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Administativo I Prof. Freitas Do Amaral Inês Godinho
Administativo I Prof. Freitas Do Amaral Inês Godinho
Direito Administrativo
Apontamentos do Curso de Direito Administrativo - Diogo Freitas do Amaral
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A Administração Pública
Conceito de Administração: todo o conjunto de necessidades coletiva cuja satisfação é
assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de serviços por esta
organizados e mantidos. Assim, onde quer que exista e se manifeste com intensidade
suficiente uma necessidade coletiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfazê-
la, em nome e no interesse da coletividade. Importa, contudo, perceber que nem todos
os serviços têm a mesma origem ou a mesma natureza, mas existem e funcionam para
a mesma finalidade, a satisfação das necessidades públicas. A Administração Pública
tem uma esfera privativa que consiste, em síntese, nas necessidades coletivas de 3
espécies fundamentais: segurança, cultura e bem-estar. A realização da justiça, apesar
de necessidade coletiva, está fora da esfera de competência da administração, pois
considera ao poder judicial. Todas as restantes necessidades coletivas entram na esfera
da administração.
Vários sentidos da expressão “administração pública”:
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1Por vezes o Objeto da Administração Pública pode coincidir com o da Administração Privada, mas não se tratar de
uma necessidade coletiva cuja satisfação a coletividade chame a si e exerça os seus próprios serviços (Ex. Padaria).
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Política e Administração Pública: Muitas vezes não é fácil a distinção entre estas, pois o
órgão supremo da administração é simultaneamente o órgão político fundamental- O
Governo- e, muitas vezes os atos praticados no exercício de ambas as atividades se
confundem (podendo haver atos políticos com mero significado administrativo e atos
administrativos com alto significado político). A política e a administração pública não
são realidades separadas e intocáveis: a administração púbica sofre uma influência
direta da política, sendo o seu âmbito, as funções e os meios de administração variáveis
consoante a opção política fundamental. Toda a administração é também execução ou
desenvolvimento de uma política, sendo por vezes esta que se impõe e sobrepõe à
autoridade política, caindo-se então no exercício do poder pelos funcionários. Apesar
do expresso, existem diferenças claras:
→Quanto ao fim: a Administração realiza em termos concretos o interesse geral que foi
definido pela política, tendo esta como fim definir o interesse geral da coletividade.
2 O facto de o resultado das atividades privadas ser socialmente útil à coletividade não significa que o fim dessa
administração privada seja a prossecução direta do interesse geral: o fim é a prossecução de um interesse particular
que coincide com o interesse público (Ex. o interesse da padaria não é alimentar as pessoas, ainda que acaba por o
fazer).
3 As empresas públicas não exercem poderes de autoridade, mas são titulares de poder públicos lato sensu.
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→Quanto ao objeto: A política tem como objeto as grandes opções que o país enfrenta
ao traçar os rumos do seu destino coletivo. Por outro lado, a administração tem como
objetivo a satisfação regular e continua das necessidades coletivas de segurança e bem-
estar económico e social.
→Quanto à natureza: a Política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe inovar em tudo
o quanto seja fundamental para a conservação e desenvolvimento da comunidade. A
Administração, por outro lado, tem uma natureza executiva, que consiste em pôr em
prática as orientações tomadas a nível político.
→Quanto ao caráter: a Política tem um caráter livre e primário, sendo limitada por
certas zonas da CRP. A administração tem um caráter secundário e condicionado,
estando subordinada às orientações políticas e à legislação.
→Quanto aos órgãos: A política pertence os órgãos superiores do Estado (eleitos
diretamente pelo povo a nível nacional), enquanto que a administração pertence aos
órgãos secundários (nomeados ou eleitos por colégios eleitorais restritos), a
funcionários e agentes administrativos e numerosas entidades e organismos não
estaduais.
Legislação e Administração Pública: A função legislativa encontra-se no mesmo plano
que a função política e, portanto, a distinção anteriormente apresentada, aplica-se
igualmente. A administração pública é uma atividade totalmente subordinada à lei: “a
lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a atividade administrativa”. No entanto,
estas duas realidades têm pontos de contacto: existem leis que materialmente têm
decisões de caráter administrativo; há atos de administração que materialmente
revestem todos os caracteres de lei, faltando-lhes apenas a forma e a eficácia da lei; e,
por fim, os casos em que a própria lei se deixa completar por atos da Administração.
Justiça e Administração Pública: Têm traços em comum, pois são ambas atividades
secundárias, executivas e subordinadas à lei. As atividades frequentemente se
entrecruzam, podendo haver dificuldade em distingui-las: a administração pode praticar
atos jurisdicionalizados, assim como os tribunais podem praticar atos materialmente
administrativos. A Administração tal como está subordinada à lei, está também
submissa aos tribunais, para apreciação e fiscalização dos seus atos e comportamentos.
Contudo importa tratar também das diferenças:
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Assegurada por tribunais cujos juízes são Exercida por órgãos e agentes
independentes no seu julgamento e hierarquizados: os subalternos
inamovíveis no seu cargo. dependem dos seus superiores, devendo-
lhes obediência e podendo ser
transferidos ou removidos livremente
para cargo ou lugar diverso.
Atividade de Gestão Pública e de Gestão Privada: A gestão pública é aquela que designa
a atividade pública da administração. Por outro lado, a gestão privada é aquela que
designa a atividade que administração desempenha utilizando meios de direito privado
(ainda que sempre para fins de interesse público). Assim, a gestão privada é a atividade
da Administração Pública desenvolvida sob a égide direito privado e a gestão pública é
a atividade da Administração desenvolvida sobre a égide do Direito Administrativo,
incluindo o Direito Fiscal. Os atos de gestão privada são aqueles que compreendem uma
atividade em que a pessoa coletiva, despida de poder público, se encontra numa posição
de paridade com os particulares a que os atos respeitam e, portanto, nas mesmas
condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão
às normas de direito privado. Por outro lado, são atos de gestão pública os que
compreendem o exercício de um poder ou dever público, integrando eles mesmo a
realização de uma função pública da pessoa coletiva, independentemente de
envolverem ou não o exercício de meios de coação e independentemente das regras
técnicas que na prática dos atos devam ser observadas. O atual CPA no seu artigo 2º/3
apresenta que a atividade de gestão privada está sujeita a uma disciplina pública: Pública
(devem seguir os princípios fundamentais do direito público) e Privada. Tem sempre de
existir uma lei administrativa prévia a remeter para o direito privado, ara que a
Administração 1possa colocar determinada atuação sob égide do direito privado, como
forma de respeito ao artigo 266º/1 CRP. É o direito administrativo que define e controla
os termos da atuação que a Administração puder empreender com base no direito
privado, não regulando apenas a atividade de gestão pública, mas também os termos e
limites da atividade administrativa de gestão privada
Organização Administrativa
O artigo 199º/ alínea d) da CRP apresenta-nos a competência administrativa do governo,
de onde podemos retirar 3 modalidades de administração pública: Administração
direta; Administração Indireta; e Administração Autónoma. Por outro lado, o artigo
267º/3 da CRP apresenta-nos uma outra modalidade de Administração: a Administração
independente, assim designada pela ausência de relação de subordinação em relação
ao Governo, enquanto órgão superior da administração pública (198º CRP).
