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Fármacos e Rim

A doença renal pode afetar a forma de prescrição e os fármacos usados. Os rins recebem cerca
de 1 litro de sangue por minuto (1/4 do débito cardíaco), por isso são expostos a grandes
quantidades de fármacos circulantes. Têm elevada atividade metabólica e consumo de oxigénio,
possuem múltiplos sistemas enzimáticos e a maior superfície de endotélio por grama de tecido
do organismo. Além disso, muitos fármacos acumulam-se no epitélio e no interstício, outros
atingem grandes concentrações no tubo colector distal, favorecendo a sua criatalização e
provocando obstrução tubular. Por isso, os rins são muito suscetíveis a agressões por fármacos e
vários podem ser nefrotóxicos.

Os doentes com insuficiência renal são frequentemente polimedicados, o que exige muita
atenção em relação às interações medicamentosas. Por outro lado, os rins são a principal via de
excreção de muitos fármacos e como consequência a prescrição requer frequentemente um
ajuste posológico de acordo com a função renal.
No entanto, a insuficiência renal não deve nunca inibir a prescrição de fármacos fundamentais.

I. PRESCRIÇÃO DE FÁRMACOS NA INSUFICIÊNCIA RENAL

A insuficiência renal pode alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica e consequentemente,


os doentes com IRC têm um risco acrescido para efeitos adversos. Para uma prescrição segura e
eficiente deveria haver um conhecimento pleno acerca da farmacocinética dos fármacos nos
vários estádios de insuficiência renal. Infelizmente a maior parte dos estudos clínicos excluem
os doentes com IRC e em diálise.

A prescrição (dose e/ou intervalo) de fármacos com eliminação renal deve ser ajustada ao grau
de disfunção renal, sob risco de acumulação e toxicidade importante. Nunca devemos prescrever
um fármaco a um doente com insuficiência renal sem ter a certeza de que não é necessário
ajustar a posologia. Por outro lado, nunca devemos deixar de prescrever um fármaco essencial
pelo facto de o doente ter insuficiência renal.
1- Princípios farmacocinéticos

A biodisponibilidade define-se como a quantidade de fármaco disponível na circulação


sistémica após a administração (não por via endovenosa). Um fármaco administrado por via
endovenosa tem uma biodisponibilidade de 100%. A insuficiência renal pode influenciar a
absorção sendo difícil de quantificar em que proporção. Por exemplo, o edema do tubo
digestivo pode limitar a absorção da furosemida; as náuseas e os vómitos consequentes da
uremia também. Na uremia grave a ureia alcaliniza a saliva e pode alterar a absorção de
fármacos melhor absorvidos em meio ácido.
Após absorção os fármacos distribuem-se pelo plasma e o compartimento extravascular. O
volume de distribuição não corresponde a um espaço anatómico mas sim à quantidade de
fármaco necessária para atingir a concentração plasmática desejada; deve-se ter em conta que
parte deste se distribui pelos outros compartimentos e esta distribuição varia entre fármacos. O
volume de distribuição é usado para calcular a dose de carga necessária. Os fármacos
lipossolúveis têm maior volume de distribuição que os hidrossolúveis. O edema, ascite ou as
infeções podem aumentar o volume de distribuição, não se atingindo a concentração plasmática
desejada se a mesma dose de fármaco for usada (particularmente nos fármacos hidrossolúveis).
O contrário pode acontecer na depleção de volume e redução de massa muscular. A distribuição
pode também ser influenciada pela ligação às proteínas, que pode estar alterada na doença renal,
quer por diminuição da albumina plasmática (por ex. no síndrome nefrótico) ou pela alteração
da ligação às proteínas pelas toxinas urémicas. É difícil prever o efeito destas alterações. Como
exemplo temos a fenitoína que tem menor ligação às proteínas plasmáticas na IRC e poderá
haver toxicidade mesmo com concentração plasmática normal ou baixa, pelo aumento da sua
fração livre.
O rim é o órgão mais importante para a eliminação dos fármacos e seus metabolitos. A semivida
de um fármaco define-se como o tempo necessário para a concentração plasmática se reduzir a
50% e está relacionada com o volume de distribuição e com a depuração. A depuração renal de
um fármaco depende da TFG, da secreção tubular e da reabsorção tubular. Assumindo que a
depuração extra-renal não se altera, à medida que a função renal diminui a depuração dos
fármacos também diminui e a sua semivida aumenta.

2- Prescrição na doença renal crónica

Atendendo às alterações da farmacocinética na insuficiência renal, sobretudo na excreção, o


esquema de prescrição de um fármaco pode adivinhar-se complexo. No entanto, na prática, o
ajuste da posologia pode fazer-se de forma simples e habitualmente as alterações de dose só
serão necessárias até que a TFG seja inferior a 30 mL/min.
Primeiro é necessário estimar a taxa de filtração glomerular. Na DRC estável usam-se os meios
habituais: taxa de depuração da creatinina, fórmulas de MDRD ou Cockroft-Gault. Esta última é
a mais acessível e para efeitos de ajuste posológico perfeitamente aceitável. No entanto
devemos ter em mente que nos extremos de peso (doentes muito musculados ou muito magros)
pode dar valores enganadores e que na DRC avançada sobrestima bastante a TFG.
Na insuficiência renal aguda (IRA), devemos ter em conta que o valor da creatinina pode ser
enganador. Nos doentes oligúricos ou com creatinina em crescendo a taxa de depuração da
creatinina é inferior a 5-10 ml/min e nos anúricos é, obviamente, zero, independentemente do
valor da creatinina nesse dia. Por outro lado, no período de recuperação da função renal também
não é fácil de determinar pelos métodos descritos e o valor da creatinina é inútil.
A decisão de modificar a dose na insuficiência renal é influenciada pela janela terapêutica. Se
esta é ampla pode não haver necessidade de alterar a dose (ex. algumas cefalosporinas), se é
estreita (ex. digoxina), é essencial o ajuste de dose.

