You are on page 1of 26
© que é um dispositive?’ Sora Senin rom steed on ‘Stee ae cota ae Si Timea pte Aswey¢ oem. Aeneas Bae 225 nen pasion doo spss i [As questées terminologicas sao importantes na flosofia, Como disse uma vez um flsfo pelo qual tenho 0 maior rspeito, a terminologia €0 momen to postico do pensamento, Iso nao significa que os filsofos devam necestriamente a todo instante de- finir os seus termos técnicos. Platio nunca defi niu o mais importante dos seus termos ideia. Ou ‘ras, a0 contrério, como Spinoza e Leibniz, preferem. Aefinir more goometrico as suas terminolog ‘A hipotese que pretendo propor-thes/é que a palavra “dispositive” sja um term téenic decisivo ‘na estratégia do pensamento de Foucault. Ele o usa ‘com frequéncia, sobretudo a partir da metade dos anos setenta, quando comega a se ocupar daquilo {que chamava de “governabilidade” ou de “govern dos homens” Embora nunca tenba elaborado propria mente a definico, ele se aproxima de algo como uma definiggo numa entrevista de 1977: ‘Aapulo que procure indivduaiar com este nome {antes de tudo, um conjunto abuolutameate he {erogenco que implica discuss, insitugtes, es tours aruitetonicas, decsoesreglamentares, les, medidas adminitratitas,enuneados Cent os, proposgces Slosofias, moraine Blantrpics, fm resume: tant © dito como 0 na ita 08 ementos do dispositive, © dispositive ¢s re (qu se estabelece ene ete elementee [C- com 0 temo disposi, compreendo ums ‘pecie por asim diver ~ de fomagto que num {ato momento hatin teve coma fn een tal responder a uma urgéncla. O dispotivo tem, pert me ge emietemete ps Bissequeo dspostiv tem natura ezecialmen te satel, que se wat, como comseqdencl, de tua certa manipolagso de velagder de foray de tus intervengiofaconal combinads dat eases de forsee pra orient ln em cet doo pars Dloquctls oa para fxk las eutliealae O Aispostvo est sempre inscrto nam jogo de = {ere 20 mestno tempo, sempre ligado a lites Ao saber, que devivam dase, ma meme medida, ‘condilonan-no. Asim, 0 dxporigio ¢ um cen junto de estrtepias de relagdes de forga que ‘ondiionam certostipos de saber © po ee 80 ‘ondiionadox (Dts e fei, Il, p.299-30) Resummamos brevemente os trés pontos: a. Eum conjunto heterogéneo, linguistica ¢ ‘ngo-linguistico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo titulo: discursos, instituicoes, edifl- ios, leis, medias de policia, proposivoes filossficas ct 0 dispositivo em si mesmo € a rede que se esta belece entre esses elementos. ', O dispesitivo tem sempre uma Fungo esa tdgica conereta ese inscreve sempre numa relagao de poder Como tal, resulta do cruzamento de relagbes de poder e de relagoes de saber. 2 Gostaria agors de tentar tragar uma sumdia sgencalogia deste termo, inicialmente no interior da obra de Foucault e, posteriormente, num contexto histrico mais amplo, [No final dos anos sessenta, mais ou menos no ‘momento em que escreve A Argueotogia do say para definiro objeto de suas pesquisas Foucault nfo ust © termo dispositivo, mas o termo, etimologicamente préximo,"positvite’ também desta vez sem defini-to, Frequentemeate me pergunte onde Foucault tins cncontrado este fermo, até 0 momento em que, io sa muitos meses ais, reli o ensaio de Jean Hyppolite, Introduction a La philosophic de Fhistoire de Hegel. Provavelmente os senhores conhecem a forte rao que lgava Foucault a Hyppolite a quem as vezes def ‘ne como “o meu mest” (Hyppolite foi efeivamente seu professor durante a khgneno lice Henri IV e de- pois na Ecole Normale, © capitulo terceiro do ensaio de Hyppolit leva titulo: Raison et histoire. Les idées de positive et de destin (Razuo ebistoria. As ideas de positividade de destino). Fle concentra aqui a sue andlise sobre tu chai), que exeeuta pontualmente tudo 0 que Ihe dito edeixa que os seus gestos quotidianas, como sua sade, of seus divertimentos, como suas ocupa: ‘goes, a sua alimentagao e como seus desejos sejam ‘comandados e controlados por dispositivos até nos rminimos detalhes, ¢ considerado pelo poder ~ talver ‘@atamente por sso ~ como um terrrisa virtual En _quamto anova normative eutopeiaimpoe asim a todos ‘0s cidadios aqueles dispositivos biométricas que de- -senvolvemeaperfeigoam as tecnologiasantropométicas (das impresoes digits fotografia sinaltica) que fo~ ram inventadas no século XIX para a identificaca0 dos criminosos reincidentes, a vigilincia por meio de videocimera transforma os espagos publicos das idades em areas internas de uma imensaprisfo, Aos ‘olhos da autoridade—, talve, esta tena razto—nada s¢ assemelha melhor ao terrorista do que © homer Quanto mais 0s dispositivos se difundem ¢ dis- seminam 0 seu poder em cada ambito da vida, tanto mais 0 governo se encontra diante de um elemento inapreensivl, que parece fugir de sua apreensio quan- to mais docilmente a esta se submete. sto ndo sign fica que ele representa em si mesmo um elemento revolucionario, nem que possa deter ou também so igovernamental. No logat mente ameacar a miqui do anunciado fim da histéria,assiste-se, com efeito, 0 incessante girar em vio da miquina, que, numa ‘spécie de desmedida parédia da vikonomia teolog ecee