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Inês Godinho

Direito Administrativo
Apontamentos do Curso de Direito Administrativo - Diogo Freitas do Amaral

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Inês Godinho

A Administração Pública
Conceito de Administração: todo o conjunto de necessidades coletiva cuja satisfação é
assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de serviços por esta
organizados e mantidos. Assim, onde quer que exista e se manifeste com intensidade
suficiente uma necessidade coletiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfazê-
la, em nome e no interesse da coletividade. Importa, contudo, perceber que nem todos
os serviços têm a mesma origem ou a mesma natureza, mas existem e funcionam para
a mesma finalidade, a satisfação das necessidades públicas. A Administração Pública
tem uma esfera privativa que consiste, em síntese, nas necessidades coletivas de 3
espécies fundamentais: segurança, cultura e bem-estar. A realização da justiça, apesar
de necessidade coletiva, está fora da esfera de competência da administração, pois
considera ao poder judicial. Todas as restantes necessidades coletivas entram na esfera
da administração.
Vários sentidos da expressão “administração pública”:

• Administração Pública em sentido orgânico/subjetivo: utilizada como sinónimo


de organização, não se limitando ao Estado, incluindo vários organismos e
entidades: a administração pública não é uma atividade exclusiva do Estado. O
Estado não apenas composto por órgãos e serviços centrais, situados em Lisboa
e com competência estendida sobre todo o território nacional, mas compreende
também órgãos e serviços espalhados pelo litoral e interior onde desenvolvem
de forma desconcentrada funções de interesse geral ajustadas às realidades
locais. Ao lado do Estado há outras entidades, com personalidade jurídica
própria (não se confundido por isso com o Estado), que que desenvolvem
atividades administrativas- RA, municípios, freguesias, universidades, institutos
públicos, empresas públicas, associações públicas, entre outras. A Administração
estadual assume um papel principal face às demais formas de Administração
Pública, contudo as restantes formas (Ex. forma autónomas de administração-
municípios e freguesias- sendo a lei que regula os seus estatutos jurídicos
limitando-se a reconhecer uma realidade pré-existente) continuam a assumir
relevância (lado a lado com o princípio da descentralização) e a existir. As formas
de administração estadual indireta- entidades juridicamente distintas do Estado
que são incumbidas de exercer, por devolução de poderes, uma atividade
administrativa materialmente do Estado- são outra modalidade de
administração. Há entidades de direito privado que desenvolvem também a
atividade administrativa, podendo ser criadas pelo Estado ou por outras pessoas
coletivas públicas- devem ser consideradas como parte da administração pública
(Ex. Empresas Públicas). Por fim, a atividade administrativa pode ainda ser
exercida por particulares, através de entidades de formas privadas, que
colaboram com a Administração Pública na prossecução de fins públicos e são
regidas por muitas normas de Direito Administrativo, apesar de não deverem ser
consideradas parte da Administração Pública (Ex. Sociedades Concessionárias e
instituições particulares de solidariedade social). «Administração Pública em

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sentido orgânico» é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem


como as demais pessoas coletivas públicas, e de algumas entidades privadas, que
asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das
necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar.
• Administração Pública em sentido material/objetivo: utilizada como sinónimo de
atividade de administrar. O que é administrar? Em geral, é tomar decisões e
efetuar operações com vista à satisfação regular de determinadas necessidades,
obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais
convenientes. A «Administração Pública em sentido material» é a atividade
típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder
político, desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação
regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar
económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o
controlo dos tribunais competentes. Todos os fins do Estado (além da justiça) se
realizam através da administração pública. Qual é o conteúdo material da
Administração Pública? Inicialmente a função administrativa era concebida
como atividade meramente executiva da lei. Contudo, na segunda metade do
século XX, percebe-se que à Administração Pública não cabe apenas promover a
execução das leis, devendo também executar diretrizes e opções fundamentais
pelo poder político e ainda realizar toda uma outra serie de atividades que não
revestem natureza executiva (Ex. estudo de problemas, preparação de
legislação, gestão financeira, planeamento económico-social, produção de bens,
prestação de serviços, atribuição de subsídios). Importa, no entanto, perceber
que estas atividades devem ser sempre realizadas com base na lei, mas já não
consistem numa mera execução da lei. Esta conceção está presente no artigo
199º da CRP, que embora na sua alínea c) apresente a competência
administrativa do governo como a tarefa de assegurar a boa execução das leis,
apresenta ainda na alínea g) uma clausula geral de largo alcance para atividade
administrativa. A Administração Pública em sentido material caracteriza-se
como atividade típica, distinta das demais, não se confundindo com a
administração privada nem como outras atividades públicas não administrativas.
• Administração Pública em sentido formal: tem a ver com o modo próprio de agir
que caracteriza a administração pública em determinados sistemas de
administração.
A Administração Pública e a Administração Privada: Distinguem-se pelo objeto sobre
que incidem, pelo fim que visam prosseguir e pelos meios que utilizam.

Administração Pública Administração Privada


Objeto1 Necessidades coletivas Necessidades individuais, ou
necessidades de grupo, mas que
não atingem a generalidade de
uma coletividade inteira.

1Por vezes o Objeto da Administração Pública pode coincidir com o da Administração Privada, mas não se tratar de
uma necessidade coletiva cuja satisfação a coletividade chame a si e exerça os seus próprios serviços (Ex. Padaria).

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Fim Interesses Públicos Fins pessoais ou particulares2


Meios A administração não pode ser Meios jurídicos caracterizados
paralisada pelas resistências pela igualdade entre as partes,
individuais que se lhe deparem, de destacando-se o contrato como
cada vez que o interesse coletivo instrumento típico das relações
exigir uma participação, um privadas.
contributo ou um sacrifício
individual a bem da coletividade,
tendo, por isso, determinados
meios de autoridade3, que
possibilitam às entidades e serviços
públicos impor-se aos particulares
sem ter que aguardar o seu
consentimento ou, mesmo, fazê-lo
contra a sua vontade. O contrato
administrativo é então uma
exceção, predominando o
regulamento administrativo (ato
normativo) e o ato administrativo
(decisão concreta e individual).
Atuação Devido aos meios confiados a esta, Os sujeitos particulares, em
está sujeita a restrições, encargos e regra não estão sujeitos a estas
deveres especiais, de natureza restrições, encargos e deveres
jurídica, moral e financeira que a lei especiais, na prossecução
estabelece para acautelar e normal das suas atividades de
defender o interesse público. administração privada.

Política e Administração Pública: Muitas vezes não é fácil a distinção entre estas, pois o
órgão supremo da administração é simultaneamente o órgão político fundamental- O
Governo- e, muitas vezes os atos praticados no exercício de ambas as atividades se
confundem (podendo haver atos políticos com mero significado administrativo e atos
administrativos com alto significado político). A política e a administração pública não
são realidades separadas e intocáveis: a administração púbica sofre uma influência
direta da política, sendo o seu âmbito, as funções e os meios de administração variáveis
consoante a opção política fundamental. Toda a administração é também execução ou
desenvolvimento de uma política, sendo por vezes esta que se impõe e sobrepõe à
autoridade política, caindo-se então no exercício do poder pelos funcionários. Apesar
do expresso, existem diferenças claras:
→Quanto ao fim: a Administração realiza em termos concretos o interesse geral que foi
definido pela política, tendo esta como fim definir o interesse geral da coletividade.

2 O facto de o resultado das atividades privadas ser socialmente útil à coletividade não significa que o fim dessa
administração privada seja a prossecução direta do interesse geral: o fim é a prossecução de um interesse particular
que coincide com o interesse público (Ex. o interesse da padaria não é alimentar as pessoas, ainda que acaba por o
fazer).
3 As empresas públicas não exercem poderes de autoridade, mas são titulares de poder públicos lato sensu.

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→Quanto ao objeto: A política tem como objeto as grandes opções que o país enfrenta
ao traçar os rumos do seu destino coletivo. Por outro lado, a administração tem como
objetivo a satisfação regular e continua das necessidades coletivas de segurança e bem-
estar económico e social.
→Quanto à natureza: a Política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe inovar em tudo
o quanto seja fundamental para a conservação e desenvolvimento da comunidade. A
Administração, por outro lado, tem uma natureza executiva, que consiste em pôr em
prática as orientações tomadas a nível político.
→Quanto ao caráter: a Política tem um caráter livre e primário, sendo limitada por
certas zonas da CRP. A administração tem um caráter secundário e condicionado,
estando subordinada às orientações políticas e à legislação.
→Quanto aos órgãos: A política pertence os órgãos superiores do Estado (eleitos
diretamente pelo povo a nível nacional), enquanto que a administração pertence aos
órgãos secundários (nomeados ou eleitos por colégios eleitorais restritos), a
funcionários e agentes administrativos e numerosas entidades e organismos não
estaduais.
Legislação e Administração Pública: A função legislativa encontra-se no mesmo plano
que a função política e, portanto, a distinção anteriormente apresentada, aplica-se
igualmente. A administração pública é uma atividade totalmente subordinada à lei: “a
lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a atividade administrativa”. No entanto,
estas duas realidades têm pontos de contacto: existem leis que materialmente têm
decisões de caráter administrativo; há atos de administração que materialmente
revestem todos os caracteres de lei, faltando-lhes apenas a forma e a eficácia da lei; e,
por fim, os casos em que a própria lei se deixa completar por atos da Administração.
Justiça e Administração Pública: Têm traços em comum, pois são ambas atividades
secundárias, executivas e subordinadas à lei. As atividades frequentemente se
entrecruzam, podendo haver dificuldade em distingui-las: a administração pode praticar
atos jurisdicionalizados, assim como os tribunais podem praticar atos materialmente
administrativos. A Administração tal como está subordinada à lei, está também
submissa aos tribunais, para apreciação e fiscalização dos seus atos e comportamentos.
Contudo importa tratar também das diferenças:

Justiça Administração Pública


Visa aplicar o direito a casos concretos. Visa prosseguir interesses gerais da
coletividade.
Aguarda passivamente que lhe tragam Toma ativamente a iniciativa de satisfazer
conflitos sobre os quais se tem de as necessidades coletivas que lhe estão
pronunciar. confiadas.
Está acima dos interesses, é Defende e prossegue os interesses
desinteressada, não é parte nos conflitos coletivos a seu cargo, é parte interessada.
que decide.

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Assegurada por tribunais cujos juízes são Exercida por órgãos e agentes
independentes no seu julgamento e hierarquizados: os subalternos
inamovíveis no seu cargo. dependem dos seus superiores, devendo-
lhes obediência e podendo ser
transferidos ou removidos livremente
para cargo ou lugar diverso.

Atividade de Gestão Pública e de Gestão Privada: A gestão pública é aquela que designa
a atividade pública da administração. Por outro lado, a gestão privada é aquela que
designa a atividade que administração desempenha utilizando meios de direito privado
(ainda que sempre para fins de interesse público). Assim, a gestão privada é a atividade
da Administração Pública desenvolvida sob a égide direito privado e a gestão pública é
a atividade da Administração desenvolvida sobre a égide do Direito Administrativo,
incluindo o Direito Fiscal. Os atos de gestão privada são aqueles que compreendem uma
atividade em que a pessoa coletiva, despida de poder público, se encontra numa posição
de paridade com os particulares a que os atos respeitam e, portanto, nas mesmas
condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão
às normas de direito privado. Por outro lado, são atos de gestão pública os que
compreendem o exercício de um poder ou dever público, integrando eles mesmo a
realização de uma função pública da pessoa coletiva, independentemente de
envolverem ou não o exercício de meios de coação e independentemente das regras
técnicas que na prática dos atos devam ser observadas. O atual CPA no seu artigo 2º/3
apresenta que a atividade de gestão privada está sujeita a uma disciplina pública: Pública
(devem seguir os princípios fundamentais do direito público) e Privada. Tem sempre de
existir uma lei administrativa prévia a remeter para o direito privado, ara que a
Administração 1possa colocar determinada atuação sob égide do direito privado, como
forma de respeito ao artigo 266º/1 CRP. É o direito administrativo que define e controla
os termos da atuação que a Administração puder empreender com base no direito
privado, não regulando apenas a atividade de gestão pública, mas também os termos e
limites da atividade administrativa de gestão privada
Organização Administrativa
O artigo 199º/ alínea d) da CRP apresenta-nos a competência administrativa do governo,
de onde podemos retirar 3 modalidades de administração pública: Administração
direta; Administração Indireta; e Administração Autónoma. Por outro lado, o artigo
267º/3 da CRP apresenta-nos uma outra modalidade de Administração: a Administração
independente, assim designada pela ausência de relação de subordinação em relação
ao Governo, enquanto órgão superior da administração pública (198º CRP).
O Estado é uma pessoa coletiva autónoma, não confundível com os governantes que o
dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com outras entidades autónomas
que integram a Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação.
O Estado, RA, autarquias locais, associações públicas, institutos públicos e empresas
públicas constituem todos entidades distintas, cada qual com a sua personalidade

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jurídica, com o seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com as suas
atribuições e competências, com as suas finanças, com o seu pessoal. No plano
internacional, o Estado abrange os cidadãos e o conjuntos de pessoas coletivas públicas
e privadas constituídas no território. Contudo, no plano administrativo, não engloba.
Na ordem interna (ao contrário da ordem externa) o Governo não pode substituir-se a
nenhum dos municípios existentes, os quais são independentes (44º LAL). Sendo
pessoas coletivas diferentes, o Estado e quaisquer outras entidades administrativas
autónomas estabelecem verdadeiras relações jurídicas.
Assim, o Presidente da República, o Governo (e também os membros do governo
individualmente considerados) e a Assembleia da República são órgãos da pessoa
coletiva Estado. Outros órgãos do Estado são os diretores gerais e diretores de finanças.
Por outro lado, os ministérios, as secretarias de Estado, as direções gerais e as
repartições de finanças são serviços públicos do Estado.
Espécies de Administração do Estado
➢ Administração Central do Estado: órgãos e serviços do Estado que exercem
competência extensiva a todo o território nacional.
➢ Administração Local do Estado: órgãos e serviços locais instalados em diversos
pontos do território nacional e com competência limitada a certas áreas. Importa
perceber que existem formas de administração local que não pertencem ao
Estado (administração regional e administração autárquica). O Estado tem ainda
vários serviços locais seus (repartições de finanças, direções regionais de
educação, circunscrições florestais), nada tendo a ver com os serviços locais das
autarquias locais. Os primeiros pertencem à pessoa coletiva Estado e dependem
em último do Governo, os segundos pertencem aos municípios da respetiva área
e dependem das câmaras municipais correspondentes.
➢ Administração Direta do Estado: é a atividade exercida por serviços integrados
na pessoa coletiva Estado. Constitui um instrumento para o desempenho dos
fins do Estado, estando submetida ao poder de direção do Governo (199º alínea
d). Encontra-se estruturada em termos hierárquicos, isto é, de acordo com um
modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e
agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de
direção e ao subalterno o dever de obediência. Isto advém do princípio de
instrumentalidade, pois se os subalternos não se achassem vinculados a um
dever de obediência claro e preciso, a administração do Estado deixada de ser
subordinada e passava a ser autónoma ou independente. O Provedor de Justiça,
O Conselho Económico e Social, a Comissão Nacional de Eleições, a Entidade
reguladora da Comunicação Social e outros órgãos de natureza análoga são
órgãos da administração central direta do Estado, mas independentes, pois não
dependem do Governo.
➢ Administração Indireta do Estado: é a atividade que, embora desenvolvida para
a realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas
do Estado. Sujeita apenas à superintendência e tutela do Governo. Contudo,

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estas entidades ainda prosseguem as atribuições do Estado. Estamos presentes


a prossecução de atribuições do Estado feita através de outras pessoas coletivas
distintas do Estado, que são dotadas de autonomia administrativa ou
administrativa e financeira.
➢ Administração Central Desconcentrada: pode haver e há dentro do Estado
serviços com autonomia, sendo serviços do Estado, mas não dependendo
diretamente de ordens do governo, estando autonomizados, tendo órgãos
próprios de direção ou de gestão (Ex. maior parte das escolas secundárias
públicas).
Administração Periférica
Fala-se em “periferia” para designar as áreas territoriais, situadas fora da capital do País,
em que a Administração atua, ou seja, os órgãos e serviços locais e os sedeados nos
estrangeiro. Uma coisa são as autarquias locais, outra são os órgãos periféricos da
administração central, que tanto podem ser órgãos locais do Estado como órgãos
exteriores do Estado, como órgãos locais de institutos públicos como ainda órgãos
externos de empresas públicas.
Assim, a administração periférica é o conjunto de órgãos e serviços de pessoas coletivas
públicas que dispõe de competência limitada a uma área territorial restrita, e funcionam
sob a direção dos correspondentes órgãos centrais. A competência dos órgãos é limitada
em função do território, nunca abrange a totalidade do território nacional, e funcionam
sempre na dependência hierárquica dos órgãos centrais da pessoa coletiva pública a que
pertencem.
Espécies:
a) Órgãos e serviços locais do Estado (Administração local do Estado) - ex. PSP,
direções distritais de finanças, serviços de saúde.
b) Órgãos e serviços locais de institutos públicos e de associações públicas;
c) Órgãos e serviços externos do Estado;
d) Órgãos e serviços externos de institutos públicos e associações públicas.
Às alíneas a) e b) dá-se o nome de administração periférica interna. Às alíneas c) e d) dá-
se o nome de administração periférica externa. Às alíneas a) e c) dá-se o nome de
administração periférica do Estado.
A transferência dos serviços periféricos: A situação normal e corrente consiste em os
serviços periféricos estarem na dependências dos órgãos próprios da pessoa coletiva a
que pertencem. No entanto, pode acontecer que a lei num propósito de forte
descentralização, atribua a direção superior de determinados serviços periféricos a
órgãos da autarquia local, tendo estas de gerir os seus próprios serviços e também os
serviços periféricos de outra entidade. Os serviços mantém a natureza estatal, mas a lei
encarrega as autarquias locais de os dirigir (transfere-se os serviços estaduais para a
administração municipal). Em Portugal, só excecionalmente isto acontece, havendo
antes a criação e desenvolvimento de cada vez mais um amplo conjunto de serviços

