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Caro leitor,
É com extremo carinho que descrevo que ao embarcar nessa
viajem épica que conta a história de Isabela e Nero, você irá
navegar em uma miríade de emoções e sensações. Digo isso uma
vez, que me senti deste mesmo modo, durante minha leitura.
Unidos pelo Destino é um livro que te tira literalmente fora da
caixinha, que te faz ansiar ao mesmo tempo que te deixa em
extrema atenção, em virtude das reviravoltas que a história nos
proporciona.
Eu poderia fazer inúmeros elogios à escrita extremamente
fluida da autora, ou aos seus personagens devidamente bem
construídos.
Entretanto o que me cativou me fazendo me render totalmente
a Isa e Nero, foi a sensibilidade que a Harin utilizou, para construir o
romance existente entre deles.
Passado
Eu acompanhava o meu папа[1] em todos os lugares, como se
eu fosse uma extensão dele mesmo. Com quase treze anos, sendo
o futuro Pakhan[2] da Bratva[3], meu pai me ensinava tudo o que eu
precisava saber. Príncipe russo, é como me chamavam. Minha mãe
era adorada e minhas irmãs, duas princesinhas lindas, com seus
sete anos, mimadas. A família, líder da facção criminosa mais
poderosa do mundo, perfeita. E, por ter duas irmãs pequenas, notei
que a pequena garotinha de cabelos loiros e olhos incrivelmente
azuis era estranhamente quieta.
Ela era filha do italiano, que vinha às vezes conversar com
meu pai. Por algum motivo, ele trouxe a pequena garotinha, que
passava o olhar um pouco perdida pelo ambiente. Eu tinha minhas
irmãs e elas eram inquietas, agitadas e sempre buscando uma
forma de chamar a atenção. Mas a garotinha estava ao lado do pai,
perturbadoramente séria. Séria demais para uma criança, que
aparentava ser mais nova que minhas irmãs.
A pequena garotinha se levantou, o primeiro movimento em
quase uma hora inteira, um laço da cor do vestido em seu cabelo
enaltecendo sua inocência. Ela andava como uma pequena
bailarina, coluna reta e comedida demais para a idade dela.
Envoltos na conversa, seu pai não percebeu que ela se afastava em
direção à janela que, se fosse um pouco mais alta, ela não
alcançaria. Olhava encantada para o jardim da minha mãe, que era
muito bem cuidado, pois era apaixonada por flores e plantas. Ainda
intrigado com a garotinha, me aproximei dela e parei ao seu lado.
— Você gostou do jardim? — perguntei no tom infantil, que
conversava com minhas irmãs.
Ela desviou os olhos do jardim parando-os em mim. Uma
sensação de choque me acometeu pela firmeza de seu olhar. Eu
não saberia explicar, mas ela era diferente.
— São magníficas. — Magníficas? Novamente, fiquei em
choque. Se muito, ela teria cinco anos e usava palavras rebuscadas
quando eu esperava um simples sim.
— Minha mãe ama flores... Você gostaria de ir até lá? Ela não
se importaria de você pegar uma ou duas.
Ela pareceu pensar no assunto, e eu vi ali um vislumbre de
criança em seu rosto de anjo.
— Não! Se você as tirasse de lá, elas morreriam. Ali, elas
viverão mais tempo.
Mais uma vez fiquei sem palavras. Eu tinha começado meu
treinamento e uma das principais regras era nunca demonstrar o
que sentimentos. Mas estava impressionado com a complexidade
do pensamento dela. Com a ideia de vida e morte que ela já tinha.
Ela voltou àquela imensidão azul para mim e me deu um
sorriso de boca fechada, que eu sabia, era para esconder a
janelinha que havia ali. Eu ainda estava sem palavras, então ela
continuou com sua vozinha de criança fofa:
— É verdade que você descende da realeza?
Eu dei um sorriso para o seu comentário, ignorando o fato dela
dizer descende:
— Sim, nós descendemos da realeza.
— Então, você é um príncipe?
Pensei um pouco antes de responder, colocando a mão no
queixo:
— Talvez... talvez eu seja um príncipe.
— Você quer ser o meu príncipe? Minhas irmãs preferem os
príncipes de brincadeira, mas eu acho que quero um de verdade.
Prometo que vou cuidar de você.
— Ligaram?
— Não.
— Ingratos. — Eu não queria falar sobre isso, então somente
lhe dei um olhar que dizia tudo. — Desculpe, estou sendo
intrometida de novo.
Fiquei em silêncio, porque Alessa era, sim, intrometida.
Terminamos e ela lavou e guardou os pratos, mesmo eu dizendo
que não precisava. Atualizou-me de como estavam as coisas no
Vecchio, deu a entender que queria passar a noite, mas a dispensei.
Desde que resolvi ajudar Alessa, não tive mais envolvimento algum
com ela, não queria que ela confundisse nossa relação. Alessa
também ajudava a gerenciar um dos clubes da Cosa Nostra e os
meus negócios pessoais. Eu sabia que ela tinha gratidão por eu ter
pagado a dívida de seu pai, ter ajudado com o curso de finanças e
lhe dado emprego. Mas, às vezes, ela poderia ser bem invasiva ou
dava a entender que queria mais.
Deitei na minha cama e, com o efeito dos analgésicos, acabei
por dormir. Acordei quase 19 h com o celular tocando. Atendi e era
Alessandro, um dos soldados, avisando que tinha alguém querendo
subir. Perguntei quem era e a resposta foi a que eu jamais
imaginaria em um milhão de anos.
Era Isabella Castelle.
— Está ocupado?
No dia seguinte, na primeira hora da manhã, fui até o escritório
de Eduardo. Ele sempre acordava cedo e eu precisava falar com
ele.
