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Alaor Chaves - J. F. Sampaio FS Mecdnica ais LIEK) AN Fisica Basica Mecdnica = Respeite o dhreite autora! Como Utilizar este Livro Estrutura da obra e variagGes em sua aplicacéo Ag escreverem Fisica Basiea fs autores levaram em conta & tendéncia tflexiilizagio que se ‘observa, em todo 0 mundo, nos cursos universitdros, tomando & ‘obra compativel com ss muitar ‘pgs sobre a ordem em que os diversos assurtos sio ensimados Fisica Basica pode ser usado em cursos ministados em ts ‘8 em quatro semestres, No primeito, sem dvi, deve- se user o volume Mecdaica, assunto que €0 fundamenco de toda a fisica. Mas, sp6s isso, tanto se pode ir para 0 volume letromagnetismo como para 0 Gravitagdo | Fluidos | Ondas | Termodindmiea Fisica Bésica foi escrito para cursos universitérios de introdugio a fisica, destinados a estudantes de ciéncias e engenharias. Ao escrevé-lo, levamos em conta ¢ com atengio a tendéncia a flexibilizacio que se observa, em todo 0 mundo, nos cursos universitirios. Tentamos também torné-lo compatfvel com 2s muitas opgdes sobre a ordem em que 0s diversos assuntos so ensinados. Isso possibilitou que os trés volumes do livro nem. sequer fossem numerados. Fisica Basica pode ser usado em cursos ministrados em trés ou, de maneira mais Ienta ou exaustiva, em quatro semestres. No primeiro, sem divida, deve-se usar o volume Mecdnica, assunto que ¢ 0 fundamento de toda a fisica. Mas, ap6s isso, tanto se pode ir parao volume Eletromagnerismo como para o Gravitagao | Fluidos | Ondas | Termodindmica. Acreditamos que © mais adequado seja estudar cletromagnetismo apés mecanice, pois, essas duas disciplinas so muito semelhantes em sua estrutura: ambas sfio formuladas inteiramente em termos de leis de movimento, expressas por equages exatas e de cardter abrangente, Essas duas matérias constituem 0 néicleo do que neste livro denominamos paradigma newtoniano. Também séo ciéncias simples, pelo menos na sua formulagao. Depois disso vém temas como fluidos e termodindmica, cuja compreensio requer maior maturidade e nos quzis, com freqiténcia, os fenémenos so complexos, Além do mais, a termodindmica tem uma estrutura inteiramente distinta, e seus fundamentos j& no sto equagdes de movimento, A termodinamica fica fora do paradigma newtoniano, pelo menos no atual estgio do conhecimento. Deve-se ainda considerar o fato de que, sem antes ter estudado eletromagnetismo, é imposs{vel compreender a termodinimica dos sistemas eletromagnéticos — o que equivale a dizer que impossfvel entender as pro- priedades termodinamicas dos materiais —, e isso é lamentdvel, pois este € hoje oramo mais importante da termodindmica. Flexibilidade Asm de pessibilitar odena- ‘mentos slterativos dos temas do curso, est Livro foi escrito de modo que qualquer dos seus volumes posss serutilizado por cestudantes que até entdo tenam cestudado em outro live, Cada volume de Fisiea Basia ‘ais autocontido que o usual, 0 que requereu alguma dupli ccagio de capitules. © volume Mecinica contém: um capitulo sobre oscilador harmnico e outro sobre gravitagac, capitu- los esses repetidas no volume Gravtagto | Fluidos | Ondas | Termodindmica Além de possibilitar ordenamentos altemnativos dos temas do curso, este livro foi es- tito de modo que qualquer dos seus volumes possa ser utilizado por estudantes que até entio tenham estudado em outro livro. Para isso, tornou-se necessério que cada volume fosse mais autocontido que o usual, o que requereu alguma duplicago de capitulos. O volume Mecdnica contém um capftulo sobre oscilador harménico e outro sobre gravita- Go. Isso € quase imperativo, pois 0 movimento harménico é o mais importante de todos ‘05 movimentos, e a explicagio do movimento dos planetas foi o que deu suporte & obra de Newton —e finalmente levou & sua aceitago undnime, Entretanto, por exigtidade de tempo, com freqiiéncia a gravitagdo nao é ensinada no primeiro semestre. Por outro Jado, muitos professores preferem unir 0 ensino do movimento oscilatério ao estudo de ondas, dada a similaridade dos dois fendmenos. Assim, os capftulos sobre gravitagao sobre movimento harménico so repetidos no volume Gravitagdo | Ondas | Fluidos | Termodindmica. A apresentagiio do estudo de ondas também é parcialmente duplicada. No volume de eletromagnetismo, esté inclufdo 0 estudo das ondas eletromagnéticas Para que o assunto fosse compreensivel por um aluno que ainda néo tivesse feito um estudo abrangente de ondas, foi acrescentada uma introdugdo a esse assunto. Mas essas ) ‘ea deixou como fazer medigdes aproximadas das alturas das montarhas e profundidades dos vales, muitos deles em forma de crateras circulares. Iss0 pedia reconsideragdes sobre dogmas de Plato € Arist6teles, para quem os astros celestes eram realizagdes concretas da perfeigdo e portanto 86 poderiam adotar a forma de perfeita esfcra. Olhando para Jépiter, Galileu descobriu que 0 planeta tinha quatro satélites orbitando em tomo de si, do mesmo modo que a Lua orbita em volta da Terra. Tal paralelo entre Jépiter e a Terra também sugeria que os planetas pudessem. ser objetos anélogos 2 Terra, e portanto que a suposta antitese entre 0 céu ea terra fosse um conceito equivocado. A partir de Galileu, os instrumentos de observagdo ¢ medida néo pararam de se diversificar © ampliar © seu poder, © foram acrescidos de outros instrumentos de investigacdo da Natureza, os hoje denominados instrumentos de manipulacdo. Tal para- ferndlia € hoje extraordinariamente diversificada e sofisticada, e no conjunto denominada instrumentagdo cientfica. 1.4.2 A idealizagaéo dos objetos e fenémenos sob investigagao ‘Como vimos, aantitese grega entre 0 cu e a terra teve origem na constatagio de que, 20 contrério dos fendmenos celestes, os fenmenos & nossa volta geralmente so muito complexos. Tal complexidade também desestimulou enormemente a investigacdo, em toda a Antiguidace, dos fendmenos terrestres, especialmente dos fendmenos dinamicos (que envolvem alguma evolugao temporal). Galileu dea uma abordagem enormemente eficaz ao estudo dos fenémenos complexos da terra que desde entao tem sido adotada na investigacao cientfica, Reconheceu que, freqientemente, muitas complicagdes envol vidas em um fendmeno podem ser ignoradas em um processo de idealizagio no qual o fenémeno é imaginedo livre delas. Como notou Galileu, muitas vezes a consi¢eragao dos fenmenos assim idealizados revela regularidades de grande importincia e reveladoras da maneira como a Natureza funciona. Um exemplo historicamente muito importante revela a eficécia do processo galileano de idealizacao. A compreensio do movimento