You are on page 1of 16
Tarkovski, Rene INTRODUCAO Um objeto filmico mal identificado ‘Tdo o que se mexe sobre wma tela é cinema. Jean Renoir ria do cinema, ou, mais exatamente, a ‘que acompanhou a historia dos filmes, i Js vezes produtivos. A oposi io, uma espécie de recorde, mesmo se ela & resolver iradiante mascarado. (O debate talvezfosse maisbrando, se houvesse, 20 menos no inicio, igualdade tus social, Nao € 0 caso, Se o documentécio ganhou nova consideragio quanto ele é apenasa antessala da ficgao, a rigor uma m, entre dois grandes filmes. Quanto aos arq) © documentério 11 0 seja 0 objetivo, talver ela seja o caminha’, de categoria de competigao a rentabilidade, mas nio, certar digo que o documentirio procura a verdade, opordo a mim que ela loacticl ‘ou eno que o romanesco procura a mesma coisa e consegue achi-la. Se afirme que ele tende a © Real nao é passivel de ser conhecido, relat, dou claramente a caderno, ou impecavelmente escrito. Um documentitio pode, no maximo, pro uma orientagdo, mas sua realizagdo deve ser também uma descoberta,¢ 0 roteiro seimpde pos ilmagen. Qualquer pessoa ques interes plo pé-financiam Pres podemos dizer que as ‘mas se encontram conforme um percut Jodards “Ponhamos os pontos em alguns tender 20 documentario, te empregada, rete dois termos wramente colocada por Paul Rotha: “Acima de tudo, o documentitio realidades do presente. E ., Alain Resnais etc. Como com os personagens, nio hé reconstituigdo na tirio & a de deslocs-ta na montager um objeto tedrico, 0 “documentério-plu io que ele exerce sobre 0 que causou certo rebt e com Jean Rouch ( langava a expressio, de certo modo, intel chamado de non-star-system. mos aqui o cinema de atores, ao qual se tentou ima de autor, a nio ser para observar que, hoje ai rrandes sucessos, €0 que atestam os caches confortiveis ofere eo anonimato mantido dos diretores, for do ct alldade que se pode descobrr ali, é que Sandrine Bonnaire desempe a fora da tela dos personagens , enquanto acreditamos, em outro nivel, em uma verdade do a prisioneira? Temos de convir, com efeito, que, se um espectador ta em Rambo, Rambo existe ~ com os tragos de Sylvester Stallone (¢ Stallone sgaha os cachés). As estrelas tém o status dos deuses, ao menos aqueles das E se 0 espectador nio acredita nesses interrogator eno, que a maquiagem nao é necesséria, Essa simples troca de palavras anédinas mostra jo-ficgdo & espontaneamente apreendida em seu 40 6 possivel, eque um determinado cinema dei impostara vou dela (Mundo cao, Continent perd) Inversamei registrando os ensinamentos do documentirio depois do sucesso do som, fine sua singularidade), a montagem (a reintegraci m que o espectador de se impoe. Dizemos bei Jo ainda estd por ser es ia Ar bistran 10 pensavam na posteridade desastrosa de responsavel seria 0 priprio Grierson, que, com toda a suit le queria defender, tumo, ele jé declarava nio culpado: 4 uma deserigio dessjitada, mas ea continua a se impor. Os primeico ulzaram esse temo, queriam dsignar apenas os filmes java uma boa desculpa para as fantasas exicas e 0 jt. A partir dessasvisOes exéticas,o termo chegou & inclu até ieos corso Moana, La tere ¢ Turks, E, 20 mesmo tempo, géneros, tio diferentes de Moana em sus forma e finalidade Congo. m simples inventario pert dle um objeto de definicz fusso, incerta, entregue a0, que seja documentirio, 1 A VIDA COMO ELA E... .. E COMO A CONTAMOS Unidos a televisao piblica assegura aos filmes sem concessio de Frederick Wiseman tum pablico que varia entre seis ¢ eito milhdes. F pouco, comparado com Dallas (60- 70 milhdes), mas ndio pode ser negligenciado se levarmos em conta o cardter durivel €omodo de progressio do doct Mantendo em mente ess devemos, numa abordagem ‘mais exigente, submeté-la a uma cr os termos empregados, por tum lado, e procurando distingdes mutro. Tal pesquisa, que recai, essencialmente, sobre 0 léxico, nao é um exercicio purista: ela desvenda as ambiguidades e os limites da nogdo de “género’, que atravanca, do mesmo modo, © campo usualmente chamado “de ficgao" O documentirio nao é um