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WITTGENSTEIN rowan S235 FRANCOIS SCHNIT2 ee couEgho oD | mourns : FIGURAS DO SABER rngosB etre | i pata 21 OSNS coo, m.252 752 ee hots8 Titulos publicados Kierkegaard, de Charles Le Blane Nictasche, de Richard Beardsworth Deleuze, de Alberto Gualand Maiménides, de Gérard Haddad dré Scala , de Pierre Billouet in, de Charles Lenay Kant, de Denis Thouard Wittgenstein, de Francois Schmitz Teatapan José Oscar de Almeida Harques ‘Universidade Estadual de Campinas FISURAS) BER Tiewlo orginal francis: Winget dBdition Les Belles Leees, 1999 © Feiora Bseago Libendade, 2004, paca ests radio © 50% Prpanao de orginase revise: Tulio Kaveata Edilberto Fernando Versa ‘Nobucs Rachi Natansel Longo de Olives via Moine Asstt editorial Ecler vsponsével Angel Bojadsen SASL ~ CATALOGAGKO NA FONTS ‘Sato Nain ds Etre de non) saaiw Sehmie,Fangln 1905. ‘Wittgenstein! Frangais Sehr: endugfode Jot COser de Alntida Marques. ~ Si Palo: Estaio Liberade, 2004,— (Figass d a ISDN 85-7448-088-6 1. Wagenaein, Ladi, 1869-1951. 2. Liga ‘Smbolica¢ matemation 3. Lnguagern ngs ~ loot, 4 Filosofia aur, L Tul, I See, oson cpp iss cou 139 ao win rondo ditora Bsa Lberdade Ld us Dona Blin, 116 01155.030 Sto Paul-SP Tels (11) 3661-2864 Tas (11) 3825-4259, ‘liton@eracaolibedadecom br bupefwerteolberadecom.be Sumario Quadro cronolégico Introdugao0 1, “Diga-Ihes que tive uma vida maravilhosa” 2. © Tractatus: preliminares 1. O objetivo do Tractatas 2, Que éa 3. A anillise l6gica de Arist6teles 4 Logica? fisicas . Conseqiiéncias met “Nova” logica ¢ “cr Log Um novo ponto de partids 2 da linguagem” ca e gramética La 8 proposicao Teactatus: a teoria pict6rica da proposigiio O que é uma f cara? ° 1 2. Uma proposigéo é uma figura légica 3. Um simbolismo logicamente em ordem 4, Niio ha constantes l6gicas 5.A “forma geral da proposigiio” 6.Q 7. OTractatus em grandes linhas éuma “lei l6gica”? torno ao solo rugoso!” ... Os erros do Tractatus A “gramitica”... 5. “Ba vida que é preciso mudac™ Indicagiies bibliograficas 1889-1903 1897 Quadro cronolégico Nascimento em Viena, em 26 de abril, de Ludwig Wittgenstein, oitavo e tiltimo filho de Karl Wittgenstein e de Leopoldine Kalmus. No mesmo ano nascem, 0 filésofo Mastin Heidegger eo ditador Adolf Hitler. Luxo, calma, voluptuosidade (e misica) no “Palécio Wittgenstein’ Fundacio, por Gustav Klimt, do movimento Secessao; Karl Wittgenstein financia 0 “Edi: ficio da Secessio”, em Viena. Primeiros mimeros de Die Fackel (A Chama), publicagdo em que Karl Kraus es é 1936. A familia Wittgenstein possui co completa desse folhetim satitico, Orto Weininger, judeu anti-semita, autor de Sexo e caréter, suicida-ses Bertrand Russell publica os Princfpios dz matematica jovem Ludwig faz seus estudos na Escola Real de Linz, Estudos de engenharia mecnica na Escola Técnica Superior de Berlim. Interesse nas- cente pela filosofi 10 1908-14 1913-14 1914 1914-16 1916 1917-18, 1918 1918-19 Estudan Manchester, na Inglaterra, Ludwig se ocupa @ aetondutica ¢ se interessa pela ques- tao dos fundamentos da matemética. L8 os Princtpios da matemética, de Russell, assim como as Leis fundamentais da aritmética, de Gottlob Frege. Faz uma visita (durante 0 verfo) a Frege, que © aconselha a procusar Russell. Estuda com Russell em Cambridge; primeiro: trabalhos em légica (“Notas sobre I6gica” Morte, em janeiro, de Karl Wittgenstein, pai de Ludwig. Estadia na Noruega ("Notas ditadasa Moore”, abril de 1914), Em julho, Wittgenstein confia uma grande quantia ao editor Ludwig von Ficker em prol de artistas necessitados (Rilke, Trak, etc); 20 final de julho e infcio de agosto, decla rages de guerra (Sérvia, Réssia); em 7 de sgosto, Ludwig se alista voluntariamente no exézcito austriaco; de agosto a novembro, rio Vistula a bordo do Goplana ‘Wittgenstein trabalha em uma oficina de re- paros da artilharia, Da primav siva Brusilov a0 vero na frente russa; ofen- Na frente a, ofensiva Kerensky. Na primavera, Wittgenstein estd na frente ita- ian; em licenga durante o verdo, conclui 0 Tractatus. Retomna a frente italiana; Ludwig é feito pri- sioneiro no infcio do més de novembro de Quadro roves 1919-20, 1920 1920-26 1922 1926 1926-29 1927 1918. Confinado em Como, depois em Cas- sino, encontra-se com o pedagogo Ludwig Hansel e decide tornar-se professor de es¢ la priméria. Witegenstein zetorna a Viena em agosto; “sui- cidio financeiro” em favor de seus irmios € Ludwig, inscrito em uma escola de forma Go de professores primérios, vive em um alo- jamento independente; grande abatimento psicol6gico. Jardineiro, durante o verao, em um mbstei- ro préximo a Viena, Professor primario na Baixa Austria. Recebe as visitas de Frank Ramsey (prima- vera) ¢ de Russell (verao); publicagao do Tractatus na Gra-Bretanha. Comecam as reunides organizadas por Moritz Schlick, que seriam o embriao do fu- irculo de Viena” (1928). Da primavera ao vero, mais uma ver jardi- neiro de um mosteiro, Reloiuo a Viena; construgio da ca irma Margarete. Primeiro contato com Schlick, inicio dos en- contros com alguns membros do Circulo de Viena. Conferéncia de Brouwer em Viena, em mar- co; Wittgenstein retorna & filosofia, ‘Wittgenstein ensina em C: Redagio das Observ: 5 gue seu doutorado em junho de 1930 com o 1933-34 1934 1934-35 1936-37 1938-41 1941-44 Wisgentea Tractatus; torna-se professor assistente no final de 1930. Redagio do texto que seria publicado par- cialmente com o titulo Gramética filoséica. Redige o Caderno azul, Dolfuss chega ao poder na Austria, persegui- Go contra a esquerda austrfaca; 0 Circulo de Viena, alguns membros do qual estavam ligados & esquerda, comeca a se desagregar Caderno marrom; Wittgenstein aprende rus- so ¢ passa dez dias na Réissia em setembro de 1935, com a esperanga de Ié encontrar algum trabalho manual Wittgenstein, na Noruega, redige as primei ras paginas das futuras Investigagdes filo- séficas, Wittgenstein, em Dublin, acompanha com in: quietagao o processo da anexagio da Aus tris (fevereiro-margo). Wittgenstein retoma suas atividades docen- tes em Cambridge. Em fevereiro, Wittgenstein é eleito titular em substituigéo a Moore; em junho, obtém a nacionalidade inglesa, Porteiro, ¢ depois manipulador na farmécia do Guy's Hospital em Londres, e por fim as- sistente de um laboratério em Newcastle Em Swansea (Pais de Gales}, Wittgenstein tenta terminar “seu” liveo. Retoma suas atividades docentes em Cam- bridge, undo rane 2 1948-49 1950 1950-51 ‘Witrgenstein passa a maior parte de seu tem- po na Irlanda e continua sem conseguir te minar o livro. Durante o veriio, passa um tempo nos Esta dos Unidos; em novembro, um cance préstata é diagnosticado, Em Viena com sua familias morte de su mais yelha, Hermine, em fevereiro. Wittgenstein, adoentado, mora em casas de seus antigos alunos, faz uma curta viagem & Noruega e termina por instalar-se na c seu médico em fevereiro de 1951 Ludwig Wittgenstein morre em Cambridge, no dia 29 de abril, & idade de 62 anos. Publicagéo péstuma das Invest séficas. Introdugao Na Franga, hé ndo muito tempo, o nome de Witt- genstein nfo seria familiar a ninguém fora de um circulo muito restrito de filésofos. Hoje jé nao é assim, Sao cada vex mais numerosos os filésofos “profissionais mitem que o pensamento de Wittgenstein a certo interesse, ¢ a literatura especializada que lhe € con que ad- sagrada se enriquece todos os anos com novos titulos. Aquele que mais fez, na Franca, para tornar conhecido seu pensamento, Jacques Bouveresse, é hoje professor no Collage de France ¢ ocupa um lugar privilegiado no are pago dos “grandes intelectuais” mencionados com res- peito, O pensamento de Wittgenstein tomou assim lugar entre aqueles aos quais nfo é incongruente referir-se em obras de carate: los6fico. de académica nfo é, porém, a tinica que ‘Wittgenstein conhece atualmente. Alguém que nao tenha a menor idéia do que disse Wittgenstein ja teré alguma idéia dele: por exemplo, ter sem ditvida lido recentemente em um “grande jornel vespertino”, ou em uma revis feminina, que Wittgenstein estaria na origem do 6dio pato~ légico de Hitler aos judeus, e que talvez ele tenha sido 0 “recrutador”, a servigo da Unido Soviética de Stalin, dos espides de Cambridge (Kim Philby, Anthony Blunt, ete.) ssa notorie! 