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A unidade de troca gasosa é o alvéolo pulmonar, um microscópico


“saco de ar”, medindo em torno de 160 µm. Os pulmões contêm cerca
de 480 milhões de alvéolos, garantindo uma surpreendente superfície de
troca gasosa de aproximadamente 140 m2. A arquitetura da árvore
respiratória começa na traqueia, que se bifurca nos dois brônquios fonte
ou principais, numa região conhecida como carina. O brônquio direito
se desvia menos do eixo da traqueia do que o brônquio esquerdo, sendo
por isso o brônquio que mais recebe o material aspirado nas vias aéreas
superiores. A traqueia e os brônquios são condutos sustentados por
uma estrutura cartilaginosa e são revestidos internamente por um
epitélio pseudoestratificado, colunar, ciliado, contendo células
caliciformes e glândulas submucosas produtoras de muco. Os brônquios
principais se bifurcam em brônquios lobares, que, por sua vez, dão
origem aos brônquios segmentares. Essas ramificações são
acompanhadas de divisões anatômicas do parênquima pulmonar (em
lobos e segmentos), muito utilizadas na prática clínica para localização
de lesões e nas cirurgias pulmonares. Observe a FIGURA 2 na página
seguinte.

1
Cap. FUNÇÃO RESPIRATÓRIA

INTRODUÇÃO E ANÁTOMO-HISTOLOGIA

A respiração é uma função vital ao organismo, ten-do como


objetivo básico a troca gasosa com o meio ambiente,
promovendo a captação de oxigênio (O2) e a eliminação de
dióxido de carbono (CO2).

Fig. 2
Após diversas bifurcações sucessivas, os brônquios originam os
bronquíolos – pequeninos condutos, com menos de 2 mm de diâmetro e
desprovidos de cartilagem e glândulas submucosas, porém com uma
acentuada camada muscular lisa. De cada bronquíolo terminal (1 mm
de diâmetro) forma-se um ácino – a unidade funcional respiratória.

O ácino é formado por estruturas ricas em alvéolos. O bronquíolo


terminal se bifurca, formando os bronquíolos respiratórios, contendo
alguns alvéolos em sua parede. O bronquíolo respiratório, por sua vez,
origina os ductos alveolares, que terminam finalmente nos sacos
alveolares, estruturas cujas paredes são formadas apenas por alvéolos.
Como você pode observar na FIGURA 1B, os alvéolos são providos por
uma rica rede de capilares, fundamentais para o processo de troca
gasosa. O formato do ácino é aproximadamente esférico; e o seu
diâmetro, em torno de 7 mm.
Fig. 1A: Lóbulos pulmonares reunidos formam o aspecto em “colmeia”
na superfície dos pulmões.
Fig. 1B: Ácino pulmonar – a unidade funcional respiratória.

A parede alveolar é constituída pelo epitélio alveolar (pneumócitos),


membrana basal e endotélio capilar. Cerca de 95% da superfície do
epitélio alveolar é formada pelos pneumócitos tipo I, células achatadas,
em forma de placa. Os 5% res-tantes são compostos pelos pneumócitos
tipo II, células arredondadas, responsáveis pelo potencial de
regeneração epitelial (podem se transformar em pneumócitos tipo I) e
pela produção do surfactante pulmonar, substância fundamental para
manter o lúmen alveolar aberto (o surfactante reduz a tensão superficial
da parede alveolar, impedindo que ela colabe).

Agora que você conhece bem a arquitetura pulmonar, vamos separar a


Fig. 1A: Lóbulos pulmonares reunidos formam o aspecto em “colmeia” função respiratória em dois importantes componentes: (1) ventilação
na superfície dos pulmões.
Fig. 1B: Ácino pulmonar – a unidade funcional respiratória.
pulmonar; e(2) troca gasosa pulmonar.

VENTILAÇÃO PULMONAR
O lóbulo pulmonar é a estrutura anatômica que reúne três a cinco
A ventilação é o processo de entrada e saída de ar nos pulmões a cada
ácinos, sendo definido como a porção de parênquima pulmonar
ciclo respiratório, dividida em duas fases: a inspiração (entrada de ar nos
envolvida pelos septos de tecido conjuntivo, por onde passam vasos e
pulmões) e a expiração (saída de ar dos pulmões). Os responsáveis pela
nervos. O lóbulo pulmonar possui a forma de uma pirâmide cuja base
ventilação pulmonar são os músculos respiratórios, em especial o
está voltada para a superfície pulmonar. São esses lóbulos que dão o
músculo diafragma (o principal) e os músculos intercostais. Esta
aspecto de “colmeia” à superfície dos pulmões, como se nota na
musculatura esquelética recebe uma rica inervação, através do nervo
FIGURA 1A.
frênico, nervos intercostais e nervo vago. O controle da ventilação
espontânea é executado por centros neuronais localizados no bulbo,
mas que recebem influência de outros centros do tronco encefálico. A
nossa ventilação procede de forma involuntária (você nem se dá conta
de que está respirando...), controlada pelo centro bulbar, utilizando para
isso mecanismos de automatismo intrínseco, de arco-reflexo mecânico e
a influência das concentrações de CO2 e O2 no sangue arterial e no
liquor. Apesar de um efetivo controle involuntário, se quisermos,
podemos interferir voluntariamente em nossa ventilação...

MECÂNICA VENTILATÓRIA

Vejamos como se procedem as fases da ventilação:


● Inspiração: é o resultado de uma pressão negativa intratorácica,
deflagrada pela contração da musculatura respiratória (o diafragma é
movido para baixo e os intercostais movimentam as costelas para cima
e para fora). Em outras palavras, o ar ambiente é literalmente Podemos afirmar que a PaCO2 é inversamente proporcional à
“puxado” para dentro do tórax pela contração dos músculos Ventilação Alveolar (VA) e diretamente proporcional à produção de
respiratórios, especialmente o diafragma. Perceba que a inspiração é CO2 pelo metabolismo celular (VCO2). Esta relação é repre-sentada
um processo ativo – exige contração muscular. pela fórmula: PCO2 = K. VCO2/VA, sendo K uma constante. Veja os
exemplos: se o paciente hiperventilar,dobrando a sua ventilação alveolar
● Expiração: ocorre de forma passiva, ou seja, é a simples recuperação
(de 5 L/min para 10 L/min), a PaCO2 cairá para metade (de 40 mmHg
elástica do diafragma, dos pulmões e da caixa torácica, retornando
para a sua posição de repouso. Podemos dizer então que, no final de para 20 mmHg), uma alcalose respiratória. Se, por outro lado, o
uma expiração espontânea, os pulmões e a caixa torácica encontram-se paciente hipoventilar, reduzindo para a metade a sua ventilação alveolar
no estado de repouso ou equilíbrio. (de 5 L/min para 2,5 L/min), a PaCO2 irá dobrar (de 40 mmHg para 80
mmHg).

A pressão negativa que desencadeia a inspiração é medida no interior


do espaço pleural (pressão intrapleural) que, por sua vez, reflete a CONTROLE INVOLUNTÁRIODA VENTILAÇÃO
pressão dentro da cavidade torácica (pressão intratorácica). Mesmo no
final da expiração (estado de repou-so), a pressão intrapleural é negativa
Ao contrário do músculo cardíaco, que possui um sistema especializado
(em relação à pressão atmosférica), em torno de -4 mmHg, pe-lo efeito
com a propriedade de automatismo, os músculos respiratórios são
da retração elástica dos pulmões (tendência ao colabamento) e da caixa
músculos esqueléticos e, portanto, precisam de um controle neural para
torácica (tendência à expansão). Em outras palavras: a pressão
se contrair de forma rítmica. Este controle é centralizado no bulbo,
intrapleural é sempre subatmosférica. Durante a inspiração, esta pressão
onde se localiza o centro respiratório. Esses neurônios mandam axônios
torna-se ainda mais negativa (-6 mmHg), ou mais subatmosférica,
que fazem sinapse com neurônios da ponta anterior da medula espinhal
desencadeando a entrada de ar nos pulmões.
cervical (ao nível de C2-C3), de onde se origina o nervo frênico
(responsável pela inervação diafragmática), e da medula espinhal
torácica, de onde se originam os nervos intercostais. Uma lesão grave do
Veja a conversão de medidas: 1 mmHg equivale a 1,36 cmH 2O.
centro respiratório bulbar ou uma secção entre o bulbo e a porção
Em ventilação mecânica (final do capítulo), trabalharemos com
superior da medula causam a imediata parada respiratória.
cmH2O. Portanto, podemos afirmar que a pressão intrapleural no
final da expiração (repouso) é de aproximadamente -5 cmH2O e,
Os neurônios bulbares do centro respiratório controlam a ventilação
no final da inspiração, de aproximadamente -8 cmH2O.
espontânea através de um mecanismo de automatismo intrínseco, que
sofre influência inibitória contínua de centros neuronais localizados na
ponte (a lesão desses centros provoca hiperventilação). Um reflexo de
O volume de ar que entra e sai dos pulmões a ca-da ciclo é denominado
estiramento mecânico das vias aéreas (conduzido pelo nervo vago) pode
volume corrente, situando-se em torno de500 ml em um adulto de peso
contribuir para o controle ventilatório em condições de hiperventilação,
médio (6-7 ml/kg). Este volume, multiplicado pela Frequência
quando o volume corrente encontra-se duas vezes acima do normal.
Respiratória (FR), define o volume minuto, que representa o ar que entra
e sai dos pulmões durante um minuto. Como a FR normal encontra-se
entre12-16 irpm (média de 14 irpm), o volume minuto normal está em O principal regulador da ventilação pulmonar é a PaCO2! A
torno de 7 L/min. Este volume é distribuído por toda a árvore concentração arterial deste gás age de forma indireta no controle
respiratória, sendo que 70% dele chega efetivamente aos alvéolos ventilatório... Quem regula a ventilação pulmonar, na verdade, é o pH
(ventilação alveolar) e os 30% restantes preenchem a traqueia e a árvore do sangue e do liquor. Sabemos que o CO2 funciona como ácido em
brônquica (espaço morto). Portanto, um adulto normal possui uma nosso organismo, graças a uma enzima chamada anidrase carbônica
ventilação alveolar em torno de 5 L/min e uma ventilação do espaço que o converte quase que instantaneamente em ácido carbônico
morto de aproximadamente 2 L/min. (H2CO2), após adição de H2 O. Este ácido imediatamente libera H+,
acidificando o meio (em outras palavras: um aumento da PaCO2
acidifica sangue, gerando acidemia). Além disso, o CO2 (ao contrário
QUADRO DE Ventilação do H+) se difunde com facilidade pela barreira hematoliquórica;
CONCEITOS I alveolar. portanto, um aumento da PaCO2 aumenta a PCO2 liquórica,
provocando acidificação do liquor. O pH liquórico influi diretamente na
atividade dos neurônios do centro bulbar. Já está provado que o mais
Como os alvéolos são as unidades de troca gasosa do potente regulador direto da ventilação pulmonar é o pH liquórico: se ele se
pulmão, é a ventilação alveolar que importa para a fisiologia reduzir (acidificação), mesmo que discretamente, teremos um forte
respiratória. A eliminação do CO2 depende exclusivamente da estímulo hiperventilatório; se ele se elevar (alcalinização), teremos um
ventilação alveolar, portanto, a PaCO 2 é o verdadeiro potente estímulo hipoventilatório. O pH sanguíneo influi sobre
quimiorreceptores presentes na bifurcação carotídea e no arco aórtico,
“termômetro” ventilatório. A captação de O2 não depende
contudo, tem influência muito menor em condições fisiológicas,
exclusivamente da ventilação (ver adiante). Logo, não
comparado ao pH liquórico. Na acidose metabólica, entretanto, é o pH
podemos utilizar a PaO2 para determinar a ventilação
sanguíneo baixo que mantém a resposta hiperventilatória, já que o pH
alveolar...
liquórico acaba se alcalinizando, acompanhando a queda da PaCO2.
Em pacientes retentores crônicos de CO2 (ex.: DPOC avançado), o A pressão transtorácica inspiratória possui dois componentes: (1)
controle do centro bulbar torna-se hipossensível ao CO2. Esses pacientes pressão de distensão (pressão necessária para distender os pulmões e a
mantêm uma ventilação pulmonar normal ou reduzida, apesar de caixa torácica); e (2) pressão de resistência (pressão necessária para
conviverem com altos níveis de CO2 no sangue. O pH liquórico desses vencer a resistência das vias aéreas). Durante a ventilação mecânica
pacientes acaba ficando próximo ao normal, devido à manutenção de controlada, há uma nítida demarcação entre estes dois componentes na
um pH sanguíneo normal ou quase normal, pela retenção renal crônica curva de pressão do ciclo respiratório (FIGURA 3). Esta curva é inscrita
de bicarbonato. Neste caso, como o processo é insidioso, há muito mais com base na pressão continuamente medida dentro do circuito do
respirador. A pressão apontada pela curva equivale à pressão
tempo para que o H+ sanguíneo se equilibre com o pH liquórico...
transtorácica (ou transalveolar).

A PaO2 também contribui para a regulação da ventilação pulmonar,


agindo diretamente nos quimiorreceptores da bifurcação carotídea
(corpúsculos carotídeos) e do arco aórtico. A redução da PaO2 (hipo-
xemia) estimula esses quimiorreceptores, provocando o aumento da
ventilação pulmonar. Porém, este estímulo é muito inferior ao estímulo
do aumento da PaCO2. Portanto, quando a PaCO2 está normal ou
reduzida, a hipoxemia contribui de forma discreta para o estímulo
ventilatório, a não ser que haja hipoxemia acentuada (pO2 < 65
mmHg), quando o estímulo passa a ser intenso. A anemia muito grave
causa hiperventilação simplesmente por reduzir o aporte de O2 aos
quimiorreceptores acima descritos.
Fig. 3

Outros estímulos mal compreendidos à ventilação pulmonar são:


exercício físico, emoção, febre, adrenalina e dor. Daí a hiperventilação
associada a tais fatores. O controle voluntário da ventilação está A pressão de pico (ou pressão de admissão) é a pressão transtorácica
localizado no córtex motor. inspiratória total (∆P): o somatório da pressão de distensão com a
pressão de resistência, situando-se em torno de15 cmH2O. A pressão de

COMPLACÊNCIA PULMONAR E RESISTÊNCIA platô é a pressão de distensão (descontaminada do componente de


resistência), sendo geralmente 5 cmH2O abaixo da pressão de pico, em
DAS VIAS AÉREAS
torno de 10 cmH2O. A pressão de platô pode ser informada pelo
aparelho ou aferida no momento em que ocluímos a saída expiratória
Para encher os pulmões, o ar atmosférico precisa ser movido por um
logo após o término da inspiração. Estes valores só valem para a
gradiente de pressão produzido durante a inspiração, representado pela
ventilação mecânica... Durante a ventilação espontânea, a curva de
diferença Patm – Palv, sendo Patm = pressão atmosférica e Palv =
pressão não possui um platô demarcado, pois o componente de
pressão alveolar. Este gradiente é denominado pressão transtorácica
resistência é quase desprezível nesta situação (a não ser em pacientes
(∆P), ou ainda, pressão transalveolar. Quanto maior o ∆P, maior será o
com doença obstrutiva das vias aéreas).
volume corrente do paciente. Durante a ventilação espontânea, no final
da expiração, a pressão alveolar iguala-se à pressão atmosférica (∆P =
zero). Na inspiração, a queda da pressão intrapleural reduz Resistência das vias aéreas: expressa a dificuldade da passagem do ar
proporcionalmente a pressão alveolar, produzindo uma pressão através da árvore respiratória. O Fluxo de ar (F) na via aérea é movido
transtorácica positiva (pressão transtorácica inspiratória), responsável pelo gradiente de Pressão transtorácico (∆P), sendo, no entanto,
pela entrada de ar nos pulmões. dificultado pela Resistência (R) que esta via impõe ao fluxo. Este
conceito é representado na fórmula:F = ∆P/R. A resistência nas vias
aéreas é inversamente proporcional à quarta potência do raio (tal como
É importante já irmos nos familiarizando com a ventilação mecânica
acontece com a resistência vascular).Significa dizer que pequenas
(ventilação artificial) que, atualmente, é praticamente sinônimo de
reduções do lúmen das vias aéreas levam a grandes aumentos da
ventilação com pressão positiva. Agora tudo se inverte: o que
resistência. Por exemplo: se o lúmen é reduzido em apenas 25%, a
movimenta o ar para dentro dos pulmões não é mais a pressão negativa
resistência pode triplicar! O tônus do músculo liso, presente na parede
intrapleural (ou intratorácica), como na ventilação espontânea: o
dos brônquios e, principalmente, dos bronquíolos, é o principal
aparelho de ventilação artificial (respirador) fornece ar com pressão
determinante da resistência: uma broncoconstrição (broncoespasmo),
positiva (supra-atmosférica) para as vias aéreas do paciente. Neste caso,
ao reduzir o lúmen bronquial e bronquiolar, aumenta a resistência das
a pressão transtorácica inspiratória (∆P) costuma ser maior do que na
vias aéreas de forma significativa. Outros exemplos são: secreção em
ventilação espontânea. A pressão intrapleural (e intratorácica) torna-se
vias aéreas, congestão da parede brônquica, tubo orotraqueal de
positiva durante a inspiração e volta a ser negativa no final da
diâmetro pequeno, etc.
expiração.
Complacência pulmonar: mede o grau de distensibilidade dos pulmões e O processo de captação de O2 é bem diferente... Em condições normais,
caixa torácica. Um pulmão complacente é um pulmão de grande a difusão deste gás do ar alveolar para o capilar sanguíneo é bastante
elasticidade ou distensibilidade, que facilmente se enche de ar, mesmo eficiente. Agora vem a diferença básica: ao contrário do CO2, o
com um pequeno ∆P. A Complacência Pulmonar (CP) é a medida do oxigênio precisa da hemoglobina para ser carreado aos tecidos, pois a
Volume corrente (∆V) em relação ao gradiente de pressão que move o ar sua concentração livre no sangue é desprezível. Para manter um
para dentro dos pulmões (Pressão transtorácica, ou ∆P). Ou seja:CP = conteúdo arterial adequado de O2, a hemoglobina deve ter uma
∆V/∆P. Na ventilação espontânea, vimos que a Pressão transtorácica saturação de pelo menos 90% (SaO2), valor este correspondente a uma
(∆P) necessária para movimentar 500 ml de Volume corrente (∆V) é
PaO2 de 60 mmHg. Observe a FIGURA 4, que representa a curva de
pequena, em torno de 3 cmH2O. Portanto, a complacência do complexo
saturação da hemoglobina. Quando a PaO2 começa a subir além desse
pulmão-caixa torácica será 500/3, ou seja, superior a 100 ml/cmH2O. Se
valor, o conteúdo arterial de O2 sofre um pequeno aumento, pois a
considerarmos somente a complacência dos pulmões (sem a
saturação só pode subir mais 10%, no máximo. Se, no entanto, a PaO2
interferência da caixa torácica), esta será ainda mais alta, acima de 200
cair abaixo de 60 mmHg, a saturação da hemoglobina (e o conteúdo
ml/cmH2 O.
arterial de O2) cairá vertiginosamente!!! Este é o princípio que rege a
troca pulmonar de oxigênio.
O cálculo da complacência é muito utilizado em pacientes submetidos à
ventilação mecânica. O ∆V é o próprio volume corrente, enquanto o ∆P
é a pressão de platô, considerando uma pressão expiratória de zero. A
pressão de platô representa a pressão de distensão pulmonar
(descontaminada do componente de resistência). Por isso, chamamos
esta complacência de Complacência Estática (CE). Quando a pressão
no final da expiração é positiva, o ∆P é a diferença entre a pressão de
platô e a PEEP (pressão positiva expiratória final). Veja o cálculo:

CE = Volume Corrente (ml)


Pressão de platô – PEEP
O valor normal está entre 80-100 ml/cmH2O

Quando utilizamos a pressão de pico no lugar da pressão de platô,


teremos a Complacência Dinâmica (CD). Veja a fórmula:
Fig. 4

CD = Volume Corrente (ml))


Pressão de pico – PEEP
O valor normal está entre 50-80 ml/cmH2O Existem algumas situações em que a curva de saturação se “desvia”,
tanto para a direita quanto para esquerda. Certamente você se lembra
Fica claro que a complacência estática reflete apenas as propriedades de desses conceitos aprendidos no início da faculdade... Em situações de
distensibilidade dos pulmões e caixa torácica, enquanto a complacência estresse, a hemácia perde afinidade pelo oxigênio, para que esse seja
dinâmica depende também da resistência das vias aéreas. Se as duas liberado mais facilmente aos tecidos. Logo, se perde afinidade, é preciso
complacências estiverem reduzidas, o problema está na distensibilidade uma PaO2 maior para aumentar a saturação da hemoglobina. Tal
dos pulmões ou da caixa torácica (“pulmão duro”), mas se a fenômeno ocorre na acidose, na hipercapnia, na hipertermia e no
complacência estática estiver normal e apenas a complacência dinâmica aumento do 2,3-DPG. O inverso também é verdadeiro. Observe as
estiver reduzida, o problema é um aumento da resistência nas vias curvas na FIGURA 4.
aéreas – neste caso a pressão de pico está excessivamente maior que a
pressão de platô (uma diferença superior a 5-10 cmH2O).
Vejamos o que acontece no indivíduo hígido... O sangue “venoso” da
artéria pulmonar chega aos capilares pulmonares com saturação de
TROCA GASOSA hemoglobina em torno de 75% (SvO2), correspondendo a uma PvO2 em
torno de 40 mmHg. Se a troca gasosa estiver preservada, este sangue
alcançará as veias pulmonares com SaO2 em torno de 98% e PaO2 em
A troca gasosa é realizada entre o sangue dos capilares alveolares e o ar
torno de 97 mmHg, ou seja, um sangue “arterial”.
dos alvéolos. Os capilares trazem o CO2 proveniente do metabolismo
tecidual, enquanto os alvéolos trazem o O2 originário do ar
atmosférico. Há uma grande diferença fisiológica na troca desses gases!
O CO2 é um gás bastante difusível pela membrana alvéolo-capilar,
sendo carreado no sangue de forma livre. A ventilação alveolar é o
principal determinante da eliminação de CO2. Hiperventilação sempre
gera hipocapnia (baixa PaCO2), enquanto a hipoventilação sempre
causa hipercapnia (alta PaCO2).
Para compreender os distúrbios da troca gasosa, imaginemos um Acabamos de descrever o mecanismo mais comum de hipoxemia – o
paciente com hiperventilação alveolar... A primeira conclusão é que, distúrbio V/Q. Diversas condições cursam com este distúrbio, sempre
certamente, ele terá hipocapnia (alcalose respiratória), pois a eliminação decorrente da má distribuição da ventilação pelos alvéolos pulmonares.
de CO2 está inevitavelmente elevada. Mas será possível este mesmo É o caso da crise asmática, da DPOC, da pneumonia grave e da
indivíduo encontrar-se gravemente hipoxêmico? A resposta é SIM! A atelectasia. Algumas pneumopatias ainda mais graves podem
causa mais comum de hipoxemia não tem a ver com a ventilação “encharcar” os alvéolos de líquido (como na SDRA); neste caso, a
alveolar total, mas sim com a distribuição desta ventilação pelas ventilação destes alvéolos será nula, apesar de seus capilares
diversas unidades alveolares. Para uma oxigenação ideal, cada um dos continuarem a receber sangue. O sangue passa por estas unidades sem
480 milhões de alvéolos deve ter uma ventilação (V) equivalente à sua receber nenhum oxigênio, um fenômeno denominadoshunt arteriovenoso
perfusão capilar (Q). Se a ventilação alveolar for mal distribuída, um pulmonar. Quanto maior for oshunt, mais hipoxêmico ficará o paciente...
grupo de alvéolos recebe menos ar, apesar de continuar contando com
uma perfusão capilar adequada... Com uma precária ventilação, o
sangue capilar destes alvéolos capta pouco O2 e chega às veias QUADRO DE Troca gasosa
pulmonares com baixa saturação de hemoglobina e baixo conteúdo de CONCEITOS II pulmonar.
O2. Este sangue se mistura com o sangue proveniente do restante dos
alvéolos, que estão hiperventilados. O problema é que os alvéolos
hiperventilados aumentam muito pouco o conteúdo de O2 de seus
Conclusão final: Enquanto a PaCO2 depende diretamente da
capilares, pois a saturação da hemoglobina só pode aumentar um
ventilação alveolar total (hiperventilação – hipocapnia;
pequeno percentual (de 98% para 100%, por exemplo). O resultado final
hipoventilação – hipercapnia), a PaO2 depende muito mais da
é uma mistura de sangue pobre em O2 (proveniente dos alvéolos mal
distribuição da ventilação pelos alvéolos, ou seja, da relação
ventilados) com um sangue normalmente oxigenado (proveniente dos
entre ventilação e perfusão alveolar. Por isso, veremos na
alvéolos hiperventilados). Este paciente, portanto, ficará hipoxêmico
prática médica pacientes hipoxêmicos em estado de
(baixa SaO2 e baixa PaO2). Quanto maior a quantidade de alvéolos mal
hipoventilação, normoventilação ou hiperventilação...
ventilados, mais grave será a hipoxemia, mesmo que a ventilação
alveolar total esteja elevada!!

2
Cap. ASMA

Este capítulo está dividido em quatro partes: (1) conceitos gerais; (2)
manejo de pacientes adultos, adolescentes e crianças com idade entre 6-11
anos; (3) manejo de crianças com idade < 6 anos; e (4) farmacologia das
drogas antiasmáticas. Faremos aqui uma compilação da literatura mais
recente sobre o tema, utilizando como referências os principais tratados de
medicina interna e guidelines internacionais.

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PARTE 1: CONCEITOS GERAIS

INTRODUÇÃO

Até o momento, a causa da asma é desconhecida. Não obstante, as


alterações histológicas e fisiológicas estereotipadas que a caracterizam já
foram bem descritas, assim como o conjunto de sinais e sintomas delas
decorrente, o que permite estabelecer seu diagnóstico sindrômico com
relativa facilidade na maioria das vezes.

Na asma ocorrem episódios de obstrução REVERSÍVEL ao fluxo


expiratório, os quais variam sua frequência e intensidade de forma
espontânea ou em resposta ao tratamento, justificando manifestações
clínicas como dispneia, sibilos, tosse e sensação de “aperto no peito”.
Os pacientes podem ser completamente assintomáticos nos intervalos
entre as crises, ou podem apresentar sintomas residuais contínuos.
O conceito mais importante acerca dessa doença – e que revolucionou Apesar de poder se iniciar em qualquer idade (incluindo idosos), o pico
sua terapia – é o entendimento de que existe INFLAMAÇÃO de incidência se dá aos três anos de vida. Na infância, a asma é mais
CRÔNICA nas vias aéreas inferiores, mesmo quando o paciente se frequente em meninos, porém, em adultos, a prevalência acaba se
encontra assintomático! Trata-se de um tipo especial de inflamação que, igualando entre os sexos. É muito comum que a doença desapareça
por mecanismos ainda pouco compreendidos, gera hipersensibilidade a espontaneamente na adolescência, passando anos sem incomodar o
diferentes tipos de estímulo, os quais desencadeiam broncoespasmo. O indivíduo, para depois retornar na idade adulta, quando, em geral,
processo inflamatório se localiza na parede de toda a árvore persiste até o fim da vida.
traqueobrônquica, predominando nos brônquios de médio e pequeno
calibre, mas sem atingir os alvéolos, isto é, não afeta o parênquima
SAIBA MAIS...
pulmonar propriamente dito.
Nos anos 60, alguns estudos relacionaram o uso de agonistas
Nos pacientes que não recebem tratamento adequado, a persistência beta-2 adrenérgicos de curta ação (terapia de alívio das crises) a
desse processo inflamatório crônico e da resposta regenerativa que o uma maior mortalidade por asma. No entanto, parece não se tratar
acompanha leva ao fenômeno de REMODELAMENTO de uma associação causal, quer dizer, não seria o uso dessa
BRÔNQUICO, que resulta em alterações estruturais irreversíveis medicação que mataria diretamente o paciente e sim a FALTA DO
(estreitamento luminal por fibrose, hipertrofia/hiperplasia da camada TRATAMENTO DE CONTROLE, que consiste no uso de
muscular e das glândulas submucosas, que passam a hipersecretar corticoide inalatório! Naquela época o conceito de "tratamento de
muco). Como consequência, nestes casos, se estabelece um componente controle" ainda não havia se consolidado... Pacientes que não
de obstrução FIXA ao fluxo aéreo, tal como na DPOC, e o prognóstico utilizam corticoide inalatório têm menos controle do processo
e a qualidade de vida dos pacientes pioram sobremaneira... inflamatório crônico nas vias aéreas inferiores, o que acarreta
maior frequência e gravidade das crises e, consequentemente,
maior necessidade de agonistas beta-2 adrenérgico de curta ação

QUADRO DE CONCEITOS I para alívio sintomático... Como estes últimos não evitam o
remodelamento brônquico, os pacientes evoluíam com perda
progressiva da função pulmonar, sendo esta a verdadeira causa da
maior mortalidade!!!
A asma é caracterizada por um tipo especial de inflamação
crônica nas vias aéreas inferiores, de etiologia desconhecida,
que predispõe a surtos de broncoespasmo reversível,
FENÓTIPOS ASMÁTICOS
acompanhados de manifestações clínicas estereotipadas
(dispneia, sibilos, tosse e aperto no peito). Na ausência de
tratamento adequado, pode ocorrer remodelamento Não sabemos ao certo o que causa a asma, mas as evidências indicam
brônquico, levando à perda irreversível da função pulmonar. que diferentes mecanismos etiopatogênicos podem ser operantes, ou
seja, trata-se de uma condição heterogênea.

Isso faz com que sejam descritos grupos de pacientes com características
demográficas, clínicas e patológicas peculiares, os chamados “fenótipos
EPIDEMIOLOGIA asmáticos”. Todavia, até o momento, não há muita utilidade prática em
se enquadrar o paciente numa dessas categorias... Os estudos
A asma é uma das doenças crônicas mais comuns, afetando 1-18% da disponíveis não permitem traçar condutas diferenciadas em função do
população em diferentes países. Estima-se que existam cerca de 300 fenótipo, sendo as estratégias diagnósticas e terapêuticas essencialmente
milhões de asmáticos no mundo, com algo em torno de 250 mil óbitos as mesmas para a maioria dos asmáticos. O tratamento guiado pelo
anuais pela doença. No Brasil, provavelmente mais de 20 milhões de fenótipo parece ter alguma utilidade somente nos portadores de “asma
pessoas têm asma. refratária”, conforme será visto adiante.

A prevalência da asma aumentou nos países ricos nas últimas três Os principais fenótipos asmáticos são descritos na Tabela 1.
décadas, mas agora parece ter se estabilizado (p. ex.: nos EUA, 15% das
crianças e 10-12% dos adultos têm asma). Nos países em
Tab. 1
desenvolvimento a prevalência tende a ser mais baixa, porém, vem
aumentando em proporção direta aos índices de urbanização. Principais Fenótipos Asmáticos

A prevalência de atopia (uma síndrome idiopática de predisposição às


doenças alérgicas) segue o mesmo padrão epidemiológico... De fato, a
maioria dos asmáticos é atópica, apresentando a cha-mada “asma
alérgica”. Os principais deflagradores de sintomas nesses pacientes são
aeroalérgenos oriundos dos ácaros encontrados na poeira domiciliar
(Dermatophagoides pteronyssinus), bem como pólens de plantas e pelos
de animais de estimação (cães e principalmente gatos). Às vezes, o
alérgeno é uma substância a qual o paciente é exposto apenas no
ambiente de trabalho (asma ocupacional).
É a forma predominante (> 80% Atopia Principal fator de risco, a atopia é
dos casos). Geralmente se inicia uma síndrome que torna o sistema
na infância em pacientes com imune propenso à síntese de
história pessoal ou familiar de imunoglobulinas da classe IgE após
atopia (eczema, rinite, alergia a exposição a certos tipos de antígeno
Asma alérgica ("extrín-
alimentos ou medicamentos). A (chamados de alérgenos). Em geral, os
seca")
via aérea é infiltrada por alérgenos são proteases não humanas.
eosinófilos (inflamação Tal processo é denominado
eosinofílica) e a resposta ao "sensibilização alérgica", e as IgE
corticoide inalatório costuma ser sintetizadas ficam ligadas à superfície
excelente. de mastócitos na mucosa da via aérea,
promovendo degranulação imediata
Tem início tardio (adultos, dessas células (com liberação de
principalmente mulheres) e não substâncias broncoconstritoras) caso o
está associada à atopia. A indivíduo entre em contato com o
infiltração da via aérea pode ser alérgeno novamente. Mais de 80% dos
Asma não alérgica por neutrófilos (inflamação asmáticos são atópicos, porém nem
("intrínseca") neutrofílica), eosinófilos ou todos os atópicos têm asma, o que
mesmo ter pouca celularidade significa que fatores adicionais são
(paucigranulocítica). A resposta necessários para o desenvolvimento de
ao corticoide inalatório tende a ser asma em portadores de atopia.
menor.
A concordância entre gêmeos e a
É a asma de qualquer tipo, com agregação familiar da doença
longa duração e tratamento corroboram a importância de fatores
Asma com obstrução
inadequado. A perda irreversível hereditários. Estes, no entanto, ainda
aérea fixa
da função pulmonar eleva o risco não foram elucidados, mas tudo indica
de complicações e óbito. que a predisposição à doença é
poligênica e que conjuntos diferentes
O aumento do IMC aumenta a de genes podem produzi-la. A maioria
prevalência de asma. A Genética dos genes já identificados se relaciona
Asma relacionada à
etiopatogênese é desconhecida, ao favorecimento da resposta imune
obesidade
mas a perda ponderal pode Th2, que é a mesma observada na
melhorar o quadro. atopia. O recente aumento na
prevalência de asma indica que apenas
a predisposição genética não basta: é
preciso uma complexa interação entre
FATORES DE RISCO fatores genéticos e ambientais para o
surgimento da doença!
Diversos fatores comprovadamente aumentam a chance de desenvolver
asma (Tabela 2). Outros, no entanto, apresentam associação causal Além de precipitarem as crises, os
controversa (Tabela 3). aeroalérgenos também podem
participar da gênese da doença,
principalmente em se tratando de
Tab. 2 Alérgenos
crianças com exposição precoce aos

Fatores de3Risco para Asma ácaros presentes na poeira de


residências acarpetadas, como é
comum em países do hemisfério norte.

Mais de 300 substâncias cuja


exposição geralmente se dá no
ambiente de trabalho já foram
Ocupação incriminadas pela "asma ocupacional",
que acontece de maneira independente
da presença de atopia e melhora com o
afastamento das atividades laborativas.
Há clara associação entre aumento do Dióxido de enxofre e nitrogênio, ozônio
IMC (> 30 kg/m2 ) e asma. Fatores e partículas de diesel – aeropoluentes
mecânicos podem estar envolvidos, comuns – sem dúvida são
Obesidade
assim como fatores metabólicos. A desencadeantes das crises de
exata etiopatogênese, entretanto, é broncoespasmo, porém, seu papel na
desconhecida. etiopatogênese da doença não está
Poluição claro. Existem evidências de que o
tabagismo materno seria fator de risco
Tab. 3 para asma na prole, mas é difícil
dissociar este possível efeito da maior
Possíveis Fatores de Risco para Asma frequência de infecções respiratórias
(CONTROVERSOS) que comprovadamente está associada
à exposição in utero ao cigarro.
A famosa hipótese da higiene propõe
que uma menor frequência de Idade materna muito jovem, baixo peso
infecções na infância favoreceria o viés ao nascer, prematuridade, não
natural do sistema imune de algumas realização do aleitamento materno e
pessoas à resposta Th2. A ocorrência uso de paracetamol (acetaminofeno) na
de infecções no início da vida (virais, Outros infância são fatores associados à asma
bacterianas e até parasitárias) estimula em alguns estudos, mas seus
a mudança para uma resposta respectivos papéis na gênese da
predominantemente Th1, que estaria doença não se encontram
associada a uma menor frequência de definitivamente confirmados.
alergias. Assim, a melhoria nas
condições de vida em países ricos seria
uma justificativa pa3a o aumento na
ocorrência de doenças alérgicas
FATORES DESENCADEANTES DAS CRISES
(menos infecções = menos resposta
Th1)... No entanto, existem Diversos fatores podem precipitar crises de broncoespasmo em
Infecções
contradições, por exemplo: como asmáticos, mas não em pessoas normais. Antigamente recomendava-se
explicar o aumento de doenças que o contato com tais fatores fosse evitado a todo custo, porém, hoje
mediadas pela resposta Th1 (como o sabemos que muitas vezes isso é impossível... Na realidade, a ocorrência
diabetes mellitus tipo 1) no mesmo de crises deve ser encarada como um sinal de mau controle da doença,
período e nas mesmas populações? indicando a necessidade de intensificar a terapia controladora! Pacientes
Seja como for, algumas associações cuja asma encontra-se bem controlada conseguem permanecer livres de
entre asma e agentes infecciosos foram sintomas mesmo quando em contato com desencadeantes... A Tabela 4
claramente estabelecidas: crianças que resume as principais etiologias das crises de broncoespasmo.
residem em locais úmidos e infestados
por fungos têm mais asma, e a
Tab. 4
mudança para casas mais salubres
melhora a asma desses indivíduos. Fatores Desencadeantes de Broncoespasmo em
Outras associações (ex.: vírus sincicial
Asmáticos
respiratório, Chlamydophila,
Mycoplasma), até o momento, não
possuem embasamento consistente...

Estudos observacionais sugeriram que


dietas deficientes em vitaminas C, D e
E, selênio, magnésio e ácidos graxos
ômega 3 (óleo de peixe), bem como
dietas ricas em sódio e gorduras
saturadas, seriam fatores de risco para
Dieta
asma. Todavia, ensaios clínicos com
suplementação dietética não mostraram
qualquer impacto na incidência da
doença. A associação causal entre
dieta e asma, portanto, segue
controversa.
A presença de certos organismos no Várias drogas podem desencadear
ambiente (de forma perene ou sazonal) broncoespasmo em asmáticos. As
faz com que alérgenos derivados deles principais são os betabloqueadores e
fiquem em suspensão no ar, podendo o AAS. Mesmo os betabloqueadores
ser inalados. Os principais exemplos seletivos para o receptor β1 e as
são ácaros, pólens, pelos de animais, preparações tópicas (ex.: colírio de
baratas e fungos. Substâncias químicas timolol) podem causar sintomas em
(ex.: perfumes, produtos de limpeza) alguns doentes! O mecanismo parece
também podem exercer o mesmo ser o desequilíbrio entre os sistemas
efeito. É interessante salientar que os adrenérgico (broncodilatador) e
Alérgenos pólens, pelo seu maior tamanho, colinérgico (broncoconstritor)... No caso
costumam induzir crises de rinite do AAS (e às vezes outros AINE) o
alérgica, e não de asma (pois são mecanismo é incerto, mas parece
"retidos" na mucosa da via aérea envolver um desvio na metabolização
superior). No entanto, durante as do ácido araquidônico que deixa de ser
Fármacos
tempestades de raios, os pólens podem transformado em prostaglandinas
ser pulverizados em diminutas devido ao bloqueio da ciclo-oxigenase
partículas que chegam até as vias tipo 1 (COX-1), sendo então
aéreas inferiores, causando crises aproveitado pelas lipo-oxigenases para
sazonais gravíssimas de asma a síntese de leucotrienos (há indícios
(thunderstorm asthma.) de que isso possa estar relacionado à
presença de mutações genéticas que
As células da mucosa respiratória dos tornam as lipo-oxigenases
asmáticos secretam menos interferon, o "hiperativas")... Os IECA, apesar de
que as torna mais suscetíveis às aumentarem os níveis de bradicinina
infecções virais. Nestes indivíduos, (substância broncoconstritora), não
diversos vírus que causam resfriado costumam desencadear crises de
comum, como Rhinovirus, Coronavirus asma. A tosse por IECA, inclusive, NÃO
e o próprio vírus do sincício respiratório é mais frequente em asmáticos do que
invadem não apenas o epitélio das vias em outros pacientes.
aéreas superiores, mas também das
Infecções virais
inferiores. Por mecanismos pouco A hiperventilação associada ao
compreendidos (provavelmente exercício, principalmente quando o
relacionados a uma exacerbação aguda clima está seco e frio, desidrata a
do processo inflamatório crônico), isso camada líquida na superfície da
desencadeia a resposta mucosa respiratória, aumentando sua
broncoconstritora. Acredita-se que as osmolaridade. A hipertonicidade
IVAS (Infeções de Vias Aéreas Exercícios resultante estimula a degranulação dos
Superiores) representem a principal Físicos mastócitos, especialmente aqueles que
etiologia de crise asmática. têm IgE ligada em sua superfície.
Excesso de riso e choro (que em
crianças pequenas “equivalem” a fazer
exercício), bem como mudanças
climáticas abruptas, também podem
produzir o mesmo efeito.

Alguns aditivos presentes nos


alimentos industrializados podem
desencadear crises de asma, como o
metabissulfito (conservante), que libera
Dieta
dióxido de enxofre ao ser metabolizado
no estômago. Este gás acaba sendo
inalado pelo paciente, causando efeito
irritativo sobre a via aérea.
Como vimos, a principal alteração patológica da asma é a existência de
Dióxido de enxofre ou nitrogênio, um processo inflamatório crônico nas vias aéreas inferiores. Trata-se de
ozônio, material orgânico particulado: um tipo especial de inflamação, marcado pela infiltração mucosa
diversos aeropoluentes comuns nos principalmente por linfócitos Th2, eosinófilos e mastócitos. A
grandes centros urbanos são intensidade da infiltração celular NÃO possui correlação direta com a
Poluição
desencadeantes bem estabelecidos gravidade da doença, porém, tanto as alterações patológicas quanto os
das crises asmáticas. O mecanismo é o sinais e sintomas clínicos melhoram com o uso de corticoide inalatório.
efeito irritativo direto da mucosa
brônquica.
Apesar de seus exatos mecanismos ainda não terem sido totalmente
esclarecidos, sabe-se que esse tipo de processo inflamatório crônico se
Algumas mulheres fazem crises de
relaciona com a HIPER-REATIVIDADE BRÔNQUICA que
asma, geralmente graves, no período
caracteriza a asma.
pré-menstrual (asma catamenial), o que
parece estar relacionado à queda dos
níveis de progesterona, tanto que essas A inflamação se acompanha de uma resposta regenerativa que, quando

Hormônios crises podem melhorar com a reposição persistente, leva ao remodelamento brônquico. Observa-se deposição de

de altas doses de progesterona. colágeno na membrana basal do epitélio, porém isto é apenas um

Disfunção tireoidiana (tanto hipo quanto marcador de infiltração eosinofílica, já que é igualmente encontrado na

hipertireoidismo) também pode agravar bronquite eosinofílica não asmática (condição caracterizada por tosse

a asma, mas o mecanismo é crônica na ausência de broncoespasmo). A mucosa apresenta áreas de

desconhecido. desnudamento epitelial devido ao descolamento celular (friabilidade),


com exposição de terminações nervosas que podem mediar reflexos
colinérgicos broncoconstritores. Existe neoangio-gênese e vasodilatação
A DRGE é mais frequente em
na parede brônquica, com aumento da permeabilidade capilar e
asmáticos, já que as drogas
eritema/edema local. Há também hipertrofia e hiperplasia das células
broncodilatadoras relaxam o esfíncter
caliciformes (secretoras de mucoproteínas), das glândulas submucosas e
esofagiano inferior aumentando os
da camada muscular lisa. Este conjunto de modificações anatômicas
episódios de refluxo. No entanto, esses
DRGE contribui para o estreitamento progressivo e irreversível da via aérea nos
episódios não costumam ter relação
pacientes que não recebem tratamento anti-inflamatório adequado.
direta com os sintomas da asma, e
mesmo o tratamento agressivo da
DRGE (ex.: cirurgia) por si só não Na asma fatal, tais alterações afetam de forma proeminente as vias
melhora o controle da asma. aéreas mais periféricas, sendo comum o encontro de plugs mucosos
ocluindo completamente os bronquíolos terminais, o que impossibilita a
Fatores emocionais se relacionam com ventilação alveolar (morte por asfixia).
as crises em alguns pacientes. O
contrário, no entanto, eventualmente é SAIBA MAIS...
Estresse
observado: grandes estresses, como o
luto, podem transitoriamente melhorar O que significa resposta Th1 e Th2? Os linfócitos T CD4+ (T helper
os sintomas asmáticos. ou Th ) são os "maestros" da imunidade, coordenando a resposta
imune adaptativa contra qualquer elemento estranho que invada o
organismo ("antígeno"). Isso é feito através da secreção de
ATENÇÃO: betabloqueadores, AAS e AINE não têm contraindicação citocinas, que atraem e estimulam outras células de defesa, como
absoluta em TODOS os asmáticos! Deve-se avaliar cada caso macrófagos, granulócitos, linfócitos B, etc...
individualmente... Pacientes com história de piora dos sintomas após o
uso dessas medicações sem dúvida devem evitá-las, porém, muitos
Dependendo do CONJUNTO de citocinas secretadas, definem-se
asmáticos conseguem tomar essas drogas sem problemas. No paciente
FENÓTIPOS diferentes de linfócitos Th! Assim, linfócitos Th1 são
nunca antes exposto a tais medicamentos recomenda-se prudência e
aqueles que secretam IL-1, IL-6 e TNF-alfa, estimulando a
bom senso clínico...
produção de IgM e IgG, além de atraírem e ativarem neutrófilos e
macrófagos visando a eliminação completa do antígeno e a
Por exemplo: você não vai iniciar betabloqueador num asmático “não criação de uma memória imunológica protetora. A resposta Th1 se
controlado” e com múltiplos “fatores de risco futuro” (ver adiante). Por traduz clinicamente nas reações inflamatórias agudas habituais.
outro lado, num paciente assintomático do ponto de vista respiratório,
com a asma bem controlada na vigência de tratamento e boa função
pulmonar, podemos “pagar pra ver” caso a indicação da droga seja
consistente (ex.: atenolol para tratamento da doença coronariana;
colírio de timolol para tratamento do glaucoma)...

PATOLOGIA
Já os linfócitos Th2 secretam IL-4, IL-5 e IL-13. A IL-5 recruta e Raramente a crise asmática causa insuficiência respiratória aguda! A
ativa eosinófilos, enquanto IL-4 e IL-13 estimulam a produção de gasometria arterial do paciente costuma mostrar apenas
IgE pelos linfócitos B (que após secretada se liga à superfície de HIPOCAPNIA, isto é, queda da pCO2, devido à hiperventilação
mastócitos e basófilos, tornando estas células hipersensíveis ao alveolar (alcalose respiratória aguda). Esta alteração é naturalmente
antígeno em questão). A resposta Th2 se traduz clinicamente nas esperada em qualquer paciente taquipneico...
síndromes alérgicas, e sua persistência resulta em doenças
crônicas caracterizadas por reações de hipersensibilidade, como a Por outro lado, se houver normo ou mesmo hipercapnia (pCO2 normal
asma. O sistema imune "virgem", como o das crianças pequenas, ou aumentada, respectivamente), temos um importante sinal ominoso,
possui uma tendência natural à resposta Th2. No entanto, seu indicando que o paciente está entrando num processo de fadiga
amadurecimento desfaz esse "viés", fazendo predominar a progressiva da musculatura respiratória, devendo ser intubado e
resposta Th1. Nas doenças alérgicas (atopia), devido a interações colocado em prótese ventilatória. A fadiga tende a aparecer de forma
entre fatores genéticos e ambientais, esse amadurecimento não mais precoce nas crianças asmáticas com menos de dois anos de idade...
acontece de forma plena...

Nas crises muito graves, especialmente aquelas que afetam as pequenas


Recentemente foi descrita a existência de células T imaturas vias aéreas periféricas e comprometem a ventilação alveolar, ocorre
(chamadas de ILC2) que têm como característica o fato de não HIPOXEMIA. O mecanismo é o desequilíbrio entre ventilação e
expressarem o receptor de células T (TCR) e secretarem citocinas perfusão (distúrbio V/Q), isto é, o parênquima pulmonar (alvéolos) não
de padrão Th2 em resposta a mediadores localmente produzidos recebe ventilação, mas continua sendo perfundido. Assim, o sangue
pelas células do epitélio respiratório (IL-25 e IL-33). As ILC2 são passa pela circulação pulmonar sem ser adequadamente oxigenado,
encontradas na mucosa respiratória dos portadores de asma gerando queda da pO2 e da SpO2.
"intrínseca" (não alérgica)! Tais pacientes, ao contrário daqueles
que têm asma alérgica, não demonstram hipersensibilidade
SISTÊMICA (ex.: testes cutâneos negativos, ausência de IgE PARTE 2: MANEJO DE ADULTOS,
específica no sangue), apenas hipersensibilidade LOCAL na via ADOLESCENTES E CRIANÇAS COM IDADE
aérea, justificando a hiper-reatividade brônquica. Histologicamente, ENTRE 6-11 ANOS
a biópsia brônquica nestes casos pode ser indistinguível do padrão
observado na asma alérgica...
VIDEO_02_Mozart_PNE1

FISIOPATOLOGIA DIAGNÓSTICO

Como vimos, a principal alteração fisiopatoló-gica da asma é a A confirmação do diagnóstico de asma em pacientes com idade ≥ 6
obstrução variável e reversível ao fluxo aéreo, que ocorre de forma anos envolve o reconhecimento clínico de um padrão sintomático com-
predominante na fase EXPIRATÓRIA da respiração. Isso acontece patível com a doença ASSOCIADO à demonstração objetiva de
principalmente devido ao broncoespasmo (contração da musculatura lisa obstrução variável e reversível ao fluxo expiratório. Observe a Tabela 5.
brônquica), mas também em consequência ao edema da mucosa e à
hipersecreção de muco no lúmen da via aérea.
Tab. 5

O parâmetro espirométrico mais afetado é o Volume Expiratório Sugerem Asma... Não Sugerem Asma...
Forçado no 1º segundo (VEF1), que diminui subitamente. A relação
VEF1/CVF (índice de Tiffeneau) se reduz, atingindo a faixa dos ● Mais de um tipo de ● Tosse isolada (exceto em
distúrbios obstrutivos da ventilação (< 0,75-0,80 em adultos ou < 0,90 queixa respiratória crianças).
em crianças). O Pico de Fluxo Expiratório (PFE), que pode ser medido concomitante (dispneia,
● Expectoração mucoide
com aparelhos portáteis (“fluxômetros”), também diminui, sendo, sibilos, tosse, sensação
crônica.
entretanto, um parâmetro menos fidedigno do que o VEF1 medido por de aperto no peito).
espirometria convencional. A resistência das vias aéreas aumenta, e ● Dispneia associada a
● Piora dos sintomas à
pode ocorrer hiperinsuflação pulmonar (aprisionamento aéreo), com parestesias ou lipotimia.
noite ou no início da
aumento do volume residual pulmonar. A pletismografia evidencia estas
manhã. ● Dor torácica anginosa.
últimas alterações.
● Variabilidade na ● Dispneia esforço-induzida
frequência e intensidade associada a estridor
Na asma grave, um aprisionamento aéreo muito intenso, com dos sintomas. inspiratório.
aumento desproporcional do volume residual, pode reduzir a
● Início ou piora dos
Capacidade Vital Forçada (CVF), fazendo a relação VEF1/CVF
sintomas após contato
ficar artificialmente "normalizada". Nesta curiosa situação, como
com desencadeantes
tanto o VEF1 quanto a CVF serão baixos, pode-se ter a falsa
típicos (ex.: IVAS,
impressão de um distúrbio restritivo da ventilação... Clinicamente,
alérgenos).
no entanto, em tais casos não costuma haver dúvida quanto ao
diagnóstico de asma, pois a história é geralmente típica...
Obs.: (1) A explicação para a piora dos sintomas durante a noite/início Faz-se isso diariamente, e em seguida realiza-se uma média ponderada
da manhã é a variação fisiológica circadiana do tônus broncomotor, com
predomínio do sistema colinérgico (broncoconstritor) durante o sono; (2) de todos os valores obtidos ao longo de 1-2 semanas. Recomenda-se que
Em crianças pode ocorrer a chamada “asma oculta”, manifestada o mesmo fluxômetro portátil seja utilizado, haja vista que aparelhos
clinicamente apenas por tosse mas com demonstração objetiva de
limitação reversível ao fluxo aéreo. diferentes podem fornecer valores significativamente discrepantes
(diferenças de até 20% no PFE).
A quantificação da obstrução reversível ao fluxo aéreo REQUER a
realização de exames complementares. Os principais métodos utilizados
e seus respectivos critérios diagnósticos encontram-se descritos na Quanto maior a variação do VEF1 ou do PFE, maior a
Tabela 6. confiabilidade do diagnóstico de asma! Por exemplo: no adulto,
um “ganho” de VEF1 após a prova broncodilatadora > 15% ou >
400 ml em relação ao basal torna o diagnóstico de asma
Tab. 6 essencialmente inquestionável.

Principais Critérios Confirmatórios de Asma


A espirometria é o método de escolha para diagnóstico, devendo ser
Relação VEF1/CVF < 0,75-0,80 em adultos ou < 0,90 em realizada sempre que possível. Contudo, dado seu maior custo e menor
crianças e... disponibilidade, a OMS recomenda que sistemas de saúde com poucos
recursos financeiros priorizem o uso de fluxômetros portáteis para
Prova broncodila- Adultos: aumento do VEF1 > 12% diagnóstico e acompanhamento da asma. Este aparelho, inclusive, está
tadora (BD) e > 200 ml em relação ao basal. incluído no chamado “Pacote de Intervenções Essenciais em Doenças
Não Comunicáveis”. A pletismografia e outros exames não costumam
Crianças: aumento do VEF1 >
ser necessários.
12% do previsto.

Variação diária média Adultos: variação diária média do


Durante infecções virais e exacerbações graves, a reversibilidade
do PFE PFE > 10%.
do broncoespasmo pode ser temporariamente perdida, dando
Crianças: variação diária média resultados "falso-negativos" nos testes respiratórios para asma...
do PFE > 13%. Nesta situação, se a suspeita clínica de asma for razoável, pode-
se instituir o tratamento da crise com glicocorticoide sistêmico e
Teste de provocação Queda do VEF1 ≥ 20% do basal demais medidas cabíveis (ver adiante) repetindo-se os testes
brônquica após inalação de metacolina ou respiratórios após 1-2 semanas. Se for mesmo asma, a prova
histamina ou queda do VEF1 ≥ broncodilatadora voltará a ser positiva, e o diagnóstico poderá ser
15% do basal após protocolos definitivamente confirmado!
padronizados de hiperventilação,
nebulização com salina
- É PRECISO FAZER TESTES PARA ALERGIA?
hipertônica ou manitol.

Não obrigatoriamente... Os testes cutâneos (prick tests) e a dosagem


Os dois primeiros métodos idealmente devem ser realizados no início da plasmática de IgE total e IgE's específicas para alérgenos comuns são
manhã, e podem ser repetidos na vigência de sintomas. Já a sensíveis e específicos para o diagnóstico de alergia, no entanto, não
broncoprovocação é reservada aos pacientes que se en-contram confirmam, isoladamente, o diagnóstico de asma. Conforme acabamos
momentaneamente assintomáticos e com espirometria normal, mas têm de explicar, este é feito através do reconhecimento de sintomas
forte suspeita diagnóstica em função de uma história clínica sugestiva... respiratórios típicos aliado à demonstração de obstrução reversível ao
Vale ressaltar que este último teste só costuma ser realizado em adultos. fluxo expiratório. Ademais, a asma pode ser “não alérgica”...

Na prova broncodilatadora, ministra-se um agonista beta-2 adrenérgico Não obstante, a comprovação de que o paciente é alérgico à
inalatório de curta ação (ex.: salbutamol), medindo-se o VEF1 10-15 determinada substância pode vir a ser útil: uma anamnese cuidadosa
minutos depois. Se o paciente já estiver em uso de agonistas beta-2 ajuda a estabelecer um vínculo entre exposição ao alérgeno e ocorrência
adrenérgicos deve-se suspender a medicação pelo menos 4h antes (no de sintomas respiratórios. Nos casos positivos, sempre que viável, uma
caso dos agentes de curta ação) ou 12h antes (no caso dos agentes de estratégia de evitação do alérgeno deve ser recomendada! A decisão de
longa ação). pedir ou não exames para alergia, por conseguinte, deve se basear na
suspeita clínica individual.
Para cálculo da variação diária média do PFE deve-se medir o PFE duas
vezes ao dia (manhã e noite), aplicando a seguinte fórmula: - É PRECISO FAZER EXAMES DE IMAGEM?

[PFEmáximo - PFEmínimo]/média dos dois valores x 100.


Métodos radiográficos, como raio X e TC de tórax, costumam ser Portadores de DPOC podem apresentar um componente significativo de
normais na asma, e também não são capazes de confirmar o diagnóstico reversibilidade sobreposto à obstrução brônquica fixa (irreversível) de
da doença. No entanto, podemos solicitá-los caso se suspeite de base. Tais indivíduos são considerados portadores de ambas as doenças,
complicações como pneumotórax, pneumonia ou infiltrados se beneficiando do uso de corticoide inalatório em função do
eosinofílicos nos portadores de aspergilose broncopulmonar alérgica. componente asmático.
Nas crises de broncoespasmo grave pode haver hiperinsuflação
pulmonar (retificação das cúpulas diafragmáticas, aumento dos espaços
intercostais). A TC de alta resolução pode mostrar bronquiectasias e
ASMA OCUPACIONAL
espessamento da parede brônquica, mas tais achados são inespecíficos.
Por estar relacionada ao trabalho, em geral acomete adultos. Estima-se
- ÓXIDO NÍTRICO EXALADO que 5-20% das asmas que se iniciam na vida adulta sejam
“ocupacionais”, isto é, a via aérea do paciente se tornou hipersensível a
algum agente inalado durante as atividades laborativas. É muito comum
A medida da fração de óxido nítrico no ar exalado (FENO) possui
que a asma ocupacional seja precedida em meses por um quadro de
correlação direta com a presença de eosinófilos no trato respiratório, e
rinite alérgica ocupacional que, portanto, deve servir como sinal de
vem sendo estudada como um possível parâmetro não invasivo para
alerta. O relato de melhora dos sintomas durante as férias e feriados é o
medir o grau de inflamação asmática em alguns pacientes. Valores
dado crucial para pensarmos nesta hipótese diagnóstica... Alguns
acima de 50 partes por bilhão são sugestivos de intensa infiltração
pacientes, por outro lado, já eram previamente asmáticos, apresentando
eosinofílica e preveem boa resposta ao corticoide inalatório...
apenas uma piora sintomática relacionada ao trabalho.

No entanto, nem todos os asmáticos apresentam aumento da FENO


Seja como for, o diagnóstico precoce é importantíssimo: a mudança de
(ex.: fenótipos asmáticos com inflamação neutrofílica ou
atividade nos primeiros seis meses permite a reversão completa do
paucigranulocíticadas vias aéreas; tabagistas; infecções virais agudas),
quadro! Pacientes que se mantêm no mesmo trabalho por mais de seis
assim como nem todo aumento da FENO significa que o indivíduo tem
meses, em geral, desenvolvem remodelamento brônquico, adquirindo
asma (ex.: bronquite eosinofílica, rinite alérgica grave). Até o momento,
sequelas irreversíveis. Diante da suspeita de asma ocupacional,
a dosagem da FENO não é endossada como método de diagnóstico ou
recomenda-se o pronto encaminhamento para um especialista em
acompanhamento da resposta terapêutica em todos os asmáticos, mas
pneumologia.
pode ser indicada em casos selecionados.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Portadores de asma ocupacional são legalmente considerados


incapacitados para a prática de atividades profissionais que
tenham exposição inevitável ao agente causador do quadro.
Uma boa anamnese, seguida de exame físico minucioso, em geral,
permite o reconhecimento das principais condições que mimetizam a
asma.
AVALIAÇÃO DA ASMA
Nas obstruções de via aérea alta o paciente apresenta estridor, um sinal
semiológico mais audível na região cervical lateral e cujas características Dois domínios diferentes, porém inter-relacionados, devem SEMPRE
sonoras são mais intensas na fase inspiratória (no broncoespasmo os ser avaliados em todo portador de asma: (1) grau de controle dos
sibilos são difusos pelos campos pulmonares e predominantemente sintomas; (2) risco de eventos adversos futuros. A conduta terapêutica
expiratórios, acompanhados de aumento do tempo expiratório). Utilize inicial será traçada de acordo com esta avaliação, e a cada novo
o MEDCODE para ouvir o que é um sibilo. Sibilos localizados sugerem encontro com o paciente os dois domínios precisam ser
aspiração de corpo estranho ou tumor endobrônquico (em crianças e sistematicamente revistos, de modo que a estratégia em curso seja
idosos, respectivamente). A broncoscopia auxilia no diagnóstico de ajustada (manutenção, aumento ou diminuição na intensidade do
todas essas situações... Na insuficiência ventricular esquerda pode haver tratamento, dependendo da resposta obtida).
edema da mucosa brônquica como parte da congestão pulmonar,
gerando sibilos difusos (“asma cardíaca”). No entanto, nestes casos, Para avaliar o grau de controle dos sintomas, fazemos quatro perguntas
nota-se a presença de estertores crepitantes bibasais, achado que NÃO simples (Tabela 7).
faz parte do quadro de asma. Aumento de BNP, além de ECG e
ecocardiograma alterados, confirmam a origem cardiogênica dos VIDEO_03_Mozart_PNE1
sintomas.

