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Curso Básico de Medicina Legal - Uminho
Curso Básico de Medicina Legal - Uminho
Pinto da Costa
Elsa Minho
2009
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J. Pinto da Costa
MEDICINA LEGAL
Duas palavras, na abrangência histórica reguladora do comportamento humano,
a princípio de situações estremadas raiando a dualidade máxima da vida e da morte.
Depois na apreciação de certas atitudes ponderadas à luz de um sentimento ético no
espaço e no tempo.
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Para Santo Agostinho (Civitas Dei) “a pena de morte não é apenas lícita, mas
necessária para a saúde do corpo social. Ao encarregado da sua aplicação cabe
aplicá-la como é devida, com as provas necessárias para que não se pratiquem
injustiças”.
A Medicina Legal tem uma dimensão social e humana sem limites. Ela deixou
de ser apenas a Medicina dos “tiros e das facadas” para se ocupar da figura humana na
plenitude dos seus anseios e dificuldades. Obviamente visada no controlo de um Estado
de Direito, com suas regras eticamente assumidas e, na maior parte dos casos,
codificadas na lei.
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A pessoa humana hoje enquadra-se numa Medicina Legal da sua época, tentando
medir o seu melhor ou pior ajustamento às situações concretas que a dinâmica social lhe
impõe e da qual é duplamente actora e espectadora.
Não pretende a Medicina Legal fazer leis mas, como ponte que é entre a
medicina e o direito, cabe-lhe, especificamente, a análise científica das questões, de
modo a proporcionar um desejável equilíbrio entre ambos, com mira na dignidade da
pessoa humana como ser superior.
É curioso observar que a maior parte das pessoas, muitas delas ultrapassando o
nível médio da cultura, desconhece o significado exacto da Medicina Legal. Este
significado passa pela necessidade e utilidade da divulgação da Medicina Legal aos
médicos e aos juristas e a toda a população de um modo geral.
Desde sempre realizaram-se mais exames nos vivos do que nos mortos. Mas
para justificar a pseudo-reforma, com a criação do Instituto Nacional de Medicina
Legal, em Julho de 2000, dizia-se que era necessário transformar a medicina dos mortos
na medicina dos vivos, o que é uma falácia, porque ninguém pode transformar o que já
estava transformado. Os números são disso exemplo concreto porquanto no princípio do
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século registavam-se para 3397 exames de vivos apenas 336 autópsias para o mesmo
período de tempo.
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Uma decisão imparcial será sempre bem aceite por todos pela credibilidade de
intervenção com independência e só mediante a observação objectiva e desapaixonada
da perícia médico-legal.
Uma das funções do médico, a mais triste de toda a sua actividade profissional, é
a verificação do óbito de uma pessoa, sempre responsável mas muito mais
constrangedora quando a verificação cabe numa pessoa que foi sua doente. Ele deverá
colher um certo número de sinais indicativos de que morte é uma realidade irrefutável,
para que não haja hipótese de dúvidas, como outrora se levantaram, sobre a
possibilidade de uma pessoa “morta” ser enterrada viva.
3ª Para autópsia.
No segundo caso, a morte terá de ser certificada por dois médicos não
pertencentes à equipa que procederá à colheita dos tecidos ou órgãos, devendo, pelo
menos um deles ter mais de cinco anos de experiência profissional. Além disso, também
o cirurgião e a respectiva equipa médica que procederam à colheita devem igualmente
certificar a ocorrência do óbito. Os médicos que procederam à colheita lavrarão, em
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A morte suspeita é a morte súbita cuja causa jurídica permitirá que seja
esclarecida, por meio da autópsia médico-legal, em morte súbita de causa natural ou
morte súbita de causa violenta.
Para que se proceda à inumação não basta a certeza da morte. É preciso que a
identidade do falecido esteja rigorosamente determinada. Ao delegado de saúde
compete verificar se o corpo morto é do próprio. É o que habitualmente se verifica nos
institutos de medicina legal quando, terminada a intervenção médico-legal por meio da
respectiva autópsia, o delegado de saúde intervém novamente para verificar e certificar
se o cadáver é transportado nas condições sanitárias previstas na lei.
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cadáver varia com o tempo de permanência na água, com a temperatura desta, correntes
marítimas, sendo diferente na água doce ou salgada. O cogumelo de espuma na boca ou
nas narinas é um sinal com bastante interesse. A cabeça de negro e as proporções
gigantescas do cadáver por impregnação de gases de putrefacção nos tecidos são
frequentes no cadáver submerso quando tirado da água. A presença de diatomáceas
pode permitir o diagnóstico de submersão e até o local em que ela aconteceu.
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A pedofilia, dita perversão para uns e doença para outros, veio despertar a
relevância médico-legal da sexualidade, aliás há longos anos de conteúdo estampado na
lei por outras palavras.
Fora deste contexto limitado e relacionado com o sexo, o aborto consta também
do Código Penal.
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A Medicina Legal do sangue foi durante largos anos uma temática de difícil
aplicação na Medicina Legal. A afirmação médico-legal da problemática da
hereditariedade pelos grupos sanguíneos foi, sem sombra de dúvida, uma das
dificuldades e é agora um dos aspectos prestigiados na Medicina Legal.
O sangue, quer através dos grupos sanguíneos quer por outros marcadores
genéticos permite uma resposta nas questões de hereditariedade que há alguns anos era
impossível mormente pela não aplicação prática do DNA.
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Para além deste aspecto, o estudo das manchas de sangue, em diversos objectos,
constitui prática importante no capítulo da Medicina Legal do sangue. Haverá que, em
primeiro lugar, averiguar sobre a possível natureza sanguínea da mancha, e no caso
positivo, determinar se a sua origem é humana ou animal.
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Os problemas da droga já são antigos. Contudo, na era actual eles assumem uma
importância médico-legal crescente.
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arte acusatória, de defesa, Ministério Público ou Juiz, com vista à mais justa e melhor
aplicação da Justiça.
O médico é, por vezes, quem primeiro chega a um local de crime, para tratar um
criminoso que está ferido. Toda a sua eventual colaboração sobre o exame do local é
muito limitada pelo segredo médico.
Quando o médico actua, não como clínico, mas no desempenho das suas funções
periciais, para auxiliar a justiça, deve enviar o material encontrado ao laboratório, nas
melhores condições possíveis de acondicionamento e transporte, designadamente peças
de fazenda e roupa interior.
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um cabelo, saliva ou pele. Sublinha-se mais uma vez, que, no estado actual mais
diferenciado dos conhecimentos Médico-Legais, o estudo do DNA nos cabelos ou numa
minúscula gotícula de sangue permite a individualidade certa de cada um de nós.
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gerais, define-se sobretudo no âmbito da medicina legal restrita (autópsias e exames nos
vivos). Ou seja, por outras palavras, a medicina legal será tanto melhor, quanto melhor
for a capacidade dos médicos.
Durante muitos anos, imperou uma medicina não social, na qual concorreu
largamente a noção fulcral, muito generalizada entre a humanidade, de que o que
importa é aliviar a dor, eliminando o sofrimento. E evidente que, em face de urna tal
asserção, a Medicina Legal tinha que ficar preterida, pois ela é uma ciência
eminentemente social, um ramo da medicina que se ocupa da saúde populacional no
conceito de bem-estar físico, mental e social da Organização Mundial de Saúde,
aplicado à lei.
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Com humildade temos que reconhecer que em poucos anos a ficção científica
tornou-se realidade.
Durante largo tempo a mulher era o receptáculo da semente (sémen) toda ela
plena da potencial vitalidade do novo ser. A mulher, qual vaso de flores no qual a
semente crescia até ser planta, num conformismo indispensável de sustento. Só mais
tarde se acordou no papel também activo desta. Sem mulher, sem vontade da mulher,
para fazê-lo ou desfazê-lo, não há novo ser. Sempre assim foi porque de modo mais ou
menos violento, por traumatismos directos na parede abdominal, a mulher interrompeu
a sua própria gravidez, por vezes à custa da própria vida.
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Para Ambroise Paré, tido por muitos como o pai da medicina legal, “o filho-
macho é de maior excelência e perfeição que a fêmea, e é testemunha da autoridade e
da proeminência que Deus lhe conferiu, ao institui-lo como chefe e senhor da mulher”.
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A urina é hoje o meio de diagnóstico mais precoce e mais usual para detectar
uma eventual gravidez. Ela foi sede de atenção desde séculos. Se a primeira urina da
mulher, durante três dias, fosse lançada sobre uma malva e esta morresse a mulher não
estaria grávida. Também, quando ao mergulhar algumas peças de ferro num pote,
contendo urina de mulher, aquelas ficavam cobertas de manchas vermelhas, haveria
gravidez.
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A análise de esperma é feita em amostras colhidas, com pelo menos três dias de
repouso sexual, preferencialmente no laboratório, para evitar transportes longos, e
alterações ambientais bruscas de temperatura e luminosidade. A fertilização in vitro
obtém-se pela conjugação do líquido folicular e da suspensão do esperma, após
procedimentos estabelecidos e quando o ovo tem duas a quatro células faz-se a
transferência do embrião para o útero.
A fetoscopia, como nova tecnologia que envolve riscos conhecidos, tem sido
muito discutível. Riscos para o feto, como a morte, hemorragias, hematomas,
prematuridade, comprometimento no desenvolvimento normal e alterações na
capacidade visual devidas à intensidade da luz no interior da cavidade amniótica. Para a
mãe, há o risco de aborto, parto prematuro, infecção, hemorragias uterinas anormais e
sensibilização materna por transfusão feto-materna.
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produtos biológicos sobre os quais recai o exame. É que o eventual esperma, líquido
seminal, sangue do agressor, pêlos ou cabelos na vítima, desapareciam, obviamente, por
esta se ter lavado.
Agora, para que se realize o exame, basta que a vítima ou seu representante
legal, denuncie a situação perante a estrutura médico-legal seja o Instituto de Medicina
Legal ou o Gabinete Médico-Legal com competência regional para o efeito.
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Hipócrates dizia que o rapaz se mexia mais cedo no ventre materno do que a
rapariga. Actualmente, pela ultrassonografia, o diagnóstico do sexo é possível a partir
das 18 semanas de gravidez. É desejável que se pondere o limite da aplicação das novas
tecnologias sempre no interesse da pessoa humana já que os avanços biotecnológicos
permitem tal diagnóstico precoce a partir das 8 semanas, o que pelo menos, numa
perspectiva teórica, poderá levar a uma selecção dos embriões.
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AUTÓPSIA MÉDICO-LEGAL
Acontecimentos recentes levaram a largos comentários sobre mortes violentas.
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disparos. Estes apenas foram admitidos pela polícia depois de ter sido detectada na
autópsia uma bala de calibre igual ao usado pela PSP. Os peritos admitem ainda que a
vítima terá sido alvejada a uma distância não superior a dois metros e meio, o que
poderá configurar presumível envolvimento na prática de um crime de homicídio
qualificado, punível com pena de prisão de 12 a 25 anos".
Este ano de 1997, que agora se inicia, provavelmente, será o ano de mais uma
"reforma" médico-legal a qual exige espírito de reforma e não reformar por reformar, a
presumir que se dá forma a algo que nunca a teve. Aguarda-se, com indelével exigência,
que ela venha a ser melhor que a de 1987. É preciso que se proclame que se esta não
proporcionou o resultado esperado foi apenas porque não foi cumprida e porque certas
interpretações de alguns juristas levaram ao anquilosamento da medicina legal
portuguesa. É urgente e necessário que se lhe preste a devida atenção para que, com
humildade e sem tibiezas, ela seja elevada ao ponto do superior interesse dos
portugueses, sem o que os escândalos acontecem. Somam-se por demais as lacunas
graves. É o caso das autópsias de Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e
acompanhantes. É o caso de Almada, em que a morte foi atribuída a intoxicação com
ameijoas e mais tarde diagnosticada a causa de morte, em Inglaterra, como tendo sido
devida a intoxicação por monóxido de carbono. É o caso da decapitação como causa de
morte e depois diagnosticada esta em consequência de tiro na cabeça após exumação
feita por outros peritos médico-legais. É o caso da morte súbita de causa natural, de
Évora, e depois morte devida a tiro verificada na autópsia.
O menor cuidado com que certas autópsias são feitas repercute-se na falta de
credibilidade da população. Em carta ao Director do jornal Público (28/12/96), uma
leitora escreveu uma série de considerações que atingem a medicina legal, de modo
negativo. O referido texto é a tradução do descrédito em que os responsáveis colocaram
as perspectivas de uma actuação médico-legal por falta de preparação neste campo, não
possibilitando que todos os médicos desempenhem as suas funções médico-legais com a
dignidade e a eficiência a que a sociedade tem direito.
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É evidente que todo o médico deve ter uma preparação médico-legal mínima
para evitar os comportamentos e atitudes que foram dimanados para a Comunicação
Social, a partir de Évora. Compete ao governo, através dos canais próprios, averiguar a
razão de tais afirmações.
Com que base científica é afirmado que: "a vítima terá sido alvejada a uma
distância não superior a dois metros e meio"? Terá sido feita pesquisa de pólvora
incombusta, queimadura ou depósito de negro de fumo? Houve recurso a microscopia
electrónica? Foram feitos disparos experimentais com a arma suspeita a várias
distâncias na tentativa de reproduzir aspecto semelhante ao do orifício de entrada do
projéctil no cadáver? Foi tido em conta o exacto percurso do projéctil no corpo? Foi
feito um diagnóstico médico-legal da presunção de intenção de matar?
E o vício não é só de agora. Recorde-se, contudo, que, quem desde logo refutou
a hipótese de suicídio de uma vítima mortal numa esquadra em Matosinhos, foi a
Medicina Legal.
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acuidade social é, sem dúvida, o dos ferimentos por armas de fogo. Isto não exclui a
necessidade da autópsia médico-legal em casos variados como os actualmente previstos
na lei, designadamente no Decreto-Lei 387-C/87, de 29 de Dezembro. Só uma
ignorância crassa do mais elementar sentido de justiça, contrariando os conceitos
científicos da medicina legal, justificaria o atrevimento duma tentativa de alteração da
lei neste particular. Deve fomentar-se a prática da autópsia e não a sua dispensa. É mais
que evidente a obrigatoriedade de autópsia em casos de acidente de viação para que os
familiares tenham direito à reparação patrimonial competente. Sem ela, as Companhias
de Seguros recusam-se, e muito bem, a pagar as eventuais indemnizações. Isto porque a
morte pode ter sido devida a uma causa natural não relacionada com o acidente.
MORTE CEREBRAL
A dificuldade do estudo anatómico do sistema nervoso central, nomeadamente
do cérebro, explica porque só nos últimos anos certos ramos do saber, como a
neurologia e a psiquiatria, lograram um desenvolvimento paralelo às outras ciências.
Também o espírito retrógrado mágico-religioso que grassou na Europa, na Idade Média,
teve a sua influência.
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A morte cerebral encerra três aspectos fundamentais: como (os critérios), quando
(em que circunstâncias) e quem (a diferenciação profissional dos médicos).
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É assim que tomado o critério de morte cerebral como indiscutível, tal critério só
tem sentido ético se for diagnosticado em dois casos diferentes nas suas consequências
de aplicação a terceiros quando há transplantações, mas iguais no valor intrínseco do
cadáver como vestígio indelével de uma pessoa humana que foi diferente de qualquer
outra.
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O artº 41º do Código Sanitário do Perú indica como sinal de morte para colheita
de órgãos para transplante a electroencefalografia.