— Entre, por favor. — Eu entrei e me sentei em sua frente — O
que você precisa?
— Eu quero trabalhar com Enzo e Ethore.
Ele pareceu sutilmente surpreso, mas logo voltou a sua fria
indiferença. Seu tom de voz foi comedido quando finalmente me
respondeu:
— Isabella, seu tempo é…
— Eu não estou mais dando aulas para as crianças do estúdio.
Quero dedicar as manhãs a essas atividades. — Ele ainda pareceu
indeciso. — Eu não quero implorar, Don. Eu preciso disso.
Ele me olhou com olhos indecifráveis e, após alguns
segundos, disse:
— Tudo bem. Eu vou ter que falar com Giulia, Giovanni,
Nero… Mas tenha como certo. Eu aviso quando precisar de… dos
seus serviços.
— Obrigada —respondi com um aceno, me levantando e
saindo da sala.
Minha mãe não iria aceitar facilmente. Talvez Eduardo travasse
outra guerra contra os tradicionalistas da Cosa Nostra, pois uma
mulher como executora, o trabalho mais sujo da máfia, e ainda
pertencendo a Elite, não seria facilmente aceito.
Mas eu não voltaria atrás.
Nero Rossi
Droga!
Mil vezes, merda!
Que porra estava acontecendo?
Parece que acordei em um mundo alternativo, onde todos
passaram a agir estranhamente. Entrei em meu escritório no
Vecchio depois de uma noite de merda, sem conseguir pregar os
olhos. O pouco que dormi, sonhei com pessoas e lugares que não
conhecia. Ou não me lembrava. E uma dor de cabeça do caramba.
Sonhei com as duas garotinhas que vi no hospital, com uma
mulher de olhos cinza, e um homem falando coisas que eu não
entendia. Poderia minha memória estar retornando? Não poderia
ser. Deveria ser sequelas do acidente. Dei um suspiro frustrado,
pois estava confuso e não gostava da sensação. Eu geralmente
tinha tudo sob controle. Tudo.
Não foi por nada que consegui um alto cargo na Cosa Nostra
sendo ainda muito jovem. Eu antecipava qualquer movimento e me
preparava para possíveis surpresas. Sempre foi assim, ou sempre
havia sido assim.
Até ela. Isabella é uma incógnita. Segue as regras a maior
parte do tempo, mas de repente… surpreende. É incontrolável.
Suas atitudes têm sido um desafio de controle. Eu conseguia
ignorar minha inconveniente atração quando ela me ignorava
também. Era como um entendimento mútuo. Mais uma vez ela
provava para mim que eu não tinha controle algum quando se
tratava dela. Nem sobre as ações dela e nem sobre as minhas
próprias. Eu beijei a garota, pelo amor de Deus. Ela começou, mas
não impedi, pelo contrário, assumi o controle até sentir sua total
entrega. E, apesar do meu surto de consciência, eu não iria
conseguir esquecer a sensação que me deu ao tê-la ali, à minha
mercê. Perguntando-me como seria tê-la à minha disposição,
atendendo a todos os meus caprichos.
Coloquei minhas mãos na cabeça e suspirei frustrado. Soltei
um riso de incredulidade ao me dar conta: estava me comportando
como Giovanni, antes de se casar com Milena. Eu criticava o fato de
ele brincar com as meninas da máfia e cá estou eu, beijando uma
das meninas solteiras mais bem relacionada da Cosa Nostra. Uma
ironia do caramba!
— Precisamos falar sobre o faturamento do…
— Uma mulher executora não vai ser bem aceita, você sabe —
tentei argumentar mais uma vez.
— Eu sou o Don.
Dito isso, ele mudou o tópico da discussão. Eu tentei manter
minha cabeça no que discutíamos, mas minha mente continuava
voltando para Isabella. O que ela estava pretendendo? O que
estava acontecendo com ela? O que diabos tinha mudado para que
todo mundo começasse a se comportar como loucos?
— Certo, Nero?
Não demonstrei minha confusão, todavia, não tinha ideia do
que discutiam. Conversamos mais alguns minutos e Eduardo logo
se despediu, tendo que se ocupar de outros assuntos. Giovanni
ficou por ali.
— Vai hoje no jantar de apresentação de Pietro?
— Nossa, quase me esqueci desse detalhe. E a segurança?
— Relaxa, Enzo cuidou de tudo. Até você se orientar, ele já
tinha isso.
— Bem, não há muita opção, né? Pietro Santorelli é o
sucessor da Cosa Nostra, todos temos por obrigação estar lá.
— Vai levar alguém?
— Por que isso agora? Sabe que nunca levo ninguém.
— Só pra saber até quando pretende manter seu pau
aposentado.
— Vá à merda, Giovanni.
Giovanni saiu, gargalhando, me dando um aceno antes de sair
de vez. Fiquei ali pensando sobre o que tudo isso implicava. Eu
fiquei mais de um ano evitando comunicação direta com Isabella,
mas todos os últimos acontecimentos me levaram a abordá-la
novamente.
Dia de merda.
Noite de merda.
Depois do dia de estresse, confusão e raiva, o que me deixou
no limite, vir para a festa de apresentação do pequeno Pietro era a
última coisa que eu gostaria de fazer. Ainda mais ter que socializar
com meus soldados como sempre, procurando o olhar de uma
garota com cara de anjo, que sempre o tinha encontrando o meu,
mas que hoje me ignorava descaradamente.
— Preciso falar com você. — Minha voz foi mais dura do que
eu pretendia.
— Claro, chefe.
Engraçadinha. Ela estava me testando. Com um aceno, ela se
despediu de Gabriel e me acompanhou rumo à frente da casa, onde
estava vazio, devido ao frio. Virei-me para Isabella e ela me encarou
firmemente.