PNE1_SIBILOS

MAS CUIDADO: todos os diagnósticos diferenciais da asma


podem COEXISTIR com a asma! Logo, a fim de afastar em
definitivo a presença desta doença, é preciso realizar testes de
função pulmonar, de pre-ferência espirometria com prova
broncodilatadora.
Vários instrumentos formais também permitem avaliar o grau de
controle da asma, muitos deles comercialmente patenteados e preferidos
● Parto prematuro, baixo peso ao nascer ou ganho excessivo

nos estudos científicos, por serem mais detalhados (p. ex.: escores de peso durante a infância.

numéricos como o Asthma Control Questionnaire (ACQ) e o Asthma ● Ausência de uso de CI.
Control Test (ACT), entre outros). No entanto, a maneira mais simples
e recomendada pelos guidelines é esta que acabamos de descrever na
● Exposições continuadas: tabagismo, alérgenos/agentes

Tabela 7, chamada de GINA Symptom Control Tool (GINA = Global irritantes (ex.: asma ocupacional).

Initiative for Asthma). ● VEF1 inicial muito reduzido.

● Hipersecreção crônica de muco.


Para avaliar o risco de eventos adversos futuros precisamos da
espirometria (quantificação do VEF1). Recomenda-se que, sempre que ● Eosinofilia (no sangue ou escarro).
possível, uma espirometria seja feita antes do início do tratamento (no
momento do diagnóstico), repetindo-a após 3-6 meses de tratamento de RISCO DE EFEITOS COLATERAIS DO TRATAMENTO
controle e periodicamente a partir daí... Essa periodicidade pode variar
de acordo com a necessidade clínica, porém, de um modo geral, todos ● Sistêmicos: uso frequente de corticoide oral/venoso; uso
os asmáticos devem repetir a espirometria no mínimo a cada 1-2 anos. prolongado de CI em dose alta; uso concomitante de
Outros exames, se disponíveis, também podem ajudar a avaliar riscos drogas que inibem o citocromo P450 (↓metabolização dos
futuros. Observe a Tabela 8. glicocorticoides).

● Locais: uso de CI em dose alta; uso incorreto do inalador.


Tab. 8
SABA = agonista beta-2 adrenérgico de curta ação; CI = Corticoide
Inalatório; BD = prova broncodilatadora.
Fatores de Risco Futuro
A classificação de GRAVIDADE da asma é feita de forma
RISCO DE EXACERBAÇÕES retrospectiva, quer dizer, ela só pode ser estabelecida após o paciente
estar com a doença sob controle utilizando a menor dose efetiva do
O principal fator de risco para exacerbações é estar com tratamento de manutenção... Veremos mais detalhes sobre o tratamento
a asma não controlada. Outros fatores, independentes do nos próximos parágrafos, porém, vamos nos adiantar um pouco aqui,
grau de controle (aumentam o risco mesmo no paciente com mostrando as atuais regras da classificação de gravidade da asma
sintomas controlados), são:
(Tabela 9).
● Uso excessivo de SABA (> 1 frasco por mês);

● Uso inadequado de CI: não prescrito, má adesão, uso Tab. 9


incorreto do inalador;
Classificação de Gravidade da Asma
● VEF1 < 60% do previsto;
Asma controlada com os passos 1
● Persistência de hiper-reatividade brônquica significativa Leve
ou 2 da escada terapêutica.
(aumento de VEF1 > 12% do basal e > 200 ml pós-BD);

● Problemas psicossociais ou socioeconômicos importantes; Asma controlada com o passo 3


Moderada
da escada terapêutica.
● Exposições continuadas: tabagismo, alérgenos/agentes
irritantes (ex.: asma ocupacional);
Asma controlada com os passos 4
● Comorbidades: obesidade, rinossinusite crônica, alergia ou 5 da escada terapêutica, ou
alimentar; Grave que continua sem controle a
despeito destes (“asma
● Eosinofilia persistente (no sangue ou escarro);
refratária”).
● FENO elevada;

● Gravidez; Como você pode perceber, existe uma diferença entre “grau de controle”
e “gravidade” da asma...
● Uma ou mais exacerbações graves nos últimos 12 meses;

● Intubação traqueal ou internação em CTI por causa da


asma a qualquer tempo.

RISCO DE DESENVOLVER OBSTRUÇÃO FIXA AO FLUXO


EXPIRATÓRIO
Por exemplo: imagine um paciente com sintomas diários muito ● Avalie a técnica de utilização do inalador (responsável por 80-90% dos
incômodos que ainda não iniciou o tratamento. Você prescreve um casos de mau controle da doença): peça para o paciente demonstrar
breve curso de corticoide oral, visando o rápido alívio sintomático, além na sua frente como ele utiliza as medicações inalatórias. Compare
de SABA conforme a necessidade, e começa corticoide inalatório em com o checklist fornecido na bula do medicamento e corrija qualquer
dose baixa associado a um agonista beta-2 adrenérgico de longa ação erro identificado. Repita este procedimento sempre que necessário;
para tratamento de manutenção (passo 3 da escada terapêutica – ver ● Avalie a adesão ao tratamento: pergunte ao paciente, de forma
adiante). Após algumas semanas o paciente encontra-se totalmente
empática e compreensiva (sem preconceitos ou julgamentos morais),
assintomático, ficando, portanto, com a asma controlada. Passados três
em quantos dias da semana ele usa a medicação. Pergunte se é mais
meses nesta situação você decide reduzir a intensidade do tratamento,
fácil esquecer o uso durante o dia ou à noite. Confirme que a
deixando apenas corticoide inalatório em baixa dose (passo 2). O
medicação fica guardada num lugar visível, a fim de evitar o
paciente continua assintomático ao longo dos próximos meses,
esquecimento. Questione o paciente quanto a crenças e expectativas
mantendo a asma sob controle. Neste momento, podemos dizer que sua
que ele tem em relação ao tratamento... Muitos não utilizam a
asma é na verdade leve, mesmo que no início parecesse se tratar de asma
medicação conforme prescrito simplesmente por terem medo de
moderada ou grave...
efeitos colaterais e/ou acharem que não precisam do remédio durante
os períodos intercríticos (quando na verdade o uso contínuo da
Outro exemplo: imagine uma criança de nove anos de idade com terapia de controle, além de reduzir as crises, em geral permite a
sintomas infrequentes, que leva uma vida essencialmente normal no redução de doses com o passar do tempo, diminuindo o risco de
período intercrítico, porém, quando as crises ocorrem elas demandam efeitos adversos);
internação hospitalar (pelo menos uma vez ao ano, geralmente no
● Considere explicações alternativas para os sintomas respiratórios:
outono/inverno). O padrão fenotípico da doença é cla-ramente de uma
doenças cardíacas, rinossinusite, ansiedade/depressão, apneia do
asma extrínseca relacionada a algum alérgeno sazonal. Após a alta da
sono, obesidade, falta de condicionamento físico, diagnóstico
última internação você inicia tratamento de manutenção com corticoide
incorreto de asma;
inalatório em dose média (opção de escolha no passo 3 para pacientes
com idade entre 6-11 anos), com prescrição de SABA conforme a ● Investigue exposição continuada a alérgenos ou irritantes: em casa ou
necessidade. Nada muda, isto é, crises graves periódicas continuam no trabalho. Não se esqueça de perguntar também se o paciente está
acontecendo... O paciente então é encaminhado ao pneumologista, que fazendo uso de alguma droga capaz de precipitar broncoespasmo
passa o CI para dose alta e associa omalizumabe (anticorpo monoclonal (ex.: betabloqueadores, AAS e outros AINE).
anti-IgE). Agora as crises se tornam raras e, mesmo quando acontecem,
nos anos subsequentes, apresentam pouca gravidade, conseguindo ser
manejadas no domicílio. Neste momento, podemos dizer que se trata de
TRATAMENTO CRÔNICO DA ASMA
asma grave, mesmo que o paciente tenha ficado assintomático a maior (TERAPIA DE CONTROLE)
parte do tempo...
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O tratamento crônico da asma possui dois objetivos principais: (1)


QUADRO DE CONCEITOS II
supressão dos sintomas, permitindo ao paciente levar uma vida o mais
normal possível; (2) diminuição dos riscos futuros, que incluem o risco de
exacerbações, o risco de desenvolver obstrução fixa ao fluxo aéreo
A gravidade da asma é definida pela INTENSIDADE do (perda irreversível de função pulmonar) e o risco de efeitos colaterais do
tratamento necessário para manter a doença sob controle. tratamento.

Em tal estratégia incluem-se medidas farmacológicas e não


farmacológicas. A base é o tratamento farmacológico... As drogas
Assim, antes de julgar a gravidade da asma, certifique-se de que todas as antiasmáticas se enquadram em três categorias: (1) terapia de controle;
medidas necessárias para um adequado controle da doença estão sendo (2) terapia de resgate; (3) terapias adicionais para portadores de asma
corretamente tomadas! Os principais pormenores que precisam ser grave e refratária.
verificados são:

Terapia de controle é aquela que deve ser utilizada diariamente, tendo


como efeito a redução da inflamação nas vias aéreas inferiores. Propicia
o controle dos sintomas e diminui riscos futuros (exacerbações e perda
de função pulmonar). A principal droga é o Corticoide Inalatório (CI).

Terapia de resgate deve constar na prescrição de todos os doentes, a fim


de combater eventuais sintomas que “escapem” ao tratamento de
controle. Constitui também a base terapêutica das exacerbações. O ideal
é que o paciente não precise da terapia de resgate em nenhuma
circunstância (isto é, que ele tenha um bom controle da doença). A
principal droga é o agonista beta-2 adrenérgico de curta ação (SABA)
inalatório.
Terapia adicional consiste de medicamentos especiais cuja prescrição Foi constatado que mesmo quando a asma é infrequente existe
está restrita aos casos em que os pacientes utilizam a terapia de controle inflamação contínua nas vias aéreas inferiores. A supressão dessa
em dose máxima e mesmo assim permanecem sintomáticos. É feita de inflamação diminui o risco de exacerbações. Em função disso, no ano de
forma individualizada, podendo levar em conta características 2019, uma mudança radical nas recomendações internacionais de
fenotípicas do paciente (ex.: asma alérgica refratária em paciente com tratamento da asma foi proposta: para pacientes com idade≥ 12 anos, a
idade ≥ 6 anos e aumento dos níveis séricos de IgE tem benefício com o terapia de controle estaria indicada já no passo 1 com a combinação de
uso de drogas anti-IgE, como o anticorpo monoclonal omalizumabe, CI + LABA em baixas doses (especificamente budesonida +
administrado pela via subcutânea). formoterol), ministrado conforme a necessidade, podendo-se utilizar a
mesma combinação como “resgate” preferencial (ficando o SABA como
resgate alternativo). Para pacientes com idade< 12 anos não existe
É interessante salientar que a maioria das drogas antiasmáticas, recomendação específica de terapia de controle no passo 1, mas pode-se
por serem ministradas pela via inalatória, possui elevado índice considerar o uso de CI (puro) em dose baixa.
terapêutico (quociente entre a dose tóxica e a dose terapêutica),
sendo, portanto, incomum a ocorrência de efeitos colaterais Outro ponto interessante: em portadores de asma e rinite alérgica
sistêmicos com as posologias habitualmente recomendadas. A comprovadamente sensíveis aos ácaros da poeira domiciliar (ex.: teste
via inalatória permite que se atinjam elevadas concentrações da cutâneo positivo ou elevados títulos séricos de IgE contra
droga diretamente em seu sítio de ação (a via aérea), o que Dermatophagoides pteronyssinus) pode-se lançar mão da imunoterapia
aumenta a eficácia terapêutica com baixa probabilidade de efeitos sublingual, desde que o VEF1 seja > 70% do previsto e o paciente
sistêmicos... continue tendo crises a despeito do uso de CI. Este tratamento é feito
com extratos padronizados de D. pteronyssinus ministrados pela via
sublingual em doses crescentes, a fim de induzir tolerância imunológica.
A estratégia atual obedece a uma ESCADA TERAPÊUTICA na qual a
A imunoterapia também pode ser feita pela via subcutânea, mas esta é
intensidade do tratamento de controle é ajustada em função da resposta
menos estudada e parece menos segura e eficaz do que a sublingual
clínica (observada após 2-3 meses de tratamento). A decisão de “subir”
(maior risco de anafilaxia).
ou “descer” os degraus dessa escada se baseia num ciclo contínuo de: (1)
avaliação da asma (grau de controle dos sintomas e riscos futuros); (2)
prescrição do tratamento no passo adequado; (3) reavaliação (resposta Todo portador de asma, independentemente do passo terapêutico em
clínica obtida). Como a asma é uma doença dinâmica, pode ser que se encontre, deve receber informações acerca da doença e seu
necessário modificar a intensidade do tratamento de tempos em tempos, tratamento, incluindo um plano escrito de automanejo sobre como
por isso o paciente precisa ser acompanhado pelo médico com proceder em casos de crise (o que comprovadamente reduz a taxa de
regularidade (a cada 3-12 meses, dependendo de cada caso)... internações hospitalares), além de tratar eventuais comorbidades
identificadas que possam contribuir para os sintomas ou dificultar o
controle da asma (ex.: obesidade, ansiedade/depressão, tabagismo).
A escada terapêutica para adultos, adolescentes e crianças com idade
Sempre que possível, uma estratégia de evitação dos fatores
entre 6-11 anos está delineada na Tabela 10
precipitantes também deve ser buscada (principalmente em se tratando
da asma ocupacional).

A grande dúvida que falta esclarecer é: de que modo iniciar o tratamento


de controle, ou seja, EM QUE PASSO DA ESCADA COMEÇAR?
Observe a Tabela 11.

Tab. 11

Tratamento de
Como o Paciente se Controle
Apresenta? Inicialmente
Recomendado

Sintomas ou uso de SABA <


2x/mês; ausência de despertares
noturnos por causa da asma; PASSO 1
ausência de fatores de risco para
exacerbação (ex.: VEF1 normal).
Portadores de asma devem ser anualmente vacinados contra influenza
Sintomas infrequentes (< 2x ao
(gripe). A vacina anti-influenza inativada (tri ou tetravalente) não
mês), porém, pelo menos um fator
precipita crises. Tem como função específica reduzir a incidência de
de risco para exacerbação.
infecção por esse vírus e sua morbimortalidade. A vacina anti-
Sintomas ou uso de SABA ≥ 2x/mês pneumocócica também está indicada nos asmáticos, uma vez que se
PASSO 2
e/ou despertar noturno por causa trata de grupo com maior risco de morbimortalidade relacionado a esta
da asma ≥ 1x/mês. infecção. No SUS o esquema consiste na administração sequencial das
vacinas 10-valente e 23-valente. Na rede privada, o esquema
Sintomas ou uso de SABA >
preconizado pela Sociedade Brasileira de Imunização contempla as
2x/semana.
vacinas 13-valente e 23-valente (esta última administrada pelo menos 6
Sintomas na maioria dos dias e/ou meses após a 13-valente).
despertares noturnos por causa da
asma ≥ 1x/semana.
CONDUTAS ADICIONAIS EM SITUAÇÕES
A doença começa com uma PASSO 3 ESPECÍFICAS
exacerbação aguda grave ou com
critérios de asma não controlada
(fazer breve curso de corticoide oral OBESIDADE
e já começar no...).
A asma é mais frequente e mais grave em obesos. As razões para isso
Resumindo: a não ser que os sintomas sejam muito ocasionais e de são incertas, mas parecem envolver fatores mecânicos (ex.: restrição dos
pouca importância clínica (merecendo tratamento no passo 1), comece volumes pulmonares), bem como fatores metabólicos (ex.: secreção de
o tratamento de controle pelo passo 2. Somente quando os sintomas adipocinas pró-inflamatórias com repercussões sobre a árvore
forem muito importantes ou houver relato de crises graves comece pelo traqueobrônquica, aumentando sua hiper-reatividade). Ademais,
passo 3. pacientes obesos têm menor condicionamento físico, além de maior
prevalência de doenças cardiovasculares, apneia do sono e DRGE
(causas independentes de queixas respiratórias). A base do tratamento
Como já dito, uma vez iniciado, o tratamento de controle deve ser
antiasmático em obesos é o corticoide inalatório. A perda ponderal
reavaliado após um período de 2-3 meses (ou antes, caso haja urgência
melhora os sintomas e facilita o controle da asma, permitindo reduzir
clínica), sendo então ajustado de acordo com a resposta obtida. Se a
doses dos medicamentos inalatórios. Grande benefício é visto após a
asma não tiver sido “controlada” (após se confirmar adesão ao
cirurgia bariátrica, porém, perdas de 5-10% do peso já podem melhorar
tratamento e uso correto do inalador) a conduta é intensificar o
bastante a qualidade de vida do paciente.
tratamento, partindo para o passo subsequente (step up). Uma vez
atingido o controle, devemos manter o tratamento e observar o paciente
por um período mínimo de três meses. Se a asma continuar DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO
“controlada”, deve-se tentar reduzir a intensidade do tratamento (step (DRGE)
down ), a fim de determinar a menor dose efetiva. Tal estratégia reduz os
custos e o risco de efeitos colaterais.
A asma aumenta a incidência de DRGE, pois medicamentos utilizados
em seu tratamento relaxam o esfíncter esofagiano inferior (agonistas
SAIBA MAIS... Termoplastia brônquica. beta-2 adrenérgicos, teofilina), aumentando os episódios de refluxo. A
DRGE pode até justificar a queixa de tosse seca, principalmente
A termoplastia brônquica vem sendo estudada na asma refratária
noturna, mas ao contrário do que se supunha até pouco tempo atrás ela
às medidas farmacológicas. Trata-se de procedimento realizado
não constitui uma causa de asma refratária ao tratamento clínico! Na
em várias sessões de broncoscopia, com aplicação local de pulsos
realidade, a DRGE deve ser tratada (com inibidores de bomba de
de radiofrequência sobre a parede brônquica, visando diminuir a
próton) quando houver sintomas típicos de DRGE (pirose,
hiper-reatividade e reverter o remodelamento já existente. Há
regurgitação), tal como em qualquer outro paciente. Na ausência desses
poucos estudos de boa qualidade metodológica, mas as
sintomas, o uso empírico de IBP não traz qualquer benefício para
evidências apontam que a asma PIORA paradoxalmente nos
pacientes com asma refratária.
primeiros três meses de tratamento, havendo, posteriormente,
diminuição na frequência de crises. Portadores de rinossinusite
crônica, infecções respiratórias de repetição e VEF1 < 60% do ALERGIA ALIMENTAR
previsto foram excluídos da maioria dos estudos realizados, logo, o
procedimento não deve ser tentado nestes pacientes. Atualmente,
Portadores de alergia alimentar têm chance aumentada de possuir asma.
a termoplastia brônquica só tem sido empregada em protocolos de
Nestes, a crise asmática pode aparecer como parte do quadro sistêmico
pesquisa.
de anafilaxia, com grande risco de óbito. É importante que o paciente e
seus familiares aprendam a diferenciar a crise asmática “pura”
(sintomas apenas respiratórios) dos episódios de anafilaxia (sintomas
VACINAÇÃO respiratórios + sistêmicos), já que neste último caso a administração
precoce deepinefrina intramuscular é imprescindível para salvar a vida
do paciente.
Para o feto, por exemplo, o descontrole da asma aumenta muito a
RINOSSINUSITE E POLIPOSE NASAL
incidência de parto prematuro, baixo peso ao nascer e mortalidade
perinatalem geral. Para a mãe, aumenta o risco de pré-eclâmpsia.
Existe uma importante associação entre doença inflamatória das vias
aéreas superiores (rinossinusite) e inferiores (asma), com a maioria dos
O bom controle da asma durante a gestação, por sua vez, se associa a
asmáticos apresentando rinossinusite crônica (> 12 semanas de
pouco ou nenhum aumento nesses riscos. Gestantes asmáticas devem ter
duração). A rinossinusite se caracteriza clinicamente pela presença de
o controle da asma avaliado MENSALMENTE até o parto. Inclusive,
obstrução e secreção nasal (anterior ou posterior), além de dor/pressão
mesmo quando o tratamento está sendo bem-sucedido, recomenda-se
facial e eventualmente conjuntivite. Ambas podem ser de natureza
postergar para o pós-parto a redução dos passos terapêuticos (step
alérgica ou não alérgica. Na forma alérgica, é comum o surgimento de
down)... O mesmo tratamento pode ser mantido durante a
pólipos intranasais. A rinossinusite crônica acompanhada de polipose
amamentação.
nasal se associa a quadros mais graves de asma. Portadores de
rinossinusite devem ser tratados com corticoide tópico intranasal,
independentemente do tratamento da asma (isto é, o paciente usa
A hiperventilação pode desencadear broncoespasmo durante o
corticoide nasal + inalatório). O controle clínico da rinossinusite
parto. A abordagem terapêutica deve ser idêntica à de qualquer
diminui sintomas respiratórios altos e melhora a qualidade de vida do
crise asmática... Contudo, se altas doses de SABA forem
paciente, porém, não influi no controle da asma em si se o paciente
ministradas nas 48h que antecedem o parto, aumenta o risco de
estiver recebendo tratamento adequado para esta última (corticoide
hipoglicemia no recém-nascido, especialmente nos prematuros.
inalatório).
Logo, uso de SABA 48h antes do parto indica monitorização
da glicemia neonatal nas primeiras 24h de vida.
ASMA INDUZIDA POR EXERCÍCIO (AIE)

A hiperventilação associada ao exercício é um importante deflagrador PEROPERATÓRIO


de broncoconstrição em asmáticos. Em geral, os sintomas se iniciam
logo após o término da atividade, mas às vezes aparecem durante a A asma controlada NÃO aumenta o risco cirúrgico, exceto em pacientes
prática da mesma (resolvendo-se espontaneamente em até 60min). Se as que já possuem remodelamento brônquico com perda irreversível da
crises só se relacionarem ao exercício, na ausência de fatores de risco função pulmonar (VEF1 reduzido). Por outro lado, a asma não
para exacerbação, a única conduta preconizada é a profilaxia pré- controlada aumenta a chance de broncoespasmo e complicações
exercício com SABA inalatório, complementando com SABA inalatório pulmonares no pós-operatório.
conforme a necessidade (resgate). Por outro lado, no paciente com
fatores de risco para exacerbação, ou sintomas que aparecem fora das Em cirurgias eletivas, recomenda-se liberar o paciente para o
situações de exercício, o tratamento habitual de controle é procedimento somente quando a asma estiver controlada. O tratamento
recomendado, isto é, no mínimo CI regular + SABA de resgate. A de controle deve ser mantido ao longo de todo o peroperatório. Antes
melhora da AIE, inclusive, é um dos parâmetros que indica bom da intubação traqueal é pru-dente ministrar uma dose de SABA, a fim
controle clínico. Por outro lado, a persistência da AIE significa mau de reduzir a chance de broncoespasmo reflexo... Nas cirurgias de
controle da asma, demandando aumento na intensidade do tratamento emergência não temos escolha (não dá tempo de otimizar o tratamento
crônico (step up). da asma se a mesma não estiver controlada, e nesta situação devemos
esperar uma maior taxa de complicações respiratórias no pós-op.)...
Pacientes que fizeram uso de CI em dose alta ou corticoide sistêmico por
GRAVIDEZ
mais de duas semanas nos seis meses antecedentes à cirurgia devem
receber hidrocortisona IV durante a indução anestésica para profilaxia da
O efeito da gestação sobre a asma é variável e imprevisível: 1/3 dos casos insuficiência adrenal aguda.
evolui com piora espontânea, 1/3 com melhora espontânea e o 1/3
restante permanece inalterado... As crises tendem a ser mais frequentes
durante o 2º trimestre de gravidez, e devem ser agressivamente tratadas DOENÇA RESPIRATÓRIA EXACERBADA POR
com SABA inalatório, suplementação de O2 e corticoide sistêmico, a AAS (DREA)
fim de evitar a hipóxia fetal. Fatores mecânicos e hormonais parecem
contribuir para a piora clínica em alguns casos, porém, na prática, é A DREA, antigamente chamada de “asma induzida por AAS”, é uma
muito comum que a causa da perda de controle seja a condição peculiar e de fisiopatogênese desconhecida, porém, seu curso
suspensão/diminuição inadvertida do tratamento de manutenção por clínico e prognóstico foram bem caracterizados. É encontrada em 7%
parte da mãe ou por orientação de um obstetra “desavisado”, devido ao dos adultos asmáticos em geral, e em 15% daqueles com asma “grave”. O
medo (infundado) de efeitos colaterais para o concepto... quadro começa com congestão nasal e anosmia, evoluindo para
rinossinusite crônica e polipose nasal recidivante. Na sequência, o
Como já dito, o índice terapêutico das medicações inalatórias utilizadas paciente começa a ter asma e hipersensibilidade ao AAS (e não raro a
na terapia de controle da asma é elevado, e isso inclui o risco outros AINE).
gestacional, que é considerado clinicamente INSIGNIFICANTE. O
descontrole asmático durante a gestação é muito mais grave do que
eventuais paraefeitos das drogas antiasmáticas, comprovadamente
aumentando o risco materno-fetal!
As crises de broncoespasmo após ingestão de AAS/AINE são Assim, as exacerbações podem ser tratadas: (1) por
acompanhadas de crises de rinite (obstrução nasal, rinorreia) e pacientes/cuidadores bem instruídos em seu próprio domicílio (seguindo
conjuntivite (congestão ocular, lacrimejamento). Pode haver rash um plano escrito de automanejo); (2) pelo médico assistente, em nível
cutâneo na face e pescoço. A gravidade aumenta de forma progressiva ambulatorial; (3) dentro do hospital, nos serviços de emergência ou
após episódios repetidos, podendo culminar em crise asmática fatal. O centros de terapia intensiva.
diagnóstico é dado pela história clínica e, se necessário, confirmado por
teste provocativo (este só deve ser feito em centros especializados). É muito importante que toda pessoa que recebe o diagnóstico de asma
seja periodicamente avaliada quanto à existência de fatores de risco para
Evidentemente, portadores de DREA devem evitar o uso de ASMA FATAL. Se um ou mais desses fatores estiver presente, ao menor
AAS/AINE (inibidores da COX-1), no entanto, isso não evita a indício de exacerbação o paciente deve estar orientado a procurar
progressão da doença... Além de tratar a asma e a rinite com as terapias auxílio médico urgente. Observe a Tabela 12.
de controle convencionais, tais pacientes se beneficiam de protocolos de
dessensibilização, que devem ser conduzidos em ambiente hospitalar.
Tab. 12
Esta abordagem interrompe a evolução da doença e melhora de forma
significativa os sintomas e a qualidade de vida, reduzindo a formação de
Fatores de Risco para Crise Asmática Fatal
pólipos nasais e as infecções deles decorrentes (sinusite aguda
obstrutiva). Portadores de DREA que necessitem de drogas anti-
1. História de crise "quase fatal" com necessidade de
inflamatórias podem fazer uso de Coxibs (inibidores seletivos da COX-
intubação traqueal e ventilação mecânica.
2) sob supervisão médica cuidadosa...
2. História de alergia alimentar (anafilaxia).

ASPERGILOSE BRONCOPULMONAR ALÉRGICA 3. Internação hospitalar ou visita à emergência devido à asma


no último ano.

Esta condição aparece em asmáticos e portadores de fibrose cística, 4. Uso atual ou recente de corticoide sistêmico (marcador de
devendo ser suspeitada em pacientes que necessitam de corticoide sistê- gravidade da crise atual).
mico para controle dos sintomas, principalmente quando estão
5. Não utilização de corticoide inalatório.
presentes bronquiectasias centrais e infiltrados pulmonares nos exames
de imagem (o fungo coloniza a superfície da via aérea dilatada, 6. Uso excessivo de SABA (> 1 frasco/mês).
produzindo uma reação ininterrupta de hipersensibilidade local). Os
7. Doença psiquiátrica ou problemas psicossociais.
níveis séricos de IgE total estão elevados (> 1.000 U/l) e pode-se
detectar altos títulos de IgE e IgG específica contra Aspergillus 8. Má adesão terapêutica.
fumigatus no soro. Os testes cutâneos também são positivos para
Aspergillus sp., confirmando a sensibilização alérgica. Diante deste
conjunto de critérios clínicos, radiográficos e imunológicos, pode-se
estabelecer o diagnóstico e dar início ao tratamento específico. Este é
TRATAMENTO DOMICILIAR COM PLANO
feito com corticoide oral por tempo prolongado (prednisona 0,5-0,75
ESCRITO DE AUTOMANEJO
mg/kg/dia, com redução da dose a cada 6 semanas, por um período
total de 6 a 12 meses). Muitos autores associam itraconazol (200 mg Pacientes bem instruídos e engajados que realizam automonitorização
2x/dia) à corticoterapia (nas primeiras 16 semanas). dos sintomas e da função pulmonar (ex.: diário de sintomas, confecção
de gráficos com os valores de PFE), em geral, são guarnecidos com
planos escritos sobre como identificar e proceder diante de uma
TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES exacerbação da doença.

Neste plano (que geralmente é uma folha única com escrita simples e
Exacerbações da asma são episódios de piora progressiva dos
direta, dotada de recursos gráficos que aumentem a clareza e a
sintomas e da função pulmonar em relação ao estado prévio do
compreensão) estão contidas orientações quanto ao uso de drogas de
paciente importantes o bastante a ponto de justificar mudanças
resgate e critérios para aumento da terapia de controle, bem como
imediatas na conduta terapêutica.
recomendações acerca de quando o paciente deve ir ao hospital.

A evolução das exacerbações pode ser mais ou menos rápida, O primeiro passo é lançar mão da terapia de resgate (SABA inalatório)
manifestando-se, portanto, dentro de um espectro de gravidade, o que conforme a demanda. Se doses repetidas forem necessárias por mais de
permite individualizar a estratégia terapêutica. Quanto mais precoce for 1-2 dias, o paciente está autorizado a aumentar por conta própria o
seu reconhecimento e início do tratamento, melhores tendem a ser os tratamento de controle. Este também pode ser aumentado se o paciente
desfechos. julgar que os sintomas estão interferindo de forma significativa com
suas atividades diárias, ou se o PFE cair > 20% em relação ao basal por
mais de dois dias.
O aumento da terapia de controle pode ser feito dobrando-se ou
quadruplicando-se a dose do corticoide inalatório por um período de 7-
● Alterações do sensório (agitação, confusão, sonolência).
14 dias, dependendo da faixa de dose que vinha sendo utilizada. O ● “Tórax silencioso”.
objetivo é passar o CI (ou a combinação de CI + LABA) para a faixa de
dose considerada “alta” daquela medicação. Se iniciada precocemente, ● Só consegue pronunciar palavras isoladas.
tal conduta pode evitar a progressão da exacerbação e a necessidade de ● Uso de musculatura acessória (ex.: senta-se curvado para
corticoide oral/internação hospitalar. Evidentemente, a terapia de a frente, com os braços apoiados).
resgate deve continuar sendo feita conforme a necessidade, até que a
intensificação da terapia de controle produza seu efeito. ● FR > 30 irpm.

● FC > 120 bpm.

Pacientes que fazem tratamento de controle com a combinação ● SpO2 < 90% (em ar ambiente).
de budesonida ou beclometasona em baixa dose associado ao
LABA formoterol podem usar a mesma combinação como
● PFE ≤ 50% do basal.

terapia de resgate, uma vez que o formoterol, especificamente, “Tórax silencioso” = taquidispneia intensa com murmúrio vesicular
universalmente reduzido/abolido e AUSÊNCIA PARADOXAL de sibilos
apesar de ser um LABA, possui rápido início de ação, (indica broncoespasmo muito grave, sem ventilação eficaz).
promovendo alívio do broncoespasmo agudo (e de quebra isso
permite aumentar a dose do CI, já que ambas as medicações são
Enquanto se providencia a transferência desses pacientes (ex.: chamar
ministradas em conjunto). Deve-se, no entanto, respeitar a dose
ambulância), todas as medidas terapêuticas cabíveis e disponíveis devem
máxima de formoterol, que é de 72 mcg/dia.
ser aplicadas (ex.: SABA inalatório, corticoide sistêmico precoce, O2
suplementar, mo-nitorização contínua dos sinais vitais)...

Se o PFE estiver < 60% do basal, além das medidas citadas, deve-se
associar corticoide oral. O corticoide oral também deve ser iniciado Exacerbações asmáticas que não apresentem os critérios citados podem
caso não haja resposta clínica após 48h de intensificação do tratamento ser classificadas como leves ou moderadas. Se o paciente estiver no
de controle. O esquema consistede prednisona (ou prednisolona) 1 consultório/ambulatório e for possível fazê-lo, a conduta inicialmente
mg/kg/dia, máx. 50 mg/dia, por 5-7 dias para adultos e adolescentes, ou tomada deve ser idêntica àquela que seria adotada frente a este grau de
1-2 mg/kg/dia, máx. 40 mg/dia, por 3-5 dias para crianças com idade exacerbação caso o paciente estivesse no hospital, isto é: SABA
entre 6-11 anos. Sempre que o corticoide oral for iniciado, é mandatório inalatório em doses repetidas na 1ª hora, início precoce de corticoide
contactar o médico assistente. oral (dentro da 1ª hora) e, se disponível e necessário, suplementação de
O2. Observe a FIGURA 1
Por fim, os critérios para ir ao hospital imediatamente são: (1)
deterioração progressiva a despeito das medidas tomadas; (2)
desconforto respiratório súbito e intenso.

Se o plano de automanejo der certo, mesmo assim o paciente precisa ver


seu médico dentro de 1-2 semanas. Este decidirá se o tratamento de
controle pode retornar à intensidade prévia após melhora da
exacerbação, ou então se a oportunidade deve ser aproveitada para
manter a progressão do tratamento de controle (step up), caso a
avaliação clínica sugira que a asma não estava controlada antes do
início da exacerbação (confirmada a adesão ao tratamento e o uso
correto do inalador).

TRATAMENTO AMBULATORIAL
Fig. 1: Algoritmo de manejo da crise asmática leve ou moderada em
nível ambulatorial para pacientes adultos, adolescentes e crianças com
idade entre 6-11 anos. Obs.: pMDI = inalador dosimetrado
É realizado quando o paciente chega à consulta apresentando sinais e pressurizado.
sintomas de exacerbação, mas obviamente sem critérios de gravidade
que demandem o pronto encaminhamento para o hospital (Tabela 13).

VIDEO_05_Mozart_PNE1 Na consulta de retorno, devemos avaliar por quanto tempo a


intensificação da terapia de controle será mantida. A regra é: (1) curto
Tab. 13 prazo (mais 2-4 semanas) para pacientes que vinham com a asma
controlada antes da exacerbação; (2) longo prazo (mais 3 meses) para
Critérios de Gravidade: Transferir do Consultório pacientes que vinham sem controle da doença antes da exacerbação,
para a Emergência isto é, nestes apenas aproveitamos para fazer o “step up” convencional
da escada terapêutica.
É importante também jamais se esquecer de verificar aquela rotina Não... Somente naqueles que apresentam indícios de infecção
básica... (1) adesão e técnica de uso dos inaladores; (2) pesquisar fatores respiratória bacteriana, por exemplo: febre, tosse com escarro
desencadeantes modificáveis (ex.: tabagismo, exposições ocupacionais, purulento, dor torácica pleurítica (dor à inspiração), RX com infiltrado
uso de betabloqueadores, AAS ou AINE)... pulmonar (isto é, naqueles com critérios para o diagnóstico de
pneumonia).

TRATAMENTO NO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA


QUAL É O PAPEL DA VNI NA CRISE ASMÁTICA?

VIDEO_06_Mozart_PNE1
Diferentemente do que já está estabelecido para a DPOC
Pacientes com exacerbação asmática que procuram o serviço de descompensada, não há evidências científicas suficientes que
emergência, em geral, são aqueles que apresentam crises graves. A demonstrem de forma inequívoca que o uso de VNI (Ventilação
gravidade da crise é facilmente determinada por meio de uma rápida Mecânica Não Invasiva) seja benéfico na crise asmática, tanto no
avaliação clínica (anamnese + exame físico) com ênfase nos sinais vitais sentido de reduzir mortalidade quanto no sentido de reduzir a
(incluindo a saturação periférica de O2, que hoje em dia é considerada necessidade de internação hospitalar e ventilação invasiva. Não
um sinal vital básico). obstante, pode-se optar pelo uso deste método de maneira
individualizada, respeitadas as suas contraindicações (ex.: paciente
agitado ou com redução do sensório).
SpO2 < 90% em ar ambiente é um sinal ominoso tanto em
adultos quanto em crianças, sinalizando a necessidade de Observe na FIGURA 2 o algoritmo de manejo da crise asmática no
tratamento agressivo. serviço de emergência em adultos, adolescentes e crianças com idade
entre 6-11 anos.

O ideal é que exames complementares capazes de quantificar a função


ventilatória sejam sempre realizados assim que o paciente chega, antes
de começar o tratamento, por exemplo: medida do PFE, com fluxômetro
portátil, oumedida do VEF1, com espirometria convencional. Os valores
obtidos servirão como parâmetros de base para monitorizar de forma
extremamente objetiva e confiável a resposta ao tratamento!

Infelizmente, no entanto, de um modo geral tais exames não estão


disponíveis nas emergências brasileiras, mas isso não chega a prejudicar
nossa conduta: as recomendações para a abordagem terapêutica das
crises asmáticas estão essencialmente fundamentadas na avaliação
clínico-evolutiva do paciente!

É PRECISO COLETAR GASOMETRIA ARTERIAL EM TODOS OS


Fig. 2: Algoritmo de manejo da crise asmática no serviço de
PACIENTES? emergência para adultos, adolescentes e crianças com idade entre 6-
11 anos. Obs.: as doses de SABA inalatório e corticoide sistêmico são
idênticas ao descrito na FIGURA 1. O tratamento da asma em
Não... A “gaso” só estará indicada se: (1) PFE ou VEF1 < 50% do pacientes intubados e no âmbito da terapia intensiva não será
abordado neste texto.
predito; (2) ausência de resposta ao tratamento inicial; (3) piora clínica
progressiva. A coleta deve ser realizada na vigência de O2 suplementar.
Uma pO2 < 60 mmHg e/ou uma pCO2 normal ou aumentada
(especialmente quando > 45 mmHg) indicam insuficiência respiratória Após a alta do serviço de emergência ou internação hospitalar o
aguda e necessidade de intubação traqueal com ventilação mecânica paciente deve ter uma consulta com seu médico assistente dentro de 2-7
invasiva. dias. O tratamento domiciliar segue os mesmos preceitos já explicados
no tópico antecedente (ver “Tratamento Ambulatorial”). Vamos
É PRECISO FAZER RX DE TÓRAX EM TODOS OS PACIENTES? acrescentar apenas um detalhe: pacientes com crises recorrentes ou que
tenham tido pelo menos uma internação por asma grave

Não... O RX só deve ser feito se suspeitarmos de complicações do comprovadamente se beneficiam do acompanhamento conjunto por um

broncoespasmo (ex.: pneumotórax) ou diagnósticos alternativos (ex.: pneumologista...

insuficiência cardíaca, aspiração de corpo estranho, pneumonia). Aqui


vale um alerta: pacientes que não estão respondendo ao tratamento PARTE 3: MANEJO DE CRIANÇAS COM
podem ter desenvolvido pneumotórax recentemente, logo, o limiar para
IDADE < 6 ANOS
a realização de RX neste contexto deve ser baixo, mesmo que o exame
físico não seja sugestivo de pneumotórax.
VIDEO_07_Mozart_PNE1

É PRECISO PRESCREVER ANTIBIÓTICO EM TODOS OS


PACIENTES? DIAGNÓSTICO
Crianças com idade < 6 anos não possuem maturidade suficiente para Os mesmos domínios já citados na avaliação de pacientes mais velhos
compreender e colaborar com as manobras necessárias à realização das também se aplicam à avaliação de crianças pequenas com asma, quais
provas de função pulmonar (ex.: espirometria, medida do PFE). Desse sejam: (1) grau de controle dos sintomas; (2) risco de eventos adversos
modo, o diagnóstico de asma nesta população não pode contar com futuros. A conduta terapêutica inicial será traçada de acordo com esta
dados objetivos e confiáveis de quantificação da obstrução ao fluxo avaliação, e a cada novo encontro com o paciente os dois domínios
aéreo e demonstração de reversibilidade da mesma! Como vimos no precisam ser sistematicamente revistos, de modo que a estratégia em
estudo da asma em pacientes mais velhos, a documentação de tais curso seja ajustada (manutenção, aumento ou diminuição na
alterações é considerada imprescindível para a certeza diagnóstica de intensidade do tratamento, dependendo da resposta obtida).
asma!
Mais uma vez, as limitações inerentes à faixa etária dificultam a tarefa
Assim, o diagnóstico de asma em crianças com idade < 6 anos é de avaliar criteriosamente a asma infantil...
“empírico” e está baseado somente em INFORMAÇÕES CLÍNICAS...
Uma eventual decisão de iniciar a terapia de controle neste grupo deve Em primeiro lugar, temos que avaliar o grau de controle dos sintomas.
ser encarada, inicialmente, como um “teste terapêutico”, isto é, uma boa Para tanto, em geral, contamos mais com a contribuição dos
resposta ao tratamento será apenas mais um dado a favor do pais/cuidadores do que com o relato do próprio paciente. Logo, pode
diagnóstico de asma. haver imprecisões nesta avaliação, uma vez que os pais/cuidadores
podem não perceber o grau de sintomas que as crianças experimentam
Para complicar ainda mais, episódios de sibilos expiratórios difusos são em toda a sua plenitude!
bastante frequentes nas crianças pequenas, em geral aparecendo no
contexto de infecções virais inespecíficas das vias aéreas superiores Por exemplo: crianças normais têm que brincar muito, pois isso é
(IVAS). As IVAS podem acontecer até 6-8 vezes por ano nos primeiros importante para o seu desenvolvimento físico e social. A criança
anos de vida, em média... Logo, crianças que sibilam, mesmo que de asmática pode ser mais retraída, intuitivamente evitando se envolver em
forma recorrente, não necessariamente são portadoras de asma! atividades que precipitem desconforto respiratório. Assim, os pais
podem achar que não há sintomas de asma, acreditando que seus filhos
Na prática, recomenda-se que os critérios elencados na Tabela 14 são apenas “mais calminhos mesmo”... Outro ponto importante: muitas
sejam observados a fim de se considerar o diagnóstico clínico de asma crianças apresentam irritabilidade antes de evoluir com franca
numa criança < 6 anos. Quanto maior o número de critérios presentes, dispneia/sibilância. Logo, alguns pais podem achar que os filhos são
maior a probabilidade de realmente se tratar de asma. “manhosos”, não percebendo que se trata na realidade de uma
evidência de sintomas asmáticos não controlados...

Tab. 14
Na Tabela 15 apresentamos o sistema proposto pelos guidelines mais
Critérios para o Diagnóstico Clínicode Asma em recentes para avaliação do grau de controle dos sintomas em crianças
Crianças < 6 anos com idade < 6 anos. Perceba que existem pequenas diferenças em
relação ao sistema utilizado em pacientes mais velhos (destacadas em
1. Padrão de sintomas compatível (mais de um sintoma negrito)... Cumpre ressaltar que também existem escores formais,
concomitante: dispneia, sibilos, tosse). comercialmente patenteados, que possuem este mesmo intuito, porém a
maioria deles só foi validada para pacientes com idade > 4 anos (ex.:
2. Os sintomas persistem de forma prolongada (> 10 dias) Childhood Asthma Control Test).
durante um episódio de IVAS.

3. Ocorrem > 3 episódios por ano, ou os episódios são graves


e/ou apresentam piora noturna.

4. Os sintomas também acontecem na ausência de IVAS,


sendo desencadeados por atividades físicas, choro, riso,
exposição ao tabaco, poluição ambiental e/ou aeroalérgenos
comuns.

5. História pessoal ou familiar de outras manifestações


atópicas (rinite e/ou dermatite alérgica).

6. História familiar de asma em parente de 1º grau. Uma análise dos riscos futuros também deve ser incluída na avaliação da
7. Melhora em resposta ao tratamento de controle empírico; criança asmática com idade < 6 anos. Nos pacientes mais velhos, tal
piora após a suspensão do mesmo. conduta necessita de dados espirométricos. Aqui, entretanto, teremos
que contar apenas com informações clínicas... Observe a Tabela 16

AVALIAÇÃO DA ASMA Tab. 16

Fatores de Risco Futuro


Os objetivos do tratamento da asma nas crianças com idade < 6 anos
RISCO DE EXACERBAÇÕES são idênticos aos de pacientes mais velhos: (1) supressão dos sintomas,
permitindo ao paciente levar uma vida o mais normal possível; (2)
● Asma não controlada. diminuição dos riscos futuros, que incluem o risco de exacerbações, o
● Uma ou mais exacerbações graves no último ano. risco de desenvolver obstrução fixa ao fluxo aéreo (neste caso pela
interferência no desenvolvimento pulmonar normal) e o risco de efeitos
● Início das estações do ano mais associadas às crises colaterais do tratamento.
(outono/inverno).

● Exposição persistente a fatores desencadeantes: O tratamento de manutenção da asma em crianças pequenas também
tabagismo passivo, poluição atmosférica, poluição do ar envolve medidas farmacológicas e não farmacológicas, sendo o tra-
intradomiciliar (ex.: queima de biomassa), aeroalérgenos tamento medicamentoso a base da terapia. A mesma lógica já descrita
comuns (ácaros, baratas, fungos, animais de estimação). O para pacientes mais velhos também se aplica aqui: utiliza-se uma
efeito de todas essas exposições tende a ser exacerbado ESCADA TERAPÊUTICA na qual a intensidade do tratamento de
na vigência de IVAS. controle é ajustada em função da resposta clínica (observada após três
meses de tratamento).
● Problemas psicológicos ou socioeconômicos na criança
e/ou sua família.
A decisão de “subir” ou “descer” os degraus dessa escada se baseia num
● Má adesão à terapia de controle, uso incorreto dos ciclo contínuo de: (1) avaliação da asma (grau de controle dos sintomas
inaladores. e riscos futuros); (2) prescrição do tratamento no passo adequado; (3)
reavaliação (resposta clínica obtida). Como a asma em crianças com
RISCO DE DESENVOLVER OBSTRUÇÃO FIXA AO FLUXO menos de seis anos de idade costuma entrar em remissão com razoável
EXPIRATÓRIO frequência, o paciente precisa ser acompanhado pelo médico com mais
regularidade do que os outros grupos etários (a cada 3-6 meses, no
● Asma grave com história de múltiplas internações. máximo). Se optarmos por tentar suspender o tratamento, uma
consulta de revisão deve ser marcada para no máximo 3-6 semanas
● Episódio prévio de bronquiolite.
depois...

RISCO DE EFEITOS COLATERAIS DO TRATAMENTO


A escada terapêutica para crianças com idade < 6 anos está delineada
na Tabela 17 Perceba que ela é bem mais simples (na verdade, limitada)
● Sistêmicos: uso frequente de corticoide oral/venoso; uso
do que a escada terapêutica para pacientes mais velhos. Inclusive, ela só
prolongado de CI em dose alta.
possui quatro passos, em vez de cinco... Como você também deve ter
● Locais: uso de CI em dose média/alta; uso incorreto do percebido, não se recomenda o uso de LABA em crianças < 6 anos...
inalador; ausência de lavagem do rosto e dos olhos após o
uso de CI por meio de máscaras faciais (risco de “rash do
CI”: eritema e atrofia cutânea local).

A menor dose de CI necessária para controle dos sintomas e diminuição


das exacerbações deve ser descoberta e utilizada. A criança pequena é
mais suscetível a possíveis efeitos colaterais sistêmicos dos CI... Uma
alteração naturalmente esperada é a diminuição na velocidade de
crescimento nos primeiros 1-2 anos de tratamento. Logo, a estatura deve
ser cuidadosamente monitorada nesses pacientes.

Na Tabela 18 são descritas as principais indicações para se conduzir o


O referido atraso no crescimento, em geral, não repercute na altura final
tratamento em cada um dos passos terapêuticos.
atingida na vida adulta. Portanto, se após os primeiros 1-2 anos de
tratamento com CI as curvas de crescimento não mostrarem uma
tendência de “recuperação do atraso de crescimento” outras causas para
a baixa estatura devem ser pesquisadas. Na criança asmática, uma das
mais comuns é justamente a FALTA DE CONTROLE DA DOENÇA,
em particular quando o paciente faz uso recorrente de corticoide
sistêmico...

TRATAMENTO CRÔNICO DA ASMA


(TERAPIA DE CONTROLE)

ESCOLHA DO DISPOSITIVO INALADOR


Crianças com idade < 6 anos também apresentam limitações no tocante ● Aumento agudo ou subagudo da sibilância e da dispneia;
ao tipo de dispositivo inalatório que pode ser utilizado. Dispositivos que ● Aumento da tosse, especialmente a tosse noturna com a criança
necessitem de coordenação entre seu acionamento e manobras de
dormindo;
inspiração profunda, evidentemente, não devem ser prescritos neste
grupo etário, pois não serão eficazes. Apenas os dispositivos que ● Letargia ou diminuição da tolerância ao exercício;
conseguem “entregar” a medicação para a via aérea do paciente através ● Redução nas atividades diárias, incluindo a alimentação;
do volume corrente espontâneo é que possuem eficácia e podem ser
● Diminuição da resposta habitual ao SABA inalatório.
usados...

Assim como nos pacientes mais velhos, a abordagem da exacerbação em


Existem dois principais: (1) nebulização convencional; (2)pMDI com
crianças < 6 anos pode ser iniciada no próprio domicílio do paciente,
espaçador ou “aerocâmara” (pMDI = pressurized Metered-Dose Inhaler
utilizando um plano escrito de automanejo. No entanto, é preciso
ou “inalador dosimetrado pressurizado”). Os estudos mostram que o
destacar as situações que indicam urgência em procurar o hospital
método mais custo-eficaz de administração de qualquer medicamento
inalatório em crianças pequenas com asma consiste no uso de pMDI +
(Tabela 19).
espaçador.
Tab. 19
Quando o pMDI é acionado, uma dose predeterminada de medicação é
liberada sob pressão na forma de um certo volume de aerossol. O pMDI Necessitam de Cuidados Médicos Urgentes...
deve estar acoplado ao espaçador... Este, também chamado de
aerocâmara, possui duas finalidades: (1) armazenar o volume de
● Desconforto respiratório agudo e intenso.
aerossol de modo que a criança consiga inalá-lo por completo ● Ausência de resposta ao SABA de resgate.
utilizando seu volume corrente espontâneo; (2) reter as partículas de
maior peso que se depositam sobre a superfície interna do espaçador,
● O intervalo entre as doses de SABA de resgate está
evitando que isso aconteça na cavidade oral do paciente, o que diminuindo de forma rápida.
aumentaria a taxa de absorção sistêmica e a chance de efeitos colaterais. ● Criança < 1 ano de idade que necessita repetir o SABA de
resgate várias vezes em curto espaço de tempo.
Existem vários tipos e tamanhos de espaçador, e isso deve ser levado em
conta considerando-se o tamanho da criança. De um modo geral, são
necessárias cinco a dez incursões respiratórias para que toda a dose de A base do tratamento domiciliar da crise é o uso de SABA inalatório.

aerossol liberada dentro do espaçador consiga ser inalada pelo paciente. Ministra-se 2 puffs de salbutamol via pMDI + espaçador, podendo-se
repetir essa mesma dose a cada 20min, por mais 2x. Na ausência de
resposta satisfatória (necessidade de > 6 puffs em 1-2h), a criança deve
A forma como o espaçador e a via aérea do paciente se conectam
ser levada ao serviço de emergência. Em geral, não se recomenda o
também é importante e varia em função da faixa etária. Crianças muito
início domiciliar de corticoide oral pelos parentes/cuidadores, sem que a
pequenas, imaturas demais para colaborar (0-3 anos), necessitam de
criança seja avaliada antes pelo médico.
uma máscara facial, que deve ser bem adaptada ao nariz e à boca pelo
parente/cuidador. O problema da máscara facial é que ela aumenta a
área de contato da pele do rosto com a medicação, o que pode trazer Na FIGURA 3 apresentamos o algoritmo de manejo da exacerbação
problemas como o já mencionado “rash do corticoide inalatório” (deve- asmática em crianças < 6 anos.
se lavar o rostinho do bebê após o uso). Crianças mais capazes de
colaborar (4-5 anos) podem usar uma peça bucal, em vez da máscara
facial.

TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES

Como não podia deixar de ser, o reconhecimento de uma exacerbação


da asma em crianças muito pequenas nem sempre é uma tarefa fácil...
Não raro, as manifestações iniciais são inespecíficas, e os
parentes/cuidadores devem ser orientados quanto a isso, mantendo um
elevado grau de suspeição. As principais alterações que denunciam o
início de uma exacerbação em crianças com idade < 6 anos são:

Fig. 3: Algoritmo de manejo da exacerbação asmática em crianças < 6


anos. Se não for possível ministrar SABA pela via inalatória, pode-se
fazer terbutalina IV (2 mcg/kg em 5min, seguido de 5 mcg/kg/h em
infusão contínua).
O papel do sulfato de magnésio como adjuvante terapêutico nas crises
Salmeterol
graves não está bem estabelecido em pacientes com idade < 6 anos. Não 12h
obstante, alguns autores recomendam seu uso como diluente da solução Formoterol
de nebulização para crianças com idade ≥ 2 anos que apresentam crise
Indacaterol
de asma grave, durante a 1ª hora do atendimento. Outros recomendam
seu uso intravenoso, na dose de 40-50 mg/kg em infusão lenta (20- Vilanterol 24h
60min).
Olodaterol
Obs.: (1) Nos EUA, o salbutamol é chamado de ALBUTEROL; (2) Não
Crianças com idade < 6 anos que iniciaram corticoide oral devem colocamos nomes comerciais dos LABA... O motivo é que tais drogas
manter este tratamento por 3-5 dias apenas, podendo interrompê-lo não são vendidas separadamente, mas sempre em associação com
algum corticoide inalatório, a fim de evitar o uso isolado de LABA como
abruptamente, sem necessidade de desmame. terapia de controle, o que, como já dito, não evita o remodelamento
brônquico e não deve ser feito.

PARTE 4: FARMACOLOGIA DAS DROGAS Os principais efeitos colaterais dos agonistas beta-2 adrenérgicos são
ANTIASMÁTICAS tremores e palpitações, ocorrendo principalmente em IDOSOS. Por
estimularem a entrada de K+ nas células, podem causar discreta
VIDEO_08_Mozart_PNE1 redução da calemia, em geral, sem repercussões clínicas.

BRONCODILATADORES Os anticolinérgicos bloqueiam receptores muscarínicos de acetilcolina,


inibindo apenas o componente neurogênico do broncoespasmo (por isso
sua menor eficácia em comparação com os agonistas beta-2
Relaxam a musculatura lisa brônquica, revertendo o broncoespasmo.
adrenérgicos, que inibem todos os mecanismos do broncoespasmo).
Não interferem no processo inflamatório crônico da via aérea, logo, não
Também reduzem a secreção de muco na via aérea. São classificados
servem como terapia de controle, isto é, não devem ser usados
como de meia-vida curta (brometo de ipratrópio ou Atrovent ®) ou longa
isoladamente em longo prazo, pois não evitam o remodelamento
brônquico. (tiotrópio ou Spiriva ®): SAMA e LAMA, respectivamente.

Existem três representantes principais: (1) agonistas beta-2 O SAMA pode ser usado como adjuvante no tratamento agudo das

adrenérgicos; (2) antagonistas muscarínicos (anticolinérgicos); e (3) crises asmáticas graves, mas como seu início de ação é mais tardio que o

teofilina. dos agonistas beta-2 adrenérgicos, deve sempre ser associado a estes. O
LAMA pode ser associado ao tratamento crônico no paciente(> 12
anos) que não obtém controle da asma com o uso de CI + LABA. Seu
Os agonistas beta-2 adrenérgicos são as drogas de escolha, por terem
acréscimo melhora a função pulmonar e diminui a ocorrência de crises!
maior eficácia e início de ação mais rápido. Por serem específicos para o
Os paraefeitos também predominam em idosos: os principais são
receptor β2, têm poucos efeitos diretos sobre o coração (que possui
xerostomia (boca seca) e, mais raramente, retenção urinária e glaucoma.
receptores β1)... A preferência é pela via inalatória, já que a via
sistêmica (oral ou parenteral) acarreta mais efeitos colaterais. Podem ter
meia-vida curta (SABA) ou longa (LABA). As principais drogas em uso A teofilina de liberação lenta (Teolong ®) é uma droga de uso oral que
causa broncodilatação por inibir a enzima fosfodiesterase. Isso aumenta
clínico na atualidade estão descritas na Tabela 20.
os níveis de AMPc intracelular, produzindo relaxamento do músculo
liso. Infelizmente, as doses necessárias para promover broncodilatação
Tab. 20 costumam ser altas o bastante para induzir efeitos colaterais sistêmicos
(nível sérico entre 10-20 mg/l). Ademais, a teofilina é bastante inferior
Agonistas beta-2 adrenérgicosde Curta Ação ao SABA como agente broncodilatador...
(SABA)
Não obstante, foi descrito que a teofilina de liberação lenta em baixas
SUBSTÂNCIA MEIA-VIDA
doses (nível sérico entre 5-10 mg/L) parece exercer discreta ação anti-
®, inflamatória, por um mecanismo molecular diferente: silenciamento da
Salbutamol (Aerolin
expressão de genes pró-inflamatórios. Por isso ela passou a ser aceita
Bronconal ®)
como alternativa no tratamento de controle da asma, de preferência
Terbutalina (Adrenyl ®, como adjuvante à combinação CI + LABA nos portadores de asma
3-6h grave.
Bricanyl ®)

Fenoterol (Berotec ®,

Bromifen ®)

Agonistas beta-2 adrenérgicosde Longa Ação


(LABA)
Existe uma formulação solúvel de teofilina para uso intravenoso, a
aminofilina (Asmapen ®). Antigamente ela era muito usada como droga
de segunda linha no tratamento da crise aguda grave e refratária em
adultos, mas atualmente prefere-se o sulfato de magnésio IV (dose única
de 2 g em 20min)... Como não mostrou benefícios em estudos clínicos
em comparação com o SABA, a aminofilina deixou de ser recomendada
nos guidelines atuais, em função de sua baixa eficácia e baixo índice
terapêutico. Os principais efeitos colaterais são náuseas, vômitos e
cefaleia. Intoxicações graves provocam crise convulsiva e arritmias
cardíacas, com risco de morte súbita.

As principais indicações de sulfato de Mg2+ IV na crise asmática Na Tabela 22 listamos as drogas e doses recomendadas para crianças
são: (1) ausência de resposta ao tratamento inicial, com com idade ≤ 5 anos.
persistência da hipoxemia (ou não atinge VEF1 de pelo menos
60% do predito); (2) VEF1 < 25-30% do predito (neste caso, já
Tab. 22
pode fazer Mg2+ IV desde o início do tratamento). Alguns
trabalhos também sugerem que a crise grave tratada com SABA Crianças < 6 anos
+ ipratrópio por NBZ poderia se beneficiar da solução de MgSO4
como diluente, em vez do soro fisiológico. DROGA DOSE BAIXA (em mcg)(entre
parênteses a faixa etária mais
estudada)
CONTROLADORES DE INFLAMAÇÃO
Beclometasona (HFA) 100 (idade ≥ 5 anos)

Diversos fármacos são capazes de reduzir a inflamação asmática nas


Budesonida (NBZ) 500 (idade ≥ 1 ano)
vias aéreas inferiores, reduzindo não apenas os sintomas, mas também
os riscos futuros, por evitar o remodelamento brônquico. São eles: (1)
Fluticasona (HFA) 100 (idade ≥ 4 anos)
corticoide inalatório ou sistêmico; (2) antagonistas do receptor de
leucotrieno; (3) cromonas; (4) anti-IgE; e (5) anti-IL-5.
Mometasona 110 (idade ≥ 4 anos)

O corticoide inalatório revolucionou o tratamento da asma e hoje


Budesonida (pMDI + NE
representa a base da terapia de controle. Quanto mais precocemente
espaçador)
iniciado, maior o benefício. O CI literalmente “limpa” a infiltração
mucosa por linfócitos Th2, eosinófilos e mastócitos, reduzindo a hiper-
Ciclesonida NE
reatividade brônquica. Seu efeito se dá no núcleo das células,
silenciando a expressão de genes pró-inflamatórios e ativando a
Triancinolona NE
expressão de genes anti-inflamatórios.
acetonida

HFA = Hidrofluoroalcano; NBZ = Nebulização; pMDI = inalador


Efeitos colaterais sistêmicos são raros (em geral, quando altas doses são dosimetrado e pressurizado; NE = Não adequadamente estudado nesta
usadas por longos períodos). Na realidade, o bom controle da asma faixa etária.
propiciado pelo CI faz com que o paciente necessite de menos cursos de
corticoide oral/venoso, o que no fim das contas resulta em menos Na Tabela 23 apresentamos as principais combinações de CI + LABA
exposição sistêmica. Não obstante, paraefeitos locais são relativamente aprovadas para uso clínico (passos 3-5 em adultos e adolescentes) e seus
comuns quando a técnica de uso do inalador é inadequada. respectivos nomes comerciais.

