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civilistica.com || a. 10.n. 1. 2021 || 1 Direito médico & objecdo de consciéncia e a recusa em realizar procedimentos de reprodugao assistida em casais homossexuais: a discriminacao travestida de direito Igor de Lucena MascaRENHAS™ ‘Ana Paula Correia de Albuquerque da Costa” Ana Carla Harmatiuk Matos” RESUMO: O presente artigo debate 0 direito a objegiio de eonsciéncia médica e a eventual recusa em realizar procedimentos em pessoas ou casais homossesuais. 0 direito.a objecio de eonsciéncia médica, em que pese nio tratado na legislacio stricto sensu, é reconhecido pelo Codigo de Etica Médica como direito médico fundamental. O grande debate repousa nos limites ao exereicio do direito. Através de uma revisio Dibliografica, observou-se que o exercicio da objecio de consciéncia em razio de aspeetos subjetivos do paciente e nio em relagio ao aspecto objetivo do procedimento representa uma grave discriminacio, na medida em que limita 0 acesso 20 direito fundamental a reprodugao assistida, além de nao representar uma objecio aprioristica, mas fruto de reflexio apenas em razao da orientagao sexual do(s) paciente(s) envolvido(s), Desta forma, o exereicio da objecio de conseiéneia em desfavor de pessoas ou casais homossexuiais representaria o exercicio abusive de uum direito, posto que, a pretexto de proteger a autonomia profissional, viola direitos e garantias fundamentais dos pacientes. PALAvRas-CHAVE: Reprodugio assistida; homossexuais; objegio de consciéncia; diseriminagio. SUMARIO: 1, Introducio; — 2. A objecio de consciéneia como direito. médico fundamental; — 3. O direito a objecto na legislacio médica; — 4. O direito & reprodugo humana assistida como direito fundamental e planejamento familiar; ~ 5. 0 conflito entre a reprodugio assistida e a objegio de consciéneia médica; — Conclusio; ~ Referencias TITLE: Medical Right to the Conscious Objection and the Refusal to Perform Assisted Reproduction Procedures in Homosexual Couples: Discrimination Masked asa Right AnstRact: The article discusses the right to medical conscientious objection and the eventual refusal to perform procedures on a person or homosexual couples. The right to medical conscience objection is not dealt with in the strict sensu legislation, but itis recognized by the Code of Medical Ethics as a fumdamental physician right. The great debate rests on the limits to the exercise of the right. Through a bibliographie review, it was observed that the exercise of conscientious objection * Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Parand e Doutorande em Direlto pela Valversidade Federal da Bahia. Mestre pela Universidade Federal da Paraiba, Professor da graduacio e pés-gracuacio do Centro Universitario UNIFIP e da UNIFACISA. Pesquisador do Bixo de RelagSes Familiares do Niicleo de Estudos em Direito Civil - Virada de Copémico. Associado ao Instituto Advogado. E-mail: imascarenhas@mbrp adv. * Doutora ¢ Mestra em Cigncias Juridicas pels Universidade Federal da Paraiba, com realizagao de estagio doutoral no Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra. Professora da Universidade Federal 4a Paralba, Associada do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil. Presidente do Tastituto Perspectivas e Desafios de Humanizagio do Direito Civil Constitucional. Advogada. E-mail: ‘anapaula.costa@eccadv.com.br. Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Parané. Mestre em Derecho Humano pela Universidad Internacional de Andalucia, Tutora in Disitto na Universidade di Pisa-Italia, Professora na Graduacio, Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Federal do Parand. Viee-Presidente do TBDCivil, Diretora Regional-Sul do TBDFAM. Advogada. Conselheira Estadual da OAB-PR civilistica.com || a. 10. n, 1. 