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anismo gerou a liberdade, os direitos do homem, capitalismo ¢ 0 milagre econdémico no Ocidente. ‘Titulo: A Vitoria da Razdo. Como 0 Cristianismo gerou a liberdade, os direitos do homem, 0 capitalismo ¢ o sucesso do Ocidente ‘Titulo original: The Victory of Reasom: How Christianity Led to Freedom, Capitalism, and Wes- tem Success Copyright © 2007, Rodney Stark = ‘Tribunia da Historia ~ Edigao de Livros e Revistas, Lda ‘Rua Pinheiro Chages, 27 ~ r/c 1050-175 Lisboa Telefone ; 24 315 0438 Fax: 21 315 5458 Correlo electrSnico: tribunadahistoria@iol.p Internet; www.tribunadahistoria.pt Proibide a eprodugio, no todo ow em parte, por qualquer meio, sem autorizagio do Editor. ‘Imagem da capa: Os Embaivadores de Hans Holbein, ¢ Novo, de 1533 {pormenor) Coondenaeio editorial: Pedvo de Avillez ‘Tradugio: Mariana de Castro Revisao: Mendo Castro Henriques Design e Paginagao: [M Fdicoes ‘Capa: [M Ribeirinho - Design, Lda Impresetio e acabsmento: Storia — Artes Grificas, Ida, Acabado de ienprimir ert Outubro de 2007 Depésite legal: 266079/07 ISBN: 978:972-8799-55:7 indice -Apresentagao do Autor por Anténio Mortio _ Introdugao a edigao portuguesa por Mendo Castro Henriques... tee _Primeira Parte: As Ratzes CAPITULO T: ‘As GRACAS DA TEOLOGIA RACIONAL A confianea crist& no progresso Ateologia ea cifncia......... O surgimento do individualismo . A abolicao da escrayatura medieval . {TULO Ti: © PROGRESSO MEDIEVAL! TECNOLOGICO, CULIURAL E RELIGIOSO _ O progresso tecnolégico Inovagbes de producto Inovagdes de guerra. Inoyag6es de transporte por tera. _ O progresso cultural . 5 Amisica, Aarte, . A literatura O ensino Aciéneia : A invengio do capitalismo. Sobre o capitalismo . do ttabalho e da frugalidade. Pr CAPITULO TI: A TIRANIA E 0 “RENASCIMENTO” DA LIBERDADE ....0....002.00e ee eee ng As economias planificadas ........00.cccceeeeeeeeeeeeeeeee As raizes teolégicas da igualdade moral O direito & propriedade privada, Limitar os estados ¢ 08 reis 6... 666-62. s cece eee cece cee e eens A desunizo europeia. . O comércio e o surgimento de governos italianos receptivos VERGE sycounweuacs vas (ERLE mer aE, 134 Génova . Florenga voces MEG cssccomsamaaes maieommumnamiewenta KemN sm cen 142, ‘A repress na Itdlia do Sul: 0 caso de Amalfi A liberdade do Norte ........+-++ Segunda Parte: A Realizacio CAPITULO Lv: O APERFHICOAMENTO DO CAPITALISMO ITALIANO 10... sseeeeeeeeeeeee 1SL ‘As empresas racionais ....... Os trabalhadores 6.0.0.6... 6 cece eee ies URE Os administradores e as priticas financeiras. Aascensilo ¢ 0 declinio da primeira “superempresa” italiana .... 164 © capitalismo italiano, o puritanismo, e a frugalidade Os puritanos italianos ...... srdoerracenit A frugalidade ...00.. 0600 000e cee ee eee . A peste negra... 0. eeeeeeeeee coon e tee eeeeeee CAPITULO V: © CAPmTALISMo CHEGA AO NORTE As cidades de 14 da Flandres Antuérpia . O capitalismo chega a Amesterdao. O capitalismo Ingles. Da 1a aos lanificios . A revolucao industrial do séc. XII. . O poder do carvao CAPITULO VE © ANri-caprtanismo “Carouco": As TIRANIAS D2 ESPANHA 8 FRANCA... 1492: O subdesenvolvimento de Espanha A riqueza e 0 império A Itélia espanhola.... Os Paise Baixos espanhdis. Atuina de Antuérpia Os holandeses guerreiros A derrota. Aarmada . O império em ruinas. . Franga: impostos, seqpitneries0 eestagnagao, A ctiago de um estado absolutista. Os impostos A burocracia. As corporages intransigentes O capitalismo francés .........ce00+ sae titen HaiaouwroR _ CAPETULO VI PRUDALISMO E CAPITALISMO NO Novo MUNDO... feb ewes cen ae! O cristianismo: duas economias religiosas . Um monopilio cativo A contra-reforma catélica A indoléncia das igrejas do estado . ‘A teligidto nos mercados livres .. . A liberdade; estilos de governo....... +++ Ocolonialismo, .. 44.5. x O poyerno eo controle eolonial Aindependéncia ...sccceveececcees © fim da eseravatura . Nota sobre o autor Causa surpresa que, no espago de poucos anos, com insisténcia -e brio notaveis, um sociélogo americano, Rodney Stark, agnésti- ‘0 de credo, mas estudioso, investigador e especialista dos movi- ‘mentos religiosos minoritarios (do mormonismo por exemplo) no eu modo de aparecimento e no seu tipo de recrutamento de adep- tos, dos fenémenos de conversao entre grupos confessionais, venha, uma catadupa de livros de sociologia histérica, afirmar — ou smprovar? ~ o influxo determinante do cristianismo em geral, e do catolicismo em particular, na configuragao e no rosto peculia- da cultura europeia. H nao apenas na sua feicao espiritual, re- a, mas em manifestagdes culturais de outra ordem, no 4m- nl idades terrestres e das varias esferas da cultura: arte, liea, ete. 10a ViTORIA DA RAZAO Religion (co-autoria com Roger Finke, University of California Press, 2000), One True God: Historical Consequences of Monotheism (Princeton University Press, 2001), For the Glory of God: How Mo- notheism Led to Reformations, Science, Witch-Hunts and the End of Slavery (Princeton University Press, 2003) até Cities of God: The Real Story of How Christianity Became an Urban Movement and Con- quered Rome (HarperSanFrancisco, 2006), passando por The Vic- tory of Reason (Random House, 2005), agora editado em Portugal, Rodney Stark, que foi professor de sociologia ¢ de religido com- parada na Universidade de Washington durante mais de trinta anos e ensina agora na Universidade de Baylor, alonga-se ¢ expli- ca-se, aproveitando as suas pesquisas ou as de outros, sobre as con- sequéncias civilizacionais e culturais dos monoteismos e do cris- tianismo. Como sociélogo da religiao, ¢ um dos mais intervenientes, Rod- ney Stark esta longe de ser conciliador. Rejeitou sempre, com afoi- teza, as teorias das ciéncias sociais que tentaram impor-se como “dogmas”. Entre elas a tese da “secularizagao” e do consequente “fim da religido”. Atacou assim (em A Theory of Religion, Nova lor- que, Peter Lang 1987, obra escrita juntamente com William Sims Bainbridge) as hipdteses cientificas convencionais que viam na se- cularizag3o um processo imparavel de enfraquecimento da reli- gio em geral, em virtude do qual esta ultima seria substituida nas suas fiungdes por outras instituigdes sociais, por exemplo a cién- cia, com a sua repercussio especifica nos programas tecnol6gico ¢ econémico. Pelo contrario, a secularizagao, no mercado espiri- tual onde impera uma espécie de troca ea busca de elementos compensadores, faz parte de um ciclo dinamico em que ela é se- guida de revivéncia e de inovagao religiosa. Nao é, pois, um pro- cesso novo e afectou sempre as organizagoes religiosas mais inti- mamente ligadas elite secular; a esta se opdem justamente as seilas que