O ideal é que seja utilizado um espaçador, cujo objetivo é reter


Tab. 23
partículas de aerossol de maior peso, evitando que estas “caiam” na
mucosa orofaríngea. Isso diminui a ocorrência de rouquidão, cujo Principais Combinações de CI + LABA
mecanismo é amiopatia das cordas vocais. É importante também
enxaguar a boca com água e cuspir logo em seguida! Isso diminui a DROGAS NOMES COMERCIAIS
chance decandidíase oral.
Beclometasona + Fostair ®
Na Tabela 21 elencamos as principais formulações de corticoide formoterol
inalatório e sua estratificação posológica.
Budesonida + Alenia ®, Symbicort ®, Foraseq ®
formoterol
Cromonas como o cromoglicato (Intal ®) e o nedocromil (Tilade ®) são
Fluticasona + vilanterol Relvar ®
especialmente eficazes na asma alérgica e na AIE, e já foram muito
(1x/dia)
populares no tratamento da asma em crianças, porém, além de serem
menos eficazes do que o CI, impõem sérias dificuldades práticas: são
Fluticasona + Lugano ®, Flutiform ®
necessárias várias administrações diárias, e seus ina-ladores precisam ser
formoterol
lavados com frequência para não ficarem entupidos por resíduos da
medicação. Atualmente são muito pouco usados.
Fluticasona + Seretide ®

salmeterol
O omalizumabe (Xolair ®) é um anticorpo monoclonal anti-IgE
indicado como adjuvante para pacientes com idade ≥ 6 anos que
Mometasona + Vannair ®, Zenhale ®
formoterol possuam asma alérgica refratária à combinação de CI + LABA na
vigência de níveis elevados de IgE no sangue. Pode melhorar o controle
Obs.: as duas primeiras combinações da tabela podem ser usadas como
tratamento de manutenção e resgate. da doença e reduzir exacerbações. É ministrado pela via subcutânea a
cada 2-4 semanas, e seu custo é muito alto.

Em relação ao uso sistêmico, já está provado que a via oral tem a mesma
eficácia do que a via intravenosa no tratamento das crises, sendo a O mepolizumabe (Nucala ®) e o reslizumabe (Cinqaero ®) são anticorpos
primeira, pela sua maior comodidade, preferível. Ambas levam cerca monoclonais anti-IL-5, enquanto o benralizumabe (Fansera ®) é um
de4h para começar a agir... Cerca de 1% dos asmáticos necessita de bloqueador do receptor de IL-5. Todos são de uso parenteral... Como a
corticoide oral crônico como terapia adicional para controle da doença. IL-5 é a citocina que recruta e ativa eosinófilos, tais drogas reduzem
A menor dose possível deve ser empregada (de preferência ≤ 7,5 mg/dia eosinófilos no sangue e nos tecidos, podendo melhorar o controle da
de prednisona), mas mesmo assim o risco de efeitos colaterais sistêmicos asma em pacientes refratários às demais medicações que apresentem
é significativo no longo prazo. contagens elevadas de eosinófilos no sangue e/ou escarro.
Mepolizumabe pode ser usado em crianças > 6 anos, mas o reslizumabe
Leucotrienos são mediadores inflamatórios com poderosa ação e o benralizumabe somente em pacientes > 18 anos. O custo é altíssimo.
broncoconstritora secretados por mastócitos e eosinófilos na via aérea
do portador de asma. O bloqueio de seu receptor cys-LT1 por drogas de VIDEO_09_Mozart_PNE1
uso oral como zafirlucaste (Accolate ®) e montelucaste (Singulair ®,
Piemonte ®) é eficaz e bem tolerado. A associação CI + LABA é
superior como terapia de controle da asma no longo prazo, porém
pode-se acrescentar um antagonista de receptor de leucotrieno em
pacientes que não atingem o controle da doença. A resposta é maior em
alguns indivíduos do que em outros e não existe uma explicação
definitiva para este achado, tampouco uma maneira de prevê-lo.

Logo após a introdução dos antagonistas de leucotrieno, alguns


estudos sugeriram que tais drogas se associariam a um aumento
na incidência da síndrome de Churg-Strauss (angiite com
granulomatose eosinofílica). No entanto, parece que se trata de
uma associação não causal, isto é, não seriam essas drogas a
causa direta da referida síndrome, e sim a suspensão da
corticoterapia nos pacientes que apresentavam melhora da asma
em resposta aos antileucotrienos... O glicocorticoide sistêmico
constitui a base terapêutica da síndrome de Churg-Strauss. Como
o diagnóstico desta condição, em geral, demora a ser
estabelecido (por ser uma doença raríssima), o paciente passa
anos sendo taxado como portador de "asma grave", fazendo uso
de corticoide oral. Um subgrupo de portadores de asma grave
que na verdade já possuía a síndrome de Churg-Strauss pode
apenas ter sido "descoberto" após a suspensão da corticoterapia
devido à introdução dos antagonistas de leucotrieno, já que tais
drogas não exercem qualquer efeito de controle sobre esta
síndrome vasculítica, apesar de poder amenizar seu componente
asmático.
A DPOC é uma doença que acomete a população mundial. Sua
prevalência vem aumentando nas últimas décadas, especialmente no
sexo feminino. É caracteristicamente uma doença de adultos mais
velhos, manifestando-se na quinta ou sexta décadas de vida. A
preponderância no sexo masculino é explicada basicamente pela maior
prevalência do tabagismo nos homens, porém esta diferença tem se
reduzido pela maior proporção de mulheres fumantes.

Enquanto a mortalidade mundial por doenças cardiovasculares, como o


IAM e o AVE, vem decaindo, a mortalidade relacionada à DPOC está
aumentando progressivamente nos últimos anos, sendo atualmente a
terceira causa de morte nas estatísticas dos EUA.

3
Cap. DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA

CRÔNICA (DPOC)

INTRODUÇÃO

VIDEO_10_Mozart_PNE1
Fig. 1

DEFINIÇÃO
Tabagismo e DPOC: o tabagismo é sem dúvida o principal fator de risco
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – DPOC – é definida para a DPOC, havendo uma história tabágica positiva em 90% dos
como uma síndrome caracterizada pela obstrução crônica e casos. Estima-se que 15% dos fumantes de um maço/dia e 25% dos
difusa das vias aéreas inferiores, de caráter irreversível, com fumantes de dois maços/dia terão DPOC futuramente se mantiverem o
destruição progressiva do parênquima pulmonar. Geralmente hábito de fumar. As substâncias do tabaco causam uma série de
estão incluídos nesta definição os pacientes com bronquite alterações nas vias aéreas: (1) estimulam a produção de muco e a
obstrutiva crônica e/ou com enfisema pulmonar, os dois hipertrofia das glândulas submucosas; (2) reduzem ou bloqueiam o
principais componentes da doença, ambos relacionados a movimento ciliar das células epiteliais; (3) ativam macrófagos alveolares
exposição à fumaça do tabaco. a secretar fatores quimiotáticos (especialmente o IL-8) que estimulam o
recrutamento alveolar de neutrófilos; (4) ativam neutrófilos, que passam
a produzir mais enzimas proteolíticas, como a elastase; (5) inibem a
EPIDEMIOLOGIA atividade da α-1-antitripsina, enzima inibidora fisiológica da elastase.

QUADRO DE CONCEITOS I
A quantificação do tabagismo é dada pela “carga tabágica”. Quando pesquisar a deficiência de alfa-1-
Esta é calculada multiplicando-se a quantidade média de
antitripsina?
maços consumidos por dia pelo número de anos de
tabagismo. Por exemplo, um paciente que fumou dois maços Enfisema em jovens (< 45 Forte história familiar de
por dia por 30 anos, possui uma carga tabágica de 60 anos). enfisema ou hepatopatia.
maços/ano. A maioria dos pacientes com DPOC possui uma
carga tabágica superior a 40 maços/ano, sendo a doença
Enfisema predominante em Doença hepática associada
incomum abaixo de 20 maços/ano.
bases pulmonares. inexplicada.

Enfisema em não tabagistas ou com pequena carga tabágica.

Asma e DPOC: a presença de hiper-reatividade brônquica na DPOC é


Câncer de pulmão e DPOC: o tabagismo é o fator de risco mais
frequentemente encontrada, sendo denominada síndrome de
importante tanto para a DPOC quanto para o carcinoma broncogênico.
“sobreposição asma-DPOC”. O componente “asmático” da obstrução
Porém os estudos sugerem que a DPOC é um fator de risco
pode ser revertido com broncodilatadores e, principalmente, com o uso
independente para este câncer. A observação constatou que, corrigindo-
de corticoide inalatório. Não se conhece a exata relação patogênica
se para uma mesma carga tabágica, aqueles que apresentam obstrução
entre asma e DPOC. Na verdade, parecem ser doenças distintas, mas
crônica das vias aéreas são mais propensos a desenvolver Ca de pulmão.
que podem coexistir. A inflamação das vias aéreas encontrada nesta
síndrome difere daquela observada na asma: enquanto na asma a
inflamação é dependente de linfócitos T CD4, eosinófilos, basófilos e FISIOPATOLOGIA
mastócitos, havendo pouca ou nenhuma fibrose; na síndrome de
sobreposição a inflamação é dependente de linfócitos T CD8
citotóxicos, macrófagos e neutrófilos, estimulando a fibrose das vias HISTOPATOLÓGICO
aéreas. Alguns casos de asma, contudo, podem evoluir com o fenômeno
do remodelamento das vias aéreas, levando à obstrução crônica Para compreender a fisiopatologia da doença, devemos antes descrever
progressiva por mecanismo fibro-gênico. Estes pacientes apresentam um seus achados patológicos. A maioria dos pacientes com DPOC
quadro fisiopatológico muito semelhante ao da DPOC. apresenta dois importantes e distintos componentes da doença, ambos
altamente relacionados ao tabagismo:
Outros fatores de risco: o tabagismo passivo, a poluição atmosférica
extra e intradomiciliar (ex.: fogões a lenha), bem como a exposição ● Bronquite obstrutiva crônica;
ocupacional a poeiras orgânicas (minas de carvão, ouro), fumaças (ex.:
● Enfisema pulmonar.
cádmio) e vapores são considerados fatores de risco para DPOC,
podendo ser aditivos ao efeito do tabagismo ou explicar a ocorrência de
DPOC em não tabagistas. Existe um dado interessante (e preocupante) *Bronquite obstrutiva crônica: as alterações patológicas principais são:
sobre o tabagismo passivo: crianças expostas ao tabagismo materno, (1) hipertrofia e hiperplasia das glândulas submucosas secretoras de
inclusive durante a gestação, apresentam crescimento pulmonar muco associadas a um aumento no número de células caliciformes da
reduzido, o que é fator de risco para DPOC no futuro (lembre-se que o mucosa (daí o estado hipersecretor), presentes principalmente nas vias
VEF1 máximo é atingido por volta dos 20-30 anos – nestas crianças o aéreas proximais; (2) redução do lúmen das vias aéreas distais devido ao
VEF1 máximo atingido pode estar abaixo do normal). O baixo nível espessamento da parede brônquica por edema e fibrose (bronquiolite
socioeconômico também é fator de risco bem estabelecido para DPOC! obliterante).
É provável que múltiplos “componentes” da pobreza sejam diretamente
responsáveis por este efeito (ex.: baixo peso ao nascer; maior exposição *Enfisema pulmonar: definido como um alargamento dos espaços aéreos
aos poluentes extra ou intradomiciliares; maior número de infecções distais aos bronquíolos, decorrente da destruição progressiva dos septos
respiratórias na infância, etc.). alveolares.

A deficiência de alfa-1-antitripsina é uma doença genética autossômica O tipo patológico mais comum é o enfisema centroacinar. O
recessiva que cursa frequentemente com enfisema pulmonar em alargamento e a destruição parenquimatosa encontram-se nos
pacientes jovens. Em 10% dos casos ocorre hepatopatia crônica que bronquíolos respiratórios, ou seja, na região central do ácino ou lóbulo
evolui para cirrose hepática. Os indivíduos homozigotos para o gene Z pulmonar. Esta é a forma relacionada ao tabagismo, por isso de longe a
(genótipo PiZZ em vez do genótipo normal PiMM) têm uma mais comum. O processo predomina nos lobos superiores dos pulmões.
concentração de alfa-1-antitripsina menor que 10% do valor normal. A O segundo tipo patológico é o enfisema panacinar, típico da deficiência
ausência da ação desta enzima deixa livre a elastase neutrofílica que vai de alfa-1-antitripsina. Neste caso, o processo mórbido distribui-se
degradando paulatinamente o parênquima pulmonar. uniformemente pelo ácino, na região central e periférica. Observe a
FIGURA 2.
O tratamento desses pacientes pode ser feito com a infusão venosa
semanal de alfa-1-antitripsina. Os pacientes heterozigotos (PiZM)
parecem ter um risco apenas levemente aumentado para DPOC, e não
se beneficiam do tratamento de reposição enzimática.
Fig. 2

QUADRO DE CONCEITOS II

O enfisema causa obstrução crônica das vias aéreas distais


pelo fato de haver perda no tecido elástico de sustentação da Fig. 1
parede brônquica, o que permite a redução do seu lúmen,
principalmente na fase expiratória.

OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS E


HIPERINSUFLAÇÃO

Esta é a característica mais marcante da DPOC! Acompanhe pela


representação esquemática (FIGURA 3)... A manutenção das vias
aéreas abertas durante a respiração depende da pressão gerada pelo
fluxo de ar que, por sua vez, é depen-dente das forças ins e expiratórias.
Na inspiração geralmente não ocorre limitação, pois a força geradora
de fluxo provém da musculatura respiratória, mas o que acontece na
expiração? A força expiratória depende em grande parte da elasticidade
Fig. 3
pulmonar, que se encontra reduzida na DPOC, e a resistência das vias
aéreas distais está aumentada pela redução do seu lúmen, o que é
gerado por dois fatores: (1) diminuição do tecido elástico na parede dos
alvéolos (enfisema); e (2) edema e fibrose na parede dos pequenos O aprisionamento de ar e a hiperinsuflação pulmonar podem ter
brônquios (bronquiolite obliterante). Esses fatores, somados a uma consequências deletérias para a fisiologia: (1) surge auto-PEEP, isto é,
pressão intratorácica progressivamente positiva, predispõem ao colapso uma pressão alveolar positiva no final da expiração, que pode aumentar
das vias aéreas, impedindo a eliminação do ar armazenado nas porções o trabalho da musculatura respiratória na inspiração; (2) altera a
periféricas do pulmão. Trata-se do fenômeno do aprisionamento de ar mecânica do diafragma, que apresenta tendência à retificação, tornando
(air trapping), que promove um aumento característico do volume improdutiva a sua contração para puxar o ar inspiratório... O indivíduo
residual, da capacidade residual funcional e da capacidade pulmonar passa a utilizar a musculatura acessória (esternocleidomastoideo,
total. O pulmão desses pacientes está cronicamente hiperinsuflado, o intercostais, abdominais), apresentando progressivamente cada vez mais
que pode ser notado na radiografia de tórax – ou até mesmo no exame “esforço” para respirar...
físico (FIGURA 1: o famoso “tórax em tonel”) – dos portadores de
DPOC avançada.
DISTÚRBIO DA TROCA GASOSA
A troca gasosa está comprometida tanto pela lesão enfisematosa quanto
pela lesão bronquítica (mais nesta última). Como ambas as patologias Um fato curioso: o centro respiratório bulbar, ao tornar-se
levam à obstrução de vias aéreas de forma heterogênea, propiciam o hipossensível ao CO2, pode ficar mais sensível à hipoxemia.
surgimento de alvéolosmal ventilados, porém, bem perfundidos. Nesses Pelo menos em tese, a hiperoxemia pode inibir o centro
alvéolos, o sangue venoso passa recebendo pouco O2, um mecanismo respiratório, reduzindo perigosamente a ventilação alveolar,
denominado shunt parcial. Se o número de alvéolos com shunt parcial fazendo o paciente reter abruptamente ainda mais CO2 e
for grande, a mistura de sangue mal oxigenado produzirá hipoxemia e evoluir com acidose respiratória agudizada. Outro mecanismo
dessaturação da hemoglobina. A este fenômeno denomina-se distúrbio valorizado recentemente é o agravamento do distúrbio V/Q e
V/Q (V = ventilação e Q = perfusão). Inicialmente, a hipoxemia ocorre o aumento do espaço morto fisiológico pela hiperóxia alveolar:
apenas no exercício físico. Com o progredir da doença, a hipoxemia ao reverter a vasoconstrição nos alvéolos mal ventilados,
pode ocorrer em repouso. É um sinal de doença avançada e significa desloca o sangue dos alvéolos hiperventilados para aqueles,
mau prognóstico. O enriquecimento do ar inspirado com O2 pode aumentando, portanto, o espaço morto (os alvéolos
corrigir o problema, pois aumenta a PO2 alveolar, melhorando a hiperventilados se tornam menos perfundidos). O resultado é
oxigenação do sangue mesmo em alvéolos mal ventilados. O parâmetro a retenção de CO2, pois estes pacientes já esgotaram sua
mais sensível para avaliar o distúrbio V/Q é a diferença alvéolo-arterial reserva ventilatória. Por isso, os retentores crônicos de CO2
de O2 (PA-aO2), que na DPOC pode encontrar-se elevada (> 15 mmHg)
nunca podem ser hiperoxigenados! A administração de
já em fases iniciais. oxigênio nesses pacientes não deve ultrapassar, de um modo
geral, o patamar de 3 L/min.
A eliminação de CO2 também pode ser comprometida, em geral mais
tardiamente. Nas fases mais avançadas da doença, três mecanismos
atuam em conjunto para a retenção progressiva do CO2: (1)
“achatamento” do volume corrente devido ao grande aumento do
volume residual (hiperinsuflação), o qual representa um percentual cada COR PULMONALE
vez maior da capacidade pulmonar total; (2) aumento do espaço morto
fisiológico – áreas ventiladas sem perfusão; e (3) hipossensibilidade do Cor pulmonale significa uma disfunção do ventrículo direito
centro respiratório bulbar ao CO2. Estes pacientes começam a reter consequente a um distúrbio pulmonar. Uma série de pneumopatias
CO2 de forma lenta e progressiva (acidose respiratória crônica), pode causar cor pulmonale, mas a DPOC é, sem dúvida, a causa mais
estimulando o rim a reter mais bicarbonato e, assim, compensar a comum. O principal mecanismo é a hipóxia crônica. As arteríolas
acidose respiratória crônica. A gasometria do retentor crônico de CO2 pulmonares respondem à hipóxia com vasoconstrição. Esta resposta é
apresenta altos níveis de PCO2, com bicarbonato e Base Excess (BE) fisiológica, na medida em que desvia o fluxo sanguíneo pulmonar para
elevados, e geralmente uma discreta acidemia (ex.: pH ~ 7,32). A os alvéolos bem ventilados. Contudo, se a hipóxia alveolar for
resposta metabólica renal mantém estável a relação bicarbonato/PCO2, generalizada (devido à má ventilação dos mesmos), a maior parte dos
vasos sofrerá constrição, promovendo Hipertensão Arterial Pulmonar
determinante do pH plasmático... Assim, não é nenhuma surpresa
(HAP). Posteriormente, o agravamento da HAP ocorre devido a uma
encontrarmos uma gasometria com PaCO2 de 85 mmHg, bicarbonato
combinação de hiperplasia endotelial e hipertrofia muscular, levando ao
de 33 mEq/L, mas um pH não muito alterado (7,31)...
remodelamento da parede das pequenas artérias pulmonares. Quando a
pressão arterial pulmonar sistólica atingir cifras > 50 mmHg (normal
Durante a descompensação do quadro (por infecção, broncoespasmo,
até 20 mmHg), o ventrículo direito pode entrar em falência sistólica,
drogas depressoras respiratórias, etc.) pode haver fadiga respiratória ou
devido ao aumento excessivo da pós-carga. As consequências da
inibição do drive ventilatório, levando a um aumento agudo da PaCO2,
insuficiência ventricular direita são: (1) elevação da pressão venosa
o que faz o pH cair subitamente. Por efeito da carbonarcose, o paciente central; (2) congestão sistêmica; (3) baixo débito cardíaco, contribuindo
começa a ficar desorientado, agitado e depois sonolento. Neste caso, para o cansaço destes pacientes...
estamos diante de uma acidose respiratória “crônica agudizada”. A
intervenção é mandatória (ventilação com pressão positiva, invasiva ou
não invasiva), pois esses pacientes podem evoluir rapidamente para uma HISTÓRIA NATURAL
parada cardiorrespiratória.

QUADRO DE CONCEITOS III


Para entendermos a evolução da DPOC é de fundamental importância A causa na grande maioria dos casos de bronqui-te crônica é o
adquirir alguns conceitos. O pulmão aumenta sua capacidade de tabagismo. O seu mecanismo é a hipertrofia das glândulas submucosas
trabalho progressivamente até os vinte anos, quando atinge seu máximo. que passam a secretar quantidades expressivas de muco. O muco
A partir dos trinta anos, essa capacidade naturalmente diminui, em um acumula-se nas vias aéreas, principalmente durante a noite de sono, pois
ritmo lento e constante. O tabagismo é responsável por uma aceleração o tabagismo inibe a atividade ciliar do epitélio brônquico.
desse declínio; os pacientes geralmente se tornam sintomáticos quando
atingem metade de seu VEF1 máximo. Enquanto nos pacientes não
tabagistas a velocidade de queda do VEF1 é, em média, de 20-30 QUADRO DE CONCEITOS IV
ml/ano, nos tabagistas situa-se em torno de 60 ml/ano. A cessação do
tabagismo faz apenas com que a redução do VEF1 retorne à velocidade
dos pacientes não fumantes, e não que haja melhora na capacidade
Quando a bronquite crônica não está relacionada à obstrução
pulmonar. Aí está a grande importância de se cessar o tabagismo antes
crônica de vias aéreas, denomina-se bronquite crônica
do aparecimento dos sintomas... Observe o clássico gráfico abaixo que
simples. Esta entidade não é uma DPOC!!
mostra essa evolução.

EXAME FÍSICO

Os achados do exame físico variam de acordo com a forma


predominante da doença (enfisematoso ou bronquítico). No paciente
com bronquite obstrutiva crônica, a ausculta pulmonar revela uma série
de ruídos adventícios, tais como sibilos, roncos, estertores crepitantes e
subcrepitantes, associados à diminuição do murmúrio vesicular. Nos
pacientes com predomínio do componente enfisematoso, a ausculta
revela apenas a diminuição do murmúrio vesicular, sem nenhum ruído
adventício. A elasticidade e a expansibilidade pulmonar estão reduzidas,
Fig. 4
enquanto a percussão mostra aumento do timpanismo.

A respiração do paciente com DPOC pode chamar atenção para um


detalhe especial: a fase expiratória está desproporcionalmente
prolongada em relação à fase inspiratória. Nos pacientes dispneicos, o
QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO esforço é maior na expiração, havendo contração da musculatura
abdominal. Alguns pacientes expiram como se estivessem soprando...

HISTÓRIA CLÍNICA
Nos casos mais avançados, o paciente pode mostrar-se pletórico, ou
seja, com um tom de pele avermelhado. O motivo é a policitemia reativa
A queixa mais marcante dos pacientes com DPOC é a dispneia aos
à hipoxemia crônica, mediada pelo aumento da eritropoetina renal. A
esforços. A evolução é insidiosa, progressiva, marcada por pioras
dessaturação da hemoglobina associada à eritrocitose leva à cianose. A
agudas desencadeadas por fatores descompensantes (ex.: infecção
mistura do tom avermelhado com o tom azulado da cianose dá o
respiratória). Com o avançar da doença, a dispneia acaba por ser
aspecto da eritrocianose. O aspecto do tórax pode revelar a
desencadeada com níveis cada vez menores de esforço, podendo evoluir
hiperinsuflação pulmonar, com aumento do diâ-metro anteroposterior –
para dispneia em repouso ou aos mínimos esforços. Eventualmente
“tórax em tonel”. Nos pacientes com cor pulmonale, o edema de
pode haver ortopneia e dispneia paroxística noturna (embora esses
membros inferiores e a turgência jugular patológica podem chamar
sintomas sejam mais sugestivos de insuficiência cardíaca) cujo
atenção. O baqueteamento digital não é um sinal do DPOC! Seu
mecanismo pode ser atribuído a dois fatores: (1) piora da mecânica
aparecimento deve levar à investigação de outras doenças, sendo a
diafragmática no decúbito dorsal; (2) aumento da secreção brônquica
neoplasia de pulmão uma das causas mais importantes nesse contexto...
pela hiperatividade vagal noturna.

O exame físico pode revelar dois tipos estereotipados de pacientes: os


A tosse é outro sintoma de extrema frequência na DPOC, sendo
pink puffers e os blue bloaters.
comumente acompanhada de expectoração e muitas vezes precedendo o
quadro dispneico. Cabe aqui a seguinte definição:
Pink puffers: são os “sopradores róseos”. Este é o estereótipo do
enfisematoso. Na inspeção, notam-se apenas a pletora e o tórax em
Bronquite crônica é definida como a entidade clínica na qual o tonel. Geralmente são magros, às vezes consumidos pela doença,
paciente apresenta tosse produtiva (geralmente matinal) por mais apresentando dispneia do tipo expiratória (“sopradores”), mas sem
de três meses consecutivos de um ano e há mais de dois anos. sinais de cor pulmonale e hipoxemia significativa. A ausculta pulmonar
revela apenas a diminuição acentuada do murmúrio vesicular, sem
ruídos adventícios.
Blue bloaters: são os “inchados azuis”. Este é o estereótipo do
bronquítico grave. Estes pacientes possuem um distúrbio mais grave da
troca gasosa do que o enfisematoso puro, apresentando-se com
hipoxemia significativa, manifesta como cianose (“azuis”). A hipoxemia
leva ao cor pulmonale e, portanto, ao quadro de insuficiência ventricular
direita e congestão sistêmica. Daí o corpo inchado (bloater). Estes
pacientes frequentemente são obesos e apresentam a síndrome da
apneia do sono. A ausculta pulmonar é rica em ruídos adventícios
(sibilos, roncos, estertores).

É importante ressaltar que a grande maioria dos pacientes com DPOC


apresenta graus variados de bronquite obstrutiva crônica e enfisema,
apresentando um quadro misto entre esses dois estereótipos!

EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS


Fig. 5

*Hemograma: pode mostrar eritrocitose (hematócrito maior que 55%).


O tabagismo por si só (na ausência de hipoxemia) pode estar associado
à eritrocitose (síndrome de Gäisbok), porém a hipoxemia deve ser
*Eletrocardiograma – FIGURA 6: devemos procurar as alterações do
afastada como mecanismo causal. A hipoxemia é um estímulo
cor pulmonale, que são, na verdade, os sinais da sobrecarga cardíaca
importante para a produção de eritropoetina pelos rins, levando ao
direita.
aumento da produção de hemácias na medula óssea.

*Gasometria arterial: como vimos no item fisiopatologia, a gasometria Os seguintes achados sugerem essa sobrecarga:
arterial pode estar cronicamente alterada na DPOC, geralmente nos
casos mais avançados de doença. O dado mais comumente encontrado é ● Onda P alta e pontiaguda, medindo mais de 2,5 mm na
a hipoxemia, que pode ser leve, moderada ou grave (PaO2 < 55 mmHg amplitude (P pulmonale): denota aumento atrial direito;
ou SaO2 < 88%). A hipercapnia com acidose respiratória crônica,
● Desvio do eixo do QRS para a direita;
marcada pelo aumento compensatório do bicarbonato e do BE ocorre
em 30% dos pacientes com DPOC – são os casos mais avançados da ● Graus variados de bloqueio de ramo direito;
doença. O pH não está muito distante da faixa normal, estando ● Relação R/S maior que 1 em V1.
discretamente baixo. Entretanto, nos estados de descompensação, pode
haver piora importante da hipoxemia e da hipercapnia, levando,
eventualmente, à acidose respiratória agudizada. São indicações de
solicitação de gasometria arterial: (1) a suspeita de
hipoxemia/hipercapnia aguda (ex.: DPOC com descompensação grave)
bem como (2) a presença de VEF1 < 40% do previsto, mesmo fora do
contexto de uma descompensação, e/ou (3) sinais de insuficiência do
ventrículo direito...
Fig. 6: Taquicardia atrial multifocal – paciente com DPOC e cor
pulmonale descompensado.

A hipoxemia crônica associada à cardiopatia do coração direito


predispõe a taquiarritmias. As mais comuns são as extrassístoles atriais,
o ritmo atrial multifocal, o flutter e a fibrilação atrial. A taquicardia
atrial multifocal é conhecida como a arritmia do DPOC. Muitas destas
arritmias melhoram apenas com a correção da hipoxemia, reposição
eletrolítica (potássio e magnésio) e compensação do quadro respiratório.
*Radiografia de Tórax – FIGURA 7: o raio X só se encontra alterado O grau de obstrução é diretamente quantificado pelo VEF1, que deve
nos casos mais avançados de DPOC, possuindo uma sensibilidade de ser acompanhado de forma seriada no portador de DPOC, pelo menos
50%. Os sinais clássicos da DPOC na radiografia são: (1) retificação das anualmente, a fim de demonstrar a evolução da doença... É importante
hemicúpulas diafragmáticas; (2) hiperinsuflação pulmonar (aumento do reconhecer que o VEF1 é um excelente parâmetro prognóstico (ex.:
número de costelas visíveis na incidência PA – mais de 9-10 arcos quanto menor o VEF1, maior a chance de exacerbação e maior a
costais); (3) hipertransparência; (4) aumento dos espaços intercostais; mortalidade nos próximos anos), sendo igualmente útil na avaliação do
(5) redução do diâmetro cardíaco (“coração em gota”); (6) aumento do risco cirúrgico (onde estima especificamente o risco de com-plicações
espaço aéreo retroesternal no perfil; (7) espessamento brônquico. Bolhas respiratórias): se o VEF1 for menor que 1 L, a chance de complicações
pulmonares também podem ser eventualmente observadas. Na respiratórias após qualquer cirurgia é grande, sendo o risco “proibitivo”
radiografia também devem ser procuradas complicações, tais como em se tratando de procedimentos que envolvam ressecções do parênquima
pneumonia, pneumotórax e tumor. pulmonar (ex.: pneumectomia). Por outro lado, vale dizer que o VEF1
não prediz com acurácia a intensidade dos sintomas atuais, uma vez que
muitos pacientes com obstrução grave podem ser oligo ou mesmo
assintomáticos, ao passo que outros apresentam relativamente pouca
obstrução e muitos sintomas... A explicação para este aparente
paradoxo é: a ocorrência de sintomas depende não apenas do VEF1,
mas também do nível de atividade física do paciente no seu dia a dia!

O FEF 25-75% é outro parâmetro que deve ser analisado, sendo o


primeiro a se alterar na DPOC! Logo, trata-se do marcador mais
sensível (e precoce) de obstrução das vias aéreas, ainda que não sirva
para confirmar o diagnóstico (ver critério de confirmação
anteriormente)... Os volumes pulmonares estão caracteristicamente
aumentados (volume residual, capacidade residual funcional e
Fig. 7
capacidade pulmonar total). O teste de difusão do monóxido de carbono,
ao contrário da asma, está reduzido, especialmente quando há enfisema,
ou seja, na presença de destruição do parênquima (o teste de difusão do
CO avalia a extensão da superfície alveolar disponível para troca
gasosa).
PROVA DE FUNÇÃO PULMONAR

VIDEO_11_Mozart_PNE1
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX

Este exame é mandatório na avaliação de um paciente com (ou suspeita


A TC de tórax é considerada atualmente o teste definitivo para o
de) DPOC. Tal como na asma, é a espirometria que dará as informações
estabelecimento da presença ou não de enfisema nos pacientes DPOC,
mais importantes acerca do grau de obstrução das vias aéreas... As
determinando ainda sua extensão e localização. Todavia, na prática, este
principais medidas a serem avaliadas são o VEF1 e a relação VEF1/CVF
exame influencia pouco nas decisões terapêuticas, existindo apenas uma
(Índice de Tiffeneau).
indicação precisa e aceita: avaliação dos pacientes candidatos à terapia
cirúrgica da DPOC (cirurgia de redução do volume pulmonar – neste
caso, a TC orienta que porção do parênquima deve ser
Critério Diagnóstico
preferencialmente ressecada, isto é, aquela onde a presença de enfisema
é mais importante)...
Utilizamos como critério diagnóstico para DPOC uma relação
VEF1/CVF inferior a 70% do previsto, sem alteração
Outras indicações de TC na DPOC seriam as suspeitas de pneumonia,
significativa após a prova broncodilatadora (achado que revela a
bronquiectasias e/ou câncer de pulmão.
existência de uma obstrução “fixa” das vias aéreas).

EXACERBAÇÃO

Os pacientes com DPOC possuem uma baixa reserva pulmonar. Nesse


caso, qualquer insulto sobre o aparelho respiratório pode piorar o
quadro clínico, levando à exacerbação da dispneia e eventualmente à
insuficiência respiratória.
O principal fator de descompensação é a infecção respiratória, bacteriana
ou viral. Infecções bacterianas das vias aéreas superiores (sinusite, Caminha mais lentamente do que pessoas

traqueobronquite) ou inferiores (pneumonia) devem ser tratadas de da mesma idade por causa de dispneia ou

forma precoce e eficaz. Dados clínicos que sugerem infecção bacteriana Grau 2 necessidade de parar de andar por causa de

(ex.: traqueobronquite bacteriana) são o aumento do volume do escarro dispneia, mesmo andando em seu próprio

e a alteração do seu aspecto, tornando-se purulento. Na dúvida, sempre ritmo em nível plano.

devemos tratar com antibióticos. Outros fatores desencadeantes


importantes são a hiper-reatividade brônquica (broncoespasmo), drogas Para de andar por causa de dispneia após
depressoras do centro respiratório, insuficiência cardíaca, TEP e Grau 3 100 m de caminhada ou após alguns minutos
pneumotórax. em nível plano.

Dispneia que impede o indivíduo de sair de


CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA Grau 4 casa, ou que aparece com esforços mínimos
como vestir ou tirar as próprias roupas.
Na prática médica atual tem sido adotado o sistema de classificação da
DPOC proposto pelo guideline GOLD (Global Initiative for Chronic
Obstructive Lung Disease). Tal sistema conjuga dados como a GRAU DE OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS
intensidade dos sintomas e o grau de obstrução das vias aéreas, com o
risco de exacerbações e a presença de comorbidades, fornecendo uma O grau de limitação ao fluxo aéreo é objetivamente quantificado pela
visão mais “integrada” do verdadeiro impacto que a doença exerce na queda do VEF1 em relação ao previsto. Vale lembrar que o VEF1 deve
qualidade de vida de cada paciente! O objetivo final é permitir a ser medido após a prova broncodilatadora... Com isso, chega-se ao
montagem racional de uma estratégia terapêutica individualizada, antigo “estadiamento” GOLD, descrito na Tabela a seguir. Dissemos
baseada em evidências científicas... Vamos primeiro analisar cada antigo e colocamos a palavra “estadiamento” entre aspas porque, nas
componente da classificação para depois juntar tudo num modelo primeiras versões do referido guideline, esta era a única forma descrita
lógico!!! de classificar a doença (hoje, trata-se apenas de um dos componentes da
atual classificação)...
INTENSIDADE DOS SINTOMAS
Na realidade, nos dias de hoje, o grau espirométrico de obstrução ao
Os sintomas devem ser formalmente avaliados por meio de escores fluxo aéreo é avaliado de maneira complementar à classificação
validados na literatura. Esses escores foram empregados nos ensaios integrada proposta na FIGURA 8, isto é: por si só, o grau espirométrico
clínicos que estabeleceram a eficácia e segurança dos tratamentos não muda a classificação (A, B, C ou D) – esta é definida apenas em
farmacológicos da DPOC, logo, são capazes de identificar os pacientes função dos sintomas e da história de exacerbações. Contudo, na
para os quais o tratamento é comprovadamente benéfico. De todos os definição final do caso, devemos citar o grau espirométrico, de modo a
escores existentes, o GOLD prioriza dois, que são os mais simples e compreender melhor a gravidade da doença do paciente.
fáceis de aplicar: mMRC ( Modified Medical Research Council
Questionnaire) e CAT (COPD Assessment Test) – ver adiante. O mMRC
avalia apenas a dispneia, ao passo que o CAT fornece uma avaliação
Estadiamento Características
sintomática mais abrangente, refletindo o impacto da dispneia e outras
GOLD
manifestações da doença na vida do paciente!

GOLD I: DPOC Leve VEF1/CVF < 70% pós-pbd.


Não obstante, na hora de classificar a DPOC, devemos selecionar
apenas um desses escores (é desnecessário fazer os dois ao mesmo VEF1 ≥ 80% do previsto.
tempo). O ideal é calcular o CAT, por ser este o mais “abrangente”...
Todavia, na ausência dele, o mMRC é igualmente válido! GOLD II: DPOC VEF1/CVF < 70% pós-pbd.
Moderada
VEF1 entre 50-79% do previsto.

mMRC (Modified Medical Research Council GOLD III: DPOC VEF1/CVF < 70% pós-pbd.

Questionnaire) Grave
VEF1 entre 30-49% do previsto.

Grau zero Dispneia apenas com esforços extenuantes. GOLD IV: DPOC VEF1/CVF < 70% pós-pbd.
Muito Grave
VEF1 < 30% do previsto.
Dispneia quando anda com pressa em nível
Grau 1 plano, ou quando sobe normalmente uma
leve inclinação.
Fig. 8 Fig. 8

AVALIAÇÃO DO RISCO DE EXACERBAÇÕES CLASSIFICAÇÃO INTEGRADA

O maior fator de risco para exacerbações futuras da DPOC é a história VIDEO_12_Mozart_PNE1


de exacerbações prévias, particularmente quando estas motivaram uma
Conjugando os elementos descritos (exceto a presença de comorbidades
internação hospitalar.
e o grau espirométrico, que não entram na matriz 2 x 2 a seguir,
devendo ser “agregados” à parte no raciocínio do médico), classificamos
PRESENÇA DE COMORBIDADES
a DPOC em quatro “grupos” de gravidade crescente: A, B, C ou D.
Observe a FIGURA 8.
A presença de comorbidades também não entra diretamente no sistema
de classificação da DPOC (ver FIGURA 8 a seguir), porém é claro que
Vamos treinar a classificação com um exemplo real...
precisa ser considerada! A DPOC é uma doença crônica grave e
progressiva, e a coexistência de outras doenças crônicas graves e
progressivas (ex.: ICC, hepatopatia, IRC) sempre vai afetar o Imagine dois pacientes com VEF1 < 30% após a prova
prognóstico... É interessante que muitas comorbidades podem ser broncodilatadora (GOLD IV) e muito sintomáticos (escore CAT =
consequências diretas da DPOC ou de fatores de risco 20). Esses pacientes só podem ser grupo B ou grupo D... Agora,
“compartilhados”, por exemplo: Ca de pulmão (onde tanto a DPOC imagine que um deles nunca exacerbou a doença, ao passo que
quanto o tabagismo são fatores de risco independentes), doenças o outro apresentou três exacerbações no último ano... O primeiro,
cardiovasculares (associação com tabagismo), síndrome da portanto, será classificado como DPOC GOLD IV – grupo B –, e o
caquexia/sarcopenia (decorrente do estado inflamatório crônico segundo DPOC GOLD IV – grupo D.
associado à DPOC, particularmente em sua forma enfisematosa),
síndrome metabólica e osteoporose (condições que aumentam o risco
dos glicocorticoides empregados no tratamento da DPOC), entre Em suma, a interpretação final da classificação deve ser:
outras... A importância de considerar as comorbidades existentes reside
no fato de que às vezes elas podem modificar a conduta terapêutica, ● GRUPO A – “baixo risco e pouco sintomático”;
tornando-a mais complexa e/ou limitada...
● GRUPO B – “baixo risco e muito sintomático”;

● GRUPO C – “alto risco e pouco sintomático”;

● GRUPO D – “alto risco e muito sintomático”.


Parar de fumar desacelera a evolução da doença. A velocidade de
declínio do VEF1 (mais rápida no tabagista) retorna para valores
compatíveis com a normalidade cerca de um ano após a interrupção do
hábito de fumar! Se a abstenção do tabagismo for precoce, o paciente
pode ser poupado de lesões pulmonares irreversíveis (ou estas são
minimizadas). Se a abstenção for tardia (com a doença já em estágio
avançado), não há retorno da função pulmonar, porém, mesmo assim o
paciente obtém benefício, pois a função pulmonar tende a permanecer
estável por mais tempo. Em qualquer um desses cenários a abstenção
duradoura do tabagismo promove aumento de sobrevida!

Assim, TODOS os tabagistas portadores de DPOC devem ser


fortemente aconselhados a parar de fumar!

Já foi demonstrado que mesmo uma intervenção breve realizada pelo


médico durante a consulta (por exemplo: três minutos de conversa
específica a respeito do tema) isoladamente já é capaz de aumentar a
taxa de abstenção (chegando a 5-10%). Descreve-se, inclusive, uma

Escore CAT
relação “dose-resposta” entre a intensidade do aconselhamento médico
e a taxa de abstenção, quer dizer, quanto mais o médico insistir, maior
será o número de abstenções conseguidas.

Existem três principais opções de tratamento farmacológico para


auxiliar o paciente a atingir e manter a abstenção, e a combinação de
TRATAMENTO
aconselhamento com medicamentos representa a abordagem mais eficaz
(20-30% de sucesso). O tra-tamento farmacológico é indicado para
Os principais objetivos do tratamento da DPOC são o alívio dos TODOS OS PACIENTES QUE DESEJAM PARAR DE FUMAR, na
sintomas e a diminuição dos riscos futuros (risco de exacerbações, ausência de contraindicações específicas (ex.: ausência de gravidez).
progressão da doença e morte).

A abordagem terapêutica inicial se baseia na classificação integrada É importante ressaltar que somente pacientes verdadeiramente
descrita no guideline GOLD (grupos A, B, C e D), propiciando uma motivados a parar de fumar devem receber tratamento
prescrição individualizada de acordo com as necessidades de cada medicamentoso. Indivíduos que sequer cogitam interromper o
paciente. tabagismo não devem receber o tratamento, já que este
consegue apenas abrandar a “fissura” pelo cigarro, não sendo
capaz de convencer uma pessoa a parar de fumar... O paciente
A despeito das múltiplas opções disponíveis, somente três condutas
ideal para receber tratamento farmacológico é aquele que diz:
provaram aumentar a sobrevida do portador de DPOC: (1) abstenção
“gostaria de parar de fumar mas não consigo ficar sem cigarro”...
do tabagismo; (2) oxigenoterapia domiciliar em pacientes com hipoxemia
crônica e grave em repouso; (3) cirurgia pneumorredutora em pacientes
selecionados. Existe controvérsia se o corticoide inalatório e os As principais drogas são: (1) reposição de nicotina (por meio de variadas
antagonistas muscarínicos de longa ação (LAMA) também seriam formas, como goma de mascar, pastilhas, adesivo transdérmico, spray
capazes de aumentar a sobrevida... nasal ou inalador dosimetrado); (2) bupropiona (150 mg 12/12h); (3)
vareniclina (1 mg 12/12h). A bupropiona é um inibidor seletivo da
Começaremos falando sobre o tratamento de manutenção, ou seja, recaptação de serotonina, inicialmente desenvolvido para ser um
aquele indicado para o paciente com DPOC estável. Em seguida antidepressivo, mas que mostrou particular eficácia na manutenção da
abordaremos o tratamento das exacerbações. abstenção ao cigarro (diminuindo a sensação de “fissura”). A
vareniclina é um agonista parcial dos receptores nicotínicos de
acetilcolina no SNC, exercendo o mesmo tipo de efeito sobre a
TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO
“fissura”. Tais drogas podem ser ministradas em monoterapia, ou
combinadas no paciente com altos níveis de dependência (esta é passível
VIDEO_13_Mozart_PNE1 de avaliação por meio de escalas específicas).

ABSTENÇÃO DO TABAGISMO
O papel dos “cigarros eletrônicos” como alternativa terapêutica
ainda não está definido na literatura.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO CRÔNICO


Na fase estável da DPOC, com vistas a reduzir sintomas e prevenir As evidências de benefício são para a combina-ção de LABA + CI em
exacerbações, podemos lançar mão de broncodilatadores e anti- pacientes que continuam tendo exacerbações a despeito do uso de
inflamatórios, de preferência pela via inalatória (ação tópica potente, broncodilatador inalatório de longa ação, ESPECIALMENTE
com pouca chance de paraefeitos sistêmicos). NAQUELES QUE APRESENTAM CONTAGENS ELEVADAS DE
EOSINÓFILOS NO SANGUE PERIFÉRICO (≥ 300/microlitro). No
Os broncodilatadores podem ser de curta ou longa ação. A preferência grupo de pacientes com contagens de eosinófilos < 100/microlitro, a
no tratamento de manutenção é pelos últimos, devendo os fármacos de eficácia do CI é expressivamente menor. Também é possível combinar
curta ação serem reservados como terapia de resgate (“SOS”) para LAMA + LABA + CI em casos refratários.
sintomas eventuais. Os broncodilatadores inalatórios podem ser de dois
tipos: (1) agonistas beta-2 adrenérgicos; (2) antagonistas muscarínicos
Corticoide sistêmico (oral) não tem qualquer pa-pel no
(anticolinérgicos).
tratamento de manutenção da DPOC (acarreta mais riscos do
que benefícios), apesar de poder ser indicado em curto prazo no
Os agonistas beta-2 adrenérgicos de ação curta são chamados de SABA
tratamento das exacerbações.
(Short Acting Beta-2 Agonists), enquanto os de ação longa são
chamados de LABA (Long Acting Beta-2 Agonists). Os antagonistas
muscarínicos de ação curta são chamados de SAMA (Short Acting Existem outras drogas, ministradas por via oral, que exercem ação anti-
Muscarinic Antagonists), enquanto os de ação longa são chamados de inflamatória na via aérea inferior e podem ser indicadas em situações
LAMA (Long Acting Muscarinic Antagonists). O principal subtipo do específicas... São elas: (1) inibidores da fosfodiesterase-4; (2) antibióticos
receptor muscarínico de acetilcolina inibido é o M3. macrolídeos.

Os principais SABA são: salbutamol, fenoterol e terbutalina. Os O roflumilaste é um inibidor da fosfodiesterase-4 (PDE-4), de uso oral,
principais LABA são: formoterol, salmeterol, indacaterol e olodaterol. Os aprovado como terapia de adição para pacientes com obstrução
principais SAMA são: brometo de ipratrópio ou de oxitrópio. Os respiratória grave ou muito grave (GOLD 3 ou 4) que apresentam
principais LAMA são: tiotrópio, brometo de glicopirrônio, umeclidínio e bronquite crônica e exacerbações recorrentes a despeito do uso de
brometo de aclidínio. LABA + CI ou LAMA + LABA + CI. Apesar de inibir a
fosfodiesterase (enzima que degrada o AMP cíclico, principal
Comparando LABA com LAMA, os LAMA se mostraram mais mensageiro intracelular da cascata de estimulação adrenérgica), seu
eficazes em reduzir o risco de exacerbações, por isso são as drogas de efeito é eminentemente anti-inflamatório, e não broncodilatador.
escolha no paciente de maior risco...
Os antibióticos macrolídeos possuem ação anti-inflamatória direta na
via aérea, aparentemente independente de seu efeito antimicrobiano.
A teofilina de liberação longa, um broncodilatador de uso oral
Isso é mais proeminente com a azitromicina (250 mg/dia ou 500
pertencente à classe das metilxantinas (inibidores da
mg/3x/semana)... A literatura mostra que EX-TABAGISTAS que
fosfodiesterase), deve ser evitada no tratamento de manutenção
continuam apresentando exacerbações, apesar da terapia inalatória
da DPOC devido a sua elevada incidência de efeitos colaterais
otimizada, podem se beneficiar do uso de azitromicina oral por até um
(ex.: arritmias cardíacas), A NÃO SER QUE outras formas de
ano, reduzindo a frequência de exacerbações. Os principais efeitos
tratamento não estejam disponíveis ou não sejam praticáveis (por
colaterais são a seleção de cepas microbianas resistentes e o surgimento
questão de custo ou impossibilidade de uso de medicação
de disfunção auditiva.
inalatória, por exemplo).

■ TRATAMENTO FARMACOLÓGICO CRÔNICO


Em se tratando dos anti-inflamatórios, o principal representante é o INICIAL
Corticoide Inalatório (CI). Diferentemente da asma (onde evita o
remodelamento brônquico e constitui a base do tratamento de
O esquema ABCD de classificação da DPOC pode ser utilizado como
manutenção), na DPOC o corticoide inalatório não é imprescindível!
referência para organizar as diretrizes de terapia farmacológica inicial
Inclusive, não há qualquer benefício com seu uso em monoterapia: pelo
conforme mostrado na Tabela a seguir.
contrário, tal conduta aumenta o risco de pneumonia, sendo por isso
contraindicada.

GRUPO D
Os principais CI são: beclometasona, budesonida, mometasona e
fluticasona. Usar LAMA ou
LAMA + LABA (pp. se
GRUPO C escore CAT ≥ 20)
Usar LAMA ou
LABA + CI (pp. se
eosinófilos ≥ 300 e/ou asma
concomitante)
Para pacientes com hipoxemia apenas durante exercício, ou que
GRUPO A possuam níveis não tão pronunciados de hipoxemia crônica, NÃO HÁ
Usar algum broncodila- GRUPO B indicação de oxigenoterapia domiciliar contínua, pois esta não mostrou
tador inalatório (ação curta Usar algum broncodila- fazer diferença em termos de morbimortalidade no longo prazo!
para sintomas eventuais, tador inalatório de ação
ação longa para sintomas longa (LABA ou LAMA)
mais frequentes)
SUPORTE VENTILATÓRIO

Lembrar... Grupo A = pouco sintoma e baixo risco; Grupo B = muito O CPAP noturno é indicado para os portadores de DPOC que
sintoma e baixo risco; Grupo C = pouco sintoma e alto risco; Grupo D =
muito sintoma e alto risco. apresentam apneia obstrutiva do sono. O uso regular de qualquer forma
de VNI (ventilação não invasiva) em portadores de DPOC muito grave
VIDEO_14_Mozart_PNE1 porém estável é controverso.

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO CIRURGIA PNEUMORREDUTORA

Além do aconselhamento para abstenção do tabagismo, faz parte do rol A cirurgia de redução do volume pulmonar consiste num procedimento
de condutas não farmacológicas na DPOC a educação e o treinamento em que parte do pulmão é ressecada com o objetivo de reduzir a
do paciente com o intuito de fomentar a capacidade para o hiperinsuflação, melhorando a mecânica ventilatória, bem como o
automanuseio da doença. próprio distúrbio V/Q (já que as porções ressecadas tipicamente
apresentam mais perfusão do que ventilação, contribuindo para a
O termo “automanuseio” se refere genericamente: (1) às habilidades de hipoxemia).
uso correto das drogas inalatórias; (2) à eficiência na automo-
nitorização dos sintomas; (3) à capacidade de modificar Em geral se ressecam as regiões mais acometidas por enfisema
temporariamente a posologia (intensificação precoce do tratamento a (conforme observado por TC), não se ultrapassando > 20-30% do
fim de evitar a progressão de uma exacerbação inicial); e (4) à adoção de volume pulmonar total. O ideal é que a ressecção seja feita nos lobos
um estilo de vida saudável (dieta + atividades físicas). superiores. Este tipo de abordagem é indicado para pacientes
enfisematosos que apre-sentam hiperinsuflação pulmonar sintomática e
Outros componentes do tratamento não farmacológico são os refratária ao tratamento medicamentoso. Trata-se de uma das condutas
programas de reabilitação pulmonar (baseados em fisioterapia que comprovadamente aumenta a sobrevida na DPOC.
respiratória) – indicados para pacientes nos grupos B, C e D – e a
vacinação contra influenza e pneumococo, de acordo com as diretrizes
nacionais – indicada para TODOS os portadores de DPOC. A cirurgia pneumorredutora é contraindicada para pacientes com
enfisema difuso e VEF1 < 20% do predito, bem como para
pacientes com capacidade de difusão do monóxido de carbono
Por fim, um componente essencial da terapia não farmacológica é a
(DLCO) < 20%. A mortalidade pós-operatória é excessivamente
oxigenoterapia domiciliar (ver adiante).
alta em qualquer uma dessas situações.

■ OXIGENOTERAPIA DOMICILIAR
Pacientes que apresentam grandes bolhas de enfisema (especialmente
A oxigenoterapia domiciliar contínua (> 15h/dia) é uma das medidas quando estas são sintomáticas, causando infecções e/ou hemorragias
que comprovadamente aumenta a sobrevida na DPOC, quando bem recorrentes) podem ser submetidos à cirurgia de bolhectomia, isto é,
indicada. As principais indicações são: ressecção específica das referidas bolhas.

Atualmente, já é possível realizar o tratamento pneumorredutor pela via


broncoscópica, com técnicas como o implante de valvas endobrônquicas
PaO2 ≤ 55 mmHg ou SaO2 ≤ 88% em repouso.
unidirecionais, implante de coil de nitinol no interior da região
enfisematosa, causando sua obliteração, e a termoablação (vaporização)
PaO2 > 55 mmHg e < 60 mmHg ou SaO2 de 88% na
do parênquima pulmonar doente.
presença de cor pulmonale e/ou policitemia (hematócrito >
55%), em repouso.

Obs.: as referidas alterações na PaO2 ou SaO2 têm que ser confirmadas A termoablação pulmonar broncoscópica tem como grande
após um período de três semanas com o paciente estável, mostrando vantagem o fato de permitir a eliminação de segmentos
que se trata de um problema crônico.
pulmonares (ablação mais restrita). Todos os demais
procedimentos broncoscópicos envolvem no mínimo lobos
O O2 é ministrado por cânula nasal em baixo fluxo (1-3 L/min), tendo
pulmonares inteiros.
como meta manter a SaO2 ≥ 90%. Após iniciar a oxigenoterapia
domiciliar contínua recomenda-se que o paciente seja reavaliado dentro
de 60-90 dias, a fim de definir se a mesma está sendo eficaz e se é
necessário mantê-la ou não.
Casos selecionados (doença muito avançada e refratária, sem Na prática, a presença de PURULÊNCIA DO ESCARRO significa
contraindicações ao procedimento) podem ser considerados para o participação de bactérias, indicando a necessidade de tratamento
transplante de pulmão. É importante salientar que o transplante NÃO antimicrobiano! Muitas vezes o quadro clínico como um todo é
aumenta sobrevida na DPOC! sugestivo de infecção respiratória viral (ex.: coriza, congestão nasal,
faringoamigdalite, conjuntivite), porém, o aumento da proliferação
bacteriana nas vias aéreas inferiores (facilitado pela própria infecção
TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES viral) pode CONTRIBUIR para a piora aguda da inflamação
pulmonar, em função do maior “estímulo antigênico” promovido pelo
VIDEO_15_Mozart_PNE1 rápido crescimento da população de germes. Tal fenômeno promove
inflamação neutrofílica nas vias aéreas, justificando a purulência do
Uma exacerbação é definida como uma piora aguda dos sintomas
escarro. Estima-se que isso ocorra em > 50% das exacerbações. Os
respiratórios que requer tratamento adicional.
antimicrobianos, ao reduzirem a população bacteriana, propiciam uma
melhora mais rápida do insulto inflama-tório, encurtando a duração da
Sabe-se que exacerbações recorrentes aceleram a progressão da DPOC
exacerbação e prevenindo complicações.
(maior velocidade de queda do VEF1). O principal fator de risco para
exacerbação é a história de exacerbações no último ano (quanto maior
Outros fatores desencadeantes de exacerbações são a poluição
o número de episódios e/ou sua gravidade, pior). O aumento no
ambiental (intra ou extradomiciliar) e as mudanças na temperatura
diâmetro da artéria pulmonar (visto pela TC) mostrou ser um preditor
ambiente. Tais fatores podem ser os desencadeantes exclusivos do
de risco para exacerbações, espe-cialmente quando a relação dos
quadro, ou podem contribuir para a amplificação de quadros
diâmetros arté-ria pulmonar/aorta for > 1. Doença do refluxo
desencadeados por uma infecção.
gastroesofágico também é fator de risco (mecanismo pouco
compreendido). A mortalidade após um episódio de exacerbação grave
(com necessidade de internação hospitalar) é de 20% em 1 ano e 50% As exacerbações da DPOC são classificadas como:
em 5 anos.
● LEVES: necessitam apenas de broncodilatadores de curta ação para
As exacerbações são eventos complexos associados a um aumento da controle sintomático. Tratamento ambulatorial;
inflamação nas vias aéreas inferiores, acompanhado de maior produção ● MODERADAS: necessitam de broncodilatadores de curta ação +
de muco e piora do aprisionamento aéreo. antibióticos e/ou corticoide sistêmico. Tratamento ambulatorial;

● GRAVES: necessitam de tratamento hospitalar (emergência,


Tais fenômenos justificam a ocorrência dos sintomas cardinais de uma
enfermaria ou CTI), geralmente com drogas intravenosas e
exacerbação: (1) piora da dispneia; (2) piora da tosse e (3) piora da
monitorização contínua. O paciente pode apresentar critérios de
secreção. Pode ou não haver febre e outras manifestações sistêmicas,
insuficiência respiratória aguda, necessitando de suporte ventilatório.
como mialgia, cefaleia, náuseas/vômitos e dor de garganta.

Anamnese e exame físico (com foco na análise dos sinais vitais e exame
A piora da dispneia é devida à hiperinsuflação pulmonar “dinâmica”
do tórax), constituem a base da avaliação clínica inicial do paciente.
(aumento do volume residual em curto espaço de tempo), um evento
Pela história estima-se o grau de sintomas prévios e a magnitude do
que prejudica a mecânica ventilatória (ex.: maior retificação das cúpulas
atual aumento. Pelo exame físico define-se o estado mental e o grau da
diafragmáticas) e aumenta o esforço para respirar. Além disso, a
disfunção respiratória (frequência, uso de musculatura acessória,
inflamação (edema) e o excesso de muco intensificam a obstrução das
cianose). A ausculta costuma mostrar roncos e sibilos, mas também
pequenas vias aéreas, aumentando a resistência da árvore respiratória
pode identificar estertores focais (sugestivo de pneumonia) ou assimetria
ao fluxo de ar (podem surgir roncos e sibilos na ausculta). A piora da
do murmúrio vesicular (sugestivo de obstrução brônquica com
tosse e o aumento do volume de escarro, que pode se tornar purulento,
atelectasia ou pneumotórax).
também são explicados pela maior inflamação e secreção da mucosa
brônquica.
Em relação aos exames complementares, as principais orientações são:
(1) na presença de DPOC grave na fase estável ou crise aguda com
Diferentes fatores podem desencadear as exacerbações. Os mais
critérios de gravidade, bem como na presença de sinais focais no exame
frequentes são as infecções respiratórias, principalmente virais. Os vírus
do tórax, deve-se solicitar um método de imagem, que pode ser o Rx ou,
mais comumente implicados são os Rhinovirus (agentes causais do
de preferência, a TC de tórax; (2) na presença de DPOC grave na fase
resfriado comum). No entanto, é muito difícil afastar clinicamente a
estável ou crise aguda com critérios de gravidade, deve-se coletar
participação bacteriana...
gasometria arterial; (3) se houver suspeita de tromboembolismo
pulmonar (cujo risco está aumentado na DPOC) o método de imagem
deve ser a angio-TC de tórax.

Diferentemente da asma, a mensuração seriada do fluxo expiratório


(através de espirometria ou fluxometria portátil) NÃO é útil para o
manuseio da exacerbação.
As drogas de escolha para o tratamento da dispneia nas exacerbações Todo paciente que apresenta critérios de insuficiência respiratória aguda
são os SABA, podendo-se associar SAMA nos casos mais graves ou deve receber suporte ventilatório com pressão positiva nas vias aéreas, a
refratários. Os broncodilatadores de ação curta podem ser ministrados princípio através de VNI (Ventilação Não In-Vasiva). Pode-se utilizar
pela via inalatória por meio de nebulização ou inaladores dosimetrados CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) ou BiPAP (Bilevel
(a nebulização geralmente é mais fácil de fazer em pacientes com PositiveAirway Pressure). A VNI é preferencial à ventilação mecânica
dispneia intensa). A dose deve ser individualizada, no entanto, em geral invasiva, tendo como vantagens uma redução nas taxas de complicação
basta fazer um puff (ou uma nebulização) a cada hora nas primeiras 2- e mortalidade, bem como na duração da internação hospitalar. A
3h, seguido de um puff (ou uma nebulização) a cada 2-4h, de acordo ventilação mecânica invasiva (intubação orotraqueal) deve ser
com a resposta clínica. Recomenda-se evitar o uso de nebulização empregada em situações específicas (ver adiante).
contínua. As drogas inalatórias de uso crônico (LAMA, LABA +/- CI)
devem ser mantidas.

INDICAÇÕES DE VNI (pelo menos uma das abaixo)

As metilxantinas (teofilina oral ou aminofilina intravenosa) devem


ser evitadas no tratamento das exacerbações, em função do risco Acidose respiratória (pH ≤ 7,35 e PaCO2 ≥ 45 mmHg);
elevado de efeitos colaterais (ex.: arritmias cardíacas). Se
utilizadas por falta de opção ou como acréscimo à terapia padrão Dispneia intensa com sinais de esforço ou fadiga respiratória
em casos refratários recomenda-se que seu nível sérico seja (esforço = uso de musculatura acessória; fadiga = movimento
dosado a fim de permitir um melhor ajuste de dose. paradoxal do abdome);

Hipoxemia refratária à suplementação de O2.