16 na década de 1930. A mesma pessoa teria podido igual- mente ver‘um filme no qual Wittgenstein aparece como um afetado homossexaal, ou, se l@ zomances em inglés, er um de Jerome Charyn no qual Wittgenstein é um pro- fessor primério na Califérnia. Num viés mais sério, deria ter lido uma pequena narrativa de'Thomas Bemhard, que dé a palavra ao sobrinho de Wittgenstein relembrando 0 tio filésofo, e assim por diante. Wittgenstein tornou-se um personagem sobre 0 qual se contam estranhas hist6rias e ao qual se atribuem com- portamentos ou maneiras singulares. Ele faz As vezes papel de “sébio”, no sentido que os antigos davam a essa pa- lav ¢ sabio continua tendo uma boa dose de extravagdncia que o coloca & parte da humanidade ordi- nia e se torna um objeto de zombaria on de reveré: Enfim, o individuo Wittgenstein suplanta o filésofo. ia. Sua vida apresenta, é verdade, tragos que nao podem deixar de excitar a curiosidad Wittgenstein foi o dltimo filho de um dos grandes magnatas da siderurgia na Europa no fim do século XIX, cuja fortuna era considerdvel, sendo sua casa o ponto de encontro de artistas ¢literatos da época. Herdeiro de uma parte dessa riqueza, Wittgenstein abriu rence deta em favor de seu irmito e de suas in completa~ Dispen- sado em 1913, apresentou-se voluntarlamente ao exército austtiaco durante a Primeira Guerra Mundial ¢ expe- rimentou, na frente russa, as grandes provacées desse abominével conflito, Brilhante estudante em Cambridge, trabalhando com um dos maiores espiritos de seu tem- po, Bertrand Russell, em quem provocou admiracio, va~ mos encontré-lo 20 final dos anos 20 enfurnado no interior da Austria como professor de escola rural, de pois, alguns meses como jardineiro de um mosteiro, ¢ por fim, ao lado do arquiteto que construfa uma casa para uma de suas inmas. A seguir, professor em bridge, mas, sem nenhum gosto pelo ensino tradicio empzega-se como porteiro de um hospital londrino ¢ de- pois como auxiliar de laboratério durante a Segunda Guerra Mundial na Gri-Brecanha, No é 56 isso, Entre os papéis que Wittgenstein deixou ‘apés sua morte se encontravam cadernos nos quais ele digo, reflexes de carter pessoal. Hlomos- alidade e obcecado identemente anotava, em sexual, pouco & vontade com sua s pela idéia da culpa em geral, ele deixa transparecer alguma coisa disso. Para proteger sua repu- tagio, s s testamentérios julgaram por bem proibir por muito tempo a consulta a essas notas, dei- xando assim 0 caminho livre para todos os rumores qu regalam certos espititos ‘Nos meios filos6ficos, sua postura bigua. Celebrizado por sua primeica obra, de titulo exé~ tico, o Tractatus Logico-Philosophicus, editado em 1921, ‘Wittgenstein ndo publicou mais nada e foi s6 por meio de seus cursos ~ descritos pelos que os assistiram como sessdes de meditago em voz alta pontuadas de longos siléncios ~ € do que deles diziam seus discipulos, que se filtcaram os fragmentos das idéias novas ¢ originais que ele desenvolven nos anos 30 e 40, Disso se seguiu um halo de mistérlo em rorno de sua filusofia, wliasentado pela vorosa devogio de seus discfpulos. Que havia, afinal, de Go extraordindtio a ser dito? Dai a fazer de Wittgenstein um espido a soldo dos so- viéticos ha sem divida um passo que, a um espirito ra- zodvel, pode parecer dificil de ser dado! Que isto tenha acontecido leva a refletir menos sobre Wittgenstein do satez de nossos tempos, pelos quais, us executor foi menos am- que sobre a inser alids, nosso autor confessava “nio ter simpatia”, Aloséfices, Peeftcio. gens Permanece, contudo, o fato de que 0 “halo de misté- 4i0” de que falévamos hé pouco tem sua origem em boa parte na situacao hist6rica paradoxal da obra de Wittgen- tein, ¢ € preciso compreender toda sua ambigiiidade an- tes de entrar no Amago da questio. ‘Wittgenstein era, como se sabe, austriaco, embebido da atmosfera da Viena do inicio do século XX, a de Schnitzler, Karl Kraus, Musil, que viu exguer-se contra uma certa grandilogiiéncia burguesa o movimento 0”, a miisica dodecafdnica de Schoenberg e, ainda, lise freudiana. Ele pr6prio, em sua juventude, havia lido Schopenhauer e Otto Weininger. Nao foi em Viena, contudo, que ele veio a exercer seus talentos de filésofo, mas em Cambridge, aa Inglaterra, em um universo intelectual que nao tinha muita coisa a ver com o de sua cidade natal. Em Cambridge, Wittgen- stein se inseriu na linhagem intelectual dos grandes refun- dadores da ldgica: Russell e seu alter ego alemio Freg Sua filosofia apareceu inicialmente como uma maneira de resolver problemas filos6ficos de tipo muito técnico levantados por essa revolugéo no dominio da l6gica, ¢ foi assim que se leu o Tractatus durante muito tempo nos paises anglo-sax6nicos € que se compreendeu o sentido de suas ligdes posteriores. Fil6solo-Légieu Ue dificil acesso ara os que no estavam a par da “nova légica” e de suas conseqtiéncias filoséficas, Wittgensteia parecia a mil Ié- gnas de distancia das preocupacdes mais grandiosas que animavam, por exemplo, os filésofos alemies e seus epi gonos franceses, Seus escritos foram, portanto, durante os anos 50 ¢ 60, trabalhados e comentados essencialmente nos paises anglo-saxGnicos e, por essa mesma razo, classi- ficados entre aquilo que por vezes se denomina “filosofia analitica”, essencialmente preocupada com a filosofia da linguagem e a filosofia da treed # claro que isso significava esquecer um pouco rapi damente que Wittgenstein chegara 2 Cambridge trazendo consigo questées ¢ preocupagdes que agitavam a Austria decadente e, especialmente, Viena, Tratava-se de ques tes essencialmente éticas, As quais faziam eco tracos de sua personalidade. Essas preocupagGes afloravam por ve zes em seus escritos, sobzetudo em seus cadernos pessoais, mas ndo foram objeto de desenvolvimentos “filos6ficos’ sisteméticos (por excelentes razSes que veremos & frente) e podem, portanto, parecer secundérias em uma primeira leitura. No entanto, & medida que seus manuscritos ¢ ca- dernos eram tornados piblicos, ficou cada vez mais vist- vel que havia como que um avesso de sua obra, um av silencioso que parecia remeter a sua personalidade ator mentada, Esse “avesso” se acha assinalado pelo préptio Wittgenstein em uma carta a um editor a quem havia en- viado o mannscrito do Tractatus: {No preficio] eu queria escrever que meu trabalho con: siste de duas partes, uma que est aqui apresentada, a qual 6 preciso acrescentar tudo aquilo que eu nao es- crevi. B 6 tante. De fato, meu livro traga os limites da ética, por assim dizer, a parti do interior (.] Enfim, penso subre tudo isu de gue (anos falam hoje sem nada precisamente esta outra parte que é impor- ex, eu o repeti calando-me. Esta parte silenciosa de seu trabalho encontra-se como que encenada por sua prépria vida; uma vida que parece ter sido animada pela vontade constante de escapar aos fingimentos ea impostuta, a tudo que se assemelha & deso- stidade, tanto intelectual como moral. Wittgenstein pa rece ter estado sempre em busca de uma espécie de clareza, de transparéncia moral (mas também conceitual), busca que seu permanente sentimento de néo estar 4 altura do 20 Wegensein que deveria ter sido tornava desesperada, Como, ao mes ‘mo tempo, ele estava convencido de que nfo se podia fa~ lar de maneira significativa desse género de questes, niio € de surpreender que tantos biégrafos se tenham cado com um deleite as vezes suspeito sobre su cebida, no melhor dos casos, Compreende-se assim po: stein € 0 cindida: de um lado, trata-se de um pensamento austero, imerso em problemas que muitos “filésofos”, em particular na Franca, mal conseguem compreender, De outro lado, trata-se de um personagem de vida pouco indicagées am apenas apresentar 1 vida, con somo uma parte de sua obra, qnea “imagem” de Wittgen usual e de personalidade intrigante, As pouc biogréficas apresentadas os dados factuais que permitirio, espera-se, satisfazer a curiosidade, sem diivida legitima, de um leitor desejoso de saber em que se apoiar diante de certas lendas. ol Diga-lhes que tive uma vida maravilhosa”* in nasceu em 26 de abril de 1889, em Viena, Seu bisavé paterno, Moses Meier Wittgenstein, administrador a servico da familia principesca dos S: ‘Wittgenstein, adotou 0 sobrenome “Wittgenstein” (pos- sivelmente} ap6s 0 decreto de Jernimo Bonaparte, em 1808, obrigando os judeus a adotarem um nome de fa- milia, Nao hé, assim, nenum parentesco entre a familia principesca e os Wittgensteins de que iremos falar. Esse Moses Meier Wittgenstein havia se instalado no inicio do sulo em Korbach (na Alemanha, em Hlesse, a uma cen- tena de quilémetros ao norte de Frankfurt), ¢ foi nessa cidade que nasceu em 1802 Hermann Wittgenstein, av de Ludwig, Hermann converteu-se ao protestantismo, sem diivida antes de seu casamento em 1839 (com Fanny Fidgor, judia vienense, ela mesma convertida em 1838). Hiabil negociante, fez. fortuna comprando la na Europa Central para revendé-la nos Paises Baixos e na Gra- Bretanha, Depois de viver dez anos em Leipzig, o casal se instalou em Viena. Tiveram dez.filhos, entre os quais Karl (0 sexto, nascido em 1847), pai de Ludwig. Todos esses filhos alcangaram elevadas posigdes na alta sociedade vienense. 