You are on page 1of 11
e Comunicacao Mididtica Revista Comunicacao Mi ISSN: 2236-8000 v, 16, n. 1, p. 35-45, jan./jun. 2021 jatica Da Cultura de Massa ao Pop: definicdes e histérico da cultura pop De la Cultura de Masas al Pop: definiciones e historia de la cultura pop From Mass Culture to Pop: definitions and history of pop culture Anderson Alves da Rocha E professor adjunto da Universidade do Estado de Minas Gerais. Possui graduacao em Jornalismo pela Faculdade Maringd, mestrado em Ciéncias Sociais pela Universidade Estadual de Maringd (UEM) e doutorado em Comunicaco pela Universidade Metodis- ta de Sao Paulo (UMESP). anderson_arocha@yahoo.com.br Herom Vargas E docente pesquisador do Programa de Pos-Graduacao em Comunicacao Social da UMESP. Possui graduagdo em Histéria pela Pontificia Universidade Catdlica de Sao Pau- lo (PUC-SP), mestrado e doutorado em Comunicacao e Semidtica também pela PUC-SP € pds-doutorado em Comunicacao pela ECA-USP (2015). heromvargasSO@gmail.com Een Ey Err Cer RESUMO © propésito deste trabalho é apresentar um breve histérico da cultura de massa e 0 surgimen- to da cultura pop, como reflexo da ascensio dos meios de comunicagio eletrénicos e dos pro- ‘cessos politicos e econdmicos do pés-Segunda Guerra. A ideia ¢ apresentar os elementos his: toricos e conceituais que formam a cultura pop e mostrar como ela se tornou um elemento Importante no cotidiano das sociedades urbanas ocidentais capitalistas, mediando nossa rela- go com 0 mundo. A pesquisa se propde a apresentar a cultura pop como uma possibilidade de interesse acad@mico para além do olhar elitista sobre suas produces, mas observar seu potencial critico como fornecedora de signos e textos da cultura que transitam habitualmente ‘em nossas relagdes sociais. Palavras-chave: cultura de massa; cultura pop; entretenimento, RESUMEN El propésito de este trabajo es presentar una breve historia de la cultura de masas y el surgi miento de la cultura pop como reflejo del auge de los medios electrénicos y los procesos poli ticos y econémicos del periodo posterior a la Segunda Guerra Mundial. La idea es presentar los elementos histéricos y conceptuales que forman la cultura pop y mostrar cémo se ha converti- do en un elemento importante en la vida cotidiana de las sociedades urbanas occidentales y capitalistas, mediando nuestra relacién con el mundo. La investigacién se propone presenter la cultura pop como una posibilidad de interés académico que va mas allé de la mirada elitista de sus producciones, observando su potencial critico como proveedor de signos y textos cultura les que habitualmente transitan en nuestras relaciones sociales. Palabras clave: cultura de masas; cultura pop; entretenimento, ABSTRACT The purpose of this paper is to present a brief history of mass culture and the emergence of pop culture as a reflection of the rise of electronic media and the political and economic pro- cesses of the post-World War II period. The idea is to present the historical and conceptual elements that make up pop culture and show how it has become an important element in the daily life of urban, capitalist western societies, mediating our relationship with the world. The research proposes to present pop culture as a possibility of academic interest that goes be. yond the elitist view of its productions, observing its critical potential as a supplier of cultural signs and texts that usually transit in our social relations. Keywords: mass culture; pop culture; entertainment. tere) Comunicagao Mididtica, v. 16, n. 1, 2021 Introdugio A cultma pop ¢ um dos grandes motores que guiam a percepcio da realidade no mundo ocidental capitalista. Ela ajuda nos fandamentos de nossos ritos e priticas cotidia- nas ¢ traz A tona temas de pesquisa e debates do senso comum. No cinema, na televisio © na indristria Fonogrifica suas producées geram reflexos na sociabilidade cotidiana. Nas pesquisas académicas ¢ no pensamento intelectual surgido em universidades e centros de pesquisa a cultura veiculada pelos meios de comunicacio de massa ja foi tratada como inferior — tanto do ponto de vista de sua qualidade como de seu consumo — e