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AUTÓPSIA
Meditação sobre uma palavra imprópria. O impossível da auto-observação,
como cadáver. Do grego autos (por si mesmo) e opsis (observar, olhar).
É possível que a referência mais antiga à prática das autópsias date de 1286,
quando um médico abriu vários cadáveres, procurando a causa de uma epidemia de
peste, em Cremona, Itália. Segundo um médico holandês do séc. XIV, o Papa teria
ordenado que se abrissem cadáveres, com a mesma finalidade, em Avinhão. Na
primeira metade daquele século a prática da autópsia era um facto, em Bolonha. Era de
Florença o médico António Benivieni (1440-1502) que, pela primeira vez, pediu
autorização aos familiares para examinar os cadáveres dos parentes. No fim da Idade
Média, o prestígio alcançado pelas autópsias médico-legais levou a que a Faculdade de
Medicina de Montpellier estivesse autorizada para realizar autópsias. A primeira
autópsia, na América, foi feita pelo médico Juan Camacho, na ilha de La Española, em
18 de Julho de 1533, a pedido de um padre que queria saber se duas gémeas siamesas,
unidas pelo umbigo, cuja morte ocorreu oito dias após o nascimento, tinham uma ou
duas almas. Na Rússia, no fim do séc. XVIII, por imperativo de Pedro o Grande, a
autópsia passou a ser obrigatória em casos de morte violenta.
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Uma autópsia é um acto médico de cariz técnico-científico que não pode andar a
reboque de pressões de nenhum tipo, para apressar a sua realização para permitir que o
cadáver seja entregue à família para o funeral ou a entidades oficiais para exéquias
fúnebres. As pressas nunca dão resultados positivos e até pode acontecer que nunca se
descubra se a carbonização de um cadáver em avião resultou de acidente ou de
homicídio. O perito médico-legal, como disse o insigne médico-legista Devergie, deve
fechar os ouvidos e abrir os olhos. Ao exíguo tempo ocupado na recente autópsia do
Primeiro-Ministro Sá Carneiro, contrapõem-se as cinco horas que demorou a autópsia
do Presidente da República Sidónio Pais, assassinado por arma de fogo.
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fazem ou toleram que se realizem autópsias mal feitas são verdadeiros coveiros da
medicina legal, que a enterram e destroem, pela má prática.
Em regra, a autópsia não deve ter lugar, antes de terem passado vinte e quatro
horas após a morte. O princípio encontra raízes históricas no medo que as pessoas
tinham de ser enterradas vivas. Em certos casos, contudo, a autópsia pode fazer-se antes
desse período, quando os sinais de morte são evidentes para qualquer pessoa quando
existe a mancha verde de putrefacção no abdómen, livores cadavéricos, esmagamento
da cabeça ou do tronco, ou outra evidência do género, como, por exemplo, a
decapitação.
São os médicos que, por lei, devem fazer os cortes no cadáver, ditando em voz
alta tudo quanto observam que o escriba vai anotando por escrito. Este é, em regra, um
funcionário do Tribunal que acompanha o juiz. A autópsia deve ser realizada em local
amplo e arejado, sempre que possível com luz natural. O cadáver deve ser removido,
com suavidade para o local onde vai ser autopsiado, evitando tombos do corpo ou
compressão deste. Não deve deitar-se qualquer substância sobre o cadáver ou as
vísceras para o desinfectar ou desodorizar. Os cortes nítidos e amplos constituem a
técnica apropriada para abrir e examinar todas as cavidades. As vísceras devem ser
observadas no corpo antes de serem retiradas, evitando-se tocar-lhes com as luvas sujas
ou repuxá-las ou comprimi-las quando se extraem. Antes de abertos os órgãos devem
ser pesados, pois o peso é um elemento valioso para o diagnóstico de certas doenças
naturais que possam afastar a hipótese de crime. A autópsia não deve ser interrompida.
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Em regra, uma autópsia médico-legal demora uma hora. Assim, para fazer vinte
e cinco autópsias, no mesmo dia, seriam necessários vinte e cinco médicos, na base de
que mais do que uma autópsia por dia é uma sobrecarga exaustiva para qualquer
profissional. É obvio que o excesso pedido, por vezes, é uma exigência a evitar, o que
nem sempre tem sido possível. Por exemplo, o Instituto de Medicina Legal do Porto
dispõe de nove médicos para realizar autópsias. Em 1993, embora uns médicos tenham
realizado mais autópsias do que outros, a média por médico foi, no ano referido, de 114
autópsias, o que significa que houve dias em que alguns médicos não fizeram exames
cadavéricos. Assim, consegue-se evitar uma eventual necessidade de aligeiramento na
qualidade da execução das autópsias por falta de médicos para um determinado número
de cadáveres.
VERIFICAÇÃO DA MORTE
A verificação da morte encontra raízes no Séc. XIX. A Portaria de 9 de Agosto
de 1814 proibia o enterramento de cadáveres sem certificado de óbito.
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O papel do médico não se extingue com a assistência que presta aos vivos nem
ao doente terminal. Prolonga-se ainda na actividade profissional concernente ao
falecido.
Pode um médico não ter examinado o seu doente nas últimas semanas antes do
falecimento, mas nem por isso perde aquela qualidade, devendo passar o certificado,
obviamente após a verificação do óbito, com o diagnóstico de causa natural quando o
desfecho foi uma consequência previsível da evolução da doença.
Não é fundamental que seja este ou aquele clínico a verificar o óbito, mas sim
que seja um médico hospitalar, inclusive um médico do Serviço de Urgência que foi
chamado para prestar assistência a um doente internado na enfermaria.
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Apesar de todo o empenho que nestes últimos anos vem sendo feito, por
louvável iniciativa do Ministério da Saúde, para o correcto preenchimento do certificado
em conformidade com as normas da OMS referidas no Manual da Classificação
Estatística Internacional de Doenças, Leses e Causas de Óbito, ainda há certificados, em
conservatórias do Registo Civil, nos quais constam "morte indeterminada"!
PRESSUPOSTOS DO ENTERRAMENTO
A inumação ou enterramento, que hoje não significa necessariamente que o corpo
seja dado à terra, mercê da cremação, pressupõe pormenorizado condicionamento legal.
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O Código do Registo Civil prevê postos rurais, postos hospitalares e postos dos
Institutos de Medicina legal. Compete aos postos rurais receber e reduzir a auto as
declarações relativas a óbitos da área da sua jurisdição, o mesmo aplicando-se aos postos
hospitalares para os óbitos no respectivo hospital, e aos Institutos de Medicina Legal para
os indivíduos cujo cadáver seja depositado na respectiva morgue.
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pode ser substituído por um auto lavrado pela autoridade administrativa com a
intervenção de duas testemunhas.
Nos casos nítidos, é evidente que qualquer pessoa sabe o que é um morto. Nos
casos limite, o diagnóstico da morte é difícil e é um acto médico, pelo que a expressão
normativa só tem exactidão quando o cidadão vulgar não tem dúvida que um semelhante
está morto. Assim se compreende e pode aceitar que o autuante não médico declare ter
verificado o óbito e a existência ou não de sinais de morte violenta ou de quaisquer
suspeita de crime.
Pratica o crime de atestado falso o médico que certificar a morte de uma pessoa e
a causa dela, sem ter visto a pessoa antes ou depois de falecer.
Relativamente aos fetos apenas são registados no livro de óbitos a morte fetal
intermédia (entre 20 semanas e 28 semanas completas) e a tardia (28 semanas ou
superior).
Quando a morte ocorrer em hospital (onde não haja posto de registo civil) ou em
asilo, prisão ou outro estabelecimento análogo do Estado, compete ao director ou
administrador comunicar o sucedido no prazo de 24 horas, à respectiva conservatória.
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será lavrado para cada uma das vítimas cujo cadáver tenha sido encontrado em termos de
poder ser individualizado.
Mas, eventualmente, tais familiares poderão ser autopsiados, com algum atraso no
enterro, se o responsável familiar consentir na autópsia clínica para confirmação de um
diagnóstico já elaborado ou com fins apenas de investigação científica.
INUMAÇÃO
A inumação, também designada enterramento, é um acontecimento de altíssimo
valor social, imbuído de vínculos morais, médico-biológicos e legais. O cadáver, seja de
quem for, representa o substracto orgânico de uma pessoa que viveu, com amor e ódio,
com prazer e sofrimento, e que finou. É uma espécie de supervivência continuada na
morte, fabricada na imagem da contemplação do que foi. É o respeito pela vida, e não
pela morte, que consagramos ao proceder ao ritual do enterramento. Há que ter a certeza
que o inumado é o próprio. Há que garantir que não houve troca de cadáveres. Para obviar
a tal engano, o Instituto de Medicina Legal não autopsia nenhum cadáver sem que ele
esteja identificado, para o que o registo das impressões digitais é fundamental ou, quando
não há termo de comparação, a identidade é afirmada em auto de reconhecimento escrito
por quatro testemunhas.
É para notar que a designação múmia só foi empregada usualmente após o séc.
XII, pelos gregos e latinos, e que antes desta data se chamava gabara aos corpos
embalsamados, o que significa conservados religiosamente. O embalsamamento, além
dos egípcios, foi usado pelos etíopes, persas, incas e aztecas. Quando a religião não é
favorável à conservação do cadáver, há outras práticas, como, por exemplo, o abandono
do corpo às aves da rapina nas torres de silêncio ou a cremação. Muito embora a
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sepultura, para os cristãos, desde sempre tenha sido importante, os cemitérios, como
instituição, são relativamente recentes.
A inumação é tão antiga como a cremação, sendo contudo aquela mais comum.
Com o advento do Cristianismo, a inumação foi preferida pelos cristãos quer pela
semelhança com a sepultura de Jesus Cristo, pelo respeito aos cadáveres, e sobretudo
porque a morte era tida como um simples sono até ao dia da ressurreição final. Por isto, os
cristãos mudaram o nome pagão de necrópole (cidade dos mortos) para cemitério que
significa dormitório. Mas, se os cristãos não cremavam os cadáveres, os pagãos tanto
incineravam como sepultavam os seus mortos. Durante muitos séculos, a inumação foi a
prática exclusiva no Mundo Cristão, embora a Igreja Católica admitisse que, em caso de
necessidade, por exemplo de epidemias, os cadáveres podiam ser cremados.
No séc. XVIII, imperava a ideia de que enterrar os mortos nas igrejas em recinto
fechado era prejudicial à saúde dos fiéis. Era o pensamento da Revolução Francesa, nas
memórias de Hagenot e Maret.
O conflito social da proibição da inumação nas igrejas foi bem tratado por Júlio
Dinis no romance a Morgadinha dos Canaviais. Inumar é enterrar, mas tal pressupõe um
conteúdo normativo do óbito no âmbito do registo civil.
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memória do morto mas o respeito que os vivos guardam pelos mortos como valor ético
socialmente aceite.
A inumação debate-se hoje com graves problemas logísticos nos países mais
industrializados, tomando a cremação um significado progressivamente mais penetrante
no convencionalismo do culto dos mortos, perpetuado pela memorização audiovisual da
fotografia e do vídeo.
PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL DO
ENFORCAMENTO
Muito provavelmente, o modo de morrer, por enforcamento, passará para o Séc.
XXI. Até quando? Desde quando tal prática se arrasta no tempo?
As primeiras forcas devem ter sido qualquer ponto mais ou menos fixo, de altura
superior à da vítima. Naturalmente, a forca nasceu na árvore. O seu próprio nome assim
sugere, forca, forquilha, como bifurcação de ramos. Talvez, por observação directa, o
homem tenha verificado que o seu semelhante, quiçá outros animais, morressem por o
pescoço ficar entalado entre os ditos ramos.
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Inicialmente, a corda era apertada à volta do pescoço e a vítima era içada. Mais
tarde, com o uso da escada, o condenado subia uns degraus e depois bruscamente aquela
era retirada. É numa terceira fase que se empregou a carroça puxada pelo animal, que,
em fuga, deixava pendurado o sentenciado.
Nos Estado Unidos, desde 1882 até agora admite-se que tenham sido linchadas
mais de 6000 pessoas quase todas negras, com uma média de cerca de 150
linchamentos, por ano, neste últimos anos.
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Há que ter cuidado com a violação dos direitos humanos. Quase que diríamos, à
boa maneira portuguesa, que água mole em pedra dura tanto dá até que fura!
Ao amor, como valor positivo, apenas se contrapõe o ódio, como valor negativo.
O resto é acessório que não conduz à plenitude da personalidade humana.
Hoje, o conceito adquiriu nova perspectiva, muito mais limitada ao doente, e não
à pessoa humana na plenitude das suas virtualidades.
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É óbvio que ao doente devem ser proporcionados os meios para a mais completa
e pronta reintegração na família e na sociedade.
Em termos de custos, não pode haver limite para salvar a vida da pessoa
humana. É aqui que assenta a essência do problema ético: para que vida?! É a
contradição em zigue-zague da hipertrofia normativa do valor da pessoa humana que
matamos porque não encontramos outro meio de impor os nossos próprios valores, ou
que privamos da liberdade, pela mesma razão.
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O que significa morrer com dignidade, no caso dos que nascem com graves
deficiências incompatíveis com futura relação humana?
A ética ensina que apenas a pessoa humana pode matar o seu semelhante na
guerra, valorizando inclusive como heróis os que mais matam. Fora disso, matar é
proscrito, com excepção das comunidades que entendem que a pena de morte é solução
para certas questões criminais.
A prática ensina que as pessoas não querem morrer sós. Outras preocupam-se
em não estar sozinhas quando metidas no caixão à espera do funeral. É o sentimento
ético do facto que nos leva a estar junto dos nossos mortos, nem que seja noutra sala ou
à porta da rua, em conversa animada exterior ao falecido. Mas estamos lá.
Aparentemente, pelo morto, Em boa verdade, pela nossa consciência ética da questão.
A presença, a certeza de que está alguém com o doente terminal, que mais não se
faz porque não é possível, num plano de aceitação superior, é reconfortante.
Fora da morte súbita, o processo de morrer evolui por cinco fases, como
inicialmente propôs Kübler-Ross: negação e isolamento, cólera, negociação, depressão e
aceitação.
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J. Pinto da Costa
A questão de morrer com dignidade só tem sentido quando surge no ómega dum
processo linear que começa com nascer com dignidade e prossegue em viver com
dignidade.
Deixemos que a morte surja como remate natural de uma vida que bem ou mal,
foi vivida por cada um, como quis ou pôde. Nada de soluções fáceis impostas com
piedade forçada, ultrapassando as possibilidades técnicas de prolongar a vida no
interesse particular do doente que muitas vezes é a projecção de si próprio na família ou
no grupo que o acolhe. Sem exageros. Sem regras. Sobretudo com bom-senso e no
interesse do doente.
DÊ O SEU CADÁVER
Na época super-renascentista, em que passamos, o cadáver, além de ser uma
situação inevitável de todo o animal que nasce, assume, novamente, prioridade de
discussão.
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J. Pinto da Costa
Não tem sido pacífica, assim reza a história da civilização ocidental, a utilização
de cadáveres humanos para estudo. O aproveitamento destes, para ensino e investigação
científica, especialmente do ponto de vista anatómico, data do século XVI, embora na
clandestinidade. Como pioneiro deste estudo, perante a falta de material humano para
observação directa de como somos feitos, merece uma breve recordação André Vesálio
(1514-1564) quem, em porfiadas e dificultosas excursões, angariava corpos de
condenados, às escondidas pela noite calada.