tentam fornecer esperanga e conforto em face da privae gio e da morte. No entanto, algumas delas, ao aeederem aos cone NOTA SOBRE O AUTOR [IL tros de poder, perdem forca, comprometem-se com o mundo, cedem & tentaco da intolerdncia, e acabam por se tornar vitimas da mesma secularizagio que lhes facultara 0 espaco da sua emer: géncia e do seu desenvolvimento. E verdade que a ciéncia acelera o processo da secularizagio, fa- yorecendo o declinio das tradicées religiosas bem estabelecidas e domiinantes; mas isso nao significa o fim da religiaio em geral, por- que as crengas religiosas se encontram de modo permanente num. decurso e num ritmo vital de emergéncia, desenvolvimento e de- cadéncia podendo, inclusive, ir 4 ciéncia buscar metdforas e ins- piragdo. O reconhecimento do papel do saber cientifico na secula- ‘izagdo progressiva da cultura e na diminuigao da procura religio- ja ndo pode ocultar o facto de que a modernidade trouxe consigo 4) ratificagao da liberdade de consciéncia. Ora esta suscitov, em nu- merosos pafses, um pluralismo religioso muito acentuado — o qual, por sua vez, é deveras prejudicial para as religides, porque a pre- wenga de credos diferentes lanca a diivida sobre a plausibilidade e « credibilidade de cada uma delas. Como congragar estas duas yer- tentes da realidade? Para se apreender a natureza da religido, é necessdrio, segundo R. Stark, considerd-la entdo como objecto de escolhas racionais e conseientes, € no como um conjunto de sintomas irracionais — ‘Hermeneuma’ ou enunciado interpeetativo preferido pelos adep- {oy de uma visio antropolégica materialista; por outras palavras, of [enédmenos religiosos explicam-se como inerentemente religio- 408, © nio como simples derivados. Neste sentido, labora em con- digo a doutrina abragada por geragdes de académicos que, por im lado, culpam e responsabilizam a religiio por um grande nt- de males da sociedade e, por outro, negam que ela possa ter dj: consequéncias sociais, No fundo, a alternativa é esta: deverd. Jeligiio inlerpretar-se segundo critérios religiosos, ou haveré que Ja apenay a fachada ¢ a mascara de “outra coisa” (a vida eco- ie, poliiica, algo de “material”), ou seja, uma simples su- Aiur ern relagdo A turica verdadeira estrutura econdmico- enging o citecismo marxista? 12 | VITORIA DA RAZAO Para 0 socidlogo americano, cuja visto encerra alguns matizes sistémicos, tal alternativa nao tem grande peso: hd, sim, em acco uma “economia religiosa” (cf. Dio é tornato. Indogine sulla rivinci- ta delle religioni in Occidente, Casale Monferrato, Piemme 2003, es- ctito em conjunto com 0 sociélogo italiano Massimo Introvigne), ou seja, existe uma constante procura religiosa entre as pessoas, com miiltiplas formas e interferéncias, e os diferentes resultados dependem da qualidade da oferta, gerando-se assim uma compe- ticdo entre os diversos movimentos. Como as doutrinas religiosas so causas de comportamento e geram, de modo eficaz, empenhamentos e accdes, a questio do contetido, da qualidade, é importante; haver4, por isso, teologias que s&o intrinsecamente mais plausiveis do que outras, inspiram uma comunicagao mais facil, conseguem uma melhor satisfagio das necessidades profundamente sentidas por um grande nime- xo de pessoas, Depois, nao se pode ignorar o facto de que uma re- ligido em situagao maioritaria inspira em geral menor dedicacio, escassa combatividade e militancia, como acontece nos paises de tradicao catélica. E sao igualmente relevantes as distingdes entre comportamento religioso organizado e atitudes religiosas subjec- tivas, entre periena e crencas, entre filiagdo ¢ pratica religiosa. Numa conjuntura de dessacralizago, como a europeia, nao é im- possivel que os niveis de devocio religiosa individual, de oragao pessoal, consigam ser reais e elevados, mesmo fora da insergao e do espago institucional. Por isso, segundo alguns observadores, é preciso distinguir entre 0 nivel de crenca ¢ o nivel da pratica reli- giosa; talvez na Europa actual a religiosidade se traduza sobretu- do por um “crer sem pertenca” — o que também nao deixara de suscitar uma certa auséncia de ‘qualidade’, sem ressonancias pro- fundas nas diversas dimensGes da vida pessoal e social. Nisso re side porventura a “descristianizacao” do Ocidente. Esta situacdo é ingrata, por exemplo, para a Igreja Catélica, por: que dificulta o seu trabalho de evangelizagio; além disso, de acor: do com a teoria da mobilizagao religiosa, o orupeiiiamenio émaly intenso num credo em condigio minoriliit) Wolo do pluru- NOTA SOBRE O AUTOR |13 lismo religioso. Assim se explica que a Igreja, até ha pouco predo- minante e maioritaria em muitos paises europeus, se ndo tenha preocupado excessivamente por desenvolver uma priatica eficaz de comunicagao — € hoje dramitico o vazio entre o fim da adolescén- cia ea vida adulta — e que tenha perdido, a pouco e pouco, a sua influéncia na vida cultural, social ¢ politica. Mas desta constatagio nilo se pode inferir, como muitos fazem, que o futuro da religizo fieja precario ou que o seu fim esteja a vista. Poderia dizer-se que, de algum modo e até certo ponto, o traba- lho © 0 conceito sociolégico de religiio em Rodney Stark ilustram ‘© confirmam a visto fenomenolégica de Max Scheler, segundo 0 \uiil os valores religiosos so autégenos, nao sucedaneos — em posigéio ds opgdes tedricas e ideolégicas hoje dominantes na cons- tléneia ¢ na decisao hermenéutica de muitos representantes das nels sociais de opcao materialista. E, pois, um resultado posi- ), respeitador e consentaneo com a natureza multiforme e he- mnogdnea do ser ‘humano, para cuja unidade de funcées, de pos: He ficto, o socidlogo americano, agnéstico e aconfessional, de- Now cerca de cinco livros que dedicou ao tema a ideia sub- Vii, OulNadd, COntroversa e hé muito merecida, de que o cris- HO, 4 ma com as instituigées directamente a ele associa- rasiponnilivel pelas miudangas intelectuais, politicas, cientifi- omicay mais significativas ¢ mais fecundas do tltimo OAtICo tulvex seja excessive, sofre porventura de 1. precipitagdes nox pormenores, mas & y » uindptico; além disso, TA] A Virorta Da Razz era mais do que necessdrio frente \ maldosa campanha de descré- dito cultural do cristianismo por obra daqueles que, j4 ha séculos e sobretudo nas trés tiltimas décadas, contra a histéria e com in- tento difamatorio, procuram elidir da meméria o papel do cristia- nismo na configuracao do Ocidente em quase todos os ses cam- Pos € aspectos (como recentemente se viu, mais uma vez e com grande despudor, na redacgao da Consstituic#o europeia), O factor fundamental de semelhante mutagao civilizacional tera sido o desenvolvimento da teclogia racional, cultivada