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periféricos. O Estado é então detentor de uma grande e poderosa administração central


e ao mesmo tempo, de uma vastíssima administração periférica, nele integrada em
regime de centralização, ainda que em alguns casos possa haver um grau de
descentralização. Esta é aliás uma das razões para o Estado se encontrar hoje
hipertrofiado.
Existe uma importante exceção neste sistema: a transferência dos serviços periféricos
do Estado para a dependência dos órgãos de governo próprios das regiões autónomas
dos Açores e Madeira, o que se enquadra na política de regionalização e de autonomia
das regiões insulares, tendo isto até apoio num preceito constitucional: 227º/1 alínea
o).
Administração Local do Estado
A Administração local do estado assenta sobre três ordens de elementos:
a) Divisão do território: leva à demarcação de áreas ou zonas, ou circunscrições,
que servem para definir a competência dos órgãos e serviços locais do Estado. A
essas áreas costuma-se chamar “circunscrições administrativas”, isto é, são as
zonas existentes no país para efeitos de administração local (porções de
território onde atuam órgãos locais do Estado). A divisão administrativa divide-
se em divisão militar e divisão civil/comum do território, que por sua vez se
subdivide em divisão administrativa para efeitos de administração local do
Estado e para efeitos de administração local autárquica, podendo estas não
coincidir. A divisão para efeitos de administração local do Estado básica geral é
atualmente uma divisão em distritos e concelhos. Contudo, a divisão para efeitos
especiais em certos casos não coincide com esta. Para efeitos de administração
local autárquica, o território divide-se em freguesias e municípios.
b) Os órgãos locais do Estado: são os centros de decisão dispersos pelo território
nacional, mas habilitados por lei a resolver assuntos administrativos em nome
do Estado, nomeadamente face a outras entidades públicas e aos particulares
em geral. A tendência é o aumento constante do número destes órgãos locais do
Estado, criados e robustecidos num propósito de desconcentração de poderes.
Os órgãos locais do Estado são órgãos da pessoa coletiva Estado que, na
dependência hierárquica do Governo, exercem uma competência limitada a
certa circunscrição administrativa. Dependem hierarquicamente do Governo e,
por conseguinte, devem obediência às ordens e instruções do Governo (fazem
parte da administração direta).
c) Os serviços locais do Estado: são os serviços públicos encarregados de preparar
e executar as decisões dos diferentes órgãos locais do Estado. Hoje, o principais
serviços são as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

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Administração Indireta Do Estado


Características

 É uma atividade que o Estado transfere, por sua decisão, para outras entidades
distintas dele. A essa transferência chama-se devolução de poderes, pois o
Estado transmite uma parte dos seus poderes para entidades que não se
encontram integradas nele.
 Atividade exercida no interesse do Estado, mas é desempenhada pelas entidades
a quem está confiada em nome próprio e não em nome do Estado. Os atos
praticados por tais entidades são atos deles, não atos do Governo.
 O Estado é que se responsabiliza financeiramente, pois entra com capitais iniciais
necessários para pôr de pé em organizações e é este que paga os prejuízos se a
exploração for deficitária.
 Porque a atividade é exercida no interesse do Estado, é natural que em
contrapartida o Estado tenha sobre essas entidades e organismos consideráveis
poderes de intervenção: poder de nomear e demitir os dirigentes; possui o poder
de lhes dar instruções e diretivas de modo a exercer a sua atividade; e poder de
fiscalizar e controlar a forma como tal atividade é desempenhada.
 A atividade é exercida em nome próprio pelas entidades, ainda que seja exercida
no interesse do Estado.
 Pelas dívidas contraídas o património da entidade é responsável em primeira
linha.
 Sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo (199º alínea
d).
 A decisão de criar estas entidades cabe ao Estado e continua a ser hoje
essencialmente livre, dado o caráter muito ténue dos condicionalismos
estabelecidos pelo legislador.
 As entidades dispõem de autonomia administrativa e financeira, tomando elas
as suas próprias decisões, gerindo a sua organização, cobrando as suas receitas,
realizando as suas despesas, organizando as suas contas.
 Estas entidades complementam o Estado, estando próximas dele, ligadas a ele e
relacionadas com ele (“entidades para-estatais”).
 Regra geral têm uma dimensão nacional, isto é, competência para todo o
território nacional, embora possam dispor de serviços locais.
 O grau de autonomia, isto é, o maior ou menos distanciamento em relação ao
Estado, é variável: nível máximo (empresas públicas empresariais); posição
intermédia (organismos de coordenação económica- Ex. Instituto dos Vinhos do
Douro e do Porto), visto que a sua atividade também comporta funções de
autoridade, pois tem poderes regulamentares, de fiscalização e de coordenação;
nível mínimo (organismos que funcionam como verdadeiras direções-gerais do
ministério a que respeitam, embora sejam organismos distintos do Estado- Ex.
Instituto Português do Desporto e Juventude), a autonomia é meramente
aparente.

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Institutos Públicos4
Conceito: pessoa coletiva pública de tipo institucional, criada para assegurar o
desempenho de determinadas funções administrativas de caráter não empresarial,
pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
➢ É dotado de personalidade jurídica;
➢ O seu substrato é uma instituição: assenta sobre uma organização de caráter
material e não sobre um agrupamento de pessoas;
➢ Tem como missão assegurar o desempenho de funções administrativas, e,
portanto, não há institutos públicos para o exercício de funções privadas nem
para o desempenho de funções públicas não administrativas;
➢ As atribuições dos institutos públicos não podem ser indeterminadas, ou seja,
não podem abranger uma multiplicidade genérica de fins, sendo entidades de
fins singulares;
➢ Desempenham atividades de caráter não empresarial, distinguindo-se por isso
das empresas públicas;
➢ Caráter indireto da administração exercida por qualquer instituto público, pois
as funções que lhe são atribuídas não lhe pertencem como funções próprias,
antes devem considerar-se funções que de raiz pertencem a outra entidade
pública;
➢ Pode acontecer que as funções atribuída a um dado instituto, sejam por sua vez
desdobradas e transferidas em parte para outro instituto público menor (esse
que consideramos subinstituto público).
Espécies:
a) Serviços Personalizados: são os serviços públicos de caráter administrativo a que a
lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e
financeira. Contudo, como já referimos não são verdadeiras instituições
independentes, pois são departamentos do tipo “direção-geral” aos quais a lei dá
personalidade jurídica e autonomia só para que possam desempenhar melhor as
suas funções. Neste grupo encontramos uma subespécie, que são os organismos de
coordenação económica, isto é, serviços personalizados do Estado que se destinam
a coordenar e regular o exercício de determinadas atividades económicas, que pela
sua importância merecem umam intervenção mais vigorosa do Estado (Ex. Instituto
da Vinha e do Vinho; Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto). Estes destinam-se a
dar efetividade à intervenção do Estado sobre a produção ou comércio de certos
produtos mais importantes na vida económica do país. Também poderiam ser
direções gerais de um ministério, simplesmente entendeu-se que não seria
conveniente a intervenção através de direções gerais organizadas em forma

4 Muitas leis administrativas ainda se referem aos institutos públicos como “serviços personalizados do Estado”.
Contudo apesar de todos os serviços personalizados serem institutos públicos, nem todos os institutos públicos são
serviços personalizados. Outra consideração a fazer é a de que existem alguns casos de institutos públicos que não
são estaduais, tendo âmbito regional ou municipal, os quais emanam e dependem de governos regionais ou câmaras
municipais. Qualquer pessoa coletiva pública pode ter uma administração indireta composta por entidades jurídicas
criadas por devolução de poderes.

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burocrática, até porque estes organismos podem precisar de intervir no mercado


através de operações económicas próprias, o que não seria facilmente realizável
pelo Estado através da sua estrutura típica. O certo é que a atividade administrativa
e a gestão económica e financeira destes organismos estão sujeitas a uma apertada
fiscalização do Estado.
b) Fundações Públicas: é uma fundação que reveste natureza de pessoa coletiva. São
pessoas coletivas de direito público, sem fim lucrativo, com órgãos e património
próprio e autonomia administrativa e financeira. Resultam na iniciativa pública,
traduzida em atos de direito público. Trata-se de patrimónios que são afetados à
prossecução de fins públicos especiais, sendo o reconhecimento exigido para a
atribuição de personalidade resultante diretamente do ato jurídico. Público de
instituição. Para um instituto público ser fundação pública deve ser parte
considerável das receitas assente em rendimentos do seu património e dedicar-se a
“finalidades de interesse social”. Poderemos ainda falar em “fundações públicas de
direito privado”, isto é, fundações criadas por entidades públicas isoladamente ou
em conjunto com entidades privadas, embora estas nunca possam deter uma
influência dominante e que embora dotadas de personalidade jurídica de direito
público, a sua atividade é regulada maioritariamente por regras de direito privado
(Ex. Universidade de Aveiro e Universidade do Porto). Contudo, estas não deixam de
estar vinculadas aos princípios constitucionais de direito administrativo, aos
princípios gerais da atividade administrativa, às garantias de imparcialidade e ao
regime da contratação pública, incluindo os princípios da publicidade, concorrência
e não discriminação na contratação pessoal. Na medida em que pratiquem atos de
autoridade os correspondentes litígios são regulados pelas leis do contencioso
administrativo. O legislador veio proibir a criação de novas fundações públicas de
direito privado (57º/1 LQF).
c) Estabelecimentos Públicos: Institutos públicos de caráter cultural ou social,
organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações
individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam (Ex. Universidades
públicas que não ser converteram em fundações públicas de direito privado ou os
hospitais do Estado que não foram convertidos em entidades públicas empresariais).
Por vezes não é fácil distinguir as modalidades de instituto público, e por isso recorremos
a um critério prático: se o instituto pertence ao organograma dos serviços centrais de
um Ministério, e desempenha atribuições deste no mesmo plano que as respetivas
direções-gerais, é um serviço personalizado do Estado; se o instituto assenta
basicamente num património, existe para o administrar e vive dos resultados da gestão
financeira desse património, é uma fundação pública; se não é uma direção-geral
personalizada, nem um património, mas um estabelecimento aberto ao público
destinado a fazer prestações de caráter cultural ou social aos cidadãos, é um
estabelecimento público.
As universidades constituem hoje uma modalidade de institutos públicos estaduais,
caracterizados pelo seu funcionamento participado e por um elevado grau de
autonomia garantido constitucionalmente (76º).

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Regime Jurídico dos Institutos Públicos


A Lei Quadro dos Institutos Públicos5 contém a regulamentação genericamente aplicável
aos institutos públicos estaduais e regionais.
São criados mediante ato legislativo, modificados e extintos mediante ato de valor igual
ou superior ou que os tenha criado. O seu órgão principal é normalmente o conselho
diretivo. Os presidentes dos órgãos são órgãos do instituto público e órgão do Estado.
Os seus serviços podem ser locais ou centrais segundo o que os estatutos dispuserem.
O Estado tem poderes de tutela e superintendência sobre estes. Estão genericamente
sujeitos ao Código de Processo Administrativo (regime de direito público). Os institutos
podem delegar ou conceder algumas das suas atribuições a entidades privadas,
juntamento com os poderes necessários para o efeito. O artigo 5º/1 alínea d) vai contra
o determinado no artigo 2º73 do CPA, sendo até inconstitucional por pretender isentar
a atividade privada do respeito pelos princípios a que a constituição (266º) impõe
genericamente a todos os entes da Administração Pública, qualquer que seja a forma
jurídica adotada na sua atividade.
Natureza Jurídica: Os institutos como substrato institucional autónomo, com
personalidade jurídica própria e diferente do Estado (e tudo o que isso acarreta),
podendo ter dentro de certos limites interesses públicos próprios, eventualmente
contrários aos do Estado, e poderão, por conseguinte, impugnar contenciosamente atos
de órgãos do estado ou propor ações contra o estado.
Empresas Públicas
Prevenções Iniciais
➢ Nem todas são de raiz estadual e de âmbito nacional, pois há empresas públicas
regionais e locais, não fazendo parte da administração do estado indireta, mas
sim regional ou municipal indireta. Contudo, as empresas públicas estaduais são
as mais importantes, em número e peso específico.
➢ Importa atender a diferença entre empresas públicas que são pessoas coletivas
e empresas públicas que não o são. Isto significa que nem todas as empresas
públicas são pessoas coletivas, pois não têm personalidade jurídica nem
autonomia administrativa e financeira, estão por isso, integradas na pessoa
coletiva estado, ou integradas em regiões autónomas ou em municípios (são os
serviços municipalizados, isto é, têm autonomia administrativa e financeira, mas
sem personalidade jurídica)
➢ Empresas nacionalizadas (eram empresas privadas e foram transformadas por
nacionalização em empresas públicas) são uma espécie de empresa pública,
sendo todas elas empresas públicas, mas nem todas as empresas públicas são

5 Não significa que estamos presentes uma lei de valor reforçado, pois isso seria ir contra o artigo 112º/3 CRP. Isto
tem como consequência a possibilidade de uma lei orgânica de um determinado instituto público regular a
organização e o funcionamento em termos diversos dos estatuídos na “Lei-Quadro”. Tratando-se de um novo
instituto ou um instituto objeto de reestruturação ou fusão, vale o que ficar estabelecido na lei orgânica
independentemente da relação de conformidade ou desconformidade aos preceitos correspondentes da LQIP.

12
Inês Godinho

empresas nacionalizadas, pois poderão ser criadas ex novo pelo Estado, ou


resultar da transformação de serviços burocráticos ou do regate de uma
concessão (o Estado chama a si a exploração direta, criando uma empresa
pública, pondo termo a uma concessão de um serviço público).
O setor empresarial do Estado (SEE)- Lei nº 133/2013
Três espécies de empresas que fazem parte deste:
a) Empresas públicas sob forma privada: sociedades controladas pelo Estado.
b) Empresas públicas sob forma pública, também chamadas entidades públicas
empresariais (E. P.E).
c) Empresas privadas participadas pelo Estado, que não são empresas públicas,
mas integram o SEE.
Conceito: a empresa pública é uma organização económica de fim lucrativo, criadas e
controladas por entidades por entidades jurídicas públicas. É uma empresa em sentido
económico, isto é, são unidades produtivas que têm por finalidade institucional,
intrínseca, dar lucro. Convém reter que as empresas poderão não dar lucro ou este
poderá não ser obrigatoriamente distribuído pelos acionistas que isso não faz com que
não sejam empresas. O que significa uma empresa ter caráter público? Ter a maioria de
capitais públicos, isto é, o financiamento inicial que forma o capital da empresa é
público; ou então, o Estado ou outras entidades públicas possuem direitos especiais de
controlo, exercendo uma influência dominante (9º/1) - controlam os órgãos da
administração e fiscalização da empresa. Estas duas caraterísticas normalmente
verificam-se em conjunto, mas basta uma delas para que a empresa seja considerada
pública. Hoje, o traço característico da empresa pública não é o caráter público do
capital, mas antes a sujeição legal ou estatuária da empresa ao controlo da
Administração Pública.
Quais os motivos de criação de empresas públicas? Por um lado, motivos políticos e
económicos que levam a transformar uma atividade privada em atividade pública e, por
outro, motivos administrativos e financeiros que levam a converter uma atividade
pública burocrática em atividade pública empresarial. Exemplos de motivos: Domínio de
posições-chave da economia; Modernização e eficiência da Administração; Aplicação de
uma sanção política; Execução de um programa ideológico; Necessidade de um
monopólio.
Espécies de Empresas Públicas
a) Quanto à titularidade: podem ser estaduais, regionais ou municipais, conforme
pertençam ao Estado, a uma região autónoma ou a um município.
b) Quanto à natureza jurídica: podem ser empresas públicas com personalidade
jurídica ou sem personalidade jurídica (serviços autónomos e serviços
municipalizados).
c) Quanto à forma: podem ser sob forma privada (sociedades comerciais formadas com
capitais exclusivamente públicos ou com maioria do capital público ou ainda nas

13
Inês Godinho

quais a Administração Pública tem direitos especiais de controlo) ou sob forma


pública (empresas públicas que sejam pessoas coletivas públicas).
d) Quanto ao objeto: distinguem-se consoante tenham ou não por objeto a exploração
de um serviço público (as que asseguram distribuição de água, gás ou eletricidade e
as que exploram telecomunicações ou os transportes coletivos) ou de um serviço de
interesse económico geral (as que se destinem a financiar investimentos públicos ou
as que tenham em vista cobrar rendimentos para o Estado).
Missão e enquadramento das empresas públicas
Vigora o princípio da dupla missão6 das empresas públicas: por um lado contribuir para
o equilíbrio económico-financeiro do setor público (através de dar lucro, não podendo
ser tão deficitárias que constituam um peso para os dinheiros públicos: “dever de dar
lucro”); e por outro, contribuir para a obtenção de níveis adequados de satisfação das
necessidades coletivas (sendo instrumentos do Estado devem proporcionar em grau
elevado a satisfação das necessidades coletivas- finalidade do Estado).
O enquadramento atual das empresas públicas está muito influenciado pelo Direito da
União Europeia e pelas apertadas normas de direito da concorrência (15º).
Consequências: a existência de empresas públicas que atuem em regime de monopólio
é excecional; nenhuma empresa pública pode furtar-se à observância de normas sobre
a concorrência; das relações entre o Estado e as suas empresas públicas não pode
resultar situações que violem ou restrinjam a concorrência; as empresas públicas que se
vejam colocadas em situação económica não podem pedir nem obter auxílios do Estado,
porque isto põe em causa do jogo da concorrência.
Regime jurídico das empresas públicas
O diploma 133/2013 traduziu um importante reforço dos poderes de intervenção do
Governo e, em especial, do Ministério das Finanças na vida das empresas públicas,
mesmo daquelas que se organizam sob forma privada. Este diploma também regula as
empresas participadas, que não se encontram no conceito de empresas públicas (5º),
mas sim no de empresas de interesse coletivo.
Criação e Extinção das empresas públicas
A criação de empresas públicas sob forma de sociedade é feita nos termos aplicáveis à
constituição de sociedades comerciais. Por outro lado, a criação das entidades públicas
empresariais é feita por decreto-lei, o qual aprovará também os restantes estatutos.
Contudo importa perceber que a criação de uma empresa pública sob forma privada
depende da autorização do Ministro das Finanças e do Ministro responsável pelo setor
de atividade da empresa. A inexistência desta autorização determina a nulidade de
todos os atos e negócios jurídicos relativos à constituição da empresa.
A extinção das empresas públicas sob forma privada faz-se nos termos prescritos na lei
comercial para as sociedades ou, no caso das E. P.E faz-se mediante decreto-lei, o qual
6Que estava presente no D.L nº 558/99 e que, mesmo não estado presente no diploma atual, o autor considera que
ainda vigora.

