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Conselho Editorial: Marcos Juruena Villela Sout José Eduardo Martins Cardozo Lucas Abreu Barroso Marcia Walquiria Batista dos Santos Jairo Saddi José Luiz Quadros Magalhaes Paulo Roberto de Almeida José Marcelo Martins Proenga Darcy Zibetti Carlos Ayres Britto 1. Principios da Democracia Econémica e Social... Joao Eduardo Lopes Queiroz 2. O Servigo Publico, José Eduardo de Alvarenga 3. O Direito Administrativo no Estado Minimo..... André Ramos Tavé Diregao: Joao Eduardo Lopes Queiroz Secretario: Raphael de Melo Galvao Normalizacao Bibliografica: Missandre Cristina Pinheiro 222 PRINCIPIOS DA DEMOCRACIA ECONOMICA E SOCIAL Joao Eduardo Lopes Queiroz" 1. Introdugao A medida de desenvolvimento de um pais ndo se resolve por uma simples equaco. Varios critérios devem ser observados, n&o apenas juridicos, mas também sociolégicos, politicos, biolégicos, ecolégicos, econdmicos, culturais e outros. © professor Pinto Ferreira sustentava a existéncia de indicadores precisos do desenvolvimento, o que entendemos coadunar com a idéia de desenvolvimento que esporemos neste trabalho. Segundo ele poderiam ser elencados esses critérios em sete grupos, quais sejam: 1- Caracteres econémicos e técnicos: 1) baixa renda per capita; 2) carater primario das economias dos paises subdesenvolvidos; 3) insuficiente industrializagao; 4) paises exportadores de matérias-primas e importadores de produtos manufaturados; 5) economias dependentes; 6) esvaziamento de economia através da deterioragéo dos termos de trocas comerciais; 7) excessiva utilizagéo da energia humana e animal, domesticagao precaria das Aguas e ventos, com menor participagao da energia elétrica. * Bacharel em Direito. Professor de Direito Publico Econémico. Pés-graduado em Direito Administrativo Econdmico. Diretor-Geral do Centro de Ensino Superior de Sao Gotardo - MG. Il - Caracteres Demogréficos: 1) explosdes e pressdes demograficas, com elevado aumento da populacdo; 2) baixa expectativa da duragdo de vida, com forte mortalidade e também forte fecundidade Ill ~ Insuficiéncia das economias alimentares: 1) pequeno consumo de calorias, abaixo de 2.200 calorias, enquanto 0 adulto normal deve consumir 3.200 calorias por dia; 2) desnutrigdo e foe. IV - Caracteres Culturais e Politicos: 1) analfabetismo generalizado; 2) condigao inferior da mulher; 3) tendéncias politicas a formas totalitarias ou demagégicas de governo; 4) fraqueza da organizag4o em escala nacional ou territorial; 5) ruralismo predominante, com grande populagdo rural; 6) mania reformista em geral \V - Caracteres monetarios: 1) instabilidade da moeda; 2) inflagéo crénica; 3) depreciagéo cambial; 4) déficit e desequilibrio orgamentario; 5) aumento do custo de vida. VI - Caracteres psicolégicos: 1) tendéncia a imitagéo dos costumes politicos, sociais, moda, vestimenta, habito, padrées sexuais etc. dos chamados paises desenvolvidos. Vil - Caracteres de satide e sanidade publica: 1) endemias, sauide precéria da populagao, falta de sanitagao publica, elevado nivel de doentes em relaco aos hospitais e médico.? Acreditamos que os mencionades critérios séo de fundamental importancia para a consecugdo de um desenvolvimento continuo de um pais. Fatores como baixa renda per capita, baixa expectativa de vida, crescimento demografico acelerado, alto percentual de analfabetismo, desajustes orgamentarios, saldrios infimos, satide precaria da populagdo, falta de infra- estrutura basica, mas sobretudo as tendéncias a imitagéo dos costumes politicos, sociais, e culturais dos paises desenvolvidos e a mania reformista é que diagnosticam de imediato o subdesenvolvimento, A mania reformista, inspirada em paises desenvolvidos, mas de estruturas juridicas completamente diferente, é que tem levado o Brasil a encontrar continuos percalgos em seu desenvolvimento Querer que estruturas basilares do sistema juridico brasileiro, se ? FERREIRA, Pinto. Sociologia do Desenvolvimento. 4* ed. Sao Paulo: RT. 1993; p. 22-23. tornem adequadas aos padrées impostos pelas reformas ndo parece, ao nosso ver, sustentavel, Cada pais tem sua cultura, seus costumes, suas raizes ideolégicas, enfim seu formato. Impor-Ihes sistemas alheios a estes critérios, profundamente danoso a Democracia e a propria Soberania deste pais Ao promover-se, por exemplo, a Reforma Administrativa, impondo-nos as Agéncias Reguladoras americanas, “empurraram-nos goela abaixo", 0 sistema administrative anglo-saxdo, "esquecendo-se" que 0 nosso direito administrativo, foi inspirado basicamente no direito administrative francés, Onde se deveria criar sistemas proprios para resolver os problemas internos, buscam-se solugdes em institutos que, pelas suas peculiaridades, nao se coadunam ao nosso. E como se esquecéssemos de nossas raizes. 0 Principio da Democracia Econémica e Social é um principio de origem constitucional, com elevado reflexo na Administragéo Econémica do Estado, 0 que tora importante seu estudo no contexto da Administragéo Publica E inquestionavel que o Brasil seja um Estado Democratico de Direito, até pelo seu expresso acolhimento no art. 1° do Estatuto Constitucional © Estado brasileiro se fundamenta nos principios da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Em assim sendo, indica a Constituigéo a presenga do Principio da Democracia Econémica e Social. Ao da livre iniciativa e do trabalho em seu prisma social e ao tratar da soberania, cidadania e dignidade humana, esta reflexamente denotando preocupagao com fatores amplamente Democraticos e Sociais O constitucionalista portugués J. J. Gomes Canotiho foi quem, a0 nosso ver, melhor definiu o principio em seu festejado livro Direito Constitucional e Teoria da Constitui¢do. As suas colocagées chamam a analise a partir das quais serd ele analisado. Canotitho entende que 0 Principio da Democracia Econémica e Social [..] impée tarefas ao Estado e justifica que elas sejam tarefas de conformago, transformagao e modemizago das estruturas econémicas e sociais, de forma a promover a igualdade real entre os portugueses. [...] O principio da democracia econémica e social aponta para a proibicéo de retrocesso social. [...] A "proibicéo de retrocesso social" nada pode fazer contra as recessées e crises econémicas, mas o principio em anélise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: seguranga social, subsidio de desemprego, prestages de satide), em clara violacao do principio da protegéo da confianca e da seguranca dos cidadéos no émbito econdmico, social e cultural, e do nticleo essencial existéncia minima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.? A partir dessa colocagéo, e da insergao do principio da democracia econémica e social no direito constitucional administrative econémico brasileiro, poder-se-ia indagar: como conciliar uma reforma que se discute —a previdencidria - com este principio que proibe o retrocesso social? A resposta sofismatica seria de que uma reforma previdencidria no poderia promover a subtragdo total parcial de direitos adquirides, tais como diminuigéo dos proventos de aposentadoria, para um teto a ser fixado, ou a supressdo do seguro desemprego e outros. Por outro lado, a manutengao do sistema previdencidrio como esta pode levé-lo a, no prazo maximo de dez anos, simplesmente dar o “calote” nos segurados por absoluta impossibilidade de honrar seus compromissos. Enfim, a perda se avizinha. O que falta ¢ fixar a data e escolher as vitimas. A questdo é: ha suporte juridico para reforma supressora de direitos ou beneficios? Canotilho alinhava uma sustentagdo juridica que da a formula, citando 0 pensamento de outro constitucionalista portugués, M. Afonso Vaz. Conforme relata Canotilho, esse autor “[..] ontica também a tese da irreversibilidade, dado que a reserva da Constituigéo pressupée a autonomia do legislador em matérias que a Constituig&o ndo reservou nem pode reservar o conteuido material, A légica é a mesma: o legislador "cria" os direitos sociais, 0 legislador “dispée" dos direitos sociais. Mas fica por demonstrar o essencial: em que medida se dispée autonomamente do niicleo essencial dos “direitos sociais" efetivado na lei? Existe um "poder legislativo de auto-reversibilidade" abstracto”* 8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui¢ao. 2* ed. Coimbra: Aimedina. 