— O que você pretende? — perguntei sem rodeios.
— Você poderia ser mais claro? — Tinha vontade de sacudi-la.
A dor em minha cabeça ficou pior.
— Isso de ser executora, o que pretende?
Ela continuou com a face neutra, não demonstrando nada do
que pensava ou sentia, nem um mísero sinal. Aquilo me irritava
ainda mais, porque eu era mestre em ler pessoas.
— Matar — ela respondeu por fim.
— Sim.
— Assim, diretamente, você disse que queria ele? — Milena
perguntou em seguida. Eu poderia estar olhando para o teto, mas
sentia o olhar que ambas estavam trocando.
— Sim.
— Por quê? — Milena perguntou mais ávida.
— Por que o quê?
— Eu não…
— Pense bem em suas próximas palavras. Porquê… estou
cansada, de verdade, cansada desse silêncio. Eu vejo em teus
olhos que sou mais que um trabalho para você. Mas… se você não
quiser o mesmo que eu, não vou mais tocar nesse assunto. Mesmo
que eu sinta… sim, sinto… uma das poucas coisas que posso dizer
assim, que sinto… que você pode ser meu ponto fora da curva. O
que pode me tirar da monotonia da minha mente… Não vou te
perseguir, mesmo que eu seja louca.
— Pare! — disse e levei meus dedos à sua boca. E as minhas
próximas palavras poderiam decretar um rumo em minha vida, que
me apavorava e emocionava na mesma medida — Pare, você não é
louca, não. Você é… o que existe de mais precioso.
Eu disse com um fôlego. Sem pensar, só a verdade fluindo,
sem controle.
Senti sua respiração em meus dedos, meu coração, disparado,
como um potro selvagem por ela tirar o band-aid da nossa relação
sem nenhum aviso. Percebi, então, que minha respiração também
estava alterada. Ela enlaçou seus braços em meus ombros, nossos
rostos próximos, nossa boca separada apenas pelos meus dedos.
— Oh... me desculpe.
Eu soltei Isabella, só então percebendo que levantei sua blusa,
enquanto ela a abaixava. Ela olhou Enzo nos olhos, sem um pingo
de constrangimento. Enzo nos olhava um tanto surpreso.
— Estava te esperando. Vamos— disse e, sem olhar para
mim, saiu da sala.
Enzo ficou parado, ainda sem saber o que fazer. Eu dei-lhe
sinal que a acompanhasse. Quando ambos desapareceram, me
sentei no chão, acalmando meu furacão interior. A sensação era de
que eu deveria tomar a decisão mais importante da minha vida.
Minha dor de cabeça voltou, e suspirei. Que merda eu iria fazer,
agora?
Isabella Castelle
No caminho para a cozinha, escutei Eduardo conversando com
Giulia e parecia uma discussão acalorada. Eles falavam sobre Nero.
— Acha inteligente postergar tanto em contar a verdade para
ele? — minha irmã perguntava.
— Não tenho escolha agora, principessa. Eu preciso do meu
capitão-mor, estamos em uma guerra cada vez mais intensa. Assim
que passar essa onda de ataques, vamos dizer a verdade.
— Isso parece egoísta, Eduardo. Mesmo para você.
— Eu sou egoísta, Giulia. Seus olhos de amor é que nunca
olharam além.
Estaquei em meu lugar. Eu estava disposta a viver um dia de
cada vez e não me preocupar em como Nero reagiria ao saber a
sua verdadeira origem. A verdade é que poderia complicar e muito
minha intenção de ficar com ele. Ele era russo, eu, italiana.
Saí do corredor antes que notassem a minha presença. Giulia
estava insistindo para que Eduardo contasse a verdade. Em outro
tempo, eu poderia ficar por perto para assegurar que minha irmã
sairia ilesa de uma discussão, eu não gostava que gritassem com os
meus. Mas Eduardo jamais prejudicaria Giulia, tinha plena certeza
disso.
Entrei no meu quarto e me deitei.
Uma semana que não via Nero. Sabia que ele estava me
evitando, e eu não faria mais nenhum movimento. Entendi,
finalmente, a importância de ele querer o mesmo que eu. Entendi
que, se Eduardo e Giulia não compartilhassem a mesma vontade,
não estariam felizes juntos.
Um desânimo me tomou, treinei muito mais do que os dias
anteriores. Lentamente, sentia perder o controle do meu lado ruim.
Dois dias atrás, fui com Ethore fazer uma cobrança e precisei ser
contida para não matar o homem antes do tempo. Estava perdendo
minha frieza. Ethore tinha fama de ser incontrolável, mas eu o
estava superando. Já ouvi murmúrios de outros soldados me
chamando de Anjo da Morte. Estava me tornando temida em poucos
dias.
Tentei assistir a algo para passar o tempo, mas minha mente
continuava divagando. Hoje tinha um jantar na casa dos Maceratta.
Era uma jantar social, somente para a elite da Cosa Nostra. Seria
minha primeira reunião social após me tornar executora.
— Não, Gabriel.
Após alguns segundos se recuperando da minha negativa
brusca, ele mascarou qualquer emoção e declarou.
— O meu pai já ficou de falar com seu pai. Eu quero você
como minha esposa, Bella. — Ele se aproximou, sendo mais alto
que eu, mas não saí do lugar. — Vamos ter que esperar alguns anos
até eu terminar a faculdade, e…
— Gabriel. Eu não vou me casar com você. — Seu rosto
continuou impassível, como se não me escutasse.
— Com o tempo, você vai se acostumar com a ideia… Eu vou
fazer isso bom para você, Bella.
Eu ia voltar a responder, mas ele parou de se aproximar, com
uma última olhada, virou as costas e saiu. Fiquei parada no
corredor, pensando sobre o que ele tinha dito. Eu não me casaria
com Gabriel e, o quanto antes ele desistisse dessa ideia, melhor
seria.
