA

colegas do Institut Pierre Renouvin, mesmo ano de 1994 (Europe brisée,


Europe retrouvée: nouvelles réflexions sur l’unité européenne auXXe siècle.
Paris: Publications de la Sorbonne, 1994), sonhavam com uma Europa
– que já fora contra os outros quando imperialista, que recorrera aos
Estados Unidos quando enfraquecida – a serviço da paz universal e não
apenas dos interesses de um bloco de nações. A reflexão do professor
da Universidade de Heidelberg Frank R. Pfetsch (A União Européia:
história, instituições, processos. Brasília: EdUnB, 2001) alinha-se à dos
acadêmicos de Paris.
Antônio Carlos Lessa acrescenta a essas indagações as preocupações
derivadas do mundo atual, marcado pelo unilateralismo da conduta
internacional dos Estados Unidos, a maior potência armada do mundo,
e pelo belicismo de seu presidente George W. Bush. A utopia da paz
internacional, realizada regionalmente na experiência de integração
européia como variável intrínseca ao processo, alcançaria o caráter
universal, caso a Europa decidisse desempenhar em escala planetária
seu novo papel?
Como percebemos, essa questão permanece no centro do
debate político europeu, mas não se define com clareza para ninguém.
Existe uma Europa conservadora que não deseja ampliar a experiência
rumo à autonomia de ação em política internacional e prefere o
conforto que a hegemonia dos Estados Unidos esparrama como uma
sombra a encobrir o mundo. Essa Europa é sobretudo a Europa de
governos de direita, uma denominação velha, renovada, porém, com
surpreendente intermitência. Existe uma Europa política que não deseja
alargar o fosso entre o Estado nacional e a autoridade comunitária,
preferindo entender esta última como uma espécie de delegação daquele
(ver a tal respeito o interessante livro do professor de história econômica
da London School of Economics and Political Sciences, Alan S.
Milward, e de alguns colegas britânicos, The frontier ofnational
sovereignty: history and theory, 1945-1992, London and New York:
Routledge, 1993). Existe uma Europa materialista que se contenta em
usufruir as benesses sociais que o esforço coletivo de reconstrução e
progresso colocou ao alcance de seus cidadãos e vê com maus olhos o
aprofundamento de laços internacionais. Existe, enfim, como nos ensina

8
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Lessa, uma Europa da utopia, com dose suficiente de coragem e de


humanismo – naturalmente universalista – disposta a uma ação em
favor da paz e da cidadania mediante novo papel a desempenhar nas
relações internacionais. Esse papel foi, aliás, vislumbrado pelos
precursores do movimento de integração, nas décadas de 1940 e 1950,
e mesmo antes, permanecendo um propósito de correntes de opinião
que por vezes se impõem nos resultados eleitorais.
Ante essa complexidade de opiniões a respeito do papel da
Europa no mundo, torna-se fácil compreender por que, até o presente,
ela tem dado demonstrações tímidas e pouco expressivas de promotora
dos valores da democracia e do humanismo, de cujo legado ainda
constitui o maior depositário. Assim mesmo, diferencia-se dos Estados
Unidos quanto à concepção do bloco a construir nas Américas.
Desde o Acordo-quadro, firmado em fins de 1995, o Mercosul
e a União Européia negociam uma associação birregional, negociação
cuja amplitude envolve precisamente os conceitos de direitos humanos
e sociais, aperfeiçoamento das instituições democráticas, promoção da
cidadania e outros valores da herança humanista que o processo de
integração europeu soube carregar com notável habilidade. Em outros
termos, transpondo-se o do vetor econômico, pode-se vislumbrar, nas
negociações da União Européia com outros parceiros, esses propósitos
da última utopia a realizar nas relações internacionais.
Ao mesmo tempo em que a Europa, desde o término da Segunda
Guerra Mundial, construía seu futuro, a América também organizava
seu espaço sob a égide de uma instituição regional, a Organização dos
Estados Americanos (OEA). Esta evoluiu, contudo, como se fosse um
agregado da política norte-americana de contenção e combate ao
comunismo. A ação dos Estados Unidos na América Latina, durante a
Guerra Fria, em nada contribuiu para reforçar os valores da cidadania,
muito pelo contrário, concorreu concretamente para sua degenerescência.
O continente americano negocia, no momento, a formação
de seu bloco: a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Essas
negociações, comparadas às que se desenvolvem entre o Mercosul e a
União Européia, parecem ignorar a lição da experiência européia. Em
outros termos, pela segunda vez, a América está prestes a perder a

9
ANTÔNIO CARLOS LESSA

oportunidade de valer-se do regionalismo em favor do bem-estar


integral do homem, que não é apenas um ser econômico e não sobrevive
sem utopias.
É bem-vindo e muito oportuno, portanto, o livro de Antônio
Carlos Lessa, quando os dirigentes brasileiros negociam com os
membros do Mercosul, com a Comunidade Andina, com os demais
países americanos, com a União Européia e com outros parceiros ou
blocos constituídos ou em formação no mundo de hoje. Além de
enriquecer o conhecimento da experiência européia, este livro serve à
formação da opinião que deve manifestar-se e exercer influência sobre
as negociações internacionais do país.

Amado Luiz Cervo


Brasília, fevereiro de 2003

10
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Apresentação

Este livro faz parte da coleção Relações Internacionais, organizada


academicamente pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais
(IBRI), com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), sob
o alto patrocínio da Petrobras. A coleção, constituída de dez títulos,
lançados gradualmente, objetiva a formação das novas gerações
brasileiras na área, mas também atende à demanda crescente da opinião
pública nacional interessada nas novas conformações internacionais e
ávida por conhecer, de forma sistemática e organizada, os grandes temas
que envolvem a construção de um novo ordenamento internacional
neste milênio.
Os estudos acerca das relações internacionais têm merecido
atenção especial por parte dos grandes editores, não apenas nos centros
culturais de tradição na área, como Paris, Londres ou Nova Iorque.
Lançamentos de novos títulos e reedições de obras clássicas animam a
vida intelectual e política das universidades e editoras em muitas partes
do mundo. Livreiros de países latino-americanos, europeus e asiáticos
exibem ao público leitor ampla escolha de novos títulos dedicados aos
desdobramentos mais recentes da vida internacional. Estudos de caso,
investigações teóricas e extensas sínteses históricas são cada vez mais
consumidos por numerosas pessoas, ávidas pela compreensão do
mundo.
A internacionalização das sociedades, a ampliação dos mercados,
o impacto dos processos de integração regional e a economia política
da globalização são alguns dos fenômenos que despertam atenção
crescente. Mas há razões adicionais, como a crise de identidade das
nações acentuada pela realidade pós-bipolar e a fragmentação teórica
da ciência política ligada aos estudos dos fenômenos internacionais,
para explicar a animação editorial que se observa em torno do estudo
das relações internacionais.
O interesse dos leitores brasileiros tem esbarrado, no entanto,
em uma limitada reflexão própria acerca das relações internacionais.
Preferiu-se traduzir novos manuais e adotar teorias da moda a enfrentar

11
ANTÔNIO CARLOS LESSA

o desafio da compreensão e da explicação a partir de circunstâncias


vividas. Foi-se buscar nos outros, equivocadamente, as razões das
próprias vicissitudes. Confundiu-se, algumas vezes, teoria com
ideologia. Absorveu-se e divulgou-se nas salas de aula grande quantidade
de textos de qualidade discutível. Produzidos com o objetivo precípuo
de doutrinar os desavisados, levando-os a crer que as relações entre os
povos, Estados e culturas chegou a seu ápice com a liberalização dos
mercados e com a economia política da globalização, esses textos não
realizam o desafio intelectual de desvendar as entranhas das relações
internacionais contemporâneas.
As contingências do Brasil exigiam, assim, uma coleção
concebida por estudiosos comprometidos com a renovação do
conhecimento a partir de uma perspectiva própria acerca das relações
internacionais, como aliás se procede em toda parte. No entanto, por
mais objetiva que se pretenda que ela seja, todo esforço nessa área de
reflexão está condicionado por motivações, informação, formação e
legado cultural.
Por conseguinte, a coleção Relações Internacionais vem suprir
uma grande lacuna. Preocupado com a percepção inédita, por parte da
sociedade brasileira, dos constrangimentos internacionais que impõem
ajustes de ordens diversas à formulação e implementação das políticas
públicas, do ponto de vista econômico, social e de segurança, o Instituto
Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) resolveu utilizar sua
condição de instituição decana nos estudos internacionalistas no Brasil
para, com seus parceiros, abrir a avenida da reflexão comprometida
com um olhar nacional sobre os grandes fenômenos da vida internacional
que envolvem a sociedade brasileira.
Estratégia comum alinha autores e livros. Em primeiro lugar,
eles pretendem contribuir para a formação da crescente mão-de-obra
brasileira interessada em compreender os desafios internacionais e
traduzi-los adequadamente para os atores sociais com interesses cuja
realização sofrem impactos diretos ou indiretos do meio internacional.
Em segundo lugar, os autores observam, com apreensão, o crescimento
exponencial da comunidade brasileira de estudantes dos cursos de
graduação em Relações Internacionais a partir da década de 1990 e,

12
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

como conseqüência, da necessidade de prover base sólida para o


desenvolvimento dessas novas formações. Em terceiro lugar, preocupa
a cada um dos autores da coleção o plano secundário a que a tarefa de
produção de livros paradidáticos foi relegada, no Brasil, diante do rápido
surgimento de um público consumidor, ávido por boa bibliografia
que cumpra os requisitos formais de apresentação do conteúdo mínimo
preconizado pela Comissão de Especialistas de Ensino de Relações
Internacionais do Ministério da Educação.

José Flávio Sombra Saraiva


Organizador da Coleção Relações Internacionais

13
ANTÔNIO CARLOS LESSA

14
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Introdução

Este livro é uma introdução aos fundamentos e à evolução das


integrações econômica e política da Europa, que se processam desde o
final da Segunda Guerra Mundial, ganhando dinamismo e profundidade
ao longo da derradeira metade do século XX. Desse processo resultou
a formação da maior potência econômica do mundo.
Além de ter dado origem a um impressionante mercado
consumidor de quase quatrocentos milhões de pessoas, o processo
integrador sumarizado neste trabalho pôs fim a uma história
multissecular de guerras sangrentas, ódios e rivalidades que levaram,
várias vezes, a Europa à ruína. Quando deram início à integração
econômica, os líderes dos seis países que tomaram parte no tratado de
criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), em
1951, certamente se lembravam de que os utópicos projetos, que
longamente germinaram no pensamento político e social europeu, que
indicavam que a única chance de prevenção contra o poder de destruição
que animou os Estados nacionais europeus ao longo da história estaria
na sua união, mas talvez não imaginassem que isso levaria à sofisticada
estrutura de cooperação econômica e política na qual se transformou a
União Européia no início do século XXI. Desse ponto de vista,
portanto, a busca de condições para a crescente integração econômica e
a cooperação política entre os países da Europa Ocidental, processo
que neste livro denomino simplesmente de construção da Europa, foi
equivalente, para os povos europeus, ao aniquilamento da sua mais
resistente quimera, que era o temor do retorno da guerra fratricida ou,
como preferem alguns, à realização da última utopia das relações
internacionais, que é a abolição da guerra para a obtenção de resultados
externos.
Este livro foi escrito para o público leigo e para estudantes
brasileiros no princípio da sua formação em relações internacionais.
Adoto a perspectiva histórica que permite alinhar, desde as suas origens,
as dinâmicas políticas e econômicas que levaram alguns dos países da

15
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Europa Ocidental a acreditarem que a perda de parcelas de soberania,


em determinadas dimensões da vida econômica nacional, seria
largamente compensada pelos ganhos de competitividade e
prosperidade. Essas dinâmicas são sempre contrapostas e permeadas
pelos movimentos das relações internacionais que, conjuntural ou
permanentemente, se apresentaram como constrangedores ou
impulsionadores da construção da Europa. O livro, propositadamente,
não incorpora reflexões teóricas sobre integração econômica ou processo
decisório. São duas áreas extensas a serem exploradas nos estudos sobre
a União Européia. Considero mais apropriado que elas sejam objeto
de estudos específicos sobre o funcionamento das instituições e sobre
as diferentes dimensões da formulação e implementação das políticas
públicas comunitárias.
Aprofundar o conhecimento do processo de construção da
Europa é uma necessidade para os brasileiros especialistas, ou não, em
relações internacionais. A União Européia, além de ser a mais próspera
e dinâmica economia do mundo, na atualidade, tem as maiores margens
de participação no comércio internacional e, mais recentemente, passou,
a ser um ator das relações internacionais com voz própria, embora
com meios de ação limitados à vontade e aos interesses dos seus Estados-
membro. Ainda que os diferentes países que a compõem sempre
tenham sido importantes referências econômicas, políticas e culturais
para o Brasil, o fato é que a complexidade e a profundidade do processo
de integração da Europa deram origem a uma frente unida que oferece
tanto novas oportunidades como maiores riscos. Por conseguinte, a
União Européia é para o Brasil um pólo alternativo, complementar ou
paralelo à integração comercial hemisférica e, ao mesmo tempo, um
poderoso opositor nas sempre difíceis negociações comerciais, uma
vez que é também uma formidável máquina de produzir subsídios e
desvios de mercado. Acresça-se que a própria experiência da integração
européia pode oferecer lições importantes aos países da América do
Sul, que se encontram empenhados, desde o início da década de 1990,
em esforços de integração econômica.
A obra compõe-se de quatro capítulos. No capítulo 1, são
apresentados o surgimento da idéia de construção da unidade européia

16
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

como uma alternativa para o fim das guerras entre as nações do


continente e também os seus avanços e recuos até o início da década de
1950. O capítulo 2 é uma apreciação das primeiras etapas de
consolidação do processo europeu de integração e das crises sucessivas
por que passou entre 1952 e 1974. No capítulo 3, o propósito é o de
apresentar ao leitor a era das grandes ambições européias, quando o
processo evoluiu do pessimismo reticente quanto ao futuro da
integração à criação da moeda única, em 2002; e, ao longo da
apresentação, descreve-se como a Europa, que se construía, em 1951,
com seis parceiros (a República Federal da Alemanha, a França, a Itália,
a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo), chegou, em 2003, a quinze (os
seis originais acrescidos dos que aderiram em quatro processos de
alargamento – o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda, em 1973; a
Grécia, em 1981; Portugal e a Espanha, em 1986 e; a Áustria, a Suécia
e a Finlândia, em 1995), e se prepara para incorporar, em 2004, outros
dez (a Polônia, a Hungria, a República Tcheca, a Eslováquia, a Eslovênia,
a Lituânia, a Letônia, a Estônia, Malta e Chipre), redefinindo-se as
fronteiras do continente. No derradeiro capítulo faz-se a apresentação
geral das instituições e políticas comunitárias.

17
ANTÔNIO CARLOS LESSA

18
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1. Uma idéia de Europa

1.1. A paz perpétua e a construção da Europa

A idéia da união da Europa se confundiu durante muito tempo


com a da própria organização do mundo, em uma assimilação que
então se justificava pelo fato de que no Velho Continente se resumiam
o mundo conhecido e o mundo útil. Pelo menos desde o início do
século XVII essas idéias se cruzaram e se alimentaram reciprocamente,
dando origem a vasto e rico pensamento filosófico e político sobre as
possibilidades que a paz na Europa traria para o mundo. Os diferentes
e sucessivos projetos de paz perpétua que são publicados a partir de
então traduzem a existência desse pensamento, que identifica o fim
das guerras e das tensões na Europa e, portanto, a abertura de uma era
de prosperidade, com a necessidade de se estabelecer a cooperação efetiva
entre as grande potências do continente.1 Do panfleto pioneiro do
padre francês Eméric Crucé, publicado em 1623 intitulado LeNouveau
Cynée, ao projeto de federação européia de Maximilien de Béthune,
Duque de Sully, ministro do Rei Henrique IV, publicado em 1638, e
chegando às recomendações e lições ensaiadas pelo Abade Saint-Pierre,
por Jean-Jacques Rousseau, por Saint Simon, por Emmanuel Kant e
por Alexis de Tocqueville, muitos outros pensadores consagraram à
idéia da união da Europa o sentido de um projeto utópico de obtenção
da paz mundial pela concórdia e cooperação entre os povos do continente.
No século XIX, assiste-se ao desabrochar da idéia européia como
figura literária, na maioria das vezes irrealista, como também o
surgimento das primeiras iniciativas concretas de organização de uma
ação comum voltada para a segurança e a concertação política, forma
que é melhor representada pelo sofisticado arranjo da Santa Aliança,

1 Comentam essa rica vertente do pensamento europeu sobre a Paz Perpétua e a Construção
da Europa, entre muitos outros, Barréa, Jean. L’utopie ou la guerre. D’Erasme à la crise des
euromissiles. Bruxelles: Artel/Ciaco, 1985 ; Lyons, Francis Stewart Leland. Internationalism
in Europe, 1815-1914. Leyden: A.W. Sijthoff, 1963, 412 p. ; Merle, Marcel. Internationalisme
et pacifism, XVIIe-XXe siècles. Paris: A. Colin, 1966, 360 p.

19
ANTÔNIO CARLOS LESSA

que avançou pragmaticamente para um esquema de grandes conferências


diplomáticas de periodicidade e participantes variáveis, e pelo qual
numerosas questões que interessavam às grandes potências dentro e
fora da Europa eram reguladas. O limite da eficácia desse mecanismo
de equilíbrio de poderes, entretanto, foi dado quando as grandes
potências européias se enfrentaram, como aconteceu em 1870, na guerra
entre a França e a Alemanha e sobretudo, em 1914, quando eclodiu a
Primeira Guerra Mundial.
Nos primeiros momentos após o primeiro conflito mundial
– em um tempo em que as profundas feridas causadas pela guerra
incitaram à tomada de consciência do início do declínio político das
potências do velho mundo – o problema da organização da Europa
como solução para a repetição das guerras que estancavam a prosperidade
começou a ser mais claramente percebido. A partir de então, é possível
vislumbrar o surgimento de duas concepções de construção da Europa,
que se oporão uma à outra ao longo do tortuoso processo de integração
do continente: a de uma simples cooperação entre os diferentes Estados
nacionais, que articularia as soberanias existentes, e a de uma superação
destas por um processo de unificação. A idéia de Europa passava a
ganhar, a partir de então, feições de projeto político, escapando dos
planos literário e filosófico e ganhando o debate público.
Nas classes políticas, naquele momento, a concepção de
construção européia que se expressava pelas vozes dos líderes políticos
impressionados com a infindável capacidade de destruição demonstrada
pelos ódios que nutriam as relações entre as potências européias era a
de uma prudente cooperação entre os Estados. A idéia de um “federalismo”
europeu levantou naquele momento de tensões novamente crescentes
numerosas objeções nos meios governamentais e políticos europeus,
que preferiram assistir a Europa fazer prova de suas divisões e de sua
impotência antes de se convencerem da necessidade de sua organização,
o que foi dado com as destruições da Segunda Guerra Mundial.2

2Sobre os predecessores do pensamento integracionista europeu, ver a síntese de Charles


Zorgbibe em Histoire de la Construction Européenne. Paris: Presses Universitaires de France,
1993, p. 5-47.

20
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

No final da guerra, parecia se abrir para a Europa a era das


realizações efetivas na seara da cooperação política para a integração.
Na Europa ocupada, numerosos movimentos de resistência se
pronunciaram a favor de uma futura unidade regional: na França, o
movimento “Combat”, e na Itália o grupo que se denominava “Partido
da Ação”, elaboraram e publicaram em Genebra, em 1944, o seu
“Projeto de Declaração das Resistências Européias”, no qual se constatava
que

no espaço de uma única geração a Europa foi o epicentro de dois


conflitos mundiais que tiveram antes de tudo a sua origem na
existência no continente de trinta Estados soberanos. É necessário
remediar essa anarquia pela criação de uma União Federal entre
os povos europeus.3

Na Inglaterra, que se transformara no pólo da Europa livre, a


mesma preocupação animava os meios governamentais, o que era visível
nas teses erguidas pelo Primeiro-Ministro Winston Churchill para
explicar as origens da guerra e para evitar no futuro a sua repetição,
entendido como a construção de uma federação européia. Com a paz
reconquistada, o líder britânico voltou ao mesmo tema: quando de
uma conferência na Universidade de Zurich, em 19 de setembro de
1946, preconizou a criação dos Estados Unidos da Europa, com a
ambição de “reconstituir a família européia e de lhe fornecer uma
estrutura que lhe permita viver e crescer em paz, em segurança e em
liberdade”. Pronunciadas pouco antes do início do grande cisma que
opôs por quase meio século os grandes aliados da época da guerra e
que pôs a Europa no centro da disputa entre recém-nascidas
superpotências extra-européias, as palavras de Churchill ecoariam ao
longo da Guerra Fria que paradoxalmente dividia artificialmente o
continente em áreas de influência, mas que impulsionou a cooperação
efetiva para a construção do mais sofisticado processo de integração e
união entre Estados soberanos jamais empreendido em tempos de paz,

3 Idem, p. 15.

21
ANTÔNIO CARLOS LESSA

que foi no que se converteu a idéia de Europa ao longo da segunda


metade do século XX.

1.2. O impulso da Guerra Fria

As duas crises simultâneas que marcaram o anuário internacional


de 1956, na Europa Oriental e no Oriente Médio, permitiram a
percepção da sutileza dos mecanismos de acomodação das grandes e
médias potências aos seus próprios desígnios e interesses e sobretudo
aos limites que foram impostos umas às outras com a emergência da
ordem política e estratégica do pós-guerra. Com efeito, a repressão da
Revolução na Hungria, promovida pelo exército vermelho (com o
que os países socialistas conheceriam as medidas da desestalinização
tolerada), e a mobilização dos EUA e da URSS na condenação da
intervenção de franceses e ingleses no episódio de Suez (o que permitiu
a estes últimos conhecerem as margens de sua independência fora da
zona do Pacto Atlântico), foram os movimentos com os quais cada
uma das superpotências restabelecia a “ordem” no seu próprio campo
com o consentimento e a conivência velada do outro, e se davam a
conhecer as múltiplas possibilidades da détente que se inaugurava.
A “dupla crise” de 1956 também deixou marcas na consciência
dos líderes europeus: assinalou o fim das ilusões quanto à pertinência
das outrora grandes potências européias ao politburo mundial, e dos
riscos inerentes à proteção hegemônica – que integram as linhas gerais
do arranjo de poder que emerge ao término da Segunda Guerra
Mundial, correspondendo ao fim do sistema internacional que durou
mais de quatro séculos e que era regulado pelas relações pacíficas ou
belicosas das potências européias, que estabeleciam diplomática ou
militarmente a sorte do resto do mundo.
O arranjo de poder característico do concerto europeu, de um
equilíbrio concertado, ou de uma relação de forças entre coalizões que
impunham o respeito mútuo ou se entregavam à guerra, e que permitia
que as grandes potências européias conservassem a sua independência e
coexistissem em relativa igualdade, empreendendo complexos laços
de interpendência, e que ditou as regras do jogo internacional, foi

22
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

abruptamente sacudido e inviabilizado pela evolução das relações


internacionais no imediato pós-Segunda Guerra.4 O arranjo de poder
que surgiu era estruturalmente diferente, sobretudo pela mudança do
eixo de centralidade geográfica das relações internacionais – a potência
se deslocou do Velho Mundo para os mundos extra-europeus. Com
efeito, desde a Primeira Guerra Mundial esta tendência se apresentava,
e foi simplesmente confirmada pela destruição e ruína da Europa, que
se revelou em 1944-1945 sem condições de continuar desempenhando
o papel proeminente que tivera até então.
Os Estados que disputavam a primazia na Europa e no mundo
– a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha, e mesmo a Itália – fossem
eles vencedores ou vencidos do último conflito, não eram mais
potências mundiais. A França perdera o direito de se pretender potência
após a derrota de 1940, mesmo se, em 1945, as três potências aliadas
lhe tivessem concedido o favor de fazer parte do rol de vencedores.
A própria Grã-Bretanha, ainda que vitoriosa, assistiu exangue ao
esgotamento de sua potência financeira, causado por uma guerra travada
com custos muito superiores aos seus meios. Para a Alemanha derrotada
e dividida entre os vencedores, a história recomeçava naquele momento.
E a Itália, que nunca fizera parte, efetivamente, do panteão das potências,
saíra da guerra vislumbrando um horizonte negro de anarquia política
e econômica e de insignificância internacional que jamais conhecera.5
Às causas de debilidade trazidas pela guerra juntaram-se outras.
A perda de prestígio junto às populações coloniais, provocada pelo
abandono ao qual se viram relegadas à medida em que as metrópoles
se enfraqueciam ou saíam perdedoras do conflito (caso sobretudo da
Grã-Bretanha e da França, mas também da Bélgica e da Holanda),

4 Aron, Raymond. República imperial: os EUA no mundo do pós-guerra. Rio de Janeiro: Zahar,
1975, p. 86-92; Kennedy, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro:
Campus, 1988, p. 343-345.
5 Colard, Daniel. Les relations internationales de 1945 à nos jours. Paris: Masson, 1991,
p. 60-75; Hoffman, Stanley. Decline or renewal ? France since the 1930´s. New York: Viking,
1974, p. 135-140; Senarclens, Pierre de. La politique internationale. Paris: Armand Colin,
1992, p. 73-76; Zorgbibe, Charles. Histoire des Relations Internationales, 1945-1962: du
systèmede Yalta aux missiles de Cuba - lapaix manquée et la division du monde (Tome III). Paris:
Hachette, 1995, p. 24-33.

23
ANTÔNIO CARLOS LESSA

levou, rapidamente, à disseminação de movimentos de emancipação e


à abertura de um novo capítulo na história das relações internacionais
contemporâneas, cuja conclusão se arrastaria pelas duas décadas seguintes.
A retirada pouco honrosa da autoridade metropolitana das colônias,
relegou aos indígenas, em muitos casos, a responsabilidade da resistência
aos invasores do Eixo. Estes rapidamente entenderam que as metrópoles
não eram invencíveis, como ensinaram os japoneses nas colônias
da Ásia e os alemães no norte da África, e que aquela era uma boa
oportunidade para o autoconhecimento das possibilidades de mobilização
e de articulação das forças políticas autóctones. Finda a guerra,
assistiu-se logo ao despertar do pan-arabismo, ilustrado pela criação da
Liga Árabe (em março de 1945), ao início da descolonização nos
territórios sob mandato britânico e francês, à irrupção dos movimentos
indepedentistas na Indochina, às movimentações populares antifrancesas
na Argélia, à proclamação de independência da Indonésia (não
reconhecida pela Holanda) e às reivindicações libertárias da Índia e
Paquistão (confirmadas por suas independências dois anos depois).
A ordem, enfim, exigia uma gerência decidida e forte. Após
seis anos de guerra havia que perpetuar, de algum modo, a solidariedade
entre as “nações unidas”, tanto para regular as questões nascidas do fim
do conflito, como para assegurar a paz pela criação de um organismo
internacional nos moldes da Sociedade das Nações. Este novo
organismo deveria corresponder ao novo arranjo do poder internacional,
o que se providenciou na Conferência Preparatória de Dumbarton
Oaks (1944), e se confirmou pela assinatura da Carta da Organização
das Nações Unidas, em São Francisco, em junho de 1945. Nesse
movimento eram vislumbradas as possibilidades de concertação entre
os vencedores (EUA, URSS e Grã-Bretanha), demonstradas na
Conferência de Ialta (4 a 11 de fevereiro de 1945), mas não confirmadas
na Conferência de Potsdam (17 de julho a 2 de agosto). Entre os dois
eventos, HarryTruman sucedeu Franklin Roosevelt (e nesse movimento,
perdeu-se, na política norte-americana, o ideal de manter a aliança com
os soviéticos uma vez finda a guerra) e o realismo político de Churchill
foi substituído pela inexperiência do líder trabalhista Clement Attlee.
Na mesma vertente, a experiência bem sucedida da primeira bomba

24
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

atômica alterou radicalmente os dados da situação estratégica, ao


evidenciar que a cooperação soviética não era mais necessária aos norte-
americanos para forçar a rendição do Japão, que enfim capitulou
exatamente um mês após o fim da cúpula da Alemanha.6
Assistia-se ao surgimento rápido de todos os elementos da nova
ordem, que era regida por dois países de talhe continental, extra-
europeus, envolvidos desde 1941 em uma guerra que deles fizera
superpotências, e irmanados por outros traços comuns: o gigantismo
de seus recursos, a capacidade de dominar, ameaçar e de impor regras
de ação não somente aos países pouco desenvolvidos mas também às
antigas grandes potências, e a capacidade de organizar redes de alianças
no seio das quais exerciam o papel de líderes incontestáveis em todos
os domínios e relegavam seus aliados à situação de dependência política
e estratégica. Em breve, passariam a competir pela expansão de seus
ideários, tidos como ferramentas para a conformação e o alinhamento
de suas respectivas áreas de influência e para a imposição de elementos
de instabilidade à zona alheia.
A Europa e o mundo, cortados em dois blocos políticos e
ideológicos antagônicos, confirmaram e consumaram, a partir de 1947,
aquela que permaneceu por quase cinqüenta anos como a cisão
fundamental da história das relações internacionais contemporâneas: o
enfrentamento completo – político, ideológico, econômico e cultural
– que caracterizava a oposição entre as duas visões de mundo, solidárias
exclusivamente na recusa tácita de se engajarem em combates militares
diretos... Guerra Fria, foi a expressão que se forjou à época para
compreender tal estado de ânimos.7
A ordem desta forma estabelecida evoluiu pelos rompantes
das crises pontuais. Washington passou a entender que os grandes
problemas econômicos trazidos pela destruição total ou parcial dos
aliados e inimigos de ontem efetivamente minavam as bases da

6 Vaïsse, Maurice. Les relations internationales depuis 1945. Paris: Armand Colin, 1991, p. 07-16;
Zorgbibe, Charles. Histoire des Relations Internationales, 1945-1962… op. cit., p. 34-41.
7 Girault, René; Franck, Robert & Thobie, Jacques. La loi des géants (1941 - 1964). Paris:
Masson, 1993, p. 95-106; Colard, Daniel. op. cit., p. 77; Vaïsse, Maurice. op. cit., p. 16-21;
Zorgbibe, Charles. op. cit., p. 62-73.

25
ANTÔNIO CARLOS LESSA

estabilidade do novo sistema internacional que emergia das ruínas


fumegantes da guerra. Afinal, os povos famintos e os líderes desesperados
diante da situação de caos iminente reinante na Europa entre 1945 e
1946 (caracterizada pela sofrível safra agrícola e pelo inverno avassalador
de 1946), poderiam mostrar-se mais propensos à busca de alternativas
radicais e mais dispostos a ouvir o apelo da revolução social e de políticas
incompatíveis com o credo liberal, o que não era improvável,
considerando que os partidos comunistas emergiram da guerra com
popularidade em ascensão, sendo mesmo em alguns casos as maiores
forças políticas de oposição, como acontecia então na França e na Itália.8
Estes desígnios se articularam em movimentos que evoluíram
linearmente, segundo os ritmos da adaptação dos homens de Estado,
das forças políticas e da opinião pública à inédita situação de
mediocridade internacional a que se viram relegados os europeus a
partir do final da Segunda Guerra Mundial, sobretudo na perspectiva
de comparação com o século e meio de glórias que se abriu ainda no
começo do século XIX.9 Com efeito, a Europa dos primeiros dias do
imediato pós-guerra sofreu plenamente todos os grandes choques que
deslocaram e mobilizaram as economias e as sociedades após 1945.
Teve que enfrentar, de súbito e sem solução de continuidade, as duas
lâminas que cortavam o mundo sobre os eixos definidos em Ialta e
Potsdam (a descolonização e a Guerra Fria), o que emprestou uma
singularidade trágica à sua história.

1.3.O relançamento da idéia de Europa

Nas cinzas da destruição da Segunda Guerra e já sob o impacto


inicial da Guerra Fria, o ressurgimento da idéia de Europa provocou,
inicialmente em grupos políticos localizados, e depois nas diplomacias,
uma grande atividade dirigida para a criação de uma maior unidade

8 Hobsbawm, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia. das
Letras, p. 226-231.; Senarclens, Pierre de. Id. Ibid.; Colard, Daniel. Id. Ibid.
9 Franck, Robert. La Hantise du déclin: la France, 1920-1960 (finances, défense et identité
nationale). Paris: Belin, 1994, p. 282-285.

26
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

continental. Muitos lembravam que a busca de interesses nacionais


estivera na base do malogro da Sociedade das Nações e fora a causa da
Segunda Guerra Mundial. Para que a paz fosse assegurada na Europa
no futuro, fez-se eco ao apelo de Winston Churchill a “uma espécie de
Estados Unidos da Europa”. Outros, preocupados com a tarefa maciça
da reconstrução, estavam convencidos de que o Estado-nação já não
era capaz, sozinho e individualmente, de fazer frente a todos os
problemas implicados.
Três importantes visões sobre o processo de cooperação entre
os Estados se tornaram a partir de então identificáveis, retomando e
realinhando as visões sobre a união da Europa que nasceram no entre-
guerras, e permanecendo presentes ao longo de grande parte da história
da construção do projeto europeu de integração. Havia os que estavam
convencidos de que só tomando a iniciativa política de criar um sistema
federal inspirado nos Estados Unidos da América, por exemplo, com
um controle único sobre os assuntos externos e a defesa, se poderia
estabelecer uma forma de governo que pudesse proporcionar força e
segurança suficientes para a prosperidade do continente. Outros, vendo
embora uma Europa federal como meta final, eram pragmáticos na
sua construção, adotando aquilo a que se tem referido como uma
abordagem funcional, tendo em conta que os problemas econômicos
comuns exigiam respostas comuns e, portanto, uma aproximação que
se faria gradualmente, por setores, criaria finalmente as condições
necessárias para o estabelecimento de uma Europa unida. O terceiro
grupo nutria-se da relutância em aceitar semelhante centralização de
autoridade ou soberania, pelo menos na esfera econômica, e visava
uma maior unidade na Europa por meio de uma cooperação mais
estreita entre os governos, preferindo arranjos intergovernamentais aos
supranacionais.10 Estas três abordagens coabitaram e raramente uma
delas esteve ausente nas decisões mais importantes tomadas acerca da
integração política e econômica da Europa Ocidental, ainda que uma

10Girault, René; Franck, Robert & Thobie, Jacques. La loi des géants (1941-1964). Paris:
Masson, 1993, p. 90-92.

27
ANTÔNIO CARLOS LESSA

ou outra tenha tido uma maior influência numa dada ocasião. Têm-se
refletido nas políticas de todos os Estados-membro da Comunidade
que se constrói, a partir da década de 1950, e também no intenso
debate social e político que caracteriza o processo de construção da
Europa desde sempre, como nas plataformas de boa parte dos partidos
políticos, por exemplo.
Um impulso fundamental para a concertação entre os Estados
da Europa Ocidental foi dado pelo governo norte-americano,
preocupado com a instalidade política engendrada pelas penúrias sentidas
no imediato pós-guerra. Ao avaliar o estado de destruição que
caracterizava o continente recém-saído da conflito, o General Georges
Marshall, secretário de Estado dos EUA, afirmava que era necessário
providenciar ajudas suplementares para a sua reconstrução, sob o risco
de se expor a região a um verdadeiro deslocamento econômico, social
e político. No dia 5 de junho de 1947, em discurso pronunciado na
Universidade Harvard, Marshall propôs aos Estados europeus o
prolongamento e o aumento da ajuda norte-americana, que vinha
assumindo as formas mais diversas desde o fim do conflito. Entretanto,
Washington impunha uma condição a essa oferta: os Estados
beneficiários deveriam participar de uma instituição encarregada da
gestão coletiva da ajuda e da elaboração de um programa de reconstrução
europeu. Assim convocou-se para Paris uma Conferência de Cooperação
Econômica Européia, que se instalou em 12 de julho de 1947, para
estabelecer um balanço das necessidades econômicas que eram
comuns a todos os Estados participantes. No dia 16 de abril de 1948
assinava-se a convenção que instituía a Organização Européia de
Cooperação Econômica (Oece), da qual tomaram parte dezesseis
Estados: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Islândia,
Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Reino Unido, Suécia, Suíça
e Turquia– como também as zonas de ocupação ocidentais da Alemanha
e o Território do Trieste. Nesse meio tempo, a União Soviética conseguia
dissuadir as “novas democracias” da Europa Central e Oriental de aceitar
a ajuda norte-americana – particularmente aTchecoslováquia, que havia
aceitado originalmente a oferta dos EUA. Dois outros Estados seriam

28
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

posteriormente admitidos na Oece: a República Federal da Alemanha


em 1955 e a Espanha, em 1959.11
A Oece era um corpo intergovernamental com controle
investido no Conselho que representava os Estados- membro12 e teve
condições efetivas de assegurar eficazmente a solidariedade dos
participantes na sua reconstrução, fazendo com que abandonassem
progressivamente a condição de “assistidos” pelos EUA. Além da
repartição da ajuda americana, a organização dedicou-se à coordenação
das políticas econômicas nacionais, estabelecendo um sistema
multilateral de pagamentos – mecanismo de compensação multilateral
pelo qual se procurava contornar a falta de conversibilidade das moedas,
perseguindo também a liberação do comércio e se empenhando na
supressão de restrições quantitativas.
A retirada da URSS das conversações sobre a ajuda econômica
dos EUA, em julho de 1947, consumou a ruptura da aliança entabulada
por norte-americanos e soviéticos pela contenção dos fascismos poucos
anos antes e permitiu que se percebesse que tinha fim a hesitação de
ambas as superpotências entre a cooperação e a hostilidade. Estes são
os anos de enfrentamento tácito, ditos de guerra fria quente (1947-
1953), caracterizados pela propaganda hostil, pelo crescimento
vertiginoso do poder e da influência do bloco soviético e pelo acirramento
da vigilância tanto recíproca quanto das superpotências sobre as
potências de segunda linha e países menores.
Desse modo, a cooperação para a reconstrução européia não
poderia dizer respeito exclusivamente à ordem econômica, mas também
aos aparelhos militares e, por isso, novas alianças foram concluídas,
ligando os EUA e a maior parte dos países da Europa Ocidental,
destinadas a garantir a segurança coletiva das partes. De início, elas são

11Vaïsse, Maurice. op. cit., p. 25-37


12As decisões na Oece eram e continuam a ser tomadas por unanimidade e implementados
pleos próprios governos membros. Esta estrutura continuou sendo a mesma quando a
entidade se transformou na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), em 1961, momento a partir do qual a organização passa a congregar Estados
industrializados. A partir de então, outros membros foram incorporados, como os EUA, o
Canadá e o Japão. Em dezembro de 2002 a organização contava com trinta membros.

29
ANTÔNIO CARLOS LESSA

claramente inspiradas pelo temor de uma eventual ressurreição da


Alemanha, mas progressivamente ganhariam um novo significado no
contexto da Guerra Fria. Ainda tendo em mente uma eventual ameaça
alemã, os ministros dos Negócios Estrangeiros da França, Georges
Bidault, e do Reino Unido, Ernest Bevin, firmaram em Dunquerque
em 4 de março de 1947 um tratado de aliança e de assistência mútua.
A tensão internacional crescente, simbolizada, no Leste
Europeu, pela aceleração do alinhamento dos países da região com a
URSS, no mesmo ritmo em que se tornou impiedosa a eliminação
dos democratas de oposição, ao lado da recusa soviética de participar
do Plano Marshall e da criação do Kominforn (em setembro de 1947),
fez lembrar que o inimigo do momento não era mais necessariamente
a Alemanha. Por isso, em fevereiro de 1948, a França e o Reino Unido
convidaram a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo a participarem
do sistema de garantias mútuas estabelecido em Dunquerque. Assim,
um novo tratado, denominado constitutivo da “União Ocidental”,
foi firmado em Bruxelas em 17 de março de 1948, comportando um
mecanismo de engajamento automático contra qualquer agressão e
organizando uma rede de relações não somente militares, mas também
políticas, econômicas e culturais.13
A cena internacional daria ainda numerosas demonstrações de
que os receios dos parceiros de Bruxelas tinham algum fundamento.
Com efeito, o golpe de Estado em Praga em fevereiro de 1948 e o
bloqueio de Berlim, em junho do mesmo ano, seguidos por outros
movimentos, como a China que se incorporava às fileiras do comunismo
e reforçava a tensão e os modos de enfrentamento entre os blocos na
Ásia, provocando o aparelhamento dos EUA para a campanha da
Coréia, esforço de contenção no qual também se inscrevia o apoio à
luta dos franceses na Indochina, eram todos movimentos que indicavam
a abertura de uma era de crises que prometia se perpetuar.
Entrementes, e por conta do sentimento generalizado de crise
que prenuncia as guerras, sobravam motivos para que o Senado norte-
americano deixasse de lado as esperanças de uma nova fase de

13 A propósito, ver Girault, René; Franck, Robert & Thobie, Jacques. op. cit., p. 107-133.

30
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

introspecção e autorizasse o governo de Washington a estabelecer


negociações para reforçar o sistema de segurança europeu. As
reconstruções econômica e moral da Europa Ocidental exigiam a
presença física permanente das forças norte-americanas. Para assegurá-
la, os EUA lideraram a união da “fração livre” da Europa em torno dos
objetivos de defesa comum, firmada solenemente com o anúncio de
uma aliança militar capitaneada por Washington, enquanto a República
Federal da Alemanha era criada com a conjunção das zonas de ocupação
francesa, inglesa e americana.14 O Tratado do Atlântico Norte foi
assinado em 4 de abril de 1949 pela França, pela Grã-Bretanha, pela
Bélgica, pelos Países Baixos, pelo Luxemburgo (os cinco parceiros do
Tratado de Bruxelas), e mais o Canadá, os EUA, a Dinamarca, a Islândia,
a Itália, a Noruega e Portugal.
Com o problema da defesa encaminhado com a transferência
de bilhões de dólares a título de cooperação econômica sob a égide do
Plano Marshall (tratava-se da transferência média de 1,2%, do Produto
Nacional Bruto dos EUA ao ano, durante os quatro anos de seu
funcionamento), a autoridade norte-americana estabeleceu as bases da
prosperidade na Europa, com uma política que se mostrara coerente
como o melhor meio para alcançar o objetivo possível: reduzir ao
mínimo os riscos de guerra entre os europeus, favorecer o soerguimento
da Europa Ocidental em um clima de segurança e de confiança e
preparar a reconciliação dos inimigos do passado recente.