1998; p. 320. * CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui¢éo, 2* ed, Coimbra’ Na mesma linha raciocinio de Afonso Vaz, 0 professor José Eduardo Martins Cardozo afirma que a doutrina e a jurisprudéncia também tém adotado em regra esse posicionamento. Segundo ele, nesse sentido [...] tém se posicionado de forma induvidosa a doutrina e a propria Jurisprudéncia. Derrubando a vetusta concepg&o de que 0 direito néo poderia contrariar aquilo que se supde seja parte integrante de um transcendente ‘Direito Naturat, tem sido voz corrente dentre nés a idéia de que a Constituigéo no esté obrigada a respeitar ‘direitos adquiridos’, ou quaisquer das demais realidades enunciadas no art. 5°, XXXVI, da atual Constituic&o. Afinal, negada a existéncia de qualquer poder juridico acima do estatal, ndo haveria como se recusar a possibilidade de uma norma de igual hierarquia excepcionar aquilo que ora consagrou como regra. Aliés, a propria Constituigéo de 1988 nos dé, embora em matéria pertinente ao direito administrativo, importante exemplo de excegao ao principio consagrado no seu referido art. 5°, XXXVI. Ao disciplinar os vencimentos dos servidores publicos, apesar de consagrar de forma inovadora o principio da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV e art. 39, § 2° c/e art. 7°, V)), afirma o art. 17 do Ato das Disposig¢ées Transitérias, ‘os vencimentos, a remuneragao, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituigéo serao imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, no se admitindo, neste caso, invocagéo de direito adquirido ou percep¢éo de excesso a qualquer titulo”. Reconhece, portanto, proprio texto constitucional, de forma plena, a impossibilidade de sobrevivéncia do direito adquirido, da coisa julgada e do ato juridico perfeito, contra o expresso texto de norma constitucional em contrario.* Portanto, a invocagéo do direito adquirido como clausula pétrea é, como ja dito, um sofisma. Nao se pode invocar direito adquirido contra a Constituigéo ou até Emendas Constitucionais ja que o destinatario do direito adquirido € 0 legislador, e como jé dito, o que n&o pode ser modificado é 0 direito individual que todos possuem, de nao ter por lei nova atingidos os seus direitos adquiridos. Ou seja, todos tém direito as limitagées a retroatividade das Almedina. 1998; p. 319-320. ® MARTINS CARDOZO, José Eduardo. Da retroatividade da lei, Sao Paulo : Editora Revista dos Tribunals, 1995, pp. 313-314. leis e esse direito é que néo pode ser suprimido ou alterado por Emenda Constitucional. Arrematando, esclarece José Eduardo Cardozo “Em sintese: 0 que veda a nossa lei maior é que futuras emendas constitucionais venham a estabelecer a possibilidade de que tenha a nossa legislagao infra-constitucional poderes para prejudicar direitos adquiridos, atos Juridicos perfeitos e coisa julgada. N&o proibe, ao revés, nenhuma perspectiva, que © préprio legislador constitucional, por via de emendas, tenha tais prerrogativas”.® Cabe dizer que o Principio da Democracia Econémica e Social depara aqui com um dos chamados principios constitucionais impositivos’, no sentido de que os érgdos de atuagdo politica - legislative e executivo- tém obrigatoriamente de seguir um caminho predeterminado no sentido de promover uma eficiente atividade econémica-social, utilizando para isso dos meios necessarios para sua coneretizagao. Segundo Canotilho, deve-se interpretar esse principio como ‘[-] um mandato constitucional juridicamente vinculativo que limita a discricionariedade legislativa quanto ao "se" da atuagdo, deixando, porém, uma margem consideravel de liberdade de conformagao politica quanto ao como da sua concretizacao.* Entretanto, a realidade na terra brasileira é diferente. Mesmo que fossem impostas constitucionalmente algumas atitudes aos legisiadores através de principios impositivos, ¢ possivel que ndo fossem observados pelo simples nado cumprimento das ordens de legislar’. ® MARTINS CARDOZO, José Eduardo. Da retroatividade da lei, Sao Paulo : Editora Revista dos Tribunals, 1995, p. 314 T "Nos principios constitucionais impositives subsumem-se todos os principios que, sobretudo no émbito da constituicdo dirigente, impée aos drgdos do Estado, sobretudo ao legislador, a realizacdo de fins e a execucéo de tarefas, |..] Estes principios designam-se, muitas vezes, por preceitos definidores dos fins do Estado [..] ou normas programaticas, definidoras de fins ou farefas." (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituicéo. 2° ed. Coimbra: Almedina. 1998; p. 1040.) * CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituicéo. 2° ed. Coimbra: Almedina. 1998; pp. 319-320. "As ordens de legislar, diferentemente das imposig6es constitucionals (que sao determinagoes permanentes e concretas), traduzem-se, em geral, em imposig6es tnicas (isto & Imposigdes concretas mas no permanentes) de emanacao de uma ou varias leis necessarias @ criacdo de uma nova inslituicso ou A adaptacao das velhas leis a uma nova ‘ordem constitucional” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituigo. 2* ed. Coimbra: Almedina, 1998; p. 918.) Como na Consfituigéo de 1988 ha normas constitucionais de eficdcia juridica limitada, tanto institutivas como programaticas, a concretizagao destas normas fica na dependéncia de lei que as tornem exeqitiveis. Leis estas que as vezes nunca so criadas para reger as questées predeterminadas, ficando os destinatarios das normas limitados em seus direitos. Canotilho chama a atengéo para o fato de que, caso a determinagao colocada pelas normas constitucionais impositivas n&o sejam cumpridas haverd omisséo constitucional, o que em Portugal representa um ato politico grave. Visando efetivar concretamente esses direitos assegurados na Constituigéo, no caso de n&o elaboragdo de norma regulamentadora, os lusitanos criaram o Mandado de Injungao, que tem a fungdo de dar exeqtiibilidade as normas constitucionais. Segundo Canotilho, “A formula [...] dar conhecimento ao érgao legislative competente & menos diretiva do que a que se traduzia na possibilidade de recomendagées, mas pode interpretar-se como sendo um apelo do Tribunal Constitucional, com significado politico e juridico aos érgdos legiferantes competentes no sentido de estes atuarem e emanarem atos legislativos necessérios @ exeqiiibilidade das leis constitucionais’."° © fato é que, em paises de democracia consfitucional desenvolvida, de pessoas culturalmente no mesmo nivel desta democracia, se ha um apelo do Tribunal Constitucional, para que os legisladores elaborem uma lei que os garanta na ativagdo desse direito e se estes permanecem inertes, os responsdveis - no Brasil seria 0 Congreso Nacional - sé numa hipétese muito remota seriam reeleitos em um pleito futuro. Numa andlise mais detalhada desse principio, cabe mencionar que € ele que dé aparato para as intervengdes do Estado no dominio econémico, cultural e social, pois ele funciona como uma “[..] imposig&o constitucional conducente & adogéo de medidas existenciais para os individuos e grupos que, em virtude de condicionalismos particulares ou de condigées sociais, encontram dificuldades no desenvolvimento da personalidade em termos econémicos, sociais e culturais CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituigéo. 2* ed. Coimbra. ‘Amedina. 1998: p. 922. (ex.: rendimento minimo garantido, subsidio de desemprego). A atividade social do Estado 6, assim, atividade necessariamente publica e objetivamente publica. [...] Essas intervengées néo se limitam a uma fungdo de direg&o ou de coordenagéo de uma economia de mercado. Sao instrumentos de transformagées e modemizacao das estruturas econémicas e sociais. Mais a problematica é ja a questo de saber se a Constituigéo impde um productive State - que se tem mostrado ineficiente e burocratizado - ou se a democratizaco econémica, social e cultural pode ser conseguida por instrumentos distributivos e redistributivos mais flexiveis e dinamicos’."' As profundas mudangas que devem sofrer os Estados, principaimente os que se encontram em nivel de desenvolvimento inferior, devem se orientar para o ponto de vista social, tentando promover politicas pliblicas que combatam a promiscuidade que estes Estados sustentaram por séculos. Para isso, ¢ necessério que essas politicas sejam sustentadas na organizagdo e persecugao de fins sociais, pois como enfatiza Canotitho, “[..] a Administragéo Publica é uma administragéo socialmente vinculada a estruturagéo de servicos fomecedores de prestagdes sociais (ensino, satide, seguranga social). [..] A transmutagéo de formas de organizagéo puiblicas em esquemas organizatorios privados (ex.: telecomunicagées, energia, crédito) pressupée a continuagéo do principio da universalidade de acesso das pessoas aos bens indispensaveis a um minimo de existéncia."* Para que haja esse desenvolvimento sécio-econémico é preciso, antes, que o Estado se organize para que possa recepcionar essas mudangas de modo estavel, sem que com elas haja um desequilibrio. E preciso que se observe alguns principios deste grande principio que é o da Democracia Econémica e Social. S40 eles: 0 da Planificagéo, o do Desenvolvimento, da Subsidiariedade, 0 da Responsabilidade Social, 0 da Privatizagao, o da Desburocratizagao, 0 da Eficiéncia, o da Regulagdo e 0 mais importante deles todos, o da Reestruturagao do Estado. Analisemos cada um deles. * CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional @ Teoria da Constituigéo. 2* ed. Coimbra ‘Almedina. 1998; p. 323 " CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituigéo. 2* ed. Coimbra. ‘Amedina. 1998; p. 326. Principio da Planificagao A importancia deste principio, amplamente acolhido no sistema constitucional brasileiro para o planejamento é a de que este é um dos desdobramentos dele, e pela importancia do planejamento, até ha os que 0 considerem como um principio a parte do da Democracia Econémica e Social."