O Estado é uma pessoa coletiva autónoma, não confundível com os governantes que o
dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com outras entidades autónomas
que integram a Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação.
O Estado, RA, autarquias locais, associações públicas, institutos públicos e empresas
públicas constituem todos entidades distintas, cada qual com a sua personalidade
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jurídica, com o seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com as suas
atribuições e competências, com as suas finanças, com o seu pessoal. No plano
internacional, o Estado abrange os cidadãos e o conjuntos de pessoas coletivas públicas
e privadas constituídas no território. Contudo, no plano administrativo, não engloba.
Na ordem interna (ao contrário da ordem externa) o Governo não pode substituir-se a
nenhum dos municípios existentes, os quais são independentes (44º LAL). Sendo
pessoas coletivas diferentes, o Estado e quaisquer outras entidades administrativas
autónomas estabelecem verdadeiras relações jurídicas.
Assim, o Presidente da República, o Governo (e também os membros do governo
individualmente considerados) e a Assembleia da República são órgãos da pessoa
coletiva Estado. Outros órgãos do Estado são os diretores gerais e diretores de finanças.
Por outro lado, os ministérios, as secretarias de Estado, as direções gerais e as
repartições de finanças são serviços públicos do Estado.
Espécies de Administração do Estado
➢ Administração Central do Estado: órgãos e serviços do Estado que exercem
competência extensiva a todo o território nacional.
➢ Administração Local do Estado: órgãos e serviços locais instalados em diversos
pontos do território nacional e com competência limitada a certas áreas. Importa
perceber que existem formas de administração local que não pertencem ao
Estado (administração regional e administração autárquica). O Estado tem ainda
vários serviços locais seus (repartições de finanças, direções regionais de
educação, circunscrições florestais), nada tendo a ver com os serviços locais das
autarquias locais. Os primeiros pertencem à pessoa coletiva Estado e dependem
em último do Governo, os segundos pertencem aos municípios da respetiva área
e dependem das câmaras municipais correspondentes.
➢ Administração Direta do Estado: é a atividade exercida por serviços integrados
na pessoa coletiva Estado. Constitui um instrumento para o desempenho dos
fins do Estado, estando submetida ao poder de direção do Governo (199º alínea
d). Encontra-se estruturada em termos hierárquicos, isto é, de acordo com um
modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e
agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de
direção e ao subalterno o dever de obediência. Isto advém do princípio de
instrumentalidade, pois se os subalternos não se achassem vinculados a um
dever de obediência claro e preciso, a administração do Estado deixada de ser
subordinada e passava a ser autónoma ou independente. O Provedor de Justiça,
O Conselho Económico e Social, a Comissão Nacional de Eleições, a Entidade
reguladora da Comunicação Social e outros órgãos de natureza análoga são
órgãos da administração central direta do Estado, mas independentes, pois não
dependem do Governo.
➢ Administração Indireta do Estado: é a atividade que, embora desenvolvida para
a realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas
do Estado. Sujeita apenas à superintendência e tutela do Governo. Contudo,
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É uma atividade que o Estado transfere, por sua decisão, para outras entidades
distintas dele. A essa transferência chama-se devolução de poderes, pois o
Estado transmite uma parte dos seus poderes para entidades que não se
encontram integradas nele.
Atividade exercida no interesse do Estado, mas é desempenhada pelas entidades
a quem está confiada em nome próprio e não em nome do Estado. Os atos
praticados por tais entidades são atos deles, não atos do Governo.
O Estado é que se responsabiliza financeiramente, pois entra com capitais iniciais
necessários para pôr de pé em organizações e é este que paga os prejuízos se a
exploração for deficitária.
Porque a atividade é exercida no interesse do Estado, é natural que em
contrapartida o Estado tenha sobre essas entidades e organismos consideráveis
poderes de intervenção: poder de nomear e demitir os dirigentes; possui o poder
de lhes dar instruções e diretivas de modo a exercer a sua atividade; e poder de
fiscalizar e controlar a forma como tal atividade é desempenhada.
A atividade é exercida em nome próprio pelas entidades, ainda que seja exercida
no interesse do Estado.
Pelas dívidas contraídas o património da entidade é responsável em primeira
linha.
Sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo (199º alínea
d).
A decisão de criar estas entidades cabe ao Estado e continua a ser hoje
essencialmente livre, dado o caráter muito ténue dos condicionalismos
estabelecidos pelo legislador.
As entidades dispõem de autonomia administrativa e financeira, tomando elas
as suas próprias decisões, gerindo a sua organização, cobrando as suas receitas,
realizando as suas despesas, organizando as suas contas.
Estas entidades complementam o Estado, estando próximas dele, ligadas a ele e
relacionadas com ele (“entidades para-estatais”).
Regra geral têm uma dimensão nacional, isto é, competência para todo o
território nacional, embora possam dispor de serviços locais.
O grau de autonomia, isto é, o maior ou menos distanciamento em relação ao
Estado, é variável: nível máximo (empresas públicas empresariais); posição
intermédia (organismos de coordenação económica- Ex. Instituto dos Vinhos do
Douro e do Porto), visto que a sua atividade também comporta funções de
autoridade, pois tem poderes regulamentares, de fiscalização e de coordenação;
nível mínimo (organismos que funcionam como verdadeiras direções-gerais do
ministério a que respeitam, embora sejam organismos distintos do Estado- Ex.
Instituto Português do Desporto e Juventude), a autonomia é meramente
aparente.
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Institutos Públicos4
Conceito: pessoa coletiva pública de tipo institucional, criada para assegurar o
desempenho de determinadas funções administrativas de caráter não empresarial,
pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
➢ É dotado de personalidade jurídica;
➢ O seu substrato é uma instituição: assenta sobre uma organização de caráter
material e não sobre um agrupamento de pessoas;
➢ Tem como missão assegurar o desempenho de funções administrativas, e,
portanto, não há institutos públicos para o exercício de funções privadas nem
para o desempenho de funções públicas não administrativas;
➢ As atribuições dos institutos públicos não podem ser indeterminadas, ou seja,
não podem abranger uma multiplicidade genérica de fins, sendo entidades de
fins singulares;
➢ Desempenham atividades de caráter não empresarial, distinguindo-se por isso
das empresas públicas;
➢ Caráter indireto da administração exercida por qualquer instituto público, pois
as funções que lhe são atribuídas não lhe pertencem como funções próprias,
antes devem considerar-se funções que de raiz pertencem a outra entidade
pública;
➢ Pode acontecer que as funções atribuída a um dado instituto, sejam por sua vez
desdobradas e transferidas em parte para outro instituto público menor (esse
que consideramos subinstituto público).