pelo cristianis- mo em torno de Deus, luz inacessivel mas intelectual e nada arbitra- tio, Criador de um mundo também profiunda e misteriosamente in- teligivel; esse trabalho reflexivo e entusiasta, realista ¢ de acento op. timista, ter desempenhado um papel indispensavel na preparagio mental para a emergéncia de citncia, a0 contrario do que aconteceu na civilizacao chinesa e no mundo islamico, onde 0 esforco cientifi- co também surgiu mas acabou por fenecer, devido a pressupostos que tolhiam o seu desabrochamento e a sua floragao. Lembra ainda R. Stark que a igreja medieval foi inovadora em. quest6es morais, e preparou o caminho para uma forte concepgiio do individualismo, associado as suas doutrinas acerca da vontade livre e da salvacio individual; que o monaquismo medieval culti- ‘vou as virtudes do trabalho ¢ da vida simples, antecipando-se assim ~ contra a tese de Max Weber — em quase um milénio a ética pro- testante; que a ainda vigente nogio de “Idade das ‘Trevas” medi val, cendrio de inegavel e efectivo Progresso tecnoldgico e intelec- tual, nao passa de um mito e de uma afronta; que também nesse periodo se langaram as bases decisivas para a doutrina dos direi- tos humanos; que o cristianismo, entre todas as grandes religides, foi a tinica a desenvolver uma oposigao moral 3 escravatura, tendo- a abolido por volta do século X e figurando, mais tarde, em plena modernidade esclavagista ad extra e vaidosa cultora da universali- dade racional, como uma inspiracao criativa e eficaz dos movimen- tos abolicionistas, Eo socidélogo relaciona igualmente com 0 cristianismo e coma Igreja Catélica a valorizagio da propriedade privada, 4 legitimagio Nora soBRE 0 AUTOR | 15 da busca do lucro, os fundamentos da teoria democritica ociden- tal presentes nas doutrinas da igualdade moral individual, do di- reito 4 propriedade privada e ao auto-governo. Refere, por Sie, que o capitalismo se realizara nas cidades-Estado italianas, onde se criaram novas técnicas de gestéo e de finangas em apoio de am- mpresas comerciais. a = e enigmatico, ou talvez nao tanto, € que tudo isto nao teria sido assim se, nos alicerces metafisicos € espizituais, ae toda aacg3o humana na sua circularidade sisteémica pressupoe, nao “ brasse — como no Ocidente cristiio — 0 aprego pela razao, a qual, por seu turno, tem o seu fundamento ea sua inteligibilidade num Deus olhado sobretudo como amor e também como inteligéncia, Compreende-se, pois, a partir do exposto, a diversidade das reac- ges as posicdes de Rodney Stark. Estas podem niionscc grande proveito, na rede electrénica mundial. 3 resultado e tal pesquisa mostra que o tema nfo é nevtro nem indiferente, antes traduz e deixa transparecer as coordenadas de uma auténtica e pe- yene guerra cultural, com opgdes inredutiveis de fundo, é Mas é bom que alguém abale preconceitos, desfaca certezas sub- jectivas sem contetido objectivo, force todos a iia eee . rifieagao do real, para 14 do que Hegel chamava a “subjectivi lac birbara”, fechada em si, na sua arbitrariedade, no seu oan hos seus pendores inconfessados ena sua wehisae a verda “I ‘puke o mérito principal de Rodney Stark — aceite-se, ou no, tudo que cle diz, Apiur Morio june, 4de Janeiro 2007 ao a Edicao portuguesa Mendo Castro Henriques se de Rodney Stark tora Tribuna ter publicado ern 2004 Trés Formas de Poder | tradugao e prefacio de Artur Morao, vem agora da Razito, de Rodney Stark, 2005, oitavo volume [ia e Ciéncias Sociais. A obra revela as origens me- ‘era os seus entusiastas e detractores, mas 18] 4 VITORTA DA RAZAO do séc. XVI. Ao definir o espirito do capitalismo como as ideias ¢ habitos que favorecem “a procura racional de ganho econémico sabia que repetia autores como Petty, Montesquieu, Smith, Buck- le, Keats ¢ que esse espirito também existia fora da cultura ociden- tal; mas: “...para que uma forma de vida adaptada as peculiarida- des do capitalismo possa predominar sobre outras formas de or- ganizagao, tem de nascer nao pela accao de individuos isolados mas como forma de vida comum a grupos huranos” A descrigaio weberiana do capitalismo est longe de ser uma apolo- gia ¢ reflecte a sociologia alema de Toennies que confronta “comuni- dade € sociedade” e o “desencanto do mundo” que acompanha a “Belle Epoque”. Enquanto o iluminista Adam Smith enfatizava o mecanis- mo do mercado como o meio de criar riqueza, Max Weber falava de dever, ascetismo e auto-negacio, tendéncia para o clculo de custos € beneficios, e uso formal da razZio. Ao divorciar-se do impulso religio- so original, o capitalismo tornou-se “uma gaiola de ferro”. Os purita- hos seguiam umaa vocacao mas os contemporaneos s40 forgados a ser capitalistas. “O poder inexordvel” da ética capitalista assenta “em fun- damentos mecAnicos.” F os capitalistas modernos siio “especialistas sem espirito, sensualistas sem coragao”, um destino t&o desolador como o descrito nos poemas do ex-futurista Alvaro de Campos, Nos cem anos que passaram desde a obra, surgiram criticas jus- tificadas. O préprio Weber afirmou ter interrompido a pesquisa porque o seu colega Ernst Troeltsch, apresentara em 1906 Os en- Sinamentos sociais das Igrejas ¢ seitas cristds com ampla comparacao entre religides e sociedades. Era impossivel reduzir a devogio na Igteja Catélica 4 rejeicao do mundanismo, ¢ afirmar que s6 0 pu- ritanismo influenciara o Capitalismo. O ambiente favoravel ao “ca- pitalismo” nos meios protestantes deveu-se mais 3 teologia moral de pregadores populares - como Richard Baxter e John Wesley - do que as ideias directas de Calvino, E o protestantismo anglo-ame- ticano dos séculos XVII e XVIII desenvolveu-se muito para la de Calvino, como mostrou R. H. Tawney.2 Na esteira de Max Weber, socidlogos ¢ historiadores identifiew ram o tipo ideal de conduta que favorece © espirito capitalista e dese INTRODUGAO|19 fizeram esteredtipos sobre a piedade popular catélica, a mensagem luterana e 0 calvinismo, Foi, assim, emergindo uma relaco muito mais complexa do que se pensara entre a heranga religiosa ea mo- dernidade econémica. A cultura de frugalidade e a santificagao da vida didria surge em catélicos e protestantes. Henri Pirenne mos- {rou 0 capitalismo na catélica Flandres do séc, XH. Fernand Brau- del apresentou 0 mapa econémico do mundo mediterranico. Ray- mond de Roover fez estudos definitivos sobre as organizagoes fi- ‘juiniceiras medievais ¢ as casas bancérias na Itdlia do séc. XIII. Carlo Cipolla desmontou o conceito de “economia medieval’, Robert lopez, explicou “a revolugao comercial da Idade Média”. A refor- ‘ia protestante tera desencadeado uma dinamica especial, mas 0 contributo crucial para a economia capitalista, com a mistura de _potipanga, criatividade, trabalho, e investimento resultou de influén- ‘lus telipiosas e culturais do catolicismo - em congregagées religio- us, em movimentos de leigos e em individuos. Como escreveu. «(all Collins, os inovadores econdémicos catdlicos na Idade Média, ‘\inham a ética protestante sem o Protestantismo.” jin A Vitéria da Razito Rodney Stark baseia-se, descreve e sintetiza jor didictico da obra dispensa apresentaciio mas é importante desta- onde reside a “vit6ria da raziio”: “A chamado. ‘Idade das Trevas’ as- lita inna explosdo de inovagdo tecolégica ¢ cultural. Houve inovagdes ‘juli ¢ Inovagdes que vieram da Asia. O potencial maximo das novas tec- [oi rapidamente reconhecido ¢ adoptado, como seria de se esperar de sho celebrow a ‘invencéo exuberant.’ A inovagdo niio se limitou a tec- liylu) houve também progresso fantdstico na cultura de elite: bibliografia, Feria, Ald disso, as novastecrologiasinspiraram novos modelos or clonal « administrativos, que culminaram no nascimento do capita- “yoy granules contros mondsticos, O jovent capitalismo, por sua vez, levow willagiin inoligicu das impticagdes morais do comércio. Os tedlogos mais qian refoltaram objeccoes doutrindrias passadas contra juros ¢ lucros, e on vlenieritos essenclais do capitalismo, Hsses desenvolvimentos importdncla hidrla, may constiinen una “revolugdo secrete", 20 |A VITORIA DA RAZA como explicou R. W. Southern: secreta porque nao sabemos quem descobriu. 0 qué ow, era miusitos casos, onde, e exactamente quando, apareceu determi- nada inovagito. Mas o facto € que o progresso rapidamente catapultou o Oci- dente para a frente do resto do mundo."3 Esta visdo corresponde parcialmente ao que se chama desde o séc. XVIII a whig interpretation of history. No establishment académi- co anglo-americano € corrente valorizar os regimes liberais como © cume do desenvolvimento politico; considerar que as figuras do passado tinham opinides semelhantes As actuais; que a histéria é uma marcha para o presente, e especificamente para os regimes constitucionais briténico e americano; que contra os “heréis” do progresso, se opuseram os “bandidos” que obstavam ao triunfo inevitével. Esta énfase na inevitabilidade do progresso transforma a sequéncia de eventos em “linha de causalidade” ¢ distorce a se- lecgao de eventos significativos. Rodney Stark nao afirma que as grandes inovacdes medievais - 0 fim da escravatura, as liberdades municipais, a separacao entre ne- g6cios para rendimento e economia de subsisténcia, a implemen- tac&o da contabilidade racional, uma nova divisio do trabalho, e mesmo descobertas andénimas como a chaminé, os éculos, os reld- gios, a contabilidade das partidas dobradas - emergiram directamen- te da teologia crista.5 Aficma, sim, que para alémn das praticas dos cat6licos, outros factores contribufram para uma nova organizacdo do trabalho: o racionalismo na ciéncia de observacao e a matemiati- ca, a jurisprudéncia, a sistematizacao da administragaio governativa © a capacidade empresarial. Aplicadas na Idade Média, essas priti- cas levaram a criacdo de mecanismos de progresso econdémico. O capitalismo é um “efeito colateral” das ideias religiosas, uma atitu- de decorrente dos compromissos teolégicos de crentes frugais, jus- tos, trabalhadores e racionais. Ser isto um catdlogo de virtudes? Tal- vez] Mas é também um rol de exigéncias econdmicas. A Vitéria da Razao é um manifesto sobre a permanéncia do cris- tianismo como motor do desenvolvimento europeu e global. O as cetismo dos clérigos que adoptaram a repra beneditina - ova et la bora - desde a Alta Idade Média, compatibilizanam trabalho con INTRODUGAO | 21 lemplagio. A par da procura da vida eterna, 0 trabalho adquiriu significado espiritual e moral positivo. A abnegacao ascética acomn- panhou o planeamento econémico, Foram estas as bases do espi- rito empresarial posteriormente desenvolvidas por catélicos e pro- jestantes, assim como cépticos e livre pensadores. 2. Portugal - Um estado capitalista oderna _ A formagae de Portugal ‘A tese de Rodney Stark assenta na experiéncia historica das ci- dides-estado do Norte de Italia e da Flandres onde a {@ catdlica moveu o desenvolvimento do capitalismo. Em contrapartida, ‘Mark critica o sistema econdmico da Espanha dos Habsburgos Jue absorverd essas regides no inicio do séc, XVI e desconhece o jue «le diferente a experiéncia de Portugal possa ter. A generali- 0 indevida ~ o desconhecimento nao é admissivel em autor in quulificado ~ impede Rodney Stark de distinguir 0 particula- uno da sociedade portuguesa. O debate historiografico no séc. XX concluiu que a evolugio de ‘yitupal foi diferente de outras sociedades da Europa porque a fo do reino portugués tem bases de modernidade e nao de mo, Que Portugal emerge na “Idade Média” como um Es- open “moderno” e capitalista, é a visio de estudos de Al- Sampaio, Jono Licio de Azevedo, Alberto Veiga Simoes, Bor- Macedo, Vitorino Magalhaes Godinho e José Mattoso, his- Joves econdmicos que recusam as generalizag6es indevidas. deixar aqui algumas sugestdes sobre este cardcter espe- formayio de Portugal, inserida em dois movimentos his- Ko cuitio, um peninsular ¢ 0 outro europeu: 1) a de- {império leonés em varios reinos peninsulares; 2) a ‘omirelo, Adintinela pelas Cruzadas.© Heulag al que {4 demolira o império ca 22| A VITORIA DA RAZAO. rolingio, o efémero império lionés servira para quebrar o isola- mento peninsular imposto pela dupla dependéncia perante 0 Sacto Império ¢ o Papado. Ultrapassado esse momento de convergén- cia entre as regides peninsulares, a desagregacio leonesa deu ori- gem a cinco reinos, de entre os quais apenas Portugal criou desde logo individualidade propria e permanente. Os outros quatro — Castela, Leo, Aragiio e Navarra - levaram mais de trés séculos a disputar a hegemonia, até 4 unificacao imposta pelos Reis Catéli- cos em finais do séc. XV. Ao separar-se da unidade sub-imperial leonesa que procurava dominar todas as terras reconquistadas, 0 Condado Portucalense criou uma fungao nacional distinta; impossibilitado de usar as rotas de terra para o contacto com a Europa e o Mediterréineo, es- colheu a rota do mar’. Desde muito cedo houve uma alianca da economia rural com a economia das p6voas maritimas. Quando Randulfo descreve a conquista de Lisboa em 1147, define-a como “o mais opulento centro comercial de toda a Africa e de grande parte da Europa”.8 As cidades do Norte ¢ do Centro europeu - que Rodney Stark tio bem descreve - integravam um regime feudal em desagregagio, tornando-se independentes dos suseranos, e tendo forte dinami- ca econémica. As “vilas novas” portuguesas - “as vilas rurais pree- xistentes no condado