* Para que haja esse desenvolvimento sécio-econdmico, € preciso antes, que 0 Estado se organize para que possa recepcionar essas mudangas de modo estavel, sem que com elas haja um desequilibrio. Para que isso ocorra, & preciso que se observem alguns desdobramentos deste grande principio, € como j4 dito anteriormente, entre esses, se encontra o planejamento. E dificil visualizar-se desenvolvimento sem planejamento. Em um sentido mais técnico, desenvolvimento se liga diretamente a planificacdo, devendo esta ser aqui considerada como uma nova modalidade de atuagao administrativa, superando as tradicionais atividades de policia, estimulos positivos, produgo de bens e servigos e servigos puiblicos Nesse sentido, Gaspar Arifio Ortiz, colhendo as citadas quatro primeiras atividades (policia, estimulos positivos, produgdo de bens e servigos € servigos pliblicos), acolhe também a atividade arbitral, e a que aqui nos interessa, a atividade de planejamento. Segundo ele planejando e programando, o Estado conformaria e racionalizaria de modo conjunto e sistematico a ago do Setor Publico e do Setor Privado, direcionando esses setores para que atendam as necessidade previstas num prazo médio. ™ Nesse sentido, Eduardo Kroeff Machado Carrion explica que: Ao Estado liberal anterior ccorrespondiam principios econdmicos como o da tiberdade da indiistria e do comércio e o da igualdade de tratamento em matéria econdmica, impedindo assim medidas discriminatérias ou seletivas por parte da administrag&o com relagéo a atividade da iniciativa privada. Com a mudanga da natureza do Estado, novos principios econdmicos surgem, refletidos em expresses como ‘planejamento econ6mico’, “estatizagdes”, “democracia econdmica e social’, ‘em complemento & democracia politica etc. Novos principios econémicos estes que, sobretudo ‘apés @ Segunda guerra mundial, encontraram acolhida cada vez maior nas Constituicées, recebendo entéo estatuto e garantia constitucionals. Estes novos principios econémicos apresentam inspiracdo distinta daqueles classicos. Ao invés de significar uma limitacdo a aco do Estado, implicam uma maior intervencéo do Estado. (CARRION, Eduardo Kroef Machado. Reforma Constitucional e Direito Adquiridos e outros estudos, Porto Alegre: Ed. Sintese, 2000; 44.) BW ORTz, Gaspar Arno, Principios de Derecho Piblco Econémico.2* ed. Granada: Comares 2001; pp. 252-255. Entretanto, 0 precitado jurista espanhol, explica que a tendéncia & que se reforme essas atividades, no sentido de passar o Estado de protagonista a coadjuvante, isto em virtude das transformagées que ocorreram nos Estados nos tiltimos anos, 0 que se convencionou chamar de Direito Administrativo Minimo. Entre elas podemos citar a Privatizagéo e a desregulagao da economia. Para ele, deste momento em diante teria-se quatro espécies de Estado: O Prestador, 0 Produtor, 0 Regulador, e 0 Planificador e Conformador da Vida Social". Isto nao significa que a adogdo de uma forma de Estado exclua as outras, pelo contrario, ao se falar por exemplo em Estado Regulador, presume- se 0 Estado Planificador e Conformador. Nesse momento, como o Estudo se volta para o Estado Planificador, adotamos aqui a significagao proposta por Garpar Arifio Ortiz, onde para ele 0 Estado sobre essa roupagem, nao atua [...] previendo las necessidades y tomando decisiones empresariales [...] pois essa forma [...] esta totalmente en desuso. Explica esse jurista espanhol, que [...] frente a él, las técnicas planificadoras pueden resultar atin utiles para la asignacién de recursos escasos (aguas, suelo, ondas electromagnéticas) 0 para proporcionar un marco de orientacién informativo estratégica a los agentes privados, siempre que se utilicen técnicas compatibles con el mercado." Ou seja, 0 Estado diagnostica a sua situagao sécio-econémica, e a partir desse estud, fixa o ponto de partida e as providéncias que deverao ser tomadas, delimitando os objetivos e agdes a realizar durante um determinado periodo de tempo. O Interesse Publico é onde deve se pautar os Estado no momento atual. Definir interesse Publico, é que é uma tarefa ardua. O jurista Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto explica que [...] tal conceito vai servir, na pratica do exercicio do poder politico administrative e na teoria do Direito Administrativo, como uma verdadeira chave de abdbada, capaz de preencher os vazios do sistema, dar justificativa racional ao Direito e conferir coeséo te6rica ao modelo juridico. [..] 0 interesse ptiblico cumpre para este ramo do "5 ORTIZ, Gaspar Ariflo, Principios de Derecho Publico Econémico, 2° ed, Granada: Comares, 2001; pp. 255-256. ™ ORTIZ, Gaspar Arifio. Principios de Derecho Piblico Econémico. 2* ed. Granada: Comares, 2001; p. 256. Direito 0 papel de ‘instrumento’ (elo de concentragéo), ‘limite’ (elo de delimitagao) e ‘fundamento' (elo de legitimacao) do poder."” Celso Anténio Bandeira de Mello aduz que [...] 0 interesse puiblico deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os individuos "pessoalmente” tém quando considerados "em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem."” Exemplfica o ilustre professor que “[...] um individuo pode ter, € provavelmente teré, pessoal - e maximo - interesse em ndo ser desapropriado, ‘mas no pode, individualmente, ter interesse em que no haja o instituto da desapropriagao’, conquanto este, eventualmente, venha a ser utilizado em seu desfavor’."” Todo essa anilise em torno do que seja Interesse Publico é indispensavel para que se estude o instituto da planificagéo sem identificar profundas restrigdes, uma vez que o planejamento objetiva atingir o interesse puiblico. Mas para esse fim, pode ser que ele se sobreponha a interesses individuais, 0 que nao impede de maneira alguma que ele se efetive. A propria palavra Administracéo Publica, deve ser entendida em um de seus desdobramentos, como uma constante busca pela eficiéncia, e € um dos principais requisitos do planejamento. Desde j devemos entender que planejar é antecipadamente direcionar, 0 que sera feito estabelecendo uma linha a ser seguida. Nessa perspectiva, o planejamento afeta varios aspectos, entre os quais podemos aqui mencionar que o planejamento exige uma Administragao forte (deve ser bastante forte para poder por em vigor suas medidas), competente (ter um servigo administrative competente, com pessoal habilitado, capaz de compreender as grandes questées em jogo e de agir com rapidez e inteligéncia), e incorrupta (deve estar livre de todas as acusagées de corrupgao, pois, embora os homens suportem muitas restrigdes de um governo que acreditam estar agindo com justica e apenas no interesse do povo - por maior que sejam os seus erros - sem disting&o de pessoas, eles mais cedo ou '’ MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulacéo Estatal e Interesses Publicos. $80 Paulo: Malheiros. 2002; p. 77. MELLO, Celso Anténio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 128 ed., So Paulo: Malheiros. 2000; p. 59. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrative. 12* ed.. Sao Paulo. Malheiros. 2000; p. 58. mais tarde oferecer&o resisténcia violenta as medidas administrativas de maneira corrupta, por mais aceitaveis que tais medidas possam ser.).”° Entretanto, como ressaltava Lewis, néo ha em paises subdesenvolvidos uma Administragdo competente e incorrupta, até porque se houvesse ndo seria subdesenvolvidos. Nao se est aqui afirmando que a corrupgao é um “privilégio" s6 dos paises subdesenvolvidos, mais sim que é neles que 0 quadro se agrava Lewis ainda explicava o porqué da dificuldade dos paises subdesenvolvidos em diagnosticarem seus problemas, onde ressaltava que 0 fato dos governantes ainda terem muito o que fazer para cumprir suas fungdes basicas, antes de passarem para as fungdes mais complexas, levava-os a exercitar constantemente politicas publicas voltadas apenas para esses setores, © Brasil € reflexo desse sistema. Como almejar o desenvolvimento em outras areas se 0 povo passa fome, as infra-estruturas so precdrias, 0 saneamento basico é um sonho, a satide publica o caos, a educagdo n&o parece demonstrar evolugao”", seguranga ptiblica j4 perdeu o seu significado, e 0 préprio meio ambiente onde vivemos esté sendo deteriorado? © caminho é muito arduo, Lewis ressaltava que a dificuldade com que se defrontam esses governos & que n&o podem ampliar os seus préprios servigos, a menos que consigam levantar dinheiro para financid-los, nao podendo obter todo o dinheiro de que precisam porque seus povos séo paupérrimos. Em conseqiléncia, sdo levados a preocupar-se com medidas para aumentar a receita nacional. E neste sentido que o planejamento é mais necessdrio nos paises atrasados. Nos paises adiantados, a receita nacional aumenta firmemente de decénio para decénio, mesmo que o governo nao “interfira" na vida econémica. Mas em muitos paises atrasados ha estagnagao 0u retrocesso, e um governo progressista se sente, naturalmente, inclinado a ? LEWIS, W. Arthur. Os Principios do Planejamento Econémico. Tradugaio de Edson Ferreira Santos, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura. 1960; p. 187 ?" Apesar de cada vez encontrar-se um numero maior de pessoas com curso superior, a qualidade dessas pessoas colocadas no mercado de trabalho € cada vez pior. Inclusive, na tentativa de intervir nesses problemas, o Ministério da Educagdo institui o exame nacional de cursos, que demonstrou o que j4 se imaginava, a qualidade do Ensino Superior Brasileiro precéria indagar que planos poderdo ser adotados para produzirem 0 progresso econémico.” Portanto, como paises como 0 nosso tém muito mais problemas para serem solucionados - e esses problemas sdo perceptiveis sem grandes dificuldades - € que podemos tentar avangar com o planejamento de uma maneira centrifuga, ou seja, comegando pelos Municipios e Estados, para chegar-se ao pais de uma forma geral. Entretanto, para isso é necessario que © povo tenha consciéncia de seu atraso e desejo de progredir, que 0 povo seja nacionalista acima de tudo, pois s6 assim suportara os sacrificios, e tolerara as falhas, atirando com entusiasmo a tarefa de reformar a nado. Lewis, que também era um grande frasista, dizia que: O entusiasmo popular é, ao mesmo tempo, o éleo lubrificante do planejamento e a gasolina do desenvolvimento econémico - uma forga dinamica que tora quase tudo isso possivel.”? No Brasil, 0 planejamento, conforme dispée o artigo 174 da Constituigao Federal, representa uma fungéo administrativa econémica do Setor Puiblico, no sentido de que este se obriga a planejar seus atos. Esse mesmo artigo prescreve que o Estado podera estabelecer um planejamento para o setor privado, entretanto, este setor nao se obriga a ele, sendo este planejamento portanto sé indicativo. O termo planejamento tem sido muito usado para se referir tanto a planos e planificagées. Entretanto, o melhor entendimento é o que propugna o jurista Sérgio de Andréa Ferreira, este entende que 0 [...] planejamento é o proceso, planificagao é 0 resultado e o plano o documento que o formaliza.”* Alguns fatores contribuem para a criagao de um planejamento eficaz, so eles: os Indicadores sociais, que para o planejamento sdo, ao mesmo tempo, parametros da realidades face aos objetivos propostos, e instrumento de anélise das miiltiplas condigées sociais de uma sociedade. [...] os indicadores tém se revelado uteis, pois: 1) permitem avaliar programas especificos; 2) facilitam a elaborag&o da contabilidade social; 3) ajudam a ®? LEWIS, W. Arthur. Os Principios do Planejamento Econémico. Tradugao de Edson Ferreira Santos. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura. 1960; p. 189. LEWIS, W. Arthur, Os Principios do Planejamento Econémico. Tradugéo de Edson Ferreira $antos. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960; p. 196. * FERREIRA, Sergio de Andréa. Eficacia Juridica dos Planos de Desenvolvimento Econémico i RDA 140/16 corrigir metas e fixar novos objetivos. Como os indicadores sociais pode-se eventualmente chegar a um dos objetivos da planificagao, qual seja, construir um Planejamento Social.” E a Participagao Popular legitima o planejamento, 0 que facilita a sua efetivagao. O planejamento participative ja se viu realizado em algumas cidade no pais, 0 exemplo classico é Porto Alegre. Nesse diapasao, ja nos idos de 1966, Amold Wald defendia: a economia planejada de um pais democratico deve ser uma economia de didélogo, pois sem didélogo, n&o pode haver planejamento no regime democratico.”® Através de um bom planejamento, pode-se ao menos almejar uma reestruturagao do Estado. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, proposto pelo MARE (Ministério Extraordindrio da Administragao e Reforma do Estado), e que foi aprovado posteriormente, classificou o Estado em quatro setores (produgao de bens e servigos, nticleo estratégico, atividades exclusivas e atividades competitivas). Isso girando em torno de um sé objetivo eficientizar a Administragéo Publica, Nessa perspectiva, até consideraram por bem, inserir a eficiéncia como um dos principios da Administragao Publica, ja em 1998, no art. 37, configurando esse principio também como um daqueles que Canotilho convencionou chamar de impositivo O que se pode afirmar, é que como principio impositivo ele hd de ser efetivado, e uma das melhores formas ¢ através do planejamento. Nesse diapasdo, afirma o José Eduardo Martins Cardozo que “[..] © planejamento, também se liga a idéia de eficiéncia, sendo que esta jamais poderé ser atendida, na busca do bem comum imposto por nossa Lei Major, se 0 Poder Publico ndo vier, em padrées de razoabilidade, a aproveitar da melhor forma possivel todos os recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros existentes e colocados a seu alcance, no exercicio regular de suas competéncias, A auséncia de planejamento, a negligéncia operacional, a inabilitagéo técnica geram desperdicios de recursos. Propiciam a necessidade de custos superiores aqueles que seriam necessérios para a realizagao de uma atividade ou servico. Implicam retardamento ou morosidade de execugdo, impedindo que novas atividades sejam realizadas e novas ? MEGALE, Januario Francisco. Indicadores Sociais e Planejamento in: Digesto Econdmico n? 253. 1977; p. 85. ®° WALD, Atnold, Planejamento e Didlogo in: Digesto Econdmico n.° 189, 1966; p. 63, necessidades piiblicas sejam atendidas. Séo, assim, fatores que em sie por si geram dbices a satisfagéo adequada dos interesses comuns da coletividade””” Outro aspecto a ser ressaltado ¢ 0 do avango que se teve em relagao ao planejamento monetério. Também como reflexo da eficiéncia e por imposicéo do Fundo Monetario Internacional, sobreveio a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esta, em seu Capitulo Il, veio inserir a obrigatoriedade de planificagdo financeira do dinheiro piiblico, prevendo a obrigatoriedade de se fazer uma lei de diretrizes orgamentarias e uma lei orgamentéria anual. Esta lei jd figura como uma tentativa, ainda muito timida diga-se de passagem, de levar 0 administrador a realizar uma boa gestéo do dinheiro puiblico através de planejamento. Um aspecto também nao pode deixar de ser destacado e o problema do planejamento urbanistico. Na tentativa de urbanizar no sentido que os urbanistas atribuem a esta palavra, ou seja, promover o desenvolvimento fisico, cultural e historico das cidades, foi que sobreveio 0 Estatuto da Cidade em 2001 Esta lei definiu as ferramentas que 0 Poder Publico Municipal poderia utilizar para opor-se aos problemas de desigualdade social e territorial nas cidades. Para este fim, deve-se agora utilizar da via da regulamentagao, estabelecendo um bom plano diretor, prevendo a gestéo democratica da cidade (através de orgamentos e planejamentos participativos), utilizar-se-4 também dos instrumentos de regularizacao fundidria e urbanisticos, da desapropriagao € outros, Entretanto, como dito anteriormente, a ‘reurbanificagéo” como qualquer planejamento, tera que ter participagéo muito mais ativa de pessoas especializadas, para que se tore sustentavel. Os politicos, governantes, devem dar margem a entrada desses profissionais, para que haja o desenvolvimento das cidades. Pois o que se percebe em nosso pais, é que ha um sistema de politicagem e clientelismo sustentado ha anos, onde se contratam "amigos" para esses cargos e, mais grave ainda, usam-se projetos arquiteténicos monstruosos, prometendo o desenvolvimento urbano que nunca ?” CARDOZO, José Eduardo Martins. Principios Constitucionais da Administrag&o Publica in Os 10 anos da Constituigéo Federal: temas diversos. Coordenagao de Alexandre de Moraes. ‘So Paulo: Atlas. 1999; p. 166. sai do papel, tudo isso para angariar votos no préximo pleito, numa itresponsabilidade social imensuravel, pois esse estrago de quatro anos pode precisar de vinte anos para recuperd-lo, quando nao se torna irrecuperavel. S6 para ilustrar 0 que temos dito, em uma cidade no interior de Minas Gerais, de nome Sao Gotardo, um determinado prefeito, fez um projeto para construgéo de uma pequena praia artificial. Até ai seria perdodvel, uma vez que 0 povo também tem direito constitucionalmente previsto a lazer”®, além do fato de gerar turismo a cidade. Foi feito o projeto, mostrado ao povo através de uma maquete, dotado verbas para a concretizagao da obra, o Estado de Minas até financiou o projeto fazendo o repasse, entretanto esse nunca saiu do papel... Um exemplo diametralmente oposto ocorreu na cidade de Franca, no Estado de So Paulo. O prefeito eleito no pleito de 1996, apés analisar alguns problemas da cidade, concluiu que um dos maiores estava no tratamento de agua. Construiu entéo uma rede de tratamento de agua, e hoje, Franca é uma cidade que possui 100% de sua agua tratada, e essa conquista deve ser comemorada dia a dia pelos seus cidadéos, pois 0 chamado “problema do século", eles j4 contomaram, A preocupagao com o urbanismo, e com o subdesenvolvimento das cidades em nosso pais, levou o presidente Luiz Inacio Lula da Silva a criar © Ministério das Cidades. A importancia do Estatuto se liga ao fato de que ele foi de fundamental importancia a criagéo do Ministério das Cidades, tendo a imprensa inclusive noticiado que o Estatuto da Cidade ganha Ministério. *° © fato ¢ que, as diversas competéncias politicas atribuidas ao Ministério das Cidades, s6 se legitimarao se acolhidas pelos prefeitos locais no sentido de orientar-se paras politicas em torn do urbanismo. Entretanto, deve- se ressaltar, que [...] 