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
A doação do cadáver, para evitar conflitos de interesses após a morte, deve ser
feita pelo próprio, mediante uma declaração autenticada pelo notário, de forma a
constituir uma disposição testamentária a cumprir, obviamente, antes do funeral.
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J. Pinto da Costa
Médicos designados, para realizarem autópsias, por não haver peritos para as
fazerem, foram presos por desobediência ao Tribunal. Daí, uma certa confusão nacional
pela argumentação contraditória dos médicos nos órgãos da Comunicação Social, por
estes acalentada e difundida, a qual em vez de esclarecer confundiu as mentalidades.
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J. Pinto da Costa
Um inquérito recente a 138 médicos revelou que 135 estão interessados em ser
peritos das Comarcas. Isto é significativo, porquanto, 97,82% dos peritos inquiridos
pretendem ser contratados desde que as funções periciais sejam remuneradas, "com
tabela de remuneração justa, necessariamente muito diferente da actual".
Não será por demais repetir que uma das notas mais negativas da organização
médico-legal portuguesa decorre da exiguidade nacional das verbas disponíveis, para
uma aplicação decente da medicina legal à Justiça, designadamente do malfadado
Código das Costas Judiciais.
Sem cair no estafado "tudo está bem quando termina bem", não pode deixar de
sublinhar-se a reconhecida humildade, apanágio da superioridade humana, e, no caso
presente, política, decorrente do encontro fácil da solução adequada.
Quanto mais não fosse, serviria o gesto para meditar sobre a utilidade da audição
ao Conselho Superior de Medicina Legal, órgão de cúpula da medicina legal
portuguesa, no qual, estão representados os três Institutos de Medicina Legal do país, o
Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República, a Polícia
Judiciária e o próprio Ministério da Justiça por pessoa indicada expressamente para o
efeito.
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J. Pinto da Costa
Porque o Conselho foi ouvido nas suas reflexões de preocupação quanto aos
efeitos perversos da proibição dos médicos, em exclusividade no Ministério da Saúde,
realizarem perícias médico-legais remuneradas pelo Ministério da Justiça, o país passou
do nível mau para medíocre o que constitui notável avanço.
Isto não quer dizer que tudo esteja bem. Mas é inegável que um grande salto em
frente, para além do prestígio obtido pelo Governo, foi dado na linha de continuidade do
progresso que o Conselho Superior de Medicina Legal pretende para o país.
Aguardamos, com fé, o encontro da rápida melhoria das autópsias realizadas nas
comarcas, a qual passa, necessariamente, pela formação e informação dos médicos
inclusive em acções de reciclagem nos Institutos de Medicina Legal.
MORRER DE REPENTE
A ignorância não é perturbadora. Nem a nossa, nem a dos outros. Aterrorizador
é no dia seguinte ela ser igual à da véspera. É a estagnação. Tal e qual a água parada
onde pululam insectos transportadores de morbilidade.
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J. Pinto da Costa
explicação, quase uma satisfação de que ninguém provocou a morte. Que ela resultou
somente de algo intrínseco àquele que deixou a vida.
Nos jovens, a morte súbita arrasta uma pesada carga emocional na família ou no
grupo, com uma certa dificuldade em divorciar a imagem do ente querido e o
falecimento por overdose. No jovem, a imagem mortal espectacular eleva-se no futebol.
A maior ou menor repercussão social varia com o valor económico do jogador.
A morte súbita é a morte inesperada, cuja raridade não é tão grande como às
vezes se pensa. Mais frequente nos lactentes, diminui de frequência entre os 5 e os 30
anos mas existe, e aumenta após os 40. É precisamente a sua raridade nos 20 e 30 anos
que explica a relutância na aceitação do acontecido por quem desconhece o assunto. Em
regra, o perito não tem qualquer informação nos casos de morte súbita porque o
indivíduo foi encontrado já morto, desconhecendo-se as circunstâncias da morte. Não é
o caso do jogador que morre perante centenas ou milhares de espectadores.
O país tem o direito de exigir competência ao médico que recebe dez mil
escudos por cada autópsia (vinte mil se tiver o Curso Superior de Medicina Legal).
Corre-se o risco de, no caso de falta da necessária reciclagem, um perito que o é, possa
vir a deixar de o ser. O pagamento aos peritos médicos foi dignificado, em proporção
nacional, independentemente do numerário atribuído no estrangeiro a actos do género
ou outros em iguais circunstâncias de desempenho profissional em Portugal e dora dele.
Dignificada terá de ser, obviamente, a resposta, em qualidade, do trabalho pericial
executado.
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J. Pinto da Costa
É evidente que uma ligeira insuficiência cardíaca numa pessoa qualquer pode ser
incompatível com a vida quando o indivíduo é futebolista. Por vezes, a autópsia
evidencia com nítida objectividade, a causa da morte, como a ruptura de artérias na base
do cérebro (hemorragia cerebral) ou o enfarte do miocárdio com ruptura cardíaca.
Noutros casos, compreende-se a morte em face da arteriosclerose coronária, lesões
sifilíticas, endocardite e outra patologia do coração.
Não é necessário que haja "doping" para que a morte ocorra durante um jogo.
Parece legítimo levantar algumas dúvidas. Apenas uma questão, englobando duas
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J. Pinto da Costa
perguntas: Que tipo de controlo médico-desportivo havia com este jovem? São
suficientes os mecanismos em exercício, para evitar situações do género?
Que se tem feito entre nós ao nível das autópsias médico-legais? Além de
escassas lamentações individuais, que tem sido feito de concreto, palpável, visível,
consequente, pelo Ministério Público, com vista à melhoria da grave e preocupante
insuficiência em que são feito as autópsias médico-legais na Comarcas (Círculos)?
Nada.
E se, com diz o povo, quem cala, consente, em medicina legal estará tudo bem!
Mantenho a afirmação.
A MORTE PROCURADA
Pelo próprio. Pelos outros no próprio. O suicídio e a sua irmã mais nova, a
eutanásia. A morte do próximo, com intenção ou sem ela. O homicídio, com muitos
nomes no Código Penal: qualificado, privilegiado, a pedido da vítima, na ajuda ao
suicídio, o homicídio por negligência, o infanticídio privilegiado e a exposição ou
abandono de pessoa com a morte como resultado.
Uma linda rapariga da aldeia casou com o sacristão desdentado, muito feio e
desajeitadamente coxo. Ao ser-lhe perguntado porque casou com ele, respondeu: “Ele é
tão engraçado quando ajuda à missa e entrega as galhetas ao Senhor Abade”!
A pessoa humana tem comportamentos tão subtis que lhe cabe judiciosamente o
epíteto do bicho mais curioso da natureza. De Blaise Pascal: « Le coeur a ses raisons
que la raison ne comprend pas ».
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J. Pinto da Costa
O coxo, um dia, morreu. Ela definou, só queria morrer, e faleceu pouco tempo
depois.
Direito à vida e direito sobre a vida não são exactamente a mesma coisa.
Paradoxalmente, às múltiplas declarações sobre os direitos à vida, culminando na
declaração universal dos direitos humanos, contrapõe-se a licitude de manipulação de
um direito sobre a vida das pessoas, dando-lhes a morte.
A palavra eutanásia, dizem alguns, terá sido empregue pela primeira vez por
W.E.H. Lecky (em 1869), com o significado de acção de induzir suave a facilmente a
morte, sobretudo de doentes incuráveis ou terminais, com o mínimo de sofrimento.
Thomas More (1478-1535), em duas obras, "Utopia" e "Diálogo da Consolação",
apresenta nesta última a noção do alívio que se dá à dor e refere com clareza o conceito
de eutanásia, centrado na medicina e na moral.
A aceitar-se a eutanásia, ela não deveria ser praticada pelo médico, para
salvaguarda da sua imagem como pessoa que luta pela vida, contra a morte do próximo.
Na pena de morte, não é o médico que actua. Ele limita-se a verificar a morte.
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J. Pinto da Costa
doente que morreu porque, propositadamente, para o matar, evitando mais sofrimento,
lhe foi administrada uma droga.
Na sociedade actual, onde cada vez mais a Bíblia e o Corão apenas se encontram
nos Hotéis de Luxo, e a indústria hoteleira menor reduz a disponibilidade livresca às
volumosas listas telefónicas, incluindo a valorização comercial local das páginas
amarelas, a liberdade de cada um constitui o último degrau, para preenchimento do
espaço vazio deixado por um Deus eliminado como referência final das decisões
humanas. Nesta óptica, o suicídio seria eticamente aceitável. Esta pirueta sem rede pode
constituir embuste muito artificioso ao admitir-se que a liberdade humana deverá
conciliar-se com a responsabilidade pessoal e social de cada um. No caso do doente
terminal, as relações deste com a família e com o próximo não existem ou são negativas
pela continuidade da sua existência. É assim que a morte é um alívio para a família,
mais que para o interessado que, não raramente, já nada tem de que ser aliviado.
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J. Pinto da Costa
VONTADE DE MATAR
Vontade é, na interpretação do étimo animus, de Cícero (ânimo, espírito, afecto,
coração, desejo, vontade, conselho, propósito, atrevimento, esforço) a expressiva e
clássica componente da intenção de matar (animus necandi), sumamente relevante do
ponto de vista criminal, ligada ao termo necandi (necans, necantis, que mata) de Ovídio.
Questão essencialmente jurídica, a decidir pelo Tribunal, ela tem uma base
médico-legal que os juízes demandam ao perito para aplicação penal.
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J. Pinto da Costa
Efectivamente, não é o perito que diz qual foi a intenção. São os ferimentos que,
pelas suas próprias características sugerem, a nível apenas de presunção, se poderá ter
havido tal intenção. Quem vai decidir sobre a intenção é o juiz, não se limitando à prova
objectiva médico-legal, concluindo mediante apreciação dos múltiplos elementos
processuais de que dispõe e dos quais a conclusão médico-legal, apesar de elemento
importante, não deixa de ser uma parcela.
Os ferimentos falam por si. Eles podem dizer-nos se houve uma facada no
pescoço, no tórax ou no abdómen, se a faca tinha o gume afiado, altamente cortante, ou
se já revelava um certo uso, se o ferimento resultou de queda, se o tiro por arma de fogo
foi dado de muito perto ou de longe fora do alcance da pontaria do indivíduo comum, se
houve ricochete da bala, por ter sido disparada, por exemplo, primeiro para o chão.
O ferimento é diferente conforme é feito por uma arma caçadeira, por uma
pistola vulgar, ou por uma arma de guerra, variando muito o seu aspecto com a distância
do disparo.
A intenção de matar não se limita aos mortos. Também nos vivos a informação
sobre a presunção que o médico-legista proporciona ao Tribunal é decisiva para a
Justiça.
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J. Pinto da Costa
Quando se desfecha uma arma, visando os joelhos, ela pode ser levantada
inadvertidamente e atingir a cabeça em vez dos membros. Outros quando pretendem
alvejar a cabeça, o disparo atinge os pés.
Nunca se pode afirmar a intenção de matar. Que seria do perito que garantisse tal
intenção, em face de uma facada mortal no coração, quando confrontado com a
realidade dela ter sido provocada por uma criança?
A prática médico-legal ensina que, por vezes, o álcool origina que grandes
amigos e até familiares próximos cometam homicídios que, em estado de sobriedade,
não teriam praticado.
Quando os ferimentos, pela sua sede, pela violência com que foram produzidos,
pela natureza deles, pelo número e distribuição relativa são do género dos que a
experiência anterior ensina como terem sido produzidos com intenção de matar,
devemos concluir apenas que fazem presumir médico-legalmente aquela intenção em
face da evidência adequada da capacidade vulnerante do instrumento empregado na
agressão.
O número de ferimentos pode contribuir para a presunção quando eles são feitos
pelo mesmo indivíduo. Ocaso do emprego de pedras, como instrumento contundente ou
outros objectos, reveste um aspecto particular. Há que distinguir se o instrumento
contundente foi utilizado directamente ou por arremesso. O instrumento arremessado
não confere agressão a exactidão suficiente para que se possa inferir da intenção de
matar.
Só por ironia é concebível que um agressor peça à vítima que esteja quietinha
com o pescoço porque apenas lhe quer dar uma facada superficial. O ridículo da
situação é evidente. Toda a facada no pescoço, como em outras regiões que a pessoa
comum sabe existirem órgãos vitais, como o tórax e o abdómen (o povo diz estripo-te,
ponho-te as tripas ao sol) faz presumir médico-legalmente a intenção de matar. A
superficialidade do ferimento deve-se a circunstâncias estranhas à vontade do agressor,
porque a vítima fugiu ou porque foi impedida, de algum modo, de ser atingida a
profundidade mortal.
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J. Pinto da Costa
O juiz confronta-se, por vezes, com a hipótese do ferimento mortal poder ter
resultado, involuntariamente, durante uma luta.
A prática no cadáver foi, outrora, entre nós, obrigatória, para treino dos
cirurgiões e mantém-se ainda hoje em muitos outros países cujo nível profissional é
muito superior ao nosso.
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J. Pinto da Costa
O respeito pelo cadáver, como templo que foi da personalidade humana que
albergou, é uma exigência básica.
Os cadáveres devem ser utilizados com dignidade nunca esquecendo que eles
são o resto de uma pessoa humana e que em qualquer ocasião podem ser requisitados
pelos familiares para enterro se o desejarem. Não é essencial que o cadáver esteja
inteiro para o efeito. O que conta é o direito que assiste à família e aos amigos de prestar
as honras e homenagens aos despojos humanos. Foi neste sentido, e nunca houve
prejuízo na afectividade colocada no evento, a regra seguida nos funerais dos militares
falecidos no Ultramar, em combate, cujo caixão continha alguns fragmentos humanos
do que restou de explosão de minas e armadilhas.
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J. Pinto da Costa
O estudante deve ter presente que quando disseca um cadáver está a estudar um
corpo que uma pessoa ocupou e que está a beneficiar da possibilidade que
voluntariamente alguém lhe proporcionou.
Não há, de momento, segurança para que a vontade da pessoa que quer doar o
seu corpo para estudo, seja inequivocamente cumprida. É certo que, a pedido do
Professor Jubilado de Anatomia Doutor Abel Tavares, elaborei uma norma que o
interessado deverá assinar acompanhado por duas testemunhas, com reconhecimento
por notário, a qual tem sido usada para casos de doação do cadáver. Nessa norma,
consta que a pessoa "declara que deseja que o seu cadáver seja entregue à Faculdade
de Medicina do Porto, para estudo anatómico, no espírito filantrópico consignado nos
termos da lei, designadamente o Decreto-Lei nº 45683, de 25 de Abril de 1964, e
Decreto-Lei nº 553/76, de 13 de Julho, pelo que não haverá que proceder a inumação
em cemitério, consoante minha vontade expressa no presente documento".
Mas, não raras vezes, tal documento apenas é conhecido meses após o
enterramento ter sido feito. Haverá, pois, que encontrar mecanismo que dê força prática
à resolução conscientemente tomada. A legalidade de tal documento está salvaguardada
pela ausência de proibição da doação do corpo. É opinião unânime que a dissecção
anatómica de material humano é indispensável e insubstituível para o ensino médico
pré-graduado e pós-graduado.
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J. Pinto da Costa
SUBMERSÃO
Antes de Lavoisier ter descoberto a respiração e a importância dos pulmões, a
submersão não foi encarada cientificamente. Pensava-se que ela era uma inundação do
tubo digestivo, o que os holandeses dessa época e os alemães deixaram transparecer,
respectivamente, nas palavras verdrinking e Ertrinkung, cujo significado era para ambas
absorção de líquido em quantidade excessiva.