1, Oleinas palavens de Wietgenstein antes de mosses © caso de Karl é 0 mais original, Com 18 anos, sem diivida insatisfeito com os estudos que seu pai desejava vé-lo seguir, fugiu com sen violino e 200 florins no bolso para os Estados Unidos, onde fez. todos os trabalhos que um rapaz dessa idade pode fazer para ganhar a vida, Re toznou 20 cabo de dois anos, extraindo dessa experiéncia uma grande admiragio pelo espitito empreendedor dos norte-americanos. Depois de estudar engenharia e passar alguns anos exercendo a profissio, langou-se aos negécios € construiu em alguns anos um imenso império sider gico, que fez. dele o Krupp do império austriaco. Encer- rou sua catreira em 1898-99, apés ter acumulado uma fortuna considerdvel, Morreu de cancer em 1913. A residéacia dos Wittgensteins em Viena, chamada 0 “Palécio Wittgenstein”, era 0 centro da vida artistica da cidade, ¢ em particular da vida musical; a esposa de Karl, Leopoldine, era uma excelente pianista, ¢ a msica estava por toda parte no “Palécio” e na vida das criangas, par- ticularmente na de Ludwig. Lé se via freqiientemente 0 velho Brahms ou o jovem Pablo Casals; Kar! se fez pro tetor do movimento “Secesso”, financiando seu Edifi- cio em Viena Ludwig foi o dltimo dos oito filhos (ts mogas e cinco rapazes) de Karl e Leopoldine ~ 0 “caculinha”, de satide um tanto frégil. Até 2 idade de 14 anos quase no saiu da casa da familia, pois, como seus irmaos ¢ irmés, foi educado por preceptores privados. Essa forma de instru- so no parece ter conduzido a resultados notéveis e, segundo Paul, os dois iltimos fillhos, 0 préprio Paul Ludwig, ndo tinham aprendido grande coisa quando se decidiu envié-los para instituigées “normais”. Ludwig mostra bem cedo os talentos de meciinico: conta-se que ‘com dez anos de idade ele construiu um modelo zeduzido da maquina de costura da familia que causou a admira- io dos parentes. gees que tv a vide acai” 23 A forte personalidade de Karl, que no era contraba- Jangada pela de Leopoldine, mais apagada, no produziu bons resultados: em 1902, Hans, o filho mais velho, do: tado de alma musical, que no desejava mais ouvie falar do futuro de industrial que seu pai pretendia Ihe impor, partiu para os Estados Unidos como Karl fizera 37 anos antes, ¢ Id se suicidou. O terceiro filho, Rudolph, partiu para Berlim por razées semelhantes em 1903, e suicidow-se em maio de 1904, Mais tarde, ao fim da Primeira Guerra, no ano de 1918, um terceiro irmao de Ludwig, Kart, tam- bém se suicidaria, aparentemente de vergonha por nao ter conseguido fazer que as tropas que comandava se bates- sem com o exército italiano, Parece que esses dois primeiros suicfdios, as nivel escolar mediocre dos dois filhos mais jovens, levaram Karl a modificar sua conduta em relagio a eles. Foi assim que, em 1903, Wittgenstein foi enviado para um colégio técnico em Linz, onde permaneceu por trés anos, sem sido um sluno muito brilhante. Esses anos nao foram feli- zes: transplantado bruscamente para um ambiente que tinha muito em comum com o do “Palécio Wittgenstein”, Ludwig no conseguia suportar a grosseria de seus cama- radas, Nove anos mais tarde ele dataria sua entrada nesse colégio como o inicio de um pesiodo de muita infelicidade, durante o qual a idéia de suicidio estava presente quase todo o tempo. Para 0 anedotirio, é interessante registrar que Hitler freqiientou igualmente esse colégio, deixando-o tum ano apés a entrada de Wittgenstein. Os dois rapazes, que tinham quase a mesma idade, no estavam na mesma classe, Hitler aparentemente estando um ano atrasado ¢ Wittgenstein um ano adiantado (6 em torno dessa coin- cidéncia que se arquitetou o soporifero romance que evocamos na “Introdugio”, segundo o qual Wittgenstein desempenha, entre outros papéis inverossimeis, o de “desen cadeador” do anti-semitism doentio de Hitler!) Wiegenstein No outono de 1906, tendo terminado seus estudos secundétios em Linz com um resultado bastante mediocre, Wittgenstein partiu para Berlim a fim de estudar nharia mecinica na Escola Técnica Superior de Char- lottenburg, obtendo o diploma de engenheiro em meio de 1908. No se sabe muita coisa desses dois anos berlinenses. Wittgenstein morava na casa de um certo pro- fessor Jolles, que parece ter-lhe dado uma boa acolhida, As observacées de carter filos6fico anotadas em seus cadernos dessa época mostram que seu interesse no estave voltado exclusivamente para o aprendizado da engenharia. ‘Ao final de sua estadia berlinense, na primavera de 1908, Wittgenstein dirigiu-se para Manchester, como estudante-pesquisador no Departamento de Ciéncias de Engenharia da universidade daquela cidade; seus trabalhos tratavam de questes de aerondutica. Em contato com professores de matemitica interessados na questo dos fundamentos dessa disciplina, Wittgenstein, desde o ini- cio de sua estada em Manchester, mergulhou na leitura da primeira grande obra que Bertrand Russell dedicou a essa questo, The Principles of Mathematics [Os princi- pios de matemética), publicada em 1903, bem como na da obra paralela do légico-matemético alemio Gottlob Frege, Grundgesetze der Arithmetik [As leis fandamentais da aritmética), em dois volumes publicados, em 1893 1902, respectivamente. Wittgenstein interessou-se pelos oblemas levantados pela clescoberta dos paradoxos que, 10ca, agitavam os cfrculos matemitico-filoséficos. Pou- co antes de abril de 1909, ele pensou ter resolvido essa questo, e enviou sua solugio a um colega e amigo de Rus- sell, Philip Jourdain, Mas a solugo nao obteve o assen- timento nem de Jourdain nem de Russell. Apés esse malogro, Wittgenstein dedicou-se, durante 08 anos letivos de 1909-10 ¢ 1910-11, a suas pesqui Digests gue ua vida mario em aeronéutica, que resultaram em um projeto de motor de aviago cuja patente ele registrou em agosto de 1911. Esse motor nao se mostrou apropriado para avides, seu prinefpio foi retomado para equipar helicépteros du- Segunda Guerra Mundial, Paralelamente ou de desent ‘dias filos6ficas, e havia redigido, antes de 1911, o pla no dé uma obra de filosofia. Segundo o testemunho de sua irma Hermine, durante todos esses anos Wittgenstein se sentia dividido entre suas duas “vocacSes”, a de enge- nbieiro ¢ a de filéso! Durante 0 verdo de 1911, Wittgenstein foi consultar Frege em Iena. A conselho deste, em vez. de retozni Universidade de Manchester, ele se dirigiu, no ourono do mesmo ano, a Cambridge. Chegando duas semanas ap6s @ inicio das aulas, apresentou-se e Russell em 18 de oucu- bro e comegou a seguir sen curso no dia seguinte. Bis 0 que Russell escreven sobre Wittgenstein no dia 19 de o tubro a sua amiga lady Ottoline Morrell: ‘Meu amigo alemao attisca ser uma calamidade. Ele saiu comigo apés a aula e discntiu até o momento da refeic = obstinado e perverso, mas, ao que me parece, nao € uum idiota ‘Witegenstein iria passar dois anos em Cambridge ao lado de Russell, que rapidamente formou uma idéia mui- 0 elevada de sua inteligéncia, Algumas semanas apé: chegada a Cambridge, Wittgenstein perguntou a Russell se lhe parecia que ele, Wittgenstein, poderia fazer algo de bom em filosofia, Favoravelmente impressionado por um pequeno texto inicial que Wittgenstein lhe enviara, Russell respondeu-lhe positivamente em janeiro de 1912. ‘Wie genstein abandonou entio seus projetos aeronduticos € voltou-se inteiramente para a filosofia, pondo também um fim a nove anos de angtistia e pensamentos suicides. Em Wittgenstein, Russell viu rapidamente um “discipulo” capaz de dar uma forma mais satisfatéria a seus Principia Mathematica, publicados em 1910, e que davam conti- nuidade aos Principles de 1903. Durante esses dois anos, Russel e Wittgenstein manti- veram. uma relacio tio estreita quanto conturbada, El eram demasiado diferentes para que o relacionamento nao acabasse mal, Em outubro de 1913, apés ter ditado a Russell o primeiro resultado de suas reflexes sobre a I6gi ca (editada a seguir sob o titulo de “Notas sobre a légica”), ‘Wittgenstein decidiu que nfo podia mais trabalhar ade- quadamente em Cambridge, e que precisava de tranqiili- dade e solidéo, Partin entéo para a Noruega no outono, instalando-se em Skjolden, pequena cidade situada & bei- de um fiorde ao norte de Bergen. Lé permaneceu até 0 fim da primavera de 1914, em uma pequena casa isolada que fez construir a beira do fiorde, Em feyereiro de 1914 enviou uma carta de ruptura a Russell. Continuaram ase escrever e, apés a Primeira Guerra, a se ver, mas seu rela- cionamento se modificou e nfo foi mais to apaixonado €conflituoso como tinha sido até o outono de 1913. O pai de Wittgenstein havia morrido em janeiro de 1913, Em julho do ano seguinte, Wittgenstein, de volta a Viena, pediu a Ludwig von Ficker que distribufsse uma gorda soma em dinheiro