0 objeto do urbanismo se amplia desse modo até incluir ndo somente a cidade, mas todo o terntério, tanto o setor urbano como 0 rural.*° Qu seja, os planos urbanisticos, devem orientar as atividades em todas essa areas, que também fazem parte da cidade. Pois sabe-se que no interior € 2 prt.6°. S8o direitos sociais a educag&o, a saide, o trabalho, a moradia, o lazer, a seguranga, a previdéncia social, a protecao A maternidade e a infancia, a assisténcia aos gesamparados, na forma desta Constituigao. TUMA, Romeu. Estafuto da Cidade ganha Ministério in: Folha de S80 Paulo de 13.1.2003; p A3 *° SILVA, José Afonso, Direito Urbanistico Brasileiro. 2* ed, Sao Paulo: Malheiros, 1995.; p. 25. comum encontrar-se as chamadas agrovilas, onde vivem varias pessoas em dreas fora do perimetro urbano, mais que nao podem ser consideradas com propriedade rurais, onde incidiria o imposto sobre a propriedade territorial rural, e ndo o IPTU. Nao ha diividas para nés de que estas agrovilas, nada mais so do que vilas, onde incidem IPTU, e portanto, também tém direito a um planejamento adequado 4 sua area Portanto, expostas essas consideragées, cabe a nds dizer que neste aspecto, o quadro brasileiro esté fruindo bem. Adotando-se o planejamento como um instrumento de desenvolvimento econémico e social, poderemos visualizar uma melhor perspectiva para o pais, bastando que para isso, 0 poder ptiblico além de planejar, elabore meios para se efetivar seus planos 1.2. Principio do Desenvolvimento “Alguns mestres do direito dos paises ocidentais pretenderam criar um direito novo, peculiar 4 sociedade capitalista, numa fase de intervengdo estatal. Surgiu na Alemanha, o Wirtschaftrechts, repensado pela doutrina francesa, sob a denominagao de direito econémico. Inicialmente, significou apenas uma tomada de consciéncia das relagdes entre 0 direito e a economia para, em seguida, colocar-se numa zona tangente, entre o direito privado e 0 direito publico, como um conjunto de normas que déo ao Poder a faculdade de intervir na economia, abrangendo todos os aspectos da organizagao econémica do Estado.”*' Se o direito econémico se importa apenas com finalidades meramente quantitativas(...) 0 direito do desenvolvimento tem finalidades sociais e humanas mais amplas. E o direito econédmico humanizado e democratico, afirmava Amold Wald em 1957"? A historia do desenvolvimentismo brasileiro pode ser analisada a partir de 1945. Dos efeitos da Segunda Guerra mundial sobre a economia *" WALD, Amold, “O direito do desenvolvimento”, in Digesto Econémico, n, 197, Sao Paulo: Editora Comercial, 1957, p. 120 “WALD, Amold, "O direito do desenvolvimento”, in Digesto Econémico, n. 197, Sao Paulo: Editora Comercial, 1957, p. 120 brasileira®’, alguns foram positivos: as exportagées de café, algoddo, acticar, borracha e outros produtos agricolas aumentaram em quantidade e em valor. Por outro lado, estimulada pela demanda de manufaturados decorrente da desorganizagdo das economias dos paises industrializados, a industria continuou crescendo, Porém, nao tanto quanto poderia ter crescido: a capacidade industrial instalada era insuficiente para atender toda a demanda, mormente porque havia necessidade de importar maquinas e pegas para reposigéo, 0 que encontrava obstaculos na politica cambial e na desorganizagao do comércio internacional. No inicio do governo Dutra (1946-1951), a pedido do empresariado, foi implementada uma politica cambial liberal: foram suspensas todas as restrigses a qualquer tipo de importagao. Em tempos em que os saldos cambiais brasileiros em moeda estrangeira eram altos, além da importagéo de supérfluos (automéveis, roupas, bebidas, méveis, etc.), foi possivel 0 reequipamento do setor industrial. Porém, j4 em 1947 0 governo voltou a aplicar medidas restritivas as importagées, que eram aplicadas pela Carteira de Importacdo e Exportagao do Banco do Brasil Ao final do mesmo governo Dutra, a industria nacional era quase auto-suficiente na produgéo de bens de consumo corrente (alimentos, tecidos, utiidades domésticas), iniciando seu avango sobre a industria de base (siderurgia e petroquimica) e de bens duraveis (veiculos e eletrodomésticos). A primeira metade de década de 50 foi marcada pelo nacionalismo, de que é representativa a campanha “O Petréleo ¢ nosso”. Os primeiros passos para o desenvolvimentismo foram dados através do Plano Lafer, do ministro da Fazenda Horacio Laver, que programou investimentos de 1 bilhao de délares na industria de base, como energia eletrica, petréleo, transportes e portos. Esse programa seria apoiado pelo recém criado Banco Nacional do Desenvolvimento Econémico (BNDE). A partir da segunda metade da década de 50, os projetos nacionalistas adquiriram uma nova expressdo: o desenvolvimentismo. “Eleito em 1955 pela mesma alianga politico-partidéria de 1951, PSD-PTB (Partido Social Democrata e Partido Trabalhista Brasileiro), Juscelino *° Cf. TEIXEIRA, Francisco e TOTINI, Maria Elisabeth. Historia econémica e administrativa do Brasil. S40 Paulo: Atica, 1989, pp. 180 e ss. Kubitschek anunciava um ambicioso programa de governo: “50 nos em 5”. Seriam cingUenta anos de progresso em cinco anos de governo. E segundo o proprio presidente eleito, estes seriam os objetivos principais do plano: * Industrializar aceleradamente o pais; © Transferir do exterior para 0 nosso territorio as bases do * desenvolvimento auténomo; * Fazer da industria manufatureira o centro dinémico das atividades econémicas nacionais. Todo planejamento econdmico-financeiro do governo Kubitschek, direcionado para a industrializagéo brasileira, foi articulado no chamado ‘Programa de metas’, apresentado durante a campanbha eleitoral. Baseado em estudos de um grupo de técnicos do BNDE e da Cepal (Comisséo Econémica para a América Latina, da ONU), o programa estabelecia as principais metas econémicas do governo (...)* programa de metas de Juscelino Kubitschek prestigiava cinco setores: energia, transportes, alimentagdo, industria de base e educagdo. A construgo de Brasilia representou a sintese dessas metas e foi o mais forte simbolo desenvolvimentista. Os anos JK (1956-1961) foram anos de euforia, crescimento e ... inflacao. Além disso, nem tudo foram flores: aumentou a dependéncia do capital estrangeiro, cresceu a divida externa e a concentragdo industrial agravou os desequilibrios regionais e a urbanizagao migratéria das populagdes. Nao se pode esquecer que nesse periodo, o Brasil ja havia participado, em 1944, da criago do Fundo Monetério Internacional, obrigando- se aos acordos monetérios estabelecidos pelo Fundo e as regras de funcionamento do Banco Internacional de Reconstrugao e Desenvolvimento e do Banco Mundial, todos sob influéncia dos Estados Unidos As necessidades internas e a forga dos agentes financeiros interacionais abriram as portas do Brasil para a penetragdo de capitais estrangeiros, como empréstimos ou como investimentos. Em 1960, eram seis os paises com maior volume de capital investido no Brasil: Estados Unidos (38%), Sulga (13%), Canada (11%), Alemanha Ocidental (9%), Franga (2%) e Japao (2%) A industrializagao brasileira trouxe transformagées econémicas e sociais: fortalecimento da burguesia industrial, ampliagdo e organizagéo dos trabalhadores urbanos e expanséo dos setores secundario e tercidrio da economia. E agravou outros problemas: maior dependéncia financeira e “ TEIXEIRA, Francisco e TOTINI, Maria Elisabeth. Histéria econémica e administrativa do Brasil. $0 Paulo: Atica, 1989, pp. 186 -187. tecnolégica externa, concentragéo regional de pdlos _industriais, empobrecimento de regides dependentes de exportagao agricola, aumento da inflagao e do custo de vida em todo o pais. O descompasso entre os beneficios trazidos para o empresariado € 08 reflexos sociais que acabamos de apontar, levou a radicalizagao politica: de um lado, os reformistas, desenvolvimentistas e nacionalistas; de outro, os liberais e 0s conservadores. Com estes titimos, cerraram fileiras setores influentes do empresariado nacional e estrangeiro, classe média e militares. O que resultou no golpe de 1964. S6 a partir de 1967 o Estado brasileiro intentou retomar o controle sobre o planejamento e a atividade econémica. “Em suas relagdes com os paises periféricos, as empresas ‘muttinacionais industriais (...) estabelecem um novo tipo de imperialismo: o imperialismo industrializante, desenvolvimentista, mas condicionador de um novo estilo de acumulagao de capital, concentrador de renda, excludente, que chamaremos de modelo de subdesenvolvimento industrializado. As empresas multinacionais séo agora agentes desse imperialismo contraditério, que transfere o excedente para o centro, via lucros abertos e disfargados, mas também promove o desenvolvimento interno. Esse desenvolvimento, entretanto, tende a ser profundamente perverso, & medida que as multinacionais so um dos principais fatores condicionantes de um modelo de desenvolvimento que, procurando reproduzir na periferia os padrées de consumo do centro, acaba beneficiando muito poucos.”