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O “MAL-OLHADO” Das INTELECTUAIS Nos iltimos anos, aer/tica televistio se exacerba a partic de todos os angulos, oficios edisciplinas. Eno é que faltem motivos para a critica de uma televisio que, 20 se pluralizar, permanece, info obstante, demasiado parecida consigo mesma, Maso que cansa, até irrita, porque ~ como a prépria televisio — quase nunca sai lo circuito fechado do dbvio, ¢2 exasperagio da queixa, Boa amostra dessa critica, que néo passa de queixa, em sua mistura de indigna- ‘gio moral com asco estético, €a exposta por um jovem, destacado rogressista escritor colombiano.? Na televiséo se produz e se segundo ele, a ultima abominagio de nossa civi to mais vazio for um programa, mais sucesso far4”. A causa abominagio é “sua capacidade de nos absorver, quase de nos 1, poupando-nos do esforso, da dificuldade de precisat Do que se conclui: “Desligar, como s reocupar no & 0 mal que faga ts pessoas ignorantes (os 1am algo!), senfo 0 que ela faz & minoria culea, el bienestar en I incaleus’, em Nie, 24 Seeds Manriv-Banseno © BemAn Rey menos da televisio do que do olhar radicalmente decepcionado do pensador sobre as pessoas pobres de hoje, ineapazes de calma, de siléncio e solido, mas compulsivamente necessitadas de m: mento, de luze de bulha, que é 0 que nos proporciona a televisio. 56 que este nds, que inci o autor ente tas pessoas pobres, tem muito de ironia, mas também nfo pouco de retéri Porque, se a incultura constit explica o desinteresse e, no “melhor” caso, o desprezo dos intelec- tuais pela televisio, mas também af fica a descoberto o caréter az e oculto que alonga esse olhar: confundindo es ilustradas, desde o século XVIII, a0 tempo que afirmavam o povo na politica, o negavam na cultura, fazendo da inculeura o tzago inteinseco que configurava a identi- dade dos sctores populares ¢o insulto com que tapavam sua inte- ressada incapacidade de aceitar que, nesses setores, pudesse haver experiéncias e matrizes de outra cultura. O segundo argumento, a fascinagéo que nos i na, pelo contrdrio, bem pertinente 0 nds: “Todos fi embelezados com ela”. $6 que, aqui, 0 duvidoso é o todos Nao acredito muito que a fascinagio seja “o modo de olhar da geraco ‘que nasceu ¢ se formou com a televisio”,® a qual se diverte com ideogames, que vé cinema na televisio, que danga diante de telas gigantes de video ¢, em certos setores, brinca e faz as tarefas no computador e narra tas experiéncias urbanas em imagens de video. Tascinasio produzida pelo cinema, sua sala escura, oassombro do movimento e dos primeiros planos provocado nas massa popula- res durante muitos anos, e que continua produzindo, em nosso lo de ver, o da geraco que conservamos a devogio pela magia ~ a magia que, segundo Barthes, faz do rosto de Greta espécie de estado absoluto da carne, que nfo se pode worl que afirma o pave na politics, mas o nega na cultura ver J 2 exercioios 00 ven 25 alcangar nem abandonat” ~ e que frustradamente projetamos so- bre a televisio, Além disso, como reduzir a fascinagéo da relacéo das maiorjas com a televisio nos palses em que a esquizofrenia cultural ¢/a austncia de espagos de expressio politica potenciam desproporcionalmente a cena dos meios de comunicasio ¢, espe- ialmente, da televisio, pois é nela que se produs 0 espetéculo do poder e do simulacro da democracia, de raiva, e na qual adquiem alguma vi ve do viver e do sentir cotidiano das pessoas, que néo encontram lugar eno discurso da escola, nem naquele que se autodenomina cultural? ‘Aprofundando essa questfo: hd anos me pergunto por que revelador que seja somente a imprensa que cénte com verdadeira hhistéria esctta, jf. que