Foi Ambroise Paré, considerado por muitos como o pai da medicina legal, quem
primeiro distinguiu a submersão feita em vida e a imersão de um cadáver.
A lei das doze tábuas, em Roma, previa a morte por submersão para os que
matavam os pais. No século VI, os Burgondes afogavam as mulheres adúlteras depois
de as meter em sacos com cobras e ratos. Durante a Idade Média a submersão
manteve-se como processo de execução judiciária.
Quando um indivíduo inala agua, em vez de ar, não é por falta deste que ele
morre mas por outros mecanismos.
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J. Pinto da Costa
É que a água salgada devido ao seu conteúdo em cloreto de sódio (sal) está mais
próxima da qualidade do sangue do que a água doce, o que, no caso desta, leva os
glóbulos a romperem. É por isto também que a morte demora quatro minutos na água
doce e oito minutos na água salgada. Daqui decorre ainda que a responsabilidade
médica por não atendimento atempado a um afogado em agua salgada é muito mais
grave do que quando a submersão se deu em agua doce, situação de muito mais difícil
recuperação.
O contacto com água muito fria ou muito quente pode causar uma cessação
imediata da respiração e precipitar a morte por inibição cárdio-respiratória.
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J. Pinto da Costa
Haverá sempre elementos decisivos, com base nos restos cadavéricos para a
determinação do sexo e da idade pelas medidas e outras características dos ossos e até a
identificação individual pelos dentes, que constituem as estruturas mais resistentes à
putrefacção, bem como pelas eventuais próteses dentárias.
Com humildade, temos de reconhecer que será presunçoso quem afirmar que
descobre todos os casos de submersão, por mais evoluída que seja a técnica laboratorial
de que dispõe. Mas há sempre que tentar a busca da verdade, esgotando as
disponibilidades que a ciência oferece.
PROCRIAÇÃO
Um percurso vertiginoso tem sido feito desde o tempo em que as criancinhas
julgavam que os bebés nasciam das couves ou desciam do céu no bico das cegonhas, até
aos bebés-proveta, passando pela ingenuidade do menino espertalhaço que sabia como
os manos saíam mas que não sabia como eles entravam!
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J. Pinto da Costa
Como base no princípio jurídico de que nenhuma lei deve proteger um ser
identificado não tem sido dada protecção a um embrião nos seus primeiros estádios.
As novas tecnologias da procriação abrem jus a uma pergunta: Poderá o feto "in
vitro" receber a mesma protecção legal que os outros fetos? A resposta é: Não.
HOMOSSEXUALIDADE
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J. Pinto da Costa
O Mundo não é realmente aquilo que cada um de nós quer que ele seja, mas sim o
que é.
Vai sendo cada vez menor a estigmatizarão da homossexualidade mas, entre nós
portugueses, adjectivar de homossexual uma pessoa cuja imagem se pretende denegrir
não tem sido atitude rara, ao ponto da calúnia cair sobre importantes figuras públicas.
O homossexual classicamente designado por passivo seria muito mais activo por
duas razões: porque activamente ele compromete-se na procura de parceiros e porque
durante a relação sexual ele tem uma actividade muito mais demorada que o outro, pois
que, não aceitando outro tipo de erotismo a não ser o relacionado com a fricção ou a
penetração do pénis, o orgasmo surge-lhe necessariamente mais tarde. É assim que
enquanto o dito activo já está satisfeito, o passivo ainda deseja prosseguir activamente a
relação sexual.
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
Não há sociedades perfeitas, mas quanto menor é o sofrimento das pessoas melhor
é a sua estrutura. Na base de muita homossexualidade está subjacente muito sofrimento
inaparente.
ESTERILIZAÇÃO
De maneira sucinta, pela limitação de espaço, aponta-se que a esterilização
reveste, fundamentalmente, dois aspectos: o teórico e o prático. No primeiro caso, a
esterilização voluntária pode atingir o nível criminal.
Que se saiba, não há entre nós nenhuma condenação pelos tribunais por prática de
esterilização, nem sequer o levantamento da situação nacional. O pensamento humano
sobre esterilização é controverso e radicalmente oposto por múltiplas razões, inclusive
pela indiscutível carga emocional antinazi de algumas comunidades.
Não é evidente qual a gravidez que pode ser prejudicial para a mulher. Na
interpretação médico-legal do problema, e tomando como comparação a exigência de
gravidade que o Código Penal refere (Artº 143º) para a consideração das consequências
das ofensas corporais, que apenas o são quando afectam de maneira grave a vítima, mais
pertinente se torna a dúvida sobre a gravidez que prejudica gravemente a mulher. Não se
trata das doenças hereditárias, pois os países, cuja legislação e jurisprudência condenam a
esterilização voluntária com raras excepções, não a autorizam por motivo de práticas
eugénicas por doenças hereditárias. Isto não significa que não haja médicos que durante
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J. Pinto da Costa
uma cesariana, sem qualquer conhecimento da mulher, não lhe laqueiem as trompas,
porque ela já tinha cinco filhos! Tal procedimento, mediante a respectiva queixa que
nunca existiu, seria passível de cadeia.
O médico não tem o direito de decidir pelos outros e muito menos quando a sua
decisão interfere com direitos fundamentais da pessoa humana. Deixemos a teoria. O que
acontece na prática?
Legislar, sabendo à partida que a lei não será cumprida, não será contribuir para a
anarquia em detrimento do Estado de Direito?
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J. Pinto da Costa
Há uma forte corrente, por parte dos que apenas aceitam a esterilização como
último recurso de contracepção, para que não se legisle. Bastaria a opinião do Código
Deontológico médico limitando a esterilização dada a irreversibilidade desta. Por mais
que se limitem as intervenções, nunca haverá a certeza quanto ao futuro do casal
relativamente à sua fecundidade. Pode sempre acontecer que um dos cônjuges morra ou
case novamente, ou morram os filhos.
Para evitar o aborto, a esterilização tem sido proposta como contracepção, mas a
irreversibilidade desta não tem conseguido o consenso de meio anticoncepcional,
universalmente aceite.
SEXOLOGIA FORENSE
A sexologia médico-legal é a aplicação de conhecimentos
médico-psico-biológicos às questões jurídicas relacionadas com o sexo.
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J. Pinto da Costa
A cópula com violência, ou quando a mulher, para nela ser conseguida a cópula,
for tornada inconsciente, posta na impossibilidade de resistir, é condenada com pena de
prisão que varia de 2 a 8 anos, enquanto os atentados ao pudor são penalizados com
prisão até 3 anos (artº 205º). Em minha opinião, a pena para a cópula com violência
deveria aproximar-se mais da pena de homicídio.
É para notar que quando a pena é inferior a 3 anos, ela pode ser suspensa, e que
pelo critério habitual do Código Penal, após cumprimento de metade da pena em prisão, o
restante tempo pode ser passado em liberdade.
O adultério, que actualmente não é crime, estava de algum modo relacionado com
o direito sucessório, dada a sua interferência com a transmissão de bens pecuniários.
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J. Pinto da Costa
O tráfico de pessoas (Artº 217º) é proibido para o estrangeiro, pelo que não
criminalizado como tal em Portugal, sendo menos penalizado no tipo legal de crime de
lenocínio.
Sobre o aborto, o que a lei veio regular já estava assegurado pelos princípios
gerais do Direito no que toca ao aborto por motivo de risco de vida da mãe. O que deve
ser defendido não é o aborto, mas o direito das mulheres possuirem as condiçes
sócio-económicas para terem os filhos que desejarem.
A legislação, seja qual for o seu alvo, deve reflectir, no espaço e no tempo, a
estrutura do comportamento humano, sancionado pelo dinamismo da ética.
Há quem afirme que, do ponto de vista religioso e moral, a esterilização com fins
não terapêuticos é comparável ao aborto provocado. Há também opiniões variadas sobre o
assunto, inclusive que o consentimento do marido não é relevante quando a mulher
pretende uma esterilização terapêutica, mas que tal consentimento necessitará de ser do
marido e da mulher quando são evocadas raízes eugénicas ou contraceptivas.
O Código Penal Português não prevê a esterilização como crime, nem tão-pouco
pode aplicar-se-lhe o princípio normativo que proíbe as mutilaçes corporais com o intuito
de se tornar impróprio para o serviço militar, porquanto estas, obviamente, não se referem
à capacidade de procriar.
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J. Pinto da Costa
VIOLAÇÃO SEXUAL
Vista de um certo prisma, a designação violação é uma redundância, pois que,
por si só, a palavra violação encerra a carga de crime sexual, com um sentido próprio no
código penal de qualquer país.
Há, para começar, duas opiniões divergentes. Os que entendem que a violação
respeita apenas à mulher, e os que estendem o crime até ao homem. Num grupo (ambos
os sexos) encontram-se países como a Argentina, a Bolívia, a Colômbia, a Costa Rica, o
Equador, o Haiti, a Itália, o Panamá, o Paraguai, Salvador, o Uruguai, o México e a
Espanha que, em Direito Penal, nesta matéria, dá cartas. Segundo o Código Penal
Espanhol (artigo 429º), comete violação quem tiver acesso carnal com outra pessoa,
qualquer que seja o sexo dela, seja por via vaginal, anal ou bucal, pelo uso da força ou
intimidação, quando a pessoa se encontra privada dos sentidos, quando o abuso for em
alienado mental, ou com menor de doze anos mesmo que não haja violência. No outro
grupo, que inclui os países que consideram que a vítima de violação pode ser apenas a
mulher, contam-se a Alemanha, o Brasil, Cuba, o Chile, a Guatemala, as Honduras, a
Nicarágua, o Peru, Porto Rico e a República Dominicana. Entre nós portugueses, a
situação é curiosa:
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J. Pinto da Costa
O facto do Artº 201 do Código Penal (C.P.) empregar a palavra "mulher" impede
qualquer dúvida, exigindo expressamente que a vítima seja mulher, não sendo possível
por analogia aplicar o principio ao homem. São pressupostos da violação a cópula ou
acto análogo com menor de doze anos.
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J. Pinto da Costa
Pelo facto do hímen estar situado mais profundamente nas crianças do que nas
adultas, explica-se que na generalidade dos casos a cópula seja sem desfloramento
anatómico, havendo, pelo contrário, extensas lesões vulvares e perineais, pela
desproporção entre o pénis e a região genital feminina, nas crianças de idade inferior a
dez anos.
O que está em jogo no crime de violação é a posse carnal e esta pode ser
demonstrada pela presença de esperma nos órgãos sexuais femininos, para cá ou para lá
do hímen. É importante sublinhar que é possível a inexistência de lesões na mulher
adulta virgem, inclusive mantendo a integridade himeneal.
O sexo não é circunstância, pelo que o legislador não expressou o sexo feminino.
Sendo assim, e por comparação, o Artº 201º do C.P. actual também é limitado à mulher
dada a semelhança da sua redacção com o Artº 394º do C.P. de 1886.
Toda a legislação dos crimes sexuais, altamente protectora, com destaque para a
violação, é um insulto à mulher, pela sociedade machista em que vivemos.
A mulher e o homem têm os mesmos direitos. O que tem que ser protegido é a
pessoa humana, no que ela contém de dignidade e de liberdade e não a mulher ou o
homem. Só faltava fazer leis para os hermafroditas! Acabe-se com a obsoleta e
retrógrada designação de violação, estupro e atentado ao pudor. Os senhores juristas que
procurem o normativo adequado para penalizar quem perturbar a liberdade sexual do
próximo e depois será o juiz que, sem grilhetas à guiza de ementa de restaurante,
aplicará a pena que entender, na perspectiva processual correcta. A referida protecção
discriminatória coloca a mulher num plano de inferioridade, o que, além de
constitucionalmente reprovável, é condenado pela declaração dos direitos humanos.
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J. Pinto da Costa
É necessário mudar a lei penal, por forma a que o Tribunal possa, caso a caso,
aplicar a lei, decidindo em matéria de delinquência sexual. Nuns casos, será a mulher
que tem que ser protegida e noutros será o homem a necessitar de protecção. Talvez, por
isso, seja discutir o sexo dos anjos quando se reflecte sobre a violação, cuja discussão
deveria limitar ao plano académico o enunciado de um certo número de questões.
A lei prevê que a pena seja especialmente atenuada, se a vítima tiver contribuído
de forma sensível para o facto da violação. Mas aplicar pena atenuada ao agente
equivale a limitar a liberdade sexual da mulher. Esta tem todo o direito de provocação,
enaltecendo os seus dotes femininos, mantendo incólume o seu direito à liberdade
sexual.
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J. Pinto da Costa
Triste homenagem a quem, em 1762, ainda com vinte e nove anos de idade, foi
nomeado, pelo Marquês de Pombal, juiz de crime no bairro do Castelo de S. Jorge, em
Lisboa.
CONTROVÉRSIAS TÊMPORO-ESPACIAIS
A sugestão de tolerância para a homossexualidade e para a prática sexual fora do
casamento e ainda a ordenação sacerdotal de homossexuais foram largamente rejeitadas
na América. A reacção dos baptistas, em Atlanta, que contam quinze milhões de
membros, foi espectacular ao sublinhar que a homossexualidade, o sexo antes do
casamento e a promiscuidade podiam colocar-se ao mesmo nível da violação, incesto e
prostituição como pecados contra os modelos bíblicos da sexualidade. Controvérsia com
a Igreja Católica na qual impera uma tolerância cada vez maior na problemática sexual.
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J. Pinto da Costa
como profilaxia de aterosclerose, dizia-se ontem. Hoje, deve beber-se azeite para a
evitar.
O acto sexual não teve sempre a dignidade de acontecimento moral que hoje lhe
é atribuída. A princípio era como no cão. O esperma era simplesmente depositado. Mas
o homem complica tudo. Inventou a vida sedentária, em quatro paredes,
escravizadamente sentado a uma máquina de escrever, perdão, estaticamente fixado,
horas a fio, ao computador. Para compensar a anti-fisiologia deste comportamento
atrofiante das massas musculares, corre, pelas ruas, em cuecas.
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J. Pinto da Costa
Como alguém disse, as relações sexuais do homem culto não constituem uma
simples satisfação dos órgãos da metade inferior do corpo mas sim um acontecimento
espiritual que desencadeado, embora a nível do aparelho genital, aproxima o homem
dos deuses em lugar de o rebaixar à categoria animal.
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J. Pinto da Costa
A opinião das pessoas não informadas sobre o assunto cai, naturalmente, para a
sensibilidade da sua personalidade para com uns ou outros dos argumentos possíveis.
A primeira dúvida consiste em decidir se há algum motivo pelo qual uma pessoa
ou um casal que queiram ter filhos não possam ser ajudados nesse sentido.
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J. Pinto da Costa
Parece mais fácil admitir que o grupo social exerça um certo controlo sobre o
aspecto positivo da questão, designadamente negando o acesso à nova tecnologia da
procriação artificial a certas pessoas, do que na vertente negativa.
É evidente que é mais difícil ajudar alguém a que se reproduza quando essa
pessoa não dispõe de capacidade natural para procriar, como é o caso de defeitos
anatómicos, esterilidade, e certas doenças, do que evitar a reprodução quando o
indivíduo dispõe de toda a capacidade para se reproduzir.
É muito controversa a questão dos pais atrasados mentais, que já têm um filho
atrasado mental. Deverão ter direito ou dever a esterilização?