Espécies:
a) Serviços Personalizados: são os serviços públicos de caráter administrativo a que a
lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e
financeira. Contudo, como já referimos não são verdadeiras instituições
independentes, pois são departamentos do tipo “direção-geral” aos quais a lei dá
personalidade jurídica e autonomia só para que possam desempenhar melhor as
suas funções. Neste grupo encontramos uma subespécie, que são os organismos de
coordenação económica, isto é, serviços personalizados do Estado que se destinam
a coordenar e regular o exercício de determinadas atividades económicas, que pela
sua importância merecem umam intervenção mais vigorosa do Estado (Ex. Instituto
da Vinha e do Vinho; Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto). Estes destinam-se a
dar efetividade à intervenção do Estado sobre a produção ou comércio de certos
produtos mais importantes na vida económica do país. Também poderiam ser
direções gerais de um ministério, simplesmente entendeu-se que não seria
conveniente a intervenção através de direções gerais organizadas em forma
4 Muitas leis administrativas ainda se referem aos institutos públicos como “serviços personalizados do Estado”.
Contudo apesar de todos os serviços personalizados serem institutos públicos, nem todos os institutos públicos são
serviços personalizados. Outra consideração a fazer é a de que existem alguns casos de institutos públicos que não
são estaduais, tendo âmbito regional ou municipal, os quais emanam e dependem de governos regionais ou câmaras
municipais. Qualquer pessoa coletiva pública pode ter uma administração indireta composta por entidades jurídicas
criadas por devolução de poderes.
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5 Não significa que estamos presentes uma lei de valor reforçado, pois isso seria ir contra o artigo 112º/3 CRP. Isto
tem como consequência a possibilidade de uma lei orgânica de um determinado instituto público regular a
organização e o funcionamento em termos diversos dos estatuídos na “Lei-Quadro”. Tratando-se de um novo
instituto ou um instituto objeto de reestruturação ou fusão, vale o que ficar estabelecido na lei orgânica
independentemente da relação de conformidade ou desconformidade aos preceitos correspondentes da LQIP.
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em certos aspetos pode remeter para a lei comercial, mas esta só é aplicável se o
decreto-lei de extinção para ela remeter diretamente. No caso de as empresas públicas
apresentarem capital próprio negativo por um período de 3 exercícios económicos
consecutivos, devem os órgãos da Administração da empresa propor ao Ministro das
Finanças, a extinção da empresa ou implementação de medidas concretas destinadas a
superar a situação deficitária.
Órgãos
A ambos os tipos se aplica as regras próprias do Código das Sociedades Comerciais (às
primeiras diretamente e as segundas por remissão do artigo 60º/1). No entanto, a lei
prevê regras especificas de Direito Administrativo relativas à composição e
funcionamento dos órgãos de administração e fiscalização das empresas públicas:
tenham um modelo de governo societário que assegure a efetiva separação entre as
funções de administração executiva e as funções de fiscalização; os órgãos de
administração e fiscalização devem ser ajustados à dimensão e complexidade da
empresa; o órgão da administração deve integrar 3 membros, salvo quando dimensão e
complexidade da empresa justificar uma composição diversa.
Além disto, a lei atribui ao titular da função acionista (Ministro das Finanças) o poder de
definir, nos estatutos de cada empresa, a concreta configuração dos órgãos de
administração e de fiscalização, de acordo com o disposto nos estatutos das empresas
públicas e no Código das Sociedades Comerciais. A designação dos administradores é
feita por deliberação do Conselho de Ministros (em regra), nos termos previstos no
Estatuto do Gestor Público. O conselho de administração integra sempre um elemento
proposto pelo Ministro das Finanças, a quem compete aprovar expressamente qualquer
matéria com impacto financeiro superior a 1% do ativo líquido da empresa. No órgão de
administração é ainda obrigatória a presença de representantes da Direção-Geral do
Tesouro e Finanças. As funções do órgão de fiscalização são em regra assumidas pelo
conselho fiscal, composto por um máximo de 3 membros sendo um deles
obrigatoriamente designado sobre proposta da Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
Superintendência e tutela do governo
O governo tem sobre as empresas públicas o poder de superintendência e tutela,
intervindo com a finalidade principal de definir os objetivos a atingir e os meios e modos
a empregar para atingi-los. As empresas públicas gozam de autonomia, mas não de
independência, pois desenvolvem uma administração estadual indireta, e não se
autoadministram. Isto significa que: os seus órgãos dispõem de autonomia de gestão,
mas têm de se conformar com os objetivos fixados pelo Governo; as empresas públicas
pertencem ao Estado; os conselhos de administração representam o Governo que as
nomeou.
Poderes do Governo face às empresas públicas:
➢ Definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros;
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1. Associações Públicas
Conceito: pessoas coletivas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente
a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas
que se organizam com esse fim (pessoa coletiva de fim singular). Caracterizam-se pela
sua heterogeneidade, quanto ao tipo de associados e fins prosseguidos, refletindo essa
diversidade nos regimes aplicáveis. Existem associações públicas de entes públicos, de
entes particulares e simultaneamente de entidades privadas e públicas.
A constituição apresenta no seu artigo 267º/4 que o legislador parlamentar só pode
constituir associações públicas para a satisfação de necessidades especificas que
nomeadamente não se podem sobrepor ou confundir com as funções próprias das
associações sindicais.
Espécies: associações de entidades públicas, associações de entidades privadas e
associações de caráter misto.
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princípio e regras constitucionais (165º/1 alínea s)7; 199º alínea d)8 (generalidade das
associações); 247º; 253º (associações de entes autárquicos); 267º/1; 267º/49
(associações de entes privadas). Este regime é complementado por legislação ordinária.
Contudo, isso não significa que desenvolvam a sua atividade submetidas exclusivamente
a normas de direito público, visto que o recurso ao direito privado é aqui crescente. As
entidades atuam necessariamente segundo as regras do direito público quando querem
agir munidas de poder de autoridade. Em contrapartida, quando desenvolvem
atividades instrumentais, seguem normalmente o direito privado.
7 Isto não significa que todas as associações públicas tenham de ser constituídas por lei parlamentar ou decreto-lei
autorizado. Mas os traços mais importantes do regime de cada uma das diferentes categorias de associações públicas
(forma de criação, regime de inscrição, atribuições, modo de funcionamento, prerrogativas públicas, normativas e
disciplinares) têm de ser definidos pelo legislador parlamentar, ou sob autorização, pelo legislador governamental.
Assim, a autonomia estatuária e normativa das associações públicas começam apenas onde acaba a reserva
estabelecida na alínea s) do artigo 165º.
8 Tutela inspetiva de legalidade, mas admite-se a previsão legal expressa de tutela de mérito e até de
superintendência.
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O artigo apresenta uma regra de excecionalidade, isto e, o legislador necessita de justificar bem a criação das
associações públicas com a existência de necessidades especificas com projeção na própria Constituição.
10 Não todas, uma vez que o Estado podem criar uma pessoa coletiva de tipo associativo para prosseguir fins
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➢ Lei nº 27/96;
➢ Lei Orgânica nº 1/2001 (Eleição Autárquicas):
➢ Lei nº 29/87 (Estatuto dos Eleitos Locais).
(1) Freguesias 12
Conceito: são autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução
de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial
(sinónimo de freguesia).
Importância da freguesia: atualmente um grande número de freguesias puderam obter
do seu município ou do estado, verbas suficiente para construírem boas sedes onde
funcionam importantes serviços. Por outro lado, a sua ação tem sido crescentemente
ampliada e reforçada. A lei tem permitindo também a realização de protocolos entre
freguesias e instituições públicas, particulares e cooperativas que desenvolvam a sua
atividade em domínios tais como a proteção de património paroquial, a gestão de
equipamentos sociais e a assistência social, educativa e cultural. Favorecem também a
delegação de competências das Câmaras nas Juntas de Freguesias. Contudo, isto não
tem sido acompanhada da dotação das freguesias com mais meios humanos e materiais,
o que as impede de desempenhar com eficácia a sua ação. Importa perceber que o
aumento da importância das freguesias se mostra um imperativo constitucional,
alicerçado no princípio da subsidiariedade e da descentralização.