2021 || 2 due to the patient's subjective aspects and not in relation to the objective aspect of the procedure represents a serious diserimination, insofar as it limits access to the fundamental right to assisted reproduction, besides not representing an a priori objection, but the result of reflection only due to the sexual orientation of the patient (involved. Thus, the exereise of conscientious objection to the detriment of people or homosexual couples would represent the abusive exereise ofa right, since, under the pretext of protecting professional autonomy, it violates patients' fundamental rights and guarantees. Kerworps: Assisted reproduction; homosexuals; conscientious objection; discrimination. ConTeNrS: 1. Introduction; ~ 2. Conscientious objection as a fundamental medical right; — 3. The right to objeet in medical legislation; — 4. The right to assisted human reproduction as a fundamental right and family planning; ~ 5. The conflict between assisted reproduetion and conseientious medical objection; — 6. Conchusion; « References. 1. Introdugao A objeciio de consciéncia na area médica surge como um dos mais controversos direitos dos profissionais da Medicina, posto que pode colocar em xeque o acesso A saiide ea falta de sua regulamentagio da forma de exerefeio desse direito profissional ¢ extremamente precirio, Por intermédio de uma revisio bibliogréfica, o presente trabalho se propée a debater 0 exercicio da objecio de consciéneia médica ea previsiio normativa pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) de que o médico pode se opor a realizar a reprodugio assistida em pessoas homossexuais com fndamento da sua autonomia e valores pessoais. Para aleancar tal objetivo, 0 trabalho apresenta um recorte sobre a objegio de consciéncia como direito médico fundamental e como a temitiea é tratada nas resolugdes fe pareceres do sistema de fiscalizagio profissional_médico (CFM / CRMs). Posteriormente, € tratado 0 direito & reprodugio assistida como decorrente do planejamento familiar e sua previsio constitucional, erigindo-o a condigio de direito fundamental e como a previsio normativa do CFM de que o exercfeio da objecio de consciéncia para pessoas homossexuais pode representar uma grave discriminagio subjetiva. Neste sentido, o trabalho problematiza acerea dos limites para exercicio da liberdade médica ¢ protegio A antonomia profissional ¢ o conflito com direitos reprodutivos de pessoas homossexuais, Para alcangar tal intento, o que se propde é debater a linha ténue que separa o direito & objegio de consciéneia ¢ 0 seu exercicio abusivo. civilistica.com || a. 10.n. 1. 2021 || 3 2. A objeciio de consciéncia como um direito médico fundamental A objegao de consciéncia surge como um dos prineipais direitos médicos elencados no Cédigo de Btica Médica e também na preservagio do principio da autonomia. Muito se discute sobre 0 principio da autonomia do paciente na relagio paciente- médico!, porém pouco se debate sobre a autonomia do profissional nas relagdes. A autonomia deve ser enxergada como uma via de mio dupla: hé de se considerar a autonomia do paciente, mas também a autonomia do médico.? Neste sentido, da mesma forma em que se debate a autonomia do paciente para recusar tratamento, inclusive aqueles que possam resultar em sua morte, hé de se considerar a autonomia do profissional em recusar medidas que atentem contra sua consciéneia e/ou aspectos que julgue inseguros. Sobre o tema, a Procuradoria-Geral da Repiiblica ingressou com Agio de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 618 para garantir o direito da testemunha de Jeova de recusar transfusées de sangue, o que representaria 0 exereicio da autonomia do paciente. Jéem