vista com desprezo, sob a premissa de se tratar de um produto cujo consumo leva a alienacio. Em outros momentos ¢ outras correntes de pensamento essas mesmas producées passa- sam a fignrar como interessantes objetos de pesquisa e anilise jé que possibilitawam um olhar sobre as relacdes de producto, consnmo ¢ significacio em uma escala abrangente largamente difindida nas sociedades ocidentais do pés-Segnnda Guerra Mundial. ssim, a proposta deste trabalho € apresentar uma breve construcio histérica da cultira de massa a partir da visio fandada em Frankfut, posteriormente discutir 0 nasci- mento da cultura pop e suas consequéncias e transformagdes com relagio a culmara de mas- sa, O objetivo € tracar 4 histéria ¢ definigdes acerca da cultura pop como uma criadora € fomecedota de textos ¢ signos da cultma, inserida na cultura de massa e com grande po- tencial para anilise e critica, importante marco na formacio de nossa sociabilidade © nos processos sociais ¢ culturais que nos rodelam. Da Massa ao Pop Em 1947, os fundadores da Escola de Frankfurt lancaram a obra Dialitca do esclare- cimento: Fraynentos flesifices. Neste texto, Adorno! e Horkheimer’ discutiam, entre ontros temas, a transformacio das producées humanas em produtos sob a égide do proceso de ctiagio industrial capitalista. Esse fenémeno ficou amplamente conhecido como Inchistzia Cultural. Os autores alemies apresentam no texto sua percepcio de como esse processo repesentava 0 retrocesso do avanco humanistico nas producées de cultusa. A inchistria caltusal repsesentava, naguele momento, a sealizacio do intuito capitalista de wulgarizagio € massificacio da arte. “Os elementos icseconcilifveis da cultuca, da arte e da distracio se reduzem mediante sua subordinacio ao fim a uma tinica formula falsa: a totalidade da in- diisttia cultural” (Adomo; Horkheimer, 1985, p. 110). E ébvio que a invencio dos meios elétricos de tansmissio e posterionmente os ele- udnicos transformaram grandemente o relacionamento lumano com as formas de produ- cio cultmal, Mesmo antes disso, ainda na Idade Média, com a Prensa de Tipos Méveis de Johannes Gutenberg,’ essa relacio jf tinha-se modificado. A massificacio da produgio cul- tural ndo ¢ um fenémeno inexistente pré-Revoluczo Industrial, porém, é nesse petiodo que as transformacées dio o seu maior salto, O entretenimento ¢ os elementos da indtistria cultucal jé existiam muito tempo antes dela. Agora, sto tisdas do alto e svelados 4 altasa dos ‘tempos atuais. A indtstria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia ¢ de ter erigido em principio a transferéncia nmitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversio de suas ingemuidades inoportunas e de ter aperfeicoado 0 feitio das mes eadotias (Adomo; Hoxkheimer, 1985, p. 110) Reread) A percepgio desctita por Adorno e Horkheimer se consolidou no pés-Segunda Guerra Mundial, A grande cultura de massa explodin pelo mundo apés 0 fim dos contitos € se tornou um fenémeno impactante na cultura ocidental. As mudancas advindas das tec- nologias de comunicacio permitiram a exacerbacio das ideias anteriormente relatadas pelos pensaciores alemies. Na década de 1950 ¢ 1960, uma nova percepcio académica comecon a perceber 0 fenémeno da cultura de massa para além da critica 20s produtos da Indiistria Cultural, Ed- gar Morin na sua obra Llesprit de Temps (1962, tradtuzida no Brasil como Cultura de Massa no ‘Séaulo XX) oferece uma nova percepcio sobre o tema, entendenco que 2 cultura de massa € um fenémeno importante daquele periodo. “Embora nio sendo a tinica cultura do século XX, é a corente vecdadeiramente macica ¢ nova deste século” (Morin, 2011, p. 6) Para 0 antor era necessicio um olhar mais interessado sobre os processos sociais in- fimenciados pela existéncia da cultura de massa, ¢ nio somente uma anilise critica ¢ pessi- mista, “Os intelectuais atiram a culmra de massa aos infernos infracultarais” (Morin, 2011, p. 7), afirmon Morin, Para o autor, os estudiosos do periodo baseavam-se em percepcdes clitistas e aristocriticas para observar o tema. Ao contririo, 0 pensador francés enxergava na cultura de massa um tipo Sbvio e relevante de