Criação de freguesias: O artigo 164º alínea n) apresenta que o regime de criação,
modificação e extinção de autarquias locais é competência absoluta da Assembleia da
República. Contudo, a lei nº22/2012 só regula a extinção das freguesias, havendo assim
uma inconstitucionalidade por omissão, por não existir um regime de criação.
Atribuições da freguesia (artigo 7º LAL): as atribuições da freguesia são autónomas face
às do município e as apresentadas no artigo são meramente exemplificativas. Quais são
as principais atribuições? (1) realizam o recenseamento eleitoral e é através dos seus
serviços que desenrolam diversos processos eleitorais de caráter político e
administrativo; (2) ocupam-se da administração dos seus bens e dos bens sujeitos à sua
jurisdição e promovem obras públicas, nomeadamente a construção e manutenção de
caminhos públicos; (3) desenrolam uma ação importante sobretudo em matéria de
cultura popular, assistência social e saúde pública. O artigo 131º LAL permitem que os
municípios deleguem competências nas freguesias mediante a celebração de um
contrato interadminsitrativo, que tem de ser autorizado pela Assembleia Municipal e
pela Assembleia de Freguesia. Contudo, a lei considera que estão delegadas nas juntas
de freguesia um conjunto significativo de competências das câmaras municipais, sem
necessidade de contrato de delegação(132º), mas na qual se exige par o exercício das
competências por parte das juntas de um acordo de execução (prevê os recursos
humanos, patrimoniais e financeiros necessários ao exercício das competências
12A Lei nº 22/2012 aprovou o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, o qual extingue
várias freguesias, através de fusão ou agregação.
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movimentar uma percentagem cada vez mais significativa do total das finanças públicas,
bem como a estar investida em poderes tributários alargados, face ao número crescente
de atribuições que o Estado lhe transfere.
Criação, extinção e modificação de municípios: Compete à Assembleia da República,
através de lei, a criação de municípios, desde que respeitados os requisitos financeiros
e geodemográficos aí previstos (Lei nº 142/85).
Fronteiras, designação, categoria e símbolos dos municípios: É através da delimitação
do território das freguesias abrangidas em cada município que se fica a saber qual a
delimitação do território do município. E se surgirem dúvidas acerca da linha da
demarcação do território de uma freguesia ou de um município, a quem pertence a
competência para as resolver? Pertence aos tribunais administrativos, salvo se a
Assembleia da República decidir legislar sobre a matéria. Se se pretender alterar esses
limites, só poderá ser isto regulado através de lei da Assembleia da República. Quanto
aos símbolos, o artigo 25º/2 alínea n) atribui à assembleia municipal a competência para
estabelecer a constituição do brasão, selo e bandeira do município.
Atribuições Municipais: No plano do legislador (“de jure condendo”), na atualidade
assiste-se ao embate de duas tendências opostas, a tendência para a centralização
económica e a tendência para a descentralização administrativa. Esta última funda-se
na própria noção de democracia, da ideia de participação dos cidadãos na vida pública
e no princípio da subsidiariedade, havendo uma vontade de reforçar a atuação dos
municípios e lhes conceder um número maior de atribuições, o que permite reforçar o
princípio de autonomia local (113º LAL). O elenco das atribuições municipais depende
muito das opções públicas da maioria que em cada momento detiver o poder e também
das tradições históricas, culturais e sociais de cada país, o que torna difícil delimitar em
concreto as atribuições dos municípios. Como mostra o artigo 23º, o “de jure condito”
(plano do direito legislado), mostra a adoção de um sistema misto para definir as
atribuições dos municípios. Ou seja, existe uma clausula geral (nº1) ao lado de uma
enumeração meramente exemplificativa (nº2), não se excluindo a existência de outras.
Transferência de competências dos órgãos do Estado para os órgãos do município:
Segundo a LAL, a descentralização administrativa será atingida através de:
➢ Transferência legal de competências: esta faz-se por ato legislativo, em termos
definitivos13 e universais, isto é, sem previsão de duração e para todos os
municípios. O presente no artigo 115º pretende impedir que a transferência seja
meramente formal, isto é, que se atribuam novos poderes às autarquias sem os
meios necessários para o seu exercício. Deverá haver, antes desta transferência,
promover a realização de estudos (115º/3 alíneas a), b) e c)).
➢ Delegação de competências: a lei prevê um modelo de transferência de
competências assente num acordo de vontades (116º LAL) - contrato
13 Isto não se traduz numa proibição de futura revogação, pois a LAL não é uma lei de valor reforçado, não tendo por
isso, a virtualidade de condicionar o exercício futuro do poder legislativo. Mas a revogação vai confrontar-se com as
exigências constitucionais decorrentes dos princípios de descentralização e da subsidiariedade.
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14 Sem ser no caso da fiscalização da Câmara, a Assembleia está dependente da iniciativa ou proposta da Câmara para
o exercício dessas competências.
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Órgão consultivo e de coordenação da política educativa.
16 Órgão de natureza consultiva, de articulação, informação e cooperação.
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17 Não o órgão, o funcionário ou titular do órgão, pois estes atuam enquanto a pessoa coletiva pública.
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Definição de Pessoa Coletiva Pública: Pessoas coletivas criadas por iniciativa pública
(nascem de decisão pública, regida pelo direito público, tomada pela coletividade
nacional, comunidade regional ou local autónomas ou por uma ou mais pessoas
coletivas públicas já existentes), para assegurar a prossecução necessária de interesses
públicos (existem para prosseguir o interesse público e não qualquer outro fim e ainda
para garantir que este é prosseguido por outras entidades, p.e, entidades privadas que
exerçam funções de interesse público), e por isso dotadas em nome próprio (distingue
estas das pessoas coletivas privadas que se dediquem ao exercício privado de funções
públicas- sociedades concessionárias exercem poderes públicos mas em nome da
Administração Pública) de poderes e deveres públicos.
Espécies de Pessoas Coletivas Públicas18 (Artigo 2º/4 CPA):
a) O Estado;
b) Os institutos públicos;
c) As empresas Públicas, na modalidade de entidades públicas empresariais;
d) A associações Públicas;
e) As entidades administrativas independentes;
f) As autarquias locais;
g) Regiões Autónomas.