Existem duas formas de ajustar a posologia dos medicamentos com eliminação renal: reduzir a
dose ou aumentar o intervalo entre as tomas.
A dose de carga não é alterada de forma a se atingir mais rapidamente uma concentração
plasmática do fármaco estável. Como a IRC pode prolongar a semivida, simplesmente
reduzindo a dose pode ser um erro terapêutico, pois esta estratégia só irá atrasar o atingimento
de uma concentração de fármaco estável. Por este motivo as doses de carga não requerem
modificação nos doentes com insuficiência renal. A dose dos aminoglicosídeos poderá ter que
ser aumentada nos doentes com um aumento do volume de distribuição (hipervolemia ou
sépsis).
As doses de manutenção devem ser reduzidas proporcionalmente à disfunção renal e à
proporção de eliminação renal do fármaco. Nos fármacos em que é importante o pico de
concentração (p. ex. aminoglicosídeos) deve manter-se a dose e o intervalo entre as doses deve
ser prolongado. Nos fármacos em que o objetivo é manter concentrações constantes é mais
apropriado reduzir a dose e manter o intervalo entre as tomas.

Nos doentes sob técnicas dialíticas a depuração dos fármacos pela diálise pode reduzir a eficácia
deste. Há duas situações em doentes em hemodiálise que tem que se ter em consideração:
muitos estudos reportam resultados de uma altura em que se usavam filtros de baixo fluxo, que
são menos eficientes a remover fármacos e atualmente é quase generalizado o uso de filtros de
alto fluxo, e que embora muitas recomendações indicam o uso de doses suplementares no fim
da diálise estas são raramente usadas sobretudo se menos de 30% do fármaco é removido
durante a sessão de hemodiálise e porque se ajusta a altura da administração do fármaco para o
fim do tratamento dialítico.

Para o cálculo das doses nos insuficientes renais crónicos, incluindo aqueles sob terapêutica
dialítica convencional ou técnicas contínuas, existem tabelas disponíveis para determinar a dose
inicial e dose de manutenção do fármaco. Deve-se avaliar também a necessidade de monitorizar
os níveis séricos dos fármacos para ajustar a posologia. A monitorização é sobretudo útil nos
doentes com LRA em que a função renal é instável, mas deve também fazer-se nos tratamentos
crónicos com fármacos de eliminação renal (digoxina, carbamazepina, fenitoína, valproato, lítio,
etc). O doseamento pode ser feito em pico (após a toma) ou, em vale (antes da toma).

O bem-estar do doente deverá ser primordial em detrimento do ajuste de dose à função renal.
Doses acima do recomendado podem ser apropriadas quando houver uma indicação clínica. Por
exemplo, nas infeções graves que põem em risco a vida do doente e as consequências da
falência da terapêutica são maiores que as da sua toxicidade.

II. FÁRMACOS E NEFROTOXICIDADE

Uma variedade de fármacos podem ser nefrotóxicos e podem estar envolvidos diferentes
mecanismos.
1- A nefrotoxicidade idiossincrásica (ex. nefrite intersticial) é imprevisível e independente
da dose. Este tema será falado noutro capítulo.
2- Nefrotoxicidade por alterações hemodinâmicas
Podem ocorrer com os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), inibidores do
receptor da angiotensina (ARA), AINES, diuréticos e anti-hipertensores.
3- Toxicidade tubular direta
Pode ser desencadeada pelo uso de aminoglicosídeos, vancomicina, anfotericina, cisplatina,
inibidores da calcineurina e meios de contraste.
4- Uropatia obstrutiva
Pode ocorrer com agentes tais como aciclovir.
5- Glomerulonefrite imuno-mediada e microangiopatia trombótica, são raras mas ocorrem
também com o uso de fármacos
Clinicamente a toxicidade renal é manifestada por síndromes nefrológicas. Um agente pode
causar mais do que uma síndrome nefrológico e existem 3 formas major de apresentação de
lesão renal (Tabela 1):

SÍNDROME NEFROLÓGICO FÁRMACO

Lesão Renal Aguda Pré- Ciclosporina, Tacrolimus, Contraste,


renal/hemodinâmica iECA/ARAII, anfotericina B, AINE’s
Necrose Tubular Aguda Aminoglicosídeos, anfotericina B,
Cisplatina, algumas cefalosporinas
Nefrite Intersticial Penicilinas, cefalosporinas,
Aguda Sulfonamidas, Rifampicina, AINE’s,
Interferon
Pós-renal/obstrutiva Aciclovir, analgésicos, ciclosporina,
metotrexato, indinavir, sulfadiazina
Doença Renal Crónica Lítio, AINE’s, Ciclosporina,
Tacrolimus, Cisplatina
Síndrome Nefrótico Ouro, penicilamina, AINE’s, captopril,
interferon
Tabela 1 – síndromes nefrológicos provocados por fármacos. Alguns fármacos podem provocar
diferentes tipos de lesão.