1.4. O início da construção européia

A boa vontade norte-americana para com a reconstrução


econômica da Europa, evidentemente inspirada por motivações
estratégicas, passou também pela idéia de obsequiar aos europeus a

14 A criação da Otan se inseriu em movimento mais amplo que se processava desde 1947,
pelo qual os EUA se empenharam em estabelecer um disseminado sistema de alianças regionais
comprometidas com a luta anticomunista e com a promoção dos interesses ocidentais, como
por exemplo, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947), os Tratados de
Defesa com a Austrália, Nova Zelândia e Japão (1951), a Organização do Tratado do Sudeste
Asiático (Otase – 1954) e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean – 1965).

31
ANTÔNIO CARLOS LESSA

cooperação política e a integração econômica, que foi finalmente


arquitetada em 1950, com o anúncio do Plano Schuman, e passou a
ser construída a partir da criação da Comunidade Européia do Carvão
e do Aço (Ceca) em 1951, para atingir metas mais ambiciosas logo
depois com a Comunidade Econômica Européia (CEE) em 1957. A
prosperidade européia, ritmada em níveis de crescimento que
inicialmente se reportavam aos índices do pré-guerra, tamanha a
destruição trazida pelo conflito, logo se converteu em metas de futuro,
para imediatamente configurarem o maior período de crescimento
sustentado da história daquela parte do mundo: conhecido como os
trinta anos gloriosos dos franceses, os anos dourados dos ingleses, enfim,
décadas de dinamismo econômico e de satisfação social vivenciadas
por todos os europeus ocidentais.15
O desaparecimento de Stalin e a ascensão de Kruschev ao poder
na URSS, em 1953, prepararam o ambiente das relações entre as duas
superpotências, não necessariamente para a cooperação, mas para a
negociação. Com efeito, norte-americanos e soviéticos modificaram
gradualmente suas táticas, enterraram o espírito de cruzada e admitiram
a possibilidade de coexistirem, ao ponto em que passam a negociar
com resultados tangíveis, tanto sobre a vigilância da estabilidade
sistêmica quanto sobre a relativa integridade das respectivas áreas de
influência. A negociação do tratado de paz com a Áustria, a Conferência
de Cúpula de Genebra (1955), a ação concertada no episódio de Suez
(1956), o fato de ambas as superpotências possuírem armamentos
nucleares completos capazes de dissuadir o outro (a URSS explodiu a
sua primeira bomba atômica em 1953), são símbolos da abertura da
era do degelo, que seria entrecortada por novos e breves períodos de
deterioração.
Entrementes, os que favoreciam uma Europa federal estavam
extremamente ativos, e entre 1946 e 1947 se verificou a multiplicação
dos movimentos que defendiam a união ou outras formas de cooperação

15Girault, René; Franck, Robert & Thobie, Jacques. op. cit., p. 300-302.; Kennedy, Paul.
op. cit., 345-346. Fourastié, Jean. Les trente glorieuses, ou la révolution invisible (de 1946 à
1975). Paris: Fayard, 1979, 299 p.

32
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

mais ou menos intensas da parte ocidental do continente. Alguns desses


movimentos são expressões de grandes correntes políticas européias,
como o Movimento Socialista para os Estados Unidos da Europa, e
das Novas Equipes Internacionais, ambos de inspiração democrata-
cristã, e o Movimento para a Europa Unida, fundado por Winston
Churchill e pelo Partido Conservador inglês, e a Liga Européia de
Cooperação Econômica, criada pelo empresário belga Paul Van
Zeeland.16
A multiplicação de movimentos partidários da Europa unida
indicava o surgimento tumultuado de uma grande variedade de
discursos que tendiam a se excluir e a não contribuir para a afirmação
de uma ação forte o bastante para influenciar os governos nacionais.
Uma primeira tarefa, portanto, se impunha aos movimentos
integracionistas – a sua própria unificação. Assim, em dezembro de
1947, os mais influentes movimentos europeus constituíram, sob a
presidência do ministro britânico Duncan Sandys, um Comitê
Internacional de Coordenação para a Europa Unida, que realizou entre
7 e 10 de maio de 1948, em Haia, um grande Congresso que reuniu
cerca de 800 personalidades de dezenove países e conduziu à criação do
Movimento Europeu e que teve, como ponto de destaque da sua
resolução final, a sugestão de criação de uma Assembléia Parlamentar
Européia.17
A partir da criação do Comitê, na maior parte dos países
europeus ocidentais exerceu-se forte pressão sobre os governos para
que atuassem favoravelmente pela criação da Assembléia Parlamentar
Européia, que pudesse encorajar uma maior união e cooperação política
e econômica. Essa proposta chegou a ser transmitida formalmente pelo
governo da França aos Estados- membro do Tratado de Bruxelas (que
havia criado a União Ocidental em 1948 e que era formada pela França,
Grã-Bretanha, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), no âmbito
do qual foi criado um Comitê Permanente para o Estudo e o

16Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 15-24.


17Arbuthnott, Hugh & Edwards, Geoffrey. Guia do Mercado Comum. Rio de Janeiro:
Edições 70, 1990, p. 9-22.

33
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Desenvolvimento da Federação Européia. Os representantes britânicos


desejavam uma organização muito próxima do modelo tradicional da
cooperação intergovernamental (uma assembléia estritamente
dependente dos governos nacionais, uma vez que os seus membros
seriam mandatários dos Executivos Nacionais). Segundo a tese franco-
belga, ao contrário, as novas instituições deveriam traduzir diretamente
a opinião pública européia – a assembléia deveria ter um verdadeiro
caráter parlamentar e ser dotada de competências estendidas. Chegou-
se assim a um compromisso pelo entendimento entre os membros do
Tratado de Bruxelas, que ganhou a forma do Tratado de Londres de
5 de maio de 1949, que criou o Conselho da Europa, comportando
uma assembléia internacional de caráter parlamentar (de natureza
consultativa), ao qual estava ligado um comitê intergovernamental
composto pelos ministros das Relações Exteriores das partes, que era
responsável perante os governos nacionais.
A ambiguidade do compromisso era evidente: um largo
domínio de intervenção era reconhecido ao Conselho, mas seus meios
de ação efetivos eram exíguos, e o resultado foi um compromisso que,
como não podia deixar de ser, desapontou a muitos. Ao final, o
resultado do arranjo se assemelhava a uma conferência diplomática
permanente e a uma sociedade de debates. Segundo o seu estatuto, as
competências do Conselho se estendiam a múltiplas dimensões, dos
domínios econômico e social à dimensão cultural, científica e jurídica,
mas os assuntos de defesa e de política externa foram excluídos.
Os meios de que dispunha o Conselho da Europa eram muito
limitados, se prendendo ao debate de questões de interesse comum, à
conclusão de acordos e à adoção de uma ação comum sobre poucos
assuntos. Essa situação suscitou, desde o início do funcionamento dos
seus mecanismos, a proliferação de propostas de revisão do seu estatuto,
tendo sido a primeira delas depositada ainda em 16 de agosto de 1949,
apenas oito dias após o início da Primeira Sessão da Assembléia. Outras
propostas visavam a criação de um federalismo global a partir do
Conselho, como a Emenda Mackay, aprovada pela Assembléia em 6
de setembro de 1949, que considerava como sendo o objetivo do
Conselho da Europa “criar uma autoridade política européia dotada

34
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

de funções limitadas, mas de poderes reais”. Essas propostas estavam


destinadas ao fracasso, tendo em vista que os Estados-membro eram
ainda extremamente reticentes quanto a eventuais transferência de
parcelas de soberania a uma autoridade supranacional, como se tornaria
claro com o avanço das discussões em torno da integração na Europa.
A oposição da Grã-Bretanha e dos países escandinavos a
qualquer elemento supranacional no Conselho da Europa levou os
federalistas abatidos pelas limitações do primeiro empreendimento
dedicado à união na Europa a concentrarem as suas atenções e esforços
de influência sobre os governos e os meios políticos da França, da
Itália, da República Federal da Alemanha (RFA), da Bélgica, da Holanda
e do Luxemburgo. Ainda que a criação do Conselho da Europa tenha
sido recoberta de dúvidas quanto à efetividade de empreendimentos
dessa natureza, não podia deixar de ser considerada um grande avanço
na direção da cooperação entre os países da Europa Ocidental,
uma vez que agia para dirimir rivalidades históricas, como aquela
que separava desde muito a França e a Alemanha, que poderia ser
transformada.
Com o Conselho, o processo de construção de instituições
supranacionais de cooperação deixava de ser uma iniciativa de grupos
de partidários entusiastas da causa da Europa Unida, e passava a ser um
tema tratado diretamente pelos governos nacionais, que passavam
lentamente a perceber que eventualmente existiriam mais ganhos na
cooperação do que na perpetuação das políticas tradicionais. Ganhava
corpo gradualmente a crença de que os graves problemas econômicos
enfrentados pelos países da Europa Ocidental, que eram em grande
medida comuns, poderiam ser melhor resolvidos pela unificação
progressiva de ações, somando-se ao impulso facilitador proporcionado
pela política de cooperação para a reconstrução dado pelos EUA.18
O mais importante destes problemas econômicos eram as
indústrias do carvão e do aço francesa e alemã, evidentemente
fundamentais para a reconstrução econômica, que eram geograficamente

18 Ver, a propósito, Lundestad, Geir. “Empire” by Integration: The United States and European
Integration, 1945-1997. New York-Oxford: Oxford University Press, 1998. 199 p.

35
ANTÔNIO CARLOS LESSA

contíguas mas nacionalmente separadas. As condições favoráveis ao


estabelecimento de uma comunidade para o planejamento da exploração
do carvão e de produção siderúrgica surgiram do temor demonstrado
pelo governo e pelos meios políticos da França de se assistir à rápida
recuperação do poderio alemão caso a Alemanha Ocidental recuperasse
o controle do seu complexo siderúrgico, base para qualquer processo
de industrialização e, portanto, para o reestabelecimento econômico e
a respeitabilidade política. Inspirando-se nas propostas de Jean Monnet,
então à cabeça do programa de recuperação econômica, o ministro dos
Negócios Estrangeiros da França, Robert Schuman, apresentou em
9 de maio de 1950 um plano para a exploração conjunta dos recursos
do carvão e do aço da Europa Ocidental sob uma autoridade única e a
criação de um mercado único.
O Plano Schuman conciliava soluções técnicas tanto sobre a
exploração do carvão e do minério de ferro (que diziam mais respeito
à Alemanha, por conta do Ruhr e do Sarre, e à França, devido à Lorena
– todos grandes pólos produtores de minério e também centros
siderúrgicos importantes) quanto às indústrias pesadas da Bélgica e do
Luxemburgo. Além disso, o que era mais importante, é que o Plano
era articulado por uma sofisticada engenharia política, de objetivos
ambiciosos que se estabeleciam na medida da complexidade e das
necessidades da reconciliação franco-alemã. O método proposto refletia
o empirismo de Jean Monnet e da sua equipe na área de planejamento
do governo francês, que atuaram como consultores de Schuman na
definição de uma estratégia de largo fôlego para a construção da Europa:
eram rejeitadas as soluções de conjunto, que tendiam a suscitar as mais
variadas resistências por parte dos Estados eventualmente envolvidos,
e adotava-se a abordagem gradualista, que propugnava realizações
concretas, ainda que limitadas, mas que permitissem a criação de uma
solidariedade de fato. Tal realização consistiria, no caso, da implementação
de uma indústria pesada comunitária, a qual, pelo seu dinamismo,
deveria ser o elemento propulsor de uma comunidade maior e mais
profunda. As instituições apresentadas no Plano Schuman adquiriam
um caráter francamente supranacional, ganhando a forma de uma Alta
Autoridade, cujas decisões ligariam os Estados-membro, composta de

36
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

membros independentes dos governos nacionais e cujas decisões teriam


execução plena nos diferentes países.
Embora a participação plena na comunidade que vinha de
ser criada tenha sido rejeitada pela Grã-Bretanha, por outro lado, a
RFA, a Itália a Bélgica os Países Baixos e o Luxemburgo acolheram o
Plano Schuman com entusiasmo e as negociações, que se estenderam
por dez meses, foram concluídas com sucesso e resguardando as idéias
originais. O Tratado instituindo a Comunidade Européia do Carvão
e do Aço (Ceca) foi firmado aos 18 de abril de 1951 em Paris,
instaurando um mercado comum progressivo do carvão e do aço,
implicando, em conseqüência, a supressão de direitos alfandegários,
de restrições quantitativas à livre circulação desses bens, de medidas
discriminatórias e de subsídios ou ajudas de qualquer natureza
eventualmente acordadas pelos Estados-membro aos produtores
nacionais. O Tratado de Paris que estabelecia a Ceca entrou em vigor
em 25 de julho de 1952.19
A importância da Ceca foi fundamental, tendo em vista que o
elemento supranacional preponderava, parecendo romper as resistências
em torno de medidas que levassem a algum tipo de transferência de
soberania: o poder executivo estava nas mãos de uma Alta Autoridade
que representava os interesses da Comunidade no seu todo e que não
podia ser dissolvido pelo Conselho de Ministros, que por seu turno
representava os Estados-membro. Este órgão, criado em grande parte
para vencer temores dos membros do Benelux20 (a Bélgica, os Países
Baixos e o Luxemburgo) de serem dominados pela França e pela RFA,
foi concebido como uma limitação aos poderes da Alta Autoridade. A
conclusão levada a bom cabo das negociações da Ceca deu enorme
impulso à causa federalista, ao passo que o anterior sucesso da Alta
Autoridade deu um peso considerável à abordagem funcionalista da
integração.

19 Aporpósito, ver Dinan, D. Evercloser Union: an introduction to European Union. Boulder:


Lynne Rienner, 1998, passim.
20 O Benelux é a união aduaneira formada pela Bélgica, pelos Países Baixos e pelo Luxemburgo
que entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 1948.

37
ANTÔNIO CARLOS LESSA

1.5. Da Ceca à tentativa da concertação na defesa

Os êxitos da negociação da Ceca, combinados com a crescente


ameaça da URSS, e em particular pela eclosão da Guerra da Coréia
(1950), levaram, pela primeira vez, a uma tentativa de estabelecer
organizações supranacionais mais ambiciosas, especialmente na área da
defesa e da política externa. As idéias de cooperação formal nessas áreas
eram também impulsionadas pelos temores de que o aprofundamento
da Aliança Atlântica propugnado pelos EUA levasse, cedo ou tarde, ao
rearmamento da Alemanha, para o que a opinião pública européia não
estava de fato ainda preparada.21
No quadro dessas limitações, ganhava importância no governo
francês a tese de que poderia ser viável a transposição da abordagem
técnica do Plano Schuman à área da defesa, sendo possível vislumbrar
um aprofundamento do “federalismo parcial” que vinha sendo bem
aceito pelas opiniões públicas, meios políticos e pelos grupos dirigentes
dos seis Estados-membro da Ceca (França, RFA, Itália, Bélgica, Países
Baixos e Luxemburgo) Assim, o Primeiro-Ministro René Pleven
apresentou à Assembléia Nacional da França em 24 de outubro de
1950, o projeto de uma Comunidade Européia de Defesa (CED),
preparado pela mesma equipe que auxiliara Robert Schuman na
elaboração das idéias que levaram à Ceca. Pelas idéias de Pleven, seria
criado um exército europeu comum, cujos contingentes seriam providos
pelos Estados-membro, e ligado às instituições políticas da “Europa
Unida”, sob a autoridade de um ministro Europeu da Defesa, nomeado
pelos governos dos Estados-membro e que seria assistido por uma
Conselho dos Ministros, além de ser responsável perante uma
Assembléia Européia. O parlamento francês aprovou o plano de Pleven
e conferiu-lhe um voto de confiança para que negociações pudessem
ser empreendidas com os outros governos interessados.22

21 Ver,a propósito, Hitchcock, William I. France Restored: ColdWar Diplomacy and the Quest
for Leadership in Europe, 1944-1954. Chapel Hill: University of North Carolina Press,
1998. 291 p.
22 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 25-48.

38
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Desta feita a iniciativa francesa não recebeu na opinião pública


e nos meios dirigentes europeus o acolhimento caloroso que fôra
reservado ao plano de cooperação íntima no mercado do carvão e do
aço, e grupos importantes se dividiram em torno da proposta: para
uns, a proposta da CED tinha o propósito de retardar os planos de
aprofundamento da Aliança Atlântica defendidos por Washington, que
considerava ser possível fazê-lo mediante o rearmamento alemão;
outros, temerosos das conseqüências que a realização do projeto
poderiam portar para a segurança da Europa, e ainda escaldados pelas
lembranças muito vivas da guerra, viam na iniciativa o meio mais fácil
para rearmar o inimigo de ontem. É fato que a Alemanha, ainda que
caminhasse celeremente para uma prática consolidada de cooperação e
de estabilidade política, ainda não tivera oportunidades de evidenciar,
se rearmada, o total controle das forças obscuras que levaram a
Europa ao caos menos de uma década antes. Mesmo entre os alemães
surgiram reações distintas à proposta da CED – uns, propugnavam o
reestabelecimento pleno do direito soberano de constituir forças armadas,
e não apenas na forma de grupamentos especiais para o eventual efetivo
europeu, enquanto os pacifistas se opunham a qualquer rearmamento
– e no meio das duas tendências, equilibrava-se o governo de Bonn,
que hesitou por um momento diante do inusitado da proposta francesa.
O Conselho da Aliança Atlântica acolheu a proposta francesa
com a decisão de estabelecer dois processos negociadores simultâneos,
que tinham o propósito de discutir a participação militar alemã na
Otan e de estabelecer os princípios que regeriam a constituição de
uma força européia. Uma comissão de alto nível foi constituída em
fevereiro de 1951 para estudar as dimensões técnicas envolvidas na
criação da futura força. Em 25 de maio de 1952 o Tratado instituindo
a Comunidade Européia de Defesa foi assinado em Paris pela França,
Itália, RFA, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo (os seis membros da
Ceca), em meio a intenso debate, que dividia as opiniões públicas e os
parlamentos de todos os Estados envolvidos. Essa cisão foi extremamente
marcada na França, onde os partidários da criação da comunidade se
esmeravam para evidenciar que existiriam garantias políticas de um
efetivo controle democrático da futura força comum.

39
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Com a intenção de solapar as reticências observadas por toda a


Europa, o primeiro-ministro italiano, Alcide de Gasperi, propôs que a
Assembléia Parlamentar Européia, entidade encarregada de controlar a
futura força, deveria apresentar projetos não somente para a instauração
do sufrágio universal, mas especialmente para o estabelecimento de
uma estrutura federal que teria por função coordenar as comunidades
já em funcionamento, envolvendo, portanto, o desenvolvimento da
Europa militar nos controles efetivos de uma futura Europa política.
A proposta de Gasperi foi encampada pelos ministros dos Negócios
Estrangeiros dos seis Estados envolvidos na negociação da CED, que
decidiram pela constituição de uma comunidade política, que passaria
a funcionar paralelamente com a Comunidade de Defesa. Assim, para
dar trâmite à proposta de criação da comunidade política, decidiu-se
por uma convocação extraordinária dos membros da Assembléia da
Ceca, aos quais se somaram novos parlamentares especialmente
convocados para, juntos, fazerem as vezes de Assembléia da
Comunidade de Defesa com a missão de propor um projeto de tratado
para a instituição de uma Comunidade Política Européia. A proposta
emanada dessa assembléia especial, que tinha um caráter francamente
federalista, foi enviada para os representantes dos governos dos Seis
em 10de março de 1953, e nunca encontrou esteio para a sua discussão
ou aprovação. Os representantes nacionais decidiram pela discussão de
um projeto substitutivo, que deveria ser desenvolvido em negociações
intergovernamentais (e não mais com a participação de uma
Assembléia), que se estenderam entre 1953 e 1954.
Entrementes, a própria disposição de firmeza intempestiva que
levara o governo francês a apresentar o projeto de criação de uma
comunidade de defesa havia mudado com a ascensão de Pierre Mendès-
France à função de chefe de Governo, dando lugar para uma postura
de relativa indiferença às questões de segurança e de defesa. Com efeito,
nesse momento, o sistema político da IV República francesa começava
a dar sinais de rápida decomposição, tanto em virtude do aumento de
tensões vindas da gerência temerária do processo de desmonte do
império colonial, bem marcado no aprofundamento da Guerra da
Argélia, quanto pela divisão insolúvel que a questão argelina engendrou

40
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

na sociedade francesa. A indiferença de Mendès-France com relação à


CED acabou por dar folga, tanto no gabinete de governo quanto na
Assembléia Nacional, para o avanço decidido dos opositores da
Comunidade. Por esse momento, o Tratado de Paris de 1952 já havia
sido aprovado por quatro dos Estados envolvidos, mas o primeiro-
ministro francês decidiu submeter aos governos parceiros algumas
medidas tendentes a atenuar o seu inequívoco caráter supranacional,
de modo a buscar um ponto de equilíbrio que permitisse o reencontro
das diferentes facções existentes no seio do governo, do parlamento e,
evidentemente, da opinião pública da França.23
Era evidente que os demais governos rejeitariam as emendas
de Mendès-France, como de fato, o fizeram. Por isso, a Assembléia
Nacional francesa também decidiu encerrar preliminarmente a discussão
acerca da CED e da participação que nela teria a França, não se
beneficiando o Tratado nem mesmo de uma defesa incisiva do
primeiro-ministro, sendo retirado de pauta e definitivamente arquivado.
Na França, a CED foi eqüivocadamente confundida como
sendo uma escolha sobre o rearmamento da Alemanha, e não como
um projeto capaz de aprofundar e de tornar irreversível a cooperação
entre os Estados e as nações para o enfrentamento de problemas que se
lhes apresentava comuns.24 O fato é que todo a debate acerca da
constituição da CED e, por extensão, a própria emenda da criação da
Comunidade Política Européia, estava eivado de reticências – afinal,
não teria sido esse um processo de mudança rápida demais para as
estruturas resistentes do Estado-nacional?
Por outro lado, o rearmamento alemão não poderia mais ser
adiado e a determinação dos parceiros ocidentais convergia para essa
direção, não tardando a forçar a busca de uma solução para essa questão.
A saída para o impasse surgido com a rejeição da CED pelo parlamento
francês foi dada pela proposta inglesa de revitalizar o Tratado de Bruxelas
(firmado em 1948 pela Grã-Bretanha, França, Bélgica, Luxemburgo e

23 Rioux, Jean-Pierre. La France et la Quatrième République: l´expansion et l´impuissance


(1952-1958). Paris: Éditions du Seuil, 1983, p. 9-47.
24 Idem, p. 48-54.

41
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Países Baixos), nele admitindo a RFA e a Itália. Esse projeto, apresentado


pelo Primeiro-Ministro Anthony Eden assegurava de uma só vez a
solução para dois problemas, quais sejam, o da participação da Grã-
Bretanha nos mecanismos de defesa da Europa continental, e o da
definição de algum controle europeu sobre o processo de criação de
forças armadas na Alemanha. Assim, no encerramento da Conferência
de Paris que se sucedeu entre 20 a 23 de outubro de 1954, foram
assinados os acordos que puseram fim à ocupação da RFA e que criaram
a União da Europa Ocidental (UEO), instituição destinada a ser um
elo entre a Otan e a os Estados europeus, fornecendo a estrutura na
qual a admissão alemã na Aliança Atlântica era aceitável e permitindo
a manutenção das forças britânicas no continente europeu.

Cronologia

1945 8 de maio – Capitulação da Alemanha (fim da guerra


na Europa)
26 de junho – Assinatura da Carta da Organização das
Nações Unidas em São Francisco;
17 de julho
a 2 de agosto – Conferência de Potsdam;

1946 10 de janeiro – Abertura da Primeira Assembléia Geral das


Nações Unidas, em Londres;
24 de janeiro – A Assembléia Geral da ONU aprova por
unanimidade a criação de uma comissão de
energia atômica;
6 de março – França reconhece a República do Vietnã;
19 de setembro – Winston Churchill preconiza em Zurique
a constituição dos Estados Unidos da
Europa, com a ambição de reconstituir a
família européia”;

42
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1º de outubro – Unificação econômica das zonas de ocupação


britânica e americana na Alemanha;
17 de dezembro – Criada em Paris a União Federalista Européia.

1947 7 de janeiro – Nomeação do General Marshall para o


Departamento de Estado nos EUA;
12 de fevereiro – Início da guerra civil na Grécia;
4 de março – Tratado de Dunquerque entre a França e a
Grã-Bretanha;
12 de março – Formulação da Doutrina Truman;
14 de maio – Criação do movimento Europa Unida,
contrário aos órgãos supranacionais e a favor
da cooperação intergovernamental;
1º de junho – Criação do Conselho Francês para uma
Europa Unida;
3 de junho – Criação do movimento dos Estados
Unidos socialistas da Europa, rebatizado em
1961 como Esquerda Europeia.
5 de junho – Lançamento do Plano Marshall, que prevê
ajuda maciça para a reconstrução das
economias européias devastadas pela guerra;
27 a 31 de agosto – Congresso da União Européia dos
Federalistas em Montreux, Suíça.
13 a 14 de dezembro – Congresso das organizações para a unificação
da Europa.

1948 1º de janeiro – Entra em vigor o Benelux, união aduaneira


entre a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo;
23 de fevereiro – Reunião Tripartite (EUA, Grã-Bretanha e
França) sobre o estatuto da Alemanha

43
ANTÔNIO CARLOS LESSA

17 de março – França, Grã-Bretanha e os países do


Benelux firmam o Tratado dito da União
Ocidental, que comporta um compromisso
de assistência automática contra qualquer
agressão;
7 a 10 de maio – Realização do congresso de Haia, no qual
foi fundado o Movimento Europeu;
16 de abril – Criação da Organização Européia de
Cooperação Econômica (Oece);
11 de junho – Senado dos EUA adotam a Resolução
Vanderberg, que autoriza a participação do
país em um pacto de defesa mútua com os
países da Europa Ocidental;
23 de junho – Início do bloqueio de Berlim;

1949 29 de janeiro – Criação do Conselho de Assistência Eco


nômica Mútua (Comecom), compreen
dendo a URSS, Tchecoslováquia, Hungria,
Romênia e Polônia;
4 de abril – Assinatura em Washington do Tratado do
Atlântico Norte, que criou a Otan;
4 de maio – Fim do bloqueio de Berlim;
5 de maio – Criação do Conselho da Europa, composto
pela Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda,
Itália, Luxemburgo, Noruega, Países
Baixos, Grã-Bretanha e Suécia;
23 de maio – Criação da República Federal da Alemanha;
23 de setembro – Explosão da primeira bomba atômica
soviética;
10 de outubro – Criação da República Democrática Alemã;

44
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1950 9 de maio – Anunciado o Plano Schuman, preconizando


a criação depoolaço-carvoeiro entre países
da Europa Ocidental;
24 de outubro – Anunciado o Plano Pleven, propondo a
criação de uma Comunidade Européia de
Defesa (CED);
4 de novembro – Adoção pelo Conselho da Europa da
Convenção de Salvaguarda dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais;
9 de novembro – O Alto Comissariado Aliado decide revisar
o Estatuto da Ocupação da Alemanha.

1951 18 de abril – Criação da Comunidade Européia do


Carvão e do Aço (Ceca), reunindo os países
do Benelux, a França, a Itália e a RFA;
9 de julho – 32 membros da ONU reconhecem o fim
do Estado de Guerra com a Alemanha;

1952 26 de maio – Acordos de Bonn devolvem à RFA sua


soberania externa;
27 de maio – Assinatura de tratado instituindo a Comu
nidade Européia de Defesa (CED) pela
França, Itália, Bélgica, RFA, Países Baixos
e Luxemburgo;
25 de julho – Entra em vigor a Comunidade Européia do
Carvão e do Aço (Ceca);
10 de agosto – Instalada a Alta Autoridade da Ceca em
Luxemburgo, sob a presidência do francês
Jean Monnet;
10 de setembro – Criação de uma Assembléia ad hoc para
propor o projeto de uma Comunidade
Política Européia (CPE).

45
ANTÔNIO CARLOS LESSA

1953 10 de fevereiro – Tem início o mercado comum europeu do


carvão e do minério de ferro;
5 de março – Morte de Stálin;
10 de março – Assembléia da Ceca apresenta o projeto para
a criação de uma Comunidade Política
Européia (CPE);
15 de março – Governo da URSS anuncia a Doutrina
Malenkov da coexistência pacífica;
1º de maio – Tem início o Mercado Comum Europeu
do Aço;
7 de setembro – Nikita Kruschev é nomeado Primeiro
Secretário do Partido Comunista da União
Soviética;

1954 25 de janeiro a
18 de fevereiro – Conferência dos Ministros dos Negócios
Estrangeiros dos Quatro (EUA, França,
Grã-Bretanha e URSS) em Berlim;
31 de março – Proposição Molotov por um pacto europeu
de segurança coletiva;
30 de agosto – Fracassa na Assembléia Nacional Francesa
o projeto de criar a Comunidade Européia
de Defesa (CED) e a Comunidade Política
Européia (CPE);
9 a 23 de outubro – Itália e RFA são admitidos ao Pacto de
Bruxelas durante a Conferência de Paris;
23 de outubro – Criação da União da Europa Ocidental;
21 de dezembro – Assinatura de acordo de associação da
Grã-Bretanha à Ceca.

46
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

2. A primavera européia

2.1. Os tratados de Roma

O colapso da Comunidade Européia de Defesa (CED) trouxe


consigo o congelamento automático do projeto da Comunidade
Política Européia (CPE), que deveria incorporar por seu turno a de
defesa e a do carvão e do aço. Com esses reveses percebia-se não apenas
a força do conceito tradicional do Estado-nação, em especial na França
e na Grã-Bretanha, mas também traduzia-se uma leitura exata de fluidez
da cena internacional, que naquela conjuntura era caracterizada pela
breve distensão na Guerra Fria vivida entre a morte de Stálin (1953) e
a invasão da Hungria por forças soviéticas (1956), o que certamente
produziu em alguns meios políticos não propriamente um sentimento
de maior segurança, mas certamente o afastamento da sensação de crise
internacional permanente.
A interrupção das iniciativas de integração de natureza federalista
que procuravam aprofundar a dinâmica da cooperação interestatal de
modo voluntarista, relativizando a soberania nacional pela constituição
de mecanismos supranacionais, acabou postergando o processo de
construção da Europa nas áreas vitais da defesa e da política externa, e
empurrando os parceiros envolvidos para o aprofundamento da sua
participação em arranjos mais familiares e que oferecessem margens
menores de risco, seja pela sua natureza intergovernamental (e não
supranacional), seja pela qualidade dos atores envolvidos e pela
autoridade que neles exerciam, como a Otan e a própria União da
Europa Ocidental (UEO). Por outro lado, esse contratempos acabaram
por conduzir a uma nova ênfase na abordagem funcionalista da
integração, que era naturalmente mais pragmática – porque criava a
solidariedade em torno de questões importantes, mas não vitais,
enquanto ia produzindo gradualmente compromissos nos parlamentos,
nos aparelhos de Estado e nas opiniões públicas nacionais tanto com a
causa da integração quanto com a necessidade de aprofundá-la para
fazer face aos problemas comuns.

47
ANTÔNIO CARLOS LESSA

A segunda fase de integração na Europa Ocidental teve, pois,


lugar contra o pano de fundo do malogro de dois esquemas grandiosos
das comunidades política e de defesa e do modesto, mas não menos
profundo, êxito da Ceca. Quando os governos dos seis países que
compõem o Ceca (França, RFA, Itália, Bélgica, Países Baixos e
Luxemburgo) se reuniram em Messina, na Sicília, em junho de 1955,
a convite do chanceler italiano para nomearem um substituto para
Jean Monnet como presidente da Alta Autoridade da Ceca, o ânimo
da construção da Europa estava sem dúvida arrefecido, comprometido
pela derrota da aprovação da CED, mas é certo que não estava
paralisado.1 Naquela oportunidade, os governos dos países do Benelux
trouxeram para a mesa dos seus parceiros um projeto que poderia
propiciar o relançamento do ímpeto integracionista, na forma da criação
de um mercado comum amplo, no qual se realizaria a livre circulação
de bens, capitais e do trabalho. Ainda que o projeto do Benelux tenha
contado com a simpatia calorosa da Itália, os representantes da França
e da RFA, tendo em mente que tal projeto repetia a abordagem
impetuosa que levou ao fracasso da CED, propuseram uma via de
prudência, manifestando a sua preferência por integrações graduais e
setoriais, como nos domínios dos transportes e da energia. Havia
também o problema do desenho institucional, uma vez que novas
integrações, ainda que parciais, tornavam prementes o problema da
inadequação do processo de decisão e de gerência das políticas comuns
se se decidisse por estender essas competências à Alta Autoridade e à
Assembléia já constituídas e em funcionamento da Ceca.
O consenso construído em Messina apontava, portanto, para
a necessidade de se buscar aprofundar a cooperação entre os Seis,
privilegiando a abordagem funcionalista, que encaminharia a integração
setor a setor. Decidiu-se pela criação de um Comitê que ficaria
encarregado de propor um programa estendido de integração, que
poderia incluir a organização comunitária da utilização pacífica da
energia nuclear, o desenvolvimento do comércio de energia
convencional e atômica, a organização de uma rede européia de vias de

1 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 49-51.

48
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

transporte e, eventualmente, a preparação progressiva de um mercado


comum sem direitos alfandegários, quotas e licenças de comércio. A
presidência desse Comitê foi confiada a Paul-Henri Spaak, ministro
dos negócios estrangeiros da Bélgica, que concluiu e apresentou o seu
relatório aos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis aos 23 de
abril de 1956, recomendando a criação de uma Comunidade Européia
de Energia Atômica e de uma Comunidade Econômica Européia, a
tempo de ser apreciado e aprovado na Conferência dos Seis que
aconteceria em Veneza entre 29 e 30 de maio do mesmo ano.
O Relatório do Comitê Spaak, forneceu os eixos da negociação
que se abriu e se desenvolveu pelos dez meses seguintes, com o objetivo
de estabelecer os projetos de convenção que criariam as novas
comunidades. Nesse processo ficou muito bem marcado o surgimento
de visões diferentes dos parceiros, que expressavam as suas próprias
prioridades de política externa e as suas particularidades econômicas. A
França, por exemplo, trouxe para a mesa de negociações a necessidade
de incluir no futuro Mercado Comum as atividades agrícolas e de
estabelecer mecanismos que contemplassem a associação das suas
colônias e ex-colônias, como também o financiamento da ajuda para
o desenvolvimento que lhes estava destinada. Do mesmo modo, a
RFA evidenciou as suas reticências acerca de alguns dos mecanismos
esboçados no desenho da Comunidade de Energia Atômica, como a
criação de um escritório que concentraria e unificaria as compras de
material físsil. Sempre tendo em mente a experiência da CED e as
resistências oferecidas pelas opiniões públicas e pelos meios políticos
dos parceiros envolvidos naquela empreitada, Jean Monnet organizou
a criação de um Comitê de Ação para os Estados Unidos da Europa,
congregando lideranças políticas, empresariais e sindicais dos seis
Estados-membro da Ceca, que se dedicaria desde já ao trabalho de
sensibilizar os formadores de opinião e os membros dos parlamentos
para a causa da construção da Europa, preparando o terreno para a
apresentação dos acordos que comporiam os Tratados finais que foram
assinados em Roma em 25 de março de 1957, ratificados pelos
parlamentos de todos os Estados-membro entre setembro e dezembro
daquele ano, e entrariam em vigor em 1º de janeiro do ano seguinte.

49
ANTÔNIO CARLOS LESSA

O tratado que instituiu a Comunidade Econômica Européia


(CEE), marco fundamental do processo de construção da Europa, tinha
por objetivo precípuo estabelecer um mercado comum entre os
parceiros, promovendo um desenvolvimento harmonioso das
atividades econômicas, a sua expansão contínua e equilibrada, a melhora
acelerada do nível de vida das suas populações e, evidentemente, de
acordo com a letra do tratado, “relações mais estreitas entre os Estados
europeus”. O mercado comum que vinha de ser criado estabelecia
uma união aduaneira, que punha fim aos direitos alfandegários e a
outras formas de restrições ao comércio entre os membros, erigindo
uma tarifa externa comum – medidas que entrariam em vigor
progressivamente, ao longo de um período de transição de doze anos.
A criação do Mercado Comum Europeu (MCE) importava também
na abolição de outros obstáculos, como aqueles que existiam na
circulação do trabalho, dos bens e serviços e dos capitais entre os Estados-
membro, além do estabelecimento de condições favoráveis à livre
concorrência, ficando proibidas formas danosas de proteção,
discriminação e de associação entre os agentes econômicos. Por fim, a
grande inovação portada pela letra do compromisso era a previsão do
estabelecimento de políticas comuns e já ficou estabelecida uma política
agrícola, que teria os seus princípios depois refinados na Conferência
Agrícola de Stresa (3 a 12 de julho de 1958).
O segundo Tratado de Roma instituía a Comunidade Européia
de Energia Atômica (Euratom), que tinha o propósito de favorecer a
formação e o crescimento de uma indústria nuclear européia, buscando
desenvolver uma política de pesquisa e difusão de conhecimentos,
regulando o aprovisionamento de matérias-primas e incentivando
investimentos públicos e privados no desenvolvimento da capacidade
de produção da indústria comum que vinha de ser criada.
Ambos os tratados inovavam no desenho institucional e
expressavam a preocupação de evitar que diferenças fundamentais entre
os os Seis viessem a surgir no gerenciamento das novas comunidades
ficando, por isso, o elemento supranacional mais limitado do que sob
a Ceca. Ficavam a partir de então estabelecidas estruturas que se
assemelhavam a uma espécie de Poder Executivo comunitário, que

50
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

eram denominadas Comissões, independentes dos governos nacionais,


mas com poderes mais limitados do que aqueles que concentrava a
Alta Autoridade da Ceca. Nas novas comunidades, o Conselho de
Ministros, organismo intergovernamental, tinha um controle maior
sobre a tomada de decisões e sobre as Comissões, que por outro lado,
retinha o direito de iniciativa.
A abordagem supracionacional manteve-se, todavia, forte ao
governo britânico, que enviara representantes oficiais a vários encontros
do Comitê Spaak. Londres hesitava entre o tentador arranjo em vias
de negociação pelos governos da França, Itália, RFA, Bélgica, dos Países
Baixos e do Luxemburgo e as prerrogativas que a sua Commonwealth
lhe proporcionava. Por isso, antes de se retirar, propôs que a fórmula
da união aduaneira ou mercado comum com uma tarifa externa comum,
fosse substituída pela de uma área de livre comércio, pela qual era
possível que os Estados-membro acordassem uma tarifa reduzida e
comum para o seu próprio relacionamento comercial, mas mantivessem
as suas próprias tarifas nacionais para o comércio com terceiros países.
Eventualmente, de acordo com a fórmula britânica, os dois arranjos
poderiam coabitar – o da CEE e o da Euratom, com uma área de livre
comércio, que reuniria por seu turno os países-membro da Organização
Européia de Cooperação Econômica (Oece) que não tomaram parte
no Mercado Comum Europeu.2
Acresce que a fórmula inglesa lhe traria a vantagem de não
enredar a Grã-Bretanha em um processo político que se lhe apresentava
complexo – afinal, uma zona de livre comércio é exclusivamente um
processo comercial, sem a necessidade de estabelecimento de políticas
comunitárias, como vinha sendo negociado na fórmula encampada
pelos membros da CEE. Com efeito, havia a crença de que o mercado
comum conduziria de maneira mais eficaz à integração gradual das
economias dos Estados-membro, e para sublinhar esse aspecto, os
Tratados de Roma foram além dos aspectos “negativos” da integração,
que são o simples desmantelamento de barreiras comerciais, sugerindo
por outro lado um modo de integração “positiva”, que ganharia a forma

2 Girault, René; Frank, Robert; Thobie, Jacques op. cit., p. 321.

51
ANTÔNIO CARLOS LESSA

de políticas comunitárias em vários campos, sendo o mais importante


o da agricultura.
Era evidente que o anúncio de uma obra política da envergadura
daquela proposta pelos tratados de Roma suscitariam as mais variadas
oposições, apreensões e resistências, não apenas entre os países europeus
que ficaram de fora do espaço econômico que vinha de ser criado, mas
igualmente entre os países extra-europeus que mantinham sólidas
relações comerciais com os seis membros da CEE, e viam na perspectiva
da criação do MCE, do estabelecimento da tarifa comum e da associação
das colônias e ex-colônias, movimentos danosos que levariam ao
deslocamento das correntes de comércio, quando não propiciariam a
perda irremediável de mercados consumidores – essa era a expectativa,
por exemplo, dos países da América Latina. Por isso, antes mesmo dos
Tratados de Roma entrarem em vigor, os Seis tornaram-se o alvo dos
mais contundentes protestos, que os forçaram a estabelecerem novos
processos negociadores, sobretudo com os países europeus que se
sentiram prejudicados pela criação iminente do MCE. Assim, o primeiro
desses processos se estabeleceu com os membros da Oece que não
tomaram parte no Tratado de Roma, e teve como ponto de partida o
estudo de uma proposta de constituir uma área de livre comércio ligando
o MCE aos membros daquela organização. Os esforços dos governos
europeus extracomunitários de alcançarem a extensão dos benefícios
de comércio que os Seis acordaram para regular as suas relações
comerciais a partir de janeiro de 1958 não chegaram, entretanto, a
bom termo. As negociações com os países da Oece extracomunitária
foram paralisadas quando os governos da França, Bélgica, RFA, Itália,
dos Países Baixos e do Luxemburgo negaram-se a conceder-lhes o
mesmo regime alfandegário em setores industriais de alto nível
tecnológico, como por exemplo, o automobilístico.
Com a ruptura das negociações, a CEE sofreu a sua primeira
condenação pública, curiosamente no próprio Conselho da Oece,
instância da qual também faziam parte, promovida pelos governos
britânico, suíço e sueco. A reação do Estados que foram excluídos do
MCE foi direta e ganhou a forma do estabelecimento de uma Associação
Européia de Livre Comércio (Efta, sigla em inglês) que, liderada pela

52
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Grã-Bretanha, reunia a Áustria, Dinamarca, Suécia, Suíça e Portugal,


entrando em vigor em maio de 1961. A idéia era construir um meio
de pressão sobre o MCE, tentando auferir as vantagens comerciais do
livre-comércio com aquele que parecia se constituir no pólo dinâmico
da economia européia, mas sem se submeter aos riscos e aos custos da
supranacionalidade.3

2.2. O desafio francês

La grandeur... assim Charles de Gaulle recorrentemente


expressava o espírito que, aos seus olhos, deveria iluminar a política
exterior francesa a partir da Segunda Guerra Mundial, sintetizando
eficazmente os objetivos da política com que pretendia, a um só tempo,
exorcizar os demônios da França derrotada em 1940, e, a partir de
então, sombra fugaz da potência que conheceu o seu apogeu ao longo
de todo o século XIX, e estabelecer um novo papel internacional para
o país que resguardasse a excepcionalidade de sua visão de mundo e a
sua independência nacional. 4 Com efeito, a obsessão com as dimensões
de prestígio, com a grandeza, com a posição de destaque na comunidade
internacional, com o temor do declínio relativo, dá forma a uma filosofia
de ação para os homens de Estado da França, do mesmo modo que o
resguardo da missão civilizadora, que perpassa as concepções de rang,
grandeur epuissance é por eles concebida como um dever histórico.
O retorno do General de Gaulle ao poder na França, em maio
de 1958, constitui o fator de legitimação das ambições da sociedade
francesa, que finalmente tinha de volta o líder capaz de verbalizá-las
sem pudores. O traço fundamental da prática internacional da França
sob de Gaulle situa-se no fato de que o presidente, melhor do que
qualquer outro dos grandes líderes mundiais, procedia a leituras eficazes

3 Nugent, Nigel. The government and politics of the European Union. London: Macmillan
Press, 1999, p. 23-33.
estparmi
4 Apropósito,
les autres,
“La France
tels qu´ils
n´estsont,
réellement
doit, souspeine
elle-mêmedequ´au
danger
premier
mortel,rang(...)
viser haut
notrepays, telqu´il
et se tenir droit.