género. Odocumentitio 18 Antes do cinema dos, que XVI, podem-se classificar, entre as fiegdes, 0s romances pre verdadeira, profira ela verdades ou mentiras, pois sua verdade est ‘Les gens de mon pays” sma adotou de fato esta posigio: a de verdade por autonomia da linguagem, ra parte, designadas dessa forma, icao dada para documento, que apoia lo dado por Littré (“Docu amos entievisto a propésit ou do poema épico; 0 doc Poderiamos acrescer tal distingao poderia ser A distancia do real ara a iegio a tal ponte que mentias’, diz um provérbio popular) per do os vemos na tela. Quem segurava a cimei espectadores se simples: odo, necessitam para o conforto do ios prolixos di , capturava ~ no momento da tomada de cenas ~ diretamen Jmagense sonsassociados desde o aperfeigoamento co sincroni expressio cinema direfo, em virtude, provavelmente, da mod 136es, durou mais, porém ela deixava dl todos 0s documentos de quivos que séo um material importante dos filmes ditos “documentatios’ Além ido da televisio, grande consumidora de tomadas de cena feitas a0 vivo, $ proposlos apresentaram o inconveniente de sé levar em conta osa documental, Enquanto néo examinamos as definigdes propostas lo 10), € para resumi-las, notemos que a relagio com a vida fol uma A coisa vivida e a invengao: Diferengas e proximidades ‘dela fixa e persistente de captar ~ de capturar ~ a vida em sua fonte ia da criagao: ese de camera cega, t; de todo 0 modo, & estranha al no Amago do acontecimento, como notava um observador perspicaZ. ..) 0 fato hisiGrico nem sempre acontece 1d onde 1, Falta ra que a Histéria se componiha unicamente de sole ‘ganizam de antemio, prontas para posar diante das objetivas’* Se imersa ali, de modo inesperado, como € Jo particular da reportagem, ou com propésito deliberado quando se tr sontecimento previsivel (por iio totalmente um “act a arcela da tes individual: Fabrice em Wat fo chimera, &s veres, & deixado de lado e cai em plena © jado é, portanto, constituido a posteriori. Ora, o que & uma testemunha ibmetido a todas as fraquezas, cial a toda manifestagdo linguistica elaborada. Os 10 1960-1990 (Ruspoli, Rouch, Marker, Perravt, Wiseman, Depardo se distinguem por sua qualidade de escuta desses perso toda uma experiéncia. Poderiamos falar de um ido do cinema experimental), palavra lo fato de que nada do significante lador, Os mentirosos sio até mesmo, testemut stas dos periodos precedentes (ver Capit ‘ase restringir A imagem, pois 0 ii o cineasta a testemunha. £ imé wagem um testemunho, sem afastar as ndo-se, entio, o filme de ficgao um documento ni imaginario de uma época. Mesma constatagio com Veilées farcel Ophuls, 1994), Quem 1e 0 documentirio é uma ficsio disfargada. Paradoxo sedutor, mas, desarmé-lo, é necessério retomar o uso corrente: com excegio de alguns objetos, 1ados nao identificados, qualquer espectador razoavelmente culto diferencia, sera ‘mesmo consultar as paginas de sua programagao de tclevisto ou de seu guia de 3s, 1um documentério de uma ficgzo. E que ele interpret entitio é importante fazer agora. Os ardis da invengao: Real contra ficgéo Ninguém questionara se Indiana Jones e a tltima crucada (Steven Spielberg, 1989) é um documentério ou um filme de ficcio. Os turistas que visi jordnia, reconhecerdo o célebre tempo, escavado na rocha, qu nas € preciso extrair 0 referido plano de seu contexto para t nto fotogrifico. O documento desviado 86 volta a ser documento por 0 critica que 0 espectador nao esté habituado a fazer mi jose que a participaco da ficgio requer. Da mesma maneira, a posterior, «em outro projeto de desvio, um historiador da literatura ou do cinema poder§ salientar em Spielberg (na trilogia In 5) toda uma tradiglo da imtaginagio anglo-saxi. {que concernem i pesquisa cientifica, ;pois de sua morte, 0 que nio ‘um personagem de documentério... sem truques” O cenétio na ado em sua identidade, nao faz mais parte do documentirio do qu do cinema, aquele que foi considerado por todos o pai da ficgio idadles reconstituidas’. Sem poder testemunhar ao vivo dos grandes n virtude da técnica