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J. Pinto da Costa
A ética é uma ciência dinâmica que não pode ser imposta por ninguém. Antes
pelo contrário, as nossas diatribes pessoais diluem-se na força da ética, no espaço e no
tempo.
Embora entre nós se dê preferência à mãe pelo simples facto de o ser, tal não é
universalmente aceite, reconhecendo-se igualdade de direitos aos pais.
A jurisprudência entende que mesmo de tenra idade, a criança não deve ser
entregue aos cuidados da mãe, se existirem circunstâncias que o desaconselhem
(Acórdão da Relação do Porto, 06.11.84). É neste sentido a Declaração dos Direitos da
Criança segundo a qual, esta precisa de amor e compreensão para o desenvolvimento
harmonioso da sua personalidade.
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J. Pinto da Costa
O conceito do melhor interesse do filho implica que o direito dos pais sobre o
filho não seja absoluto e que o filho também tenha direitos como pessoa jurídica,
especialmente o direito a ter protegida a sua integridade emocional ou física, incluindo a
protecção contra o abuso pelos próprios pais. Os citados direitos incluem ainda as
medidas que os pais ou tutores devem tomar para garantir ao filho as necessidades
básicas da existência.
Em suma, a questão, à partida simples, de ter ou não ter filhos, envolve sempre
um conflito de direitos: dos pais, do filho, do Estado e do pensamento ético da
comunidade.
Tudo deve ser avaliado na base da dignidade das pessoas humanas envolvidas.
PROCRIAÇÃO ARTIFICIAL
Escassos considerandos hoje, oportunamente de índole recreativa, embora o
problema seja muito sério. No direito à diferença, a questão da procriação é diferente.
Que o plano natural de vida prossiga, sem regras muito apertadas, para que ela
corra dentro da normalidade. A vida é posta em forma de máscara de Carnaval. Tudo
deve ser encarado com uma certa flexibilidade.
Que fazer dos embriões excedentários? Há muitas propostas. Aqui vai mais uma:
deixá-los crescer e mascará-los de Simpsons ou de Tartarugas Ninja (que é o que está a
dar) e incorporá-los, anualmente, nos cortejos carnavalescos!
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J. Pinto da Costa
É um escândalo, diz o povo, andar a fazer filhos com esperma dos outros. Não
interessa o sentimento colectivo. O que conta é a vontade do médico que entende que
deve fecundar-se a mulher com esperma de outro homem, mesmo que a consciência
moral genérica o reprove. Porque a democracia é estúpida, o procriador artificial é quem
manda.
Uma mulher de 39 anos (não em Portugal) que já era mãe de dois filhos obtidos
naturalmente, foi sede de processo mecânico artificial para ter outro filho por alegada
impossibilidade de ter mais filhos. A mulher esteve sete dias em coma e depois morreu.
Não foi feita a autópsia porque o médico passou um certificado de óbito que levou ao
enterramento imediato do cadáver. Carnavalesco, não é?
Direito de nascer. O que é isso? Aborto não depois das doze semanas. Treze não.
Treze dá azar. Se a vida é o bem tutelado, sendo ela una e indivisível, será que cresce
com o amadurecimento? Viva o Carnaval!
O bebé proveta, criação de Patrick Steptoe, inglês muito circunspecto, por sinal
nada carnavalesco, é uma concepção legítima para ajudar um casal que não tem filhos
porque a mulher não pode conceber logo de início. É por isso que o método é normal e
moral, embora haja a ideia errada de que o bebé seria feito de matéria química existente
nos laboratórios, em estufas e máquinas complicadas, até nascer.
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J. Pinto da Costa
O filho pode não ter muito a ver com o sexo. Por vezes é muito mais sexual a
tomada, em conjunto, de um café, do que fazer um filho. Pode mesmo fazer-se por
encomenda, mediante um banco de esperma, como quem paga as prestações de um
televisor ou de um apartamento alcatifado.
O leitor entendeu? Não? Ainda bem. Este Carnaval não dá para entender.
Esquece-se na quarta-feira de cinzas. Pode ser que acabado o folguedo comece a
respeitar-se todo o ser vivo como pessoa humana na sua dignidade.
Não endireitar o Mundo, mas não permitir que ele se entorte ainda mais deve ser
a meta de todo e qualquer um de nós. Os vindouros nos julgarão.
HERMAFRODITISMO
A notícia correu o Mundo dimanada do jornal Tempo, de Manila. Um filipino
hermafrodita, grávido de seis meses, pretendia o estatuto feminino para casar com o seu
companheiro, um soldado de vinte e um anos. Não é a veracidade da notícia que está em
causa, até porque a comunicação social foi célere em desmentir o acontecimento,
esclarecendo que na realidade de nada mais se tratava do que de um homossexual que
pretendia, mediante o insólito, colher dividendos para um eventual casamento com
outro homem.
Do mesmo modo que da calúnia fica sempre algo, também não vamos
desperdiçar a possibilidade de ilações sérias motivadas pela tentativa de embuste dos
menos cautos.
Diz a lei (Código Penal) que quem praticar inseminação artificial em mulher,
sem o seu consentimento, será punido com prisão, havendo procedimento criminal
mediante queixa. Assim, para que se verifique o tipo legal do crime em questão, a
condição de mulher é essencial. Quer dizer que se for homem o inseminado, não haverá
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J. Pinto da Costa
Fique, como meditação, uma nova reclamação masculina quanto ao "direito" dos
homens a terem filhos seus, no ventre, demoradamente por nove meses, como a mulher.
Tudo pela dedução logicamente perigosa da diferença (para quem não aceita esta como
direito) da mulher ter filhos e o homem apenas os fazer. Da receptividade que a mulher
constituiu durante milénios, o homem pretende assumir agora o mesmo papel: o ser
humano como chocadeira. Valerá a pena mudar tanto a natureza?
SOBRE O ABORTO
Sobre é um modo arcaico de encimar o desenvolvimento do tema. Obviamente
adequado porque o assunto é antigo, como a natureza humana. Desde quando? Pela
certa, antes de Adão e Eva, não houve abortos humanos provocados. Recentemente
(Junho de 1992) a OMS, num relatório sobre a reprodução humana, refere que se fazem
150 mil abortos por dia. Por ano fazem-se cerca de 15 milhões de abortos clandestinos
(mais de 40 mil por dia), admitindo a própria OMS que o seu número atinja os 22
milhões anuais (mais de 60 mil por dia). Tomando para o planeta, como base, uma
população sexualmente activa dos 15 aos 65 anos (3,5 milhões) calcula-se que em cada
mil mulheres se fazem 32 a 46 abortos.
O número de abortos, per capita, tende a diminuir, uma vez que alguns dos que
poderiam vir a ser vítimas de abortos não o são, porque não chegam a nascer. Na base
de que se praticam 100 milhões de cópulas por dia, poderia haver muito mais embriões.
Tal não acontece pela múltipla contracepção que se não tem sido feita nos últimos 25
anos, por exemplo, teriam produzido mais 400 milhões de pessoas que realmente não
chegaram a ser concebidas.
É preciso discutir o aborto, dizer que sim, dizer que não, com fundamento
arbitrário diametralmente oposto. Mas convicto, por opção consciente. O bem de uns
transposto em mal dos outros. Discussão superficial, repetida, a escavar as consciências
até ao consentimento informado, deliberativo, responsável, para não ficarmos de fora.
Até ao fim do ano o assunto vai ser apreciado no lugar superior das discussões e
deliberações. Embora não possamos votar, é importante saber o que é decidido mesmo
que seja contra o que pensamos. Urge, por isso, que cada um saiba o que quer e porque
o quer. O aborto pode ser encarado como uma ficção moral. Em termos futebolísticos,
transportado o jogo para o simbolismo da vida, a procura da vitória poderosa, como
valor supremo na escala das importâncias, coloca o aborto como bola branca que espera,
no centro do campo, pontapés dum lado, pontapés do outro, mais cabeçada, menos
cabeçada. Dum lado joga o materialismo dialéctico com as suas jogadas delineadas pela
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J. Pinto da Costa
Porque legitimar o aborto até aos três meses e não aos quatro ou mais ? Não é,
certamente, pela saúde da mãe, até porque hoje, desfrutando das modernas tecnologias,
é possível fazer abortos, por cesariana, a um custo estimado de quatrocentos contos nas
melhores condições higiénicas (?!). Será realmente o aborto um problema ético
essencial? Quanto à ética, evidentemente que é, no dinamismo próprio que lhe assiste.
Contudo, é difícil descernir sobre o pensamento dos outros quando não há prospecção
nesse sentido. E a questão não é de sim ou não. Um complexo rendilhado de variáveis
tem que ser atendido para não se cair no erro do estrangeiro que, por ter visto meia
dúzia de gatos com a cauda cortada, foi dizer para a sua terra que em Portugal os gatos
não tinham rabo.
Aborto mudado, virado do avesso, lançado para primeiro plano, pela vaga forte
da renascentista bioética, que o trata como problema transcendental, que é,
estreitamente relacionado e inalienável com outras questões do início da vida humana.
Quantos de nós existiríamos se o aborto não fosse crime, melhor dizendo, não lhe fosse
aplicada a pena, em determinadas circunstâncias atendíveis por lei? Quantas mães, sem
condições físicas para terem filhos, os teriam, negando todas as racionais previsões
médicas? Mas, cuidado, que ás vezes não ganham os melhores, mas os mais
determinados. Em termos futebolistas ainda, lembre-se como a Dinamarca repescada
venceu a Alemanha campeã. A dificuldade está em saber quais são os melhores a jogar
no aborto. Melhores é um conceito que passa pela força da razão da maioria.
Seria mesmo oportuno decidir o jogo, com grandes penalidades ou moeda ao ar?
Vamos aceitar prolongamentos indefinidos?
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J. Pinto da Costa
Talvez que, filosoficamente, tudo isto seja muito interessante. Na prática, muito
provavelmente, para nós portugueses, não é preocupante. Será difícil não fazermos o
que a Europa disser. Acima da Europa, contudo, está a consciência individual, protegida
pelo estatuto do objector.
A PALAVRA E O SEXO
Que a educação é prioritária é um chavão em qualquer parte do Mundo. Que
educação é difícil definir. A educação religiosa existe em qualquer comunidade. Abolir
o ensino religioso nas escolas oficiais seria uma decisão peregrina. Que seja
inconstitucional o ensino da religião católica, sem oportunidade para outras religiões,
parece transparente. Proibir o seu ensino seria anti-democrático. Ninguém o proíbe.
Contudo, deixar o ensino da religião a nível opcional é privar o estudante de conhecer
os fundamentos da religião obviamente vinculada ao seu País desde os primórdios
históricos do início da nacionalidade. Em boa verdade, as democracias assentam na
maioria. Não seria mau, por isso, a título informativo, proporcionar, numa perspectiva
cultural, o conhecimento da religião que historicamente baseou o comportamento dos
portugueses em quase nove séculos de existência.
A nível oficial, é necessário que um número de, pelo menos, quinze alunos
hajam voluntariamente requerido que lhes seja ministrada a respectiva aula de formação
religiosa para que exista tal ensino.
A pessoa humana sem fé é um quadro sem moldura, nem que a fé seja "não ter
fé".
A humanidade não vive sem sonhos. Ao longo dos tempos, a utopia tem sido a
de encontrar um espaço onde a igualdade social, a justiça, a paz e a abundância seja
amplas, gerais e irrestritas. É este o ideal procurado pela pessoa humana no seu perfil
religioso.
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A palavra má, dita de noite, entra pelo ouvido, segue pela faringe e pelo fígado
e atinge o útero e, por ser má, impede a mulher de procriar numa perspectiva de
esterilidade temporária. A palavra boa é diurna. Do ouvido passa directamente para o
sexo, enrolando-se imediatamente à volta do útero, na forma helicoidal. Esta palavra
boa (também chamada palavra de água) possui a humidade necessária para a procriação.
A palavra boa transforma-se em germe celestial, em potência, aguardando a intervenção
do homem, para que seja possível desenvolver-se, tomando forma humana. O germe era
tido como o projecto de um embrião.
Pela força da palavra, o casal original teve oito filhos, dos quais os primeiros
quatro foram homens e os outros mulheres. Estes oito iniciais podiam fecundar-se a si
mesmos, por possuírem duplo sexo.
Haveria quatro formas de útero e três formas de sexo masculino. Cada forma
relacionava-se com uma complicada correspondência simbólica com características
próprias e poderes específicos. A forma pobu, por exemplo, é comparável ao feijão e é
nefasta, imprópria para a concepção por o útero ser pouco profundo. É a forma do
aborto e dos filhos doentes. A forma pé de antílope, de útero triangular, é uma forma
muito boa, da qual se espera a gestação de gémeos do sexo masculino.
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J. Pinto da Costa
Maria: "Eu te saúdo, ó cheia de graça, o Senhor esteja contigo". Perante a perturbação
de Maria, o anjo retorquiu: "Sossega, Maria, porque alcançaste a graça de Deus. Irás
conceber e dar à luz um filho, a quem darás o nome de Jesus. Ele será alto e
chamar-lhe-ão Filho do Altíssimo". Então Maria perguntou: "Mas como vai ser, se não
conheço varão?" A resposta foi pronta: "O Espírito Santo descerá sobre Ti. Por isso, o
teu filho será Santo e chamar-lhe-ão Filho de Deus". Em seguida, Maria disse: "Sou a
Serva do Senhor. Faça-se segundo a tua palavra".
Tudo é possível. Até acreditar que uma chicotada, com serpente, na nádega de
uma mulher virgem a consegue engravidar.
Por hoje basta. Voltarei com outros assuntos no plano das cogitações vulgares de
uma Europa que teima em persistir, sem aceitar, humildemente, que a próxima
civilização é a do Pacífico, com seus ritos, mitos, palavras e sexo.
FALAR DE SIDA
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J. Pinto da Costa
Ninguém vai dar seringas aos presos, e ainda bem. Não dá, nem pode dar,
porque se as desse, estaria a legitimar que os presos se drogassem com injecções de
heroína.
Quando a geração dos pequeninos dos anos 30-40 cantava o Hino da Mocidade
Portuguesa: "Lá vamos, cantando e rindo. Levados, levados, sim!" não faltava a droga
para voar nos ideais supremos. Vivia-se drogado, embriagado nos valores superiores da
Pátria, que ultrapassava existencialmente os jovens para além dos espaços vazios.
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J. Pinto da Costa
A referência da sida na lista oficial daquelas doenças por ser indispensável foi
introduzida ainda que tardiamente. Tal deverá ser o ponto de partida para uma
abordagem científica da questão. Por isso, é mais prudente não citar números. Para não
errar. Há bastante imprecisão nos casos apontados em Portugal. Entre 1983 e 1987,
haveria 53 casos mortais no país, por informação oficial. No Instituto de Medicina legal
do Porto, traduzindo um sector restrito da população portuguesa, relativamente a 1991 e
1992 (até fim de Outubro), registaram-se seis casos.
Uma coisa é certa: as vítimas da SIDA, entre nós, nunca atingiram o nível
"normal" dos mais de duzentos mortos por mês por acidentes de viação. É preciso ter
coragem de enfrentar este problema que é mais grave que a sida. Talvez, partindo de
uma recordaçãozinha: nunca houve na guerra do Ultramar a média de duzentos mortos
mensais, nem o estropiamento foi tão grande como o que os acidentes de trânsito
deixam nos vivos.