Bref, àmon sens, la France ne peut être la France sans la grandeur”. Gaulle, Charles de. Mémoires
de Guerre (Tome 1 – L´Appel). Paris: Plon, 1970, p. 11.

53
ANTÔNIO CARLOS LESSA

dos constrangimentos internacionais e dominava os meios para


promover os interesses nacionais franceses, mesmo que não quisesse
moldar a política externa de seu governo a tais constrangimentos.5
Assim, a ação política da França gaullista guiou-se, sobretudo,
pela visão de mundo do líder inspirada, segundo a sua própria expressão,
“d´une certaine idée de la France” (em uma certa idéia da França), mas
também de uma concepção particular das relações entre os Estados e as
nações. Daí vem a condenação categórica da hegemonia norte-
americana e da tendência dos países europeus, inclusive a França da
Quarta República, a ambicionarem a proteção militar proporcionada
pelos EUA e pela Otan, o que acabava por diminuir as suas margens
de manobra internacional. A isso somou-se a reprovação de qualquer
tentativa de integração política européia que, para além da comunidade
econômica criada pelos Tratados de Roma, estabeleceria um sistema
no qual a França perderia a sua independência, uma vez que as decisões
seriam tomadas de maneira supranacional, ou seja, eventualmente
impostas por uma maioria da qual o país não tomaria parte. Também
denunciou o condomínio de poder entre as duas superpotências, que
correspondia à “santuarização” dos seus respectivos territórios nacionais
e à eventual destruição apenas dos territórios alheios na eventualidade
de deflagração de guerra nuclear. Mesmo alardeando seu apego aos
princípios democráticos e aos valores da civilização européia, e
estigmatizando o totalitarismo do sistema comunista, estava convencido
do caráter precário, cambiante, variável e por vezes artificial das
ideologias às quais cuidou de opor a permanência e a primazia das
realidades nacionais (ou seja, as ideologias estavam destinadas a passarem,
do mesmo modo que as nações destinavam-se a permanecerem), uma
vez que as ideologias apenas dissimulavam os reais interesses nacionais.6
A partir de sua análise das relações internacionais contemporâneas,
de Gaulle deduziu que a França e, por que não, a Europa, poderiam
ter um papel de maior importância e bastante diferente daquele

5 Debré, Michel. Le gaullisme. Paris: Plon, 1978, p 132.


6 Sobre o pensamento político de de Gaulle, Vaisse, Maurice. La Grandeur: politique étrangère
dugénéralde Gaulle (1958-1969). Paris: Fayard, 1998, 726 p.

54
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

desempenhado até então. A política francesa deveria opor-se à Guerra


Fria, favorecer a distensão, e sobretudo, assegurar a sua própria
independência. Assim, algumas das passagens mais importantes do
discurso e da ação diplomática gaullista passavam pela reafirmação
sensacional do próprio espírito de sua ação política e do lugar que lhe
estava reservado para a Europa, como o apelo ao despertar dos
nacionalismos, a proposição de uma nova concepção de integração e
de cooperação política para a região, que deveria libertar-se das
ideologias, se estendendo do Atlântico aos Urais... O fato é que a
ascensão de de Gaulle em 1958 e a institucionalização de um novo
regime político na França mudou as condições psicológicas da
construção da Europa, sintetizadas particularmente nas novas visões
acerca desse processo e nos novos valores dos membros mais destacados
do grupo político do general. Chegava, enfim, ao poder na França,
uma nova concepção do papel do Estado, das relações internacionais
contemporâneas, e do lugar que nelas estava reservado para as nações.
De Gaulle impôs o desafio da reversão das visões majoritárias que
estiveram até então amparando a cooperação entre os seis membros da
CEE, uma vez que passou a atacar frontalmente os próprios postulados
do processo de construção da Europa, como a superioridade das
construções supranacionais sobre a cooperação interestatal tradicional.
O principal impulso do desafio gaullista era, portanto, contra
o elemento supranacional dos Tratados de Roma e por diversas vezes,
a partir de 1958, não se furtou de expressar a sua oposição à Europa
das Comunidades, aos arranjos supranacionais que diminuem as
prerrogativas dos governos e que exageram as competências e a
autoridade das burocracias européias. Considerava que os pilares da
Europa deveriam ser os Estados, nas suas palavras, as “únicas entidades
que têm o direito de ordenar e o poder de serem obedecidas”, e
denunciou a Europa integrada como uma utopia, feita de simulacros
de Executivo e de Parlamento, que eram controlados por uma
tecnocracia apátrida e irresponsável. O chefe de Estado francês criava,
pois, um impasse entre duas visões acerca da construção da Europa –
aquela que recém chegara ao poder na França, e a que esteve informando
a constituição das instituições comunitárias até então.

55
ANTÔNIO CARLOS LESSA

A iniciativa gaullista de rever as estruturas em que se baseavam


a construção européia não tardaram a ser lançadas – em maio de 1960,
de Gaulle tomou a iniciativa de sugerir uma série de medidas que
pareciam ir de encontro à determinação que movia os Seis quando
firmaram os Tratados de Roma, que era a de “estabelecer os fundamentos
de uma união cada vez mais estreita entre as povos europeus” – por
isso, propõe a criação de uma União Política, com uma autoridade
comum sobre a política externa e a defesa.
Para um aguerrido defensor da soberania do Estado, não seria
uma contradição propor uma ação como essa? Parece que não, uma
vez que a própria visão de relações internacionais para de Gaulle se
projetava sobre uma concepção de política muito mais conservadora
do que aquela que estava a amparar a cooperação européia, tipicamente
federalista, segundo a qual a comunidade política deveria nascer da
solidariedade de facto criada pela cooperação econômica, sendo a
construção da Europa Política, portanto, o resultado da extensão das
competências das estruturas comunitárias. Para o líder francês, por outro
lado, era fundamental romper com essa visão funcionalista e deter a
extensão da lógica supranacional aos domínios político e militar,
invertendo o ânimo e a filosofia da integração, reinserindo-os sobre o
eixo da “intergovernamentalidade” – onde, sabia-se, não existiam
surpresas. Tendo em conta que a iniciativa francesa foi acolhida, em
um primeiro momento, com simpatia pelos demais parceiros, decidiu-
se, na Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos Seis,
realizada em Paris, propor que uma Comissão de Estudos apresentasse
um projeto com medidas concretas para a construção da Europa
Política. 7
Os planos franceses, apresentados por Christian Fouchet
em outubro de 1961 à Comissão de Estudos por ele presidida,
correspondem à conservadora visão gaullista: propunha-se a criação de
uma união de Estados, espécie de organização internacional do tipo
tradicional, mas sem personalidade jurídica na ordem internacional, e

7 Berstein, Serge. La France de l´Expansion: la République Gaullienne (1958-1969). Paris:


Seuil, 1989, p. 220-232.

56
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

marcadamente diferente daqueles projetos que deram origem aos planos


da Comunidade de Defesa e da Comunidade Política, no início dos
anos 50, que se baseavam sobre o controle supranacional. Bem ao
contrário, a Comunidade Política desenhada no Plano Fouchet tinha
caráter estritamente intergovernamental: quatro comitês deveriam ser
estabelecidos para tratar da política externa, de defesa, dos assuntos
culturais e econômicos, com um secretariado permanente composto
de funcionários nacionais. Uma revisão das disposições teria lugar três
anos depois.
A oposição entre os outros membros da Comunidade foi
unânime. Embora o Conselho de Ministros tivesse começado a parecer
a instituição dominante, os governos da RFA, da Itália, da Bélgica, dos
Países Baixos e do Luxemburgo não desejavam ver semelhante
intergovernamentalismo consagrado no tratado constitutivo da nova
Comunidade, verdadeiro retrocesso se comparado às instituições criadas
em Roma poucos anos antes. Preocupavam-se também com o fato de
a revisão proposta despromover a Comissão a um mero secretariado.
Além disso, o sistema de defesa pareceria concebido para funcionar
fora da estrutura da Otan, reafirmando a visão independentista gaullista
que, provavelmente, não lhes prestaria favores nas suas relações com os
EUA. Os holandeses e os belgas estavam particularmente preocupados
em evitar qualquer compromisso que se construísse sob a hegemonia
franco-alemã e sob a exclusão permanente da Grã-Bretanha (que havia
se candidatado a membro da CEE em 1961). As negociações foram
interrompidas em abril de 1962, depois de sucessivas rodadas em que
a França apresentou novas versões, pouco ou nada modificadas, do
Plano Fouchet.
A candidatura de adesão britânica à Comunidade apresentada
em julho de 1961 levou a mais tensões entre a França e os seus parceiros,
como também criava sérias diferenças na Grã-Bretanha, tendo em vista
que para o governo conservador de Henry MacMillan, os perigos de
ficar de fora da Comunidade passaram a ser maiores do que os possíveis
riscos de a ela aderir. Com efeito, uma ação internacional independente
de escopo verdadeiramente mundial parecia cada vez mais dispendiosa
aos britânicos, do ponto de vista político, sem apresentar melhores

57
ANTÔNIO CARLOS LESSA

resultados do que os obtidos pelo aprofundamento da parceria de


natureza exclusivista com os EUA. Além disso, os britânicos poderiam
também contar, na empresa da aproximação do dinâmico pólo europeu
continental, com o apoio norte-americano, se bem que, se de fato
pudesse auxiliar a candidatura da Grã-Bretanha, teve efeito contrário.
Em 1962, os Acordos de Nassau, entre Macmillan e o Presidente John
Kennedy, sob o qual a Grã-Bretanha adquiriu mísseis nucleares Polaris
americanos, pareceu subscrever a “relação especial” com os EUA e,
especialmente aos olhos da França gaullista, as suas motivações
“atlânticas”, mas muito pouco “européias”. Esse foi o motivo declarado
por de Gaulle para vetar a candidatura britânica mas, com isso, evitava
os perigos de um rival potencial, que poderia romper o equilíbrio
político e econômico que se construía tendo por eixo a parceria franco-
alemã.
A Alemanha Ocidental do chanceler Konrad Adenauer parecia
emprestar uma ênfase igual na manutenção das boas relações com a
França e no desenvolvimento da Comunidade, e o acordo franco-
alemão consubstanciado no Tratado do Eliseu de 1963 sublinhava esse
ponto. Não obstante, o veto da França em posteriores negociações
com a Grã-Bretanha acabou por criar uma desconfiança geral nas táticas
francesas.8

2.3. A crise do Mercado Comum Europeu

A diferença de percepções entre os governos da França, da RFA,


da Itália, da Bélgica, dos Países Baixos e do Luxemburgo quanto à
intensidade da integração e à sua extensão dá a entender que o “desafio”
enfrentado na construção da Europa não era exclusivamente francês,
uma vez que estava em jogo a natureza e o papel das instituições
comunitárias. Ainda que de Gaulle tenha estado em prontidão para ir
até os limites possíveis para proteger os interesses franceses no processo,
uma questão importante que entrara no jogo político que se desenvolvia
dizia respeito ao próprio funcionamento da Comunidade Econômica

8 Dalloz, Jacq ues. La France et le monde depuis 1945. Paris: A. Colin, 1993, p. 132-134.

58
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Européia, ficando claramente revelada na denominada “crise do


Mercado Comum”, de 1965.
O pretexto da crise foi dado pelos preparativos para a entrada
em vigor do Mercado Comum Agrícola, nos quais discutiam-se os
modos de financiamento da política agrícola comum para o quadriênio
1966-1970, e pelas quais se criariam condições para a concretização
das preferências comunitárias, facilitando as exportações necessárias para
assegurar o equilíbrio dos mercados nacionais. A Comissão avançou
três propostas relacionadas ao tema: a conclusão das regulamentações
financeiras agrícolas comuns, a introdução das fontes de receita da
Comunidade para substituir contribuições dos Estados-membro, e a
introdução do controle parlamentar europeu sobre o orçamento
comunitário.
As propostas combinavam o reforço da Comissão e do
Parlamento Europeu, com o progresso no sentido de uma maior
integração econômica. Mas, apesar do interesse da França em resolver
a questão da Política Agrícola Comum (PAC), de Gaulle opunha-se
violentamente ao enfraquecimento do acordo e da negociação
intergovernamentais para a decisão de aspectos vitais para o
encaminhamento da integração, ao que se somava o seu desacordo
com a tendência de fortalecimento das estruturas comunitárias,
especialmente do Parlamento Europeu que, segundo a proposta da
Comissão, assumiria novas competências no controle do emprego dos
recursos destinados à PAC, participando de um procedimento
orçamentário que nunca esteve previsto na letra dos Tratados de Roma.
As proposições apresentadas pela Comissão abriram uma crise
sem precedentes na curta mas já tumultuada história da construção da
Europa. Estava evidente que o problema em questão não era apenas
técnico: as competências do Parlamento europeu rapidamente chegaram
ao centro das controvérsias e inseriram uma cunha na capacidade de
diálogo dos membros da CEE. O governo dos Países Baixos, por
exemplo, ao reafirmar o seu compromisso com as instituições que
vinham de ser construídas com a PAC, fez ver aos seus parceiros, em
15 de junho de 1965, que não admitiria que orçamentos outorgados
pelos Seis para o financiamento de quaisquer políticas fossem

59
ANTÔNIO CARLOS LESSA

administrados sem a devida transparência proporcionada pelo controle


parlamentar. Indo mais longe, os holandeses apresentaram ao
Parlamento Europeu a proposição de novas regulamentações que
criassem o direito de veto ao orçamento comunitário, competências
legislativas estendidas para a sua apreciação e controle, e eleições por
sufrágio universal.
Ao mesmo tempo, o governo francês passava a admitir,
paradoxalmente, reverter a velocidade da implementação da PAC, se
isso fosse necessário para bloquear as propostas aventadas pela Comissão.
No caso, os franceses tinham em mente a premência da reforma dos
procedimentos propostos, tendo em conta que, com o início próximo
(se daria em 1º de janeiro de 1966) da terceira fase do período de
transição definido no Tratado de Roma para a consecução plena do
Mercado Comum, o processo de decisão por unanimidade seria
substituído pelo majoritário, tornando as instituições comunitárias
praticamente intocáveis. Quando o governo de Paris percebeu que era
impossível deslindar as três partes do pacote da Comissão, resolveu,
em 8 de abril, por uma política de bloqueio efetivo da Comunidade –
retirou o seu representante permanente nas instituições comunitárias,
participando exclusivamente das decisões estritamente necessárias para
a manutenção do seu funcionamento. Tinha início a política da “chaise
vide” (“cadeira vazia”), que tornava-se uma das marcas registradas do
modus operandi diplomático da França de General de Gaulle. Embora
os representantes da Itália, da RFA, da Bélgica, dos Países Baixos e do
Luxemburgo continuassem a reunirem-se para discutir, em grande
parte, assuntos de rotina e para mostrarem uma frente unida, a
Comunidade estava virtualmente paralisada .9
Se por um lado o bloqueio impetrado pelos franceses
demonstrava a fragilidade das instituições comunitárias, por outro lado
empurrava os Seis para a procura de uma solução de consenso para a
crise que se abrira, de modo a preservar o ânimo integracionista que
unia então as nações, com respeito às diferenças de visão acerca da

9 Dalloz, Jacques. op. cit., 136-137; Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne,
op. cit., p. 56-59.

60
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

velocidade e da intensidade do processo de construção da Europa que


eventualmente separava os governos nacionais. Quando se abriu a
Reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros de Luxemburgo,
aos 17 de janeiro de 1966, estava claro que o problema que levara ao
impasse passava, também, pela questão decisória, ainda que ele fosse
verdadeiramente lastreado pela visões distintas acerca da natureza
“federalizante” de todo o processo. Buscou-se, assim, uma solução à
crise aberta por Paris, pela qual os Seis se decidiam pela suspensão,
provisória, da alteração do mecanismo de decisão, prevalecendo a regra
da unanimidade para questões que dizessem respeito “aos interesses
vitais para um ou mais dos parceiros” – e quando isso acontecesse, se
deveria buscar soluções de consenso.
O problema de fundo que surge com tal decisão passava, pois,
a estar ligado não mais à unanimidade, mas aos critérios pelos quais se
decidiriam quais eram, de fato, as tais “questões vitais”, e, o mais
importante, como se procederia diante de divergências acerca de
eventuais desacordos sobre essas questões. O denominado
Compromisso de Luxemburgo afinal, não revertia a letra dos Tratados
de Roma, mas acabava por falseá-la, na medida em que, por receio de
que novas crises surgissem no relacionamento entre os parceiros,
renunciava-se ao avanço natural dos mecanismos de decisão no Conselho
de Ministros (que se daria pelo advento do voto majoritário), e
reforçava-se a importância, cada vez mais vital, da negociação e do
consenso. Acresce que o compromisso inclinava o equilíbrio institucional
ainda mais contra a Comissão da CEE e, portanto, a perspectiva
federalista, e reforçava o compromisso intergovernamental, terminando,
ao mesmo tempo, com a tentativa do General de Gaulle de se
reestruturar a Comunidade em moldes que lhe parecesse mais aceitáveis.
A crise de 1965 e o Compromisso de Luxemburgo precipitaram
as esperanças de que a Comunidade pudesse passar rapidamente a uma
autoridade supranacional. Com efeito, os dois eventos, conseqüências
do desafio gaullista, somaram-se para criar um ambiente psicológico
desfavorável para a construção da Europa, o que estava evidente com a
tendência ao arrefecimento do ímpeto observado na fusão das estruturas
comunitárias. É certo que, com o avanço do processo integracionista,

61
ANTÔNIO CARLOS LESSA

a unificação das instituições supranacionais e intergovernamentais seria


natural, mesmo porque elas foram concebidas e mantidas separadas
muito mais em função do contexto político em que foram criadas do
que devido à falta de crença de que poderiam efetivamente funcionar.
Urgia, pois, unificá-las e emprestar-lhes mais capacidade de ação, na
perspectiva de se proporcionar também uma economia de esforços
políticos – e foi essa a decisão tomada pelo tratado de 8 de abril de
1965, assinado em Bruxelas.
Por outro lado, a simples decisão de se buscar a fusão das
instituições comunitárias não redimiu os obstáculos que teriam que
ser transpostos para promovê-la – por exemplo, se estavam sendo
unificadas estruturas com poderes e liberdades de ação tão diferentes,
como aqueles que detinham a Alta Autoridade da Ceca e as Comissões
da CEE e da Euratom, qual seriam os graus de independência que
prevaleceriam? Além disso, como lidar com a divisão das sedes das
novas estruturas – ou seja, a quem atribuir o status de capital da Europa?
Como seriam nomeados os membros da Comissão e como se daria a
alternância entre os súditos dos diferentes Estados-membro? Quantos
comissários poderiam ser nomeados por cada um dos parceiros? Em
virtude do desacordo em torno dessas questões, o Tratado de Bruxelas
de 1965, e a conseqüente fusão dos executivos comunitários, entrou
em vigor apenas em julho de 1967, com considerável atraso com relação
à data prevista. Enquanto desenrolava-se o imbroglio da organização
institucional e do processo decisório, e apesar das tréguas inquietas
que marcaram nesse período as relações entre os Seis, verificava-se
que existiam motivos suficientes para que os Estados-membro
implementassem, finalmente, a união aduaneira e a PAC. Assim, ainda
em abril de 1966 foi tomada decisão consensual acerca dessas duas
etapas fundamentais da construção da Europa, que acertava os passos
para a sua implementação, devendo ambas entrar em vigor em julho
de 1968.10
O desafio gaullista não se restringiu ao empenho com que o
governo de Paris entregou-se à frenagem da perspectiva federalista de

10 Dalloz, Jacques. op. cit., p. 134-135.

62
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

construção da Europa mas, bem ao contrário, trouxe ainda novas


questões para a mesa de negociação da Comunidade, que não estavam
ligados apenas à resistência de extensão da lógica comunitária a novos
domínios. Tais questões se construíram a partir da sua visão particular
do lugar que estaria reservado para a França e para a Europa nas relações
internacionais sob o marco da Guerra Fria, mas os movimentos bruscos
do chefe de Estado da França causaram novas distorções na cooperação
entre os parceiros e enraizaram discordâncias que empregariam décadas
para serem relativizadas – neles se inscrevem, sem uma necessária ordem
de prioridade, a contestação dos privilégios do dólar, o veto sistemático
à adesão da Grã-Bretanha à CEE, a retirada das forças francesas do
comando único da Otan, em 1966, e a promoção da força nacional de
dissuasão nuclear fora da estrutura da Aliança Atlântica.
Os dois últimos movimentos, especificamente, reafirmavam
a necessidade de resgatar a autonomia estratégica e econômica da
Europa, quando a evolução da Guerra Fria após a crise dos mísseis de
Cuba de 1962 dava a entender que se criara entre as superpotências um
verdadeiro condomínio de poder que levou à santuarização dos seus
próprios territórios em detrimento da Europa, que permanecia atada
aos diktats da lógica superior do equilíbrio geoestratégico norte-
americano. Havia que restabelecer a independência francesa e, por
extensão, européia, e foi para essa direção que encaminhou a sua ação –
para forçar também uma nova orientação internacional para a Europa,
que fosse auxiliar do empenho de crescimento econômico menos
dependente dos EUA e da diplomacia do dólar. Ainda nesse sentido,
vetou por mais uma vez, a admissão britânica à CEE (11 de maio de
1967), em momento em que o governo trabalhista, sob Harold
Wilson, constatava que de facto a Grã-Bretanha perdia mais do que
lucrava ao se manter afastada da Europa que se construía, apesar dos
retrocessos dos últimos cinco anos, como novo pólo dinâmico da
economia mundial.11
Muitos analistas do processo de integração europeu convergem
para constatar que a implicância de de Gaulle com a Grã-Bretanha,

11 Berstein, Serge. op. cit., p. 245-250.

63
ANTÔNIO CARLOS LESSA

ainda que obedecesse à sua leitura imediata do equilíbrio político e


econômico na Comunidade, era verdadeiramente contraproducente
para a tática francesa de temperar a construção da Europa com a sua
visão cada vez mais intergovernamental e cada vez menos sujeita à
supranacionalidade.12
Mesmo que os governos de plantão em Downing Street
tenham passado a concordar com a idéia de que a entrada na CEE
poderia ser a solução para a perda de competitividade da economia
nacional, compensando de muito o declínio relativo das trocas
comerciais com a Commonwealth, os meios políticos e a opinião
pública britânicos permaneciam atavicamente reticentes a qualquer
iniciativa supranacional. Por isso, de Gaulle deveria ter vislumbrado
uma possível admissão da Grã-Bretanha como tendente a reforçar o
seu próprio pensamento e linha de ação. A antipatia e o veto sistemático
à candidatura do único país que, como parceiro, poderia lhe ser
favorável à oposição à vertiginosa construção federalizante da Europa,
expressava, portanto, antes de um erro de cálculo, o preconceito contra
as preferências atlânticas inglesas e à sua aliança especial com os EUA.
Para tanto não houve remédio, e somente em 1969, com a retirada de
de Gaulle da vida política na França13, os caminhos para as negociações
com a Grã-Bretanha puderam ser desobstruídos e a integração européia
pareceu voltar a ganhar ímpeto, que se renovava, em larga medida,
pela nova convergência dos pontos de vista franco-alemães, do novo
presidente francês, Georges Pompidou, e do novo chanceler alemão,
WillyBrandt.14

2.4. O novo despertar das Comunidades

A ascensão de Georges Pompidou ao poder, em 1969, reinsere


no cálculo estratégico da política exterior do país não propriamente o

12 ZorgbibE, Charles. Histoire de la Construction Européenne… op. cit., p. 70-71.


13 O General de Gaulle renunciou ao mandato de presidente da República Francesa em
abril de 1969.
14 Nugent, Neill. op. cit. p. 26-29.

64
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

conformismo diante da ordem internacional intrinsicamente injusta


para países como a França (que “costurava” a visão de mundo de de
Gaulle), mas a descoberta da sua identidade de potência média européia,
que poderia ser tanto mais importante quanto mais íntima fosse a
colaboração com os seus parceiros e os meios econômicos e políticos
que essa parceria poderia lhe proporcionar. Portanto, quando o novo
presidente francês pôs fim ao veto à admissão da Grã-Bretanha, escolhia
avia da cooperação com os seus sócios na Comunidade, que percebiam
a admissão do novo parceiro como uma condição para um relançamento
do processo europeu de integração.
Pompidou renovava o pensamento francês sobre construção
da Europa, convergindo para uma postura de novo realismo que
relativizava as reticências gaullistas, rompendo com o grande paradoxo
imposto pelo desafio de de Gaulle – como ter uma França e uma
Europa cada vez mais independente se não se investia na construção da
autoridade política comunitária? Afinal, não era possível querer uma
Europa independente, afluente e influente se nenhum dos parceiros
estivesse realmente disposto a ceder parcelas do seu poder soberano
para a sua consecução. A renovação do poder na França também teve
conseqüências práticas vitais para o relançamento do processo europeu
de integração, na medida em que se dava justamente quando tinha fim
o período de transição previsto para a plena entrada em vigor de todas
as instituições comunitárias, inclusive dos regimes de financiamento e
de algumas das políticas comuns. Assim, a proposta francesa
aprofundava a cooperação européia pela definição de novas políticas
comuns, em campos inéditos, como o da política financeira e
monetária, ciência e tecnologia, direito das sociedades e concorrência.15
A Conferência de Cúpula de Haia, realizada entre 1º e 2 de
dezembro de 1969, marcou o relançamento da Europa em grande
estilo, pautado pelas necessidades de concluir os processos em aberto,
como a definição das disposições para o financiamento da PAC,
aprofundar a integração, tendo em vista a criação de uma união

15 Berstein, Serge & Rioux, Jean-Pierre. La France de l´expansion: l´apogée Pompidou


(1969-1974). Paris: Seuil, 1995, p. 34-44.

65
ANTÔNIO CARLOS LESSA

econômica e monetária e, finalmente, alargar a Comunidade,


admitindo a abertura de negociações com terceiros Estados que se
candidatassem a tomar parte naquele esforço, sob os mesmos princípios
e com as mesmas finalidades que levaram os Seis a convergirem no
seu estabelecimento em 1957. A “conclusão” da Comunidade,
particularmente, tomou a forma do acordo dos Estados-membro
relativo ao financiamento de novas políticas e da própria estrutura
comunitária, e reinseria a questão do controle parlamentar que estivera
na raíz da crise de Luxemburgo quatro anos antes. Para além da
conclusão, no entanto, e além das disposições pormenorizadas do
Tratado de Roma, os chefes de Governo acordaram em Haia duas
metas principais: a união econômica e monetária e posteriores passos
no sentido da união política.
Os parceiros encontraram grandes dificuldades para dar
prosseguimento à integração pela via da união econômica e monetária,
o que se devia a uma impressionante sucessão de más notícias que
atropelaram qualquer esperança de convergência nesse sentido: o fim
do padrão dólar-ouro decretado pelo Presidente Nixon em agosto de
1971, seguida pela modificação das paridades das principais moedas
vis-à-vis do dólar norte-americano, levando à sua desvalorização e à
valorização do marco alemão e do yen japonês, em dezembro do
mesmo ano e, finalmente, o início da crise internacional provocada
pelo choque do petróleo de 1973. Por outro lado, rápidos e importantes
progressos foram feitos em uma dimensão vital para uma aproximação
da idéia de unão política, com a adoção das recomendações do
denominado Relatório Davignon pelos ministros dos Negócios
Estrangeiros dos Estados-membro em julho de 1970, pelas quais se
estabelecia um mecanismo de concertação política para coordenar as
ações externas dos parceiros, que se estruturava em torno de reuniões
semestrais nas quais se procederia à revisão da cena internacional, e se
ensaiaria a conjugação de atitudes e, eventualmente, o empreendimento
de ações comuns. Embora limitado e cauteloso, o mecanismo proposto
no Relatório era sem dúvida um avanço insofismável na cooperação
e no entendimento entre os parceiros – particularmente para a

66
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

afirmação de um novo papel da Europa nas relações internacionais


contemporâneas.16
O terceiro elemento do compromisso de Haia foi o alargamento
da Comunidade, que deveria dar-se com a demonstração de disposição
para incluir novos membros no processo europeu de integração, sob a
letra do artigo 237 do Tratado do Mercado Comum, do artigo 98 do
Tratado da Ceca e do artigo 205 do Tratado da Euratom, que
franqueavam aos parceiros a responsabilidade de levar adiante os
entendimentos, em comum acordo, para a definição de novas adesões.
As negociações com a Grã-Bretanha, a Dinamarca, a Irlanda e
a Noruega foram iniciadas em junho de 1970, e desenrolaram-se sob a
falta de um marco negociador prévio, o que as tornou bastante difíceis
e conturbadas. Além do jogo de concessões admissíveis em um processo
que envolvia partes com dimensões econômicas tão desproporcionais,
havia o ineditismo da situação. A negociação com os britânicos, por
exemplo, que tinha ainda que tornar “digerível” para os Seis o pesado
fardo das preferências imperiais que poderiam entrar em rota de colisão
com as preferências previamente acordadas pelos parceiros às suas ex-
colônias (ou mesmo produzir desvios de comércio em áreas
importantes, como na agricultura e outros produtos primários)
demonstrava que todo o processo mostrava-se muito mais complexo
e árduo do que se poderia imaginar. Além disso, frentes contenciosas
iam-se abrindo ainda durante a negociação, prometendo um
relacionamento futuro que necessariamente se pautaria, cada vez mais,
sobre a negociação: foi o que aconteceu com a questão da participação
britânica no orçamento comunitário, num outro exemplo que encetou
uma dificuldade não apenas na inserção da Grã-Bretanha na Europa
comunitária, como se arrastou desde sempre como ponto de discórdia
entre os parceiros.
As negociações com a Irlanda, a Dinamarca e a Noruega
também guardavam especificidades, ensinando que cada processo
negociador tinha ângulos próprios, o que forçava a procura de soluções

16 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 97-101.

67
ANTÔNIO CARLOS LESSA

específicas para cada um deles, dependendo da sua configuração


econômica e, evidentemente, dos impactos que a sua adesão ao
Mercado Comum produziriam – tanto para os seis parceiros originais,
quanto para si próprios. A Irlanda e a Dinamarca, por exemplo, que
eram economias com forte tradição agrícola, apresentaram desde o
início grande interesse nas repercussões que a Política Agrícola Comum
traria para o seu desenvolvimento econômico. A regulamentação da
pesca no espaço comunitário mostrou ser questão de grande interesse
para a Noruega, cuja indústria de pesca correspondia, sozinha, a mais
de 50% de toda a produção da Comunidade que se construiria com as
novas adesões, vindo daí o interesse de Oslo em garantir o princípio
do acesso às águas territoriais de todos os Estados- membro.
De todo modo, um ano depois de iniciados os entendimentos,
chegou-se a acordo em relação à maior parte das questões mais
importantes, sendo o Tratado de Adesão assinado aos 22 de janeiro de
1972 em Bruxelas. A 1º de janeiro de 1973, o Reino Unido, a
Dinamarca e a Irlanda tornavam-se os novos membros da CEE, que
passava, então, a ter nove membros (Comunidade dos Nove – os seis
membros “fundadores”, que eram a França, a RFA, a Itália, a Bélgica,
os Países Baixos e o Luxemburgo, agora acrescidos da Grã-Bretanha,
da Dinamarca e da Irlanda), tendo o povo norueguês rejeitado a entrada
em referendum realizado em 26 de setembro daquele ano, com uma
pequena maioria para o “não” (53,9%). A Europa integrada que era
aumentada com as adesões dos novos parceiros era no início dos anos
70 uma impressionante estrutura econômica, com pouco mais de 250
milhões de habitantes, e surgindo já como o mais importante pólo
dinâmico do comércio internacional.

2.5. O Europessimismo

Com a conclusão levada a bom termo das negociações de


alargamento, a CEE parecia preparada para um novo período de
desenvolvimento positivo, ou seja, de aprofundamento. Com efeito,
era necessário firmar um plano de ação para a Comunidade dos Nove
que, evidentemente, tinha problemas e velocidades essencialmente

68
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

distintas daquelas da Comunidade que se construiu nos vinte anos


precedentes, e para tanto o presidente da França, Georges Pompidou,
tomou novamente a iniciativa e convocou uma Cúpula de Chefes de
Estado, que aconteceu em Paris aos 19 de outubro de 1972.17
Foi a primeira vez que os representantes dos Estados-membro
da nova Comunidade se encontraram, mas as proposições apresentadas
foram ainda mais ambiciosas do que as que saíram da Conferência de
Haia realizada em 1969. Com efeito, estabeleceu-se na capital francesa
um denso programa de ação, que evidenciava novas preocupações e
prioridades: declarava-se a irreversibilidade da união econômica, ao
tempo em que se decidiu que a ajuda às regiões menos desenvolvidas
ou em declínio dos Estados-membro seria objeto de uma política
especial de desenvolvimento regional, que se somaria a outras novas
políticas setoriais nas áreas industrial, de desenvolvimento científico e
tecnológico, de energia e de meio ambiente, articulando-se todas com
a busca de uma maior participação dos atores sociais mais relevantes
nas decisões de natureza econômica e social, e com o refinamento do
mecanismo de concertação política, que deveria levar, por seu turno, à
afirmação de uma única postura européia para os países socialistas,
para os EUA, a URSS e o Terceiro Mundo. Todas as novas políticas
deveriam culminar, por volta de 1980, na arrojada meta de se proceder
a uma transformação completa do conjunto de relações existentes entre
os Estados-membro em uma verdadeira “União Européia”.
É certo que as expectativas em torno do futuro da construção
da Europa eram grandiloqüentes ao final da Conferência de Cúpula de
1972 – afinal, o clima de otimismo generalizado fazia crer que aquele
era o início do nascimento da superpotência Europa. Entretanto, o
grande salto adiante sugerido em Paris foi quase imediatamente
assediado de problemas, tendo em conta que logo nos seus primeiros
momentos a conjuntura internacional mudara de modo tão dramático
e com impactos tão importantes para as economias nacionais em todos
os níveis que tornou-se patente nos primeiros momentos da retomada
do ímpeto integracionista que existiam limites estruturais a serem

17 Dalloz, Jacques. op. cit., 159-163.

69
ANTÔNIO CARLOS LESSA

vencidos, revelando uma inesperada e insuspeita vulnerabilidade do


processo europeu de integração e abrindo imediatamente um período
de pessimismo generalizado.
O ano de 1973 foi o do coroamento da sucessão de tensões
que se avolumaram ao longo da década anterior. Ao longo dos anos
60, constatou-se que a bipolaridade característica das relações
internacionais contemporâneas coabitava paradoxalmente com
tendências que levavam à erosão paulatina do monolitismo dos blocos
e da liderança das superpotências. Assistiu-se, naquele momento, ao
enfraquecimento da coesão dos blocos, representado pelo cisma sino-
soviético, que diminuiu o poder de convocação do socialismo real, do
mesmo modo que a defecção francesa na Otan desautorizou a excelência
das linhas de defesa do ocidente e a liderança incontestável dos EUA.
Esses últimos engajaram-se na Guerra do Vietnã (1965-1975), o
que em breve iria impor-lhes a maior derrota militar da sua história e
cindir-lhes irremediavelmente a base de unanimidade doméstica e o
relativo apoio internacional em torno dos acertos gerais dos esforços
de contenção do comunismo.
O dinamismo econômico na Europa Ocidental permitiu aos
Estados da região vislumbrar as suas reais possibilidades de manobra
internacional, tanto nas áreas de influência norte-americana quanto
soviética, o que levou à formulação e à implementação de políticas
autonomistas que escapavam gradualmente do grand dessein político-
estratégico dos EUA, tanto na abertura para o Leste (Ostpolitik da
Alemanha Federal, por exemplo), quanto na dinamização das relações
com outras áreas, com óbvias repercussões políticas e econômicas.
Entrementes, a ordem econômica balançava com o fim virtual do
regime de Bretton Woods, sintomatizado pela desistência dos EUA de
continuar provendo estabilidade para as relações econômicas
internacionais às custas de sua própria competitividade econômica. Por
outro lado, alguns fatos pareciam indicar que a ordem tornava-se, enfim,
manejável. Enquanto a URSS recuperava seu atraso, no que se refere
aos engenhos balísticos e à força naval, e tornava-se, de fato, uma
potência de alcance global, ganhavam espaço visões menos impetuosas
das relações internacionais e, particularmente, das relações entre as

70
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

superpotências. Algumas iniciativas e medidas significativas para limitar


a corrida armamentista foram entabuladas entre os dois “gigantes”,
ganhando a forma de tratados de proibição de testes, de controle da
proliferação nuclear e de limitação de armas estratégicas, sendo aceitas
pelos atores que já se encontravam dotados de seus próprios arsenais,
mas não pelos que ainda nutriam esperanças de vir atê-los.18
O ano de 1973, portanto, marca o início de uma crise de largo
fôlego, com dimensões econômicas importantes, mas, especialmente,
com repercussões políticas e estratégicas que deporiam em favor do
fim da relativa estabilidade sistêmica que caracterizou as relações
internacionais desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Por conseguinte, o início dos anos 70 é lembrado pelo choque
de outubro de 1973, provocado pelo súbita elevação dos preços
internacionais do petróleo pelos países produtores (em torno de 70%),
marcando o início da grande crise econômica que se arrastou até os
anos 80, evidenciando-se, para os países desenvolvidos, o fim da “era
de ouro” de crescimento ininterrupto em ritmo jamais registrado pelas
economias nacionais, e a abertura de anos de recessão. Aos países em
desenvolvimento avançado, como o Brasil, por exemplo, a crise que se
desenhava demonstrou os limites do seu crescimento sustentado mal
iniciado. A crise econômica se fazia acompanhar pela eclosão de um
novo período de instabilidade, caracterizada por guerras localizadas no
Terceiro Mundo e pelo acirramento da corrida armamentista entre os
EUA e a URSS. Os modos de competição das superpotências eram
reafirmados na medida em que vários países da Ásia, da África e mesmo
da América Latina eram atraídos para a órbita soviética (pagando por
vezes os altos custos da guerra civil), enquanto os norte-americanos
financiavam e sustentavam como podiam os contramovimentos.
A conjuntura de crise que se abriu com o ano perigoso de
1973 traria para dentro do processo europeu de integração a marca da
instabilidade. Antes mesmo que a crise fôsse internalizada na Europa,
percebia-se que as boas intenções consagradas na Conferência de

18 Zorgbibe, Charles. Histoire des Relations Internationales (1962 à nos jours): du schisme
Moscou-Pékin à l´après-guerre froide (Tome IV). Paris: Hachette, 1995, p. 325-336.

