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Precisa de efectuar uma invastigagao em ciéacias sociais. Nao tem experiéncia no ne a ace MANUAL DE depuda qa, coma ade do aba ex INVESTIGACAO plotatério (leituras, entrevistas), Ihe perm: tré definir aproblematica da sua pesquisa? | EM CIENCIAS ~ Seguidarrente, como construir um mo 2 dole de andlise, recolher @ seleccionar os = SOCIAIS dacos pertinentes ¢ examiner as informa: oes? = Por fim, como concluir a pesquisa apre sentando os conhecimentos tedricos em cue se baseou? Concebido por especielistas, este livro res- ponde a todas estas pergunias @, com 0 auxilio de exemplos concretos, orienté-lo-a eficazmente na decemposicaa das etapas ca sua investigacac, fornecendo um pano rara completo das técnicas e métodos cisgoniveis, propondo numerosos trabelhos ce aplicagao © descrevendo uma investi- gacdo na sua totalidade. Sera de extrema Ulilidade para estudantes, assistentes so- ais, professores e todos os que desejem empreender uma investigagao em ciéncias socais, EDIGAOREVISTAE AUMENTADA 804 972-662-275-1 Trav T RAJECTOS [ANTES DE SOCRATES — neTRODUGA ‘ROesTGDa Da FILCSOMA ORECA Soe Tate Sono ImsTGRIA BA FILOSOFLA — PERIOD cnisre eran ox Sienberpen ACONDIGKOPUS-MODERSA SeaeF args Lyotard METADIALOGOS Srepoy zee ELEMENTS DEFILOSOFIA DA CENCIA {edove Geymonat DO MUNDO FECHADO 10 UNIVERSO Iu Dlexade Kort (GEOCRARA HUMANA —TEORIAS suis articacoes MiG. Badia 0.8 Kea (08 GREG0S EO IRRACIONAL, en bus ‘OCKEPSCULO DAIDADEMEDIA SaroRTvGAL ‘ONASCINIENTO DEUMA NOVA *SICA [ASDEMOCRACIAS CONTEMPORANEAS ‘ene Lieb [ARAZRONAS COISAS HUMANAS Herter Sie PRE AMBULOS — oS PRIFEIROS PASGOs 00 HOMEY “YoesCopens oTouisMo ve Stenterghen ‘OLUGARDA DESORDEM Reyne! Bordon CCONSENSOECONFLITO Semose Marin Lise! MANUAL OEINVESTIGAGAO EncieNétas sociis: Faymord uly Li Van Congest NACDESENACIONALISNO ANGUST A ECOLOGICA EO FUTURO IREFLENOES SOBREA REVOLUGAO Rarunera Ral Baber 2 SOMME — ESTUDO SOBRE ACLARDESTINIDADECOMUNITA Do sAntR 40 FAZER: PORQUE ORcARBAR A CIENCIA 6 n x. » x 2, 2, PARA UMA HISTORIA CULTURAL, EM Gombe [AIDEXTDADEROUBADA Jove Cate Games ie ‘A METODOLOGIA DAECONONIA Sank Bln |AVELILA EUROPA EA NOSSA Segue Le Goll CULTURA DASUBTLEZA— “ASPECTOS DA FILOSOFIA ANALITCA MPS. Lowen ‘CONDICDES DA LIBERDADE rut Cater ‘TELEVISAO, UM PERIGO PARA ‘ADEOCRACIA er Pope Joba Codey RAWLS,UMA TEORIA DAJUSTICA Bosstus cxtricos (andre Kskase ip Pek [DEMOGRARIA EDES:NVOLVIMENTO: ELEMETOSBASICES ‘OREGRESSO Do FOLINICO hat Houle [A MUSA APRENDE A ESCREVER Brea Meee NOVASREGRAS DOMETODG S0CIOL36ICO| ‘Aihony Giens [AS POLITICAS SOCIAIS EM PORTUGAL Fenty Medina Corse [ECONOMIA PORTUGUESA DESDE 1960 aban sive Lape IDENTIOADENACIONAL, ‘anhny Sout (COMO REALIZAR Us PROJECTC DBeINvEsTIGAcad ARQUEDLOGIA— UMA BREYE, Inimonucno PRATICAS EMETODOS DE INVESTICAGAO EMCIENCIAS SOCIAIS ie Alu Pgaee Dig, en-Piere Hemant Chistian Baroy Darts Rogoy bree Saint eogee ‘A aREICBLICA VELMA (1910197) Salo (05 KO0S MEDIA EOESPACOFUBLICO™ Roget Semon RAYMOND QUIVY LUC VAN CAMPENHOUDT * ,) v MANUAL DE INVESTIGACAO EM CIENCIAS SOCIAIS sapucao JORAO MINEOTO MARQUES, MARIA AMALIA MENDES EMARIA CARVALHO Revishociextincs RUI SANTOS DDERARTAMENTD DE SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE NOVA CE SOA ‘Titulo original francis: Manuel de recherche en sciences sociales © Danod, Paris, 1995 ‘Tradugio: Jodo Minkoto Marques, Maria Amélia Mendes ¢ Maria Carvalho Revislo cientifica: Rui Santos Capa Armando Lopes Fotocomposiga0: Gradiva Impressto © acabamento: Manuel Barbosa & Fithos, L* Reservados os direitos para Portugel por: Gradiva— Publicagdes, L Rua de Almeida e Sousa, 21, rc, esq. — Teiefs. 397 40 67/8 1350 Lisboa 2 edigto: Janeiro de 1998 Depésito legal n° 118 675/97 Indice Preficcio a 2." edigio uw 1, Os objectives 15 1.1. Objectivos.gerais 1s 1.2. Concepgo didéctica 7 1.3. elnvestigagdow em 19 2. 0 procedimento ' 2.1,Protlemas de método (c caos original... ou trés maneiras de ‘comegar mal). 2.2.As etapas do 2rocedimento, Objectivos 1. Uma boa forma de actusr 2. Os critérios de uma boa pergunta de partida 2.1.As qualidades de clareza 2.2.As qualidades de exequ-ilidade. 2:3. As qualidades de pertinércia. + Resumo da primeira etapa + Trabatio de eplicagto m* 1 fama Ge ura pergunta de par- Fide 3. E se ainda tiver reticncias Objectivos 1. A leitura .. 1.1. escolha e a organizagdo das leituras . escolha das primei 1.2.Come ler? + Trabalho de aplicazdo n? 3: tuma grea ce leita + Trabalho de aplicagdo n= 4: resunnos de textos * Trabalho de aplicacdo n* 5: comparagio de textos tra de um texto com a ajuda de 2. As entrevistas exploratérias 2.1.Com quem € dtil ter uma envrevista? 22.Em que consistem as entrevistas e como realizélas? 23.4 explorago das entrevisias explorat6rias .. + Trabalho de oplicegdo n 6: realizaglo ¢ antlise de entrevisas exploratrias vt : 3. Métodos explorat6rios complementares + Resumo da segunda etapa + Trabalho de epee m7: "formuso cs reenta ‘de pare ‘i Objectivos 1. Dais exemplos de coneepgio de uma problematica 1.1.0 suicido. 1.2.0 ensine 2. Os dois mementos de uma problemética .. 2.1.0 primo momento: feo blango eeiidr a problenstias possivels 2.2.0 segundo momento. aibuite uma problematca + Resume da terceira etapa * Trabaiho de aplicagao n? 8 a escolha e a exci e uma problemdtica...n 7 96 100 104 10s Objectives. 109 1'Dol ese fe cnr ed esi 0 ‘a Reaveais dea is 2. Porqué as hipéteses? pied 3. Como proceder concretamente? . 120 3.1. contrgfo dos ences. 121 SA Gane dat pds ts aa 24 Aen eee ce to cin ba 6 es a eee ta ne 1s «aa alana Seo wl nea Objectives .. sess . 185 1. Observar 0 qué? A definigiio dos dados pertinentes 7 2. Observar em quem? O campo de anilise e a selecyao das unidades de observa¢io .... 157 3. Observar como? Os instrumentes de observagio ea reco- tha dos dados ... 163, RAC 16 Se Artes cieuie Go dasge in 4. Panorama dos principais métodes de recolha das informa- goes La 186, 41.0 maar wr auto vt 4.4.4 recolha de dados preexistentes: dados secundétios © dados ‘documentais.. : — + Resumo da quinta etapa. + Trabalho de aplicagao n* 11: concepyke 6a obse0aGH0 vmnn Seta ep [A ANALISE DAS INFORMACOES. Objectivos .... 1. Um exemplo: 0 fenémeno rel 2. As trés operagdes da andlise di ioso informagies 2.1.A preparasio dos dados: descrever e agregar 22.4 anilise das relagbes entre as variavess. 