cultura para explicar a sociedade contem- porinea. “A cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de simbolos, mitos, © imagens concementes 3 vida pritica e A vida imaginésias, um sistema de projecdes ¢ identi- ficacdes especificas” (Morin, 2011, p. 6) A ldeia de Morin nao era desacreditar 0 conceito de Indiistria Cultural e as suas ca- racteristicas mercantis. O autor pretendia trazer para o debate a existéncia e a importincia da cultura de massa como um tipo de cultura predominante no mundo ocidental, princi- palmente apés a Segunda Guerra Mundial. Uma cultura que ganhava importincia e ajudava a estruturar a organizacdo social. Nao € possivel afirmar que a cultura de massa é incontes- tivel na maneira que os individuos entencem e atnam no seu cotidiano, ela concorre com a cultura nacional, a cultura religiosa e popular; porém, é inegavel sua importincia destacada entre 0 universo de esferas culturais que nos rodelam. Uma das caractecisticas mais relevantes dessa cultura que emergin nos anos 1950 é a mercantilizacio das produces culturais numa escala industrial. Um dos sesultados para esse fendmeno foi a universalizacio do piblico consumidor. A producio massificada abo- lin as fronteiras entre os tipos de cultura. O teatro pertencia a um consumo burgués, en- ‘quanto as classes operiias fechavam em outtos tipos de consumo, assim como a cultura camponesa. “As fronteitas culturais sio abolidas no mercado comum das mass-media. Na verdade, as estuatificagdes sio reconstituidas no intesior da nova cultuza” (Mouin, 2011, p 31). A produgio massificada exige um novo tipo de consumo, algo que possibilite um aces- so médio aos produtos. A indtistria de producto cultuca é regida pelas leis de mercado (€ preciso notar, que apesar de convergir sobre 0 dinamismo ¢ a ubiquidade da cultura, en- tendimento de fronteiras ¢ diferente para Morin e Létman, que enxerga a fronteiro como 0 espaco de semioses ¢ trocas culturais) Como em outros itens de producto massiva, a cultura ganhon caracteristicas da cri- aco industrial, entre elas a facilidade de acesso e consumo. “Em outras palavras, 2 nova cultura se inscreve no complexo sociolégico constituido pela economia capitalista, pela democtatizacio do consumo” (Morin, 2011, p. 33). A légica de mercado industrial é a Reread) CEmoe oe mesma que opera nas produces culturais. A esséncia desse pensamento é a producio e a distuibuicdo ampla de seus produtos. A cultusa de massa, no universo capitalista, no € imposta pelas institei- ges sociais, ela depende da indtistria e do comércio, ela é proposta. Ela se sujeita aos tabus (da seligito, do Estado etc.) mas nfo os cria; ela pro- poe modelos, mas nfo ordena nada, Passa sempre pela mediacio do produto vendével e por isso mesmo toma emprestadas certas caracteris ticas do produto vendavel, como a de se dobrar & lei do mercado, da fetta e da procusa, (Mosin, 2011, p. 36) Esse consumo ¢ realizado pelo homem médio, on o que Morin (1970) chamou de “homem imagindrio”, que busca acesso 20 divertimento, a0 jogo, & cutiosidade, 20 mito e a0 conto. “Assim, é sobre esses fundamentos antropolégicos que se apoia a tendéncia da cultura de massa & universalidade” (Mosin, 2011, p. 35). Porém, essa busca pos uma univer- salidade foi sealizada a pastit de elementos particulates. Em especifico, baseada no modo de vida ameticano que se proliferou pela cultura mundial com o fim da Guerra. Nasce a Cultura Pop s décadas de 1950 ¢ 1960 viram movimentos de aproptiagio cultural de diversas vertentes: a segunda onda feminista,’ os movimentos negros nos EUA,’ a Pop Arr,’ a Con- tacultura,” entre outros. Na academia, esse fenémeno também nfo passou ao largo, diver sas escolas de pensamento se debrucatam sobre a dinimica da cultura, como, por exemplo, 0 estudos culturologicos e os pensadoxes da Escola de Birmingham. A efervescéncia poli- tico-econémica e cultural do pés-Guesra deixon sua marca no periodo. E em meio as dis- putas por poder das duas superpoténcias do mundo, sob a guarda dos Estados Unidos sobre 0 ocidente capitalista, ¢ dos movimentos de apropriacio cultural daquele periodo que nascen a cultura pop. Seguiindo uma