Mau grado o notável empenho dos responsáveis pelo sistema, o provérbio não
perdoa: "De boas intenções está o inferno cheio".
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J. Pinto da Costa
terreno é diverso, pela mudança dos comportamentos, mercê ou desmercê dos avanços
da tecnologia, largamente difundidos pelos mediáticos da informação. Violência pouco
mais significa que um desvio nítido de normas jurídicas e institucionais,
pré-estabelecidas, no espaço e no tempo. É difícil criminalizar uma sociedade quando as
regras da limitação da natalidade permitem que se mate crianças com esse fim, como
aconteceu outrora na China.
A guerra mais mortífera foi, até agora, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
com 15 milhões de mortos, seguida da guerra de 1914-1918 (9 milhões), da guerra da
Coreia (2 milhões) e da guerra Sino-Japonesa (1 milhão). Estes números não assustam,
quando comparados com os actuais 50 milhões de pobres e cerca de 20 milhões de
desempregados na nossa Europa.
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J. Pinto da Costa
numa forma de modo de ver e de viver o Mundo. Com a visão ecuménica global deste,
como é possível falar de violência, perante um multifacetado de civilizações e
miniculturas não miscíveis, com seus padrões próprios não uniformizados? Não é
possível, pois não há uma realidade homogénea, existindo, pelo contrário, vivência em
eras diferentes nas quais o sentido da violência é profundamente diverso. Que há uma
tecnologia da destruição é um facto, pela diversidade dos instrumentos disponíveis, pela
gradação dos meios e respectivo acesso.
O que conta não é a realidade vivida por cada um de nós, mas o que sabemos e a
comunicação nos proporciona. O inopinado é um valor sócio-cultural. Contra o ritmo da
monotonia. O terrorismo na Irlanda já não é tão importante como outrora. Os
acontecimentos na Bósnia ficam para trás pelas crises no futebol. Muita da insegurança
que as pessoas hoje dizem ter não resulta de nenhuma violência que directamente lhes
tenha tocado mas apenas porque ouviram dizer.
A seguir ao 25 de Abril, a maior parte das pessoas que se suicidou não foi
prejudicada pelos acontecimentos mas apenas entrou em pânico pelo que era dito ter
acontecido a outros. A violência, com a carga de ruptura que veicula, é um alimento
privilegiado para a massa anónima. Quanto mais são espectaculares as violências
relatadas mais é acicatada a curiosidade, a leitura, a audição e a visão dos seres
humanos. Num Mundo cada vez mais transparente não é de rejeitar que de algum modo
estejamos a ser influenciados na estruturação da nossa própria personalidade por uma
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J. Pinto da Costa
cultura facilitada da violência. Que sempre existiu. Que agora nos é dada em
embalagens sugestivas e tentadoras, ao nosso gosto. Hoje lemos dois ou três jornais
diários, folheamos as revistas semanais, ouvimos o noticiário da rádio e vemos a
televisão.
Consumimos e integramos sem crítica, como se fossem dogmas de fé, o que nos
é proclamado muito profissionalmente pelos órgãos da informação. Nunca fomos, como
agora, tão bem informados quer sobre a riqueza, quer sobre a pobreza. É possível que,
como preconiza Adler, a grande essência do comportamento humano, assente na ânsia
de ser importante e não propriamente no sexo como referiu Freud. A desigualdade,
como acto rotineiro e contumaz, das diferenças inter-pessoais, permitindo que uns
usufruam à saciedade o que à grande maioria é negado, é uma violência. A
desigualdade, considerada violência, é um fenómeno temporal, que atinge todas formas
possíveis de sociedades.
Como sempre.
A vitimologia ensina que a maior parte das vítimas de abusos sexuais está
relacionada com alguém conhecido, quase sempre em casa da vítima e que quanto
melhor é a informação mais adequadas serão as medidas de prevenção.
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J. Pinto da Costa
Mais de 50% dos abusos sexuais em crianças são cometidos por alguém que a
vítima conhece e em quem confia. Uma criança vai sendo vítima de abuso sexual
enquanto não tiver poder e dependa dos adultos económica, política, social, física e
emocionalmente.
Considerando o limite de idade até aos 16 anos, o número de exames foi de 286
(48,6%) dos quais apenas 13 (4,5%) são relativos a indivíduos do sexo masculino. A
maior parte dos exames foi requisitada pela Polícia Judiciária (53,1%), seguindo-se os
Tribunais de Círculo, os Tribunais de Instrução Criminal, os Tribunais Correccionais e
o Tribunal de Menores. A maior incidência de exames (83,9%) é relativa aos menores
de idade compreendida entre os 9 e os 16 anos. A maior parte dos exames não revelou
qualquer alteração morfológica indicativa de abuso sexual determinante da solicitação
do referido exame médico-legal. Em 142 casos, houve sinais que permitiram afirmar
não ter havido cópula com penetração do pénis na vagina. Em 59 casos, a confirmação
de hímen complacente não permitiu excluir a realização da cópula.
Não é fácil definir o nível sócio-cultural dos examinados, mas ele atinge os
estratos menos protegidos. Em 127 casos (1984-1990 Maio), houve 5 referentes a
atrasados mentais. Por ordem de frequência, o abusador foi o pai, um conhecido, um
vizinho e um tio. Globalmente, foram os familiares, os amigos e os conhecidos os
abusadores mais frequentes. A maior parte destes não tinha antecedentes criminais. Não
se encontrou referência a antecedentes psiquiátricos nos abusadores a não ser num caso.
Muitos abusos foram cometidos na residência comum à vítima e ao agressor (42,8%).
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CONCEITO DE INFANTICÍDIO
O infanticídio, hoje considerado como crime privilegiado (menor pena), foi
outrora punido, como homicídio agravado, com pena de morte mediante execuções por
vezes ofensivas de dignidade humana.
O pai, no primitivo Direito Romano, devido ao jus vitae ac necis, relativo aos
filhos, não era incriminado se matasse o recém-nascido. Em contrapartida, a mãe era
considerada criminosa.
Entre nós (Artº 356º, Código Penal 1886), o crime de infanticídio consistia em
matar voluntariamente um infante no acto do seu nascimento ou dentro em oito dias e
era punido com pena de prisão maior de vinte a vinte e quatro anos. Se o crime tivesse
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J. Pinto da Costa
sido cometido pela mãe, para ocultar a sua desonra, ou pelos avós maternos, para
ocultar a desonra da mãe, a pena seria a de prisão maior de dois a oito anos.
O novo Código Penal (Artº 137º), não contemplando a intervenção dos avós,
marido ou outras pessoas que não sofram alterações do puerpério, concentra a acção
jurídico-penal apenas na mãe. É assim que também por isto se conclui que o problema
da honra não é o ponto fulcral da questão, já que a lei deixou de atender á intervenção
dos avós e de outros familiares quanto à desonra daquele que mata a criança para salvar
a honra da mãe. É o que ressalta da expressão do Código no citado artigo: "A mãe que
matar o filho durante ou logo após o parto, estando ainda sob a sua influência
perturbadora ou para ocultar a desonra serão punida com prisão de 1 a 5 anos".
Entenda-se que a influência perturbadora que leva a mulher a matar um filho não
atinge o nível psicótico porque neste caso a mãe seria inimputável. O que conta são as
modificações importantes relativas a alterações comportamentais significativas,
originando que, na balança dos valores, a honra sobressaia sobre o direito à vida do
semelhante, no caso concreto do próprio filho, vencendo uma das componentes
instintivas do ser humano o instinto maternal.
É óbvio que o puerpério não conduz sempre a uma alteração psíquica. É exigível
que se demonstre inequivocamente que a perturbação psíquica sobreveio em
consciência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de
auto-inibição da mãe.
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Quando se suspeita que uma mulher tenha praticado o infanticídio, haverá que
decidir se estão reunidas as condições para que se possa imputar-lhe tal crime,
designadamente sinais de gravidez recente.
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A ética de então consignava que não se devia deixar morrer uma criança.
Na Grécia, Agaménon tentou sacrificar a sua filha Ifigénia, para que a frota
troiana pudesse partir, mas a Deusa Diana tirou-a do altar. Foi ainda na Grécia que
muitas crianças feias e aleijadas foram lançadas do monte abaixo.
O menino Jesus, na fuga para o Egipto, foi salvo da carnificina infantil mandada
por Herodes.
Paulo Zacchia (1626), considerado por muitos o pai da medicina legal, levantou
a questão dos maus-tratos na criança, ao realizar algumas autópsias por esse motivo.
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Besnier (1902), em França, fez a sua tese de formatura sobre este tema.
Parisot e Caussade (1929) publicaram "As sevícias nas crianças" nos Annales de
Médecine Légale.
Caffey (1957) publicou novos casos de observação pessoal, afirmando que estas
lesões eram devidas inequivocamente a maus-tratos produzidos por adultos.
É muito possível que a maior acuidade da questão dos maus tratos na criança
(em inglês battered child) possa estar relacionada com o impacto do caso de uma
menina maltratada fisicamente, pelos pais, e que foi salva pela Sociedade Protectora dos
Animais, nos Estados Unidos, em 1870. É assim que emerge a ponta dum iceberg, um
bocadinho mais levantado com os milhares de crianças lesadas, torturadas e mortas
pelos pais, nos relatos de Kempe, Silverman, Steele e Droegemueller, em 1962.
A agressão sexual nas crianças é uma forma de maus-tratos. Mais de metade dos
abusos sexuais em crianças são cometidos por alguém que a vítima conhece e em quem
confia.
Uma criança vai sendo vítima de abuso sexual enquanto não tiver poder e
dependa dos adultos económica, política, social, física e emocionalmente.
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No que toca à posição social das crianças, elas dependem do mesmo grupo que
os abusadores adultos. Paradoxalmente, a dependência da protecção dos adultos torna os
menores mais vulneráveis.
O facto de uma criança ter sido vítima de maus-tratos na infância predispõe para
que ela, quando adulta, infrinja maus tratos a outras crianças e ainda possa vir a
tornar-se uma pessoa violenta e potencialmente homicida.
É muito importante que os menores não sejam maltratados por todos os motivos
e até porque é necessário desfazer o ciclo vicioso.
Fala-se muito em trinta mil crianças maltratadas, por ano, em Portugal. A este
número correspondem cento e oitenta mil em seis anos durante os quais foram
autopsiadas no Instituto de Medicina Legal do Porto menos de dez vítimas mortais, não
especificamente por traumatismos mas também por má alimentação (forma passiva).
Não são tantas, como se pensa numa análise superficial da questão, as crianças
agredidas fisicamente, e muito menos mortalmente, já que, por doença e desnutrição,
morrem, diariamente, em todo o mundo, quarenta mil crianças. E, mais ainda, morrem
mais de quatro milhões de crianças de idade inferior a cinco anos, por ano, também em
todo o mundo, por infecções respiratórias, especialmente a pneumonia, cujas mortes
podiam ter sido evitadas se as doenças fossem diagnosticadas e tratadas atempadamente.
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COMPORTAMENTOS VIOLENTOS
O homem violento, agressivo, caído nas malhas da justiça é uma espécie de
modelo supervivente do renegado criminoso nato de Lombroso. É difícil analisar as
diferentes fases do comportamento do homem criminoso porque o modelo é metafórico,
irreal e depende da codificação social do acto praticado como crime. O incesto já foi
crime e o adultério também. Hoje não.
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É curioso notar que sendo a família, por conceito próprio e vocação, o local onde
devia imperar a doçura, a segurança e o amor, ela transformou-se num meio negativo
revelador ou fabricante de tendências patológicas ou primitivas. Ninguém pode sentir-se
realmente integrado na sociedade em que vive se não está solidário com ela e possui um
sentimento de irresponsabilidade. Quando alguém tem a sensação de ser útil não há
hostilidade para com os outros, nem necessidade de vingança, de lutar ou discutir.
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A violência é uma realidade que não deve ser dramatizada mas que é preciso
controlar. É uma questão social de âmbito universal, e não apenas do ensino nas escolas,
nem dos educadores, dos juízes e muito menos dos ministérios da justiça ou dos
governos. A agressividade pode ser domada, vencida, orientada de forma a tornar-se
positiva, dando-nos uma certa capacidade para vencer na vida, em qualquer tipo de
actividade, inclusive no desporto. A violência, pelo contrário, é sempre negativa e,
independentemente da justificação apresentada, não depende de necessidade embora
possa pensar-se, erradamente, que sim, pela múltipla violência contida na história da
humanidade.
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O crime é o facto punível por lei. É por isso que há quem preconize que para
acabar com os crimes se rasgasse o Código Penal...
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Alemanha, a qual não é crime, enquanto entre nós ainda é. De qualquer modo, há
parâmetros definidores de comportamentos sociais impostos, alguns dos quais
entendidos como merecedores de penas quando desrespeitadas. Diz-se normal o
indivíduo com capacidade para responder de forma adaptada aos estímulos que o
rodeiam. A capacidade de excitação é assim uma prorrogativa normal do indivíduo
"normal"
Ainda que marcadas por actuações, por vezes violentas, as condutas anti-sociais
não são sempre criminosas nem mesmo agressivas, podendo ser provocantes, isto é,
interrogativas. Elas levantam a questão dos interditos e das transgressões que cometem,
individual ou colectivamente, como em certas famílias acontece. As conflitualidades
subjacentes intrapsíquicas e interpsíquicas permitem a passagem ao acto na forma de
desorientação ou sideração, quer se revelem por quadros depressivos, neuróticos ou
psicóticos. Com o devido respeito pelo Direito, o crime não é apenas um fenómeno
jurídico-social, mas sobretudo um fenómeno biológico da personalidade humana.
A pessoa humana é una. Corpo e alma, soma e psique, matéria e espírito são
palavras sinónimas. É sobre cada pessoa, individualmente, que actuam factores
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
Não é possível valorizar um acto apenas pelo seu exame, por mais típico que
aquele seja, sem um pormenorizado estudo das causas, motivos e circunstâncias que
moveram a vontade, sem uma análise da intencionalidade que impulsionou o seu autor.
A "tendência criminal" não é um estado ou fase final, mas, antes pelo contrário
é, um aspecto inicial, susceptível de evolução e desenvolvimento e, portanto, submetido
a influências do meio.
O crime não pode, assim, ser distanciado da perspectiva humana que lhe
representa a estrutura nuclear.
REPENSAR A DELINQUÊNCIA
Sob este título, reuniram-se há dias, na terceira cidade do País, centenas de
pessoas oriundas de todo o espaço nacional.
O delinquente foi o fulcro da temática, sem contudo ter sido esquecida a vítima.
116
J. Pinto da Costa
Recorda-se que a lagosta embora não tenha cérebro, ao ser injectada com
serotonina desencadeia uma postura característica do macho amoroso enquanto a
injecção de octopamina provoca a postura inversa.
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J. Pinto da Costa
VITIMOLOGIA
Uma das grandes vitórias desta ciência, em termos de facilidade de penetração,
deve-se à simplicidade da palavra vitimologia. Ela é de tal modo forte que antes de se
saber o que é, já se conhece que é o estudo das vítimas.
Deve-se a Hans von Hentig (1948) a primazia de ter isolado o papel da vítima na
acção criminal. Poucos anos depois, Ellemberg (1959) sublinhava que a vítima e o
criminoso constituem uma dupla na qual uma das partes é feita à medida da outra, de tal
modo que, por uma, deduzia-se a personalidade da outra.