213, A comparsgdodos resultados observados com os resultados espe- rados € a interpretagdo das diferengas : 3. Panorama dos principais métodos de sndlise das informa- ies 3A andlise estatistice dos dados 32.A andlise de contesdo 33: Limites e complementaidade es métodos especifcos: 0 exem- plo da field research 7 3.4,Uim cendrio de investigagio nao linear 315, Exemplos de investigagdes que aplicam os métodos apresemt- os + Resumo da sexta etapa {Trabalho de aplicegao n? 12: andlise is informaybes Stina etapa AS CONCLUSOES, Objectivos .. 1. Retrospectiva das grandes linhas do procedimento 2, Novos contributos para os conhecimentos .... 2.1.Noves conhesimenios relatives 20 objecto de anilise .. 22. Novos conhesimentos te6cicos 2 3, Perspectivas pritices 201 205 207 au 212 . 216 216 218 219 222 22 226 233, 235 237 238 239 243 . 243 . 244 244 245, 247 Objectivos 1. A pergunta de partida 2. A exploragio .. 2U1.AS LeU sans 2.2. As enrevistas explora‘srias... 3. A problematic 3.1. Fazer 0 balango 312 Cenceder una prodlemiti 4. A construgiio do modelo de anilise 4.1. Modelo € hip6tese: os crtérios de raci 4.2.05 indicadors 4.3. As relagGes entre construgio e verifeag 4.8. A selecgao das unidades de observaglo 5. A observagio .. 5.1.0 instrumento de observagao 5.2. recolha dos dados..... 6. A anilise das informagies 6.1.A medigao. 6.2. A. des:rigio dos resultados, 6.3. A andlise das relaghes entre a taxa de presenga e as razdes para ir as aula. 6.4. Acomparag2o dos resultados abservacos com 08 resultados espe~ rados a part da hipécese o exame das diferengas.. 210 am 214 215 7. As conclusées .. cr A hipétese esquecida 27 281 Recapitulagio das qperacies Bibliografia geral .... Prefacio a 2.* edigao Nesta 2* edigio esforgdmo-nos por nio alterar a concepgo didéctica da obra. O Marual de Investigagdo em Ciéncias Sociais permanece resolutamente prético. Foram feitas muitas correcgBes € modificagdes locais em todas as partes do livra Algumas foram transformadas de alto a taixo, As principais alteragies so as se- guintes: Primeira etapa: a pergunta de partida — supressiio de algu- mas passagens que podiam conduzir a malentendidos nova redacco dos comentirios de determinadas questées (Celagoes entre a investigagio em ciéncias sociais e a ética, entre a descrigdo ¢ a compreensto des fenémenos sociai Terceira etapa: a problemstica — capitulo quase inteira- mente recomposto tendo em conta os contributos de obras recentes sobre 0s modos de explicagao dos fenémenos socicis; Quarta etapa: a construgdo do modelo de andlise —refor- mulagdo das dimensdes do conceito de actor social a partir de investigagdes recentes; Sexia etapa: a anSiise das informagées — acrescentos sobre a tipologia, a field research, a complementaridade entre métodos diferentes ¢ um cenirio de investigagao rio li- rear, u + Actualizagio das diferentes bibliografias © integragzo das bioliografias especializadas nas apresentagdes dos métodos de recolha e de anélise das informagoes. Estes alteragbes devem muito a varias pessoas, a quem queria- ‘mos assegurar © nosso reconhecimento: Monique Tavernies, pela sua ajuda competente e eficaz na preparagdo desta 2.' edicao; Michel Hubert, Jean-Marie Lacrosse, Christian Maroy e Jean Nizet, pelas suas ariticas € sugestdes profissionais e amigiveis; Casimiro Marques Balss, seus colegas da Universidade Nova de Lisbea e, em particular, Rui Santos, pelo seu exame pormenotiza- do dé obra e pelo acolhimento que the foi dado em Portugal; os ‘muitos professares, estudantes e itvestigadores de Franga, Suiga, Quebeque, Senegal, Bélzica € de outros paises que nos deram a conhecer as sues reacgdes € estimulos. 12 OBJECTIVOS E PROCEDIMENTO 1. OS OBJECTIVOS 1. OBJECTIVOS GERAIS A investigagdo em ciéncias sociais segue um procedimento andlogo 20 do pesquisador de petr6leo. Nao & perfurando ao acaso que este encontrar o que Frocura. Pelo contrério, o sucesso de um programa de pesquisa petrolifera depende do procedimento segui- do. Primeiro o estudo dos :errenos, depois a perfuragio. Este pro- cedimento implica a participagdo de numerosas competéncias dife- rentes. Os ge6logos irdo determinar as zonas geogréficas onde & maior a probabilidade de encontrar petr6leo; os engenheiros iréo conceber processos de ferfuracao apropriados, que irdo ser aplica- se a0 responsivel do projecto que domine inuciosamente todas es técnicas necessérias. O seu papel espe- cifico seré 0 de conceber 0 conjunto do projecto ¢ soordenar as ‘operagdes com o maximo de coerércia e eficdcia. E sobre ele que recair a responsabilidade de levar a bom termo @ dispositive global de investigagao. No que respeita & investigagao social, o proceso comparivel. Importa, acima de tudo, que o investigador seja capaz de conceber e de por em pritica um dispositivo para 2 elucidacdo do real. isto é,no seu sertido mais lato, um método de trabalho. Este nunca se apresentaré como uma simples soma de técnicas que se trataria de aplicar tal e qual se apresentam, mas sim como um percurso global do espirito que exige ser reinventado para cada trabelho. 15 ‘Quando, no decorrer de um trabalho de investigagdo social, o seu autor s2 vé confroatado com prcblemas graves que comprometem 0 pprosseguimento do projecto, rarumente isso acontece por rizdes de order estritamente técnica. E possivel aprender veriadissimas técni- cas de um modo bastante répido, assim como, de qualquer forma, solicitar a coleboragao ou, pelo menos, os conselhos de um especia- lista. Quando um investigador, profissional ou principiante, secte gran- des dif.culdades no seu rabalho, as razdes sfo quase sempre de ordem metodol6gica, no sentido que dames a0 termo. Ouvimos entao expres- sbes invariavelmente idénticas: «JA ndo sei em que ponto estou», stenko a impressio de jf nem saber 0 que procuro», eno fago a ‘mfnima ideia do que hei-de fazer para continuam», «tenho muitos dados.,. mas no sei o que fazer com eles», ou até mesmo, logo de inicio, «ndo sei bem por onde comegar. Porém, ¢ paradoxalmente, as numeroscs obras que se dizem meto- ol6gicas no se preocupam muito com... 0 método, no seu sentido mais lato. Longe de contribuirem para formar os seus leitores num procedimento global de investigacio, apresentam-se frequentemente como exposigées de técnicas particulares, isoladas da reflexdo te6rica € da concepgio de conjanto, sem as quais é impossivel justificar a sua escolha ¢ dar-lhes um sentido, Estas obras tém, bem entendido, a sua utilidade para o irvestigador, mas s6 