2- Nefrotoxicidade por alterações hemodinâmicas

Alguns fármacos provocam azotemia pré-renal por vasoconstrição ou inibição da vasodilatação


adaptativa. Por definição, a função renal melhora rapidamente após a suspensão do fármaco. Em
alguns casos a insuficiência renal pode persistir, resultante da manutenção do fármaco ou da
coexistência de outros factores. Os fármacos nefrotóxicos por este mecanismo geralmente
agravam a função renal em doentes desidratados, com diminuição do volume efectivo
(insuficiência cardíaca, cirrose) ou com insuficiência renal prévia.

A. Antagonistas do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRRA)

A inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) é atualmente uma das pedras


basilares do tratamento da HTA. É também uma das armas terapêuticas mais importantes na
prevenção da progressão da DRC, mormente quando existe proteinúria. Há uma relação direta
entre o grau de proteinúria e a velocidade de progressão da DRC.
Os inibidores do SRAA atrasam a progressão da DRC quer por via do controle da HTA quer
pelo seu efeito direto na redução da proteinúria.
Os IECA e ARA inibem (quer por diminuição da conversão da angiotensina ou por antagonizar
o receptor) a acção vasoconstritora da angiotensina II na arteríola eferente. Como consequência
diminuem a pressão intraglomerular.
Enquanto este efeito é benéfico em termos de redução da proteinuria e progressão da DRC em
pacientes estáveis, o mesmo não acontece em situações, habitualmente agudas, em que há
diminuição do volume circulante efetivo (insuficiência cardíaca, cirrose hepática, síndrome
nefrótico, sépsis, hemorragia, ou outros estados de depleção de volume intravascular), em que a
vasoconstrição da arteríola eferente é importante para manter uma pressão de perfusão do
glomérulo e manter a função renal adequada, desenvolvendo-se insuficiência renal aguda

B. AINE´s

São dos fármacos mais usados na prática clínica. Embora a probabilidade de toxicidade renal
não seja muito alta (1-5%), o uso alargado destes fármacos faz com ela seja encontrada
frequentemente na prática clínica. A lesão renal pode ocorrer com qualquer classe de AINE
desde os não selectivos aos inibidores da COX-2. Os inibidores da COX-2 têm perfil
nefrotóxico em tudo idêntico aos AINES não selectivos.

A LRA vasomotora ou hemodinâmica dos AINES ocorre quando a manutenção da função renal,
isto é, da TFG, é criticamente dependente das prostaglandinas vasodilatadoras. Quando há
diminuição do volume circulante efectivo ou situações em que há aumento da produção de
vasoconstritores intra-renais (agentes de contraste, obstrução urinária, glomerulonefrite aguda),
o fluxo sanguíneo renal mantém-se por vasodilatação compensadora da arteríola aferente
provocada por aumento da síntese de prostaglandinas (PGs). Para além deste efeito glomerular,
o aumento de prostaglandinas renais provoca vasodilatação de outros vasos sobretudo nestas
situações em que há síntese aumentada de angiotensina II, NA, vasopressina ou endotelina,
impedindo a isquemia por vasoconstrição. A inibição da síntese de PGs pelos AINES leva à
diminuição da TFG por provocar diminuição da pressão de perfusão glomerular e por
vasoconstrição intrarenal.
O risco de LRA pelos AINES é também superior nos idosos, com o uso concomitante de
IECAS/ARA II e diuréticos.

Geralmente observa-se um aumento do valor de creatinina cerca de 3 a 7 dias após o início da


terapêutica. O exame de urina não demonstra alterações relevantes embora se possa observar
proteinúria de baixo grau (< 500mg/dia). O sedimento será normal.
O tempo até recuperação será dependente da presença de doença renal crónica prévia e se se
tiver desenvolvido NTA. Se a lesão for exclusivamente hemodinâmica, a recuperação será
evidente nas 24 a 72 horas após a suspensão do fármaco.
Outros efeitos dos AINES

Retenção hidrossalina- Em 25% dos doentes que tomam AINES há retenção hidrossalina,
provocada pela inibição das PGs e do seu efeito compensador na excreção de água e sódio. O
edema ocorre em 2.1% das pessoas medicadas com AINES.
A retenção hidrossalina interfere, agravando, o controlo da tensão arterial e pode também
provocar HTA de novo.
Hipercaliemia- associam-se a hipercalemia, mesmo em doentes com função renal normal. Nos
diabéticos, bem como nos idosos, este risco aumenta pela maior frequência de
hipoaldosteronismo-hiporreninémico.
Síndrome nefrótico associado a nefrite intersticial aguda (NIA)- Os AINEs que mais
frequentemente associados a NIA são o ibuprofeno, naproxeno e fenoprofeno. Podem surgir ao
fim de meses, até 1 ano de administração, associam-se a proteinúria nefrótica em cerca de 90%
e as manifestações extra-renais como febre, rash ou artralgias são muito raras. Cursa com
remissão espontânea com a retirada do fármaco. A recuperação da função renal pode demorar
dias a semanas e há um risco considerável de lesão renal permanente, o maior entre todos os
agentes causadores de NIA.
Insuficiência renal crónica- O uso prolongado de AINES está associado a um risco aumentado
de IRC provavelmente devido a necrose papilar ou NTI crónica idêntica ao observado com
outros analgésicos. O risco parece ser maior com os AINEs com longa duração de ação (> 4
horas).