portucalense, as vilas da reconquista flanqueando os burgos, e as vilas comerciais da beira-mar, resultontes da ascenséo do por- tus a cais, do lucro escasso da troca de terra ae lucro facil da troca a dis- tdncia” fundiam-se numa unidade politica e econémica assente em expressdes sociais interdependentes. E para esta particularida- de do século XII, contribuiu o poder régio que foi neutralizando os elementos da sociedade de conquista e colonizag&o que se re- velavam intteis. Essa unidade de interesses é 0 paradigma do mundo moderno ¢ a alavanca decisiva que tornou possivel um novo caminho para as mercadorias orientais, levando a passar para o Atlantico, em conexfo com a Flandres, a grande funcao de trans- porte ¢ distribuicao, até entdo do Mediterraneo. Como resposta 4 ameaga militar almordvida, o Condado Portus Sl INTRODUCAO | 23 ‘calense alarga as fronteiras cristas desde o Douro até a0 Monde- (0, faz emigrar gente para o Sul, e aumenta os poderes senhoriais dog cavaleiros e mosteiros nortenhos e atrai cruzados da Europa ocidental. Este alargamento do territério apoiava-se em duas no- ges estranhas 4 Europa do Santo Império: o poder régio como {onte de direitos, e a propriedade do solo transmitida a titulo pre- -cirio, Por outras palavras, o avango até ao Algarve correspondia ao ‘ilargamento da soberania régia ¢ a auséncia de feudalismo Os po- ileres atribuidos as Ordens resultavam do isolamento de regides (liase desertas; nao eram a expresso de um direito irrevogivel. E vor © avango para o Sul, a par dos grandes coutos monacais e das (ertas das Ordens Militares- Templo, Santiago, Aviz - os reis da primeira dinastia fomentaram a pequena propriedade como agen- te do equilibrio social, embora mais frequente a Norte que a Sul, por razbes de seguranga e riqueza dos solos. ivdens religiosas ¢ militares Quando Portugal emergiu como independente, muitas terras ni Mondego foram entregues a ordens religiosas, nomeada- jite \ Ordem Beneditina. Em 910, fundara-se na diocese de ion, Na Borgonha, a Abadia de Chiny da regra de S. Bento, Do- de independéncia face aos poderosos reinos medievais, s6 re- ecia autoridade ao Papa. Crescera para Itélia, Inglaterra, Ale- 11, Polonia, Hungria e Ledo, Provinha-lhe a forga da austeri- da regra que dava a primazia aos trabalhos de espirito, 4 ins- 0, hospitalidade ¢ a layoura. Mas, tal como outros agentes ayo medieval, Cluny degradara-se. Pelo contrario, a Orden C\uter, reduzindo as tarefas de formagao ao indispensavel ao sacendotal, praticava © regresso ao campo. Em 1098 Rober- Molesine estibelecera o mosteiro de Cister (Citeaux), tam- 14 Horgonha, que se tornou 0 eixo da Ordem da qual ira emer- dow grandes veformadores da Igreja. Em 1114 Bernardo iviil, respeltado e temido por imperadores ¢ reis, ¢ es- pil in 1128 dipole a eriagio da Ordem dos Tem- — 2A [A VITORIA DA RAZAO. plarios. Em trinta anos fez dos beneditinos de Cister um modelo de ascetismo e trabalho, O seu aparecimento em Portugal, num perfodo de efervescéncia, permitia ligar terras quase desertifica- das, ¢ impor um elemento de ordem e paz religiosa € social. Os mosteiros cistercienses, como evoca Rodney Stark, eram as. unidades econémicas mais eficazes da Europa. Introduziam o di- namismo das exploracdes agricolas em grande escala e com ino- vac6es tecnolégicas, com o cultivo inovador de vinhas, pomares ¢ hortas. Instalavam dispositivos que poupavam no trabalho, como os moinhos hidraulicos. A Portugal interessava o programa de Cis- ter, agricultando as terras reconquistadas desde finais do séc. XI: os monges cultivavam as terras dos mosteiros, confiando a con- versos 0 arroteamento das distantes. Era uma “cruzada econémi- ca” com énfase na exploracao titil dos solos conquistados, como sucedeu nos “coutos de Alcobaca”. A fundagao da abadia cisterciense de Santa Maria de Alcobaga em. 1153, resultou de um voto de Afonso Henriques pela tomada de Santarém. O interesse do rei foi fayorecido pelos contactos de seu irmao bastardo, Pedro Afonso, com Bernardo de Claraval, na mis- so junto da corte de Luis VII, rei de Franca, ¢ os do arcebispo de Braga, D. Jodo Peculiar, no Concilio de $. Joao de Latrao, Vindos para Portugal, em 1151 e 1152, os frades bernardos instalaram-se em eremitérios no Minho e em S. Joao de Tarouca: em 1153, a Ordem recebe os reguengos nos vales do Alcoa e do Baca, para edi- ficagao de uma abadia. As obras comegaram em 1154, para 40 fra- des, A traga primitiva - a igreja abacial, o claustro, a sala do capitu- lo, um vasto dormitério, refeitério ¢ cozinhas - obedecia & sobrie- dade dos mosteiros de Cister, sendo um dog mais puros modelos da arquitectura romanica de Cister na Europa, segundo Bertaux. A influéncia civilizadora de Santa Maria de Alcobaga foi decisi- va. As modificagées e ampliagdes continuaram em 1194, 1223, 1240, 1269, 1308, 1311 ~ ano de construcao do claustro gotico para onde depois D. Pedro I mandou trasladar 0 corpo de Inés de Castro « ¢ sucessivamente até 1519, Fim 1270 era j4 o maior mosteiro da Hus ropa, com os seus 7 dormitérios, 5 claustros, a cozinha e 0 refele INTRODUGAO | 25 {6rio monumentais, chegando a alojar 900 frades. O D. Abade de Alcobaca, exercia uma jurisdic2o espiritual e temporal em toda a regio. Em 1269 iniciaram-se as aulas pata os monges de Latim, Gramatica e Teologia, ad latere dos Estudos Gerais de Lisboa. Eso- bretudo, os frades de Sao Bernardo consagravana-se as actividades agricolas em escala pré-capitalista e com inovagbes tecnolégicas, conyertendo a tegitio de vinhas, searas, granjas e pomares em um dos grandes celeiros do pais. ws ‘Fintre as grandes propriedades das ordens religiosas ¢ os territ6- os mouros existiam linhas de castelos entregues aos freires das Ordens Militares. Tratava-se de guardar os territ6rios ainda expos: Ws cozrerias sarracenas ¢ expandi-los para Sul com uma linha Je fronteira mével. Afonso Henriques institui a Ordem Militar de §, Miguel da Ala, em Alcobaga, que nao vingou por alta de bens e ‘ndimentos. A Ordem Militar de S, Jozio de Jerusalém (posterior- te Cavaleiros de Redes e Malta) também ni se radicou. A po- lerosa Ordem do ‘Templo estabeleccu o seu mestrado no pais em \57, com Gualdim Pais, Sendo inconveniente a primitiva sede em ja pela distancia as fronteiras do Sul, firma-se no castelo de omar, por troca com Santarém. O Templo levou a cabo a Tenant: io dos castelos de Tomar (1162), sede da Ordem, de Redinha (1162), Almourol, Zézere, Ceres, Seia, Pombal e Idanha-a- Velha, para defesa da linha do Tejo. Em 1169 foi garantido aos Tem- 0 tergo de todas as terras a conquistar ao sul do Tejo com a niligiio de os rendimentos e os recursos serem empregues exelu- lente em Portugal. Os monges-guerreiros eram. desarticula- la {ungilo internacional, niuito antes de serem, convertidos cm de Cristo, Do mesmo modo as ordens militares de Santia- Hipada ea de $20 Bento, ou Aviz, eram instaladas ao longo leinis provisorias, e perderam o cardcter supra-nacional ao ta consitituigio da sociedade portucalense de militar, diplomatica e administrativa de D. Afon- 6 primeiro rei, “o homem sem o qual nfo existiria porliiguena e, por ventura, nem o nome de Portu- Mex evculano, acrescenta-se o apoio dado 26 | A ViTORIA DA RAZAO e recebido das instituicdes cristas, Ha fundago de mosteiros, cria- fo de aulas abaciais e episcopais, os tinicos focos de instrugio da época, ¢ centros de assisténcia a enfermos, pestiferos, indigen- tes e aleijados. 