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J. Pinto da Costa
A vítima não tem sexo, mas a mulher é mais vítima que o homem nas sociedades
machistas, evidentemente, embora também haja homens vítimas de mulheres. A mulher
é mais protegida, na ideia de que é mais fraca, mais provavelmente vítima.
119
J. Pinto da Costa
motivo do horror causado pelo homicídio, isto é, para impedir futuros assassínios, o
dever de vingança surge como necessidade.
É para notar que nas sociedades primitivas não há diferença entre o acto que a
vingança pune e a própria vingança. Esta implica represálias. O crime que a vingança
pune já não é o primeiro. Ele seria já vingança dum crime anterior e assim
sucessivamente. É precisamente devido a um círculo vicioso de vingança que o homem
primitivo tenta exorcizar, pelos ritos e por sacrifícios complexos, impondo terror
permanente na vida quotidiana das tribos. Foi para quebrar este círculo vicioso que as
sociedades saídas do estado tribal desenvolveram o sistema judiciário que aliás não
suprimiu a vingança. Este sistema limita-a de facto a represálias únicas, cujo exercício é
confiado a uma autoridade soberana e especializada no seu domínio. As decisões da
autoridade judiciária revestem assim o significado da última palavra em vingança.
Nas sociedades primitivas, os males que podem advir da violência são de tal
modo gravosos e as possibilidades de cura tão incertas, que o fulcro da questão
centrava-se essencialmente na prevenção. A questão preventiva em vitimologia foi,
acima de tudo, de ordem religiosa. Em certa medida, a violência e o sagrado são
inseparáveis. O homem utilizou meios diversos para tentar impedir a interminável
sucessão de vingança. Inicialmente destacaram-se os meios preventivos relacionados
com desvios de sacrifício do espírito de vingança, não prestando atenção ao culpado
mas sim às vítimas não vingadas, já que é delas que resultará o perigo mais imediato.
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
O risco de cada um vir a ser vítima pode ser avaliado com uma certa segurança.
Para isso deverão fomentar-se estudos epidemiológicos para certos tipos de pessoas e
para diversas categorias de grupos sociais.
O estudo sistemático das vítimas dos roubos permite a sua profilaxia, mercê da
adequada informação dos meios policiais. As próprias companhias seguradoras muito
têm a lucrar com as prospecções levadas a cabo, em populações de roubados
suficientemente válidas.
Há uma perspectiva vitimológica, dos últimos anos, que se contrapõe aos ditos
modelo médico e modelo criminológico, este baseado no estudo da norma moral, social
e jurídica, e aquele baseado no estudo da personalidade do delinquente.
123
J. Pinto da Costa
CRIMINOLOGIA
Ao falar de criminologia, salta, desde logo, a lembrança de César Lombroso
(1836-1909), professor de medicina legal, em Turim, cujos estudos proporcionaram
uma nova concepção de crime e de criminoso, repercutindo-se na legislação penal de
toda a Europa. Dimensionada de modo muito diversificado, numa perspectiva
multifactorial no espaço e no tempo, ela tem abarcado as causas, formas, caracteres
delinquenciais e muitos outros aspectos da criminalidade. Não é de hoje a discussão
sobre o seu conceito. No fim do século passado, Ferri (1878) impôs-lhe um campo de
investigação psicológica, chamando-lhe sociologia criminal. O estudo do delito era
substituído pelo estudo do delinquente. A criminologia, designação original de
Garófalo, é o estudo do delito no seu aspecto jurídico e social, do delinquente no sentido
médico e biológico, e da vítima.
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J. Pinto da Costa
Durante largos anos, o delinquente, psiquicamente são, foi, para o Direito Penal,
um mero elemento do processo delitivo, espécie de objecto muito secundário e quase
marginal a não ser para receber a pena. Era assim que o Direito Penal, numa perspectiva
antropológica criminal e patológica, preferia os doentes psíquicos. Modernamente, o
estudo da personalidade do delinquente assume um carácter fundamental. A
criminalidade tem mais sentido quando os aspectos médicos e jurídicos são encarados
como fenómenos biológicos da pessoa humana na sua totalidade.
A medicina legal deixou de ser apenas a medicina dos tiros e das facadas, o que
não significa que a criminologia tenha desaparecido dela. Antes pelo contrário, esta
encontra na medicina legal o substracto necessário e indispensável.
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J. Pinto da Costa
A sociedade actual, na dita civilização ocidental, não oferece aos jovens, para
quem tudo deveria ser empenho, ideal, paixão e mística, uma cultura susceptível de
encaminhar as suas energias e o seu dinamismo para níveis superiores.
Não admira, pelo exposto, a violência dos jovens e o consumo de drogas, sendo
muito compreensível que a criminalidade revista um carácter lúdico em alguns dos seus
aspectos. A violência dos jovens não deverá surpreender, bem como o recurso aos
estupefacientes, uma vez que ambas as reacções têm natureza idêntica. Apenas se
distinguem pelas características pessoais e temperamentais de cada jovem.
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J. Pinto da Costa
O CRIME
Há amnistias. Há criminosos que saem das cadeias, em liberdade. Há a
criminologia na multiplicidade de conceitos jurídicos e médico-biológicos. Há o crime.
Quid juris?
São tantas as definições de crime, de pessoas ilustres, que não cabem nestas
linhas. Thomas Hobes (1588-1679) define-o como o pecado que comete todo aquele
que por actos ou palavras faz o que a lei proíbe ou se abstém de fazer o que ela ordena.
Segundo o Código Penal espanhol (Artº 6º ), são crimes as infracções que a lei castiga
com penas graves. Em França, as infracções compreendem as contravenções, os delitos
e os crimes. Estes são infracções que a lei pune com penas "aflitivas e infamantes".
O crime é tanto mais crime consoante maior é a pena aplicada. A avaliar pela
pena (ter de trabalhar, arrastando consigo o pecado original), os primeiros criminosos
teriam sido Adão e Eva. Na base do homicídio, crime paradigmático, a originalidade
caberia a Caim que matou seu irmão Abel. Em boa verdade, desconhecem-se dados
históricos do crime. Nas sociedades primitivas, encontram-se violadores da justiça,
mesmo antes da existência dos códigos. O homicídio é referenciado nos documentos
dos primórdios da humanidade.
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J. Pinto da Costa
de um pai violento, ciumento, que guarda para si todas as fêmeas e expulsa os filhos
adolescentes.
Vale a pena recordar como Sigmund Freud, para muitos apenas referenciado
como o pai da psicanálise, descreve o crime. Conta-nos (Tabu e ambivalência dos
sentimentos, 1903)) que, um dia, os irmãos expulsos reuniram-se, mataram e comeram o
pai, o que pôs fim à horda paterna. Uma vez reunidos ousaram e puderam realizar o que
cada um deles, individualmente, teria sido incapaz de fazer. O progenitor violento era,
com certeza, o modelo invejado e temido por cada um dos membros desta associação
fraterna. Ora, através do acto de absorção, realizaram a sua identificação com ele,
apropriando-se cada um deles duma parte da sua força. A refeição totémica, que é talvez
a primordial festa da humanidade, seria a reprodução e como que a festa comemorativa
deste acto memorável e criminoso que serviu de ponto de partida para tantas coisas:
organizações sociais, restrições morais e religião.
A biologia do crime é algo controversa. Nos anos 60, um facto científico quase
renasceu o criminoso nato de Lombroso, agora num ângulo diferente. Três
investigadoras do Medical Research Council, de Edimburgo, as doutoras Patricia
Jacobs, M. Brunton e M.M. Melville publicaram, em 1965, um trabalho sobre conduta
agressiva, subnormalidade mental e cromossoma XYY (Agressive behaviour mental
and subnormality and the XYY male). Após a determinação do cariótipo em
delinquentes perigosos e anormais detidos em estabelecimentos prisionais, encontraram
uma percentagem de 4,56% de homens portadores de um cromossoma Y
supranumerário, coincidindo com a grande estatura e agressividade deles.
Uns anos antes (1959), Patricia Jacobs chamou superfêmea a uma mulher que
tinha uma trissosmia XXX. Por analogia, designou os homens XYY superhomens
agressivos, significando a sua elevada perigosidade e a conveniência de severas medidas
128
J. Pinto da Costa
É possível que tudo isto seja demasiado simplista. Embora se admita que a
leitura de um semelhante tipo de literatura não seja totalmente inocente, é, contudo,
errado explicar, como motivação de tal atracção somente o desejo de matar ou torturar
em sonhos. Na hipótese de haver um processo de identificação, não é obrigatório que
ele se faça para com a figura do homicida. Pode relacionar-se com a vítima ou inclusive
com o polícia que conduz a investigação.
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J. Pinto da Costa
Merece uma breve referência o crime de guerra. Falar deste é puro eufemismo,
como se a guerra moderna pudesse ser combatida pela dissimulação ou a falsificação de
um resultado: o do imaginável. O crime, tornado total, aniquila a concepção que dele se
pode ter. Tal não é mais que a impotência das nossas concepções em face da situação
nuclear. São absurdas as queixas contra o prosseguimento das experiências nucleares,
pese a quem pesar. Uma decisão política que suprimisse todas as outras decisões do
mesmo género deixaria de ser uma decisão política.
Prouvera a Deus.
É evidente que, do ponto de vista clínico, quem comete homicídios, e tanto mais
quanto a situação é insólita, não "está bem". Obviamente que, pelo menos, demonstra
uma inadaptação à ordem social pré-estabelecida e codificada em normas. Há uma
grande distância até ao ponto de interferência na conceptualidade da psiquiatria forense
como situação a despenalizar ou pelo menos a atenuar a falta cometida.
130
J. Pinto da Costa
Por mais estranho e monstruoso que possa ser um crime, não se pode deduzir
pelas características de que o autor deva ter necessariamente alterações psicopatológicas
importantes ou ser considerado doente mental.
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
QUESTÕES DE MENORES
É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade. Assim reza o
Código Civil português ao referir a condição jurídica dos menores. Nem por isso
terminam neste limite etário os problemas do indivíduo que no dia seguinte deixou de
ser menor, oficialmente. Podem até as suas dificuldades serem maiores, em relação ao
cômputo das necessidades de resolução permanente de conflitos entre o sim e o não,
entre o bem e o mal.
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J. Pinto da Costa
Na teoria dos remendos, os filhos das mulheres casadas têm sempre um pai,
consoante nos propõe o Código Civil (Artº 1826).
134
J. Pinto da Costa
Mais do que a presunção de paternidade (Artº 1826º CC), como sendo pai o
marido da mãe, a verdade biológica iguala os filhos nascidos dentro do casamento e fora
deste, designadamente para os filhos concebidos antes do casamento (Artº 1828º CC) e
filhos concebidos depois de finda a coabitação (Artº 1829º CC).
135
J. Pinto da Costa
exemplo. Tal afirmação é sempre possível desde que nenhum deles seja irmão gémeo
monozigótico (univitelino).
A vizinha Espanha, cujo desenvolvimento global, nesta matéria, não parece ser
contestável na Europa, como em outras partes do Mundo, tem uma concepção muito
actual da perspectiva médico-legal da verdade biológica. Recorda-se uma sentença do
Tribunal Supremo de Espanha, de 5 de Novembro de 1987, a propósito de um caso de
impugnação de filiação matrimonial e reclamação de filiação não matrimonial “... y
cuja verdadera filiación quedó demonstrada sin género de dudas por la prueba
biológica, además de ...” e mais adiante “En él existe una contundente prueba pericial
biológica que assegura al actor un 99,98% de probabilidades de ser el padre de la
niña, por el hecho básico de la paternidad biológica, no discutido expressamente por
otras pruebas, está demonstrado”.
Recorde-se que há dias se matavam bezerros por serem filhos de mães infectadas
e que era mau comer gelatina e que a importação de cebo era proscrita.
PEDOFILIA
A assimilação do relato insistente do dramático caso das crianças mortas na
Bélgica trouxe ao conhecimento práticas muito difundidas e há muito tempo.
136
J. Pinto da Costa
Mais uma vez se prova que a Comunicação Social é muito mais forte do que a
Moral, a Ética, as Leis e os Governos. Todos eles são remexidos por ela. Foi necessário
que a Televisão, a Rádio e os Jornais denunciassem, a pretexto da triste efeméride,
fenómenos universais, para que todos discutissem a questão.
Na confusão do que se tem dito, resulta uma falta de nitidez entre tráfico de
crianças que a nossa lei contempla com uma certa ingenuidade, tendo em conta que os
responsáveis pela Governação não sabem quantos casos há do género. É muito provável
que, à boa maneira portuguesa "casa roubada, trancas à porta", não faltem comissões
para o levantamento nacional do problema. "Com sérias reservas", porque isto de
números não é a nossa especialidade. Atente-se, por exemplo, no embróglio entre o
Ministério das Finanças que dá um número para o PIB (produto interno bruto) e o
Instituto Nacional de Estatística que dá outro, diferindo em 400 milhões de contos o que
causa perplexidade na Comissão Europeia (Bruxelas). Então como é?
Prevê o nosso Código Penal que se o raptado for menor de 16 anos e surgir a
morte a pena a aplicar ao agressor será de 21 anos (Artº 160º). O tráfico de pessoas (Artº
169º) é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos que poderá ir de 1 a 8 anos se o
agressor tiver usado de violência ou se tiver aproveitado de incapacidade psíquica da
vítima. A pena (6 meses a 5 anos) (Artº 176º) para quem favoreça ou facilite o exercício
da prostituição de menor entre 14 e 16 anos é mais baixa do que a aplicar quando a
criança tiver menos de 14 anos (prisão de 2 a 10 anos).
137
J. Pinto da Costa
circunstâncias da sua existência, sem exclusão da vida sexual. Dá-se mesmo conta da
sua origem: "O homem foi formado de um líquido emitido, que sai como resultado do
encontro das regiões sexuais do homem e da mulher" (Corão, 86, versículos 6-7).
Vamos tentar sair desta aberração, e à guisa de quem não sabe onde deixou as
chaves de casa, procuremos reconstituir os passos, à procura do automatismo dos
gestos, começando pelo princípio. Assim, pedofilia, à letra, seria a amizade pelas
crianças (do grego paidos-criança; philos - amigo). Não se trata efectivamente de
amizade propriamente dita, mas de uma tendência, exagerada, fugindo da média da
normalidade e com uma conotação sexual. Ao falar-se em pedofilia subentendem-se as
parafilias. Estas são condutas sexuais inaceitáveis pela sociedade. Fenómeno
obviamente variável no espaço e no tempo encontra aceitação cultural em grandes
regiões do globo, em conhecida geografia sexual.
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J. Pinto da Costa
não. Entre nós o reflexo da diferença encontra-se no Código Penal, considerando que a
homossexualidade não é crime quando a idade do parceiro for superior a 16 anos.
CRIMES PASSIONAIS
A conduta agressiva é um dos problemas mais importantes na sociedade actual.
A hostilidade familiar é causa de sofrimento. A criminalidade de rua causa mal-estar
social.
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
Do ponto de vista moral e jurídico o criminoso por ciúme puro pode beneficiar
de uma certa atenuação da responsabilidade criminal desde que seja possível averiguar
que agiu em razão do erro de representação das circunstâncias e que tinha fundada
convicção de que actuou na situação de facto cuja licitude a lei reconhece.
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J. Pinto da Costa
VIOLÊNCIA HUMANA
Ao respeitar os mortos, estamos a respeitar-nos a nós próprios, porque vivos
somos, mortos seremos. A base do problema está na projecção dimensional da
angustiante não existência terrena.
A violência humana culmina na morte como meta final da vida de cada um,
como bem superiormente protegido.
