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Para Becker (1993), o produto desse tipo de encaminhamento metodológico será alguém
que abre mão do seu direito de pensar; é a morte da crítica, da criatividade e da curiosidade.
Para que pensar, se tudo já está pronto? Para que saber como funciona a sociedade? Para que
saber de onde vem o conhecimento se apenas quero estudar para arrumar um emprego? A
subserviência está decretada.
De acordo com Saviani (2013), na pedagogia tradicional o centro do fazer educativo
é o intelecto, prescindindo de todas as outras dimensões humanas. O conhecimento é passado
como verdade absoluta, professor e estudante não interagem com os saberes científicos, pois
estes têm uma suposta neutralidade. Ao professor, cabe transmiti-los; aos alunos, memorizá-los
sem reflexão.
Assim, o conhecimento seria ensinado ao estudante, mas o questionamento, a reflexão,
a historicidade dos saberes científicos não seriam explicitados.
Reflexões sobre métodos de ensino 91
Exemplo:
Em uma aula de Matemática tradicional, uma professora ensinaria
o sistema de numeração decimal (SND) de forma transmissiva, sem
reflexão, propondo aos estudantes que cobrissem os pontilhados para
aprender o traçado dos números, ligassem o número à quantidade,
escrevessem do número um ao dez e assim por diante. Se o currículo
do primeiro ano previsse que os estudantes dominassem, até o final
do ano letivo, os números de um a cem, esse encaminhamento se
repetiria, os estudantes estariam sentados sempre um atrás do outro
e o professor proporia atividades de cópia dos números, de completar
com sucessor e antecessor para reforçar o conteúdo, entre outras. Já um
professor fundamentado em uma proposta crítica, cujo objetivo é formar
sujeitos que refletem sobre o contexto social em que estão inseridos,
primeiramente buscaria ensinar de forma prática e concreta a base 10,
que é o fundamento do SND, para não reproduzir com os estudantes
a forma como obteve esse conhecimento. Também reconheceria que
esse sistema foi elaborado e sistematizado pela humanidade, e mesmo
a Matemática, uma ciência exata, seria contextualizada historicamente.
Dessa forma, poderia iniciar seu planejamento contando a história dos
números e estimulando os estudantes a contarem nos dedos e fazerem
a inter-relação com a vida em sociedade. Os jogos e a problematização
estariam presentes, partindo do pressuposto de que todos são capazes
de aprender. Como a avaliação é processual e diagnóstica, o professor
observaria, no decorrer do ano, o avanço dos estudantes no processo de
construção do conhecimento. Diante da dificuldade de algum estudante,
haveria a necessidade de reelaboração do planejamento e de elaboração
de novas estratégias, de modo que se consolidassem as aprendizagens
necessárias para aquele ano letivo.
o que corrobora com um fazer educativo que não considera as diferenças entre os estudantes e
suas diversas formas de aprender. Dessa maneira, se há estudantes que não atingem os objetivos
propostos pela escola, há culpabilização desses sujeitos, o que acaba impedindo a busca por
estratégias que venham possibilitar a aprendizagem a que todos têm direito.
A corrente pedagógica renovada, também chamada de Escola Nova, surgida na Europa e
nos Estados Unidos no século XIX, toma força no Brasil entre as décadas de 1920 e 1930, fazendo
severas críticas à escola tradicional e principalmente a seus métodos de ensino. Para seus
defensores, essa escola não ensinava a pensar, mas apenas a copiar (GADOTTI, 1996).
Essa corrente pedagógica teve como marco o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
um documento elaborado por 26 educadores, como Anísio Teixeira (1900-1971), Fernando de
Azevedo (1894-1974), Lourenço Filho (1897-1970), entre outros nomes da educação nacional.
Esse documento oferecia novas diretrizes para a educação do Brasil e defendia a adaptação da
escola à nova fase de desenvolvimento produtivo do país (GADOTTI, 1996).
Defendia-se que a escola não deveria ser privilégio de alguns, mas ser de acesso a todos, e,
portanto, laica, gratuita e obrigatória. Nesse sentido, houve avanços na concepção de uma escola
democrática.
No entanto, Saviani (2013) denomina a pedagogia da Escola Nova de pedagogia
da existência, para o autor, essa tendência tira o foco dos conteúdos escolares e, portanto,
do conhecimento científico, trazendo para o cerne da escola o aprender a aprender. Segundo
Saviani, essa concepção privilegia o individualismo e a meritocracia. Se o sujeito não for ativo, não
buscar aprender, não realizar as atividades propostas e não se esforçar, ele não aprenderá, pois o
professor é apenas um facilitador. A metodologia de uma escola que fundamentasse suas ações na
pedagogia da Escola Nova teria as seguintes características:
• Métodos ativos: os estudantes têm autonomia para descobrir os conhecimentos ‒
trabalhos em grupo, dinâmicas e pesquisas.
• Tem como base o pragmatismo: aprender fazendo.
• O professor é o facilitador: o ambiente educativo é planejado pelo professor, porém o
estudante tem autonomia para nele agir.