19 Epoca econémica: da Fundagéo a Ceuta Como escreveu José Mattoso “no dominio econémico, o gran- de fenémeno a que se assiste entre o fim do século XI € o princi- pio do século XIV, em Portugal como.no resto da Europa, embo- ra aqui com algum desfasamento cronolégico, consiste no aban- dono do sistema dominado pelo auto-consumo, para o substituir progressivamente pela economia de produgio e de trocas”. Com mero intuito de divulgacio e riscos de simplificagao, seguirei as periodizagées de José Mattoso para articular as conjunturas eco- némicas, no periodo de formagao da economia portuguesa dos séculos XII a XIV ea de Alberto Veiga Sim@es para a época eco- némica da Expansao a Unio Dindstica.? 1080-1130. Os Cistercienses comegam a fundar as suas granjas € organizam a exploragéio racional da lavoura. Um primeiro pélo econdémico emerge a Norte, com a presenga de mercadores Fran- cos em Guimaraes, ea actividade mercantil em centros como Pa- néias e Ponte de Lima a reflectir a influéncia econémica de San- tiago de Compostela, Os beneficiérios tem empreendimentos de Prestigio ou canalizam para Roma e Cluny os metais preciosos acumulados. O segundo pélo de transformagio econémica é Coim- bra, onde se concentram as transaccdes entre as zonas econémi- cas de muculmanos ¢ cristios. Os principais beneficidrios sio os senhores que entesouram bens de luxo e os cavaleiros que se tor- nam senhores de grandes dominios. 1130-1160. No inicio da década de 1130 Afonso Henriques fixa- se em Coimbra, foco da ofensiva crista durante os trinta anos se- guintes que mobilizaré toda a populacio, ¢ abre os “coutos de Al- cobaga”. Os contactos com os Cruzados abrem horizontes inter: nacionais. Quando o cruzado se queda em terra, participa da co: eee. InTRODUGAO | 27 izag%o interna, onde representa um elemento de liberdade opos- ‘lo espirito social onde a Cruzada se gerara.!° 1160-1190, A medida que se ultrapassa o sistema de autoconsu- (no, fera-se um sistema pré-capitalista. Os mosteiros criam gran- en exploragdes directas e com rendimentos superiores 4 capaci- ile de consumo. As cidades transformam-se em importantes ‘enlros consumidores. Os cistercienses interessam-se pela cria- jo de gado, e aperfeigoamentos tecnolégicos, como o uso dos ins- \smentos de ferro, a construgao de moinhos e canais e a explora- io de minas. Vendendo os excedentes, investem os ingressos mo- os em lugares estratégicos pela capacidade de produgio ou {io escoamento dos produtos. Entram na economia moneta- jornam-se centros de crédito, Tarouca concentra nos anos ) 1 1182 a maioria das compras cistercienses. Em 1193 tem ja sete granjas, das quais uma junto do Porto, e duas perto de hon. ‘Tinha fundado nove entre 1163 e aquele ano. Alcobaga «© em criax infra-estruturas produtivas nos seus coutos. 1 rendimentos de enormes propriedades no Norte, Os ca- 0 ro Zezere construidos pelos Templarios mostram a tec- iia moderna, : ‘ 1210, © desequilibrio entre os recursos disponiveis ¢ as ne- 4 da populagio silo patentes numa crise demogréfica, 0 Aumentara necessidade das trocas através do mar, A (juenuy propriedades contribui para aumentar os gran- ‘Huthnulados pelo exemplo das empresas cistercien- a a exploragtio directa, como Lou- ( ( Jorn fazem Viagens mart: 28 | A VITORIA DA RAZAO timas para compra de panos em Dublin, Inglaterra e Bruges. As- sediados pela pirataria moura do Atlantico, og comerciantes suge- rem a conquista de Silves que terd lugar em 1189, 1210-1250. Os grandes dominios dos Cénegos Regrantes de Coim- bra e de Lisboa imitam as exploragdes cistercienses e as ordens mi- litares nos investimentos produtivos e comercializactio dos produ- tos. O rei D, Afonso II racionaliza a administragio régia, contabi- lizando os rendimentos através das InquirigSes. HA numerosos mercadores portugueses em contacto com a Inglaterra mas menos com a Franga. J4 em 1253 tabelam-se os pregos de 38 tipos diferen- tes de tecidos, dos quais 34 fabricados na Inglaterra, Flandres, Bre- tanha e Normandia, o resto em Castela. 1250-1280. A economia de mercado reforga-se com a chegada ao poder de Afonso IV. Vivera longos anos em Franga e, habil gestor, transforma os dominios régios em empresa pré-capitalista finan- ciada por habeis politicas. Em primeiro lugar, fomenta a economia monetiria em todo 0 pais; a) pratica ou ameaga praticar sucessivas desvalorizagdes da moeda; b) reorganiza 0 dominio régio, com um novo cadastro (1258) e racionaliza a cobranga das rendas em dinheiro c) exploragdo de azenhas, pisdes, lagares, agougues, casas e tendas nas cidades. Em segundo lugar, estimula o comércio mediante apoios a feiras e pescadores. Regulamenta o comércio externo para equilibrar a balanga comercial e impedir o escoamento de cereais ¢ metais pre- ciosos, ¢ dirige as wansacgSes internacionais para portos com facil cobranga da dizima. Desvia para o tesouro régio uma parte dos ren- dimentos do bispoado do Porto. As leis de Afonso IV consagram a mudanga de padrao do sistema monetirio, passando do maravedi mugulmano de ouro, para a libra usada na Europa. A medida per- mitia uma melhor integracdo na economia de além-Pirenéus (R. Durand) e facilitava a articulag&o entre grandes e pequenas tran» saccGes. O comércio externo é regular e intenso; o do Atlantico é praticado por mercadores portugueses ¢ o do Mediterrineo nor INTRODUCKO | 29 malmente por Catalaes ¢ Italianos, sobretudo Genoveses. O terceiro aspecto é a multiplicagaio de exploragées orientadas para ‘o mercado. Os grandes empreendimentos dos cistercienses € das ordens militares sio ampliados. Alcobaca faz aquisicées estratégi- cas em Elvas e Beja, explora minas de ferro e multiplica granjas. Os Cénegos Regrantes de Coimbra, Alentejo ¢ Beira desenvolvem a pesca, a criagdo de gado e as actividades comerciais. Os fidalgos de ‘Jntre Douro e Minho que adquirem propriedades para rendimen- tos em dinheiro so os precursores do moderno “fidalgo mercado” li registos de numerosos moinhos, azenbas, instrumentos de ferro, Jas, canais, etc., que aumentam a produtividade. A moeda generaliza-se como instrumento da moderna econo- iia nacional. Os Hospitalérios, por exemplo, emprestam 14000 maravedis ao bispo de Coimbra em 1251. Aos Templarios, Afon- 0 IV dirige-se em diploma de 1255 sobre a quebra da moeda (lieg, 196-197). Ao arcebispo de Braga e aos outros bispos do ieino, 0 rei dirige-se na lei de 1261 (Leg. 210-212). A proibicio clas a panos portugueses desde 1253. 