— É uma boa família.
Essa voz. Deus, era o suficiente para mexer com toda a minha
estrutura. Fechei os olhos, curtindo cada arrepio que tomou conta
do meu corpo. Respondi sem me virar.
— Nunca disse que não era.
— Talvez, v...
— Ah, cale a boca, por favor! — Eu me virei, estreitando os
olhos. — Preste bem atenção no que vou te dizer, Nero Rossi —
disse, me aproximando dele, já sentindo o seu calor só pela
proximidade. Cada dia mais eu estava sonhando com aquelas mãos
em mim e era deliciosamente atordoante tê-lo por perto —, se um
dia me casar, vai ser com alguém que me faça sentir algo mais que
tédio. — Coloquei ambas as mãos em seu peitoral, agora sem medo
como se aquela zona já me pertencesse. — Eu não vou ser
manipulada. Comigo, é tudo ou nada.
Levantei meus olhos para os dele. Sua imensidão cinza estava
em chamas. Descontrolável. Mas recuei. Porque eu precisava que
estivéssemos na mesma página, precisava que ele quisesse estar
comigo tanto quanto queria estar com ele. Nada poderia me fazer
mais óbvia do que tudo o que já tinha feito até o momento.
Minhas mãos caíram ao meu lado e eu dei um passo para trás.
Ele fechou os olhos com força e me virei, não querendo ver a recusa
em seus olhos quando ele retomasse o controle, descobrindo,
então, que o aperto que eu sentia quando ele se afastava era mais
que frustração. Afastei-me, deixando que ele lutasse com seus
próprios demônios. Eu já tinha demônios suficientes para lutar.
Nero Rossi
Isabella se afastou de mim e eu senti falta do calor de seu
pequeno corpo, suas mãos em mim, instantaneamente. Senti,
naqueles segundos enquanto ela se afastava, que precisava tomar
uma decisão, uma que mudaria todo o curso da minha história.
Porque eu não fazia nada pela metade. Porque se eu entrasse em
algo com ela, seria inteiro. Ela não merecia menos.
Em um impulso e dois passos, a alcancei no corredor e a virei
em minha direção, seu corpo se chocando com o meu. Seus olhos
plácidos em mim; sua boca entreaberta, soltando o ar.
Guardei meu choque para mim. Eu já sabia que ela não era
convencional, não que me importasse… e seria um idiota se
dissesse que saber que outro a teve antes de mim me deixava feliz.
Eu era possessivo por cada pedacinho dela.
Ela se ajoelhou na cama e desceu o zíper lateral de seu
vestido, seus olhos nunca deixando os meus. Cada polegada de sua
pele pálida, que era desnuda, me deixava duro. Ela seria minha. O
vestido desceu em suas pernas e eu a deitei suavemente no
colchão. Quando retirei o vestido de seu corpo, junto de seus
sapatos, cobri o corpo dela com o meu.
Éramos tão dissonantes em tamanho. Ela, delicada como
pétalas de rosas; eu, grande e selvagem e mesmo assim nada em
minha vida nunca fez tanto sentido quanto eu e ela aqui, juntos. Era
o encaixe perfeito. Passei os dedos em sua lateral, me deliciando
com cada suspiro e gemido que saíam de seus lábios.
Eu, que tanto me perguntei como seria arrancar alguma reação
dela, tinha-a agora à minha mercê, me dando tudo. Cada suspiro,
cada gemido, cada ofego… Beijei seu pescoço, fazendo uma trilha
até seus seios. Respirei em um dos seios, maravilhado com a onda
de arrepio que se seguiu por toda a região. Suguei- o enquanto
provocava o outro com minha mão e ela gemeu. Mudei para o outro
e fiz da mesma forma, sentindo todo o meu corpo se curvar, a
sensação que me tomava ao causar-lhe reações deixou-me rendido.
Beijei sua barriga, notando pela primeira vez um pedaço de
tinta na lateral. Virei seu pequeno corpo de lado e me deparei com
duas asas de anjo, negras, no local onde ela tinha uma cicatriz. A
infame cicatriz da qual eu ouvi falar, a cicatriz que Dimitri inferiu em
seu corpo quando a capturou. A cicatriz que ela escondeu com asas
de anjo. Um anjo da morte. Meu anjo.
Seus olhos estavam atentos em mim quando deitei suas
costas de volta no colchão. Seu olhar me revelava… nada. Fosse o
que fosse que ela sentisse, ela não demonstrava e o desafio em
seus olhos me dizia que ela não falaria sobre aquilo. Ver o que ela
tinha feito com o que o mundo tinha lhe jogado só me fez admirá-la
mais. E inflamou o meu desejo.
— Me tome, Nero…
Voltei a explorar cada pedacinho do seu ventre até chegar ao
seu ponto de prazer, pressionando um beijo por cima da calcinha
branca. Retirei-a com cuidado e me maravilhei com a visão de sua
boceta. Ela estava molhada, inchada, e a emoção de estar com ela
ali, entregue a mim, me deixou tonto. Isabella era única. E era
minha.
Passei a língua lentamente, uma, duas, três vezes, até vê-la se
contorcer. Suas mãos se agarraram aos lençóis, seu rosto
contorcido em agonia pelo prazer que eu estava proporcionando.
Depois de uma doce tortura, segurei sua bunda e aprofundei os
movimentos da minha língua. Mantive um ritmo até ouvi-la gemer
meu nome alto e puxar a raiz do meu cabelo, sentindo suas pernas
tremerem, como uma convulsão de prazer.