isso nfo obedece unicamente ao fato de que reconhecem aqueles que escrevem histéria. A televiséo, em com- pensagio, néo sé estd ausente da histéria escrita — nem mesmo \go para outras midias que néo fossem a imprensa eo cinema jo que ¢ tenazmente encarada a partir de um discurso (sta, incapaz de superar uma critica intelectualmente ren- stamente porque a tinica coisa que propée € desligar o os mestres-escola negam que veer televisio, acredi- assim, diante dos alunos, sua minguada aurorida- incomunicdvel como a Colémbia, no, teu.em “lugac” nevrdlgico onde, de algu- wece ¢ se encontra, num cendrio de per- rias véem ali condensadas suas ¢ tia” de seu time no campeonato los, ou seu orgulhoso reco- a6 eee ManrivBanpeno © Genin REY hecimento pelos persongens que, extraldos da regito e da econo- cafecira, foram dramatizados pela telenovela Café, a culta ria attibui a ela sua impoténcia e sua necessidade de exorci- zar o pesadelo cotidiano, convertendo-a em bode expiatério que ‘paga as contas da violéncia, do vazio moral e da degradagio cultu- ral. Mas, entZo, fa televsdo tem muito menos de instrumento de écio e de diversio do que de cendtio cotidiano das mais secretas perversbes do social e também da constituigio de imaginérios co- Ietivos, a partir dos quais as pessoas se reconhecem ¢ representam ‘que tém direito de esperar e desejar/ © exposto até aqui sfo elementos em busca de uma eftica que “explique o mundo social com vistas a transformé-lo ¢ néo a obter satisfacéo out tirar proveito de sua negagio informads?.4O ‘que, Voltando a0 nosso terreno, significa a necessidade de uma critica capa de disinguir entze a indispensével dentincia da cum- plicidade da televisio com as manipulag6es do poder e dos mais sérdidos interesses mercantis — que seqiestram as pi democratizadoras da informagéo eas possibilidades de ci ‘¢ de enriquecimento cultural, reforgando preconceitos racistas € machistas € nos contagiando com a banalidade e a mediocridéde apresentada pela imensa maioria da programacio— eo lugar esia- ségico que a televisto ocupa nas dinmicas da culeura cotidiana das maior, za transformagio das: ides, nos modas de cons- eidentidades. Pois, encante-nos ou nos dé asco, oje, simultancamente, o mais sofisticado dis- st08 jaca iso cor de moldagem ¢ deformagio do cotidiano ¢ dos res ¢ uma das mediagées hist6ricas mais expressi , gestuais ¢ eenogréficas do mundo cendido nfio como as tradig6es especificas de um povo, \Gio de certas formas de enunciagio, de certos sabe- vos, de certos géneros novelescos e dramdticos do Oci os, significa duas coisas: que “passamos muitos anos, ou séculos, defendendo a idéia de que um jornaleiro tem o mesmo direito de cleger seu governo que um sébio nuclear (com outra moral, talvez tenha mais), para negar-lhe, agora, o diteito de escolher seu pro- grama de televisio” e que “o afastamento das elites da midia fecha o efrculo e anima os programadores a serem cada vvez mais toscos, acreditando assim abazcar mais pessoas”.> Nossa cxttica do rancor dos intelectuais conduz a0 desmonte desse cir- culo que conecta, em um sé movimento, a “mé consciéncia” dos intelectuais ¢ a “boa conscitncia” dos comerciantes da cultura ea incompreensio das citncias sociais para com a televisio. Que. conflito néo é de meras interpretagies o demonstra a resposta a esta pergunta, que constitui 0 fundo do debate aqui enunciado: que politicas de televiséo cabem a partir de uma pro- posta que, de forma beligerance ou vergonhosa, oferece como sai da apenas desligé-la? Porque o que esta resposta implica é que as” lucas contra alégica mercantil avassaladora que devora esa midia, acelerando a concentragio eo monopélio, a