ideia similar aquela jé apresentada por Edgar Morin (2011), Martin Barbero da pistas de como esse processo acontecen, transformando a cultura mundial A partir dos anos 1960, a cultura popular urbana passa a ser tomada por ‘uma indkistsia cultural cujo 0 raio de influéneia se toma cada vez mais absangente, tsanspondo modelos em larga medida buseados no mereado transnacional. A proposta cultural se toma seducio tecnolégica e incits ¢40 a0 constimo, homogeneizacio dos estilos de vida desejiveis, bani mento do nacionalismo pata o “limbo anterior a0 desenvolvimento tec- nolégico” ¢ incoxporasio dos antigos conteiidos sociais, culturais ¢ reli- gios0s & cultura de massa (Mactin-Barbero, 2013, p. 270-271). E impossivel nfo tracar a relacio da cultura pop com a cultura de massa criada nos Estados Unidos apés o fim da Segunda Guetra Mundial. © cinema de Hollywood e suas vedetes, 0 rock 'n soil e seus astios, a indiistria de quadiinhos e sens herdis, os desenhos animados e seus personagens; todos se juntavam para criar uma onda de influéncia a0 re- dor do mundo ocidental capitalista Literalmente tudo — da smisica as histérias em quadsinhos, do cinema aos enlatados pasa TV, da producto em massa para o consumo em mas sa — 0 pop ameticano tomou-se presenea comm em lares distantes da Reread) América, Assim quase todo © mundo ocidental passou a ver © que os um, ler 0 que eles liam, ouvir © que eles ouviam ¢, no raras vvezes até mesmo querer 0 que eles quesiam. Vitios scones industsializa- dos ameticanos tomaram-se universais: Elvis, rock 'n roll, Marilyn, Su- perman, Mickey, hambirgueres, Barbie, Nenbuma nacio ocidental no ‘ps Guerra foi inmune a esta influéncia (Sato, 2007, p. 14). E admissivel pensar que 0 rock ‘x roll foi responsivel por inaugurar o termo pop. ““Mlisica pop’ passa a ser utilizado nos anos 1950, tentando circunscrever as expressdes originétias do rock and roll e, naturalmente, sen apelo para as massas e a caractetizacio inicial de fazer um tipo de mrisica que se propusesse ‘universal’, pata todos os piiblicos”” (Goares, 2015, p. 24) Ancorado no movimento artistico britinico que se disseminou nos Estados Unidos, a Pop Arr, a expressio Pop passon a refecenciar esse produto amplamente distribuido nos meios de comunicacio de massa e de ficil consumo, orientados para o que Morin (2011) chamon de “Grande Piblico”, “e que sto produzidos dentro de premissas das indistrias da cultura (televisto, cinema, miisica, ete.) Seria o que, no Brasil, costuma-se chamar de ‘po- ular midiético’ ou ‘popular massive” (SOARES, 2015, p. 19). O tesmo “cultura pop” posta uma ambignidade fundamental. Por um le do, sublinha aspects tais como volatilidade, transitoriedade e “contami- dos produtos culturais pela légica efémera do mercado e do con sumo massivo e espetaculatizado; por outro, traduz a estrutura de senti- mentos da modemidade, exercendo profunda influéncia no(s) modo(s) como as pessoas expetimentam o mundo ao seu redor. Nesse sentido, pode-se aticmar que a cultura pop tem dbvias e antitiplas implicagdes es ‘éticas, sublinhadas por questdes de gosto e valor; ao mesmo tempo em que ela também afeta e é afetada por relacées de trabalho, capital e poder (Sé Caneixo; Fersaraz, 2015, p. 9) E preciso esclarecer uma confusio criada na traducio da expressiio Pop de sua lin- ‘gna original, 0 inglés, para o portugnés. A denominacio Pop ctia um problema para 0 en- tendimento pleno do seu significado qando traduzido, Na sna origem, a expresso fiz referéncia a palavra “Popular” como algo de acesso midiitico. Na lingua portuguesa, a ideia de cultura popular esta mais ligada a uma cultura que se manifesta em movimentos repre- sentativos e tradicionais de uma populagio. Em inglés, esse tipo de cultura est representa- do na expressio folk (telativo ao folclote). “Entio, a0 mencionarmos a ideia de ‘cultura popular’, em lingua portuguesa, estamos nos refetindo a duas expressdes: a da cultura fol- clérica, mas também, aquela que chamamos de ‘cultura pop’ ou a ‘cultura popular midisti- ca/massiva” (Soares, 2015, p. 6). Porém, no seu entendimento oxiginal, em inglés, 0 Pop std ligado somente ao sentido miditico, de