sempre fora dificultada pela presenga universal — aqui na terra —e perturbadora do arto, Aristételes foi especialmente iludido pelo efeito do atrito sobre © movimento dos corpos terrestres, e disto em parte resultaram seus conceitos equivocados Fisica Basia = Mecanica i Pierre Gassendi 0 filbsofo frances Pierre Gassendi (1592-1655) teve um importante papel na revolugio cientiica 30 resgatar o atomismo proposto pelos gregos e inseri-lo no espitto da época. O atcmismo era negado pela Igreja tanto porque Aristétcles o havia rejeitada quanto porque os étomos eram considerados entidades cfernas, Gassendi climincu esta lima barreira ao ceferder que os étomes haviam sida criados por Deus. oi o primeiro atomista da modernidade. Galleureconheceuque fre- qlientemente, muitas compli- «egdes envolvidas em um fend: ‘meno podem ser ignoradas em um processo de icealizacio no ual ofendmenoe irmaginado livre delas ‘Na investigagao dos fenéme- os, quase sempre éindispen- sével abordélos primeironos seus aspectos mais simples, € somente apés 0 entendimen: to desses aspectos simples refinar a andlise com incluso progressiva desingredientes compicadores sobre quase tudo relativo ao movimento. Os estudos de Galileu sobre o movimento esto des- critos em sua obra Didlogas sobre Duas Novas Ciéncias (1638), seu mais importante tratado cientffico. No livro,trés interlocutores ficticios discutem um tratado cieatifico escrito por um_ quarto personagem, referido como Autor. As discusses se passam entre Simplicio, que defende as idéias e dogmas entio vigentes, essencialmente arstotélicos, Sagredo, objetivo e neutro, € Salviati, quo expec justifica os idéias do Autor. Tal abordagem possibilita acxposigio clara © explicita, pela voz de Salviati, do método ciemffico praticado pelo Autor. Tentando idealizar, a partir de extrapolagGes baseadas em seus diversos experimentos, o movimento livre do atrito, Galileu (0 Autor) fez descobertas revelucionérias e fundamentais para o desenvolvimento da mecanica newtoniana, das quais mencionaremos as duas mais importantes: 1, Nao fora a resisténcia do ar, todos os corpes, tanto uma bola de chumbo como uma pluma, levariam 0 mesmo tempo paracairde uma dada altura, Experiéncias feitas posteriormente com corpos caindo no vacuo (dentro de cmaras evecuadas) comprovaram inteiramente a conclusio de Galileu. 2. Nao fora o atrito — agora envolvendo a resisténcia do ar e também o atrito de contato entre dois corpos s6lidos —, tanto uma bola rfgida rolando sobre um plano rigido perfei- tamente horizontal como um bloco deslizanéo sobre tal plano se moveriam para sempre ‘sem qualquer alterago em suas velocidades. Comentando sobre 0 efeito do atrito, diz Salviati “...a perturbagdo gerada pela resisténcia do meiof...], devida @ sua diversidade de for- ‘mas, néo se submete aleisfxas nem descrigéo exata. Assim, se considerarmos somente a resisténcia que. ar oferece aos movimentos estudadas por nbs, veremosque ela perturba todos eles e 0s perturba em uma infinita variedade de modos correspondentes Q infinita variedade de formas, peso e velocidade dos projéteis... Dessa variedade de peso, veloci- dade, etambém de forma, nao é possivel dar uma descrigdo exata; assim, para abordar essa matéria de uma forma cientifica, é necessdrio ignorarmos essas dijiculdades; ¢ wma vez descobertos e demonstrados os teoremas, no caso da auséncia da resisténcia do ar, usé-los e aplicd-los com as limitagdes ensinadas pela experiéncia. E a vantagem dese ‘método nao serd pequena...” 0 método da idealizacio iniciado por Galileu € intensamente utilizado na ciéncia e se mostrou um dos mais poderosos métodos de investigecdo. Neste curso, tal método serd empregado com freqiiéncia, e esperamos que voc® adquira certa versatilidade no seu uso, que na verdade é uma arte, Entretanto, hé de se tomar extremo cuidado: na idealizago sem. discernimento e percepgao prévia do fenémeno na sua real essrcia, pode ocorter que algum. de seus aspectos fundamentais seja retirado da andlise juntamente com outros aspectos pe- riféricos e meramente complicadores. Assim, a crianga pode ser jogada fora com a 4gua do banho. A maestria na arte da idealizagao frequentemente € o que distingue o brilhantismo da ‘mera competéncia cientffica. Naturalmente, como jé nos alertou Galileu, muitas vezes pretendemos entender também os aspectos complicadores de um fendmeno. Por exemplo, rio podemos ignorar a resistencia do ar se nosso objetivo € deseavolver a balistica ou estudar o movimento de um vido. Entretanto, ara que possamos progredir na investigecdo dos feadmenos, quase sempre é indispensével abordé-los primeiro nos seus aspectos mais simples, e somente apés o entendimento desses aspectos simples refinar a andlise coma inclusio progressiva dos ingredientes complicadores. Cptio1 m © que €aFisia 7 = i i 0 podre, matemético ¢ astrénome polonés Mikolaj Keppernigk (1473-1543), que adotou nome MUCCRRLIERPENINCE a Neca Coperuices cout em io cantcce, fran tn aga dlgray a, pecialmente cara 0 coragéo humano: ode que a Tarra seria um corpo im6ve! nocentro do Universo. Tal di fora defendida por Pitégoras, Patio e Arstoteles. matemiético Eudxio ée Cnido (408 a.C.~347 &.C) e Aristteles desenvolveram um complicado modelo pars deserever © movimento dos astro, um. saparato de esferas (56 na versio de Arist6teles) em rotago em tomo da Terra. Ta modelo foi sprimorado por Cléudio Ptolomeu (100-175) até ficarsatsfat6rio para explicar o movimento dos planctas, do Sol, da Luae dis esteas.Auistarco Ge Semos (320 a.C.-250 aC.) propos que 0 Sol fosse o cent do Univeno, mas suas as no vingeram. Copémico props o mesmo em sia obra Das Revolucdes dos Corpos Ce- lestes, publicada postumamente. Teve o cuidado deescrever seulivre emlinguagem acessivel apenas 20s astrénomos e colocar todas as suas proposizdes apenas como hipstess ites para célculos astrondmicos, « também a precaugéo de postergar sua publicagdo (viu as provas do livro em seu Kito de morte). No modelo de Copémico, a Tera dé um gro dirio em torno de sev eixo, ¢orbita 0 Sol, untamente com os planctas, em trajetérss circulars. As estrelas fo fixase esto a enormes distncias do Sol, e seu mori- mero apareate ¢ devido apenas & rotacdo da Terra. Por supor que as érbitas planetrias sao circulares, 19 modelo de Copémico é na verdade meros precixo, ra previsio dos movimentos dos planetas, que © engenhoso modelo de Ptclomeu. Kepler foi quem Ihe deu a versio final c extrardinariamente precisa. O Revolugées foi mantido no Index de Livras Proibidos (pela lgreja) de 1616 = 1835. ic 1.4.3 A limitagéo metédica do escopo da andlise Galileu dedicou grande esforgo 20 