3- Toxicidade tubular direta

Acontece por lesão tubular direta aquando da eliminação renal do fármaco, como no caso dos
aminoglicosídeos, vancomicina, anfotericina B ou cisplatina. Manifesta-se com instalação
progressiva de IRA não oligúrica. Geralmente há recuperação da função renal com a retirada do
agente, mas ela pode ser só parcial. O tempo de recuperação pode ir até várias semanas. Se ao
fim de 4 semanas não houver recuperação da função renal, deverá ser confirmada a toxicidade,
geralmente com biópsia renal, ou procurada outra causa para a insuficiência renal. Insuficiência
renal irreversível pode acontecer se houver exposição repetida ao tóxico tubular.

A. Aminoglicosídeos

A preocupação com o uso dos aminoglicosídeos é a potencial nefrotoxicidade e otoxicidade.


Os aminoglicosídeos são excretados por filtração glomerular e a nefrotoxicidade pode ocorrer se
a dose não for ajustada à função renal. Estes acumulam-se nas células do túbulo contornado
proximal (TCP) e podem atingir aqui uma concentração 100 a 1000 vezes superior à plasmática.
O seu acúmulo provoca stress oxidativo celular do que resulta necrose tubular.

A ocorrência de nefrotoxicidade varia entre 10 a 20% e aumenta com a dose e duração da sua
administração (risco de 50% se superior a 14 dias de terapêutica).
A gentamicina, a tobramicina e a netilmicina parecem ter efeitos nefrotóxicos similares e a
amicacina poderá ser a menos nefrotóxica. A Neomicina que tem alta afinidade para o receptor
no TCP, é o mais nefrotóxico dos aminoglicosídeos.
A nefrotoxicidade por estes agentes pode ser minimizada:
- Selecionar se possível o aminoglicosídeo menos nefrotóxico
- Corrigir hipocalemia e hipomagnesiemia previamente à administração dos fármacos
- Evitar o seu uso em doentes com depleção de volume (ou optimizar a volemia previamente à
administração), ajustar a dose à função renal, limitar o tratamento a 7-10 dias e evitar
medicações nefrotóxicas concomitantes
- Vigiar níveis plasmáticos sobretudo em doente de risco e optar por toma única diária
Embora se tenham estudados vários agentes com potencialidade para prevenir a nefrotoxicidade
dos aminoglicosídeos, tais como polioaminoácidos aniónicos e agentes antioxidantes, nenhum
foi ainda adoptado clinicamente.

A LRA é normalmente não oligúrica e ocorre após 5 a 10 dias de tratamento. Do envolvimento


de segmentos tubulares mais distais poderá resultar poliúria, hipocalemia e hipomagnesiemia.
A insuficiência renal é na maioria dos casos reversível com a suspensão do fármaco. No
entanto, o início da recuperação da função renal pode demorar, e a recuperação total pode levar
algumas semanas.

B. Vancomicina

A vancomicina é um glicopeptídeo. A dose e administração da vancomicina deverá ser ajustada


considerando a gravidade da infeção, local da infeção, o peso do doente, a função renal e a
susceptibilidade do patogéneo. A monitorização da concentração plasmática é importante para
determinar a dose de vancomicina.
Os efeitos adversos da vancomicina incluem reações cutâneas, ototoxicidade, reações
relacionadas com a infusão e a nefrotoxicidade. A absorção sistémica da vancomicina quando
administrada por via oral é habitualmente pequena e não ocorrem efeitos adversos, mas quando
há inflamação do cólon (ex. infeções por Clostridium difficile) a absorção pode estar aumentada,
aumentando o risco de efeitos laterais.
A lesão renal aguda atribuível à vancomicina em monoterapia é pouco frequente (cerca de 5-
15%), e o risco de nefrotoxicidade aumenta quando associada a outros fármacos nefrotóxicos
tais como aminoglicosídeos. Está descrito também um aumento deste risco com associações
com a piperacilina-tazobactan e cefepima.
É reversível e deve-se descontinuar o fármaco. Habitualmente observa-se quando os níveis em
vale são superiores a 15 mcg/mL. A nefrotoxicidade da vancomicina não é totalmente
compreendida e pode ser difícil distinguir da nefrite intersticial aguda e, sobretudo nos doentes
críticos, de outras causas de LRA.
Como fatores de risco para o seu aparecimento temos: doses diárias totais superiores 4g,
duração do tratamento, uso concomitante de outros nefrotóxicos e presença de insuficiência
renal.
A dose de vancomicina a administrar deve ser determinada e calculada de acordo com a
gravidade da doença, a TFG e o peso do doente. Na presença de insuficiência renal os intervalos
de administração devem ser maiores de acordo com as recomendações. Os níveis em vale da
vancomicina devem ser determinados após a quarta administração nos doentes sem alteração da
função renal.
O uso de perfusões contínuas não demonstrou ainda superioridade prognóstica em relação às
administrações intermitentes, no entanto, poderá estar associada a menor nefrotoxicidade. Serão
necessários mais estudos a comprovar a sua segurança e vantagem.