ficill acesso e consumo. O que é Pop Frédéric Martel (2012) nomeia 0 Pop como “mainstrean’”. Para 0 autor, 0 mainstream “a producao de bens culturais criados sob a égide do capitalismo tardio e cognitivo que ‘ocupa lugar de destaque dentro dos circuitos de consumo midiatico” (Martel, 2012, p. 11), € esti ligado A difusio de produtos culturais massivos, criados primeiramente nos Estados Reread) CEmoe oe Unidos, ¢ distiibuidos pelos vefculos de comunicacio de massa a partir da década de 1950 1960 pelo mundo. Assim, as produgées Pop tém como seu berco de origem na inclistria de producio cultural americana e europeia (principalmente a Inglaterra) do inicio da segunda metade do século XX, para quase instantaneamente se espalharem pelo mundo. Porém, ela também se desenvolven em ambientes regionais, hibridizando os produtos vindos de fora com as tra- dicdes locais, algumas dessas producées acabaram ganhando o mundo em uma segunda fase, como é 0 caso dos anime? mangés’ do Pop japonés, ¢ mais recentemente 0 K-Pop.” Ao relatar 0 poder da cultura pop japonesa, Cristiane Sato (2007) faz referéncia ao hibri- dismo de suas producées; 0 Japio foi bombardeado pela cultura americana no pés-Segunda Guerra, “mas ao invés de meramente copiar aquilo que vem de fora, é 0 Amago dos japone- ses pegar influéncias estrangeiras e reinventi-las conforme a cultura local” 14) Esses produtos carregavam em si toda a logica de producio capitalista industrial no seu modo de producéo, mas, distribuiram pelo mundo uma enorme carga de textos, que logo se transformaram em afeto e modificaram a cultura ocidental. Isso porque a cultara pop nio representa somente o resultado do desenvolvimento da légica capitalista na pro- ducio cultuzal, mas também uma inchistria de producio de bens simbélicos, ritos e praticas incorporadas nos seus textos. “O consumo, portanto, no deve ser compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades matetiais, mas primordialmente como con- sumo de signos” Featherstone, 1995, p. 1 Se a discussiio de qualidade sobre os produtos da cultura pop sempre esteve vincu- Jada 4 um certo senso de elitismo intelectual, opondo suas producdes as criacdes da “alta cultura”, é preciso ter em mente que es: tmufdas e, portanto, nio se referem a um conjnnto fechado de produtos, elas definem uma série de fenémenos sociais em torno dos produtos midifticos que delineia muito do papel social contemporaneos desses produtos” (Holzbach et al., 2015, p. 132) Uma caracteristica que no pode ser negada para as produces Pop é sua relacio di- seta com a producio de entretenimento. © Pop esta sempre associado as producdes ligadas A diversio em massa. Assim, podemos separar certas produces da cultura de massa como, por exemplo, o jomalismo, como nio sendo Pop. Se bem que mesmo essa dicotomia tem sido posta a prova na contemporaneidade, com producdes jornalisticas tentando se apro- simar cada vez mais da linguagem e da estética do entretenimento. De toda forma, o entuetenimento esti ligado A finticio, ao lazer, aos momentos de recteacio. Mesmo que haja a discussio sobre seu valor estético em contraposi¢io com ou- tras produgdes de mais alto valor permaneca, é necessitio superi-la e reconhecer as poten- cialidades da cultura pop e do entretenimento nas priticas sociais cotidianas e do valor exis- tente nessas produgdes. Isso, pois, como argumenta Janotti Jinior, io expresses “abstratas ¢ cultusalmente cons- como qualquer expressio midiitica, os produtos de entretenimento de- vem ser analisados a partic das proposicdes/fiingées prescritas em seus programas de producio de sentido, Mas isso, no deve obliterar 0 fato de que entreter-se também significa algo mais, nio se pode confundir a piesenca massiva, ¢ por que nio, muitas vezes macante, da miisiea no co tidiano com a capacidade que cestas pecas mnsicais do mundo pop tem de possibilitar fivicGes estéticas (Janotti Jinior, 2009, p. 5) Reread) Nio se trata de negar 0 fato de a producto Pop estar ligada aos processos mercantis do capitalismo, porém “olhar apenas esses aspectos da producio oblitera boa parte dos processos ctiativos presentes na producio dos produtos