estudo do movimento, sem qualquer consideragio sobre as suas causas, Tal ciéncia, 0 estudo do movimento sem conexio com seus agentes causadores, hoje denominada cinemética, foi essencial para que Newton mais tarde pudesse desenvolver a dindmica, ou seja, 0 estudo do movimento em conexio com suas causas. No Didlogos podemos ler: Sagredo: — Dessas consideragoes me parece que podertamos obter a solugao real do problema discutido pelos fldsofos, qual seja, 0 que causa a aceleragdo no movimento natural dos corpos pesados?.. Salviati: — O presente née parece o momento préprio para se investigar a causada acele- ragio natural, sobrea qualdistintas opinides tem sido expressas por varios fibsofos...todas essas fantasias, e também outras, teriam de ser examinadas; mas isso realmente no valeria pena. No presente, o propdsito do nosso Autor é apenas investigar edemonstrar algumas propriedades do movimenio acelerado (seja qual for a causa dessa aceleragdo).. Naturalmente, Galileu sabia da imporcincia de investigar a causa da aceleragdo dos cor- ___ Desde Gallleu,os dentstas hos em queda. Entretanto, também sabia que sem novos dados, experimentais ou de alguma tem conauistadoa compreen- atureza ainda ndo vislumbrada, qualquer opinido sobre a referida causa seria mera fantasia. sto da Natureza p03 S50. Coreudo, dsixando tal questo de lado e postegando-a para momento histérico oportuno, conquistes dos seus preceden, f€8tou-Ihe nas mics o problema do movimento em si, cuja compreensdo ele péde obter com ‘esea partir delas dando seus _inteira seguranca, Tal estratégia tem sido de fundamental importancia para 0 progresso da prépries passos conscientes ciéncia, e nfo seriaexagero dizer que ¢ exatamente ela que faz com que a ciéncia seja otinico dias suas imitagdes mes sem se conhecimento realmente cumulativo: desde Galileu, os cientistas mn conquistado a compre~ deiarimobiizarporelas ensio da Natureza pasto a passo, cada um se baseando nas conquistas dos seus precedentes e a partir delas dando seus pr6prios passos, conscientes das suas imitagOes mas sem se deixar imobilizar por elas. 1.4.4 Experiéncias especialmente projetadas para testar hipdteses ‘Uma inovagao importante agregada por Galileu ao método de investigagdo da Natureza € ‘a experiéncia especialmente projetada para testar uma dada hipétese, cujos resultados sejam Fisica Basia = Mecanica = Galileu Galilei Galileu Galilsi (1564-1612) foi o fundador do método cientifce, Ingressou na Universidade de Pisa em 1581 para estudar medicina, mas seus interesses se voltarem mais para a matemética. Estudou os ‘matematicos gregos Euclides(c. 325 a.C.-c. 265 2.C.) ¢ Arquimedes (287 2.C.-212 aC), e mais tarde ‘Apolonio de Perga (c. 262 aC.-c. 190a.C). Deixou a Universidade de Fisa em 1585 semobter qualquer diploma, mas a ela retomou em 1589 como profestor de matemtica. Pisa, como todas a: universidades a épocs, era dominada pelo pensamento de Aristételes, dagmatizado pela Igreja, mas Galile insisiu 1a experimentagio ena mensuragio, principalmente scbre o movimento dos corpos. Criou a cinemética (estudo do movimento), chegande & perfeita descrigo matemética da queds dos compos, do movimesto dos projéteise da oscilagio de um péndule. Descobriu a le da inéreia, que afirma que um como livre de forgas permanece em repouso ou em movimento retilineo uniforme, Entretanto, nfo exendeu a lei da inércia aos corpos celestes; estes, na aus@acia de forgas, reaizariam movimentos circulares uniformes. Assim, mantove intocadaa distingio aristo‘éica entre as leis do e6u ¢ asda terra. Aprimorou otclesedpio, inventado na Holanda, ¢ 0 utilizou pela primeira vez para estudar os astros. Defendeu 0 heliocentrismo pproposto por Ptolomeu eacabou sendo perseguido pels Igrja, Suas experiéncias também afiontavam o CConeilio de Trento (1543-1563), que pregava: “A fé ndo s6 exclui qualquer divida, mas 0 prdprio desejo de submetera verdade A demonstzago”! Para escapar da fogueira, teve de renegar de joelhos sua crenga 10 heliocentsismo, mas mesmo assim foi condenado a priséo domiciliar perpétua. Galileu alotou o métedo experimental dos ptagéricase de Arquimedss, envolvendo ainvestigeniode ‘fenémeros em condigées controladas e reprodutives, sua quantficasso por meiode medidas ea buscade relagies matemticas entre as grandezas medias. \estcit ligagdo entre a matemética eas lis natursis estava plenamente clara para Galileu, que afirmou: “A ciéncia estd escrita nesse grande livre colocato sempre diamte de nossos olhes — 0 Universo —, mas ndo podemos lé-Io sem aprender a linguagem. ¢ entender os simbolosemstermos das quats esta escrito. Esse ivroesté escrito em lingueagers mtemdttca”. Galilew screscentou sind aos elementos jf adatados na Grécia na investigario dos fendimenos naturals ‘outros poderosos clementos metodol6gicos que discutimos neste capitulo. Galley concluiu, por um bri- Ihante processa de experimen- 12580 seguida de extrapolacao, que o tempo de queda deum corpo é proposcional &raiz quadrada da altura percorri- dda.Com base nisso, deduziu matematicamente que @ velocdade de corpo aumenta proporcionalmente ao tempo de percurso capazes de discriming-la de outras hipéteses alternativas. Novamente, podemos encontrar em, Didlogos um exemplo esclarecedor sobre tal tipo de experiacia, Desde a Gréca, jé se tinha consciéncia de que ao cair livremente os corpos tém velocidade erescente durante 0 processo de queda. Era claro que um compo caindo da altura de 2 matinge o solo com maior velocidade do que outro caindo da altura de 1 m, se ambos iniciam a queda a partir do repouso. A idéia ‘vigeate até Galileu era de que a velocidadedo corpo aumentava proporcionalmente adistancia porcorrida. Assim, um corpo caindo da altura de 2.m atingiria 0 solo com o dobro da velocidade de outro caindo da altura de 1 m. Galileu formuloa a hipétese alternativa de que a velocidade dos corpos em queda aumentava proporcionalmente 20 tempo decorrido desde a partida. Na- quela época nao era ainda possivel investigar experimentalmente a evolugio da velocidade dos corpos pesados em queda livre, devido & rapidez. do processo de queda. Empregando sua estratégia de investigar um fenémeno em situagio mais simples cujos resultados pudessem ser depois estendidos (extrapolados) para a compreensio do fenémeno em mira, Galileu realizou experiéncias sobre o rolamento netural de esferas polidas de bronze em planos, também de bronze polido, cuja inclinagdo em relagdo & diregao horizontal pudesse ser cortrolada, Pelo ‘menos para pequenas inclinagSes do plano, © movimento era lento o suficiente para que 0 tempo decorrida pudesse ser medido. Verificon que, para