depois da construgio metodol6- ica, 2p6s esta ter sido validamente encetada, Esta obra foi concebida parz. gjudar todos os que, no ambito dos seus estudos, das suas responsabilidades profissionais ou sociais, desejem formar-se err investigacdo social ou, mais precisamente, empzeender com éxito um trabaiho de fim de curso ou uma tese, tradalhos, anilises ou investigagses cujo objectivo seja compreen- der mais profundamente e interpretar mais acertadamente os fen6- ‘menos da vida colectiva com que se confrontam ou que, por qual quer razo, os interpelam. Felos motivos acima expostos, pareceu-nos que esta obra s6 pode: ria desempenhar esta fungao se fosse inteiramente concebida como um superte de formagao metodologica, em sentido late, isto é, como ume formagiio para conceber ¢ aplicar um dispositivo de elucidagdo do real Significa isto que aberdaremos numa ordem logica temas como a formulagio de um projecto de investigacio, 0 trabalho explorat6rio, cconstrugao de um plano de pesquisa ou 0s crtérios para a escolha das 16 técnicas de recolha, tratamento € andlise cos dados. Deste modo, cada um poder, chegado o momento e com pleno conhecimento de causa, fazer sensatamente apelo a um ou a outro dos numerosos métodos ¢ ‘éenicas de investigagao, em sentido restrto, pera elaborar por si mes- mo, a partir deles, procedimentos de trabalho correctamente adaptadas ‘a0 seu projecto. 1.2. CONCEPCAO DIDACTICA No plano didéctico, esta obra € directamente utilizével. Isto significa que o leitor que 0. deseje poderd, logo a partir das primei- ‘res pfginas, aplicar ao seu trabalho as recomendagdes que Ihe sero propostas. Apresenta-se, pois, como um manual cujas dife- rentes partes podem ser experimentadas, seja por investigadores P-incipiantes isoledos, seja em grupo ou ne sala de aula, cam 0 ‘enquadramento critico de um docente formaco em cigacias sociais. No entamto, recomenda-se uma primeira leitura integral antes de iniciar os trabalhos de aplicagfio, de modo que a coeréncia global do procedimento seja bem apreendida e as sugestdes sejam aplice- das de forma flexivel, critica e inventiva. ‘Uma ‘al ambigdo pode parecer uma aposia impossivel: como é Possivel propor um manval metodol6gico num campo de investigago ‘onde, como € sabico, os dispesitivos de pesquisa variam considerave!- mente com as investigagdes? Nao existe aqui um encrme rison de impor uma imagem simplista e muito arbitréria da investigagdo social? Por varias razdes, pensamos.que este risco 86 poderie resultar de uma ‘kitura exiremamente superficial ou parcial deste livro. Embora 0 contetido desta obra seja directamente zplicdvel, no se aptesenta, no entanto, como uma simples coleceao de receitas, mas como uma trama gerel ¢ muito aterta, no Ambito da qual (¢ fora da qual!) pocem pér-se em pratica os mais variados procedi- mentos concretos. Se é verdade que centém numerosas sugestdes Pciticas ¢ exercicios de aplicagio, nem aquelas nem estes arraste- Go 0 leitor para uma via metodol6gica precisa e imevogavel. Este livto foi inteiramente redigido para ajudar o leitor a conceber por si proprio um processo de trabalho, ¢ nao para lhe impor um determinado proceso ¢ titulo de cénone universal. Nao se trata, 7 pois, de um «modo de emprego» que implique qualquer aplicagao mecéinica das suas diferentes etapas. Propde pontos de referéncia {Ho polivalentes quanto possivel para que cada um possa elaborar com lucidez dispositivos metodol6gicos préprios em funga0 dos seus objectives. Com este propésito —e trata-se de uma segunda precaucdo —, 1s paginas desta obra convidam constantemente ao recuo critico, de modo que o leitor seja regularmente levedo a reflectir com lucidez. sobre 0 sentido do seu trabalho, 4 mediéa que for progredindo. As reflexes que propomos 20 leitor fundam-se na nossa experiéncia de westigadores em sociologia, de formadores de adultos e de docentes, So, portanto, forgosamente subjectivas © inacabadas. Parimos do ‘pressuposto de que 0 leitor seguiu ou segue paralelamente uma forma- {do tzbrica e goza da possibilidade de discutir e ser avaliado por um investizador ou um docente formado em ciéncias sociais. Veremos, por outro lado, no decurso desta obra, onde como os recursos te6cices intervém na elaboragio do dispesitivo metodol6zico. ‘Uma investigagio social nfo é, pois, uma sucesso de métodos ¢ técnicas esterectipadas que bastaria aplicar tal ¢ qual se apresen- tam, uma ordem imutdvel. A escolha, a elaboragao e a organiza- ‘¢do dos processos de trabalho variam com cada investigecdo espect- fica. Por isso — e trate-se de ume terceira precaugtio —, a obra est elaborada com base em numerosos exemplos reais. Alguns deles serdo varias vezes referidos, de modo a realgarem a coeréncia glo- bal de uma investigagio. NZo constituem ideais a atingir, mas sim baliaas, a partir das quais cada um poderd distanciar-se e situar-se. Finalmense — tltima precaugdo —, este livro apresenta-se. explicitamente, como um mancal de formagao. Esté construido em fungdo de uma ideia de progressio na aprendizagem. Par conse. ‘guinte, compreender-se- imed:atamente que o significado eo inte resse destas diferentes etapas ro podem ser comectamente aval dos se forem retiradas do seu contexio global. Umss so mais técnicas, outras mais eriticas. Algumas ideias, pouco aprofundadas no inicio da obra, so retomadas e desenvolvicas posteriormente outros contextos. Certas passagens contém recomendagoes fun- damentadas; outras apresentam simples sugestdes ou um leque de possibilidades. Nenhuma delas d, por si s6, uma imagem do dis- pesitivo global, mas cada uma ocupa nele um lugar necessério. 