Enquanto ela ainda se recuperava do orgasmo, coloquei o
preservativo e voltei a cobrir o seu corpo com o meu. Seus olhos
dilatados, rosto corado, respiração arfante, expressão suave… seus
braços voltaram a envolver meu pescoço e ela disse em um
sussurro, enquanto meu pau cutucava a sua entrada.
— Eu sonhei tanto com isso…
Ela disse fechando os olhos e todo o meu interior voltou a
estremecer. Convocando cada grama de controle em mim, entrei em
seu núcleo até o final, sentindo suas paredes sufocarem o meu pau.
— Ela será a minha esposa. Então, não fale mais dela nesse
tom. — Os olhos de Alessa ficaram como dois pratos, de tão
abertos. Após se recuperar do choque, vi uma pontada de dor em
sua expressão, o que me deixou intrigado. Ela esperava algo de
mim?
— Esposa?
— Sim.
— Ela é maior de idade? Como assim, você vai se casar, se
nunca te vi sério com ninguém?
— Isabella…
— Ou vou atrás dela. — Sua expressão não mudou. Fúria
passou por mim.
— As coisas não funcionam assim!
— Elas funcionam exatamente assim! Arrume outro emprego
para ela, mande para qualquer lugar, você tem influência para isso.
Arrume outra mulher para ser sua assistente se quiser, mas ELA
não.
— Isso é por que dormi com ela?
— Isso é porque ela gosta de você. Porque eu não confio nela.
— Seu olhar deu uma vacilada. — Porque você se importa com ela
e isso é o suficiente para que algo não muito bonito dentro de mim
crie vida. Eu odeio essa emoção e ela é a causadora dela. Eu a
quero fora ou eu vou tirá-la, definitivamente.
Eu já conhecia Isabella o suficiente para saber que ela falava
sério. Mas eu não entraria em um relacionamento onde seria
manipulado pela sua instabilidade. Mesmo se fosse ao contrário, eu
também não gostaria.
— Eu não vou fazer isso. — Seus olhos voltaram a brilhar
perigosamente. Ela me soltou, se afastou, pegou a bolsa e disse
com um sorriso de boca fechada.
— Sua escolha, Nero.
Aleksander riu.
— Só me familiarizando, já que, em breve, seremos famiglia.
Giovanni fez menção de se levantar, mas Eduardo segurou
seu antebraço.
— Essa conversa não está chegando a lugar algum — Storm
trovejou. — Se o que você quer é uma aliança contra Dimitri Nikolai,
você a tem. Eu estou dando o fora, vocês sabem como e onde me
encontrar. E espero clareza nas trocas de informações. E, Nero,
obrigado pela informação.
Eu dei-lhe um aceno e ele saiu, seguido de Shield. Eu o deixei
ciente de um ataque em um dos seus carregamentos de armas, que
seria realizado pela Bratva. Enquanto Isabella torturava um deles, a
informação acabou surgindo. Política também era um dos pilares da
máfia, não só a guerra.
— Amanhã, Nero.
Isabella Castelle
— Você não pode fazer isso!
— Isso não é seu assunto, Giulia.
— Agora é assim? Pois eu digo que é meu assunto, sim. Você
não vai estragar o dia da minha irmã, quando finalmente eu estou
vendo Bella florescer para a vida, não vou deixar você fazer isso,
Eduardo!
— Você já imaginou que depois será muito pior?
— Não me interessa. Você vai dizer a verdade para Nero em
outro momento, mas não no dia que ele vai acertar um compromisso
com ela.
— Pense, Giulia, na possibilidade desse casamento nem
acontecer depois que ele souber a verdade. Eu estou tentando
poupar um sofrimento maior.
— Você está pensando somente em você! Eu não vou permitir
que faça isso, juro por Deus, Eduardo. Eu vi esses dois dançando
em volta um do outro por meses a fio, eles finalmente reconheceram
que se gostam. Você esperou até agora, vai esperar um pouco
mais.
— Você mesmo estava me pressionando para falar.
— Isso foi antes.
Escutei os passos de Giulia no quarto enquanto estava
paralisada na porta. Tinha acabado de sair da minha sessão com
Lillian, que estava muito empolgada com a minha evolução.
Estabelecer uma conexão com alguém, mesmo que com apenas
uma pessoa, era melhor que ninguém. Talvez eu estivesse mais que
obcecada. Talvez… estivesse apaixonada, embora não tivesse
referência alguma do que significasse. O importante era que Nero
era meu.
Mas, então, se Eduardo contar que ele é russo e herdeiro da
Bratva… talvez ele odiasse a todos. Fechei os olhos com força.
Não, não Nero. Ele amava a Cosa Nostra, ela foi seu lar por muito
tempo. Eu não me angustiaria.
— O que você est… Giulia, por favor.
— Nero.
Olhei para o homem de cabelos, olhos escuros, um pouco
acima do peso e mais velho. Por regra, ele deveria me chamar de
senhor, eu era o capitão dos capitães, caporegímes dos
caporegímes. Ele me devia respeito e obediência, mas Rafaelle era
de uma das famílias mais antigas e tradicionais da Cosa Nostra. A
maioria me respeitava pelo meu valor como soldado, mas alguns
tradicionais ainda tinham dificuldade para me aceitar. Sei que ele me
achava lixo, e que gostaria que seu filho, ou mesmo ele, estivesse
em minha posição.
— Rafaelle. — Apontei para a cadeira à minha frente, mas ele
se negou.
— O que vim dizer é breve. Aliás, eu só gostaria de confirmar.
A caçula Castelle. — Meus punhos se fecharam com a menção de
Isabella.
— Nosso noivado será ao final desse mês. Espere um convite.
— Nero.
— Como está, Nero? — A voz de Antônia Rossi estava suave
e distante. Como sempre foi.
— Estou bem.
— Estava me perguntando quando você nos diria que irá se
casar com a filha de Enrico Castelle. Anthony chegou com a
novidade.