relagio A autonomia médica, o TASC decidin que o médico no pode ser compelido a realizar cirnrgia eletiva sem que haja reserva de sangue, mesmo que o paciente assim deseje, posto que a exigéncia protocolar é de que a reserva de sangue seja exigida, Neste sentido, esclarece que: Ao médico, assegura-se 0 direito/dever de exercer a profissio com antonomia, nao sendo obrigado a prestar servigos que contrariem os ditames de sua consciéncia ou a quem no deseje, exeetuadas as situagées de auséneia de outro médico, em caso de urgéncia ou emergéncia, ou quando sua recusa possa trazer danos 4 satide do paciente, bem como, ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem 0 + Para fins do presente trabalho, adotaremos a orientaeio trazida por Monica Aguiar e Alessandro Timbé Nilo que a nomenclatura correta seria “paciente-médico” no sentido de garantir a primazia daquele em ‘detrimento deste. Da mesma forma em que se utiliza expressdes como “Céu-Inferno” e “Bem-Mal", hé de se prlorizar elementos mais importantes das relagées, mzio pela qual seria adequado o uso de “paciente- ‘iédico" em detrimento de “médico-paciente’, Ci, NILO, Alessandro Timbo; AGUIAR, Ménica. O minimum minimorum existencial do direito fundamental a satide ¢ © modelo hermenéutico no procedimento Apenas nos tltimos meses é que se observou um maior enfoque na autonomia médica, sobretude no que se refere & autonomia do profissional no contesto da pandernla civilistica.com || a. 10. n. 1. 2021 || 4 bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional.2 Desta forma, a relagio é pautada na autonomia dos dois agentes, no podendo uma das partes, salvo raras excegdes, ter sua autonomia cerceada em razio do exercicio da autonomia do outro. Exercicio médico sem autonomia do paciente ¢ paternalismo e objetificagio do paciente. Ato médico sem autonomia do médico pode ser interpretado como trabalho forcado. Neste cendrio, o ato médico deve ser interpretado como vilido quando as duas autonomias forem convergentes, conforme representaciio grifica abaixo: Figura 01 ~ Zona de Convergéncia Autonomia do Paciente Autonomia do Médico Fonte: Elaboragio propria, Aqui nfo se desconsidera que a escusa de consciéncia apresenta condicionantes como auséncia de risco para o paciente a possibilidade de outro profissional para executar 0 ato, porém o ato s6 deve ser interpretado como ato médico livre e legitimo quando houver a convergéncia de autonomias, posto que a pritica de atos impositivos em desfavor da consciéncia médica, apesar de admissivel, decorre mais de um imperativo legal do que propriamente da autonomia profissional. ‘Como bem destaca Maria Patriio Neves, a antonomia, sob uma perspectiva do paciente, seria representada no direito de respeitar as visdes do paciente, além de viabilizar 0 estabelecimento de condigées para seu exercicio pleno.t Por outro lado, a autonomia médica est pautada em um nfo querer fazer; todavia, esta liberdade é diminuta, no sentido de dever ser fundamentada em critérios técnicos ou morais, religiosos e pessoais. 5 SANTA CATARINA Tribunal de Justiga de Santa Catarina, Agravo de Instrumento 4023159- 94.2019.8.24.0000, Relator: Jorge Luiz de Borba, Data de Julgamento: 12/08/2019, Primeira Camara de Direito Publico 4 NEVES, M. Patri. Sentidos da vulnerabilidade: caracteristica, condieio, principio. Revista Brasileira de Bioétiea, v. 2, n.2, p.157-372, 2006. p. 160 civilistica.com || a. 10. n. 1. 2021 || 5 ‘Nao por acaso, o Cédigo de Etica Médica (CEM), em que pese apresentar 26 (vinte € seis) principios fiandamentais e 117 artigos tratando de normas deontolégicas, traz, em sas parcas 11 (onze) normas diceolégicas a previsio da objecio de consciéncia como direito fundamental médico, conforme se extrai do inciso IX do capitulo II do CEM: £ direito do médico recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrérios aos ditames de sua consciéneia.