defesa de uma te siio pablica, que passe das mios dos governos as das organizagées da sociedade civil, a luta das regiSes, dos munic{pios ¢ das comu- idades para construir as imagens de sua diversidade cultural jam todas clas irrelevantes. Porque todas essas lutas nfo im, no fundo, & natureza perversa de uma mfdia que nos nos poupa de pensar e nos rouba a solidéo. Entfo, que iva seria cabivel? Nenhuma, pois é televiséo em si € nfo algum tipo de programa, que reflete e reforga a ra € a estupidez das maiorias/Com 0 argumento de que ter televisio nio se necessita aprender”, a escola — que nos teria nada a fezer aqui, Nenhuma possibilidade, lade, de formar uma visio crftica que distinga entre \lependente e informacio submissa 20 poder econd- (0s programas que buscam se conectar com res eas esperangas de nossos palses e aqueles ovicioao",em Paty Babli, Mads, 20-11-1993. que nos oferecem evasio e consola| entre eépias baratas do que é imperante e trabalhos que fazem xperiéncia com as linguagens, entre o esteticismo formalista que explora as tecnologias de ma- sta ea investigagSo estética que incorpora o video ‘20 computador & construcio de nossas memérias e& imaginagio de nossos futuros. Do MaAL-EsTaR A DES-ORDEM CULTURAL ‘Alinha de cultura se quebrow e com ela também a ‘ordem temporal sucessva. A simultaneidadee a miseelinea ‘ganharam a patida: os canais se intercambiam, 25 tages cultes, as populares cas de massas dialogam eno 0 fazem em regime de sucessio, porém sob a forma dé um mprovisado cruzamento, que acaba por torné- V.Sinchez Biosca Os desconcertos ¢0s pesadelos do fim de século radicalizam nosso latino-americano mal-estar na modernidade, que nfo & pen- sado nem do ponto de vista da inconclusio do projeto moderno bre o qual refletiu Habermas ~ pois af a heranga ilustrada se ‘20 que tem de emancipadora, deixando fora suas cum- les com a racionalidade de dom jitima sua ex- io ~ nem da perspectiva do reconhecimento que, a partir da e das margens, fiz um discurso pét-modetno, para 0 la diferenga se esgota na fragmentagio. A profunda crise, 20 Weed MARTIUBARBERS € GERMAN REY taneo, isto 6, a existéncia de assincronismos na modernidade, que ‘nfo sfo puro anacronismo, mas.residuas néo integrados de uma ‘outra economia e uma outra cultura, as quais, ao transtornar a ordem seqiiencial do progresso, libera nossa relagio com o passa do, com nossos diferentes passados, permitindo-nos recombinar memérias € nos reapropriat criativamente de uma des-centrada “modernidade, © des-ordenamento cultural que vivemos remete, em pri- ‘meiro lugar, 20 des-centramento da modernidade, “Abstraira modemizagéo deseu contexto de origem no ésenio o reconhecimento de que os processosque a conformam perderam seu centro, para desdobrat-se pelo mundo ao ritmo da formagio de captas, da internacionalizacéo dos mercados, dacdifusio dos conhecimentos das teenologas, da globalizacSo jos de comunicagao de masss, daextensio do ensino izado, da vertiginosa circulagio das modas ¢ da universalizagio de certos padr6es de consumo.! ‘Uma minima colocagéo histérica desse descentramento revela sua marca sobre o préprio rosto da América Latina: essa {1 pitta do pastiche e da bricolagem, onde se encontram. inclusio ¢ exclusio, que distinguem o culto do popular eam bos do mastficado, Porém também como ¢ por que esescate~ gorias facassam repetidamente ou se realizam atipicamentena apropriasio atropelada de culturas diversasou na combinagio pacédica dos plgiose das taxonomias de Borges, no sineretismo do tango, do samba edo sainere? Inserida na experigncia globel, a experigncia cultural lati- no-americana deste fim de século nfo pode ser pensada fora das