0.1925, D, Dinis herda uraa administragio com rendimentos vados ¢ investe-os em estruturas produtivas. Aumenta os 1H, multiplica os emprazamentos de reguengos e “povoas”, in- initio repisto por escrito das rendas ¢ intervém no conirole cio exlerno, confirmando Bolsas de Mercadores em Flan- luterra, ¢ Hranga. Sao numerosas as associacdes de mez- \ portugueses de Harfleur em 1310, cemitério de portu- Rouen e privilégios de Eduardo Ina Carta Mercatoria de 1 o numero de estrangeiros em Lisboa, de Bayonne, « Cutuliey e wabretudo Genoveses, como é patente na lia | Manuel Pessanha (1317) com o privi- ———— 30 A viroRIA DA RAZAO légio de a poder usar para o comércio. Coincidindo com alguma estagnacio dos cistercienses - quebra das aquisigdes de terras por Alcobaca em 1300-1325 e casos de abandono da exploracao directa ~ orei tem interyengao crescente nas ordens militares (conversaio da Ordem do Templo em Ordem de Cristo) e o dominio régio de- senvolve-se como grande empresa pré-capitalista. 1325-1370. A economia portuguesa afirma-se na mudanga hist6- rica imposta pelas cidades, regides e reinos do litoral europeu ~allén- tico e mediterranico - que fundaram o capitalismo moderno, em contraste com as economias fechadas e reguladas dos grandes Es- tados da Idade Média. Os portos do Atlantico — desde o Algarve a Flandres - trocam géneros alimentares, matérias-primas e manu- facturas preduzidas no hinterland, as cidades do Norte de Itdlia as- Sentam o comércio no monopélio dos produtos e caminhos do Orien- te, As mercadorias das frotas de Itdlia chegavam a Bruges com um Prego duplo ou triplo do que tinham na origem; e as lis de Inglater- a, que serviam de frete de retorno, atingiam em Florenca precos 10 12 vezes superiores aos da fonte. Nesta circulagao, o complexo por- tudrio do Tejo era o eixo de um sistema internacional de trocas, e Lisboa apresentava-se como a capital que arrancara ao Mediterra- neo a primazia das trocas. Nas cidades maritimas portuguesas, lan- gam-se os fundamentos do direito comercial, das instituigdes iner- cantis ¢ maritimas, e de outros mecanismos sobre os quais assen- tam o moderno sistema capitalista de trocas ¢ precos. Significativa- mente, desde 1336 que Portugal realiza sucessivas expedicdes ds Ca- nérias, porventura sugeridas por mercadores de Génova, ensaian- do as velas para a grande viagem ao continente negro.ll 24 Epoca econdémica: da Expansao 4 Unido dindstica A depressto econédmica que atinge a Europa na segunda metade do século XIV e domina todo 0 inicio do século seguinte tem cau sas diversas mas todas relacionadas com @ erie dla tervay decadén: INTRODUGAO | 31 cla dos réditos, alta dos salarios, abandono dos campos pelo urba- nismo, desolacio pela Guerra dos Cem, Anos ¢ mais ainda pela Peste Negra. Essa crise estrutural da Ruropa contagia Portugal. a ‘partir do tiltimo tergo do séc. XIV. Uma primeira resposta é dada por D. Fernando com as leis das Sesmarias, e o fornento do culti- yo dos campos. Também muito conhecida é a Companhia das Naus, © ligacfio dos mercados nacionais com os portos do Norte ¢ 0 co- inércio rico, aproveitando a ruptura das rotas de terra, Menos esti- mada mas igualmente valiosa é a politica atlantica, procurando oO iniinio dos portos do Cantdbrico, para onde o rei orienta as suas As cidades maritimas portuguesas nasceram com privilégios e iniidigdes semelhantes s das democracias flamengas, € no exern- } contacto com elas. Mas enquanto em Flandres e Itdlia, as ci- ‘les emergiam como ilhas de modernidade puma sociedade me- |, as vilas e cidades portuguesas eram de origem moderna, ora sobrepostas a povoados pré-portucalenses: nao eval ape- iW, 0 ports do comércio mas 0 cais de produgio de um hinterland Jurtical et de Lixebonne”, Portugal era apenas um nome aurie inedieval Froissart, em finais do século XIV, diz ainda: “nen ‘econdmicos soliditios dos campos e das cidades, como -comprovar na revolucio de 1383. A 1eyoluigtio de 1483-85 6 sobretudo dos mercadores e -Lidhow e Porto que rompem com a legitimidade di- locai Ho tron portugues um rei que hata 32 A VITORIA Dé RAZAO contra o senhorialismo. A D, Joao I dio-lhe os meios para lutar con- tra as forgas neo-senhoriais — a nobreza da terra eo clero manco- snunados com o usurpador ~ aliadas do pretendente Juan I de Lexo Castela, Essas forgas encontram no génio militar de D. Nuno Al- vares Pereira o homem a altura da crise e terao no jovem Fernao Lopes o cronista deste “novo mundo”. A fronteira nao é determina- da sé pela terra, mas sim pela troca maritima 4 distdncia, e na mo- bilidade do capital. Portugal compreendia a sua fungao nas econo- mias europeias e Os seus portos representam o eixo em torno do qual se polarizavam os interesses do comércio maritimo mediterra- nico ¢ atléntico. A Alianga com a Inglaterra reflectia esta realidade econémica ¢, logo apés 0 triunfo da revolugao burguesa, a politica comercial portuguesa definiu os seus procedimentos e objectivos. Com o avango mugulmano de finais do século XIV, a Europa perdia o contacto com as regides auriferas africanas e ficava limi- tada a sua producdo numa sociedade em que a fortuna imével da terra se decompunha, ¢ 0 ouro ganhava importancia como padrao das moedas desvalorizadas. O que salvou o reino, que a recesstio europeia poderia ter feito socobrar, foi a fuso entre os interesses das cidades e dos campos; embora a crise assolasse os senhorios ea terra, Portugal funcionava como um dos primeiros Estados ca- pitalistas da Tdade Moderna. Vencida a ctise politica, o problema econémico portugués nos comegos do século XV assume trés aspectos: a nova nobreza ca- rece de rendas deyido a escassez de terras e as dificuldades de pro- dugao; a caréncia de territério impede essa nobreza senhorial de se afirmar contra o predominio das cidades em que o rei apoiara a vida econémica e social do reino; falta ouro, o instrumento mo- netario de troca a distancia, que afectava a burguesia mercantil, Durante quase ur século, a nobreza conspirou contra as fun goes que a dinastia de Aviz lhe destinara no neofeudalismo ultra: marino para lhe renovar os réditos e a consciéncia social; ser de- finitivamente dominada por D. Joao