C. Anfotericina B

A anfotericina atua pela ligação aos esteróis das membranas celulares, quer dos fungos
(ergosterol), mas também das células dos mamíferos (colesterol). Desta ligação resulta um
aumento da permeabilidade da membrana, aumento do influxo de Na+ e consequentemente da
atividade do transportador Na+K+ATPase, com depleção das reservas energéticas celulares.
A nefrotoxicidade da anfotericina B relaciona-se com a dose cumulativa, ocorrendo após a
administração de 2 a 3 g.
Os primeiros sinais da toxicidade renal são a perda de capacidade de concentração da urina por
lesão tubular distal (poliúria, hipocalemia, hipomagnesiemia, acidose tubular distal), seguida de
declínio da TFG. A insuficiência renal é progressiva e não-oligúrica, e a recuperação muito
lenta com a suspensão farmacológica, podendo no entanto persistir as lesões tubulares distais.
Uma forma de prevenção é manter débitos urinários altos durante o uso deste fármaco, com
administração de soro salino, e o uso da forma lipossómica que reduz o risco de LRA na ordem
dos 50%.
Doses elevadas, cursos prolongados ou exposições repetidas podem causar DRC.
D. Inibidores da Calcineurina

A ciclosporina e o tacrolimus podem causar LRA como resultado de vasoconstrição da arteríola


aferente em parte mediada pela endotelina. A nefrotoxicidade aguda geralmente é dose-
dependente, por isso sempre que se utilizam é obrigatório monitorizar os níveis plasmáticos. A
LRA é reversível quando se suspende o fármaco ou se reduz a dose.
A persistência da isquemia por vasoconstrição pode levar a fibrose intersticial crónica assim
como hialinose glomerular. Clinicamente caracteriza-se pela presença de HTA, hipercalemia,
hiperuricemia e espoliação de fósforo e magnésio por lesão tubular.
Os inibidores da calcineurina também podem causar outro tipo de manifestações renais tais
como disfunção tubular reversível e MAT (microangiopatia trombótica), pelos seus efeitos a
nível do endotélio.

E. Anti-neoplásicos

Vários anti-neoplásicos podem ser nefrotóxicos (tabela 2). Os mais frequentes são cisplatina,
ciclofosfamida e metotrexato.

TABELA 2. Nefrotoxicidade dos anti-neoplásicos

Cisplatina Lesão tubular. IRA. DRC. Hipomagnesemia


Ciclofosfamida Cistite hemorrágica. Hiponatremia
Estreptozocina LRA. Disfunção tubular

Mitomicina C Síndrome Hemolítico Urémico


Mitramicina NTA

Metotrexato LRA em doses elevadas


5-fluouracilo LRA

IL-2 LRA
Interferon-alfa Glomerulosclerose segmentar e focal. NTA

A cisplatina é um potente agente quimioterápico usado no tratamento de uma larga variedade de


neoplasias.
Vários mecanismos contribuem para a disfunção renal com o uso da cisplatina:
- Toxicidade celular tubular
Mais de 50% do fármaco é excretado pela urina nas primeiras 24h após administração e a
concentração de platina atingida no córtex renal é 7x maior que a do plasma e outros órgãos. A
lesão observa-se sobretudo no segmento S3 do TCP causando diminuição da TFG.
- Vasoconstrição da microvasculatura renal
- Efeitos pró-inflamatórios
A manifestação clínica mais importante na nefrotoxicidade pela cisplatina é a insuficiência renal
que pode ser progressiva. A incidência varia dependendo da dose e frequência de administração
e pode eventualmente tornar-se irreversível. A carboplatina é um análogo menos tóxico.
A não ser em situações de DRC avançada, o débito urinário nas 24h é tipicamente superior a
1000 mL por aquisição de um defeito de concentração urinária devido a lesão ao nível da ansa
de Henle.
Em 50% dos doentes com lesão renal, pode ser evidente hipomagnesiemia, que pode exacerbar
ainda mais a nefrotoxicidade da cisplatina. Pode também fazer-se acompanhar de uma Síndrome
de Fanconi.
A cisplatina pode também estar associada a outras formas de lesão renal. Quando administrada
com a bleomicina ou com a gemcitabina poderá desenvolver-se uma microangiopatia
trombótica, com características clínicas de síndrome hemolítica-urémica ou PTT. Este
fenómeno provavelmente reflete lesão vascular direta com ativação plaquetária concomitante. O
início da insuficiência renal poderá ser abrupto ou insidioso, e pode-se desenvolver meses após
a suspensão do tratamento.
A prevenção da nefrotoxicidade assenta no uso de dose mais baixas de cisplatina e no uso de
soro salino isotónico endovenoso. Embora vários agentes tenham sido estudados nenhum
provou eficácia na redução da toxicidade renal da cisplatina. O uso de uma solução salina e o
consequente aumento da diurese reduz dramaticamente a nefrotoxicidade da cisplatina. A
melhor solução e o regime de hidratação não é claro devido à falta de estudos comparativos.
Uma abordagem possível é a administração de 1000 mL de uma solução salina isotónica com 20
mEq de KCl e 2g de Sulfato de Mg, nas 2-3 horas antes da administração e 500 mL da mesma
solução nas 2 horas após. O objectivo é permitir um débito urinário de cerca de 100 mL/h nas 2
horas antes e nas 2 horas depois da toma da cisplatina. Geralmente não é necessário o uso de
furosemida a não ser em casos em que são evidentes sinais de hipervolemia.