icativas da sociedade, uma vez que,elas 1a, 1994), p. 220. anid yGolath, gs exencioios oo ven ay configuram boa parte de suas apostas ede seus pesadelos. Referimo- nos a hegemonia da razdo comunicacional que, diapte do consen- so dialogal, do qual se nutre, segundo Habermas/a “razio comu- nicativa", se acha carregada deopacidade discursa ede ambi dade politica, introduzida pela mediacio tecnolégica e mercantil, ,.cujos dispositivos — a fragmentacio que desloca e descentra, 0 “fluxo que globaliza € comprime, a conexao, que desmaterializa hibrida — agenciam o devir mercado da sociedade. Nesse process6, © protagonismo das tecnologias — antes chamadas meios — é cada ‘vex. maioy/ E se deve especialmente a um duplo movimento: a0 ‘seu instalar-se em nfo importa em que regifo ou pafs como ele- mento exégeno as herangas culturais¢ As demandas lo cconverter-se.em conector universal dentro do global, em: vo estrutural de producao em escala planetiria,/A fascinagio tecno- légica, aliada a0 realismo do inevitével, produz densos e descon- certantes paradoxos: a convivéncia da opuléncia comunicacional com debilidade do puiblico, 2 maior disponibilidade de informa- do com a deterioracio palpdvel da educacao formal, a explosio continua de imagens com o empobrecimento da experiéncia, a dos signos em uma sociedade que padece iglohA convergéncia entre sociedade de mercado e racionalidade tecnolégica dissocia a sociedade em “so-\ i a dos conectados & infinita oferta de bens € saberes, a dos inforricos® e a dos exclufdos cada vez. mais aberta- > tanto dos bens mais elementares como da informacio * para poder decidir como cidadsos, Na América Latina, essa experiénela moderna tardia se acha ressada por um especial e profundo mal-estar. A desmistficagio ies edos costumes, desde quando, faz be pouco temn- a2 desde Marrin-DaRBER® © GERMAN REY lar os instrumentos tecnolégicos e as imagens da modernizacéo, porém, s6 muito lenta e dolorosamente podem recompor seu sis- tema de valores, de normas éticas e virtudes cfvicas. que ver com a mudanga de época, esté em nossa sensi sas[a crise dos mapas ideol6gicos se agrega uma forte erosao dos mapas cognitivos, que nos deixa sem categorias de interpretaga0 ‘capazes de captar o rumo das vertiginosas transformages que vi- vemos. | : Uma segunda dinamica estrutural do fim de século & amdlgama de secularizagao e desencanto. J& nos comegos do século XX M, Weber assinalava a hegemonia da racionalidade introduzida pela cidncia que deixava sem ponto de apoio, que “desencantava” as dimensGes mégico-misteriosas da existéncia humana, privando a realidade de sentido e convertendo a politica em organizagéo da sociedade como “mundo administrado”. Na,América Latina, N. Lechner examinou os tragos que configuram o atual desencanto ou “esfriamento da politica’ 0 surgimento de uma nova sensibi- lidade marcada pelo abandono das totalizagbes ideol6gicas e'a dessacralizagao dos princlpios politicos, acompanhando a re-sig- nificaséo da utopia em termos de negaciapo como forma de cons- ttuglo coletiva da ordem, com o conseqiiente predominio da di- ‘mensio contratual e da racionalidade instrumental. O que iden- tifica, cada dia mais, a asio politica com a comunicagao publici- tdria/Q desencantamento da polftica transforma o espago publi- co.em espaco publicitéri tho-meio especializado de comunicagso-e-o Carisma em algo fabricdvel pela engenharia mididtica. B, a transformar 0 povo em ‘Acestas se dirige um discusso politico televisionado de adesées, mas de pontos na estatistica dos pos- EE, nfo obstante, a secularizacio também afeta a ‘0 sentido muito diverso: o da crise da representa- icada hist6ria nacional, com as rei- sa