Suspirei antes de responder.
E então desmoronei.
Isabella Castelle
— Ele sabe!
As palavras de meu pai estrondavam o escritório de Eduardo.
Três dias. Há exatamente três dias, Nero havia sumido do mapa,
abandonando todas as suas funções com a famiglia e seus próprios
negócios. Ele abandonou tudo, inclusive eu. Ninguém me avisou
sobre o quanto uma dor emocional poderia ser cruel.
Nada.
Ainda de olhos fechados, tentei me situar sobre o que tinha
acontecido. Eu estava na rua, depois de ver Alessa abraçada a
Nero, e então baixei a guarda. Os russos me tinham. Dimitri me
tinha. Eu precisava ser esperta. Há quanto tempo eu estava aqui?
Embora eu não estivesse machucada ainda, sentia meu corpo um
pouco lento para responder. Drogaram-me.
Quando tive a certeza de que estava sozinha no cômodo, abri
os olhos. O quarto era totalmente branco, limpo e arejado e, na
penteadeira ao lado, havia um porta-retratos. Uma foto minha.
Sentei-me na ponta da cama e forcei minha vista para a porta, que
não tinha trinco.
Ótimo.
Provavelmente só conseguiria abrir por uma digital ou senha.
Com passos instáveis, fui em direção a uma porta que dava em um
closet, onde estavam muitas roupas, sapatos e acessórios. Todos
eram meu número.
Se eu fosse uma garotinha, estaria assustada pra caramba. Eu
deveria estar assustada. Dimitri fez esse quarto como se tivesse
certeza de que eu estaria aqui um dia. Escutei passos, um sinal na
porta, e então ela abriu, mas eu permanecia no mesmo lugar. Por
ela, entraram três mulheres.
Uma delas era um pouco mais alta que eu, olhos azuis e
cabelos loiros, diferentes do meu, era um loiro branco, pálido. Ela
tinha um sorriso perverso. As outras duas estavam em posição de
alerta, provavelmente faziam parte da segurança da loira.
— Moya lyubov[28].
Eu não fazia ideia do que isso significava, mas continuei
parada, olhando para sua figura através do espelho. Ele pareceu
incomodado em me ver daquela forma. Aproximou-se, ficando atrás
de mim, mesmo não me tocando. Eu deveria estar aterrorizada por
esse homem que já tinha me deixado uma cicatriz. Eu deveria estar
gritando e implorando por misericórdia, mas eu não implorava. Se o
que sobrasse fossem apenas meu orgulho e dignidade, eu iria para
o túmulo com eles.
— Preciosa… minha irmã, pelo jeito, veio te dar as boas-
vindas. Eu não gostaria que fosse assim, agora nossos planos terão
que esperar.
Ele pareceu irritado. Não sabia o que esperar dele, muito
menos quando tomou minhas mãos calmamente, e me virou
delicadamente de frente a ele.
— Peço desculpas pelo comportamento rude de minha irmã.
Isso não voltará a acontecer.
Eu continuei em silêncio. Ele me olhou por alguns segundos,
então começou a rir, uma risada insana, os olhos quase
perturbadores.
— Mas te quero inteira para tudo que vou fazer com você,
vamos brincar muito mia Bella[31]. Sua completa rendição. — Mais
um olhar lascivo, desdenhando de mim em tom italiano. Com mais
um olhar em minha direção, ele disse: — Eu tentei te tratar como
uma convidada, mas enquanto se comportar como uma prisioneira,
é assim que será tratada.
Nero Rossi/ Yuri Ivanov
Eu só consegui fechar os olhos e vê-la.
Eu a via machucada.
Eu a via implorando por ajuda.
Eu a via chorando, quebrada.
Eu a via morta.
Três dias sem Isabella, três dias sem saber sobre ela.
Tudo estava pronto, tínhamos a sua localização. Eu iria
derrubar a fortaleza de Nikolai e construir a minha no lugar. Estava
sedento por vingança.
“Só mais um pouco, boneca. Aguente só mais um pouco”.
Estava difícil pensar positivo. Eu sabia que Isabella saberia se
cuidar, que ela foi treinada para possíveis situações como essa e,
pela segunda vez, depois de tudo, agradeci internamente a Enrico
Castelle.
Era quase como se o homem tivesse uma bola de cristal, que
tivesse visto o futuro de alguma forma e previsse tudo o que estava
acontecendo hoje. A mãe de Isabella estava inconsolável. Giulia e
Milena, aparentemente, estavam fortes, mas só quem já as tinha
visto juntas saberia que ali havia um elo inquebrável.
Eu era assolado pela culpa, preocupação e saudade. Só
conseguia pensar em pedir a qualquer entidade divina, mesmo
sendo um filho da puta pecador, que a mantivesse viva e a salvo.
Que eu não perdesse tudo novamente, porque não suportaria. E
Isabella era o meu tudo.
— Amanhã, ao nascer do sol, sairemos, encontraremos os
homens de Dardan, Capello e os Devils no caminho. É quase um
exército — afirmou Eduardo e se sentou na poltrona de frente a
mim.
Nos últimos dois dias, passamos e repassamos estratégias
para o resgate de Bella e a morte de Dimitri. O objetivo comum de
resgatar Isabella fez com que esquecemos todo o resto, ao menos
por enquanto.
— Você é muito parecido com seu pai, Yuri. Ele teria orgulho
de você.
Isabella Castelle
— Como você está hoje, meu pet[32]?
Três dias algemada a uma cama. A pão e água. Meu vestido
sujo e manchado de sangue, meu corpo ainda doía um pouco, e os
hematomas ainda eram visíveis, embora meu rosto já não estivesse
tão inchado. Veio alguém e me deu uma injeção com algo que fez
as dores melhorarem.