É ainda possível agrupar estas categorias em tipos:
1. Pessoas Coletivas de população e território, ou de tipo territorial: Estado, RA e
autarquias locais;
2. Pessoas Coletivas de tipo institucional: diversas espécies de institutos públicos,
empresas públicas qualificadas como entidades públicas empresariais, e as
entidades administrativas independentes;
3. Pessoas Coletivas de tipo associativo: associações públicas.
O regime legal de cada pessoa coletiva pública deve ser apreendido através do estudo
concreto da legislação aplicável a essa pessoa coletiva. No entanto, é possível recortar
certos aspetos predominantes do seu regime jurídico:
1) Criação e Extinção: Criadas por um ato do poder central ou poder local, não se
podem extinguir a si próprias e não estão sujeitas a falência ou insolvência, só
podendo ser extinta por decisão pública;
2) Capacidade jurídica de direito privado e património próprio;
3) Capacidade de direito público: São titulares de poderes e deveres públicos,
assumindo especial relevo os poderes de autoridade: poder regulamentar, poder
tributário, poder de expropriar, o privilégio de execução prévia;
4) Autonomia administrativa e financeira;
5) Isenções Fiscais;
18 Note-se que estão ordenadas segundo o critério de maior dependência para menos dependência do Estado.
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• Singulares e colegiais;
• Centrais e Locais;
• Primários (dispõem de uma competência própria para decidir as matérias
que lhes estão confiadas), Secundários (dispõem de uma competência
delegada) e Vicários (exercem competência por substituição de outros);
• Representativos (titulares são livremente designados por eleição) e Não
representativos;
• Ativos (a quem compete tomar decisões ou executá-las), Consultivos (têm a
função de esclarecer os órgãos ativos antes de eles tomarem uma decisão) e
de Controlo (têm como missão fiscalizar a regularidade do funcionamento de
outros órgãos);
• Órgãos ativos podem ser: Decisórios (aqueles a quem compete tomar
decisões, que poderão ser deliberativos se tiverem caráter colegial) e
Executivos (a quem compete executá-las);
• Permanentes (segundo a lei têm uma duração indefinida) e Temporários (são
criados para atuar apenas durante um certo período);
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Composição é o elenco abstrato dos membros que hão de fazer parte do órgão
colegial;
Constituição é o ato pelo qual os membros de um órgão colegial, uma vez
designados, se reúnem pela primeira vez e dão início ao funcionamento desse
órgão;
A marcação da reunião consiste na fixação da data e hora em que a reunião terá
lugar;
A convocação da reunião é a notificação feita a todos e cada um dos membros
acerca da reunião a realizar, na qual são indicados, além do dia e hora, o local
desta e a respetiva ordem do dia. Mesmo que na última reunião renha ficado
feita a marcação da reunião seguinte, isso não dispensa a necessidade de
convocação.
A reunião é um encontro dos respetivos membros para deliberarem sobre a
matéria da sua competência. Se o órgão é de funcionamento contínuo diz-se que
está em sessão permanente, embora posse reunir apenas uma vez por semana.
Se o órgão for de funcionamento intermitente, terá 2, 3 ou 4 sessões por ano e
cada sessão pode incluir uma ou várias reuniões. As sessões são os períodos
dentro dos quais podem reunir os órgãos colegiais de funcionamento
intermitente. Tanto as reuniões como as sessões podem ser ordinárias, se se
realizam regularmente em datas ou períodos certos, ou extraordinárias se são
convocadas inesperadamente fora dessas datas ou período.
Os membros são todos os titulares do órgão colegial;
Vogais são apenas os membros que não ocupem uma posição funcional dotada
expressamente de uma denominação apropriada (o presidente é membro, mas
não é vogal, assim como os vice-presidentes, secretários e tesoureiros quando
existam)
O funcionamento realiza-se através de reuniões, e cada reunião começa quando
é declarada aberta pelo presidente e termina quando por ele é declarada
encerrada. Apesar de uma parte das reuniões se desenrolar sem que seja
necessário deliberar (ex. leitura do expediente), a parte essencial é a
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26) Se uma deliberação for ilegal ficam responsáveis por ela todos os membros que
a tiverem aprovado. Os que votaram vencidos ficam isentos de tal
responsabilidade se fizerem registo na ata da respetiva declaração de voto;
27) Nos casos omissos da lei administrativa e na falta de costume aplicável, a
constituição e o funcionamento serão regulados pelo regimento da Assembleia
da República de acordo com a tradição europeia, que faz dos regimentos
parlamentares a norma supletiva para os demais órgãos colegiais;
Os fins das pessoas coletivas chamam-se atribuições, sendo estas os fins ou interesses
que a lei incumbe das pessoas coletivas de prosseguir. Para isso, as pessoas coletivas
necessitam de competência, isto é, um conjunto de poderes funcionais que a lei confere
para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas. Em regra, as
atribuições referem-se à pessoa coletiva em si e a competência refere-se aos órgãos.
Assim, qualquer órgão da Administração está duplamente limitado na sua ação: está
limitado pela própria competência e ao mesmo tempo pelas atribuições da pessoa
coletiva em cujo nome atua, pois não pode praticar quaisquer atos sobre matéria
estranha a essas. Atribuições e competências limita-se reciprocamente, visto que
nenhum órgão pode prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que pertencem por
meio de competências que não sejam suas nem pode exercer a sua competência fora
das atribuições da pessoa coletiva em que se integra. A lei estabelece uma sanção
diferente para o caso de órgãos praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas
coletivas ou atos fora da competência confiada a cada órgão. Os primeiros são nulos
(161º/2 alínea b) - CPA), enquanto que os segundos são anuláveis (163º/1- CPA). No
Estado, o que separa juridicamente os órgãos uns dos outros não é apenas a
competência, mas também, e sobretudo, as atribuições, que estão normalmente
repartidas em vários ministérios. Assim, se houver uma ilegalidade do ato por
incompetência por falta de competência poderá também a incompetência por falta de
atribuição. Portanto, tudo depende de a lei ter repartido, entre os vários órgãos da
mesma pessoa coletiva, apenas a competência para prosseguir as atribuições desta ou
as próprias atribuições com a competência inerente.
Competência: A competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada pela lei,
sendo sempre a lei (ou regulamento) que fixa a competência dos órgãos da
Administração Pública (36º/1 CPA) - Princípio da legalidade da competência. Deste
surgem novos princípios:
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Serviços Públicos
A pessoa coletiva pública é o sujeito de direito, ao passo que o serviço público é uma
organização que, situada no interior da pessoa coletiva pública e dirigida pelos
respetivos órgãos, desenvolve atividades de que ela carece para prosseguir os seus fins.
Os serviços públicos são, assim, as organizações humanas criadas no seio de cada pessoa
coletiva pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos
respetivos órgãos. São quem desempenha as tarefas concretas e especificas em que se
traduz a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas. Os órgãos dirigem
a atividade dos serviços e, por outro lado, os serviços auxiliam a atuação dos órgãos:
desenvolvem a sua atuação quer na fase preparatória da formação da vontade do órgão
quer na fase que se segue à manifestação da vontade, cumprindo e fazendo cumprir
aquilo que tiver sido determinado. Portanto, os serviços públicos levam a cabo as tarefas
de preparação e execução das decisões dos órgãos das pessoas coletivas públicas, a par
do desempenho das tarefas concretas em que se traduz a prossecução das atribuições
dessas pessoas coletivas. Um serviço público pode ser autonomizado, através da
atribuição de personalidade jurídica, transformando-se, por exemplo, num instituto
público.
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10) Os serviços públicos podem atuar de acordo quer com o direito público quer com
o direito privado;
11) A lei admite vários modos de gestão dos serviços públicos;
12) Os utentes do serviço público ficam sujeitos a regras próprias que os colocam
numa situação jurídica especial;
13) Natureza jurídica do ato criador da relação de utilização do serviço público pelo
particular.