de entretenimento, que interagem de maneira polémica-valorativa com as estratégias mercadolégicas” (Janotti Jinior, 2009, p. 6). Além disso, é preciso reconhecer a autonomia dos consumidores ¢ os processos de ne- gociacio e mediacio que ocorrem ao recebermos ¢ incorporarmos as producées. Esses silo Pontos que nfo devem passar ao largo da pexcepcio sobre as prodtos da cultura pop. “Os sujeitos dentro do contesto da cultura pop interpretam, negociam, se apropriam de artefa- » B- surge como um dos marcos dos Estudos Culturzis, 0 entendimento de que o receptor & ativo e consciente na interacio com os produtos. tos € textos cultumais ressignificando suas experiéncias” (Soares, 201 ). Essa ideia Jannotti Jinior (2009) ainda destaca mais uma caracteristica contemporinea do en- tretenimento no cotidiano. Ao pescebermos como apreendemos ¢ aprendemos sobre o mundo a0 nosso redor, podemos entender © papel da cultura pop ¢ do entretenimento nesse proceso. Em como criamos nossas identidades cultutais on criamos priticas ¢ ritos cotidianos. Como argumentam Andrade e $4 a0 discutirem a relacio entre culnara do entre- tenimento e o videogame: isto significa compreender, por um lado, que 2 partir dos jogos desen- volvem-se competéncias cognitivas que se tounam titeis para as mais di vversas atividades da vida cotidiana — desde alteragSes corporais ligadas a0 dominio da coordenacio motora até certas competéncias visuais ou de raciocinio (Andrade; Sa, 2008, p.7) © mundo que nos cerca esti intrinsecamente conectado 4 cultura pop e a seus pro- dntos. Nossa apreensio do mundo e, portanto, a execucio de priticas ¢ ritos estio intima- mente ligadas 4 comuicacio na indiistria do entretenimento. Os textos da cultura pop nos rodeiam continuamente, influenciando em outras esferas culturais do nosso cotidiano, A cultura pop se comunica conosco. Assim, pode-se infésis, ampliando essas ideias pasa 0 didlogo com as es- tuatégias do inftainment, que nio se tuata somente de banalizer ou toznat digerives as informacées, bem como, atreli-Las,injetando sentido is sex- Sibilidades e aos aprencizados desenvalvidos nas apropriacbes das nassa- tivas, dos rellexos, sensacdes gustativas e sonosas das produtos de en tenimento (Janoti Jinior, 2009, p. 8), E preciso entender, ainda, que a produgio de cultura pop est igada a um tipo de fmiglo dos produtos que cria novas dinimicas na recepeio dessas obras. O resultado pode ser visto em priticas como a cultura de fA (faidom)), a foumacio de identidades culturais, 0 hibridismo e a cultura da convergéncia © jogo proposto pelos prociutos pop € 0 de perceber que hé a engrena gem dinimica de um sistema produtivo em acio; que 0 produto, em si, € parte integrante deste processo; que a enunciacio se di a pastix da sus- ppensio de cestos padres normatizados de valores e que a finicio é paste integrante do que chamamos de estilo de vida (Soaves, 2015, p. 25). tere) mn Exe A préptia apreensio de quem somos e como és percebemos no mundo esté ine- soravelmente ligada 4 cultua de massa. Os textos da cultura sio fortes construtores da nossa identidade na modemidade. “Nao importa se escrito, musical, visual ou audiovisual, um texto contém em si o potencial de contribuir para a construcio identitétia" (Goncalves, 2011, p. 28). Além disso, a cultura pop “participa na construcio da realidade, discute & dramatiza mundo, para um ptiblico que a consome, mediado por suas crencas, ideologias, interesses. Nesse ponto de vista, ha sempre um ressignificar do contetido assimilado” Ro- cha. 2014, p. 82) Se as formas de cultura popular comercial disponibilizadas nio sio pv. samente manipuladoras, € porque, junto com o filso apelo, a reducio de perspectiva, a tivializagio ¢ © curto-circvito, hé também elementos de seconhecimento ¢ identificacao, algo que se assemelha a uma sectiagio de espesigncia e atitudes reconheciveis as quais as pessoas sespondem. O perigo surge porque tendemos a pensar as formas eulturais como algo in- teiso e coesente: ou inteiramente corompidas ou inteiramente auténtieas, enquanto que elas so profundamente contraditérias, jogam com as con. tiadigdes, em especial quando fincionam