71
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Paris de 1972 seriam amansadas pelas dificuldades internas e do


relacionamento entre os parceiros: afinal, parecia ser mais fácil
abolir barreiras aduaneiras e favorecer a instalação de mecanismos
de liberalização comercial do que empreender políticas comuns, tão
grande era a diversidade de interesses e de prioridades dos Estados
envolvidos.
As decisões da Cúpula de Paris foram confiadas aos cuidados
das instituições comunitárias, que deveriam empreender estudos para
a formulação e a implementação das novas políticas comuns. Planejadas
pelos seis Estados-membro fundadores para fazer frente aos problemas
da Comunidade que crescia de modo controlado e gradual ao longo
de vinte anos de cooperação intergovernamental, tais instituições
recebiam agora a responsabilidade de negociar e internalizar pontos de
vista de três membros adicionais (Grã-Bretanha, Dinamarca e Irlanda),
todos com abordagens e interesses muito diferentes e, por isso, muitos
problemas do processo decisório foram exacerbados pelo primeiro
alargamento. Acresce que a Comunidade transformara-se também em
um espaço de reivindicações das mais distintas naturezas, que eram
pela primeira vez trazidas para a órbita comunitária, agregando pontos
difíceis de serem negociados na agenda política dos Estados-membro.
O problema do orçamento comunitário e da contribuição da
Grã-Bretanha que, de uma forma ou de outra, raras vezes esteve ausente
da agenda da Comunidade entre 1974 e 1984, puseram estas diferenças
em evidência. Os esforços britânicos para resolver o problema da sua
contribuição para o orçamento comunitário provocavam considerável
e crescente hostilidade por parte dos outros governos, com o conflito
resultante surgindo por vezes como substituto para a discussão séria de
outros assuntos. Nesse rol poderiam ser inscritas as dificuldades de
concertação para a implementação da PAC, como também as
divergências para o estabelecimento de um Fundo de Desenvolvimento
Regional (criado na Cúpula de Chefes de Governo de Copenhage de
1973) e para a definição das dotações para outros fundos compensatórios
e de desenvolvimento de políticas comunitárias. Em breve, assistia-se
ao surgimento de práticas nacionais que estavam em desacordo
ostensivo com a letra dos Tratados de Roma, exercitando cada um dos

72
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Estados-membro políticas de fato consumado. Casos notórios são o


anúncio da flutuação do franco francês em 19 de janeiro de 1974, sem
a consulta prévia aos demais Estados-membro, como também o
estabelecimento de medidas protecionistas unilaterais contrárias ao
MCE, como fizeram no mesmo momento os governos da Itália e da
Dinamarca.
Os problemas criados pela recessão e as mudanças no sistema
econômico internacional foram persistentes e tiveram um impacto
direto no desenvolvimento político e econômico da Comunidade,
porque os três principais problemas engendrados pela crise do início
dos anos 70, o da reestruturação, o do desemprego e o da inflação
crescente, foram atacados em grande parte em bases individuais e não-
comunitárias. A crise internalizou também um sentimento de
pessimismo generalizado, que não estava entretanto diretamente
relacionado aos fundamentos da construção da Europa. Nesse
momento, foram de fundamental importância as manifestações da
França e da RFA, que mostravam porque, nessa era de tormentas, eram
considerados o eixo fundamental de todo o processo.
Em Paris, a morte prematura de Georges Pompidou, que
rompeu a dura visão gaullista original acerca da Europa, não reverteu o
ânimo integracionista: bem ao contrário, a eleição de Valéry Giscard
d´Estaing em 1974 permitiu o relançamento do debate sobre as opções
européias da França e, particularmente, sobre o lugar que ocupavam
no cálculo estratégico da sua política exterior. A renovação da equipe
de governo na França, com a chegada de uma nova geração ao poder,
permitiu a consagração da política européia como a grande prioridade
da ação internacional do país: na sua posse como Primeiro-Ministro,
Jacques Chirac afirmava que “a política européia não faz mais parte da
nossa política externa; ela é uma outra coisa e não se diferencia do
projeto fundamental que formulamos para nós mesmos (os franceses)”.19
Nesse sentido, as manifestações vindas de Paris foram cada vez mais
tranquilizadoras e reafirmavam que a crise, passageira como todas as

19 Vaisse, Maurice. Les Relations Internationales… op. cit., p. 112-119.

73
ANTÔNIO CARLOS LESSA

que afetaram um continente cuja história era marcada por crises, não
poderia abalar os alicerces da construção da Europa.
Era essa também a orientação de Bonn, onde a ascenção de
Helmut Schmidt ao poder, sucedendo o entusiasmo europeizante de
Willy Brandt, encetou uma política ainda mais realista, baseando-se
também na importância da Europa para as opções internacionais do
país. Nesse sentido, Schmidt empreendeu uma ação de natureza
pragmática para o relançamento da Europa nos seus diversos planos,
empregando a sua enorme capacidade de intervenção econômica para
vir em socorro dos parceiros em dificuldades, como aconteceu com o
empréstimo concedido à Itália. Ainda assim, o governo alemão, como
o francês, estava convencido de que as dificuldades poderiam ser
vencidas, mais uma vez, por um novo esforço de relançamento. Para
tanto, convocou-se uma nova Cúpula de Chefes de Estado e de
Governo, que se realizaria, como aquela de dois anos antes, em Paris,
para os dias 10 e 11 de dezembro de 1974, com o firme propósito
de transformar o conjunto das relações entre os Estados-membro. A
principal decisão da cúpula foi a instalação de uma comissão, cuja
presidência foi entregue ao primeiro-ministro belga Leo Tindemans,
que se entregaria a estudar medidas para a consecução de uma União
Européia, cujo relatório foi apresentado cerca de um ano depois.
O Relatório Tindemans era lavrado em um tom extremamente
realista, quando considerava que a transformação qualitativa pela qual
deveria passar a Comunidade para a construção de uma verdadeira união
entre os Estados- membro não supunha, necessariamente, uma reversão
da moldura institucional na qual vinha se desenvolvendo. Bem ao
contrário, as instituições comunitárias deveriam ser reforçadas pelo
fortalecimento de sua eficácia, legitimidade, coerência e, particularmente,
da sua autoridade – o que não era equivalente a diminuir os poderes de
nenhuma das instituições existentes. Estava evidente no Relatório que
os poderes e competências das diferentes instâncias poderiam ser melhor
desenvolvidas – portanto, na mesma medida em que propunha o reforço
da autoridade política do presidente da Comissão, indicava a necessidade
de atribuir aos chefes de Estado e de Governo um papel mais atuante,
o que se deve à sua qualidade intrínseca de detentores da legitimidade

74
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

européia.20 Propunha-se, portanto, uma transformação qualitativa da


Comunidade que não poderia evoluir para um desenho institucional
superior se não fossem criadas condições para o estabelecimento de
políticas comuns nas áreas típicas e representativas da própria soberania
estatal, ou seja, segurança e política externa.
O estudo da Comissão Tindemans foi o marco inicial de um
longo processo de amadurecimento do debate e da reflexão política e
social das implicações do aprofundamento da Comunidade e,
evidentemente, do caminho a percorrer para a sua evolução na direção
de um arranjo político e econômico mais sofisticado.

Cronologia

1955 15 de abril – Assinatura do Tratado de Estado austríaco


– fim da ocupação soviética e “neutralização”
da Áustria;
5 de maio – Admissão da RFA na Otan;
14 de maio – Criação do Pacto de Varsóvia;
1º a 3 de junho – Conferência de Messina, na qual é criada a
Comissão Spaak que recebe a incumbência
de apresentar projetos para o aprofundamento
da integração entre os países membros da
Ceca;
5 de agosto – Assinatura do Acordo Monetário Europeu;
12 de outubro – Jean Monnet cria o Comitê para a Ação
pelos Estados Unidos da Europa;
25 de outubro – A Assembléia Parlamentar da Ceca adota a
bandeira da Europa;

20 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op cit., p. 188-192.

75
ANTÔNIO CARLOS LESSA

10 de dezembro – Enunciação da Doutrina Hallstein, segundo


a qual a RFA romperia relações com
qualquer país que reconhecesse a existência
ou estabelecesse relações com a RDA;

1956 29 de janeiro – Admissão da RDA no Pacto de Varsóvia;


29 de maio – Anunciada em Veneza pelos ministros dos
Negócios Estrangeiros dos seis países
membros da Ceca a adoção do Relatório
Spaak, pela criação de uma comunidade
econômica e de uma comunidade de energia
atômica;
5 de junho – Firmado o Acordo do Luxemburgo sobre
a restituição do Sarre à RFA;
26 de maio – Início das negociações para a criação da
CEE e da Euratom;
23 a 31 de agosto – Insurreição em Budapest – a Hungria
proclama a sua neutralidade;
29 de outubro – Israel ataca o Egito – deflagração da segunda
guerra árabe-israelense e intervenção franco-
britânica (Crise de Suez);
4 a 8 de novembro – Repressão da insurreição húngara pelas
forças soviéticas;

1957 6 de março – Independência de Gana, primeiro Estado


da África Sub-saárica a se emancipar, dando
início ao desmantelamento do império
colonial francês na África;
25 de março – Assinatura dos Tratados de Roma, que
criam a Comunidade Econômica Européia
(CEE) e a Comunidade Européia de
Energia Atômica (Euratom);

76
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1958 1º de janeiro – Entram em vigor os Tratados de Roma;


1º de junho – Ascensão do General de Gaulle ao poder
na França;
24 de setembro – Memorandum do General de Gaulle sobre
a reorganização da Otan, rejeitado pelos
EUA;
27 de novembro – Início da segunda crise de Berlim.
16 de dezembro – Ruptura das negociações entre o Grã
Bretanha e os Seis;
27 de dezembro – Entra em vigor o Acordo Monetário
Europeu.

1959 1º de janeiro – Entra em vigor o primeiro desarmamento


tarifário proporcionado pelo funcionamento
da Comunidade Econômica Européia
(redução em média de 10% nas tarifas dos
países-membro);

1960 4 de janeiro – Criação da Associação Européia de Livre


Comércio, liderada pelo Grã Bretanha e
reunindo alguns dos países da Europa
Ocidental que não fazem parte da
Comunidade Européia (Áustria, Suíça,
Suécia, Dinamarca, Noruega e Portugal);
13 de janeiro – Transformação da Organização para a
Cooperação Econômica Européia – OECE
em Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE,
mediante a adesão dos EUA e do Canadá,
com o propósito de reunir os países
industrializados de economia de mercado;

77
ANTÔNIO CARLOS LESSA

13 de fevereiro – Explosão da primeira bomba atômica


francesa;

1961 11 de fevereiro – Criação do Comitê Fouchet que estudará


propostas sobre a união política;
12 e 13 de agosto – Construção do Muro de Berlim;
9 de julho – Grécia firma acordo de associação com a
CEE;
31 de julho – Irlanda apresenta solicitação de adesão à
CEE;
9 de agosto – Grã Bretanha apresenta solicitação de
adesão à CEE;
10 de agosto – Dinamarca apresenta solicitação de adesão
àCEE;
1º de setembro – Entra em vigor o primeiro regulamento
relativo à livre circulação dos trabalhadores
na CEE;
20 de setembro – Criado o Fundo Social Europeu;
2 de novembro – Apresentação do primeiro Plano Fouchet
sobre a união política européia;
18 de dezembro – O Conselho da CEE prepara a passagem
para a segunda etapa do mercado comum
europeu e debate o tema da associação das
ex-colônias e territórios ultramarinos.

1962 14 de janeiro – Adoção dos primeiros textos regulamentando


a Política Agrícola Comum da Comunidade
Econômica Européia;
18 de janeiro – Rejeição do segundo Plano Fouchet de
união política européia;

78
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

7 de março – Conclusão das negociações para o desarma


mento tarifário entre os EUA e a CEE,
levando a uma diminuição média de 7%
dos direitos aduaneiros;
30 de abril – Noruega apresenta solicitação de adesão à
CEE;
2 a 8 de julho – Visita do chanceler Konrad Adenauer à
França;
4 de julho – Proposta norte-americana de uma parceria
entre os EUA e a Europa (Discurso da
Filadélfia do Presidente Kennedy);
14 a 28 de outubro – Crise dos mísseis de Cuba;
21 de dezembro – Acordo anglo-americano de Nassau, sobre
o fornecimento de mísseis Polaris à Grã-
Bretanha.

1963 14 de janeiro – O presidente da França, General de Gaulle,


anuncia pela primeira vez a sua oposição
formal à admissão da Grã-Bretanha na
CEE;
22 de janeiro – Adoção do Tratado de Consultas franco-
alemão (Tratado do Eliseu);
5 de fevereiro – Sentença de princípio do Tribunal de Justiça
das Comunidades (sentença Van Gend en
Loos) sobre a aplicabilidade direta e imediata
do direito comunitário;
23 de junho – Visita do Presidente John Kennedy a
Berlim Ocidental;
20 de julho – Assinatura da Convenção de Iaundê I,
associando 18 países africanos à CEE.

79
ANTÔNIO CARLOS LESSA

1964 4 de maio – Abertura da Rodada Kennedy do Gatt;


1º de julho – Criação do Fundo Europeu de Orientação
e Garantia Agrícola;
15 de julho – Sentença Costa/Enel do Tribunal de Justiça
das Comunidades sobre a aplicação direta
e incondicional do direito comunitário;
1º de dezembro – Entra em vigor o tratado de associação entre
a Turquia e a CEE;
15 de dezembro – Primeira fixação dos preços dos cereais no
quadro da Política Agrícola Comum.

1965 8 de abril – Assinatura em Bruxelas do tratado sobre a


fusão dos executivos da CEE, da Euratom
e da Ceca;
1º de julho – A França rompe as negociações sobre o
financiamento da PAC. Início da crise da
“chaisevide”;

1966 29 de janeiro – Firmado o Compromisso de Luxemburgo,


pondo fim à crise da “chaise vide”;
7 de março – Anúncio da retirada da França da Otan;
4 de julho – Declaração dos países do Pacto de Varsóvia
em favor da abertura de negociações sobre
a segurança e a cooperação na Europa;
10 de julho – Segunda candidatura de adesão da Grã
Bretanha à CEE.

1967 21 de abril – Golpe de Estado na Grécia;


16 de maio – Conclusão da Rodada Kennedy do Gatt –
desarmamento aduaneiro em cinco anos;

80
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

16 de maio – Segundo veto do General de Gaulle à


adesão da Grã Bretanha à CEE;
1º de julho – Abertura do mercado único para os cereais.

1968 3 de janeiro – Nomeação de A. Dubcek para a liderança


do Partido Comunista naTchecoslováquia
– início da Primavera de Praga;
21 de junho – O Conselho Atlântico reunido em Reikjavik
aceita entabular negociações com o Pacto
de Varsóvia sobre a segurança na Europa;
20 a 21 de agosto – Intervenção do Pacto de Varsóvia na
Tchecoslováquia – fim da Primavera de
Praga;

24 de agosto – Explosão da primeira bomba termonuclear


francesa.

1969 12 de fevereiro – Apresentação do Plano Barre sobre a


coordenação das políticas econômicas e a
união monetária;
28 de abril – O General de Gaulle deixa o poder na
França e é sucedido na Presidência da
República por Georges Pompidou em 15
de junho;
30 de maio – Abandono oficial da Doutrina Hallstein;
17 de julho – Adoção do Plano Barre;
22 de julho – Parlamento espanhol ratifica a designação
de Juan Carlos de Bourbon pelo ditador
Franco como seu sucessor;
29 de julho – Renovação da Convenção de Iaundê;

81
ANTÔNIO CARLOS LESSA

4 de novembro – Em instruções aos embaixadores da RFA,


Willy Brandt indica que o governo federal
alemão não mais considera um ato de
animosidade contra a Alemanha Federal o
reconhecimento da RDA por Estados
terceiros;
17 de novembro – Início das negociações estratégicas Salt em
Helsinki;
1 a 12 de dezembro – Cúpula Européia na Haia, que organiza a
dinamização da integração na Europa;
19 a 22 de dezembro – Acordo sobre o aumento dos recursos
próprios para a CEE na área agrícola.

1970 22 de janeiro – Willy Brandt propõe oficialmente a abertura


do diálogo entre as duas Alemanhas;
6 de março – Constituição do Comitê Werner para a
união econômica e monetária;
19 de março – Encontro entre Willy Brandt e Willy Stoph
– início da Ostpolitik;
22 de abril – Tratado de Luxemburgo sobre o aumento
dos recursos próprios e o alargamento dos
poderes orçamentários do Parlamento;
27 de outubro – Adoção do primeiro relatório Davignon
sobre a cooperação política.

1971 22 de março – Adoção do Plano Werner em favor da união


econômica e monetária;
23 de junho – Anunciado acordo entre os membros da
CEE quanto à adesão da Grã Bretanha à
comunidade;
15 de agosto – Suspensão da conversibilidade do dólar;

82
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

3 de setembro – Acordo dos Quatro sobre Berlim Ocidental;


18 de dezembro – Acordos do Smithsonian Institute, pelos
quais o dólar norte-americano é desvalori
zado.

1972 22 de janeiro – Anunciada a adesão da Grã-Bretanha, da


Irlanda, da Dinamarca e da Noruega à CEE;
10 de abril – Acordos de Bâle, que criam a “serpente
monetária”, instrumento central da união
monetária;
26 de maio – Firmado o acordo de circulação entre a RFA
eaRDA;
20 de outubro – Acordo de princípio sobre a criação de uma
união monetária para o fim dos anos 70;
22 de novembro – Início da Conferência sobre a Segurança e a
Cooperação na Europa, em Helsinki, na
qual há uma harmonização de posições
entre os membros da CEE;
25 de novembro – Derrota do referendum sobre a adesão da
Noruega;

21 de dezembro – Assinatura do “Tratado Fundamental” entre


a RFA e a RDA.

1973 1º de janeiro – Entra em vigor os Tratados de Adesão da


Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca à CEE;
31 de janeiro – Abertura em Viena de negociações sobre as
forças convencionais na Europa;
18 a 25 de junho – Viagem de Brejnev aos EUA – assinatura
do acordo sobre a prevenção da guerra
nuclear e da Carta da Coexistência Pacífica;

83
ANTÔNIO CARLOS LESSA

21 de junho – Os dois Estados alemães são admitidos na


ONU;
22 de julho – Apresentação do segundo relatório Davignon
sobre a cooperação política;
14 de setembro – Abertura da Rodada Tóquio de Negociações
do Gatt;
16 de outubro – Choque do petróleo – a Organização dos
Países Árabes Exportadores de Petróleo
(Opaep) aumenta em 70% o preço do barril;
17 de outubro – Embargo petroleiro decidido pela Opaep
contra os EUA e os Países Baixos;
15 de dezembro – Declaração de Copenhagem sobre a
Identidade Européia;
23 de dezembro – A Opaep dobra o preço do barril de petróleo.

1974 21 de janeiro – A França se retira do mecanismo da


“serpernte monetária”;
25 de abril – Revolução dos Cravos em Portugal – fim
do regime salazarista;
15 de julho – Desembarque turco em Chipre – queda do
regime militar na Grécia;
8 de agosto – Renúncia de Nixon, em conseqüência do
escândalo de Watergate – Gerald Ford
torna-se o 38o presidente dos EUA;
13 de agosto – Saída da Grécia da Otan;
10 de dezembro – O Conselho Europeu é criado pela Cúpula
de Paris;
12 de dezembro – Carta dos Direitos e Deveres Econômicos
dos Estados.

84
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

3. A era das grandes ambições

3.1. Crescendo para dentro

Por mais limitados que os resultados de algumas políticas


tenham se mostrado, e por mais difíceis que fossem os obstáculos
internalizados pela conjuntura internacional, verifica-se que a construção
da Europa avançou, nos anos 70, pela consolidação das estruturas
comunitárias e pela inovação em diversas áreas. Nesse sentido, a
unificação dos órgãos de ação, que refletiam no seu nascedouro um
original sistema de decisão que equilibrava instâncias de natureza
supranacional com outras de composição intergovernamental, foi um
avanço considerável.
A fusão das Comissões da Alta Autoridade da Ceca, da
Comissão do Mercado Comum e da Euratom permitiu a confirmação
da independência dos órgãos executivos inscrita nos tratados
fundadores, e reafirmada no Tratado de Paris. Estabelecia-se também
um equilíbrio para o número de cidadãos nacionais de cada um dos
Estados-membro – assim, a configuração da Comissão unificada de
1973 traduzia uma visão do equilíbrio político e econômico que
lastreava o processo europeu de integração: era composta por treze
membros, sendo que dois de cada um dos chamados “quatro grandes”
(Grã-Bretanha, RFA, França e Itália). Definiam-se também os
procedimentos de trabalho e as especializações criadas no âmbito do
corpo burocrático da Comissão espelhavam a ordem das políticas
comunitárias. Desse modo, cada um dos comissários, nomeados pelos
governos nacionais para um mandato renovável de dois anos, tinha
responsabilidade para uma das grandes áreas da ação comunitária, como
as questões sociais, agricultura, política de concorrência, ciência e
tecnologia, educação, indústria, energia, relações exteriores, etc.
Por transformações fundamentais também passou o Parlamento
Europeu. Desde a sua criação como instituição comunitária em
1951, como Assembléia da Ceca, o Parlamento era composto por

85
ANTÔNIO CARLOS LESSA

representantes dos legislativos dos Estados-membro, por eles escolhidos


de acordo com procedimentos nacionais. Tal fórmula se justificava
enquanto as diferentes opiniões públicas nacionais não estivessem
preparadas para eleger os seus representantes na instituição, mas a
percepção de que os sistemas políticos nacionais estavam prontos para
o sufrágio direto foi consagrada na Cúpula de Paris de 1974, quando
abriu-se a perspectiva de eleições diretas a partir de 1978. Quando
realizaram-se pela primeira vez, entre os dias 7 e 10 de junho de 1979,
o órgão tinha 198 membros; sendo 6 luxemburgueses, 10 irlandeses,
10 dinamarqueses, 14 belgas, 14 holandeses, 36 alemães, franceses,
italianos e britânicos, individualmente.
A entrada em vigor do Sistema Monetário Europeu (SME)
no dia 13 de março daquele difícil ano de 1979, também mostrou ser
um marco significativo na construção da Europa, mesmo tendo em
conta que o sistema monetário internacional continuasse, em grande
parte, dominado pelo dólar norte-americano e particularmente
influenciado pela crise econômica característica dos anos 70. A decisão
de criá-lo partia da percepção de que a sucessão de crises, além do
efeito negativo na estabilidade das taxas de crescimento econômico,
acabaram também com a crença na estabilidade das taxas de câmbio,
marcada pelo enfraquecimento gradual do dólar, caracterizado por suas
repetidas desvalorizações a partir de 1971, e pelas alterações bruscas e
unilaterais na equivalência do franco francês e do marco alemão
(a partir de 1969). Acresce que a alta instabilidade cambial prejudicava
não apenas a concertação de políticas macroeconômicas entre os
Estados-membro, mas tornava particularmente difícil a circulação de
bens e capitais no espaço europeu integrado.
A base do sistema era provida por um rigoroso mecanismo de
bandas cambiais, que tinha a intenção de aproximar as margens de
flutuação diárias entre as moedas dos Estados-membro, forçando o
seu realinhamento em torno de paridades desejáveis, que se articulava
com um conjunto de mecanismos de crédito. No centro do sistema
estava uma moeda escritural, criada como meio de liquidação entre os
bancos centrais nacionais, denominada ECU (sigla de European Curency
Unit ou Unidade Monetária Européia) que era criada para ser o

86
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

denominador do mecanismo da taxa de câmbio e dos mecanismos de


crédito. Expressão de uma cesta de moedas nacionais, onde se incluía a
libra esterlina (ainda que a Grã-Bretanha não tivesse aderido ao SME),
segundo uma razão determinada pela dimensão do Produto Interno
Bruto (PIB) total, pela participação no comércio total do espaço
europeu e pelas próprias dimensões econômicas do país. O SME
atualizava um primeiro esforço de coordenação monetária que entrara
em vigor no início dos anos 70 mas que fora logo abandonado pela
instabilidade cambial do período.1
Ao longo da década de 1970, a cooperação política européia
efetivamente não caminhou para a formação de uma política externa
comum, mas tornou-se um fator muito importante nas políticas
externas de todos os Estados-membro. Desde a guerra do Yom Kippur,
que produziu efeitos colaterais para toda a comunidade internacional,
cuidou-se de proceder a uma concertação política mais íntima, que
ganhou forma já a propósito da crise no Oriente Médio ainda no dia
13 de outubro de 1973, quando os governos dos nove países da
Comunidade se declaravam, em comum acordo, “preocupados com a
retomada dos combates na região, conclamando as partes para que
cessem as hostilidades”. Em alguns casos, a cooperação iniciada sobre
temas de política externa, tradicionalmente uma das áreas de mais difícil
convergência na história da construção da Europa, evoluiu de modo
extremamente satisfatório, sendo possível vislumbrar, ao final dos anos
70, “embriões” de uma ação internacional comunitária, ainda que bem
delimitados a certos temas, como as questões lancinantes do Oriente
Médio e mesmo o diálogo euro-norte-americano. Para tanto não há
dúvida que contribuíram o desenvolvimento de rotinas precisas para a
verificação de convergências, que ganhavam a forma de um sistema
flexível de consultas consolidadas nas reuniões dos ministros de
Negócios Estrangeiros (a primeira com tal propósito realizou-se em
Munique aos 19 de novembro de 1970). Além disso, a repetição das
Cúpulas de Chefes de Estado emprestava densidade política ao processo

1 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 227-236.

87
ANTÔNIO CARLOS LESSA

de consolidação das instituições comunitárias e dava ensejo para o


lançamento de novas iniciativas tendentes ao aprofundamento da
integração. A institucionalização dessas cúpulas em 1972 permitiu a
criação de uma câmara de ressonância onde se construíam respostas
consensuais sobre pontos importantes da agenda internacional,
emprestando também visibilidade para as questões que eram objeto
de discussão e deliberação por parte dos líderes reunidos.

3.2. Alargamento e aprofundamento nos anos 80

A construção da Europa evoluiu, ao longo da década de 1970,


pela consolidação das instituições comunitárias, pelo amadurecimento
do pensamento político e social em torno dos acertos e dos erros de
todo o processo, mas também, pelos impactos da conjuntura de crise
internacional, que tinha vertentes políticas e econômicas muito bem
marcadas, e que contingenciavam o desenvolvimento das relações
econômicas intra e extra-européias.
A década que se abriu sob o signo da instabilidade econômica
que prenunciava o encerramento do longo ciclo de crescimento
sustentado que fez da Europa um milagre, seguiu numa impressionante
seqüência de crises, que se encadeavam para compor um quadro que
indicava para rápidas transformações nos papéis desempenhados pelas
superpotências na cena internacional e que em linhas gerais, depunham,
a um só tempo, contra a liderança global dos EUA e em favor da
expansão da URSS. Ao desmantelamento do império colonial
português no continente africano em 1975 (com o que Angola,
Moçambique, Guiné Bissau e Cabo Verde passaram a integrar a periferia
do sistema soviético), seguiu-se a derrota dos norte-americanos na
Indochina (a partir de então toda comunista), a queda do Xá do Irã,
aliado especial dos EUA no Oriente Médio, e a desmoralizante crise
dos reféns deTeerã, em 1979. Naquele ano, o governo, como também
a opinião pública norte-americanos, exasperaram-se com a invasão do
Afeganistão pela URSS e com o que parecia ser o primeiro e decisivo
passo da expansão soviética para as regiões do Oceano Índico e do

88
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Golfo Pérsico, esta já tão atribulada com o início da guerra entre o


Iraque e o Irã.2
Para os países em desenvolvimento, 1979 também foi
emblemático: os efeitos do segundo choque do petróleo são aprofundados
pelo aumento das taxas de juros nos EUA, o que faz explodir as dívidas
contratadas a taxas flutuantes na conjuntura de grande liquidez
característica do sistema financeiro internacional desde o final da década
de 1960, e deu início à crise financeira que se instala, para boa parte
dos países da América Latina, na entrada dos anos 80.
Face a essa evolução dramática da cena internacional, a
construção da Europa pareceu se estagnar desde meados dos anos 70.
Como que ocupados com as conseqüências que os impactos da cena
internacional portariam sobre os seus interesses, parece que os Estados-
membro esqueceram, por certo tempo, o binômio que proporcionava
a revitalização do ânimo integracionista consagrado na Cúpula de Haia
de 1969: alargamento e aprofundamento. Alguns processos ligados ao
aprofundamento da Europa estavam certamente em aberto, como o
da constituição de uma união de Estados, mas os nove parceiros não
estavam fechados às negociações para a ampliação da Comunidade.
Por isso, a paralisia aparente da construção européia teve fim com as
negociações para a admissão da Grécia, com o que se apontava para o
restabelecimento do equilíbrio regional comunitário rompido pelo
alargamento para o Norte efetuado no início da década de 1970.
Quando a Ceca e o MCE foram criados nos anos 50 era
evidente que os seus regimes e mesmo objetos não se aplicavam à Grécia,
então uma economia eminentemente agrícola ao que se somava o fato
de que o país situa-se fora do arco cultural, geográfico e histórico do
restante da Europa Ocidental. Entretanto, a candidatura grega não era
de todo nova quando tiveram início formalmente as negociações para
a sua adesão, beneficiando-se o país de um acordo de associação que
entrou em vigor em 1962, com o objetivo de fortalecer e desenvolver

2Vizentini, Paulo G. Fagundes. op. cit. p. 64-81; Hobsbawm, Eric. op. cit., p. 242-243;
Zorgbibe, Charles. O pós-guerra fria no mundo. Campinas: Papirus, 1996, p. 20-24. Zorgbibe,
Charles. Histoire des Relations Internationales (1962 à nosjours): op. cit, p. 325-336.

89
ANTÔNIO CARLOS LESSA

as relações econômicas entre as partes, sendo que a entrada no espaço


econômico europeu poderia se realizar quando a economia grega fosse
capaz de sustentar as obrigações decorrentes de uma eventual admissão
plena. Entretanto, o acordo de associação foi virtualmente suspenso
entre abril de 1967 e junho de 1974, ou seja, enquanto perdurou o
regime militar, retardando por igual período a verificação de condições
progressivas para a abertura de negociações. Com o restabelecimento
da democracia e a reapresentação da candidatura, a Comissão Européia
julgou que o país ainda não tinha condições econômicas para o acesso
pleno, mas propôs em contrapartida um processo de “pré-acesso”, que
teria duração indeterminada e no qual reformas econômicas seriam
empreendidas.
A resposta de Atenas, de uma originalidade singular, foi a
insistência na admissão plena, enfatizando a importância que tal fato
teria na consolidação da democracia grega, o que favoreceria também a
consolidação dos laços do país com a Europa Ocidental e com a aliança
atlântica. O Conselho de Ministros, ao considerar a argumentação dos
gregos, inovou não em rejeitar a proposta formulada pela Comissão,
mas ao demonstrar sensibilidade para compreender e julgar
politicamente o impacto favorável que a admissão teria para a sociedade
e o sistema político do país. As negociações tiveram início em julho de
1976 e a Grécia foi admitida como membro pleno da Comunidade
Européia em 1981.3
A Comunidade dos Dez (composta pela França, Itália, RFA,
Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo, Grã-Bretanha, Dinamarca,
Irlanda e, a partir de então, a Grécia) passava a carregar consigo a
disparidade de níveis de desenvolvimento econômico e social cada vez
mais profunda, que pela primeira vez criava um fosso a separar os
Estados-membro. É verdade que os níveis de desenvolvimento desiguais
não foram um obstáculo até aquele momento para a admissão de novos
parceiros, uma vez que a Comunidade já havia estabelecido desde muito
políticas dedicadas à equalização das condições econômicas de algumas
regiões dos seus Estados membros, mas o ineditismo da situação trazida

3 Nugent, Nigel. op. cit. p. 29.

90
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

pela Grécia situava-se no fato de que, pela primeira vez, era admitido
um membro com uma configuração econômica e social tendente
inteiramente ao subdesenvolvimento. O “desafio grego” à construção
da Europa ganhou, portanto, em um primeiro momento, a forma de
novas pressões sobre as políticas redistributivas da Comunidade, ao
que se somaram com o tempo dificuldades para manejar, no plano da
concertação política européia, a hostilidade da Grécia com a Turquia e
a intrincada rede de fidelidades construída em uma história
multissecular no Mediterrâneo e na região dos Balcãs.
O problema redistributivo esteve ainda em evidência quando
foram abertas negociações para um novo alargamento, com as
candidaturas de Portugal e Espanha anunciadas em 1977. As mesmas
questões que separaram a Grécia do esforço de construção da Europa
estiveram presentes no relacionamento dos países ibéricos com o restante
da Europa Ocidental: os dois países estavam submetidos a regimes
autoritários consolidados, as suas economias predominantemente
agrárias apresentavam sérios problemas de subdesenvolvimento, que
eram realçados pela manutenção durante muito tempo de uma
orientação francamente autárquica. Ainda que não existissem nos
tratados constitutivos das comunidades restrições à admissão de países
submetidos a outros regimes políticos que não a democracia liberal, é
certo que esse foi o aspecto que influenciou negativamente a aproximação
de ambos os países, o que se devia às prevenções que os governos dos
Estados-membro desenvolveram em função das polêmicas que tais
movimentos criariam nas opiniões públicas nacionais.
A primeira aproximação feita pelos ibéricos se deu em 1962,
quando solicitaram negociações para um acordo de associação, nos
moldes daquele que vinculou a Grécia à Comunidade. Se as precauções
da Comunidade não permitiram o avanço das negociações naquele
momento, posteriormente foram efetivados acordos de comércio com
a Espanha (1970) e com Portugal (1973), mas as reticências
comunitárias para os dois países seriam vencidas apenas com a queda
do regime salazarista em 1974 e com o desaparecimento do General
Franco em 1975, quando, finalmente, as negociações tornaram-se uma
possibilidade. Realizadas a partir de 1977, as conversações foram difíceis

91
ANTÔNIO CARLOS LESSA

e realçadas por questões que surgiam do subdesenvolvimento das


economias portuguesa e espanhola, como por exemplo, as implicações
que uma maior mobilidade da mão-de-obra ibérica barata e
desqualificada portariam para o espaço econômico europeu. Repetindo-
se a história da admissão da Grécia, os fatores políticos foram mais
importantes para a decisão do Conselho do que as precauções de natureza
econômica da Comissão, preferindo-se conceder a adesão a Portugal e
à Espanha com os votos de que isso poderia atuar favoravelmente para
a consolidação da democracia, com ganhos futuros para o fortalecimento
estratégico da Europa Ocidental. A adesão dos dois países foi efetivada
na reunião do Conselho de 29 de março de 1985 e os tratados que
implementavam a sua admissão entraram em vigor em 1º de janeiro
de 1986.4

3.3. O retorno das grandes ambições

Duas propostas marcaram nos anos 80 o retorno da grande


ambição da construção da Europa: a formação de uma união política.
Uma delas foi avançada pela primeira legislatura eleita por voto direto
do Parlamento Europeu, e a outra emanou do Conselho Europeu.
A primeira proposta foi formulada por uma comissão
institucional criada em 9 de julho de 1981 pelo Parlamento Europeu
e presidida por Altiero Spinelli, e ganhou a forma de um projeto de
tratado sobre a União Européia. Levados a votação em 14 de janeiro
de 1984 e aprovados por larga maioria, os 87 artigos do projeto
incorporavam os tratados em vigor e os diplomas legais existentes sobre
cooperação política e econômica, propondo uma moldura única para
a diversidade de instrumentos jurídicos editados para amparar, desde o
início, a construção da Europa. Além disso, o projeto avançava pela
redefinição do processo decisório na estrutura da Comunidade, na qual
o legislativo ganharia poderes compartidos com o Conselho de
Ministros em matéria orçamentária, e a Comissão passaria a ser investida
pelo Parlamento, tal como acontece nos regimes parlamentares. Para

4 Idem, p. 30.

92
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

provocar a discussão por parte dos governos nacionais, o texto do


denominado Projeto Spinelli foi encaminhado aos diferentes
parlamentos nacionais.5
Entrementes, os chefes de Governo elaborariam o seu próprio
projeto, no seio do Conselho Europeu. Na reunião de Stuttgart de
junho de 1983 adotaram uma declaração solene acerca da União
européia, na qual reafirmaram a adesão dos Estados-membro aos
objetivos estatuídos nas Cúpulas de Haia (1969) e de Paris (1972). Na
reunião do Conselho do ano seguinte, realizada em Fontainebleau,
empreenderam um conjunto de medidas de importante impacto
psicológico, como a adoção de um passaporte europeu e a supressão
de controles de passagem nas fronteiras nacionais, mas também
instituíram um Comitê para estudar a reforma das instituições, cuja
presidência fôra entregue ao irlandês James Dooge.6
Composto por representantes pessoais dos chefes de Estado e
de Governo e do presidente da Comissão, esse Comitê dedicou-se a
estudar propostas para a criação de uma união Européia que fossem
passíveis de serem adotadas consensualmente. Concluído em março
de 1985, o Relatório Dooge também indicava a necessidade de uma
reforma das instituições comunitárias, preservando-as, mas adaptando-
as às necessidades da Europa alargada e a cada ano mais complexa.
Nesse sentido, recomendava que o Parlamento assumisse maiores
responsabilidades no processo decisório comunitário, sendo isto o
mínimo a esperar de uma Casa cujos membros passaram a ser eleitos
pelo voto direto e universal, devendo abandonar o seu tradicional papel
de instituição consultiva e assumir poderes de co-decisão legislativa
com o Conselho, de maior controle sobre todas as políticas comuns e
sobre as decisões da Comissão, sobre as relações exteriores comuns
(pronunciando-se sobre acordos de associação ou de adesão, por
exemplo) e, evidentemente, sobre o orçamento comunitário. A
Comissão, por seu turno, deveria ter os seus poderes e autonomia
reforçados, gozando de maiores capacidades de iniciativa, execução e

5 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 227-236.


6 A propósito, ver Dinan, D. Ever closer Union… op. cit., passim.

93
ANTÔNIO CARLOS LESSA

gestão. O presidente da Comissão deveria ser designado pelo Conselho


Europeu e, junto com os demais comissários deveriam ser investidos
de voto de confiança acordado pelo Parlamento, reproduzindo também
a fórmula de um regime parlamentarista. O Conselho Europeu,
composto pelos chefes de Governo e de Estado, deveria desempenhar
o papel estratégico de dar à Comunidade direções e impulsos políticos,
sendo preservado da discussão de questões rotineiras. O Conselho de
Ministros também deveria ser adequado à complexidade crescente da
Comunidade, com uma mudança importante no processo de decisão,
que deveria se dar pela regra da maioria, simples ou qualificada,
suprimindo a unanimidade (reservada para casos realmente
excepcionais) e a noção de “interesse vital dos Estados-membro” que a
informava. O Tribunal de Europeu de Justiça, enfim, também deveria
ser adequado aos novos desafios da construção da Europa, com o
aumento da sua jurisdição para novas matérias de conflitos.7
As duas peças convergiam para a mesma diagnose: as
instituições comunitárias mostravam-se ineficientes e ineficazes e as
ações comuns, por isso, eram insuficientes para o aprofundamento da
integração e a conclusão da construção da Europa – na perspectiva de
que essa passava a ser entendida como um verdadeiro
comprometimento político, especialmente em áreas sensíveis, como a
defesa e a política externa.

3.4. O Ato Único Europeu

Os estudos efetuados pelas Comissões Spinelli e Dooge, mas


particularmente as motivações que levaram à sua consecução,
assentavam-se sobre a percepção generalizada de que a construção da
Europa era um processo estagnado desde meados dos anos 70, mesmo
que os pensamentos político e social acerca do processo se tenham
mantido aquecidos e algumas medidas para a sua revitalização tenham
sido empreendidas naquele período. Quando Jacques Delors foi
nomeado para a presidência da Comissão das Comunidades em 1º de

7 Nugent, Nigel. op. cit., p. 36-46.

94
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

janeiro de 1985, a sua própria análise dos sintomas apresentados pela


Europa (letargia crônica, alta vulnerabilidade às crises externas,
insegurança identitária, que levavam a repetidos e insistentes rompantes
de relançamento) o fez crer que o único meio para a retomada do
processo seria a realização da única medida nunca empreendida e que
era uma das razões da parceria que se construía desde os anos 50, qual
seja, a do estabelecimento de um verdadeiro mercado único.8
Tendo essa idéia por base, a Comissão Européia sob a liderança
de Delors entregou-se a preparar um completo estudo com a proposição
de medidas tendentes à realização do “espaço econômico sem fronteiras”,
permitindo a livre circulação de bens, capitais e trabalho, que foi
submetido ao Conselho Europeu reunido em Milão em maio de 1985.
Este “Livro Branco”, ao enumerar três centenas de medidas necessárias
para a real efetivação do mercado comum, indicava, como medida
fundamental, a necessidade da abertura de negociações para um novo
tratado, que codificaria em um único diploma os avanços empreendidos
nas últimas décadas nos textos dos tratados de fundação, as suas emendas,
os procedimentos de cooperação política e as práticas procedimentais
aprendidas com a experiência. O Ato Único Europeu foi assinado em
Luxemburgo em 28 de fevereiro de 1986, entrando em vigor em 1º
de janeiro do ano seguinte.
A edição do Ato Único não deixava de ser uma prova cabal de
que a integração econômica não foi encaminhada pelos parceiros como
estava previsto, porque ele nada mais fazia do que esclarecer e evidenciar
que, apesar da supressão dos direitos alfandegários e da definição de
uma tarifa externa comum prescritas pelo Tratado de Roma, os Estados-
membro desenvolveram indiretamente mecanismos de cerceamento
das liberdades de circulação, o que se devia particularmente à
permanência dos controles de fronteira. Assim, o mercado único não
se realizaria enquanto os parceiros levantassem objeções à livre circulação
de bens, de serviços, de mão-de-obra e de capitais em seu território,
alegando razões técnicas, sanitárias e concorrenciais, sendo necessário

8 Urwin, Derek W. The Community ofEurope: A History ofEuropean Integration Since 1945.
London-New York: Longman, 1995. p. 178-193.