ewe piensa ome io. pare (secs dad aoe’ Is Crt chee Bla oir Slits Elta ecg PR) ons Cer também a moda imperial ou neocéssca). Ou seja, ela pode colocar em relagao aquilo que inexoravelmente dividiu, echamar, re-evocar e revitaizar aguito que linha até mesmo dediarado mort. 6. sa especial relagso com o passado tem tambern tum outro aspect, De fato, a contemporaneidade se cscreve no pre sente assinalando-o antes de tudo como arcaico, © somente quem percebe no mais moderno ¢ recente (0 indices ¢ as assinaturas do arcaico pode dele ser ‘contemporineo. Arcaico significa: proximo da arké, isto ¢, da origem, Masa origem nao estésituada ape- nas ium passade cronoldgico: ela € contemporinea 40 devir histrico e no cessa de operar neste, como ‘© embrido continua a agir nos tecidos do organismo ‘maduro ea crianga na vida psiquica do adulo, A dis- tancia ~ ¢, a0 mesmo tempo, a proximidade ~ que define a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ‘onto pulsa com mais orga do que no presente. Quem vi pela primeiea vez, 30 chepar pelo mar num ama- ‘nhecer, os arranha-céus de Nova York subitamente per cebew ess fies arcaica do presente, essa contiguidade com a euina que as imagens atemporsis do 11 dese tembro deiaram evidente para todos (Oshistovadoves da teratorae de artes que Jaw 0 areaico e 0 modern hi 1m compromisso Secreto, ¢ nko tanto porque as formas mais arcicas parecem exercitar sobre o presente um fscni pat- ticular quanto porque a chave do modern est s- condida no imererial © no prehistrico Asi, © trundo antigo no seu fim x volta, para se reencom 08 rimbeion no tempo, segue o primitive 0 arcico. E ness sen tid que we pode dizer que a via de aces ao presente tem necssariamente «forma de uma agueslgia que flo repide,oo entanaum peamd enol asx tudo aque que na presente no podemos em ne hum caso vier, estanda nto vivid, € incessant mente rlangado para « origem, sem jaa poder ‘angi ln Ji que o presente nfo € ove coisa sendoa parte de no wiido em todo vivo, € agai qu it pevdeo ceo ao presente €precisumente massa da- tile que, poralguma ero (se carer taumatico, {sua extrema prosimidade), neste no conseguimos ‘iver A atengiodiigida a exe ndo-ivido€a vida do ‘ontemporinen ser contemporine sigs, nese sentido tara un present em qu jaaisetveros. vanguarda, que se extraviou. n Aqueles que procuraram pensaracontemporaneidade puderam fazé-lo apenas com a condigto de cindila ‘em mais tempos, de introduzir no tempo uma essen cial desomogeneidade. Quem pode dizer."0 meu tem po" divide o tempo, escreve neste uma cesura € uma descontinuidade; ¢, no entanto, exatamente através dessa cosura, dessa interpolagio do presente na homogeneidade inerte do tempo linear, 0 contem- porineo coloca em acto uma relagdo especial entre ‘os tempos. Se, com vimos, €0 contemporineo que Fraturou as vértebras dle seu tempo (ou ainda, quem percebeu a falha aw 0 ponto de quebra), ele faz dessa Fe tro entre os tempos e as geragdes, Nada mais exem- pla, nesse sentido, que a gesto de Paulo, no ponto em ‘que experimenta e anuncia aos seus irmaos aquela contemporaneidade por exceléncia que € o tempo messtnico, 0 ser contemporiineo do messias, que ele chama precisumente de “tempo-de-agora” (ho myn keairos). Nuo apenas esse tempo & cronologicamente indeterminado (0 retorno do Cristo, a parusia, que assinala o fim desse tempo, & certo € préximo, mas {ncalculdvel), mas ee tem a capacidade singular de co- Tocar em relagto consigo mesmo todo instante do passado, de fazer de todo momento ou episédio da ‘ lugar de um compromisso e de um encon- histdria biblica ums profecia ou uma prefiguracio (typos figura, 0 termo que Paulo predica) do presen te (assim, Addo, através de quem a humanidade rece: eu morte eo pecado, é"tipo ou figura, do messss, aque leva aos homens 2 redencio e a vida). Isso significa que o contemporineo nio é ape. nas aquele que, pereebendo oscuro do presente, nele apreende « resoluta luz: € também aquele que, divi- indo ¢ interpolando o tempo, esta @ altura de transformé-lo e de coloci-lo em relagao com os ou~ {ros tempos de nele ler de modo inédito & historia, de “citi-la” segundo uma necessidade que no pro~ ‘vém de maneira nenuma do seu arbitrioy mas de wma cexigtncia & qual ele nao pode responder. E como se aquelainvisivel luz, que € 0 escuro do presente, pro- jetasse a sua sombra sobre o passad, ¢ este, tocado por esse facho de sombra, adquirsse a capacidade de responder as trevas do agora. £ algo do ginero que evia terem mente Michel Foucault quando escrevia ‘que as suas perquirigdes hist6ricas sobre o passado so apenas a sobratrazida pela sua interrogagao ted= rica do presente. £ Walter Benjamin, quando escrevia _que o indice historico contido nas imagens do passa- ‘do mostra que estas alcangardo sua legibilidade s0- mente num determinado momento da sua historia. E dda nossa capacidade de dar ouvidos a essa exigencia © Aaquela sombra, de ser contemporineo nao apenas do ‘nosso séculoe do “agora”; mas também das suas figu ‘ras nos textos e nos documentos do passado, que de penderdo 0 éxito ou o instacesso do nosso seminsrio,

You might also like