uma dada inclinago do plano, 0 tempo de rolamento daesfera era proporcional & riz quadrada da distancia percorrida. Assim, paraa esfera rolar uma distincia de 4 m (endo 2 m) o tempo necessério era o dobrodo tempo ¢gasto para rolar uma distdtcia de 1 m, como ilustra a Figura 1.1 ‘Sumarizando esse resultado experimental e colocando-o em uma linguagem mais geral, Galileu demonstrou que 0 tempo necessério para que a esfora, partindo do repouso, rolasse ‘uma certa distnciad € proporcional & raiz.quadrada de d. Como veremos no Capitulo 3 (Mo- vimento Retilineo), & possivel deduzir matematicamente que a velocidade da esfera aumenta de maneira proporcional ao tempo decorrido. Aumentando a inclinago do plano, os tempos envolvidos no rolamento, a partir de qualquer disténcia do fim do mesmo, diminufam, mas a mesma relagdo de proporcionalidade entre 0 tempo e a raiz quadrada da distincia era observada. Assim, Galileu estendeu a validade dos Cptio1 m © que €aFisia >: = ‘Tempo de rolamento = ‘Tempe de rolamento Figura seus resultados ao caso do plano vertical para concluir que o tempo de queda de um corpo & proporcional a reiz quadrada da altura da qual 0 corpo cai. Com esses dados ele pode de- ‘monstrer matematicamente que a velocidade do corpo em queda é proporcional ao tempo decorrido desde a partida. Segdo 1.5 = A Natureza é compreensivel! Conforme cbservamos anteriommente, a Netureza exibe alguns fendmenos com regularida- de ébvia, mas também muitos outros notoriamente irregulares, eparentemente caGticos (sem qualquer ordem). Ressalta-se 0 contraste entre o movimento do Sol buscando seu crepusculo © © complexo movimento das nuyens, com sua confusa geragao ¢ dissolugfio de padz6es © formas, numa evolugdo completamente imprevisivel, exemplo do contraste entre a ordem do céu.e aaparente desordem da terra, que tanto impressionou os gregos. Isso coloca em foco a questio essercial: ser a Natureza compreensfvel? A resposta é afirmativa, pelo menos no sentido que passaremos a expor. Yejamos os fendmenos naturais como um imenso jogo em que as peges sio movidas por divindades (muitos antigos gostavam de ver as coisas desse modo). Algumas cenas do jogo escapam completamente & nossa compreensdo, devido a sua complexidade. Entretanto, a atenta observacao das jogadas mais simples — ou a idealizagio das jogadas complicadas, 10s moldes tragados por Galileu — leva & percep¢do de que o jogo tem algumas regras que nunca so violadas. Tlustraremos isso com um exemplo hist6rico, talvez © mais importante da histéria da cincia. Nosso exemplo seré revisto de modo formal « detaltado nos Capftulos 6 (Leis Fundamentais da Mectnica) € 12 (Gravitagdo), ¢ portanto or ora nos restringiremos a algumas referencias a fetos. ‘ychoBrabe registrou por décadas, ¢ com inédita precisa, a posigdo didria dos cinco planetas, visfveis a olho nu. Jonannessepler analisou longamente esse bancode dados e sintetizou todo o seu contetido em trés regras, es chamadas leis de Kepler (os cieatistas chamam as regras do nosso jogo imagin‘rio de leis da Natureza). As leis de Kepler descrevem as regras seguidas pelos planetas em suas 6rbitas em torno do Sol, sem nenhumaalusdo as causas do movimento, Hoje em dia, leis desse tipo, extrafdas diretamente dos fendmenos e sem fundamentagio do —Frmonntyes Upocausarefeito, io denominadaslelsenonendgias. Coube a Isaac Newton descobrias eras ‘Sao egias extadas dire. fundamentais do movimento e da interagio entre os corpos celestes, a partir das quais nao s6 tamente da observagio dos 8 leis de Kepler mas todos os fendmenos ento conhecidos que eavolviam movimento de fendmencs, sem andlise deseus _corpos podiam ser matematicamente deduzidos. Com base nas regras formuladas por Newton fundamentos (leis da mecénica e da gravitagao), o movimento dos corpos celestes pode ser previsto com tal preciso que mesmo deialhcs refinados de alinhamento de corpos,tais como os envolvidos em um eclipse, podem ser calculados com preciso. Tornou-se possivel nio apenas prever 0s eclipses do Sol e da Lua para os préximos séculos, mas também recompor os momentos precisos e as circunstincies exatas dos eclipses anteriores. Newton descobriu as regras do movimento e éa gravitagdo. Obviamente, a Natureza tam- bem exibe fendmenos diversos — pelo menos aparentemente — dos fendmenos envolvidos em corpos em movimente. A luz, 0 calor, a cletricidade, o magnetismo sio exemplos que 10 Fisica Basia = Mecanica i Tycho Brahe (Onstzinome dinamarqués Tycho Brahe (1546-1601) construi insrumentes capazcs de medira posigio dos estros com precisio de um certésimo de grau, dez vezes maior que a preisdc até entdo possivel. Por mais de tés décadas fez observagces difias que inclufam a posigo dos cinco planetas visveis a olho nu. (0 sex foi o mais precioso banco de dados astroxémicos anteriores A era dos telesespics. Com base nesses dads, Kepler decifroa a érbita dos planeta. ‘Nae podemos compreender todos as fendimenas natura, sas entendemos as regras fundementais que comandam ‘quate todos les. Portanto, a Natureza pode ser compreendida (0s planetas também sao ‘compostos dedtomos que se movimentam incessante- ‘mente, mas adinémica desses ‘Stomornioé relevante para s@ entender o movimentodos planetas ‘nos ocorrem de imediato, No século XIX, houve intensa investigagao sobre esses fendmenos. Nosanos 1860, James Clerk Maxwell completou um processo de sfntese no qual todas as leis fenomenolégicas que envolvam fendmenos elétricos e magnéticos resultam em quatro leis fundamentzis, hojedenominadas equardes de Maxwell. Nestas, eletricidade e magnetismo foram unificades em uma tina teoria, o eletromagnetismo. Explorando matematicamente seu conjunto deleis, Maxwell pode demonstrar que a luz €um fendmeno eletromagnético, ¢ que os ‘enémenos luminosos podem ser matematicamente deduzidos des suas equagdes. A evolugio histérica do eletromagnetismo contém varios exemplos que bem ilustram a distingo entre leis fenomenolégicas e leis fundamentais, dos quais citaremos somente um. Os fendmenos de reflexdo e refragdo da luz — refracio ¢ 0 desvio da trajetéria da luz quando passa de um meio ‘ransparente para outro, como, por exemplo, do ar para a 4gua— apresentam regras muito bem definidas. A lei da reflexio era conhecida pelos gregos ea lei da refragio foi descoberta por Willebrord Snell em 1620. Tanto a lei da reflexio quanto a lei da refracéo, ambas paramente fenomenolégicas, podem ser deduzides matematicamente das equagdes de Maxwell. ‘Também na segunda metade do século XIX, Maxwell (1831-1879) e Ludwig Boltzmann (1844-1907) demonstraram que os fenémenos térmicos (envolvendo calor) podem ser