a artistas necessitados. Fick editor de um jornal literétio em Ionsbruck, havia adqui- tido grande reputagao nos anos de 1910 ¢ havia se feito porta-voz da vanguarda de lingua alema. Ficker repartiu a maior parte das 100.000 coroas que Wittgenstein the confiara entre Rainer Maria Rilke, Georg Trak e Car! Dallago. Supreendido pela guerra quando ainda estava em Viena, Wittgenstein alistou-se em 7 de agosto no exérci- to austrfaco (ele havia sido dispensado do servico militar “Dip thes cue tive uma vide maces no ano anterior). Até o inicio de novembro de 1914, ele navega pelo Vistula, longe das zonas de combate, a bor- do de um bareo tomado aos russos, 0 Goplana. Foi du rante esses meses ~ passados entre soldados que, como seus camaradas do colégio em Linz onze anos antes, inspiraram-Lhe imenso desgosto ~ que ele teve acasifio de ler 0 Resumo dos Bvangelhos de Tolstoi, 0 ‘nico livro que conseguira encontrar em uma livraria por ocasio de uma de suas escalas, obra que o impressionou muito ¢ o ajudou a superar sua afligao espiritual. Na mesma época, seu itmio Paul, também mobilizado, foi ferido e perden obraco direito. Pianista-concestista, esse to parecia pér um fim a sua carreira, Contudo, a forga de trabalho, ele conseguiu voltar a tocar apés a guerra, apenas com a mio esquerda, ea ensinar. Foi para Paul que ‘o compositor francés Maurice Ravel escreveu seu Concerto para a mio esquerda. Em novembro de 1914, Wittgenstein estava na cidade de Cracévia, onde permaneceria até o veriio de 1915, trabalhando numa oficina de consertos da artilharia, na qual seus talentos de engenheiro foram de utilidade. Ao retornar de uma estadia de trés semanas em Viena du rante o més de agosto de 1915, foi transferido para Sokal, a0 norte de Lemberg, onde passou 0 outono € 0 inverno de 1915-16. A seu pedido, foi finalmente incorporado a uma uni- dade de combate, na frente russa, em marco de 1916. ‘os meses de margo e abril no viram combates muito in- tensos coisas mudaram em junho, com o inicio da ofen- siva Brusiloy sobre as linhas austro-alemas. Wittgenstein: deu mostra de grande coragem, ¢ foi citado para uma con- decoragao, antes de ser promovido a cabo, Enquanto a ofensiva russa mazcava passo, ele foi enviado ao comando de seu regimento em Olmiitz no fim do més, para l4 rece- ber um treinamento de oficial, Hsses meses de violentos 28 Wigan combates e de enfrentamento dirio coma morte influencia- ram evidentemente o curso de suas reflexes, ¢ seus c: demos mostram que foi nesse momento que ele elaborou as grandes linhas de reflexo que se acham ao final do Trac- tatus sobre o “sentido” do mundo, que ele diz que s6 pode estar fora do mundo, Os meses que Wittgenstein passou em Olmiitz, outono de 1916, foram relativamente felizes: 1é ele co- nheceu Paul Engelmann, jovem arquiteto discipulo de Adolf Loos, junto com quem, alguns anos mais tarde, iria construir uma casa para sua irma; esse encontro lhe per~ mitiu afastar-se um pouco do meio mit © ano de 1917 encontron Wittgenstein na frente rus- sa, inicialmente calma durante o inverno da primei volucio russa, depois mais agitada quando Kerensky quis xetomar as hostilidades no més de julho, Ao termo da contra-ofensiva vitoriosa dos impérios centrais, Wittgen- stein chegou até Czernowitz, atualmenté na Ucrénia, no més de agosto de 1917. Lé ficou estacionado com su unidade até a assinatura dos acordos de Brest-Litovsk em marco de 1918, Foi mais uma vez. homenageado por sua valorosa conduta durante a ofensiva Kerensky Foi durante esse inverno, sem atividade militar que Wittgenstein preparou uma primeira verséo daquilo que alguns meses mais tarde se transformaria no Loj Philosophische Abhandlung, mais conhecido sob o nome latino que Moore, professor em Cambridge, amigo de Russell e Wittgenstein, sugeriu para a edigao inglesa: Tractatus Logico-Philosophicus. Enviado para a frente italiana em marco de 1918, ‘Wittgenstein tomou parte na desafortunada ofensiva do exército austriaco em junho, em que distinguiu-se n uma vez por sua coragem. Apés a retirada austrfaca em julho, ele se beneficiou de uma longa licenga que passou em casa de seu tio Paul, durante a qual pds um ponto “Digits que ve wns vide marnilbos final em seu tratado, A partir de setembro p: curar um editor, ¢ comegou a enfrentar as masas que tanta dificuldade teve em admitir, Essa situ ao perdurou até o aparecimento de uma primeira edig alema, cheia de erros, em 1921, ¢ a edico inglesa, bem melhor, em 1922. De volta & frente italiana no fim do més de setembro, ‘Wittgenstein caiu prisioneiro no inicio de novembro, por ocasiao da iiltima ofensiva italiana, Confinado inicial- mente em Como, foi transferido em janeiro de 1919 para Cassino, ao norte de Napoles, onde deveria permanecer até agosto do mesmo ano, Nesses campos de prisioneiros ‘Wittgenstein conhecen o escultor Michael Drobil e, espe~ cialmente, Ludwig Hansel, um professor primrio apaixo- nado pela pedagogia e pelos bons princfpios “catélicos”. Foi pelo contato com este iiltimo que Wit solven se tornar professor primério, sendo que até entio parecia atraido por uma vida monastica, Retornando a Viena no final de agosto de 1919, Witt- genstein liquidou o patriménio que havia herdado de seu pai em favor de suas irmas e seu irmio, cometendo assim © que seus parentes chamaram um “suicfdio financeiro” Ele repetiria a mesma operacio em 1926, ap6s a morte de sua mie, Essa reniincia a uma fortuna muito substan- cial desempenhou, a seguir, um papel muito importante na construgdo da imagem piedosa de Wittgenstein; pa- rece que se tratava, para ele, de conguistar sua autono- mia frente a sua familia e tornar-se alguém por si pr6pr Nessa mesma perspectiva, ele decidiu sair da casa da fa miflia e instalar-se em um alojamento independente, No decorrer do ano letivo de 1919-20, Wittgenstein inscreveu-se em uma escola de formagéo de professores primérios. Esse ano, do imediato pés-guerra, foi sem da- vida muito dificil para ele; sentia-se desorientado e in liz, e, uma vez.concluida sua formagio de professor, fez-se 30 Wiegensea jardineiro, durante 0 ano de 1920, em um mosteiro perto de Viena, para tentar, por meio da fadiga, mitigat sua infelicidade Assim, nos seis anos seguintes, Wittgenstein trabalho como professor primério na Baixa Austria; sucessivamente em Trattenbach, Puchberg ¢ Otterthal, dois anos em cada localidade. No pés-guerra, esses vilarejos eram muito pobres, ¢ Wittgenstein tinha pouca estima pela populagéo rural com que tinha de lidar. Reciprocamente, 03 habi- tantes desses lugares estavam surpresos pela chegada, nessa fio afastada, de um “grande burgués” vienense de es- tranhos comportamentos. Wittgenstein logo adquitiu a reputago, de modo algum infundada, de ser rade com seus alunos. Contudo, muitos testermunhos posteriores permitem pensar que foi um professor competente, e que obteve excelentes resultados com certos alunos. Mas tudo isso acabou bem mal: em abril de 1926, depois de um incidente em sala de aula - uma crianga desfaleceu d pois de sex golpeada por Wittgenstein -, este foi denun- ciado pelos pais da crianga e decidiu, entio, abando: definitivamente a profissio. Durante esses anos “rurais”, Wittgenstein manteve um certo contato com Viena e Cambridge. Ele reviu Russell logo que foi libertado, e mais tarde durante o verdio de 1922, quando este, sua nova esposa e seu filho vieram passar al- guns dias em Innsbruck. A partir da primavera de 1922, recebeu varias vezes a visita de Frank Ramsey, jovem ma- temitico € filésofo de Cambridge, extraordinariamente brilhante, que havia participado da tradugio do Tractarus © com quem Wietgenstein manteve uma relagio muito es- treita até sua morte em 1930. As pessoas de Cambridge (Russell, Moore, Keynes) insistiram durante todo esse perfodo para que Wittgenstein retornasse a Inglaterra Além disso, 0 Tractatus, publicado no final de 1922 ta, comecava a ser divulgado e lido, Foi assim hes que ire wma vide marvlbor” que Moritz Schlick, um filésofo de primeira linha, pro- fessor da Universidade de Viena, entrou em contato co ‘Wittgenstein durante 0 verdo de 1924, para convidé-lo a explicar e precisar seu pensamento para um grupo de filé- sofos ¢ estudiosos que se reuniam regularmente com ele Esse foi o grupo que em 1928 tornou-se o “Circulo Eenst Mach”, mais usualmente denominado 0 “Circulo de Vie-~ na” Por razGes diversas, foi s6 em fevereiro de 1927 que Wittgenstein e Schlick se encontraram em casa de wma das irmés do primeiro, fato que marcou o inicio de um perfodo de varios anos de encontros e discusses entre Wittgenstein e alguns membros do Circulo, essencialmente Schlick e sew assistente, Friedrich Waismann, Depois de ter encerrado brutalmente sua carzeira de professor