4- Uropatia obstrutiva

Vários fármacos podem causar obstrução intra-tubular por cristais. Dos agentes mais frequentes,
contam:
- Aciclovir
- Sulfonamidas
- Metotrexato
- Inibidores da protéase
A LRA é frequentemente assintomática, detetando-se pela subida da creatinina plasmática, mas
ocasionalmente, cerca de 1-7 dias após o início da terapêutica, podem ocorrer sintomas de cólica
renal (dor lombar, náuseas ou vómitos). A análise de urina pode mostrar proteinúria ligeira,
cristalúria e o sedimento urinário hematúria e leucocitúria. O diagnóstico é sugerido pela
presença de cristais na urina.
Como fatores de risco comuns a todos os fármacos conta-se a depleção de volume intravascular,
relativa ou efetiva, a presença de DRC prévia ou doença hepática, alterações no pH urinário e o
uso de uma dose excessiva do fármaco.
O tratamento da LRA consiste sobretudo na repleção intravascular. Embora o benefício e
eficácia do uso de diuréticos de ansa ainda não tenha sido provado, habitualmente é
administrado de forma a aumentar o débito urinário e excreção dos cristais intratubulares.
O ajuste do pH urinário parece ser benéfico na LRA obstrutiva induzida por certos fármacos.

A. Aciclovir

O Aciclovir é rapidamente excretado na urina e tem pouca solubilidade. A administração ev,


sobretudo em doentes com depleção de volume, pode levar à deposição de cristais de aciclovir
nos túbulos. Também pode contribuir para a LRA a toxicidade tubular direta e inflamação
intersticial e focal pelo aciclovir.
A via oral é habitualmente bem tolerada devido a uma absorção e excreção mais lenta e o
desenvolvimento de obstrução por cristais é raro.

A deterioração da função renal ocorre nas 24-48 horas após a terapêutica. Podem ser observados
na urina cristais em forma de agulha, birrefringentes.
A alteração da função renal na maioria dos casos é ligeira e há recuperação total cerca de 4 a 9
dias depois da descontinuação do fármaco.
Como prevenção pode-se usar uma solução salina isotónica a 125 mL/h pelo menos 1 hora antes
da toma do aciclovir, mantendo esta perfusão 6 horas depois do término da perfusão do
fármaco, de forma a manter o débito urinário cerca de 75 mL/h.
O tratamento é apenas de suporte (fluidos e.v. + furosemida) como já descrito. Embora a
hemodiálise seja eficaz em remover o aciclovir, não demonstrou alterar o curso da apresentação
clínica da LRA e portanto não é usada com este objetivo, estando apenas recomendada em
alguns doentes com neurotoxicidade e se houver presença de critérios urgentes para hemodiálise
(hipervolemia, hipercalemia, acidose grave, etc).
B. Metotrexato

O metotrexato é outro fármaco com potencialidade, de quando administrado via endovenosa e


em dose alta, de precipitar nos túbulos renais. Cerca de 90% do metotrexato administrado é
eliminado na urina e os fatores de risco de toxicidade é idêntico aos outros agentes. A presença
de um pH urinário baixo aumenta também o risco de precipitação tubular. A alcalinização da
urina para um pH >7 reduz o risco de toxicidade em cerca de 10x.
Clinicamente caracteriza-se por ser não oligúrica e é usualmente reversível. O valor máximo de
creatinina observa-se na primeira semana, normalizando nas 3 semanas seguintes.
Como medida preventiva preconiza-se o uso de uma solução de bicarbonato de sódio num
volume total de 3 litros/dia (125mL/h). A infusão de bicarbonato deve ser iniciada 12 h antes da
toma do metotrexato e mantida nas 24 a 48 depois. Esta medida reduziu a incidência de LRA
pelo metotrexato para 1,8%.
Não existe, tal como para os outros fármacos, um tratamento específico para além da hidratação
e.v. e uso de furosemida. A alcalinização da urina como medida terapêutica é algo controversa e
sem benefício claro, dado à dificuldade na alcalinização da urina na LRA e pelos potenciais
riscos na alcalinização do plasma (promove a deposição de fosfato de cálcio, induz ou agrava as
manifestações da hipocalcemia). No entanto, na ausência de hipocalcemia, oligúria, alcalose
metabólica ou indicação para hemodiálise, poderá ser usada em conjunto com a furosemida. O
bicarbonato de sódio deverá ser descontinuado se o pH urinário não subir acima de 7 após 12h
de tratamento, ou se se desenvolver alcalose metabólica.
A remoção do metotrexato pelas técnicas depurativas (hemodiálise, hemoperfusão ou
plasmaferese) tem pouca utilidade. Trata-se de um fármaco com forte ligação às proteínas
plasmáticas e tem um volume de distribuição muito alto. Um pequeno estudo demonstrou que a
hemodiálise de alto fluxo diária (tratamentos de 4-6 horas de duração) poderá ser eficaz em
reduzir os seus níveis.

C. Indinavir

O indinavir é um inibidor da protease usado no tratamento do VIH. Pode causar cristalúria


assintomática ou LRA associada a deposição de cristais de indinavir e/ou nefrolitíase. O
indinavir tem baixa solubilidade em urina com pH> 6, mas embora a acidificação da urina possa
aumentar esta solubilidade, na prática clínica não está recomendado.
Recomenda-se hidratação oral pelo menos com 1,5L/dia de água, de preferência antes das tomas
do fármaco. Apesar desta medida, não é totalmente eficaz.
Os cálculos não são radio-opacos o que dificulta o diagnóstico.
III. FÁRMACOS E EFEITOS LATERAIS ASSOCIADOS Á INSUFICIÊNCIA RENAL

Alguns fármacos não apresentam um efeito adverso direto na função renal mas quando usados
em doentes com insuficiência renal podem agravar as consequências metabólicas da DRC ou
aumentar o risco para outras toxicidades. Como exemplos comuns temos os diuréticos
poupadores de potássio, os antagonistas da aldosterona e os bloqueadores do sistema RAA que
podem agravar ou desencadear hipercalemia; fármacos com sódio na sua composição poderão
provocar retenção hidrossalina e hipertensão.
Outros agentes de interesse no uso nos doentes renais crónicos são a metformina, os fibratos e a
colchicina.