95
ANTÔNIO CARLOS LESSA

dar fim ao pool de mercados nacionais em que se transformara a ficção


do mercado único. As medidas previstas no Livro Branco de 1985,
aliás, introduziam inovações nessa direção: transformadas em diretivas
e recomendações da Comissão aos Estados-membro, foram
internalizadas nos diferentes sistemas jurídicos nacionais, provocando
gradualmente a liberação dos mercados. Assim, desde 1989 entrou em
vigor a liberação das atividades bancárias e do setor de seguros, seguida
pela livre circulação de capitais (julho de 1990), pelo direito de livre
estabelecimento (ou seja, as empresas e pessoas poderiam se instalar
onde bem entendessem) e de prestação de serviços, pelo início da
desregulamentação nacional do transporte aéreo, e finalmente, pela
supressão dos controles físicos nas fronteiras.9
A realização do mercado único teve conseqüências diretas para
a vida econômica e, claro, dos cidadãos, entre as quais devem ser
ressaltadas a liberdade total de movimentação de capitais, o fim das
preferências nacionais nos sistemas de compras governamentais e o
estabelecimento da eqüivalência de diplomas universitários, o que
reforça o livre acesso dos cidadãos às diferentes atividades profissionais.
Por outro lado, a adoção dessas medidas pôs em evidência problemas
que seriam enfrentados em breve, como a necessidade de estabelecimento
de convergências nas políticas tributárias nacionais (levando à
harmonização crescente da carga tributária direta e indireta e ao
estabelecimento de mecanismos que coibissem a evasão fiscal), causada
pela liberdade de circulação de capitais, e a da definição de uma política
comum sobre imigração e asilo político, percebida em decorrência da
supressão dos controles de fronteira.
Nesse último aspecto, alguns entendimentos já haviam sido
encaminhados desde junho de 1985, quando reunidos em Schengen,
comunidade luxemburguesa, os governos da Bélgica, dos Países Baixos,
do Luxemburgo, da França e da RFA estudaram a supressão gradual
dos controles de fronteira para a verificação de passaportes dos cidadãos

9 Moravcsik, Andrew. The Choice for Europe: Social Purpose and State Power from Messina to
Maastricht. Cornell Studies in Political Economy. Ithaca: Cornell University Press, 1998,
514 p., passim.

96
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

de terceiros países, regulada em Acordo ao qual se juntaram em seguida


a Itália, a Espanha e Portugal. Os regulamentos do Acordo de Schengen
estabeleciam mecanismos de cooperação intergovernamental para a
harmonização das políticas nacionais de asilo político, repressão ao
crime e para o estabelecimento de uma base de dados comum.10

3.5. Um novo tempo de crise: o fim da Guerra Fria

A abertura dos anos 80 não trouxe uma nova fluidez para as


relações internacionais, mas, bem ao contrário, a ascensão de Ronald
Reagan à presidência nos EUA é justamente compreendida por muitos
como um dos eventos decisivo para o encaminhamento final do jogo
estratégico entre as superpotências e para o delineamento das
características fundamentais das relações internacionais do fim do século,
tanto do ponto de vista político, quanto econômico e ideológico. O
reinado republicano que se abriu nos EUA em 1981 confirmou e realçou
a renovação do ideário econômico liberal, tendência que se apresentara
timidamente anos antes, com a eleição de MargarethThatcher na Grã-
Bretanha. Neste marco, o esboço de uma incisiva agenda voltada para
a competitividade econômica foi identificada com a necessidade de
pôr fim às mazelas do Estado de bem-estar social, de promover a atuação
global dos atores econômicos, o livre-comércio e de criar condições
para a expansão dos investimentos transnacionais, em um clima de
segurança e estabilidade, apesar de ter que se manifestar em um ambiente
caracterizado pelo recrudescimento dos protecionismos e da clivagem
Norte-Sul. Tal agenda manifestava-se, portanto, em um mundo que
deixava gradualmente de se organizar em função do eixo fundamental
Leste-Oeste e já se caracterizava por uma multipolaridade econômica
estável e pela crescente competição tecnológica. À defesa decidida dos
interesses ligados à renovação liberal seguiram-se as apostas fundamentais
para o rompimento do equilíbrio na competição hegemônica global:
a renovação dramática da velha política de contenção do comunismo
ganhou forma na decisão de levar o oponente à estafa econômica pela

10 Idem, p. 49-50.

97
ANTÔNIO CARLOS LESSA

via da exacerbação do componente tecnológico, sempre presente no


enfrentamente entre os “gigantes”, mas nunca tão fundamental quanto
no lançamento da Iniciativa de Defesa Estratégica, em 1983.
Se essa estratégia norte-americana levou a uma breve reversão
da qualidade da distensão entre as superpotências, a ascensão de Mikhail
Gorbatchev ao poder contribuiu, em sentido inverso, para a retomada
da distensão e para que vingassem as condições para que a URSS
abdicasse definitivamente do papel de superpotência. De fato, as
plataformas política e econômica da nova liderança instalada no
Kremlin, ao propor a “renovação econômica aliada à transparência
política”, tanto reconhecia que o poder de convocação do socialismo
real chegara ao seu limite, quanto abria mão da responsabilidade de
prover estabilidade aos Estados satélites, que deveriam procurar suas
próprias vias de transição para uma nova realidade política e econômica.
Assim, a aceitação da desproporcionalidade no desarmamento nuclear,
a retirada das forças soviéticas do Afeganistão, a renúncia unilateral da
exigência do fim do programa “Guerra nas Estrelas”, apenas
evidenciaram que o poder soviético chegara aos limites da exaustão, o
que foi imediatamente percebido e explorado pelas forças de oposição
atuantes nos países do sistema soviético.11
Testemunhava-se o fim melancólico do que se convencionou
denominar sistema socialista – processo que foi tão econômico (ao
evidenciar a irracionalidade que se tornara característica das economias
de comando) quanto político (consubstanciado na perda de
legitimidade política e, portanto, de capacidade de liderar) – espetáculo
articulado em dois atos que se sucederam rapidamente (em não mais
do que três anos) e que assombraram pela sua portentosa simbologia.
A agitação nos países do mundo soviético prenunciou a democratização
daqueles sistemas políticos e o início de sua transição (traumática para
a maioria deles) para economias de mercado, da mesma forma que a

11Almeida, Paulo Roberto de. Os anos 1980: da nova Guerra Fria ao fim da bipolaridade.
In: Saraiva, José Flávio Sombra (org.). Relações Internacionais : dois séculos de história (entre a
ordem bipolar e o policentrismo, de 1947 a nossos dias). Brasília : IBRI/Funag, 2001, p 91-101;
Zorgbibe, Charles. Histoire des Relations Internationales (1962 à nosjours): op. cit., p. 357-374.

98
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

queda do Muro de Berlim, em 1989, marco da divisão entre os dois


mundos, apenas confirmou a circunscrição do socialismo real às utopias
renitentes, freqüentemente instaladas na periferia do sistema
internacional. A integração à comunidade internacional do novo
conjunto de países nascidos da dissolução da URSS, em 1991,
corresponde ao ato final do desmoronamento do sistema soviético e
se confunde com o fim da ordem internacional que teve origem em
Ialta quase cinqüenta anos antes. A rápida sucessão dos acontecimentos
internacionais entre 1989 e 1991 constituiu os golpes finais no
desmoronamento do edifício lentamente construído desde 1944 e pôs
fim a uma guerra mundial que efetivamente nunca aconteceu no plano
da confrontação direta. Os gestos dos principais atores políticos a partir
de então indicavam o seu empenho em dar início à construção de uma
nova ordem internacional – uma ordem pós-Guerra Fria – que
atribuísse novas responsabilidades às potências remanescentes, em um
contexto de emergência de problemas internacionais até então inéditos
na história da humanidade.
A reunificação da Alemanha, formalizada em outubro de 1990,
o início da transição dos países ex-socialistas para a economia de mercado
e as incertezas que o fim da Guerra Fria portaram para a estabilidade
européia sintetizam, no início dos anos 90, os desafios que a evolução
final da ordem bipolar portou para a construção da Europa. Quais
seriam os impactos da recriação da Alemanha para a Comunidade?
Como evoluiriam as economias e os regimes políticos dos antigos
satélites soviéticos e como esses processos impactariam sobre a
estabilidade do processo europeu de integração? Como agiriam os
principais Estados-membro sem a rationale que iluminou a sua ação
internacional durante meio século? Não seria esse o momento de se
buscar o desenvolvimento de uma política exterior e de defesa comum?
Já no início da década de 1990 uma nova crise internacional reforçou
a crença de que as respostas da Comunidade naquelas áreas estratégicas
eram inadequadas. Com efeito, ainda que os parceiros tenham
conseguido agir de modo relativamente concertado na dimensão
“declaratória” da crise que levou à Guerra do Golfo (1990-1991), foram

99
ANTÔNIO CARLOS LESSA

incapazes de agir como bloco na dimensão diplomática e na decisão


das contribuições para as forças que atuaram na guerra contra o Iraque.12

3.6. O Tratado de Maastricht

Uma parcela expressiva dos meios políticos e sociais europeus


ficou francamente desapontada com as providências encaminhadas pelo
Ato Único de 1986 no sentido da implementação do mercado único
e acreditava que novas medidas seriam em breve necessárias para garantir
um novo esforço de aprofundamento da construção da Europa. Mesmo
que se considerasse que avanços importantes ocorreram com a criação
do espaço econômico sem fronteiras, as áreas que eram consideradas
fundamentais para o abandono da visão exclusivamente economicista
de todo o processo, ou seja, a convergência dos Estados-membro para
uma real cooperação nas áreas de relações exteriores e defesa,
permaneceram intocadas. Acresce que as medidas do Ato Único
Europeu, ao tempo em que empurravam os parceiros para a
desregulamentação de seus mercados nacionais, criavam necessariamente
novas regulamentações, em nível comunitário, para garantir que as
novas liberdades necessárias ao mercado unificado seriam efetivamente
implementadas. Esses “euroentusiastas”, que não se cansaram em
denunciar as insuficiências da integração ao longo de toda a década de
1980, encontraram razões de natureza externa, já evidenciadas, e interna
para fortalecer os seus argumentos.
Os fatores internos estavam em sua maioria associados aos
estímulos para uma integração mais profunda proporcionados pelo
“relançamento” feito com o Ato Único Europeu. A unificação do
mercado tinha uma lógica particular que se amparava sobre questões
extremamente importantes, conhecidas de todos os Estados-membro
há muito tempo, mas que permaneceram irresolvidas, agregando novos
problemas para a agenda comunitária. Em primeiro lugar, muitos dos
Estados-membro perceberam que os benefícios do mercado único

12 Ginsberg, Roy H. The European Union in International Politics: Baptism by Fire. Lanham,
Md.: Rowman and Littlefield, 2001. p. 212-220.

100
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

somente poderiam ser realizados se ações importantes fossem


empreendidas no sentido da criação de uma união econômica e
monetária. Nesse aspectos, uma moeda comum passou a ser vista como
necessária para eliminar as distorções de comércio provocadas pelas
alterações nas taxas de câmbio, provendo também maiores facilidades
e condições para o planejamento empresarial e eliminando os custos
de conversão. Em segundo lugar, havia uma percepção crescente da
necessidade de políticas sociais que compensassem os impactos da
liberalização e desregulamentação dos mercados nacionais causadas pela
criação do mercado único, evitando também o surgimento de formas
de dumping social, pelas quais se produziriam distorções nos custos de
produção, que no caso das empresas instaladas em países onde as redes
de proteção social fossem menos densas, seriam evidentemente menores.
Em terceiro lugar, o desmantelamento dos controles de fronteira criaram
demandas por novos mecanismos de controle comunitário para lidar
com o fluxo transnacional que nasce da livre circulação de pessoas,
como o crime organizado, o tráfico de entorpecentes, o terrorismo e,
especialmente, com as novas correntes de migração de massas da Europa
centro-oriental e do norte da África. Finalmente, o aumento dramático
das prerrogativas comunitárias provocado pela instituição das novas
regulamentações necessárias para a criação do mercado único
reapresentava o problema do déficit democrático; em outras palavras,
a partir de então a burocracia comunitária passou a exercer poderes
cada vez maiores sobre um número acrescido de competências, mas
sem o controle e a transparência desejáveis.13
A combinação da dimensão internacional em transformação
com a percepção interna das distorções provocadas pela criação do
mercado único produziram a crença de que uma nova rodada de
aprofundamento da Comunidade era necessária. Nesse contexto, a
atuação do presidente francês François Mitterrand e do primeiro-
ministro alemão Helmut Kohl foi decisiva: animados por motivos
diferentes, o primeiro se debatendo com a crise interna do seu projeto

13 KotlowskI, DeanJ. (ed.). TheEuropeanUnion: FromJean Monnet to the Euro. Introduction.


Athens: Ohio University Press, 2000, p. 196-211.

101
ANTÔNIO CARLOS LESSA

de governo socialista, enquanto o segundo se confrontando com as


dificuldades psicológicas e econômicas da reunificação, procuraram
chamar a atenção das opiniões públicas nacionais para uma vitória na
dimensão européia.14 Reproduziam, nessa ação motivada por leituras
dos apertos políticos domésticos, o dinamismo da parceria franco-
alemã que se construiu desde o final da década de 1940 e que se
transformara no eixo de todo o processo de construção da Europa. A
convergência da premência de ajustes na Comunidade e das táticas
diversionistas dos dois líderes europeus impulsionou o debate e as
negociações para a reforma completa das instituições, que deveriam
levar a novo ímpeto na construção da Europa. Esse foi o espírito do
Conselho Europeu reunido na cidade holandesa de Maastricht entre 9
e 11 de dezembro de 1991.
A Cúpula de Maastricht tinha inicialmente os objetivos de
chegar a um acordo sobre a união econômica, monetária e política,
sendo a culminância de uma longa série de reuniões preparatórias que
se realizaram nos três anos anteriores15:

1. em junho de 1988, a Cúpula de Hannover confirmou o


objetivo da realização progressiva de uma União
Econômica e Monetária (UEM) e decidiu a criação de um
Comitê a ser liderado pelo presidente das Comissões,
Jacques Delors, com o propósito de estudar e propor
medidas concretas para a consecução dessa União;
2. em junho de 1989 em Madrid, os chefes de Estado
aprovaram o Relatório da Comissão Delors e concordaram
que as recomendações ali apontadas seriam as bases para o
primeiro estágio da UEM, que teria início em 1º de julho
de 1990, e que conferências intergovernamentais poderiam
ser necessárias para o estabecimento dos estágios subsequentes;
3. a reunião de dezembro de 1989 de Estrasburgo levou a
consenso a respeito da inadequação da proposta da

14 Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne, op. cit., p. 332-333.


15 Nugent, Nigel. op. cit., p. 62-63.

102
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Grã-Bretanha de que a UEM fosse implementada


exclusivamente como um mecanismo que funcionaria em
nível intergovernamental;
4. na conferência especial de Dublin de abril de 1990 (dita
Dublin 1), que foi inicialmente convocada para discutir
a reunificação da Alemanha, os chefes de Governo
aprovaram uma proposta franco-alemã para impulsionar
os entendimentos intergovernamentais necessários para
a consecução da UEM. Além disso, confirmou-se o
compromisso com a União Política;
5. em junho de 1990 em Dublin (dita Dublin 2), acordou-
se que as negociações em nível de governo teriam início na
Cúpula convocada para dezembro do mesmo ano na capital
italiana;
6. em Roma, em outubro de 1990 (dita Roma 1), os trabalhos
preparatórios empreendidos por representantes dos
governos nacionais foram aprovados e foi definido um
quadro de funcionamento das negociações intergoverna
mentais necessárias para a consecução da UEM;
7. finalmente, na conferência de Roma de dezembro de 1990
(Roma 2), foi estendido o prazo concedido para as
negociações intergovernamentais acerca da União Política
e foram instaladas formalmente as conversações dos dois
processos – o político e o monetário.

As posições dos diferentes parceiros ao longo das negociações


intergovernamentais evidenciaram a persistência de visões bastante
distintas acerca da velocidade e da profundidade da união política e
monetária desejada pelas partes. A Itália, a Bélgica, os Países Baixos e o
Luxemburgo desenvolveram perspectivas integracionistas, por vezes
de orientação federalista, altamente consistentes. Por seu turno, a
Espanha, Portugal, a Irlanda e a Grécia, secundados pela Dinamarca,
apoiaram avanços integracionistas significativos, com reservas em um
número limitado de questões, deixando claro também que esperavam
que as políticas voltadas para o fortalecimento da coesão social e

103
ANTÔNIO CARLOS LESSA

econômica dos Estados-membro (entenda-se, políticas para o


desenvolvimento regional), fossem também incluídas nos acordos
finais. A França, por seu turno, desenvolveu um perfil de atuação
francamente entusiasta para a adoção da UEM, mas manteve-se
reticente, nas questões relativas à união política, ao enfraquecimento
rápido das instâncias intergovernamentais defendendo, por isso, a
manutenção de um Conselho Europeu forte e incrementos limitados
para os poderes do Parlamento. A Alemanha, em contraste, mostrou
ser uma firme e tenaz defensora da integração política, defendendo
especialmente a concessão de maiores poderes para o Parlamento, mas
apresentando, por outro lado, uma postura cautelosa na consecução
da UEM. Por fim, a Grã-Bretanha apresentou uma postura minimalista
em praticamente todas as propostas de que decorresse integração com
implicações supranacionais.
É evidente que essas generalizações contam apenas uma parte
da história das negociações preparatórias para a criação da união
monetária e política, mas progressos substantivos foram feitos em quase
todos os assuntos, sendo possível observar convergências importantes
sobre muitos assuntos. Assim, as conversações sobre a criação da UEM
levaram a acordo sobre todos os itens tratados, com a apresentação de
recomendações muito claras e precisas para a reforma dos tratados
constitutivos para a implementação da união. Por outro lado, as
negociações sobre a união política, que tinham que lidar com um
número muito maior de questões institucionais, não foram tão bem
sucedidas, fazendo com que alguns pontos particularmente contenciosos
tivessem que ser deixados para negociação posterior.16
Os relatórios saídos das negociações intergovernamentais foram
apresentados aos chefes de Estado e Governo em Maastricht,
oportunidade na qual os problemas para os quais não se chegou a
consenso tiveram que ser enfrentados. O mais difícil desses era a franca
e aberta oposição do governo britânico a qualquer extensão significativa

16Crouch, Colin. After the Euro: shaping institutions for governance in the wake ofEuropean
monetary union. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 56-62.

104
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

da dimensão social da Comunidade e o seu desejo de não participar da


implementação da moeda única. A negativa do Primeiro-Ministro John
Major de subscrever uma Carta Social Européia, com o que reafirmava
a postura do governo conservador firmada pioneiramente por
Margareth Thatcher (que chegou mesmo a ameaçar retirar o Reino
Unido da Comunidade se medidas inconsideradas fossem
implementadas na direção social) deu origem a um impasse, uma vez
que o presidente francês François Mitterrand negou-se terminantemente
a assinar o texto de um novo tratado desprovido de um claro
engajamento comunitário sobre a questão social. Após negociações
extremamente difíceis todas as questões foram resolvidas, sendo
necessárias concessões de lado a lado para que se chegasse a consensos
mínimos para a minuta de um novo tratado aprovada na forma de
uma resolução do Conselho Europeu. O Tratado da União Européia
seria firmado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças
de todos os Estados-membro na mesma cidade holandesa em 9 de
fevereiro de 1992.17
O Tratado de Maastricht, que substituiu os textos constitutivos
do processo europeu de integração, deu origem a intenso debate nas
classes políticas e nas opiniões públicas de todos os parceiros. Era a
conjuntura do imediato pós-Guerra Fria adequada para o lançamento
de tão importantes transformações no processo europeu de integração?
Com o tratado surgia uma nova organização, a União Européia,
que se estabelecia sobre três pilares: as Comunidades Européias, a Política
Externa e de Segurança Comum (Pesc), e a cooperação nos campos da
justiça e das questões internas, em que se costuravam princípios gerais,
ressaltando-se o da subsidiariedade, do respeito à democracia e aos
direitos humanos, e guiados por uma estrutura institucional de natureza
supranacional encabeçada pelo Conselho Europeu. Uma inovação de
importante impacto simbólico e psicológico foi a criação da “cidadania
européia”, pela qual todo súdito de um Estado-membro tornava-se
cidadão da União, tendo o direito de viver e trabalhar no território de

17 Urwin, Derek W. op. cit. p. 198-203.

105
ANTÔNIO CARLOS LESSA

qualquer um dos parceiros, de votar e se candidatar nas eleições locais


e do Parlamento Europeu. O estabelecimento da Política Externa e de
Segurança Comum (Pesc), por seu turno, se deu também pela definição
de objetivos gerais, tais como a “proteção dos valores comuns, dos
interesses fundamentais e da independência da União” e “desenvolver e
consolidar a democracia e o estado de direito, e o respeito pelos direitos
humanos e as liberdades fundamentais”, sendo implementados pela
cooperação sistemática entre os Estados-membro sobre qualquer
assunto relativo à ação externa e à política de segurança que fosse de
interesse comum. A cooperação nas áreas da justiça e dos assuntos
internos, por seu turno, se daria pela convergência sobre problemas de
interesse comum, como asilo político, regras de controle de fronteira
para nacionais de Estados alheios à União, política de imigração,
combate ao tráfico de drogas, cooperação judiciária em assuntos de
direito civil e criminal, cooperação policial para o combate ao
terrorismo, entre outros ilícitos definidos por um Escritório Europeu
de Inteligência.
O núcleo de Maastricht, entretanto, era o estabelecimento da
União Econômica e Monetária, pela qual no mais tardar a 1º de janeiro
de 1999 as moedas nacionais dos Estados-membro seriam substituídas
por uma moeda única, estando capacitados os países que provassem
estar gozando de boas condições econômica e financeiras, verificáveis
com base em cinco critérios: estabilidade da taxa de câmbio, nível das
taxas de juros, equilíbrio orçamentário e capacidade de controle sobre
os déficits públicos, limitação das dívidas públicas e, finalmente,
estabilidade interna de preços.
O estabelecimento da liberdade de movimento de capitais
constituía a primeira etapa da implementação da moeda única – e isso
fôra acordado ainda no Ato Único de 1986 e entrara em vigor em
julho de 1990. A segunda etapa teve início em 1º de janeiro de 1994,
com a criação de um Instituto Monetário Europeu, com o propósito
de reforçar a coordenação das políticas monetárias e de preparar a criação
de um Banco Central Europeu, quando teria início a terceira etapa,
em 1999. Essas metas foram atrasadas em cerca de um ano, em função

106
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

das dificuldades de convergência por parte dos diferentes Estados-


membro, e das inquietações e polêmicas que empresa de tal envergadura
levantou.18
Com efeito, a transformação radical do processo de construção
da Europa vislumbrada com a gradual entrada em vigor das estruturas
estabelecidas pelo Tratado de Maastricht induziu não propriamente ao
retorno dos temores característicos dos primórdios do processo de
integração, mas ao debate acerca da velocidade do processo. O Tratado
da União Européia atropelava uma competência tipicamente decorrente
da soberania estatal, a emissão de meio circulante, e levava a comparações
com iniciativas anteriores que faziam o mesmo, como a Comunidade
Européia de Defesa, “abortadas no nascedouro”. Ainda que não se pusesse
em questão as virtudes da integração “positiva”, que substitui perdas
de soberania por ganhos proporcionados por políticas comuns, era
evidente que o estágio máximo da integração consignado em Maastricht
engendrava novas reticências acerca dos poderes acrescidos da tecnocracia
européia, que poderiam agir em detrimento da expressão democrática
calcada em controles sociais funcionais. Quais seriam os poderes a serem
exercidos pelo futuro Banco Central Europeu? Quais os prejuízos que
a UEM causaria ao emprego e à produção? Seriam os sacrifícios
impostos às economias nacionais pela ortodoxia necessária para a
convergência de políticas macroeconômicas compensados pelo
crescimento econômico no futuro? Poderia a letra monetarista de
Maastricht ser atenuada por novas políticas sociais comunitárias?
É evidente que essas questões não puderam ser respondidas
pelo debate político e social intenso que se seguiu a 1992. Afinal, o
que se propôs noTratado da União Européia era algo de um ineditismo
tão marcante que apenas a experiência poderá computar os ganhos e
perdas desse importantíssimo processo histórico.

18Hitiris, Theo & Vallés, José. Economia de la Unión Europea. Madrid: Prentice Hall, 1999,
p. 137-199.

107
ANTÔNIO CARLOS LESSA

3.7. O alargamento sob a égide de Maastricht

As negociações para que a Áustria, a Finlância e a Suécia


aderissem à Comunidade foram abertas em 1992 e um ano depois,
passaram a incluir a Noruega. Concluídas com sucesso em março de
1994, apenas o tratado de adesão da Noruega foi rejeitado em
referendum popular, tornando-se os demais membros plenos da União
Européia em 1º de janeiro de 1995. Dois conjuntos de fatores
estimularam esses países a se candidatarem à adesão. Em primeiro lugar,
o que era percebido anteriormente como obstáculos insuperáveis para
as candidaturas desapareceram ao final dos anos 80 e início da década
de 1990 – para a Áustria e Suécia, o fim da Guerra Fria reduziu a
importância da sua neutralidade no equilíbrio estratégico que se
construiu na Europa durante o período, enquanto para a Finlândia as
dificuldades impostas pelo seu relativo isolamento geográfico do
restante do conjunto europeu ocidental e a sua proximidade da União
Soviética deixaram de ser problemas com a admissão de outros países
escandinavos ao bloco e, evidentemente, com a dissolução do império
soviético. O segundo conjunto de fatores que estimularam as
candidaturas liga-se à qualidade das relações que esses países já
mantinham com o processo europeu de integração. Com efeito,
enquanto a sua vinculação como membros da Associação Européia de
Livre Comércio (Efta) perdurou com o objetivo de fazer frente à
constituição do Mercado Comum Europeu, o seu isolamento fez
sentido.
Essa situação começou a mudar quando foi estabelecida uma
área de livre comércio entre a Efta e o MCE, em 1977, que levou ao
gradual desarmamento aduaneiro e à crescente cooperação em áreas
diversas, como meio ambiente, pesquisa científica e tecnológica e política
de transportes. Com o passar dos anos, entretanto, essa convergência
diminuiu por motivos econômicos, tendo em conta que o MCE
tornara-se muito mais poderoso do que a Efta, com um número
crescente de parceiros que produziam novos desvios de comércio, ao
que se soma o fato de que as regulamentações comunitárias crescentes
sobre as especificações de produtos e as regras sanitárias começaram a

108
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

aumentar os custos do isolamento, levando os membros da Efta a


reconsiderar os atrativos da integração plena à União que se construía a
partir de 1957.19

3.8. De Maastricht ao euro

O Tratado de Maastricht, peça fundadora da União Européia,


inovou o direito comunitário em muitos sentidos, sendo um dos
principais o entendimento subjacente de que decididamente o processo
de construção da Europa não poderia ali se dar por concluído. Por
isso, a disposição do artigo “n” do Tratado da União Européia (TUE)
especificava que uma outra rodada de negociações intergovernamentais
deveria ser instalada quatro anos depois da sua entrada em vigor para
que o seu funcionamento fosse examinado. Dessa dinâmica deveriam
sair ajustes que corrigissem distorções e complementassem as dimensões
perdidas na negociação de Maastricht. O fato de que já havia um
procedimento de revisão previsto tornou o processo negociador muito
mais denso: os Estados-membro que incluíram a cláusula da revisão
queriam, desta feita, que o aprofundamento da integração avançasse.
Nessa perspectiva, a decisão do Conselho Europeu reunido em Corfu
em junho de 1994 de estabelecer um grupo de reflexão dedicado ao
exame e à elaboração de idéias para a revisão do Tratado era medida
que facilitava e preparava o processo de negociação que viria a ser
instalado.
O Relatório do Grupo de Reflexão foi apresentado em dezembro
de 1995 e recomendava que as negociações intergovernamentais se
dedicassem a buscar resultados para aumentar a capacidade de ação
externa da União, prepará-la para um melhor funcionamento e para
novos alargamentos e, finalmente, torná-la mais relevantes para o
cidadão comum. O processo negociador intergovernamental foi
instalado na Conferência Especial de Chefes de Governo reunida em
Turim em março de 1996, e ao contrário das expectativas iniciais,
mostrou-se tão difícil quanto o que levou ao rascunho do TUE,

19 Nugent, Neill. op. cit. p. 30-33.

109
ANTÔNIO CARLOS LESSA

especialmente porque as intenções iniciais de que o consenso que vinha


sendo negociado assumisse feições mais transformadoras do que
propriamente consolidadoras foram frustradas. Com efeito, a radical
reversão dos humores face à integração percebida pela maior parte dos
líderes europeus nos seus países, em virtude da absorção dos impactos
iniciais das medidas de convergência e de austeridade necessárias para a
consecução da UEM, fez com que se adotasse uma atitude cautelosa
no sentido de novos aprofundamentos.20
Levado ao Conselho Europeu, que se reuniu em Amsterdã
entre os dias 16 e 17 de junho de 1997, o projeto de tratado foi aprovado
com diversas disposições que tinham por objetivo facilitar uma
passagem sem incidentes para a terceira fase da União Econômica e
Monetária, além de adotar uma resolução sobre o crescimento e o
emprego. O Tratado propriamente dito foi firmado pelos ministros
dos Negócios Estrangeiros dos Estados-membro em 2 de outubro do
mesmo ano e entrou em vigor somente em 1º de maio de 1999.
Ainda que não tenha a mesma importância assumida pelo Ato
Único de 1986 e pelo Tratado de Maastricht, peças constitutivas que
lançavam novas etapas do processo de construção da Europa, é fato
que o Tratado de Amsterdã tem valor considerável para a governança
comunitária, indicando a necessidade de reforma das instituições como
requisito para a definição de novas políticas comuns e, especialmente,
para o mais aguardado alargamento da história da construção da Europa
– aquele que admitirá os ex-países socialistas do continente.
Ainda que o início das negociações com alguns dos países da
Europa Centro-Oriental que migravam com dificuldades para a
economia de mercado tenha se dado em 15 de janeiro de 2000, o seu
anúncio era aguardado como o “coroamento“ natural de uma longa
marcha para o leste que teve início nos anos 70, atendendo à demandas
da política externa da RFA, mas subordinada à velocidade estagnante
da lógica da Guerra Fria. Iniciadas com os processos negociadores para
a adesão de Malta, da Romênia, da Eslováquia, da Letônia, da Lituânia

20 Silguy, Yves-Thibault de. El Euro: historia de una idea. Barcelona: Planeta, 1998, p. 112-162.

110
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

e da Bulgária, as conversações foram logo estendidas para a Polônia, a


Hungria, a República Tcheca, a Eslovênia, a Estônia e Chipre.
Os melhores resultados do Tratado de Amsterdã situam-se nos
ajustes necessários para a efetivação da UEM, mas poucas reformas
foram empreendidas para a criação de condições de alargamento. Assim,
um novo esforço negociador foi convocado para estudar as medidas
necessárias para novas reformas que permitissem concluir mais
facilmente as novas adesões. Submetida ao Conselho Europeu reunido
em Nice entre 7 e 9 de dezembro de 2000, a minuta de um novo
tratado com essas intenções foi aprovada, junto com uma Carta dos
Direitos Fundamentais da União Européia. O Tratado foi assinado
também em Nice a 26 de fevereiro de 2001, tendo por objetivo
principal o estabelecimento de condições para a adaptação das
instituições européias para permitir as novas adesões.
O ano de 2002 foi um dos mais profícuos da história da
construção da Europa, inaugurando-se com o funcionamento pleno
da UEM, que se deu com o primeiro dia de circulação das moedas e
notas de euro na Áustria, na Bélgica, na Finlândia, na França, na
Alemanha, na Grécia, na Irlanda, na Itália, em Luxemburgo, nos Países
Baixos, em Portugal e na Espanha, em 1º de janeiro, processo concluído
dois meses depois quando a moeda única passou a ter circulação
exclusiva, ficando definitivamente extintas as moedas nacionais.
Em 9 de outubro, na seqüência das transformações históricas,
a Comissão indicou aos quinze Estados-membro da União Européia
que o processo negociador para a entrada de dez novos membros no
bloco seria concluída em dezembro, abrindo caminho para a tão
esperada expansão para o leste, pouco mais de uma década após a queda
do Muro de Berlim. Apesar de ser considerada crucial politicamente, a
adesão que será efetivada em 2004 da Polônia, da Hungria, da República
Tcheca, da Eslováquia, da Eslovênia, da Lituânia, da Letônia, da
Estônia, de Malta e Chipre (a Romênia e a Bulgária poderão aderir à
União em 2007), também porta desafios econômicos importantes para
a estabilidade do processo europeu de integração, uma vez que a
admissão desse bloco de países composto majoritariamente por
economias agrícolas e com grandes desníveis de desenvolvimento social

111
ANTÔNIO CARLOS LESSA

(particularmente se comparados com os níveis atingidos pelas sociedades


dos demais membros da União), pressiona ainda mais as políticas
redistributivas da União, sendo provável que boa parte desses países
recebam subsídios para a reestruturação das suas economias muito
maiores do que as suas contribuições para o orçamento comunitário.
A Europa, cuja construção se iniciou como um projeto utópico
no final da Segunda Guerra Mundial, chegou ao novo milênio como
uma realidade de resultados impressionantes, e isso certamente não se
deve apenas à imponência dos números envolvidos no comércio intra-
regional e no porte da economia unificada. Apresentando-se à
comunidade internacional como um ágil gigante feito de quase
quatrocentos milhões de cidadãos consumidores, a construção da
Europa foi o processo responsável por conduzir a região durante meio
século de estabilidade, de paz e de prosperidade, contribuindo para a
melhoria da qualidade de vida das suas populações, para a redenção das
desigualdades, para uma melhor equalização do poder dos Estados que
dela tomaram parte, para a criação de um imenso mercado interno e,
evidentemente, para amplificar a voz dos seus Estados-membro no
mundo.

Cronologia

1975 28 de fevereiro – Assinatura dos Acordos de Lomé I entre a


CEE e os Estados da África, Caribe e
Pacífico (Acordos ACP);
9 de maio – O franco francês retorna ao mecanismo da
“serpente monetária”;
22 de julho – Tratado de Bruxelas sobre os recursos
comunitários próprios e os poderes orça
mentários do Parlamento Europeu;
17 de novembro – Criação do Grupo dos Sete Países Mais
Industrializados do Mundo (G7) na reunião
de cúpula de Rambouillet, reunindo EUA,

112
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

França, Grã-Bretanha, RFA, Itália, Canadá


e Japão;
20 novembro – Morte de Franco na Espanha;
22 de novembro – Juan Carlos de Bourbon torna-se Rei da
Espanha;

1976 7 de janeiro – Publicação do Relatório Tindemans sobre


as lacunas da União Européia em matéria
da política externa e de defesa comum;
7 a9 de janeiro – Reunião do FMI em Kingston (Jamaica)
– abandono das paridades fixas do sistema
de Bretton Woods;
14 de março – O franco francês sai novamente do
mecanismo da “serpente monetária”;
20 de setembro – Ato prevendo a eleição do Parlamento
Europeu por sufrágio direto universal;
24 de novembro – Adesão da Espanha ao Conselho da Europa.

1977 7 e 8 de maio – A CEE participa pela primeira vez de uma


reunião de cúpula do G7, realizada em
Londres.
1978 6 e 7 de julho – O Conselho Europeu reunido em Bremen
adota o Sistema Monetário Europeu;

1979 13 de março – Entra em vigor o Sistema Monetário


Europeu;
12 de abril – Conclusão da Rodada Tóquio de negocia
ções do Gatt, com a assinatura de uma
série de acordos de livre comércio;
5 de maio – Margareth Thatcher é nomeada primeira
ministra na Grã-Bretanha;

113
ANTÔNIO CARLOS LESSA

7 a 10 de junho – Primeira eleição do Parlamento Europeu


pelo sufrágio universal;
27 de junho – Conclusão da negociação sobre a renovação
da Convenção de Lomé, acordo comercial
entre os nove da CEE e 57 Estados da África,
do Caribe e do Pacífico;
31 de outubro – Assinatura da Convenção de Lomé II;
13 de dezembro – O Parlamento Europeu rejeita o orçamento
para o ano de 1980.

1980 28 de abril – Fracasso do Conselho Europeu de


Luxemburgo sobre a redução da contribui
ção britânica;
28 de maio – Firmado o Ato de Adesão da Grécia à CEE;
10 de junho – Segundo choque do petróleo – o preço de
referência do barril é fixado em US$ 32,00
– em 16/12 o barril é cotado em US$ 41,00;
13 de junho – Declaração de Veneza, pela qual o Conse
lho Europeu proclama o direito à autode
terminação para o povo palestino;
18 de outubro – Grécia retorna à Otan.

1981 1º de janeiro – Grécia torna-se o décimo membro da CEE;


21 de março – Ajuste das paridades no contexto do
Sistema Monetário Europeu;
13 de dezembro – Proclamação de estado de guerra na Polônia.

1982 4 de janeiro – A CEE se recusa a se associar às sanções


norte-americanas contra a URSS a propósito
da instauração do estado de guerra na
Polônia;

114
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

30 de maio – Adesão da Espanha à Otan;


15 de junho – URSS renuncia ao primeiro uso da força
nuclear (No First Use);
29 de junho – Início das negociações estratégicas Start que
sucedem aos Acordos Salt;
31 de dezembro – Suspensão do estado de guerra na Polônia.

1983 21 de março – Novo ajuste das paridades no contexto do


Sistema Monetário Europeu;
23 de março – Reagan apresenta a Iniciativa de Defesa
Estratégica (Projeto Guerra nas Estrelas);
19 de junho – Declaração solene sobre a União Européia
no Conselho de Stuttgart;
14 de novembro – Chegada dos primeiros mísseis norte-
americanos de longa distância na Europa.
4 a 6 de dezembro – Fracasso do Conselho Europeu de Atenas
sobre a contribuição britânica.

1984 14 de fevereiro – Adoção pelo Parlamento do relatório


Spineli sobre a União Européia;
23 de fevereiro – Sucesso do referendum sobre a retirada da
Groenlândia da CEE;
20 de março – Fracasso da Cúpula de Bruxelas sobre a
contribuição britânica;
31 de março – Anunciada a reforma da PAC;
17 de junho – Segunda eleição do Parlamento Europeu
por sufrágio universal, com forte taxa de
abstenção (43,3%);
27 de outubro – Declaração de Roma reativa a União da
Europa Ocidental;

115
ANTÔNIO CARLOS LESSA

8 de dezembro – Assinatura da Convenção de Lomé III, entre


a CEE e os Estados ACP;

1985 1º de janeiro – Tem início a expedição do passaporte


europeu;
8 de janeiro – Acordo sobre a retomada das negociações
Start;
29 de março – Anunciada a adesão da Espanha e de
Portugal à CEE;
29 de março – Apresentação do Relatório Dooge sobre o
projeto de União Européia;
26 de abril – Revalidação por 20 anos do Pacto de
Varsóvia;
14 de junho – Acordo de Schengen de livre-circulação
entre a França, RFA e Benelux;
14 de junho – Publicação do Livro Branco da Comissão
sobre a conclusão do mercado interno;
28 e 29 de junho – O Conselho Europeu de Milão adota como
bandeira européia o estandarte do Conselho
da Europa;
9 de setembro – Início dos trabalhos da primeira conferência
intergovernamental encarregada de elaborar
um novo Tratado;
22 de setembro – “Acordo do Plaza” sobre a desvalorização
concertada do dólar;

1986 1º de janeiro – Espanha e Portugal ingressam na CEE;


15 de janeiro – Proposição de Gorbatchev para a redução
proporcional e equilibrada dos potenciais
militares;

116
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

17 e 28 de fevereiro – Adoção do Ato Único Europeu;


12 de março – Adesão da Espanha à Otan aprovada em
referendum;
25 de abril – Acidente nuclear de Chernobyl;
20 de setembro – Abertura em Punta del Este da Rodada
Uruguai de negociações do Gatt;

1987 22 de fevereiro – Acordo do Louvre sobre a estabilização do


dólar;
14 de abril – A Turquia se candidata a adesão à CEE;
1º de julho – Entra em vigor o Ato Único Europeu;
3 de outubro – Criada a Área de Livre Comércio EUA-
Canadá;
14 de outubro – Crack da Bolsa de Nova Iorque (Outubro
Negro);
27 de outubro – Plataforma de Haia visando o desenvolvi
mento no seio da União da Europa Oci
dental de uma “identidade européia em
matéria de defesa”;

1988 13 de junho – Adoção de uma diretiva que instaura a livre-


circulação de capitais na CEE no mês de
julho de 1990;
24 de outubro – Criação do Tribunal de Primeira Instância
Europeu;
7 de dezembro – Anúncio da redução unilateral das forças
convencionais soviéticas na Europa;

1989 4 de maio – Compromisso agrícola entre os EUA e a


CEE;

117
ANTÔNIO CARLOS LESSA

4 de junho – Derrota do Partido Comunista nas


primeiras eleições livres organizadas na
Polônia;
15 a 18 de junho – Terceira eleição do Parlamento Europeu por
sufrágio universal;
19 de junho – Acordo sobre a liberalização das atividades
bancárias na CEE, a partir de 1º de janeiro
de 1993;
27 de junho – Embargo da CEE sobre as vendas de armas
para a República Popular da China, após
os eventos da Praça da Paz Celestial;
19 de agosto – Nomeação de um governo de coalizão
dirigido pelo Solidariedade na Polônia;
10 de setembro – Abertura das fronteiras austro-húngaras –
dezenas de milhares de alemães orientais
emigram para a RFA através da Hungria;
9 de novembro – Queda do Muro de Berlim;
27 de novembro – Assinatura de acordo de cooperação
econômica entre a CEE e a URSS;
4 de dezembro – O Pacto de Varsóvia condena a sua própria
intervenção em Praga em 1968 – URSS
anuncia o abandono oficial da Doutrina
Brejnev;
15 de dezembro – Assinatura dos Acordos de Lomé IV;

1990 17 de janeiro – Divulgado o Projeto Delors de uma


federação dos doze membros das CEE;
19 de janeiro – Adoção da Convenção de Schengen, sobre
a livre-circulação de pessoas na Europa
Ocidental;

118
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

10 de fevereiro – URSS aceita a reunificação da Alemanha;


8 de março – O Bundestag, parlamento alemão,
reconhece a inviolabilidade da fronteira
entre a Alemanha e a Polônia;
4 de abril – Chipre se candidata a adesão à CEE;
9 de abril – Criação do Banco Europeu para a
Reconstrução e o Desenvolvimento da
Europa Oriental (Berd);
21 de abril – Iniciativa franco-alemã em favor da convo
cação de uma conferência intergovernamental
sobre a união política e monetária;
18 de maio – Assinatura do tratado de união monetária,
econômica e social entre as duas Alemanhas;
7 de junho – Reforma do Pacto de Varsóvia;
1º de julho – Livre circulação de capitais na CEE –
primeira etapa da união econômica e
monetária;
16 de julho – URSS aceita que a Alemanha reunificada
faça parte da Otan;
16 de julho – Malta apresenta a sua candidatura de adesão
àCEE;
31 de agosto – Assinatura em Berlim do Tratado de
Unificação entre a República Federal da
Alemanha e a República Democrática
Alemã;
3 de outubro – Reunificação da Alemanha;
8 de outubro – A libra esterlina é admitida no Sistema
Monetário Europeu;
6 de novembro – Adesão da Hungria ao Conselho da
Europa;

119
ANTÔNIO CARLOS LESSA

14 de novembro – Assinatura de Tratado entre a Alemanha e a


Polônia sobre a intangibilidade da fronteira
Oder-Neisse;
15 de dezembro – Início da Conferência Intergovernamental
Européia sobre a União Política e Monetária;
21 a 22 de dezembro – Primeira conferência euro-árabe, reunida
em Paris.