postmoderna’,em Gillet ‘rio, convertendo 0 partido em um apare- acentua o candter abstrato e desencarnado da relagio com 08 exerciciee 00 ven a3 vindicagdes que os movimentos é:nicos, raciais, regionais e de gé- nero fazem pelo direito ao reconhecimento de sua diferenga e, por inte, & sua meméria, isto é, & construcao de suas narragdes * gens. As relagées do mal-estar cultural com a hegemonia au- diovisual respondem a movimentos e motivag6es de “ordem ge- ral”. Pois/a des-ordem na cultura, intcoduzida pela experiéncia audiovisual, atenta fundamentalmente contra. tipo de represen=* tagdo e de saber, no qual esteve bascada aautoridade!Primeito foi ‘cinema. Ao se conectar com o novo sensorium das massas, isto é, com “as modificagSes no apazelho perceptive vivido por todo tran- scunte no trfego de uma grande urbe”, o cinema “com a dinami- te de seus décimos de segundo fer saltar o mundo carcerério de nossos bares, de nossos escrit ¢ fabricas, que pareciam aprisionar-nos sem esperanga. E agora empreendemos, entre seus escombros dispersos, viagens de aven- ”.6 © cinema fazia parte do crescimento do sentido para 0 10 mundo, o qual estava triturando a aura dessa arte, que ixo do que as elites tenderam a considerar cultura. Ento, 0 ido dos novos elérigos softeu uma ferida profunda: o cinema visivela modernidade de certas experiéncias culturais que se regiam por seus cinones, nem eram aprecidveis segundo Pordm, domesticada essa forca subversiva do cinema de Hollywood que expandiu sua gramética narrati- a0 mundo inteiro, a Europa reintzoduziré, nos anos 1ova legitimidade cultural, a do “cinema do autor”, inema paras arte edistanciando-o definitivamente esses mesmos anos, fazia sua entrada na cena jue mais radicalmente iré desordenar dla culeura: suas cortantes separagGes weno € GERMAN Rey as eee Marth ilustrada de cultura, A experiéncia audiovisual a repée.radical- mente: desde os préprios modos de relagio com a realidade, isto & desde as transformagées de nossa percepgio do espago e do tempo. Do espace, aprofundando 0 desancoramento que a modernidade produz com relagio a0 ugar, destertitorializagao dos modos de presenga e relagio, das formas de perceber o préximo e o longinquo, que tornam mais perto 0 vivido “a distancia” do que aquilo que cruza nosso espaco fisico cotidianamente. E, parado- xalmente, essa nova espacialidade néo emerge do itinerdtio que ‘me tira do meu pequeno mundo, senéo, ao contrétio, da experién- cia doméstica convertida pela teleyisio e pelo computador nesse territério virtual ao qual, como expressivamente di dos chegam sem que tenham de part Desprendida do espaco local-nacional, a cultura perde seu Iago orginico com o territério ea lingua, que eram as bases deseu tecido proprio. Como nos lembrou B. Anderson, a novela ¢ 0 jornal foram as duas formas de imaginagio projetadas pelas midias, a partir do século XVII, para a “representagio” dessa comunidade imaginada que é a nago. Porém, essa representagio e suas midias atravessam uma séria crise. Numa obra capital, que revela dimen- ‘6es pouco pensadas no discurso pés-moderno, o historiador P Nora desentranha o paradoxo que se encerra no desvanecimento do sentimento histérico que experimentamos neste fim de século, 20 mesmo tempo que cresce como nunca a paixéo pela meméria: “A nagéo de Renan morreu nao voltard. Nao voltard porque a substituigéo do mito nacional pela meméria supe uma mutagio profunda: um passado que perdeu a coeréncia organizativa de uma histéria se converte por completo em um espago pattimonial”. Isto é, em um espago mais museol6gico do que histérico. B uma meméria nacional edificada sobre a reivindicagio patrimonial se fende, se