enten- ddidos com base nas leisda mecanica e do eletromagnetisimo, ¢ com base na wecdnice puderam fundamentar maitas leis fenomenol6gicas que envolviam tais fenémenos. Portanto, a Natureza é compreensivel! Segundo Einstein, este 60 maior mistério da Na- tureza: ser compreensivel. A mente humana é capaz de entender as regras fundamentais do Jogo dos deuses! O enorme desenvolvimento das ciéncias no século XX ndo apresentou nada ‘que pudesse demolir essa crenga; pelo contrério, a reforgou. Trés novas teorias fundamentais foram desenvolvides para lidar com situagGes extremas: a relatividade especial, que lida com movimentos a velocidades préximas & da Inz, 2 mecdinica quéintica, que descreveo movimento de compos na escale atémica ou em uma escala menor, e a relatividade geral, que engloba a relatividade especial e a gravitagdo gerada por compos de massa gigantesca. Essas trés teorias sdo extensOes das leis de Newton para a mecdnice e a gravitagao e, além disso, a relatividade ‘especial evidencia s hamonia entre a mecfnics ¢ ocletromagretismo. O fato realmente notével & jamais foi observado nenhum fenémeno que viole as leis fundamentais da Natureza. Mais que isso: todos os fenmenos da Natureza parecem ser consealéncia necessdria das, leis fundamentais e, em principio, podem ser deduzidos aparir dessas leis. Resta exolicar por que foi imposta a restrigdo “em principio”. Reconsideremos 0 comportamento das nuvens, descrito em nossa cena do entardecer, ou 0 comportamento de uma onda que se aproxima suavemente da praia, evolui continuamente para um movimento turbulento, e finalmeate se arremessa sobre a areia. Obviamente, nenhuma teoria cientffica nos permite descrever os detalhes de fendmenos to complexos. Entretanto, sabemos que a matéria € constituida de ‘tomos, e conhecemos de maneira supostamente exata as leis do movimento para os étomos. ‘Tanlo as nuvens que se movimentam no céu quanto a 4gua que compde o oceano so feitas de Stomos, e sex movimento é portanto simplesmente 0 movimento coletivo de stomos 0 obsticulo aqui oferecido & compreensio & que os referidos fendmenos envolvem um ‘imero extraordinariamente grande de tomos cujos movimentos individuais so relevantes para a dinamica do todo. Voltando ao caso dos planetas, para agendar seu movimento € os eclipses, temos que conhecer a posigao e a Velocidade de todos eles em um dado instante, para 4 partir daf calcular seu movimento no passado © no futuro. Para fazer a mesma descrigio do movimento de uma onda tecfamos que conhecerinicialmente a posicao e a velocidade detodos, ‘0s dtomos (da égua e do ar) em uma considerdvel vizinhanga da cena, para entdo iniciar os cAlealos, Isso € obviamente impossfvel, e mesmo que tivéssemos tal informagao nao ter‘amos Gapttio 1 m 0 queéarisia 1 Mateméticocstrénomo emi, Kepler (1571-1630 econ nmin anos anise deTycio HORNS EDIE ite qn it nln orgs es Cgon prc corsperacn ceniso novinedto dos planes o qual sitetzu em ts eis eis de Kepler). A primeira diz qu os placa se mover em clipes (endoemeircals) dasquas ool éum dos oro, a ures dus referee velocidad oral {2s pinsts Au do gle he pein ae eneriio danish tae como prosseguir no célculo de tamanho niimero de trajetGrias. A dificuldade essencial aqui, como de resto ocorre na maioria dos fenémenos complexos, € que temos particulas demais envolvidas e na pritica é impossfvel acompanhar 0 movimento de todas elas. Seqdo 1.6 = As leis da Natureza sao leis de movimento ‘As leis fundamentais da Natureza sio expressas em forms de equagées matomiticas. Na formulado da sua mecfinica, Newton fez a conexdo causa-efeito (em outras palavras, a conexao de determinismo causal) entre o movimento e seus agentes causadores — que sio forgas — em forma de um tipo especial de equayo matemitica hoje denominado equado de movimento. A matemética envolvida nesse tipo de equagdo foi em pane inventada pelo préprio Newtoa, e é denominada edlculo diferencial e integral, ou simplesmente cdleulo. A equago de movimento de Newton tem um caréter universal, e o que diferencia o movimento de um corpo domovimento de outro sio aforga que atua sobre ele (aforga tem de ser inclufda ‘na equagdo de movimento) e uma propriedade do corpo, a sua messa, cuja definicao seré feita no Capitulo 6, No caso especifico do movimento dos corpos celestes, a forga atuante é a da graviteedo, também descoberta e expresta em forma matemética por Newton. Um fato realmente notivel, revelado pela evolugio posterior das cigncias naturais, & que todas as leis fundamentais até hoje descobertas so equagbes de movimento, no mesmo es- pirito das leis de Newton. O eletromagnetismo, a mecdnica quantica, arelatividade especial a relatvidade geral, todas sio teorias formuladas em termos de equagoes de movimento. e— Portanto, as regras fundamentais da Naturezasdo equagées de movimento. Neste livro, deno- Yaradgmaneueciane minamas tal princfpio unificadorparadigma newtoniaro. O paradigma newtoniano é possivelmente ‘Todos os fendmenos naturals 0 principio mais abrangente envolvendo as leis naturais. Richard P. Feynman (1918-1988), decorrem deumreduzido na primeira das suas famosas Lectures on Physics, imaginov uma situayo em que um cata~ ‘némero desis de movimento, clismo estivesse na iminéncia de destruir todo o conhecimento cieniffico, e formulou & inte- ratematcamente dsc eessante questo: se somente uma sertenja pudesse ser passada para as geragdes vindouras Scepcctnpoe-Extéulver sob! aciéacia, qual seria a melhor escolha? Sua opeio foi: “Todas as coisas sdo feitas de amaisabrangeatesirmagie dtomos — particulas mindsculas se agitando em: perpétuo movimento, atraindo-se quando «que podemos hojefazer sobre 2 _ligeiramente separadas, mas repelindo-se quando espremidas umas contra as outras”.Outra Natureze _opglo poderia ser: rados os fendmenos naturais decorrem de wm reduzido nimero de leis de moximento, matematicamente descritas como equagies diferenciais no espago ¢ tempo. Vos pode estar se sentindo confuso com expressies tais como equagdes diferenciais no espaco tempo, cujo significado ado Ihe parece claro. Entretanto, em pouco tempo tudo poderd ser entendido e, gradativamente ao longo do curso, o paradigmanewtoniano se imporé mediante a sua mente em toda a sua profundidede, clarcza.c beleza, Segéo 1.7 = 0 que é ciéncia Esta € uma pergunta dificil, ¢ exatamente por isso vemos acaloradas divergéncias sobre 0 caréter cientifico oa néo de algumas formas de indagacdo sobre a Natureza ¢ 0 ser humano, Para evitar em parte essa polémica,limitaremos nossa andlise ds ciéncies naturais. A ciéncia se assenta sobre a experiéacia, ¢ « experimentacio desempenha dois pepéis