Organização dos serviços públicos
Os serviços públicos podem ser agrupados segundo 3 critérios: organização horizontal,
territorial e vertical. A organização horizontal atende à distribuição dos serviços por
pessoas coletivas públicas e dentro destas, à especialização dos serviços segundo o tipo
de atividades a desempenhar. A organização territorial remete-nos para a distinção
entre serviços centrais e serviços periféricos, consoante os mesmo tenham um âmbito
de atuação nacional ou meramente localizado em áreas menores. A organização
vertical, ou hierárquica, traduz-se genericamente na estruturação dos serviços em razão
da sua distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam
entre si em termos de supremacia e subordinação.
Hierarquia administrativa
A hierarquia consiste na organização dos serviços públicos segundo um critério vertical.
Conceito de hierarquia: é o modelo de organização administrativa vertical, constituído
por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligadas por um vínculo
jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de
obediência. A relação hierárquica é interorgânica.
Discorda com a ideia de o superior ter “competência para dispor da vontade decisória
de todos os restantes órgãos”, defendida por Paulo Otero, pois considera que o
subalterno não é um autómato, nem um escravo, sendo livre, racional, moral e
juridicamente responsável pelas suas decisões. A vontade do superior tem mais força
jurídica do que a do subalterno, mas não dispõe desta, nem a substitui: o subalterno é
que decide livremente, se obedece ou não às ordens do superior, ainda que a
desobediência lhe possa acarretar sanções. A prova de que o subalterno não é um
autómato cego e mecanicamente obediente está na competência que a lei lhe confere
para “examinar a legalidade de todos os comandos hierárquicos” e para, em certos casos
(como atos criminosos) rejeitar a obediência, recusando o cumprimento de
determinadas ordens superiores. Mesmo quando o subalterno atua no cumprimento
estrito de ordens legais emanadas dos seus superiores, não é irrelevante o caráter livre
e esclarecido da vontade por ele manifestada: interessa o erro, dolo ou coação, afetando
estes a validade da decisão, ainda que esta coincida plenamente com o conteúdo do
comando hierárquico, pois a existência deste não impede a anulação ou declaração de
nulidade da decisão inquinada por qualquer vício da vontade relevante. Concorda com
o Paulo Otero no sentido em que “a lei confere um valor jurídico diferente À vontade de
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conduta. Por outro lado, instruções são comandos gerais e abstratos, isto, o
superior impõe aos subalternos a adoção para o futuro de certas condutas
sempre que se verifiquem as situações previstas. O poder de direção não carece
de consagração legal expressa, tratando-se de um poder inerente ao
desempenho das funções de chefia. As manifestações dos poder de direção
esgotam-se no âmbito da relação hierárquica não produzindo efeitos jurídicos
externos. Consequentemente, os particulares não podem invocar perante um
tribunal administrativo a violação de uma instrução ou ordem de serviço para
fundamentar o pedido de anulação de um ato administrativo, pois a eficácia dos
comandos é meramente interna.
Poder de Supervisão: consiste na faculdade de o superior revogar, anular ou
suspender atos administrativos praticados pelo subalterno. O poder pode ser
exercido por iniciativa do superior, que para o efeito avocará (chama a si) a
resolução do caso, ou poderá ser exercido em consequência de recurso
hierárquico perante ele interposto pelo interessado. A medida em que o superior
pode ou não fazer acompanhar a revogação dos atos do subalterno de outros atos
administrativos, primários ou secundários, depende do grau de maior ou menor
desconcentração estabelecida por lei, e, portanto, da dose maior ou menor de
competências próprias ou delegadas que o subalterno legalmente detenha.
Poder Disciplinar: consiste na faculdade de o superior punir o subalterno,
mediante a aplicação de sanções previstas na lei em consequência das infrações
à disciplina da função pública cometidas. Poderá aplicar-se o LGTFP (abrangidos
pelo regime de emprego público) ou as normas constantes do Código do Trabalho
(outros trabalhadores).
Outros poderes que estão integrados na competência do superior hierárquico, ou pelo
menos discute-se se estão:
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outro lado, a conceção legalista seria admitir que entre 2 interpretações de lei, a do
subalterno prevalecia, autorizando-o a não obedecer. A consequência que advém do
cumprimento de uma ordem ilegal é tornar-se o co-responsável pelas consequências da
execução desse ato ilegal.
A Constituição apresenta um sistema legalista mitigado (271º/2 e 3; artigo 177º LGTFP):
➢ Casos em que não há dever de obediência: sempre que o cumprimento das
ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime, ou quando as ordens
ou instruções provenham de ato nulo.
➢ Casos em que há dever de obediência: todas as restantes instruções ou ordens,
isto é, as que emanarem de legitimo superior hierárquico, em objeto de serviço,
com a forma legal, e não implicarem a prática de um crime nem resultarem de
um ato nulo. Contudo, existindo ordens ou instruções ilegais, o funcionário ou
agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da responsabilidade pelas
consequências da execução da ordem se antes da execução tiver reclamado ou
tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito, fazendo expressa
menção de que as considera ilegais as ordens ou instruções recebidas. Quando,
porém, tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato,
será suficiente para a exclusão da responsabilidade de quem cumprir a
reclamação, com a opinião sobre a ilegalidade da ordem, seja enviada logo após
a execução desta. Se o funcionário ou agente, antes de proceder À execução,
tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação da ordem por escrito,
duas hipóteses podem verificar-se, quando não chega a resposta do superior
hierárquico:
➢ A execução da ordem pode ser demorada sem prejuízo para o interesse público:
pode legitimamente retardar a execução até receber resposta do superior, sem
que por isso recorra em desobediência.
➢ A demora na execução da ordem pode causar prejuízo ao interesse público: deve
comunicar logo por escrito ao seu imediato superior os termos exatos da ordem
recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, e logo a
seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser responsabilizado.
O dever de obediência a ordens ilegais é na verdade uma exceção ao princípio da
legalidade, mas é uma exceção legitimada pela própria Constituição. Mas isso não
significa que haja uma especial legalidade interna, pois uma ordem ilegal, mesmo que
tenha de ser acatada é sempre ilegal.
Concentração e Desconcentração
Estes dois tipos de conceitos dizem respeito à organização administrativa de uma
determinada pessoa coletiva pública. A concentração ou descentralização consistem
basicamente na ausência ou na existência de distribuição vertical de competência entre
os diversos graus ou escalões da hierarquia, isto é, referem-se à repartição de
competência pelos diversos graus de hierarquia no interior de cada pessoa coletiva
pública. Assim, a administração concentrada é aquela em que o superior hierárquico
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mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos
limitados a tarefas de preparação e execução das decisões daquele. A administração
desconcentrada é aquela em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou
vários órgãos subalternos, os quais, continuam em regra sujeitos à direção e supervisão
daquele. Este último é um processo de descongestionamento de competências,
conferindo-se a funcionários ou agentes subalternos certos poderes decisórios, os quais
numa administração centralizada estariam reservados em exclusivo ao superior. Em
rigor não existem sistemas integralmente concentrados nem sistemas absolutamente
desconcentrados. No nosso sistema vigora o princípio da desconcentração
administrativa (267º/2).