18 1.3, «INVESTIGAGAO» EM «CIENCIAS» SOCIAIS? No dominio que aqui nos ocupa utilizam-se frequentemente somos forgades a incluir-nos neste «ser — as palavras «investigagio» ou «ciéncia» com uma certa ligeireza e ros sentidos mais elésticos. Fala-se, por exemplo, de «irvestigagao cientfica» para qualificar as sondagens de opinio, os estuidos de mercado ou os diagrésticos mazis bbanais s6 porque foram e‘ectuados por um servigo ou per um centro de investigagio universitério. Dé-se a entender aos estudantes do pri- meiro nivel do ensino superior, ¢ mesmo aos dos dltirnos anos do ensino secundirio, que as suas aulas de métodes e técnicas de inves- tigngdo social os tomardo aptos a adoptar um «procedimento cientifi- co» e, desde logo, 2 produzir um «conhecimento ciensfieo», quardo, na verdade, € muito dificil, mesmo para um investigador profissional ¢ com experiéncia, produzir conhecimento verdadeiramente novo que fega progredir a sua disciplina, © que é que, na melhor das hipéteses, se aprende de facto no fim daquilo que geralmente qualificado como trabalho de «inves- tigagdo em ciéncias sociais»? A compreender melhor os significa- dos de um acontecimento ou de uma condute, a fazer inteligente- mente 0 ponto da situarac, a captar com maior perspicdcia as légicas de funcionamento de uma organizagao, a reflectir acerteda- mente sobre as implicagdes de uma decisao politica, ou ainda compreender com mais nitidez como determinadas pessoas apreen- dem um problema e a tomar visiveis alguns dos fundamentos das suas represencacdes. Tudo isto merece que nos detentamos e que adquiramos essa formacao; € principalmente a ela que o livro & consagrado. Mas raramente se trata de investigagdes que contribuam para fazer pro- eredir os quadros conceptuais das ciéncias sociais, os seus modelos de andlise ou os seus dispositivos metodol6gicos. Trate-se de estu- dos, andlises ou exemes, mais ou menos bem realizados, consosnte a formacdo e a imaginacéo do «investigador» ¢ as precaucdes de que se rodeia para Jevar a cabo as suss investigagdes. Este trabalho pode ser precioso e contrituir muito para a hicidez. dos actares soviais acerca das préticas de que sto autores, ou scbre os aconte- cimentos ¢ os fenémenos que testemunham, mas no se deve stri- buir-Ihe um estatuto que nao Ihe € sproptiads. 19 Esta obra, embora possa apoiar determinados leitores empenha- dos em investigagées de uma certa envergadura, visa sobretudo fajudar os que tém ambigdes mais modestas, mas que, pelo menos, estio decididos a estudar os fenémenos sociais com uma preocu- pasdo de autenticidade, de compreensto e de rigor metacolégico. "Em ciéncias socizis temos de nos proteger de dois defeit opostos: um cientismo ingénuo que consiste em crer na possibil dade de estabelecer verdades definitivas e de adoptar um rigor andlogo a0 dos fisicos ou dos bidlogos, ou, inversamente, um cepticismo cue negaria a propria postibilidade de conbecimento cientifico. Sabemos simultaneamente mais ¢ menos do que por ‘vezes deixamos entender. Os nossos conhecimentos constroem-s? ‘com 0 apoic de quaéros tebricos ¢ metodol6gicos explicitos, len- tamente elaborados, que constituem um campo pelo menos par- cialmente estruturado, € esses conhecimentos so apoiados por uma observacdo dos factos concretos. Ba estas qualidades de autenticidace, de curiosidade ¢ de rigor que queremos dar relevo nesta obra. Se utilizamos os termos «in~ vestigagaio», «investigador» e «ciéncias sociais» para falar tanto dos trabalhos mais modestos como dos mais ambiciosos, é por uma questo de facilidade, porque néo vemos outros mais convenientes, ‘mas 6 também com a consciéncia de que sto frequentemente exces- sivos. 2. 0 PROCEDIMENTO 2.1. PROBLEMAS DE METODO (0 caos original... ou trés” _maneiras de comegar mal) No infcio de uma investigapo ou de um trabalho, o cenério é {quase sempre idéntico. Sabernos vagamente que queremos estudar tal ou tal problema — por exemplo, o desenvolvimento da nossa propria regio, o furcionameto de uma empresa, a introdugo das rovas tecnologias na escola, a emigracio ou as actividades de uma asseciagdo que frequentamcs—, mas no sibemos muito bem como abordar a questiio. Desejamos que este trabalho seja itil resulte em proposigdes concretas, mas temos a sensaydo de nos 20 pperdermes nele ainda antes de o termos realmente comegado, Eis aproximadamente a forma como comega a maior parte dos traba- Thos de estudantes, mas também, por vezes, de investigadores, nos dominios que dizem respeito Aquilo a que costumamos chamar as . Em vez de jogar primeiro 0 4s e assegurar assim a vaza, 0 terceizo jogador tenta ganhar o ponto com a dama, esperando que 0 ‘quarto no tenha o rei. Se a jogada resultar, 0 jogador ganha a ‘vaza e conserva o 4s. Uma tal aposta ndo se justifica em invesi- gagio, onde reelizar cuidadosamente a primeiras etapas entes de pensar nas “ee passer as hiplests conse preizente em preci dante declarar que tenciora fazer um lada populacdo quando nao tem nenhuma hip6tese de trabalho e, para dizer a verdade, nem sequer sabe 0 que procurs 22 Esta forma de fuga para a frente € corrente, sendo encorajada pela crenea segundo a qual a utilizacdo de téenicas de investigagao consagradas determina o velor intelectual e 0 cardcier cientifion de um trabalho. Mas que utilidade tem a aplicapo correcta de técni- ccas experimentadas se estas estiverem a0 servigo de um projecto ‘vago € mal definido? Outros pensam que basta acumular um mé- ximo de informagdes sobre um assunto e submeté-las a virias técnicas de anélise estatfstica para descobrir a resposta as suas perguntas, Afundam-se, assim, nurra atmadilha cujas consequén- cias podem cobri-los culo. Por exemplo, num trabalho de fim de curso um estudante tentava descobrir quais os argumentos ‘mais frequentemeate empregues por um conselho de turma para avaliar a capicidade dos estudantes. Tinha gravado tocas as discus- des dos docentes durante © conselho de turma de fim de ano ¢, ‘p6s ter intioduzido tudo num ficheiro de computador, havia-o submetido a um programa de anélise de conteddo altamente sofis- ticado. Os resultados foram inesperados. Segundo o computador, 0s termos mais empregues para julgar os alunos eram palavras como «e>... «de».. «heim... «cape»... «mas»... tc! ©) A énfase que obscurece Este terceiro defeito € frequente nos investigadores.princi- piantes que esto impressionados ¢ intimidados pela sua recente passagem pela frequéncia das universidades e por aquilo que pensam sea cifacia, Pan ASegUriet Sa EMBL” ue Umas vezes parece estar em causa a reestruturagio industrial da sva regio; outras, 0 futuro do ensino; outras ainda € nada menos do que 0 destino co Terceito Mundo que parece jogar-se nos seus poderosos cérebros. 