na investigagio cientffica, O primeiro é o papel indutor na formulagio das leis naturais. A investigago de um. dado fendmeno geralmente comeca pela realizacio de experiéncias, em condigdes nas quais as variéveis relevantes so controladas e reprodutiveis. Entretento, salienta-se que, dada a ilimitada variedade de experiéncias imaginveis sobre qualquer objeto de estudo, qualquer investigago experimental tem de se inspirar em alguma idéia anterior do que seja relevante 12 Nenhuma teeria dentfica pode ser considerads inteira- mente confirmada pela expe- riéncia, Sempre pode aparecer uma nova experiéncia com resultados confltantes com a toria, Portarto, qualquer teoria deve ser tatada como uma aproximagso da verda- dee 56 € valid no dominio dos fenémenos em que js foi testada Fisica Basia = Mecanica ‘observar, idgia essa nascids da intuigo oude algum conhecimento anterior sobre o fenémeno 1 ser investigado, Nem sempre a experimentacdo € possfvel, como ocorre na astronomia, aa meteorologia etc. Nesses casos, a experiéncia em condigdes preparadas e controladas é substi tuida pela observagio. Os resultados da experimentacio efou da observacio podem resultar na formulagao de leis fenomenolégicas, definidas anteriormente, Uma lei, seja fenomenolégica ou nfo, deve naturalmente ser consistente com tudo 0 que foi previamente observado. Se alguma experiéncia ou observagdo contradiz a lei, esta esté incorreta. A méxima “toda regra em excecdo” nao se aplicaa lei cientffica. Obviamente, devemos ser cautelosos ao aplicar esse tipo de teste a uma lei cientifica. Algumas leis 56 tém um significado estatistico, e portanto eventos isolados nio oferecem qualquer forma de teste. ‘Um conjunto de leis fenomenolégicas pode levar a uma teoria cientifica. Esta 6 mais fun- damental e mais abrangente do que uma lei fenomenolégica. Uma teoria ciemtfica envolve consideragées ligando causas ¢ efeitos. Novamente, o grande passo dado por Newton epés a descoberta das leis fenomenol6gicas de Kepler ¢ ilustrativo. Newton elaborou uma teoria na qual fica explcita a conexdo entre o movimento dos planetas, a les (universais) do movimento ea lei (universal) da gravitagZo. Exatamente pela sua abrangéncia, uma teoria deve ser capa de prever novos fendmenos fora daqueles que a fundamentaram. Acui se torna claro 0 outro papel da experimentacio/observaydo: o de testar as previsdes das teorias cientfficas. Uma teoria s6 pode ser aceita como valida enquanto todas as suas novas previsdes forem confir- ‘madas pela experiéncie. Uma icoria pode ser bonita ou feia, claborada ou simples, mas nada disso é decisivo. O tinico teste para sua veracidade & a experiéncia. Portanto, a experiéncia serve tanto para inspirar teorias cientificas como para destruf-las, Acresce ainda quenenhuma teoria jamais pode ser vista como inteiramente confirmada: uma tinica nova experiéacia pode dernibar uma teoria confirmada anteriormente por milhares de outres experiéncias, Exatamente por essa raz, todo conhecimento, ¢ toda teoria, devem ser tratados como aproximagées éa verdade. Voliemos mais uma vez a teoria de Newton. Suas predig6es estio em acordo, com grande preciso, com todas as observagdes envolvendo os planetas ¢ seus satélites, e também com o movimento de todos os objetos da experiéncia didria. A massa de dados concordantes com a teoria de Newton é extraordinariamente vasta. Entretanto, no limiar do século XX descobriu-se que tal teoria era inadequada para descrever 0 movimento de corpos a velocidades significativas comparedas’ velocidade da luz. Foi entio desenvolvida ateoria da relatividade especial, capaz de lidar com movimentosem taiscondicdes extremes. Tal eoria levou a um grande nimero de novas predigdes te6ricas, e até o momento nenhuma delas entrou em conflito com os fatos experimentais Em termos conceituais, a teoria da relatividade € totalmente distinta da teoria newtoniana. Estas so realmente tcorias distintas, com filesofias totalmente diferentes e visies esscnciel- mente opostas sobre espago e tempo. Isso naturalmente pede esclarecimentos sobre nossa afirmativa anterior de que o conhecimento cientfico € cumulativo: o aparecimento de uma teoria com conceitos tio distintos e até opostos 2os conceitos de outra anterior sugere mais ‘um processo em que o antigo € demolido e substituico pelo novo do que um processo de co- nhecimento cumulative. Ocorre que a relatividade especial eavolve ume ruptura parcial com ‘4 mecfinica newtoniana, mas néo sua demolig&o. Tal ruptura esté relacionada exatamente com os conceitos de espago e de tempo, e ume vez que a mecfinica é a citncia do movimento, ‘uma revolugdo nos conceitos de espago e de tempo necessariamente leva a uma revolugdo na ‘mecinica, Entretanto, exatamente por estar consciemte de que a mec&nica newtoniana tinha de ser vilida nos limites em que havia sido testada, Einstein, de posse de novas idéias sobre ‘© espago € 0 tempo, exerceu seu génio para reconstmuir a mecAnica de modo que, para mo- ‘yimentos a pequenas velocidades, ela recafsse naturalmente na mecdnica de Newton. Além do mais, sem a existéncia prévia da mecinica newtoniana, que lhe servisse de inspiragdo e referéncia sobre 0 que deve ser uma tcoria do movimento, ¢ também de &ncora no limite de baixas velocidades, Finstein nfo teria como construira mecAnicareletivistica. Assim, sua teo- ria, apesar de revolacionéria no aspecto conceitual, € na verdade uma extensao da mecénica newtoniana, completamente assentada no paradigma newtoniano, ‘Um exemplo ilustra como as duas mecdnicas levam as mesmas conclusdes quando as, vyelocidades so pequenas comparadas & velocidade da luz. A teoria de Newton diz. que a Cptio1 m © que €aFisia 3s massa de um corpo tem um valor indspendeate do seu movimento. Consideremos um capa supersGnico capaz de atingir a velocidade de 3600 km/h, Pelateoria da relatividade, sua massa pode atingir acréscimos de até uma parte em 180 bilhGes enquanto 0 avido voaa velocidade vvaridvel. Tal acréscimo € to pequeno que nio pode ser observado, e nese caso tanto para Einstein como para Newton a massa do caga ndo varia com sua velocidade. Entretanto, se a velocidace € maior, maior € o erro na previsdo da teoria de Newton. Por exemplo, se um_ elétron se mover a velocidade igual a 90% da velocidade da luz, sua massa sofrerd acréscimo de 130%. Velocidades dessa magnitude somente foram observadas no século XX, e por isso as falhas na teoria de Newton nao foram antes percebides. Neste ponto estamos talvez preparados para responder perguntainicial desta se5o. inca 2— uma descrigdo da Natureza capaz de fazer previsées — objetivas,explicitas e sem ambi- ince