> A objecio de consciéncia deve ser interpretada como a condigio de recusa profissional & pratica de atos licitos “por motivos de foro fntimo, moral ou religioso”®. Trata-se de uma forma de compatibilizar o dever jurfdico de cuidado e o dever moral de respeito A propria consciéneia. A objecio de consciéneia pode ser interpretada como um direito fundamental, em que pese sua elasticidade e previsio expressa no Magna Carta brasileira.7 Débora Diniz esclarece que a escusa de consciéncia esta pautada em um dilema moral médico, na medida em que reconhece 0 médico como sujeito de direitos, assim como 0 paciente. Neste cendrio, o médico é, antes de profissional médico, um sujeito que deve respeitar seus proprios valores e fundamentos pessoais, de modo que nio pode o médico anular sua condi jo de sujeito para satisfazer, de forma absoluta, os interesses do paciente. “Ao alegar a objecio de consciéneia, o médico solicita a recusa em cumprir com seu dever, A mulher ¢ atendida por ontro médico, encaminhada a outro servigo ou, em casos extremos, pode ficar sem assist&ncia”.§ Todavia, a propria autora informa que a aceitacao da escusa de consciéncia esta pantada na sua baixa ocorréncia e no pluralismo moral na medida em que evitam 0 sofrimento moral médico.? Desta forma, a escusa de consciéncia, em que pese um direito médico, niio interpretada como um direito absoluto, na medida em que nfo pode ser suscitada na hipdtese de auséncia de outro profissional e/ou risco para o paciente. Em sentido contrario, Diniz? destaca que a objegio de consciéneia pode ser interpretada como um mecanismo de 5 Em que pese se tratar de um direito subjetivo nao restrito classe médica, o presente trabalho limitaré a anilise & realidade estritamente médica, Apenas a titulo ilustrativo, advogados também possuem 0 direito objegao, conforme se extrai do Estatuto da OAB (Lei 8.906/04) em seu art. 93, paragrafo tinico, em que é legitima a recusa de patrocinio de uma causa por raz6es de foro intimo. © PORTO, Rozeli Maria. Objecdo de consciéncia, aborto ¢ religiosidade: priticas e comportamentos dos profissionais de satide em Lisboa. Estudos Feministas, . 661-666, 2008. p..661 7 BUZANELLO, José Carlos. Objegio de consciéneia: uma questo constitueionsl. Revista de Informacdo Legislativa, v. 38, n. 152, p.173-182, 2001. p.175 S DINIZ, Débora. Objecao de consciencia e aborto: direitos e deveres dos médicos na sate piblica. Revista de Saiide Pailica, v. 45, p- 981-985, 2011. p.982 S DINIZ, Debora. Bioctiea e geneva, Revista Biostica, v. 16,1. 2, p. 207-214, 2009. p.209 » DINIZ, Débora. Secular state, conscientious objection and public health policies. Cadernos de satide publica, v. 29, n.9, p.1704-1706, 2019. p. 1705-1706. civilistica.com || a. 10. n. 1. 2021 || 6 preservacéo da hegemonia e hierarquizagio no atendimento da satide no sentido de viabilizar a suspensio, ainda que momentinea, do acesso A satide do paciente como mecanismo de salvaguardar 0 médico. A. escusa de consciéncia seria justamente esse direito médico de negar, momentaneamente, 0 direito do acesso & saitde para preservar o profissional. A principio, o paciente nao élesado, posto que haverd a compatibilizagio dos interesses do médico com os do paciente. Em certa medida, seria a fixagao de regras para que nao haja a ingeréncia da esfera pessoal e {ntima do médico ao mesmo tempo em que se harmoniza ‘© acesso A satide do paciente mediante a insercio de uma regra de direito A objecio de consciéneia associada existéncia de condicdes para o seu exereicio, conforme previu Alexy" ao tratar de conflito de regras. Em certa medida, a objecio de