divide, se multiplica. Ea outra cara da ctise do nacional, smentat da nova armagio constituida pelo global: cada re- sua memé- durante a primeira metade do século a vocagto nacional da novela ~o piblico nfo 28 exencicins oo ven as ia ao cinema para sonhar, mas para aprender, para aprender a ser mexicanos, nos repete C, Monsivais agora é visto nos televisores nna maioria das casas. Com isso, prépria televisio se converte em uma reivindicagao fundamental das comunidades regionais ¢ o- cais, em sua luta pelo direito & conserugéo de sua prépria imagem, que se confunde com o dircito & sua meméria,/ JA percepgio do tempo, no qual se instaura 0 sensorium audiovisual, esté marcada pelas experiéncias da simultancidade, do instanténeo e do fluxo. A perturbagio do sentimento histérico se faz ainda mais evidente numa contemporaneidade, que. con- funde os tempos ¢ 05 achata na simultaneidade do atual, no “culto 20 presente” alimentado pelos meios de comunicago em seu con- junto e, em especial, pela televisfo, Porque uma tarefa-chave, hoje, la mfdia ¢ fabricar presente,fum presente concebido sob a forma dle “golpes” sucessivos sem relagio entre si. Um presente autista, cré poder bastat-se a si mesmo, Essa peculiar contempo- idade produzida pela midia remete, por um lado, & d do passado, a0 seu reencontro — seja no discurso 1 arquitet6nico — descontextualizado, des-historicizado, lo & citagio. E, por outro lado, remete & auséncia de futuro le volta das utopias, nos instala em um presente continuo, seqiiéncia de acontecimentos que no consegue se cristali- ragio e sem a qual, adverte N. Lechner, nenhuma expe- te ctiar um horizonte de futuro. Com isso, nos en- jegSes, mas jé nfo hé projetos. : widiovisuais (cinema & maneira de Hollywood, do video) constituem, ao mesmo tempo, 0 sia da bricolagem dos tempos ~ que nos 0, extraindo-o das complexidades ambi- As staura entre o aconteci- wralidade tem seu cus- ae weeGe Manriv-DanBeno € Genwin REY sintaxe e de sua produtividade, Os spots publicitérios fragmentam a estrutura narrativa dos relatos informativos ou draméticos, a0 ‘mesmo tempo que a publicidade televisiva se acha tecida de micro- relatos visualmente fragmentados a0 infinito. i ‘Mas/o que anima o ritmo e compée a cena televisiva é 0 fluxo: esse continuum de imagens, que nao faz distingéo dos pro- forma da tela acesa/Ainda que nos soe escan- eeratura de vanguarda “Joyce e Proust — que, pela primeira vez, o fluxo do monélogo interior apareceu articulando 0s fragmentos de meméria, os pedagos feitos de discursos, ¢ dan- do corpo & fugacidade do tempo. No outro extremo do campo cultural, 0 rédio veio ritmar a jornada doméstica, dando forma, pela primeira vez, com seu fluxo sonoro, 20 continuum da rotina cotidiana. De uma ponta & outra do espectro cultural /o fluxo dissolvéncia de géneros e exaltagio exprestiva do eftmero. / 0 fluxo televisivo? constitui a metéfora mais real do fim dos relatos pela equivaléncia de todos os discursos - informa ima, publicidade, ou ciéncia, pornografia, dados financei- 10s -, pela interpenetrabili todos os géneros e pela trans- formacio da efémero em chave de produgio e em proposta dé go20. extn Ua propo bs naexaltagio do mével edifuso, da caréncia de clausura e da indeterminagio do temporal. Porém, jk mediagdo estratégica introduzida pelo fluxo televisivo remete, cima da experi@ncia estética, aos novos “modos de estar juntos” ), palin eto, appara geri 22 exencicioe £8 ven a0 estrutura do palimpsesto televisivo e do hipertexto, com as novas figuras da representacio , sive, com as novas abordagens tedricas do campo da comunicacéo e da cultura. :

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