23 Estas declaragées de intengao exprimem-se numa girls, tfo oca yvanto a auséncia de um projecto de A primeira terefa do orientador deste ti ar © seu autor a Para vencer as sues eventuais reticéncias & necessécio pedir-Ihe sistematicamente que defina todas as palavras que emprega e que explique todas as frases que formule, de modo que rapidamente se dé conta ce que ele proprio nio percebe nada da sua algaraviada. ‘Se pensa que estas considerandes se Ihe aplicam, esta tomada de corsciéncia, por si s6, pé-lo4 no bom caminho, éado que uma carac- teristica essencial — e rara — de uma boa investigagdo € a autentici- dace, Neste dominio que nos ocapa, meis do que em qualguer outro, rio hé bom trabalho cue ndo seja uma procura sincera da verdade. Nio a verdade absoluta, estabelecida de uma vez por todas pelos dogmes, ‘mag aquela que se repde sempre em questio e se aprofunde incessan- temente devido ao desejo de compreender com mais justeza a reali- dade em que viveros e para evja produgio contribuimos. Se, pelo contrério, pensa que nada disto Ihe diz respeito, faga- -se, mesmo assim, 0 pequeno favor de explicar claramente as ralavras e as frases que ja tenha eventualmente redigido sobre um trabalho que inicia, Pode honestamente afirmar que se compreende tem a si mesmo e cue os seus textos no contém expresses imi- tacas ¢ declaragées ocas e fresungosas? Se assim 6, se possui a aucenticidade e 0 sentido das proporgses, entio, e $6 entdo, € pos- _sivel que 0 seu trabalho venhe a servir para alguma coisa. ‘Ap6s termos examinado varias maneiras de comegar muito mal, vyejamos agora como é possivel proceder de forma vilida a um trabalho de investigagao e assegurar-Ihe um bom comego. Com @ sjuca de esquemas, referiremos primeiro os principios mais impor- tantes do procedimento cientifico apresentaremos as etapas da sua aplicaglo-pratica. 2.2, AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO 4 Mas esta adapiagio nfo dispensa a fidelidade do investigador 0s principias fundamentais do procedimento cientifice ‘Ao dar mais relevo 20 procedimento do que aos métodos par- ticulares, a nossa formulagdo tem, assim, um alcance geral ¢ pode aplicar-se a todo 0 tipo de trabalho cientifico em cincias sociais. Mas quais so esses princfpios fundamentais que toda a investiga- ‘go deve respeitar? Gasion Bachelard resumiu 0 proceso cientifico era algumas palavras: A mesma ideia estrutura toda a obra Le métier de sociologue, de P. Bourdieu, J. C. Chamboredon ¢ J. C. Passeron (Paris, Mouton, Bordas, 1968). Nela os autores descrevem 0 procecimento como um proceso em trés actos cuja ordem deve ser respeitada. E aquilo ‘aque chamam «h‘erarquia dos actos epistemol6gicos». Estes ti és a sfo a ruptura, a construgdo € a verificago (ou experimen a- 0). O objectivo deste manual é o de apresentar estes principics do Frocedimento ciertifico em ciéncias scciais sob a forma de sete tapas a percorrer. Em cada uma delas so descritas 1s operagdes aempreender pare atingir a seguinte e progredir de em acto para 25 © outro. Ou seja, este manual apresenta-se como ume pega de teatre clissica, em trés actos © sete cenas. (© esquema da pagina seguinte mostra a correspondéncia entre a etapa e os actos do procedimento, Por razbes didacticas. 0s actos as etapas so apresentados como operagdes separadas € numa ordem sequencial. Na realidade, uma investigaglo cientifica nao € to mecinica, pelo que introduzimos no esquema circuitos de retroacgo para simbolizar as interacgdes que realmente existem entre as diferentes fases da investigagio. a) Os trés actos do procedimento Para compreender a articulazlo das etapas de uma imestigagéo com os trés acios do procedimento cientifico € necessirio dizer primeiro algumas palavras sobre os principios que esies trés actos encerram e sobre a l6gica que os une. A raptura, Em ciéncias sociais, a nossa bagagem supostamente atedrica» comporta numerosas armadilhas, dado que uma grande parte das nossas ideies se inspiram ras aparéncias imediatas ou em posigdes parciais. Frequentemente, néio mais do que ilusdes ¢ preconceitos. Canstruir sobre tais premissas equivale a construir sobre areia. Dai a importancia da ruptura, que consiste precisamente em A construgio Esta ruptura s6 pode ser efectuada a parti de um sistema conceptual organizado, susceptivel de exprimir a légica que o in- vestigador supée estar na base do fendmeno. E gragas a esta teoria 26 RUPTURA CONSTRUCAO VERIFICAGSO [Etapa 1 —A pergunta de partica Etapa 2— A exploragao ‘As leitures [>] As entrevists| exploratérias Etapa 4— A construgio de modelo d> andlise Etapa 5— A observagio anilise das informages, Etapa 7 — As conclusdes temo da obsrvagto. Sem esta contro trea nl hava experimentago valida. haver, em ciéncias sociais, veri- ‘ie ron sem Com un utes eh ‘cia. Nao se submete uma proposigio qualquer ao teste dos factos. (G.-M, Berthelot, L'Intelligence du social, Paris, Este teste pelos factos € designado por verificagao ou experimentagio. Corresporde ao ter- ceiro acto do proceso. b) As sete etapas do procedimento uns dos outros. Pelo contrério, Se eae . por exemplo, No desenvol razbes didécticas, oesquema ant ingue de form: ‘tapas umas das ovtras. No entanto, circuitos de retrcscglo lem- bram-nos gu deixaremos, ali possivel, uma vez que este manual daré mento das operagées a T6gica que as liga. PRIMEIRA ETAPA AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO Erapa 2 —A exploragao ‘As leituras [>] AS entrevista exploratsrias| Etapa 3— A problemstica Etapa 4— A construgio do modelo de anslise Brapa 5— A observagio Ftapa 6 —A. andlise das informagies Etape 7 — As conclusoes OBJECTIVOS ariel eeoee aeceeeoaaaTs. De facto, nido € fécil conseguir traduzir o que vulgarmente se spresenta cama ‘um foco de interesse ou uma preocupagzo relativamenie vaga mum projecto de investigacdo operacional. O receio de iriciar mal 0 trabalho pode levar algumas pessoas a andarem as veltas durante bastante tempo, a procurarem uma seguranga ilus6ria numa das formas de fuga para a frente que abordémos, ou ainda a renun- ciarem pura e simplesrrente a0 projecto. Ao longo desta etapa mostraremos que existe uma outra solugdo para este problema do arranque do trabalho. ‘A dificuldade frequenteme: inhar para um melhor conhecimento € deve ser aceite como tal, com todas as hesita- Ges, desvios e incertezas que isso implica. Muitos vivem ¢ realidade como uma angistia paralisante; outros, pelo contréci reconhecem-na como um fenémeno normal e, numa palavra, est melante. 31 -0 im je partida ya banal e que a reflexio do investigador no Ihe parega ainda earisente madara; pouco importa que, como é provével ele mule de perspectiva a0 longo do caminho. Este ponto de partida € are- ras provisério, como um acampamento-base que os alpinistas constroem para prepararem a escalada de um cume © que abandonardo por outros acampamentos mais avangados até inicia- rem 0 assalto final. Resta saber como deve ser apresentado este primeiro fio condutor € que critérios deve preencher para desem- penhar o melhor possivel a fungio que dele se espers. E este 0 ‘objecto desta primeira etapa. 