1991 25 de fevereiro – Dissolução do Alto Comando Unificado e


do Estado Maior do Pacto de Varsóvia;
22 de novembro – Assinatura de acordo associando a Polônia,
Hungria e Tchecoslováquia (Grupo de
Visegrad) à CEE;
20 de dezembro – Criação do Conselho de Cooperação do
Atlântico Norte agrupando os membros da
Otan e os antigos membros do Pacto de
Varsóvia;
21 de dezembro – Acordo de Alma-Ata, ampliando a CEI para
todas as antigas repúblicas soviéticas à
exceção da Geórgia e dos Estados bálticos;
23 de dezembro – Alemanha reconhece isoladamente a
independência da Eslovênia e da Croácia.

1992 15 de janeiro – Reconhecimento oficial das independências


da Eslovênia e da Croácia pela CEE;
7 de fevereiro – Assinatura do Tratado de Maastricht, que
aprofunda o processo de integração
econômica na Europa;
6 de abril – Fim do embargo petrolífero da CEE contra
a África do Sul;

120
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

2 de maio – Assinatura do Tratado do Porto, pelo qual


será criada em 1993 o Espaço Econômico
Europeu, unindo a Efta à União Européia;
21 de maio – Reforma da Política Agrícola Comum;
22 de maio – Criação do Eurocorps, decisão da cúpula
franco-alemã de La Rochelle;
2 de junho – Fracassa o referendum dinamarquês sobre a
ratificação do Tratado de Maastricht
(50,7% de votos contrários);
26 e 27 de junho – O Conselho Europeu de Lisboa define as
condições para futuros alargamentos da
integração européia, de acordo com o
relatório da Comissão Européia intitulado
“A Europa face ao desafio do alargamento”;
20 de setembro – Pequena margem na vitória do referendum
francês sobre a ratificação do Tratado de
Maastricht (51% de votos favoráveis);
20 de novembro – Compromisso de Blair House entre os
EUA e os países europeus sobre a agricultura
no quadro da Rodada Uruguai;
30 de novembro – Adesão da Grécia à União da Europa
Ocidental;
31 de dezembro – Divisão da Tchecoslováquia (“Divisão de
Veludo”).

1993 1º de janeiro – Entra em vigor o Mercado Único Europeu;


8 de abril – Proposta Balladur de um pacto de segurança
e de estabilidade na Europa. Apresentação
da concepção francesa de “Europa dos
Círculos Concêntricos”;

121
ANTÔNIO CARLOS LESSA

18 de maio – Sucesso do segundo referendum dinamar


quês sobre a ratificação do Tratado de
Maastricht (56,8% dos votos favoráveis);
21 e 22 de junho – O Conselho Europeu de Copenhagen fixa
os critérios de alargamento: respeito aos
direitos do homem e à democracia, existência
de uma economia de mercado viável,
capacidade de se adaptar à concorrência;
1º de novembro – Entra em vigor o Tratado de Maastricht. A
CEE se transforma em União Européia (EU);
6 de dezembro – Firmado acordo de associação entre a UE e
a Bulgária;
11 de dezembro – Adoção do Livro Branco para o Emprego
na Reunião de Cúpula de Bruxelas;
14 de dezembro – Compromisso entre os EUA e a Europa
no quadro da Rodada Uruguai do Gatt;
15 de dezembro – Conclui-se a Rodada Uruguai do Gatt.

1994 1º de janeiro – Entra em vigor o Acordo de Livre Comércio


da América do Norte, reunindo EUA,
Canadá e México;
1º de janeiro – Criação do Instituto Monetário Europeu.
Passagem à segunda etapa da União
Econômica e Monetária:
1º de janeiro – Entra em vigor, com um ano de atraso, o
Espaço Econômico Europeu;
10 de janeiro – Adoção pela Otan da “Parceria para a Paz”
proposta aos antigos membros do Pacto de
Varsóvia – reconhecimento de uma
identidade européia de defesa;
1º de abril – Candidatura da Hungria a adesão à UE;

122
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

15 de abril – Assinatura dos Atos Finais da Rodada


Uruguai em Marrakesch (Marrocos) –
Criação da Organização Mundial do
Comércio (OMC);
9 de maio – Declaração de Kichberg acordo aos países
da Europa Central e Oriental o status de
“parceiro associado” à União da Europa
Ocidental (UEO);
9 a 12 de junho – Quarta eleição do Parlamento Europeu por
sufrágio universal;
24 de junho – Assinado o Tratado de Corfu, pelo qual a
Suécia, a Finlândia, a Áustria e a Noruega
aderem à União Européia;
12 de julho – A Corte Constitucional da Alemanha
autoriza a participação das forças armadas
em operações de manutenção da paz;
28 de setembro – Primeira participação da França na reunião
dos ministros da defesa da Otan desde 1966;
27 e 28 de novembro – Fracassa o referendum norueguês sobre a
adesão do país à União Européia.

1995 1º de janeiro – Início das atividades da Organização para a


Segurança e a Cooperação na Europa;
1º de janeiro – Áustria, Finlândia e Suécia ingressam na
União Européia;
6 de março – Acordo de união aduaneira entre a UE e a
Turquia;
26 de março – Entra em aplicação a Convenção de
Schengen na Europa;
8 de abril – Adoção pelo Conselho dos Ministros das
Finanças da UE do Livro Verde sobre a
Moeda Única;

123
ANTÔNIO CARLOS LESSA

12 de junho – Acordo de associação entre a UE e os


Estados Bálticos;
15 de junho – Acordo de associação entre a UE e a
Eslovênia;
17 de julho – Acordo de parceria entre a UE e a Rússia;
4 de novembro – Revisão da Convenção de Lomé IV;
16 de novembro – Acordo de associação entre a UE e o
Marrocos;
20 de novembro – Acordo de associação entre a UE e Israel;
28 de novembro – Projeto de “parceria global” e de zona de
livre-comércio a entrar em vigor até 2010
entre as duas margens do Mediterrâneo no
quadro do diálogo euro-árabe;
5 de dezembro – França anuncia o seu retorno ao Comitê
Militar da Otan.

1996 1º de janeiro – Eleições municipais abertas aos cidadãos da


UE;
17 de janeiro – Candidatura de adesão da República Tcheca
àUE;
25 de janeiro – Admissão da Rússia no Conselho da
Europa;
1º a 2 de março – Primeira cúpula euro-asiática em Bangkoc,
Tailândia;
29 de março – Abertura da conferência intergovernamental
de Turim para a revisão do Tratado de
Maastricht;
10 de junho – Candidatura de adesão da Eslovênia à UE;

124
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1º de outubro – Reclamação da UE contra os EUA na OMC


a propósito das leis Helms-Burton e
d´Amato-Kennedy;
9 a 13 de dezembro – Primeiras conversações da OMC em
Cingapura – acordo entre os EUA e a União
Européia para a liberalização até o ano 2000
dos mercados de tecnologias da
informação.
13 de dezembro – Adoção do pacto de estabilidade que prevê
a passagem à moeda única na UE.

1997 24 de fevereiro – Firmada com a Organização para a


Libertação da Palestina declaração que
instaura o diálogo político regular entre as
partes e um acordo de associação euro-
mediterrâneo provisório por um período
de cinco anos;
2 de outubro – Os ministros das Relações Exteriores dos
15 países da União Européia assinam o
Tratado de Amsterdã, que modifica o
Tratado de Maastrich;
17 e novembro – Conselho de Ministros das Finanças
estabelecem a data para a entrada em
circulação das notas e moedas do Euro –
1º.1.2002
12 a 13 de dezembro – Conselho Europeu de Luxemburgo
estabelece um Conselho para o Euro.

1998 12 de março – Realizada em Londres conferência reunindo


os 15 Estados-membro e os países que
solicitaram formalmente a adesão à UE;

125
ANTÔNIO CARLOS LESSA

25 de março – A Comissão Européia divulga a lista dos


onze Estados-membro estão aptos a
participar da adoção do euro a partir de
janeiro de 1999;
30 de março – Reunião ministerial de abertura do processo
de adesão à UE dos dez países candidatos
da Europa Central e Oriental e de Chipre;

1999 1º de janeiro – Lançamento oficial do euro.(Alemanha,


Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia,
França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países
Baixos e Portugal adotam o euro como
moeda oficial).
1º de junho – Entra em vigor o Tratado de Amsterdã;
10 a 13 de junho – Eleições para o Parlamento Europeu por
sufrágio universal;
28 e 29 de junho – Realizada no Rio de Janeiro a primeira
reunião de cúpula de chefes de Estado e de
Governo dos países da América Latina, das
Caraíbas e da UE;

2000 15 de janeiro – Inicia-se em Bruxelas a rodada de confe


rências intergovernamentais para as nego
ciações de adesão de Malta, da Romênia,
da Eslováquia, da Letônia, da Lituânia e da
Bulgária;
3 e 4 de abril – Realiza-se no Cairo a reunião de cúpula
África-Europa sob os auspícios da Organi
zação da Unidade africana e da União Eu
ropéia;
3 de maio – A Comissão Européia propõe que a Grécia
seja o 12º membro da zona euro;

126
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

9 de maio – Celebrado em toda a Europa o 50°


aniversário da “Declaração Schuman”;
23 de junho – A Comunidade e os países de África, das
Caraíbas e do Pacífico (ACP) assinam em
Cotonou, Benin, uma convenção para
substituir as Convenções de Lomé;
28 de setembro – Fracassa o referendum para a adoção do Euro
na Dinamarca;
7 de dezembro – À margem do Conselho Europeu de Nice,
os presidentes do Parlamento Europeu, do
Conselho Europeu e da Comissão
proclamam solenemente a Carta dos
Direitos Fundamentais da União Européia;
7 a 9 de dezembro – Conselho Europeu de Nice, França;

2001 2 de janeiro – A Grécia torna-se o 12º membro da zona


euro;
26 de fevereiro – Assinatura do Tratado de Nice, que
modifica o Tratado da União Européia e o
Tratado da Comunidade Européia;
7 de junho – Referendo na Irlanda – população vota
contra Tratado de Nice;
15 e 16 de junho – Conselho Europeu em Gotemburgo,
Suécia, no qual se chega a acordo entre
outros temas, sobre a estrutura para
conclusão das negociações de alargamento
e é aprovado o programa da UE de
prevenção de conflitos violentos;
21 de setembro – Reunião extraordinária do Conselho
Europeu, realizada em Bruxelas, com o
objetivo de analisar a situação internacional

127
ANTÔNIO CARLOS LESSA

após os atentados terroristas de 11 de


setembro nos Estados Unidos e de dar o
impulso necessário às ações comunitárias no
combate ao terrorismo transnacional;
14 e 15 de dezembro – Conselho Europeu em Laeken, Bélgica, no
qual são tomadas decisões para o reforço
do papel da Europa na cena internacional,
em especial em matéria de combate ao
terrorismo, e de conclusão das negociações,
até final de 2002, com os países candidatos
preparados para adesão e adoção de
declarações sobre capacidade operacional da
Política Européia de Segurança e Defesa na
situação do conflito israelo-palestino.

2002 1º de janeiro – Tem início a circulação de moedas e cédulas


do euro nos dez países que compõem a
denominada zona do euro (Áustria, Bélgica,
Finlândia, França, Alemanha, Grécia,
Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos,
Portugal e Espanha);
28 de fevereiro – O euro torna-se a única moeda nos 12 países
participantes no fim do período de dupla
circulação.
22 de abril – A UE e a Argélia assinam um Acordo de
Associação em Valência, Espanha;
31 de maio – A UE ratifica o Protocolo de Quioto;
17 de junho – A UE e o Líbano assinam um acordo de
associação no Luxemburgo;
9 de outubro – A Comissão Européia recomenda a
conclusão das negociações de adesão até ao
final de 2002 com Chipre, República

128
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Checa, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia,


Malta, Polônia, República Eslovaca e
Eslovênia, que deverão estar prontos para
tornar-se membros da UE no início de
2004;
19 de outubro – Vitória do referendum irlandês sobre o
Tratado de Nice.

129
ANTÔNIO CARLOS LESSA

130
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

4. A Eurolândia: atores e instituições do


processo europeu de integração

4.1. O sistema institucional da Europa

Uma imponente burocracia comunitária, composta por muitos


milhares de funcionários que decidem à distância sobre os problemas
de milhões de cidadãos europeus, secundando colegiados onde têm
assento chefes de Estado e de Governo ou ministros nacionais em
perpétuo desacordo sobre iniciativas que serão depois submetidas a
uma Assembléia ineficaz, sempre a apreciar, mas sem poderes para
legislar. A dispersão geográfica das sedes das instituições comunitárias
e os elevados custos do seu financiamento deram origem a uma bizarra
máquina de produzir diretrizes e regulamentos, que a muito custo
serão mal incorporadas às legislações nacionais dos Estados-membro –
é essa a imagem fantástica que assombra aqueles que procuram
compreender, num relance, a complexa estrutura política e institucional
do processo europeu de integração, como se encontra no início do
século XXI.
É fato que a imagem brutalizada apresentada logo acima tem
os seus fundamentos, e o principal deles é a dificuldade de compreender
a exata natureza da União Européia, que é aprofundada pelo fato de
que o processo que lhe deu origem e que é a sua razão de ser está, desde
sempre, em constante transformação. De fato, como o foco do processo
europeu de integração mudou consideravelmente ao longo dos anos,
aprofundando a cooperação intergovernamental e dando origem a
novas abordagens supranacionais, a natureza da estrutura política e
institucional criada para ampará-lo jamais foi estabelecida, o que se
explica antes de mais nada pela sua singularidade. Assim, como tornou-
se difícil estabelecer o que é a União Européia, mesmo porque os
governos nacionais se escusaram de fazê-lo nas diferentes oportunidades
que tiveram para tanto (como acontece a cada Tratado que amplia e
revisa os objetivos da integração), pode ser mais fácil dizer o que ela

131
ANTÔNIO CARLOS LESSA

não é – e certamente ela não é um simulacro de Estado nacional ou


uma organização internacional. Portanto, à pergunta freqüente sobre a
que tipo de organização ou sistema pertence a União Européia, a única
e possível resposta é: a nenhum tipo ou, ao seu tipo – que é único.
Sendo um processo suigeneris, a integração da Europa produziu
também instituições distintas e únicas para levar a cabo o seu governo.
A governança européia, que se estabelece em múltiplos níveis que
articulam as diferentes organizações comunitárias e as suas abordagens
tipicamente supranacionais com os interesses e as prerrogativas dos
Estados-membro e os seus processos de decisão intergovernamentais,
originaram uma exclusiva engenharia política, que mais se assemelha a
uma complexa teia de muitas conexões, estabelecidas por competências
compartilhadas entre a Comunidade e os Estados-membro – e é
justamente a combinação de restrições de competências e o equilíbrio
dos interesses comunitários e nacionais que impedem comparações
com outros esquemas de governança, tanto quanto com os poderes de
uma típica democracia representativa.
O Parlamento, por exemplo, eleito pelos cidadãos europeus,
toma como modelo, até certo ponto, os parlamentos nacionais, mas
falta-lhe o poder de legislar. A Comissão combina as funções de uma
administração apolítica com a responsabilidade política de propor a
legislação comunitária, mas também é incompleta porque lhe faltam
poderes decisórios, competência conferida ao Conselho da União
(composto pelos ministros dos diferentes Estados-membro), o qual
não se subordina a nenhum outro órgão, e suas decisões devem ser
compatibilizadas com as legislações nacionais, o que é averiguado pelo
Tribunal de Justiça Europeu. Esses órgão objetivam implementar os
comandos políticos dirigidos pelos chefes de Estado e de Governo,
que a partir do Conselho Europeu, imprimem os rumos estratégicos
do processo europeu de integração. Esse sexteto institucional é
secundado por várias outros organismos e agências especializadas, que
têm sob o seu encargo a execução da tarefas altamente especializadas,
muitas das quais diretamente ligadas à implementação das políticas
comunitárias.

132
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

4.1.1. O Conselho Europeu

O Conselho Europeu reúne os chefes de Estado e de Governo


dos Estados-Membro da União Européia, assistidos pelos seus ministros
das Relações Exteriores, além do presidente da Comissão Européia.
Instituição singular, não deve ser confundido com o Conselho da
Europa, que é uma organização internacional, ou com o Conselho da
União Européia, que é um organismo da estrutura comunitária com
funções distintas.
Ainda que os tratados constitutivos da Ceca, da Euratom e da
CEE não tenham previsto uma cúpula periódica dos líderes dos Estados-
membro, é fato que algumas das grandes decisões comunitárias foram
tomadas em reuniões desse tipo. Assim, durante a década de 1960 se
fez necessária a realização de algumas reuniões de cúpula, sendo que as
primeiras ocorreram em Paris e em Bonn em 1961, quando os chefes
de Estado e de Governo decidiram reunir-se “a intervalos regulares
para intercambiar ponto de vistas, concertar as suas políticas e chegar a
posturas comuns com o fim de facilitar a união política da Europa”.
A cúpula seguinte, entretanto, teve lugar seis anos depois, por ocasião
do décimo aniversário do Tratado de Roma.1
A principal razão para a criação do Conselho Europeu foi a
percepção de que existia uma paralisia inqüietante no processo de
construção da Europa e que os governos nacionais estavam faltando
com a sua responsabilidade de responder adequada ou rapidamente
aos novos desafios e às crescentes dificuldades que se avolumavam na
agenda de negociações intergovernamental – com reflexos negativos
para a consolidação da integração. A iniciativa de criação de um
Conselho Europeu partiu do presidente francês Valéry Giscard
d´Estaing que convocou uma cúpula para Paris em 1974 (9 a 10 de
dezembro), quando decidiu-se que os chefes de Governo deveriam se
reunir periodicamente para passar em revista os rumos da construção
da Europa, imprimir-lhe sentido estratégico, definir objetivos de longo
prazo e deliberar sobre assuntos da conjuntura internacional e européia,

1 Hitiris, Theo & Vallés, José. Economia de la Unión Europea, op. cit., p. 43-45.

133
ANTÔNIO CARLOS LESSA

além de debater temas de alta sensibilidade que poderiam ser tratados


apenas por aqueles que de fato possuíssem poderes para tanto.
Transformado em instituição comunitária pelo Ato Único
Europeu de 1986, o Conselho Europeu teve as suas competências
expandidas pelo Tratado de Maastricht, pelo qual se lhe reconheciam
as responsabilidades tradicionais de prover direção para o processo de
integração, e atribuíam-se-lhe para a implementação da união monetária
e para a formulação da Política Externa e de Segurança Comum (Pesc).
Acolhido pelo Estado que exerce a Presidência do Conselho da União
Européia, o Conselho Europeu se reúne semestralmente desde 1986 e
dá ritmo à política e ao desenvolvimento da integração européia. As
reuniões, com grande visibilidade, geram um relatório ao Parlamento
e uma avaliação anual sobre os progressos realizados pela União
Européia (UE).

4.1.2. O Conselho da União Européia

O Conselho da União Européia, também denominado


Conselho de Ministros da União Européia, é a mais importante
instância na estrutura decisória comunitária, traduzindo a expressão da
vontade dos Estados-membro e exercendo várias funções essenciais no
desenvolvimento da integração européia.
A intervenção do Conselho se dá no grande espectro de
competências que se denominam “pilares” da União Européia – que
são as Comunidades Européias, a Política Externa e de Segurança
Comum (Pesc) e a cooperação policial e judiciária. Desde a entrada em
vigor do Tratado de fusão dos órgãos executivos, firmado em Bruxelas
em 1965, e que entrou em vigor em julho de 1967, existe um Conselho
único para as três Comunidades Européias (Comunidade Européia do
Carvão e do Aço, Euratom e Comunidade Econômica Européia). Em
1993, o órgão passou a ser designado simplesmente “Conselho da
União Européia”, em substituição à antiga denominação de “Conselho
de Ministros”, deliberando tanto sobre assuntos do estrito domínio
comunitário quanto nos quadros de natureza mais intergovernamental
do segundo e do terceiro pilares instituídos pelo Tratado da União

134
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Européia. Estão compreendidos nas competências do Conselho assuntos


como a coordenação das políticas econômicas nacionais, a celebração
de acordos internacionais, a aprovação de decisões necessárias à execução
da política externa e de segurança comuns, a coordenação da cooperação
policial e judiciária e a autoridade orçamental, que é partilhada com o
Parlamento, juntamente com o exercício do poder legislativo em relação
a um grande conjunto de competências comunitárias.
Sinteticamente, pode-se afirmar que o Conselho da União
Européia exerce três funções essenciais, ligadas à decisão, coordenação
de políticas nacionais e comunitárias e à autoridade em matéria
orçamentária. O poder de decisão é exercido para garantir a realização
dos objetivos enunciados nos tratados constitutivos, atuando o
Conselho mediante uma provocação da Comissão Européia (o órgão
executivo da União) e, na maior parte dos casos, com a participação do
Parlamento Europeu, em procedimento de co-decisão ou de simples
consulta. A legislação comunitária é formulada conjuntamente pelo
Conselho e pelo Parlamento, como na edição de legislação voltada
para a consecução do mercado interno, a proteção do meio ambiente e
a defesa do consumidor, competências que foram estendidas a novos
domínios, como a não-discriminação, a liberdade de circulação e de
residência e medidas de promoção e proteção social, como resultado
dos dispositivos previstos no Tratado de Amsterdã e em vigor desde
1999. Nos domínios típicos da soberania nacional, como as medidas
tendentes à consecução da Pesc e a cooperação policial e judiciária em
matéria penal, o Conselho tem uma maior preponderância, sendo as
prerrogativas do Parlamento e da Comissão nesses temas mais limitadas.
No plano da aplicação, as competências de execução da legislação
comunitária são, em regra geral, atribuídas à Comissão.2
As funções de coordenação exercidas pelo Conselho, por seu
turno, estão ligadas à concertação das políticas econômicas dos Estados-
membro, tendo por fim a instauração de uma política econômica
comum. Para atingir essa coordenação, o Conselho estabelece
anualmente um projeto de orientações gerais das políticas econômicas

2 N., Nigel. The government and politics ofthe European Union, op. cit. p. 143-159.

135
ANTÔNIO CARLOS LESSA

dos Estados-membro, que é submetido ao Conselho Europeu


(composto pelos chefes de Estado e de Governo dos membros da
União) e dá origem a recomendações aos governos nacionais, cuja
execução é acompanhada por um mecanismo de supervisão multilateral.
A coordenação econômica, nos seus níveis técnico e operacional é
concretizada plenamente no âmbito da União Econômica e Monetária,
em que o Conselho (na sua formação de Assuntos Econômicos e
Financeiros) desempenha um papel preponderante.3
O Conselho da União Européia também exerce funções
fundamentais em questões orçamentárias, que são partilhadas com o
Parlamento Europeu, sendo ambos os principais intervenientes na
adoção do orçamento anual comunitário. O Conselho examina todos
os anos um projeto de orçamento, que é negociado com o Parlamento
do seguinte modo: as ditas despesas “obrigatórias” – aquelas decorrentes
da Política Agrícola Comum e outras decorrentes de obrigações
assumidas com países terceiros – são decididas pelo Conselho, enquanto
as despesas “não-obrigatórias”, bem como a adoção final do orçamento,
competem ao Parlamento.
O Conselho é composto por um representante de cada Estado-
membro com status ministerial (por isso, a antiga designação de
“Conselho de Ministros”). Os seus membros são politicamente
responsáveis perante os respectivos parlamentos nacionais, mesmo
porque são ministros de Estado imbuídos de missão de representação
e poderes para vincular a vontade dos seus governos. Embora
formalmente exista um único Conselho, este reúne-se em formações
diferentes em função dos assuntos em discussão, sendo as mais
freqüentes as formações de agricultura e pesca, assuntos gerais,
assuntos econômicos e financeiros, meio ambiente, transportes e
telecomunicações, questões sociais, energia e indústria, justiça, assuntos
internos e proteção civil, mercado interno, consumidores, turismo,
orçamento, cultura, desenvolvimento, educação e juventude, e saúde.
Entre as diferentes composições do Conselho, as de assuntos gerais,

3 Sobre as atribuições do Conselho da União Européia, conferir Hayes-Renshaw, F. & Wallace,


H. The Council of Ministers. Basingstoke: Macmillan, 1997, passim.

136
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

assuntos econômicos e financeiros e agricultura reúnem-se uma vez


por mês, enquanto as outras se reúnem entre duas e quatro vezes por
ano, de acordo com a premência das matérias em exame.
No Conselho existem três procedimentos de votação, que
requerem graus diferentes de consenso, a saber: a unanimidade, que se
aplica a assuntos de “importância vital” para os Estados-membro, mas
também para a revisão dos tratados, para a consideração de novas adesões
à União e para assuntos legislativos que impliquem na harmonização
de impostos,4 a maioria qualificada, substituiu a unanimidade em
vários temas, nas modificações que foram introduzidas pelo Tratado
da União Européia, e é um procedimento que requer 65 votos a favor
dos 87 que têm os Estados-membro, distribuídos ponderadamente
com base na respectiva população, com fatores que homogeneizam o
peso relativo de cada um dos países e resguardam os interesses dos
países menores,5 finalmente, a maioria simples se aplica quando os
tratados não especificam nenhum outro procedimento especial.
A presidência do Conselho é exercida rotativamente por cada
Estado-membro, em períodos de seis meses. O presidente do Conselho
participa ativamente na organização dos trabalhos da instituição,
desempenhando papel importante de incentivo no que respeita às
decisões legislativas e políticas, bem como na arbitragem entre os
Estados-membro, facilitando a elaboração de fórmulas de compromisso
entre eles. No cumprimento das suas funções, o presidente do Conselho
é assistido por um secretário-geral, personalidade que tem grande
visibilidade política no dia-a-dia da União Européia, não apenas porque

4 Apesar das regras de votação dos tratados, os contínuos desacordos sobre vários temas ao
longo da década de 1960 conduziram ao “Compromisso de Luxemburgo”, de 29 de janeiro
de 1966, pelo qual se acordou tacitamente que um Estado-membro poderia insistir em que
uma decisão fosse tomada por unanimidade no Conselho quando os seus interesses nacionais
vitais fossem comprometidos, o que acabou por introduzir o direito de veto nacional, que
foi utilizado em algumas ocasiões.
5 A ponderação se dá de acordo com os seguintes pesos: a Alemanha, a França, a Itália e o
Reino Unido contam com dez votos para cada um; oito votos para a Espanha; a Bélgica,
Holanda, Grécia e Portugal têm cinco votos; a Suécia e a Áustria dispõem, individualmente;
de quatro votos, a Irlanda, Dinamarca e a Finlândia têm três votos cada país, e dois para o
Luxemburgo.

137
ANTÔNIO CARLOS LESSA

assegura a preparação e o bom funcionamento dos trabalhos, em todos


os níveis, mas especialmente por contribuir para a formulação,
elaboração e execução das decisões políticas e na condução do diálogo
político com terceiros países em nome do Conselho. A proeminência
do secretário-geral em questões sensíveis tem sido reforçada nos últimos
anos, tanto que, a partir de outubro de 1999, a função passou a ser
cumulativa com a de alto representante para a Pesc.6
O Conselho é ainda auxiliado e assistido pelo Comitê de
Representantes Permanentes (Coreper), que é encarregado de preparar
os trabalhos do Conselho de Ministros, e é composto pelos embaixadores
dos Estados-membro acreditados perante à União Européia, que são
por seu turno, diretamente assistidos por funcionários especializados
dos quadros dos ministérios nacionais.

4.1.3. Parlamento Europeu

Eleito por um período de cinco anos por sufrágio universal


direto, o Parlamento Europeu é a expressão democrática dos milhões
de cidadãos europeus. O Parlamento é constituído por 626 deputados
reunidos em grupos políticos transnacionais que representam as grandes
tendências políticas existentes nos Estados-membro da União.7
A idéia de criação de uma Assembléia Comunitária como órgão
auxiliar do processo europeu de integração vem do início dos anos 50,
sendo concebido como um contrapeso à influência do Conselho
Europeu e foi ganhando importância ao longo das etapas da construção
da Europa. Inicialmente formado por representantes dos diferentes
parlamentos dos Estados-membro, e com limitadas funções consultivas,
o Parlamento ganhou gradualmente importância na estrutura
organizacional da União Européia. Em 1979 foi eleito pela primeira

6Nugent, Nigel. op. cit., p. 169-187.


7Os locais de trabalho do Parlamento Europeu estão repartidos entre a França, a Bélgica e
o Luxemburgo. As sessões plenárias, que reúnem todos os deputados, têm lugar em
Estrasburgo (França), a sede do Parlamento. As comissões parlamentares e as sessões plenárias
suplementares realizam-se em Bruxelas, estando o Secretariado-Geral instalado no
Luxemburgo.

138
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

vez por sufrágio universal, assumindo a partir de então as prerrogativas


de representante dos povos dos Estados-membro no nível das instituições
comunitárias, ao que se somaram novas competências advindas de
reformas adotadas nos tratados constitutivos, que não só fizeram do
Parlamento uma verdadeira instância legislativa (ainda que não totalmente
similar a um típico parlamento nacional) mas, especialmente, reforçaram
o seu papel de controle democrático na construção da Europa.8
O Parlamento Europeu exerce funções fundamentais que
garantem a legitimidade democrática dos regulamentos normativos
necessários para a coordenação dos políticas nacionais e para o
estabelecimento de políticas comuns, exercendo funções legislativas,
de controle democrático e no processo orçamentário da União
Européia. Assim, o Parlamento participa, pelo procedimento de co-
decisão com o Conselho, na elaboração e adoção dos textos legislativos
propostos pelo órgão executivo, que é a Comissão. Embora a Comissão
seja a principal fonte de iniciativa legislativa, o Parlamento empresta-
lhe uma densidade política importante, o que se dá por meio do exame
do programa de trabalho anual do executivo comunitário e pela
possibilidade de solicitar-lhe a apresentação de propostas adequadas.
O procedimento de co-decisão em funcionamento na
coordenação das competências do Parlamento e do Conselho é aplicável
nos domínios da liberdade de circulação dos trabalhadores,
estabelecimento do mercado interno, pesquisa e desenvolvimento
tecnológico, meio ambiente, defesa do consumidor, educação, cultura
e saúde. Por outro lado, o parecer favorável do Parlamento é indispensável
para algumas questões de caráter político ou institucional, como a
adesão de novos membros, acordos de associação com países terceiros,
celebração de acordos internacionais, processo eleitoral para a renovação
do próprio Parlamento, direito de residência dos cidadãos da União,
bem como as missões e os poderes do Banco Central Europeu.9

8 Particularmente as reformas adotadas em 1970 (disposições orçamentais), 1975 (disposições


financeiras), 1986 (Ato Único Europeu), 1992 (Tratado de Maastricht) e 1997 (Tratado de
Amsterdã).
9 A propósito, conferir Corbett, R. The European Parliament´s Role. In: Closer EU Integration.
Basingstoke: Macmillan, 1998, passim.

139
ANTÔNIO CARLOS LESSA

O Parlamento exerce também o controle democrático sobre a


Comissão, sendo a nomeação do seu presidente e membros sujeita a
aprovação. A Comissão, por seu turno, é responsável perante o
Parlamento, que pode contra ela votar uma “moção de censura”, o que
conduziria à sua destituição. O controle parlamentar é igualmente
exercido pelo exame regular de relatórios que a Comissão apresenta ao
Parlamento (relatório geral, relatórios sobre a execução do orçamento,
relatório sobre a aplicação do direito comunitário, etc.), ao que se
somam os pedidos de esclarecimentos dirigidos pelos deputados à
Comissão. O Conselho da União Européia também está sujeito, ainda
que de modo bastante estrito, ao controle do Parlamento Europeu,
tendo os seus membros o direito de dirigirem questionamentos ao
Conselho. O Parlamento, por fim, estende as suas competências de
controle democrático pelo debate intenso sobre temas importantes
que são tipicamente competências de outros órgãos, como a política
externa e de segurança comum e a cooperação judiciária, bem como
sobre certas questões de interesse comum, como a política de asilo, de
imigração, entre outros, o que se dá em cooperação com os órgãos
especializados ou por meio de as comissões temporárias de inquérito.
O Parlamento Europeu tem, por fim, competências exclusivas
na aprovação do orçamento anual da Comunidade, sendo interveniente
no processo em conjunção com o Conselho. Ao Parlamento cabe
solicitar modificações nas alocações de fundos para a realização das
despesas “não-obrigatórias”, buscando garantir uma boa repartição dos
recursos orçamentários e dando a aprovação final da peça orçamentária.
A execução orçamentária também está sujeita ao controle parlamentar,
sendo examinada por comissão permanente que apresenta, quando da
votação da peça orçamentária, pareceres quanto à execução feita pela
Comissão no exercício do ano anterior.

4.1.4. A Comissão Européia


A Comissão é o órgão executivo e o motor do sistema
institucional da União Européia, tendo como encargo a materialização
e a defesa do interesse geral comunitário. A ela cabe assegurar a execução
do acervo comunitário, composto por legislação de todas as naturezas

140
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

e os mais diversos propósitos, seguida da implementação do orçamento


e dos programas adotados pelo Parlamento e pelo Conselho. As funções
de “poder executivo” são exercidas em todos os domínios de atuação
da União, mas o papel da Comissão é particularmente importante em
setores específicos, como apolítica de concorrência– que se dá mediante
o controle de acordos de fusões, a averiguação da existência de
concorrência entre as empresas, ou a eliminação ou controle de subsídios
discriminatórios – e a implementação da política agrícola.
A formação burocrática conhecida como Comissão é antiga
no processo de integração europeu, sendo a sua precursora a alta autoridade
instituída no tratado constitutivo da Ceca, que foi também o modelo
para a instituição das comissões executivas da Euratom e da Comunidade
Econômica – executivos que permaneceram isolados até 1967 (Tratado
de fusão das instituições comunitárias, firmado em 1965), quando foram
fundidos em uma única Comissão Européia, comum às três
comunidades. À medida em que o arranjo institucional se tornava mais
complexo, cresciam as atribuições da Comissão, que passaram a se estender
desde aguarda do acervo comunitário, em conjunto com o Tribunal de
Justiça Europeu (o que equivale a velar pela correta aplicação da legislação
européia com o propósito de assegurar a manutenção de um clima de
confiança entre os Estados-membro, os agentes econômicos e os
cidadãos), ao direito de iniciativa legislativa (com a proposição de projetos
de regulamentações sobre todos os temas da vida comunitária ao
Parlamento e ao Conselho), administrando os fundos e executando as
políticas e comunitários,10 e exercendo as funções de representação da
União em âmbito internacional, negociando acordos e tratados,
essencialmente em matéria comercial e de cooperação.11
As ações da Comissão são desenvolvidas nos domínios definidos
nos Tratados constitutivos da União Européia, enquadrando-se nas
políticas de meio ambiente, energia, desenvolvimento regional, relações

10 Entre os fundos administrados pela Comissão destacam-se o Fundo Social Europeu, o


Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, o Fundo Europeu de Desenvolvimento
Regional, o Fundo Europeu de Desenvolvimento, o Fundo de Coesão e os programas de
assistência para os países da Europa Central e Oriental.
11 A propósito, ver Edwards, G. & Spence, D. The European Commission. London : Longman,
1997, passim.

141
ANTÔNIO CARLOS LESSA

comerciais, transportes, indústria, concorrência econômica, social,


agricultura e cooperação para o desenvolvimento, sendo esta uma das
vertentes mais importantes das relações externas da comunidade. É
importante observar, entretanto, que tão largo espectro de atuação não
produz necessariamente uma justaposição ou competição de esforços
entre as políticas adotadas pela União Européia, implementadas pela
Comissão, e os Estados-membro. O desenvolvimento das políticas
comunitárias dá-se de acordo com o “princípio da subsidiariedade”,
segundo o qual as ações da Comissão devem se produzir unicamente
nos domínios em que uma iniciativa comunitária pode ser mais eficaz
do que uma empreendida nacional, regional ou localmente. Acresce
que as ações adotadas pela Comissão têm por objetivo a defesa do
“interesse geral” da União e dos seus cidadãos, o que exclui, evidentemente,
interesses setoriais ou de determinados Estados-membro, o que pode
se revelar como uma fonte de conflito entre as partes e a Comissão.
A Comissão é um órgão colegiado de vinte membros, dos quais
um presidente, dois vice-presidentes e outros dezessete “comissários”
especializados nos temas das competências comunitárias, todos escolhidos
entre cidadãos europeus mediante garantias de imparcialidade e
independência e em função de suas competências técnicas e da folha de
serviços prestados nas administrações públicas dos seus países de origem,
e a sua nomeação segue uma proporção entre os Estados-membro (dois
“comissários” para a Alemanha, a França, a Itália, o Reino Unido e a
Espanha, individualmente, e os demais dispõem de um, cada país). Com
mandato de cinco anos, o presidente da Comissão é indicado pelos
Estados-membro e recebe um voto de confiança do Parlamento Europeu,
tal e qual acontece em qualquer regime parlamentarista, e por isso, é
politicamente responsável perante o Parlamento, que tem o poder de
destituí-la mediante a aprovação de moção de censura.12

4.1.5. O Tribunal Europeu de Justiça


O Tribunal Europeu de Justiça aprecia litígios em que podem
ser partes os Estados-membro, as instituições comunitárias, as empresas

12 Dinan, Desmond. Ever closer Union: an introduction to European Union, op. cit. p. 118-126.

142
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

e os cidadãos europeus, buscando garantir o respeito e a interpretação


uniforme do direito comunitário, e a sua aplicação equânime para todos,
em quaisquer circunstâncias.
Criado em 1952, o tribunal converteu-se, com o avanço do
processo europeu de integração, em um verdadeiro mecanismo de defesa
da aplicação do acervo comunitário e de promoção dos direitos dos
atores econômicos e dos cidadãos europeus, tendo julgado desde as
suas origens milhares de processos em que as partes recorreram à
instância comunitária para garantir a aplicação da legislação européia,
que pode ser por vezes prejudicada por decisões dos judiciários nacionais.
Em 1989, para dar cabo do fluxo crescente de demandas que chegavam
à instância comunitária, ao Tribunal de Justiça foi agregado um Tribunal
de Primeira Instância, com competência para julgar processos relacionados
ao cumprimento das regras de concorrência econômica (dos mais
freqüentes na história do direito comunitário) e recursos interpostos
pelos cidadãos europeus.
Corte singular em uma estrutura institucional igualmente única,
o Tribunal de Justiça funciona por vezes como instância consultiva para
os judiciários nacionais, o que se dá por meio do instrumento do “reenvio
prejudicial”, pelo qual se institucionalizou uma relação especial entre os
órgãos jurisdicionais comunitários e os nacionais. Com o propósito de
evitar divergências de interpretação do direito comunitário entre as
instâncias dos Estados-membro e em caso de dúvida sobre a interpretação
ou a validade desse direito, o reenvio prejudicial permite que os juízes
nacionais dirijam-se ao Tribunal Europeu de Justiça solicitando que se
pronuncie sobre a questão de direito, dando origem a um ciclo virtuoso
no qual os órgãos jurisdicionais nacionais tornam-se igualmente garantes
do direito comunitário, fazendo com que o sistema jurisdicional
comunitário assente numa cooperação frutuosa entre o juiz comunitário
e o juiz nacional.13
Além do mecanismo procedimental do reenvio prejudicial, o
tribunal foi dotado de outras amplas competências jurisdicionais que

13Sobre o direito comunitário e a sua aplicação, conferir Kennedy, T. Learning European


Law. London: Sweet & Maxwell, passim.