14
Inês Godinho

em certos aspetos pode remeter para a lei comercial, mas esta só é aplicável se o
decreto-lei de extinção para ela remeter diretamente. No caso de as empresas públicas
apresentarem capital próprio negativo por um período de 3 exercícios económicos
consecutivos, devem os órgãos da Administração da empresa propor ao Ministro das
Finanças, a extinção da empresa ou implementação de medidas concretas destinadas a
superar a situação deficitária.
Órgãos
A ambos os tipos se aplica as regras próprias do Código das Sociedades Comerciais (às
primeiras diretamente e as segundas por remissão do artigo 60º/1). No entanto, a lei
prevê regras especificas de Direito Administrativo relativas à composição e
funcionamento dos órgãos de administração e fiscalização das empresas públicas:
tenham um modelo de governo societário que assegure a efetiva separação entre as
funções de administração executiva e as funções de fiscalização; os órgãos de
administração e fiscalização devem ser ajustados à dimensão e complexidade da
empresa; o órgão da administração deve integrar 3 membros, salvo quando dimensão e
complexidade da empresa justificar uma composição diversa.
Além disto, a lei atribui ao titular da função acionista (Ministro das Finanças) o poder de
definir, nos estatutos de cada empresa, a concreta configuração dos órgãos de
administração e de fiscalização, de acordo com o disposto nos estatutos das empresas
públicas e no Código das Sociedades Comerciais. A designação dos administradores é
feita por deliberação do Conselho de Ministros (em regra), nos termos previstos no
Estatuto do Gestor Público. O conselho de administração integra sempre um elemento
proposto pelo Ministro das Finanças, a quem compete aprovar expressamente qualquer
matéria com impacto financeiro superior a 1% do ativo líquido da empresa. No órgão de
administração é ainda obrigatória a presença de representantes da Direção-Geral do
Tesouro e Finanças. As funções do órgão de fiscalização são em regra assumidas pelo
conselho fiscal, composto por um máximo de 3 membros sendo um deles
obrigatoriamente designado sobre proposta da Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
Superintendência e tutela do governo
O governo tem sobre as empresas públicas o poder de superintendência e tutela,
intervindo com a finalidade principal de definir os objetivos a atingir e os meios e modos
a empregar para atingi-los. As empresas públicas gozam de autonomia, mas não de
independência, pois desenvolvem uma administração estadual indireta, e não se
autoadministram. Isto significa que: os seus órgãos dispõem de autonomia de gestão,
mas têm de se conformar com os objetivos fixados pelo Governo; as empresas públicas
pertencem ao Estado; os conselhos de administração representam o Governo que as
nomeou.
Poderes do Governo face às empresas públicas:
➢ Definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros;

15
Inês Godinho

➢ Exercício dos direitos do Estado, como acionista, através do Ministro das


Finanças em articulação com o ministro responsável pelo setor da atividade da
empresa;
➢ Definição da política setorial a prosseguir e as orientações especificas de cariz
setorial aplicáveis a cada empresa, assim como os objetivos a alcançar pela
empresa e o nível de serviço público a prestar;
➢ Aprovação do plano de atividades e orçamento da empresa pelo Ministro das
Finanças em articulação com o ministro responsável pelo setor da atividade da
empresa;
➢ Sujeição a autorização do Ministro das Finanças da realização de operações que
se traduzam na prestação de garantias em benefício de outra entidade ou
assunção de responsabilidades que ultrapassem o orçamento atual da empresa;
➢ Controlo financeiro através da Inspeção-Geral de Finanças destinado a averiguar
a legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão;
➢ Exigência de informações sobre a vida económica e financeira da empresa.
Para além dos poderes de superintendência “normais” é reforçado o controlo
económico-financeiro por parte do Ministro das Finanças, o que explica que em caso de
apresentarem capital próprio negativo, só podem aceder a financiamento junto de
instituições de crédito com prévia autorização da Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
Princípio da gestão privada
As empresas públicas de um modo geral estão sujeitas ao direito privado, sendo a
atividade que desenvolvem, não de gestão pública, mas de gestão privada. As empresas
públicas são organismos que precisam de grande liberdade de ação, de uma grande
maleabilidade e flexibilidade no seu modo de funcionamento, precisando então de ter
um regime especial, diverso do das direções-gerais dos ministérios e da generalidade
dos serviços burocráticos. Assim, o legislador considerou que as empresas públicas só
poderão funcionar devidamente e com êxito, se puderem legalmente aplicar os
métodos próprios das empresas privadas, devendo desse modo, atuar em termos de
gestão privada, ou seja, devem poder desempenhar as suas atividades de acordo com
as regras próprias do direito privado, em especial o Direito Comercial. Num outro plano,
o resume aplicável às empresas públicas é o regime do contrato de trabalho privado e
não o regime de trabalho em funções públicas, pois é a única maneira de conservar
pessoal particularmente qualificado, pagando-lhe em funções das exigências e
indicações próprias do mercado de trabalho.
É o próprio Direito Administrativo que manda aplicar às empresas públicas o direito
privado (artigo 14º/1). Por outro lado, aplica-se não só o direito privado, mas também o
direito público que versa especificamente sobre a atividade económica das empresas
privadas (Direito Fiscal, Direito Processual Civil, Direito Penal Económico). Contudo, em
certos casos, as empresas públicas podem precisar de combinar o recurso ao direito
privado com a possibilidade de lançar mão do direito público, sempre que necessário
(22º/1). Mas note-se que a gestão privada é a regra geral e o recurso à gestão pública é
estabelecida em situações excecionais e na medida do estritamente necessário à

16
Inês Godinho

prossecução do interesse público, e somente por intermédio da lei ou de um contrato


de concessão.
Corolários e limites ao princípio da gestão privada:
a) Contabilidade empresarial das empresas públicas, fazendo-se de acordo com
regras próprias da contabilidade comercial ou industrial;
b) Fiscalização das contas por parte do Tribunal de Contas e da Inspeção-Geral De
Finanças;
c) Regime jurídico do pessoal é o do contrato individual de trabalho, contudo a lei
prevê a aplicação do regime de trabalhador em funções públicas em certas
matérias (Ex. subsídio de refeição; abono de ajudas de custo);
d) Regime da Segurança Social aplicável às duas modalidades;
e) Impostos do pessoal: quem trabalha numa empresa pública paga impostos sobre
o rendimento, nos mesmos termos em que os pagam aqueles que trabalham ao
serviço das empresas privadas;
f) As empresas públicas pagam impostos ao Estado como se fossem empresas
privas;
g) Sujeitas ao regime comercial;
h) Compete aos tribunais judiciais o julgamento da generalidade dos litígios em que
seja parte uma empresa pública, não ficando a fiscalização da atividade das
empresas públicas submetida aos tribunais administrativos, pois exercem a sua
atividade em gestão privada. Apenas é da competência dos tribunais
administrativos os litígios que surjam do exercício de poderes de autoridade nos
casos excecionais já referidos;
i) Não é possível intentar contra qualquer empresa pública processo de falência ou
insolvência, salvo no caso em que determinar decreto-lei que procedeu à criação
da empresa.
Administração Autónoma
A Administração autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das
pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência
a orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do
Governo. Assim, esta não deve obediência a ordens ou instruções do Governo, nem tão
pouco a quaisquer diretivas ou orientações dele emanadas. O governo só pode exercer
sobre a administração autónoma um poder de tutela (199º alínea d), 229º/4 e 242º
CRP), meramente de fiscalização ou controlo.
Espécies (em todas há um substrato humano)
➢ Entidades de tipo associativo: Associações Públicas;
➢ Pessoas coletivas de população e território: Autarquias Locais e Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira (numa posição especial, tendo
especificidades importantes, pois não são apenas entidades administrativas,
apresentando-se também como um fenómeno de descentralização política, que
envolve a transferência para os órgãos regionais de significativos poderes

17
Inês Godinho

legislativos. Não se pode, contudo, excluir a hipótese de, em circunstâncias


delimitadas, o Governo da República fiscalizar certas funções executivas evadas
a cabo pelas administrações regionais- 229º/4 CRP).

1. Associações Públicas
Conceito: pessoas coletivas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente
a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas
que se organizam com esse fim (pessoa coletiva de fim singular). Caracterizam-se pela
sua heterogeneidade, quanto ao tipo de associados e fins prosseguidos, refletindo essa
diversidade nos regimes aplicáveis. Existem associações públicas de entes públicos, de
entes particulares e simultaneamente de entidades privadas e públicas.
A constituição apresenta no seu artigo 267º/4 que o legislador parlamentar só pode
constituir associações públicas para a satisfação de necessidades especificas que
nomeadamente não se podem sobrepor ou confundir com as funções próprias das
associações sindicais.
Espécies: associações de entidades públicas, associações de entidades privadas e
associações de caráter misto.

 Associações de entidades públicas (ou consórcios públicos): os exemplos mais


relevantes são as áreas metropolitanas (pessoas públicas de natureza associativa
de âmbito territorial, que visam a prossecução de interesses públicos comuns
aos municípios que as integram), as comunidades intermunicipais (são
constituídas por contrato outorgado pelos presidentes dos órgãos executivos
dos municípios envolvidos. Os estatutos da associação são instrumentos de
direito privado, mas têm o seu conteúdo mínimo definido por lei), as associações
de municípios e de freguesias de fins específicos (a liberdade de constituição e
adesão é bastante maior do que nos casos anteriores) e os consórcios entre
estabelecimentos de ensino superior.
 Associações de entidades privadas: são exemplos destas ordens profissionais
(curso superior dos associados), as câmaras profissionais (curso intermédio dos
associados), a Casa do Douro e as academias científicas e culturais.
 Associações de caráter misto: numa mesma associação agrupam-se pessoas
coletivas públicas e pessoas coletivas privadas, havendo associados públicos e
particulares. Exemplos disso são Entidades Regionais de Turismo, centros de
formação profissional de gestão partilhada, cooperativas de interesse público e
centros teológicos
Regime Constitucional e legal: Não existe um diploma que regule as associações públicas
no seu conjunto, contudo existem diplomas que regulam as espécies mais importantes:
LAL e LAPP (criação, organização e funcionamento das associações públicas
profissionais). As associações públicas estão vinculadas diretamente por diversos

18
Inês Godinho

princípio e regras constitucionais (165º/1 alínea s)7; 199º alínea d)8 (generalidade das
associações); 247º; 253º (associações de entes autárquicos); 267º/1; 267º/49
(associações de entes privadas). Este regime é complementado por legislação ordinária.
Contudo, isso não significa que desenvolvam a sua atividade submetidas exclusivamente
a normas de direito público, visto que o recurso ao direito privado é aqui crescente. As
entidades atuam necessariamente segundo as regras do direito público quando querem
agir munidas de poder de autoridade. Em contrapartida, quando desenvolvem
atividades instrumentais, seguem normalmente o direito privado.

• Ordens profissionais: Associações públicas formadas pelos membros de certas


profissões de interesse público com o fim de, por devolução de poderes do
Estado, regular e disciplinar o exercício da respetiva atividade profissional.
Funções: de representação da profissão face ao exterior; de apoio aos seus
membros; de regulação da profissão (é nesta que reside o interesse público
justificativo da criação); administrativas e acessórias ou instrumentais. Dispõem
de poder regulamentar e de poder de praticar atos administrativos. O regime
legal destas tem como traços: unicidade; filiação obrigatória; quotização
obrigatória; autoadministração; poder disciplinar. As ordens profissionais põem
em causa/restringem a liberdade de associação e a liberdade de profissão.
Natureza jurídica das associações públicas: Considera que hoje a generalidade10 das
associações públicas se integra na administração autónoma. É a prossecução de
interesses públicos que, primeiramente, são também interesses próprios dos associados
que leva à sua formação. A gestão das associações cabe aos seus próprios órgãos, cujos
titulares são designados democraticamente pelos associados. Optou-se pela atribuição
de um amplo grau de autonomia a essas entidades, sobre as quais se renuncia ao poder
de orientação ou superintendência, mantendo-se a possibilidade de exercer tutela
administrativa. As associações públicas de entes privados são associações com estatuto
de direito público (o seu regime deve ser delineado, interpretado e aplicado tendo em
conta as liberdades de associação e profissão e os demais direitos fundamentais dos
seus membros). Por outro lado, as associações públicas de entes públicos são entidades
públicas de tipo associativo (o regime tem de ser pensado considerando o estatuto
jurídico-político dos entes que as compõe e não à luz dos direitos fundamentais dos
associados). As associações públicas mistas de entes públicos e privados hão-de oscilar
em função da sua configuração concreta entre as duas visões. A natureza jurídica das

7 Isto não significa que todas as associações públicas tenham de ser constituídas por lei parlamentar ou decreto-lei
autorizado. Mas os traços mais importantes do regime de cada uma das diferentes categorias de associações públicas
(forma de criação, regime de inscrição, atribuições, modo de funcionamento, prerrogativas públicas, normativas e
disciplinares) têm de ser definidos pelo legislador parlamentar, ou sob autorização, pelo legislador governamental.
Assim, a autonomia estatuária e normativa das associações públicas começam apenas onde acaba a reserva
estabelecida na alínea s) do artigo 165º.
8 Tutela inspetiva de legalidade, mas admite-se a previsão legal expressa de tutela de mérito e até de

superintendência.
9
O artigo apresenta uma regra de excecionalidade, isto e, o legislador necessita de justificar bem a criação das
associações públicas com a existência de necessidades especificas com projeção na própria Constituição.
10 Não todas, uma vez que o Estado podem criar uma pessoa coletiva de tipo associativo para prosseguir fins

marcadamente estaduais, e em que a estrutura associativa não passe de uma ficção.

19
Inês Godinho

associações é importante para determinar o regime supletivo que se lhes aplica: às


comunidades intermunicipais e associações de municípios e freguesias de fins
específicos aplica-se no momento da constituição o regime das associações do CC e
posteriormente no que respeita ao funcionamento dos seus órgãos e à sua atividade
aplica-se a totalidade das vinculações próprias da sua natureza publica; às associações
públicas de entes privados aplica-se as atribuições e exercício de poderes públicos o
regime do CPA e os demais princípios gerais do direito administrativo, e para a
organização interna aplica-se o regime civilista.
2. Autarquias Locais
A existência de autarquias locais é um imperativo Constitucional: artigo 235º CRP.
Conceito:
➔ Artigo 235º/2: são pessoas coletivas públicas territoriais (assentam sobre uma
fração do território), que respondem à necessidade de assegurar a prossecução
de interesses próprios de um certo agregado populacional, justamente aquele
que reside nessa fração de território.
➔ Freitas do Amaral: pessoas coletivas públicas de população e território,
correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do
território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns
resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos
respetivos habitantes.
As autarquias são todas e cada uma delas pessoas coletivas distintas do Estado. Estas
não fazem parte do Estado, não são o Estado e não pertencem ao Estado. São entidades
independentes e completamente distintas do Estado, embora possam por ele ser
fiscalizadas, controladas ou subsidiadas. Não são instrumentos da ação do Estado, mas
formas autónomas de organização das populações locais residentes nas respetivas
áreas. As autarquias desenvolvem uma atividade administrativa própria e não uma
atividade estadual (não são administração indireta).
Elementos essenciais das Autarquias Locais:
a) Território: permite identificar a autarquia local, definir a população respetiva e
delimitar as atribuições e competências da autarquia em razão do lugar;
b) Agregado populacional: é em função dele que se definem os interesses a
prosseguir pela autarquia também é este que constitui o substrato humano da
autarquia. Os membros da autarquia tem direitos (direito de voto) e deveres
(pagar impostos locais) específicos;
c) Interesses comuns: as autarquias formam-se para prosseguir interesses
privativos das populações locais, resultantes do facto de elas conviverem numa
área restrita. É isto que justifica que ao lado do Estado (cuja organização e
atuação cobre todo o território) existam entidades destinadas a tratar dos
interesses locais (Autarquia Locais);

20
Inês Godinho

d) Órgãos representativos: são eleitos em eleições livres pelas respetivas


populações e só nessa medida se pode considerar que são as próprias
populações locais que se administram a si mesmas.
A existência de autarquias locais e o reconhecimento da sua autonomia face ao poder
central traduzem-se no conceito de descentralização. Ou seja, havendo autarquias
locais, enquanto pessoas coletivas distintas do Estado e dele juridicamente separadas,
poderá dizer-se que há descentralização em sentido jurídico, pois as tarefas da
administração pública são desempenhadas por várias pessoas coletivas e não só pelo
Estado. Quando para além disto, existe uma descentralização em sentido político, isto é,
os órgãos representativos são eleitos livremente pelas populações locais, estamos na
presença de um fenómeno denominado autoadministração (as populações
administram-se a si próprias). Noutro sentido, poderá existir poder local sempre que as
autarquias locais sejam verdadeiramente autónomas, com um amplo grau de
autonomia administrativa e financeira, isto é, quando sejam suficientemente largas as
suas atribuições e competências, e estas sejam dotadas dos meios humanos e técnicos
necessários, bem como dos recursos materiais suficientes para as prosseguir e exercer
e, ainda, quando não sejam excessivamente controladas pela tutela administrativa e
financeira do poder central. Em Portugal não existe poder local, porque as competências
das autarquias locais são restritas, os meios humanos e técnicos escassos, os recursos
financeiros claramente insuficientes e a tutela do Estado sobre as autarquias locais
aumentou fortemente nos últimos anos.
Princípio da autonomia local11: A autonomia local como espaço de livre decisão das
autarquias sobre assuntos do seu interesse próprio não pode ser dispensada, sob pena
de se atentar contra o princípio do Estado Democrático, pois esta é indissociável do
Estado de Direito Democrático. Contudo, hoje nem sempre é nítida a separação entre
zona dos interesses nacionais e zona dos interesses locais, havendo a necessidade de
conjugar intervenções de várias entidades, em especial do Estado e do Município. O
princípio da autonomia local engloba: uma intervenção exclusiva das autarquias, direito
de participação na definição de políticas nacionais que afetem interesses locais, poderes
decisórios independentes e o direito de recusar soluções importas unilateralmente pelo
poder central.
Espécies de autarquias locais: (1) Freguesias e (2) Municípios.
Regime jurídico das autarquias locais:
➢ Constituição (“Poder Local”) apresenta princípios gerais: divisão do território;
descentralização; património e finanças locais; órgãos dirigentes; correção de
desigualdade; referendo local; poder regulamentar; tutela administrativa;
pessoal próprio; apoio do Estado. Muitos dos aspetos das autarquias locais são
reserva absoluta ou relativa da Assembleia da República.
➢ Lei nº 75/2013;
➢ Lei nº 169/99;

11 Carta Europeia de Autonomia Local (1985).

21
Inês Godinho

➢ Lei nº 27/96;
➢ Lei Orgânica nº 1/2001 (Eleição Autárquicas):
➢ Lei nº 29/87 (Estatuto dos Eleitos Locais).

(1) Freguesias 12
Conceito: são autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução
de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial
(sinónimo de freguesia).
Importância da freguesia: atualmente um grande número de freguesias puderam obter
do seu município ou do estado, verbas suficiente para construírem boas sedes onde
funcionam importantes serviços. Por outro lado, a sua ação tem sido crescentemente
ampliada e reforçada. A lei tem permitindo também a realização de protocolos entre
freguesias e instituições públicas, particulares e cooperativas que desenvolvam a sua
atividade em domínios tais como a proteção de património paroquial, a gestão de
equipamentos sociais e a assistência social, educativa e cultural. Favorecem também a
delegação de competências das Câmaras nas Juntas de Freguesias. Contudo, isto não
tem sido acompanhada da dotação das freguesias com mais meios humanos e materiais,
o que as impede de desempenhar com eficácia a sua ação. Importa perceber que o
aumento da importância das freguesias se mostra um imperativo constitucional,
alicerçado no princípio da subsidiariedade e da descentralização.
Criação de freguesias: O artigo 164º alínea n) apresenta que o regime de criação,
modificação e extinção de autarquias locais é competência absoluta da Assembleia da
República. Contudo, a lei nº22/2012 só regula a extinção das freguesias, havendo assim
uma inconstitucionalidade por omissão, por não existir um regime de criação.
Atribuições da freguesia (artigo 7º LAL): as atribuições da freguesia são autónomas face
às do município e as apresentadas no artigo são meramente exemplificativas. Quais são
as principais atribuições? (1) realizam o recenseamento eleitoral e é através dos seus
serviços que desenrolam diversos processos eleitorais de caráter político e
administrativo; (2) ocupam-se da administração dos seus bens e dos bens sujeitos à sua
jurisdição e promovem obras públicas, nomeadamente a construção e manutenção de
caminhos públicos; (3) desenrolam uma ação importante sobretudo em matéria de
cultura popular, assistência social e saúde pública. O artigo 131º LAL permitem que os
municípios deleguem competências nas freguesias mediante a celebração de um
contrato interadminsitrativo, que tem de ser autorizado pela Assembleia Municipal e
pela Assembleia de Freguesia. Contudo, a lei considera que estão delegadas nas juntas
de freguesia um conjunto significativo de competências das câmaras municipais, sem
necessidade de contrato de delegação(132º), mas na qual se exige par o exercício das
competências por parte das juntas de um acordo de execução (prevê os recursos
humanos, patrimoniais e financeiros necessários ao exercício das competências

12A Lei nº 22/2012 aprovou o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, o qual extingue
várias freguesias, através de fusão ou agregação.