no dominio do popular. Hall, 2003, p. 25 Estar inserido nessa cultura ¢ ser dela patticipante ¢ muito mais do que consumo frivolo e actitico de suas producées. Hi um senso de pertencimento, a criacio de afetos, uma ideia de proximidade com os produtos. “A cultura pop estabelece formas de fimicio consumo que permeiam um certo senso de comunidade, pertencimento ou compattilha- mento de afet ¢ afinidades que situam indivicuos dentro de um sentido transnacional ¢ Soares, 2015, p. 22). globalizante Consideragdes finais ‘As priticas ligadas & cultura pop movimentam a cultura, interagem com outras esfe- as e as transformam. As indlistrias da moda, da decoracio, da alimentacio, entre outras, se ‘vem afetadas pela selacio de sens clientes com a cultura pop. Nio A toa, costmam parti- cipat da producio de filmes e séries com 0 merhandising de sens produtos. “O individno moderno tem consciéncia que se communica nio apenas por meio de suas roupas, mas tam- bém através de sua casa, mobilidtios, decoragio, carro ¢ ontras atividades, que serio inter- pretadas ¢ classificadas em termos da presenca ou falta de gosto” (Featherstone, 1995, p 123), O que se advoga nfo é defender que todos os produtos da cultura pop apontam pa- ra uma experiéncia estética complexa, mas perceber as potencialidades attisticas ¢ culturais de tais produtos. A cultura pop esté ligada 20 prazer, aos momentos de descanso € div Sua padronizacio € normatizada pelas regras da producio capitalista na inckistria da cultura, embora isso no invalide “abordagens sobre a pesquisa neste segmento da cultura que reconhece nogdes como inovacio, ctiatividade, reapropriacao, entre outras, dentro do espectro destes produtos mididticos” (Soares, 2015, p. 23). E preciso ponderar sobre esses pontos e reconhecer a validade dos objetos, Um produto midiitico de entsetenimento tem como principais fongdes a distiacto e a vecteacio de sens receptores, nfo adianta ctiticé-lo por sua Reread) suposta “pobreza podties”. Mesmo porque nio hi equacio entre arte & produtos de entictenimento ¢ sim produtos midiéticos que possuem programas poéticos © possibilidades de experiéncias estétieas diante de produtos de entretenimento (Janotti inior, 2009, p. 13) Essa é uma relacio poderosa, que pode gerar grandes modificagdes na maneita que © individuo encara o mundo ao sen redor. A nossa ligacio com os produtos da cultura de ‘massa est4 cada vez mais visivel na contemporaneidade, a convergéncia nos levou a um novo tipo de consumo das producées da midia; mesmo em disputa com as producées em streaming’ © cinema tem anmentado sua arcecadacio e suas bilheterias batem secordes de piiblico a cada lancamento de um novo blockbuster, o mercado fonogrifico que parecia ame- acado no inicio do século pelo compactilhamento de arqnivos digitais achon na internet novas possibilidades de expandir seus negécios; as histérias em quadrinhos nunca estive- ram tio fortemente ligadas ao mainstream, Essa tealidade invoca o olhar apurado do pesqui- sador para as possibilidades da cultura pop e sua relacio com seus consumidores. Dessa forma, a cultura pop envolve o universo nerd em sets produtos e suas pro- duces. O consumo de produtos ligados as grandes produgées do entretenimento, distiibu- idos pela légica de mercado capitalista, tomou-se, contemporaneamente, uma marca do universo nerd Todas as ideias sobre a cultura e a producio cultural tratados até aqui servirio de base para 0 entendimento da cultura nerd como possuidora de todas as caracteristicas de uma cultura como apresentado nesta seco. A cultura nerd como esfera cultural, criadora de signos e textos, representada em obras produzidas pelos meios de comunicacio é um ponto fundamental para a andlise proposta nesta pesquisa Assim, cabe agora apresentar os elementos conceituais e historicos da cultura nerd, seus personagens, sitnacdes e representacdes na cultura divulgada pelos meios de comuni- cacio de massa Recebido em: 30/10/2020 Aceito em: 26/11/2021 ‘Taeodor Ludnig Wiesengrund. Adamo (1903-1969) foi um flésofo, socéloge, musicéloga e compositor alemio, fun Socal de Frankisct fa um Slosofo e socidlogo alemio primeize disetor