143
ANTÔNIO CARLOS LESSA

são exercidas para o julgamento das ações e recursos em que é levado a


se pronunciar, nas categorias das ações por não-cumprimento, os recursos
de anulação e as ações por omissão. Essas ações podem ser interpostas
pela Comissão Européia (o que é mais freqüente) ou por qualquer um
dos governos nacionais e levam o Tribunal a controlar o cumprimento,
pelos Estados-membro, das obrigações que são decorrentes de todo o
acervo jurídico comunitário. Os recursos de anulação, por seu turno,
permitem que a Comissão, o Conselho, os governos nacionais, e, em
alguns casos, o Parlamento, solicitem a anulação de uma disposição
comunitária, como também que os cidadãos demandem a anulação
de atos jurídicos que os afetem direta e individualmente, funcionando
como mecanismos de controle de legalidade dos atos das instituições
comunitárias. Por fim, as ações por omissão são impetradas pelos
Estados-membro, instituições comunitárias e, eventualmente, por
cidadãos ou pessoas jurídicas européias, que solicitam ao Tribunal que
declare a legalidade de uma eventual inação do Parlamento, do Conselho
ou da Comissão em determinados procedimentos, configurando a
violação do Tratado da União, eivando os atos que carecem de uma
ação dessas instituições de vícios de forma.
O tribunal tem, portanto, jurisdição para dirimir disputas entre
os Estados-membro sobre temas relativos à Comunidade Européia,
entre os Estados-membro e as instituições comunitárias e sobre os
assuntos alegados pelas pessoas físicas e jurídicas contra a Comunidade.
Em geral, a lei comunitária nas matérias cobertas pelos tratados
constituem um sistema legal autônomo,14 independente dos sistemas
legais dos Estados-membro. A lei comunitária não é incorporada por

14 Segundo os Tratados, a Comunidade pode fazer uso de cinco instrumentos legais: (a) os
regulamentos, que são leis de cumprimento obrigatório em sua totalidade, direta e
uniformemente aplicáveis em todos os Estados-membro a todas as suas partes legais (governos
nacionais, cidadãos e empresas), não necessitando ser confirmados pelos parlamentos
nacionais para ter os efeitos legais previstos; (b) as diretivas, que são leis dirigidas aos
Estados-membro de cumprimento obrigatório quanto ao objetivo a ser alcançado, mas que
deixam a forma e o método de aplicação abertos aos governos nacionais; (c) as decisões, que
tratam de problemas específicos e são de cumprimento obrigatório para aqueles a que se
destinam, sejam Estados-membro, empresas ou indivíduos; (d) as recomendações e; (e) as
opiniões, que não têm força legal, uma vez que se limitam a expressar o ponto de vista da
instituição comunitária que as dita.

144
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

nenhuma legislação nacional, uma vez que se aplica diretamente nos


Estados-membro, com preferência sobre a legislação nacional e, nas
áreas de conflito, a legislação comunitária é superior à nacional. Em
geral, os cidadãos de cada Estado-membro são governados por dois
sistemas legais – o nacional e o comunitário – e portanto, são cidadãos
de duas entidades independentes, o seu país de origem e a União
Européia. Cada cidadão da União européia tem, portanto, o direito de
levar às barras do Tribunal de Justiça o seu governo nacional, caso os
privilégios pessoais garantidos pela legislação comunitária sejam
ameaçados pela aplicação de leis nacionais.
O Tribunal de Justiça é composto por quinze juízes e por oito
advogados-gerais, designados de comum acordo pelos governos
nacionais para mandatos renováveis de seis anos, sendo escolhidos entre
cidadãos europeus de reconhecida competência jurídica e que reúnam
as condições exigidas, nos seus países de origem, para o exercício das
mais altas funções jurisdicionais. Os advogados-gerais atuam como
relatores imparciais e independentes dos processos submetidos à Corte.
É importante observar que as funções que equivaleriam às do Ministério
Público são exercidas no Tribunal por representantes da Comissão
Européia, na sua qualidade de guardiã do interesse comunitário.
O Tratado não estabelece uma repartição por nacionalidade, mas na
prática o Tribunal é composto por um juiz por cada Estado-membro,
para que os diferentes sistemas jurídicos nacionais estejam representados.

4.1.6. O Tribunal de Contas da União Européia

O Tribunal de Contas da União Européia foi instituído em


1977, na revisão das disposições orçamentárias dos Tratados, e se
transformou em uma instituição comunitária com a entrada em vigor
do Tratado de Maastricht, em 1993. Criado com a função de verificar
a boa execução do orçamento da União, o Tribunal examina a legalidade
e a regularidade das receitas e despesas comunitárias, assegurando a boa
gestão financeira e contribuindo para a eficácia e transparência do
sistema comunitário. Em 1999, após a adoção do Tratado de Amsterdã,
os seus poderes de controle e de investigação foram aumentados, com

145
ANTÔNIO CARLOS LESSA

o propósito de garantir meios de coibir fraudes na execução do


orçamento comunitário.
O Tribunal de Contas mantém relações de colaboração com
as outras instituições européias, como acontece permanentemente com
a assistência dada ao Parlamento e ao Conselho no exercício das suas
competências na elaboração do orçamento comunitário e pela
apresentação anual de relatório sobre a execução orçamentária do
exercício precedente. O Tribunal também desempenha um papel
preponderante no voto do Parlamento quanto à quitação dada à
Comissão da execução do orçamento, uma vez que tem a seu encargo
apresentar aos parlamentares uma declaração de fiabilidade relativa à
boa utilização dos recursos orçamentários, chamando a atenção da
Comissão e dos Estados-membro para eventuais problemas a resolver
na execução do ano subseqüente. Estes relatórios resultam de auditorias
realizadas em organismos e programas que executam o orçamento e
em todos os países beneficiários de ajudas da União, mas particularmente
na Comissão e nas administrações nacionais, que administram quase
90% das receitas e despesas comunitárias.15
O tribunal é composto por quinze membros nomeados pelo
Conselho da União Européia para um mandato renovável de seis anos,
após consulta ao Parlamento Europeu, sendo os seus membros escolhidos
entre personalidades que tenham pertencido, nas administrações
nacionais, a instituições de fiscalização externa ou que possuam uma
qualificação especial para o exercício dessa função.

4.1.7. Outros organismos e agências

Ao longo da construção da Europa, a estrutura institucional


cresceu e tornou-se mais complexa para dar cabo de atribuições
crescentes, que surgiam de desafios que foram sendo percebidos à
medida em que a integração tornava-se mais profunda e intensa, com
o surgimento de perspectivas comunitárias em um grande número de

15 Nugent, Nigel. op. cit., 298-301.

146
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

setores (social, educação e cultura, coordenação macroeconômica,


relações externas, por exemplo) mas também mais heterogênea, com a
adesão de membros com estágios desiguais de desenvolvimento. Essa
dinâmica teve uma importância primordial para a evolução da estrutura
institucional da Europa unida, ao ponto em que é impossível
compreendê-la em sua plenitude sem olhar, ainda que de relance, outros
organismos que desempenham funções essenciais na vida comunitária
– é o que acontece com o Comitê Econômico e Social Europeu, o
Comitê das Regiões, o Banco Europeu de Investimento, e o Banco
Central Europeu, o Provedor de Justiça Europeu e uma miríade de
agências especializadas.

a) O Comitê Econômico e Social Europeu

Instituído em 1957 pelo Tratado de Roma, o Comité Económico


e Social (CES) é um órgão consultivo que assegura a representação dos
diferentes setores da vida econômica e social (empregadores, sindicatos,
agricultores, consumidores, etc.) no quadro institucional da União
Européia, sendo a um só tempo um fórum de diálogo e a plataforma
institucional que permite o debate e a expressão da sociedade civil
organizada da União Européia. Por meio dos pareceres que emite, o
CES participa ativamente na definição e na execução das políticas da
União Européia.
O Comitê goza, desde a entrada em vigor do Tratado de
Maastricht, em 1993, de status semelhante ao das outras instituições
comunitárias, especialmente no que diz respeito ao orçamento, tendo
também reforçado o seu direito de iniciativa, ainda mais ampliado –
especialmente para os assuntos sociais – pelo Tratado de Amsterdã
(1997). As tradicionais funções vitais semelhantes às de uma câmara
de ressonância do interesse social europeu foram sendo, portanto,
engrandecidas com a missão de atuar pelo desenvolvimento de uma
sociedade européia mais participativa e democrática e de exercer funções
consultivas junto ao Conselho, à Comissão e ao Parlamento Europeu.
Os relatórios de informação e os denominados “pareceres de iniciativa”
do Comitê permitem às instâncias de decisão, especialmente a Comissão,

147
ANTÔNIO CARLOS LESSA

avaliar melhor o impacto das políticas comunitárias, identificando e


propondo eventuais adaptações e novas linhas de ação.
Os temas a que se dedicam as diferentes formações do CES
traduzem a complexidade do próprio processo europeu de integração,
sendo organizados em seções que contam com a participação de
representantes dos grandes setores sociais que no Conselho têm assento,
dedicando-se ao debate e à análise sobre a união econômica e monetária
e coesão econômica e social, mercado único, produção e consumo,
transportes, energia, infra-estrutura e sociedade da informação,
emprego, assuntos sociais e cidadania, agricultura, desenvolvimento
rural e meio ambiente, e finalmente, relações exteriores.
Os 222 membros do CES são indicados pelos governos dos
Estados-membro e nomeados pelo Conselho da União Européia para
um mandato renovável de quatro anos. São repartidos com base nas
populações dos Estados-membro, a Alemanha, a França, a Itália e o
Reino Unido contam com 24 membros cada um; a Espanha tem 21
assentos; a Áustria, a Bélgica, a Grécia, os Países Baixos, Portugal e a
Suécia, dispõem, individualmente, de 12; a Dinamarca, a Finlândia e a
Irlanda têm representações constituídas 9 membros; e Luxemburgo,
6. Os membros do CES estão distribuídos em três grandes grupos,
que representam os empregadores (composto por representantes dos
setores público e privado, da indústria, pequenas e médias empresas,
das câmaras de comércio, das finanças, dos transportes e da agricultura),
os trabalhadores (onde têm assento os representantes das organizações
sindicais) e os interesses diversos (composto por representantes de
organizações de agricultores, de artesões, de profissionais liberais, de
cooperativas, de membros da comunidade científica, de organizações
não-governamentais, entre outros).16

b) O Banco Europeu de Investimentos

O Banco Europeu de Investimento (BEI) é a instituição


financeira de fomento da União Européia, atuando no financiamento

16 Dinan, Desmond. op. cit., p. 198-199.

148
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

de projetos públicos e privados focados no desenvolvimento sustentável


equilibrado e na coesão econômica e social que contribuam para realizar
os objetivos da União Européia. Criado em 1958 pelo Tratado de
Roma, o Banco tem como acionistas os Estados-membro, mas os
fundos utilizados no financiamento de projetos são provenientes da
emissão de títulos nos mercados de capitais internacionais – não
utilizando, portanto, recursos orçamentários da comunidade.
Os projetos financiados pelo Banco seguem uma linha de ação
bem definida, concentrando-se em iniciativas que atuem para reforçar
a competitividade das indústrias européias e, particularmente, das
pequenas e médias empresas, que preparem a atração de novas fontes
de financiamento, favoreçam a realização de redes européias de
transportes, energia e telecomunicações, que sirvam para a proteção do
meio ambiente ou para a promoção social. Uma das linhas mais
importantes da ação do BEI é, ademais, o financiamento de
empreendimentos que beneficiem as regiões da União menos
desenvolvidas, mas uma parte expressiva dos seus capitais são investidos
em países que se candidataram à adesão, para os quais foram criados
mecanismos de financiamentos específicos. Do mesmo modo, o banco
é um ator coadjuvante importante das políticas de cooperação da
comunidade, tendo em vista que os seus financiamentos podem ser
igualmente empregados em projetos que visem promover as condições
de um desenvolvimento sustentável nos países do Mediterrâneo, da
África, das Caraíbas e do Pacífico e apoiar projetos de interesse comum
realizados na América Latina e na Ásia.17

c) Comitê das Regiões

O Comitê das Regiões (CR) foi criado em 1994 como órgão


consultivo que desempenha um papel complementar no processo de
tomada de decisão entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho,
assegurando a representação dos poderes locais e regionais na União

17Dinan, Desmond. Encyclopedia ofthe European Union. Boulder, Co. : Lynne Rienner,
1998, passim.

149
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Européia, defendendo as prerrogativas das regiões nos domínios que


lhes dizem respeito e atuando como garante do denominado “princípio
da subsidiariedade”, segundo o qual a comunidade atua apenas quando
uma ação empreendida ao nível comunitário se revelar mais eficaz do
que iniciativas empreendidas local, regional ou nacionalmente.
O campo de ação do Comitê foi ampliado pelo Tratado de
Amsterdã, que lhe concedeu prerrogativas importantes nas políticas
sociais, de meio ambiente e transportes, que vieram se juntar à definição
das prerrogativas e responsabilidades das entidades locais e regionais, à
definição da política regional e à alocação dos fundos de desenvolvimento
estrutural da comunidade – temas sobre os quais a Comissão e o
Conselho da União devem obrigatoriamente consultar o CR. Além
disso, o comitê se pronuncia a respeito das propostas da comissão sobre
as redes européias de energia e telecomunicações, a saúde pública e as
políticas de educação, juventude, meio ambiente e cultura.
O Comitê é formado por personalidades importantes nas
regiões e municipalidades, entre governadores, parlamentares
provinciais e conselheiros municipais e os seus 222 membros são
indicados pelos governos nacionais e nomeados pelo Conselho da União
para um mandato renovável de quatro anos, e o número de conselheiros
por país é definido em função da população dos Estados-membro,
estando 24 assentos destinados à Alemanha, a França, a Itália e o Reino
Unido, individualmente, 21 para a Espanha, a Áustria, a Bélgica, a
Grécia, os Países Baixos, Portugal e a Suécia contam com 12 membros
cada um; a Dinamarca, a Finlândia e a Irlanda têm representação
constituída de 9 assentos, cada país; e 6 para o Luxemburgo.18

d) O Banco Central Europeu

A introdução física das notas e moedas de euros, que se deu no


dia 1º de janeiro de 2002 – a maior troca de meio circulante já realizada
na história, afetando o quotidiano de cerca de trezentos milhões de
cidadãos europeus e concluindo o processo de substituição das moedas

18 Hitiris, Theo & Vallés, José. op. cit., p. 49-50.

150
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

nacionais dos doze países que dele participavam desde janeiro de 1999 –,
foi o apogeu da união monetária européia, em cuja preparação foi
fundamental a atuação do Instituto Monetário Europeu (IME) e do
seu sucessor, o Banco Central Europeu (BCE).
Criado em 1º de junho de 1998, o BCE desempenha papel
central na evolução da união monetária européia e na consolidação da
nova realidade monetária que é a introdução da moeda comum, tendo
a responsabilidade de monitorar os impactos que esse processo portará
para o processo europeu de integração em todas as suas dimensões e,
especialmente, de prover condições para a sua consolidação. Para
cumprir essa missão, o BCE e os bancos centrais dos doze países da
denominada “área do euro”19 compõem o “euro-sistema”, que tem
por função precípua a manutenção da estabilidade de preços, protegendo
o poder de compra da moeda européia, controlando tendências
inflacionárias que podem advir do excesso de massa monetária em
circulação e avaliando a evolução da estabilidade dos salários, da taxa
de câmbio, das taxas de juro a longo prazo e de outros números da
atividade econômica.
O euro-sistema assume, no estágio atual de implantação do
euro, as funções de definir e implementar a política monetária da área
do euro, realizar operações cambiais e gerir as reservas oficiais de moeda
estrangeira dos países da área do euro, emitir notas bancárias na área do
euro e promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamento,
além de recolher as informações estatísticas necessárias junto às
autoridades nacionais, e analisar a evolução no sector bancário e
financeiro. É evidente que o euro-sistema depende intrinsicamente de
um sistema bancário articulado, eficiente e estável, por meio do qual
as operações de política monetária, como o controle de liquidez na
área do euro, possam ser realizadas.20
A expressão “euro-sistema” designa, portanto, o complexo
institucional formado pelo BCE e pelos bancos centrais da área do

19 Composta pelos doze países que substituíram as suas moedas nacionais pelo euro: a
Alemanha, a Áustria, a Bélgica, a Espanha, a Finlândia, a França, a Grécia, a Irlanda, a Itália,
Luxemburgo, os Países Baixos e Portugal.
20 Nugent, Nigel. op. cit., p. 293-297.

151
ANTÔNIO CARLOS LESSA

euro, sendo um recorte de uma realidade mais ampla, denominada


Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e essa distinção é
fundamental, uma vez que existem ainda Estados-membro da União
Européia que, por motivos diversos, não adotaram a moeda única.
Assim, os bancos centrais desses países (da Dinamarca, da Suécia e do
Reino Unido – número que pode aumentar com futuras adesões ao
processo europeu de integração), – não participam das decisões relativas
à política monetária única para a área do euro. Os países que desejarem
adotar a moeda única devem satisfazer os critérios que foram
estabelecidos pelo euro-sistema, denominados critérios de convergência
(conhecidos como os critérios de Maastricht), a saber: (a) a inflação
controlada em determinados níveis; (b) as contas públicas equilibradas;
(c) as taxas de juros baixas e taxas de câmbio estáveis, sendo obrigados
a garantir previamente a independência política dos seus bancos centrais
nacionais.
A pedra angular do euro-sistema e do Sistema Europeu de
Bancos Centrais (SEBC) é o BCE, o qual garante que as funções que
lhe são atribuídas serão executadas pelos seus próprios meios ou pela
cooperação estreita com os bancos centrais nacionais. Para realizar o
objetivo fundamental de promover a estabilidade dos preços, o BCE
tem a responsabilidade de executar a política monetária da zona do
euro, de realizar as operações cambiais, de deter e gerir as reservas
cambiais oficiais dos países da zona do euro, de emitir cédulas e moedas
de euro, de promover o funcionamento dos sistemas de pagamentos,
recolhendo, para tanto, as informações estatísticas necessárias perante
as autoridades nacionais e monitorando a evolução do setor bancário e
financeiro.
A base jurídica do BCE e do SEBC é o tratado que instituiu a
Comunidade Européia. Os estatutos do BCE encontram-se anexados
ao tratado sob a forma de um protocolo, segundo o qual o órgão foi
dotado de independência no exercício das suas funções, e as instituições
européias e os governos nacionais são obrigados a respeitá-la
integralmente. O presidente do banco e os membros da sua Comissão
Executiva são designados pelos Estados-membro para um mandato
não revogável de oito anos, e apenas podem ser demitidos se tiverem

152
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

cometido faltas graves ou se forem incapazes de exercer as suas


atribuições. Nomeado com a função de formular a política monetária
da área do euro, o boarddo BCE, por meio do seu Conselho, tem o
poder de definir as taxas de juros com as quais os bancos comerciais se
relacionam com os respectivos bancos centrais nacionais, influenciando
indiretamente as taxas de juros em toda a economia da área do euro,
uma vez que as taxas que os bancos comerciais cobram dos seus clientes
por empréstimos e aquelas que remuneram os depósitos de poupança
são decorrentes daquele valor básico.21
O capital do BCE foi subscrito e integralizado pelos bancos
centrais nacionais, à razão do produto interno bruto e da população –
uma medida necessária para garantir a total independência da instituição
e do sistema com relação às instituições comunitárias e aos governos
nacionais. Além disso, o Banco foi dotado com o seu próprio
orçamento, independente das instituições comunitárias, o que garante,
mais uma vez, que a administração da instituição não seja influenciada
ou tolhida em suas ações pelos interesses financeiros da Comunidade.

e) As agências especializadas

A estrutura institucional da União Européia é secundada por


uma miríade de pequenos órgãos e agências especializadas que cumprem
funções delimitadas, em áreas de competência específicas, que foram
criados para tornar mais ágil a interlocução com os cidadãos ou para
faciltiar a administração das políticas comunitárias.
A função de Provedor de Justiça Europeu, por exemplo,
inscreve-se na categoria dos órgãos que visam aumentar o controle
democrático e a eficácia das decisões comunitárias tendentes a proteger
o cidadão europeu. Instituídas pelo Tratado de Maastricht, as competências
do provedor podem ser equiparadas às de um ombudsman ou ouvidor-
geral da União, recebendo queixas apresentadas por qualquer cidadão
ou pessoa jurídica com residência ou sede num Estado-membro,
contribuindo para identificar casos de má administração.

21 Crouch, Colin. After the Euro, op. cit., passim.

153
ANTÔNIO CARLOS LESSA

O Escritório Policial Europeu (Europol), por seu turno,


inclui-se entre os organismos que foram criados com o intento de
levar para a esfera comunitária a cooperação intergovernamental em
áreas típicas de competência nacional (no caso, a dos assuntos internos
e a judiciária). Estabelecido pelo Tratado de Maastricht, o Europol
tornou-se operacional em 1994 e, ainda assim, com atuação limitada à
luta contra o tráfico de entorpecentes. Entretanto, o seu mandato foi
ampliado em convenção ratificada por todos os Estados-membro, que
iniciou sua vigência em outubro de 1998 para a prevenção e o combate
ao terrorismo transnacional, ao crime organizado e ao tráfico de ilícitos
em geral. O escritório entrou em atividade plena em 1999.
Um vasto leque de agências especializadas, com objetivos
diversos, foi sendo criado partir dos anos 90, como resposta ao desejo
de independência geográfica e à necessidade de realizar tarefas de natureza
técnica, científica ou de gestão, e especialmente para descentralizar e
disseminar as atividades comunitárias e facilitar o diálogo entre os atores
sociais europeus, funcionando, na maior parte dos casos, com grande
articulação com uma ou mais redes de parceiros de todos os Estados-
membro. Organismos públicos com personalidade jurídica própria,
as agências são independentes das instituições comunitárias, mas são
total ou parcialmente financiadas pelo orçamento da União Européia.

154
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

155
ANTÔNIO CARLOS LESSA

156
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

5. Da economia ao cidadão: as políticas


públicas comunitárias

5.1. As competências e as políticas públicas comunitárias

Para alcançar os objetivos estabelecidos no preâmbulo do


Tratado da Comunidade Européia de
promover, mediante o estabelecimento de um mercado comum
e de uma união econômica, (…) o crescimento harmonioso e
equilibrado das atividades econômicas no conjunto da
Comunidade, sustentável e não-inflacionário, com respeito ao
meio ambiente, com um alto grau de convergência nos resultados
econômicos, um alto nível de emprego e proteção social, a
elevação do nível e da qualidade de vida, a coesão econômica e
social e a solidariedade entre os Estados-membro.1

e, finalmente, atingir o objetivo político de obter uma união política


mais próxima, adotou-se, ao longo do processo europeu de integração,
um conjunto de políticas sistêmicas, que articulam iniciativas e
competências comunitárias e nacionais para a realização de ações de
interesse comum ligadas ao aumento da competitividade econômica,
à equalização das condições sociais e, finalmente, a uma maior projeção
da visão que têm os europeus sobre as grandes questões da agenda
internacional contemporânea.
Pode-se entender melhor as políticas da União Européia se se
considerar que os seus custos para os Estados-membro no curto prazo
– especialmente a transferência de parcelas de soberania nacional para
uma instância comunitária, a perda de capacidade nacional de utilizar
alguns instrumentos importantes, implicando no enfraquecimento da
sua autonomia para o exercício de suas políticas nacionais – podem
trazer benefícios políticos e sociais que, no longo prazo, compensam
os poderes perdidos na sua implementação.

1 Artigo 3 do Tratado da Comunidade Econômica Européia.

157
ANTÔNIO CARLOS LESSA

O objetivo último das políticas comunitárias é criar as


condições que melhorem a estrutura competitiva da economia e que
permitam que o mecanismo de mercado proporcione soluções aos
problemas econômicos. Isso posto, o Tratado da Comunidade Européia
estabelece como políticas comunitárias um vasto conjunto de ações
que podem ser incluídas em quatro grandes grupos, de acordo com as
responsabilidades que englobam e os seus objetivos:2
1. as políticas orientadas para o estabelecimento do mercado
único, que incluem as liberdades de circulação de
mercadorias, pessoas, serviços e capitais, a união econômica
e monetária, apolítica de concorrência, a comercial comum
e a de proteção ao consumidor;
2. as políticas funcionais, que compreendem as políticas
sociais, cultural, de saúde, de desenvolvimento científico e
tecnológico, a cooperação em matérias de justiça e assuntos
internos, e as políticas tendentes a proporcionar maior
coesão interna;
3. as políticas setoriais, que correspondem à políticas agrícola
comum, à de pesca, à política industrial e à de transportes; e
4. as políticas externas, que são a própria Política Externa e
de Segurança Comum (Pesc), e a de cooperação para o
desenvolvimento

A seguir, serão apresentadas as características e os objetivos


principais dessas políticas.

5.2. Políticas voltadas para o estabelecimento


do mercado único
A principal razão que explica a transformação tão rápida e
dinâmica do perfil da Comunidade Européia a partir da década de
1980 é a decisão programática de completar o mercado único em 1992,

2 Utiliza-se aqui uma adaptação da tipologia proposta por Neill Nugent em The Government
and Politics ofthe European Union. op. cit.

158
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

aproximadamente. Após anos de programa lento, vários fatores


convenceram os governos nacionais de que um salto qualitativo mais
ambicioso era necessário, como a perpetuação, nos anos 80, dos
modestos índices de crescimento econômico que caracterizaram a
segunda metade da década de 1970, a perda de concorrentes diante de
mercados tradicionais (especialmente o Japão e os EUA) e, finalmente,
a sensação de que a perpetuação de mercados nacionais fragmentados
tinha efeitos negativos no desempenho econômico do conjunto
europeu.
É neste contexto que a Comissão, sob o impulso do seu
Presidente Jacques Delors, publicou, em 1985, um estudo sobre a
implementação do mercado interno. Neste documento foram
identificadas trezentas medidas legislativas necessárias à implementação
do mercado interno e propunha-se um calendário para a sua realização
até 31 de dezembro de 1992. Nesse livro propôs-se o estabelecimento
das condições nas quais as atividades de mercado – comprar e vender,
emprestar e tomar emprestado, produzir e consumir – poderiam ser
implementadas em bases comunitárias, esclarecendo que a remoção
das barreiras físicas, técnicas e fiscais que seccionavam e fragmentavam
o mercado, adotado em 1986 e que entrou em vigor em 1º de julho
de 1987, pelo qual se definia o mercado interno como um “espaço
sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das
pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de comunitário poderiam
levar à promoção da eficência econômica, do crescimento, do comércio
e do emprego. Essas medidas foram então consolidadas no Ato Único
Europeu acordo com as disposições do presente Tratado”, e se
estabeleciam os princípios pelos quais se regeria a sua realização.3
O primeiro desses eixos é o da garantia da livre circulação de
mercadorias, pessoas, serviços e capitais entre os Estados-membro, de
conformidade com o qual todas as barreiras ao comércio deveriam ser
desmanteladas e ser erigidas normas que garantissem a abolição de
discriminações de nacionalidade entre os trabalhadores, no que diz
respeito à sua remuneração e condições de trabalho e emprego (o que

3 Dinan, Desmond. Ever closer Union… op. cit., passim.

159
ANTÔNIO CARLOS LESSA

se deu por mútuo reconhecimento das qualificações profissionais e de


formação educacional e pela criação de facilitadores para o
estabelecimento de domicílio, educação e formação, acesso aos serviços
de saúde pública e a outras facilidades de bem-estar social). Em um
sentido amplo, a livre circulação de pessoas decorre das disposições
sobre a cidadania européia que asseguram a qualquer cidadão da União
o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-
membro. Nessa direção, o Tratado de Amsterdã marcou uma etapa
importante ao integrar o acervo da Convenção de Schengen no quadro
institucional da União Européia, prevendo a criação de um “espaço de
liberdade, de segurança e de justiça” sem o controle das pessoas nas
fronteiras internas da União, independentemente da sua nacionalidade.
Ainda no que toca à livre circulação de bens, serviços, capitais
e trabalhadores, enquanto a liberdade para a circulação de capitais
conhecia limitados progressos até o final da década de 1980, a
implementação do programa do mercado único levou, após algumas
derrogações e medidas nacionais de proteção, a uma liberalização mais
ou menos efetiva dos principais mercados de capitais a partir dos anos
90, ainda que os níveis de tributação e as regras bancárias não tivessem
sido objeto de normatização comunitária.
O segundo eixo se estabelece sobre “a aproximação das
legislações dos Estados-membro na medida do necessário para o
funcionamento do mercado comum” (artigo 3.º). Na realidade, essa
aproximação se fez necessária porque o desmantelamento das barreiras
não foi suficiente para garantir de fato a liberdade de circulação de
fatores, o que se tornou patente particularmente na circulação de
mercadorias, onde a existência de muitas barreiras não-terifárias e de
medidas não-quantitativas inibiam a competição.
Muitas dessas medidas tomavam a forma de regulamentos
nacionais que padronizavam de diferentes maneiras os produtos que
poderiam ser comercializados no mercado interno, impondo regras
sanitárias e de segurança, de testes e certificações que tornavam proibitiva
ou muito difícil o seu estabelecimento em escala comercial. Assim,
um novo processo de aproximação das normatizações foi aplicado,
com o respeito a três aspectos essenciais: (a) sempre que possível, a

160
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

legislação não deve procurar a harmonização, mas sim a aproximação


dos requisitos essenciais de padronização e de especificação, nas condições
sanitárias e de segurança, por exemplo; (b) uma vez que os requisitos
essenciais sejam atendidos, os governos nacionais deveriam reconhecer
mutuamente as suas especificações e padronizações; (c) as especificações
e padronizações nacionais seriam gradualmente substituídas por
especificações comunitárias e por padrões definidos por organizações
especializadas européias como o Comitê Europeu de Normalização, o
Comitê Europeu de Normalização Eletrotécnica e o Instituto Europeu
de Normas de Telecomunicações.
A política de concorrência é o terceiro eixo do mercado único,
assentando na definição de medidas que amparam a livre competição
entre os atores econômicos, e tem três aspectos principais. O primeiro
estabelece a proibição a quaisquer acordos de associação e para a
realização de práticas concertadas que possam afetar o comércio entre
os Estados-membro e que tenham por efeito prevenções, restrições ou
distorções da competição dentro do mercado comum. Ademais, passou-
se a coibir e a proibir as associações que levassem a distorções de mercado,
por exemplo, a consolidação de posições oligopolísticas ao lado da
proibição de subsídios e outros tipos de ajuda pública, direta ou
indireta, que causem a discriminação entre empresas européias de
diferentes origens e que levem a distorções na concorrência. Para
implementar essa política, a Comissão Européia tornou-se muito mais
ativa na investigação dos subsídios públicos outorgados pelos governos
nacionais e passou a acompanhar os acordos de fusão entre companhias
européias ou entre essas e companhias estrangeiras que levem a algum
tipo de distorção de mercado – por vezes chegando mesmo a proibir
esses movimentos.
O quarto eixo do mercado único é dado pela política comercial
comum e, especialmente, pela Tarifa Externa Comum (TEC), que
tem o propósito de estabelecer práticas justas de comércio entre os
diferentes Estados-membro e desses com outros países, erigindo em
torno do espaço econômico europeu barreiras comerciais comuns. A
eliminação dos direitos aduaneiros no comércio foi realizada entre os
Estados-membro a partir de 1º de julho de 1968 e a eliminação das

161
ANTÔNIO CARLOS LESSA

restrições quantitativas ao comércio intracomunitário foi realizada, em


31 de dezembro de 1969, à exceção de alguns produtos agrícolas para
os quais foram mantidas restrições até em 1974 – a partir de então,
nenhum membro da União obtém ganhos comerciais exportando para
outros produtos importados.
A dimensão externa, por seu turno, concretizou-se com a
adoção de uma pauta aduaneira comum aplicada às importações
provenientes de países terceiros. Em seguida, o esforço concentrou-se
na eliminação de todas as barreiras que ainda representavam um entrave
à livre circulação, designadamente os encargos e medidas de efeito
equivalente aos direitos aduaneiros e às restrições quantitativas. Os
termos das políticas comerciais dos Estados-membro são, ademais,
negociados no contexto de uma moldura comunitária, que ganha a
forma da Política Comercial Comum, pela qual são encaminhados os
pedidos de exceção, as investigações de práticas desleais e as medidas de
proteção comercial. Evidentemente, essa moldura legal não dirimiu
de modo absoluto os desacordos entre as partes mas, em seu conjunto,
funciona como um bom canal para a sua negociação com transparência
e permite o funcionamento de um mecanismo que se assemelha a um
virtual sistema comercial comunitário.4
O quinto e último eixo de funcionamento do mercado único
é o estabelecimento de uma política econômica única, pela qual os
governos nacionais construam consensos e convergências para a adoção
das suas estratégias de médio e longo prazos. Ainda que a cooperação
nesse sentido tenha sido prevista nos Tratados de Roma de 1957, pouco
foi efetivamente realizado até o final dos anos 80. A alta instabilidade
dos mercados conduziu a diversos e intensos momentos críticos na
cooperação macroeconômica intergovernamental, como sucedeu em
1968-1969, com a desvalorização do franco francês e a revalorização
do marco alemão, ameaçando a estabilidade das outras moedas e o
sistema de preços comuns instaurado no âmbito da política agrícola
comum. A decisão de se criar uma União Econômica e Monetária
(UEM), resultado do consenso obtido ao final da Reunião de Chefes

4 Hitiris, Theo & Vallés, José. op. cit., p. 69-81

162
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

de Estado e de Governo de Haia de 1969, em dez anos, tinha por


objetivo alcançar a liberalização total dos movimentos de capitais e a
fixação irrevogável das paridades cambiais e, até mesmo, a substituição
das moedas nacionais por uma moeda única.
Lançado em uma conjuntura econômica internacional
desfavorável, o projeto de realização da UEM foi logo abalroado pelo
colapso do sistema de Bretton Woods e pela decisão norte-americana
de permitir a flutuação do dólar em agosto de 1971, o que provocou
uma onda de instabilidade nos mercados cambiais que pôs em causa as
paridades entre as moedas européias, causando um atraso significativo
na consecução da união. Assim, as etapas previstas para a sua criação,
que passavam pelo estabelecimento de uma zona de estabilidade
monetária, mostraram ter resultados limitados, ainda que se tenha
obtido uma redução substantiva da variação das taxas de câmbio e
uma estabilidade duradoura das diferentes moedas nacionais, até que,
com a adoção do programa do mercado único em 1985, tornava-se
claro que a livre circulação de capitais, a estabilidade cambial e a existência
de políticas monetárias independentes não eram compatíveis no longo
prazo. Criava-se assim um consenso que indicava que o potencial do
mercado unificado não poderia ser totalmente explorado caso
sobrevivessem os elevados custos de transação que estavam associados
à conversão das moedas e às incertezas das suas flutuações.5
Para contornar essas limitações estruturais do mercado único,
o Conselho Europeu de Hannover, realizado em junho de 1988,
resolveu instituir um Comitê para o Estudo da União Econômica e
Monetária, presidido por Jacques Delors, então presidente da Comissão
Européia. No Relatório Delors propôs-se a consecução da UEM em
algumas fases: a liberalização completa dos movimentos de capitais, a
definição de regras para o financiamento dos déficits públicos – com
o estabelecimento da coordenação das políticas monetárias,
institucionalizada pela criação do Instituto Monetário Europeu – e,
finalmente, a unificação das políticas monetárias. Esse longo processo
conduziria à introdução da moeda única no final do século XX definida

5 Crouch, Colin. op. cit., p. 156-162.

163
ANTÔNIO CARLOS LESSA

como um objetivo do Tratado de Maastricht, que criou a União


Européia em 1992. As provisões de Maastricht e a sua aplicação
subseqüente são descritos no capítulo 3 e no tópico que descreve o
funcionamento do Banco Central Europeu deste capítulo, não sendo
necessário repetí-los – aqui importa ressaltar que o esquema previsto
no tratado efetivamente levou à criação da UEM, especialmente pelo
incremento da coordenação e convergência das políticas econômicas e
monetárias dos Estados-membro, permitindo a adoção do euro em
cujo contexto se adotou uma política monetária comum, gerenciada
pelo BCE e pelo Sistema Europeu de Bancos Centrais.
A introdução das cédulas e moedas do euro, junto com a
implementação de outras medidas, conformam verdadeiras políticas
comunitárias a favor da consolidação do mercado único, mas ainda se
verifica a existência de muitos problemas complexos que constituem
verdadeiros limites à sua realização. Persistem limites importantes
decorrentes das diferentes experiências históricas e culturais, que inserem
no processo uma dimensão intangível e difícil de ser regulada pelas
instâncias comunitárias – ainda que os regulamentos comunitários
impeçam discriminações de nacionalidade, em processos informais é
possível que se verifique a preferência discreta por produtos e empresas
nacionais ou locais, por exemplo. Vê-se também que existem resistências
nacionais na aplicação de aspectos específicos do mercado único,
invariavelmente baseadas em razões que se amparam no “interesse
nacional”, como acontece no reconhecimento de diplomas
universitários e nos controles veterinários e fitossanitários. A isso pode-
se somar a não-participação de três dos Estados-membro no
estabelecimento do euro (a Dinamarca, a Suécia e o Reino Unido) e o
seu não-envolvimento na política econômica comum que se constrói.6
Por outro lado, com 370 milhões de consumidores, o mercado
único europeu é o maior mercado do mundo, estimulando as trocas
intracomunitárias, reduzindo os custos das transações – que se dá pela
supressão das formalidades aduaneiras e pela redução dos preços
resultantes da concorrência acrescida, por exemplo – e, portanto,

6 Silguy, Yves-Thibault de. El Euro: historia de una idea. Barcelona: Planeta, 1998, p. 112-162.

164
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

levando ao aumento generalizado da produtividade econômica e


contribuindo para a prosperidade européia.

5.3. Políticas funcionais

A União Européia assumiu, ao longo dos anos, responsabilidades


em muitas áreas importantes nos Estados-membro, o que levou ao
estabelecimento de muitas políticas específicas, que poderiam ser
denominadas políticas funcionais, sendo as mais importantes delas as
sociais, a de cooperação em matérias de justiça e assuntos internos, de
coesão interna e de desenvolvimento científico e tecnológico.
Desde a década de 1970 está em funcionamento entre os
Estados-membro um conjunto de mecanismos estabelecido fora da
moldura dos tratados europeus que funcionou com o objetivo de
adensar a troca de informações e a cooperação sobre o controle e o
monitoramento do terrorismo, do tráfico de drogas e do crime
organizado. Conhecido como “Processo deTrevi”, esse conjunto de
procedimentos funcionou em bases semi-secretas articulando a
interlocução dos serviços de inteligência e policiais dos governos
nacionais, até que a constatação do vertiginoso fortalecimento do crime
e das ameaças dos ilícitos transnacionais levou à sua formalização e
fortalecimento no contexto das iniciativas instituídas pelo Tratado de
Maastricht. Assim, a partir de 1992, a cooperação em matéria de justiça
e de assuntos internos foi erigida à condição de “terceiro pilar” da União
Européia, compreendendo nove políticas setoriais – onde se incluem
uma política de asilo, de imigração, de vistos e para o combate ao
tráfico e ao consumo de entorpecentes – e novos arranjos institucionais
para promover a cooperação e a coordenação de ações entre os Estados-
membro. A grande esfera de competências dessa cooperação deu origem
a um grande número de medidas e resoluções que foram adotadas
sobre muitos assuntos afetos, entre os quais se destacam as regras comuns
para a admissão de nacionais de terceiros países com fins de fixação
para estudos e emprego em 1994, os procedimentos para a concessão
de asilo político em 1995, o estabelecimento de bases de dados comuns
nas fronteiras e nas aduanas, em 95, e para a extradição no ano de 97.

165
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Os progressos na área têm sido lentos, o que se deve antes de


tudo ao fato de que as políticas englobadas tratam de temas muito
delicados e para os quais as especificidades culturais nacionais firmaram
preceitos difíceis de serem relativizados – como acontece, por exemplo,
na troca de informações sensíveis, que fere interpretações nacionais
muito distintas acerca dos direitos individuais fundamentais e, no caso
do asilo político, em que existem tradições muito diferentes entre os
Estados-membro, sendo uns mais liberais do que outros na sua
concessão. É evidente que esses problemas se explicam pela natureza
dos assuntos tratados, desde sempre considerados na esfera íntima das
prerrogativas soberanas do Estado nacional, ao que se soma o fato de
que a sua complexidade envolve, para a definição e a implementação
de políticas comuns efetivas, a coordenação de um grande de agências
comunitárias e nacionais e a convergência de um número não menor
de leis e regulamentos nacionais do Direito Civil e Penal. Ademais,
por serem políticas “sensíveis”, o processo decisório para a sua definição
é extremamente lento, sendo de caráter intergovernamental e
requerendo unanimidade no Conselho da União Européia. Um aspecto
importante a ser ressaltado é que a flexibilidade das provisões
comunitárias associadas às políticas relacionadas, permitiu que alguns
dos Estados-membro não participassem em algumas delas.7
De todo modo, a cooperação nos assuntos internos e de justiça
tem sido objeto de grande atenção no processo europeu de integração.
Foi fortalecida no Tratado de Amsterdã, pelo qual muitas das políticas
características deixaram o nível intergovernamental de decisão e
passaram ao supranacional – sendo a partir de então assuntos tratados
pelas comunidades, como aconteceu com as políticas de imigração,
asilo e refugiados –, e os seus objetivos foram tornados ainda mais
claros. Além disso, outros mecanismos que funcionavam fora do
Tratado da União Européia, como o Espaço Schengen,8 foram

7 Nugent, Nigel. op. cit. p. 332-336.


8 O Acordo de Schengen permitiu aos Estados-membro a remoção completa dos controles
de fronteira. Do denominado Sistema Schengen não tomam parte o Reino Unido e a Irlanda.
A propósito, ver o capítulo 3.