22
Inês Godinho

delegadas- 133º). As freguesias podem, por deliberação da assembleia, delegar tarefas


administrativas, desde que não envolvam o exercício de poderes de autoridade, nas
organizações de moradores (248º CRP e 9º/1 h) LAL).
Órgãos da freguesia:
(I) Órgão deliberativo e representativo dos habitantes: Assembleia de Freguesia, na
qual os titulares são eleitos diretamente pelos eleitores da freguesia. O número de
membros varia em função do número de eleitores recenseados em cada freguesia.
Tem como competências (9º e 10º LAL): eleger a Junta de Freguesia; acompanhar a
atividade da Junta, controlando e superintendendo o seu funcionamento; discutir
orçamentos e as contas, estabelecer normas gerais, aprovar regulamentos,
constituir grupos de trabalho para o estudo dos problemas na freguesia, lançar
tributos; decidir casos concretos mais importantes. Nas freguesias de com reduzido
número de eleitores, não se constitui uma Assembleia de Freguesia, sendo as
funções desempenhadas pelo Plenário dos cidadãos eleitores.
(II) Órgão executivo: Junta de Freguesia, na qual os seus titulares são eleitos
indiretamente pelos titulares eleitos para a Assembleia de Freguesia. É constituída
por um presidente (pessoa que encabeçou a lista mais votada para a Assembleia de
Freguesia) e um certo número de vogais (dependendo do número de habitantes da
freguesia- 24º LCFA). Tem como competências (16º a 19º LAL): função executiva, de
estudo e proposta, de gestão, de fomento, de colaboração (em especial, no âmbito
do ordenamento do território e urbanismo, e em geral). O Presidente da Junta é
membro da junta, mas também é um órgão executivo das deliberações da própria
junta (18º LAL).
Associações de Freguesias: Regime é apresentado nos artigos 63º, 64º, 65º, 108º, 109º
e 110º da LAL.
Organizações de Moradores (263º e seguintes CRP): entidades que agrupam o conjunto
de moradores de um bairro, de um loteamento urbano, de uma rua, ou até só de um
prédio, com vista à defesa e promoção dos interesses comuns aos residentes na
respetiva área. A Constituição não quis incluí-las no elenco de pessoas coletivas públicas,
mas permite que as Assembleias de Freguesia lhes deleguem o desempenho de tarefas
administrativas que não envolvam o exercício de poderes de autoridade (248º). Não
existem nenhuma lei que defina o regime jurídico das organizações de moradores.
(2) Município
Conceito: autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da população
residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos.
Importância prática: É a mais importante de todas as espécies de autarquias locais. É a
única autarquia local que tem existência universal e que sempre se tem mantendo na
nossa organização administrativa. Chama a si a responsabilidade por um número
significativo de serviços prestados à comunidade, por consideráveis investimentos
públicos. Empregam um número significativo de funcionários públicos. Tende a

23
Inês Godinho

movimentar uma percentagem cada vez mais significativa do total das finanças públicas,
bem como a estar investida em poderes tributários alargados, face ao número crescente
de atribuições que o Estado lhe transfere.
Criação, extinção e modificação de municípios: Compete à Assembleia da República,
através de lei, a criação de municípios, desde que respeitados os requisitos financeiros
e geodemográficos aí previstos (Lei nº 142/85).
Fronteiras, designação, categoria e símbolos dos municípios: É através da delimitação
do território das freguesias abrangidas em cada município que se fica a saber qual a
delimitação do território do município. E se surgirem dúvidas acerca da linha da
demarcação do território de uma freguesia ou de um município, a quem pertence a
competência para as resolver? Pertence aos tribunais administrativos, salvo se a
Assembleia da República decidir legislar sobre a matéria. Se se pretender alterar esses
limites, só poderá ser isto regulado através de lei da Assembleia da República. Quanto
aos símbolos, o artigo 25º/2 alínea n) atribui à assembleia municipal a competência para
estabelecer a constituição do brasão, selo e bandeira do município.
Atribuições Municipais: No plano do legislador (“de jure condendo”), na atualidade
assiste-se ao embate de duas tendências opostas, a tendência para a centralização
económica e a tendência para a descentralização administrativa. Esta última funda-se
na própria noção de democracia, da ideia de participação dos cidadãos na vida pública
e no princípio da subsidiariedade, havendo uma vontade de reforçar a atuação dos
municípios e lhes conceder um número maior de atribuições, o que permite reforçar o
princípio de autonomia local (113º LAL). O elenco das atribuições municipais depende
muito das opções públicas da maioria que em cada momento detiver o poder e também
das tradições históricas, culturais e sociais de cada país, o que torna difícil delimitar em
concreto as atribuições dos municípios. Como mostra o artigo 23º, o “de jure condito”
(plano do direito legislado), mostra a adoção de um sistema misto para definir as
atribuições dos municípios. Ou seja, existe uma clausula geral (nº1) ao lado de uma
enumeração meramente exemplificativa (nº2), não se excluindo a existência de outras.
Transferência de competências dos órgãos do Estado para os órgãos do município:
Segundo a LAL, a descentralização administrativa será atingida através de:
➢ Transferência legal de competências: esta faz-se por ato legislativo, em termos
definitivos13 e universais, isto é, sem previsão de duração e para todos os
municípios. O presente no artigo 115º pretende impedir que a transferência seja
meramente formal, isto é, que se atribuam novos poderes às autarquias sem os
meios necessários para o seu exercício. Deverá haver, antes desta transferência,
promover a realização de estudos (115º/3 alíneas a), b) e c)).
➢ Delegação de competências: a lei prevê um modelo de transferência de
competências assente num acordo de vontades (116º LAL) - contrato

13 Isto não se traduz numa proibição de futura revogação, pois a LAL não é uma lei de valor reforçado, não tendo por
isso, a virtualidade de condicionar o exercício futuro do poder legislativo. Mas a revogação vai confrontar-se com as
exigências constitucionais decorrentes dos princípios de descentralização e da subsidiariedade.

24
Inês Godinho

interadminsitrativo (enquadram-se na figura de contratos sobre o exercício de


poderes públicos). Difere da tradicional delegação de poderes, pois é um
instrumento de descentralização administrativa (ao contrário da outra que é um
instrumento de desconcentração administrativa) e não pressupõe poderes de
controlo do delegante sobre o exercício da competência (o detentor originário
da competência não pode interferir no modo como ela é exercida após a
celebração do contrato). A delegação apenas pode ocorrer em relação a
competências delegáveis, as quais têm de ser previamente fixadas por lei, devido
ao princípio da irrenunciabilidade da competência. Esta delegação pode cessar
por caducidade, revogação, denúncia ou resolução. Contudo, não pode originar
a quebra ou descontinuidade da prestação do serviço público.
Sistema de governo municipal português: o que significa o artigo 239º/1 da CRP? Na
opinião do autor significa que a Assembleia Municipal pode destituir a Câmara
Municipal, pois em direito público quando se diz que um órgão é responsável perante
outro, significa que o segundo pode demitir o primeiro ou destituí-lo, retirando-lhe a
confiança. Por outro lado, a Assembleia Municipal tem o poder de aprovar ou rejeitar a
proposta de orçamento anual apresentada pela Câmara, impedindo a Câmara de
exercer as suas funções se não aprovar, visto que a esta não pode exercer funções até à
aprovação do orçamento. Nessa situação, a Câmara ou cede à Assembleia ou se demite.
Outro indício esta dependência da Câmara face à Assembleia é o artigo 53º/1 alínea l)
da LCFA onde se permite à Assembleia Municipal votar moções de censura à Câmara,
embora seja omissão quanto à consequência de aprovação.
Órgãos do Município:
(A) Assembleia Municipal: é o órgão deliberativo do município, funcionando como um
parlamento municipal. É constituída em parte por membros eleitos e em parte por
membros por inerência (presidentes das juntas de freguesia), não podendo o
número de membros diretamente eleitos ser inferior ao dos presidentes das juntas
de freguesia. A sua mesa é constituída por um Presidente e dois secretários. Os
membros da Assembleia Municipal exercem as suas funções gratuitamente. O
artigos 25º e 27º da LAL regulam as competências (funções de orientação geral do
município, de fiscalização da Câmara, de regulamentação, tributária e de decisão
superior14) e o funcionamento da Assembleia Municipal, respetivamente.
(B) Câmara Municipal: é o órgão executivo do município a quem está atribuída a festão
permanente dos assuntos municipais (é o “corpo administrativo” do município). É
diretamente eleito pela população, sendo composta pelo Presidente da Câmara e
pelos vereadores (57º LCFA). O presidente é o primeiro candidato da lista mais
votada, não sendo a sua eleição separada da dos vereadores. O número de
vereadores varia consoante a dimensão do município (59º LCFA). As funções de
Presidente e de vereador são remuneradas. A Câmara Municipal está em sessão
permanente (período especial em que se efetuam reuniões), não isso não significa

14 Sem ser no caso da fiscalização da Câmara, a Assembleia está dependente da iniciativa ou proposta da Câmara para
o exercício dessas competências.

25
Inês Godinho

que esteja em reunião permanentemente (encontros que em cada dia se verificam):


a sessão dura todo o ano, as reuniões são uma por semana, em principio, podendo
ser de 15 em 15 dias se a camara decidir (40º/1 LAL). O artigo 33º LAL apresenta-nos
as competências da Câmara: funções preparatória e executiva; consultiva; de
gestão; de fomento; e de decisão. A forma de exercício da competência da Câmara
Municipal que constitui regra é a de exercício coletivo, reunida em colégio (ao
contrário do Governo). Exceções: competência é exercida pelo Presidente da
Câmara por delegação; a competência delegada no Presidente é por este
subdelegada nos vereadores; competência pode, sob autorização da Assembleia
Municipal e da Assembleia de Freguesia ser exercida por uma ou mais juntas de
freguesia (contrato de delegação de competências ou acordo de execução); e a
competência pode ser exercida pelo Presidente, sem delegação, quando as
circunstâncias o exigirem. Neste último caso, as decisões do Presidente estão
sujeitas a ratificação da Câmara obrigatoriamente, sob pena de se tornar anulável.
(C) Presidente da Câmara Municipal: Apesar do apresentado no artigo 250º da CRP, o
presidente da Câmara Municipal é um órgão do município. Os artigos 35º e 34º/1 da
LAL apresentam um elenco vasto de competências próprias deste (funções
presidencial, executiva, decisória e interlocutória) e competências delegadas. Hoje,
este é apenas um órgão do município e não órgão do Estado simultaneamente.
(D) Conselho Municipal de Educação15
(E) Conselho Municipal de Segurança16
Serviços municipais: Têm como função a preparação e a execução de decisões que virão
a ser tomadas pelos órgãos. Podemos ter:
➢ Serviços municipais em sentido restrito: serviços do município que não dispõem
de autonomia, sendo diretamente geridos por órgãos principais do município.
Regulados no decreto-lei nº305/2009, o qual reconhece uma grande margem de
autonomia aos municípios para definir a estrutura e as atribuições dos serviços.
As políticas municipais são consideradas serviços municipais (Lei nº 19/2004).
➢ Serviços municipalizados: encontram-se na estrutura empresarial municipal
(Regime Jurídico do Setor Empresarial Local, RSEL) ao lado das empresas públicas
municipais. Estes não têm personalidade jurídica, integrando-se na pessoa
coletiva município. São criados por deliberação da assembleia municipal, a quem
cabe também acompanhar e fiscalizar a sua atividade. A lei permite a existência
de serviços intermunicipalizados criados por dois ou mais municípios, com vista
À satisfação das necessidades das respetivas populações. As empresas públicas
locais são pessoas coletivas de direito privado, de tipo societário, constituídas ou
participadas nos termos da lei comercial, mas quais a entidade pública
participante (pode ser um município, associação de municípios ou área
metropolitana) exerce uma influência dominante. É regulada pelo RSEL e
subsidiariamente pelo RSPE). Estas estão sujeitas ao princípio de tipicidade do

15
Órgão consultivo e de coordenação da política educativa.
16 Órgão de natureza consultiva, de articulação, informação e cooperação.

26
Inês Godinho

seu objeto, isto é, só podem prosseguir as atividades expressamente previstas


na lei e o seu objeto social tem de se inserir nas atribuições da entidade que a
constitua. A entidade pública participante exerce sobre a empresa local poderes
de superintendência e de tutela análogos aos exercidos pelo Governo sobre as
empresas públicas que integram a administração indireta do Estado.
Associações de Municípios: consistem em agrupamentos de municípios para a realização
conjugada de interesses específicos comuns. Estas poderão ter personalidade jurídica
ou não, sendo, portanto, uma pessoa coletiva diferente dos municípios agrupados, ou
por outro lado, apenas uma modalidade de coordenação entre municípios. O diploma
que rege estas associações é a LAL nos seus artigos 108º a 110º. São associações de
entidades públicas. Nada impede que cada município possa pertencer a várias
associações de fins específicos. Estão sujeitas a tutela administrativa do Governo, nos
mesmos termos das autarquias locais e enquanto pessoas de direito pública regem a
sua atividade pelo Direito Administrativo.
Intervenção do Estado na administração municipal (Lei nº 27/96)

• A tutela do Estado sobre as autarquias locais só pode ter como objeto a


legalidade da atuação destas, e não também o mérito das suas decisões (242º/1).
• A tutela reveste duas modalidades: inspetiva e integrativa.
• A titularidade da tutela é do Governo, através do Ministro das Finanças e do
ministro competente em matéria de administração local (Ministro da
Administração Interna).
• A Tutela inspetiva poderá ser exercida mediante uma sindicância (desconfia-se
da existência de uma situação geral de ilegalidades numerosas imputáveis a
vários indivíduos) ou um inquérito (inspeção de rotina, ou verificar a legalidade
de certo ato ou do comportamento de dado individuo). Podem ser ordenados
por iniciativa própria ou mediante denúncia de outros órgãos ou particulares. A
inspeção é levada a cabo por funcionários do Estado, devendo os órgãos e
agentes visados colaborar com estes. Reunidos os elementos de prova, redigem
um relatório sujeito a apreciação pelo membro do Governo. Esse decide se
arquiva o relatório ou o envia para o representante do Ministério Público para
que este no prazo de 20 dias proponha uma ação judicial.
• São os tribunais administrativos que têm o poder de declarar a perda do
mandato dos autarcas locais e ainda de decidir sobre a dissolução dos órgãos
autárquicos, quando lhe forem imputáveis ações ou omissões ilegais graves.
• Determinada a dissolução do órgão, o tribunal notifica o Governo, podendo
acontecer 3 situações:
➢ Se for a Assembleia de Freguesia ou a Câmara Municipal é nomeada uma
comissão administrativa para gerir assuntos correntes até às novas
eleições, que hão-de ter lugar no máximo de 90 dias;
➢ Se for a Assembleia Municipal devem ser marcadas novas eleições num
prazo máximo de 90 dias;

27
Inês Godinho

➢ Se for a Junta de Freguesia ou órgãos equiparados de outras pessoas


coletivas de base autárquica (assembleias intermunicipais, assembleias
metropolitanas) tem de se proceder à nova eleição para designação dos
titulares.
• Tem de haver culpa como pressuposto de aplicação das decisões da perda de
mandato e dissolução de órgão colegial.
• Os autarcas a quem tenha sido aplicada a sanção de perda do mandato ou que
fossem membros de um órgão dissolvido (salvo se não participaram nas votações
ou tiverem votado contra nas deliberações que hajam dado causa à dissolução),
ficam impedidos de fazer parte da comissão administrativa prevista no artigo
14º. A inelegibilidade só ocorre na sequência de condenação em crimes de
responsabilidade.
• A dissolução da assembleia de freguesia implica necessariamente a dissolução
da Junta de Freguesia.
Formas de democracia participativa no âmbito local: Referendo Local (240º CRP e Lei
Orgânica nº 4/2000), Direito de Petição (traduzido na possibilidade de apresentação aos
órgãos de governo local de pedidos), Direito de intervenção nas reuniões dos órgãos
colegiais autárquicos (com vista à prestação de esclarecimentos); Direito de requerer a
convocação de reuniões extraordinárias dos órgãos deliberativos autárquicos.
Áreas Metropolitanas e as Comunidades Intermunicipais: Ambas são associações de
autarquias locais e representam formas de cooperação intermunicipal caracterizadas
pela exclusividade e pela contiguidade territorial (compostas por municípios ligados
territorialmente e a sua área geográfica de atuação corresponde às Nuts III). Existem,
contudo, algumas diferenças: caráter voluntário (comunidades intermunicipais) ou legal
(áreas metropolitanas) da sua instituição; o alcance das suas atribuições (um pouco mais
vasto no caso da área metropolitana) e a estrutura orgânica adequada (mais complexa
nas comunidades intermunicipais). A LAL regula a criação e atribuições destas entidades.
As áreas metropolitanas têm como órgãos: o conselho metropolitano; a comissão
executiva metropolitana; e o conselho estratégico para o desenvolvimento
metropolitano (órgão consultivo). As comunidades intermunicipais têm como órgãos:
assembleia intermunicipal (constituída por membros de cada assembleia municipal);
conselho intermunicipal (constituída pelos presidentes das câmaras municipais);
secretariando executivo intermunicipal; e o conselho estratégico para o
desenvolvimento intermunicipal (órgão consultivo). Sistema de Governo nas
comunidades intermunicipais: o órgão executivo responde perante as assembleias
municipais dos municípios que integram esta comunidade, podendo ser demitido em
resultado de uma moção de censura pela maioria das assembleias municipais; responde
ainda perante os órgãos deliberativos da entidade intermunicipal respetiva; o
secretariado executivo pode ser demitido quer pela assembleia intermunicipal quer pelo
conselho intermunicipal. O sistema de Governo nas áreas metropolitanas: a comissão
executiva pode ser demitida pelo conselho metropolitano.