1. UMA BOA FORMA DE ACTUAR Por varias raz6es que progressivemente se tomato evidentes, soerimos adopt de uma fomulague a experi revelou ser muito eficaz. Sem divida, muitos leitores manifestardo desde logo algumas reticénciae em relagdo a uma tal proposta, mas gostarfamos que cada um reservasse a sus cpinido aié ter apreendigo bem a natu- reza e 0 alcance exacto do exercicio. : ‘Em primeiro lugar, nfo & inGtil assinalar que os autores mais conceituados nio hesitam em enunciar os seus projectos de inves- tigagio Eis ts exemplos bem conhecides Jus socisto- ges: + A desigualdade de oportunidades em relagdo co ensino tem terdéncia c diminuir nas sociedades industricis? Esta pergunta é feita per Raymend Boudon no inicio de ume investigag3o cujos resultadas foram publicados com o titulo L'iné- galité des chances: la mobilité sociale dans les sociétés indus- rrielles (Paris, Armand Colin, 1973). A esta primeira questo cen- tral acrescenta Raymond Boudon uma outra que tem por objectivo «a incidéncia das desigualdades em relagdo a0 ensino na mobili- dade social». Mas a primeira pergunta citada constitu’ verdadeira- mente a interrogacio de partida do seu trabalho e aquela que Ihe sezviré de primeiro eixo central. + A luta estudantil (em Franca) é apenas uma agitagdo em que se manifesta a crise da universidade, ou contém em si um movimento sociai capaz de lutar em nome ce objectivos gerais contra uma dominagde social? Esta € a pergunta de partida posta por Alain Touraine na inves- tigagdo em que utiliza pela primeira vez o seu método de interven- ‘¢40 sociol6gica, cvjos relatirios e anslises foram publicados com otitulo Lute étudiante (com F. Dubet, Z. Hegedus e M. Wieviorka, Paris, Seuil, 1978), + 0 que predispoe algumas pessoas a frequentarem os mu- seus, a0 contrério da grande maioria das que os néo fre- quentam? Reconstitufda segundo 0s termos dos autores, esta ¢ a pergunta de partida da investigagio efectuada por Pieme Bourdieu e Alain Derbel sobre 0 ptiblico dos museus de arte europeus, cujos resul- tados forem publicados com o titulo L'Amour de art (Paris, Editions de Minuit, 1969). Se os pileres da investigago sccial impdem 2 si mesmos 0 esforgo de precisarem 0 seu projecto de uma forma tao conscien- ciosa, hé que admitir que o investigader, principiante ou j& com alguma pritica, amador ou profissional, ocasional ou regular, néio pode dar-se ao Iuxo de omstir este exercicio, mesmo que as suas pretenses te6ricas sejam srfinitamente mais modesias e 0 seu campo de pesquisa mais restrito. 33 2 05 CRITERIOS DE UMA BOA PERGUNTA. fécil, _guna de pertida deve preencher varias condigdes. Em vez de apre- Sentar imediatamente estas condigdes de forma abstracta, & prefe~ tivel partir de exemplos concretos. Procederemos, assim, a0 exame eritico de uma série de perguntas de partida, insatisfat6rias, mas ‘cam formas correntes. Este exame permitir-nos-4 reflectir sobre os critérios de uma boa pergunta € 0 significado profundo desses critérios. © enunciado de cada pergunta seré seguido de um co- ‘mentério critico, mss seris preferivel que cada um discutisse por si mesmo estas perguntas, se possivel em grupo, antes de ler, mais ou menos passivament:, 05 nossos comentarios. ‘Ainda que os exemplos de perguntas apresentados Ihe paregam muito claros, até mesmo demasiado claros, e que as recomendagses propostas Ihe paregam evidentes e elementares, nfo deixe de levar 1 sério esta primeira etapa. Aquilo que pode ser fécil quando um critério 6 apresentado isoladamente sé-lo-f muito menos quandc se tratar de respeitar 0 conjunto destes critérios para uma tinica per- gunta de partida: a sua. Acrescentemos que estes exemplos no sio puras invengdes da nossa parce. Ouvimo-los todos, por vezes sob formas muito ligei:amente diferentes, da boca de estndantes. Se, das centenas de perguntas insatisfat6rias sobre as quais trabalhémos ‘com eles, acabémos por reter aqui apenas se‘e, € porque elas so bastante representativas das falhas mais correntes e pozque, juntas, cobrem bem os objectives pretendidos. ‘Veremos progressivamerite a que ponto este trabalho, longe de ser estritamente téenico e formal, obriga o investigador a uma cla- rificagao, frequentemente muito Gtil, das suas int € perspec vas espontaneas. Neste sentid SSS pao mos a este ponto no fim do exercicio. ‘O conjunto das qualiéades requeridas pode resumir- nas palavras 34 Sim pt oe tém de ser pormenorizadas. Para esse efeito, procedamos ao exame critico de sete ecemplos de pesguntas. 2.1, AS QUALIDADES DE CLAREZA Pergunta 1 Qual é 0 impacto das mudangas na organizagic do e: ucbano sone a vida dos habitantes? nme Comentério Esta pergunta €. Em que tipos de mudangas se pensa? O que se entende por «vida dos habitantes»? ‘Trata-se da sua vida profissioral, familiar, social, cultural? Alude-se as suas fecilidades de deslocagio? As suas disposigdes psicolsgicas? Po- Convirs, portan:o, formetar uma pergunta precisa eujo sentido no se preste a confusdes. Seré muitas vezes indispensavel definir cleramente os ternios da pergunta de partide, mas € preciso pri- meiro esfargar-se por ser 0 riais limpido possivel na fozmulaga¢ da propria pergunta. Existe um meio muito simples de se assegurar de que uma pergunta é bastante precisa. Consiste em formulé-la diante de um equeno grupo de pessoas, evitando ccmenté-la ou expor 0 seu sentido. Cada pessoa do grupo € depois convidada a explicar como compreendeu a pergunta. A pergunta serd precisa se as interpreta- ‘ges convergirem e corresponderem a intengio do sea autor. 