• O estudante aprende de acordo com seus interesses: precisa ter experiências por meio
das atividades propostas pelo professor.
É preciso frisar que entre 1964 e 1985 o Brasil passava pela ditadura militar. Nesse contexto,
os objetivos educacionais voltavam-se para a formação de um homem produtivo e eficiente,
mas que não questionasse, fosse subordinado à ideologia dominante (SAVIANI, 2013).
A pedagogia tecnicista, que segundo Saviani (2013) também é tradicional, valorizava
os objetivos instrucionais, os recursos audiovisuais, a produtividade do estudante, as técnicas
e os manuais. O professor era aquele que aplicava atividades sem refletir ou discutir com os
estudantes. O que se priorizava era o saber fazer, não o saber pensar sobre o conhecimento.
Reflexões sobre métodos de ensino 93
Para Masseto (2006), é necessário que o professor incentive a participação ativa dos
estudantes no processo de aprendizagem e, para isso, deve planejar situações em que haja interação,
assim como a pesquisa, o debate e o diálogo, sem abrir mão da ética, do respeito às outras opiniões
e ao outro, da historicidade, da criticidade e da sensibilidade.
Se o objetivo é a formação integral do sujeito, considerando-o em todas as suas dimensões,
como apontam Guará (2006), Moll (2008) e Coelho (2009), não se podem negar ao estudante
possibilidades de frequentar uma escola construída e ressignificada tendo em vista uma perspectiva
emancipadora e reflexiva. Algumas dessas dimensões podem ser percebidas na figura seguinte,
mas não se limitam a estas. O que queremos destacar é a inter-relação entre essas dimensões, pois
o ser humano é integral.
Figura 1 – Dimensões humanas e o processo de aprendizagem
Criativa
Lúdica Sociocultural
Aluno
Fisico-motora
Estética
Cognitiva Ética
Fonte: Elaborada pela autora com base em Guará, 2006; Moll, 2008 e Coelho, 2009.
1 O nível de desenvolvimento proximal (ZDP), segundo Vygotsky (2010), é a distância entre a zona de desenvolvimento
real (ZDR) e a zona de desenvolvimento potencial. É na ZDP que o professor mediador deve atuar, pois, ao fazê-lo, o
estudante consolida aprendizagens: o que fazia antes com auxílio, o que revela o seu potencial (com auxílio), passa a
fazer com autonomia (ZDR).
100 Didática
Em uma concepção tradicional de ensino, o espaço é É considerado elemento curricular e, portanto, em uma
inflexível. Não é modificável de acordo com a proposta concepção crítica, possibilita aos educadores planejá-lo
de trabalho realizada pelo professor. de acordo com os objetivos educacionais.
Considerações finais
As metodologias de ensino selecionadas pelo professor para colocar em prática o planeja-
mento de ensino e de aula revelam as suas concepções de ensino e de aprendizagem.
Dessa forma, é de máxima importância que os profissionais da escola busquem superar as
concepções relacionadas às teorias pedagógicas tradicionais, pois elas consideram o professor como
um transmissor de conhecimentos e o estudante como alguém que não tem conhecimento algum.
Reflexões sobre métodos de ensino 101
O professor precisa saber o que vai ensinar, dominando o conteúdo e as metodologias, para
que possa intervir no processo de construção de conhecimento, o que lhe confere autoridade em
sala de aula. No entanto, a autoridade não pode ser confundida com o autoritarismo, pois este não
auxilia o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, a criticidade, a ética, a reflexão sobre o
contexto histórico e cultural e a consolidação da democracia.
A autoridade do professor lhe concede legitimidade na gestão de sala de aula. Assim, mesmo
que a metodologia escolhida tenha o objetivo de instigar e fomentar o diálogo, a pesquisa e o
debate, isso não lhe tira de sua função de mediador no processo de aprendizagem dos estudantes;
ao contrário, esse papel é consolidado. Autoridade tem a ver com admiração; já o autoritarismo,
com submissão.
Que sejamos professores que conquistem a autoridade em sala de aula, pois assim seremos
referências positivas para nossos estudantes.
Atividades
1. De que forma o professor que se fundamenta na teoria da zona de desenvolvimento proximal
pode realizar seu trabalho pedagógico?
Referências
BECKER, Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes, 1993.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. 2018. Disponível em:
http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 2 maio 2019.
COELHO, Lígia Martha C. da Costa. História(s) da educação integral. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p.
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Acesso em: 2 maio 2019.
GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996.
FORNEIRO, Lina Iglésias. A organização dos espaços na educação infantil. In: ZABALZA, Miguel A.
Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
GUARÁ, Isa. É imprescindível educar integralmente. Cadernos Cenpec, n. 2, p.15-24, 2006. Disponível em:
http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/168. Acesso em: 2 maio 2019.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 2008.
LEONTIEV, Alexei. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VYGOTSKY, Lev S. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2010.
MASSETO, Marcos T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José Manuel; MASSETO,
Marcos T.; BEHRENS, Maria Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2006.