Vantagens da desconcentração: aumentar a eficiência dos serviços públicos, maior
rapidez de resposta às solicitações dirigidas à Administração e melhor qualidade do
serviço, pois os superiores são libertados de questões de menor relevância, criando-lhes
condições para ponderarem a resolução das questões de maior responsabilidade que
lhes ficam reservadas.
Desvantagens da desconcentração: a multiplicidade dos centros decisórios pode
inviabilizar uma atuação harmoniosa, coerente e concertada. Por outro lado, a
especialização que acompanha a desconcentração tenderá a converte-se na redução do
âmbito da atividade dos subalternos, gerando a sua desmotivação. O facto de se
atribuírem responsabilidades a subalternos por vezes menos preparados para assumir
pode levar à diminuição da qualidade do serviço, prejudicando-se com isso os interesses
dos particulares e a boa administração.
Espécies de desconcentração:
a) Quanto aos níveis: desconcentração a nível central e desconcentração a nível
local, consoante ela se inscreva no âmbito dos serviços da Administração central
ou no âmbito dos serviços da Administração local.
b) Quanto aos graus: absoluta, isto é, é tão intensa e é levada tão longe que o
órgãos por ela atingidos se transformam de órgãos subalternos a órgãos
independentes (desconcentração faz cessar a hierarquia). Ou relativa, ou seja, a
desconcentração é menos intensa e, embora atribuindo certas competências
próprias a órgãos subalternos, mantém a subordinação destes aos poderes do
superior. Este último caso constitui a regra no direito português
(desconcentração e hierarquia coexistem).
c) Quanto às formas: originária, isto é, decorre imediatamente da lei, que desde
logo reparte a competência entre superior e subalternos. Ou derivada, ou seja,
carece de permissão legal expressa, só se efetivando, no entanto, mediante ato
específico praticado pelo superior. Vamos analisar a desconcentração derivada:
delegação de poderes.
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Delegação de Poderes
Conceito: é o ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para
decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou
agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria.
Três requisitos da delegação de poderes:
➔ A lei tem de prever expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes
noutro, chamada a lei da habilitação. Como a competência é irrenunciável e
inalienável só pode haver delegação de poderes com base na lei;
➔ Existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa coletiva,
ou de dois órgãos de pessoas coletivas distintas, dos quais um seja o órgão
normalmente competente (delegante) e outro, o órgão eventualmente
competente (delegado);
➔ Prática de um ato de delegação, isto é, o ato pelo qual o delegante concretiza a
delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos atos
na matéria sobre a qual é normalmente competente.
Esta figura não se confunde com: a transferência legal de competências, concessão,
delegação de serviços públicos, delegação de serviços públicos, representação,
substituição, suplência, delegação de assinatura e delegação tácita.
Espécies
a) Quanto à habilitação: Pode ser genérica, isto é, uma lei de habilitação serve de
fundamento a todo e qualquer ato de delegação praticado entre estes tipos de
órgãos: delegação do superior no seu imediato inferior hierárquico, delegação
do órgão principal no seu adjunto ou substituto, delegação dos órgãos colegiais
no presidente. Contudo só podem ser delegados poderes para a prática de atos
da administração ordinária (todos os atos não definidos, ou os definidos que não
sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha significado ou alcance
inovador na orientação geral da entidade pública a que pertence o órgão. A
habilitação pode ainda ser especifica, sendo aquela que permite a delegação de
poderes de administração extraordinária (atos que seguem orientações gerais
novas ou não as existentes).
b) Quanto às espécies de delegação:
• Prisma da sua extensão, pode ser ampla ou restrita, conforme o
delegante resolva delegar uma grande parte dos poderes ou apenas uma
pequena parcela deles. A lei exclui a delegação total (45º alínea a CPA).
Há competência indelegáveis por determinação da lei e por natureza (ex.
poder disciplinar sobre o delegado).
• Prisma do objeto da delegação, pode ser especifica ou genérica, isto é,
pode abranger a prática de um ato isolado (quando realizado, a
delegação caduca) ou permitir a prática de uma pluralidade de atos.
• Há delegação hierárquica, que é a mis comum, mas também não
hierárquica.
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O recurso dos atos do delegado para o delegante só pode ter lugar por
expressa disposição legal.
5. Extinção da delegação:
Pode ser extinta por anulação ou revogação. A qualquer momento o
delegante pode pôr termo à delegação. A delegação é então um ato
precário.
Extingue-se por caducidade sempre que mudar a pessoa do delegante ou
a do delegado. A delegação é, portanto, um ato intuitu personae.
6. Regime jurídico da subdelegação:
Salvo disposição em contrário, qualquer delegante pode autorizar o
delegado a subdelegar: há uma habilitação genérica permissiva de todas
as subdelegações de 1º grau.
Quanto às subdelegações de 2º grau e subsequentes, a lei dispensa quer
a autorização prévia do delegante, quer a do delegado, e entrega-as à
livre decisão do subdelegado, salvo disposição legal em contrário ou
reserva expressa do delegante ou subdelegante.
Natureza da delegação
1) Tese da alienação: a delegação de poderes é um ato de transmissão ou alienação
da competência do delegante para o delegado. Transfere-se a titularidade da
competência.
2) Tese da autorização: a lei de habilitação confere uma competência condicional
ao delegado, sobre as matérias em que permite a delegação. Antes da delegação,
o delegado já é competente, mas só pode exercer a competência quando o
delegante permitir. Assim, o ato de delegação tem natureza de autorização.
3) Tese da transferência de exercício: a delegação não é uma alienação nem uma
autorização. A delegação consiste numa transferência do exercício da
competência (Freitas do Amaral19).
Centralização e Descentralização
Estes dois conceitos põem em causa várias pessoas coletivas públicas ao mesmo tempo.
Num plano jurídico, é centralizado um sistema em que todas as atribuições de um dado
país são conferidas ao Estado, não existindo outras pessoas coletivas públicas
incumbidas do exercício da função administrativa. Por outro lado, é descentralizado o
sistema em que a função administrativa esteja confiada não apenas ao Estado, mas
também a outras pessoas coletivas territoriais, designadamente as autarquias locais
(basta que existam como pessoas coletivas distintas do Estado). Num plano político-
administrativo, há centralização quando os órgãos das autarquias locais sejam
livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando devam obediência
ao governo ou quando se encontrem sujeitos a formas particularmente intensas de
tutela administrativa, designadamente ampla tutela de mérito. Por outro lado, há
descentralização quando os órgãos das autarquias locais são livremente eleitos pelas
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20 Como acontece com certas deliberações das Câmaras sujeitas à aprovação ou autorização da Assembleia Municipal.
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possível inferir que tanto a inspetiva como a integrativa seriam possíveis visto que
contribuem para verificar essa legalidade. Por outro lado, verificada a ilegalidade, a
tutela sancionatória e revogatória, ou seja, a aplicação de sanção ou obtenção de
anulação de um ato ilegal de uma autarquia local deve ser efetivada através dos
tribunais, mediante ação do Ministério Público. Quanto à tutela substitutiva não parece
ser compatível com o artigo 243º/1 CRP nem com o princípio da autonomia do poder
local, pelo que só será legitima se a própria Constituição o vier a prever.