35 ‘Ao proceder a este pequeno teste em relagdo a varias perguntas diferentes, depressa observaré que uma pergunta pode ser precisa fe compreerdida da mesma forma por todos sem estar por isso limitada a um problema insignificante ou ‘muito marginal. Consi- eremos a seguinte pergunta: «Quais so as causas da diminuigio ddos empregos na indistria vald! no decurso dos anos 80% Esta ‘ergunta é precisa no sentido de que cada um a compreenderé da mesma forma, mas cobre, no entanto, um campo de andlise muito vasto (0 que, como veremios mais a frente, colocaré outros proble- mas). ‘Uma pergunta precisa nao é, assim, 0 contrério de uma pergunta ‘ampla ou muito aberta, mas sim de uma pergunta vage ou impre~ cisa, Resumindo, pare tech de ser precisa, Pergunta 2 Em que medida o aumento das perdas de empregos 20 sector da ‘construgao explica a manutengao de grandes projectos de trabalhos piiblicos, destinados nfo s6 2 manter este sector, mas também a diminuir ¢s riscos de conflitos sociais inerentes a esa situagio? Comentério Esta pergunta 6 \. Contém supo- ‘demasiado longa ¢ desordenada, sigSes e desdobra-se no fim, de tal forma que ¢ dificil perceber ogue ender prioritariamente. el foe ‘Resumindo, para poder ser tratada, uma boa pergunta de partida ‘Da Vena, reito francsfona da Belgica. (N. do T.) 36 2.2, AS QUALIDADES DE EXEQUIBILIDADE v a0 Pergunta 3 Os dirigentes eraprescriais dos diferentes paises da Comunidade Europeia tém uma percepgéo idéntica da concorréncia econémica dos Estados Unidas e do Japao? Comentario Se puder dedicar pelo menos dois anos inteiros a esta investi- ayfo, se dispuser de um orezmento de varios mithées ¢ de colzbo- radores competentes, eficazes ¢ poliglotas, teré, sem divida, algu- mas hip6teses de realizar este tipo de projecto e de cbter resultados suficientemente pormenorizados para terem alguma utilidade. Se no, € aa resting as suas tices f- (Os investigadores principiantes, mas por vezes também os pro- fissionais, subestimam quase sempre as restrigGes materiais, perti cularmente as de tempo, cue os seus projectos de investigazio implicam, Realizar as iniciativas prévias a um inquérito ou a entre- vistas, constitair uma amostca, decidir as pessoas-chave que podem dat apoio, organizar reunides, encentrar documentos Uteis, etc. podem devorar & partida uma grande parte do tempo dos meios consagrados & investigagao. Em consequéncia, ume boa parte das formagdes recolhidas € subexplorada ¢ a investigarZo termina ‘num sprit angustiante, durante © qual nos expomcs a erras € mnegligéncias. 37 2.3, AS QUALIDADES DE PERTINENCIA Procedamos, também aqui, ao exame critico de exemplos de perguntas semelhantes as que encontramos frequentemente no ini- cio de trabalhos de estudantes. Pergunta 4 A forma como ¢ fisco esi organizado no nosso pais & soc mente juste? Comentério Esta pergunta nfo tem, evidentemente, como objectivo analisar 6 funcionamento do sistema fiscal ou impacio da maneira como ele € conce vido ou Ievado a cabo, mas sim ‘© que censtitui um procedimento completamente diferent info diz respeito s ciéncias sociais. A confusio entre a anélise ¢ © juizo de valor € muito usual e nem sempre é fécil de detectar, De uma maneira geral, podemos dizer que uma pergunta ‘moralizadora quando a respesta que Ihe damos s6 tem sentido em relagdo ao sistema de valores de quem a formula, Assim, a res- posta seri radicalmente diferente conscante a pessoa que responds ache que a justiga consiste em fazer cada um pagar uma quota- parte igual 8 dos cutros, sejam quais forem os seus rendimentos (como € 0 caso dos impostos inditectos), uma quota-parte propor- ional aos seus rendimentos ou uma quota;parte proporcional- mente mais importante medida que forem aumentando os seus rendimentos (a taxa progressiva aplicada nos impostes directes). 38 Esta Giltims formula, que alguns considerardo justa por contribuir ppara atenuar as desigualdades econémicas, seré julgada absoluta- mente injusta por quem considere que, assim, 0 fisco he extorque basiante mais do que aos outros do fruto do seu trabalho ou da sua (como contribuir para resolver problersas sociais, para instaurar mais justiga ¢ menos desigualdades, para Iter contra a marginalidade ou contra a violEncia, pare aumentar amotivaczo do pessoal de uma empresa, para ajudar a conceber um implicagées possiveis. Esse problema no ¢, alids, préprio das éncias seciais, que, habitualmente, t8m 0 mérito de 0 colocaxem e de o enfrentarem mais explicitamente do que outras disciplinas. Acresce que uma investigacio realizada com rigor e cuje problemé- ‘ica € construfda com inventividade (v. quarta etapa) evidencia os desafios éticos e normativos dos fenémenos estudados, de manzira andloga acs trabalhos dos biSlogos, que podem revelar desafios €co- logicos. Deste modo, a investigacdo social cumpre o seu verdadeiro papel e © conhecimento por ela produzido pode inscrever-se no proces so mais englobante de um verdadeiro 2ensamento, Enfim, tal como foi bem demonstrado por Marx (L'Idéolegie allemande), Durkheim (Les formes élémentaires de la vie religieuse) ou Weber (L Ethique protestante ei l'esprit du ccapitalisme), os sistemas de valores ¢ de normas fazem parte dos ‘bjectos privilegiados das ciéncias soviais, porquanto a vida co ec- tiva € incompreensivel fora deles. Resumindo, se também deve 39 evitar as confusdes entre os registos e, durante o trabalho de inves- do, ‘Trala-se, aliés, de uma condigio da sua credibilidade e, por conseguinte, em Ghima andlise, do impacto ético e politico dos seus trabalhos. Tal ndo € forgosamente simples, pois, tanto na vida correate como em determinadas aulas do ensino securdério, esses registos so regulamente confundidos. Considera-se, por vezes, de bom ‘om terminar os trabalhcs ou as dissertagdes. com um pequeno soque moralizador, destinado tanto & edificagio ética cos leitores como a convencé-los de que se tem bom coragio, Também aqui a ruptura com os : ceitos ¢ os valores iia € fundamental. Pergunta 5 Seré que os patrdes exploram os trabalhadores? Comentério Esta pergunta €, na realidade, uma inteligentemente estes cados ¢ estimulam a reflexdo critica ¢ a imaginagéo éo investigador. No estado presente do trabalho, isto ctega perfeitamente, Se for stil uma grande quantidade de datos, haveré sempre oportunidade de os recolher mais tarde, quando 0 investigador tiver delimitado pistas mais precisas. Quarto principio: ter 0 cuidado de recolher textos que apresen- tem abordagens diversificacas do fen6meno estudado. Nao s6 no serve de nada ler dez vezes a mesma coisa, como, além disso, « preocupagio de abordar 0 objecto de estudo de um ponto de viste larececor implica que possam confrontar-se perspectivas dife- reates. Esta preocupacdo deve incluir, pelo menos nas investga- ‘gées de um certo nivel, a consideragio de textos mais te6ricos que. rio se debrugando necessariamente, de forma directa, sobre fenémeno estudado, apresentem modelos de andlise susceptiveis de inspirarem hipéteses pariicularmente interessantes. (Voltaremos frente aos modelos de anilise € as hipéteses.) Quinto principio: oferecer-se, a intervalos regulares, periodos de tempo consagrados a reflexdo pessoal e as troces de pontos de vista com colegas ou com pessoas experientes. Um espirito atu- Ibado nunca € criativo. ‘As sugestées anteriores dizem principalmente respeita as primeiras fases do trabalho de leitura, A medida que for avangando. impor-se-5o rogressivamente por si mesmos critérios mais precisos e especificos, na condiglo, precisemente, de que a leitura seja entrecortada de perio- dos de reflexio ¢, se posstvel, de debate e discussdes. 