primério em abril de 1926, Wittgenstein, nova mente infeliz.e desesperado, refugiou-se em um mosteiro proximo a Viena, e, em vez de tornar-se monge, tornou- se jardineiro, como seis anos antes. Ele retornow a Viens no vero, apés a morte de sua mée, ocortida em 3 de junho de 1926 Até janeiro de 1929, Witrgenstein permanecen em Viena, basicamente ocupado com a construgio, em cola~ boragio com seu amigo Engelmann, de uma casa para sua irma Margarete (Gretl) Stonborough. Essa casa foi desctita por sua irma Hermine como “uma l6gica tor nada casa”: o exterior, citbico e desnudo, nao tem muito charme, mas 0 interior & notivel pelo cuidado que Witt- genstein dedicou a cada detalhe. A casa existe ainda, mas infelizmente 0 interior foi modificado e no se parece em nada com o que Wittgenstein pretendia. Esses dois anos foram para ele uma oportunidade de voltar ao mundo retomar as atividades filoséficas em ligagdo com o Cireulo de Viena, reunido ao redor de Moritz Schlick, Parece que Wittgenstein finalmente ad- mitiu que ainda era capaz de fazer um bom trabalho em filosofia ao assistir a uma conferéncia realizada em Vie~ na em 10 de marco de 1928 pelo matemético holandés Luitzen Egbertus Jan Brouwer, fundador do que, em fi- losofia da matemética, se chama escola “intuicionista” A pedido de Schlick, que desejava publicar uma expo- sigio mais acessivel das teses do Tractatus, Wittgenstein comeca a ditar a Waismann textos que deveriam servit de material para um livro que este se encarregaria de or- ganizar, Esse estranho arranjo dusou algum tempo, com ‘Wittgenstein comunicando a Waismann o estado atual de suas reflexées em cada uma de suas viagens a Viena no inicio dos anos 30, ¢ Waisman ten tir disso um texto ordenado ¢ claro. Nada d mente, deu certo, Por fim, Wittgenstein retomou sua carreisa filos6fica e voltou a Cambridge em janeiro de 1929. Lé obteve seu doutorado com 0 Tractatus em junho do mesmo ano, ebeneficiou-se de uma bolsa para o veréo € 0 outono ‘A partir de janeiro de 1930, comecou a dar cursos, mas foi apenas no fim desse ano que se tornou fellow (assi tente) por um perfodo de cinco anos, que durou até a primavera de 1936. Dessa época data inicialmente um texto que Wittgen stein redigiu durante 0 ano de 1930, sobretudo durante 0 verdo: as Observacées filos6ficas, que nao foi publicado, mas serviu-Ihe para obter o posto de assistente, Ao longo dos anos seguintes (1931-34), ele comecou a dar forma a um conjunto de observacdes reunidas sob o titulo de Gra mitica filosofica, Wittgenstein tinha o hébito de anotar em cadernos 0 resultado de suas reflextes didrias, depois recostava e reunia o material que lhe parecia interessante. Eyentualmente, ditava o produto desse trabalho, que era retomado, revisado, etc. Ble se queixava de ter muita difi- culdade em colocar por escrito ¢ exprimir exatamente seu pensamento; disso resultou que, na maior parte das vezes, “pigrles que tive un vida se néo em todas, ficava insatisfeito com o que produzia E por isso que, apesar de escrever muito, Wittgenstein no publicou nada, Dos anos 1933-34 ¢ 1934-35 datam igualmente dois Cadernos, 0 Azul eo Marrom, que ele ditou a seus estu- dantes e que circulavam em Cambri ‘Wittgenstein tinha ponco gosto pela vida académ Sempre tentou dissuadir seus estudantes de se tornarem professores de filosofia, ¢ ele préprio esteve inclinado a buscar outra profissio. Nessa época considerou estudar medicina ¢ chegou a pensar em emigrar para a Unio Sovié- tica para dedicar-se a algum trabalho manual. Aprendeu ‘russo nos anos 1934-35 e fez uma curta estadia de dez dias em Sao Petersburgo ¢ Moscou em setembro de 1935. Ele recebeu, aparentemente, a oferta de ensinar em uma universidade, mas nao a de trabalhar em uma coopera tiva agricola ou uma fabsical Quando chegou ao fim sen periodo de assistente ({ellowship), na primavera de 1936, Wittgenstein, em vez de procurar um outro tipo de trabalho, resol ar “seu” livro e, para isso, voltar a viver solitariamente em sua pequena casa na Noruega. La morou de agosto de 1936 a dezembro de 1937, mas no deixou de passar, como todo ano, as festas de Natal em Viena com sua fa- milia, ¢ também algumas semanas no inicio do vero ¢ 1937, Dessa época datam as primeiras paginas de suas Investigagdes filos6ficas. Pouco satisfeito com sua vida solitéria, Wittgenstein retoma a Viena em dezembro de 1937, sem saber 0 que fazer, Nao é impossivel que tenha voltado a considerar uma carreira em medicina; o fato € que viajow, no infcio de fevereiro de 1938, para Dublin, na Ielanda, em visita a seu ex-aluno ¢ agora amigo Maurice O’Connoz Drury, © qual Wittgenstein havia feito abandonar a filosofia e estava concluindo seus estudos de psiquiattia, Foi de Wegensra Dublin gue ele acompanhon com inquietagio os desdo- bramentos do Ansch{uf (anexagio da Austria pela Ale- manha) em fevereito e marco de 1938. Seu primeiro impulso foi retornar para junto de sua familia, mas foi sapidamente dissuadido por um de seus amigos, 0 econo- ‘mista marxista Piezo Sraffa, que ensinava em Cambridge, ¢ que o fez compreender que, se fosse para a Austria, ndo poderia mais sair de Ié. dificil io levou Wittgenstein a tentar obter tum posto estével em Cambridge e a requerer a naciona: lidade inglesa. Retomou seus cursos em Cambridge du- rante 0 verdio de 1938 a titulo privado, e foi escolhido professor de Filosofia em substituicéo a Moore, em feve- reiro de 1939. Obteve a nacionalidade inglesa em 2 de junho de 1939, Ao longo desses meses, as irmas de Witt- sgenstein, no querendo deixar Viena apesar do perigo que tepresentava para elas sua ascendéncia judaica, negoci ram com as autoridades nazistas e conseguiram niio ser consideradas judias em teoca do repatriamento de uma boa paste de sua fortuna na Alemanha nazista. Quanto a seu irmao Paul, ele se exilou nos Estados Unidos. Wittgenstein lecionou continuamente por trés anos, até 0 inicio de 1941, Seus cursos trataram essencialmente da questo do fundamento da matemética. Contudo, ele no aceitava a idéia de continuar ensinando em Cam bridge como se nada estivesse acontecendo, sem partici- par do esforgo de guerra, No outono de 1941, conseguiu alistar-se, inicialmente como porteiro, depois como auxi liar de & do Guy's Hospital de Londres, Lé per- maneceu até abril de 1943, data na qual ingressou, como assistente, em um laboratério de fisiologia em Newcastle, que trabalhava com 05 traumatismos provocados por feri- mentos graves. Desejoso de publicar, enfim, “seu” li havia entrado em contato, em setembro de 1943, com a "igper goes ama vide marvithos™ tora da Universidade de Cambridge, que deu sua concor- cia em janeiro de 1944, Jé em fevereito do mesmo ano ele deixou Newcastle e conseguiu quea universidade o di pensasse de retomar seus cursos imediatamente. Dirigiu sea Swansea, no Pafs de Gales, para junto de seu ex-aluno Rush Rhees, para tentar, em vao, coneluir seu livro. Teve, entretanto, de retornar, contra sua vontade, a Cambridge no outono de 1944. Apesar de uma repugnancia cada vez m: ambiente de Cambridge e da Inglaterra do pés ¢ também pele atividade de ensino, Wittgenstein continua a dar aulas até a primavera de 1947, dirigindo seu curso essencialmente para a filosofia da psicologia, No decorrer do ano letivo de 1945-46, conclui o que hoje constitui a primeira parte das Investigagées filoséficas. Decidin apre sentar sua demissio em agosto de 1947. Do final de 1947 até a primavera de 1948, Wittgenstein foi viver solitariamente na Irlanda, depois, em 1948-49, em um hotel emDublin, mais uma vez para terminar “seu” livzo, mas sem minimamente consegui-lo. Cada vez. mais fatigado, sofria de males intestinais e de depressio. Mes- mo assim, deixou textos datilografados relativamente bem acabados antes de partir para 0s Estados Unidos em julho de 1949 a convite de um de seus antigos alunos. Des: época até sua morte, Wittgenstein viveu em casas de ami- 08, nao tendo mais emprego nem rendimento fix: De volta dos Estados Unidos, no fim de outubro de 1949, sofrendo cada vex mais, nao péde ir para a Irlanda e teve de ficar na casa de seu amigo Georg Henrik von ‘Wright em Cambridge. Um cancer na préstata foi diagnos- ado em novembro. Wittgenstein resolven ento retirar se para Viena, para a casa da familia, onde chegou no final de dezembzo, Sua irma mais velha, Hermine, tam- Em sofrendo de cAncer, estava muito mal e falecen em eiro de 1950, Nesse meio tempo, como seu estado de satide melho- ara e lhe parecia ainda possivel viajar, Wittgenstein retor- noua Inglaterra no comego de abril, de inicio para a casa de von Wright em Cambridge, e, a partir de maio, e Oxford, na casa de Blizabeth Anscombe, outca de seus estudantes. Com um amigo, ele voltou até mesmo a sua pequena