A. Metformina

A metformina é uma biguanida usada no tratamento da diabetes, isolada ou em associação a


outros antidiabéticos. É o agente de primeira escolha na DM tipo 2 e o ADO mais usado no
mundo.
Não dá aumento de peso nem provoca hipoglicemia quando usada isoladamente. Tem uma
semivida de cerca de 5 horas mas está muito aumentada na DRC. É excretada intacta pelos rins
quer por filtração glomerular quer por secreção tubular proximal. O seu volume de distribuição
é muito alto.
O efeito adverso mais grave é a acidose lática. A intoxicação é rara em doentes sem
comorbilidades tais como IRC, insuficiência hepática ou infeções agudas; estima-se ser cerca de
5,1/100 000 habitantes/ano.
O mecanismo é complexo. Por um lado a metformina promove a conversão da glucose a lactato,
mas também reduz a gliconeogénese hepática a partir do lactato, e consequentemente, o seu
acúmulo.
A acidose láctica pela metformina ocorre na maioria das situações na presença de
comorbilidades, tais como:
- Insuficiência renal (taxa de depuração da creatinina < 60 ml/min, isto é, aproximadamente,
creatininemia superior a 1,4 mg/dL nas mulheres ou 1,5 mg/dL nos homens),
- Insuficiência hepática ou alcoolismo,
- Instabilidade hemodinâmica (hipoperfusão),
- Hipoxia ou doenças agudas severas
- Insuficiência cardíaca.
A intoxicação pela metformina tem uma elevada mortalidade (45-48%), pelo que é importante
reconhecê-la e tratá-la apropriadamente. A mortalidade não se relaciona com os níveis de
metformina nem com os níveis de lactato, mas principalmente com as comorbilidades,
sobretudo insuficiência hepática (avaliada pelo aumento do tempo de protrombina).
Pode acontecer também intoxicação aguda por overdose. Nestes casos a mortalidade está
relacionada com o grau de acidose e os níveis de lactato e não pela concentração da metformina.
O quadro clínico caracteriza-se por náuseas/vómitos, dor abdominal, diarreia, hipotensão,
taquipneia (acidose) e alterações do estado mental. Pode haver hipoglicemia, não por efeito
directo da metformina, mas por potenciação do efeito de outros antidiabéticos associados.

O tratamento consiste em:


- Medidas de suporte: fluidos IV, vasopressores, proteção da via aérea, etc
- Bicarbonato de sódio – algo controverso, pois pode ter efeitos adversos graves. Deve-se
reservar e limitar o uso para situações em que o pH é < 7.15.
- Hemodiálise – é bastante eficaz, mais pela correção da acidose do que pela remoção da
metformina. Embora seja necessário avaliar o benefício de iniciar hemodiálise para cada doente,
deve-se considerar nas seguintes situações de acidose láctica por intoxicação por metformina:
* Elevação dos lactatos> 15-20 mmol/L
* Acidose metabólica severa com pH ≤ 7
* Instabilidade hemodinâmica persistente ou choque apesar da fluidoterapia
* Alteração da função renal – creat > 2 mg/dL ou IRC
* Insuficiência hepática (INR> 1,5)
* Alteração do estado de consciência
* Ausência de melhoria após 2-4 h de tratamento de suporte e bicarbonato
- Técnicas dialíticas contínuas- Têm menor eficácia que a hemodiálise convencional mas
poderão ser uma alternativa nos doentes com instabilidade hemodinâmica marcada. No entanto,
em doentes em que a ultrafiltração não é um objetivo adicional ao tratamento, a hemodiálise
pode ser usada com alguma segurança nos doentes com instabilidade hemodinâmica.

Todos os doentes medicados com metformina, mesmo com função renal normal, e sobretudo os
que têm DRC, devem ser instruídos para que, em caso de desidratação (diarreias), de outras
doenças intercorrentes de alguma gravidade ou de exames contrastados suspendam as tomas de
metformina, pois a insuficiência renal secundária à desidratação ou nefropatia de contraste pode
levar à acumulação de metformina.
B. Fibratos

O fenofibrato e o genfibrozil são fibratos muito usados na prática clínica. A dose do fibrato deve
ser ajustada à função renal e deve ser evitado nos doentes com disfunção renal severa.
Estão associados a toxicidade muscular sobretudo quando associados às estatinas e podem
interferir com o metabolismo da varfarina.
Em estudos randomizados, demonstrou-se que os fibratos provocam aumento dos valores da
creatinina plasmática sobretudo em doentes idosos. Embora o aumento dos níveis de creatinina
sejam motivo observação e intervenção, é pouco claro se esta elevação reflete lesão renal. O
aumento da creatinina plasmática é habitualmente revertida com a suspensão do tratamento.
O mecanismo para o aumento da creatinina plasmática não é muito claro.
Várias explicações foram propostas nomeadamente: pela interferência dos fibratos nos métodos
analíticos nos valores da creatinina, por aumento da produção da creatinina ou por redução do
clearance da creatinina. Vários estudos comprovaram que o valor da creatinina é real e não
dependente do método de análise. Há quem sugira que reflete uma diminuição da síntese de PG
vasodilatadoras pelos fibratos e quem sugira ser devida a alterações hemodinâmicas intrarenais
(aumentam a natriurese e levam a depleção de volume).
O aumento de produção da creatinina poderá ser a explicação mais plausível dado a que o
aumento da creatinina plasmática não se acompanhava de uma diminuição da creatinina urinária
e o cálculo da TFG pela inulina não se altera, e portanto o aumento da creatinina plasmática não
refletia uma verdadeira “lesão” renal.
Embora o papel dos fibratos no aumento da creatinina ainda não esteja totalmente esclarecido,
os seus potenciais efeitos deletérios na função renal obrigam a reconsiderar o seu uso nos
doentes de risco para DRC.