28
Inês Godinho

O Facto de estas configurarem formas de cooperação intermunicipal para a realização


de fins gerais, torna-as desconformes a CRP por força do princípio da tipicidade da noção
de autarquia, que resulta do enunciado do artigo 236º/2. Por outro lado, a concessão
de poder regulamentar a entidades cujos órgãos deliberativos não têm legitimidade
democrática direta representa uma violação do artigo 241º.
Administração Regional Autónoma
As regiões autónomas são pessoas coletivas de direito público, de população e território,
que pela constituição dispõem de um estatuto político-administrativo privativo e de
órgãos de governo próprio democraticamente legitimados, com competências
legislativas e administrativas para a prossecução dos seus fins específicos. O artigo 225º
CRP estabelece os fundamentos, fins e limites da autonomia político-administrativa dos
Açores e Madeira. Segundo os artigos 6º, 225º e 288º, Portugal é um Estado unitário
regional, parcial (só tem 2 RA e não se prevê a criação de RA no Continente) e
homogéneo (as duas regiões autónimas têm estatutos político-administrativos
específicos e idênticos).
Sistema do governo regional: As regiões autónomas têm 2 órgãos próprios- Represente
da República, Assembleia Legislativa e Governo Regional. O Governo é responsável
politicamente perante a Assembleia, dependendo da vontade desta a manutenções de
funções do primeiro, pois a Assembleia detém amplos poderes de fiscalização. Por outro
lado, indiretamente, a manutenção de funções do Governo depende também do
Representante da República que pode dissolver a Assembleia, obrigando à realização de
novas eleições e substituição do governo. Assim, as características são essencialmente
de um sistema de tipo parlamentar, mas apresenta também algumas particularidades
decorrentes da sua integração num Estado unitário (poderes pontuais de intervenção
do PR).
Órgãos:
➢ Representante da República: livremente escolhido pelo PR, dispondo de
competências da função política do Estado e não competências administrativas;
➢ Assembleia Legislativa: eleita por sufrágio universal (todos os recenseados nas
RA) direto e secreto, regendo-se a eleição pelo princípio da representação
proporcional. Para além das competências legislativas e políticas, detém
também competências de natureza administrativa (227º/1 alínea d) e 232ºº/1):
regulamentar, no âmbito regional, toda a legislação emanada dos órgãos de
soberania, quando estes não reservem para si essa regulamentação. Só a
Assembleia pode regulamentar a legislação nacional aplicável nas RA. Os artigos
44º/1 e 41º/1 dos Estados dos Açores e da Madeira apresentam que os atos por
meio dos quais a Assembleia exerce as suas competências regulamentares
revestem a forma externa de decreto legislativo regional. Isto poderá ir contra o
artigo 112º/6, pois cria-se uma categoria particular de atos legislativos de
natureza mista, que são decretos legislativos regionais pela forma, mas que se
caracterizam por possuir uma índole materialmente regulamentar.

29
Inês Godinho

➢ Governo Regional: é o órgão executivo de condução da política regional e o


órgão superior da administração publica regional. Ele é formado de acordo com
os resultados eleitorais para a Assembleia. Só entra em plenitude de funções
quando apresentar na Assembleia o seu programa governamental e de este ser
aí debatido e apreciado (e, no caso da Madeira, formalmente aprovado). A
Assembleia controla a sua subsistência e a sua atividade, através das moções de
censura e confiança e das perguntas, debates e inquéritos parlamentares. O
artigo 231º/6 apresenta o princípio geral da auto-organização dos órgãos
complexos e dos órgãos colegiais. No entanto, como o Governo Regional não
tem competências legislativas, a lei orgânica do Governo não é uma lei, mas
assume a forma de decreto regulamentar regional. O conselho de governo
regional é composto pelo presidente e vários secretários regionais. Os vice-
presidentes, os secretários regionais e os subsecretário regionais, sendo
nomeados sob proposta do presidente do Governo, dependem da confiança
política que este último neles deposita. Em princípio, cada secretaria regional
compreende uma secretária-geral ou um serviço de apoio geral e vários serviços
operativos (direções regionais) e uma inspeção regional (à semelhança do
modelo adotado na administração direta do Estado- Administração Regional
Direta). Administração Regional Indireta compreende os institutos públicos e
empresas públicas que se encontram na dependências dos governos regionais,
os quais estão sujeitos a poderes de superintendência e tutela destes. Entre as
várias competências do Governo Regional, importa-nos agora os poderes de
natureza estritamente administrativa (227º/1 alíneas d), g), h), j), m), o)). O
governo regional tem o poder de regulamentar a legislação regional, sob forma
de decreto regulamentar regional (sempre que o diploma regulamentado o exija
ou quando seja regulamento independente) ou como portarias, despachos
normativos, resoluções ou regimentos. Os regulamentos regionais não devem
obediência aos regulamentos emanados pelo Governo da República, ocupando
o mesmo grau hierárquico dos regulamentos desse órgão de soberania. As
alíneas h) e j) apresentam que as RA têm património próprio e possuem receitas
próprias, competindo ao governo regional administrar aquele e praticar todos os
atos e realizar todas as operações necessárias ao dispêndio daquelas na
satisfação das necessidades coletivas a seu cargo. As alíneas m) e o) apresentam
a competência do Governo Regional de dirigir a administração direta,
superintender e tutelar a administração indireta e exercer poder de tutela sobre
a administração autónoma. A alínea g) (mais 16º e 90º EA e 7º/2 EM) é a que
detém mais importância, dispondo que Governo Regional tem “poder executivo
próprio”. Isto significa que só os governos regionais podem aplicar a legislação
emanada pelas Assembleias Regionais; que, no âmbito das competências dos
órgãos regionais, compete ao Governo aplicar nos respetivos territórios insulares
uma boa parte da legislação emanada dos órgãos de soberania (já
regulamentadas pela Assembleia Regional); Contudo, haverá matéria em que a
competência para executar a legislação nacional terá de pertencer ao Governo
da República. Em nome do princípio da descentralização administrativa (e

30
Inês Godinho

sempre em concordância com o 267º/2, isto é, necessidade de eficiência e


unidade da ação da Administração), podem ser transferidas todas as funções
cuja regionalização permita corresponder aos interesses das respetivas
populações. Contudo, existe uma reserva executiva do Governo da República,
não podendo este remeter para os governos e administrações regionais o
encargo de aplicar nos Açores e Madeira certos diplomas legais emanados dos
órgãos de soberania. É o que acontece sobretudo nos domínios em que estão
em causa poderes inerentes ao Estado Soberano. (ex. 272º/4). O Tribunal
Constitucional considerou ainda que a lei não pode delegar a favor das regiões
autónomas competências próprias de soberania sob pena de violação do artigo
113º CRP e que os respetivos órgãos não dispõem de competência em matérias
de segurança interna ou externa do Estado.
Relações entre o Estado e as Regiões Autónomas: As RA não se encontram
constitucionalmente sujeitas à tutela administrativa do Estado. Contudo, o artigo 229º/4
prevê a possibilidade de o Governo da República e os governos regionais acordarem em
formas de cooperação, como os atos de deleção de competências. Que competências o
Governo da República delega? As que se situam numa zona de fronteira entre a reserva
executiva deste e o âmbito das competências regionais. Assim, o legislador nacional,
pode reservar ao Governo da República a titularidade das competências de execução,
mas delegar o seu exercício aos governos regionais. Isso tem como consequência a
possibilidade de o Governo da República ter poderes de delegante face ao seu delegado
(Governo Regional). O Governo da República pode ainda supervisionar a aplicação de
leis nacionais pelas regiões autónomas, quando estas sejam imperativas (emanadas ao
aplico de uma competência legislativa reservada dos órgãos de soberania e para se
aplicarem uniformemente em todo o território nacional)
Pessoas Coletivas Públicas
A administração Pública é geralmente representada, nas suas relações com os
particulares, por pessoas coletivas públicas. Assim, na relação jurídico-administrativa,
um dos sujeitos é em regra uma pessoa coletiva pública17, assumindo o seu estudo
elevado interesse no Direito Administrativo. No entanto, tona-se corrente o fenómeno
de criação de pessoas coletivas de direito privado destinadas exclusivamente à
satisfação de necessidades coletivas, por parte de entes públicos, devendo estas ser
incluídas no conceito de Administração Pública em sentido orgânico. Apesar da aparente
taxatividade do elenco do nº4 do artigo 2º do CPA, a Administração Pública deve ser
entendida como tendo 2 setores: público tradicional e o privado administrativo
(associações, fundações, cooperativas públicas de direito privado e empresas públicas).
Tanto as pessoas coletivas públicas como as privadas podem ter capacidade jurídica
pública e capacidade jurídica privada, visto que por vezes as pessoas coletivas públicas
atuam segundo o direito privado e algumas instituições particulares de interesse público
funcionam por vezes nos termos do direito público.

17 Não o órgão, o funcionário ou titular do órgão, pois estes atuam enquanto a pessoa coletiva pública.

31
Inês Godinho

Definição de Pessoa Coletiva Pública: Pessoas coletivas criadas por iniciativa pública
(nascem de decisão pública, regida pelo direito público, tomada pela coletividade
nacional, comunidade regional ou local autónomas ou por uma ou mais pessoas
coletivas públicas já existentes), para assegurar a prossecução necessária de interesses
públicos (existem para prosseguir o interesse público e não qualquer outro fim e ainda
para garantir que este é prosseguido por outras entidades, p.e, entidades privadas que
exerçam funções de interesse público), e por isso dotadas em nome próprio (distingue
estas das pessoas coletivas privadas que se dediquem ao exercício privado de funções
públicas- sociedades concessionárias exercem poderes públicos mas em nome da
Administração Pública) de poderes e deveres públicos.
Espécies de Pessoas Coletivas Públicas18 (Artigo 2º/4 CPA):
a) O Estado;
b) Os institutos públicos;
c) As empresas Públicas, na modalidade de entidades públicas empresariais;
d) A associações Públicas;
e) As entidades administrativas independentes;
f) As autarquias locais;
g) Regiões Autónomas.
É ainda possível agrupar estas categorias em tipos:
1. Pessoas Coletivas de população e território, ou de tipo territorial: Estado, RA e
autarquias locais;
2. Pessoas Coletivas de tipo institucional: diversas espécies de institutos públicos,
empresas públicas qualificadas como entidades públicas empresariais, e as
entidades administrativas independentes;
3. Pessoas Coletivas de tipo associativo: associações públicas.
O regime legal de cada pessoa coletiva pública deve ser apreendido através do estudo
concreto da legislação aplicável a essa pessoa coletiva. No entanto, é possível recortar
certos aspetos predominantes do seu regime jurídico:
1) Criação e Extinção: Criadas por um ato do poder central ou poder local, não se
podem extinguir a si próprias e não estão sujeitas a falência ou insolvência, só
podendo ser extinta por decisão pública;
2) Capacidade jurídica de direito privado e património próprio;
3) Capacidade de direito público: São titulares de poderes e deveres públicos,
assumindo especial relevo os poderes de autoridade: poder regulamentar, poder
tributário, poder de expropriar, o privilégio de execução prévia;
4) Autonomia administrativa e financeira;
5) Isenções Fiscais;

18 Note-se que estão ordenadas segundo o critério de maior dependência para menos dependência do Estado.

32
Inês Godinho

6) Não Sujeição ao regime de contratação pública e dos contratos administrativos


(não podem realizar contratos administrativos com outros particulares): assume
relevância, mas importa exceções.
7) Bens do domínio Público: São ou podem ser titulares de bens do domínio público
e não apenas de bens do domínio privado;
8) Regime da Função Pública: O pessoal das pessoas coletivas públicas está sujeito
a regimes laborais publicísticos, e não ao do contrato individual de trabalho (com
exceção das entidades públicas empresariais);
9) Sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil: Pelos prejuízos
que causarem, as pessoas coletivas públicas responde nos termos da legislação
própria do Direito Administrativo (RCEE) e não nos termos da responsabilidade
regulada no CC (com exceção das entidades públicas empresariais);
10) Sujeição a tutela administrativa do Estado;
11) Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas: As contas das pessoas coletivas
públicas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas;
12) Foro Administrativo: As questões que surjam na atividade pública destas pessoas
coletivas pertencem à competência dos tribunais do contencioso administrativo.
Órgãos
As pessoas coletivas são dirigidas por órgãos, cabendo a estes tomar decisões em
nome da pessoa coletiva/ manifestar a vontade imputável à pessoa coletiva. O
órgãos da administração devem ser concebidos como instituições para efeitos de
teoria da organização administrativa, e como indivíduos para efeitos de teoria da
atividade administrativa. O CPA atende apenas à noção estrutural de órgão e não à
noção funcional (20º/1).
Classificação dos órgãos:

• Singulares e colegiais;
• Centrais e Locais;
• Primários (dispõem de uma competência própria para decidir as matérias
que lhes estão confiadas), Secundários (dispõem de uma competência
delegada) e Vicários (exercem competência por substituição de outros);
• Representativos (titulares são livremente designados por eleição) e Não
representativos;
• Ativos (a quem compete tomar decisões ou executá-las), Consultivos (têm a
função de esclarecer os órgãos ativos antes de eles tomarem uma decisão) e
de Controlo (têm como missão fiscalizar a regularidade do funcionamento de
outros órgãos);
• Órgãos ativos podem ser: Decisórios (aqueles a quem compete tomar
decisões, que poderão ser deliberativos se tiverem caráter colegial) e
Executivos (a quem compete executá-las);
• Permanentes (segundo a lei têm uma duração indefinida) e Temporários (são
criados para atuar apenas durante um certo período);

33
Inês Godinho

• Simples (estrutura é unitária, isto é, são órgãos singulares e colegiais cujos


titulares só podem atuar coletivamente quando reunidos) e Complexos (são
constituídos por titulares que exercem competências coletivamente e
também competências próprias a título individual);
• Alegada distinção entre diretos (os que atuam em nome da pessoa coletiva
a que pertencem) e indiretos (atuam em nome próprio, embora no exercício
de um poder ou de uma função alheios). Freitas do Amaral não concorda com
esta classificação, pois não existem órgãos que atuam em nome da pessoa
coletiva a que pertencem e porque o órgão indireto confunde-se com o órgão
delegado, sendo esta expressão mais clara e vantajosa.
Órgãos Colegiais (artigos 21º a 35º CPA)
Terminologia:

 Composição é o elenco abstrato dos membros que hão de fazer parte do órgão
colegial;
 Constituição é o ato pelo qual os membros de um órgão colegial, uma vez
designados, se reúnem pela primeira vez e dão início ao funcionamento desse
órgão;
 A marcação da reunião consiste na fixação da data e hora em que a reunião terá
lugar;
 A convocação da reunião é a notificação feita a todos e cada um dos membros
acerca da reunião a realizar, na qual são indicados, além do dia e hora, o local
desta e a respetiva ordem do dia. Mesmo que na última reunião renha ficado
feita a marcação da reunião seguinte, isso não dispensa a necessidade de
convocação.
 A reunião é um encontro dos respetivos membros para deliberarem sobre a
matéria da sua competência. Se o órgão é de funcionamento contínuo diz-se que
está em sessão permanente, embora posse reunir apenas uma vez por semana.
Se o órgão for de funcionamento intermitente, terá 2, 3 ou 4 sessões por ano e
cada sessão pode incluir uma ou várias reuniões. As sessões são os períodos
dentro dos quais podem reunir os órgãos colegiais de funcionamento
intermitente. Tanto as reuniões como as sessões podem ser ordinárias, se se
realizam regularmente em datas ou períodos certos, ou extraordinárias se são
convocadas inesperadamente fora dessas datas ou período.
 Os membros são todos os titulares do órgão colegial;
 Vogais são apenas os membros que não ocupem uma posição funcional dotada
expressamente de uma denominação apropriada (o presidente é membro, mas
não é vogal, assim como os vice-presidentes, secretários e tesoureiros quando
existam)
 O funcionamento realiza-se através de reuniões, e cada reunião começa quando
é declarada aberta pelo presidente e termina quando por ele é declarada
encerrada. Apesar de uma parte das reuniões se desenrolar sem que seja
necessário deliberar (ex. leitura do expediente), a parte essencial é a

34
Inês Godinho

deliberativa, ou seja, aquela em que o órgão colegial é chamado a tomar


decisões em nome da pessoa coletiva a que pertence.
 O processo jurídico mais frequente pelo qual os órgãos colegiais deliberam
chama-se “votação”, e permite apurar a vontade coletiva pela contagem das
vontades individuais dos membros. Contudo, os órgãos colegiais podem
deliberar por consenso, ou seja, por assentimento tácito informal nos termos em
que for interpretado pelo presidente.
 Quórum é o número mínimo de membros de um órgão colegial que a lei exige
para que ele possa funcionar regularmente ou deliberar validamente. Há que
distinguir entre o “quórum de funcionamento” e o “quórum de deliberação”,
que normalmente coincidem, mas outras vez a lei contenta-se, para o órgão
poder funcionar, com um número de presenças inferior ao exigido para o órgão
possa deliberar.
 A votação poderá ser feita de dois modos: “votação pública”, em que todos os
presentes ficam a saber o sentido do voto de cada um; ou “votação secreta” /
“escrutínio secreto”, em que o sentido do voto de cada um não se toma
conhecido dos demais.
 A maioria deve ser entendida como “mais de metade dos votos”. A maioria é
simples ou absoluta, se corresponde a mais de metade dos votos. É relativa se
traduz apenas a maior votação obtida entre várias alternativas, ainda que não
atinja mais de metade dos votos. É qualificada ou agravada, se a lei faz
corresponder a um número superior à maioria simples.
 O presidente decide o sentido da votação ao ter um “voto de desempate”, isto
é, o presidente não vota na votação a menos que haja empate, sendo o voto dele
o de desempate; ou ao ter um “voto de qualidade”, ou seja, o presidente
participa na votação como os outros, e havendo empate, considera-se
automaticamente desempatada a votação de acordo com o sentido em que o
presidente vota.
 A adoção ou aprovação consiste na votação favorável de uma certa proposta ou
projeto que lhe apresentam. Nesse sentido, esses projetos e propostas
convertem-se numa decisão do órgão e portanto, na vontade da pessoa coletiva
a que o órgão pertence.
 Todo o ato administrativo é uma decisão, sendo a deliberação o processo
específico utilizado nos órgãos colegiais para tomar decisão;
 Atos são as decisões tomadas;
 Atas são as narrativas das reuniões efetuadas, onde se mencionam não só as
decisões tomadas, mas tudo o que tiver ocorrido em reunião;
 Dissolução ocorre quanto a órgãos colegiais designados por eleição.
 Se os titulares do órgão colegial são nomeados, o ato que põe termo
coletivamente às suas funções é a demissão.
As principais regras gerais em vigor sobre a constituição e funcionamento dos órgãos
colegiais são expressos nos artigos já presentados do CPA.