Glicocorticoide sistêmico (prednisona ou prednisolona 40 mg VO 1x/dia)
deve ser prescrito por 5-7 dias (alguns autores recomendam 5-10 dias). Obs.: movimento paradoxal do abdome se refere à retração da parede
abdominal durante à inspiração devido à fadiga do diafragma (a pressão
Não há diferenças significativas entra a via oral e a via intravenosa, por intratorácica negativa “puxa” o diafragma hipocontrátil para cima,
levando consigo o conteúdo abdominal).
isso a via oral é sempre preferível, ficando a via intravenosa reservada
para os casos mais graves em que o paciente não consegue utilizar a via
A suplementação de O2 pode ser feita inicialmente através de cateter
oral. O corticoide promove uma recuperação mais rápida do VEF1 e da
oxigenação arterial, encurtando a duração da exacerbação. nasal ou máscara facial. A meta é manter a SaO2 entre 88-92%.

Antimicrobianos são indicados na presença de: (1) três sinais cardinais


da exacerbação (aumento da dispneia, da tosse e do escarro); (2) dois INDICAÇÕES DE INTUBAÇÃO TRAQUEAL E
sinais cardinais, sendo um deles o aumento do escarro, que se torna VENTILAÇÃO INVASIVA
purulento; (3) necessidade de ventilação mecânica (invasiva ou não
invasiva), independentemente de qualquer outro fator. Intolerância ou falência da VNI;

As principais bactérias envolvidas são o Streptococcus pneumoniae Pós-parada cardíaca;


(“pneumococo”), o Haemophilus influenzae e a Moraxella catarrhalis.
Cerca de 5-10% dos casos podem ser atribuídos ao Mycoplasma Redução profunda da consciência ou agitação psicomotora
pneumoniae ou à Chlamydia pneumoniae. De acordo com o padrão local grave não controlável com sedação leve;
de resistência bacteriana as recomendações terapêuticas podem variar.
Em geral, as drogas de escolha costumam ser amoxicilina-clavulanato, Aspiração maciça ou vômitos persistentes;
macrolídeos ou tetraciclinas. O tempo de tratamento é de 5-7 dias. Os
principais benefícios são o encurtamento do tempo de exacerbação e a
Incapacidade de remover secreções respiratórias de forma
redução no risco de falência terapêutica ou recidiva precoce do quadro.
espontânea (ex.: tosse ineficaz);

Para pacientes que apresentam exacerbações muito frequentes, VEF1


Instabilidade hemodinâmica sem resposta à reposição de
extremamente reduzido e/ou necessidade de ventilação mecânica,
fluidos e drogas vasoativas;
recomenda-se a coleta de culturas (escarro e sangue) antes do início da
antibioticoterapia empírica. O risco de germes multirresistentes é maior
Arritmias ventriculares ou supraventriculares graves.
nestes indivíduos (ex.: Pseudomonas aeruginosa), e o tratamento inicial
pode ter espectro mais amplo (ex.: cefalosporina de quarta geração).
Ajustes no espectro terapêutico poderão ser feitos posteriormente, de Foi demonstrado que pacientes que respondem bem à VNI podem
acordo com os resultados das culturas. interromper de forma abrupta seu uso, sem necessidade de desmame,
caso consigam tolerar, com conforto, pelo menos 4h de respiração
espontânea.
O raio X de tórax pode mostrar sinais sugestivos de bronquiectasias,
Um ponto crucial deve ser na DPOC
compreendido:
porém o exame padrão-ouro para diagnóstico é a tomografia
descompensada, a presença de confusão mental ou redução do
computadorizada de tórax de alta resolução. A TC (FIGURA 1)
sensório, em grau leve, não necessariamente contraindica o uso
geralmente revela os seguintes achados: (1) dilatação da via aérea,
de VNI! Confusão mental e redução do sensório são
demonstrada por uma relação luz brônquica – vaso adjacente maior que
contraindicações absolutas para VNI em qualquer outro contexto,
1,5 e por um não estreitamento da via aérea em direção à periferia; (2)
mas não neste cenário (trata-se de uma exceção à regra).O
espessamento da parede brônquica; (3) presença de plugs
motivo é o seguinte: as alterações do SNC nesses pacientes
mucopurulentos nas vias aéreas, com aprisionamento de ar e formação
podem ser rapidamente revertidas com a melhora da ventilação
de cistos. Quando a bronquiectasia é de padrão focal, deve-se realizar
alveolar e queda da PaCO2! Isso quer dizer que é esperada uma
uma broncoscopia para avaliação de uma possível obstrução de vias
melhora rápida da confusão mental logo após início da VNI aéreas, proporcionada, por exemplo, por um cor-po estranho ou um
nesses doentes (desde que esta última seja bem tolerada e tumor. As provas de função pulmonar estão sempre indicadas para
verdadeiramente eficaz), poupando o paciente da intubação quantificação da repercussão funcional da doença, geralmente
traqueal e ventilação mecânica invasiva. apresentando um padrão obstrutivo.

BRONQUIECTASIAS

A bronquiectasia é uma desordem adquirida caracterizada por uma


dilatação anormal e permanente dos brônquios, podendo ser de
distribuição focal ou difusa. Sua patogênese envolve um processo
inflamatório persistente e intenso na parede brônquica, levando à
destruição das suas estruturas de sustentação (cartilagem, músculo e
tecido elástico), com substituição por tecido fibroso.

As causas de bronquiectasias são diversas, geralmente envolvendo uma


patologia infecciosa, tanto diretamente quanto através de uma
desordem que proporcione a ocorrência de infecções recorrentes ou
persistentes. Existem, contudo, algumas doenças causadoras de
bronquiectasias cujo mecanismo é não infeccioso, mediado por uma
resposta imune inflamatória, como, por exemplo, na inalação de gases
tóxicos e na deficiência de alfa-1-antitripsina. Observe as principais
causas na Tabela 1 . Vale ressaltar que em até 50% dos casos não é
encontrada uma etiologia específica para as bronquiectasias.

Fig. 1

A manifestação clínica predominante nas bronquiectasias é a tosse


persistente com grande produção de expectoração purulenta.
Hemoptise ocorre em 50-70% dos casos, podendo eventualmente ser de
grande monta. O paciente apresenta infecções respiratórias repetidas,
quando há uma exacerbação do quadro clínico, com piora da tosse e
surgimento de dispneia.

Fig. 9
As exacerbações são tratadas com antibioticoterapia; os principais Nos pacientes com doença localizada e com controle sintomático ruim
germes envolvidos são o Haemophilus influenzae, a Pseudomonas com as medidas descritas, a cirurgia com ressecção do segmento
aeruginosa e o Streptococcus pneumoniae. Os antibióticos de escolha são acometido é uma opção. O transplante pulmonar pode ser indicado nos
as quinolonas respiratórias (ex.: levofloxacina) por 7-14 dias. Nos pacientes com doença difusa com falha da terapia medicamentosa.
pacientes críticos, pode-se optar pelo uso parenteral de duas drogas
antipseudomonas (ex.: ceftazidima e amicacina). A cultura e Gram do Os casos de hemoptise devem ser manejados inicialmente com a
escarro podem auxiliar na decisão terapêutica, com a coleta estando localização da lesão sangrante através de TC de tórax e de
indicada principalmente nos casos graves, não responsivos ao broncoscopia, com posterior embolização arterial brônquica do
antibiótico inicial ou com episódios recorrentes. O uso de antibiótico segmento acometido. Nos casos não responsivos, procede-se à ressecção
profilático também já foi avaliado nas bronquiectasias, com resultados cirúrgica do segmento que contém a lesão hemorrágica.
não definitivos. A reco-mendação atual é sua utilização nos pacientes
com exacerbações frequentes (> 3-4 vezes por ano), sendo geralmente
administrado um macrolídeo (ex.: azitromicina); sua grande limitação é
a resistência da Pseudomonas aeruginosa a esse fármaco. Havendo a
detecção dessa bactéria em alguma cultura de escarro e uma resposta
inadequada da terapia profilática com antibioticoterapia oral, pode-se
optar pelo uso crônico de anti-bióticos inalatórios (ex.: tobramicina).

Medidas de higiene brônquica também fazem parte da terapêutica das


bronquiectasias. Essas medidas incluem: fisioterapia respiratória,
manutenção de uma hidratação adequada e uso de mucolíticos
(principalmente pela via inalatória) como a N-acetil cisteína
(Fluimicil®). Nenhuma dessas medidas mostrou-se claramente eficaz
nos estudos, porém geralmente são recomendadas. O uso de
broncodilatadores é particularmente benéfico nos pacientes com doença
obstrutiva com padrão de reversibilidade na espirometria. Devido ao
caráter inflamatório da patologia, o uso de corticoides inalatórios foi
testado em estudos pequenos, mostrando-se drogas úteis, com redução

4
da tosse e da expectoração e melhora da PFP.
Cap. EMBOLIA PULMONAR

INTRODUÇÃO

Embolia Pulmonar (EP) é a obstrução de vasos da circulação arterial


pulmonar causada pela impactação de partículas – formadas por
qualquer material insolúvel (sólido, líquido ou gasoso) – cujo diâmetro
seja maior que o do vaso acometido.

Na prática médica, a maioria dos casos é devido ao Tromboembolismo


Venoso (TEV), uma entidade que tem como base a Trombose Venosa
Profunda (TVP), e como complicação aguda o Tromboembolismo
Pulmonar (TEP). As outras causas menos comuns de EP são: bolhas de
gás (descuido na manipulação de equipos, descompressão súbita em
mergulhadores), corpos estranhos (ex.: talco, em usuários de drogas
ilícitas), gotículas de gordura (politraumatizados), líquido amniótico,
células neoplásicas e êmbolos sépticos (ex.: endocardite tricúspide).
A circulação pulmonar é um verdadeiro “filtro”, pois todo o sangue do
corpo passa por ela (exceto se houver um shunt intracardíaco com fluxo
da direita para a esquerda). Essa malha vascular impede que êmbolos
oriundos do sistema venoso atinjam a circulação sistêmica! Assim,
provavelmente a EP é muito mais comum do que se imagina, passando
muitas vezes despercebida... Na verdade, seu espectro de manifestações
clínicas é extremamente variável, na dependência da magnitude da “carga
embólica” e da função cardiorrespiratória basal do indivíduo. Vai desde a
completa ausência de sintomas até a morte súbita, passando por
quadros clínicos diversos...

O TEP já foi chamado de “O Grande Mascarado”, por ser capaz de


simular uma série de diagnósticos, iludindo até mesmo os médicos mais
experientes... Você precisa entender que não temos como confirmar sua
existência – e, principalmente, excluí-la – apenas com dados clínicos
básicos (anamnese + achados físicos): certos exames complementares são
obrigatórios nas situações de risco onde há suspeita clínica!!!

Também devemos evitar o atraso terapêutico, pois a cada minuto que se


passa existe a chance de um novo episódio embólico, cuja recorrência Fig. 1
costuma ser fatal... O tratamento adequado comprovadamente reduz a
taxa de mortalidade (de 30% para 2-8%)!

Com certeza você já viu essa cena...


QUADRO DE Quando pensar em
Paciente com doença cardíaca e/ou pulmonar grave (ex.: ICC ou CONCEITOS I TEP?
DPOC), restrito ao leito, em pós-operatório, apresenta algum dos
seguintes sinais e sintomas (especialmente de maneira súbita):
dispneia, taquipneia, estertores, sibilos, hipoxemia, dor torácica,
Em todo paciente com FATORES DE RISCO que apresente
hemoptise, taquicardia, hipotensão, turgência jugular, síncope...
qualquer ALTERAÇÃO CARDIORRESPIRATÓRIA AGUDA!
Nossa tendência natural é tentar “encaixar” as queixas na doença
Escores validados (que estimem a probabilidade pré-teste)
de base, o que na verdade não está errado... Entretanto, é
são úteis para tornar a suspeita clínica mais objetiva! Quando
obrigatório “termos fé” no risco de TEV (a situação descrita
a probabilidade for alta devemos “perseguir incansavelmente”
acima é de altíssimo risco)!!! O tromboembolismo pulmonar
o diagnóstico de todas as maneiras possíveis, oferecendo
poderia justificar qualquer uma dessas queixas (que dirá
tratamento ao paciente até que o TEP seja excluído ou
combinações delas), se ocorresse de maneira isolada ou mesmo
confirmado, mesmo na presença de outras doenças que
em paralelo a uma descompensação primária da doença de
possam contribuir para os sintomas!!!
base... PODE SER TEP? EXISTE RISCO SIGNIFICATIVO?
ENTÃO INVESTIGUE... AGORA!!! (E sempre que possível
comece a tratar logo).

Mas a dificuldade em fazer o diagnóstico é só uma parte do problema...


Atualmente, o TEV também é considerado um desafio para a saúde
pública! Apesar de existirem medidas profiláticas eficazes, estas ainda
são inaceitavelmente subutilizadas, tanto em serviços clínicos quanto
cirúrgicos, pois muitos médicos não sabemquando e como elas devem ser
empregadas. Um elevado número de óbitos que poderiam ser evitados
continua ocorrendo...

EPIDEMIOLOGIA

Vejamos agora algumas informações assustadoras.


O tromboembolismo venoso (TVP/TEP) é a terceira doença Causa rara de TVP do sistema subclávio-axilar, não associada à
cardiovascular mais comum – perdendo apenas para a doença presença de cateteres. Predomina em indivíduos jovens e hígidos,
coronariana e a doença cerebrovascular... A TVP é três vezes mais com incidência de dois casos por 100.000 habitantes, geralmente
frequente que o TEP e, ainda assim, ele é a principal complicação surgindo após esforço físico intenso, como na hiperextensão
pulmonar aguda em pacientes hospitalizados! Mesmo predominando em repetida do membro dominante (ex.: tenistas). O tracionamento e a
pacientes terminais (ex.: câncer avançado), uma parcela significativa compressão extrínseca da veia (contrações musculares) provocam
acomete doentes com bom prognóstico, cujo TEP (e o óbito) poderiam microlesões endoteliais, ativando a coagulação. Ao contrário do
ser evitados. Todavia, os dados mais impressionantes nem são esses... que acontece na TVP de membros inferiores, quase todos os
casos de TVP superior apresentam manifestações clínicas,
Já faz tempo que repetidas séries de necrópsia vêm alertando quanto à frequentemente dor, edema e empastamento muscular. Também é
necessidade de melhorar a detecção do TEP... Um estudo revelou que, comum a presença decirculação colateral visível... Os princípios
de todos os casos onde o TEP foi a causa mortis, confirmada por diagnósticos e terapêuticos são os mesmos da TVP inferior, e
necrópsia, cerca de 2/3 não receberam o diagnósticoin vivo (e muitos como fatores de risco específicos podemos citar:uso de muletas
sequer foram suspeitados para essa condição). Por outro lado, 2/3 dos com apoio axilar, costela cervical, alterações anatômicas da
casos com suspeita diagnóstica de TEP in vivo não apresentavam TEP clavícula, hipertrofia dos escalenos e do pequeno peitoral
na necrópsia!!! (estruturas que podem comprimir a veia subclávia).

Tal fato ilustra nitidamente a baixa sensibilidade e especificidade do Mas quais são os pré-requisitos da trombose ve-nosa profunda? Você não
diagnóstico clínico... Veremos adiante que os exames complementares se esqueceu da “tríade de Virchow”, não é mesmo??? O famoso
mais modernos conseguem amenizar essa dificuldade, aumentando a patologista alemão do séc. XIX já havia percebido que na vigência de
acurácia do diagnóstico. O grande problema, porém, é saber exatamente qualquer um dos fatores a seguir teremos favorecimento da
em que situações devemos pedi-los... Portanto, vamos analisar a base trombogênese:
racional dos algoritmos de investigação do TEP, para que você tenha
mais firmeza na tomada de decisões clínicas!
1. Estase – gerando hipóxia intravascular;

ETIOLOGIA 2. Lesão vascular – disfunção/desnudamento endotelial, com


exposição do subendotélio;

Mais de 90% dos êmbolos pulmonares se originam de trombos em veias 3. Hipercoagulabilidade – hereditária (trombofilias) e/ou
profundas dos membros inferiores. Nessa topografia, a TVP com maior adquirida.
risco de embolia significativa é a iliofemoral (50% cursam com TEP), ao
passo que o risco de TEP com manifestações clínicas, na TVP de
Vale a pena conhecer um pouco mais a fundo o terceiro item da tríade,
panturrilha, é considerado extremamente baixo (porque tais êmbolos
pois sempre devemos nos perguntar se o doente não possui alguma (ou
são muito pequenos)!
algumas) das condições relacionadas...

Contudo, a TVP de panturrilha é a principal causa de TVP iliofemoral


(pela propagação ascendente do trombo), além de ser a principal causa TROMBOFILIAS HEREDITÁRIAS
de embolia paradoxal (nos pacientes com forame oval patente). A
trombose em veias pélvicas também confere um alto risco de TEP (em Certas mutações genéticas estão associadas a um maior risco de TEV.
torno de 50%)... Já nos casos de TVP em outros territórios, como nos As chamadas trombofilias hereditárias podem ser caracterizadas por:
membros superiores, o risco de embolização não é completamente (1) excesso de fatores pró-coagulantes; (2) deficiência de fatores
conhecido, mas parece que a TVP em subclávia causa muito mais TEP anticoagulantes; (3) alterações qualitativas de componentes do sistema
do que se pensava até pouco tempo atrás! O número de tromboses hemostático; (4) combinações dessas anomalias.
associadas à canulação de veias profundas vem aumentando,
especialmente após o advento dos cateteres implantáveis (como o
A síndrome trombofílica hereditária mais comum é a resistência à
Portocath, usado em quimioterapia)...
proteína C ativada (3% a 7% da população caucasiana, rara em negros e
orientais), resultante da presença do fator V de Leiden. O fator V
SAIBA MAIS... mutante não consegue ser clivado pela proteína C ativada, o que a
impede de exercer seu efeito anticoagulante... Desse modo, o organismo
A síndrome de Paget-Schroetter
não alcança um equilíbrio entre trombose e mecanismos
antitrombóticos endógenos, fazendo a balança pender para o lado da
trombose!

A segunda síndrome hereditária mais frequente é a mutação G20210A


no gene da protrombina. O sítio genético alterado é uma região indutora
da transcrição gênica (promoter) cuja presença faz os níveis de fator II
(protrombina) aumentarem em 25%, potencializando a ocorrência de
trombose frente a qualquer insulto trombogênico!
VIDEO_15_PNE1
TVP iliofemoral A chamada síndrome de May-Thurner é
As deficiências de antitrombina, proteína C e proteína S (fatores esquerda caracterizada por uma compressão da
anticoagulantes) são bem mais raras, porém são as que acarretam os recorrente veia ilíaca comum ESQUERDA entre a
maiores riscos de TEV!!! Outros defeitos trombóticos são descritos, mas coluna vertebral e a artéria ilíaca
não entraremos em detalhes; além de raríssimos, em muitos deles é direita... Geralmente acomete mulheres
discutível se realmente aumentam a chance de trombose... jovens, com TVP de repetição à
esquerda, refratária aos
Apesar de as trombofilias hereditárias poderem cursar com TVP anticoagulantes! O tratamento deve
espontânea, na maioria das vezes isso não ocorre, e o evento trombótico incluir venoplastia cirúrgica ou
quase sempre é desencadeado por um fator de risco adquirido... Só pra colocação de stent endovascular.
exemplificar, um grande estudo mostrou que o uso de
Anticoncepcionais Orais (ACO) aumenta o risco de TVP em quatro TVPbilateral Uma outra explicação para quadros
vezes. Quando consideramos apenas as usuárias de ACO que possuem recorrente como esse, muito sugestivos de
fator V de Leiden, a chance de TVP é 35x acima do normal!!! trombofilia, seriam as anomalias
Portadores heterozigotos do fator V de Leiden têm um risco de congênitas da veia cava inferior:
trombose, ao longo da vida, sete vezes superior que o da população agenesia, hipoplasia, presença de
normal. bandas fibróticas... Todas essas
alterações ocasionam intensa estase
De fato, uma boa parte dos carreadores de alterações genéticas venosa nas pernas! A confirmação
predisponentes não desenvolve trombose, bem como na maioria dos diagnóstica de ambas as condições
casos de trombose não encontramos nenhuma alteração genética... Os citadas neste quadro requer exames
fatores de risco ditos “clássicos” são os grandes determinantes da especiais como a angiorressonância, a
ocorrência de TEV, inclusive nos pacientes com trombofilia!!! flebografia com contraste iodado ou a
ultrassonografia endovascular...
Exceção a essa regra é a presença de mais de um defeito genético...
Tomemos como exemplo os raros pacientes homozigotos (dois alelos E já que estamos falando em diagnóstico, vamos aproveitar para
mutantes) para o fator V de Leiden: seu risco de trombose é 80 vezes esclarecer uma dúvida que muita gente tem: o processo trombótico e a
acima do normal, sendo comuns episódios de TVP espontânea! anticoagulação interferem nos resultados de alguns exames para
trombofilia? Sim! Muitos autores recomendam dar início à pesquisa de
Então cabe a pergunta: quando suspeitar de trombofilia hereditária??? trombofilias somente após duas semanas do término da
anticoagulação...

QUADRO DE Pesquise trombofilia Observe na Tabela 1 os tipos de interferência que cada uma dessas
CONCEITOS I se... condições exerce sobre o resultado dos principais exames utilizados.

● TEV recorrente em pessoas jovens (< 50 anos).


● TEV imotivado (isto é, sem fatores de risco evidentes).
● TEV em locais inusitados: vasos cerebrais (ex.: seio
sagital), vasos viscerais (ex.: veias mesentéricas, supra-
hepáticas, porta).

História familiar de TEV (principalmente se TEV recorrente e


imotivado em parentes de 1º grau). TROMBOFILIAS ADQUIRIDAS

Várias condições adquiridas, frequentemente encontradas no dia a dia


do médico, associam-se a risco aumentado de trombose venosa. É
comum observarmos mais de um fator de risco no mesmo doente!!!
Pois bem, agora imagine um paciente com suspeita de trombofilia que
realizou uma extensa investigação laboratorial e nada foi encontrado...
Por acaso existe algum diagnóstico diferencial que podemos estar Tab. 2
perdendo? Em certas situações sim, observe o Quadro a seguir:
FATORES DE RISCO E COMENTÁRIOS

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS TROMBOFILIAS


Talvez seja o fator de risco mais Cirurgia nos últimos 3 As de maior risco são as
importante ! Dividimos os meses ortopédicas (notavelmente as
pacientes em dois grupos: (1) artroplastias de quadril e joelho),
aqueles que tiveram TEV no as oncológicas, e as grandes
contexto de fatores de risco cirurgias vasculares e
temporários (ex.: pós-operatório); neurológicas em geral!
TEV prévio
(2) TEV idiopático ou associado a
fatores permanentes (ex.: Imobilização e A imobilidade se faz presente em
paraplegia)... No primeiro grupo, a viagensprolongadas todas as doenças com potencial
taxa de recorrência é baixa. Mas debilitante... No pós-operatório,
no segundo, ela pode chegar a muitos pacientes que são
30% nos próximos dez anos!!! forçados a deambular
precocemente podem voltar a
Idade Quanto mais velho for o ser ficar acamados em casa, após a
humano, maior a chance de alta hospitalar (o que explica o
adquirir alguns dos fatores de risco de TEP tardio depois de
risco presentes nesta tabela (ex.: certas cirurgias). O trauma pode
maior a probabilidade de câncer). ser tratado com imobilização (ex.:
talas e gessos), aumentando o
Obesidade Vários estudos incriminaram a risco de trombose! Pacientes com
obesidade como agente facilitador outros fatores de risco
da TVP e do TEP: um IMC > 40 (obesidade, tabagismo,
confere risco de TEV em torno de trombofilias) são propensos a
2 a 3 vezes acima do normal, o desenvolver TVP após viagens
qual se eleva desproporcio- prolongadas, seja por terra, água
nalmente quando existirem outros ou ar (a famosa “síndrome da
fatores (ex.: aumento de 24 vezes classe econômica”, que na
em mulheres obesas usuárias de verdade também acontece na
ACO). classe executiva...). Atualmente
se acredita que o risco de TEV só
Tabagismo Acredita-se que o tabagismo se torne significativo com viagens
potencialize o risco oferecido por superiores a 8h...
outras condições (ex.: mulheres
tabagistas em uso de ACO: Câncer Diversos mecanismos justificam o
aumento de quase nove vezes no TEV em pacientes oncológicos:
risco de TEV). (1) Secreção de fatores pró-
coagulantes pelo tumor
Trauma É impressionante a frequência de (principal); (2) Presença de
TVP após grandes traumas! A cateteres venosos implantáveis;
explicação é complexa e envolve (3) Algumas quimioterapias (ex.:
uma série de mecanismos, mas tamoxifeno, no Ca de mama); (4)
tudo se encaixa perfeitamente na Compressão vascular pelo tumor;
tríade de Wirchow (estase – (5) Cirurgia; (6) Baixo
imobilização, lesão endotelial – “performance status” (paciente
pelo próprio trauma, hipercoagula- acamado)... Numa minoria dos
bilidade – resposta inflamatória casos, o TEV pode preceder o
sistêmica). Observe as diagnóstico de câncer em meses
incidências de TVP em membros ou mesmo anos... O tumor mais
inferiores, confirmada por exames frequentemente associado ao
de imagem: TCE = 54%; fratura TEV, de um modo geral, é o
de bacia = 61%; fratura tibial = câncer de pulmão, seguido pelos
77%; fratura de fêmur = 80%... carcinomas de pâncreas, cólon,
Em média, cerca de 60% dos rim (invasão direta da veia renal),
pacientes com trauma grave e próstata. Entretanto, quando o
fazem TVP, sendo que quase 20% TEV for a primeira manifestação
destas são proximais (iliofemoral de uma neoplasia subjacente, os
= 50% fazem TEP)... tumores mais prováveis são o
câncer de pâncreas e próstata.
Gravidez, uso de ACO O TEV ocorre em cerca de 1 a Vidasedentária Atividades laborativas que
e Terapia de Repo- cada 500 gestações, sendo mais obriguem o indivíduo a passar
sição Hormonal (TRH) comum no puerpério do que no longos períodos sentado (ex.:
período pré-natal. O risco é maior escritores) podem favorecer a
nas pacientes submetidas à ocorrência de trombose, caso
cesariana do que nas que tiveram existam fatores de risco
parto normal, pois a cesárea está concomitantes (ex.: trombofilia
associada a um período maior de subclínica). Uma entidade cada
restrição no leito... É a principal vez mais reconhecida é a “E-
causa de mortalidade materna em trombose” (“E” de Eletrônica),
partos de nascidos vivos... Seus vista em pessoas que passam o
fatores causais são: (1) Estase – dia inteiro na frente de um
compressão da veia cava inferior computador...
pelo útero gravídico; (2) Lesão
endotelial – traumatismo da
superfície uteroplacentária
FISIOPATOLOGIA
durante o parto (pior com o uso de
fórcipe, extração a vácuo e
cesárea) – por isso que o TEP é A embolia ocorre quando uma parte do trombo – ou ele todo – se
mais comum no pós-parto; (3) desloca do seu local de origem (geralmente a face interna de uma valva
Hipercoagulabilidade – venosa), indo parar na circulação pulmonar. Os grandes trombos que se
abundância dos fatores I, II, VII, impactam na bifurcação do tronco da artéria pulmonar são chamados
VIII, IX, X, e redução dos níveis de trombos “em sela” ou “a cavaleiro”. Estudos de necrópsia mostraram
de proteína S... O estado que na maioria das vezes a embolização pulmonar é múltipla,
hipercoagulável é uma resposta encontrando-se êmbolos com várias idades, muitos dos quais
natural ao excesso de hormônios provavelmente passaram despercebidos antes do evento fatal... Os lobos
femininos, o que explica o risco de inferiores costumam ser os mais afetados.
TEV com o uso de ACO e TRH!
Quais são as consequências pulmonares da embolia? A súbita instalação
Trombocitopenia A recorrência de TEV durante o de oligoemia no parênquima pulmonar dá origem a regiões bem
relacionada à heparina uso de heparina pode ser devido ventiladas e mal perfundidas, aumentando-se o chamado espaço morto
a uma falha da anticoagulação, fisiológico... Ao mesmo tempo, áreas do parênquima distantes do
mas a coexistência de território hipoperfundido começam a sofrer atelectasia, devido a uma
plaquetopenia fala muito a favor importante queda na produção de surfactante!Mas como isso é
dessa entidade... Os mecanismos possível??? Bem... A isquemia dos ácinos alveolares libera uma série de
são a ativação e agregação mediadores inflamatórios (ex.: serotonina e tromboxano) os quais
plaquetária induzida por atuarão nas proximidades do segmento afetado, inibindo os
autoanticorpos, os quais são pneumócitos tipo II no tecido pulmonar saudável. Além disso, esses
direcionados contra o complexo mesmos mediadores são capazes de induzir broncoespasmo difuso,
heparina-fator 4 plaquetário, piorando a ventilação como um todo.
levando à formação de trombos
venosos e arteriais! O tratamento Assim, a principal consequência respiratória da embolia é a hipoxemia,
é a troca da heparina por outros devido a um importante desequilíbrio na relação ventilação-perfusão
inibidores de trombina. (distúrbio V/Q). As áreas de pulmão bem perfundido não estão livres
dos efeitos do TEP: pelo contrário, elas desenvolvem atelectasia e
Doençasclínicas Síndrome do anticorpo broncoespasmo, e se tornam HIPOVENTILADAS. Eram justamente
antifosfolipídeo, ICC, DPOC, elas que haviam “sobrado” após a obstrução de parte da rede arterial
doenças mieloproliferativas (como pulmonar, e é nelas que acaba ocorrendo o fenômeno do shunt direita-
a policitemia vera e a esquerda intrapulmonar, isto é, o sangue desoxigenado atravessa o
trombocitose essencial), pulmão sem receber oxigênio...
hemoglobinúria paroxística
noturna e a síndrome nefrótica Outra consequência extremamente comum da embolia pulmonar é a
são verdadeiros estados de taquidispneia, resultante da estimulação dosreceptores J alveolares pelos
hipercoagulabilidade adquiridos! mediadores inflamatórios liberados, o que desencadeia hiperventilação
Pacientes com doenças agudas reflexa (levando à alcalose respiratória), além de uma terrível sensação
graves (ex.: pneumonia, IAM, subjetiva de “falta de ar”. Muitos pensam que a hipoxemia é a
AVC) também têm alto risco de responsável por esses achados, mas como dissemos isso não é verdade...
TEV...
Quais são as consequências cardiocirculatórias da embolia? A principal Somente 5-7% dos TEP cursam com infarto pulmonar... Você
alteração é o aumento da resistência vascular do pulmão, que se imagina uma explicação para essa taxa tão baixa? O tecido
manifesta como hipertensão pulmonar aguda. O ventrículo direito é uma pulmonar possui circulação dupla, suprida tanto pelas artérias
câmara acostumada a trabalhar com baixas pressões, e não tolera pulmonares quanto pelas artérias brônquicas (ramos da aorta).
aumentos súbitos e intensos em sua pós-carga... Só pra você ter ideia, a Além disso, os septos alveolares (que são estruturas muito finas)
pressão arterial pulmonar já está bastante elevada com 25 a 30% de recebem oxigênio diretamente do ar inspirado! Os êmbolos que
obstrução do leito vascular... Quando 75% do leito pulmonar for causam infartos costumam ser pequenos e periféricos, e o
agudamente obstruído, a pressão necessária para manter o débito de paciente geralmente já tem algum grau de comprometimento
VD gira em torno de 50 mmHg, o que é simplesmente impossível de ser circulatório (ex.: ICC com congestão pulmonar, que reduz o fluxo
alcançado, de maneira súbita, pelo VD saudável... sanguíneo local)... O infarto pulmonar no TEP é sempre
hemorrágico (continua vindo sangue pela circulação brônquica), e
Como a resistência arterial pulmonar aumenta? O primeiro mecanismo é caracteristicamente tem formato de cone: base larga voltada para
óbvio, a obstrução mecânica promovida pelos êmbolos impactados! Já o a pleura (mais comum sobre o diafragma), e ápice apontando para
segundo talvez não seja tão evidente: vasoespasmo, secundário à o vaso ocluído. Seu quadro clínico é marcado por dor torácica
liberação de mediadores inflamatórios (os mesmos da atelectasia e do contínua, tosse, hemoptise, e muitas vezes febre com leucocitose.
broncoespasmo). Por fim, quando o paciente desenvolvehipoxemia É fácil confundi-lo com uma pneumonia, especialmente quando
importante, a própria PaO2 baixa exerce efeito vasoconstritor, levando a houver imagem radiológica (corcova de Hampton, ver adiante)...
um ciclo vicioso de hipoxemia e piora do vasoespasmo.

Quais são as consequências da TVP? Por volta de 90% do sangue venoso


O VD se dilata perante aumentos em sua pós-carga, na tentativa de dos membros inferiores é drenado pelo sistema profundo. Assim,
manter seu débito (mecanismo de Frank- Starling)... Porém, se o obstruções mecânicas significativas desse conduto resultam numa
aumento na pós-carga for muito intenso, o débito do VD diminui. Isso intensa sobrecarga de pressão no interior de seus vasos... Sabemos que o
acontece por duas razões: (1) incapacidade de ejetar o sangue contra retorno venoso é facilitado pela existência de valvas na parede das veias,
uma resistência pulmonar elevada; (2) disfunção isquêmica do VD. Mas as quais impedem que o sangue tenha fluxo retrógrado, no sentido da
de onde vem essa isquemia miocárdica? Preste atenção... A dilatação força da gravidade. Entretanto, na vigência de altas pressões pela estase
extrema do VD aumenta a tensão em sua parede, dificultando o fluxo de venosa, a estrutura dessas valvas pode ser danificada, gerando
sangue pela circulação coronariana! E como se trata de uma situação incompetência das mesmas. Chamamos este quadro de síndrome pós-
com alta demanda metabólica pelo miocárdio, é possível a ocorrência de flebítica, o qual é caracterizado por edema crônico unilateral, alterações
um infarto agudo de VD nesses casos!!! de coloração da pele (dermatite ocre), e varizes. É comum o surgimento
deúlceras de estase, especialmente no maléolo medial. Tais úlceras
Tanto é assim que níveis séricos elevados de troponina são importantes podem permanecer “abertas” por anos, e seu tratamento costuma ser
marcadores de mau prognóstico no TEP (microinfartos muito difícil...
subendocárdicos), bem como aumentos do BNP (Brain Natriuretic
Peptide) que acompanham a dilatação das cavidades cardíacas.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A embolia maciça é definida pelo colapso circulatório agudo
(hipotensão + choque): o débito cardíaco (isto é, o débito do ventrículo Veja na Tabela 3 a frequência dos principais sinais e sintomas em
ESQUERDO) está diminuído... Não é difícil perceber que a pacientes com TEP confirmado, segundo o estudo PIOPED
combinação de queda no débito sistólico do VD associada ao (Prospective Investigation Of Pulmonary Embolism Diagnosis).
abaulamento do septo interventricular para dentro da cavidade do VE,
reduzindo seu volume (pela dilatação extrema do VD) resultam na queda
do enchimento diastólico do VE, o que reduz, proporcionalmente, o
débito cardíaco! A este quadro dramático e fatal damos o nome de cor
pulmonale agudo, a grande causa de óbito no TEP...

VIDEO_16_PNE1

SAIBA MAIS... Ressalte-se que clínica de TVP foi verificada apenas em 47% desses
O infarto pulmonar indivíduos, através da detecção de dor, edema, eritema e palpação de um
cordão venoso endurecido, tanto na coxa quanto na panturrilha
(tromboflebite).

Observe que o TEP não costuma se apresentar como colapso


circulatório, pelo menos inicialmente... Quando isso acontece, a
presença combinada de dispneia + taquipneia é observada em 91% dos
pacientes, além de serem comuns sinais clínicos de insuficiência do
ventrículo direito como distensão jugular, terceira bulha à direita e VD
palpável no precórdio.
De maneira simplificada podemos dizer que o principal sintoma em Já enfatizamos neste texto que um dos maiores desafios em relação ao
portadores de TVP é uma dor na perna que vai aumentando ao longo dos tromboembolismo venoso é sua dificuldade diagnóstica, e dissemos
dias, ao passo que em portadores de TEP o principal sintoma é mais: não há como estabelecer ou excluir um diagnóstico de TEP
adispneia súbita inexplicada... utilizando apenas os dados clínicos básicos (anamnese + exame físico) – é
preciso realizar certos exames complementares!!!
Os casos de TEP podem ser agrupados em síndromes.
A justificativa é que os sinais e sintomas que acabamos de citar são
TEP maciço: pressão sistólica < 90 mmHg, ou queda ≥ 40 mmHg na vistos com a mesma frequência em pacientes com TEP confirmado e
pressão sistólica basal por um período maior do que 15min, a qual não naqueles onde o TEP foi excluído!!! Logo, a presença dessas queixas não
é explicada por outras razões como hipovolemia, sepse ou arritmias... é suficiente para confirmarmos o diagnóstico, apesar de elas sempre
Existe obstrução em pelo menos metade do leito arterial pulmonar, sugerirem tal hipótese.
usualmente bilateral, e o paciente apresenta altíssimo risco de morte
(bastaria só mais um “embolozinho”...). O uso de trombolíticos está O que fazer então??? É óbvio que nem toda dispneia é TEP, assim como
indicado, e podemos considerar as opções invasivas (ex.: embolectomia nem toda dor na perna é TVP, o que na prática quer dizer que nem
por cateter ou cirurgia) em pacientes com contraindicações ao todos esses pacientes merecem ganhar uma bateria de exames
trombolítico ou naqueles em que houve falha terapêutica do específicos (e caros) para investigar TEP... Observe a lista com os
trombolítico. principais diagnósticos diferenciais da TVP e do TEP:

TEP moderado a grande: pressão arterial normal, porém dilatação e


hipocinesia do VD vista pelo ecocardiograma. A cintigrafia de
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
ventilação/perfusão geralmente mostra que cerca de 30% dos campos
pulmonares não estão sendo perfundidos. A disfunção de VD é um
TVP TEP
marcador de mortalidade intra-hospitalar, e, portanto, diante desse
achado, alguns autores recomendam considerar a utilização de
Ruptura de cisto de Baker. Pneumonia.
trombolíticos, apesar de ainda não haver consenso a respeito dessa
conduta... Pacientes com disfunção de VD + aumento de troponina
Celulite. DPOC.
representam um subgrupo de altíssimo risco para óbito intra-hospitalar,
e o uso de trombolíticos deve ser fortemente considerado, em particular
Síndrome pós-flebítica(TVP Asma.
quando o risco de eventos hemorrágicos for baixo...
prévia).

TEP pequeno a moderado: pressão arterial normal, sem sinais de Insuficiência venosa crônica. Insuficiência cardíaca
disfunção do VD. Esta é a forma com melhor prognóstico, e o congestiva.
tratamento é satisfatório apenas com anticoagulação.

Linfedema. Pericardite.
Nos portadores de doenças cuja descompensação tenha quadro clínico
semelhante ao do TEP (ex.: pneumonia, ICC, DPOC, asma), uma gran- Tromboflebitesuperficial. Pleurite aguda (viral,
de pista diagnóstica, que deve nos fazer pensar na coexistência de um autoimune), pneumotórax.
TEP oculto, é a ausência de melhora com o tratamento padrão utilizado
(ex.: uma pneumonia que não melhora com antibióticos). Lesões musculares. Síndromes osteoarticulares
da caixa torácica.

Eis uma velha dica à beira do leito: “Sempre desconfie de TEP


Edema induzido por drogas. Síndrome coronariana
em todo o paciente com dispneia súbita que mantém os ‘pulmões
aguda.
limpos’ na ausculta do tórax!”.
Doenças articularesdo Ataque de pânico.
Com relação ao quadro clínico da TVP, vale a pena destacar o seguinte: joelho.
(1) a maioria dos casos de TVP não apresenta sinais ou sintomas; (2) o
clássico sinal de Homans (dor à dorsiflexão do pé) tem baixa Atualmente, a conduta recomendada é: diante de um paciente cujo
sensibilidade e especificidade; (3) uma TVP muito extensa pode evoluir quadro clínico seja compatível com TVP/TEP, estime a probabilidade pré-
com duas síndromes dramáticas: Phlegmasia Alba Dolens, caracterizada teste desses diagnósticos... Métodos formais de avaliação da
por um quadro típico de TVP (dor, edema, empastamento) probabilidade pré-teste, desenvolvidos com o intuito de padronizar a
acompanhado de palidez do membro (o edema intersticial comprime capacidade diagnóstica (isto é, “nivelando-a para cima”, ao reduzir a
vasos arteriais) e Phlegmasia Cerulea Dolens, caracterizada pelo variabilidade interprofissional) são muito úteis para orientar o clínico
surgimento de cianose (hipóxia de estase) subsequentemente à em sua prática diária!
Phlegmasia Alba Dolens.

DIAGNÓSTICO
É importante frisar que o julgamento clínico individual do médico
(especialmente quando estiver presente a famosa “voz da experiência”) Imobilização > 3 dias ou cirurgia nas quatro
1.5
jamais deixará de ser soberano na tomada de decisões clínicas!!! O grande últimas quatro semanas.

objetivo das regras de Previsão da Probabilidade de TEV é fornecer uma


justificativa baseada em evidências que nos diga com segurança: – Ei, Episódio prévio de TVP/ TEP. 1.5
está indicado um exame complementar!!! (como uma angio-TC, por
exemplo)... Hemoptise. 1

O escore mais amplamente utilizado é o escore de Wells, que avalia tanto Câncer (atual ou tratado nos últimos seis
1
a probabilidade de TVP quanto de TEP. meses).

Probabilidade pré-teste de TEP:


Escore de Wells: probabilidade de Moderada/alta: > 4;
PONTOS

TVP
● Baixa: < 4.

Câncer atual, ou tratado nos últimos seis 1


meses. VIDEO_17_PNE1

Outro escore que avalia apenas a probabilidade de TEP, desta vez se


Paralisia, paresia ou imobilização (ex.: 1 valendo de certos dados laboratoriais básicos, é o escore de Genebra.
gesso) no membro inferior.

Restrição ao leito > 3 dias ou cirurgia nas 1


últimas doze semanas. Escore de Genebra: probabilidade de
PONTOS
TEP
Dor localizada sobre o sistema venoso 1
profundo (cordão doloroso). Cirurgia recente. 3

Edema com cacifo. 1 Episódio prévio de TVP / TEP. 2

Edema em todo o membro inferior. 1 Frequência cardíaca > 100 bpm. 1

Assimetria > 3 cm entre uma perna e outra 1 Faixa etária:


(medida 10 cm abaixo da tuberosidade tibial). 2
● acima de 80 anos;
1
Circulação colateral não varicosa. 1 ● entre 60 e 79 anos.

Um outro diagnóstico é mais provável que -2 PaCO2 :


TVP. 2
● abaixo de 36 mmHg;
1
● acima de 36 mmHg.
Probabilidade pré-teste de TVP:

● Moderada/alta: acima de zero; PaO2:


● Baixa: abaixo ou igual a zero. 4
● abaixo de 48,7 mmHg;
3
● 48,7-59,9 mmHg;
2
Escore de Wells: probabilidade de ● 60-71,2 mmHg;
1
PONTOS
TEP ● 71,3-82,4 mmHg.

Clínica de TVP (dor, edema, eritema e Atelectasia laminar. 1


palpação de cordão venoso no membro 3
inferior).
Elevação da hemicúpula diafragmática. 1
Um diagnóstico alternativo é menos provável
3
que TEP.

Frequência cardíaca > 100 bpm. 1.5


Interpretação do escore de Genebra: O melhor método não invasivo para TVP é o duplex-scan de membros
inferiores, enquanto a angiotomografia pulmonar com tomógrafo
● ≥ 9: alta probabilidade;
helicoidal, acompanhada ou não de umavenotomografia dos membros
● 5-8: probabilidade intermediária; inferiores (para detectar TVP concomitante), é o melhor método não
● < 4: baixa probabilidade. invasivo no diagnóstico de TEP... Diante da suspeita de TEP, o encontro
de uma TVP nos membros inferiores dá por encerrada a investigação
diagnóstica (pois o tratamento básico – a anticoagulação – acaba sendo
Recentemente foi publicado o escore de Genebra revisado, que mostrou
o mesmo)! Assim, numa paciente grávida onde se suspeita de TEP, por
ser equivalente ao escore de Wells. Tal escore vem sendo muito
exemplo, o primeiro exame a ser realizado deve ser o duplex-scan de
empregado nos centros médicos europeus, e também é baseado apenas
membros inferiores. Caso positivo, poupamos a doente (e o feto) da
em dados clínicos...
exposição à radiação durante uma angiotomografia de tórax...

Agora considere o seguinte: a probabilidade pré-teste de TVP ou TEP


Escore de Genebra revisado: PONTOS não é alta... Em casos como esse, não é obrigatório partir direto para um
probabilidade de TEP exame de imagem! O estudo CHRISTOPHER avaliou o papel da
dosagem do d-dímero na exclusão de TVP/TEP em tais doentes. D-
Idade > 65 anos. 1 dímero abaixo de 500 ng/dl, num contexto clínico onde a probabilidade
pré-teste não é alta (Wells < 4 para TEP, ou ≤ 0 para TVP), exclui
Episódio prévio de TVP/ TEP. 3 satisfatoriamente a possibilidade de TEV!!! Assim, podemos afirmar que
o d-dímero possui elevado valor preditivo negativo em pacientes com
Cirurgia ou fratura óssea nas últimas quatro baixa probabilidade pré-teste de TEP... (Esse estudo acompanhou 1.028
2 pacientes com baixa probabilidade de TEV por um período de três
semanas.
meses. Outros exames não foram realizados, bem como não foi
Câncer atual. administrado tratamento anticoagulante, pois o d-dímero inicial estava
2
abaixo de 500: apenas 0,4% desenvolveram TEP, 0,1% desenvolveram
TVP e não houve nenhuma morte).
Dor em um dos membros inferiores. 3

Hemoptise. VIDEO_18_PNE1
2

Cordão venoso palpável e doloroso + edema EXAMES COMPLEMENTARES


4
assimétrico.

Frequência cardíaca: EXAMES INESPECÍFICOS


3
● 75 a 94 bpm;
5 Exames inespecíficos devem ser solicitados para todo paciente com
● acima de 95 bpm. suspeita de TEP. Eles não servem para confirmar o diagnóstico, apesar
de poderem “fortalecer” ou “enfraquecer” a suspeita clínica, na medida
em que apontarem para outras etiologias (ex.: pneumonia, IAM, etc)...
Interpretação do escore de Genebra revisado: Tais exames fazem parte da rotina de avaliação geral de pacientes com
● Alta probabilidade: ≥ 11 pontos; queixas cardiorrespiratórias!

● Probabilidade intermediária: 4-10 pontos;

● Baixa probabilidade: 0-3 pontos.


RADIOGRAFIA DE TÓRAX

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que o achado radiográfico mais


Tomemos como exemplo a aplicação do escore de Wells... Suponha que
comum no TEP fosse um exame normal. Todavia, grandes estudos
para qualquer uma das hipóteses (TVP e/ou TEP) a probabilidade pré-
demonstraram que a maioria dos casos evolui com alterações no raio X
teste seja “moderada/alta”... Ora, se o quadro clínico é compatível,
de tórax, sendo comuns: cardiomegalia, atelectasia, derrame pleural,
existem fatores de risco, a chance de TEV não é baixa (e você
infiltrados no parênquima... Como você pode perceber, tais achados são
literalmente está com aquela “pulga atrás da orelha”), não tenha a
completamente inespecíficos, e são vistos com grande frequência no
menor dúvida: EXAME DE IMAGEM NA HORA! E se não houver
contexto de outras doenças! Entretanto, existem duas situações onde o
contraindicação importante, já comece a anticoagular o doente...
raio X reforça a hipótese de TEP: (1) paciente com fatores de risco e
início súbito de dispneia, cujo exame é normal (dissociação
A escolha de qual método de imagem solicitar é variável, na
clinicorradiológica: sintomas >>> RX); (2) presença de sinais clássicos
dependência da disponibilidade e qualidade dos mesmos no serviço em
de TEP.
que você estiver trabalhando (o ideal é que cada local tenha seu próprio
protocolo)... Além disso, os exames são diferentes de acordo com a
Ué, mas o raio X do TEP pode ter sinais clássicos e específicos??? Sim. O
suspeita diagnóstica (TVP ou TEP). Vamos analisar cada um deles mais
problema é que eles raramente são encontrados, e, portanto, são muito
à frente...
pouco sensíveis...
SINAIS SUGESTIVOS DE TEP NO RAIO X DE TÓRAX

Westermark
Oligoemia focal.
(FIGURA 3A)

Corcova de Hampton Infiltrado em forma de cunha,


(FIGURA 3B) base apoiada sobre o diafragma
(infarto pulmonar).

Palla Dilatação da artéria pulmonar


(FIGURA 3C) direita.

Fig. 3C: Artéria pulmonar direita proeminente – sinal de Palla.

ELETROCARDIOGRAMA

O ECG é útil para afastarmos a possibilidade de infarto agudo do


miocárdio. Lembre-se, porém, que mesmo na presença de IAM não
podemos afastar a ocorrência de TEP somente com o ECG... A
alteração mais comum, absolutamente inespecífica, é a taquicardia
sinusal. Anormalidades de ST-T também são frequentes (ex.: inversão
da onda T de V1 a V4). Os sinais ominosos mais importantes são
aqueles que revelam a presença de sobrecarga do VD! Um estudo
mostrou que, dos sete principais indícios de sobrecarga ventricular
direita, pelo menos três podem ser vistos em 76% dos casos de TEP.

Sinais de Sobrecarga do VD no Eletro


Fig. 3A: Oligoemia do campo superior direito (sinal de Westermark) e
opacidade basal à esquerda (corcova de Hampton).
● S em D1 e aVL > 1,5 mm.

● QS em D3 e aVL, mas não em DII.

● Inversão da onda T em D3 e aVF ou em V1 a V4.

● Bloqueio de ramo direito incompleto ou completo.

● Eixo do QRS > 90º.

● Zona de transição até V5.

● Baixa voltagem em derivação dos membros.

Historicamente, a famosa síndrome S 1 Q 3 T 3 (on-da S em D1, onda Q


em D3 e onda T invertida em D3) foi considerada o sinal mais sugestivo
de TEP no ECG. Trata-se de alteração pouco sensível, pois está ausente
na maioria dos casos... Contudo, nos pacientes com embolia pulmonar
maciça e cor pulmonale agudo, a ocorrência do padrão S1Q 3T3 é
relativamente comum (FIGURA 4).

Fig. 3B: A corcova de Hampton na base pulmonar direita.


Sinais típicos de sobrecarga aguda do VD como dilatação de sua
cavidade (com paredes finas), hipocinesia e regurgitação tricúspide são
observados em cerca de 30-40% dos casos, sendo ainda mais frequentes
no TEP maciço... Devemos diferenciá-los dos sinais de sobrecarga
crônica dessa câmara cujo marco principal é a hipertrofia miocárdica.
Além disso, no cor pulmonale crônico, a hipocinesia do VD costuma ser
difusa, ao contrário do que é visto no TEP, onde apenas a parede
basolateral está disfuncionante, enquanto o ápice se contrai
normalmente (sinal de McConnell).

Anomalia menos comum, porém bastante sugestiva de TEP, é a


Fig. 4 presença de um trombo na cavidade ventricular direita... Este achado só
está presente em 4% dos casos, porém mais de 35% destes evoluem com
TEP (cujos êmbolos provavelmente se originam desse trombo). O
encontro de um trombo no VD é suficiente para indicaro tratamento.

VIDEO_19_PNE1
MARCADORES BIOQUÍMICOS
GASOMETRIA ARTERIAL
As troponinas cardioespecíficas (TnI e TnT) e o BNP não servem para o
A maioria dos pacientes com embolia para os pulmões apresenta diagnóstico de TEP (são insensíveis e inespecíficos), porém são muito
hipoxemia no sangue arterial, bem como hipocapnia (alcalose úteis na estratificação de risco dos paciente com TEP definido... Níveis
respiratória pela taquipneia). Entretanto, não é incomum que elevados da primeira provavelmente indicam a ocorrência de
indivíduos mais jovens, com boa reserva cardiopulmonar, tenham TEP microlesões miocárdicas na parede do VD, secundárias à sobrecarga
com níveis normais de oxigênio... Seja como for, um dos mais aguda dessa câmara. Valores muito aumentados conferem um mau
importantes estudos a respeito do diagnóstico de TEP (o PIOPED, prognóstico em curto prazo (primeiros 30 dias). O aumento do BNP
citado anteriormente), desfez o clássico mito de que a hipoxemia seria também está relacionado à dilatação ventricular, e quando combinado
um marcador diagnóstico importante! com altos níveis de troponina, constitui-se em poderoso instrumento de
avaliação do prognóstico (ex.: TnT > 0,07 mcg/L + BNP > 600 ng/L
estão associados a uma mortalidade em 40 dias de 33%, ao passo que se
A média de PaO2 dos pacientes com TEP comprovado por angiografia
o BNP estiver < 600 ng/L a mortalidade se aproxima de zero).
(70 mmHg) não mostrou diferença relevante com a média de PaO2 dos
pacientes onde o TEP foi excluído (72 mmHg). A hipoxemia é um
achado sensível, mas também bastante inespecífico! E como dissemos, Vale ressaltar que atualmente também tem sido bastante valorizada a

em cerca de 26% dos pacientes jovens com embolia pulmonar a PaO2 combinação de troponina elevada + disfunção de VD vista ao eco... Nos
grandes centros médicos esses dois exames são realizados em todos os
manteve-se acima de 80 mmHg... No TEP maciço, com choque
pacientes com TEP, para fins de estratificação do risco de óbito intra-
cardiogênico, é comum encontrarmos acidose mista (respiratória +
hospitalar. Em pacientes onde os dois marcadores são positivos (isto é,
lática, por causa do choque).
troponina elevada + disfunção de VD), é fortemente recomendado
considerar o emprego de drogas trombolíticas...
ECOCARDIOGRAMA
O d-dímero é um produto de degradação da fibrina (gerado pela
A disfunção de VD no ecocardiograma é um marcador de mau atividade fibrinolítica endógena) que se eleva em todas as vezes que
prognóstico: mesmo em pacientes normotensos, sua presença confere um houver um trombo no interior do organismo... Por causa disso, seus
risco duas vezes maior de mortalidade! O exame transtorácico é um níveis frequentemente são altos no TEV (> 95% dos casos). Já vimos
método prático e barato, e apesar de não fazer parte do algoritmo que a grande vantagem desse marcador é seu valor prediti-vo negativo
diagnóstico de TEP, deve estar presente na rotina de avaliação de todos (99,5% quando a probabilidade préteste é baixa)! Pacientes com d-
os casos. Sabemos de antemão que a maioria dos episódios de TEP dímero normal (< 500 ng/dl) certamente não têm trombose... Apesar de
cursam com eco normal... sua sensibilidade ser muito grande, este exame não pode, por si só,
confirmar o diagnóstico de TEV: também está elevado nos casos de
Já o eco-transesofágico pode ser usado para demonstrar a presença de sepse, pós-operatório, ICC...
trombos tanto no tronco quanto nos principais ramos da artéria
pulmonar. Em pacientes instáveis, cujo transporte intra-hospitalar seja
SAIBA MAIS...
de alto risco (ex.: até o aparelho de tomografia), o uso dessa técnica
permite uma comprovação mais fácil do diagnóstico, até porque são TEP no paciente intubado!
esses os doentes com maior probabilidade de apresentarem tal achado!
Doentes graves no CTI representam uma população com risco Para aumentar a especificidade do teste empregamos a cintigrafia de
altíssimo de TEP. Inclusive, esse risco é tão alto que mesmo com a ventilação, que consiste na inalação de xenônio radioativo (Xe 133). Se
utilização de profilaxia adequada o evento embólico ainda pode a cintigrafia de perfusão revelar a presença de áreas mal perfundidas,
ocorrer... Quando acoplados a uma prótese ventilatória obviamente devemos verificar se elas também estão sendo mal ventiladas (V/Q
devem permanecer sedados, o que torna impossível o matching). Se este for o caso, a baixa perfusão local é justificada por
conhecimento de suas queixas. Além do mais, tais pacientes uma doença do parênquima, e não por embolia. Por outro lado, se
frequentemente apresentam alterações em seus exames existirem áreas mal perfundidas, porém normalmente ventiladas (V/Q
complementares básicos (RX, ECG, gasometria, ecocardiograma, mismatching), temos o indicativo de que existe uma doença vascular
d-dímero, troponinas, BNP), as quais são causadas pela doença pulmonar, provavelmente embólica.
de base e pelo seu péssimo estado geral... EXISTE ALGUMA
PISTA PARA O DIAGNÓSTICO DE TEP??? Se houver suspeita Evidências comprovam que a radiografia de tórax pode ser usada no lugar
clínica, podemos calcular o espaço morto alveolar, que quando da cintigrafia de ventilação, sem prejuízo da acurácia, mas com custos bem
aumentado (acima de 20%), sugere oclusão na circulação arterial menores.
pulmonar (áreas bem ventiladas, porém mal perfundidas):
Uma cintigrafia normal virtualmente exclui a possibilidade de TEP, o
(PaCO2 – CO2 exalado) que dá por encerrada a pesquisa diagnóstica (elevado valor preditivo
PaCO2 negativo). A única situação em que devemos duvidar disso, e seguir
investigando, é quando a suspeita clínica for muito forte... Mas como
isso é possível??? Sabemos que alguns casos de TEP maciço, com
EXAMES ESPECÍFICOS êmbolos centrais (em sela), podem não causar defeitos de perfusão
localizados, pois na verdade todas as áreas pulmonares estão
comprometidas por igual!!! Tal fato ressalta a importância da
DUPLEX-SCAN DE MEMBROS probabilidade pré-teste – ela modifica a interpretação do exame...
INFERIORES
Uma cintigrafia de alta probabilidade é definida pela presença de dois ou
Também denominado ecodoppler, é o melhor exame para identificação mais defeitos segmentares bem ventilados (V/Q mismatching). Assim
de TVP iliofemoral. O principal critério ultrassonográfico de obstrução como ocorre na cintigrafia “normal”, o resultado “alta probabilidade”
venosa é a perda da compressibilidade vascular, reconhecida pelo não tem poder diagnóstico: no paciente com suspeita clínica de TEP, esse
colabamento do lúmen quando pressionamos o transdutor contra a pele resultado comprova a presença de embolia, e dá por encerrado o
do paciente. Algumas vezes visualizamos diretamente o trombo, que processo diagnóstico! Contudo, aqui também existe uma armadilha... É o
quando agudo tem aspecto hipoecoico e homogêneo. Outra manobra caso do paciente com TEP prévio, cujas áreas de V/Q mismatching
utilizada no exame, a compressão da panturrilha, é feita com o intuito de podem corresponder às sequelas de êmbolos antigos!!! O ideal é
aumentar o fluxo venoso (analisado pelo Doppler), o que não acontece compararmos o exame atual com exames prévios (FIGURA 5)...
nos casos de TVP importante...

Devemos notar que um duplex-scan normal não exclui a possibilidade


de TEP... Nesses casos, ou o trombo se deslocou por inteiro, ou a
trombose tem sede nas veias pélvicas, longe do território analisado pelo
método. O duplex-scan também é capaz de detectar outras doenças,
como o cisto de Baker e o hematoma muscular dissecante.

E a flebografia com contraste? Apesar de ainda ser o padrão-ouro no


diagnóstico de TVP dos membros inferiores, saiba que este exame foi
praticamente substituído pelo duplex-scan... Suas principais
desvantagens são o fato de ser um exame extremamente doloroso, e Fig. 5: A cintigrafia de perfusão evidencia diversas áreas segmentares
com defeito de perfusão. A cintigrafia de ventilação demonstra ambos
requerer o uso de contraste iodado (risco de nefropatia). Como se isso os campos pulmonares bem ventilados. Este exame é considerado de
alta probabilidade.
não bastasse, sabemos que ele piora a lesão vascular em um sistema
venoso já lesado, e cerca de 30% dos casos com TVP confirmada
acabam desenvolvendo TEP após o exame!!!

CINTIGRAFIA VENTILAÇÃO-PERFUSÃO (V/Q)

Este era o exame mais utilizado para o diagnóstico de TEP antes do


surgimento dos tomógrafos helicoidais de última geração (multi-slice
detector)... Baseia-se na injeção intravenosa de microagregados de
albumina marcada com tecnécio radioativo (Tc99), os quais serão
retidos na rede capilar pulmonar indicando as áreas de parênquima bem
perfundido.
Qual é a grande crítica à cintigrafia V/Q? O estudo PIOPED (que O maior ponto positivo da angiorressonância é sua alta acurácia para a
comparou esse exame com a arteriografia pulmonar) revelou que na detecção de TVP!!! No que diz respeito ao TEP, sabemos que
maioria das vezes (em torno de 72% do total) o resultado da cintigrafia teoricamente a acurácia também é boa (ainda que seja inferior à dos
não foi capaz de confirmar ou excluir a presença de TEP, ou seja, o novos aparelhos de TC)... Porém a realização de ressonância em
exame geralmente não é diagnóstico, sendo necessário continuar pacientes graves, instáveis, é dificultada pelas incompatibilidades entre
investigando... Além do mais, mesmo em pacientes cujo laudo da diversos aparelhos de suporte ao doente crítico e os próprios aparelhos
cintigrafia indica baixa ou média probabilidade, a prevalência de TEP de ressonância magnética (que na verdade são grandes ímãs). Além do
ainda pode ser elevada, especialmente quando a suspeita clínica é muito mais, a realização desse exame consome muito mais tempo do que a TC,
grande (ex.: 33% e 66% nos casos com cintigrafia de baixa e média e os próprios movimentos respiratórios costumam gerar artefatos.
probabilidade, respectivamente).