casa-na Noruega, no més de outubro, ¢, a0 retomar, em novembro, chegou a fazet planos de 4 se instalar para trabalhar. Mas um agravamento de seu qua dco de satide no final de dezembro tornou imposstvel a realizago desse projeto Necessitando entio de cuidados médicos constantes, Wittgenstein instalou-se no inicio de fevereiro de 1951 em casa de seu médico, de. Bevan, Durante os dois tltimos meses de sua vida, redigiu uma boa parte daquilo que em seguida foi publicado com o titulo Sobre a certeza, Mor reu em 29 de abril, dois dias apés completar 62 anos. ‘Wittgenstein ficou célebre muito cedo, em certos meios filoséficos. Sua primeira obra, a tinica publicada durante sua vida, havia atrafdo a ateng&o de todos os que na Aus. tria, na Alemanha e na Inglaterra se interessavam pela teoria do conhecimento ¢ consideravam que a “nova k gica” de Frege ¢ Russell tinha importantes conseqiiéncias filoséficas (o que no ocorreu na Franga). Ao retornar a Cambridge em 1929, Wittgenstein jd era considerado um pensador de envergadura, ‘Witegenstein desconcertou os que o conheciam no inf- cio da década de 1930 ao desenvolver, junto com seus in- terlocutores do Circulo de Viena e em seus cursos em Cambridge, novas concepedes que pareciam ir em boa me- dida contra o que ele havia defendido no Tractatus. Sua propria maneira de ensinar, sobretudo, era estrenha: dava aula sem anotagGes, nao fazia uma exposicao ordenada, as aulas consistiam antes em um jogo de questdes, de "Dig her que tie uma vide martha” objecées, de respostas mais ou menos desenvolvidas, uma espécie de conversagdo entre Wittgenstein e sua audién- cia, pontuada de numerosos siléncios, em uma atmosfera de concentracio intelectual que deixava todos exaustos. Esses cursos eram a tinica forma que Wittgenstein tinha de “publicar” suas novas idéias, mas parece que os estu- dantes que participavam de suas aulas, por mais fasci- nados que estivessem, nem sempre compreendiam onde ele queria chegar nem qual era a verdadeira importdncia das observacées, freqiientemente muito simples, que ele fazia. O proprio Wittgenstein nao se considerava um bom professor, e parecia-lhe que muitos de sens estudantes extrafam de seu ensino principalmente tiques de lingu: gem e maneiras de falar, 0 que o deixava desgostoso. Disso zesultou um fendmeno cléssico em circuns cias desse tipo: uma reputacdo de grande “profundidade” de enunciar coisas de capital importéncia, mas sem que se pudesse dizer realmente em quee por qué... Além disso, todas as tentativas feitas pelos que seguiram seus cursos para expor ao piiblico suas novas “idéias” enfureciam Wittgenstein, pois ele sempre tinha o sentimento de ter sido mal compreendido e, portanto, trafdo. E facil enten- der, assim, que os mais fantasiosos boatos tenham cor- rido sobre ele, tanto quanto ao conteiido de suas gulas quanto a sua maneira de ser ‘Wittgenstein nfo se contentava em dar aulas. Ble parti- cipava regularmente das reunides das sociedades e outros “clubes” filos6ficos de Cambridge, e nelas monopolizava a palavra. Ele acreditava, de fato, que um filésofo que no participa de discusses € como um boxeador que ‘ecusa a subir ao ringue, Freqiientemente convidava seus melhores estudantes para conversas filosdficas, e assim constituiu-se em torno dele um grupo de “disefpulos” sobre os quais Wittgenstein exercia uma influtacia que ia bem além da pura filosofia, nao hesitando em distribuir 38 ‘Wingate conselhos ¢ reprimendas, ea ponderar as escothas de vida ae es jvezs devi fz uitos desesdiscfpulos publicaram depois desua morte eordages de Witgensein®quefavemcrccscinen Pensar em evangelhos, nfo mais segundo $20 Lucas ou Sao Jofo, mas segundo Sio Malcolm ou Si0 Drury, nos quais se acham devotamente recolhidas todo tipo de anedotas mais ou menos insignificantes destinadas a tornar ma festa a personalidade “extraordindsia", quando nto o “ed. nio” de Wittgenstein, Esses esertos contribuiram por ceo para um melhor conhecimento do personaget, mas tam. bém para manter a sensagao de que, para alémr do ae pode ler de Wittgenstein ra além do que se de que pode freqiiencemente pa- zecer de uma banalidade desconcestante, hé “alguma col, sa” de indizivel e, entretanto, O estranho € que Wittg essa espécie de literatura. imensamente importante, tein teria sem divide odiado Resta, entfo, a obra, Esta se apresenta de uma forma complicada. Como vimos, Wittgenstein 56 publicon um trabalho, destinado a ter uma grande repercussao, Tinhe entiio 32 anos de idade. O Tractetus é um pequeno livro, de aproximadamente 70 paginas, constituido de uma sé. He de observagdes om custos parfgrafes numerados, cua Qedenasio parece 2 primeira vista bastante enigmética Nesse tratado, Wittgenstein pretendia ter dito tado 0 aac havia @ dizer, pois, como informa no preficior {..] averdade dos pensamentos aqui apresentados pasece ‘me inatacével ¢ definitiva. Creio, portanto, 1 ‘ ter resolvido definitivamente os problemas sencial, ‘Mas ele nao precisou de que problem: Contudo, quando procurow esclarec anos 20, o que havia pretend a8 Se tratava... ssclarecer, ao final dos ido dizer nesse texto denso € 39 “Digatbe gue tive uns vids maraihoss” pouco explicito, Wittgenstein chegou rapidamente & con- clusaio de que néo podia mais aceitar um grande niimero de teses que ali se encontravam afirmadas. Desenvolveu entGo, ao mesmo tempo, concepgées novas e, sobretudo, uma forma original de filosofar. Se as tentativas que fez a partir desse momento para escrever seus novos pensamen- tos nao resultaram em nenhuma obra acabada, nao é menos verdade que encheu milhares de paginas de obser- vagées € reflexes que, antes de sua morte, ele confiou a trés de seus estudantes ¢ amigos: Elizabeth Anscombe, Rush Rhees e Georg Henrik von Wright. Dois anos apés sua morte, em 1953, estes iiltimos publicaram as Investigagées filoséticas, esse livro impos- sivel de terminar em que Wittgenstein trabalhava desde 08 anos 1935-36, mas do qual apenas a primeira parte, como vimos, havia sido mais ou menos conclufda no fim do inverno de 1946, O que se apresenta atualmente como sua segunda parte 6, de fato, um conjunto de anotacées azranjadas nos meses de junho ejulho de 1949, que devia servir, 20 que parece, para uma nova revisio da primeira parte. A “verdadeira” segunda parte projetada por Witt- genstein teria sido dedicada a andlise dos conceitos mate méticos, Apesar dessas diferencas entre o livro planejado € 0 livro tal como existe hoje, pode-se considerar que es- ym texto que corresponde aproxi~ madamente ao que Wittgenstein aceitaria ver publicado. Pode-se entéo admitir que a obra “autenticamente” wittgensteiniana se compée do Tractatus e ~ mas isto € ais discutivel ~ dessas Investigacdes filoséficas. Essas duas obras desenvolvem idéias que podem parecer muito diferentes, com as Investigacdes constituindo em parte uma espécie de refutagiio do Tractatus, O resultado é que freqiientemente se admite que ha duas filosofias de Witt- genstein, e um dos exercicios favoritos dos comentadores €0 de se perguntarem se essas duas “filosofias” so 40. Wigenten =Digntnes ge tv un vida macnn 4 verdadeiramente opostas, ou se, a0 contrério, haveria uma certa continuidade de uma para a outta. Mas 0 que se pode tomar como sendo a obra de Wittgenstein nao se restringe a esses dois trabalhos. Como vimos, Wittgenstein ndo cessou de anotar suas reflexdes, para depois extrair desse material elementos com os quais tentava produzir textos apresentéveis, que ele mandava datilografar e depois recortava, reorganizava, ete, Os exe: \entdrios de Wittgenstein exploraram essa massa de manuscritos e publicaram diversos “livros” que correspondem mais ou menos a estdgios dos arranjos fei tos por Wittgenstein. Para isso, eles préprios tomaram a liberdade de selecionar ¢ dar forma a esses manuscritos sem que se saiba muito bem em nome de quais critérios eles se sentiram autorizados a fazé-lo. Dentre esses “li vros” podem-se citar: ~ a8 Observacdes filoséficas, que foram esctitas ao lon- go dos anos 1929-30 e serviram paia que Wittgenstein obtivesse seu posto de assistente; ~ a Gramética filoséfica, extraida de um grande tex- to datilografado comecado em 1932 e que estranhamente ainda nfo foi publicado na integra; = 08 Cadermos azul e macrom, que Wittgenstein ditou respectivamente em 1933-34 e 1934-35, 0 Caderno mar- rom podeado ser considerado como uma primeira ver- séo abandonada das Iavestigagées filoséficas, ~ as Observacdes sobre os fandamentos da matema- tica, conjunto de textos provenientes de manuscritos ¢ de textos datilografados dos anos 1937-445 a primeira parte dessas Observagdes 6a tinica que teve sua forma mais ou menos estabelecida por Wittgenstein, e deveria constitu a segunda parte das