35
Inês Godinho

1) Cada órgão deve ter um presidente e um secretário em princípio eleitos pelos


próprios membros. Na falta de presidente ou secretário, servirá de presidente o
membro mais antigo, e de secretário o mais moderno;
2) As funções do presidente estão presentes nos artigos 21º/2 e 22º/3;
3) Compete ao secretariado redigir os projetos de atas das reuniões, passá-las ao
respetivo livro respetivo depois de aprovadas, organizar o expediente e em geral
coadjuvar o presidente no que por este lhe for determinado;
4) O presidente de um órgão administrativo, ou quem o substitui, pode reagir em
tribunal contra as deliberações tomadas pelo órgão a que preside e que ele
considera ilegais, propondo correspondentes ações judiciais e as providências
cautelares adequadas. São, portanto, órgãos defensores e fiscalizadores da
legalidade administrativa;
5) Cabe ao presidente (na falta de determinação legal ou de deliberação do órgão
colegial sobre o assunto) fixar os dias e as horas das reuniões ordinárias. As
reuniões extraordinárias terá lugar quando o presidente as convocar, por sua
iniciativa ou a pedido de pelo menos um terço dos vogais.
6) São inexistentes as pretensas decisões tomadas sem ser em reunião
formalmente convocada e realizada;
7) Nenhum órgão colegial pode reunir e deliberar sem esta devidamente
constituído;
8) Só pode deliberar sobre matéria constante da ordem do dia, a menos que se
trate de reunião ordinária e que pelo menos 2/3 dos membros reconheçam a
urgência da deliberação imediata de outros assuntos;
9) As reuniões não são publicas a menos que a lei estipule o contrário. Nas reuniões
públicas, os assistentes podem intervir, caso a lei o preveja ou o órgão assim o
tenha deliberado, com a finalidade de comunicar ou pedir informações, ou de
expressar opiniões.
10) A violação das disposições sobre a convocação, incluindo as relativas a prazos,
gera a ilegalidade das deliberações tomadas, salvo se todos os membros do
órgão comparecerem à reunião e nenhum suscitar oposição à sua realização.
11) Os órgãos só podem em regra deliberar em primeira convocação quando esteja
presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto. Não
comparecendo o número mínimo, deve o presidente convocar nova reunião com
um intervalo de pelo menos 24 horas, podendo nesta deliberar desde que se
verifique a presença de pelo menos um terço dos membros com direito a voto;
12) O quórum de um órgão composto por 3 membros é sempre de 2, mesmo em
segunda convocatória;
13) A votação é precedida por uma discussão das propostas apresentadas, desde
que qualquer membro manifeste nisso interesse. Mas passado tempo razoável,
e quando todos já tenham usado da palavra por uma vez, a maioria pode, a
requerimento de qualquer deles, dar a discussão por encerrada e decidir passar
imediatamente à votação;
14) Salvo disposição legal em contrário não são permitidas abstenções. Nem nos
órgãos deliberativos sempre que estejam a exercer funções consultivas;

36
Inês Godinho

15) Os membros que se encontrem legalmente impedidos de intervir num


procedimento não devem votar nem participar na discussão das propostas, nem
estar presentes durante essa discussão e votação;
16) As deliberações são em regra tomadas por votação nominal, salvo se a lei
dispuser ou permitir o voto secreto. São sempre tomadas em voto secreto as
deliberações que envolvam a apreciação de comportamento ou das qualidades
de qualquer pessoa, devendo o presidente, em caso de dúvida fundada,
determinar que seja adotada essa forma de votação.
17) A generalidade das deliberações são tomadas por maioria absoluta dos membros
presentes na reunião. Salvo os casos em que a lei ou os estatutos exija maioria
qualificada ou estabeleçam como suficiente a maioria relativa.
18) Se for necessária a maioria absoluta, e não se formando, nem ocorrendo empate,
repete-se a votação. Mantendo-se, a votação é adiada para reunião seguinte,
sendo então suficiente para a aprovação a maioria relativa;
19) Em caso de empate, o presidente terá voto de qualidade, salvo se a lei ou os
estatuto determinarem a adoção do voto de desempate. Em caso de votação
secreta, o empate nunca é desfeito pela intervenção qualificada do presidente:
a votação será repetida precedendo nova discussão, na mesma reunião e, se o
empate se mantiver, adiar-se-á a deliberação para reunião seguinte; se o empate
ainda se mantiver, proceder-se-á então a votação nominal, sendo suficiente a
maioria relativa;
20) Se a lei exigir que determinada decisão seja fundamentada, não pode fazer-se a
votação senão com base numa ou várias propostas, também fundamentadas. É
ilegal votar sem apoio em nenhuma proposta fundada e encarregar depois um
membro do órgão colegial de, a posteriori, encontrar uma fundamentação
adequada;
21) De cada reunião será lavrada ata, que conterá um resumo de tudo o que tiver
ocorrido de relevante para o conhecimento das deliberações tomadas e para a
apreciação da respetiva legalidade;
22) Em regra, a ata de cada reunião será aprovada no final da reunião ou no início
da reunião seguinte, só votando, neste último caso, os membros presentes na
reunião anterior. A aprovação da ata no final pode ser substituída pela aprovação
de uma minuta sintética, que deverá ser depois convertida em ata e submetida
em reunião subsequente, à aprovação dos membros que estiveram presentes na
reunião;
23) As decisões tomadas só adquirem eficácia depois de aprovadas as atas
correspondentes. A assinatura da minuta pode conferir eficácia também, mas é
temporária e condicionada dependente da reprodução do seu conteúdo na
correspondente ata;
24) As atas são redigidas pelo secretariado e uma vez aprovadas são assinadas pelo
presidente e pelo secretário;
25) Os membros que votarem vencidos podem fazer constar da ata o seu voto
vencido e respetiva justificação e devem fazê-lo quando se trate de pareceres a
enviar a outros órgãos administrativos;

37
Inês Godinho

26) Se uma deliberação for ilegal ficam responsáveis por ela todos os membros que
a tiverem aprovado. Os que votaram vencidos ficam isentos de tal
responsabilidade se fizerem registo na ata da respetiva declaração de voto;
27) Nos casos omissos da lei administrativa e na falta de costume aplicável, a
constituição e o funcionamento serão regulados pelo regimento da Assembleia
da República de acordo com a tradição europeia, que faz dos regimentos
parlamentares a norma supletiva para os demais órgãos colegiais;
Os fins das pessoas coletivas chamam-se atribuições, sendo estas os fins ou interesses
que a lei incumbe das pessoas coletivas de prosseguir. Para isso, as pessoas coletivas
necessitam de competência, isto é, um conjunto de poderes funcionais que a lei confere
para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas. Em regra, as
atribuições referem-se à pessoa coletiva em si e a competência refere-se aos órgãos.
Assim, qualquer órgão da Administração está duplamente limitado na sua ação: está
limitado pela própria competência e ao mesmo tempo pelas atribuições da pessoa
coletiva em cujo nome atua, pois não pode praticar quaisquer atos sobre matéria
estranha a essas. Atribuições e competências limita-se reciprocamente, visto que
nenhum órgão pode prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que pertencem por
meio de competências que não sejam suas nem pode exercer a sua competência fora
das atribuições da pessoa coletiva em que se integra. A lei estabelece uma sanção
diferente para o caso de órgãos praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas
coletivas ou atos fora da competência confiada a cada órgão. Os primeiros são nulos
(161º/2 alínea b) - CPA), enquanto que os segundos são anuláveis (163º/1- CPA). No
Estado, o que separa juridicamente os órgãos uns dos outros não é apenas a
competência, mas também, e sobretudo, as atribuições, que estão normalmente
repartidas em vários ministérios. Assim, se houver uma ilegalidade do ato por
incompetência por falta de competência poderá também a incompetência por falta de
atribuição. Portanto, tudo depende de a lei ter repartido, entre os vários órgãos da
mesma pessoa coletiva, apenas a competência para prosseguir as atribuições desta ou
as próprias atribuições com a competência inerente.
Competência: A competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada pela lei,
sendo sempre a lei (ou regulamento) que fixa a competência dos órgãos da
Administração Pública (36º/1 CPA) - Princípio da legalidade da competência. Deste
surgem novos princípios:

• A competência não se presume: só há competência quando a lei


inequivocamente a confere a um dado órgão. A exceção desta regra é a
competência implícita;
• A competência é imodificável: nem a Administração nem os particulares podem
alterar o conteúdo ou repartição da competência;
• A competência é irrenunciável e inaliável: não podem nunca praticar atos pelos
quais renunciam ou transmitam para outros órgãos os seus poderes. Contudo,
esta regra não obsta a que possa haver hipóteses de transferência do exercício

38
Inês Godinho

da competência, como a delegação de poderes e a concessão, nos casos e dentro


dos limites em que a lei o permite.
Critérios de delimitação da competência
➔ Em razão da matéria: as competências são atribuídas aos órgãos em função da
matéria que versem;
➔ Em razão da hierarquia: ocorre quando há uma repartição vertical de poderes,
conferindo alguns ao superior outros aos subalternos;
➔ Em razão do território: entre órgãos centrais e órgãos locais, ou a distribuição de
poderes por órgãos locais diferentes em função das respetivas áreas ou
circunscrições:
➔ Em razão do tempo: Em princípio só há uma competência administrativa em
relação ao presente, pois não pode ser exercida em relação ao passado, nem em
relação ao futuro. Sendo por isso ilegal a prática da Administração Pública de atos
que visem produzir efeitos sobre o passado (atos retroativos) ou regular situações
que não se sabe se, ou quando, ocorrerão no futuro (atos diferidos).
Um atos que contrarie as regras que delimitam a competência está ferido de
incompetência. Os critérios são cumuláveis e todos têm de atuar em simultâneo.
Modalidades de Competência

 Quanto ao modo de atribuição legal da competência: pode ser explicita (lei


confere-a de forma clara de direta) ou implícita (a competência é apenas
deduzida de outras determinações legais ou de certos princípios gerais de direito
público, como “quem pode o mais pode o menos” e “toda a lei que impõe a
prossecução obrigatória de um fim permite o exercício dos poderes
minimamente necessários para esse objetivo);
 Quanto aos termos do exercício da competência: pode ser condicionada ou livre,
conforme o exercício esteja ou não dependente de limitações impostas por lei
ou ao abrigo da lei;
 Quanto à substância e efeitos da competência: pode ser dispositiva (poder de
emanar um dado ato administrativo sobre determinada matéria) ou revogatória
(poder de revogar esse primeiro ato, com ou sem possibilidade de o substituir
por outro diferente). Pode falar-se também de, se ampliarmos o critério, uma
competência primária/de 1º grau (pode praticar atos primários sobre certa
matéria) ou secundária/de 2ºgrau (pode praticar sobre a mesma matéria
quaisquer atos secundários: revogação, anulação, suspensão, ratificação,
reforma, conversão).
 Quanto à titularidade dos poderes exercidos: pode ser própria (se os poderes
exercidos por um órgão são poderes cuja titularidade pertence a esse) ou
delegada (se os poderes que exerce pertencem a uma parte da competência de
outros órgão, cujo exercício foi transferido por delegação ou concessão).
 Quanto ao número de órgãos a que a competência pertence: pode ser singular
(a competência só pertence a um órgão) ou conjunta (pertence

39
Inês Godinho

simultaneamente a dois ou mais órgãos diferentes, tendo de ser exercida por


todos eles em ato único. Poderá ocorrer um caso de competência acumulada se
a mesma pessoa física ser ao mesmo tempo titular dos diferentes órgãos
competentes, sendo uma só assinatura sua suficiente, desde que faça menção
aos cargos exercidos);
 Quanto à inserção da competência nas relações interorgânicas: pode ser
dependente ou independente, conforme o órgão esteja ou não integrado numa
hierarquia e, por isso, se ache ou não sujeito ao poder de direção de outro órgão
e correspondente dever de obediência. Dentro da competência dependente
pode ser de competência comum (tanto o superior ou como o subalterno podem
tomar decisões sobre o mesmo assunto, valendo a que for primeiro manifestada)
ou de competência própria (o poder de praticar um certo ato administrativo é
atribuído por lei diretamente ao subalterno). A competência própria pode
apresentar-se:
• Separada: os atos do subalterno não são definitivos, deles cabe recurso
hierárquico necessário;
• Reservada: os atos administrativos do subalterno são definitivos, mas
deles cabe recurso hierárquico facultativo;
• Exclusiva: Nos atos praticados pelo subalterno não cabe qualquer recurso
hierárquico, mas, porque não é órgão independente pode vir a receber do
seu superior uma ordem de revogação do ato praticado.
Regras legais sobre a competência
- A competência fixa-se quando se inicia o procedimento;
- Se a decisão final de um procedimento depender de uma questão que seja
competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais (Questão prejudicial), deve
o órgão competente suspender a sua atuação até que aqueles se pronunciem, salvo se
da não resolução imediata resultarem graves prejuízos;
- Antes de qualquer decisão, o órgão administrativo deve certificar-se de que é
competente: autocontrolo da competência;
- Quando um particular dirigir um requerimento a um órgão que se considere a si mesmo
incompetente para tratar do assunto, o documento deve ser enviado oficiosamente ao
órgão competente, sob pena de a decisão desse ser suscetível de reclamação e recurso.
Conflitos de atribuições e de competência
Conflito de atribuição é aquele em que a disputa versa sobre a existência ou a
prossecução de um determinado interesse público. Por outro lado, o conflito de
competência é aquele que se traduz numa disputa acerca da existência ou do exercício
de um determinado poder funcional. Poderemos também falar em conflito de
jurisdição, isto é, quando o conflito se reporta ao princípio da separação dos poderes, o
opondo órgãos administrativos e órgãos judiciais, ou órgãos administrativos e órgãos
legislativos.

40
Inês Godinho

1. Positivos: quando 2 ou mais órgãos reivindicam para si a prossecução da mesma


atribuição ou o exercício da mesma competência.
2. Negativo: quando 2 ou mais órgãos consideram simultaneamente que lhes
faltam as atribuições ou a competência para decidir num dado caso concreto.
Como se solucionam os conflitos?

 Se envolverem órgãos de pessoas coletivas diferentes ou autoridades


administrativas independentes, os conflitos são resolvidos pelos tribunais
administrativos, em processo que segue os termos da ação especial com algumas
adaptações;
 Se envolverem órgãos de ministérios diferentes, na falta de acordo, são
resolvidos pelo Primeiro-Ministro;
 Se envolverem órgãos de secretarias regionais diferentes, os conflitos são
resolvidos pelo Presidente do Governo Regional;
 Se envolverem pessoas coletivas autónomas sujeitas ao poder de
superintendência do mesmo Ministro, na falta de acordo são resolvidas pelo
respetivo ministro;
 Se envolverem órgãos subalternos integrados na mesma hierarquia, serão
resolvidos pelo seu comum superior de menos categoria hierárquica.
A resolução administrativa dos conflitos pode ser promovida de duas formas: por
iniciativa de qualquer particular interessado, isto é, que esteja a ser prejudicado pelo
conflito, ou então oficiosamente, quer por iniciativa suscitada pelos órgãos em conflitos,
quer pelo próprio órgão competente para a decisão, se for informado do conflito.

Serviços Públicos
A pessoa coletiva pública é o sujeito de direito, ao passo que o serviço público é uma
organização que, situada no interior da pessoa coletiva pública e dirigida pelos
respetivos órgãos, desenvolve atividades de que ela carece para prosseguir os seus fins.
Os serviços públicos são, assim, as organizações humanas criadas no seio de cada pessoa
coletiva pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos
respetivos órgãos. São quem desempenha as tarefas concretas e especificas em que se
traduz a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas. Os órgãos dirigem
a atividade dos serviços e, por outro lado, os serviços auxiliam a atuação dos órgãos:
desenvolvem a sua atuação quer na fase preparatória da formação da vontade do órgão
quer na fase que se segue à manifestação da vontade, cumprindo e fazendo cumprir
aquilo que tiver sido determinado. Portanto, os serviços públicos levam a cabo as tarefas
de preparação e execução das decisões dos órgãos das pessoas coletivas públicas, a par
do desempenho das tarefas concretas em que se traduz a prossecução das atribuições
dessas pessoas coletivas. Um serviço público pode ser autonomizado, através da
atribuição de personalidade jurídica, transformando-se, por exemplo, num instituto
público.

41
Inês Godinho

Espécies de Serviços Públicos


Podem ser classificados segundo 2 perspetivas:
a) Como unidades funcionais: Os serviços públicos distinguem-se de acordo com os
seus fins;
b) Como unidades de trabalho: Os serviços públicos distinguem-se segundo o tipo
de atividade que desenvolvem. Poderão nesta visão ser considerados serviços
principais, que são aqueles que desempenham as atividades correspondentes às
atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem, ou auxiliares, que são
os que desempenham atividades secundárias ou instrumentais, que visam tornar
possível ou mais eficiente o funcionamento dos serviços principais. Dentro dos
serviços principais, poderão ser burocráticos, sendo os que lidam por escrito com
problemas diretamente relacionados com a preparação e execução das decisões
dos órgãos da pessoa coletiva a que pertencem. Podemos ter 3 subespécies:
serviços de apoio, estudam e preparam as decisões dos órgãos administrativos;
executivos, executam a lei e regulamentos aplicáveis, bem como as decisões dos
órgãos dirigentes das pessoas coletivas a que pertencem; de controlo, fiscalizam
a atuação dos restantes serviços públicos. Ao lado dos burocráticos temos os
operacionais, isto é, são os que desenvolvem atividades de caráter material,
correspondentes às atribuições da pessoa coletiva. Podem subdividir-se e, 3
subespécies: serviços de prestação individual (serviços operacionais que
facultam aos particulares bens ou serviços de que estes carecem para a
satisfação de necessidades coletivas individualmente sentidas); de polícia
(exercem fiscalização sobre as atividades dos particulares suscetíveis de pôr em
risco os interesses públicos que à administração cumpre defender); técnico
(todos os restantes serviços operacionais cuja atividade não consista em
prestações individuais aos particulares, nem em vigilância sobre as respetivas
áreas).
Princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos
1) O serviço público releva sempre de uma pessoa coletiva pública;
2) O serviço público está sempre vinculado à prossecução do interesse público;
3) A criação e extinção dos serviços públicos, bem como a sua fusão e
reestruturação, são aprovadas por decreto-regulamentar;
4) A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar (a prática é
ser objeto de decreto-lei);
5) O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é
modificável;
6) A continuidade dos serviços públicos deve ser mantida;
7) Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de
igualdade;
8) A utilização dos serviços públicos pelos particulares é em princípio onerosa;
9) Os serviços públicos podem gozar de exclusivo ou atuar em concorrência;

42
Inês Godinho

10) Os serviços públicos podem atuar de acordo quer com o direito público quer com
o direito privado;
11) A lei admite vários modos de gestão dos serviços públicos;
12) Os utentes do serviço público ficam sujeitos a regras próprias que os colocam
numa situação jurídica especial;
13) Natureza jurídica do ato criador da relação de utilização do serviço público pelo
particular.
Organização dos serviços públicos
Os serviços públicos podem ser agrupados segundo 3 critérios: organização horizontal,
territorial e vertical. A organização horizontal atende à distribuição dos serviços por
pessoas coletivas públicas e dentro destas, à especialização dos serviços segundo o tipo
de atividades a desempenhar. A organização territorial remete-nos para a distinção
entre serviços centrais e serviços periféricos, consoante os mesmo tenham um âmbito
de atuação nacional ou meramente localizado em áreas menores. A organização
vertical, ou hierárquica, traduz-se genericamente na estruturação dos serviços em razão
da sua distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam
entre si em termos de supremacia e subordinação.
Hierarquia administrativa
A hierarquia consiste na organização dos serviços públicos segundo um critério vertical.
Conceito de hierarquia: é o modelo de organização administrativa vertical, constituído
por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligadas por um vínculo
jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de
obediência. A relação hierárquica é interorgânica.
Discorda com a ideia de o superior ter “competência para dispor da vontade decisória
de todos os restantes órgãos”, defendida por Paulo Otero, pois considera que o
subalterno não é um autómato, nem um escravo, sendo livre, racional, moral e
juridicamente responsável pelas suas decisões. A vontade do superior tem mais força
jurídica do que a do subalterno, mas não dispõe desta, nem a substitui: o subalterno é
que decide livremente, se obedece ou não às ordens do superior, ainda que a
desobediência lhe possa acarretar sanções. A prova de que o subalterno não é um
autómato cego e mecanicamente obediente está na competência que a lei lhe confere
para “examinar a legalidade de todos os comandos hierárquicos” e para, em certos casos
(como atos criminosos) rejeitar a obediência, recusando o cumprimento de
determinadas ordens superiores. Mesmo quando o subalterno atua no cumprimento
estrito de ordens legais emanadas dos seus superiores, não é irrelevante o caráter livre
e esclarecido da vontade por ele manifestada: interessa o erro, dolo ou coação, afetando
estes a validade da decisão, ainda que esta coincida plenamente com o conteúdo do
comando hierárquico, pois a existência deste não impede a anulação ou declaração de
nulidade da decisão inquinada por qualquer vício da vontade relevante. Concorda com
o Paulo Otero no sentido em que “a lei confere um valor jurídico diferente À vontade de