ainda rudimentar do cinema, ele os re preocupagio de informar objetivamente: A reconstituigdo torno Jom outros meios, o recurso obrigatério dos filmes histor ia que poderiamos colocar sob a insignia de Alexandre Duma @ Chéreat, 1994) preocupa-se bem potico com a hist os fatos e documentos que dio mais Allio (Les camisards, 1970 os, mesmo se faze do doc ros de pintores ce épaca) fontes que d ‘estérl (ver Capitulo 10). Nesse cine existido mesmo tenha feito, talver.em outras citcunstaneias, 0 que os esp\ vviram na tela, a0 passo que o personagem de Rasnussen e Dalsheim é en ‘numa hist6ria de amor convencional//¢ ist6ricos encarnados por atores? A lista de Schindler (Steven . Um personagem io dos judeus na ha nazista ~ revive na tela com os tragos de um ator de teatro de porte 0s filmes chamados “de ficgio" (port iam Neeson). Sera que os espectadores, que reconhecem a origem apresentam o trago comum de serem governados pelo relato, 0 estilo, podem, simultaneamente, esquecer sua presenca de ator e sua encenagio deturpagio e deslocamento no imaginatio, cenitios © peisonagens, carregada para e “iro Schindler? Além do mais, numa cena muito naturais (lugares reais ¢ personagens auténticos), sejam art controvertida, que 56 pGe em cena figurantes anénimos ¢ escapa, portanto, da est suspeita de recuperagao pelo efeito vedete, nos é mostrado 0 que ninguém pode cinema, que o documentirio deve compor para se livrar del 0 falta de sobreviventes: uma sala. eum campo da morte. nfronti-lo com seu rival mais imediato: o filme realist, , segundo os historiador ~ 0 que historiadores realismo italiano. ie Segue o sentido do dizer dos personagen: berg, 1993) s > explicita ou implicita, defendida por Realismo e cinema do real les que contestaram ao cineasta 0 direito de tomar tamanha liberd » ha documento filmado sobre aconiecimentos desse p ubstituir o documento, ea ficgio ultrapassa seus limites. Alain Resnais blind, 1955) ¢ Claude Lanzmann (Shoah, 1985), que escolheram 0 documentirio. ‘em documentos, proscreveram toda imagem reconsti ors para eles, a reconstituigdo sé banaliza, Les noces de Pao (Kanu Rasmussen e ridtich Dalsheim, 1933) nos condu ssh ifontetra incerta onde document tentam se apoiar um no outro. O io da Groenlandia é aut 'spersonagens, esquimés, também. O% pensaram reforgar seu propésito, essen nventada. Re: cio, como se os personagens reais fossem arrancados de sua real tude da encenagio, Personagens podem ser verdadeiros, mas o que resta ‘dade quando se curvaram ao comportamento que deles fot exigido, segundo civiea do cinema ‘maior; para se impor, como 0 outro, uma revelagio responsive e consciente da sociedade italiana’ lades por vezes marcant. vento € ce experimentacdo que estimulam a criagio, correndo o risco, As de estereotipé-ta (0 que aconteceu com o neorrealismo) ir do exemple de dois dos cineastas mais € papa do verismo italiano, O romance foi vagamente modificado para a stincia, mas é assim mesmo a intriga de um romance de outro século que como se A terra, de Zola, tivesse sido filmada em is com camponeses da Beauce contemporaneos da ’o chegou a esse ponte.’ Relato treme & um grande filme, ‘6 uma obra menos moderna do que Os Mata tos, Slo mais modernos, mais aus. a esse juizo a exig2ncia documentiria que esti na dl filme: mas sera injuraro artista que Visconti é. E quanto ao modo pelo lo Visconti? Isso ndo impede que: ito econdmico tipico da rade vigor de estilo. Di spraximar da temética meridional, do esa remitica: Vergn” conseguir na rua pessoas ‘verdadeiras, que aderem exatament 1 © trabalho, em seguida, & 0 de fazer com que se tornem atores) rogar sobre a condigao qt ‘a0 romancista) que se confronta com a -xto, ele cita como exemplar o filme de 1949-1950), praticamente contempordineo de A terra treme, io"), A famosa sequéncia da "pesca de atu” , um notavel documentério, que Rossellini iga por uma insergdo de dxima da natureza rude, verdadeira terra de Deus. Tema comovente, cam 0 qual ode fuze um grande fie, mas visio mistica finalmente romanesca. Verdade mas verdade dissimulads, inacessfel