— Eu sei que te prometi cinco dias de descanso, mas estão
ansiosos para conhecer a minha futura esposa. A minha alma
gêmea. Têm roupas, maquiagens e todas as porcarias que você
precisar para esconder os hematomas. Quero você perfeita, lyubov.
Eu já não tinha noção alguma de horário. Esperei que ele
soltasse meu pulso e os massageei. Precisava de um banho e, por
mais que não quisesse, teria que dançar conforme a música. Eu me
levantei, um pouco enfraquecida, para me deparar com um
verdadeiro banquete. Dimitri se aproximou e me abraçou como um
amante.
— Coma, fique forte e encante o meu povo como você me
encantou, preciosa.
Ainda que estivesse desconfiada, estava faminta. Muito
faminta. Então, sem qualquer vestígio de racionalidade, me soltei de
seus braços e devorei as panquecas, os pãezinhos e o suco,
enquanto Dimitri me observava. Tentei, o máximo, não devorar a
comida como devorei, mas a minha fome era maior que a cautela.
Três dias no inferno. Três dias perdendo pouco a pouco a minha
pouca sanidade. Assim que me levantei, fui para o banheiro e
passei a chave na porta, escutando a gargalhada de Dimitri.
— Como se uma porta fosse algum empecilho se eu quisesse
te foder agora. Um exército não seria.
Dimitri estava jogando comigo. Ele estava jogando com a
minha mente e estava conseguindo. Nas últimas três noites, ele me
afrontou, brincou comigo, pois percebeu que eu tinha medo de ele
tocar em mim. Acariciou meu corpo, mesmo quando eu aparentava
indiferença. Na última noite, me fez ficar nua e, por um momento,
achei que ele iria cumprir o que vem prometendo. Mas não fez. Ao
mesmo tempo em que ficava agradecida internamente por ter
passado mais uma noite ilesa, ficava com medo, quanto tempo mais
ele faria esses joguinhos comigo? Era para me enlouquecer, eu
sabia. Ele agia com a certeza de que teria todo o tempo do mundo,
e eu só implorava internamente para que minha família viesse logo.
Nunca me senti tão vulnerável. Era uma merda.
Olhei a minha imagem no espelho e mentalizei que deveria ser
forte. Eles viriam me buscar, não me deixariam aqui. Eu poderia
morrer, mas jamais iria implorar. E eu seria vingada, cada átomo
meu sabia.
Tomei um banho, meu corpo já não estava tão dolorido,
coloquei um roupão e, quando saí do banheiro, me preparando
mentalmente para lidar com alguém mais louco que eu, senti algo
picar em meu pescoço e meus braços serem imobilizados.
— O que…
— Calma, pet. É só para que a dor de seu corpo passe logo.
Porque não esperarei muito tempo e estarei dentro de você… —
Dimitri estava atrás de mim e sua mão foi para dentro do meu
roupão, encontrando a minha intimidade. Suas palavras, então,
soaram duras em meu ouvido: — E a próxima vez que eu colocar
minhas mãos aqui, quero que esteja molhada, ou vou rasgar você
inteira. Eu te quero pingando por mim, pet.
Jogou-me na cama e parou à minha frente. Mais que
depressa, fechei o roupão. Então, ele se ajoelhou e encarou meus
olhos, quase rindo:
— Isabella Nikolai… O nome combina mais do que Castelle ou
qualquer outro… aqui vai poder ser você mesmo, porque ninguém
vai te aceitar como eu aceito. Ninguém vai adorar a sua maldade e
podridão interna como eu. Somos iguais, eu soube desde a primeira
vez que a vi. Nem sua família ou aqueles italianos fodidos que
gostam de uma mulher na coleira te aceitarão como eu aceito.
— Até onde eu sei, você também gosta de uma mulher na
coleira. Literalmente— Seus olhos se inflamaram de fúria e ele
acertou meu rosto com um tapa. Não fiz uma careta de dor, mesmo
tendo meu tronco jogado para trás. Ele também não moveu um
músculo do rosto e se levantou.
— Você me obriga a ser cruel, pet. — Virou de costas, soltou
um bufo frustrado e se voltou para mim. — Eu estou tentando ser
um bom noivo. Coloquei você em um quarto decente, tudo o que fiz
até agora foi te tratar bem, você não reconhece? — Ele passou a
mão delicadamente em meu rosto, o lugar onde tinha me acertado,
e deu um sorriso de lado. — Eu não quero você assim, contida. Seja
você ao meu lado, Bella, me respeite, aceite a minha gentileza e
teremos um matrimônio feliz.
— Achei que você queria me quebrar.
— Eu vou… te ver rendida a mim vai ser a melhor maneira de
te quebrar.
Gostaria de dizer que ele estava fazendo um péssimo trabalho.
Todos os dias eu odiava ainda mais Dimitri e toda a sua loucura.
Dimitri, louco Dimitri, que se contradizia a cada minuto que estava
ao meu lado. Que jogava comigo, porque ele queria me ver
enlouquecer. Ele saiu da sala silenciosamente após suas palavras e
eu fechei os olhos, recobrando meu controle. Quando eu
enlouquecesse de vez, não seria bonito.
Respirei fundo e olhei o vestido que estava no colchão. Era
vermelho, muito diferente do estilo de roupas que eu usava. Seria
um vestido que Milena usaria, pois ela tinha curvas que o
preencheria. Duas mulheres entraram e, sem uma palavra,
começaram a me vestir, maquiar e arrumar o meu cabelo. Uma
delas demorou um tempo considerável em meu rosto. A dor física
era fácil de lidar. A minha mente… era outra história.
Quando terminaram, saíram, e eu fiquei olhando no espelho.