43
Inês Godinho

diversos órgãos administrativos” e que “neste sentido, a hierárquica administrativa


surge como critério da graduação da vontade decisória dos órgãos da Administração”.
Espécies de hierarquia:
➢ Hierarquia Interna: é o modelo de organização da Administração que tem por
âmbito natural o serviço público. Consiste num modelo em que se toma a
estrutura vertical como diretriz, para estabelecer o ordenamento das atividades
em que o serviço se traduz. É, portanto, uma hierarquia de agentes. Deparamo-
nos com vínculos de superioridade e subordinação entre agentes administrativo.
Trata-se da divisão de trabalho entre agentes. Está em causa o desempenho
regular das tarefas de um serviço público (prossecução de atividades). É um
fenómeno sem projeção no exterior, isto é, sem assumir nenhum significado ou
relevância quer para os particulares, quer para os demais sujeitos de direito
público. É orgânica e não relacional. A hierarquia interna é então, aquele modelo
vertical de organização interna dos serviços públicos que assenta na
diferenciação entre superiores e subalternos. Raro será o serviço público que
possa prescindir de um mínimo de hierarquização neste sentido. O exercício do
comando não é atribuído unicamente ao chefe supremo do serviço, mas
repartido pelos principais subalternos, que ficam assim investidos na posição de
subalternos superiores (hierarquia de chefias). O comando exerce-se por meio
de atos puramente internos, quando não se reconduzem mesmo à eficácia
preventiva que a simples presença de um chefe exerce no serviço.
➢ Hierarquia Externa: Surge no quadro da pessoa coletiva pública. É uma
hierarquia de órgãos, existindo na mesma uma estrutura vertical. Os vínculos de
superioridade e subordinação estabelecem-se entre os órgãos da administração.
Está em causa a repartição das competências entre aqueles a quem está
confiado o poder de tomar decisões em nome da pessoa coletiva. Os subalternos
praticam atos administrativos, externos que não esgotam a sua eficácia dentro
da esfera jurídica da pessoa coletiva em cujo nome foram praticados, pois
projetam-se na esfera jurídica de outros sujeitos de direito, atingem particulares.
Esta hierarquia é relacional. Também aqui se distribuem comando prelos
subalternos, mas o que assume relevância jurídica é a distribuição de
competências e não a multiplicação de chefias.
Quais são os poderes do superior? O poder de direção é o principal poder da relação
hierárquica, todavia, se aparecesse desacompanhado dos ouros dois, a posição de
superioridade do superior ficaria enfraquecida. O que valeria a um superior dar ordens
se, uma vez desobedecidas pelo subalterno, aquele não tivesse a possibilidade de
eliminar ou substituir os atos que as contrariassem e punir os agentes que as
ignorassem. O poder de direção depende do controlo sobre os atos e do controlo sobre
as pessoas.

 Poder de Direção: consiste na faculdade de o superior dar ordens e instruções,


em matéria de serviço, ao subalterno. Ordens são comandos individuais e
concretos, isto é, o superior impor ao subalternos a adoção de uma determinada

44
Inês Godinho

conduta. Por outro lado, instruções são comandos gerais e abstratos, isto, o
superior impõe aos subalternos a adoção para o futuro de certas condutas
sempre que se verifiquem as situações previstas. O poder de direção não carece
de consagração legal expressa, tratando-se de um poder inerente ao
desempenho das funções de chefia. As manifestações dos poder de direção
esgotam-se no âmbito da relação hierárquica não produzindo efeitos jurídicos
externos. Consequentemente, os particulares não podem invocar perante um
tribunal administrativo a violação de uma instrução ou ordem de serviço para
fundamentar o pedido de anulação de um ato administrativo, pois a eficácia dos
comandos é meramente interna.
 Poder de Supervisão: consiste na faculdade de o superior revogar, anular ou
suspender atos administrativos praticados pelo subalterno. O poder pode ser
exercido por iniciativa do superior, que para o efeito avocará (chama a si) a
resolução do caso, ou poderá ser exercido em consequência de recurso
hierárquico perante ele interposto pelo interessado. A medida em que o superior
pode ou não fazer acompanhar a revogação dos atos do subalterno de outros atos
administrativos, primários ou secundários, depende do grau de maior ou menor
desconcentração estabelecida por lei, e, portanto, da dose maior ou menor de
competências próprias ou delegadas que o subalterno legalmente detenha.
 Poder Disciplinar: consiste na faculdade de o superior punir o subalterno,
mediante a aplicação de sanções previstas na lei em consequência das infrações
à disciplina da função pública cometidas. Poderá aplicar-se o LGTFP (abrangidos
pelo regime de emprego público) ou as normas constantes do Código do Trabalho
(outros trabalhadores).
Outros poderes que estão integrados na competência do superior hierárquico, ou pelo
menos discute-se se estão:

 Poder de Inspeção: faculdade de o superior fiscalizar continuamente o


comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços. É um poder
instrumental em relação aos poderes de direção, supervisão e disciplinar, pois, é
com base nas informações recolhidas através do exercício do poder de inspeção
que o superior hierárquico decidirá utilizar ou não, e em que termos, esses 3
poderes.
 Poder de decidir recursos: faculdade de o superior reapreciar os casos
primariamente decididos pelos subalternos, podendo confirmar, anular ou
revogar (e eventualmente modificar ou substituir) os atos impugnados. Este
meio de impugnação chama-se “recurso hierárquico”. Este poder é inerente à
relação hierárquica e não carece de formulação legal expressa.
 Poder de decidir conflitos de competência: é a faculdade de o superior declarar,
em caso de conflito positivo ou negativo entre subalternos seus, a qual deles
pertence a competência conferida por lei. Este poder pode ser exercido por
iniciativa do superior, a pedido de um dos subalternos envolvido ou todos eles,
ou mediante requerimento de qualquer particular interessado (51º e 52º CPA).

45
Inês Godinho

 Poder de substituição: faculdade de o superior exercer legitimamente


competências conferidas, por lei ou delegação de poderes ao subalterno. Em
regra, a competência do superior não engloba o poder de substituição, mesmo
que no caso disponha de um poder de revogação. Não é valida, como princípio
geral, a máxima de que a competência do superior abrange a dos subalternos.
Se a lei desconcentra a competência é porque considera que é preferível para o
interesse público, bem como para a garantia dos interesses privado, que certas
decisões sejam tomadas por determinados órgãos subalternos. Assim, essa
opção não pode ser afastada pela mera vontade do superior hierárquico. As
normas sobre distribuição vertical de competências, na hierarquia externa são
normas relacionais, de eficácia externa, que protegem simultaneamente o
interesse público e os interesses particulares- e cuja observância
designadamente pela invasão dos poderes do subalterno pelo superior, gera um
vicio de incompetência em razão de hierarquia. A lei autoriza a avocação em
matéria de delegação de poderes (49º/2 CPA) e estabelece a competência
simultânea de superiores e subalternos em processo disciplinar (196º/3 LGTFP),
o que apresenta o caráter excecional desta solução. A regra de que a
competência do superior abrange a do subalterno é, sim, verdadeira no âmbito
da hierarquia interna.
Deveres dos Subalternos: apresentam-se normalmente expresso no estatuto dos
agentes administrativos, mas os recorrentes são:

 Que dizem respeito diretamente à relação de serviço: dever de obediência,


assiduidade, zelo e aplicação, sigilo profissional, urbanidade, respeito pelos
superiores.
 Que extravasam do âmbito da relação, ainda que tenham o seu fundamento no
vínculo que liga o funcionário ao serviço: deveres na vida privada.
Dever de obediência em especial: Consiste na obrigação de o subalterno cumprir as
ordens ou instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de
serviço e sob a forma legal (73º/8 LGTFP). Assim, não existe dever de obediência quando
o comando emane de quem não seja legitimo superior do subalterno; quando uma
ordem respeito a um assunto da vida particular do superior ou do subalterno; ou quando
tenha sido dada verbalmente se a lei exigia que fosse escrita. Contudo, nestes casos, a
ordem, sendo extrinsecamente ilegal, não impede que o subalterno tenha de acatar
aquilo que lhe foi irregular ou indevidamente determinado. O que acontece se a ordem,
provindo de legitimo superior do subalterno, verse matéria de serviço e tenha sido dada
pela forma devida, for intrinsecamente ilegal, implicando, se for acatada, a prática pelo
subalterno de um ato ilegal ou mesmo ilícito? Freitas do Amaral defende a corrente
legalista- não existe dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais- dado o
principio do Estado de Direito Democrático e a submissão da Administração Pública à lei
(266º/2), mas numa orientação moderada, pois conceder o direito de desobedecer é um
fator de indisciplina nos serviços públicos, dando-se possibilidade do subalterno
examinar e questionar a interpretação da lei perfilhada pelo respetivo superior. Por

46
Inês Godinho

outro lado, a conceção legalista seria admitir que entre 2 interpretações de lei, a do
subalterno prevalecia, autorizando-o a não obedecer. A consequência que advém do
cumprimento de uma ordem ilegal é tornar-se o co-responsável pelas consequências da
execução desse ato ilegal.
A Constituição apresenta um sistema legalista mitigado (271º/2 e 3; artigo 177º LGTFP):
➢ Casos em que não há dever de obediência: sempre que o cumprimento das
ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime, ou quando as ordens
ou instruções provenham de ato nulo.
➢ Casos em que há dever de obediência: todas as restantes instruções ou ordens,
isto é, as que emanarem de legitimo superior hierárquico, em objeto de serviço,
com a forma legal, e não implicarem a prática de um crime nem resultarem de
um ato nulo. Contudo, existindo ordens ou instruções ilegais, o funcionário ou
agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da responsabilidade pelas
consequências da execução da ordem se antes da execução tiver reclamado ou
tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito, fazendo expressa
menção de que as considera ilegais as ordens ou instruções recebidas. Quando,
porém, tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato,
será suficiente para a exclusão da responsabilidade de quem cumprir a
reclamação, com a opinião sobre a ilegalidade da ordem, seja enviada logo após
a execução desta. Se o funcionário ou agente, antes de proceder À execução,
tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação da ordem por escrito,
duas hipóteses podem verificar-se, quando não chega a resposta do superior
hierárquico:
➢ A execução da ordem pode ser demorada sem prejuízo para o interesse público:
pode legitimamente retardar a execução até receber resposta do superior, sem
que por isso recorra em desobediência.
➢ A demora na execução da ordem pode causar prejuízo ao interesse público: deve
comunicar logo por escrito ao seu imediato superior os termos exatos da ordem
recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, e logo a
seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser responsabilizado.
O dever de obediência a ordens ilegais é na verdade uma exceção ao princípio da
legalidade, mas é uma exceção legitimada pela própria Constituição. Mas isso não
significa que haja uma especial legalidade interna, pois uma ordem ilegal, mesmo que
tenha de ser acatada é sempre ilegal.
Concentração e Desconcentração
Estes dois tipos de conceitos dizem respeito à organização administrativa de uma
determinada pessoa coletiva pública. A concentração ou descentralização consistem
basicamente na ausência ou na existência de distribuição vertical de competência entre
os diversos graus ou escalões da hierarquia, isto é, referem-se à repartição de
competência pelos diversos graus de hierarquia no interior de cada pessoa coletiva
pública. Assim, a administração concentrada é aquela em que o superior hierárquico

47
Inês Godinho

mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos
limitados a tarefas de preparação e execução das decisões daquele. A administração
desconcentrada é aquela em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou
vários órgãos subalternos, os quais, continuam em regra sujeitos à direção e supervisão
daquele. Este último é um processo de descongestionamento de competências,
conferindo-se a funcionários ou agentes subalternos certos poderes decisórios, os quais
numa administração centralizada estariam reservados em exclusivo ao superior. Em
rigor não existem sistemas integralmente concentrados nem sistemas absolutamente
desconcentrados. No nosso sistema vigora o princípio da desconcentração
administrativa (267º/2).
Vantagens da desconcentração: aumentar a eficiência dos serviços públicos, maior
rapidez de resposta às solicitações dirigidas à Administração e melhor qualidade do
serviço, pois os superiores são libertados de questões de menor relevância, criando-lhes
condições para ponderarem a resolução das questões de maior responsabilidade que
lhes ficam reservadas.
Desvantagens da desconcentração: a multiplicidade dos centros decisórios pode
inviabilizar uma atuação harmoniosa, coerente e concertada. Por outro lado, a
especialização que acompanha a desconcentração tenderá a converte-se na redução do
âmbito da atividade dos subalternos, gerando a sua desmotivação. O facto de se
atribuírem responsabilidades a subalternos por vezes menos preparados para assumir
pode levar à diminuição da qualidade do serviço, prejudicando-se com isso os interesses
dos particulares e a boa administração.
Espécies de desconcentração:
a) Quanto aos níveis: desconcentração a nível central e desconcentração a nível
local, consoante ela se inscreva no âmbito dos serviços da Administração central
ou no âmbito dos serviços da Administração local.
b) Quanto aos graus: absoluta, isto é, é tão intensa e é levada tão longe que o
órgãos por ela atingidos se transformam de órgãos subalternos a órgãos
independentes (desconcentração faz cessar a hierarquia). Ou relativa, ou seja, a
desconcentração é menos intensa e, embora atribuindo certas competências
próprias a órgãos subalternos, mantém a subordinação destes aos poderes do
superior. Este último caso constitui a regra no direito português
(desconcentração e hierarquia coexistem).
c) Quanto às formas: originária, isto é, decorre imediatamente da lei, que desde
logo reparte a competência entre superior e subalternos. Ou derivada, ou seja,
carece de permissão legal expressa, só se efetivando, no entanto, mediante ato
específico praticado pelo superior. Vamos analisar a desconcentração derivada:
delegação de poderes.

48
Inês Godinho

Delegação de Poderes
Conceito: é o ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para
decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou
agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria.
Três requisitos da delegação de poderes:
➔ A lei tem de prever expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes
noutro, chamada a lei da habilitação. Como a competência é irrenunciável e
inalienável só pode haver delegação de poderes com base na lei;
➔ Existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa coletiva,
ou de dois órgãos de pessoas coletivas distintas, dos quais um seja o órgão
normalmente competente (delegante) e outro, o órgão eventualmente
competente (delegado);
➔ Prática de um ato de delegação, isto é, o ato pelo qual o delegante concretiza a
delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos atos
na matéria sobre a qual é normalmente competente.
Esta figura não se confunde com: a transferência legal de competências, concessão,
delegação de serviços públicos, delegação de serviços públicos, representação,
substituição, suplência, delegação de assinatura e delegação tácita.
Espécies
a) Quanto à habilitação: Pode ser genérica, isto é, uma lei de habilitação serve de
fundamento a todo e qualquer ato de delegação praticado entre estes tipos de
órgãos: delegação do superior no seu imediato inferior hierárquico, delegação
do órgão principal no seu adjunto ou substituto, delegação dos órgãos colegiais
no presidente. Contudo só podem ser delegados poderes para a prática de atos
da administração ordinária (todos os atos não definidos, ou os definidos que não
sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha significado ou alcance
inovador na orientação geral da entidade pública a que pertence o órgão. A
habilitação pode ainda ser especifica, sendo aquela que permite a delegação de
poderes de administração extraordinária (atos que seguem orientações gerais
novas ou não as existentes).
b) Quanto às espécies de delegação:
• Prisma da sua extensão, pode ser ampla ou restrita, conforme o
delegante resolva delegar uma grande parte dos poderes ou apenas uma
pequena parcela deles. A lei exclui a delegação total (45º alínea a CPA).
Há competência indelegáveis por determinação da lei e por natureza (ex.
poder disciplinar sobre o delegado).
• Prisma do objeto da delegação, pode ser especifica ou genérica, isto é,
pode abranger a prática de um ato isolado (quando realizado, a
delegação caduca) ou permitir a prática de uma pluralidade de atos.
• Há delegação hierárquica, que é a mis comum, mas também não
hierárquica.

49
Inês Godinho

• Há ainda a subdelegação, enquanto espécie do género delegação.


Regime Jurídico
1. Requisitos do ato de delegação para que seja eficaz:
 Conteúdo: deve especificar os poderes que são delegados ou os atos que
o delegado pode praticar, devendo ser indicado o conteúdo de forma
positivamente, isto é, por enumeração explicita dos poderes delegados
ou atos que pode praticar. Não pode incluir poderes indelegáveis. Deve
indicar a norma que atribuir o poder delegado assim como o da norma
habilitadora da delegação. O incumprimento este regime leva à
invalidade do ato.
 Publicação: deve ser feita no Diário da República ou na publicação oficial
da entidade pública, assim como no sítio institucional da Internet, sob
pena de ineficácia.
2. Poderes do delegante:
 O delegante tem a faculdade de avocação de casos concretos
compreendidos no âmbito da delegação conferida: se avocar, e apenas
quando o fizer o delegado deixa de poder resolver esses casos, que
passam de novo para a competência do delegante.
 Em cada momento, há apenas um único órgão competente: depois da
delegação, o único que pode exercer os poderes delegados é o delegado.
 O delegante tem ainda o poder de dar ordens, diretivas ou instruções ao
delegado, sobre o modo como deverão ser exercidos os poderes
delegados. Se for uma delegação hierárquica o delegante pode emanar
ordens, exprimindo o seu poder de direção. Se for uma direção não
hierárquica, o delegante só pode emitir diretivas, traduzindo o poder de
superintendência.
 O delegante pode eliminar qualquer ato praticado pelo delegado ao
abrigo da delegação, por o considerar ilegal (anulação), quer por o
considerar inconveniente (revogação em sentido estrito).
3. Requisitos dos atos praticados por delegação:
 Os atos ao abrigo da delegação devem obediência estrita aos requisitos
de validade fixados na lei, sob pena de invalidade.
 A sua legalidade depende da existência, validade e eficácia do ato de
delegação, ficando exposto ao vicio de incompetência se for inexistente,
inválida ou ineficaz.
 Devem conter menção expressa de que são atos praticados por
delegação, identificando o delegante. Esta menção pode condicionar a
escolha de via de impugnação adequada pelo particular que queira
questionar a validade do ato praticado.
4. Natureza dos atos do delegado:
 Atos do delegado são definitivos nos termos em que o seriam se tivessem
sido praticados pelo delegante.