MOLL, Jaqueline. Conceitos e pressupostos: o que queremos dizer quando falamos de educação integral? In:
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MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 2003.
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Acesso em: 11 maio 2019.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, 2013.
TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplin. Estados Unidos: Continental, 1936. 87 min.
VYGOTSKY, Lev. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 11. ed. São Paulo: Ícone, 2010.
3. Nessa concepção, o sujeito da aprendizagem é visto como alguém sem voz ativa no processo
de aquisição do conhecimento, uma tábula rasa, e cabe ao professor depositar o conteúdo a
ser apreendido. Se o estudante não aprender, é culpabilizado. A culpa pode recair sobre seu
comportamento desatencioso, sobre seu contexto familiar, sobre a situação econômica da
família, entre outras formas de justificar a não aprendizagem. Assim, tem-se uma didática
que se fundamenta na meritocracia, pois aprenderão apenas aqueles que se esforçam,
que têm condições para assimilar o conhecimento, que têm famílias que os incentivem
etc. Os que não se adequam ao que a escola tem para oferecer são excluídos. A sociedade
que se deseja nessa concepção, embora o discurso propagado seja, por vezes, em prol da
emancipação, é a sociedade que marginaliza os menos favorecidos, aquela que incentiva a
competitividade, que propõe a pseudoparticipação como forma de mascarar a democracia
prevista na legislação.
Essa didática instrucional e tradicional ainda está presente nas escolas brasileiras, que em
seus PPPs anunciam uma concepção mais avançada de ensino e de aprendizagem, no entanto,
ainda trazem em muitas de suas ações pedagógicas vestígios de uma escola que deseja a
disciplina, o silêncio absoluto, vencer o conteúdo sem considerar se houve aprendizagem.
A didática reflexiva permite ao professor rever esses encaminhamentos, proporcionando-
-lhe condições de se autoavaliar e avaliar os processos pedagógicos dos demais membros
do colegiado, a fim de que a escola – como determina a legislação vigente – seja de fato
democrática.
Prática social:
ponto de partida
Prática social:
Problematização
ponto de chegada
Professor
mediador do
processo educativo
Catarse Instrumentalização
2. Como afirma Paulo Freire (1996), para ser professor e ensinar é necessário rigorosidade
metódica, organizar o ensino de maneira que o estudante sinta-se instigado a saber mais,
a questionar, a comparar, a superar seus conhecimentos advindos de outros grupos sociais.
Para o autor, ensinar não pode se distanciar da pesquisa, pois como aguçar a curiosidade
dos estudantes para que procurem outras formas de chegar à mesma resposta, que não
se contentem com respostas prontas, se o professor também não exercer a “curiosidade
epistemológica” (FREIRE, 1996)? É a superação da visão ingênua sobre o conhecimento,
sobre a sociedade, sobre o ensino e sobre a aprendizagem. Outro ponto fundamental para
contra-argumentar a afirmação é a necessidade de o professor ser um profissional reflexivo.
Essa reflexão, segundo Schön (1992), deve ocorrer de forma articulada e contínua, por meio
do conhecimento sobre a prática, da reflexão sobre a prática e da reflexão sobre a reflexão
na ação.
3. Para ensinar determinado conhecimento aos estudantes, objetivando que todos aprendam,
o professor precisa realizar um planejamento que considere os diferentes ritmos de
aprendizagem dos estudantes e as diferentes formas de aprender. Assim, quando o
professor tem compromisso com um PPP emancipador, buscará diversificar as atividades.
Tornará o conhecimento trabalhado em sala atrativo a todos: jogos, materiais didáticos,
brincadeiras, leituras de textos são algumas estratégias de que o professor pode lançar mão
para que todos se sintam desafiados. Já nas atividades diferenciadas, o professor realiza
o planejamento de forma personalizada, pensando na dificuldade do estudante ou como
ele se sente desafiado. Se o estudante já consolidou seus conhecimentos antes dos demais,
o professor deve diagnosticar em que momento da aprendizagem ele está e propor novos
desafios e problematizações, para que possa continuar avançando.
Gabarito 109
2. O professor tem mais possibilidades de registrar o avanço dos estudantes e replanejar a partir
da elaboração de portfólios que demonstram o percurso dos discentes. Esse instrumento
de registro permite superar a visão de que o professor seja o “examinador” e o estudante,
o “examinado”. Com esse instrumento de registro, o estudante tem condições de refletir
sobre seu próprio processo de aprendizagem, verificando o quanto já avançou e o quanto
ainda precisa superar para consolidar conhecimentos. Professor e estudante podem
comparar as primeiras atividades com as últimas, analisando o resultado do trabalho
de ambos. Dessa forma, é necessário desconstruir posturas autoritárias e verticalizadas
de avaliação da aprendizagem, em que o professor espera que o estudante responda
exatamente o que ele ensinou.
2. BNCC: documento normativo para todas as escolas que ofertam educação básica no país,
no qual constam as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito. É a
referência para a elaboração ou reelaboração dos currículos e dos PPPs (BRASIL, 2017).
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