Regime jurídico: a tutela administrativa não se presume e, portanto, só existe quando a
lei expressamente a prevê e nos termos em que a lei estabelece. A tutela sobre as
autarquias locais é meramente de legalidade, não havendo tutela de mérito sobre as
autarquias locais (242º/1). Consideramos que os órgãos autárquicos podem, se
entenderem, consultar o Governo sobre dúvidas de interpretação de diplomas em vigor,
tendo a Administração central de estar preparada a responder, dando meros pareceres,
Não há portanto um poder para a entidade tutelar dar instruções ou ordens sobre a
interpretação, até porque iria contra os artigos 114º LAL, 112º/6 CRP, 242º/1 CRP e 6º/1
CRP (indo contra os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização
democrática da administração pública). A entidade tutelada tem a legitimidade para
impugnar quer administrativa quer contenciosamente os atos pelos quais a entidade
tutelar exerça os seus poderes de tutela em termos que a prejudiquem (55º/1 alínea c)
CPTA).
Natureza jurídica da tutela administrativa:
a) Tese da analogia com a tutela civil: a tutela administrativa seria uma figura
bastante semelhante à tutela civil, criando-se no direito administrativo um
mecanismo apto a prevenir e remediar as deficiências que sempre têm lugar na
atuação de entidades públicas menores ou subordinadas. Visaria suprir
deficiências orgânicas ou funcionais das entidades tuteladas.
b) Tese da hierarquia enfraquecida: os poderes tutelares são poderes hierárquicos
enfraquecidos, porque se exercem, sobre entidades autónomas e não sobre
entidades dependentes.
c) Tese do poder de controlo: corresponde à ideia de um poder de controlo
exercido por um órgão de administração sobre certas pessoas coletivas sujeitas
À sua intervenção, para assegurar o respeito de determinados valores
considerados essenciais. É a tese defendida pelo autor, pois considera que não
se pode fazer uma analogia à tutela civil, visto que esta pressupõe a existência
de um sujeito de direito a quem a lei não reconhece capacidade para exercer os
seus direitos, o que não acontece com as pessoas coletivas. Por outro lado, não
seria uma hierarquia enfraquecida, pois se fosse uma hierarquia (ainda que
enfraquecida/limitada pela lei) existiria sem necessidade de texto expresso, o
que não é o caso, visto que a tutela administrativa não se presume. Até os
próprios poderes do superior hierárquico só excecionalmente existem na tutela
(ainda que fosse apenas um necessário), e o poder de direção (núcleo da
hierarquia) não existe de todo na tutela, visto que nas entidades tuteladas os
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seus órgãos são independentes (44º LAL), não devendo obediência ao Governo.
Os órgãos tutelares são assim órgãos de controlo, assegurando o acatamento da
legalidade e (nos casos em que a lei assim determina) o mérito da ação por elas
desenvolvida.
Integração e devolução de poderes
Os interesses públicos de qualquer pessoa coletiva de fins múltiplos (Estado, RA ou
autarquias locais) podem ser mantidos pela lei no elenco de atribuições da entidade a
que pertencem ou podem ser transferidos para uma pessoa coletiva pública de fins
singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução. Assim, integração
de poderes consiste no sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo
Estado, ou pelas pessoas coletivas de população e território são postos por lei a cargo
das próprias pessoas coletivas a que pertencem. Por outro lado, devolução de poderes
consiste no sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou de pessoas
coletivas de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas coletivas
públicas de fins singulares.
Vantagens e inconvenientes da devolução de poderes: por um lado, permite maior
comunidade e eficiência na gestão, de modo que a Administração no seu todo, funcione
de modo mais eficiente, uma vez que se descongestionou a gestão da pessoa coletiva
principal. Por outro lado, proliferam centros de decisão autónomos, de patrimónios
separados, de fenómenos financeiros que escapam em boa parte ao controlo global do
Estado, existindo sempre o perigo de desagregação, pulverização do poder e
descontrolo de um conjunto demasiado disperso. A tendência atual é aceitar como
positivo o sistema de devolução de poderes, mas contendo-o dentro de limites
razoáveis.
Regime jurídico: a devolução de poderes é sempre feita por lei. Os poderes transferidos
são exercidos em nome próprio pela pessoa coletiva criada para o efeito, mas são
exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob orientação dos
respetivos órgãos. As pessoas coletivas que recebem devolução de poderes são entes
auxiliares ou instrumentais, não exercendo uma autoadministração, ainda que possam
ter, e costumam tem, autonomia administrativa e financeira. Quem define a orientação
geral da sua atividade é o Estado, ou a pessoa coletiva de fins públicos que as criou,
sendo, portanto, organismos dependentes (não independentes como as autarquias
locais). Os institutos públicos e empresas públicas preparam e elaboram o plano de
atividades e o orçamento para o ano seguinte, mas quem os aprova é o Governo (as
autarquias locais podem livremente elaborar o seu plano de atividades para cada ano e
respetivo orçamento). Estes porque exercem uma administração indireta não podem
traçar eles próprios o rumo ou definir as grandes orientações da sua atividade.
Estes organismos estão sujeitos a tutela administrativa e superintendência (199º/ alínea
d). A superintendência é o poder conferido ao Estado, ou outra pessoa coletiva de fins
múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins
singulares colocadas por lei na sua dependência. É assim um poder mais amplo, mais
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intenso, mais forte do que a tutela administrativa. É a entidade exterior que define os
objetivos e guia, nas suas linhas gerais, a atuação das entidades subordinadas, dispondo
estas apenas de autonomia para encontrar as melhores formas de cumprir as
orientações que lhe são traçadas. A tutela controla entidades independentes, a
superintendência orienta entidades dependentes. O poder de superintendência é
menos forte que o poder de direção, típico da hierarquia, porque traduz-se na faculdade
de emitir diretivas21 e recomendações22 (e não ordens ou instruções como no poder de
direção, com consequente dever de obediência).
Artigo 199º/ alínea d):
➔ A Administração direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de
superior hierárquico, dispondo de poder de direção.
➔ Administração indireta do Estado: o Governo tem a responsabilidade de
superintendência, possuindo poder de orientação
➔ Administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quando a ela a
função de tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto
de poderes de controlo.
Natureza jurídica da superintendência:
a) Como tutela reforçada: os poderes da entidade responsável são poderes de
tutela, mas reforçados porque comportam o poder de orientação. É a conceção
que é mais adotada nos juristas.
b) Como hierarquia enfraquecida: o poder de orientação como sendo um
enfraquecimento do poder de direção. É a conceção que mais influencia na
prática a nossa Administração.
c) Como poder de orientação: Considerar a superintendência como um tipo
autónomo, situado a mio da hierarquia e da tutela, tendo natureza própria.
Conceção defendida pelo autor. Tentar considerar a superintendência como
tutela é ficar aquém da realidade, mas considerá-la como hierarquia também é
ir além do razoável, visto que as entidades são centros autónomos, com
personalidade jurídica e não meros órgãos do Estado. Entender que seria uma
hierarquia enfraquecida significava que não era necessário consagração legal
especifica, sendo isso que acontece na prática da administração portuguesa, mas
isso não é aceitável de acordo com os princípios da Administração. A
superintendência também não se presume, sendo os poderes em que ela se
consubstancia aqueles que a lei confere.
21 São orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que
lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e as formas a adotar para atingir esses objetivos.
22 São conselhos emitidos sem força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento.
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