ARTERIOGRAFIA PULMONAR
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
HELICOIDAL (ANGIO-TC) É o método padrão-ouro para o diagnóstico de TEP, realizado através
do cateterismo da artéria pulmonar, com injeção direta do contraste em
O grande diferencial desta técnica, em relação à TC convencional, é a seu lúmen. O TEP pode ser evidenciado pela presença de uma falha de
velocidade com que as imagens são obtidas. Os novos aparelhos multi- enchimento no leito arterial pulmonar, ou então a interrupção abruta de
slice realizam múltiplos “cortes” tomográficos simultaneamente, um vaso (cutoff).
enquanto o paciente é movimentado no interior do tomógrafo.
Modernos softwares propiciam uma reconstrução tridimensional da Qual é a grande indicação de arteriografia??? Atualmente, a principal
anatomia... A vantagem de se realizar um exame tão rápido é que ele indicação é como método confirmatório nos casos que receberão
permite visualizar, com mais nitidez, as estruturas arteriais no exato tratamento intervencionista endovascular (embolectomia por cateter). A
momento em que elas recebem uma carga de contraste. Por isso o outro arteriografia localiza o êmbolo com exatidão, permitindo ao médico
nome desse exame é angiotomografia... posicionar corretamente o cateter para fragmentação e aspiração do
material trombótico...
Nos dias de hoje, a angio-TC encontra-se amplamente disponível, e é
considerada o teste de escolha na investigação inicial do TEP. Sua A mortalidade do procedimento gira em torno de 1%, e a taxa de
sensibilidade gira em torno de 83%, e a especificidade também é boa (> complicações é de 5% (geralmente relacionadas ao sítio de punção). Em
90%). Inclusive, os novos aparelhos citados são capazes de delinear até a pacientes com cor pulmonale agudo, a injeção de contraste sob pressão
sexta geração dos ramos arteriais pulmonares, alcançando uma no interior da artéria pulmonar (a qual já estava hipertensa) pode dar
resolução comparável à da arteriografia... A sensibilidade tende a ser origem a uma série de complicações, como arritmias e ruptura da
maior, quanto mais proximal for a impactação do êmbolo. Contudo, artéria.
êmbolos subsegmentares têm sido mais frequentemente identificados,
após a introdução das referidas melhorias técnicas.
SAIBA MAIS...

Um artifício que também aumentou a sensibilidade do exame de 83% TEP em gestantes!


para 90% foi a extensão do “corte” tomográfico até a pelve e grandes O diagnóstico de TEP durante a gestação apresenta algumas
veias proximais dos membros inferiores. A técnica consiste em “cortar” peculiaridades. Em primeiro lugar, fique sabendo que não existe
a parte inferior do corpo após um intervalo de tempo pré-determinado, contraindicação absoluta para a realização de exames
coincidindo com a fase venosa da circulação do contraste. A esta parte radiográficos! O TEP é uma doença potencialmente fatal, e precisa
do exame cha-mamos venotomografia, que detecta a presença de TVP ser confirmada a fim de justificar seu tratamento (o qual acarreta
sem necessidade de injetar mais contraste. Lembre-se que no paciente uma série de riscos)... Devemos usar utensílios de proteção
com suspeita clínica de TEP, o encontro de uma TVP autoriza o abdominal, de modo a minimizar a exposição do feto aos raios X.
diagnóstico presuntivo de TEP, e, portanto, o tratamento. Se a cintigrafia for empregada, a dose do radiofármaco deve ser
reduzida. Por fim, um período especialmente difícil de se realizar o
Além de útil para o diagnóstico, esse exame também se aplica ao diagnóstico é o terceiro trimestre: a compressão venosa exercida
prognóstico... A dilatação do VD pode ser notada durante o exame, e a pelo útero dificulta a interpretação do fluxo e da compressibilidade
presença desse sinal quintuplica o risco de mortalidade! Por fornecer vascular, realizadas no duplex-scan de membros inferiores... De
imagens de todas as estruturas torácicas, a angio-TC também detecta a toda forma, preconiza-se que o primeiro exame a ser realizado
presença de outras doenças, as quais não poderiam ser pesquisadas, seja o duplex-scan, pois a confirmação de TVP já basta para
simultaneamente, por outros métodos (ex.: ao mesmo tempo avalia o darmos início ao tratamento anticoagulante (poupando a gestante
parênquima pulmonar, as pleuras, o mediastino e o pericárdio). da realização de exames radiográficos). A droga de escolha para o
tratamento durante todo o período de gestação é a heparina de
As principais desvantagens do método são a ocorrência de nefropatia baixo peso molecular...
induzida por contraste e alergia ao contraste.

TRATAMENTO
ANGIORRESSONÂNCIA
As modalidades terapêuticas no TEV incluem o uso de anticoagulantes, No caso específico dos portadores de câncer que desenvolvem TEP,
trombolíticos, filtro de veia cava e procedimentos invasivos (cirúrgicos atualmente as HBPM representam as drogas de escolha para
ou endovasculares). anticoagulação, devendo ser mantidas em monoterapia (sem tentativa
de transição para o warfarin) indefinidamente ou até que o paciente seja
curado da neoplas ia.
ANTICOAGULAÇÃO
Observe na Tabela 4 as principais HBPM:
Os pacientes que não morrem dentro das primeiras duas horas após o
TEP geralmente vêm a falecer mais tarde por causa de recorrência da
embolia! A recorrência tende a ser comum, sendo observada em grande Tab. 4
parte dos casos que não recebem tratamento. Já está mais do que
provado que a anticoagulação reduz a taxa de mortalidade em cerca de
Heparina Posologia

80-90%, basicamente pela sua capacidade de evitar a recorrência do


TEP (prevenção secundária)... Nadroparina (fraxi- 225 U/kg, subcutânea, 12/12h.
parina)
E como ela consegue fazer isso??? Nenhum anticoagulante exerce ação
direta sobre o trombo... A dissolução do mesmo é levada a cabo pelo Enoxaparina 1 mg/kg, subcutânea, 12/12h.
sistema fibrinolítico endógeno: o que o anticoagulante faz é inibir a (clexane)
continuidade do processo trombótico, virando a balança para o lado da
fibrinólise! Dalteparina 100 U/kg, subcutânea, 12/12h ou
(fragmin) 200 U/kg uma vez ao dia.
Portanto, anticoagular é a base do tratamento do TEV. Devemos
alcançar o estado de anticoagulação plena dentro das primeiras 24h de Tinzaparina 175 U/kg, uma vez ao dia.
terapia... Isso é possível apenas com o uso de medicações parenterais ou
(innohep)
com os novos anticoagulantes orais (inibidores diretos da trombina ou
do fator Xa), cujo início de ação é imediato. Em pacientes que recebem
cumarínicos (anticoagulantes orais antagonistas da vitamina K), leva Outras grandes vantagens da HPBM em relação à HNF são:
cerca de 5-7 dias para o efeito anticoagulante ser atingido. Por este
motivo, quando optamos pelo uso dessas medicações, é preciso manter 1. Farmacocinética mais previsível;
uma droga parenteral até que se comprove a obtenção do efeito
2. Uso subcutâneo;
anticoagulante pleno do cumarínico (p. ex.: duas medidas consecutivas
de INR dentro da faixa terapêutica, que fica entre 2-3). 3. Menor risco de trombocitopenia induzida por heparina (HIT);

4. Não é necessário monitorar a anticoagulação (dispensa o PTTa).


Ressalte-se que em casos onde a suspeita clínica de TEP for muito Isso ocorre porque as moléculas de HBPM se ligam com menos
grande, mas por algum motivo os exames confirmatórios não puderem intensidade às células e proteínas plasmáticas do que as moléculas de
ser realizados de imediato, pode-se anticoagular empiricamente (isto é, HNF, o que significa que elas têm uma biodisponibilidade mais
até que se providenciem os exames confirmatórios necessários)... uniforme ao longo do tempo...

No TEP, é recomendável que o paciente evite a deambulação até estar Todavia, existem situações especiais onde estaria indicado um exame
plenamente anticoagulado. Na TVP isolada, tal medida não é para avaliar o efeito anticoagulante da HBPM. Que exame é esse? É a
necessária. A TVP pode ser tratada no ambulatório, mas o TEP, de uma dosagem do antifator Xa, que nada mais é que o próprio componente
forma geral, não. ativo da HBPM... E em que situações devemos dosá-lo?Por quê?
Observe o quadro a seguir...

HEPARINA DE BAIXO PESO MOLECULAR

As HBPM são comprovadamente superiores à heparina não fracionada INDICAÇÕES DE DOSAGEMDO ANTIFATOR Xa
para a anticoagulação de pacientes com TEP que se mantêm
hemodinamicamente estáveis. Logo, podem ser escolhidas para início do ● Obesidade mórbida (> 150 kg).
tratamento nesse contexto, quando se opta pela utilização de
● Baixo peso (< 40 kg).
cumarínicos em longo prazo... Em tal situação, ambas as medicações
são iniciadas ao mesmo tempo: HBPM + cumarínico. Atingido o efeito ● Gestantes.
anticoagulante do cumarínico, a HBPM deve ser suspensa (maiores
● Disfunção renal (aguda ou crônica).
detalhes adiante).
As HBPM são excretadas pelo rim, e sua posologia deve ser corrigida Nenhuma forma de heparina poderá ser usada de novo, e
ou pelo clearance de creatinina, ou pela dosagem do antifator Xa. obrigatoriamente teremos que usar outro tipo de anticoagulante (ex.:
Entretanto, o ideal é trocá-las por outro anticoagulante, na vigência de inibidores diretos da trombina de uso parenteral, como o argatroban ou
disfunção renal... Em todas as situações citadas no quadro anterior, a a bivalirudina ).
dose ideal de HBPM não foi adequadamente estudada, e não existe
consenso se as doses padrão devem ser mantidas nesses casos. Por causa Gestantes que são anticoaguladas por longos períodos com HNF
disso, a monitoração do efeito anticoagulante seria interessante... podem desenvolver osteoporose... A chance dessa complicação está
Dosamos o antifator Xa 4h após administrar a heparina, e ajustamos a aumentada a partir de uma dose cumulativa > 20.000 UI/dia por > 30
posologia segundo algoritmos próprios, com o intuito de manter seus dias! Em pacientes que precisam de > 40.000 UI/dia de heparina para
níveis séricos em torno de 0,6 a 1,0 U/ml. ajustar o PTTa, devemos considerar fortemente a possibilidade de
deficiência de antitrombina (trombofilia hereditária que funciona como
A HBPM possui alguma desvantagem em relação à HNF? Sim... A meia- uma espécie de “resistência à heparina”)...
vida da HBPM é maior que a da HNF (12h versus 6h). Nos pacientes
mais graves, a probabilidade de precisarmos realizar um procedimento
FONDAPARINUX
invasivo é alta, pois a qualquer momento o paciente pode descompensar
(ex.: punção venosa profunda, cirurgia de embolectomia). Se ele estiver
usando HNF, a reversão do efeito anticoagulante é rapidamente Trata-se de um pentassacarídeo sintético deri-vado da heparina, que

atingida após a suspensão da droga, o que não é observado no caso da promove uma interação seletiva entre a antitrombina e o fator Xa,

HBPM. Além disso, o antídoto das heparinas, o sulfato de protamina, inativando este último... Estudos iniciais indicam que sua eficácia no

neutraliza a HNF com muito mais eficácia do que a HBPM (devemos TEP provavelmente é semelhante à da HNF, constituindo uma

administrar plasma para uma rápida reversão de seus efeitos)... alternativa viável. Suas principais vantagens são: (1) não causa HIT; (2)
uso subcutâneo; (3) não precisa de monitoração laboratorial.
Entretanto, uma importante desvantagem precisa ser destacada:não
HEPARINA NÃO FRACIONADA existe antídoto contra essa droga... O fondaparinux também deve ser
evitado na disfunção renal!
A HNF é o anticoagulante de escolha para tratar os pacientes com TEP
que apresentem instabilidade hemodinâmica. A razão para tal fato é
muito simples: é a única droga que demonstrou reduzir mortalidade Doses:
nesses casos. Os estudos com HBPM sempre excluíram esses doentes ● Peso < 50 kg: 5 mg, subcutâneo, uma vez ao dia;
mais graves de seus protocolos e, portanto, não conhecemos seu
● Peso entre 50-100 kg: 7,5 mg, subcutâneo, uma vez ao dia;
verdadeiro impacto nesses casos.
● Peso > 100 kg: 10 mg, subcutâneo, uma vez ao dia.
A HNF deve ser feita em bomba infusora, ajustando-se a taxa de
infusão contínua de acordo com o tempo de tromboplastina parcial ativa-
do (PTTa), verificado de 6/6h. A dose inicial noTEP é 80 U/kg em bolus, WARFARIN (ANTAGONISTA DE VITAMINA K)
seguindo-se infusão de18 U/kg/h. De maneira genérica, o bolus é feito
com 5.000-10.000 UI, e a infusão contínua com 1.000-5.000 UI/h... A O warfarin pode ser iniciado junto com a primeira dose dos modernos
anticoagulação estará garantida quando mantivermos um PTTa 1,5 a anticoagulantes parenterais (HBPM ou fondaparinux), devendo ser
2,5 vezes acima do valor do controle (60-80 segundos), o que com usada em conjunto com essas drogas por um mínimo de 5-7 dias
frequência requer ajustes na dose. (momento a partir do qual, em geral, o efeito do warfarin encontra-se
plenamente estabelecida). Se a HNF for utilizada, recomenda-se iniciar
A necessidade de monitoração laboratorial vem do fato de que a o warfarin somente após se atingir a faixa alvo do PTTa... O efeito do
farmacocinética da HNF é totalmente errática... Ao contrário da warfarin é avaliado pela dosagem do INR (International Normalized
HBPM, a HNF se liga de maneira variável a uma série de moléculas e Ratio), que deve se manter entre 2-3 (alvo = 2,5). As drogas parenterais
superfícies celulares no organismo, o que costuma ser absolutamente podem ser suspensas após duas dosagens do INR dentro dessa faixa
imprevisível (e pode variar, no mesmo indivíduo, de um momento para (em dois dias consecutivos).
outro).
A dose inicial é geralmente 5 mg/dia. Indivíduos obesos podem precisar
Uma de suas complicações mais temidas é a trombocitopenia induzida de 7,5 a 10 mg/dia. Pacientes desnutridos ou que se submeteram a um
por heparina (“HIT” ou “Heparin Induced Thrombocytopenia”), que longo curso de antibioticoterapia devem receber 2,5 mg ao dia, pois é
costuma surgir a partir do quinto dia de uso... A fisiopatologia envolve a comum que apresentem deficiência de vitamina K. Em pacientes que
produção de autoanticorpos contra o complexo heparina – fator IV desenvolveram um primeiro episódio de TEP na vigência de fatores de
plaquetário, que se encontra exposto na superfície externa das plaquetas. risco transitórios (ex.: cirurgia), o tempo de anticoagulação deve ser de
A ligação antígeno-anticorpo promove intensa ativação plaquetária, e o três a seis meses. Já em pacientes com TEP idiopático, isto é, sem fator
paciente que estava sendo satisfatoriamente anticoagulado começa a desencadeante, ou TEP recorrente, a taxa de novos episódios em longo
apresentar tromboses arteriais e venosas... O grande sinal de alerta é a prazo é extremamente alta. Preconiza-se que esses indivíduos recebam
queda progressiva na contagem de plaquetas!!! É mandatório suspender a de seis a doze meses de anticoagulação, devendo-se reavaliá-los após esse
heparina quando essa contagem estiver abaixo de 100.000 cél/ml ou< período quanto à necessidade de anticoagulação permanente.
50% do valor basal...
O que é a necrose cutânea induzida pelo warfarin? Estreptoquinase: dose de ataque – 250.000 IU em 30min,
seguida de 100.000 IU/h por 24h.
Além de sangramento, o warfarin pode ocasionar a chamada Uroquinase: dose de ataque – 4.400 IU em 10min, seguida de
necrose cutânea induzida pelo warfarin. Muitos destes 4.400 IU/kg/h por 12 a 24h.
pacientes são heterozigotos para deficiência de proteína C... A t-PA: 100 mg em infusão contínua por 2h.
base para esta complicação consiste em uma redução muito
rápida da proteína C, pela ação do warfarin, que é mais
significativa em indivíduos já deficientes desta proteína, levando a
um estado de hipercoagulabilidade.
FILTRO DE VEIA CAVA INFERIOR

As principais indicações do filtro de veia cava inferior são citadas na


A necrose cutânea induzida por warfarin é caracterizada inicialmente Tabela 5. Note que somente as duas primeiras são consensuais na
pelo surgimento de placas eritematosas em mamas, coxas e abdome. As literatura, sendo as três últimas relativamente controversas... Os filtros
lesões progridem para bolhas e necrose cutânea. A biópsia revela de veia cava inferior conseguem impedir a recidiva do TEP em curto
trombose dos vasos da pele. prazo, porém aumentam o risco de TVP em longo prazo – por este
motivo, o ideal é que sejam posteriormente retirados, se possível! Esses
filtros devem ser posicionados abaixo das renais, através de punção da
OS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS
veia femoral direita ou da veia jugular interna direita. Uma
venocavografia deve ser realizada após o procedimento.
Essas drogas vêm sendo cada vez mais empregadas no tratamento do
TEV. Além do uso oral, outras vantagens são: (1) uso de doses fixas; (2)
PNE2_FILTRO_VEIA_CAVA_INFERIOR
anticoagulação plena logo após a primeira tomada; (3) não é necessário
monitoração laboratorial; (4) não possuem tantas interações
Tab. 5: Indicações para uso do filtro de cava inferior.
medicamentosas como o warfarin.

1. Anticoagulação contraindicada e TEPconfirmado


Dividem-se em dois grupos principais: inibidores diretos do fator Xa
(rivaroxabana, apixabana e edoxabana) e inibidores diretos da trombina Sangramento gastrointestinal ativo.
(dabigatrana).
Pós-operatórios de craniotomia.

Complicações do uso da heparina.


TROMBOLÍTICOS
Quimioterapia para o câncer planejada, devido à associação
Os trombolíticos reduzem de maneira efetiva a quantidade, ou melhor com trombocitopenia.
dizendo, a “carga” de trombos formados. A uroquinase, a
estreptoquinase e o t-PA estão liberados para uso. Estas drogas atuam 2. Falha na anticoagulação
ativando o plasminogênio tecidual, e podem ser ministradas até 14 dias
após o início do episódio de TEP. Devemos ter em mente que os Presença de episódios repetidos na vigência de
trombolíticos só podem ser administrados uma vez confirmado o anticoagulação adequada.
diagnóstico de TEP. A única indicação absoluta para o uso de
trombolíticos no TEP é presença de instabilidade hemodinâmica. Outras
3. Profilaxia em pacientes de alto risco
indicações propostas, mas ainda sem consenso são:

● Trombose venosa profunda extensa; Trombose venosa progressiva e extensa.


● Envolvimento extenso (múltiplos segmentos ou um lobo inteiro); Utilização em conjunto com embolectomia ou retirada do
● Hipoxemia grave; trombo por cateter.

● Disfunção ventricular direita evidente ao ecocardiograma


(principalmente se associada a um aumento nos níveis de troponina). 4. Doença tromboembólica pulmonar crônica

A heparina deve ser suspensa até o término da infusão do trombolítico. 5. Tromboflebite séptica de veias pélvicas
Após isso, se o PTT for inferior a duas vezes o limite superior da
normalidade, a heparina pode ser reiniciada sem dose de ataque. Caso
este valor seja superior, pedimos um novo PTT em quatro horas e TERAPIA INTERVENCIONISTA
reavaliamos.

Hemodinamicistas experientes são capazes de reconhecer o(s) ponto(s)


de obstrução por trombo no leito arterial pulmonar e, em alguns casos,
desfazer a obstrução com uma das seguintes opções: (1) trombolítico
intra-arterial; (2) embolectomia succional; (3) embolectomia por
fragmentação; (4) outros métodos.
Porém as técnicas de “angioplastia” na embolia pulmonar ainda são Tab. 6
realizadas por poucos profissionais. Os pacientes com embolia maciça,
instáveis hemodinamicamente e que apresentam contraindicação ao ALTO RISCO
trombolítico ou refratariedade ao trombolítico idealmente devem ser
submetidos à embolectomia cirúrgica, realizada com CEC (circulação ● Cirurgia ortopédica “maior” recente (ex.: artroplastia total ou
extracorpórea). Atualmente, consegue-se uma mortalidade em torno de osteossíntese de fratura em quadril e joelho).
40-50% nas mãos de cirurgiões experientes. Vale ressaltar que esta é uma
● Cirurgia para câncer em abdome ou pelve.
cirurgia “heroica” (sem ela o paciente morreria em 100% dos casos!).
Na indisponibilidade da cirurgia com CEC devemos tentar a ● Trauma raquimedular ou politrauma “recente” (últimos 90
embolectomia por cateter em pacientes com contraindicação ou falência dias).
da terapia trombolítica.
● Três ou mais fatores de “risco intermediário”
concomitantes.
VIDEO_20_PNE1

RISCO INTERMEDIÁRIO
EMBOLIA PULMONAR MACIÇA
● Paciente que não deambula fora do quarto sem ajuda pelo
Qual é a conduta na embolia pulmonar maciça? Devemos suspeitar de menos 2x ao dia.
embolia pulmonar maciça, quando o paciente se apresenta com
● Processo infeccioso ou inflamatório sistêmico em atividade.
insuficiência respiratória, choque, dissociação eletromecânica ou
assistolia. A conduta inclui a administração de salina, aminas para ● Câncer atual.
suporte da pressão (dopamina e noradrenalina) e dobutamina para
● Grande cirurgia não ortopédica.
“estimular” o VD, uma vez que a maioria das mortes advém da falência
desta câmara. ● História de TEV.

● AVC.
A intubação orotraqueal e à ventilação mecânica são geralmente
realizadas e o emprego de trombolíticos recomendado. Para os pacientes ● Veia profunda ou PICC line (“cateter venoso profundo
com contraindicações à heparinização ou à trombólise, a embolectomia inserido perifericamente”).
intervencionista é a melhor conduta, e um filtro de veia cava deve ser ● Doença inflamatória intestinal.
instalado, para evitar recorrências.
● Imobilização > 72h no pré-operatório.

PREVENÇÃO ● IMC > 30.

● Idade > 50 anos.


O TEP é a principal causa prevenível de morte intra-hospitalar... ● TRH ou uso de ACO.
Devemos, portanto, dominar sua profilaxia! Diga-se de passagem, ela
consegue ser mais eficaz em reduzir o número de mortes do que o ● Estado hipercoagulável.
próprio tratamento da doença estabelecida!!!
● Síndrome nefrótica.

● Grande queimado.
PACIENTES CIRÚRGICOS
● Celulite.

Já vimos os principais fatores de risco do tromboembolismo venoso. ● Veias varicosas.


Sabemos que, dentre uma longa lista de fatores, a história de cirurgia
recente é um dado que merece destaque. Um grande estudo
● Paresia de membro inferior.
populacional mostrou que 74% dos episódios de TEP acontecem na ● Insuficiência cardíaca congestiva (disfunção sistólica).
comunidade, sendo que, em cerca de um quarto desses, há história de
procedimento cirúrgico nos últimos três meses. Esse estudo constatou
● DPOC descompensada.
também que cerca de 40% desses casos de TEP não receberam nenhuma
forma de profilaxia durante a internação hospitalar... BAIXO RISCO

Existem escores validados para a estratificação do risco de TEV em


● Pequenas cirurgias e idade < 40 anos, sem outros fatores
paciente cirúrgicos, como o escore de Caprini modificado (citado no de risco.
guideline do ACCP – American College of Chest Physicians, uma ● Paciente que deambula e com expectativa de internação <
referência muito utilizada em se tratando da profilaxia do TEV). No 24h.
entanto, dada a complexidade deste último, colocaremos aqui um
esquema simplificado (e igualmente válido e aceito pela literatura), o
qual é muito mais fá-cil de memorizar e entender... Seguramente, a
Tabela 6 lhe ajudará a acertar as questões de prova acerca desse tema!
Todos os pacientes com risco moderado ou alto devem receber alguma
forma de profilaxia FARMACOLÓGICA, a não ser que existam Cumarínicos Podem ser usados para a profilaxia em

contraindicações (ver adiante). A estratégia de primeira escolha na cirurgias de alto risco. O warfarin pode

atualidade consiste no uso de heparina de baixo peso molecular (ex.: ser administrado imediatamente antes

enoxaparina 40 mg SC 1x/dia). A duração da profilaxia deve ou logo após um procedimento

acompanhar a duração dos fatores de risco ou da internação... Cumpre cirúrgico, pois seu efeito anticoagulante

ressaltar que certos pacientes cirúrgicos de ALTO RISCO devem pleno só será atingido dentro de cinco a

continuar recebendo a profilaxia farmacológica em casa, mantendo-a sete dias... Apesar de pequenos

por um mês após a alta hospitalar, devido ao risco comprovadamente trombos distais poderem se formar nos

alto de desenvolver TEV neste período... Estes são: membros inferiores durante esse
período, ao alcançarmos
1. Artroplastia total de quadril; posteriormente o estado de
2. Osteossíntese de fratura de quadril; anticoagulação, inibiremos a extensão
do trombo, o qual será dissolvido pelo
3. Ressecção de câncer abdominal ou pélvico.
sistema fibrinolítico endógeno. Não é
um método empregado com frequência,
Vamos descrever agora as modalidades de tromboprofilaxia disponíveis até porque é inferior à heparina como
na prática (ver Tabela 7). profilaxia...

Compressão Este método evita a estase venosa,


Tab. 7
pneumática pois a compressão aumenta o fluxo nas
MÉTODOS DE TROMBOPROFILAXIA intermitente dos veias profundas das pernas (efeito
membros infe- local)... Não se sabe exatamente como,
Heparina não 5.000 UI subcutâneo 2h antes de riores (CPI) mas ele também reduz os níveis de
fracionada procedimentos cirúrgicos de alto risco, PAI-1, o que aumenta a atividade
seguindo-se 5.000 UIde 8/8h. Múltiplas fibrinolítica endógena (efeito
evidências comprovam que tal conduta sistêmico)... Sua principal vantagem é a
reduz a incidência de todas as formas ausência relativa de efeitos colaterais:
de TEV no pós-operatório, à custa de só não deve ser usado em pós-
um pequeno número de efeitos operatórios de cirurgias arteriais
colaterais (sangramentos menores, ex.: (isquemia de membros) ou em
hematoma local ou na ferida operatória, pacientes acamados há mais de 72h
em < 2 casos por 1.000 pacientes). Não sem profilaxia de TEV (a instalação do
é necessário monitorizar o PTT, aparelho pode levar ao deslocamento
somente a contagem plaquetária. de trombos já formados). Pode ser
combinado ao uso profilático de
Heparina de Existem várias formulações no heparina em pacientes de altíssimo
baixo peso mercado, mas de uma forma geral risco (esta conduta é melhor do que
molecular todas elas têm a vantagem de poder cada um dos métodos em separado).
ser administradas, com fins profiláticos, Nas primeiras 48h de pós-operatório
apenas uma vez ao dia (meia-vida em neurocirurgia podemos utilizar a
maior), além de impor um risco de CPI, acrescentando alguma forma de
trombocitopenia induzida por heparina heparina após esse período. Pacientes
bem menor que a HNF... Diversos com contraindicações ao uso de
estudos sugerem que as HBPM são tão anticoagulantes devem
ou mais eficazes que a HNF na obrigatoriamente utilizar este método.
prevenção do TEV.
Novosanti- O dabigatrana (inibidor direto da
Fondaparinux A grande vantagem dessa droga é que coagulantes trombina) e o rivaroxabana (inibidor
ela mostrou ser superior à HBPM na orais direto do fator Xa) foram aprovados
prevenção de TEV pós-operatório em para prevenção do TEV em pacientes
cirurgias ortopédicas (como as submetidos às cirurgias de artroplastia
artroplastias de quadril e joelho, além total de joelho e artroplastia total de
da cirurgia de correção de fratura de quadril.
quadril). No que tange a outros
procedimentos cirúrgicos (abdominais,
torácicos), o fondaparinux parece ser
PACIENTES CLÍNICOS
tão eficaz quanto a heparina...
Também existem escores para avaliação do risco tromboembólico em
pacientes clínicos internados no hospital. Felizmente, o principal escore QUADRO DE CONCEITOS III
validado pela literatura é bastante simples e fácil de guardar: trata-se do
escore de Padua (ver Tabela 8). Uma pontuação maior ou igual a 4
indica alto risco e necessidade de tromboprofilaxia farmacológica. Ao contrário da embolia gordurosa, a embolia trombótica
geralmente ocorre após o quinto dia de pós-operatórios ou
grandes traumas, diferente da primeira, que é precoce –
Tab. 8
antes do terceiro dia.
Escore de Padua – Risco de Tev em Pacientes
Clínicos

Câncer, história de TEV, imobilidade, Geralmente as gorduras neutras sofrem a ação da lipase, liberando
trombofilia laboratorialmente 3 pontos cada. ácidos graxos. Estes promovem uma vasculite disseminada, com
confirmada. extravasamento capilar nos pulmões, sistema nervoso central e vasos da
derme. O tratamento é de suporte e o prognóstico é variável.
Trauma ou cirurgia recente (≤ 1 mês). 2 pontos cada.

VIDEO_21_PNE1
Idade ≥ 70 anos, IAM ou AVC agudo,
infecção aguda, doença
1 ponto cada.
reumatológica,IMC ≥ 30, terapia de ABSOLUTAS RELATIVAS
reposição hormonal.
● Hemorragia aguda a ● Coagulopatia comINR >
partir de feridas, drenos 1,5.
ou lesões.
CONTRAINDICAÇÕES À HEPARINA ● Lesão ou neoplasia
PROFILÁTICA ● Hemorragia intracraniana intracraniana sem sangra-
nas últimas 24h. mento.
Observe a seguir as contraindicações ABSOLUTAS e RELATIVAS ● Trombocitopenia induzida ● Trombocitopenia< 50.000.
para o uso de heparina em doses profiláticas.
por heparina.
● Hemorragia intracraniana
● Trauma grave em crânio, nos últimos seis meses.
EMBOLIA GORDUROSA coluna ou extremidades.
● Hemorragia gastrointes-
● Anestesia epidural nas tinal ou geniturinária nos
O que é a embolia pulmonar gordurosa? A embolia gordurosa, uma causa
últimas 12h. últimos seis meses.
não trombótica de EP, é decorrente de politrauma com fraturas de ossos
longos. É a medula óssea gordurosa que “funciona como êmbolo”.
Uma síndrome que se inicia em torno de 24 a 48h após a fratura, sendo
caracterizada por:

● Confusão mental;

● Petéquias no abdome;

● Taquidispneia.
5
Cap. CÂNCER DE PULMÃO

DEFINIÇÃO

Por câncer de pulmão (ou carcinoma broncogênico) nos referimos às


neoplasias malignas com origem no epitélio do trato respiratório inferior. Fig. 1: Nódulo pulmonar de 3 cm, espiculado. Trata-se de um
carcinoma broncogênico – o maior responsável pelas mortes
Assim, linfomas, sarcomas, mesoteliomas e carcinoides não se enquadram oncológicas atualmente.
nesse termo.

Cerca de 90% das neoplasias malignas pulmonares são classificadas


como câncer de pulmão, e podem ser subdividas em dois grandes
grupos: pequenas células e não pequenas células (carcinoma EPIDEMIOLOGIA
epidermoide, adenocarcinoma e carcinoma de grandes células
anaplásico).
O câncer de pulmão é uma das neoplasias malignas que mais mata no
Brasil e no mundo! Em nosso meio, é a principal causa de morte
oncológica em homens, e a segunda maior em mulheres (nestas, a
principal ainda é o câncer de mama). Observe as Tabelas 1 e 2. O pico
de incidência ocorre entre 55 e 65 anos de idade.

Tab. 1

Estatísticas sobre Câncer no Brasil(excluídos os


tumores de pele não melanoma)

Incidência

Homem Mulher
1º > Ca de próstata. 1º Ca de mama.

2º Ca de pulmão e 2º Ca de cólon e reto.


brônquios.
3º Ca de colo uterino.
3 º Ca de cólon e reto.
4 º Ca de pulmão e
4 º Ca de estômago. brônquios.

5º Ca de cavidade oral. 5º Ca de tireoide.

Mortalidade
Homem Mulher ETIOLOGIA
1º Ca de pulmão e 1º Ca de mama.
A principal causa de câncer de pulmão é o tabagismo, particularmente o
brônquios.
2º Ca de pulmão e hábito de fumar cigarros. Outras formas de tabagismo também se
2º Ca de próstata. brônquios. associam ao Ca broncogênico, porém, com menor intensidade. Cerca de
90% dos homens e 80% das mulheres que têm a doença são (ou foram)
3º Ca de estômago. 3º Ca de cólon e reto.
tabagistas! Antes da epidemia mundial de tabagismo no início do século
4º Ca de cólon e reto. 4º Ca de colo uterino. XX – pasmem – o câncer de pulmão era considerado uma DOENÇA
RARA...
5º Ca de esôfago. 5º Ca de estômago.

Fonte: INCA – Ministério da Saúde.


A combustão do tabaco libera diversas substâncias
carcinogênicas, como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos,
Tab. 2
nitrosaminas tabaco-específicas (TSNA) e aldeídos voláteis. Na
Estatísticas sobre Câncer nos EUA(excluídos os verdade, mais de 4.000 substâncias comprovadamente maléficas
são liberadas... A nicotina, responsável pela dependência
tumores de pele não melanoma)
química, também está implicada na gênese do câncer, pois seus

Incidência derivados se mostraram capazes de inibir a apoptose de células


neoplásicas. Todas essas substâncias se distribuem entre a fase

Homem Mulher gasosa e a fase particulada – ou alcatrão – da “fumaça” aspirada.

1º Ca de próstata. 1º Ca de mama.
A carga tabágica é um importante parâmetro diretamente relacionado
2º Ca de pulmão e 2º Ca de pulmão e
ao risco, e por isso sempre deve ser quantificada. É definida com o
brônquios. brônquios.
produto entre o número de maços consumidos por dia e a duração do
3º Ca de cólon e reto. 3º Ca de cólon e reto. hábito em anos (lembre-se que um maço contém 20 cigarros). Sua
unidade é o “maços/ano”, e considera-se como ALTO RISCO um valor
4º Ca de bexiga. 4º Ca de útero. > 20 maços/ano. No entanto, é válido frisar que não existe um limiar de
5º Melanoma. 5º Ca de tireoide. segurança... O tabagismo em qualquer grau eleva proporcionalmente o
risco de câncer de pulmão! Em média, fumantes têm risco 20x maior que
Mortalidade não fumantes de desenvolver Ca de pulmão no futuro.

Homem Mulher
Outras modalidades de tabagismo aumentam menos o risco de
1º Ca de pulmão e 1º Ca de pulmão e Ca broncogênico pelo fato de o indivíduo aspirar uma menor
brônquios. brônquios. quantidade de fumaça para satisfazer suas necessidades de
nicotina (sendo esta absorvida pela mucosa oral, já que se tratam
2º Ca de próstata. 2º Ca de mama.
de fumaças menos “tragáveis” – ex.: cachimbo, charuto).
3º Ca de cólon e reto. 3º Ca de cólon ou reto. Contudo, outras formas de câncer relacionado ao tabaco acabam
se tornando mais prevalentes nesse contexto, principalmente os
4º Ca de pâncreas. 4º Ca de pâncreas.
carcinomas das mucosas expostas (ex.: câncer de boca e lábios
5º Leucemias. 5º Ca de ovário. – estude a Tabela 3).

A sobrevida em cinco anos (equivalente à cura) continua frustrante,


Tab. 3
com apenas 13-21% (países desenvolvidos) e 7-10% (países em
desenvolvimento) dos pacientes atingindo esta marca... A pequena Cânceres Relacionados ao Tabagismo
chance de cura vem do fato de que, quase sempre, o diagnóstico só é
feito quando o tumor já se encontra em estágios avançados. Somente Pulmão. Cabeça e pescoço.
cerca de 15% dos indivíduos possui doença localizada (potencialmente
curável) ao diagnóstico! Boca. Bexiga.

Esôfago. Pâncreas.
Nos últimos anos, a incidência de carcinoma broncogênico vem caindo
em homens (efeito das campanhas contra o tabagismo), ao passo que no
sexo feminino tal queda ainda não se concretizou (resultado do
aumento do tabagismo neste grupo algumas décadas atrás). Conforme
veremos adiante, grande parte dos casos poderia ser evitada, se o
tabagismo fosse definitivamente erradicado de nossa cultura.
O tabagismo passivo também eleva o risco de câncer de pulmão (em Conforme já dito, consideraremos aqui somente os carcinomas
cerca de 1,3x), justificando diversos casos em filhos ou cônjuges não broncogênicos, isto é, tumores malignos derivados do epitélio
fumantes de pais ou companheiros fumantes. A cessação do tabagismo respiratório inferior. Outras neoplasias que podem se originar no
reduz o risco com o tempo (efeito que, em geral, só se torna significativo pulmão (linfomas, sarcomas, mesoteliomas e carcinoides) não serão
passados 15-20 anos). Apesar de o risco realmente ser reduzido, é abordadas neste texto... Vejamos então as subdivisões histopatológicas
importante ter em mente que ele continua sendo maior em ex-fumantes dos dois principais grupos de carcinoma broncogênico.
do que em pessoas que nunca fumaram, e mantém relação direta com a
magnitude do tabagismo prévio!
CARCINOMA NÃO PEQUENAS CÉLULAS
Outras etiologias conhecidas do Ca de pulmão são a doença pulmonar
obstrutiva crônica (fator de risco independente), as pneumopatias CARCINOMA EPIDERMOIDE (ESCAMOSO OU
fibrosantes e a exposição a outros agentes ambientais (naturais ou ESPINOCELULAR)
ocupacionais). Os principais agentes exógenos (excluído o tabaco) são o
radônio e o asbesto, mas também existem outros (ex.: arsênico, haloéter, Representa o tipo histológico mais comum em nosso meio, responsável
cromo, níquel, gás mostarda, cloreto de vinila)... O radônio é um gás por até 2/3 dos casos, principalmente em homens. Em países
que emana do solo, oriundo do decaimento radioativo do urânio. desenvolvidos, o carcinoma epidermoide deixou de ser o subtipo mais
frequente, perdendo esta posição para o adenocarcinoma (ver adiante).
Há regiões da crosta terrestre que são ricas em urânio, o que explicaria Em geral tem localização central ou proximal e se apresenta como
maiores taxas de Ca broncogênico em não fumantes naquelas áreas. A tumoração brônquica exofítica facilmente visualizada à broncoscopia. É
exposição ao radônio também justifica um maior risco da doença em o tipo com maior chance de ser diagnosticado pela citologia do escarro.
mineiros... O asbesto por si só aumenta o risco, mas tal efeito é É também a causa mais comum de hipercalcemia paraneoplásica e
potencializado na coexistência de tabagismo (aumento de > 50x – há cavita em 10 a 20% dos casos.
sinergismo entre os dois fatores).

ADENOCARCINOMA
Hoje está claro que existe predisposição genética ao câncer de pulmão!
Uma história familiar positiva aumenta o risco em parentes de primeiro
Representa o tipo histológico mais comum em países desenvolvidos,
grau. Sabemos que a maioria dos portadores de Ca broncogênico é
assumindo a segunda posição em nosso meio. É o tipo predominante no
tabagista, porém, apenas uma MINORIA dos tabagistas desenvolve a
sexo feminino, nos jovens (< 45 anos) e nos não fumantes. Geralmente
doença (cerca de 10%)... Assim como ocorre em outros tipos de tumor,
de localização periférica, tem maior chance de ser encontrado na
a carcinogênese do Ca de pulmão é um processo demorado, que requer
citologia do líquido pleural e no aspirado nodular transtorácico. É a
acúmulo de sucessivas mutações genéticas para o surgimento do clone
causa mais comum de osteoartropatia hipertrófica paraneoplásica, e
neoplásico. Muitas dessas mutações já podem estar presentes no
possui pior prognóstico que o escamoso, quando comparado no mesmo
indivíduo, por herança genética, “encurtando” o caminho em direção
estágio.
ao câncer... As pesquisas mais recentes incriminam, em particular, genes
relacionados ao reparo do DNA e ao metabolismo/ativação de
carcinogênios (além daqueles implicados na dependência à nicotina). O Carcinoma bronquíolo-alveolar é um subtipo de adenocarcinoma,

Portadores de mutações herdadas nesses genes estariam mais propensos representando apenas 3% do total dos carcinomas broncogênicos. É

ao desenvolvimento de Ca de pulmão quando expostos ao cigarro e derivado das células alveolares e se apresenta como massa, lesão difusa

outros fatores de risco. multinodular ou infiltrados alveolares (assemelhando-se a uma


pneumonia – FIGURA 2). Caracteriza-se por se espalhar pelos espaços
alveolares, sem invadir os septos (crescimento “lepídico”). Existem dois
A dieta e a poluição atmosférica possuem algum papel no risco de Ca de
tipos histológicos: mucinoso (derivado das células caliciformes) e não
pulmão? Sim... Um elevado consumo de frutas e vegetais parece ser
mucinoso (derivado dos pneumócitos tipo II).
protetor! O motivo seriam os altos níveis de antioxidantes, que reduzem
a chance de transformação neoplásica celular (pois reduzem a chance de
lesões no DNA). No entanto, apesar do potencial entusiasmo com esta
ideia, NÃO há evidências de que a quimioprevenção contra o câncer de
pulmão seja eficaz (através da suplementação da dieta com vitaminas e
antioxidantes industrializados)!!! A poluição do ar nas grandes cidades
também aumenta o risco (principalmente pela queima de combustíveis
fósseis, que libera hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e metais
como arsênio, níquel e cromo)... Em média, um ser humano normal
respira cerca de 10.000 L de ar por dia, e mesmo que a concentração de
poluentes no ar seja baixa, em termos de exposição total ela acaba
sendo importante... Contudo, é importante salientar que a influência de
todos esses fatores é bastante inferior ao grande papel exercido pela
FUMAÇA DO CIGARRO na gênese do câncer de pulmão!

TIPOS HISTOLÓGICOS
Análises histopatológicas mais minuciosas sugerem que o carcinoma
pulmonar de grandes células na verdade seja um carcinoma
epidermoide ou adenocarcinoma tão indiferenciado (anaplásico) que
não pode ser classificado dentro de nenhum desses subtipos... Perfaz <
10% dos casos, sendo o subtipo menos frequente. Apresenta o pior
prognóstico dentre os carcinomas não pequenas células! De localização
mais periférica, comumente cavita.

CARCINOMA DE PEQUENAS CÉLULAS


(OAT CELL OU AVENOCELULAR)

O oat cellé responsável por 15-20% dos casos. Apresenta o pior


prognóstico e maior agressividade entre os carcinomas broncogênicos
(tempo de duplicação em torno de 30 dias versus 200 dias para os
carcinomas não pequenas células). Geralmente de localização central,
possui 70% de chance de metástase à distância no momento do
diagnóstico! Na maioria das vezes, cursa com invasão do mediastino...
O nome avenocelular ou oat cell vem do fato de suas células se
Fig. 2: Carcinoma bronquíolo-alveolar, um raro subtipo de
adenocarcinoma. Geralmente se manifesta como nódulo ou massa parecerem com grãos de aveia... Essas células são um pouco maiores
pulmonar, mas eventualmente se apresenta com infiltrado alveolar
(com “broncograma aéreo”) localizado ou difuso. que os linfócitos, e têm origem no tecido neuroendócrino argentafim (tal
como o tumor carcinoide). O carcinoma avenocelular responde pela
maioria das síndromes paraneoplásicas neuroendócrinas associadas ao
câncer de pulmão! Vale dizer ainda que é o subtipo mais fortemente
associado ao tabagismo, sendo raríssimo em não fumantes...
SAIBA MAIS...
Por que o adenocarcinoma de pulmão vem se tornando mais
frequente que o carcinoma escamoso? A principal explicação é
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
a mudança (nos últimos 50 anos) nas características dos cigarros
comercializados, e a consequente modificação no comportamento Na maior parte das vezes, o Ca de pulmão não causa qualquer sintoma
dos fumantes, que adequaram seu padrão de consumo em até a doença já estar avançada! A Tabela 4 resume as principais
resposta aos “novos” cigarros a fim de manter a mesma absorção apresentações clínicas dos tumores de pulmão.
de nicotina! Vamos entender... Nos anos 60, por pressão das
sociedades e governos que perceberam a associação entre cigarro
Tab. 4
e doença, a indústria do tabaco passou a fabricar cigarros
diferenciados, que foram denominados Light (isto é, “mais leves”, Sintomas de Apresentaçãodo Carcinoma
dando a falsa ideia de menor risco). Estes cigarros possuem
Broncogênico
grandes filtros e furos de ventilação, além de serem
manufaturados com “tabaco curado”. Agências sanitárias nos EUA
Assintomático
elaboraram uma máquina de teste para medir o alcatrão eliminado
pelo cigarro. Os novos produtos mostraram eliminar menos ● Nódulo na radiografia de tórax ________ 15%.
alcatrão quando testados por aquela máquina, e ganharam o
status de “menos nocivos” (Low-Yield)... No entanto, na vida real o Sintomas de lesão nas vias aéreas
consumidor adquiriu um novo jeito de fumar, com tragadas mais
● Tosse ___________________ 75 %.
longas e profundas, bloqueando os furos de ventilação com os
lábios e os dedos (os furos permitem a mistura da fumaça com o ● Dispneia _______________ 40%.
ar ambiente, diluindo o alcatrão). A maior proporção de “tabaco
● Hemoptise _______________ 35%.
curado” no blend (mistura) fez com que a fumaça ficasse mais
carregada de nitrosaminas tabaco-específicas, particularmente a ● Chiado localizado _______________ 5%.
“NNK”, que é fortemente associada ao adenocarcinoma... Assim,
tragadas mais profundas e volumosas permitiram uma maior Invasão Intratorácica
deposição da fumaça no interior da árvore respiratória (inclusive
● Dor torácica ________________ 30%.
em regiões mais periféricas), e a maior presença de certas
nitrosaminas tabaco-específicas levou a um padrão diferenciado ● Rouquidão ________________ 15%.
de agressão, impondo uma pressão seletiva para o
● Síndrome da veia cava superior_______ 5%.
desenvolvimento dos adenocarcinomas!!!
● Síndrome de Pancoast ___________ 5%.

CARCINOMA DE GRANDES CÉLULAS


ANAPLÁSICO
A síndrome de Claude-Bernard-Horner (miose, ptose, enoftalmia e
Metástase à distância _____________ 30%. anidrose facial ipsilateral), ocasionada pelo comprometimento da cadeia
● Dor óssea. simpática cervical e do gânglio estrelado, geralmente coexiste com a
síndrome de Pancoast. Para alguns autores ela compõe a síndrome de
● Cefaleia, náuseas e vômitos, deficit neurológico focal. Pancoast.

Síndrome paraneoplásica ____________ 10%.


SAIBA MAIS...
A síndrome de Pourfour du Petit
A tosse é o sintoma mais comum, ocorrendo em cerca de 75% dos
pacientes. Ela pode ser ocasionada por invasão da mucosa brônquica, Em alguns pacientes, quando o gânglio estrelado começa a ser
pneumonite pós-obstrutiva, atelectasia, derrame pleural e/ou cavitação lesado (ex.: nos estágios iniciais da infiltração por um Ca de
da lesão. Portadores de DPOC que evoluem com piora da tosse (não pulmão), pode ocorrer uma curiosa síndrome clínica explicada pela
justificada por “descompensação” da doença) devem ser suspeitados ESTIMULAÇÃO da atividade deste gânglio: trata-se da clássica
para Ca de pulmão... A dispneia ocorre em quase metade dos casos, síndrome de Pourfour du Petit. A descrição clínica desta entidade
sendo resultado da obstrução de grandes vias aéreas. Nesta situação, corresponde exatamente ao contrário da síndrome de Claude-
pneumonite e atelectasia também costumam ser observadas. Outras Bernard-Horner (SCBH): (1) midríase; (2) retração palpebral; (3)
causas de dispneia são a disseminação linfangítica e o derrame pleural. exoftalmia; e (4) hiperidrose facial ipsilateral. A maioria dos
pacientes evolui com perda da função ganglionar (abolindo a
Hemoptise é observada em 35%. Suas causas incluem necrose tumoral, atividade simpática na hemiface), de modo a culminar na SCBH...
ulceração mucosa, erosão de vasos intratorácicos, pneumonia pós-
obstrutiva e tromboembolismo pulmonar. A dor torácica é ocasionada
A Síndrome da Veia Cava Superior (SVCS) está relacionada ao
por invasão da pleura parietal, parede torácica ou mediastino. Outras
carcinoma broncogênico originário do lobo superior do pulmão direito.
causas incluem infecção e doença tromboembólica.
O carcinoma de pequenas células é o subtipo mais comumente
encontrado. Suas manifestações incluem edema e congestão da face e
A extensão da doença ao mediastino pode levar à paralisia extremidades superiores, circulação colateral proeminente, visível na
diafragmática (envolvimento do nervo frênico) e/ou à rouquidão por região superior do tórax, e turgência jugular. Outros sintomas incluem
comprometimento do nervo laríngeo recorrente esquerdo. Neste caso, o tosse, síncope (que pode ser precipitada pela tosse), cefaleia e ortopneia.
tumor invade linfonodos da janela aortopulmonar, por onde passa o O RX simples mostra um mediastino alargado, acompanhado de massa
nervo. O surgimento de turgência jugular, pulso paradoxal e pulmonar central (usualmente no lobo superior direito) e derrame
alargamento da silhueta cardíaca denota acometimento pericárdico com pleural ipsilateral (25% dos casos). Os homens entre 50 e 70 anos são
tamponamento. A extensão intrapulmonar do próprio tumor se dá por mais frequentemente afetados. O carcinoma broncogênico é causa de
via linfática (linfangite ocasionando hipoxemia e dispneia) ou pelo 65-80% dos casos, seguido pelos linfomas não Hodgkin (especialmente
surgimento de novas massas no parênquima. o subtipo mediastinal fibrosante de grandes células B). Em 10-20% dos
casos, a síndrome é causada por doenças benignas, como a mediastinite
A presença de derrame pleural pode ou não significar comprometimento fibrosante pós-infecção fúngica ou micobacteriana ou a trombose da veia
pleural pelo tumor. Algumas causas incluem obstrução linfática, cava superior, geralmente precipitada pela permanência de um cateter
pneumonite pós-obstrutiva, hipoalbuminemia, tromboembolismo ou a venoso profundo.
presença de outra desordem não relacionada ao carcinoma
broncogênico (insuficiência cardíaca, por exemplo). Contudo, o derrame Como regra geral, a SVCS em idosos mais provavelmente será causada
pleural maligno é comum, apresentando-se como derrame de moderado por um Ca de pulmão, ao passo que em crianças e adultos jovens mais
a grande volume e que reacumula rapidamente após toracocentese. O provavelmente teremos um linfoma como causa...
líquido pleural é um EXSUDATO com predominância linfocítica. A
citologia é positiva em 50-60% dos casos na primeira coleta e pode
aumentar para 65-70% em análises repetidas. A maior positividade Antes considerada uma “emergência oncológica”, a síndrome da
citológica é vista no adenocarcinoma. veia cava superior ocasionada pelo Ca broncogênico na verdade
permite tempo hábil para a realização do diagnóstico histológico.
O tumor localizado no sulco superior do pulmão leva à famosa Portanto, este SEMPRE deverá ser obtido antes do tratamento! O
síndrome de Pancoast-Tobias. Esta é caracterizada por dor no ombro material pode ser coletado com segurança por meio de
e/ou escápula ipsilateral e dor na distribuição do nervo ulnar (com broncoscopia ou mediastinoscopia... As opções terapêuticas
atrofia muscular e paresia distal). A destruição radiológica da primeira e variam conforme a causa, consistindo em quimioterapia, no caso
segunda costelas é comumente observada. O envolvimento das raízes C8 do carcinoma de pequenas células, ou quimiorradioterapia, no
e T1, pela extensão tumoral no ápice pulmonar, justifica as caso do carcinoma não pequenas células. Casos graves podem
manifestações. O subtipo histológico mais frequentemente envolvido é o receber um stent de cava (para alívio imediato da obstrução)
carcinoma epidermoide (52% dos casos), embora o carcinoma de antes da confirmação diagnóstica e tratamento definitivo.
grandes células (23%) e o adenocarcinoma (23%) possam também ser
encontrados. Atualmente a ressonância magnética de tórax é o exame
que melhor delineia o tumor, por realizar cortes no plano coronal. COMPLICAÇÕES LOCAIS
As principais complicações locais do carcinoma broncogênico são: (1)
DOENÇA METASTÁTICA
derrame pleural; (2) cavitação – FIGURA 3; (3) atelectasia –
FIGURA 4; e (4) pneumonia pós-obstrutiva. O tumor que mais cavita é
Os locais mais frequentemente envolvidos por metástases são: adrenais
o carcinoma epidermoide. Podemos diferenciá-lo do abscesso pulmonar
(50% dos casos); fígado (30-50%); ossos (20%) e cérebro (20%) – lembrar
bacteriano por ter os bordos irregulares... A atelectasia é decorrente da
do mnemônico “FOCA”. Vale ressaltar que estes percentuais foram
compressão de um brônquio lobar ou principal. No último caso, temos
obtidos em pacientes que morreram de Ca de pulmão (não valem para a
todo o pulmão atelectasiado. A ocorrência de pneumonias de repetição
apresentação inicial do câncer)... As metástases adrenais são observadas
sempre no mesmo local fala a favor de uma lesão obstrutiva
como aumento unilateral assintomático da glândula, visualizado à
endobrônquica – esta costuma ser um carcinoma broncogênico.
Tomografia Computadorizada (TC). A insuficiência suprarrenal é rara.
O diagnóstico diferencial é com incidentaloma adrenal (adenoma –
achado bastante comum). Na dúvida, sobretudo se houver proposta de
cirurgia curativa, uma biópsia percutânea guiada por TC é
recomendada! As metástases hepáticas são mais frequentemente
encontradas no carcinoma de pequenas células (até 25% dos pacientes à
apresentação).

As metástases para o SNC podem atingir o cérebro, cerebelo e


meninges. O carcinoma de pequenas células e o adenocarcinoma são os
mais comumente envolvidos. Os sintomas podem ser focais (convulsão)
ou não focais (cefaleia). O comprometimento da medula espinhal
geralmente é derivado de metástases ósseas vertebrais, e pode levar à
síndrome de compressão medular, uma verdadeira emergência
oncológica. As metástases para o esqueleto são osteolíticas, e
comprometem costelas, corpos vertebrais e ossos longos.

A principal causa de metástase óssea em mulheres é o câncer de


mama , e em homens o câncer de próstata, estando o câncer de
pulmão em segundo lugar para ambos os sexos.

Fig. 3: Carcinoma epidermoide cavitado.

SÍNDROMES PARANEOPLÁSICAS

As síndromes paraneoplásicas são distúrbios sistêmicos ocasionados


pela existência de um tumor. Com frequência se manifestam meses ou
anos antes da detecção clínica e laboratorial do câncer, e se
corretamente identificadas – pelo menos em alguns casos – podem levar
a um diagnóstico precoce da lesão! Dentre os tumores de pulmão, o
carcinoma de pequenas células é o subtipo mais frequentemente
responsabilizado.

A Hipercalcemia é uma das síndromes paraneoplásicas mais comuns no


câncer de pulmão, comumente associada ao carcinoma epidermoide.
Tem como causa a produção tumoral de PTH-rp (peptídio relacionado
ao paratormônio), substância que tem exatamente o mesmo efeito do
PTH – induz atividade osteoclástica e inibe a excreção renal de cálcio. O
quadro clinicolaboratorial, inclusive, é muito parecido com o
hiperparatireoidismo primário (hipercalcemia, hipofosfatemia, acidose
metabólica hiperclorêmica e aumento do AMP cíclico urinário), porém,
os níveis de PTH sérico encontram-se suprimidos...

Fig. 4: Atelectasia da língula do pulmão esquerdo, devido à


compressão brônquica por um carcinoma broncogênico.
O tratamento agudo é feito com expansão volêmica (pois estes
pacientes estão sempre desidratados, por um defeito na
reabsorção tubular de sal e água induzido pela hipercalcemia),
diuréticos de alça (que, ao contrário dos tiazídicos, aumentam a
excreção urinária de cálcio) e infusão de bisfosfonados (inibidores
da atividade osteoclástica). A calcitonina está indicada na
hipercalcemia extrema (Ca sérico > 14 mg/dl), por ter efeito
hipocalcemiante mais rápido que o dos bisfosfonados... Estes
últimos devem ser dados em conjunto (efeito aditivo), porque
após 48h ocorre taquifilaxia em relação à calcitonina exógena
(isto é, ela deixa de exercer efeitos terapêuticos, mas os
bisfosfonados já começaram a agir).

A SIADH (síndrome da antidiurese inapropriada) está mais relacionada


ao carcinoma de pequenas células. O ADH produzido pelo tumor
promove retenção renal de água livre e hiponatremia, que pode ser grave
e comprometer o nível de consciência. O diagnóstico se baseia na
demonstração de hiponatremia hipotônica (osmolaridade sérica < 270
mOsm/L) e urina inapropriadamente concentrada (> 100 mOsm/L) num
paciente euvolêmico e sem edemas. É necessário que hipotireoidismo,
insuficiência adrenal e renal sejam afastadas.

Na ausência de manifestações neurológicas, o tratamento pode


ser apenas restrição hídrica (1 L/dia), com ou sem o uso de
demeclociclina ou vaptanos... Em pacientes sintomáticos,
recomendam-se diuréticos de alça combinados à infusão de
salina a 3%.

Fig. 5: Reação periosteal típica da periostite da osteoartropatia


A síndrome de Cushing é ocasionada pela produção tumoral de ACTH hipertrófica.
ou CRH. Costuma se relacionar ao carcinoma de pequenas células.
Curiosamente, manifestações clássicas via de regra não estão presentes,
devido à rapidez com que a síndrome se instala... O paciente costu-ma
apresentar hipertensão arterial, hiperglicemia e alcalose metabólica
O tratamento de escolha para a OPH é a ressecção completa do
hipocalêmica, sendo menos frequente o aspecto cushingoide (facies de
tumor, o que costuma resolver o quadro. Em pacientes
lua cheia, giba, obesidade, etc.). No screening do hipercortisolismo
inoperáveis o tratamento tradicional se baseia no uso de AINE,
encontramos elevação do cortisol livre urinário e não supressão com
mas evidências recentes têm mostrado bons resultados com o
baixas doses de dexametasona. A não supressão do cortisol com altas
emprego de bisfosfonados.
doses de dexametasona somada a níveis extremamente altos de ACTH
no soro (> 200 pg/ml) é muito sugestiva de secreção ectópica de ACTH!
Nesta situação, uma TC de tórax é mandatória, uma vez que o tumor de As manifestações neurológicas geralmente são secundárias a fenômenos
pulmão é a causa mais comum da síndrome. O prognóstico dos autoimunes. Existem antígenos que são compartilhados entre as células
portadores desta síndrome paraneoplásica, especificamente, é péssimo... tumorais e diversos componentes do tecido nervoso.