C. O tratamento da crise de gota nos doentes com insuficiência renal

O objetivo do tratamento na crise gotosa é a cessação rápida da dor e da impotência funcional.


Sem tratamento a crise gotosa resolve após alguns dias a várias semanas.
O tratamento deve iniciar-se o mais precocemente possível, de preferência nas primeiras horas e
deve manter-se enquanto existirem sintomas. Quando o quadro clínico melhora pode-se reduzir
a dose do fármaco utilizado, e suspender após 1-3 dias de ausência de sintomas.
Os medicamentos hipouricemiantes (ex. alopurinol) não têm benefício na crise de gota e não
devem ser iniciados durante a crise. No entanto, se o doente já os toma, deve mantê-los.
Os tratamentos disponíveis são os AINEs, colchicina, corticoesteróides (PO, IV ou intra-
articulares) e agentes biológicos ainda em investigação. Podem usar-se analgésicos para alívio
temporário da dor.
As comorbilidades, nomeadamente a insuficiência renal, podem condicionar a opção
terapêutica.

Na população em geral, o tratamento de eleição são os AINEs, p.ex. naproxeno 500 mg bid ou
indometacina 50 mg tid. Pode ser usado o celecoxib 800 mg seguido de 400 mg bid.
No entanto, como os AINEs podem agravar a insuficiência renal, não devem ser usados em
doentes com taxa de filtração glomerular menor que 60 ml/min.

A colchicina é a segunda opção, sobretudo se houver intolerância ou contraindicação para o uso


de AINES. Geralmente é mais eficaz se usada precocemente (12-24 horas), e pouco eficaz se
usada 3 ou 4 dias depois do início da crise. A dose recomendada é de 1 mg + 1 mg 1 hora
depois, ou 0,5 mg tid, no primeiro dias de tratamento. O tratamento deve continuar alguns dias
após o fim da crise, eventualmente em dose menor (1-0,5 mg/dia).
Muitos fármacos interferem no metabolismo da colchicina. Alguns por inibição do componente
CYP3A4 do sistema citocromo P450 (nicardipina, claritromicina, isoniazida, itraconazol,
ketoconazol, fluconazol, anti-retrovíricos inibidores das proteases, amiodarona, ciprofloxacina,
norfloxacina, co-trimoxazol, eritromicina, haloperidol, metronidazol, sertralina, tamoxifeno,
estatinas), outros pela inibição da P-glicoproteina (eritromicina, claritromicina, azóis, alcaloides
da vinca, amiodarona, verapamil, ciclosporina, tacrolimus) ou por ambos os mecanismos.

A dose de colchicina deve ser ajustada em doentes com TFG inferior a 45 ml/min, sendo
habitualmente 50% da dose recomendada. Não deve usar-se em doentes em hemodiálise nem
com insuficiência hepática. A colchicina não é removida pela hemodiálise.

Assim, nos doentes com insuficiência renal moderada ou severa a corticoterapia é o tratamento
mais seguro. É pelo menos tão eficaz como os AINEs ou a colchicina. A escolha da via, oral, IV
ou intra-articular depende das características do doente, do número de articulações atingidas e
da experiência do médico.

Se só há 1 ou 2 articulações atingidas pode usar-se a via intra-articular. É muito eficaz e pode


ajudar na confirmação do diagnóstico e na exclusão de artrite infeciosa ou pseudogota (artrite
por cristais de pirofosfato de cálcio). No entanto requer experiência em artrocentese.
Se não se tem essa experiência ou se o atingimento é de várias articulações devem usar-se a via
oral. Deve ter-se precaução nos doentes com ICC, HTA não controlada ou intolerância à
glicose. A via IV ou IM usa-se apenas se o doente não pode fazer medicação oral.

A dose oral é de 40 a 60 mg de prednisolona 1 vez/dia ou em repartida em 2 tomas. Depois de


melhorar deve reduzir-se gradualmente, geralmente até 7-10 dias. As recaídas são frequentes, e
nessas deve-se prolongar-se o tratamento e a redução da dose até aos 14-21 dias. Se a crise for
resistente deve-se iniciar-se alopurinol ainda sob terapêutica com corticoide.
Os efeitos mais comuns da corticoterapia de curto prazo são as alterações do humor,
hiperglicemia, retensão de fluidos e HTA, geralmente reversíveis após a suspensão do
tratamento.
A dose IV é metilprednisolona 20 mg 2 vezes/dia com posterior redução de dose para metade
quando os sintomas melhorarem.

Nos doentes já em diálise, e se já não tiverem função renal residual, podem usar-se AINEs.

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