consciéncia representard um meio de “resisténcia de baixa intensidade politica e de alta repercussio moral”, na medida em que se busque nfo mudar a realidade social, mas, sobretudo, garantir a preservagio do foro intimo & privacidade profissional, conforme valores politicos, morais, filoséficos e religiosos. Trata-se da nfo adesio consciente a uma obrigagio posta em razio de uma barreira pessoal. O profissional tem o direito de recusar, pois a imposicdo para a pt ica do ato médico representaria uma agressio 4 sua identidade moral que pode ensejar reperenssdes de ordem psicolégica e emocional para o médico.*3 Beca ¢ Astete+ destacam que, apesar de ser enquadrado como um direito médico personalissimo, seria possivel a existéncia de um direito de objecio de consciéncia coletiva; em que pese niio terem consciéneia, possuem ideologias, declaragdes, estatutos © Cédigos de Bticas, sendo vedado, contudo, a imposigio de um autoritarismo moral institucional. Adriasola’s também reforga a natureza da escnsa como direito humano personalissimo, mas destaca que as Instituigdes podem ter objeco ideolégica, mas nfio uma consciéncia. » ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais. Sao Paulo: Malheiros, 2008. p.o2 + BUZANELLO, José Catlos, Objecao de conseiéncia: uma questo constitucional. Revista de Informagao Legislativa, v. 38,0. 152, p. 173-182, 2001, B. 174, S MAGELSSEN, Morten. When should conscientious objection be aecepted? Journal of Medical Ethies,v 98, 2.1, p. 18-21, 2012. p.19 3 BECA, Juan Pablo; ASTETE, Carmen. Objecién de conciencia en la prictica médica. Revista médica de Chile, v. 149, 0. 4, p. 499-498, 2015. p. 495 SS ADRIASOLA, Gabriel. La objecion de conciencia y la interrupcién voluntaria del embaraza:é Cémo ‘eonciliar su ejeteicio can los derechos de las usuatias? Revista Médica del Uruguay, v. 29, 2.1, p. 47-87. 2013. p.49 civilistica.com || a. 10.n. 1, 2021 || 7 Em sentido contrério, o Hospital Pérola Byington, hospital situado em Sio Paulo que referéncia em Satide da Mulher , no processo de contratagio, j4 deisa claro os atendimentos que séo prestados na unidade, inclusive abortos legais, como critério de admissio dos profissionais, estabelecendo uma espécie de nao objeciio institucional. Porto, a partir da oitiva de diversos profissionais, afirma que a escusa de consciéncia est4 pautada em uma fundamentagao religiosa e que atravessa a ideia de pecado, em uma espécie de “habitus catdlico”, Ratificando tal visio, Madeiro et al® ¢ Darze e Barroso Jiinior® destacam, em estudos desenvolvidos com estudantes de Medicina, que a maior parte dos estudantes que seriam objetores de consciéncia utilizaria como fundamento a filiagao religiosa. Reconhece-se © direito A liberdade religiosa, mas, em se tratando de atendimento médico, é preciso que o sistema providencie a presenca de profissionais nao objetores, para que nao se inviabilize o exercicio do direito & saride em sua plenitude. Cita-se, como exemplo, a descriminalizacio do aborto na Itilia. O pafs descriminalizou 0 aborto por meio da Lei n? 194/78, mas a aplieacio atual da norma nao é pacitica. Ao mesmo tempo em que legaliza a interrupeao voluntaria da gravidez, a Lei concede ao médico e demais profissionais da safide, como enfermeiros e farmacéuticos, o direito 4 objecio de conseiéneia, podendo se recusar a realizar o procedimento caso solicitado, ‘sem que isto constitua infragio 4 norma. Hi indicios de qne o creseimento do m”imero de objetores teria potencial para provocar a ineficacia da lei, diante das dificuldades impostas para encontrar alguém que interrompa a gravidez. Diante disto, a Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL) ingressou com uma reclamagio no Conselho Europeu de Direitos Sociais, cujo processo correspondente receben 0 mimero 91/2013, alegando que o governo italiano ferin os seguintes Aispositivos da Revised European Social Charter: artigos 11 (direito a satide); 1 (direito ao trabalho); 2 (condigdes justas de trabalho); 3 (condigdes de trabalho seguras € salubres); todos cumulados com o artigo E, que trata sobre o direito a nao diseriminagio. % DINIZ, Débora. Secular state, conscientious objection and public health policies. Cadernos de sawie publica, 29, . 