A Osteoartropatia Pulmonar Hipertrófica (OPH) apresenta-se com


baqueteamento digital por aumento dos tecidos moles nas extremidades
(periostite de ossos longos – tíbia, fíbula, rádio e ulna, metacarpos,
metatarsos) e sinovite de grandes articulações periféricas (punhos,
cotovelos, tornozelos, joelhos), geralmente simétrica. O sinal radiológico
da periostite da tíbia pode ser visto na FIGURA 5. Eventualmente o
quadro é confundido com artrite reumatoide. A VHS elevada e a boa
resposta aos AINE muitas vezes atrasam o reconhecimento desta
condição, que na verdade é um marco semiológico de uma provável
neoplasia intratorácica. O adenocarcinoma é o subtipo usualmente
encontrado; o carcinoma epidermoide é responsável por até 38% dos
casos.
A síndrome miastênica de Eaton-Lambert é encontrada em 1-3% dos Atualmente, o screening para câncer de pulmão em indivíduos
pacientes com carcinoma de pequenas células. O mecanismo é a assintomáticos considerados de “alto risco” já é oficialmente
produção de autoanticorpos contra os canais de cálcio sensíveis a recomendado em diversos países, após se demonstrar, através de grandes
voltagem (anti-VGCC – positivo em 90% dos casos) presentes nos estudos prospectivos, que ele efetivamente DIMINUI a
neurônios pré-sinápticos da placa motora (terminação neuromuscular). morbimortalidade por essa doença, ao permitir um diagnóstico mais
Tais anticorpos bloqueiam a liberação de acetilcolina na fenda precoce – momento em que a chance de cura é maior. A queda na
sináptica, impedindo a transmissão do impulso... As manifestações mortalidade chega a 20%, valor bastante expressivo que justifica a
incluem fraqueza muscular proximal, hiporreflexia e disfunção adoção generalizada de tal estratégia, haja vista o impacto do Ca de
autonômica. O diagnóstico se baseia na eletroneuromiografia (ENMG), pulmão dentre as causas de morte oncológica!
que demonstra o clássico padrão “incremental”, isto é, um potencial de
ação com baixa amplitude no repouso, que aumenta após estimulação Quem deve ser submetido ao screening, e como este deve ser feito?
elétrica do nervo ou exercício (a chamada facilitação). Este padrão
permite a pronta diferenciação com miastenia gravis (cuja ENMG tem
O screening está indicado em indivíduos assintomáticos que apresentam
padrão “decremental”). Até metade dos pacientes melhora com o
todas as características a seguir:
tratamento do câncer.
1. Idade entre 55-80 anos;

A degeneração cerebelar subaguda é caracteri-zada por ataxia de 2. Carga tabágica ≥ 30 maços/ano;


evolução lenta, que ocorreem consequência à degeneração das células
3. Tabagismo atual ou interrupção nos últimos 15 anos;
dePurkinje no córtex do cerebelo. As manifestações incluem vertigem,
nistagmo, ataxia, disartria e diplopia. Associa-se ao carcinoma de 4. Boa saúde geral.
pequenas células, mas também à doença de Hodgkin e aos carcinomas
de mama e ovário. No caso dos tumores ginecológicos, identifica-se no O método preconizado é a TC helicoidal com baixa dose de radiação,
liquor e no soro um autoanticorpo contra as células de Purkinje (anti- uma variação da técnica de TC helicoidal convencional em que o
Yo). paciente recebe apenas 1/3 da dose de radiação, sem administração de
contraste endovenoso. O exame é feito de forma rápida, com o paciente
Outro autoanticorpo paraneoplásico que promove manifestações prendendo o ar após uma inspiração profunda máxima. Vale dizer que é
neurológicas no Ca de pulmão (geralmente oat cell) é o ANNA-1, preciso certo expertise da equipe de radiologia na interpretação das
também chamado de anti-Hu. Ele ataca o núcleo de diversos neurônios, imagens obtidas, devendo haver treinamento específico para tal... Além
e pode causar as seguintes síndromes neurológicas: encefalite límbica, do mais, é preciso também a garantia de capacidade técnica para dar
polirradiculopatia, mielopatia, miopatia, neuropatia motora (ex.: plexo seguimento à investigação dos casos “positivos”, isto é, o serviço médico
braquial), afasia e dismotilidade gastrointestinal. deve dispor de biópsia pulmonar broncoscópica, transtorácica ou a céu
aberto, métodos de diagnóstico definitivo que poderão ser selecionados
em função da localização e outras características das lesões
Autoanticorpos contra células da retina raramente são observados no
evidenciadas (ver adiante)... A periodicidade do screening deve ser
câncer de pulmão. Nestes casos, fotossensibilidade, perda visual e
ANUAL .
estreitamento do calibre das artérias retinianas podem ser encontrados.

RX simples ou RX simples + citologia do escarro foram descartados


Distúrbios hematológicos também são encontrados em 1-8% dos
como estratégias válidas de screening, uma vez que não reduzem a
portadores de carcinoma broncogênico. Destacam-se as síndromes de
morbimortalidade por Ca de pulmão! Vale dizer que antes de 2015 o
hipercoagulabilidade, manifestas como tromboflebite migratória
screening não era recomendado justamente porque a maioria dos
(síndrome de Trosseau) e endocardite marântica (não bacteriana).
estudos se baseava em uma dessas duas estratégias, o que explica o fato
Anemia, leucocitose, leucoeritroblastose e coagulação intravascular
de nunca terem sido demonstrados benefícios consistentes...
disseminada são alterações igualmente descritas.

As síndromes dermatológicas estão presentes em cerca de 1% ou menos O screening para Ca de pulmão agora é indicado em indivíduos
dos pacientes com câncer de pulmão. A dermatomiosite e a acantose assintomáticos com idade entre 55-80 anos que apresentam boa
nigricans são as principais. A caquexia é uma síndrome paraneoplásica saúde geral, carga tabágica ≥ 30 maços/ano e tabagismo atual ou
comum e possui causa multifatorial. A perda ponderal significativa (> cessado nos últimos 15 anos. O método preconizado é a TC
4,5 kg) por si só é um importante indício de mau prognóstico... helicoidal com baixa dose de radiação, que deve ser feita
anualmente.

DIAGNÓSTICO
Tradicionalmente, na ausência do screening, um diagnóstico precoce de
Ca de pulmão costumava ser fruto do acaso, graças à realização de
exames de imagem por outros motivos (menos de 15% dos pacientes
recebiam um diagnóstico precoce, mas espera-se que isso mude de agora
em diante)...
Muitos desses pacientes eram inicialmente identificados pela radiografia Deve ser anatômico e fisiológico. O primeiro determina a extensão da
simples do tórax. Vale lembrar que este método não é muito sensível doença, e orienta a melhor terapêutica a ser empregada. O estadiamento
(não detecta lesões pequenas, bem como lesões “escondidas” pela fisiológico, por sua vez, refere-se à capacidade que determinado paciente
silhueta cardíaca). Como regra, todo paciente com raio X “suspeito” tem de suportar o tratamento proposto (cirurgia, quimio e/ou
(ex.: nódulo pulmonar solitário, atelectasia) deve ser submetido a uma radioterapia). Neste caso, uma avaliação cuidadosa do status
tomografia computadorizada do tórax. A TC define melhor as cardiopulmonar possui importância fundamental...
características anatômicas da lesão (ex.: tamanho, bordos espiculados,
padrão de calcificação) além de permitir uma análise detalhada do
mediastino e das suprarrenais. Estadiamento anatômico – determina a ressecabilidade do
tumor, isto é, o tumor pode ao não ser totalmente removido por
uma cirurgia?
Seja como for, o próximo passo após suspeita de Ca de pulmão pelos
exames de imagem é a confirmação histopatológica. A citologia do
escarro possui sensibilidade de 60-70% para tumores de localização Estadiamento fisiológico – determina a operabilidade do
central, com menor acurácia para os tumores periféricos. Trata-se de paciente, isto é, o paciente suporta ou não um procedimento
exame pouco utilizado na prática, no entanto, dada sua alta cirúrgico?
especificidade, uma vez positivo confirma o diagnóstico!

Já vimos que os exames de imagem utilizados no diagnóstico –


O métodos mais empregados para se obter tecido de uma lesão
particularmente a TC de tórax – também são úteis no estadiamento
pulmonar são:
anatômico. Entretanto, atualmente existe um exame adicional capaz de
refinar a avaliação não invasiva da extensão da doença: o PET-scan
● Biópsia brônquica ou transbrônquica através de broncofibroscopia (tomografia por emissão de pósitrons). Neste método, um radiotraçador
(sensibilidade de 70-80% para nódulo central > 2 cm); chamado FDG (fluorodeoxiglicose) é administrado pela via intravenosa.
● Biópsia transtorácica por agulha guiada por TC (sensibilidade de 95% O FDG é um análogo da glicose captado com avidez por células
para nódulo periférico > 2 cm); metabolicamente ativas, porém, ao contrário da glicose, ele não
consegue ser metabolizado e se acumula no citoplasma. Instrumentos
● Biópsia guiada por videotoracoscopia (VATS);
que captam seu sinal (detectores de pósitrons) delimitam as áreas onde a
● Biópsia a céu aberto. doença provavelmente se localiza (ex.: hipercaptação no mediastino
sugere implantes linfonodais). Todavia, outros processos patológicos
(infecção/inflamação) também promovem hipercaptação de FDG e
A biópsia transtorácica por agulha está relacionada a uma chance podem ser confundidos com câncer...
maior de complicações, como o pneumotórax (20-30% dos
casos, geralmente pequeno e autolimitado). Outras complicações
Chegamos então a um conceito fundamental a respeito do estadiamento
também podem ser vistas no caso das biópsias cirúrgicas (VATS
do Ca de pulmão, que deve ser claramente compreendido: o
ou céu aberto). Por conseguinte, pacientes com baixa reserva
estadiamento NÃO deve se basear apenas em métodos não invasivos, isto
cardiopulmonar, se possível, NÃO devem ser submetidos a estes
é, sempre que possível, devemos nos certificar que as imagens sugestivas
procedimentos mais invasivos...
de extensão da doença realmente representam câncer!!! Como fazemos
isso? Através de análise histopatológica.

O diagnóstico também pode ser confirmado pela identificação de células


neoplásicas na citologia do líquido pleural. Quando um volume Ué, mas o PET-scan não “refina” a avaliação não invasiva?
adequado é analisado (50-100 ml), a chance de positividade gira em
torno de 55-60%. Em casos suspeitos cuja primeira citologia é negativa, Sim, ele tem grande sensibilidade para localizar as áreas suspeitas...
a conduta é repetir a toracocentese diagnóstica, pois se espera a Porém por si só esta informação não confirma com 100% de certeza a
identificação adicional de mais 30% dos casos com tal conduta! Se presença de câncer, e deve servir como guia para a realização de
mesmo com duas toracocenteses o diagnóstico não for estabelecido, o biópsias direcionadas!
ideal – na vigência de elevada suspeita clínica – é partir para a biópsia
pleural. Esta deve ser feita preferencialmente por meio da Assim, na ausência de contraindicações, antes de decidir o estadiamento
videotoracoscopia (isto é, sob visão direta), uma vez que as metástases e a melhor abordagem terapêutica, é mandatória a confirmação
pleurais do Ca de pulmão costumam estar espacialmente dispersas. A histopatológica da extensão extrapulmonar da doença... No caso do
biópsia pleural fechada ou “às cegas” (utilizando a agulha de Cope) não mediastino, o “padrão-ouro” é a mediastinoscopia. Estratégias menos
deve ser indicada nesse contexto, dada sua baixíssima sensibilidade (a invasivas podem ser utilizadas em alguns pacientes, por exemplo: biópsia
biópsia com agulha de Cope só tem acurácia satisfatória nas transbrônquica de linfonodos com agulha e biópsia transesofágica de
pleuropatias difusas, como a tuberculose pleural). linfonodos guiada por USG endoscópica... No caso de lesões à distância
(ex.: nódulo adrenal) também se recomenda a confirmação
histopatológica (ex.: biópsia percutânea guiada por TC ). Não é
ESTADIAMENTO
incomum que um nódulo adrenal represente mero incidentaloma, sem
qualquer influência no prognóstico do câncer de pulmão...
O investimento em métodos propedêuticos adicionais para a pesquisa de
metástases extratorácicas deve se basear na avaliação clínica. Isso quer T0: sem evidências do tumor primário.

dizer que exames como a RM de crânio (metástases no SNC), a T1: tumor ≤ 3 cm no maior diâmetro, envolto por parênquima
cintilografia óssea (metástases esqueléticas) e o PET-scan de corpo ou pleura visceral, na ausência de evidência broncoscópica
inteiro (qualquer metástase) NÃO devem ser feitos de rotina em todos os de invasão mais proximal do que um brônquio lobar (isto é,
doentes... Somente se houver sintomas específicos sugestivos de tumor não localizado no brônquio fonte).
comprometimento nos referidos locais é que deveremos solicitar tais
exames! Alguns autores consideram que a presença de perda ponderal T1a: ≤ 1 cm no maior diâmetro.
significativa (> 4,5 kg) é um forte indício de doença metastática, e por si T1b: > 1 cm e ≤ 2 cm no maior diâmetro.
só autoriza a pesquisa de metástases... Vale enfatizar que a TC de tórax
do portador de nódulo/massa pulmonar costuma ser entendida até o T1c: > 2 cm e ≤ 3 cm no maior diâmetro.
nível das adrenais (englobando também o fígado), o que já permite uma T2: tumor > 3 cm e ≤ 5 cm, ou então que possui qualquer um
avaliação pormenorizada dessas estruturas. dos abaixo:

● Envolve brônquio fonte independentemente da distância


Vejamos agora o sistema de estadiamento do Ca de pulmão de acordo
à carina, mas sem envolver a carina;
com a classificação TNM (Tabela 5).
● Invade a pleura visceral;

Tab. 5 ● Associado a atelectasia ou pneumonite obstrutiva que se


estende até a região hilar, envolvendo parte ou todo o
ESTADIAMENTO C a DE PULMÃO pulmão.

T2a: > 3 cm e ≤ 4 cm no maior diâmetro.


T = TUMOR
T2b: > 4 cm e ≤ 5 cm no maior diâmetro.

T3: tumor > 5 cm e ≤ 7 cm no maior diâmetro, ou

● Invasão direta de pleura parietal, parede torácica, nervo


frênico e/ou pericárdio parietal;

● Presença de nódulo separado, mas localizado no mesmo


lobo que o tumor primário.

T4: tumor > 7 cm ou qualquer tamanho com invasão de um ou


mais dos seguintes:

● Diafragma, mediastino, coração, grandes vasos, traqueia,


nervo laríngeo recorrente, esôfago, corpo vertebral ou
carina;

● Presença de nódulo separado, localizado no lobo


ipsilateral diferente do tumor primário.

N = LINFONODOS

N0: ausência de acometimento linfonodal.

N1: acometimento de linfonodos ipsilaterais peribrônquicos


e/ou hilares e nódulos intrapulmonares, incluindo
envolvimento por extensão direta.

N2: acometimento de linfonodos ipsilaterais mediastinais e/ou


subcarinais.

N3: acometimento de linfonodos contralaterais em mediastino,


hilo, escaleno ipsi ou contralateral, ou supraclavicular.

M = METÁSTASE À DISTÂNCIA
VIDEO_22_PNE1
M0: ausência de metástase à distância.

M1: Metástase TRATAMENTO


M1a: nódulo pulmonar separado, localizado em lobo
contralateral; tumor com nódulos pleurais ou pericárdicos ou
CARCINOMA NÃO PEQUENAS CÉLULAS
efusão maligna pericárdica ou pleural.

M1b: metástase extratorácica única (envolve apenas um


ESTÁGIO I
órgão).

M1c: múltiplas metástases extratorácicas em um órgão No estágio I, por definição, não há metástase linfonodal nem metástase à
único ou vários órgãos diferentes. distância. O que varia é o tamanho do tumor, o que, por si só, modifica
o prognóstico... O tratamento é primariamente cirúrgico, e oferece a
melhor chance de cura. O procedimento de escolha é a lobectomia ou
pneumectomia + ressecção linfonodal do mediastino. Tanto a quimio
quanto a radioterapia adjuvantes (pós-cirúrgicas) não mostraram
benefícios no estágio I... A sobrevida no estágio IA ressecado gira em
torno de 73%, e no estágio IB, 58%.

Para pacientes inoperáveis (risco cirúrgico proibitivo), é válido


considerar ressecções pulmonares mínimas, como a segmentectomia ou
a ressecção em cunha da lesão. A taxa de recidiva local será
comparativamente mais alta nesse contexto! Em casos onde nem mesmo
tais procedimentos são cogitados, podemos empregar a ablação por
radiofrequência, um tratamento ainda experimental. Se este não estiver
disponível, pode-se tentar a radioterapia curativa (sobrevida entre 13-
39%).

ESTÁGIO II

Aqui já existe acometimento linfonodal, e o tratamento também é


ESTADIAMENTO FISIOLÓGICO primariamente cirúrgico (lobectomia ou pneumectomia + ressecção
linfonodal do mediastino), devendo ser complementado com
Como vimos, o estadiamento fisiológico define a operabilidade do quimioterapia adjuvante (pós-operatória). A radioterapia adjuvante só
paciente, ou seja, se ele é capaz de suportar a agressividade do está indicada como tratamento de segunda linha... No caso específico de
tratamento antitumoral. É frequente a presença de DPOC e doenças invasão da parede torácica (T3N0M0 = tumor de Pancoast) emprega-se
cardiovasculares no portador de carcinoma broncogênico... Se houver quimiorradioterapia neoadjuvante (pré-operatória) + ressecção “em
indicação cirúrgica, um bom preparo pré-operatório (vulgarmente bloco” da lesão.
conhecido como risco cirúrgico) deve ser realizado!

ESTÁGIO III
Como lembrete, a cirurgia de ressecção pulmonar estará contraindicada
se:
■ ESTÁGIO IIIA
● IAM nos últimos três meses;
Os pacientes dentro desse grupo são bastante heterogêneos, e o
● IAM nos últimos seis meses (relativo);
tratamento varia um pouco conforme o TNM de cada caso. Para piorar
● Volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) menor que ainda mais a situação, existem controvérsias na literatura... Vejamos:
1 L;

● Retenção de CO2 (pCO 2 em repouso maior do que 45 mmHg);

● Hipertensão pulmonar grave.

Pacientes com VEF1 e capacidade de difusão pulmonar < 40%


do previsto, bem como aqueles que no teste ergométrico
apresentam consumo de O2 inferior a 10 ml/kg/min,
previsivelmente apresentam uma maior morbimortalidade pós-
operatória...
● T3N1M0 = cirurgia + quimioterapia adjuvante*;
Hoje já sabemos que uma parcela dos carcinomas broncogênicos
● “doença N2” = quimiorradioterapia isolada (há controvérsias quanto NÃO ESCAMOSOS possui uma mutação ativadora no EGFR
à utilização de quimio/quimiorradio neoadjuvante seguida de (receptor do fator de crescimento epitelial) que responde a drogas
cirurgia – o guideline do ACCP se posiciona contra a cirurgia, porém, como o erlotinibe e o gefitinibe (inibidores de tirosinaquinase de
se a doença N2 for constatada somente durante o ato operatório uso oral). Nos pacientes positivos (geralmente mulheres, não
(através da biópsia de congelação) a recomendação é completar a fumantes e asiáticos) a taxa de resposta é muito superior a da
ressecção linfonodal do mediastino e realizar quimioterapia quimioterapia convencional, prolongando a sobrevida, em média,
adjuvante); para até 30 meses! LOGO, PORTADORES DE Ca DE PULMÃO
● T4N0-1M0 = quimiorradioterapia neoadjuvante + cirurgia . Se o “NÃO ESCAMOSO” EM ESTÁGIO IV QUE POSSUEM TAIS
envolvimento for restrito à carina, é possível a ressecção da carina MUTAÇÕES DEVEM RECEBER ERLOTINIBE OU GEFITINIBE
com ou sem pneumectomia (procedimento de alta complexidade, com COMO PRIMEIRA LINHA DE TRATAMENTO! Cerca de 5% dos
mortalidade cirúrgica em torno de 10-15% nos melhores centros)... Ca de pulmão não pequenas células e de histologia igualmente
não escamosa possuem ainda outra mutação peculiar: o gene de
fusão EML4-ALK. O produto deste gene pode ser inibido por um
*Radioterapia adjuvante nesta situação mostrou reduzir a taxa de recidiva
medicamento chamado crizotinibe, o que também prolonga a
local sem alterar a sobrevida em cinco anos, e pode ser considerada em
sobrevida do paciente em comparação com a QT convencional...
casos selecionados.
Vale dizer que as mutações no gene do EGFR e a EML4-ALK são
mutuamente exclusivas! O fato é que a pesquisa dessas
■ ESTÁGIO IIIB mutações agora deve ser feita de rotina na prática médica, pois
elas modificam a conduta e o prognóstico, permitindo – nos
Apesar deste grupo também ser heterogêneo (portadores de “doença pacientes positivos – a instituição da “terapia molecularmente
N2” e “doença N3”), o tratamento é basicamente o mesmo: direcionada”, que é melhor do que a QT convencional (tanto em
quimiorradioterapia isolada. Caso o diagnóstico de estágio IIIB só seja termos de sobrevida quanto em termos de toxicidade). O
feito durante a cirurgia (isto é, o status nodal não foi corretamente emprego de tais medicamentos na terapia do Ca de pulmão não
avaliado antes do procedimento), recomenda-se completar a ressecção e escamoso em estágios menos avançados ainda está sendo
associar quimioterapia adjuvante no pós-operatório se o estado geral do estudado...
paciente permitir.

ESTÁGIO IV CARCINOMA DE PEQUENAS CÉLULAS

O tratamento se baseia na quimioterapia. A QT no câncer de pulmão Tradicionalmente, o oat cell era dividido em apenas dois estágios:

atualmente é feita com duas drogas, sendo uma delas a cisplatina ou a doença limitada (1/3 dos casos) e doença avançada (2/3 restantes). Na

carboplatina. Diversos fármacos podem ser associados aos derivados da doença limitada, o tumor está confinado a um hemitórax e aos

platina (ex.: docetaxel, paclitaxel, irinotecan, vinorelbina ou linfonodos mediastinais e/ou supraclaviculares ipsilaterais. Na doença

gencitabina) e não parece haver diferenças com cada um deles em avançada temos extensão do tumor para além dos marcos citados

relação à sobrevida (todos resultam numa sobrevida média de 7-9 (sistema de estadiamento do Old Veterans Administration). Atualmente,

meses), sendo diferentes apenas seus perfis de toxicidade... Infelizmente, pode-se utilizar também o sistema TNM anteriormente descrito a fim

a sobrevida em cinco anos neste grupo é basicamente igual a ZERO... A de se obter um estadiamento mais pormenorizado.

quimioterapia deve ser feita em quatro ciclos (ou menos, caso haja
progressão da doença a despeito do tratamento). Se o paciente A terapia da doença limitada consiste em 4-6 ciclos de
apresentar um bom status de performance quando a doença progredir, quimiorradioterapia. O esquema de primeira linha é feito com cisplatina
recomenda-se lançar mão de esquemas quimioterápicos de segunda (ou carboplatina) e etoposídeo, com as sessões de irradiação torácica
linha (ex.: docetaxel isolado). A radioterapia pode ser empregada no começando precocemente, no primeiro ou segundo ciclo da QT. Uma
tratamento paliativo (ex.: irradiação de metástases ósseas, visando resposta completa é conseguida em 50-60% dos pacientes. A sobrevida
controle de dor e diminuição do risco de fratura). em cinco anos é observada em 15% dos casos.

Recentemente, foi introduzido na prática médica um anticorpo


Raramente o oat cell é diagnosticado numa fase precoce de
monoclonal contra o VEGF (fator de crescimento do endotélio
doença localizada e ressecável (nódulo pulmonar solitário, sem
vascular). Esta medicação, chamada bevacizumabe, mostrou aumentar
linfonodos acometidos), e a cirurgia passa a ser o tratamento
discretamente a sobrevida dos portadores de Ca de pulmão não
primário nesses casos, devendo ser complementada com
escamoso estágio IV quando associada à quimioterapia convencional. A
quimioterapia adjuvante (pós-operatória). Em tal contexto, a
explicação é que esses tumores possuem elevado grau de
sobrevida em cinco anos pode chegar a 30-40%.
neoangiogênese, processo bloqueado pelo fármaco... Os principais
efeitos colaterais do bevacizumabe são hipertensão arterial, tendência
ao sangramento e nefrotoxicidade.
A doença no estágio avançado é manejada somente com quimioterapia Quando o aspecto é micronodular (miliar), as hipóteses mais prováveis
(no mesmo esquema citado anteriormente). A taxa de resposta inicial são: tireoide, melanoma, rim e ovário. As metástases solitárias podem
chega a 60-80%, com 20% atingindo remissão completa, mas a ser causadas pelos tumores de mama, colorretal, rim, colo uterino,
sobrevida em dois anos é < 10%... Quando a doença progredir, melanoma. As metástases linfangiomatosas podem ser derivadas dos
esquemas de segunda linha poderão ser empregados na dependência do seguintes tumores: carcinoma broncogênico, estômago, mama,
estado geral do paciente, porém, até hoje nunca foi documentada a cura pâncreas, próstata.
nesse contexto... A única droga aprovada pelo FDA na terapia de
segunda linha é o topotecan em monoterapia, mas em outros países
(como o Japão), drogas como a epirrubicina, o paclitaxel e o irinotecano
NÓDULO PULMONAR SOLITÁRIO
também vêm sendo utilizadas.

INTRODUÇÃO
Existe controvérsia quanto ao papel da irradiação craniana profilática
em pacientes cuja doença atingiu a remissão completa inicial... Este
O Nódulo Pulmonar Solitário (NPS) é definido como uma densidade
procedimento prolonga discretamente a sobrevida, atrasando a recidiva
radiológica circunscrita cercada por parênquima pulmonar aerado
da doença no SNC (que ocorre em até metade dos pacientes que
normal, que apresenta formas diversas e tamanho variando de 0,8-3 cm
sobrevivem dois ou mais anos). Seu principal efeito colateral é a
(0,8-4 cm , para alguns autores). Sabemos que a maioria dos nódulos
disfunção neuropsicológica por lesão dos neurônios saudáveis. Todavia, a
com diâmetro superior a 4 cm são malignos e então são chamados de
maioria dos oncologistas indica a irradiação craniana profilática nos
“massa pulmonar”.
pacientes respondedores.

As causas de NPS são o carcinoma broncogênico (% variável), os


OUTROS TUMORES PULMONARES granulomas infecciosos ou não infecciosos (% variável), os hamartomas
(6%), adenomas brônquicos (2%), metástases (3%) e condições diversas
outras (linfonodos intrapulmonares, infarto pulmonar e malformação
CARCINOIDE arteriovenosa). Quando o câncer de pulmão apresenta-se como NPS, a
sobrevida em cinco anos dos pacientes operados (cura) é de 50-70%.
É um tumor derivado das células neuroendócrinas argentafins do Como a chance de cura da neoplasia maligna do pulmão depende da
epitélio brônquico (células de Kulchitsky), sendo também denominados precocidade da intervenção cirúrgica, a maioria dos autores recomenda
adenomas brônquicos. Raramente estão relacionados à síndrome uma abordagem agressiva para os nódulos sugestivos de malignidade
carcinoide (diarreia, broncoespasmo, rubor facial), manifestando-se através de toracotomia ou, mais recentemente, a videotoracoscopia
como hemoptise ou sinais de obstrução brônquica (atelectasia, (VATS), a menos que existam contraindicações ao procedimento.
pneumonia pós-obstrutiva). Na maioria das vezes, os carcinoides
brônquicos são benignos e são chamados de “carcinoides típicos”.
Alguns tumores são menos diferenciados e têm um comportamento QUADRO DE CONCEITOS I
maligno – são chamados de “carcinoides atípicos” ou “carcinomas de
células de Kulchitsky”.

A causa mais comum de nódulo benigno é o granuloma pós-


METÁSTASES DE OUTROS ÓRGÃOS infeccioso (ex.: tuberculoma, histoplasmoma). O hamartoma é
o tumor benigno de pulmão mais comum, mas só é
responsável por 6% dos casos de NPS.
Quais são os tumores mais encontrados como causa de múltiplas
metástases pulmonares por disseminação hematogênica? Veja a
Tabela 6.

Por outro lado, métodos mais sofisticados de imagem, como a


Tab. 6
Tomografia Computadorizada de Alta Resolução (TCAR) e a
Múltiplas Metástases PulmonaresHematogênicas Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), aumentaram a
porcentagem de acerto nos nódulos malignos ressecados (90 a 100%)
Mama. Tireoide. nos anos 1990. Concluímos que estes exames indicam com maior
precisão a possibilidade de uma lesão ser maligna.
Cólon, reto. Coriocarcinoma.

Rim. Sarcomas ósseos.


BENIGNIDADE X MALIGNIDADE
Colo uterino. Testículo.
O grande dilema vivido por clínicos e pneumologistas é decidir como
Melanoma. Ovário.
investigar ou acompanhar o NPS.

A princípio, quatro parâmetros devem ser inicialmente analisados: (1)


idade do paciente; (2) história de tabagismo; (3) tamanho do nódulo; e
(4) velocidade de crescimento do nódulo. Veja a Tabela 7.
Tab. 7 ● Central.

Nódulo Pulmonar Solitário – Fatores pré-TCAR ● Laminada concêntrica.


● Em “pipoca”.
Sugestivos de Malignidade
● Difusa.
● Idade > 50 anos.
● Hamartoma (FIGURA 6).
● História de tabagismo.

● Diâmetro > 2 cm.

● Crescimento ou surgimento nos últimos dois anos.

Sugestivos de Benignidade

● Idade < 35 anos.

● História negativa para tabagismo.

● Diâmetro < 2 cm.

● Mesmo diâmetro há dois anos.

A história de tabagismo, principalmente quando a carga tabágica é


considerável (> 20 maços/ano), a chance de malignidade encontra-se
bem aumentada. A avaliação do RX de tórax é importante. Radiografias
dos últimos dois anos devem ser obtidas . Se a lesão encontrava-se
presente, o seu “não crescimento” neste período fala a favor de
benignidade, enquanto um aumento progressivo do seu tamanho nos
diz exatamente o contrário. Um tempo de duplicação entre 20-400 dias
é compatível com nódulo maligno, enquanto que um tempo de
duplicação < 20 dias ou superior a 400 dias parece mais típico de
nódulo benigno. A duplicação refere-se ao volume do nódulo, mas vale Fig. 6: Hamartoma com calcificação em “pipoca”.
ressaltar que o volume é proporcional ao cubo do diâmetro (a fórmula
do volume nodular é dada pela expressão: V = 4/3πR3). Um outro dado
a ser avaliado é a presença de calcificações . Determinados padrões
sugerem muito uma lesão benigna – FIGURA 7, dentre eles destacam-se A Tomografia Computadorizada de Alta Resolução (TCAR) (cortes de 1

– Tabela abaixo. As calcificações excêntricas podem ocorrer em lesões a 3 mm) é o melhor exame para se começar a avaliação de um NPS visto

malignas!! na radiografia de tórax simples. É capaz de detectar e definir padrões de


calcificação não visualizados no RX, observar melhor os bordos da
lesão, determinar a densidade da lesão e presença ou não de nódulos
sincrônicos e linfonodos mediastinais aumentados. A presença de áreas
de densidade gordurosa no meio do nódulo indica que se trata de um
hamartoma – tumor benigno.

Nódulo Pulmonar Solitário – Fatores da TCAR

Fig. 7: Padrões de calcificação encontrados nos NPS. A: Central. B:


Laminado concêntrico. C: Difuso. D: Em “pipoca”. E: Salpicado. F:
Excêntrico.

Padrões Benignos de Calcificação


Sugestivos de malignidade CONDUTA
● Padrões de calcificação “maligna”:
Critérios altamente sugestivos de benignidade: (1) não crescimento em
Calcificação excêntrica, ou amorfa, ou salpicada. dois anos; (2) idade < 35 anos; (3) não fumante ativo nem passivo; (4)
padrões de calcificação característicos; (5) densidade muito elevada na
● Padrões de contorno do nódulo:
TCAR; (6) não reforço do contraste na TCAR dinâmica. Na presença
Borda irregular, borda espiculada, coroa radiada, “rabo de desses critérios, o paciente deve apenas ser observado e acompanhado.
cometa” (FIGURA 8). Nestes casos realizam-se radiografias (ou TCAR) a cada três meses
durante um ano e depois a cada doze meses. Se qualquer crescimento
● Coef. de atenuação na TC < 164 unid. Hounsfield.
significativo for notado, um diagnóstico histológico se faz necessário.
● Reforço do contraste na TC.

Sugestivos de benignidade Nos pacientes que não preenchem os critérios acima (casos
indeterminados), ou quando há sugestão de malignidade (tamanho > 3
● Padrões de calcificação “benigna”: cm, idade > 65 anos, bordos espiculados, sinal do cometa) a abordagem
Calcificação difusa, ou laminar, ou central, ou “em pipoca” do nódulo deve sempre ser invasiva – com a obtenção de material para
(hamartoma). análise histológica. Esta pode ser realizada por:

● Coef. de atenuação na TC > 185 unid. Hounsfield.


● Biópsia guiada por broncofibroscopia: indicada para os
● Áreas com densidade de gordura (hamartoma).
NPS centrais > 2 cm.
● Sem reforço do contraste na TC.
● Biópsia aspirativa transtorácica com agulha fina: indicada
para os nódulos mais periféricos em pacientes com boa
reserva pulmonar.
● Biópsia guiada por videotoracoscopia ou toracotomia
aberta: indicada para os casos muito sugestivos de
malignidade ou para as grandes massas pulmonares.

Recentemente, a TCAR melhorou a sua capacidade de sugerir doença


benigna ou maligna, pela utilização de duas estratégias. A primeira é a
determinação quantitativa da densidade do nódulo: nódulos com
densidade maior do que 185 unidades Hounsfield provavelmente são
benignos e menor que 164 unidades Hounsfield provavelmente são
malignos. A TCAR dinâmica com reforço de contraste é a segunda
estratégia... Estudos recentes mostraram que a repetição da imagem
após injeções seriadas de contraste iodado é extremamente útil para o
diagnóstico do NPS. Se houver reforço de contraste da lesão, sugere
malignidade, com uma sensibilidade = 98% e especificidade = 58%.
Significa que quando não há reforço de contraste, a chance de ser um
nódulo benigno é muito grande (mais de 90%).
O grande marco da insuficiência da ventilação pulmonar é a hipercapnia
(retenção de CO2), levando à acidose respiratória. Durante a
hipoventilação, o ar alveolar não é adequadamente renovado,
acumulando CO2 (que continua vindo dos capilares). O resultado é um
aumento da pCO2 alveolar (PACO2), fazendo aumentar
automaticamente a pCO2 arterial (hipercapnia).

Quando a hipercapnia se desenvolve de forma lentamente progressiva,


há tempo suficiente para os rins reterem bicarbonato (HCO3-), uma
resposta compensatória bastante eficaz para manter o pH sanguíneo e
liquórico próximos à normalidade, como acontece nos retentores
crônicos de CO2, ou seja, pacientes com DPOC ou que apresentam a
síndrome de Pickwick (obesidade + apneia do sono). Observe a
gasometria arterial a seguir:

Paciente 1: pH = 7,32; PaCO2 = 80 mmHg; HCO3 = 40 mEq/L; BE =


+10 mEq/L.

Esta gasometria é característica de um paciente com DPOC


compensado, revelando uma acidose respiratória crônica (PaCO2 e
bicarbonato aumentados, mas pH discretamente reduzido). Por
definição, neste distúrbio acidobásico teremos um Base Excess (BE)

1
elevado, representando a retenção de bases (bicarbonato) pelo
Apêndice INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA
organismo. O paciente tolera muito bem a acidose respiratória crônica,
(enfoque para sdra e ventilação mecânica) mantendo-se lúcido e ativo. Agora, compare a gasometria acima com o
exame a seguir:

Paciente 2: pH = 7,15; PaCO2 = 80 mmHg; HCO3 = 27 mEq/L; BE =


DEFINIÇÃO +1,5 mEq/L.

Para um mesmo nível de hipercapnia, o pH sanguíneo encontra-se


Insuficiência respiratória é a incapacidade dos pulmões
muito mais baixo e o base excess está normal (entre -3,0 e +3,0 mEq/L).
executarem sua função básica: a troca gasosa (captar O2 e
Ela reflete uma acidose respiratória aguda, que pode ter ocorrido em
eliminar CO2). Vale ressaltar que a captação de O2 e a
algumas horas ou poucos dias. O paciente não tolera este distúrbio,
eliminação de CO2 podem ser comprometidas de forma evoluindo rapidamente com a síndrome da carbonarcose, marcada por
independente. acidose liquórica grave, redução do sensório, edema cerebral
(hipertensão intracraniana), instabilidade hemodinâmica e, caso não
A definição arbitrária de insuficiência respiratória inclui uma das seja revertida de imediato, óbito em parada cardiorrespiratória. Para
seguintes condições: finalizar, analise esta última gasometria:

1. PaO2 < 60 mmHg; e/ou Paciente 3: pH = 7,15; PaCO2 = 120 mmHg; HCO3 = 42 mEq/L; BE =
+10 mEq/L.
2. PaCO2 > 50 mmHg (exceto para pacientes retentores crônicos
de CO2 ).
Esta é a gasometria do paciente 1 que acabou de descompensar a
função ventilatória. Trata-se de uma acidose respiratória “crônica

A função respiratória é dividida em dois componentes: a ventilação agudizada”. A PaCO2 aumentou rapidamente de 80 mmHg para 120

pulmonar e a troca gasosa nas unidades alveolares. Em função disso, mmHg, sem tempo hábil para os rins reterem mais base (o bicarbonato
podemos encontrar dois tipos diferentes de Insuficiência Respiratória continuou próximo a 40 mEq/L). Por isso, o pH sanguíneo despencou...
(IR): Como saber, olhando para esta gasometria, que se trata de uma acidose
crônica descompensada, e não uma acidose aguda? É só analisar o base
excess – se estiver elevado, é porque já havia retenção prévia de bases...
Tipo I: IR hipoxêmica;

Tipo II: insuficiência ventilatória ou IR hipercápnica.


HIPOXEMIA DA HIPOVENTILAÇÃO
INSUFICIÊNCIA VENTILATÓRIA

HIPERCAPNIA E ACIDOSE RESPIRATÓRIA


Durante a hipoventilação, o ar alveolar não é adequadamente renovado,
reduzindo seu O2 (que continua sendo consumido pelos capilares). O Doença muscular ou da placa motora

resultado é uma diminuição da pO2 alveolar (PAO2). Assim como o ● Miastenia gravis.
aumento da pCO2 alveolar faz aumentar a PaCO2 (hipercapnia), se a ● Paralisia periódica hipocalêmica ou hipercalêmica.
pO2 alveolar sofre redução, a PaO2 diminui na mesma proporção. Daí a
● Polimiosite.
hipoxemia decorrente da hipoventilação pulmonar. Esta hipoxemia
pode ser corrigida pelo suplemento de O2, porém esta é uma conduta ● Distrofia muscular.
perigosa, pois ofertar O2 não corrige a hipercapnia e, em alguns casos,
pode até contribuir para a sua piora... Como veremos adiante, a Obstrução de vias aéreas superiores
hipoxemia da hipoventilação cursa com um gradiente alveoloarterial de ● Corpo estranho na traqueia.
oxigênio em níveis normais!
● Macroaspiração (conteúdo gástrico, hemoptise maciça).
● Traqueomalácia (colapso traqueal) ou laringomalácia.
CAUSAS DE INSUFICIÊNCIA VENTILATÓRIA
● Edema de glote.

Vamos analisar agora as causas de insuficiência ventilatória... Onde pode ● Tumor de traqueia ou laringe.
estar o problema? Pode estar, por exemplo: (1) no drive ventilatório
● Infecção submandibular (angina de Ludwig) ou do espaço
(controle bulbar involuntário da ventilação pulmonar); (2) na origem
retrofaríngeo.
medular dos nervos frênicos ou intercostais; (3) na própria inervação
diafragmática ou intercostal; (4) na musculatura respiratória; (5) na ● Difteria.
caixa torácica, que pode impedir a expansão dos pulmões; ou (6) nas
vias aéreas superiores, que podem encontrar-se gravemente obstruídas. Fadiga da musculatura respiratória
Em todos esses casos, o paciente cursará com redução do volume ● Crise asmática muito grave.
corrente e, algumas vezes, também com bradipneia. O resultado final é a
queda do volume-minuto e da ventilação alveolar. Todos os exemplos ● DPOC descompensada.
acima pertencem ao grupo denominado insuficiência respiratória ● Pneumonia grave.
extrapulmonar.
● Edema agudo de pulmão.

Analise atentamente as causas de insuficiência ventilatória aguda, ● SDRA.


exemplificadas na Tabela 1. ● Fibrose pulmonar idiopática.
● Tromboembolismo pulmonar.
Tab. 1: Causas de insuficiência ventilatória aguda (ou agudizada).
Comprometimento da expansibilidade da caixa torácica
Perda do drive ventilatório bulbar
● Queimadura torácica circunferencial.
● Hipertensão intracraniana com herniação transtentorial.
● Esclerodermia forma cutânea difusa.
● Trauma de tronco encefálico.
● Lesão expansiva cerebelar ou de tronco encefálico. Colapso cardiorrespiratório
● Paralisia bulbar progressiva (esclerose lateral amiotrófica). ● PCR.
● Poliomielite bulbar.
● Overdose de drogas depressoras do sistema respiratório. Falência da musculatura respiratória: a musculatura respiratória pode
entrar em falência primária, por uma doença neuromuscular (ex.:
Lesão da origem medular do nervo frênico miastenia gravis), ou em falência secundária, por fadiga. Este último é
um dos principais mecanismos de insuficiência ventilatória na prática e
● Trauma raquimedular alto (C2, C3).
pode ocorrer em qualquer pneumopatia aguda grave (crise asmática,
● Poliomielite. DPOC, pneumonia, edema agudo de pulmão, SDRA, etc.). O paciente
frequentemente abre o quadro com hiperventilação (hipocapnia e
● Tumor ou hemorragia medular alta.
alcalose respiratória). Se a pneumopatia for muito grave e nenhum
tratamento de pronto efeito for instituído, a musculatura respiratória,
Neuropatia periférica acometendo o nervo frênico
submetida a um enorme gasto energético (aumento do trabalho
● Síndrome de Guillain-Barré. respiratório), acaba por entrar em falência. No exame físico,
primeiramente notaremos os sinais de esforço ventilatório (batimento de
asa do nariz, tiragem intercostal, tiragem supraclavicular), revelando a
utilização da musculatura acessória (esternocleidomastoideo,
intercostais). Em seguida, a respiração do paciente começa a se tornar
agônica (boca aberta, contração importante da musculatura cervical,
extensão da cabeça, bradipneia), para depois culminar numa parada
cardiorrespiratória por carbonarcose e hipóxia.
Neste outro tipo de insuficiência respiratória, a troca gasosa encontra-se
AUMENTO DO ESPAÇO MORTO – CAUSA DE
gravemente comprometida, a despeito de um volume-minuto normal ou
INSUFICIÊNCIA VENTILATÓRIA?
até elevado! A hipoxemia se desenvolve por má distribuição da ventilação
alveolar ou pela perda total da ventilação de alguns alvéolos. Uma parte
O espaço morto é definido como a porção da árvore respiratória que do sangue venoso passa por alvéolos mal ventilados ou simplesmente
recebe ar, mas não recebe perfusão capilar para realizar a troca gasosa. não passa pelos alvéolos... O resultado é que este sangue mal oxigenado
A traqueia e os brônquios são responsáveis pelo espaço morto se mistura com o sangue oxigenado proveniente do restante do
anatômico, que recebe cerca de 2 L/min de ar. Os alvéolos recebem o parênquima pulmonar, causando hipoxemia.
restante do volume-minuto, em torno de 5 L/min. O volume-minuto é a
soma da ventilação alveolar (5 L/min) com a ventilação do espaço
morto (2 L/min). O espaço morto pode aumentar significativamente CAUSAS E MECANISMOS DE HIPOXEMIA
pela destruição dos septos alveolares (no enfisema pulmonar), pela
vasoconstrição excessiva em algumas unidades alveolares, ou ainda na Existem quatro causas principais de hipoxemia. Duas delas NÃO estão
embolia pulmonar. No entanto, em geral, a hiperventilação incluídas no grupo da insuficiência respiratória hipoxêmica. A primeira
compensatória dos alvéolos normoperfundidos mantém intacta a é a hipoxemia da hipoventilação (ver anteriormente) e a segunda é a
ventilação alveolar total, eliminando todo o CO2 que seria retido. Imagine hipoxemia do ar rarefeito (baixa fração inspirada de O2). Esta última
um aumento do espaço morto de 2 L/min para 3 L/min. Se o paciente situação pode ocorrer em grandes altitudes ou em ambientes
hiperventilar, aumentando o volume-minuto de 7 L/min para 8 L/min, a contaminados por gases que se misturam ao ar atmosférico, reduzindo a
ventilação alveolar continuará 5 L/min (normal). Alguns pacientes concentração de oxigênio. Durante um incêndio em locais fechados, a
hiperventilam ainda mais, apresentando hipocapnia e alcalose combustão consome rapidamente o oxigênio do ar... A fração de
respiratória... Por esta razão, o aumento do espaço morto não é uma oxigênio do ar atmosférico é de 21%, portanto, a fração inspirada de O2
causa comum de insuficiência ventilatória! Todavia, pode contribuir (FiO2) do ar atmosférico é de 21% (0,21). Frações inferiores causam
para a retenção de CO2 encontrada em pacientes que não podem hipoxemia. Vamos agora descrever os outros dois mecanismos – as
aumentar o volume-minuto, como aqueles em ventilação mecânica ou causas de insuficiência respiratória hipoxêmica.
com DPOC avançada.

Distúrbio V/Q: é o distúrbio mais comum da troca gasosa pulmonar!


TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA Ocorre em toda pneumopatia que afeta a distribuição do ar entre os
VENTILATÓRIA alvéolos (crise asmática, DPOC, atelectasia, pneumonia, doença
pulmonar intersticial, embolia pulmonar, congestão, SDRA, etc.). O
princípio fisiopatológico é o seguinte... Tudo se explica pela curva de
A abordagem se baseia na ventilação mecânica artificial com pressão
saturação da hemoglobina. Ao contrário do CO2, quase todo o O2
positiva, que pode ser executada de forma invasiva (após intubação
circulante é carreado pela hemoglobina (a concentração de O2 livre no
traqueal) ou não invasiva (através de máscara facial). Os pacientes com
sangue é desprezível). Portanto, o conteúdo arterial de O2 está na
sinais de grave fadiga ventilatória (respiração agônica), acidose grave
dependência da saturação de hemoglobina (SaO2), que deve estar acima
(pH < 7,25), depressão da consciência ou estado confusional DEVEM
SER PRONTAMENTE INTUBADOS e ventilados de forma invasiva! de 90% para garantir uma adequada oxigenação tecidual. Sempre que a
Já os pacientes conscientes, com acidose leve a moderada (pH > 7,25) e SaO2 encontra-se acima de 90%, a PaO2 está numa faixa acima de 60
sinais de esforço leve a momoderado podem ser tratados com ventilação mmHg, como mostra a curva de saturação da hemoglobina. Se um
não invasiva. grupo de alvéolos recebe pouca ventilação (baixo V), mas continua
recebendo perfusão normal (Q), o sangue que passa por esses alvéolos
será mal oxigenado e irá se misturar com o sangue proveniente dos
É importante salientar que a insuficiência ventilatória pode ocorrer na
demais alvéolos normo ou hiperventilados. A hiperventilação dos
ausência de hipoxemia!!! O exemplo clássico é o paciente que apresenta
outros alvéolos não corrige o problema, pois, mesmo que tenham uma
hipoventilação aguda, mas está recebendo aporte de oxigênio por
pO2 alveolar mais alta, o sangue capilar que os perfunde não pode
máscara ou cateter nasal. Ele pode entrar em carbonarcose, mesmo com
a oximetria de pulso mostrando boa saturação! Tal fato é aumentar a saturação de hemoglobina além de alguns pontos

particularmente comum na DPOC descompensada e na síndrome de percentuais (não pode ultrapassar 100%). O resultado final é a mistura

Pickwick (obesidade + apneia do sono)... O centro respiratório desses de sangue com SaO2 de 100% com sangue de baixa SaO2 (80% por

pacientes se torna hipossensível à pCO2, e o drive ventilatório passa a exemplo), produzindo sangue hipoxêmico nas veias pulmonares...

depender mais da pO2. Assim, a hiperóxia pode desencadear Quanto maior o número de alvéolos mal ventilados e
normoperfundidos (baixa relação V/Q), mais grave será a hipoxemia!
hipoventilação e hipercapnia. Por conseguinte, retentores crônicos de
CO2 devem receber oxigênio sempre com um fluxo baixo (1-3 L/min),
visando manter a PaO2 na faixa fisiológica (entre 60-80 mmHg) ou uma
SaO2 entre 90-92%.

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA
HIPOXÊMICA
Shunt arteriovenoso pulmonar: é definido pela passagem do sangue
venoso, proveniente da artéria pulmonar, por áreas do pulmão sem
nenhuma ventilação (relação V/Q = zero). Este sangue chegará às veias
pulmonares com pO2 e SO2 do sangue venoso (PvO2 em torno de 40
mmHg e SvO2 em torno de 75%), misturando-se ao sangue proveniente
das áreas pulmonares que receberam ventilação. Quanto maior a
quantidade de sangue shuntado, mais grave será a hipoxemia! Esta
começa a ocorrer com um shunt acima de 5% (mais de 5% do sangue
passando pelos pulmões sem receber oxigênio dos alvéolos). Um shunt
abaixo de 5% é considerado fisiológico. O shunt pulmonar pode ser de
dois tipos: (1) shunt parenquimatoso pulmonar; e (2) shunt vascular
pulmonar. O shunt parenquimatoso pulmonar é a causa mais comum de
shunt! É causado pelo preenchimento total de alguns alvéolos com
líquido, ou pelo seu colabamento, impedindo a entrada de ar (e,
portanto, oxigênio). As duas causas clássicas são o edema pulmonar
cardiogênico (edema agudo de pulmão) e a SDRA (Síndrome do
Desconforto Respiratório Agudo ou edema pulmonar “não
cardiogênico”). Esta última é caracterizada, entre outros aspectos, por
uma grave hipoxemia que não responde à administração de O2. O shunt
vascular pulmonar é provocado pela passagem do sangue por vasos que
comunicam diretamente artérias e veias pulmonares, by-passando os
alvéolos. Existem duas etiologias clássicas: as malformações
arteriovenosas (fístulas) pulmonares congênitas, como ocorre na
síndrome Osler-Weber-Rendu (telangiectasia hemorrágica hereditária); e
a síndrome hepatopulmonar (associada à cirrose hepática), na qual
pequenos vasos da base pulmonar se dilatam e permitem a passagem de
sangue sem contato com os alvéolos. Lembre-se da história típica da
síndrome hepatopulmonar: a dispneia piora na posição ortostática, e se
associa a uma queda da pO2 nesta posição (platipneia e ortodeóxia)...
Fig. 2

Shunt cardíaco direita-esquerda: é uma causa de hipoxemia, mas não de


insuficiência respiratória. Contudo, o mecanismo de hipoxemia é
semelhante ao do shunt AV pulmonar. As cardiopatias congênitas
cianóticas são os principais exemplos, como a tetralogia de Fallot, a
transposição de grandes vasos e a atresia tricúspide. Estas entidades
cursam com passagem de sangue do coração direito para o coração
esquerdo. Os pacientes com shunt cardíaco esquerda-direita possuem
uma cardiopatia congênita acianótica, porém, com o passar dos anos, o
desenvolvimento de uma grave hipertensão arterial pulmonar pode
reverter o shunt, que então passa a ser da direita para a esquerda – a
síndrome de Eisenmenger, uma cardiopatia cianótica.

INVESTIGAÇÃO DO MECANISMO DE
HIPOXEMIA

O valor normal da PaO2 varia com a idade, sendo calculada pela


fórmula: PaO2 = 100 mmHg - 0,3 x Idade (anos). Para um adulto de 30
anos, a PaO2 normal deve estar em torno de 97 mmHg, enquanto num
senhor de 75 anos, a PaO2 normal deve ser algo em torno de 77 mmHg.
Essa estimativa deve ser levada em consideração na hora de avaliar a
existência ou não de hipoxemia!

Se o problema for hipoventilação, a hipoxemia vem associada a


hipercapnia e acidose respiratória AGUDA. A hipoxemia por baixa
FiO2 (ex.: ar rarefeito) é facilmente revelada pelo histórico do paciente.
Para diferenciar com precisão a insuficiência ventilatória da Para diferenciar o shunt pulmonar do shunt intracardíaco, utilizamos o
insuficiência respiratória hipoxêmica (distúrbio V/Q ou shunt), ecocardiograma com Doppler, que visualiza facilmente qualquer shunt
utilizamos o cálculo do gradiente alveoloarterial de oxigênio (P(A- cardíaco. Para diferenciar o shunt vascular pulmonar do shunt
a)O2). É a diferença entre a pO 2 alveolar (PAO2) e a pO2 arterial intraparenquimatoso pulmonar, utilizamos inicialmente a radiografia de
(PaO2). Simplificando, o gradiente nos informa como está a passagem tórax (que neste último está alterada, demonstrando a presença de
do oxigênio do alvéolo para o capilar... Se não existe nenhuma infiltrados alveolares). Se a radiografia não esclarecer o diagnóstico,
patologia pulmonar, a tendência, com o tempo, é que os valores de recorremos à TC de tórax e à cintilografia de perfusão pulmonar. No
pressões de oxigênio se igualem, atingindo o equilíbrio, o que na shunt vascular (ex.: síndrome hepatopulmonar), a cintilografia mostra a
verdade não acontece por motivos fisiológicos, como o tempo passagem do radioisótopo para o coração e o cérebro (isto é, ele passa
respiratório limitado... O valor da P(A-a)O2 varia com a FiO2 (fração pelos vasos dilatados do shunt). No shunt intraparenquimatoso
inspirada de O2), sendo normal até 15 mmHg para uma FiO2 de 21% e (alveolar), o radioisótopo fica retido nos pulmões – não é visualizado

até 150 mmHg para uma FiO2 de 100%. nem no coração nem no cérebro.

O FLUXOGRAMA 1 ilustra a investigação do paciente com


Em uma FiO2 de 21% (ar ambiente), na insuficiência ventilatória
hipoxemia...
isolada, temos uma P(A-a)O2 < 15 mmHg, enquanto no distúrbio V/Q e
no shunt, teremos uma P(A-a)O2 > 15 mmHg. Mas como saber a PAO2
(pressão alveolar de O2)?

Ao nível do mar, respirando-se ar puro, a FiO2 é de 21% ou 0,21. O


primeiro componente da fórmula é: 0,21 x (760 - 47) = 150 mmHg. Para
facilitar, em vez de dividir a PaCO2 por 0,8, é mais fácil multiplicá-la
por 1,25 (o que dá no mesmo). Desse modo, a PAO2 pode ser calculada
com a seguinte fórmula:

PAO2 = 150 - 1,25 x PaCO2

Após confirmar uma P(A-a)O2 elevada, o próximo passo é a


diferenciação entre distúrbio V/Q e shunt. Veja a regra no
Fluxograma 1
QUADRO DE CONCEITOS I.

QUADRO DE Diferenciação entre


CONCEITOS I distúrbio V/Q e shunt.
QUANTIFICANDO A IR HIPOXÊMICA:
“RELAÇÃO P/F”
A hipoxemia por distúrbio V/Q pode ser corrigida pela
A relação PaO2/FiO2 (“P/F”) é uma maneira bastante prática de avaliar
administração de O2 a 100%, pois os alvéolos mal ventilados
a gravidade da insuficiência respiratória hipoxêmica. Em uma pessoa
elevarão sua pO2 ao receberem O2 a 100%. O sangue
normal, ela está > 400. Imagine um indivíduo respirando o ar
proveniente destes alvéolos tornar-se-á oxigenado. Em
atmosférico (FiO2 = 0,21) e com uma PaO2 de 100 mmHg. A relação
ventilação mecânica, o ajuste da FiO2 para 100% eleva a
PaO2/FiO2 será de 100/0,21 = 476. Valores abaixo de 300 constituem
PaO2 > 500 mmHg.
um dos critérios diagnósticos de SDRA – ver adiante.
A hipoxemia por shunt pulmonar ou cardíaco, por definição,
não responde à administração de O2 a 100%, pois este
oxigênio extra não alcança o sangue que está passando pelo
shunt!!! Ao colher uma gasometria arterial após administrar
O2 a 100%, comparando-a com a gasometria anterior, não há
um aumento significativo da PaO2 nem da SaO2. Em
ventilação mecânica, o reajuste da FiO2 para 100% não eleva
a PaO2 > 300 mmHg.
SAIBA MAIS...
Para decidir se determinado paciente precisa ser intubado, o principal
Alguns estudos compararam a relação P/F com uma nova relação:
critério é o exame clínico!!! Os parâmetros a serem analisados são o nível
SaO2 (saturação arterial de O2)/FiO2. A “S/F” se mostrou acurada,
de consciência, os sinais de esforço ventilatório, a frequência
com um valor de 235 correspondendo a uma P/F de 200, e um
respiratória e o estado hemodinâmico. Parâmetros gasométricos
valor de 315 correspondendo a uma P/F de 300. Caso este índice
também podem indicar a intubação traqueal em alguns casos. Veja a
se torne amplamente validado e aceito, poderemos prescindir das
Tabela 2.
frequentes coletas de gasometria arterial no acompanhamento do
portador de SDRA...
Tab. 2

SUPLEMENTAÇÃO DE OXIGÊNIO Indicações de Intubação Traqueal e Ventilação


Mecânica
Existem dois tipos de dispositivos para suplementação de oxigênio: (1)
baixo fluxo; e (2) alto fluxo. 1. Depressão do nível de consciência associada à
instabilidade respiratória.

Dispositivos de baixo fluxo: são representados pela cânula nasal e pela 2. Instabilidade respiratória associada à instabilidade
máscara de Hudson. Esses dispositivos fornecem um fluxo constante de hemodinâmica.
O2, permitindo a mistura do ar “enriquecido” com o ar atmosférico. A
3. Obstrução de vias aéreas superiores (estridor, sibilos
FiO2 dependerá do volume-minuto do paciente: será menor se o inspiratórios).
paciente estiver hiperventilando (mais ar ambiente será misturado ao
4. Grande volume de secreção não adequadamente
O2 fornecido); e maior, se o paciente estiver hipoventilando.
depurado pelo paciente.

5. Sinais de grave esforço ventilatório (fadiga da musculatura


A cânula nasal tipo óculos é a mais confortável e adequada. O respiratória).
fluxo de O2 deve ser regulado numa faixa entre 0,5-6 L/min. Num
6. Ressuscitação cardiorrespiratória prolongada.
paciente normoventilando, com 12-14 incursões respiratórias por
minuto, a FiO2 aumenta 4% para cada litro de oxigênio, ficando 7. PaO2 < 60 mmHg ou SaO2 < 90%, apesar do suplemento
geralmente entre 24-35%. de oxigênio.

8. PaCO2 > 55 mmHg com pH < 7,25.


A máscara de Hudson pode fornecer um fluxo de O2 entre 5-12
9. Capacidade vital < 15 ml/kg em pacientes com doença
L/min, porém com menor conforto ao paciente. A única vantagem
neuromuscular.
é a possibilidade de se elevar a FiO2 pelo acoplamento de
reservatórios de O2.

MODOS VENTILATÓRIOS
Dispositivos de alto fluxo: representados pela máscara de Venturi e pela
máscara com reservatório de oxigênio. A máscara de Venturi direciona o O termo “modo ventilatório”, quando aplicado ao estudo da ventilação
fluxo de O2 através de um tubo estreito que aumenta a velocidade do ar. mecânica, se refere ao método específico de suporte INSPIRATÓRIO
A pressão negativa gerada pela passagem do ar enriquecido por este que o aparelho fornece ao paciente. Vejamos os fundamentos dos
tubo constritor permite que mais ar seja “puxado” pelo paciente do principais modos ventilatórios disponíveis.
fornecimento de O2. De acordo com o tamanho do constritor, teremos
uma FiO2 conhecida para cada tipo de máscara. Em geral, a FiO2 pode Assisto-controlado: é o mais utilizado na prática, por ser aquele com
ficar na faixa entre 25-50%. O fluxo deve variar entre 2-12 L/min. A maior capacidade em garantir o repouso da musculatura respiratória. A
máscara com reservatório de oxigênio utiliza uma bolsa coletora de O2 cada ciclo, o aparelho fornece um fluxo inspiratório, determinando um
contendo uma válvula unidirecional. Esta válvula só permite que o ar volume corrente; quando cessa o fluxo, a expiração segue de forma
seja inspirado da bolsa, garantindo uma FiO2 bastante alta, entre 70- espontânea. Uma frequência respiratória mínima é ajustada, porém, se
90%. É o único dispositivo de suplemento de O2, excluída a ventilação a frequência própria do paciente for maior, esta irá comandar os ciclos
mecânica, capaz de fornecer uma FiO2 superior a 50%. ventilatórios (ventilação assistida), disparando o aparelho através da
pressão negativa nas vias aéreas (gatilho). O volume corrente deve ser
ajustado para 8-10 ml/kg (sem lesão pulmonar grave) ou 6 ml/kg (na
NOÇÕES DE VENTILAÇÃO MECÂNICA SDRA), e deve-se tomar o cuidado de não deixar a pressão de platô
ultrapassar 35 cmH2O, e a pressão de pico, 50 cmH2O. Se quisermos
alterar a relação I:E do aparelho, podemos ajustar o botão do fluxo
VENTILAÇÃO INVASIVA inspiratório (por exemplo: um aumento do fluxo reduz o tempo
inspiratório e reduz a relação I:E). O ideal é mantermos esta relação em
É a ventilação artificial aplicada através de um tubo traqueal torno de 1:2 na maioria dos pacientes, e de 1:3 no paciente com doença
(orotraqueal, nasotraqueal ou traqueostomia). Ao contrário da pulmonar obstrutiva (asma, DPOC).
ventilação pulmonar espontânea, a ventilação mecânica utiliza uma
pressão transtorácica positiva para fazer o ar entrar nos pulmões
durante a inspiração – ventilação com pressão positiva.
O modo assisto-controlado apresenta dois tipos básicos de ventilação:
PCV (ventilação com pressão controlada) e VCV (ventilação com Quais são as limitações dos dois modos ventilatórios
volume controlado). No PCV, o respirador insufla gás até atingir uma anteriormente citados? No PCV, não há como garantir o
pressão limite predefinida, gerando fluxo em direção ao pulmão, que será volume corrente a ser fornecido. Desse modo, se o paciente
tanto maior quanto maior for a complacência pulmonar. É importante apresenta um pulmão pouco complacente (isto é, um pulmão
compreender que este fluxo diminui progressivamente ao longo da mais “duro”), a pressão máxima permitida nas vias aéreas
inspiração (visto que o pulmão vai ficando “cheio” de ar). A ciclagem (pressão limite) é atingida mais rapidamente, reduzindo o
ocorre após ser atingido o tempo inspiratório predeterminado. No VCV, fluxo de ar fornecido pelo ventilador, o que faz com que esses
por outro lado, o respirador fornece um fluxo predefinido ao sistema, pacientes acabem recebendo menos volume corrente ao final
com a ciclagem acontecendo quando é atingido o volume corrente do tempo inspiratório programado. Já no VCV não há esse
predeterminado. Observe as figuras a seguir. problema, porém, na baixa complacência, o volume corrente
será atingido à custa de uma pressão elevada, submetendo o
paciente ao risco de barotrauma.