I, “principe perfeito” no sen: tido moderno, As terras iam passando As maos dos novos-rico, Estes, absentistas, no podendo agriculté-lag diteclamente, tang INTRODUCAO [33 formavam-nas em pastagens, com um minimo reservado ao con- sumo local. Face 4 crise da terra, o rei permanece como 0 tinico poder de pé: a ele apelam todas as forcas sociais quando se agra: va a queda das rendas. A ascensao do poder régio portugues ao longo do século XV assenta nesta necessidade de coordenagao eco- nomica, O rei é 0 nico poder intacto com capacidade de alianga com as forcas senhoriais, e as do comércio edo trabalho, A alian- ga de clero, nobres, mercadores, maritimos ¢ mesteres com 0 rel iniio é uma importagio dos modelos politicos regalistas que come- ‘gam a percorrer a Europa; é uma tendéncia endégena de Portugal. A partir de D. Joao II 0 intervencionismo régio esmaga 0 senho- ‘tialismo e absorve 0 elemento populista. / ‘A expansio iniciada com a conquista de Ceuta tem que ser vista ‘luz da deslocacio do comércio. Se a incerteza das rotas tran- ‘julpinas ha muito deslocara 0 comércio do Mediterraneo para o Ailintico, agora as perturbagées berberes, que fecharam o co- iéreio as cidades europeias, roubavam-lhes a rota do ouro, des- lubilizavam a navegagao no Estreito de Gibraltar e faziam rarear produtos orientais nos mercados flamengos. O Norte de Afti- assumia importincia acrescida para Portugal, que carecia de endas, territ6rios, comércio a distancia e, para tudo isto, o ouro, umento regulador.12 ; ‘Quando Portugal reconheceu a necessidade imperiosa de agir, ouse sobre Ceuta, a base dos futuros senhorios em Marrocos. tir de Ceuta, ¢ posteriormente das pracas marroquinas do , dominava-se a passagem entre os dois mares € 0 acesso ao centro-africano, entretanto desviado para o Cairo, Cabera ao finite D, Henrique reunir a procura do acesso directo ao ouro e wyayos com a rota das especiarias através do périplo de Afri. pura acudir & caréncia de mao-de-obra da Metropole, & alta de 4 @ wo tubanismo excessivo, Se persistia no sonho medievo suiinar o tlio, também cumpria o objectivo econémico , dando continuidade a trés séculos de definicio territo- iio de uma sociedade moderna, iuduulmente, o que Vitorino Maga- 34) A VITORIA DA RAZAO lhaes Godinho chamou a “Economia dos Descobrimentos”: 0 pé- tiplo de Africa retme a rota das mercadorias ricas e a primeira rota do ouro. F os escravos tristemente descarregados na Vila do In- fante passaram a plano secundirio quando o regime agricola, por caréncia de bragos, se adaptou As novas situagdes; os cais mariti- mos de Portugal perderam o equilibrio com 0 agro, e o pais lan- sava-se no lucro de transito e de transporte, estigmatizados por Antonio Sérgio, A vida comercial ¢ 0 sistema capitalista da politica econdmica por- tuguesa em finais do séc, XIV e princfpios do século XY, tinham a Flandres como campo de acgao. As bases da politica comercial in- ternacional foram criadas pelos mercadores Pportugueses em Bru- ges e em Antuérpia.'3 A clausula da nagdo mais favorecida, o ins- trumento nivelador dos interesses internacionais, foi pela primei- za vez concedida 4 “nao portuguesa” em 1511. Tais instituigdes estiveram na origem da Bolsa, do depisito, da caugdo, e da forma dos actos comerciais, Em Antuérpia, a Bolsa estava aberta as horas que mais convinham aos agentes comerciais portugueses, procu- tadores, cOnsules e embaixadores do rei de Portugal, os tinicos ad- mitidos a entrar com a sua espada. A instituicao consular, origin’- ria de Itdlia, 86 conheceu expansio plena com os portugueses na Flandres, onde a sua eleigo dependia do consentimento do rei, papel em que se veio a destacar um Damiio de Géis. Desde que D. Joio I escorou 0 trorio com a classe média ea nova nobreza até a chegada do Gama a Calecute, o rei consolidou o seu poder. Havia caravelas e naus privadas, a par das do infante, a sul car as costas de Africa: mas a india sé j4 chegam a armadas do rei, O capitalismo portugués de Quatrocentos é ainda das Ordens, dos mercadores e mesteirais, e dos nobres rurais, classes com direc- trizes diferentes mas convergentes na alianga promovida pelo rei, Apés a descoberta da via da India em Quinhentos, 0 rei é o chele de uma nagiio, organizada em Estado, vivendo das receitas, e many tendo nos pagos toda uma nobreza cujos réditos se reduziam de- vido ao ermamento das terras, perdendo-se com os “fumos dla {ndia” ou encaminhando-se para as do Brasil, D, Ma aia capitar INTRODUGAO | 35 nuel 1 é le roi épicier como com desdém invejoso lhe chama Fran- cisco I de Franca. E Francisco de Vitéria encerra 0 seu Tratado de Direito Internacional com comparages entre o sistema espanhol de ocupacao territorial eo sistema dos portugueses que mantém comércio com as populagées sobre o qual o rei langa 0 Quinto. Os 20% do rei de Portugal nos seus senhorios do Oriente sao muito mais titeis que a soberania nao econémica do rei de Espanha nos territorios da América. A posicio estratégica favorecia Lisboa como entreposto das rotas do Oriente, mas nao lhe assegurava 0 acesso aos mercados dos produtos transportados. O transporte de mercadorias longinquas € preciosas tende para 0 capitalismo e para o lucro individual, A rota das especiarias, resultado do conjunto de esforgos de uma hac&o que encontrara a sua fungao e o seu destino no comércio maritimo, transformou-se em monopélio de Estado. Mas como o pais nao tinha dimensio suficiente, o monopélio nao tornou Lis- boa em centro de um mercado consumidor. A politica portuguesa de transporte, iniciada com a abertura da tota da India iria minar a politica nacional de producio para 0 con- sumo e para a exportacdo, a base da concentraco capitalista. Como om todas as economias de base agraria, 4 medida que a exporta- ‘glo desenvolvia o lucro, a populagao portuguesa tomou o caminho ‘las cidades. O novo mecanismo da vida econémica alargava a toda 4 parte o fendmeno que Sombart designou pelo nome de “urba- jizagiio da nobreza”!> Varias vezes no séc. XVI as Cortes se quei- Wun deste xoda, propondo medidas coercivas para trazer o traba- lor de volta a terra; e no auge do trafico portugués na India, S4 Miranda, a cagar “pardaus nas Terras de Basto” choramingava ‘ver ag suas terras abandonadas pela charrua. A nobreza da terra ‘nuformaya terrag cultivaveis em pastagens, visando um rendi- ‘ito com despesas minimas, mas destruindo as bases da aris- it apraria, Hmigrava-se para as Indias ou para o Brasil. Esta formagio da terra em toda a Europa, originou o despovoa- 10 dow Campos, o mercenariime © a vagabundagem; a falta de jultio dig pequenay indastriqn rurais; em Portugal s6

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