9, p. 1704-3706, 2013. P. 1705 * PORTO, Rozeli Marla. Objecio de conscléncta, aborto e religiosidade: pritieas e comportamentes dos profissionais de saide em Lisboa. Estudos Feministas, p. 651-666, 2008, p. 661-668. # MADEIRO, Alberto ef al. Objegio de Conscigncia ¢ Aborto Legal: Attudes de Estudantes de Medicina. Rev, bras, ede. méd, v.40, 1p 86-92, 2016. - 88 »» DARZE, Omar Ismail Santos Pereira: BARROSO JNIOR, Ubirajara, Uma Proposta Educativa para Abordar Objecio de Consciéncla em Saiide Reprodutiva durante o Ensina Médico, Rev. bras. edue. med, v 42,0. 4, 135-164, 2018. p60 civilistica.com || a. 10. n. 1. 2021 || 8 ACGIL considera que o paragrafo 4 do artigo 9, que regula a objecio de consciéncia, viola os dispositivos da Carta, porque nao haveria protegao aos direitos das mulheres no que diz respeito ao acesso ao aborto, ao mesmo tempo em que que representa ofensa ao direito ao trabalho dos médicos ¢ enfermeiros niio objetores, posto que, como estariam em mimero reduzido diante da demanda, além da sobrecarga de servigo, o fato de terem que se dedicar quase que exclusivamente a procedimentos de interrupgio da gravidez, evita que realizem outros tipos de atendimentos, o que inviabilizaria o desenvolvimento profissional dos mesmos. De acordo com os dados oferecidos pela Comité Europeu de Direitos Sociais,2° 0 percentual de ginecologistas objetores a nivel nacional aumentou de 57,8% em 2003 para 70,7% em 2009. Quando se faz o corte por regides, em algumas, como é 0 caso da Basilicata, chega-se ao alarmante mtimero de 85,5% de médicos objetores em 2009 (em 2012 o percentual foi de 89,4%), levando as mulheres a precisar migrar para outras regides ou para outros paises para conseguir realizar o abortamento, quando conseguem, fazé-lo. Desta forma, a escusa de conseiéncia nio pode se transmutar em um instrumento de opressiio moral, de modo que o sistema de satide, a partir de uma visio macro, deve garantir o acesso A satide, independentemente das particularidades micro dos agentes. * 3. 0 direito a objecio na legislacio médica ‘Nao ha norma que regulamente o exercicio da escusa de consciéncia, porém, diversos estudos recomendam o dever de motivagio como um mecanismo de se evitar uma falsa objeciio com o intnito meramente de se escusar de suas obrigagées. Como exemplo, cita- se a negativa para atendimento de uma paciente em razio de um aborto anterior. A escusa de consciéneia para a pratica do aborto seria legitima, todavia 0 uso da prerrogativa para negar acesso ao direito & satide seria medida ilegitima.2 Desta forma, a motivagio permite o controle social/estatal, de modo a verificar se se trata do exercfeio de um direito ou ilfeito. Coppola”? pontifica a necessidade de fixagdo das hipéteses em 2 COMITE EUROPEU DE DIREITOS SOCIAIS. Complaint n? 91/2013 - Decision on admissibility and the merits. Disponfvel em — . Acesso em: 25 set. 2016. = DINIZ, Débora. Bioética« genero, Revista Bioétoa, v.26, 1.2, p. 207-214, 2009. p. 210 # BECA, Juan Pablo; ASTETE, Carmen. Objecion de conciencia en la prictica médica. Revista médica de Chile, v. 149, 0. 4, P. 493-498, 2015. p. 494 28 COPPOLA, Francisco. Interrupeién voluntaria del embarazo v objecién de conciencia en Uruguay. Revista ‘Médica de! Truguay, v.29, n.1, p. 49-46, 2013. XX civilistica.com || a. 10. n. 1. 