gllidade — consistentes com as observagOes experimentais. A experiéncia € nfo somente a DescrisGo da Natureza caper fonteinspiradora mas também o juizinico e inapeldvel da verdade cientfica. Muitas formas de fazer pevs0es— objelvas, de descrigao da Natureza também incluem previsbes sobre os fenmenos naturas, tas como exlfciusesemamigtidade 9 asrologie, a cartomancie, a numerologia, ctantas outras, Entretanto, seus praticantes nua- ~consistentes com asobserva- ca fazem previsdes livres de ambigiidade e suficientemente explcitas,e com tal estratégia ses «xP * evitam a confrontagao com os fatos. Segdo 1.8 = 0 queé a fisica crescimento da ciéncia levou a sua divistio em varias ciéncias naturais que vio se des- membrando de maneira continua: fsica, astronomia, quimica, biologia, psicologia, geotogia, meteorologia etc., coisa jé proposta por Aristételes. Nessa divisto, a fisica se ocupa dos as- pectos mais fundamentais ¢ mais abrengentes dos fenémenos naturais. Sua expansio ocore em tr8s fronteiras. A. primeira envolve seus fundamentos. Naturalmente, nfo coahecemos todas as leis fundamentais, e nem podemos dizer se algum dia isso serd alcangado. A fisica & hoje capaz de fazer predi¢Ges confidveis de fendmencs até a escala de 10-" m (como veremos tna préxima segdo, 10°” = 0,000 000 000 000 000 000 1; hé 19 digitos apés.a virgula), o que significa um bilionésimo do tamanho de um étomo, Este € 0 limite jé atingido pela nossa exploragdo experimental Conhecemos quatro forcas distintas na Natureza: a forca gravitacional, aforga eletromag- nética e dues outras forgas (nucleares) que s6 se manifestam em escalas abaixo de 10" m.O. comportamento das quatro forgas até a escala de 10°” m é bem entendido e testado, exceto © comportamento da gravitagio, que nao foi testado experimentalmente a pequenas distan- cias, Entretanto, hé boas re25es para crer que tais forgas se modifiquemem escalas menores, provavelmente convergindo para uma tinica forca fundamental da Natureza. (Na verdade, na escala de 10° m a forga eletromagnética jé se fundiu com uma das forgas nucleares para criar uma nica forea, a forga eleirofraca.) A escala dessa unificagéo e as caracteristicas da ‘orga unificada sao totwlmente ignoradas, sendo fato porésn que um grande niimero de fisicos te6ricos dedica seu tempo a conjecturas sobre esta forca. [A composicio da matéria,até a esealade 10" m, também est solidamente estabelecica, muitos fisicos esto convictos de que nio haveré surpresas em escalas menores. Resta ver. A maior barreira 3 evolugdo da fisica em escala tZo diminuta € a falta de suporte experimental. As experiencias envolvem maquinas capazes de acelerar particulas, principalmente protons € elétrons, até velocidades muito préximas da luz. Os aceleradores do particules séo méqui- = _ascolossais e muito caras. Um acelerador capaz de atingir a escala de 10- m custa alguns Oavanco defisica ocorre ilhdes de ddlares. O custo cresce de forma geométrica com o inverso da escala de tamanho atuaimente em ties frontelas: 9 ser atingida. O projeto para construgao no Texas de um acelerador capaz de atingir a escala (A) duas fronteiras envolvendo = See ereecnes aaa de 10 m foi cancelado pelo governo americano apSs constatar que seu custo excederia 12 \oltsda parse micocosmaes bilhSes de délares, Hé também barrciras tecnolégicas aparentemente intransponiveis para uta pare omacrocosme; (a) diminuir em muito a escala atual. Exceto se ocorrer uma revoluedo tecnol6gica nlo imagi- a fronteira da complexidade, vel no momento, jamais atingiremos a escala provével (10° m) da unificagéo das forgas. ou seja,2andlisedos sistemas Por outro lado, infelizmente j4 sabemos que, enquanto néo pudecmos fazer experiéncias complexosem teimosdas astante proximas da escala de 10 m, seremos incapazes de (estar de maneira conclusive & ‘eorias fundamentals incontestivel qualquer teoria fundamental sobre a Natureza! 14 Higadininica inimica dos fuidos Fisica Basia = Mecanica A segunda fronteira da fisica envolve adenominada cesmologia, ou saja,0 estudo docom- portamento do Universo em langa escala ¢ de como o Universo foi criado. Larga escala aqui significa 10° m (10° = 1 000 000 000 000 000 C00 000 000 06; o niimero tem 26 zeros), 0 tamanho do Universo observvel. Curiosamente, um entendimento mais completo da criagio do Universo depende do entendimento das leis naturais na escala da unificagdo das forgas, ou seja, aquelaescala de 10-*m provavelmente inatingivel experimentalmente. Isso parece alta ‘mente desestimulante, mas 0 cientista é um obstinado que nunca desiste. Exatamente porque 4s leis que regem o muito pequeno determinam a maneira como o cosmo foi criado e também que tipo de cosmo pode ter sido criado, o conhecimento do cosmo pode ajudar a decidir entre tcorias altemativas sobre 0 muito pequeno. Nos diltimos quinze anos, muitos cosmélogos ‘isicos de particulas (que estudam a estrutura da matéria e as forgas da Natureza na escala ultramicrose6pica) juntaram seus esforgos tentanco desvendar o mundo com base nessa visio. Atualmente € muito mais barato aumentar 0 alcance dos nossos telescSpios para ampliar a scala de investigagao do macrocosmo do que aumentar ¢ energia dos nossos aceleradores de particulas para reduair a escala de investigagio do microcosmo. Nesse cenério, a cosmologia experimental ¢ te6rica vem passando por um processo de répida evolucio. A terceira fronteira da fisica ¢ a da complexidade. Ultimamente a expresso sistemas complexos tem aparecido com freqiiéncia crescente, com um sentido mais especffico e mais resttito do que o sentido tradicional utilizado neste livro. A complexidade, no sentido amplo ¢ tradicional, ocorre sempre que hé muitos atores em cena. Atores aqui sGo as particules. Algumas vezes, a complexidade ocorre mesmo em sistemas que cont$m poucas particulas. As leis fundamentais do movimento descrevem 0 movimento de uma dada particula sujeita 4 determinadas forgas. Particula € um corpo de dimensGes despreziveis. Por exemplo, a0 analisarmos 0 movimento de um carro em um longo percurso podemos ignorar que o carro 6 um corpo extenso que contém partes. © vefculo contém uma frente, uma trascira, motor, passageirosetc., mas muites vezes podemos ros referir simplesmente ao carro, uma entidade indivisivel. Em uma abordagem menos minuciosa da astronomie, podemos tratar um planeta como uma particula, Mas tudo isso é muito relativo. Dependendo da andlise que temos em mente, um étomo nio pode ses visto como particula. O étomo tem um niicleo em tomo do qual orbitam eléwrons, € se quisermos entendé-lo temos que considerar todos esses detalhes. Na andlise de uma reagio