*° A partir de 1969, um grupo de cientistas, através de um manifesto denominado Blueprints for survival e, logo em seguida uma organizagao governamental, o Clube de Roma, fizeram eclodir o debate que elaborou uma projegdo catastréfica para o século XXI: os recursos naturais explorados indiscriminadamente se esgotariam. E a questo natural passou a fazer parte da economia, Os especuladores de plantéo encontraram caminho fértil para suas atividades: todas as matérias primas basicas sofreram fortes aumentos de pregos, a que tiveram de se submeter as economias desenvolvidas. Nos *° BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Economia brasileira: uma introdugao critica. Sd Paulo: Brasiliense, 1982, pp 48-49. paises de economia de mercado, a conseqiiéncia foi que, cada vez que se tentava acionar mecanismos de estimulo do tipo keynesiano (capacidade produtiva + pleno emprego = crescimento), 0 resultado nao era crescimento, mas inflagdo. A alternativa: cortar custos de material, energia e mao de obra Em resumo, a economia mundial passou de uma crise keynesiana para uma crise ricardiana (elevagao dos custos de produgao + degradagao da riqueza social global = empobrecimento). Essa crise inspirou duas teorias concorrentes: 0 neoliberalismo, que prega a contengdo de custos nas diversas economias e a do desenvolvimento sustentével, que busca combinar corregao econémica com controles administrativos e decises negociadas entre os diversos setores da sociedade civil envolvidos. E claro que as forgas econémicas dominantes que se aglutinam em tomo da teoria neoliberal, capturando inclusive governos, e que séo a0 mesmo tempo as detentoras dos maiores avangos tecnolégicos, no se conformam com os postulados do desenvolvimento sustentavel: 0 questionamento das desigualdades dos modos de consumo das diversas economias nacionais diante da impossibilidade material e energética de se estender os modos de consumo dos paises ricos para os paises pobres. A partir dai, nao foi mais possivel tratar 0 desenvolvimento simplesmente a luz da teoria econémica, para a inclusdo do elemento ético: 0 desenvolvimento sustentavel. Essa corrente de pensamento tem importantes defensores, como D. North®® e A. Sen’”, Embora ainda contaminados pela idéia de explicagado unitaria no espago e no tempo para os fenémenos de desenvolvimento econémico e, consequentemente, sugerirem solugées unitarias, trouxeram grande contribuicdo para o debate. Sen* sustenta a inclusdo de valores éticos no raciocinio econémico, sem, entretanto, discutir que valores especificos devem nortear 0 desenvolvimento, O conceito basico de ética e moralidade implica basicamente na rejeic¢&o da busca exclusiva do auto interesse como critério de avaliagdo das °° Cf. Institutions, institutional change ad economic performance, Cambridge: Cambridge University Press, 1999, apud SALOMAO FILHO, Calixto, ob. cit. p. 30. *" Sobre ética e economia. Calixto Salomao Filho, tradutor, Sao Paulo: Companhia das Letras, 1988 °* Sen, A ., ob. cit., pp. 94 e segs., apud SALOMAO FILHO, Calixto, ob. cit. p. 30 utilidades individuais. 12 . O desenvolvimento sob a 6tica juridica. Quando nos propomos a examinar 0 desenvolvimento (ou qualquer outro tema) sob a ética do direito, é justamente ao estudo desses valores que devemos nos dedicar. Porque o Direito cristaliza valores éticos e os converte em normas juridicas. Os valores éticos nao encontram muito espaco quando enfrentam © egoismo inato, Mas encontram boas possibilidades de sucesso quando s4o expressos em normas juridicas, porque estas sdo carregadas de sangdo. Como assevera Norberto Bobbio™’ , 0 homem é um animal teleolégico, que atua geralmente em fungdo de finalidades projetadas no futuro Somente quando se leva em conta a finalidade de uma ago 6 que se pode compreender o seu "sentido". © homem transforma a natureza e faz cultura, aqui entendida como 0 conjunto de tudo aquilo que, nos plano material e espiritual, o homem constréi sobre a base da natureza, quer para modificé-la, quer para modificar- se a si mesmo. Estas considerages levam a refletir sobre o significado dos prineipios no Direito. Podemos afirmar que 0 conceito de direito é um conceito cultural, isto é, duma realidade referida a valores, ou ainda, duma realidade cujo sentido € achar-se ao servigo de certos valores. Direito €, pois, a realidade que possui o sentido de estar ao servigo do valor juridico, da idéia de Direito, “° Assim, é facil compreender a tens4o existente entre a doutrina juridica e a doutrina econémica tradicional. Os beneficidrios da liberdade de mercado conquistada no se mostram dispostos a abrir mao das suas conquistas e preferem a visdo simplista de que 0 mercado tudo resolve. Jé as vitimas do modelo ~ e principalmente os estudiosos das suas mazelas — ndo se conformam com os abismos sociais abertos em nome do modelo neoclassico ® BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.51 * Cf, RADBRUCH, Gustav. Introdugao a Ciéncia do Direito. S40 Paulo: Martins Fontes, 1999, 100. contaminado de monetarismo, que beira a faléncia pela incapacidade de se auto-sustentar*". Tanto isto é verdadeiro que, depois de toda a vertiginosa aceleragao tecnolégica, os homens de negécios descobriram o “capitalismo sem trabalhadores, sem Estado e sem impostos™” Nas democracias, uns e outros vao, fatalmente, dar com os costados no juridico. Dai, a grande questéo: como ja tivemos oportunidade de mencionar em outro trabalho“, conforme Alfredo Augusto Becker“, “A ignoréncia dos economistas sobre a ciéncia juridica casou-se com a ignorancia dos juristas sobre a economia. E como os juristas espontaneamente estavam fugindo em diregéo 4 Economia, entéo aconteceu - no mundo - um fenémeno inverso do da génese biblica, pois, no fim era o caos (..) E claro que nisso néo ha ofensa nem menosprezo ao trabalho dos economistas e financistas, pois é justamente o trabalho do economista e do financista que oferece a melhor e mais importante matéria prima ao jurista (...)". Evidentemente, ninguém em s& consciéncia é contrario ao desenvolvimento econémico. Entretanto, esta provado que o modelo desenvolvimentista que continua a ser defendido é anacrénico: as livres forgas do mercado ndo sao capazes de implementé-lo sob minimos padrées éticos que acabam se consagrando em valores juridicos expressos, bem ou mal, nos ordenamentos dos Estados. © enfoque juridico, entretanto, para se adaptar a realidade, principalmente das economias menos desenvolvidas, ha de se apoiar em alguns outros principios 1, Principio redistributive. A eficiéncia na produgéo (alta tecnologia + baixos custos) j4 comprovou que no foi capaz de ensejar desenvolvimento global. A redistribuigéo € a Unica forma de expandir o *' De acordo com o relatério anual da Organizagao das Nagées Unidas para a Agricultura e a ‘Alimentagao (FAO), a cada dia 25.000 pessoas morrem de desnutricso. Ou seja, uma pessoa a cada 9 segundos. 840 mihées de pessoas passam fome. 1,5 bilhdo de pessoas ndo tem acesso a agua potavel. ("Fome mata mais de 25 mil por dia’ in Correio Braziliense, 18 de outubro de 2002, disponivel na Internet: . Acesso em 26 de marco de 2003). * CEVCENKO, Nicolau. A corrida para 0 século XX/ — No loop da montanha-russa. Sao Paulo: Gompanhia das Letras, 2002, p.23. Legalidade tbutaria. Disponivel na Intemet: acesso em 26.03.03. “Camaval Tributério, S. Paulo: Saraiva, 1989, p. 116 consumo pela sociedade. “E filosoficamente impensavel e historicamente erréneo imaginar que é possivel dissociar desenvolvimento econémico e distribuigao de seus frutos”**. 2. Diluigaéo de centros de poder econémico e politico. A ligagéo dos centros politicos de poder da periferia ao poder dos paises centrais“ e a tendéncia estrutural € manutengdo e concentragdo da riqueza nos setores ligados ao poder econémico, sem difusdo pela economia e sem produgéo de efeito multiplicador*’, a diluigéo dos centros de poder é fator preponderante em politica desenvolvimentista. 