Investigagdes filos6ticas, ~ as Observagées sobre a filosofia da psicologia, que correspondem a dois blocos datilografados que Witt- enstein mandou preparar em 1948 e 1949; + stem: ~ Sobre a certeza, tiltimo conjunto de observagdes ma auscritas, as vitimas das quais foram escritas dois dias antes de sua morte, A-esses textos escritos pela mio de Wittgenstein, mas cujo arranjo freqiientemente nao foi feito por ele, junta-se uum conjunto de textos de estatuto ainda mais indefinido ‘De um lado, foram publicadas as notas de aulas de seus estudantes referentes aos cursos dados durante os anos 1930-31, 1931-32, 1932-33, 1934-35, e 1946-47, bem como os importantes cursos do inverno e da prima vera de 1939 sobre os fundamentos da matemética. De outro lado, dispde-se de notas que foram ditadas por Wittgenstein (ou textos resultantes desses ditados), seja durante conversas que ele teve com membros do Cir- culo de Viena entre dezembro de 1929 e julho de 1932, seja por Friedrich Waismann quando este estava prepa- rando sua obra de apresentagio das idéias de Wittgenstei no decorret dos anos 1930-34. Todos esses “livros”, notas de cursos ou ditados cons- tituem outros tantos testemunhos da evolucio do pen- samento de Wittgenstein a partir de 1929 e permitem “preencher” o vazio entre o Tractatus e as InvestigagGes filoséficas, que permanecem, apesat de tudo, os tinicos textos que se pode atribuir autenticamente a Wittgenstein, 2 O Tractatus: preliminares Vimos anteriormente que é comum admitir-se que ha duas “filosofias” de Wittgenstein; digamos, para simpli- ficar, Wittgenstein I e Wistgenstein Il. A primeira esté in- tegtalmente desenvolvida no Tractatus, no qual assenta a reputacio do autor em certos cftculos filos6ficos; a outra esté exposta, sobretudo, em seu livro péstumo, as Iaves- tigagGes filoséficas. Tentaremos de inicio caracter mariamente esta oposigao. © Tractatus expde aquilo que constitui a natureza da linguagem e do mundo e que permite compreender como as proposigées tém sentido, isto & podem exprimir esta- dos de coisas, ¢ ser verdadeiras ou falsas. Essa pesquisa tornou-se necessiria pelo fato de que as linguagens ordinarias que aprendemos no decorrer da infincia tém uma gramética defeituosa que torna pos sivel a construgao de proposigbes que parecem ter um sentido, mas que de fato nfo o tém. Trata-se, essencial mente, de proposigdes que podem ser encontradas em. obras de “metafisica”. Ao revelar em que consiste a possibilidade de uma proposigao ter sentido, 0 Tractatus supostamente deve evitar esses usos indecorosos da lin- guagem e pér um fim aos embaragos “filoséficos” que se fundam apenas em uma ms compreenstio da verda- deira natureza da linguagem. 44 A tese essencial desenvolvida no Tractatus € que deve haver alguma coisa em comum entre a linguagem 0 mundo se quisermos compreender como podemos formu- lar proposigdes capazes de serem verdadeiras ou falsas, isto é, dotadas de sentido. O que a linguagem eo mundo compartilham € uma mesma “forma légica”, que se en- contra exibida nas proposigdes da légica, Nese ponto 0 ‘Tractatus tenta resolver um imenso problema deixado em aberto pelos grandes predecessores de Wittgenstein —Fre- ge, mas sobretudo Russell ~ a saber: que é uma “verdade l6gica”? Bis por que o Tractatus foi inicialmente consi- derado como trazendo uma contribuigso a essa cigncia particular que é a légica, que havia sido tio profunda- mente renovada por esses dois autores. Eis também por que, as vezes se classifica Wittgenstein I entre os légicos. Assim, o empreendimento que Wittgenstein pretende levar a cabo em sua primeira obra consiste em esclarecer 0 que ha de essencial em toda linguagem e que permite que aquilo que dizemos possa eventualmente exprimir o que de fato € 0 caso.* Isso 0 leva, 20 mesmo tempo, a0 afasta- mento da linguagem ordindria que no esté logicamente em ordem 8 proposicéo de um simbolismo artificial que esteja em otdem, isto é, um tipo de “linguagem ideal”. E quanto a este tiltimo ponto que a virada de ‘Wittgenstein Il, a paztir do inicio dos anos 30, é mais es- petacular, A idéia de que haveria uma forma da proposi- cdo gragas 4 qual ela teria sentido, que seria preciso revelar essa forma e, eventualmente, inventar um simbolismo * _ Empregamor sstematicamente neta tradugio « expressio tno sentido de “ser real", "ser de fato", “existe”, pore tau silo "ere lecas” do texto Franeds, que coceesponde 30 “der orginal slemo de Wingeast renga do Terertust sein do como, por exemplo, na primeisa sen- ‘Die Welt is alles, wa der Fall ist", ou “o mundo ido que 6 caso”, na consagrada tradugio brasileira de Lae Henrique Lopes dos Santos. cemmneaeremsenaie te teen © Thezcus peinlates 45 artificial no qual ela seria imediatamente manifesta, tudo isso € agora completamente rejeitado. O sentido do que dizemos se revela nos usos que fazemos de nossos instru- mentos lingitisticos, usos muito diversos, que seria ilus6- rio querer remeter a um tinico prototipo. A “pureza” da Iogica, que supostamente exibiria a forma comum & lin- guagem e ao mundo, Wittgenstein Il opde 0 qne se cha ma As vezes a linguagem ordindria, com sua riqueza esua variedade. Se quisermos determinar o que “quer dizer” ou aquela expresso, é preciso retornar aos usos que dela fazemos na vida cotidiana. Mas essa virada de Wittgenstein II deixa intocado um ponto que levantamos em relagio a0 Tractatus. Nosso autor nfo abandona a idéia de que a maior parte dos em- baracos filos6ficos provém de um mau uso das expresses da linguagem a nossa disposi¢ao. Ble mantém, portanto, a idéia de que os fildsofos néo compreendem a “légica” da linguagem, mas aqui “Idgica” quer dizer apenas os modos de funcionamento das palavras ¢ expressdes tais como elas se revelam quando se observa seu uso “coti- diano”. E necess4rio, portanto, para sair desse embarago que Wittgenstein II compara as doengas mentais, obser- var quais so esses usos, “descrever” 0 modo de funcio: namento de tal ou tal palavra, Isto é evidentemente dificil de realizar, pois néo se trata de fazer pesquisas nas ruas para saber como se utiliza tal ou tal expresso, mas de relembrar algo que jamais se ignorou de fato, mas que foi no entanto esquecido, ou, se se quiser, de tracar como que o mapa de nossa linguagem. Nido se trata, assim, de ir explorar as profundezas da Jinguagem, mas, a0 contrério, de permanecer na sup cie dos us0s lingisticos. 1350 exige simplesmente que se tenha aquilo que Wittgenstein chama uma visio sindptica, em vez de se limitar & apreensio de um tinico aspecto ile gitimamente privilegiado, como fazem 0s filésofos. Wiegensee Estas poucas indicagdes sao, é claro, abusivamente simplificadas, mas bastam para introduzir nosso propé- sito: tomamos como fio condutor desta pequena apresen- taco da “filosofia” de Wittgenstein a idéia de que os problemas levantados pelos fil6sofos sio na maior parte dos casos, se nao em todos, o resultado de uma mé com- preensio do modo de significar das expressdes que eles empregam. A solugio dos problemas filoséticos passa, portanto, por um esclarecimento do modo de funciona mento de nossas linguagens, com base seja no modelo do Tractatus, seja no modelo das descrigdes que tentou fa- zec Wittgenstein IL, Devemos porém advertir 0 leitor de que esta forma de abordar a filosofia de nosso autor é certamente parcial, ecarrega consigo alguns preconceitos, # evidente que uma obra t&o exuberante como problematicamente editada pode ser compreendida de maneiras muito diversas e que, mais do que qualquer outra obra filos6fica, seria sem davida possivel justificar em seu caso as leituras mais in- compativeis. De resto, poucas obras contemporaneas sus- citaram tantos comentarios e exegeses Acrescente-se que, por razbes que néo é preciso expor aqui e que se devem a preferéncias filos6ficas do autor destas linhas, 0 Tractatus receberé aqui uma importincia relativa desproporcional a seu mimero de paginas, Toma- mos, de fato, essa obra como uma “obra-prima” filos6fica, no sentido de que os aprendizes que desejam ingressar em uma corporagio tém o dever de terminar seu aprendi: zado com uma obra-prima, 1. O objetivo do Tractatus Bis como Wittgenstein apresenta no “prefécio” o obje- tivo do Tractatus: ‘rata plinineres a Este livro trata dos problemas filos6 gundo cteio, que a maneira de colocar esses problemas decotre de uma mé compreensio da légica de nossa lin- guagem, Todo o sentido deste livro poder-se-ia expri- mir nestes termos: aquilo que, no fim das contas, pode ser dito, pode ser dito claramente, e deve-se guardar si- lencio sobre 0 que nio se pode fala. Dois pontos desse pequeno texto chamam a atengéo. Ao afirmar, logo de inicio, que os problemas filos6ficos provém de uma mé compreensio da “I6gica de nossa lin- guagem”, Wittgenstein admite que os “problemas filos6- ficos” nfo passam de falsos problemas e no podem, portanto, ser resolvidos. Ao mesmo tempo, ele indica 0 trabalho a ser feito: mostrar qual é a logica de nossa lin- guagem ¢ assim dissolver esses falsos problemas. Bis af em breves linhas o programa que o Tractatus se prope a levar a cabo. O segundo ponto desse texto permite precisar aquilo que, para Wittgenstein, parece constituir 0 vicio que est na base de todos os problemas filoséficos e que os toma insoliiveis: a solucio que os fildsofos pretendem dara eles presenta 0 erro de nfo guardar siléncio sobre o que nao se pode falar, Os fil6sofos silo pessoas que néo compreen- dem que as questdes que levantam e as respostas que pro- curam oferecer excedem o limite do que pode ser dito significativamente. O Tractatus, a0 exibir a “Logica de nossa linguagem”, circunscreveria portanto simultanea- mente os limites do dizivel. Tudo isto est carregado de pressupostos. A idéia se- minal gue esté no fundo dessa dupla afirmagio que abze © Tractatus € que se pode ter a impresstio de estar formu- Jando questées e, ocasionalmente, respostas a essas ques tes dizendo coisas sensatas, quando na verdade nfo se esté dizendo absolutamente nada. 48 Whgenae Tomernos um exemplo. Entre os problemas filoséficos mais debatidos encontra-se este: 0 mundo teve um pri meiro comeco? O que Wittgenstein sugere é que uma tal questo ¢ a afirmagio correspondente (sim, o mundo teve ‘um primeiro comego) buscam exprimir alguma coisa que de fato no se pode dizer. Entretanto, a questo é perfei tamente correta do ponto de vista gramatical, e tanto quem a forn ula como quem a escuta tém a sensagio de compreendé-la. Nao & como se se perguntasse: 0 mundo teve cujo? ou mesmo: 0 mundo teve escarlatina? No pri- meio caso, € claro que as regras da geamética da lingua portuguesa sto violadas; no segundo, embora a gramstica seja respeitada, parece haver nela um erro de categoria se- mAntica: 0 mundo, tanto como uma pedra ou uma casa, nfo faz parte das coisas das quais faz sentido perguntar se tiveram ou néo escarlatina. Hé, no entanto, uma dife- renga entre esses dois exemplos, A primeira questo no tem estritamente nenhum sentido, ao passo que a segunda poderia ser compreendida como fazendo uso de uma meté- fora: afinal, os jornalistas nfo hesitam em escrever que 0 mundo vai mal, que esté (muito) doente, ete, Por que nfo ir um pouco além e perguntar de que doenca ele sofre? A tese de Wittgenstein, como se verd, & que a questio eve um primeiro comego?” é tio desprovida de significado como *o mundo teve cujo?®, ainda que pareca bem menos problemética do que “o mundo teve escarlatina?™. Vejamos isto mais precisamente. Se apre- sentamos a questo “o mundo teve um primeiro come- 0?” a um fisico, é bem provavel, se ele for honesto, que responderé que no somente a questo nio tem ainda res- posta como, de fato, nfo tem sentido em fisica.* Com isso 2 de se supor que o autor tem em ments un ci sina de quer Ho dee owe oun iy Bang, Eta quero em Sas tent etd © peda sr nila como una © Tact peeliares 49 cle quererd dizer que as formas de validagio de enuncia- dos da fisica excluem a priori uma resposta a essa questo, mas isso no significa que a questo nao tenha sentido em geral, e nada profbe pensar que ela possa receber uma esposta no quadro de uma religio ou de uma metafisica, Talvez a metafisica e a religido sejam, para nosso fisico, apenas especulagies fieis e que vale mais a pena se restrin- gir A trabalhosa claboragao de uma fisica cientifica, mas sua convicgo s6 repousa em um argumento epistemo- Jégico, a saber, s6 a fisica, com sua metodologia austera ¢ exigente, esta em condigdes de nos fornecer verdades on quase-verdades, 20 passo que as religides e metafisicas so apenas o resultado de uma preguiga ou delitio da mente que ndo pode atingir nada de interessante. Para nosso fisico, a questo tem sem diivida um sentido em geral, mas as respostas que se poderia pretender dar a ela estio destinadas a ndo poderem ser verdadeiramente justi- ficadas e, portant, a pesmanecerem no nfvel de profissées de fé sem valor objetivo, Na historia da filosofia, idéias desse género tm sido formuladas com freqiéncia, Desde que, no inicio do sé- culo XVI, a fisica se constituiu como ciéncia ao mesmo tempo matematizada e experimental, numerosos filésofos proclamaram que s6 essa maneira de elaborar conheci- ‘mentos era legitima, e que, conseqiientemente, era preciso abandonar definitivamente toda esperanga de responder As -vastas questées metafisicas do género “o mundo teve um primeito comego?”, pois uma eventual resposta nfo poderia ser oferecida seni indo além do que é dado pela experigncia, Uma tal rejeicio das especulagdes metafisicas foi de inicio vigorosamente expressa pelos empiristas bri4- nicos e, mais particularmente, no século XVIII, por Hume, dente, De resto, a questo discutia pelo autor, seo mundo teve um Drimeizo comego, no aparece no Traces. [N.T.] 50 Wingenstein cuja Investigacao sobre 0 entendimento humano conch com a célebre injungao: Ao percorrermos as biblioteca [..], 0 que no seré preciso destruir? Se tivermos em mos um volume de teolog ou de metafisica escoléstica, por exemplo, perguntemos: Contém ele raciocinios abstratos sobre a quantidade ou. © nfimero? Nao. Contém ele raciocinios experimentais sobre questéies de fato e existéncia? Nilo, As chamas com ele, portanto, pois nada contém senio sofismas e ilusbes. Ba uma cone io do mesmo tipo que chega Kant 20 final do mesmo século quando pensou ter estabelecido, na Critica da razio pura, que o exercicio da razio est limitado ao campo da experiéncia, pois os grandes con- ceitos que ela utiliza tém a fungio de constituie a expe- rigncia como uma experiéncia para nds, Tao logo a razio pretends ir além da experiéncia, ela se perde em dificul- dades em prir io insuperdveis, que decorrem de que ela usa, na auséncia de todo dado sensivel, conceitos que sé tém uso legitimo em relagGo A intuigdo sensfvel, pois sto constitutivos da prépria experiéncia. A razio, que est sempre em busca de um incondicionado, tem certamente uma tendéncia natural a especitlar no vazio, mas 0 obje~ tivo de Kane € precisamente pér-nos em guarda contra essa tendéncia perniciosa, A posicao de Wittgenstein, tal como esbocada no tre- cho do “Preffcio” que citamos h4 pouco, recupera essa ldéia de que os problemas filos6ficos nao so senio fal- sos problemas, mas ela a recupera a partir de um ponto de partida totalmente diferente: nfo é porque 2 metafisica nos conduz a especulagdes sem relago com a experiéncia que ela deve ser rejeitada, mas porque ela tenta exprimir © que por principio nossas linguagens nfo nos permitem exprimir, 0 que leva & afirmag&o de que os enunciados 0 Tacitus: proliniarer st metafisicos simplesmente néo tém nenhum sentido, no ais do que os enunciados do género “o mundo tem cujo”. Em que se baseia uma tal afirmaco? Jé o vimos: na idéia de que os filésofos metafisicos tém uma mé com- preensao da “légica de nossa linguagem”. Isso equivale a dizer que se deve distinguir essa ldgica de nossa lingua- gem da gramética que aprendemos na escola priméria. Hi enunciados que, embora gramaticalmente~e mesmo, parece, semanticamente ~ corretos, so logicamente fa~ Ihos e, portanto, na verdade, desprovidos de sentido. Nao trata de dizer que esses enunciados sio injustificéveis, indemonstraveis, sem suporte na experiéacia, etc., logo, inremediavelmente duvidosos, mas sim de afirmar que, na realidade, eles ndo dizem nada. Que significa essa oposigo entre gramética ¢ légica? ‘Trata-se de uma contribuigéo original de Wittgenstein? Na verdade, nao. Hé, nessa oposicio, dois aspectos que é preciso destacar. De um lado, em geral, fda a idéia de que o léxico e a gramética de nossas linguagens nfo so, por assim dizer, “inocentes”. Esse tema est4 presente ao lon- go de todo o século XIX, particularmente na Alemanha, Ele provém da idéia, que se encontra esbogada no sécu- lo XVII em Herder, de que a linguagem nfo é uma ferra~ menta neutra a servigo do pensamento ou do espitito, mas aquilo em que e por meio de que o pensamento se consti- tui e se exerce. A linguagem molda o pensamento e o de- termina, portanto, do ponto de vista cultural c histéricos no hé um pensamento; sempre o mesmo e independence de qualquer linguagem, preexistente ds linguagens que os homens falam, Ao contrério: 0 pensamento s6 existe en- carnado nas linguagens que so essencialmente realidades hijstoxicas, mutdveis no tempo e no espaco. ‘Numa tal perspectiva, pode-se chegar bem rapidamen~ tea idéia de que o que se toma por verdades (metafisicas) esté af envol

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