SIMV (ventilação mandatória intermitente sincronizada): neste modo, é


permitido que o paciente realize ventilações espontâneas entremeadas a
ventilações controladas pelo aparelho. Por exemplo: a frequência do
respirador é programada para 8 irpm, mas o paciente faz uma
ventilação espontânea após cada ventilação controlada, perfazendo
uma frequência total de 16 irpm. Este modo era utilizado para
desmame, pois, na teoria, funcionava como um modo intermediário
entre a ventilação espontânea e a assisto-controlada. Estudos científicos,
todavia, mostraram superioridade do PSV em comparação ao SIMV no
desmame da ventilação mecânica...
Fig. 3: Ventilação com pressão controlada.

PSV (pressão de suporte): este modo pode ser utilizado isoladamente


ou em associação com o SIMV. Funciona pela abertura de uma válvula
de fluxo inspiratório, que fornece uma pressão predeterminada,
ajudando o paciente a realizar a inspiração. Ao contrário do PCV,
porém, a ciclagem não é feita por tempo, e sim quando o fluxo
inspiratório diminui a uma porcentagem do pico de fluxo (ex.: 25%). A
abertura da válvula de fluxo só ocorre mediante uma pressão negativa
exercida pelo paciente, ou seja, o paciente inicia a respiração, e o
respirador o auxilia. O volume corrente depende do esforço inicial do
paciente, da mecânica respiratória e da pressão determinada. Uma PSV
≥ 25 cmH2O mantém a ventilação eficaz utilizando pouco o
componente espontâneo do paciente. Pode-se reduzir a PSV
paulatinamente, como estratégia de desmame. Uma PSV de 8 cmH2O
serve apenas para vencer a resistência do TOT.

Fig. 4: Ventilação com volume controlado.

QUADRO DE Limitações dos modos


CONCEITOS II ventilatórios.
O chamado auto-PEEP é decorrente de um curto intervalo de tempo
para os alvéolos se esvaziarem durante a expiração, o que provoca
aprisionamento de ar nas vias aéreas e pressão positiva no final da
expiração. É um fenômeno comum nas doenças pulmonares obstrutivas,
sendo agravado pelo aumento da frequência respiratória e pela redução
proporcional do tempo expiratório (aumento da relação I:E). O auto-
PEEP pode causar barotrauma, aumento do trabalho respiratório e
instabilidade hemodinâmica, sem beneficiar a troca gasosa alveolar.
Pode ser corrigido diminuindo-se a frequência respiratória do aparelho
ou aumentando o fluxo inspiratório (o que reduz a relação I:E, ao
reduzir o tempo inspiratório).

DESMAME DA VENTILAÇÃO MECÂNICA

Todo paciente em ventilação mecânica deve ser “desmamado” tão logo


seja possível. À medida em que o indivíduo melhora, devemos reduzir a
sedação e tentar a retirada do respirador! Parâmetros gasométricos e de
Fig. 5: Ventilação com pressão de suporte
ventilação espontânea devem ser aferidos. Podemos medir a frequência
respiratória e o volume corrente espontâneos, através do ventilômetro,
além da força inspiratória (por intermédio de um manovacuômetro). A
Tabela 3 mostra as perguntas a serem respondidas para que seja
Existem outros modos ventilatórios mais complexos do que os considerada a extubação:
anteriormente citados, disponíveis apenas nos aparelhos mais
modernos; porém, eles geralmente envolvem os mesmos
conceitos utilizados nos modos básicos que acabamos de Tab. 3

estudar... Um exemplo muito em voga é o PRVC (Pressure


Os 10 Passos para a Extubação
Regulated Volume Control), onde tanto a pressão quanto o
volume são controlados a cada ciclo.
1. A patologia que levou à VM foi revertida?

2. A troca gasosa está adequada? (pO2 ≥ 60 mmHg, com


PEEP E AUTO-PEEP FiO2 ≤ 0,4 e PEEP ≤ 5-8 cmH2O).

3. Há estabilidade hemodinâmica?
PEEP significa pressão positiva no final da expiração. Podemos
programar no respirador um determinado nível de PEEP, visando, por 4. Apresenta drive respiratório? (capacidade de iniciar um
exemplo, prevenir atelectasias, ao evitar o colabamento dos alvéolos no ciclo respiratório).
final do ciclo respiratório. Um PEEP entre 3-7 cmH2O é capaz de 5. Nível de consciência está adequado? (paciente tranquilo,
realizar esta função (PEEP “fisiológico”). Um PEEP entre 10-25 facilmente despertável).
cmH2O é denominado PEEP “terapêutico”, fazendo parte do protocolo
6. Possui tosse eficaz?
terapêutico da SDRA. Seu efeito é recrutar alvéolos que se encontravam
atelectasiados e redistribuir o líquido alveolar, para facilitar a troca 7. Está sem acidose?
gasosa (redução do shunt intrapulmonar). Seu benefício foi bem 8. Uma possível sobrecarga hídrica foi corrigida?
documentado. Podemos perceber nitidamente que, quando aumentamos
9. Os eletrólitos séricos estão normais?
a PEEP para estes níveis, a PaO2 e a SaO2 melhoram muito, permitindo
diminuir a FiO2 do aparelho (evitando, desse modo, a toxicidade do 10. Paciente sem previsão de intervenção cirúrgica?
excesso de oxigênio).

Se o paciente preencheu os critérios acima, ele é um candidato à


Existem efeitos adversos consequentes à PEEP: (1) aumenta a pressão extubação! Existem diversos parâmetros que predizem a probabilidade
de admissão total – se colocarmos uma PEEP de 10 cmH2O, a pressão
de sucesso do desmame com maior ou menor acurácia (ver Tabela 4).
de admissão ficará 10 cmH2O mais alta – aumentando o risco de Aquele que se mostrou mais confiável é o índice de Tobin (frequência
barotrauma; (2) aumenta a pressão intratorácica média, com isso respiratória/volume corrente)...
prejudicando o retorno venoso sistêmico e cerebral, o que pode causar
redução do débito cardíaco (piora da instabilidade hemodinâmica) e
aumento da pressão intracraniana, respectivamente... Tab. 4

Parâmetros Favoráveis ao Desmame de Ventilação


Mecânica
CPAP (pressão positiva constante nas vias aéreas): um fluxo aéreo
Índices de capacidade ventilatória espontânea contínuo é mantido para garantir um único nível de pressão positiva,
● Volume-minuto espontâneo próximo ao volume-minuto em em torno de 10 cmH2O. A ventilação do paciente é totalmente
ventilação mecânica, desde que este volume estivesse espontânea, sendo o volume corrente dependente da própria inspiração
abaixo de 10 L/min. do paciente. É utilizado como terapia de escolha na síndrome de
Pickwick (obesidade + apneia do sono) e em pacientes com congestão
● Volume corrente espontâneo > 5 ml/kg. Capacidade vital
pulmonar cardiogênica.
espontânea > 10-15 ml/kg.
● Frequência respiratória espontânea < 25 irpm.
Ventilação com pressão negativa (“pulmão de aço”): o paciente é
● Pressão negativa inspiratória (manovacuômetro) < -30 acoplado a uma espécie de couraça ligada a um sistema de vácuo que
cmH2O. gera pressão negativa em volta do tórax, a fim de produzir inspiração. É
um método pouco utilizado nos dias de hoje.
Índices combinados (índice de Tobin)
● FR/VC < 100 irpm/L.
SÍNDROME DO DESCONFORTO
RESPIRATÓRIO AGUDO (SDRA)
Três são os métodos de desmame mais utilizados. O método da peça T é
o mais simples: desconecta-se o TOT do respirador, acoplando-o num
tubo T capaz de ligar a via aérea a uma fonte de oxigênio úmido. DEFINIÇÃO E ETIOLOGIA
Inicialmente, coloca-se o paciente em peça T por períodos curtos – se o
paciente tolerar, a conduta é ir aumentando estes períodos até que o O termo SDRA (inicialmente SARA ou “Síndrome da Angústia
doente tolere pelo menos 30min. Se isso ocorrer, pode-se proceder à Respiratória do Adulto”) foi usado pela primeira vez em 1967. No
extubação, uma vez preenchidos alguns critérios básicos (paciente entanto, já havia descrições parecidas em pacientes feridos durante a
lúcido, com capacidade de tossir e eliminar secreções). No caso de falha, Segunda Guerra Mundial (“pulmão de choque”).
pode-se tentar novamente após um período de 24 horas de descanso da
musculatura respiratória, desde que corrigido o fator que impediu o
SDRA – Definição
desmame. Outro método utilizado é a troca do modo ventilatório para
PSV: reduz-se progressivamente a pressão de suporte até que se atinja 5-
7 cmH2 O, níveis compatíveis com o teste da respiração espontânea. O A SDRA representa uma grave injúria inflamatória pulmonar,
uso de VNI (veja a seguir) imediatamente após a extubação mostrou-se levando ao edema pulmonar não cardiogênico, à formação de
uma estratégia benéfica, com redução de falhas e mortalidade, membrana hialina e ao colapso de diversos alvéolos, cursando
principalmente nos casos de desmame difícil. com insuficiência respiratória hipoxêmica refratária, pelo
mecanismo de shunt intrapulmonar, e infiltrado pulmonar agudo e
difuso no exame de imagem. No histopatológico, a lesão
VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA (VNI)
encontrada é chamada de Dano Alveolar Difuso (DAD).

Este tipo de ventilação mecânica é feito através de dispositivos nasais ou


máscaras faciais que não permitem o escape de ar (ou permitem um Na SDRA, por definição, o distúrbio da troca gasosa é grave (relação
pequeno grau de escape). A VNI pode ser utilizada em diversas P/F < 300).
patologias, como a DPOC descompensada e o edema agudo
cardiogênico, evitando muitas vezes a intubação orotraqueal. Isso
poupa o paciente das complicações inerentes ao TOT (lesão traqueal, Etiologia da SDRA
lesão de cordas vocais, pneumonia nosocomial associada ao respirador,
etc.), levando à redução da morbimortalidade e a um menor tempo de O pulmão é um órgão com grande propensão ao contato com agentes
internação. Para o seu emprego, devem ser respeitadas as seguintes potencialmente lesivos (exógenos ou endógenos), seja através do ar
regras básicas: (1) o paciente deve estar desperto e cooperativo; (2) os inspirado, do material aspirado das vias aéreas superiores ou do
reflexos da via aérea superior devem estar intactos (para evitar estômago, bem como pela circulação sanguínea (os pulmões recebem
broncoaspiração); e (3) deve haver estabilidade hemodinâmica. simplesmente TODO o débito cardíaco, portanto, toda substância que
não é filtrada no fígado circula por este órgão).

BiPAP (ventilação com dois níveis de pressão): o paciente é acoplado a


um aparelho capaz de liberar um fluxo inspiratório que garante A etiologia da SDRA é dividida em direta ou indireta. Uma causa é
aumento da pressão de ar na inspiração (IPAP) e ao mesmo tempo referida como direta quando o evento deflagrador da SDRA está no
mantém uma pressão positiva no final da expiração (EPAP). Funciona pulmão (ex.: pneumonia) e indireta quando consequente a uma
como um PSV com PEEP, só que sem a presença do TOT. O volume patologia extrapulmonar (ex.: pancreatite). Veja a Tabela 5.
corrente é determinado pela diferença entre IPAP e EPAP. Já existem
aparelhos de BiPAP para uso domiciliar.
Tab. 5

Etiologia da SDRA
A lesão histopatológica da SDRA é a DAD (Dano Alveolar Difuso). Os
Injúria pulmonar direta achados na biópsia pulmonar mostram as seguintes alterações: edema
● Aspiração do conteúdo gástrico (síndrome de Mendelson). intersticial e alveolar proteináceo, congestão capilar, hemorragia
alveolar, necrose dos pneumócitos tipo I e presença de membrana
● Infecção pulmonar (pneumonia) – bacteriana, viral, etc.
hialina revestindo a parede interna dos alvéolos. A membrana hialina é
● Trauma torácico grave (contusão pulmonar). derivada dos debris dos pneumócitos tipo I mortos, juntamente com
● Inalação de produtos tóxicos. proteínas plasmáticas (imunoglobulina, complemento, fibrinogênio),
que ganham o espaço alveolar através do endotélio lesado e da
● Afogamento. membrana basal rompida. A SDRA possui três fases evolutivas, com
● Eventos embólicos (líquido amniótico, embolia gordurosa, achados histopatológicos característicos: (1) fase exsudativa; (2) fase
embolia aérea). proliferativa; e (3) fase fibrótica.

Injúria pulmonar indireta


Os achados da fase exsudativa já se encontram presentes dentro dos
● Choque (independente do tipo). primeiros 1-2 dias da injúria pulmonar. São representados pelo edema
● Sepse. intersticial e alveolar com membrana hialina e por um infiltrado
inflamatório, quase sempre neutrofílico. A fase exsudativa costuma se
● Politrauma não torácico.
resolver em até sete dias. O achado da fase proliferativa é a regeneração
● Grande queimado. dos pneumócitos tipo I pelos pneumócitos tipo II, associada a um
infiltrado mononuclear; essa fase geralmente dura do 7o ao 21o dia e é
● Edema pulmonar neurogênico.
nela que os pacientes começam a melhorar e são desmamados da
● Hemotransfusão maciça. ventilação mecânica. Alguns pacientes, contudo, evoluem para a 3ª fase:
● Pancreatite aguda. a fase fibrótica, caracterizada por fibrose intersticial e dos ductos
alveolares associados a fibroproliferação intimal com hipertensão
● Overdose de drogas (ex.: heroína e outros narcóticos).
pulmonar. O prognóstico dos pacientes que atingem a 3ª fase é bastante
● Circulação extracorpórea. desfavorável...
● Pós-transplante pulmonar.
A patogênese da SDRA não é totalmente conhecida. Contudo, atribui-
se um grande papel aos neutrófilos que se aderem ao endotélio dos
As causas diretas são mais propensas a causar SDRA do que as capilares alveolares, liberando citocinas, radicais livres e proteases,
indiretas, por exemplo, 30% dos pacientes com aspiração do conteúdo capazes de inflamar e destruir rapidamente o tecido alveolar. A
gástrico desenvolvem a síndrome, contra apenas 5% dos pacientes concentração alveolar de neutrófilos é garantida pela exposição de
vítimas de trauma ortopédico grave. A principal causa de SDRA é a receptores de adesão endotelial (E-selectina, P-selectina, ICAM,
sepse, responsável por cerca de 50% dos casos; quando a sepse precede a VCAM) e estimulada por uma série de citocinas (TNF-alfa, IL-1, IL-6,
SDRA, a causa mais comum é a infecção intra-abdominal; quando a IL-8). Mas há um importante ponto a ser esclarecido... Embora na
SDRA precede a sepse, a pneumonia bacteriana nosocomial passa a pneumonia bacteriana também se acumulem neutrófilos no espaço
predominar. Já as causas não infecciosas mais importantes consistem alveolar em grande quantidade, na maioria das vezes, não há evolução
em: trauma, transfusão maciça, aspiração de conteúdo gástrico e para SDRA. Parece que os mediadores pró-inflamatórios estão
overdose de drogas. Algumas características do paciente, independente exageradamente aumentados na SDRA, e as citocinas anti-
da etiologia de base, aumentam o risco de SDRA, com destaque para a inflamatórias (IL-10) e agentes antioxidantes endógenos se encontram
idade avançada, abuso crônico de álcool, acidose metabólica e gravidade relativamente reduzidos...
da doença de base (ex.: escore APACHE II elevado).

A principal consequência fisiopatológica da SDRA é o distúrbio V/Q


A SDRA que se desenvolve em pacientes previamente hígidos que não que, quando extremo, evolui com shunt intraparenquimatoso pulmonar.
são vítimas de trauma ou queimadura geralmente é decorrente de Este é decorrente de: (1) edema alveolar com membrana hialina; e (2)
pneumonia viral ou bacteriana, inalação de gases tóxicos ou overdose de microatelectasias ou colapso alveolar. Pelo aumento do líquido
drogas ilícitas. Em pacientes com SIDA (Síndrome da Imunodeficiência pulmonar e pelo colapso alveolar, o trabalho respiratório está bastante
Adquirida), a causa mais comum é a infecção por Pneumocystis carinii. aumentado, e a complacência estática encontra-se caracteristicamente
reduzida, apesar de haver importantes diferenças na complacência entre
diversas áreas do pulmão, pois a SDRA é uma doença
PATOLOGIA E PATOGÊNESE
HETEROGÊNEA.

CLÍNICA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E


PROGNÓSTICO
O paciente desenvolve os sintomas respiratórios um pouco antes do
surgimento do infiltrado pulmonar. Podemos, portanto, nos deparar
● Início dos sintomas respiratórios dentro de uma semana

com um paciente francamente taquidispneico, taquicárdico, cianótico e após um insulto clínico conhecido, ou o paciente deve ter

agitado, mas ainda com radiografia de tórax normal... Contudo, via de sintomas respiratórios novos ou progressivamente piores

regra, dentro das próximas 24h o infiltrado pulmonar aparece, como ao longo da última semana.

mostra a FIGURA 1. O infiltrado é obrigatoriamente bilateral, podendo ● Opacidades bilaterais, consistentes com edema pulmonar,
poupar algumas áreas pulmonares (principalmente os ângulos no RX ou TC de tórax. Tais opacidades não podem ser
costofrênicos, algo que não acontece no edema pulmonar cardiogênico) totalmente explicadas por derrame pleural, atelectasias ou
ou comprometer toda a extensão dos pulmões (“síndrome dos pulmões nódulos pulmonares.
brancos”). Sinais de esforço ventilatório logo se tornam patentes ● A falência respiratória não pode ser totalmente explicada
(batimento de asa do nariz, tiragem intercostal e supraclavicular,
por falência cardíaca ou congestão volêmica. Uma
respiração abdominal). Outros sintomas como febre alta, expectoração
avaliação objetiva da função cardíaca (ex.:
purulenta, sibilos, hipotensão arterial e choque não são decorrentes da
ecocardiograma) é mandatória se o paciente não possuir
SDRA propriamente dita, mas podem estar presentes em consequência
fatores de risco para SDRA.
às mesmas causas básicas (pneumonia, contusão pulmonar,
broncoaspiração, etc.). ● A relação P/F deve estar reduzida (≤ 300), sendo proposta
a seguinte estratificação de gravidade:

➤ SRDA leve = P/F ≤ 300 e > 200, na vigência de PEEP


ou CPAP ≥ 5 cmH2O;

➤ SDRA moderada = P/F ≤ 200 e > 100, na vigência de


PEEP ≥ 5 cmH2O;

➤ SDRA grave = P/F ≤ 100, na vigência de PEEP ≥ 5


cmH2O.

O tratamento da SDRA se baseia em medidas de suporte e no


reconhecimento e resolução de sua causa. A terapia de suporte é
fundamental para reduzir a mortalidade da doença e está centralizada
Fig. 1: SDRA:
na ventilação mecânica invasiva. Descreveremos adiante as estratégias
A: Aspecto radiológico – infiltrado misto bilateral difuso. Observe a
presença de um Tubo Orotraqueal (TOT); de ventilação mecânica invasiva na SDRA.
B: Paciente internado com SDRA, necessitando de ventilação
mecânica. A SDRA representa o nível mais grave de insuficiência
respiratória.

O diagnóstico de SDRA deve ser confirmado por critérios


clinicolaboratoriais. Estude a Tabela 6, que descreve os critérios
atualmente preconizados (critérios de Berlim, de 2012). O diagnóstico
diferencial mais importante é com edema pulmonar cardiogênico, sendo
o padrão-ouro para a diferenciação, a medida da pressão capilar
pulmonar que, se aumentada, indica origem cardiogênica. Na
impossibilidade desta medida, podem-se utilizar critérios clínicos,
ecocardiográficos e a dosagem do BNP, que deve estar baixa (< 100) na
SDRA... Em geral, não se indica biópsia pulmonar (um procedimento
de alto risco neste tipo de paciente), embora tal exame encontre
justificativa em casos selecionados, por exemplo, quando houver
suspeita de uma condição que possua tratamento específico e que, de
outro modo, não seria diagnosticada (ex.: vasculite = imunossupressão
agressiva)...

Tab. 6

Critérios de Berlim para o diagnóstico de SDRA


● Foi comprovado que a sobrevida na SDRA aumenta quando a Corticosteroides na SDRA: pequenos estudos sugeriram que o uso de
ventilação mecânica é realizada com um volume corrente baixo (< 6 glicocorticoides na fase precoce da SDRA (primeiros 7-14 dias) pudesse
ml/kg), em vez de 10-12 ml/kg, como era feito antigamente. O trazer benefício em termos de mortalidade, presumivelmente por reduzir
“volutrauma” é a injúria pulmonar inflamatória decorrente do “abrir o processo inflamatório. Contudo, metanálises englobando vários
e fechar” dos alvéolos com grandes volumes... Este fenômeno é estudos não confirmaram de maneira inequívoca este suposto
reduzido com a diminuição do volume corrente. Mas como explicar benefício... Evidências, por outro lado, convincentes, demonstraram que
esse benefício? Devemos entender que a SDRA é uma doença o emprego de glicocorticoides após 14 dias do início da SDRA aumenta
heterogênea, em que alvéolos acometidos estão lado a lado com a mortalidade! Logo, com os dados atualmente disponíveis, não se pode
alvéolos sadios. Quando se usava os volumes habituais, a maior parte recomendar o uso de corticoide na fase inicial da SDRA, mas pode-se
do ar ofertado se dirigia aos alvéolos sadios (pela maior contraindicar seu uso após 14 dias! A única situação em que os
complacência), causando hiperdistensão e lesão inflamatória. glicocorticoides são seguramente benéficos é quando a SDRA está
Ventilando a volumes menores, você mantém os alvéolos sadios sendo causada por um processo responsivo à corticoterapia (ex.:
funcionando normalmente sem hiperdistendê-los... O “barotrauma” pneumonite eosinofílica). Seja como for, ainda há muita controvérsia
(enfisema intersticial, enfisema subcutâneo, pneumotórax) também sobre este assunto, e mais estudos são aguardados no futuro...
foi controlado com esta mudança! A pressão de platô deve ser
mantida < 30 cmH2O. A PaCO2 pode se elevar devido ao volume- Evitar a hipervolemia nesses pacientes é recomendado, mantendo-os
minuto relativamente baixo, mas estudos demonstraram que isso não normovolêmicos. O uso de outras terapias como surfactantes, óxido
parece prejudicar o paciente, contanto que não haja acidemia nítrico inalatório e prostaciclina inalatória não se mostrou benéfico em
importante. É a chamada hipercapnia permissiva. termos de melhora da sobrevida, ainda que tais medidas consigam
● O modo ventilatório deve ser o assisto-controlado. O PCV melhorar a troca gasosa.
(ventilação com pressão controlada), por limitar a pressão de
admissão nas vias aéreas, evitando o volutrauma e o barotrauma, é O prognóstico da SDRA é reservado, principalmente pela associação
considerado um excelente método na SDRA. com doenças graves, como a sepse. Antigamente, a mortalidade estava
na faixa entre 60-70%. Atualmente, nos grandes centros, a mortalidade
● A melhor maneira de resolver a hipoxemia do paciente é através da
caiu para cerca de 30%, graças à melhora da terapia de suporte e
PEEP (pressão positiva no final da expiração), em níveis
tratamento específico das diversas etiologias.
terapêuticos. Normalmente, os alvéolos se fecham no final da
expiração, quando a pressão alveolar chega a zero. Por isso, em todo
paciente em ventilação mecânica deve ser instituído um PEEP de SAIBA MAIS...
pelo menos 5 cmH2 O (PEEP “fisiológico”), para evitar a formação
Em pacientes com SDRA refratária às estratégias específicas de
de atelectasias. Na SDRA, este nível de PEEP não é suficiente...
ventilação mecânica que acabamos de ver, pode-se considerar o
Devemos ajustá-lo para a faixa entre 10-25 cmH2 O (PEEP
emprego de técnicas de troca gasosa extracorpórea. Estamos
“terapêutico”). O nível de PEEP ideal varia entre os pacientes;
falando da ECMO (Extracorporeal Membrane Oxygenation) e da
diversas formas de se calcular o PEEP ideal já foram descritas, mas
ECCO2R (Extracorporeal CO2 Removal). Em ambos os casos, um
pode-se tentar o aumento sucessivo dos níveis de PEEP (entre 3-5
cateter é inserido numa veia profunda, drenando sangue para um
cmH2O) com avaliação da P/F, de modo que o PEEP ideal será o que
circuito externo onde existe uma membrana artificial. Na ECMO
obtiver a melhor P/F. O objetivo da PEEP terapêutica é recrutar
essa membrana apenas oxigena o sangue, mas na ECCO2R ela
unidades alveolares (revertendo as microatelectasias) e redistribuir o
também remove o CO2... Apesar da lógica por trás dessa ideia, até
líquido intra-alveolar. Com isso, a troca gasosa torna-se muito mais
hoje não foi demonstrado nenhum benefício consistente em termos
eficiente, permitindo uma recuperação da PaO2 e da SaO2 para
de melhora da morbimortalidade... Outra estratégia “de resgate”
acima de 55 mmHg e 88%, respectivamente, utilizando-se uma FiO2
que vem sendo estudada é a ventilação líquida parcial. Neste
de até 60%. Sem a PEEP, muitos pacientes teriam que utilizar altas
caso, uma solução de perfluorocarbono (LiquiVent) é infundida na
FiO2 (próximas a 100%), com risco de injúria pulmonar pelo efeito
via aérea do paciente a fim de preencher o espaço alveolar (mais
tóxico do oxigênio em altas concentrações. Nos pacientes muito
ou menos completamente). A ventilação mecânica continua sendo
graves, manobras de recrutamento alveolar podem ser tentadas,
administrada, e o líquido infundido teria o potencial de exercer
mantendo-se um CPAP em valores extremamente altos (próximo a 40
diversos benefícios (reduzir inflamação, aumentar a oferta de O2,
mmHg) por período curto (cerca de 40s).
“lavar” debris celulares). Todavia, até o momento os estudos em
● Já foi também confirmado que a melhor posição para o paciente humanos com SDRA não mostraram qualquer benefício, e tal
permanecer no leito é em pronação (decúbito ventral), pois reduz o estratégia é considerada experimental... O emprego de óxido
desbalanço V/Q e o shunt intraparenquimatoso que predomina nas nítrico inalatório (potente vasodilatador local) também não
bases pulmonares e na porção posterior pulmonar (regiões conseguiu alterar as taxas de morbimortalidade, apesar de
dependentes da gravidade). Esta posição, entretanto, possui melhorar a oxigenação do sangue...
limitações importantes, incluindo risco de desposicionamento do
TOT e perda de cateter venoso central. É reservada geralmente para
os casos mais graves de SDRA.

● O uso de uma relação inspiração/expiração invertida (inspiração mais


prolongada que a expiração, para hiperinflar os pulmões) também
mostrou benefício em termos de oxigenação, porém sem provocar
redução de mortalidade...
2
Apêndice DERRAME PLEURAL
Insuficiência cardíaca Derrame parapneumônico.
congestiva. Infecções pleurais (bacterianas,
Cirrose hepática. micobacterianas, virais, fúngicas,
Síndrome nefrótica. parasitárias e rickettsiose).

INTRODUÇÃO Diálise peritoneal. Câncer.

Hipotireoidismo. Embolia pulmonar (80% dos


casos).
A pleura é uma membrana de tecido conjuntivo recoberta por uma Síndrome da veia cava
camada única de células epiteliais denominada mesotélio. Ela reveste, de superior. Colagenoses.
forma contínua, a superfície externa dos pulmões e a superfície de todas Pericardite constritiva. Asbestose.
as estruturas adjacentes, como a parede lateral do mediastino, a Doenças pancreáticas.
Atelectasia (aguda).
hemicúpula diafragmática e a face interna da caixa torácica,
Embolia pulmonar Síndrome de Meigs.
delimitando o espaço pleural – um espaço normalmente “virtual” que
(20% dos casos). Uremia.
contém apenas uma pequena quantidade de líquido (necessário para
reduzir o atrito durante os movimentos respiratórios). O folheto que Atelectasia (crônica).
reveste o interior da caixa torácica é chamado de parietal, enquanto o Quilotórax.
folheto que reveste os pulmões é dito visceral. Sarcoidose.
Drogas.
Fisiologicamente, o líquido pleural é formado na pleura parietal.
Síndrome pós-injúria miocárdica
Sabemos que a pressão hidrostática de seus vasos capilares é um pouco
(IAM, cirurgia cardíaca, etc.).
mais elevada que a pressão coloidosmótica do plasma, criando um
gradiente que resulta na ultrafiltração de 0,01 ml/kg/h de líquido. Este Obs.: (1) Derrame “parapneumônico” é o exsudato pleural que
acompanha uma pneumonia bacteriana. Ele pode ou não ser
líquido é continuamente reabsorvido pelos vasos linfáticos da própria empiematoso; (2) Síndrome de Meigs = fibroma ovariano + ascite +
pleura parietal. Numa situação de homeostase, encontra-se de 5-15 ml derrame pleural. Neste caso, o líquido produzido pelo tumor cai no
peritônio e atinge a cavidade pleural através de pequenas aberturas na
de líquido no espaço pleural a cada momento. musculatura diafragmática.

O derrame pleural é definido como um acúmulo anormal de líquido no Tab. 3


espaço pleural. Na grande maioria das vezes, será causado por um dos
mecanismos descritos na Tabela 1. Principais Drogas que Causam Derrame Pleural

Nitrofurantoína. Procarbazina.
Amiodarona. Metisergida.
Dasatinibe. Dantrolene.
Bromocriptina. Alcaloides do Ergot.
Metotrexato. Clozapina.

Obs.: derrame pleural causado por drogas costuma ter líquido rico em
EOSINÓFILOS.

ETIOLOGIA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As Tabelas 2 e 3 enumeram as principais etiologias do derrame pleural. HISTÓRIA. Derrames pleurais pequenos costumam ser assintomáticos.
Conforme será visto adiante, a diferenciação entre transudato e exsudato Nos pacientes que referem sintomas, as queixas mais frequentes são: (1)
é o grande divisor de águas na investigação do diagnóstico etiológico. dispneia; (2) tosse; (3) dor torácica tipo “pleurítica” ou “respirofásica”
Estatisticamente, a principal causa de derrame pleural na prática é a (dor que piora na inspiração profunda). Esse tipo de dor denota a
insuficiência cardíaca congestiva – um transudato. As principais existência de inflamação pleural (pleurite), e costuma desaparecer
etiologias de exsudato são o derrame parapneumônico e o câncer. O quando o acúmulo de líquido afasta as pleuras parietal e visceral,
tipo de câncer mais associado ao derrame pleural é o câncer de pulmão anulando seu atrito. Derrames muito volumosos podem causar a
(responsável por 1/3 dos casos), seguido pelo câncer de mama e pelo clássica trepopneia, isto é, dispneia em decúbito lateral com o lado que
linfoma (juntas, essas três doenças respondem por ~ 75% dos derrames contém o derrame voltado para cima (o decúbito para o lado oposto
pleurais neoplásicos)... alivia a dispneia). De um modo geral, a sintomatologia tende a ser mais
intensa em portadores de doenças cardiopulmonares prévias.

Tab. 2

Transudato Exsudato
EXAME FÍSICO. Derrames pleurais pequenos não possuem expressão Para que o derrame seja visível na incidência em perfil, são necessários
semiológica. Derrames volumosos costumam produzir uma síndrome de mais de 75-100 ml de líquido para “velar” o seio costofrênico posterior
derrame pleural: (1) macicez à percussão; (2) redução (ou abolição) do (FIGURA 2). Logo, a incidência em perfil é mais sensível do que a
murmúrio vesicular acima da área de derrame; (3) desaparecimento do incidência em PA para o diagnóstico de derrame pleural! Derrames
frêmito toracovocal. Se houver atelectasia compressiva do parênquima muito volumosos são facilmente identificáveis, pois produzem um
pulmonar subjacente, notaremos a clássica respiração brônquica (som aspecto inconfundível no RX: a famosa parábola de Damoiseau
alto e agudo, com nítida divisão – silêncio – entre as fases inspiratória e (FIGURA 3).
expiratória) e a egofonia (o paciente fala “i”, mas o médico ausculta “e”
– significa colabamento do espaço alveolar com brônquios pérvios). Um
derrame que ocupa todo o hemitórax costuma produzir abaulamento
dos espaços intercostais e desvio contralateral da traqueia. Nas pleurites
iniciais (ainda sem derrame significativo), pode-se perceber o atrito
pleural.

PNE1_ATRITOPLEURAL

EXAMES DE IMAGEM

Após suspeita clínica de derrame pleural, é mandatório realizar um


exame de imagem para definir sua extensão.

O método mais comumente utilizado é a radiografia de tórax em PA e


perfil. Para que o derrame seja visível na incidência em PA
(Posteroanterior), é preciso que mais de 175-200 ml de líquido se
acumule no seio costofrênico lateral, levando ao “velamento” desse seio
(FIGURA 1).

Fig. 2: Velamento de um dos seios costofrênicos posteriores (compare


com o outro seio costofrênico posterior). Derrame pleural > 75-100 ml.

Fig. 1: Velamento do seio costofrênico esquerdo (compare com o lado


direito). Derrame pleural > 175-200 ml.
Fig. 3: Parábola de Damoiseau – volumoso derrame pleural à direita.
Paciente em ortostase.

Fig. 5: Derrame pleural “Loculado” (L). O líquido está retido num


espaço criado por aderências pleurais patológicas. Para maior
segurança, a toracocentese deve ser guiada por USG.
A radiografia de tórax também pode ser feita na incidência de Lawrell
(decúbito lateral com raios horizontais, colocando o lado do derrame na
posição dependente). Na ausência de aderências pleurais, o líquido
corre livremente por ação da força gravitacional (FIGURA 4). Esta O método de imagem mais sensível para avaliar o derrame pleural é a
incidência pode ser muito útil para dirimir dúvidas quanto à existência tomografia computadorizada de tórax, que é capaz de detectar volumes
ou não de derrame em certos casos (ex.: derrame subpulmonar, que faz tão pequenos quanto 10 ml (ou seja, a TC consegue perceber até mesmo
diagnóstico diferencial com elevação da hemicúpula diafragmática). a presença do líquido pleural normal). Tal exame tem sua grande
Quando a lâmina líquida visualizada nesta incidência possuir > 10 mm indicação no diagnóstico diferencial da doença de base, por permitir
de espessura, isso indica que a toracocentese (ver adiante) poderá ser uma análise detalhada de todas as estruturas torácicas. Na suspeita de
realizada “às cegas”, pois há mais de 300 ml de líquido... Nos derrames doença pleural, podemos ministrar contraste iodado endovenoso: a
loculados (aprisionamento do líquido por aderências pleurais – ocorrência de captação (ex.: pleural split sign, em que ambos os folhetos
FIGURA 5) bem como nos derrames de menor volume, para maior – parietal e visceral – estão espessados e se impregnam pelo contraste,
segurança a toracocentese deve ser guiada por ultrassonografia. sendo separados pelo conteúdo líquido do derrame) evidencia a
existência de pleurite (FIGURA 6).

Fig. 4: Incidência de Lawrell mostrando líquido “livre” no espaço pleural


direito com > 10 mm (1 cm) de espessura. Este paciente pode ser
submetido a uma toracocentese “às cegas”. Fig. 6: “Pleural split sign”. Observe a presença de derrame pleural
loculado na região paravertebral direita. As pleuras parietal e visceral
estão espessadas e se impregnam pelo contraste. Paciente com
empiema pleural.

DIAGNÓSTICO
A toracocentese diagnóstica é o exame mais importante para esclarecer a
etiologia de um derrame pleural. Diante de derrame pleural novo e sem Seroso Líquido pleural sui generis
causa aparente, devemos sempre realizar uma toracocentese! (amarelo-palha).

Quando o líquido pleural possui aspecto seroso, o próximo passo


Existem situações onde a toracocentese a princípio não precisa
consiste na diferenciação bioquímica entre TRANSUDATO e
ser feita, por exemplo: paciente com insuficiência cardíaca
EXSUDATO. Essa tarefa é facilmente realizada através do emprego dos
congestiva que apresenta derrame pleural bilateral e simétrico
Critérios de Light (Tabela 5).
(quadro típico)... Nestes casos, inicialmente, pode-se apenas
observar a resposta aos diuréticos, realizando a toracocentese
somente se não ocorrer melhora conforme o esperado (em 75% Tab. 5
das vezes, o derrame pleural da ICC se resolve em até 48h de
diureticoterapia adequada). Outras indicações de toracocentese Critérios de Light
na ICC são: (1) derrame francamente assimétrico; (2) febre; (3)
dor torácica pleurítica. Relação proteína do líquido/proteína do plasma > 0,5

Relação LDH do líquido/LDH do plasma > 0,6


Observe na FIGURA 7 a técnica de toracocentese.

LDH do líquido > 2/3 do limite superior da normalidade no


plasma (> 200 U/L)

Obs.: o derrame será EXSUDATIVO, se pelo menos um dos critérios


acima for satisfeito.

Ao definirmos se o derrame é um transudato ou exsudato, limitamos o


rol de etiologias possíveis (reveja as Tabelas 2 e 3 no início deste
capítulo). Assim, a investigação subsequente deverá ser conduzida
visando o diagnóstico das doenças incluídas no respectivo grupo,
considerando o contexto clínico... Como no caso dos exsudatos,
assume-se que existe uma doença localizada na pleura, além das
dosagens de proteína total e LDH (necessárias para os critérios de
Light), avalia-se também, de forma rotineira: pH, glicose, celularidade
Fig. 7
(contagem de células mesoteliais, hemácias e leucócitos, estes últimos
com diferencial), coloração de Gram, culturas e citologia oncótica
(pesquisa de células neoplásicas) – ver Tabela 6.
Feita a coleta, o primeiro passo na análise do líquido pleural é a
avaliação de sua aparência, o que, em muitos casos, permite um
Tab. 6
diagnóstico imediato. Observe a Tabela 4.
Exames Adicionais para os Exsudatos

Tab. 4
● pH.
Aparência do Líquido Pleural ● Glicose (dosar também no sangue).
● Celularidade (contagem de células mesoteliais, hemácias e
Pus Empiema.
leucócitos com diferencial).

Sangue Hemotórax (definição formal: ● Bacterioscopia (coloração de Gram).


relação hematócrito do derrame / ● Culturas (bactérias comuns, fungos, BK).
hematócrito do sangue periférico
> 0,5).
● Citologia oncótica.

Leitoso (branco) Centrifugar: (1) sobrenadante


SAIBA MAIS... Os critérios de Light não são perfeitos.
claro = empiema; (2)
sobrenadante turvo = quilotórax.

Serossanguinolento Mistura de líquido pleural com


sangue. Acima de 10.000
hemácias/ml, o líquido fica
progressivamente “tingido” de
sangue.
Estima-se que até 25% dos derrames taxados como “exsudativos”
pelos critérios de Light, na realidade, sejam derrames
“transudativos”. Assim, sempre que o contexto clínico sugerir uma
causa de derrame transudativo, mas a toracocentese diagnóstica
mostrar derrame exsudativo (pelos critérios de Light), devemos
recorrer ao cálculo do gradiente soro-pleural de proteína. Este
nada mais é do que a subtração do valor de proteína total no
líquido pleural do valor de proteína total do sangue (proteína total
do sangue – proteína total do líquido). Um resultado > 3,1 g/dl
confirma se tratar de TRANSUDATO, anulando o resultado dos
critérios de Light!

Outros exames “especiais” podem ser solicitados em cenários clínicos


específicos. Por exemplo:

No QUILOTÓRAX, fazemos a pesquisa de quilomícrons e dosamos o TRATAMENTO


nível de triglicerídeos do líquido pleural. Valores de TG > 100-110 mg/dl
confirmam o diagnóstico.
TRANSUDATOS PLEURAIS
Os níveis de AMILASE no líquido pleural devem ser dosados perante a
consideração diagnóstica de: (1) pancreatite; (2) pseudocisto No transudato a pleura não está doente. Logo, o tratamento é
pancreático; (3) câncer de pulmão ou de pâncreas; (4) ruptura direcionado para o controle da doença de base cuja descompensação
esofagiana. Valores aumentados corroboram a relação etiopatogênica está causando o derrame (ex.: diureticoterapia para ICC, reposição de
entre essas entidades (se presentes) e o derrame pleural. levotiroxina no hipotireoidismo). Uma toracocentese terapêutica pode
ser indicada na vigência de desconforto respiratório, visando o rápido
alívio do paciente. No entanto, se a doença de base não for controlada,
Na suspeita de TUBERCULOSE, indica-se ainda a pesquisa de BAAR
o benefício da toracocentese será transitório... A pleurodese raramente é
(baciloscopia), TRM-TB (Teste Rápido Molecular para Tuberculose) e
necessária.
dosagens de ADA (adenosina deaminase) e/ou IFN-gama. A
confirmação, no entanto, geralmente necessita da biópsia pleural
(granulomas caseosos na histopatologia + cultura de fragmento
PLEURODESE é um procedimento que induz a fusão dos
positiva).
folhetos parietal e visceral da pleura após instilação de
substâncias irritativas pelo dreno torácico (ex.: doxiciclina 500 mg,
Na suspeita de NEOPLASIA, a sensibilidade do primeiro estudo bleomicina), ou após abrasão mecânica ou instilação de talco
citológico varia em função do tipo específico de câncer e sua extensão, durante a toracoscopia, gerando fibrose. De todas as opções
sendo em média de 50-65%. disponíveis, a mais eficaz é a instilação de talco por
videotoracoscopia.
Logo, um resultado negativo não afasta o diagnóstico, e em pacientes
com elevada probabilidade pré-teste, a conduta é repetir a citologia
oncótica, de preferência enviando ao laboratório o maior volume DERRAME PLEURAL NEOPLÁSICO
possível de líquido. Caso ainda assim o resultado seja negativo
(persistindo uma elevada suspeita clínica), o próximo passo é a biópsia
Quimio e/ou radioterapia podem ser empregadas de forma paliativa,
pleural guiada por toracoscopia (preferencial à biópsia “às cegas”).
levando em conta que para a maioria dos tumores malignos, a existência
Com tal conduta, a sensibilidade aumenta para 92-96%.
de derrame pleural neoplásico significa doença metastática incurável...
O tumor que melhor responde a essas medidas é o carcinoma de
A Tabela 7 resume as características peculiares de algumas etiologias pequenas células pulmonares. De um modo geral, a única opção eficaz
selecionadas de derrame pleural exsudativo. para esses doentes é a toracocentese terapêutica. Se houver reacúmulo
do derrame (o que é comum), deve-se optar entre: (1) toracocenteses
repetidas; (2) pleurodese; (3) instalação de dreno tubular permanente
(que pode ser manejado no domicílio pelo próprio paciente). A escolha
deve ser individualizada, considerando o estado geral do paciente, sua
expectativa de vida, tolerância ao desconforto e preferências pessoais.

SAIBA MAIS... O que é “edema agudo de reexpansão”?


É dividido em três categorias: (1) simples ou “não complicado”; (2)
Derrames pleurais muito volumosos (típicos do derrame
complicado; (3) empiema. O derrame parapneumônico simples é estéril,
neoplásico) sempre provocam algum grau de atelectasia do
geralmente de pequeno a moderado volume. Ele não requer drenagem, e
pulmão ipsilateral. O parênquima pulmonar cronicamente
sua resolução acompanha a resolução da pneumonia com antibióticos.
atelectasiado, quando reexpandido de forma SÚBITA (ex.:
O empiema, por outro lado, representa infecção grosseira do espaço
drenagem de grandes volumes numa única toracocentese), libera
pleural, sendo francamente purulento (com bacterioscopia e/ou cultura
citocinas pró-inflamatórias devido ao fenômeno de “distensão dos
positivos). Além de antibioticoterapia, esse tipo de derrame precisa ser
alvéolos colabados”. Se isso envolver uma grande porção de
drenado o mais rápido possível, a fim de evitar a síndrome do
parênquima, o resultado pode ser a síndrome do desconforto
encarceramento pulmonar secundária à fibrose pleural. Já o derrame
respiratório agudo (edema pulmonar não cardiogênico): o
complicado é aquele em que existem alterações inflamatórias sugestivas
excesso de citocinas pró-inflamatórias aumenta localmente a
de invasão bacteriana do espaço pleural, porém esta pode não ser
permeabilidade da membrana alveolocapilar pulmonar, causando a
formalmente demonstrada (bacterioscopia e cultura negativos). Ele será
inundação do espaço aéreo com plasma extravasado! A fim de
tratado com antibioticoterapia + drenagem torácica se: (1) glicose < 60
evitar essa iatrogenia, recomenda-se não drenar mais do que 1-
mg/ dl; (2) pH < 7,2; ou (3) pH entre 7,2-7,3 e LDH do líquido pleural >
1,5 litros de derrame pleural CRÔNICO nas primeiras 24h...
1.000 U/L. A presença de loculações (comum nos derrames
parapneumônicos “não simples”) dificulta a drenagem tubular. Nestes
casos, pode-se tentar a lise das aderências com método químico (ex.:
DERRAME PARAPNEUMÔNICO
instilação intrapleural de fibrinolítico + DNAse) ou mecânico
(debridamento por videotoracoscopia).

3
Um grupo grande de doenças pulmonares se caracteriza pelo
Apêndice acometimento difuso e bilateral dos septos alveolares, que se apresentam
PNEUMOPATIAS INTERSTICIAIS
inflamados na sua fase inicial e fibrosados nas fases mais avançadas.
DIFUSAS
Para este grupo, costuma-se utilizar a nomenclatura “Pneumopatias
(INCLUINDO AS PNEUMOCONIOSES)
Intersticiais Difusas (PIDs)”. Contudo, o acometimento das células
parenquimatosas desses septos é expressivo e, além disso, muitas das
patologias deste grupo também apresentam outros tipos de lesão
INTRODUÇÃO pulmonar, tais como o preenchimento alveolar (pneumonia) e lesão das
vias aéreas distais (bronquiolite). Por essa razão, alguns autores sugerem
o nome “pneumopatias parenquimatosas difusas”.
DEFINIÇÃO
Um outro ponto importante na definição deste grupo de pneumopatias
Os septos alveolares contêm as principais células do tecido pulmonar,
é o fato de se excluírem as causas infecciosas (tais como as pneumonites
como os pneumócitos tipo I, os pneumócitos tipo II e as células
intersticiais causadas por Mycoplasma pneumoniae, vírus, Pneumocystis
endoteliais, representando, portanto, aquilo que chamamos de
carinii, Mycobacterium tuberculosis) e neoplásicas (tais como o linfoma
parênquima pulmonar. O tecido conjuntivo que preenche o interior
BALT e a linfangite carcinomatosa), que podem levar a um
desses septos e a bainha que reveste os vasos pulmonares, brônquios e
acometimento muito semelhante do parênquima pulmonar. Na prática
bronquíolos representam o interstício pulmonar.
médica, entretanto, estas entidades devem fazer parte da investigação de
todo paciente com infiltrado pulmonar difuso!

PATOLOGIA
A lesão característica das fases iniciais é a alveolite (ou simplesmente,
pneumonite), definida como o acúmulo de células inflamatórias nos 1. Pneumoconioses (silicose, asbestose, etc.).

septos alveolares – FIGURA 1B, que se encontram espessados e 2. Induzida por drogas.
edemaciados. As células inflamatórias também extravasam para o
3. Radioterapia.
lúmen, formando exsudatos alveolares. O epitélio do alvéolo está
lesado, havendo degeneração dos pneumócitos tipo I (células planas) e 4. Aspiração de gases ou fumos.
proliferação dos pneumócitos tipo II (células cuboides). As células 5. Doença enxerto versus hospedeiro.
inflamatórias que predominam são macrófagos, linfócitos e/ou
neutrófilos e, em determinadas entidades, eosinófilos. Em um subgrupo 6. SARA residual.

de doenças, o infiltrado de macrófagos e linfócitos forma nódulos de 7. Pneumonias eosinofílicas de causa conhecida.
granuloma na parede dos alvéolos.

Padrão histopatológico:
Alveolite inespecífica, fibrose intersticial ± ocupação
alveolar

ocupação alveolar Etiologia desconhecida

Fig. 1:
A: Histologia do parênquima pulmonar normal – observe os septos 1. Fibrose pulmonar idiopática.
alveolares finos. Observe também um brônquio cortado
longitudinalmente; 2. Pneumonite intersticial descamativa.
B: Alveolite – septos espessados, macrófagos no espaço alveolar.
3. Pneumonite intersticial aguda idiopática.

4. BOOP.

5. Colagenoses.
Diversas doenças incluídas neste grupo possuem a característica de não
se resolverem com a reconstituição do parênquima pulmonar. Em vez 6. Vasculites não granulomatosas.
disso, o infiltrado inflamatório acaba se convertendo em um processo 7. Síndromes hemorrágicas pulmonares.
fibrótico. A fibrose ocupa os septos alveolares e preenche os seus espaços
8. Síndromes pulmonares eosinofílicas idiopáticas.
aéreos, levando à destruição progressiva do parênquima. Formam-se
múltiplas áreas císticas com paredes fibróticas, que podem ser 9. Pneumonite intersticial linfocítica.
visualizadas na radiografia de tórax ou TC, sendo descritas como
10. . Linfangioleiomiomatose.
“pulmão em favo de mel” ou “faveolamento pulmonar”.
11. . Proteinose alveolar.

Algumas entidades, em particular as pneumoconioses colágenas


(silicose, asbestose, etc.), passam quase que diretamente para a fase de
fibrose pulmonar.
Padrão histopatológico:
Granuloma
PRINCIPAIS ENTIDADES
Etiologia conhecida
As pneumopatias intersticiais difusas são classificadas conforme o tipo
de inflamação alveolar (alveolite inespecífica versus granuloma) e de
acordo com o fato de terem ou não uma etiologia conhecida. 1. Pneumonite por hipersensibilidade.

2. Aspergilose broncopulmonar alérgica.

3. Beriliose.
Padrão histopatológico:
Fibrose intersticial ± alveolite inespecífica ±
ocupação alveolar
Padrão histopatológico:
Granuloma
Etiologia conhecida

Etiologia desconhecida
● Volumes estáticos: o volume total de ar nos pulmões após uma
1. Sarcoidose. inspiração máxima é a Capacidade Pulmonar Total (CPT), enquanto
2. Vasculites granulomatosas. o volume de ar que fica nos pulmões após uma expiração máxima é o
Volume Residual (VR). A Capacidade Residual Funcional (CRF) é o
3. Histiocitose X.
que fica nos pulmões após uma expiração não forçada – representa a
4. Granulomatose linfomatoide. posição de repouso máximo do ciclo respiratório.

● Volumes dinâmicos: a Capacidade Vital (CV) é o volume de ar


exalado após uma inspiração e expiração máximas. A Capacidade
FISIOPATOLOGIA Vital Forçada (CVF) é o mesmo volume, medido com uma exalação
forçada. O Volume Expiratório Forçado no 1o segundo (VEF1,0),
Vamos fazer uma revisão dos parâmetros mais importantes da Prova de como o nome diz, é a quantidade de ar que sai no 1o segundo de
Função Pulmonar. Este exame nos fornece três grupos de parâmetros: uma expiração forçada. O índice VEF 1,0/ CVF é o percentual do ar
(1) volumes pulmonares estáticos; (2) volumes pulmonares dinâmicos; e total exalado (CVF) que sai no 1o segundo (VEF1,0). O seu valor
(3) fluxos expiratórios. O exame é feito da seguinte forma: o paciente normal é de 0,75-0,80 (ou 75-80%).
inspira fundo (o máximo que ele pode) e logo em seguida expira todo o ● Fluxos expiratórios: os mais importantes são o fluxo máximo (Vmáx
ar que puder, primeiro de forma lenta e depois de forma forçada. Esta ou peak flow) e o fluxo médio entre 25-75% do volume expirado
parte do exame, chamada espirometria, determina os volumes (FEF 25-75).
dinâmicos e os fluxos expiratórios. Os volumes estáticos são
determinados utilizando-se um outro recurso. Veja a Tabela e a
FIGURA 2 a seguir. Quais são os padrões patológicos da prova de função
pulmonar?
1. PADRÃO OBSTRUTIVO: este é o padrão da obstrução das
vias aéreas, encontrado na asma e na DPOC. É caracterizado
pela redução dos fluxos expiratórios e dos volumes dinâmicos
(especialmente o VEF1,0), e pelo aumento dos volumes
estáticos, devido ao represamento de ar no final da expiração
(hiperinsuflação). Como o VEF1,0 reduz muito mais do que a
CVF, o índice VEF1,0/CVF encontra-se tipicamente baixo (<
0,75). Os volumes estáticos (VR, CRF e CPT) estão elevados,
especialmente o VR (hiperinsuflação).
2. PADRÃO RESTRITIVO: este é o padrão das doenças
pulmonares intersticiais que levam à fibrose parenquimatosa
progressiva, restringindo a ventilação. É caracterizado pela
redução de todos os volumes pulmonares – estáticos e
dinâmicos, com a manutenção dos fluxos expiratórios. O VEF1,0
reduz proporcionalmente à CVF, ou a CVF reduz mais que o
VEF1,0, mantendo normal ou elevado o índice de VEF
1,0/CVF.

Fig. 2
A infiltração e a fibrose parenquimatosa progressiva reduzem a
complacência pulmonar e os volumes pulmonares, revelando um padrão
restritivo na prova de função pulmonar. A capacidade vital e a
capacidade pulmonar total são os primeiros volumes a se reduzirem. Na
espirometria, o VEF1,0 reduz proporcionalmente à CVF, ou a CVF
reduz mais que o VEF1,0, mantendo normal ou elevado o índice de
VEF1,0/CVF. Os fluxos expiratórios forçados estão todos normais, se o
padrão for restritivo puro. Com a progressão da doença, todos os
volumes pulmonares podem se reduzir: volume residual, capacidade
residual funcional, capacidade pulmonar e, por fim, o volume corrente.
Nas fases avançadas, para manter o volume-minuto, o paciente torna-se
cronicamente taquipneico. Algumas PID, como a silicose e a sarcoidose,
geralmente revelam um padrão misto de comprometimento – obstrutivo
+ restritivo.

A redução da complacência estática aumenta o trabalho da musculatura


respiratória, principal elemento que explica a dispneia desses pacientes.
No início, a hipoxemia ocorre apenas aos esforços, devido ao distúrbio
de difusão alveolocapilar. O teste de difusão com CO (monóxido de
carbono) é um dos primeiros exames a se alterar na prova de função
respiratória. Com o avançar do processo, o distúrbio V/Q torna-se cada
vez mais grave, até que o paciente evolui para hipoxemia crônica e cor
pulmonale.

INVESTIGAÇÃO CLÍNICA INICIAL

As causas mais comuns de PID são a fibrose pulmonar idiopática, as


colagenoses (artrite reumatoide, esclerodermia) e as pneumoconioses.

O principal sintoma relacionado às pneumopatias intersticiais difusas é


a dispneia aos esforços, seguida pela tosse seca. A evolução pode variar
desde um curso insidioso (anos) até uma forma abrupta (dias). O
protótipo deste grupo é a fibrose pulmonar idiopática, uma das causas Fig. 4: Infiltrado intersticial reticular predominando em bases.

mais comuns e mais graves. O que chama atenção do quadro é o padrão


radiológico que mostra um infiltrado bilateral difuso (FIGURA 3) desde
o início do quadro. Contudo, em 10% dos pacientes, a radiografia de
tórax é normal, com o infiltrado aparecendo apenas na TC de Tórax de Principais:
Alta Resolução (TCAR).
● Fibrose pulmonar idiopática;
● Pneumonite intersticial descamativa;
● Pneumonite intersticial aguda idiopática;
● Artrite reumatoide;
● Esclerodermia;
● Asbestose;
● Induzida por drogas;
● Pneumonite actínica (radioterapia).

Infeccioso: Pneumonias atípicas;


Pneumocistose.

Fig. 3: Infiltrado pulmonar intersticial difuso (reticulonodular).

Neoplásico: Linfoma BALT;


Em algumas doenças, os sintomas são mais graves do que poderia Linfangite carcinomatosa.
sugerir o infiltrado radiológico. Como exemplos, temos a fibrose
pulmonar idiopática, a esclerodermia e a silicose. Por outro lado,
algumas entidades cursam oligossintomáticas, apesar do achado de 2. Infiltrado nodular ou reticulonodular com predomínio dos 2/3
extensos infiltrados pulmonares, sendo exemplificadas pela sarcoidose, superiores (FIGURA 5).
pneumonites por hipersensibilidade, síndromes pulmonares eosinofílicas
e a pneumonite intersticial linfocítica. Estas últimas fazem diagnóstico
diferencial com o linfoma BALT (Bronchial Associated Lymphoid
Tissue) que também se inicia como uma doença oligossintomática.

*Padrão radiológico: o padrão radiológico pode limitar o número de


prováveis diagnósticos:

1. Infiltrado reticulonodular com predomínio nos lobos inferiores


(FIGURA 4).
Fig. 6: Infiltrado intersticial reticular com adenomegalia mediastinal
bilateral.
Fig. 5: Infiltrado intersticial nodular predominando nos 2/3 superiores.

Principais:
Principais:
● Sarcoidose;
● Sarcoidose;
● Silicose;
● Pneumonite por hipersensibilidade;
● Beriliose;
● Silicose;
● Induzida por fenitoína (pseudolinfoma).
● Histiocitose X.

Infeccioso: Tuberculose;
Infeccioso: Tuberculose;
Histoplasmose;
Histoplasmose;
Criptococose;
Paracoccidioidomicose (peri-
Paracoccidioidomicose (peri-
hilar).
hilar).

3. Infiltrado pulmonar associado à adenomegalia hilar ou mediastinal Neoplásico: Linfoma;


(FIGURA 6). Linfangite carcinomatosa;
Sarcoma de Kaposi.

4. Infiltrado pulmonar associado ao derrame pleural.

Principais:
● Artrite reumatoide;
● LES;
● Asbestose;
● Pneumonite actínica;
● Induzida por nitrofurantoína;
● Linfangioleiomiomatose.
*História ocupacional: as pneumoconioses tornam-se os primeiros
Infeccioso: Tuberculose; diagnósticos sugeridos em caso de uma história positiva de exposição à

Histoplasmose; sílica (silicose) e ao asbesto (asbestose). Indivíduos que trabalham ou


trabalharam com mineração de ouro, cobre ou estanho, com corte ou
Criptococose;
polimento de pedras, com jatos de areia e na indústria de sabões
Paracoccidioidomicose (peri- abrasivos estão sob risco de silicose. Aqueles que têm história prévia de
hilar). trabalhar na fabricação de telhas, tubulações, freios, roupas com
isolamento térmico, construção naval, os bombeiros encanadores e até
Neoplásico: Linfoma; os familiares de indivíduos expostos podem desenvolver asbestose. A
Linfangite carcinomatosa; exposição a poeiras orgânicas pode levar à pneumonite por
hipersensibilidade. Os principais exemplos são os fazendeiros que se
Sarcoma de Kaposi.
expõem aos esporos de actinomicetos presentes no feno (“pulmão do
fazendeiro”), os indivíduos que criam pássaros, expostos a proteínas
presentes nas penas ou excretas desses animais (“pulmão do criador de
5. Infiltrado pulmonar com áreas de condensação alveolar.
pássaros”) e aqueles que trabalham no conserto de aparelhos de ar-
condicionado, expostos a bactérias termofílicas.

Principais:
*História medicamentosa: as principais drogas supostamente
● BOOP;
incriminadas na PID são: nitrofurantoína, metotrexato, amiodarona,
● Síndromes hemorrágicas pulmonares. bleomicina, ciclofosfamida, bussulfan, procarbazina, nitrosureias,
fenitoína, sais de ouro e os AINE.

Infeccioso: Todos. *Presença de eosinofilia periférica: se a contagem de eosinófilos no


hemograma for maior que 500/mm³, deve-se pensar nas síndromes
pulmonares eosinofílicas, especialmente a pneumonia eosinofílica
Neoplásico: Carcinoma bronquíolo-
crônica, ou então, nas pneumonites por hipersensibilidade, na
alveolar.
aspergilose broncopulmonar alérgica, na pneumonite relacionada a
medicamentos, na síndrome de Loeffler, nas pneumonias eosinofílicas
idiopáticas e na angiite de Churg-Strauss.
6. Infiltrado pulmonar com predomínio periférico (“imagem negativa
do edema agudo de pulmão”).
INVESTIGAÇÃO CLÍNICA FINAL
● Pneumonia eosinofílica crônica. Se com toda essa investigação inicial não for possível se obter o
diagnóstico etiológico, deve-se proceder a outros exames. O diagnóstico
geralmente necessita do histopatológico. A Tomografia
*Sinais de doença sistêmica: diversas são as causas de PID que, na
Computadorizada de Alta Resolução (TCAR) deve ser sempre solicitada
verdade, são doenças multissistêmicas nas quais o pulmão é apenas um
nesse momento da investigação, não só pelo fato de ter um padrão
dos órgãos acometidos. A sarcoidose, por exemplo, pode cursar com
característico em determinadas doenças (ex.: granulomatose de células
lesões cutâneas na face, hipercalcemia, artrite, paralisia facial, diabetes
de Langerhans, linfangioleiomiomatose, pneumonite por
insipidus, etc. A artrite reumatoide, o LES, a esclerodermia, a
hipersensibilidade), mas principalmente por orientar mais precisamente
dermatopolimiosite, a doença mista do tecido conjuntivo e a síndrome
qual a melhor área do pulmão para ser biopsiada.
de Sjögren, cada uma destas colagenoses apresenta seus sinais e
sintomas característicos, bem como determinados achados sorológicos
(ex.: FAN positivo no LES e na esclerodermia, fator reumatoide na A Broncofibroscopia com lavado broncoalveolar (LBA) e biópsia
AR). A angiite de Churg-Strauss e a granulomatose de Wegner são transbrônquica pode esclarecer alguns diagnósticos, mas não todos...
vasculites multissistêmicas que com frequência acometem o pulmão. Um LBA eosinofílico indica uma síndrome pulmonar eosinofílica. Um
LBA linfocítico sugere sarcoidose, síndrome de Sjögren, pneumonite
intersticial linfocítica, granulomatose linfomatoide ou linfoma BALT. A
biópsia transbrônquica é o exame de maior acurácia para o diagnóstico
da sarcoidose (sensibilidade = 90%).