1 . Estimulo a cooperacao. Quem melhor esclarece 0 contetido deste principio € Calixto Saloméo Filho*: “N&o parece haver divida que, para que a esfera econémica possa se autocontrolar, com certo grau de independéncia da esfera politica, é necessaria a introdugéo de principios cooperativos na esfera econémica e a eliminagao do individualismo exacerbado. Além disso, estruturas cooperativas também tém um efeito positive sobre o processo de difuséo do conhecimento...” © preambulo da Constituigéo brasileira de 1988 afirma o compromisso do Estado Democratico, literalmente destinado a assegurar 0 exercicio dos direito sociais e individuais, a liberdade, a seguranca, o bem estar, o desenvolvimento. © artigo 149 faculta a Unido instituir contribuig6es sociais, de interveng&o no dominio econémico. O artigo 170 afirma que “a ordem econémica, fundada na valorizagao do trabalho humano ena livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existéncia digna, conforme os ditames da justica social, observados os seguintes principios: “© SALOMAO FILHO, Calixto. Ob. cit. p. 39. “© Cf. CARDOSO, Femando Henrique ¢ Faletto, E. “Dependéncia e desenvolvimento na América Latina.”, in Cingienta anos de pensamento da CEPAL, Sao Paulo: Cia. Editora Nacional, 1986, V. Il, pp. 511 e segs. *" CI FURTADO, Gelso. Formacao econdmica do Brasil, Sao Paulo: Cia. Editora Nacional, 4986, pp. 78 e segs. “Ob. cit., p. 39 segs. () IV livre concorréncia; V— defesa do consumidor; Vi— defesa do meio-ambiente; Vil — redug&o das desigualdades regionais; Vill = busca do pleno emprego.” © artigo 172 assegura que a lei disciplinara, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivaré os reinvestimentos e regularé a remessa de lucros. Em primeiro lugar, claro esté que a Constituigéo brasileira estabelece uma clara opgdo pelo desenvolvimento como direito social e individual. Que detalha através da expresséo clara ou implicita dos principios antes apontados: redistribuigao, defesa dos centros de poder, cooperagao. O artigo 174 trata o Estado como agente normativo e regulador da atividade econémica, a quem compete exercer, na forma da lei, as fungées de fiscalizagao, incentivo e planejamento... e estabelecera (§ 1°) diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento econémico nacional equilibrado... Entendemos que a Lei Maior deixa suficientemente claros os principios da doutrina econémica mais recente, inclusive incorporando linguagem de desenvolvimento sustentavel (art. 170, VI) As contribuigdes de intervengéo no dominio econémico geram énus adicional para empresas especialmente beneficiadas pela atividade econémica e responsabilidade para o Estado de utilizar esses recursos para compensar os desequilibrios que essas atividades possam causar. Com estas anotagées sentimo-nos autorizados a afirmar que a Constituigao brasileira aponta no sentido do desenvolvimento mais sadio e solidario — base da democracia econémica e social - e fornece instrumentos para aplicagdo concreta desses objetivos. Com uma ressalva: atribui ao Estado a atividade regulatéria e de estabelecer diretrizes, de cardter indicativo para o setor privado (art. 174, caput), 0 que vem a produzir reflexos quando da delegacao aos particulares das atividades publicas. Ao falarmos de atividade regulatéria, estamos tratando de Direito Administrativo Econémico, E o Direito Administrative apto para induzir comportamentos dos agentes econémicos privados? Dificilmente. © Estado dito regulador é subproduto da ascenséo do neo- liberalismo, que ganhou forga ideolégica a partir do esgotamento do modelo predatorio de 1946 — 1969. A combinagdo da incapacidade para expandir mercados com a aceitagéo do monetarismo encontrou campo fértil para alijar 0 Estado da intervengdo na economia através da prestagao direta de servigos, inclusive aqueles a que institucionalmente se propés. O Estado deixa de lado a intervengdo ativa‘®® para se conformar com a intervengdo passiva. Concedendo ou permitindo a particulares a prestagao de servigos pliblicos, envolve-se 0 Estado em outro né gérdio cultural, E da natureza da atividade particular a busca de lucro, grande, rapido e sem controle. Nao ha como se o convencer de realizar politicas publicas que incomodem o seu objetivo de lucro. Pior do que isso: a Constituigdo brasileira n&o permite estabelecer diretrizes ou planejamento, em cardter obrigatério, para o setor privado. Mais: a combinagao das privatizagées com a outorga as chamadas agéncias reguladoras faz com que a relagdo entre o Estado e 0 particular seja contratual, negociada, com clausulas que assegurem o equilibrio econémico-financeiro da avenga, ou seja, o lucro que nao pode ser reduzido sob pena de quebra do contrato. 1.3. Principio da Subsidiariedade A idéia de subsidiariedade remonta as concepcées aristotélicas, entretanto, ela nao era ainda bem definida, o que sé veio a acontecer com a Doutrina Social da Igreja Catdlica Encontrou sua melhor expressdo, na Eneciclica de Pio XI Quadragesimo Anno, em 1931 no seu n.° 79, que assim dispunha: “Assim como é injusto subtrair aos individuos o que eles podem efetuar com a propria iniciativa e trabalho, para o confiar 4 comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podem realizar é uma injustica, um grave dano e pertubagao da boa ordem social, O fim natural da sociedade e da sua * 0 proprio exercicio direto de atividade econémica é limitado pela Constituigao: “Art. 173. Ressalvados 0s casos previstos nesta Constituicao, a exploracao direta de atividade econdmica pelo Estado s6 sera permitida quando necessaria aos imperativos da seguranca nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei ago é coadjuvar os seus membros, e néo destrui-los nem absorvé-lo. Subsidiariedade, etimologicamente, vem do latim subsidium, que traduzido, significa, estimulo, incentivo, encorajamento. /sso quer dizer que, em conformidade com aquela nogéo, é dever da comunidade maior apoiar e estimular a comunidade menor, Nao devendo portanto se confundir a subsidiariedade com supletividade, uma vez que esta ocorre quando ha omisséo de entes ou individuos na realizagdo de algumas tarefas, e neste caso, se da a interferéncia nao estimulativa, mais sim supletiva © argentino José Roberto Dromi, por sua vez, nao sente a necessidade de separar a Subsidiariedade da Supletividade, tratando-os de forma univoca. No seu sentir a subsidiariedade é um ‘principio juridico, fundado en la eficacia o el mayor rendimiento, sino una garantia y tutela de los derechos esenciales de la persona humana. Y entrafia una division de competencias y una cooperacién de las diversas esferas de accién social e individual. [..] El Estado interviene para suplir, de los mas diversos modos, a todas las comunidades intermedias, ubicadas entre él mismo y el individuo. Esos modos de accién pueden ser: ‘fomentar’, "estimular’, "coordinar’, "suplir’, "completar” e "integrar” la iniciativa particular y grupal, en los 4mbitos social, econémico, laboral, profesional, etcétera’.®' Pelo principio da subsidiariedade, temos a formagao do Direito Administrative Minimo, porque o Estado sé teré que preocupar-se com os servigos essencialmente publicos e imprivatizéveis (como seguranga e justiga por exemplo), cabendo ao Estado apenas a promogdo, estimulagéo, criagao de condig6es para que seja resguardados principios constitucionais econémicos e os direitos fundamentais tanto das pessoas fisicas quanto das juridicas. Segundo o portugués Fausto de Quadros, em sua obra O Principio da Subsidiariedade no Direito Comunitario Apés o Tratado da Uni&o Européia, QUADROS, Fausto de. 0 Principio da Subsidiariedade no Direito Comunitério Apés 0 ZTratado da Unido Européia. Coimbra : Livraria Almedina. 1995, p. 14 ** DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 9* ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina. 2001; p. a ‘[.] A. subsidiariedade recusa, portanto, 0 monopdlio da Administragao na prossecugao do interesse ptiblico e leva a concretizagao do principio da participagéo, que consiste numa manifestagéo da idéia de Democracia. Concebido desta forma, o principio da subsidiariedade tem, & partida, aplicagao tanto nos Estados unitérios, como nos Estados regionais, como nos Estados federais” ** Por este principio, surge o que a doutrina modema tem chamado de Estimulos Positivos. Os Estimulos Positivos, Atividade Administrativa de Estimulagao ou também chamada de Teoria Positiva da Regulamentagdo, so em sintese, agdes do Poder Publico voltadas a protegdo, orientagao, incentivo, estimulagdo dirigidos a promover o desenvolvimento de determinada atividade de utilidade publica, mas que esté sendo exercida pela iniciativa privada, ou mesmo por outro parceiro puiblico. Ramén Martin Mateo e Francisco Sosa Wagner, ressaltam em relagdo aos Estimulos Positivos que: ‘.-] las actividades piblicas de estimulacién Io unico que hacen es canalizar parte de los recursos generales de /a colectividad al respaldo de actividades potencialmente interessantes también desde una éptica comunitéria. Conceituando os autores este instituto eles pontificam que entendemos, pues, como accién administrativa de estimulacién aquella que por razones de interés piiblico tiene como misién la canalizacion de recursos hacia ciertas actividades que se colocan en situacién mas favorecida de la que resultaria de una libre dindmica de las relaciones econémicas. Frisando num segundo momento que: El Estado altera asi las condiciones ordinarias de la economia y coloca a una empresa en mejores condiciones que las que mediarian si tal apoyo no se realizara”.®* © QUADROS, Fausto de. O Principio da Subsidiariedade no Direito Comunitério Apés 0 Tratado da Unido Européia. Coimbra : Livraria Almedina. 