a0 documentirio, que s6 registra o que vé uve, Otar losseiani, cineasta georgiano (Un petit monastire en Toscare, 1988), ‘que passa rente da correspondéncia entre a fé (que s6 aparece nos cinco monges io de seu ritual) ea natureza dos arredores. Eo limite do género, Ingrid Bergman le encenar num filme do real. Eo limite do star system. Ultima anise, o cineasta que Joga acarta do realismo estrito (neorrealismo -Memérias do subsolo: “O autor deste diario e o pr c, a0 campo da ficeo, F, no entanto, se consicerarmas as ago nossa sociedade se formou, fica claro que podem, que res semelhantes 20 autor desse didrio”, ‘marginal expressa, no fundo, © que é a crenga que funda a a atinge o coragao do real, mais longe que as aparéncias. parttha essa crenga, @ aposta esta ganha. Contar histérias verdadeiras cexemplo escolher na extremidade oposta? Uma vez aceita esta m filme pode ser uma duplicata do real, onde achar reunidas, nagense sons, selecionados nas tomadas 0 8) conforme os cédigos ¢ as restrigSes técnicas do cinema se como mensageiros do 1 smo exemplo Titicut Fo a verdad bem raras n (1966), Igew 1¢ retomado pelos guardas como titulo de sua revista anual ¢ para seu filme. Ele grava, como se estivesse impassivel, cenas m sus corcunda e sua lingua mordaz. conflitante. A vida é feita di barulhentase' va acomoda tenses e tempos fracos, pausas e 7) eum cineasta sempre mente essas duas buscas, \ espectadores, I ro, e fascinante porque conduzido de acordo com as zegras da ambiguidade que deve assumir 0 cinessta-documentarista Filmes de vida/Filmes de sonho conservados, do lado do docu de “filmes de vida" (ver Ce lesmente: “E assim que 0s sio posteriores 20 aperfeigoamento ~ da ficyao tradicional, Nao hi ai e dizer que os filmes roteirizados de ant Digamos, sinaplesmente, que eles escolhem falar dela a fungio-sonho que Luis Buntuel (1953) considerava co no criador das imagens ci ‘que ele se abandona & his se beneficiar de um 1ma quando as novas imagens t algunsanos, a0 setor experiment quer se trate do cendrio natural d arelagio como. para o mundo exterior. ‘mais imperativa em matéria de cinema documentirio.” A Unica irdrio da ficgao e © roteiro mntas, mas néo as mesmas, Em de documentitio,o relato vivido e pode modificar seu curso, 6 Jean-Paul turas desgrenhadas, o futuro autor de calaftio delicioso que ele tinha dieito de vida e de morte sobre e respondia: nada. E cu os furava, como teria arrancado as asas de uma (eeu com a pena no ar: eu tinha produzido, no absoluto, que ‘me comprometia deliciosamente”, Sartre por Zola, observando que a imaginacio do o mais das vezes, toda a sta liberdade sob 0 manto do respeito.ao fatos. Em Germinal (0 livro), sea catistrofe final esté bem inscrita sobrevivencia de Etienne Lantier & ce responsabilidade we precisava dele para expressar, ao fim dessa tragédia, a esperanga que é em ultima anise, uma espécie de des antigos estdo ausentes, mas 0 fatum dos trigicos gregos est dda hereditariedade e da luta de classes. Um documentarista ni de, eventualmente, de intervit wang pa e filo, nfo trapacearam sobre a vida de A mas serviram-se do contexto mediterrineo para subvert grandes} apregoando, por exemplo, uma cronologia met vviagem ire tra lnau, 1923) & a versio filmada d De Tougourt a Tombouctou pa tbreuil, E escrita, que m: uma cartela: “Du bord d'Hassi Ifinel parte- nos além do documentirio ¢ em das classificagies. Retomarem ‘na montagem de procedimentos particulares de enunciagio que permitem instaurar ‘modo, uma legitimagio interna, No inicio heroico do cinema, os operadores enviados pelos inmios Lumigre ‘a0 quatro cantos do globo plantavam em algum lugar sua cdmera, conforme seu faro ou conforme sua informagio, ¢ gravavam 0 que a objetiva podia captar. A imagem, mas o cerne do dispositive desde entao: é vida que fornece a matéria do filme. Resta- Ihe ser bem-sucedido, tanto na filmagem quanto na montagem. ‘oque Lévi-Strauss chamou, em antropologia, de “olhar distanciado” ou, dito de =| PRIMEIRA PAR’ MARCOS: OS GRANDI PERIODOS DO DOCUMENTAR

You might also like