2021 || 9 que o profissional exercerd seu direito, viabilizando assim um planejamento administrativo-hospitalar. Ha poucas manifestagdes do CFM, além do proprio Codigo de Etica Médica, que tratam da escusa de consciéncia. A exposigio de motivos da Resolugio 1989/2012, que trata sobre 0 diagnéstico de anencefalia ¢ a antecipagio terapéutica do parto, destaca: “Nao tratou, por exemplo, da objegio de consciéncia, tema que desperta relevantes consideragies éticas, filoséficas, juridicas e religiosas, quer nos casos de aborto legal, ‘quer nos casos de antecipacio terapéutica do parto”. Mas, ao mesmo tempo, reforga que a falta de detalhamento nfo significa omissio administrativa, na medida em que cita a existéncia da autonomia profissional, prevista enquanto prinefpio fundamental, e a objecio de conseiéneia enquanto direito médico constante no inciso IX do Capitulo de Direitos Médieos. Ou seja, embora nfo haja previsfio expressa sobre a escusa de consciéneia no corpo da resolucio, ha uma timida referéncia ao direito médico na exposigio de motivos.* A Resolugio CFM 2232/2019 reafirma que a objecdo é um direito médico e pode ser exereida quando 0 paciente promova a recusa terapéutica, Deste modo, considerando que o paciente se opée a terapias ou tratamentos sugestionados pelo médico, este pode suspender o atendimento ao paciente e redirecioné-lo a outro profissional. Em otra oportunidade, por intermédio do Parecer CFM 8/201, 0 CFM, apés provocacio da Defensoria Piiblica do Estado de Sao Paulo, fixou que o médico pode cexercer a escusa de conseiéneia para promogio da “supressao hormonal da puberdade”, terapia hormonal destinada a adolescentes travestis e transexuais. © Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (CREMEB) j4 reconheceu, por intermédio do Parecer 44/08, que o médico pode suscitar a objecio de consciéncia nas hipoteses de paciente que se recuse A realizagio de transfusdes de sangue ¢ de seus hemoderivados, posto que “a restrigio realizagio de transfusdes de sangue pode gerar no médico uma dificuldade em manter o vineulo adequado com o paciente” e as 2 CEM - Conselho Federal de Medicina. Resoluydo CFM N®1.o89/2012. 2012. Disponivel em: . Acesso em 20 mar. 2021. % CFM - Conselho Federal de Medicina. Parecer CFM n? 8/2013. 2019. Disponivel em . Acesso em 20 mar. 2021, civilistica.com || a. 10. n. 1. 2021 || 10 divergéncias de perspectiva sobre a melhor decisio a ser tomada, que pode gerar um conflito entre as autonomias.» O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceara (CREMEC) definiu que o médico anestesiologista pode exercer a escusa de consciéneia € se opor & participagio de interrupgio voluntiria da gravidez por conta de o feto se encontrar “vivo”. 0 proprio CREMEC esclareceu que nfo razoavel — em que pese ter dito que seria vedado - 0 exercicio da objego de consciéncia quando for uma situagao de urgéncia/emergéncia e niio houver outro médico sem a mesma objecio de consciéncia” Em relacio ao Parecer CREMEC 13/2018, 0 Conselho decidiu que a objecio de consciéncia é direito médico, notadamente nas hipéteses de abortamento, cabendo ao profissional comunicar a0 Diretor Clinico e/ou orientar a atengiio ao abortamento por outro profissional da institui¢io ou de outro servico. Por outro lado, o parecer reforca que nas hipéteses de risco iminente de morte, quando a mulher puder softer danos em razio da omissio, ainda que legelizada, do profissional e no atendimento de complicagies de abortamento inseguro, nao h4 margem para uso dessa prerrogativa médica2® Em outra oportunidade, 0 CREMEC assentiu que € direito da paciente realizar procedimento de esterilizagio voluntaria, desde que observados os requisitos legais constantes na Lei de Planejamento