1995, p. 18. °° MATEO, Ramon Martin e WAGNER, Francisco Sosa. Derecho Administrativo Econémico. 2° ed, Madri: Piramide. 197; p. 170. Por ultimo, é conveniente mencionar o significado dado a subsidiariedade por Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Paulo Rabello de Castro: “O principio da subsidiariedade parte do individuo, considerando-o origem e fundamento do poder e da organizagéo social, para reconhecer como legitimas todas as expresses de poder coletivas e as organizagées quer sociais quer politicas delas decorrentes, das mais simples e restritas as mais complexas e extensas, desde que todas elas respeitem, sucessivamente, a ‘maior, a autonomia da mentor e atue apenas, a maior, quando a menor néo possa atingir algum objetivo além de sua capacidade”™* 1.4. Principio da Responsabilidade Social “[..] La “invasion de los irresponsables" en el que hacer comin, impone una regulacién més severa sobre todos los mecanismos y resortes de responsabilidad individual y civica. La participacién debe ser responsable. La iniciativa debe ser responsable. El mercado debe ser responsable, El Estado debe ser responsable. Ahora bien, la responsabilidad es idilica e ilusoria, si no se tienen técnicas y organismos eficaces de control. Control, responsabilidad y proteccién se predican reciprocamente. Sin el uno no hay el otro. Sin control no. hay responsabilidad y si no hay responsabilidad las medidas de proteccién social son falaces [...]. Todos a responder ante la sociedad. Por eso el poder dividido, unos a goberar, otros a controlar. Asi la responsabilidad, tanto privada como pliblica, tanto industrial como comercial y profesional, son exigidas a efectos de guiar la senda del nuevo derecho, al igual que la responsabilidad politica, en todo su género republicano, como en cualquiera de sus especies: administrativa, legislativa o judicial.™> © relatério de Desenvolvimento Humano da Organizagéo das Nag6es Unidas, de 2000, revela que a disparidade de renda entre os paises mais ricos e os mais pobres: “ MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo e CASTRO, Paulo Rabello de. © futuro do Estado do Pluralismo & Desmonopolizagéo do Poder in : 0 Estado do Futuro/lves Gandra Martins Goordenador. Séo Paulo : Ed. Pioneira, 1998, p. 56/57 *° DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 9* ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina. 2001; pp. 42-43, ANO RENDA PER CAPITA 1820 331 1973 44:1 1992 72:1 1999 80:1 Segundo o mesmo relatorio, a renda per capita, entre 1990 e 1998 caiu nos cinquenta paises mais pobres e aumentou nos 28 mais ricos. Cerca de 1,2 bilhao de pessoas (0 que equivale a 1/5 da populagéo) mundial vivem em nivel de miséria absoluta. Cerca de 200 criangas morrem por hora nos paises do Terceiro Mundo, em conseqiiéncia da desnutrigéo e de doengas banais, para as quais a cura seria simples, desde que houvessem recursos de atendimento.°° Segundo o “Relatério do Programa das Nagdes Unidas para o desenvolvimento - Aprofundar a democracia num mundo fragmentado” - de 2002. durante a Conferéncia do Milénio, promovida pela ONU em setembro de 2000, 191 paises - a maioria dos quais representados na conferéncia pelos seus chefes de estado ou governo, subscreveram a declaragdo do milénio, a qual estabeleceu um conjunto de objetivos para o desenvolvimento e a erradicagao da pobreza no mundo, as chamadas metas de desenvolvimento do milénio (Milleniun Development Goals — NDGs). As oito metas sdo: * Aerradicagao da pobreza e da fome © Auniversalizacao do acesso 4 educagao primaria * A promogao da igualdade entre os géneros © Aredugao da mortalidade infantil + Amelhoria da satide matema © O-combate a AIDS, malaria e outras doengas * A promogao da sustentabilidade ambiental * Odesenvolvimento de parceiras para o desenvolvimento. De acordo com 0 plano, as metas devem ser atingidas, em sua * Cf, victoria Brittain e Larry Elliot. "Rich Live Longer, Poor die yonger in divided world”, in The guardian weekly Londres, 6 a 12 de julho de 2000, p. 3. Larry Elliot, "Making globalization work for world’s poor’, in The guardian weekly, Londres, 29 de junho a § de julho de 2000, p. 14, maioria, num periodo de 15 anos (entre 1990 e 2015). Asser sincera a vontade politica de atingir essas metas, o papel do Fundo Monetério Internacional e do Banco Mundial ha de ser questionado. Alguns exemplos da histérica falta de sintonia entre essas instituigdes e a responsabilidade social sdo flagrantes: "a Tanzania, assim que assinou os termos da “ajuda econémica” com o FMI, viu seu produto interno bruto cair de 309 para 210 délares per capita; a taxa de pessoas vivendo abaixo do nivel de pobreza absoluta subir 51 por cento e o analfabetismo crescer cerca de vinte por cento. Como o pais apresentava um quadro de expanséo da epidemia da AIDS, os técnicos do FMI recomendaram que os hospitais puiblicos passagem a cobrar taxas de consulta € intemagao, 0 que fez com que a prequéncia das pessoas aos hospitais caisse em 53 por cento. Resultado: o pais tem hoje 1,4 milhéo de pessoas 7 esperando para morrer. Na América Latina, o Brasil tem as mais altas taxas de concentragao de riqueza. Esta situagdo foi agravada pelos efeitos dos pactos de “ajuda financeira” acertados com o FMI e 0 Banco Mundial, desde o inicio dos anos 90. A sintese de indicadores sociais de 1999, do IBGE, o um por cento mais rico da populagéo detém 13,8% da renda total, enquanto os cinqtienta por cento mais pobres ficam com 13,5% da renda. Vinte por cento das familias vivem com renda per capita de meio salario minimo © descompasso experimentado entre os paises ricos e as empresas transnacionais de um lado e, de outro, os paises menos desenvolvides levou 4 ilus4o, implementada na pratica, de que o modelo de eficiéncia adotado pelos mais ricos € 0 ideal para arrancar os mais pobres da sua condigéo de pobreza. Se a empresa é lucrativa, 0 Estado que adotar 0 mesmo modelo também ha de ser. A experiéncia tem mostrado a ineficiéncia na ponta da “distribuigao dos lucros”, como acabamos de apontar. Neste contexto, ganha importancia a atuagdo da sociedade organizada, das associagées civis, das Organizagées Nao Governamentais - *" PALLAST, Gregory, "IMF’s Shock Cures are Killing off the Patients’, The Guardian Weekly, Londres, 12a 18 de outubro de 2000, p. 14, apud CEVCENKO, Nicolau. A corrida para 0 ‘século XX!: No loop da montanha russa. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2002, pp. 53-54, ONGs. O Relatério da ONU de 2002, a que nos referimos, espelha a influéncia dessas organizacoes “pela primeira vez, se estabeleceu de forma categérica que os direitos humanos devem necessariamente incluir direitos econémicos, sociais e culturais e n&o apenas direitos civis e politicos, conforme estabelecera a tradigéo liberal. O que significa que 0 bloqueio sistemético a possibilidades de prosperidade, promogo social ou acesso a educagdo, 4 informacéo e aos meios de criagéo e expressdo cultural constituem violagdes de direitos humanos. Esse principio ético-juridico comporta. amplas e notaveis conseqiiéncias. Ele implica que os responsaveis por tais violagdes, sejam autoridades locais, grupos econémicos ou instancias internacionais, sero passiveis de julgamento em tribunais interacionais por crimes contra a humanidade e contra o meio ambiente.”** © preambulo da Constituigéo da Republica Federativa do Brasil afirma que he cabe “assegurar 0 exercicio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a seguranga, o bem-estar, o desenvolvimento. Discute-se sobre o carater do preambulo: normative ou nao- normativo? Negam o carater normativo Alexandre de Moraes’, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira®, Quiroga Lavié®’, Miguel Angel Ekmekdjian®, Pinto Ferreira®’. Asseguram o carater normativo: German Bidart Campos™, Tupinamba Miguel Castro Nascimento, Edouard Laferriére, Roger Pinto, Georges Burdeau, Carl Schmitt, Hans Nawiaski, Paolo Biscaretti di Ruffia e Giese®, Entre os fundamentos do Estado brasileiro (artigo 1° da Constituigao) se encontram: “dignidade da pessoa humana’ e “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’. ‘Segundo Alexandre de Moraes, “somente pelo trabalho 0 homem ®* CEVCENKO, Nicolau. A corrida para 0 século XXI: No loop da montanha russa. Séo Paulo: Gompanhia das Letras, 2002, pp. 53-54. °° Constituicao do Brasil interpretada. 2°. Ed., Sao Paulo: Atlas, 2003, p. 120. ®° Fundamentos da Consttuig8o, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. $5. °* Derecho Constitucional. 3°. Ed. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 61 ® Tratado de Derecho Constitucional. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 76. °° Comentarios a Constituigao brasileira. Sao Paulo: Saraiva, 1989, v. 1, pp. 3-4. © Derecho Constitucional. Buenos Aires: Ediar, 1968, p, 314, °© Comentarios Constituicéo do Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 134 °° Referidos por Pinto Ferreira, in Comentérios & Constitui¢éo brasileira. So Paulo: Saraiva, 1989, v. 1, p.4

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