53 Uma forma de se organizar consiste em ler «levas» sucessivas de dois ou trés textos (obras ou artigos) de cada vez. Apés cada leva, péra-se de ler durante algum temgo para reflectir, tamar notas ¢ falar com pessoas conhecidas que se julga poderem aiudar-nos a progredir. E sé apts esta pausa nas leituras que se decidira o contedido exacto da leva seguinte, estando as orientagdes gerais que se tinham fixado no inicio sempre sujeitas a correcebes, Decidir de uma s6 vez 0 contetido preciso de um programa de leivura importante € geralmente um erro: a amplitude do trabalho depressa desencoraja; a rigidez do programa presta-se mal & sua fangio explorat6ria e os eventuais erros iniciais de orientagdo se- riam mais dificeis de corrigir. Por outro lado, este dispositivo por Tevas sucessivas adequa-se tanto aos trabalhos modestos como as investigagdes de grende eavergadura: os primeiros porio fim 20 trabalho de leitura preparai6ria apés duas ou trés levas: as segun- das, ap6s uma dezena ou mais. Em suma, respeite os seguintes critérios de escolha: Leia for esalvas» sucessives, entrecortadas por pausas consa- ‘gfadas a reflexdo pessoal e &s trocas de pontos de vista. b) Onde encontrar estes textos? Antes de se precipitar para as bibliotecas € necessério saber o que se procura. As bibliotecas de ciéncias sociais dignas deste nome possuem milhares de obras. E indtil esperar descobrir por acaso, 20, sator de um passeio por entre as estantes ou de uma olhadela pelos fickeiros, 0 livro ideal que responde exactamente &s nossas expecta- tivas. Também aqui é precisa 1im métoda de trabalho, caja primeica etapa consiste em Re donno, cone oe tet ea ere caro, Por ter queride poupar algumas horas de reflexda, hé muita gente que perde depois varios dias, até varias semanas de trabalho. 54 Nio abordaremes aqui 0 trabalho de pesquisa bibliogréfica pro- priamente dito, visto que isso nos levaria demasiado Ionge e rio farfamos mais do que repetir 0 que qualquer um pode ler em vérias obras especializadas neste dominio. Eis, ro entanto, algamas ideias que podem ajudar a encontrar facilmente os textos adequados sem. gastar demasiado tempo: + Pega conselhos a especialistas que conhegan bem o seu ‘campo de pesquisa: investigadores, doventes, responsdveis de crganizagbes, etc. Antes de se Ihes dirigir, prepare com Precisio 0 seu pedido de informago, de forma que o com- preendam imediatamente € possam recomendarlhe 0 que, segundo eles, mais Ihe convém. Compare as sugestdes de uns e de outros e faca, finalmente, a sua escolhaem funglo dos critérios que tiver definido; + Nao negligencie os artigos de revisias, os dossiers de sintese ¢ as entrevistas de especialistas publicadas na imprensa para um grande piblico instrufdo, as publicegdes de organismos especializados ¢ muitos outros documentos que, nfo serdo relat6rios cientificos em sentido estrito, nfo deixsm por isso de conter elementos de reflexac ¢ informago que podem ser Preciosos para si; + As revistas especializadas no seu campo de investigaco so Particularmente interessantes, por duas razées. Primeiro, Porque o seu conteido traz os conhecir:entos mais recenles nha matéria ou um olhar critico sobre os conhecimentos ante- riormente adquiridos. Num e noutro caso, os artigos fazem frequentemente o balengo da questo que tratam e, assim, citam publicagdes a ter em consideragio. A segunda razio € que as revistas publicam comentirios bibliogréficos sobre as obras mais recentes, gragas aos quais poder fazer uma esco'ha acertada de leiuras; + As bibliotecas cientificas comportam repert6rios especiali- zados, como a Ribliographie internationale des sciences sociales (Lordres ¢ Nova Torque, Routledge) € 0 Bulletin signalétique do Centro de Documentagao do CNRS (Paris). Nestes repertorios encontra-se uma grande quantidade de publicagdes cientificas (obras e/ou artigos), organizada se- 35 gundo um indice tematico € muitas vezes resumica em pou- cas linhas; As obras comportam sempre uma biblicgrafia final que 12- toma os textos a que os autores se referem. Coma nela s6 se encontram forgosamente referéncias anteriores & propria obra, essa fonte 56 tera interesse se a cbra for recente. ‘Se consultar estas diferentes fontes, cobriré repidamente um campo de publicagdes bastante vasto € poderé conside- rar que abarcou 0 problema a partir do momento em que volte sistematicamente a referencias jé conhecidas; Nao se assuste demasiado depressa com a espessura de ... 67) Baxa Francia ‘Alto Palatina wancann 64 Francénis cenl 207] Suivia 118] Ala Bavier 14 Ala Franedaia 00 204 Baiea Baviera vce 49 Media 92 | Mein 135 | Média rnc TS Provincias barbara: (1867-1875) +E, Durthsin, Le sce, PUF, col. «Quadigen, 1983 (1930), pp. 49-159 [wat Ftupuess: O Sicidio, Lisbos, Preseng col, «Bibles de Textor Unversitroe, 192, pp. 135-144 (1+ e.faneeia, 1899}. (N. ao R.C.) 59 © Contra semethante unanimidade dz factos concordantes é intl irwoear, como o faz Mayr, 0 caso tinico da Noruega e da Suécia, que, apesar de protestantes, nfo ultrapassam um nimero médio de suicfdios. Em primeiro lugar, tal como observmos no inicio deste capitulo, estas ccomparagdes internacionais nic sio demonstrativas, a no ser que tentam por objecto um néimero bastante elevado de pases, e mesmo neste caso nfo slo concludentes. HA diferengas suficentemente grandes centre as populagdes da peninsala escandinava ¢ 2s da Europa central para podermos compreender que 0 protestartismo néo produ 3s numas e noutras. Mas, alm disso, se, ladamente, a tara de suicfdios nfo € muito coasiderével nestes dois patses, tomna-se reletivamente elevada se tivermos em conta © lugar modesto que ocupam entte os povos civilizados da Europa. Nao hd razio para crermos que tenham alcangado um nivel intelectual superior ao da Itélia, longe disso, e, no entanto,

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