qufmica, um tomo se comporta como um sistema complexo. Tomemos uma molécula de oxigénio (0,) formada pela ligago entre dois étomos de oxigénio (O). Cada étomo contém ito elétrons, e em ume andlise com a precisdo necesséria para se entender como os dois &t0- ‘mos se ligam para formar a molécula, j4 temos complexidade para uma boa dor de cebesa. Se formos além, e quisermos entender como dezenas de tomes se combinam para formar ‘um aminoécide, temos uma complexidade muito maior. Esses aminoicidos se combinam para formar protefnas, estas € outres moléculas se combinam para formar uma cStula. Aqui jé estamos falando de um corpo que contém milhares de bilhOes de étomos. A vida certamente €um fenémeno de enorme complexidade. ‘Consideremos agora um compo s6lido, como, por exemplo, um pedagode silfcio. Novamen- te, temos uma enorme quantidade de étomos envolvidos. Entretanto, tais dtomos se combinam em um arranjo tridimensional extraordinariamente ordenado e simétrico, denominedo sélido cristalino (isso ocorre com essencialmente todos os materiais em estado sélido), ¢ por esse motivo o nivel de complexidade do cristal se reduz o suficiente para possibilitar uma andlise «em termos das leis fundamentais da fisice. O silfeio é 0 material mais investigado em toda a Natureza. A aplicacdo das leis da fisica possibilitou um excelente entendimento das proprie- dades desse material. Com base nesse extendimento, foi possfvel desenvolver dispositivos microeletrdaicos como diodos, transistores etc., baseados no silicio, e depois disso combinar todos esses dispositivos em complicadtssimos microcircuitos, ais como microprocessadores, sistemas de memérias etc., e combinar toda essa complexidade para fazer um computador, cujo comportamento & (as vezes!) totalmente previsfvel. Voltemes 2 onda quebrando na praia, Seu estudo se inclui em uma érea da fisica deno- ‘minada hidredinsmica, ou dindmica dos fluidos. Esse tema tem grande importincia. Seu enten- ddimento tem grandes implicagdes em varias industrias, principalmente a automobilistica € a Cptio1 m © que €aFisia 5 aerondutica. Além disso, esse € um tema essencial para odesenvolvimento da meteorologis € da astrofisica. Um fluido é um sistema complexo, Seu movimento em forma nzo-turbulenta, tal como ocorre na onda que evolui suavemente em éguas profundas, jé € bem entendido. 14 co movimento turbulento, que corresponde aquele estégio em que a onda quebra na praia em. enorme confusio, € um desafio ainda insoldvel. {A fisica dos sistemas complexos tem grandes implicagzs em outras ciéncias ¢ também enorme importincia tecnolégica. Por essas razGes, a maioria dos fisicos hoje trabalha em sistemas complexes. Secdo 1.9 mA fisica e as outras ciéncias A esta altura, yoo jé deve ter percebido que. na divisdo das ciéncias naturais, a fisica ficoa com 2 parte mais simples. Exatamente por isso, ela alcangou um nivel de profundidade de rigor na sua andlise que no tem paralelo nas outras ciéncias. No caso dos sistemas mais simples, as previstes da fisica estio em concordancia com os resultados experimentais com, preciso melhor do que uma parte por bilho. Ressalve-se ainda que o erro de uma parte por bilhio estd na medida e no nos célculos. Medidas mais precisas presumivelmente levariam. a concordéncias ainda melhores. Conforme dissemos anteriormente, as leis realmente funda- mentais da Natureza so as leis da fisica, Pode-se entio questionar sobre 0 porqué da divisio das ciéncias. A respostajé foi cm parte dada. Muitos sistemas da Netureza so to extraordi- nariamente complexos que sua anélise em termos das leis fundameatais & impraticvel. Por exemplo, se os métodos da fisica sdo ainda incapazes de explicar um simples virus, 0 que dizer sobre o entendimento de uma bactéria, um pdssaro, um poeta? Em principio, actedita- se, todos esses sistemas podem ser entendidos a partir das leis da fisice, mas ha um abismo entre 0 princfpio © a pratica, de modo que ciéncias como a qutmica, a biologia, a psicologia, desenvolveram cada uma delas seus préprios métodos, engenhosos ¢ eficazes, de abordagem dos seus objetos de andlise. A fisica fica com o étomo, a quimica com a protefna, a biologia com o virus, e a psicologia com 0 poeta. Em tempo: o péssao fica dividido entre o biGlogo € 0 psicologo. O esforgo para explicar sistemas complexos a partir das leis fundamentais ¢ denominado —eiccttame reduconismo. A ci8neia na qual 0 projeto reducionista da fisiea mais avangou é a quimica. A Fsforgo que visas explicar chamada quémica qudntica é uma vigorosa érea da quimice na qual se avanea rapidamente sistemas complexes 2 parti das na compreensdo fundamental das propriedades das moléculas. A evolugio da cepacidade dos leis fundamentais da fisics computadores tem permitido arealizaydo de célculos das propriedades de moléculas cada vez ‘mais complexas, com étima concordaacia com as experiéncias. Com isso, a qutmice quintica E hoje vista essencialmente como um ramo da fisica. Mustrativo dessa realidade & 0 fato de que o fisico Walter Kohn recebeu o Prémio Nobel de Quimica de 1998 pela sua contribuigéo aos métodos da quimica quéntica, projeto reducionista deve ser entretanto visto como uma utopia que s6 serd alcangada em escala limitada e de maneira bastante lenta. Ressalte-se ainda que o projeto reducionista da fisica 6 reproduzido em todas as ciGncies naturais, em umacstrutura hierérquica. Por exem- plo, a fisica € mais fundamental que a quimica, que € mais fundamental que a biologia, que € mais fundamental que a psicologia. A quimica pretende explicar a biologia, e biologia pretende explicar a psicologia. Assim, o reducionismo pode ser visto como um programa no (qual cada ciéncia seria explicada em termos de outra mais fundamental. A fisica tem ainda outras formas de conexdes com outras ciénciase com a engenharia, © avango da fisica gera novas tecnologias, que por sua vez possibilitam novos experi- mentos novos avangos da fisice, e assim por diante. A exploracdo de novas descobertas da fisica em outras ciéneias € também muito intensa. No caso da medicina, podemos mencionar a radiogratia, as tomografias por raios X, ultra-som e ressonéncia magnética, © ecocardiograma, ¢ 2 medicina nuclear. Pelo desenvolvimento da tomografia por resso- nfincia magnética, mais conhecida por imagem por ressonancia magnética, o fisico Peter Mansfield ¢ o quimico Paul Lauterbur ganharam o Prémio Nobel de Medicina de 2003. ‘a quimica, os exemplos so incontéveis. Um exemplo recente: 0 desenvolvimento dos lasers ce palsos ultracurtos nos anos 1980 possibilitou o estudo da dinamica das reagoes

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