Na prática, a experiência das situações mostra que, embora todos sejamos iguais,
há uns que são mais iguais do que outros e que há filhos e enteados da vida.
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J. Pinto da Costa
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J. Pinto da Costa
A tortura compreende todo o tipo de maus tratos e violências que causem dores e
sofrimentos de tal nível que, para os evitar, a vítima declare o que os torturadores
pretendem.
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J. Pinto da Costa
Para quem deseja estudar, entre nós portugueses, a violência humana, encontra
forte oposição na colheita de dados que ofereçam credibilidade. Quando tais dados são
obtidos, após moroso trabalho, eles surgem de tal modo atrasados, tão desfasados no
tempo, que apenas reflectem o que se passou largos anos atrás e nunca a realidade do
momento que passa. O crescimento e o desenvolvimento do País exigem uma lavagem
de mentalidades.
E que morra, em paz, sem ter que passar pelo degrau da violência.
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J. Pinto da Costa
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O crime é tanto mais crime consoante maior é a pena aplicada. A avaliar pela pena
(ter de trabalhar, arrastando consigo o pecado original), os primeiros criminosos teriam
sido Adão e Eva. Na base do homicídio, crime paradigmático, a originalidade caberia a
Caim que matou seu irmão Abel. Em boa verdade, desconhecem-se dados históricos do
crime. Nas sociedades primitivas, encontram-se violadores da justiça, mesmo antes da
existência dos códigos. O homicídio é referenciado nos documentos dos primórdios da
humanidade.
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As pessoas reagem de modo diverso. O que a uns relaxa e distende, a outros dilata
as paixões. É assim que com frequência se cometem crimes de ameaças, injúrias e até
de grande violência.
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J. Pinto da Costa
Do ponto de vista moral e jurídico, o criminoso por ciúme puro pode beneficiar de
uma certa atenuação da responsabilidade criminal desde que seja possível averiguar que
agiu em razão do erro de representação das circunstâncias e que tinha fundada
convicção de que actuou na situação de facto cuja ilicitude a lei reconhece.
Do ponto de vista legal, é factor atenuante a prática do crime sob violenta emoção,
sobretudo quando a vítima injustamente provocou o agressor.
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Que o crime tem relação com o álcool é uma evidência comprovada há largos
anos. O alcoolismo é a toxicodependência por excelência para nós portugueses.
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Os delitos cometidos por pessoas alcoólicas são praticados, em muitos casos, por
razões económicas, incluindo a passagem de cheques sem cobertura. Outros crimes
maiores, como os roubos à mão armada e os homicídios, são praticados por indivíduos
não alcoólicos mas que beberam em excesso na ocasião do crime.
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Não é possível valorizar um acto apenas pelo seu exame, por mais típico que
aquele seja, sem um pormenorizado estudo das causas, motivos e circunstâncias que
moveram a vontade, sem uma análise da intencionalidade que impulsionou o seu autor.
A "tendência criminal" não é um estado ou fase final, mas, antes pelo contrário é
um aspecto inicial susceptível de evolução e desenvolvimento e, portanto, submetido a
influências do meio.
A biologia do crime é algo controversa. Nos anos 60, um facto científico quase
renasceu o criminoso nato de Lombroso, agora num ângulo diferente. Três
investigadoras do Medical Research Council, de Edimburgo, as doutoras Patrícia
Jacobs, M. Erunton e M.M. Melvilie publicaram, em 1965, um trabalho sobre conduta
agressiva, subnormalidade mental e cromossoma XYY (Agressive behaviour mental
and subnormality and the XYY male). Após a determinação do cariótipo em
delinquentes perigosos e anormais detidos em estabelecimentos prisionais, encontraram
uma percentagem de 4,56% de homens portadores de um cromossoma Y
supranumerário, coincidindo com a grande estatura e agressividade deles.
Uns anos antes (1959), Patrícia Jacobs chamou superfêmea a uma mulher que
tinha uma trissomia XXX. Por analogia, designou os homens XYY superhomens
agressivos, sublinhando a sua elevada perigosidade e a conveniência de severas medidas
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É evidente que o crime não se herda, mas as qualidades biológicas individuais são
determinantes indiscutíveis da conduta, As dúvidas levantadas pela descoberta de
Jacobs e colaboradoras levaram outros investigadores a rever a situação, com destaque
para os trabalhos de Dérobert, Lejeune e Lafon, em 1969. Estudos de Price e Whatmore,
em 1967, indicam, comparativamente, as percentagens de crimes em delinquentes com
cariótipo XYY e delinquentes de cariótipo normal XY, respectivamente de 9% e 7,70%
nos delitos contra a propriedade e de 0,90% e 2,60% nos delitos contra as pessoas.
É possível que tudo isto seja demasiado simplista. Embora se admita que a leitura
de um semelhante tipo de literatura não seja totalmente inocente, é, contudo, errado
explicar, como motivação de tal atracção somente o desejo de matar ou torturar em
sonhos. Na hipótese de haver um processo de identificação, não é obrigatório que ele se
faça com a figura do homicida. Pode relacionar-se com a vítima ou inclusive com o
polícia que conduz a investigação.
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Merece uma breve referência o crime de guerra. Falar deste é puro eufemismo,
como se a guerra moderna pudesse ser combatida pela dissimulação ou a falsificação de
um resultado: o do imaginável. O crime, tornado total, aniquila a concepção que dele se
pode ter. Tal não é mais que a impotência das nossas concepções em face da situação
nuclear. São absurdas as queixas contra o prosseguimento das experiências nucleares,
pese a quem pesar. Urna decisão política que suprimisse todas as outras decisões do
mesmo género deixaria de ser uma decisão política.
O crime não pode, assim, ser distanciado da perspectiva humana que lhe
representa a estrutura nuclear.
Bibliografia
Achaval, Alfredo – (2000) – Manual de Medicina Legal, Buenos Aires, p. 321
Du Mont, J. - (2007) – Does the punishmenet fut in the crime? Medicine anda Law, vol. 26,4, p.
747
Jalliew, Etienne - (2006) – L’Année du crime. Genéve, Ed. Scènes de Crimes. Keppe, Norberto
R. - (1991) – Sociopatologia. Estudo sobre a Patologia Social, SPTA, Lisboa, p. 133
Pinto da Costa, J. - (2004) – Perspectiva humana do crime. Ao sabor do tempo, Quasi, p.249
Rocha, J.L.M. e colab – (2005) – Entre a reclusão e a liberdade. Vol I, Almedina, p.11
161
J. Pinto da Costa
3.1 – LEVES
3.2 - GRAVES,
3.3 - GRAVÍSSIMAS
4 – CONCLUSÃO
A Medicina Legal é a área da Medicina onde são estudados os meios de auxiliar a justiça na elucidação dos
fatos, que só podem ser desvendados com o conhecimento médico, sendo esta composta de regras
médicas, jurídicas e técnicas, para realização de perícias, as quais irão elucidar a verdade sobre um fato
O nosso tema de estudo são as lesões corporais, sendo esta uma das mais importantes, a Traumatologia
Médico-Legal, chamada por doutrinadores de Traumatologia Forense, tem vital importância, pois é
responsável em fornecer elementos fundamentais que levam a compreender as causas que produziram
lesões a um individuo, analisa as características e o grau do dano causado, mostra qual a forma de
A Traumatologia Médico Legal é responsável pelo estudo das lesões e estados patológicos, que são
produzidos na forma de violência sobre o corpo humano, sendo elas recentes ou tardias, com maior
Para Hélio Gomes, ¨ Estuda as lesões corporais, que são infrações consistentes no dano ao corpo ou à
O estudo da Traumatologia forense para FRANÇA (2008) é o ramo da Medicina Legal que estuda a ação
de uma energia externa sobre o organismo do indivíduo (FRANÇA, 2008), ou seja, é o estudo das lesões e
estados patológicos, imediatos ou tardios, produzidos por violência sobre o corpo humano.
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J. Pinto da Costa
É o que atinge a integridade física ou psiquica dos ser humano, representam os elementos que
determinaram o crime, determinadas legalmente no Código Penal Brasileiro no art.129 e parágrafos , são
Para Nelson Hungria no Direito penal, a lesão corporal é "toda e qualquer ofensa ocasional à normalidade
funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do ponto de vista
fisiológico ou psíquico".
Para FRANÇA, (2008) as lesões corporais são, vestígios deixados pela ação da energia externa ou agente
vulnerante, que podem ser , fugazes, temporárias ou permanentes, podendo ser superficiais ou
profundas.
A lesão de natureza leve é aquela onde há ausência das lesões grave e gravíssima, onde é registrado de
apurada no primeiro exame ( corpo de delito) requer novo exame dentro de 30 dias ( exame
complementar), para se confirmar a inexistência das conseqüências mencionadas nos parágrafos do artigo
129 do CP, concluímos assim que é configurada como lesão leve, as lesões não tidas como grave ou
gravíssima.
A pena para esses casos é de três meses a um ano de detenção, e, conforme a Lei n o 9.099/95, em seu
As conseqüências das lesões leves são são equimoses, escoriações e feridas contusas, o percentual em
Lesão Corporal Grave ocorre quando o agente utiliza-se de culpa, a vontade de causar e ofender à sua
vitima, será considerada grave se causar: Incapacidade para as ocupações habituais normais durante 30
portanto, as funções passíveis de debilitação são as atividades de órgão ou aparelhos do corpo Humano.
(rins,coração,olhos,ouvidos e mastigação).
A determinação legal encontra - se no § 1o do art.129, CP, que em seus incisos resultem em: I -
incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II - perigo de vida; IV - aceleração
de parto:
O perigo de vida, antes não era considerada uma lesão grave, por a recuperação ocorrer menos de um
163
J. Pinto da Costa
mês, se enquadrando nas lesões leves, com o advento do Código Penal de 1940 esta falha foi corrigida,
sendo relacionado a gravidade com o risco que o paciente estaria correndo , decorrente da ofensa
recebida.
Aceleração de Parto, trauma físico ou psíquico, existe a antecipação do parto com expulsão do feto,
desrespeitando o período fisiológico, quando ocorrer o óbito fetal, e o resultado for aborto, a lesão
transforma-se em gravíssima.
A perícia médica deve ser realizada logo após a lesão no menor espaço de tempo, e pode ser repetida
após trinta dias, buscando constatar se a vítima já está apta a exercer suas atividades e ocupações
habituais.
Para a doutrina, e essa é uma posição majoritária, a incapacidade cessa quando a vítima reúne condições
razoáveis de retomar suas ocupações, sem que haja risco de agravamento da lesão.
Conforme estudos, as lesões causadas por fraturas, são as que mais incapacitam, alcançando período
superior a trinta dias, com exceção das fraturas nasais, onde a recuperação da vítima é menor.
punitivo elencado no § 2o do art.129 do Código Penal brasileiro, e vinculam-se com as lesões que venham
As lesões com maior probabilidade de colocar em risco a vida da vítima são:• Feridas penetrantes do
Fraturas de crânio e da coluna vertebral, sendo assim, só cabe ao perito determinar se há risco que levem
enfraquecimento, resultante de um dano anatômico ou funcional. Inclui-se ainda nesta categoria a perda
de um ou dois dedos, os membros, braços e pernas, são os apêndices do corpo, podendo ficar debilitados
Os Sentidos são visão, audição, tato, olfato e paladar, mecanismos sensoriais responsáveis pelo
relacionamento do indivíduo com o mundo, podem ser afetados causado por traumas direto sobre um
desses órgãos, ou no crânio, embora, os órgãos como, rins, coração, olhos, ouvidos, mastigação, também
A Incapacidade pode ser permanente para o trabalho, sendo definitiva, porem a Lei trata de qualquer
atividade, não apenas ao trabalho específico da vítima. A enfermidade Incurável, é qualquer estado
mórbido de lenta evolução,que venha a resultar na morte da vítima ou que, mesmo tendo cura, está se dê
Inutilização permanente de membro,sentido ou função. Mesmo que continue existindo o apêndice físico
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podendo inclusive afetar sua auto-estima.Aborto: A situação aqui descrita faz referência ao aborto
Quando correr a lesão corporal e o resultado for morte, o artigo 129 § 3º - e as evidencias apontarem que
o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, a Traumatologia Médico Legal será,
essencial para oferecer os elementos técnicos e científicos ao juízo, pois esta fornece dados objetivos de
Energia mecânica é aquela capaz de modificar um corpo em seu estado de repouso ou de movimento,
produzindo neste, lesões. Podem ser causados por armas, punhais, revólveres, facas, foices, machados,
ou por punhos, pés, dentes, ou qualquer outro meio, máquina, animais, veículos, explosões.
Os resultados podem repercutir interna ou externamente, podendo ocorrer com o impacto de um objeto
FERIDA PUNCTÓRIA. Os instrumentos perfurantes, como chave de fenda, é capaz de produzir uma lesão
punctória
FERIDA INCISA: A faca é instrumento cortante, contem gume e produz a ferida incisa.
FERIDA CONTUSA: O choque de superfícies pode se dar de forma ativa ( quando o instrumento é
projetado contra a vítima) ou passiva ( quando a vitima vai de encontro ao objeto, como ocorre numa
queda). Devido à elasticidade da pele, esta se conserva íntegra e a lesão se produz em nível profundo.
São várias: escoriação: quando o atrito do deslizamento lesa a superfície da pele- raspão -arrastamento,
atropelamentos etc. sendo a equimose a contusão mais freqüente causada pelo soco, que geram bossas e
AS LESÕES MISTAS são aquelas causadas por instrumento que reúnem dois lados, o Pérfuro cortante
cicatrizes – Infecção
Os Instrumentos cortantes, atuam pelo deslizamento de um gume sobre uma linha, seccionando os
tecidos. Ex. lâmina de barbear, bisturi, já os Instrumentos contundentes, agem pela pressão exercida
sobre uma superfície pelo seu peso ou energia cinética de que estejam animados, esmagando os tecidos.
A mesma energia que lesa as estruturas superficiais do corpo humano, pode ser transmitida às estruturas
profundas. Dependendo de sua intensidade, da resistência natural das estruturas profundas e da sua
condição momentânea, fisiológica ou patológica, a energia transmitida pode ser suficiente para dar causa
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a lesões das estruturas profundas (fraturas ósseas, luxações, rupturas ou contusões de órgãos internos).
4 - CONCLUSÃO:
O presente trabalho teve como objetivo explicar a verdadeira função da traumatologia forense onde a sua
principal função e buscar respostas para o meio jurídico em elucidações de casos onde o ser humano
venha sofrer em seu organismo lesões ocasionadas por forças externas que proporcionam anomalias
funcionais do mesmo.
Para muitos, é uma especialidade médica, embora com um corpo próprio de conhecimentos, que reúne o
estudo não somente da medicina, como também do direito. uma especialidade, que serve mais ao Direito
Ela busca definir em seu estudo, os efeitos das agressões físicas e morais, também a determinação de
seus agentes causadores, gerando parâmetros como, quanto tempo e o momento em que a lesão foi
gerada, de que forma foi cometida e qual instrumento utilizado, ou seja todos os modos operante da
ação. Este reconhecimento é feito através do exame pericial na vítima e no local do fato, sendo
O corpo de delito não é feito apenas na vitima, mas em todo o local em questão e no instrumentos
utilizados para a pratica do delito. Esta forma de prosecimento deve ser adotada para que as autoridades
Sendo assim a traumatologia forense e de fundamental importancia para o ramo do direito ou meio
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