da Excola de Frankst, 2 Johannes Gemllsch zur Laden rum Gutenberg ({- 1400]-1468) foi um inventor do Sacio Impésio-Geumitico. Sva pisncpalinveneo, a Prensa Morel, reve um papel fundamental no desenvolvimento a Renaseenca, Reforma e na Revor Incio Ciestiia ¢ langats ae bates matecas pasa a amadema economia bateada no coalecsmenta ¢ na disseminacio eat marca da apcendizazem_ * Pexiodo de atsadade feminicta que comegou na década de 1960 nos Estados Unidos e eventualmente se espaluov por todo o mundo ocidental 5 Periodo de atvidade feminista que comegou ma décads de 1960 nos Estados Unidos e eventualmente se espalhou por todo 0 mundo ocidentsl © momento foi maxeado por confikos e gaunt dit fundamentas aos negros das ECA ‘como dsexo 40 Voto € 0 fim da segrepacio seca em espagos pudkcos. As duss prncpass derangs foram atvsta Mal: colm X, ¢ Pastor Martin Luther King, Jr (vencedor do Nobel da Paz de 1964) © Mowimedtn arco iniciada not noe 1950 da Inplatecta e EUA “Propane a admietio da ete da aste que sesolsva © séoule 30k ¢ 2 demionttacio deste impactes nas astes com obcae que sefleetems a marnficacia da cules poptlae cape ete” oases, 2 coma peandes zepresentaste: Richatd Hamilton ¢ Andr Wahol tere) mer oe Costeacuinim é tm maviments de moblizacia ¢ coatestacio socal ¢ elizando aoros mics de comnicapio em mat sa. Os javens do pexiodo voltatam-se contss 08 valoces tadicionais conservadores propondo ideas mais Hbexsis nos costumes e modo de vida Sto exemplos a cultura Underground, o movimento Hippie ea geragdo Beatnik 2 Ase se sefere & animacio que é praduaida por estidiosjaponeses. A palavra¢ a prosincia abeeviada de “animacie” fem aponés, onde este tesma ce tefece 2 quelauceanumacia, No oeideate 2 palsves fa? ceferacia a todo tipo de anaes [prochinicla a Japa com 2 esto aaceaia e tracce de deseo japonese= °'O mangé ¢ a palavea sada para designs histcia em quadninhos feita no estilo japonés. Ox mangés tém suas mazes no século VIII com o apatecimento dos pumeizs rolos de pinizasjaponesas. -pop (98 misica pop coveana) ¢ um gencro musical odginade na Coscia do Su, que se cazactetiza por uma grande vatiedade de clementor auciovisusn, Tem grande inflvencia do Rock, Pop, R&B c Hip Hop ocidental Foi a pat do sécalo XX que esse gnezo gan grate reeonheesmento no ocdente Tecnologia de tansmissio continus, ou sea, sem a necessidade deo usuitio baiser 0 arquivo em seu dispostvo pars acessé-lo, endo comum na exbicio de videos, micas e jogos de videogame. a base pata a existincis de plataforas ‘como o Netfis, Spot, extze otros Referéncias ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. 3 ed. Sio Panto: Zahar, 1985. ANDRADE, Luiz Adolfo de; SA, Simone Pereira de. Second Life e Stars Wars Galaxies: encenando 0 jogo da vida na (ciber)eultura do entretenimento. In: XVII Encontro da Compés. Anais... Si Paulo: Unip, 2008. Disponivel em: . FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pés-moderimos Livratia Nobel, 1995, GONGALVES, Mauticio R. Cinema e identidade nacional no Brasil 1898-1969 Sio Paulo: LCTE Editora, 2011 HOLZBACH, Atiane et al. Heavy Metal x Funk: disputas de género na culnuza pop a pastir do canal Mamilos Molengas. In: CARREIRO, Rodiigo; FERRARAZ; SA, Simone Pereita (Oxgs.) Cultura pop. Salvador: EDUFBA; Brasilia: Compés, 2015, p. 131-149, HALL, Stuart, Da didspora: identidade ¢ mediagSes culturais. Belo Hoxiz Editora UFMG, 2003. JANOTTI JUNIOR, Jedes. Entretenimento, produtos midiéticos ¢ fmicio estética In: Encontro Nacional da COMPOS. Anais... Belo Horizonte, 2009. Disponivel em: . MARTEL, Frédéric. Mainstream. Rio de Janeiro: Civilizagio Brasileira, 2012. ROCHA, Anderson A. O Brasil de desenho: uma anilise de personagens brasilei- 108 nas animacdes de Hollywood. 2014. Dissertacio (Mestrado) — Curso de Cién- cias Socias, Universidade Estadual de Mating’, Maringé, 2014, SATO, Cristiane A. Japop: o poder da cultnsa pop japonesa. Sto Paulo: NSP- Hoakkosha, 2007 SOARES, Thiago. Percntso para estudos sobre a miisica pop. In: CARREIRO, Rodtigo; FERRARAZ; SA, Simone Pereita (Oxgs.). Cultura pop. Brasilia: Compés; Salvador: EDUFBA, 2015, p. 19-33. fio Paulo:

You might also like