Familiar ~ Lei n° 9263/1996 -; todavia seria direito médico se opor ao procedimento de esterilizacio, cabendo ao profissional encaminhar a paciente para um colega plantonista que nao tenha a mesma escusa ou comunicar a Dirego Técnica para que promova as medidas necessarias para efetivagio do direito da paciente 29 © Parecer CRM/MG estabelecen que o profissional pode se recusar a realizar cesariana a pedido da paciente em observancia ao contetido da Resolugio CFM 2.144/2016, que 2 CRM-BA - Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia, Parecer CREMEB N® 44/08. 2008. Disponivel em: . ‘Acesso em 20 mar. 2021, "CRM- CE - Conselho Regional de Medicina do Estado do Cearé. Parecer CREMEC n° 9/2018. 2018. ‘Disponivel em: . Acesso em 20 maz. 2021 38 CRM-CE - Conselho Regional de Medicina do Estado do Cearé. Parecer CREMEC n° 19/2018. 2018. Disponivel em: chttps/ /swww.cremec.org br/pareceres/20:8/'pari318,pdf>. Acesso cm 20 mar. 2024, 29 CRM-CE - Conselio Regional de Medicina do Estado do Cearé, Parecer CREMEC n® 9/2016. 2016. Disponivel em: . Acesso em 20 mat. 2022. civilistiea.com || a. 10.n. 1. 2021 || 14 define que “é ético 0 médico atender a vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da paciente e a seguranga do bindmio materno fetal” 2° © Conselho Regional de Medicina do Estado do Mato Grosso do Sul, nos autos do Parecer CRM/MS 25/2017, estabeleceu que os profissionais tém antonomia e podem exercer a objecio de consciéneia em relagio as téenicas de reprodugiio assistida que envolvam casais homoafetivos que recorram A secg4o temporaria de titero.* © Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco ja reconheceu que 0 médico pode se opor ao implante bilateral de silicone em processos de redesignaco sexual.2? Em. outra oportunidade, por intermédio dos Pareceres CREMEPE 31/2015 e 21/2015 foi reconhecido o direito de objecdo para as hipéteses de aborto3. © Conselhio Regional de Medicina do Estado do Parand jé reconhecen o direito de abjecio de consciéncia em quatro cenarios: objecio A participacio em pesquisa em fetos humanos oriundos de abortos - Parecer CRM/PR 1179/1999%5 e 1293/01, reprodugio assistida em paciente com infertilidade priméria e com 56 anos*” e reprodugiio de casais homossextais.28 Todavia, o grande cerne de debate e foco do presente trabalho 6 0 exercicio da escusa de consciéncia em procedimentos de reproducio humana assistida para pessoas solteiras e casais homossexuiais, conforme estabelecido na Resolucio CFM n° 2168/2017 e Pracesso ‘3° CRM-MG - Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais. Parecer CRM/MG n° 90/2018. 2018. Disponivel em: . Acesso_ =: CRM-MS - Conselho Regional de Medicina do Estado de Mato Grosso do Sul. Parecer CRM/MS n° 25/20 2or7 Dispanivel em: https: /sistomns.cfn.orgbr/normas/arquivos/pareceres/MS/2017/25.20:7pdf>. Acesso em 20 mar 2 CRMLPE - Consetho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco. Parecer CREMEPE n° 08/2018. Disponivel em: < https://sistemas.cfn.org.br/normas/visualizar/pareceres/PE/2019/8. Acesso em: 20 mar. 2021. ESCRM-PE - Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco. Parecer CREMEPE n° 31/2018. Disponivel em: . Acesso em: 20 25 CRM-PR - Conselho Regional de Medicina do Estado do Parand, Parecer CRM/PR n° 1179/99. Disponivel ‘em: . Acesso em: 20 mar. 2021, SECRM-PR - Conselho Regional de Medicina do Estado do Parans, Parecer-CRM/PR n° 1293/01, Dispontvel «em . Acesso em 20 ma. 2021 S°CRM-PR- Conselho Regional de Medicina do Estade do Parand, Parecer CRM/PR n° 2187/5, Disponivel em: . Acesso em: 20 mar. 2021, SS CRM-PR - Consclho Regional ée Medicina do Extada do Parans. Pareoer CRM/PR n° 2749/0. 20:9 Disponivel em: . Acesso ett:

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