50
Inês Godinho

 O recurso dos atos do delegado para o delegante só pode ter lugar por
expressa disposição legal.
5. Extinção da delegação:
 Pode ser extinta por anulação ou revogação. A qualquer momento o
delegante pode pôr termo à delegação. A delegação é então um ato
precário.
 Extingue-se por caducidade sempre que mudar a pessoa do delegante ou
a do delegado. A delegação é, portanto, um ato intuitu personae.
6. Regime jurídico da subdelegação:
 Salvo disposição em contrário, qualquer delegante pode autorizar o
delegado a subdelegar: há uma habilitação genérica permissiva de todas
as subdelegações de 1º grau.
 Quanto às subdelegações de 2º grau e subsequentes, a lei dispensa quer
a autorização prévia do delegante, quer a do delegado, e entrega-as à
livre decisão do subdelegado, salvo disposição legal em contrário ou
reserva expressa do delegante ou subdelegante.
Natureza da delegação
1) Tese da alienação: a delegação de poderes é um ato de transmissão ou alienação
da competência do delegante para o delegado. Transfere-se a titularidade da
competência.
2) Tese da autorização: a lei de habilitação confere uma competência condicional
ao delegado, sobre as matérias em que permite a delegação. Antes da delegação,
o delegado já é competente, mas só pode exercer a competência quando o
delegante permitir. Assim, o ato de delegação tem natureza de autorização.
3) Tese da transferência de exercício: a delegação não é uma alienação nem uma
autorização. A delegação consiste numa transferência do exercício da
competência (Freitas do Amaral19).
Centralização e Descentralização
Estes dois conceitos põem em causa várias pessoas coletivas públicas ao mesmo tempo.
Num plano jurídico, é centralizado um sistema em que todas as atribuições de um dado
país são conferidas ao Estado, não existindo outras pessoas coletivas públicas
incumbidas do exercício da função administrativa. Por outro lado, é descentralizado o
sistema em que a função administrativa esteja confiada não apenas ao Estado, mas
também a outras pessoas coletivas territoriais, designadamente as autarquias locais
(basta que existam como pessoas coletivas distintas do Estado). Num plano político-
administrativo, há centralização quando os órgãos das autarquias locais sejam
livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando devam obediência
ao governo ou quando se encontrem sujeitos a formas particularmente intensas de
tutela administrativa, designadamente ampla tutela de mérito. Por outro lado, há
descentralização quando os órgãos das autarquias locais são livremente eleitos pelas

19 Explica as falhas de todas as restantes, no seu entender.

51
Inês Godinho

respetivas populações, quando a lei os considera independentes na órbitra das suas


competências e atribuições e quando estiverem sujeitos a formas atenuadas de tutela
administrativa, em regra restritas ao controlo da legalidade. O Estado português é um
Estado descentralizado (6º/1 e 267º/2 CRP).
Vantagens e inconvenientes da centralização: assegura a unidade do Estado; garante a
homogeneidade da ação política e administrativa desenvolvida no país; e permite uma
melhor coordenação do exercício da função administrativa. Por outro lado, gera a
hipertrofia do Estado, provocando gigantismo do poder central; é fonte de ineficácia
administrativa, porque confia tudo ao Estado; é causa de elevados custos financeiros
relativamente ao exercício da ação administrativa: abafa a vida local autónoma,
reduzindo ou eliminando a muito pouco a atividade própria das comunidades
tradicionais; não respeita as liberdades locais; e faz depender todo o sistema
administrativo da insensibilidade do poder central ou dos seus delegados, à maioria dos
problemas locais.
Vantagens e inconvenientes da descentralização: garante as liberdades locais, servindo
de base a um sistema pluralista da administração pública que é por sua vez uma forma
de limitação do poder politico (o poder local é um limite ao abuso do poder central);
proporciona a participação dos cidadãos na tomada das decisões públicas em matérias
que concernem aos seus interesses e a participação é um dos grandes objetivos do
Estado Moderno; permite aproveitar para a realização do bem comum a sensibilidade
das populações locais relativamente aos seus problemas, e facilita a mobilização das
iniciativas e das energias locais para as tarefas de administração pública; e proporciona,
em principio, soluções mais vantajosas do que a centralização, em termos de custo-
eficácia. Por sua vez, gera alguma descoordenação no exercício da função
administrativa; abre porta ao mau uso de poderes discricionários da administração por
parte de pessoas nem sempre bem preparadas para o exercer. É necessário estabelecer
por lei, um certo número de mecanismos de coordenação e controlo, para
contrabalançar os efeitos negativos da descentralização.
Espécies de descentralização:
a) Quanto às formas: pode ser territorial, isto é, dá origem à existência de
autarquias locais; ou institucional, isto é, dá origem a institutos públicos; ou
associativa, isto é, dá origem a associações públicas. Para o autor a designação
“descentralização” apenas versa a territorial. Sendo que as restantes são
designadas de “devolução de poderes”.
b) Quanto aos graus: simples atribuição de personalidade jurídica de direito privado
(forma de descentralização privada); atribuição de personalidade jurídica de
direito público; além da personalidade de direito público, a atribuição de
autonomia administrativa; além da personalidade de direito público e da
atribuição de autonomia administrativa, atribuição de autonomia financeira;
além das 3 anteriores, atribuição de faculdades regulamentares; para além de
tudo o que foi enumerado, atribuição também de poderes legislativos próprios
(descentralização política- RA).

52
Inês Godinho

Limites da descentralização: A ilimitada descentralização degeneraria rapidamente no


caos administrativo e na desagregação do Estado, além de que provocaria com certeza
atropelos à legalidade, à boa administração e aos direitos dos particulares. Os limites
podem ser: a todos os poderes da Administração, e portanto, também aos poderes das
entidades descentralizadas (ex: lei delimita as competências e atribuições de uma
autarquia local; obrigação das autarquias locais se regerem pela legalidade; imposição
das autarquias locais respeitarem o direitos e interesses legítimos dos particulares); à
quantidade de poderes transferíveis para as entidades descentralizadas (267º/2); e ao
exercício dos poderes transferidos (resultam sobretudo da intervenção do Estado na
gestão das autarquias locais). Deste terceiro limite, a forma mais importante de
intervenção é a tutela administrativa.
Tutela Administrativa
Consiste no conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva na gestão de
outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade (cumpra as leis em vigor) ou o
mérito da sua atuação (garantir que sejam adotadas soluções convenientes e oportunas
para a prossecução do interesse público).
Pressupõe assim, a existência de dias pessoas coletivas distintas (a tutelar e a tutelada).
Normalmente, a pessoa coletiva tutelada é uma pessoa coletiva pública, mas nada diz
que não pode ser uma pessoa coletiva privada (nas pessoas coletivas de utilidade pública
a lei impõe isso e a Constituição não impede).
A tutela administrativa não se confunde com:
➔ Hierarquia, pois esta é um modelo de organização dentro de cada pessoa coletiva
pública;
➔ Controlo Jurisdicional da Administração Pública, porque a tutela é exercida por
órgãos da administração e não por tribunais, sendo o seu desempenho uma forma
de exercício da função administrativa e não da função jurisdicional;
➔ Certos controlos internos da Administração, como a sujeição a autorização ou
aprovação por órgãos da mesma pessoa coletiva20, pois aqui falta também o
requisito de duas pessoas coletivas;
➔ Referendo, pois tudo se passa dentro da mesma coletiva, sujeitando atos de certos
órgãos de uma pessoa coletiva pública à aprovação por parte do eleitorado que
constitui o elemento humano básico dessa pessoa coletiva.
Espécies de tutela administrativa:
a) Quanto ao fim: tutela de legalidade (visa controlar a legalidade das decisões da
entidade tutelada, isto é, se é conforme a lei) e tutela de mérito (visa controlar
o mérito das decisões administrativas da entidade tutelada, isto é, se é
conveniente, oportuna, correta do ponto de vista administrativo, técnico,
financeiro). A tutela do Governo sobre as autarquias locais é meramente uma
tutela de legalidade (242º/1 CRP). Por outro lado, nada impede que a tutela

20 Como acontece com certas deliberações das Câmaras sujeitas à aprovação ou autorização da Assembleia Municipal.

53
Inês Godinho

sobre os institutos públicos e até sobre as associações públicas seja de mérito,


visto não estarem protegidas por nenhuma disposição constitucional.
b) Quanto ao conteúdo:
• Tutela inspetiva: consiste no poder de fiscalizar os órgãos, serviços,
documentos e contas da entidade tutelada (fiscalização do organização e
funcionamento da entidade tutelada). Dentro da Administração Pública
existem serviços encarregados de exercer esta função: serviços
inspetivos.
• Tutela integrativa: consiste no poder de autorizar (inspetiva a priori) ou
aprovar (integrativa a posteriori) atos da entidade tutelada. Quando um
ato está sujeito à autorização a entidade tutelada não pode praticar o ato
sem que primeiro obtenha a autorização. Por outro lado, se o ato está
sujeito à aprovação, a entidade tutelada pode praticar o ato, mas não
pode é pô-lo em prática/ executá-lo antes de obter aprovação. A regra
geral, é que a entidade pratica o ato, envia-o para aprovação da entidade
tutelar e aguarda a resposta de aprovação ou não aprovação, mas
existem casos em que a entidade tutelada, depois de praticar o ato,
apenas tem o comunicar à entidade tutelar, sendo que esta tem o poder
de se opor à execução do ato (Veto) No necessidade de autorização, a
exigência de autorização é uma condição de validade (gera invalidade,
sanável), enquanto que a exigência de aprovação é uma condição de
eficácia (gera ineficácia, não sanável). A subordinação à aprovação é uma
forma de intervenção mais intensa do que a exigência de autorização.
Tanto a autorização como a aprovação podem ser expressas ou tácitas,
totais ou parciais, puras, condicionais ou a termo. Mas nunca podem
modificar o ato sujeitos a apreciação, porque para o modificar a entidade
tutelar teria de ter competência para se substituir à entidade tutelada, e
não tem. Quem impugna deverá fazê-lo em relação ao ato da entidade
tutelada.
• Tutela sancionatória: consiste no poder de aplicar sanções por
irregularidades que tenham sido detetadas na entidade tutelada.
• Tutela revogatória: é o poder de revogar os atos administrativos
praticados pela entidade tutelada. Este poder existe excecionalmente na
tutela administrativa.
• Tutela substitutiva: é o poder da entidade tutelar suprir as imissões da
entidade tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os atos que
forem legalmente devidos. Só haverá quando os órgãos competentes da
pessoa coletiva tutelada não praticarem atos que sejam para eles
juridicamente obrigatórios.
É legitimo a lei ordinária estabelecer formas de tutela integrativa sancionatória,
revogatória ou substitutiva sobre as autarquias locais?
O artigo 242º afirma que a tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na
verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, sendo, portanto,

54
Inês Godinho

possível inferir que tanto a inspetiva como a integrativa seriam possíveis visto que
contribuem para verificar essa legalidade. Por outro lado, verificada a ilegalidade, a
tutela sancionatória e revogatória, ou seja, a aplicação de sanção ou obtenção de
anulação de um ato ilegal de uma autarquia local deve ser efetivada através dos
tribunais, mediante ação do Ministério Público. Quanto à tutela substitutiva não parece
ser compatível com o artigo 243º/1 CRP nem com o princípio da autonomia do poder
local, pelo que só será legitima se a própria Constituição o vier a prever.
Regime jurídico: a tutela administrativa não se presume e, portanto, só existe quando a
lei expressamente a prevê e nos termos em que a lei estabelece. A tutela sobre as
autarquias locais é meramente de legalidade, não havendo tutela de mérito sobre as
autarquias locais (242º/1). Consideramos que os órgãos autárquicos podem, se
entenderem, consultar o Governo sobre dúvidas de interpretação de diplomas em vigor,
tendo a Administração central de estar preparada a responder, dando meros pareceres,
Não há portanto um poder para a entidade tutelar dar instruções ou ordens sobre a
interpretação, até porque iria contra os artigos 114º LAL, 112º/6 CRP, 242º/1 CRP e 6º/1
CRP (indo contra os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização
democrática da administração pública). A entidade tutelada tem a legitimidade para
impugnar quer administrativa quer contenciosamente os atos pelos quais a entidade
tutelar exerça os seus poderes de tutela em termos que a prejudiquem (55º/1 alínea c)
CPTA).
Natureza jurídica da tutela administrativa:
a) Tese da analogia com a tutela civil: a tutela administrativa seria uma figura
bastante semelhante à tutela civil, criando-se no direito administrativo um
mecanismo apto a prevenir e remediar as deficiências que sempre têm lugar na
atuação de entidades públicas menores ou subordinadas. Visaria suprir
deficiências orgânicas ou funcionais das entidades tuteladas.
b) Tese da hierarquia enfraquecida: os poderes tutelares são poderes hierárquicos
enfraquecidos, porque se exercem, sobre entidades autónomas e não sobre
entidades dependentes.
c) Tese do poder de controlo: corresponde à ideia de um poder de controlo
exercido por um órgão de administração sobre certas pessoas coletivas sujeitas
À sua intervenção, para assegurar o respeito de determinados valores
considerados essenciais. É a tese defendida pelo autor, pois considera que não
se pode fazer uma analogia à tutela civil, visto que esta pressupõe a existência
de um sujeito de direito a quem a lei não reconhece capacidade para exercer os
seus direitos, o que não acontece com as pessoas coletivas. Por outro lado, não
seria uma hierarquia enfraquecida, pois se fosse uma hierarquia (ainda que
enfraquecida/limitada pela lei) existiria sem necessidade de texto expresso, o
que não é o caso, visto que a tutela administrativa não se presume. Até os
próprios poderes do superior hierárquico só excecionalmente existem na tutela
(ainda que fosse apenas um necessário), e o poder de direção (núcleo da
hierarquia) não existe de todo na tutela, visto que nas entidades tuteladas os

55
Inês Godinho

seus órgãos são independentes (44º LAL), não devendo obediência ao Governo.
Os órgãos tutelares são assim órgãos de controlo, assegurando o acatamento da
legalidade e (nos casos em que a lei assim determina) o mérito da ação por elas
desenvolvida.
Integração e devolução de poderes
Os interesses públicos de qualquer pessoa coletiva de fins múltiplos (Estado, RA ou
autarquias locais) podem ser mantidos pela lei no elenco de atribuições da entidade a
que pertencem ou podem ser transferidos para uma pessoa coletiva pública de fins
singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução. Assim, integração
de poderes consiste no sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo
Estado, ou pelas pessoas coletivas de população e território são postos por lei a cargo
das próprias pessoas coletivas a que pertencem. Por outro lado, devolução de poderes
consiste no sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou de pessoas
coletivas de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas coletivas
públicas de fins singulares.
Vantagens e inconvenientes da devolução de poderes: por um lado, permite maior
comunidade e eficiência na gestão, de modo que a Administração no seu todo, funcione
de modo mais eficiente, uma vez que se descongestionou a gestão da pessoa coletiva
principal. Por outro lado, proliferam centros de decisão autónomos, de patrimónios
separados, de fenómenos financeiros que escapam em boa parte ao controlo global do
Estado, existindo sempre o perigo de desagregação, pulverização do poder e
descontrolo de um conjunto demasiado disperso. A tendência atual é aceitar como
positivo o sistema de devolução de poderes, mas contendo-o dentro de limites
razoáveis.
Regime jurídico: a devolução de poderes é sempre feita por lei. Os poderes transferidos
são exercidos em nome próprio pela pessoa coletiva criada para o efeito, mas são
exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob orientação dos
respetivos órgãos. As pessoas coletivas que recebem devolução de poderes são entes
auxiliares ou instrumentais, não exercendo uma autoadministração, ainda que possam
ter, e costumam tem, autonomia administrativa e financeira. Quem define a orientação
geral da sua atividade é o Estado, ou a pessoa coletiva de fins públicos que as criou,
sendo, portanto, organismos dependentes (não independentes como as autarquias
locais). Os institutos públicos e empresas públicas preparam e elaboram o plano de
atividades e o orçamento para o ano seguinte, mas quem os aprova é o Governo (as
autarquias locais podem livremente elaborar o seu plano de atividades para cada ano e
respetivo orçamento). Estes porque exercem uma administração indireta não podem
traçar eles próprios o rumo ou definir as grandes orientações da sua atividade.
Estes organismos estão sujeitos a tutela administrativa e superintendência (199º/ alínea
d). A superintendência é o poder conferido ao Estado, ou outra pessoa coletiva de fins
múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins
singulares colocadas por lei na sua dependência. É assim um poder mais amplo, mais

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Inês Godinho

intenso, mais forte do que a tutela administrativa. É a entidade exterior que define os
objetivos e guia, nas suas linhas gerais, a atuação das entidades subordinadas, dispondo
estas apenas de autonomia para encontrar as melhores formas de cumprir as
orientações que lhe são traçadas. A tutela controla entidades independentes, a
superintendência orienta entidades dependentes. O poder de superintendência é
menos forte que o poder de direção, típico da hierarquia, porque traduz-se na faculdade
de emitir diretivas21 e recomendações22 (e não ordens ou instruções como no poder de
direção, com consequente dever de obediência).
Artigo 199º/ alínea d):
➔ A Administração direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de
superior hierárquico, dispondo de poder de direção.
➔ Administração indireta do Estado: o Governo tem a responsabilidade de
superintendência, possuindo poder de orientação
➔ Administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quando a ela a
função de tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto
de poderes de controlo.
Natureza jurídica da superintendência:
a) Como tutela reforçada: os poderes da entidade responsável são poderes de
tutela, mas reforçados porque comportam o poder de orientação. É a conceção
que é mais adotada nos juristas.
b) Como hierarquia enfraquecida: o poder de orientação como sendo um
enfraquecimento do poder de direção. É a conceção que mais influencia na
prática a nossa Administração.
c) Como poder de orientação: Considerar a superintendência como um tipo
autónomo, situado a mio da hierarquia e da tutela, tendo natureza própria.
Conceção defendida pelo autor. Tentar considerar a superintendência como
tutela é ficar aquém da realidade, mas considerá-la como hierarquia também é
ir além do razoável, visto que as entidades são centros autónomos, com
personalidade jurídica e não meros órgãos do Estado. Entender que seria uma
hierarquia enfraquecida significava que não era necessário consagração legal
especifica, sendo isso que acontece na prática da administração portuguesa, mas
isso não é aceitável de acordo com os princípios da Administração. A
superintendência também não se presume, sendo os poderes em que ela se
consubstancia aqueles que a lei confere.

21 São orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que
lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e as formas a adotar para atingir esses objetivos.
22 São conselhos emitidos sem força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento.

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Inês Godinho

Princípios Constitucionais da Organização Administrativa


Do artigo 267º/ 1 e 2 podemos retirar os seguintes princípios:

 Princípio da desburocratização: a administração pública deve ser organizada e


deve funcionar em termos de eficiência e de facilitação da vida aos particulares;
 Princípio da aproximação dos serviços às populações: administração deve ser
estruturada de tal form que os seus serviços se encontrem o mais possível junto
das populações que visam servir, o que obriga, tanto quanto possível, a instalar
geograficamente os serviços públicos junto das populações a que eles se
destinam. Deve atender-se que a aproximação não é apenas geográfica, as
também psicológica e humana;
 Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública:
os cidadãos não devem interferir na vida da administração apenas através da
eleição dos respetivos órgãos, ficando depois alheios a todo o funcionamento,
devendo ser chamados a interferir no próprio funcionamento quotidiano da
administração e até participar na tomada de decisões administrativas
 Princípio da descentralização;
 Princípio da desconcentração.

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