Professional Documents
Culture Documents
A Ficcao Como Metodo Um Conto de Ficcao
A Ficcao Como Metodo Um Conto de Ficcao
1
«The Universe of Things» de 2011 em www.shaviro.com/Othertexts/Things.pdf. O conto homónimo
de Gwyneth Jones data de 1993:
http://www.aqueductpress.com/books/UniverseOfThings.php. O artigo de Shaviro foi
apresentado no primeiro simpósio dedicado à Ontologia Orientada aos Objectos – Object Oriented
Ontology – contou ainda com a participação de Ian Bogost, Levi Bryant e Graham Harman, e
aconteceu a 23 de Abril de 2010 em Georgia Tech. Para mais consultar http://ooo.gatech.edu/
intrinsecamente viva, os Aleutas exteriorizam‐se sob todas as formas, trocando
informação e gerindo a memória quimicamente. A tão peculiar noção de totalidade
destes estranhos colonos é contrastante com nossa herança filosófica, que sublinha
a qualidade fáctica, demasiado alicerçada na cultura, que vê as máquinas como
objectos inertes e propriedade de alguém, um usuário qualquer isolado na sua
individualidade. Ademais, é sempre inquietante pensar que um objecto possa ser
«animado». Tem tanto de poético como de malicioso. Dizia‐o Paul Valéry: «Il me
souvient ici d’une féerie que j’ai vue enfant dans un théâtre étranger. Ou que je crois
d’avoir vue. Dans le palais de l’Enchanteur, les meubles parlaient, chantaient,
prenaient à l’action une part poétique et narquoise. Une porte qui s’ouvrait sonnait
une grêle ou pompeuse fanfare. On ne s’asseyait sur un pouf, que le pouf accablé ne
gémît quelque politesse. Chaque chose effleurée exhalait une mélodie»
(http://classiques.uqac.ca/classiques/Valery_paul/conquete_ubiguite/valery_conqu
ete_ubiquite.pdf). É essa inquietante presença vive nas fantasias de Walt Disney
(https://www.youtube.com/watch?v=MetM68Lr9U8).
No conto de Jones a acção começa com um extraterrestre que vai com o seu
automóvel a uma oficina mecânica. Para o ser humano que o recebe, o conserto é
tanto uma honra quanto motivo para as maiores inquietações, precisamente porque
irá consertar o carro ao mais técnico dos «clientes». E para se mostrar conhecedor
da arte do motor, o mecânico resolve reparar o automóvel «à mão», mantendo
assim aceso um último reduto do orgulho humano. São claras as suas intenções: é a
manualidade que restaura o seu papel enquanto indivíduo técnico, usando aqui as
notas simondonianas (http://interact.com.pt/20/notas‐simondon/). Sabemos como
antes da era da máquina, enquanto reparava ou construía o «mundo» à mão, o
sujeito experienciava‐se enquanto indivíduo técnico, um papel que perdeu aquando
do surgimento da máquina. É enquanto indivíduo técnico que o homem se
reconhece como fazedor de mundos, conhecendo‐se a si próprio. Ou melhor, como
diz Alexandre Kojève, «The man who works recognizes his own product in the World
that has actually been transformed by his work: he recognizes himself in it, he sees
in it his own human reality, in it he discovers and reveals to others the objective
reality of his humanity, of the originally abstract and purely subjective idea he has of
himself. By this act of finding itself by itself, then the [working] Consciousness
becomes its own meaning‐or‐will; and this happens precisely in work, in which it
seemed to be alien meaning‐or‐will»
(http://athemita.files.wordpress.com/2013/05/kojeve‐introduction‐to‐the‐reading‐
of‐hegel.pdf). Lembre‐se a libertação dos objectos técnicos que Simondon
recomendou. É que o trabalho é uma forma de libertação e, tal como o diz Kojève, o
trabalho que liberta o homem foi antes o trabalho do escravo. É por isso que que a
libertação humana implica libertar a máquina.
2
Em Heidegger, o perigo acompanhava a técnica moderna porque esta opera na
captura do mundo natural. Entender a natureza inteiramente disponível para a
Humanidade é uma leitura correlacionista, da qual nos pretendemos distanciar. Para
a mecanologia de Simondon, e longe de avaliar a técnica como instaladora de
domínio e controlo do homem sobre o mundo natural, a técnica vive na ressonância
entre natureza e sujeito, e recompõe‐se enquanto mediadora. Simondon atenta
sobre a realidade dos processos através da sua teoria da individuação, quebrando a
clássica bipolaridade entre sujeito e objecto. Para além disso, reconhecer «o modo
de existência dos objectos técnicos» (Du Mode de Existence des Objets Techniques,
1958) passa por libertá‐los do regime de escravatura a que estão submetidos, e
poder assim descobrir como estes estranhos entes são afinal os reais mediadores da
relação humana com o mundo natural. Ver: http://interact.com.pt/20/notas‐
simondon/)