Nos casos restantes, o diagnóstico deve ser obtido pela biópsia pulmonar
a céu aberto ou guiada pela videotoracoscopia. Doenças como a fibrose
pulmonar idiopática, a pneumonite intersticial descamativa e a BOOP
só podem ser diagnosticadas dessa maneira.
Vale dizer que hoje já está bem estabelecido que, para a maioria das Devemos excluir outras doenças que podem provocar alterações
pneumopatias intersticiais difusas, avaliações objetivas da capacidade semelhantes, como LES, artrite reumatoide, esclerodermia e asbestose.
funcional do paciente (ex.: medida da SpO2 durante esforço, protocolos O que pode trazer confusão é a positividade do FAN, presente em 20%
específicos de testes cardiopulmonares, como o “TC6” – teste da dos casos de FPI. O esclarecimento diagnóstico em casos duvidosos
caminhada em seis minutos) fornecem importantes parâmetros (aspecto tomográfico “não definitivo” de FPI) envolve a realização de
prognósticos, além de permitirem o acompanhamento evolutivo da uma biópsia pulmonar a céu aberto ou guiada por toracoscopia. O
doença e sua resposta ao tratamento. padrão histopatológico esperado denomina-se pneumonite intersticial
usual (UIP), que se caracteriza pela presença, numa mesma amostra
tecidual, de três padrões concomitantes (aspecto em “colcha de
PRINCIPAIS DOENÇAS retalhos”): (1) alveolite mononuclear; (2) fibrose alveolar; e (3) áreas de
faveolamento. Os tecidos brônquico e vascular são poupados.

FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA (FPI)


O tratamento traz pouco ou nenhum ganho para a maioria dos
pacientes, que acabam evoluindo inexoravelmente para insuficiência
É uma importante causa de PID, acometendo pacientes entre 40-60
respiratória terminal em 3-8 anos (sobrevida média em cinco anos de
anos, sem preferência de sexo. O tabagismo é um fator de risco leve. Os
30-50%). Assim, apenas uma conduta paliativa pode ser adotada (ex.:
sintomas iniciais são a dispneia aos esforços de instalação insidiosa (ao
fisioterapia respiratória, controle da tosse, suporte de O2, paliação da
longo de anos ou meses), associada à tosse seca. Apenas alguns
pacientes apresentam sintomas constitucionais. O exame físico revela dispneia e abordagem das comorbidades)... O transplante pulmonar
classicamente os estertores crepitantes (teleinspiratórios em velcro) no pode ser considerado de forma precoce em pacientes que não possuem
terço inferior dos campos pulmonares. O baqueteamento digital pode múltiplas doenças associadas! Muitos autores agora preconizam a
estar presente em 40-50% dos casos. Este achado, entretanto, pode ser utilização de N-acetilcisteína (600 mg VO 3x ao dia) por conta de seus
encontrado nas formas graves de outras PIDs, como nas efeitos antioxidantes, mas não existem evidências consistentes de que
pneumoconioses e colagenoses. A radiografia de tórax tipicamente esta medicação altere a sobrevida ou a qualidade de vida do paciente. A
mostra um infiltrado reticular ou reticulonodular bilateral de pirfenidona (40 mg/kg/dia VO dividido em três doses), um agente
predomínio nas bases. Nas fases mais avançadas pode-se perceber “antifibrosante”, pode ser usada no lugar da N-acetilcisteína em
diversas áreas de faveolamento pulmonar, marcadas pela presença de monoterapia, quando disponível.
múltiplos cistos medindo de 0,5 a 1 cm.

É importante ter em mente que o uso de glicocorticoides (ex.:


A TCAR é fundamental para avaliarmos a extensão do
prednisona), associado ou não aos imunossupressores (ex.:
comprometimento pulmonar e a fase da doença, além de ser suficiente
ciclofosfamida), até pouco tempo atrás representava a terapia
para confirmar o diagnóstico em casos típicos (sem necessidade de
de escolha para pacientes com sinais de alveolite ativa nos
biópsia – ver Tabela adiante). A presença de múltiplas áreas com exames de imagem (ex.: infiltrado em vidro fosco). A base
aspecto de vidro fosco significa uma fase mais precoce, em que racional dessa estratégia seriam seus potenciais efeitos anti-
predomina o processo de alveolite e exsudato mononuclear. As inflamatórios... Contudo, não existem evidências de que tais
alterações tendem a predominar nas regiões subpleurais e parasseptais drogas sejam efetivamente benéficas na FPI, pelo contrário:
(um padrão “peribroncovascular” fala contra o diagnóstico de FPI). O viu-se que o grande número de efeitos adversos relacionados
faveolamento significa fase avançada... É interessante ressaltar que, no ao seu uso prolongado parece aumentar a morbimortalidade
mesmo paciente, é esperado encontrarmos áreas de vidro fosco e áreas sem melhorar a função pulmonar, o que levou as diretrizes
de faveolamento entremeadas com áreas de aspecto normal. atuais a se posicionarem CONTRA O SEU EMPREGO!!! Vale
dizer que a todo portador de FPI deve ser oferecida a
possibilidade de participar em ensaios clínicos experimentais
Padrão “definitivo” de FPI na TCAR (todos os quatro com drogas novas.

presentes)

1. Predominância basal e subpleural.

2. Alterações reticulares.

3. Faveolamento, com ou sem bronquiectasias de tração.

4. Ausência de achados “inconsistentes” (ex.: predomínio em


terço médio ou superior, acometimento peribroncovascular,
micronódulos difusos, cistos, consolidações, etc.).
Fig. 7: FPI na TCAR – infiltrado em “vidro fosco” ou “vidro moído”,
sugestivo de alveolite.

Fig. 9: FPI no RX – faveolamento visto na radiografia simples de tórax.

PNEUMONITE INTERSTICIAL DESCAMATIVA


(DIP)

Esta entidade era considerada uma variante da fibrose pulmonar


idiopática, porém trata-se de uma doença à parte e que apresenta
Fig. 8: FPI na TCAR – faveolamento – fibrose avançada e destruição
pulmonar. extrema associação com o tabagismo. É menos comum que a FPI, mas
acomete a mesma faixa etária. O grande marco histopatológico da
doença é o extenso acúmulo de macrófagos no espaço alveolar
(exsudato mononuclear macrofágico) associado a pouca fibrose
parenquimatosa. O quadro clinicorradiológico é semelhante ao da FPI,
mas o prognóstico é muito melhor. A sobrevida média em dez anos
excede 70% e geralmente há resposta à abstinência ao tabaco e aos
corticosteroides sistêmicos.

PNEUMONITE INTERSTICIAL AGUDA


(SÍNDROME DE HAMMAN-RICH)

Trata-se de uma rara doença, marcada por um grave comprometimento


alveolar agudo, levando rapidamente à insuficiência respiratória e à
necessidade de ventilação mecânica. O quadro é semelhante à SDRA
(Síndrome da Angústia Respiratória Aguda), incluindo o grave
distúrbio da troca gasosa, necessitando de PEEP e FiO2 altos para que
se mantenha uma saturação de oxigênio adequada no sangue arterial.
Um pródromo de 7-14 dias é comum, representado por um quadro
viral, evoluindo para febre, tosse e dispneia franca. A radiografia mostra
infiltrado alveolar bilateral difuso – o mesmo padrão da SDRA. A
mortalidade é alta (> 60%), mas os 40% restantes que não morrem
podem recuperar significativamente a função pulmonar.

SARCOIDOSE
Dada a sua importância didática, esta doença será abordada em um
capítulo à parte.

SILICOSE

A exposição à poeira de sílica (dióxido de silício), o elemento mais


abundante na crosta terrestre, sob a forma de quartzo, leva à forma mais
comum de pneumoconiose existente no Brasil e no mundo.
Pneumoconiose é o termo dado às pneumopatias causadas pela
exposição a poeiras inorgânicas e como exemplos principais temos a
silicose, a pneumoconiose dos mineiros de carvão, a asbestose, a
baritose (sulfato de bário), a siderose (óxido de ferro) e a estanose
(óxido de estanho), a talcose (poeira de talco) e a beriliose. No Brasil, a
exposição à poeira de sílica ocorre nas seguintes atividades laborativas –
Tabela a seguir.

Fig. 10: Silicose crônica simples. Infiltrado micronodular nos 2/3


Atividades de Risco para Silicose no Brasil superiores.

1. Indústria extrativa: mineração subterrânea e de


superfície.

2. Beneficiamento de minerais: corte de pedras, britagem,


moagem e lapidação.

3. Indústria de transformação: cerâmicas, fundições,


vidros, abrasivos, marmorarias, cortes e polimento de
granito e cosméticos.

4. Atividades mistas: protéticos, cavadores de poços,


artistas plásticos, jateadores de areia e borracheiros.

Os jateadores de areia são os indivíduos expostos a maior quantidade de


poeira de sílica e são aqueles que fazem as formas mais graves de
silicose.

A forma mais comum é a silicose crônica simples – FIGURA 10, com


mais de 10 anos de exposição (em média 20-30 anos). A fase inicial do
Fig. 11: Silicose crônica complicada. Massas conglomeradas de
processo é marcada pela presença de múltiplos nódulos pulmonares fibrose.
(com menos de 1 cm), levando à formação de um infiltrado nodular
difuso predominando nos 2/3 superiores. Estes são os nódulos
silicóticos da silicose simples ou clássica. O histopatológico do nódulo
revela um centro acelular, com material hialino e fibrótico, contendo A silicose crônica simples muitas vezes é assintomática, sendo
partículas de sílica, que podem ser demonstradas pela microscopia com descoberta por uma radiografia de tórax ocasional. Pode evoluir a
luz polarizada, envolvida por um infiltrado mononuclear. O processo qualquer momento para um quadro sintomático. Surge dispneia
pode evoluir para a forma mais grave – a silicose crônica complicada – progressiva aos esforços, tosse seca, com poucos ou nenhum sintoma

FIGURA 11, na qual ocorre fibrose maciça, marcada pela formação de constitucional. Raramente, nota-se adenomegalia hilar na radiografia.

conglomerados com diâmetro acima de 1 cm que vão coalescendo e se Esporadicamente, há calcificação dos linfonodos hilares, do tipo “casca

tornando grandes massas de fibrose, predominando nos lobos de ovo”. Curiosamente, o risco de tuberculose pulmonar está bastante

superiores. Os lobos inferiores podem apresentar hiperinsuflação aumentado!!! A associação silicose + tuberculose é chamada

compensatória. silicotuberculose. Portanto, a presença de sintomas constitucionais deve


levar à suspeita deste diagnóstico. A presença de nódulos reumatoides
associados à silicose define o diagnóstico da síndrome de Caplan.

O tratamento é de suporte. Mesmo após a parada da exposição, a


doença tende a progredir com um prognóstico bastante sombrio,
indicando, por vezes, o transplante de pulmão. A resposta ao corticoide
é precária.
A silicose aguda é um quadro muito mais grave. Caracteriza-se por um O mesotelioma pleural é um tumor maligno muito raro e, quando
quadro respiratório de início subagudo que começa de meses a cinco encontrado na prática médica, quase sempre está relacionado com a
anos após a exposição à grande quantidade de poeira de sílica exposição prolongada ao asbesto. O tumor geralmente se manifesta 30-
(jateadores de areia). O paciente evolui para insuficiência respiratória e 35 anos após essa exposição, surgindo com o paciente na faixa etária
a radiografia mostra infiltrado alveolar bilateral, com predomínio nas entre 60-70 anos. O sintoma principal é a dor torácica não pleurítica
bases. A maioria evolui para óbito. O histopatológico revela um padrão (60-70% dos casos). A dispneia e a tosse seca ocorrem em 25 e 20%,
idêntico ao da proteinose alveolar – preenchimento dos alvéolos por respectivamente. O que encontramos na radiografia de tórax? O achado
material proteináceo semelhante ao surfactante pulmonar – é a mais comum é o derrame pleural unilateral de grande monta, um pouco
silicoproteinose. Existe uma forma intermediária de apresentação clínica mais comum no lado direito. Entretanto, alguns pacientes podem
– a silicose acelerada, ocorrendo após a exposição entre 5-10 anos. apresentar massas pleurais, espessamento pleural difuso que pode
acometer as cisuras interlobares. Nos casos mais avançados, o pulmão é
Vale ressaltar que a profilaxia é fundamental, já que não há tratamento encarcerado pela pleura neoplásica, reduzindo o seu volume. O tumor
adequado, além do transplante de pulmão. Os trabalhadores devem se costuma metastatizar localmente, atingindo a parede torácica
proteger utilizando máscaras apropriadas, mas só isso não é suficiente. (destruindo costelas e promovendo retrações), o pericárdio, levando ao
Estes dispositivos apenas reduzem, mas não impedem a exposição. aumento da área cardíaca e o diafragma, porta de entrada para a
Outros recursos devem ser utilizados, como substituição dos abrasivos, invasão peritoneal e abdominal. O paciente geralmente tem os primeiros
ventilação do local, períodos de afastamento do operário, técnicas de sintomas quando a doença já está avançada e a sobrevida média é de 6-
engenharia para reduzir a concentração de poeira de sílica no ambiente 18 meses, pouco influenciada pelo tratamento. Como confirmar o
de trabalho, entre outros. diagnóstico? O exame indicado é a biópsia pleural aberta, guiada pela
toracotomia ou pela videotoracoscopia (sensibilidade = 98%). A biópsia
fechada (às cegas) e a toracocentese confirmam o diagnóstico em apenas
ASBESTOSE 25 e 40% dos casos, respectivamente.

As fibras de asbesto ou amianto são utilizadas na indústria de materiais O risco de carcinoma broncogênico também está aumentado em cerca de
isolantes. A construção de prédios ou a sua demolição, a fabricação de cinco vezes. A associação entre exposição ao asbesto e tabagismo
telhas e tubulações, a fabricação de freios, a construção naval e a aumenta em 50 vezes a chance de Ca de pulmão!!!
profissão de bombeiros encanadores podem trazer uma exposição
suficiente para causar a doença. Uma exposição por mais de quinze
anos geralmente é necessária. Os familiares de indivíduos expostos ao
asbesto em seu trabalho podem inalar as fibras presentes em suas
roupas.

A doença evolui de forma insidiosa, com sinais e sintomas muito


semelhantes aos da FPI. A radiografia de tórax mostra um infiltrado
reticular ou reticulonodular predominando nos lobos inferiores. Um
achado característico é a presença de placas de calcificação pleural ou
espessamento pleural. O mesotelioma pleural é um tumor maligno
altamente ligado à exposição ao asbesto. O diagnóstico é feito pelo
quadro clinicorradiológico compatível, associado à história de
exposição. Na dúvida, a biópsia pulmonar revela os corpúsculos de
asbesto, quando examinada pela microscopia de luz polarizada. O
tratamento é apenas a parada da exposição e o suporte. A evolução é
variável desde um quadro estável até a rápida progressão para
insuficiência respiratória, necessitando do transplante pulmonar.
Fig. 12: Asbestose. Infiltrado reticular bibasal. Observe a presença de
placas de cálcio na pleura mediastinal direita e um espessamento
pleural à direita.

BERILIOSE
A exposição ao berílio, um metal utilizado em indústria de alta A bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP) é
tecnologia, na fabricação de lâmpadas fluorescentes e de armas uma entidade que sempre deve ser considerada como diagnóstico
nucleares, pode levar a uma reação de hipersensibilidade do tipo diferencial nos pacientes que apresentam um quadro febril e
granulomatosa, levando a um quadro muito semelhante ao da constitucional arrastado, associado a infiltrado pulmonar bilateral. O
sarcoidose ou da pneumonite por hipersensibilidade (adiante). Surge quadro pode se confundir com a tuberculose e até mesmo com uma
um infiltrado pulmonar difuso reticulonodular ou nodular e, pneumonia atípica. A radiografia de tórax revela infiltrado intersticial e
frequentemente, adenomegalia hilar bilateral. A sensibilidade aos sais de alveolar bilateral, com áreas de condensação. Alguns infiltrados podem
berílio deve ser confirmada para o diagnóstico, através do teste de ser migratórios. O padrão da TCAR é sugestivo: opacidades do tipo
transformação linfocitária ao berílio. O tratamento, além da parada da vidro fosco entremeadas a áreas de consolidação pulmonar e infiltrados
exposição ao agente, inclui o uso de corticoides sistêmicos nos casos nodulares. O diagnóstico deve ser preferencialmente confirmado pela
muito sintomáticos. Outros casos de pneumonite intersticial por biópsia pulmonar a céu aberto (ou videotoracoscópica), que mostra o
hipersensibilidade a metais pesados são: dióxido de titânio, pó de característico padrão de preenchimento alveolar por um tecido fibroso
alumínio, cromo, cobalto, tungstênio. de granulação (pneumonia organizada) associado à obliteração
bronquiolar pelo mesmo tecido. O diagnóstico presuntivo sem biópsia
pulmonar pode ser aceito em pacientes com alta probabilidade clínica
PNEUMONITES POR HIPERSENSIBILIDADE de BOOP e boa resposta à corticoterapia empírica... O tratamento é
feito com corticoide sistêmico (prednisona), havendo boa resposta. Vale
A exposição continuada a determinados agentes orgânicos (fungos, dizer que as recidivas são comuns, o que requer corticoterapia
bactérias termofílicas, proteínas animais) ou inorgânicos (isocianatos) prolongada (e maior probabilidade de efeitos adversos do tratamento).
pode propiciar uma alveolite granulomatosa por uma reação de
hipersensibilidade do tipo III (dependente de imunocomplexos) e IV
(tardia, mediada por linfócitos T helper). A exposição aguda a esses
agentes pode levar à febre, mal-estar, tosse e dispneia após cerca de 6-8h,
melhorando em alguns dias. A forma subaguda da doença necessita de
uma exposição mais prolongada, podendo evoluir para uma síndrome
febril associada à dispneia grave, com necessidade de hospitalização. A
recuperação pulmonar pode ou não ser completa nesses casos. A forma
crônica é a que mais se parece com a PID, evoluindo insidiosamente
com dispneia aos esforços, tosse e períodos de febre ou exacerbação do
quadro, após novas e repetidas exposições ao agente antigênico.
Curiosamente, o tabagismo reduz a chance de um indivíduo desenvolver
pneumonite por hipersensibilidade, por abrandar a resposta
imunológica alveolar.

Deve-se sempre suspeitar de pneumonite por hipersensibilidade quando


a história profissional ou de determinados hobbies de vida são
compatíveis com a exposição a um determinado antígeno. Os principais Fig. 13: BOOP no RX. Observe o infiltrado em “vidro fosco” nas bases.
exemplos são: cana de açúcar (bagaçose), fazendeiros que se expõem ao
feno (“pulmão do fazendeiro”), criadores que ficam expostos às excretas
ou penas de pássaros (“pulmão do criador de pássaros”), exposição à
água de ares-condicionados (“pulmão do ar-condicionado”) ou de saunas
(“pulmão da sauna”). Diversos são os fungos que habitam esses locais,
entre eles os actinomicetos termofílicos, bem como determinadas
bactérias termofílicas. O pulmão do trabalhador químico é referente à
hipersensibilidade aos isocianatos.

O padrão radiológico pode ser um infiltrado reticulonodular ou nodular


difuso bilateral. Eventualmente, predomina nos 2/3 superiores, como na
sarcoidose e silicose. O padrão da TCAR pode ser sugestivo: infiltrado
nodular broncocêntrico. Na dúvida diagnóstica, a biópsia
transbrônquica revela a presença de nódulos granulomatosos, bastante
sugestivos da doença. O tratamento é o afastamento da atividade que
contém a fonte antigênica ou o cuidado através do uso de máscaras. Os
corticoides sistêmicos são indicados nos quadros mais sintomáticos, a
fim de acelerar sua resolução. O prognóstico é bom, contanto que a
exposição continuada seja interrompida.
Fig. 14: BOOP na TCAR. Observe áreas de alveolite peribrônquicas e
periféricas.
BOOP
Esta doença ocorre em uma faixa etária precoce, iniciando os seus
SÍNDROMES PULMONARES EOSINOFÍLICAS
sintomas entre 20-30 anos de idade. A associação com o tabagismo é
quase universal (> 90%). A doença predomina no sexo masculino. Deve-
São definidas como doenças que cursam com um infiltrado eosinofílico
se suspeitar deste diagnóstico quando o quadro clínico de uma PID
pulmonar, associado ou não à eosinofilia periférica. As entidades de
lentamente progressiva é marcado por episódios de pneumotórax
etiologia conhecida são: (1) aspergilose broncopulmonar alérgica; (2)
recorrente e hemoptise. A radiografia de tórax tem um padrão de
hipersensibilidade a drogas – exemplificada pela reação ao antibiótico
infiltrado reticulonodular predominando nos 2/3 superiores e com
nitrofurantoína; (3) infestações parasitárias agudas – síndrome de
múltiplos cistos de 0,5-1 cm. A TCAR tem um padrão característico
Loeffler – ou crônicas – pneumonia eosinofílica tropical. As entidades
(mas não patognomônico), mostrando bem estes cistos nos lobos
de etiologia desconhecida são: (1) síndrome de Loeffler idiopática; (2)
superiores. A rotura de um desses cistos é responsável pelo pneumotórax
pneumonia eosinofílica aguda; (3) pneumonia eosinofílica crônica; (4)
de repetição. Em uma pequena percentagem de casos, há cistos ósseos
síndrome hipereosinofílica; (5) angiite granulomatosa de Churg-Strauss.
(lesões líticas), especialmente nas costelas. O diabetes insipidus é uma
complicação descrita (tal como na sarcoidose). O padrão da
A aspergilose broncopulmonar alérgica caracteriza-se pela presença de espirometria é do tipo misto (restritivo e obstrutivo) e está associado à
infiltrados pulmonares transitórios, com predomínio nos lobos hiperinsuflação pulmonar. O diagnóstico é pela biópsia a céu aberto ou
superiores, bronquiectasias centrais e asma brônquica alérgica devido à toracoscópica-guiada. O infiltrado parenquimatoso é
hipersensibilidade aos antígenos do Aspergillus fumigatus. O diagnóstico caracteristicamente granulomatoso. O achado patognomônico é a
é confirmado pelo teste intradérmico e a dosagem das precipitinas anti- presença de células contendo os grânulos de Birbeck (que caracterizam
Aspergillus. O IgE plasmático total está quase sempre elevado e a asma as células de Langerhans), visíveis apenas na microscopia eletrônica. O
costuma ser grave e refratária. O tratamento é com corticoide sistêmico tratamento é a abstinência ao tabaco, levando a melhora clínica em boa
(prednisona). parte dos casos. Em outros, há um curso progressivo para insuficiência
respiratória ao longo dos anos.
A síndrome de Loeffler é caracterizada pela presença de infiltrados
migratórios em ambos os pulmões, eosinofilia periférica e ausência ou
presença de poucos sintomas. Trata-se de uma doença autolimitada e
que geralmente está associada ao ciclo larvário pulmonar de alguns
helmintos (Ascaris lumbricoides, Strongyloides stercoralis, Necator
americanus, Ancylostoma duodenale). A pneumonia eosinofílica aguda
manifesta-se como um quadro agudo de pneumonia, com febre alta,
tosse e infiltrado pulmonar. A presença de eosinofilia periférica e a não
resposta a antibióticos chama atenção para o diagnóstico. O tratamento
de escolha é o corticoide sistêmico (prednisona).

A pneumonia eosinofílica crônica é uma entidade que se encaixa mais no


grupo das PIDs. O quadro clínico é marcado por sintomas
constitucionais, incluindo febre alta, sudorese noturna, anorexia e perda
ponderal (semelhante à BOOP), e sintomas pulmonares, como a tosse.
A radiografia de tórax apresenta o clássico padrão de infiltrado na Fig. 15: Histiocitose X na TCAR. Observe múltiplos cistos e o infiltrado
intersticial.
periferia dos campos pulmonares (a imagem negativa do edema agudo
de pulmão). A eosinofilia periférica está presente em 70% dos casos. A
resposta ao corticoide sistêmico (prednisona) é dramática, ocorrendo
melhora importante dos sintomas após 48h. A ausência de resposta
praticamente afasta o diagnóstico.
LINFANGIOLEIOMIOMATOSE
A síndrome hipereosinofílica e a angiite de Churg-Strauss, na verdade,
são doenças multissistêmicas que acometem também o pulmão. A É uma rara doença de mulheres jovens, em fase menstrual, caracterizada
primeira é definida pela presença de eosinofilia periférica > 1.500/mm³ por um infiltrado pulmonar de células musculares lisas, predominando
por mais de seis meses, associada à lesão orgânica, especialmente o na região peribrônquica e perivascular. A formação de múltiplos cistos
coração (cardiomiopatia restritiva), o pulmão (pneumonite eosinofílica), leva ao pneumotórax espontâneo recorrente e o comprometimento
o sistema reticuloendotelial (hepatoesplenomegalia) e o sistema nervoso pleural é muito frequente (às vezes o único), manifestando-se como
(neuropatia). A angiite de Churg-Strauss é uma vasculite sistêmica que derrame pleural (geralmente quiloso – isto é, rico em triglicerídeos –,
se manifesta com sintomas constitucionais, mononeurite múltipla, pois é comum a associação com obstrução do ducto torácico). O padrão
infiltrados pulmonares associados à asma brônquica refratária, à da espirometria é semelhante ao da histiocitose X, havendo também
diarreia e à miocardite aguda. A eosinofilia periférica também é um hiperinsuflação pulmonar. O diagnóstico deve ser confirmado pela
importante critério clínico desta vasculite. biópsia. A evolução mais frequente é a progressão para insuficiência
respiratória em dez anos. O tratamento é essencialmente de suporte,
necessitando de transplante pulmonar quando o VEF1 cai abaixo de
GRANULOMATOSE DE CÉLULAS DE 30%. Gravidez e medicações contendo estrogênio devem ser evitadas.
LANGERHANS (ANTIGA “HISTIOCITOSE X”)
SÍNDROMES HEMORRÁGICAS PULMONARES PNEUMONITES LINFOCÍTICAS E LINFOMAS

Aqui se consideram duas entidades: (1) síndrome de Goodpasture; (2) Uma causa rara de PID, a pneumonite intersticial linfocítica está
hemossiderose pulmonar idiopática. A primeira é uma doença frequentemente associada a outras doenças, como a aids (geralmente em
autoimune, marcada pela presença de anticorpos antimembrana basal crianças), a hipogamaglobulinemia e a síndrome de Sjögren. Pode ser
alveolar e glomerular. A doença apresenta-se como uma síndrome idiopática. A evolução pode ser para piora progressiva, estabilização ou
pulmão-rim recorrente, com dispneia, hemoptise franca e resposta ao corticoide sistêmico. A granulomatose linfomatoide é, na
glomerulonefrite com insuficiência renal aguda. A anemia ferropriva é verdade, um linfoma de células T angiocêntrico, promovendo um
bastante comum. A doença acomete mais indivíduos jovens do sexo infiltrado granulomatoso no pulmão, pele e sistema nervoso central. O
masculino, e deve ser diferenciada das vasculites que cursam com linfoma BALT deve sempre ser considerado no diagnóstico diferencial
hemoptise e glomerulite, da pneumonite lúpica e da leptospirose. O com as PIDs. Caracteriza-se por um quadro oligossintomático
diagnóstico é feito pela biópsia renal, utilizando-se a associado a um infiltrado misto difuso bilateral. A adenomegalia hilar e
imunofluorescência. O tratamento é com plasmaferese, corticoides e mediastinal são incomuns neste tipo de linfoma. Trata-se de um linfoma
imunossupressores sistêmicos. A hemossiderose pulmonar idiopática é de células B de baixo grau de malignidade e boa resposta à
uma doença mais branda que a primeira, manifestando-se com quimioterapia.
hemoptises recorrentes e infiltrados alveolares bilaterais predominando
na faixa etária pediátrica ou adolescente. A anemia ferropriva está
quase sempre presente. A hepatoesplenomegalia ocorre em 20% dos
casos. Ao longo dos anos, o paciente evolui com um infiltrado
intersticial permanente, associado à fibrose progressiva do parênquima.
Os corticoides sistêmicos não interferem na história natural da doença.

PROTEINOSE ALVEOLAR

Rara entidade, geralmente associada a outras doenças, como leucemias,


pneumoconioses, exposição a solventes. O paciente apresenta crises de
tosse, eliminando grande quantidade de um líquido proteináceo. A
radiografia de tórax mostra condensação alveolar com predomínio nas
bases e a biópsia transbrônquica confirma o diagnóstico, mostrando a
ocupação alveolar por um material lipoproteináceo PAS positivo. O
tratamento é a lavagem broncoalveolar maciça. A doença pode
estabilizar ou evoluir progressivamente como uma PID. Algumas
infecções pulmonares oportunísticas são frequentes nestes pacientes,
especialmente a nocardiose (Nocardia asteroides), a tuberculose, a
pneumocistose, a citomegalovirose e as micoses pulmonares.

4
Apêndice SARCOIDOSE

A sarcoidose (doença de Besnier-Boeck-Schaumann) é uma doença


inflamatória crônica de causa desconhecida que se caracteriza pelo
acúmulo de linfócitos e macrófagos em diversos órgãos, de modo a
formar granulomas não caseosos que promovem desarranjos teciduais.
Seu nome deriva de uma confusão histórica com o sarcoma de pele, pois
no século XIX, quando a doença foi descrita, acreditava-se que a
sarcoidose fosse uma forma benigna dessa neoplasia extremamente
agressiva...

O pulmão é o órgão mais afetado (> 90% dos casos – FIGURA 1), porém
qualquer parte do corpo pode ser atingida, particularmente a pele, os
olhos, linfonodos e o fígado.
Pelo fato de frequentemente acometer os pulmões, a pele e os olhos
(áreas expostas), acredita-se que a doença possa ser causada por algum
agente ambiental – infeccioso ou não – que seja transmissível pelo ar...
Diversos estudos associaram a ocorrência de sarcoidose com exposição
a inseticidas e ambientes contaminados por fungos (bolores).
Trabalhadores da construção civil e bombeiros possuem risco
aumentado de desenvolver a doença. Um dado interessante é que houve
um “surto” de sarcoidose nos indivíduos que participaram do resgate às
vítimas do 11 de setembro de 2001 (atentado ao World Trade Center)!!!

Múltiplas evidências também sugerem uma etiologia infecciosa... Já foi


demonstrada forte associação com o Propionobacterium acnes, uma vez
que o DNA desse germe pode ser recuperado, pela técnica de PCR, no
tecido ganglionar de grande número de casos. Em outros pacientes, por
sua vez, é possível demonstrar a presença isolada de antígenos
micobacterianos no interior dos granulomas sarcoides (como a proteína
KatG, que é extremamente resistente à degradação), assim como altos
títulos de anticorpos contra tais proteínas, no soro desses pacientes.

SAIBA MAIS... A síndrome de Blau.


Fig. 1: Adenopatia hilar bilateral simétrica da sarcoidose. Como a sarcoidose é rara na faixa etária pediátrica, temos que
desconfiar desse diagnóstico... Uma doença que deve ser excluída
em crianças é a recém-descrita síndrome de Blau, também
chamada de granulomatose sistêmica juvenil familiar. Tal entidade
Cerca de 50% dos pacientes apresentam doença autolimitada, com igualmente se caracteriza por infiltração granulomatosa na pele e
remissão espontânea após 2-5 anos, e nestes o tratamento nem sempre nos olhos, com destaque para o envolvimento osteoarticular (artrite
se faz necessário... Por outro lado, no restante dos casos a evolução granulomatosa). Todavia, ao contrário da sarcoidose, na síndrome
tende a ser crônica e pode levar à destruição orgânica irreversível! Os de Blau não ocorre lesão pulmonar, e o teste de Kveim-Siltzbach é
corticoides ainda são a base da terapêutica. negativo (ver adiante). Já foi identificada a mutação responsável
pela síndrome, e esta envolve a proteína CARD15, a mesma que
está alterada em muitos portadores da doença de Crohn (outra
EPIDEMIOLOGIA
forma de doença granulomatosa crônica). A CARD15 participa da
regulação da imunidade inata, mas não está alterada na
A sarcoidose é vista no mundo inteiro, mas por motivos desconhecidos sarcoidose...
predomina nas populações nórdicas. Só pra você ter uma ideia, sua
prevalência global é estimada em 20-60 casos por 100.000 habitantes,
enquanto em países como a Suécia o risco de desenvolver a doença em Como você já deve ter deduzido, o que se propõe hoje em dia é que a
algum momento da vida pode chegar a 3%! A maioria dos casos é sarcoidose seja na verdade o resultado de uma reação imunológica
esporádica, porém em até 5% das vezes há relato de outros casos na anômala, estereotipada, a qual pode surgir contra uma série de
família (sarcoidose familiar). As mulheres parecem ser mais suscetíveis antígenos diferentes, desde que o indivíduo seja geneticamente
do que os homens, e a faixa etária mais afetada gira em torno dos 20-40 predisposto. Logo, talvez existam vários agentes etiológicos para a
anos de idade (adultos jovens). Atualmente se reconhece um segundo sarcoidose, e não apenas um único agente misterioso...
pico de incidência, por volta dos 60 anos, e vale a pena ressaltar ainda
que a doença é bastante rara em crianças e adolescentes... Contrariando
PATOLOGIA
a lógica das principais formas de lesão pulmonar, a sarcoidose é menos
frequente em fumantes do que em não fumantes!!!

Curiosamente, as manifestações da sarcoidose são influenciadas pela


raça. Sabemos que os negros têm doença pulmonar e cutânea mais grave
que os brancos, e os japoneses apresentam incidências muito
aumentadas de sarcoidose ocular (> 70% versus 30% em ocidentais) e
cardíaca (25% versus 5%). A neurossarcoidose é uma exceção, sendo sua
incidência semelhante em todos os grupos étnicos (por volta de 5-10%).

ETIOLOGIA
O grande marco histopatológico da sarcoidose é o surgimento 1. Diante das explicações acima, fica fácil deduzir dois fenômenos
cumulativo de GRANULOMAS NÃO CASEOSOS nos diversos interessantes: (1) na SIDA avançada, a queda na contagem de
tecidos. Um granuloma (FIGURA 2) é uma estrutura compacta, linfócitos T CD4+ faz a sarcoidose regredir espontaneamente, ao
composta por um agregado central de macrófagos circundado por uma passo que quando o paciente recebe terapia antirretroviral, com
coroa de linfócitos T CD4+ (linfócitos T helper), e, às vezes, linfócitos recuperação dos níveis de CD4, a doença retorna, fazendo parte da
B. É comum a fusão das membranas dos macrófagos centrais, o que “síndrome de reconstituição imune”; (2) portadores de sarcoidose
origina as células gigantes multinucleadas tipicamente presentes nos infectados pelo vírus da hepatite C NÃO devem receber interferon-
granulomas. Macrófagos mais periféricos assumem um formato alfa como tratamento, pois esta citocina exógena estimularia a
“epitelioide”, originando as chamadas células em paliçada (“paliçada” é formação de granulomas, piorando – e muito – a doença
um tipo de cerca com estacas de madeira). É nítido que a intenção do granulomatosa de base...
organismo ao formar um granuloma é literalmente conter, “enjaular”
2. Se injetarmos tecido homogeneizado de um portador de sarcoidose
um antígeno estranho! Se o processo for persistente, fibroblastos
no subcutâneo de outro paciente com sarcoidose, ocorrerá uma
circundarão o conjunto descrito dando início à formação de uma
reação denominada Kveim-Siltzbach. Esta difere de uma reação de
cicatriz fibrótica que distorce os tecidos vizinhos. Caso contrário, os
hipersensibilidade cutânea tardia pelo fato de levar de quatro a seis
granulomas podem desaparecer sem deixar sequelas...
semanas para se desenvolver, persistindo por vários meses (a reação
de hipersensibilidade cutânea tardia surge em torno de 72h).
Todavia, é preciso ressaltar que a reação de Kveim-Siltzbach é pouco
utilizada na prática! O motivo é a inexistência de kits comerciais
para a realização do teste, o que faz com que os extratos de tecido
elaborados por cada laboratório individual não possuam
padronização adequada, comprometendo a reprodutibilidade do
exame... A imunidade humoral do portador de sarcoidose também se
encontra exacerbada, e podemos observar em alguns casos:

● Fator reumatoide circulante;

● Anticorpos antinucleares;

● Autoanticorpos contra linfócitos T.

Fig. 2: O granuloma sarcoide.


3. Se a doença for suprimida, espontaneamente ou pelo tratamento, o
número de granulomas diminui. A involução dos granulomas
determina a formação de cicatrizes fibróticas, que posteriormente
desaparecem.
O evento inicial na formação do granuloma é a interação entre uma ● Se a doença persistiu por curto tempo, e as alterações causadas
célula apresentadora de antígeno e o linfócito T CD4+. A partir desta
pelos granulomas não foram muito extensas, a tendência é que o
interação ocorre secreção de IL-2 e interferon-gama pelo linfócito, bem
órgão acometido retome suas funções normais.
como de TNF-alfa pela célula apresentadora de antígeno. Tais citocinas
atraem e ativam fagócitos mononucleares, os quais se acumulam em ● Se a doença foi mais duradoura, e as lesões foram suficientemente
torno do foco inicial. extensas, de modo que as células parenquimatosas restantes não
consigam restabelecer a arquitetura normal do tecido, o processo
fibrótico determina perda funcional irreversível do órgão
Agora entenda o seguinte conceito: a sarcoidose compromete os tecidos,
acometido.
porque os granulomas causam a distorção de suas arquiteturas (as quais
são vitais para suas funções). Se o número suficiente de unidades 4. É importante ressaltar que o granuloma sarcoidótico é idêntico,
funcionais de um órgão for atingido (isto é, dependendo da “carga” de morfológica e imunologicamente, aos granulomas gerados por outras
granulomas), a doença se torna clinicamente aparente. enfermidades, sendo, portanto, fundamental afastar outras doenças
granulomatosas antes de se firmar o diagnóstico de sarcoidose! É
É por isso que apesar dos estudos de necrópsia mostrarem que os obrigatório excluir: (1) micobacterioses, tanto a tuberculose quanto
portadores de sarcoidose possuem granulomas em quase todos os micobactérias “atípicas”; (2) infecções fúngicas; (3) neoplasias, em
órgãos (doença difusa), a expressão clínica só ocorre nos locais onde os especial as linfoproliferativas; (4) beriliose.
granulomas estão em maior número, particularmente naqueles em que a
arquitetura tecidual é fator decisivo para os processos fisiológicos – é o
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
caso dos pulmões e dos olhos... A pele e os linfonodos são outros locais
de grande repercussão clínica, não por perda de função, mas por serem
externamente visíveis (a sarcoidose cutânea pode ser desfigurante – ver
adiante). Órgãos como o fígado também costumam ter granulomas, mas
não em quantidades suficientes para alterar sua função...

OBSERVAÇÕES
A sarcoidose é uma doença multissistêmica, e como tal pode apresentar
sintomatologia variada, dependendo do paciente. Um aspecto marcante
é o fato de que os pulmões quase sempre estão envolvidos! Realmente, a
grande maioria dos pacientes se apresenta com queixas respiratórias,
sendo a tosse seca e a dispneia as principais!!! Infelizmente, por serem
achados inespecíficos, com frequência a doença não é reconhecida
quando de sua apresentação clínica, e em média demora até um ano
para que o diagnóstico seja feito. Quando a doença se inicia pela pele,
por outro lado, o diagnóstico de sarcoidose costuma ser dado em menos
tempo, geralmente nos primeiros seis meses...

FORMAS DE APRESENTAÇÃO

ASSINTOMÁTICA

A sarcoidose pode ser detectada em indivíduos assintomáticos,


comumente através de um RX de tórax de rotina. O achado clássico é a
adenopatia hilar bilateral simétrica, com ou sem infiltrado pulmonar
associado. Estima-se que até 1/3 dos portadores da doença sejam
assintomáticos.

AGUDA
Fig. 3: A síndrome de Heerfordt-Waldenström.
Em outros casos, a sarcoidose aparece com sinais e sintomas agudos,
com evolução de somente algumas semanas.

Os indivíduos neste grupo costumam apresentar sintomas gerais como


febre, astenia e anorexia, os quais podem ser extenuantes. São comuns
CRÔNICA
também os sintomas pulmonares, como tosse, dispneia e um vago
desconforto retroesternal.
A forma insidiosa da sarcoidose se arrasta ao longo de meses, em geral
se associando a queixas respiratórias, sendo menos frequente a presença
Foram identificadas duas síndromes básicas de sarcoidose aguda:
de sintomas gerais sistêmicos. Este é o tipo com maior probabilidade de
evolução para a cronicidade, induzindo lesão permanente dos pulmões e
outros órgãos.

COMPROMETIMENTO DE ÓRGÃOS
ESPECÍFICOS

PULMÕES

Mais de noventa por cento dos portadores de sarcoidose apresentam


RX de tórax anormal em algum momento de sua evolução!

Apesar da TC de tórax ser o método preferencial para avaliar as


pneumopatias intersticiais (por ser mais sensível), no caso da sarcoidose
ela não oferece grandes vantagens em relação ao RX simples.
A lesão primariamente encontrada é uma pneumonia intersticial, na qual
o processo inflamatório envolve os alvéolos, bronquíolos e pequenos
vasos sanguíneos. O infiltrado tipicamente se localiza nos lobos
superiores, o que não é muito comum quando se tratam de
pneumopatias não infecciosas... A presença de adenopatia hilar bilateral
simétrica é clássica, porém NÃO é 100% específica para sarcoidose!
Doenças mais graves – como infecções fúngicas e neoplasias, com
destaque para os linfomas e o carcinoma broncogênico – eventualmente
também respondem por tal padrão radiográfico...

Os principais sintomas pulmonares incluem dispneia, tosse seca e


desconforto retroesternal. A dispneia geralmente é decorrente de
comprometimento do parênquima, mas também pode resultar de
obstrução granulomatosa das vias aéreas superiores. Dispneia aguda,
secundária a um pneumotórax, costuma ocorrer em pacientes com
fibrose pulmonar avançada. Pode haver atelectasias, resultantes tanto da
granulomatose endobrônquica quanto da compressão por gânglios
hilares aumentados. A pleura está comprometida em até 5% dos casos,
quase sempre dando origem a derrames pleurais que se resolvem
lentamente, e podem causar espessamento pleural crônico. A hemoptise
é rara, mas pode ocorrer quando existem cavidades pulmonares Fig. 4A

infectadas por fungos (micetomas). Nesta situação existe inclusive o


risco de hemoptise maciça!!!

Cerca de 2/3 dos indivíduos apresentam critérios de pneumopatia


restritiva na prova de função pulmonar (redução dos volumes
pulmonares), e até metade dos pacientes também apresenta critérios de
distúrbio obstrutivo (VEF 1,0/CVF diminuída). A hipertensão arterial
pulmonar complica cerca de 5% dos casos, sendo uma consequência
tanto das alterações fibróticas pulmonares (com obliteração dos vasos
arteriais) quanto da própria infiltração desses vasos pelos granulomas
sarcoides...

VIAS AÉREAS SUPERIORES

A mucosa nasal está comprometida em 20% dos pacientes,


manifestando-se como obstrução nasal. Todas as estruturas orais
podem ser comprometidas, e pode haver rouquidão (sarcoidose
laríngea), sibilos e dispneia alta obstrutiva.

LINFONODOS

A adenopatia é muito característica da sarcoidose: os gânglios


intratorácicos estão aumentados em até 90% dos pacientes, Fig. 4B
principalmente os hilares (FIGURAS 4A e 4B). A adenopatia hilar é
geralmente bilateral e simétrica.

As adenopatias periféricas também são comuns, envolvendo


principalmente as cadeias cervicais, axilares e inguinais, mas em geral
nem são percebidas pelo paciente. Os gânglios são indolores à palpação,
não aderentes e não ulceram. A adenopatia raramente causa problema
para o indivíduo afetado, entretanto, se for maciça, pode ser
desfigurante e comprometer a função de vários órgãos por compressão.

PELE
A sarcoidose acomete a pele em cerca de um terço dos pacientes. As Granulomas da sarcoidose também podem se desenvolver em cicatrizes
lesões mais comuns são: cirúrgicas antigas e tatuagens. A sarcoidose cutânea raramente causa
maiores problemas, embora possa ser esteticamente desfigurante.
● Eritema nodoso;

● Erupções maculopapulosas; OLHOS


● Discromias;
O comprometimento dos olhos ocorre em cerca de 25% dos pacientes
● Nódulos subcutâneos;
com sarcoidose, e pode provocar cegueira. Em 65% dos casos se observa
● Lúpus pérnio (FIGURA 5). uveíte anterior, a principal manifestação. Sintomas comuns são
fotofobia, lacrimejamento e turvação visual. Pode haver síndrome de
O eritema nodoso, caracterizado por nódulos eritematosos e dolorosos ceratoconjuntivite seca quando as glândulas lacrimais forem afetadas
na superfície anterior das pernas, é típico da forma aguda da doença, pelos granulomas, e é mandatório que todo portador de sarcoidose seja
quando se combina com sintomas gerais sistêmicos, poliartralgias e submetido a uma avaliação oftalmológica cuidadosa...
uveíte (Löfgren). Tal lesão, na verdade, representa uma vasculite
subcutânea inespecífica que acompanha o processo patológico da Lembrar que o quadro de uveíte anterior, associado à parotidite e
sarcoidose aguda. paralisia facial periférica, define a síndrome de Heerfordt.

Granulomas sarcoídicos também ocorrem diretamente na pele,


MEDULA ÓSSEA E BAÇO
produzindo uma variedade de lesões maculares e papulares
assintomáticas. Podem aparecer erupções maculopapulares elevadas,
O comprometimento da medula óssea é descrito em até 40% dos casos,
com menos de 3 cm de diâmetro, e superfície plana e cérea. São comuns
mas raramente as alterações hematológicas vão além de uma discreta
na face, em torno dos olhos e nariz, no dorso e nas extremidades.
linfopenia (por sequestro dos linfócitos nas áreas de inflamação
tecidual). Embora a esplenomegalia ocorra em até 10% dos pacientes, a
As placas são lesões indolores, violáceas, frequentemente elevadas, e
síndrome de hiperesplenismo é incomum.
ocorrem em geral na face, região glútea e extremidades. Os nódulos
subcutâneos são muito comuns no tronco e nas extremidades.
MEDULA ÓSSEA E BAÇO
O lúpus pérnio (FIGURA 5) caracteriza-se por um complexo de lesões
endurecidas, azuladas e brilhantes, as quais se estendem pelo nariz, O comprometimento da medula óssea é descrito em até 40% dos casos,
bochechas, lábios e orelhas, com potencial para erodir ossos e mas raramente as alterações hematológicas vão além de uma discreta
cartilagens subjacentes. É mais comum em mulheres, e indica maior linfopenia (por sequestro dos linfócitos nas áreas de inflamação
risco de doença crônica e acometimento extratorácico. Em geral, a tecidual). Embora a esplenomegalia ocorra em até 10% dos pacientes, a
mucosa nasal também está comprometida. síndrome de hiperesplenismo é incomum.

PÂNCREAS, INTESTINO E FÍGADO

Embora a biópsia hepática revele o comprometimento deste órgão em


até 50% dos casos, somente em 20-30% observa-se alteração no
hepatograma, geralmente um aumento na fosfatase alcalina
(demonstrando a natureza obstrutiva da infiltração granulomatosa).
Manifestações intestinais, ou relacionadas ao comprometimento do
pâncreas, são ainda menos frequentes.

RINS

A ocorrência de granulomas renais é rara, e mesmo nestes casos eles


costumam ser assintomáticos. A morbidade renal da sarcoidose possui
outra explicação... Como os granulomas produzem vitamina D ativa
(por possuírem a enzima 25-hidroxivitamina D 1-alfa-hidroxilase), é
possível o surgimento de hipercalcemia (por aumento na absorção
intestinal de cálcio). Esta hipercalcemia pode levar à nefrocalcinose e/ou
à nefrolitíase de repetição. Assim, TODOS os portadores de sarcoidose
devem dosar a calcemia e coletar urina de 24h para medir a calciúria!
Fig. 5: Lúpus pérnio.

SISTEMA NERVOSO
Qualquer porção do sistema nervoso (central ou periférico) pode ser
alvo da sarcoidose, e cerca de 10% dos indivíduos apresentam sintomas
neurológicos. Tais sintomas, por ordem de frequência, incluem: (1)
paralisias de nervos cranianos, principalmente do sétimo par (facial); (2)
cefaleia; (3) ataxia; (4) disfunção cognitiva; (5) fraqueza e; (6)
convulsões. A mononeuropatia ou polineuropatia dos nervos periféricos
provoca perda sensorial, parestesias e fraqueza motora. Pode haver
meningite linfocítica de instalação insidiosa – a meningite sarcoide –
importante diagnóstico diferencial com a meningite por BK.
Granulomas dentro do parênquima cerebral podem produzir sintomas
de lesão expansiva, como cefaleias, convulsões ou deficit focais. O
diabetes insipidus (por lesão hipotalâmica) é uma manifestação clássica
da neurossarcoidose! Em geral o portador de neurossarcoidose também
apresenta lesões oftalmológicas, e a presença de lesões em órgãos à
distância ajuda a fortalecer o diagnóstico... A ressonância é útil para o
diagnóstico e acompanhamento, uma vez que o tratamento deve visar à
resolução completa das lesões observadas por este método de imagem.

GLÂNDULAS ENDÓCRINAS

O aumento da parótida é um aspecto clássico da sarcoidose, embora


seja clinicamente perceptível em apenas 10% dos casos (lembrar da
síndrome de Heerfordt). O comprometimento do córtex suprarrenal,
resultando em insuficiência glandular, tem sido descrito. Fig. 6

CORAÇÃO
● Pode haver osteoporose e formação de cistos (FIGURA 7).
Embora existam granulomas cardíacos em até 25% das necrópsias de
pacientes com sarcoidose, as manifestações clínicas são incomuns
(menos de 5% dos indivíduos – exceto, como já citado no início do
capítulo, nos pacientes japoneses, onde cerca de ¼ dos indivíduos
apresenta cardiopatia relacionada à doença). Quando ocorre
comprometimento cardíaco, este pode se manifestar de muitas formas:
bloqueios, arritmias, angina, aneurismas, derrame pericárdico e ICC. O
cor pulmonale é uma apresentação ainda mais rara, e costuma ser visto
em associação à fibrose pulmonar avançada. A biópsia endocárdica é
pouco sensível (os granulomas tendem a estar dispersos no coração) e o
diagnóstico pode ser dado pela RM com gadolíneo, ou mesmo pelo
PET-scan. Na suspeita de cardiossarcoidose é recomendável realizar um
ECG-Holter ou mesmo um estudo eletrofisiológico, pois o risco de
morte súbita arrítmica é significativo, a qual pode ser prevenida pelo
implante de um cardiodesfibrilador automático...

OSSOS, ARTICULAÇÕES E MÚSCULOS

O comprometimento ósseo predomina nas falanges, metacarpos e


metatarsos.

Manifestações externas incluem deformidades dos dedos e unhas


distróficas (FIGURA 6).

Fig. 7
Como já dito, na sarcoidose pode haver artrite aguda. Esta se manifesta ● Lesões grandes e conglomeradas podem estar presentes em
como poliartrite (por vezes migratória) das grandes articulações, como associação à retração hilar (diagnóstico diferencial com silicose);
tornozelos, joelhos, punhos e cotovelo. Habitualmente há regressão sem ● Os infiltrados parenquimatosos são por vezes algodonosos e
deformidades articulares.
apresentam um padrão alveolar;

● Pode haver grandes nódulos, únicos ou múltiplos, que podem ser


Assim como o fígado, os músculos frequentemente apresentam
confundidos com tumores;
granulomas assintomáticos em seu interior. Miosite aguda ou miopatia
crônica com elevação das enzimas musculares são incomuns. ● Nódulos pequenos podem produzir um padrão miliar sugestivo de
tuberculose;
Obs.: a gota pode complicar a sarcoidose, presumivelmente devido à ● Em raras situações pode haver derrame pleural associado à
superprodução de purinas nos granulomas disseminados. sarcoidose;

● Os linfonodos mediastinais e hilares podem apresentar calcificações


ÓRGÃOS POUCO AFETADOS “em casca de ovo” (diagnóstico diferencial com silicose);

● Além de alterações bolhosas, podem surgir verdadeiras cavidades as


Dificilmente a sarcoidose afeta mamas, testículos, ovários e estômago... quais, algumas vezes, contêm micetomas;
Na presença de alterações nestes locais – mesmo que o paciente já tenha
● Atelectasia lobar pode ser causada por granulomas endobrônquicos,
o diagnóstico de sarcoidose – é recomendável realizar biópsia para
e pode haver bronquectasia pós-obstrutiva.
excluir a hipótese de outras doenças, particularmente uma neoplasia
maligna!
A TC é mais sensível que o RX simples, pois detecta adenomegalias
mediastinais e subcarinais.
MANIFESTAÇÕES RADIOLÓGICAS
LABORATÓRIO
As anormalidades no RX de tórax que ocorrem na sarcoidose foram
arbitrariamente classificadas da seguinte maneira:
Não é comum a elevação significativa do VHS, exceto na síndrome de
Löfgren.

ESTÁGIO 1 Adenopatia hilar sem infiltrado no


Em geral, os achados mais frequentes são:
parênquima.
● Linfopenia;

ESTÁGIO 2 Adenopatia hilar acompanhada de ● Hiperglobulinemia;


infiltrados no parênquima. ● Hipercalcemia/hipercalciúria.

ESTÁGIO 3 Infiltrado parenquimatoso difuso


Quando há meningite asséptica, o liquor mostra pleocitose inespecífica
na ausência de adenopatia hilar.
à custa de linfócitos e elevação de proteínas, com glicose tipicamente
normal.
ESTÁGIO 4 Fibrose pulmonar (“faveolamento”
± retração hilar).

As alterações do parênquima comumente se expressam na forma de um


infiltrado reticulonodular. Entretanto:
Níveis séricos elevados da Enzima Conversora de Angiotensina I e II Mas qual tecido deve ser biopsiado?
(ECA) têm sido relatados na sarcoidose. Tal achado, contudo, possui
baixa sensibilidade e especificidade, e por isso tem utilidade limitada Na ausência de acometimento cutâneo, o pulmão é o local mais
para o diagnóstico da doença. Quando os valores são muito altos (> indicado para realização de uma biópsia. Quando o método utilizado é
50% do limite superior da normalidade), pode-se fortalecer a hipótese a biópsia transbrônquica, através de um broncoscópio de fibra óptica:
diagnóstica diante de um quadro clínico compatível, uma vez que ● 60% dos pacientes que têm RX normal revelam granulomas típicos;
valores mais altos aumentam a especificidade... A ECA é produzida pelo ● 90% dos pacientes que têm alterações no RX revelam granulomas
granuloma sarcoidótico sob influência dos linfócitos T, e possui ação típicos.
quimiotáxica para macrófagos, aumentando sua função fagocítica.
Parece ser, de fato, mais um modulador do processo granulomatoso!
Se a biópsia transbrônquica for negativa, mas houver forte suspeita de
Entretanto, esta enzima também pode ser encontrada em outras
sarcoidose, com comprometimento de parênquima ao RX, está indicada
enfermidades, algumas delas de difícil diagnóstico diferencial com a
a repetição do exame.
sarcoidose, como a pneumonite por hipersensibilidade (alveolite
alérgica extrínseca), tuberculose miliar, beriliose, silicose, asbestose,
Outros métodos que podem ser utilizados para obtenção do material
coccidioidomicose, hanseníase e doença de Gaucher... Portadores de
pulmonar são:
linfoma apresentam níveis de ECA abaixo do limite inferior da
● Mediastinoscopia;
normalidade, e esta pode ser uma importante pista para o diagnóstico
● Biópsia pulmonar a céu aberto.
diferencial! Assim, a dosagem da ECA deve ser valorizada com muito
cuidado na composição diagnóstica da sarcoidose! Ela também tem
sido estudada como marcador de atividade da doença, refletindo a Não se deve realizar biópsias “às cegas” de locais como as conjuntivas,
presença sistêmica de granulomas ativos. De fato, o uso de corticoide ou glândulas lacrimais, gengiva, etc., pois não fornecerão resultados
a diminuição espontânea na atividade da sarcoidose promovem queda compensadores. Entretanto, se estes órgãos estiverem comprometidos, a
dos níveis séricos de ECA! Tais evidências fazem com que esta enzima biópsia pode ser útil. Caso existam lesões de pele, nódulos subcutâneos
tenha algum valor na monitoração do tratamento dessa enfermidade... ou musculares, estes também devem ser submetidos à biópsia, pois são
de fácil acesso e podem ser diagnósticos. A biópsia de um eritema
nodoso mostra frequentemente uma paniculite ou vasculite inespecífica,
A lisozima costuma estar elevada na sarcoidose e também tem certa
e, por conseguinte, não é diagnóstica. Como já dito, as biópsias hepática
correlação com a atividade da doença. Os maiores valores são
e dos linfonodos frequentemente mostram granulomas inespecíficos.
encontrados nos pacientes com sintomas pulmonares e lesões
Obs.: os granulomas típicos de sarcoidose obrigatoriamente não devem
extratorácicas (doença mais disseminada). Assim como a ECA, a
conter micobactérias, fungos ou material refrátil (como o berílio).
lisozima tem pouco valor diagnóstico, pois encontra-se elevada em
diversas outras doenças como tuberculose, beriliose, silicose e
leucemias... Tem sido identificada em macrófagos e células epitelioides, TRATAMENTO
porém, preferencialmente, em granulomas jovens e não antigos. Tem
comportamento semelhante ao da ECA, mas com menor especificidade,
Casos oligo/assintomáticos podem ser apenas acompanhados
tendo por isso um valor ainda mais limitado na prática clínica.
clinicamente, sem qualquer tratamento medicamentoso. Para os demais,
a base terapêutica consiste na corticoterapia, que pode ser tópica
DIAGNÓSTICO (quando apenas um órgão é afetado de maneira branda) ou sistêmica
(acometimento extenso de um único órgão ou lesões multiorgânicas),
neste caso utilizando prednisona oral numa faixa de dose entre 0,5-1,0
O diagnóstico da sarcoidose é baseado em três pilares: (1) manifestações
mg/kg/dia.
clínicas; (2) raio X de tórax típico; e (3) biópsia mostrando granulomas
não caseosos.
As principais indicações para o tratamento sistêmico são: (1) sintomas
constitucionais importantes; (2) hipercalcemia; (3) acometimento ocular
Assim, o diagnóstico de sarcoidose deve ser suspeitado pela clínica, e
grave (irite, uveíte); (4) artrite; (5) acometimento do SNC; (6)
confirmado por exames complementares! Entretanto, é comum que os
acometimento do coração; (7) hepatite granulomatosa; (8) lesões
achados clínicos sejam sutis e, além disso, como a sarcoidose pode
cutâneas extensas; e (9) acometimento pulmonar progressivo.
acometer qualquer órgão, nem sempre a clínica indica uma suspeita
forte, podendo haver confusão com várias outras doenças...
Nos casos muito graves, com ameaça à vida ou à função orgânica (ex.:
neurosarcoidose), pode-se optar pela pulsoterapia com metilprednisolona
Já vimos que o RX não pode ser usado como critério isolado para o
(500-1.000 mg IV 1x ao dia, por 3-5 dias consecutivos).
diagnóstico – embora a adenopatia hilar bilateral e simétrica seja o
estigma da doença, um padrão semelhante pode ser encontrado no
linfoma, na tuberculose, na paracoccidioidomicose, na brucelose e no Não existe uma recomendação consensual específica acerca da duração
carcinoma broncogênico. ideal da terapia, que assim acaba sendo pautada pela resposta clínica…
Deve-se tentar desmamar o glicocorticoide o mais rápido possível,
mantendo em longo prazo sempre a menor dose efetiva, a fim de evitar
A BIÓPSIA as múltiplas toxicidades dessa classe medicamentosa.

Seja a apresentação clínica clássica ou não, o achado microscópico de


um processo mononuclear granulomatoso é decisivo para o diagnóstico!
Nos pacientes que necessitam de tratamento prolongado, podemos
tentar associar drogas poupadoras de corticoide, que também se tornam
a principal opção nos casos refratários ou definitivamente intolerantes à
corticoterapia. Neste sentido, a droga de escolha na atualidade (a mais
estudada) é o metotrexato, mas pode-se optar por outros
imunossupressores (ex.: hidroxicloroquina para manifestações cutâneas;
azatioprina, micofenolato, leflunomida e ciclofosfamida para
acometimento de órgãos internos). Existem estudos utilizando agentes
biológicos da classe dos inibidores do TNF-alfa (principalmente
infliximabe e adalimumabe – o etanercept se mostrou ineficaz na
sarcoidose). Todavia, a base científica para o emprego dessas
medicações alternativas ainda não se encontra totalmente
consolidada…

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