166
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

incorporados à moldura comunitária. Com o objetivo precípuo de


criar uma verdadeira Europa sem fronteiras, as medidas organizadas
nesta cooperação inscrevem-se também para reforçar o mercado único,
enquanto removem os obstáculos à livre circulação, criando, de acordo
com a letra de Amsterdã, uma “área de liberdade, segurança e justiça”.
Um outro grande número de políticas comunitárias que
também depõe a favor da consolidação da União podem ser agrupadas
sob a denominação de políticas de coesão, como se entende as medidas
comunitárias voltadas para compensar os efeitos do mercado único e
para promover uma distribuição mais equânime do desenvolvimento
econômico. A sua importância tem crescido na dinâmica comunitária
desde a adesão de países menos desenvolvidos à Comunidade, refletindo
a percepção de que a promoção do desenvolvimento é necessária para
o aumento da coesão política, ainda que já existissem para compensar
com medidas específicas a má distribuição de riqueza em Estados-
membro que conheciam grandes desigualdades econômicas regionais
– como a Itália, por exemplo. Os principais instrumentos dessas políticas
são os fundos comunitários, sendo os mais dotados os destinados ao
provimento de infraestrutura econômica– nos quais situam-se o Fundo
Europeu para o Desenvolvimento Regional e o Fundo Social Europeu,
que compõem quase um terço do orçamento da União, e o Fundo
Europeu de Coesão, dedicado ao financiamento de infraestrutura e de
projetos ambientais na Espanha, na Irlanda, na Grécia e em Portugal.9
As denominadas políticas sociais da União Européia incluem
as iniciativas e programas supranacionais e as medidas nacionais
coordenadas pela cooperação intergovernamental adotadas para a
promoção dos direitos sociais, que englobam o trabalho e o emprego,
a saúde e a educação. É fato que essa dimensão recebeu atenção limitada
na perspectiva comunitária, mas esforços importantes têm sido feitos
na área pelo menos desde 1989, quando a Comissão Européia, crente
que os temas característicos deveriam receber um novo tratamento no
programa do estabelecimento do mercado único, produziu a Carta
Européia dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores, que continha

9 Hitiris, Theo & Vallés, José. op. cit., p. 239-255.

167
ANTÔNIO CARLOS LESSA

os princípios fundamentais que regeriam a ação comunitária sobre a


livre circulação de trabalhadores, o tratamento igualitário no acesso ao
emprego e aos serviços de proteção social, a remuneração justa, a
melhoria das condições de vida e de trabalho, a liberdade de associação
sindical, a proteção às crianças e adolescentes e a igualdade dos gêneros.
A Carta foi adotada por onze dos doze Estados-membro de
então (o voto contrário foi o do Reino Unido) no Conselho Europeu
de Estrasburgo de dezembro de 1989 e preparou as bases para uma
intensa atividade legislativa comunitária sobre os mais diversos temas
– todos com impactos óbvios sobre a qualidade de vida dos cidadãos-
trabalhadores europeus e com repercussões importantes sobre os custos
do trabalho. Ainda assim, daí por diante, várias diretivas comunitárias
foram editadas para dar provisões acerca das jornadas de trabalho semanal
e diária, dos dias de descanso, das férias remuneradas e das horas de
trabalho adicional noturno, por exemplo, em um ambicioso programa
de ação que contou com a firme oposição do governo de Londres, que
vetou a inclusão de temas da área social no tratado que veio de ser
negociado em Maastricht.
O fim das objeções inglesas à inclusão de um tratamento
comunitário aos temas sociais e, particularmente, à definição de uma
moldura jurídica apropriada nos tratados veio apenas com a ascensão
do governo trabalhista em Londres, quando foi possível negociar os
avanços sensíveis proporcionados pelo Tratado de Amsterdã, onde a
promoção do emprego passava a ser um dos objetivos comunitários,
tornado-se uma “questão de interesse comum”. Este novo objetivo
consiste em alcançar “um elevado nível de emprego” sem enfraquecer a
competitividade, para o que se criava uma nova competência
comunitária, que é complementar à dos Estados-membro e visa elaborar
uma “estratégia coordenada” para o trabalho, a saúde, a formação e a
segurança dos trabalhadores, a integração das pessoas excluídas do
mercado de trabalho, garantindo-se também a igualdade entre homens
e mulheres no que se refere a oportunidades de emprego. Ademais,
eram criadas condições para o estabelecimento de medidas contra a
exclusão social, para promover a segurança e proteção social dos
trabalhadores, e a organização do trabalho, além de garantir condições

168
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

mínimas de emprego aos nacionais de países terceiros que tenham


residência regular no território da Comunidade10.
O Tratado de Amsterdã também produziu mudanças
importantes em outros campos da ação social comunitária, recebendo
a saúde pública um tratamento inovador, que foi aprofundado em
diretrizes e regulamentos adicionais após os alertas eloqüentes dados
pela crise da “vaca louca”, passando a se verificar uma ação mais ativa
na luta contra o câncer, prevenção e controle da Aids, tratamento e
prevenção da tóxicodependência, segurança dos alimentos, entre outras.
A educação, por seu turno, foi objeto de atenção especial no
Tratado de Amsterdã, que deu origem a uma política de complementação
da ação dos governos nacionais e de ação efetiva na definição do
conteúdo do ensino e da organização do sistema educativo. Assim,
esforços e recursos orçamentários têm sido investidos no desenvolvimento
de políticas de formação profissional, na promoção do ensino das
línguas da União, no incentivo à inovação pedagógica e, em especial,
para reforçar o conteúdo tipicamente “europeu” da educação em todos
os níveis, o que é feito por meio de programas de promoção de
mobilidade (considerados essenciais para dar a conhecer a diversidade
cultural, linguística e social do espaço europeu). Aspectos importantes
da política de educação comunitária são, por um lado, a capacitação
profissional com vistas à melhoria da empregabilidade dos trabalhadores
europeus, e por outro, a criação de um quadro jurídico que permita o
exercício profissional em qualquer dos Estados-membro.
Nessa área, sempre muito polêmica, têm sido adotadas duas
abordagens que garantem o reconhecimento de diplomas e títulos: (a)
a abordagem setorial, definida em diretrizes gerais da Comunidade,
permite o reconhecimento automático dos diplomas por áreas de
formação,11 e a abordagem horizontal, que deu origem a um sistema
de reconhecimento dos diplomas de ensino superior com duração

10 Idem, p. 257-278.
11 Esse reconhecimento deve-se dar de acordo com um princípio que foi consagrado pelo
direito comunitário, segundo o qual o reconhecimento dos diplomas apenas pode ser aplicado
em proveito dos nacionais dos Estados-membro e dos diplomas por eles emitidos, não
beneficiando os cidadãos de países terceiros e os diplomas emitidos por esses Estados.

169
ANTÔNIO CARLOS LESSA

mínima de três anos, pelo qual se reconhece a formação do migrante


sempre que as atividades profissionais regulamentadas que deseja exercer
sejam as mesmas que exercia (ou estava habilitado a exercer) no Estado-
membro de origem e que não exista diferença substantiva entre a
formação requerida no Estado de acolhimento e aquela que o interessado
possui.
A energia é uma outra dimensão da ação comunitária que não
conheceu progressos importantes até o final dos anos 80. Curiosamente,
ainda que se tenha estabelecido uma integração pioneira no setor da
energia atômica, diferentes fatores contribuíram para a permanência
de uma perspectiva estritamente nacional nesse assunto, entre os quais
os mais importantes foram a existência de indústrias energéticas
predominantemente estatais, a grande diversidade de fontes energéticas
e de padrões de transmissão e geração existentes entre os Estados-
membro. A perspectiva da realização do mercado único, a partir de
1986, permitiu um rápido redimensionamento das preocupações
comunitárias na área, dando origem a uma política de energia que tem
o seu foco no desenvolvimento do mercado interno de energia, possível:
(a) o estabelecimento de normas e padrões para equipamento e produtos
e pela liberalização dos mercados; (b) a garantia de aprovisionamento,
tendo em conta que quase 50% da energia consumida na União tem
fontes externas e; (c) a implantação de programas de desenvolvimento
de fontes de energia alternativas, especialmente de fontes não-poluentes,
e de incentivos fiscais para o uso racional e a redução de impactos
ambientais.12
Outras políticas funcionais importantes, como a de meio
ambiente e de desenvolvimento científico e tecnológico, surgiram tarde
no processo europeu de integração, datando da edição do Ato Único
Europeu, em 1986, as primeiras inserções significativas como emendas
na forma de títulos ou seções dos tratados constitutivos – mas apesar
disso, não é correto afirmar que ambos os setores não tenham sido
objeto de ações comunitárias específicas a partir dos anos 70. Na área
científico-tecnológica, por exemplo, percepção de que os Estados-

12 Dinan, Desmond. Encyclopedia ofthe European Union. op. cit., p. 196-199.

170
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

membro não estavam respondendo de modo adequado aos desafios


crescentes da competição internacional nos setores de alta tecnologia,
deu origem a ações concertadas para o desenvolvimento e o
financiamento de atividades de pesquisa,13 o que com o tempo,
transformou-se em uma política de fomento científico de dimensões
extremamente importantes.
Na área do meio ambiente, por seu turno, ações vêm sendo
empreendidas de modo concertado desde o início da década de 1970,
quando surgiram as primeiras diretrizes comunitárias sobre o assunto,
e também nos mais diversos temas, – água, poluição do ar, tratamento
de resíduos industriais, proteção dos recursos naturais, etc. – muitas
delas tidas como ações auxiliares de outras políticas comunitárias. De
todo modo, os primeiros programas de ação na área foram lançados
em 73, e a sua repetição deu origem a um conjunto de princípios que
foram introduzidos no Tratados da Comunidade, segundo o qual as
políticas e atividades comunitárias deverão ser definidas e
implementadas tendo em vista o desenvolvimento sustentável, ao que
se soma a ação preventiva para evitar prejuízos ambientais que, se
realizados, deverão ser corrigidos pelo agente causador.14

5.4. Políticas setoriais – o caso da Política Agrícola


Comum (PAC)

Algumas das políticas comunitárias foram concebidas de molde


a atender determinados setores econômicos e, entre essas, algumas são
tão tradicionais que estavam mesmo previstas no Tratado de Roma,
como a agricultura, carvão e aço e transportes.
A Política Agrícola Comum (PAC) é a mais complexa das
políticas comunitárias, na qual se observa a maior transferência de
competências nacionais para as instâncias supranacionais. A imponente

13 As atividades do desenvolvimento científico e tecnológico estão concentradas em institutos


de pesquisa mantidos pela comunidade, ou são realizadas por meio do financiamento de
projetos de pesquisa em universidades e empresas, ou ainda pela criação de redes de
pesquisadores.
14 Hitiris, Theo & Vallés, José. op. cit., p. 323-332.

171
ANTÔNIO CARLOS LESSA

máquina de produzir subsídios que é a PAC absorve a maior parte do


orçamento da União e deu origem ao maior conjunto de diretrizes e
regulamentos e é, em grande parte, uma das principais responsáveis
pelos conflitos entre os Estados-membro e das comunidades com
terceiros países. Confundida por grande parte dos cidadãos europeus
como um dos objetivos últimos do processo europeu de integração, o
lugar ocupado pela PAC no processo decisório e nas grandes questões
comunitárias é francamente desproporcional às dimensões ocupadas
pela agricultura na economia européia, tendo em conta que corresponde
a apenas 2,5% do PIB e por 5,5% dos empregos.15 Se assim é, por
que essa política tem tanta importância na construção da Europa?
O debate acerca da PAC se centra na questão da eficiência da
abordagem de uma grande área de competência da Comunidade
Européia, tendo em conta que, de acordo com os seus defensores, os
mecanismos de apoio produzidos pela regulamentação comunitária
são mais satisfatórios, em todos os seus aspectos, do que as eventuais
soluções nacionais que teriam que ser buscadas na sua ausência – uma
vez que é certo que a importância cultural que a agricultura assume
(ligada não apenas à questão da proteção das tradições de produção,
mas também à questão da segurança alimentar e ao controle das pressões
sociais decorrentes da falta de apoio à propriedade rural) forçaria a
busca, de todo modo, de mecanismos de promoção e de proteção. Se
assim é, tanto melhor, portanto, se esses mecanismos forem comunitários,
porque ganha-se um peso e uma projeção imponentes que tornam a
PAC não propriamente inatacável frente a terceiros países, mas
certamente uma realidade difícil de ser relativizada. Desse modo, ao
poderoso lobby dos agricultores, que não tem praticamente oponentes
organizados com força nem remotamente semelhante para
contrabalançar a influência que exercem nos níveis nacionais e no
comunitário, juntaram-se historicamente os governos nacionais, que
acordaram os princípios do funcionamento da PAC, em vigor desde
os anos 6016. São eles:

15 Nugent, Nigel. op. cit., 428.


16 Grant, W. The Common Agricultural Policy. Basingstoke: Macmillan, 1997, p. 121-145,

172
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

(a) um mercado interno único com preços comuns, pelo qual


se supõe que os produtos agrícolas têm fluxo livre no espaço
comunitário, não se beneficiando de subsídios estabelecidos
em nível nacional que possam produzir distorções ou
limitar a competição. Entretanto, uma política de preços
mínimos estabelecida pela Comunidade faz com que esse
mercado não se regule propriamente pelos princípios
básicos da oferta e da demanda;
(b) a preferência comunitária é uma decorrência óbvia do
sistema de preços mínimos, que torna a produção européia,
em média (e quase sempre), mais cara e, portanto, menos
competitiva do que o mercado internacional. Assim, o
princípio garante a proteção do mercado, com severas
limitações tarifárias e quantitativas para a importação de
produtos que podem ser produzidos internamente.
Ademais, a preferência comunitária deu origem a um sistema
estendido para cerca de 120 países em desenvolvimento –
por exemplo, sob o efeito da Convenção de Lomé, as
exportações de cerca de setenta países (territórios ultramarinos
e ex-colônias européias) têm livre acesso ao mercado
europeu, em condições extremamente favoráveis. É fato,
entretanto, que a extensão dessas preferências não tem
impacto negativo para os produtores europeus, uma vez
que esses produtos são, em sua grande maioria, de natureza
tropical, mas por outro lado, produziu um permanente
foco de tensão da Comunidade com outros países que
exportam esses produtos e que não se beneficiam do sistema;
(c) o financiamento conjunto, por seu turno, insere a respon
sabilidade financeira comum, pela qual todas as despesas
decorrentes da implementação da PAC são cobertas pelo
orçamento comunitário e, portanto, rateadas pelos Estados-
membro. Por outro lado, as receitas advindas da tributação
das importações são destinadas a custear o Fundo Europeu
de Equipamento e Garantia da Agricultura, pelo qual se
implementa a modernização agrícola e o sistema de preços.

173
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Os impactos da controversa PAC correspondem, grosso modo,


às expectativas anunciadas ainda pelo Tratado de Roma, uma vez que,
de fato, se verifica o incremento sustentado da eficiência agrícola, sendo
este o principal resultado dos esforços de modernização e racionalização
levados adiante pelos mecanismos de fomento. Ademais, a renda do
setor agrícola cresceu ao longo dos anos, em paralelo com a renda de
outros setores, sendo possível que em alguns países a renda média da
agricultura seja até maior, ao que se soma a estabilização dos preços –
que permitiu que a Comunidade escapasse das flutuações internacionais
de preços que infligiram o mercado mundial em alguns produtos
estratégicos. Por outro lado, a oferta de produtos agrícolas, que cresceu
substantivamente ao ponto de tornar a Europa quase auto-suficiente,
nem sempre levou à necessária diminuição de preços ao consumidor
final, tendo em vista que os mecanismos de proteção que excluem a
produção extra-comunitária da mesa dos europeus e o sistema de preços
comunitário beneficia, em geral, mais aos agricultores do que aos
consumidores.

5.5. Políticas externas

A União Européia há muito deixou de ser um complexo


processo econômico para assumir, ao longo do processo de integração,
a identidade de um ator político igualmente complexo, que exerce
papéis extremamente importantes na cena internacional, o que se deve
tanto à sua enorme capacidade de manejar recursos financeiros em prol
das suas próprias políticas comunitárias – muitas das quais com óbvias
externalidades –, quanto ao fato de que cresceu rapidamente a sua
capacidade de agir coordenadamente em grande número de questões
das relações internacionais contemporâneas. A observação das realidades
política e institucional comunitárias indica não que existe uma única
política externa comunitária, mas múltiplas políticas que depõem,
articuladamente, para a composição dos fatores de atuação internacional
do processo europeu de integração, como a sua evidente política de
comércio exterior, a cooperação para o desenvolvimento, as dimensões

174
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

externas das demais políticas comunitárias e, finalmente, a própria


Política Externa e de Segurança Comum.17
O fato de ter surgido como um processo de integração
comercial produz a mais óbvia das políticas externas da União Européia,
que é a existência autodemonstrável de uma política de comércio exterior
comum, que alinha a vontade e a capacidade de contratação individual
de cada um dos Estados-membro, que se inserem como uma frente
única no comércio internacional. Os componentes dessa política (a
política comercial comum e a sua tarifa externa comum), todos
imbricados na criação do mercado interno único, levam os Estados-
membro a atuarem como um corpo unitário nas rodadas de negociações
comerciais internacionais, como as promovidas pela Organização
Mundial de Comércio (OMC) e as de acordos de comércio com
terceiros países e outros grupamentos regionais [como com a Associação
Européia de Livre Comércio (Efta), a Associação dos Países do Sudeste
Asiático (Asean) e o Mercosul] e os acordos de associação com possíveis
candidatos a adesão. Nesses processos, o grande peso da União Européia
no comércio internacional é um fator de pressão na modulação dos
regimes de comércio, e também um atrativo fundamental na afirmação
de parcerias – afinal, os 370 milhões de consumidores, que dividem
26% da renda mundial e são a melhor expressão dos quase 20% a que
corresponde a participação européia no comércio internacional,
habilitam a União como a maior potência econômica do mundo.18
Uma outra face da atuação externa da União Européia é
constituída pelas dimensões externas das diferentes políticas
comunitárias, como acontece nas políticas de transportes, energia e
ambiental, por exemplo. A implementação de muitas dessas
competências comunitárias exige a negociação de acordos sobre
múltiplos temas, desde as fontes supridoras de energia, poluição do ar
e da água, proteção da camada de ozônio, até as redes de transportes
terrestres, navegação marítima, e transportes aéreos. Ainda que a União
não tenha, de acordo com a letra dos tratados, poderes explícitos para

17 Nugent, Nigel. op. cit., 446-449.


18 Buchan, David. Europe : the strange superpower. Brookfield : Dartmouth, 1993, p. 43-54.

175
ANTÔNIO CARLOS LESSA

atuar como representante dos Estados-membro em muitos desses


assuntos, firmou-se ao longo dos anos a interpretação de que se a
Comunidade tem poderes para legislar e regular sobre temas específicos
incluídos nas políticas internas, neles está implícito o mandato para
negociar acordos internacionais nessas áreas. Em alguns casos, a
Comunidade Européia atua como única representante dos Estados-
membro, tal como acontece na política comercial, mas em alguns
outros casos persiste o problema do paralelismo de iniciativas divididas
entre a Comunidade Européia e os Estados-membro, como acontece
na negociações dos protocolos e regimes internacionais na área
ambiental. Um outro aspecto importante dessas “externalidades” das
políticas comunitárias situa-se no próprio papel de proeminência que
o euro assumiu desde o seu lançamento no sistema monetário mundial,
que é de se esperar que cresça em importância como moeda internacional
de reserva à medida em que se consolide a sua estabilidade face ao
dólar norte-americano.
A União Européia é um complexo ativamente engajado na
promoção do desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo, sendo
o seu principal parceiro em termos de volumes financeiros investidos,
que corresponde a pouco mais da metade de toda a ajuda oficial prestada
para esse fim.19 De acordo com Tratado da Comunidade, o objetivo
da política de desenvolvimento é fomentar um “desenvolvimento
sustentável que contribua para a erradicação da pobreza nos países em
vias de desenvolvimento e para a sua integração na economia mundial”.
Esses objetivos são secundados pela intenção de que essa intervenção
econômica e social atue para a consolidação da democracia e do Estado
de direito nesses países. As motivações dessa atuação tão decidida são
de ordem econômica (os países beneficiários são bons clientes
comerciais, correspondendo a cerca de 30% das exportações, enquanto
a própria Comunidade é dependente de muitos produtos primários e
estratégicos importados diretamente desses países) e histórica, uma vez

19 Além disso, a União Européia é responsável por cerca de 50% da ajuda humanitária
mundial, por um terço da ajuda mundial ao Médio Oriente (50% para os territórios
palestinos), cerca de 60% da ajuda prestada às antigas Repúblicas Soviéticas e por quase
40% dos montantes investidos no esforço de reconstrução da ex-Iugoslávia.

176
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

que o passado colonialista de alguns dos Estados-membro enceta uma


responsabilidade com a estabilidade dos vínculos políticos e econômicos
do presente, na perspectiva de que existem também interesses estratégicos
de vulto para algumas dessas antigas potências – particularmente França
e Reino Unido – em algumas regiões do Terceiro Mundo.
A cooperação para o desenvolvimento levada a cabo pela
Comunidade é tão antiga quanto o próprio processo europeu de
integração, estando prevista no Tratado de Roma de 1957, que estabelecia
a associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade
Européia. Essa cooperação, que se processou no contexto de acordos
específicos de associação, foi inserida nos anos seguintes – à medida
em que a maior parte das colônias européias se transformava em países
independentes – na moldura das sucessivas Convenções de Iaundé (1963
e 1969). A revisão desses vínculos de associação se deu a partir da adesão
do Reino Unido à Comunidade, quando foi necessário reconsiderar a
natureza das políticas de cooperação, pressionadas pelo aumento
dramático do número de ex-colônias que se beneficiariam da ajuda
comunitária e do acesso privilegiado ao mercado europeu. Assim, a
assinatura da primeira convenção de Lomé, em 1975, deu início à
construção de estruturas e mecanismos de cooperação que, ao longo
dos anos, adquiriram permanência nas preocupações internacionais da
Comunidade.20 A última das convenções de Lomé (dita Lomé IV),
foi assinada em 15 de dezembro de 1989 e estabelecia um programa
de ação para um período de dez anos, abrangendo no total 71 países da
África, Caribe e do Pacífico (denominados países ACP), e o fim da sua
programação motivou nova revisão de princípios, que foram
incorporados no Acordo de Cotonou, cuja negociação concluiu-se em
2000, com o objetivo de criar um novo quadro para a cooperação,
adaptado à nova conjuntura internacional pós-Guerra Fria. O Acordo
firmado em Cotonou é uma inovação no sistema de convenções da
Comunidade, uma vez que insere uma nova abordagem à cooperação,
reforçando a dimensão política, mas exigindo também mais
responsabilidades dos beneficiários.

20 Nugent, Nigel. op. cit., p. 462-465.

177
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Os ACP são o círculo mais imediato e importante da política


de cooperação da União Européia, mas esforços importantes foram
realizados ao longo da década de 1990 para aproximar os antigos países
socialistas da Europa centro-oriental – tão bem sucedidos, em sua
maioria, que ao final de 2002 foi anunciada a programação da adesão
de boa parte deles à União Européia. Ademais, desde os meados dos
anos 70 são empreendidas iniciativas voltadas para o reforço da
cooperação com o Magrebe (Marrocos, Argélia e Tunísia) e o Machrek
(Líbano, Egito, Jordânia, Síria e Territórios Autônomos da Palestina),
quando também teve início a cooperação técnica com alguns países da
Ásia e da América Latina.21
Existem grandes dificuldades para o estabelecimento de uma
política externa e de segurança comum, que pode ser considerada a
quarta política externa da União Européia. Com efeito, a construção
européia evoluiu de uma área de livre comércio para um sofisticado
empreendimento supranacional, mas neste processo não ganhou os
atributos típicos de um Estado-nacional que justificam uma política
externa– por exemplo, não existe um território a proteger ou interesses
políticos, econômicos e culturais a promover em uma ação internacional
que se ampare em valores e tradições que têm raízes em experiências
históricas singulares. Nesse sentido, a União permanece como uma
entidade justaposta às realidades fundamentais dos Estados-membro
que a compõem – esses sim, dotados de territórios, interesses e histórias
que nem sempre convergiram na evolução das relações internacionais e
que, por isso, podem relutar a perder o controle sobre uma área tão
estritamente associada à soberania, identidade e ao poder de influência
nacionais. Um outro obstáculo é dado pelas diferentes prioridades que
têm os Estados-membro, que construíram ao longo da sua história
relacionamentos especiais e parcerias privilegiadas, e pelas distintas
orientações acerca de temas importantes da agenda internacional
contemporânea.

21Os acordos de cooperação com a Índia, Brasil e China foram assinados em 1981, 1982 e
1985, respectivamente.

178
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Esses problemas não impediram, entretanto, que os Estados-


membro buscassem convergências sobre a política internacional ao
longo do processo de integração europeu, como ocorreu com o
lançamento do mecanismo da Cooperação Política Européia, de
natureza intergovernamental e em funcionamento a partir de outubro
de 1970, formalizado como instância de cooperação pelo Ato Único
Europeu de 86. A expressão “política externa comum”, entretanto, foi
inscrita pela primeira vez em um tratado europeu apenas em 1992,
quando decidiu-se em Maastricht pela criação da União Européia, que
seria um empreendimento de natureza econômica e política, para o
qual faltaria uma ação internacional autônoma das orientações dos
diferentes Estados-membro, contituindo um “segundo pilar” da União,
de natureza essencialmente intergovernamental e em complementação
às Comunidades (primeiro pilar) e à cooperação em assuntos internos
(terceiro pilar). Respondiam, então, os Estados-membro aos novos
desafios da ordem internacional que se construía com o fim da Guerra
Fria, o desmantelamento do império soviético e a reunificação da
Alemanha e com o afastamento das ameaças tradicionais à segurança
regional, que constituíram, ao longo de quase meio século, os diktats
da ação internacional e das leituras de defesa de boa parte dos países da
Europa Ocidental.22
As disposições dessa “política externa e de segurança comum”
inserida sem delineamentos no Tratado da União Européia, foram então
revistas e precisadas pelo Tratado de Amsterdã, que entrou em vigor
em 1999 e depois mais uma vez ajustadas pelo Tratado de Nice, de
2001, que criou estruturas políticas e militares permanentes destinadas
a garantir o controle político e a direção estratégica de crises. Os
elementos fundamentais da Pesc são o estabelecimento da cooperação
sistemática entre os Estados-membro sobre qualquer tema de política
externa e de segurança que seja de interesse comum e, quando necessário,
o acionamento de um mecanismo que prevê a construção de consenso
no âmbito do Conselho da União Européia para, com unanimidade,

22 Buchan, David. op. cit., 9-16.

179
ANTÔNIO CARLOS LESSA

definirem-se posições comuns que devem ser seguidas por todos os


Estados-membro ou que podem, sob orientação do Conselho Europeu,
ser objeto de uma ação conjunta.23
O Tratado de Maastricht dota a União de uma política de
segurança comum que integra o conjunto das questões relativas à sua
segurança, incluindo a definição progressiva de uma política de defesa
comum, que poderá, no futuro, conduzir a uma defesa única. Essa
perspectiva gradualista resguarda, em capítulo tão sensível da soberania
nacional, os valores fundamentais que têm orientado a ação dos Estados-
membro desde o final da Segunda Guerra Mundial e, nesse sentido,
garante-se que os antigos compromissos internacionais e vínculos
estratégicos dos Estados-membro, bem como o caráter das suas
respectivas políticas de defesa, como por exemplo, a pertinência ao
círculo de membros da Otan, permanecem inalterados.24
A idéia de uma ação futura, entretanto, não induz à inação ou
à espera paciente de que os fatos se atropelem na mesa do Conselho
Europeu e do Conselho de Ministros para que ações na área sejam
empreendidas e, por isso, definiu-se desde a Reunião de Cúpula de
Colônia, em junho de 1999, que as missões de prevenção e gestão de
crises deveriam ser o centro da ação no âmbito da Pesc. Conhecidas
como Missões de Petersberg (em referência à cidade em que se realizou
a reunião do Conselho da União da Europa Ocidental que as definiu),
as missões humanitárias e de imposição e manutenção de paz situam-
se no centro da capacidade de ação autônoma da União Européia na
área de segurança e de defesa, sem prejuízo de outras iniciativas que
possam vir a ser empreendidas com a Otan ou por outros meios.

23 Ginsberg,Roy H. The European Union in International Politics: Baptism byFire. Lanham.:


Rowman & Littlefield, 2001, p. 98-101.
24 Smith, Karen E. The making of European Union Foreign Policy: the case ofEastern Europe.
Basingstoke: MacMillan, 1998, p. 65-67.

180
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Conclusão

O processo de integração europeu é a causa de muitas e


importantes transformações nas estruturas política e econômica da
Europa Ocidental contemporânea. Antes de mais nada, foi graças a ele
que o continente conheceu uma longa fase de prosperidade econômica,
com a modernização das estruturas produtivas e a melhora substancial
dos padrões de vida das populações européias. Nesse sentido, não há
dúvidas de que foi cumprida, plenamente, a intenção original dos
tratados de criação da comunidade européia.
Na história da construção da Europa há lições importantes,
que devem ser retidas:

1. Ainda que o processo tenha, por vezes, perdido força e


passado por fases longas de pessimismo e mesmo de
estagnação, nunca retrocedeu. Porque lida com as resistentes
estruturas do Estado-nacional e busca relativizá-las, o
processo é, necessariamente, moroso.
2. Os povos e governos dos Estados que se aventuram em
um empreendimento dessa natureza devem estar
conscientes de que, no longo prazo, os ganhos advindos
da integração, nas mais diversas áreas, compensam em
muito a perda de parcelas importantes de soberania
nacional.
3. Estabeleceu-se um sistema de governança singular, que busca
o equilíbrio de poderes e competências entre o Estado-
nacional e as estruturas supranacionais.
4. O processo exigiu reformas institucionais permanentes, que
redimensionaram as competências das organizações
comunitárias, e a sua articulação com as competências que
restaram aos Estados-membro, o que se deu ao lado do
aumento das áreas de intervenção comuns.
5. O processo apresenta, desde as suas origens, um grave
problema de déficit democrático, que não foi solucionado,

181
ANTÔNIO CARLOS LESSA

como se imaginava, pelas eleições, por sufrágio universal,


para o Parlamento Europeu. Além disso, o intrincado
processo decisório e a concentração de poderes nas instâncias
de natureza intergovernamental reforçam o problema da
falta de transparência e legitimidade.
6. A solução encontrada para a composição de um conjunto
harmonioso, tanto no que toca às condições econômicas
quanto às sociais e políticas – como, por exemplo, o requisito
democrático – que é o desenvolvimento de políticas de
coesão, esbarra no aumento espressivo no número de novas
adesões, como as que se processarão em 2004 e dali por
diante. Com efeito, os custos da adesão tornam-se a cada
processo de alargamento mais elevados, tendo como efeito
uma diminuição gradual do volume de recursos investidos.
7. O processo motivou uma espécie de redefinição das fronteiras
existentes desde o início do século XX, havendo chegado
ao século XXI com o encargo de pôr fim à mais antiga das
cisões existentes na Europa, que é a da fronteira cultural
entre a banda ocidental e a centro-oriental. Permanecem,
entretanto, o problema fundamental da heterogeneidade
do conjunto já constituído e a ser completado pela adesão
dos candidatos do leste, e o da possibilidade da adesão da
Turquia: seria o processo europeu de integração um clube
de democracias cristãs ou estaria de fato rumando para a
construção de uma Europa sem fronteiras, até mesmo
culturais e religiosas?
A Europa dos Quinze que chega à abertura do novo
milênio não se assemelha, em quase nada, ao continente
destruído e dividido, cujos povos desejaram, em meio às
ruínas ainda fumegantes deixadas pela Segunda Guerra
Mundial, um remédio contra a repetição da guerra. Com
efeito, A União Européia não é apenas a maior e a mais
dinâmica economia do mundo, mas também uma das mais
competitivas, e começa a assumir responsabilidades nunca
antes imaginadas na criação de convergências e consensos

182
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

para uma ação internacional cada vez mais afirmativa.


Tomando-se por base a imponência da construção em que a
União Européia se tornou, não há dúvidas de que os europeus
conseguiram, ao menos na dimensão do seu continente,
realizar a última utopia das relações internacionais.

183
ANTÔNIO CARLOS LESSA

184
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Bibliografia

Arbuthnott, Hugh & Edwards, Geoffrey. Guia do Mercado Comum.


Rio de Janeiro: Edições 70, 1990.

Aron, Raymond. República imperial: os EUA no mundo do pós-guerra.


Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

Barréa, Jean. L’utopie ou la guerre. D’Erasme à la crise des euromissiles.


Bruxelles: Artel/Ciaco, 1985.

Berstein, Serge & Rioux, Jean-Pierre. La France de l´expansion: l´apogée


Pompidou (1969-1974). Paris: Seuil, 1995.

Berstein, Serge. La France de l´Expansion: la République Gaullienne


(1958-1969). Paris: Seuil, 1989.

Buchan, David. Europe : the strange superpower. Brookfield : Dartmouth,


1993.

Colard, Daniel. Les relations internationales de 1945 à nos jours. Paris:


Masson, 1991.

Corbett, R. The European Parliament´s Role in Closer EU Integration.


Basingstoke: Macmillan, 1998.

Crouch, Colin. After the Euro: shaping institutions for governance in


the wake of European monetary union. Oxford: Oxford University
Press, 2000.

Dalloz, Jacques. La France et le monde depuis 1945. Paris: A. Colin,


1993.

D´Arcy, François. União Européia : Instituições, Políticas e Desafios. Rio


de Janeiro : Fundação Konrad Adenauer, 2002.

185
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Debré, Michel. Le gaullisme. Paris: Plon, 1978.

Dinan, Desmond. Ever closer Union: an introduction toEuropean Union.


Boulder: Lynne Rienner, 1999.

Dinan, Desmond. Encyclopedia ofthe European Union. Boulder, Co. :


Lynne Rienner, 1998.

Edwards, G. & Spence, D. The European Commission. London :


Longman, 1997.

Fourastié, Jean. Les trente glorieuses, ou la révolution invisible (de 1946


à 1975). Paris: Fayard, 1979.

franck, Robert. La Hantise du déclin: la France, 1920-1960 (finances,


défense et identité nationale). Paris: Belin, 1994.

Gaulle, Charles de. Mémoires de Guerre (Tome 1 - L´Appel). Paris:


Plon, 1970.

Ginsberg, Roy H. The European Union in International Politics: Baptism


by Fire. Lanham: Rowman & Littlefield, 2001.

Girault, René; Franck, Robert & Thobie, Jacques. La loi des géants
(1941 - 1964). Paris: Masson, 1993.

Grant,W. The CommonAgriculturalPolicy. Basingstoke: Macmillan, 1997.

Hayes-Renshaw, F. & Wallace, H. The Council ofMinisters. Basingstoke:


Macmillan, 1997.

Henderson, Karen. Back to Europe: Central and Eastern Europe and


the European Union. London: UCL Press, 1999.

Hitchcock, William I. France Restored: Cold War Diplomacy and the


Questfor Leadership in Europe, 1944-1954. Chapel Hill: University
ofNorth Carolina Press, 1998.

186
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Hitiris, Theo & Vallés, José. Economia de la Unión Europea. Madrid:


Prentice Hall, 1999.

Hobsbawn, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914 - 1991).


São Paulo: Cia. das Letras.

Hoffman, Stanley. Decline or renewal? France since the 1930´s. New


York: Viking, 1974.

Kennedy, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro:


Campus, 1988.

Kennedy, T. LearningEuropean Law. London: Sweet & Maxwell, 1998.

Kotlowski, DeanJ. (ed.). The European Union: From Jean Monnet to


the Euro. Introduction. Athens: Ohio University Press, 2000.

Lundestad, Geir. “Empire” by Integration: The United States and


European Integration, 1945-1997. New York-Oxford: Oxford
University Press, 1998.

Lyons, Francis Stewart Leland. Internationalism inEurope, 1815-1914.


Leyden: A.W. Sijthoff, 1963.

Merle, Marcel. Internationalisme et pacifism, XVIIe-XXe siècles. Paris:


A. Colin, 1966.

Moravcsik, Andrew. The Choice for Europe: Social Purpose and State
Power from Messina to Maastricht. Cornell Studies in Political Economy.
Ithaca: Cornell University Press, 1998.

Nugent, Nigel. The government and politics of the European Union.


London: Macmillan Press, 1999.

Pfetsch, Frank R. A União Européia: história, instituições, processos.


Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2002.

187
ANTÔNIO CARLOS LESSA

Rioux, Jean-Pierre. La France et la Quatrième République: l´expansion


et l´impuissance (1952-1958). Paris: Éditions du Seuil, 1983.

Saraiva, José Flávio Sombra (org.). Relações Internacionais : dois séculos


de história (entre a ordem bipolar e o policentrismo, de 1947 a nossos
dias). Brasília : IBRI/Funag, 2001.

Senarclens, Pierre de. La politique internationale. Paris: Armand Colin,


1992.

Silguy, Yves-Thibault de. El Euro: historia de una idea. Barcelona:


Planeta, 1998.

Smith, Karen E. The making of European Union Foreign Policy: the


case ofEastern Europe. Basingstoke: MacMillan, 1998.

Urwin, Derek W. The Community of Europe: A History of European


Integration Since 1945. London-New York: Longman, 1995.

Vaisse, Maurice. La Grandeur: politique étrangère du général de Gaulle


(1958-1969). Paris: Fayard, 1998.

Vaïsse, Maurice. Les relations internationales depuis 1945. Paris: Armand


Colin, 1991.

Zorgbibe, Charles. Histoire de la Construction Européenne. Paris: Presses


Universitaires de France, 1993.

Zorgbibe, Charles. Histoire des Relations Internationales, 1945-1962:


du système de Yalta aux missiles de Cuba - la paix manquée et la division
du monde (Tome III). Paris: Hachette, 1995.

188
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Fontes de informação sobre a União Européia

A construção européia é um dos processos mais dinâmicos


das relações internacionais contemporâneas e, justamente por isso, pode
se tornar dificil acompanhar o funcionamento das instituições e as
atividades relacionadas à implementação das políticas comunitárias.
Existe, entretanto, um bom número de referências na internet que
podem ser de grande utilidade aos que pretendem aprofundar os seus
estudos sobre a União Européia:

Portal Europa do Projeto RelNet – Site Brasileiro de Referência em


Relações Internacinais – RelNet é a maior base de dados disponível em
português sobre relações internacionais. O portal “União Européia”
divulga notícias e informações atualizadas sobre a integração européia.
http://www.relnet.com.br

Social Science Information Gateway – O portal SOSIG é uma das


maiores referências sobre temas de ciências sociais disponíveis na internet
e a sua base de dados de sítios sobre a integração européia é a mais
completa e atualizada.
http://www.sosig.ac.uk

Sítio oficial da União Européia –O sítio da União é permanentemente


atualizado e entre os seus destaques estão as notas divulgadas após os
Conselhos Europeus e os textos oficiais dos tratados.
http://www.europa.eu.int

Jean Monnet Center da Escola de Direito da Universidade de Nova


Iorque –Este sítio traz os índices de mais de uma centena de periódicos
especializados sobre a integração Européia.
http://www.jeanmonnetprogram.org

UE Observer – O sítio divulga notícias sobre a União Européia em


formato de revista digital e inclui sessões sobre direito comunitário,
“alargamento” e defesa.
http://euobserver.com

189
ANTÔNIO CARLOS LESSA

190
A CONSTRUÇÃO DA EUROPA: A ÚLTIMA UTOPIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Siglas

Asean Associação das Nações do Sudeste Asiático


BCE Banco Central Europeu
BEI Banco Europeu de Investimentos
Ceca Comunidade Européia do Carvão e do Aço
CED Comunidade Européia de Defesa
CEE Comunidade Econômica Européia
CES Comitê Econômico e Social Europeu
Coreper Comitê de Representantes Permanentes
CPE Comunidade Política Européia
CR Comitê das Regiões
Efta Associação Européia de Livre Comércio
Euratom Comunidade Européia de Energia Atômica
IME Instituto Monetário Europeu
MCE Mercado Comum Europeu
Mercosul Mercado Comum do Sul
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico
Oece Organização Européia de Cooperação Econômica
Otan Organização do Tratado do Atlântico Norte
Otase Organização do Tratado do Sudeste Asiático
PAC Política Agrícola Comum
Pesc Política Externa e de Segurança Comum
SEBC Sistema Europeu de Bancos Centrais
SME Sistema Monetário Europeu
UE União Européia
UEM União Econômica e Monetária
UEO União da Europa Ocidental

191
Título A construção da Europa:
a última utopia das relações internacionais
Coordenação editorial Ednete Lessa
Capa Izabel Carballo
Editoração eletrônica e projeto gráfico Samuel Tabosa
Formato 160 x 230 mm
Mancha 110x210 mm
Tipologia AGaramond (textos) e Gill Sans (títulos, subtítulos)
Papel Cartão supremo 250g/m2, plastificação fosca (capa)
Offset 75g/m2 (miolo)
Número de páginas 192
Tiragem 3.000 exemplares
Impressão e acabamento PAX Gráfica e Editora Ltda.

You might also like