Nenhum vestígio dos meus hematomas. Estranhamente, também já
não sentia nenhuma dor. A pessoa no espelho, que me encarava de
volta, era a imagem da perfeição. Típica esposa troféu.
A porta foi aberta e Dimitri entrou vestido com um smoking,
mesmo que nada pudesse fazer esse homem não parecer um
demônio, com um estojo nas mãos. Parou atrás de mim e, pelo
espelho, pude ver que era um colar estupidamente caro, de
diamantes. Eu nunca sofri privação de qualquer natureza e luxo
sempre foi algo que fez parte do meu dia a dia, mas esses
diamantes eram uma pequena fortuna. Dimitri pegou o colar e
colocou em meu pescoço.
— Preciosa… quando digo que será a minha rainha, não
minto. Você merece o melhor, lyubov — dizendo isso, ele beijou
meu pescoço, exatamente nas asas de anjos. — Estou me
esforçando para que se apaixone por mim, pet. Vou tentar com você
do jeito certo, mas não pense que tem alguma escolha. Estou te
dando a oportunidade de me querer também. Hoje, a festa é em sua
homenagem, então sorria e seja grata. E eu já disse que amei a
tatuagem? É maravilhoso que me veja como seu anjo da guarda.
Ofereceu-me o braço e, mesmo com todo o meu corpo
retesando em recusa, eu o aceitei. Jogar o jogo. Ganhar tempo. Eu
precisava ganhar tempo.
Dimitri morreria.
Nero vingaria seus pais.
Ele tinha uma irmã.
A coroa era dele.
A Bratva era dele.
Seus olhos nos meus, refletindo tudo o que eu sentia de volta
para mim, me chamando, mesmo que seus lábios não se
movessem. Estava acabando, eu só precisava correr mais rápido.
Então veio um estalo isolado que me tirou as forças das
pernas. Eu não estava mais correndo. Minhas pernas ficaram
pesadas. Escutei um rugido. Dor, dor sem igual. Então, um gosto de
metálico na boca.
E eu caí, sendo engolida pela escuridão, tendo como uma
última visão, Nero, correndo em minha direção.
Yuri Ivanov
Com um verdadeiro exército, no meio do nada, não foi difícil
derrubar a fortaleza de Dimitri. Com as autoridades que estavam no
bolso, na folha de pagamento dos principais líderes do submundo, o
assunto dificilmente viria a público. No fim, Dimitri ter esse lugar tão
isolado saiu a nosso favor.
Um grito.
Isabella caiu no chão quase em câmera lenta. Eu fui para
frente quando Shield me segurou, movendo-me de volta para trás,
atirando nos russos. A troca de tiros continuou ao mesmo tempo em
que eu lutava com dois dos prospectos de Shield para alcançar
Bella caída no chão.
Não, não, não…
Eu vi Shield atirar, gritar ordens para seus homens, um deles
acabou recebendo uma bala por mim, mas o que eu precisava era
chegar até Bella. Shield gritava comigo. Shield gritava algo, mas eu
só via sua boca se mexendo… precisava chegar até Bella.
Como um monstro rugindo, me soltei de três homens e corri
para onde ela estava, não me importando que, atrás de dois russos,
a arma de Dimitri estava indo de encontro a mim. Eu poderia morrer
agora, que não me importaria. Ele poderia tirar a minha vida,
porque, se eu perdesse Bella… nada do que fiz faria sentido. O
reino era para ela, a Bratva era dela, meu coração era dela…
Quando alcancei seu corpo, mais balas foram disparadas. O
corpo de Dimitri foi jogado para trás, os dois russos com ele
também, mas eu só tinha olhos para Isabella, que estava caída no
chão. Senti a queimação em meus olhos e chorei, não poderia
perdê-la, não agora, por favor, Deus, não.
— Isabella, Isabella.
— Obrigada, pai.
— Giulia está agonizando em casa de preocupação e
saudade, mas Pietro está sendo exigente de atenção — Eduardo
falou também se aproximando, embora mantivesse certa distância.
— Você nos assustou, Isabella.
— Está sentindo alguma dor? — minha mãe perguntou.
— Não, estou bem. Quanto tempo estou aqui?
— Cinco dias. Ficará mais alguns, mas está fora de perigo
agora. Só por precaução— disse Milena, afagando meu cabelo.
Um silêncio estranho tomou conta do lugar e eu esperei.
Nunca fui a mais falante da família, então esperei, ainda que
soubesse o motivo do estranhamento. Eles queriam que eu
perguntasse sobre o novo Pakhan da Bratva. Mas não perguntaria.
Se algo estivesse errado, certamente já teriam dito.
Como sempre, minha mãe resolveu quebrar o silêncio:
— Querida, não vai perguntar sobre o seu noivo?
Olhei firmemente em seu rosto quando respondi com a voz
mais monótona possível.
— Eu não tenho mais noivo, mamãe.
Ela arfou, horrorizada, Milena parou o carinho em meu cabelo,
papai deu um sorriso de canto e Eduardo fez uma carranca.
— Não sei se você tem muita escolha nesse assunto, Isabella
— Eduardo falou.
— Mudei de ideia.
— Não é assim que as coisas funcionam. Você sabia, desde o
início, que as coisas poderiam desandar no meio do caminho. Eu
tentei te dar alternativa, mas você escolheu esse destino. —
Eduardo estava contendo sua raiva, dentes e maxilar cerrados —
Você o escolheu, Isabella. Ele não abrirá mão de você, e eu não
estou disposto a começar outra guerra com a Bratva, não quando
acabei de terminar uma.
Eu odiava que ele estivesse certo. Odiava que realmente fosse
eu quem tivesse escolhido meu próprio destino. Mas esqueceram de
me avisar que, quando estamos apaixonadas, viramos tolas. Meu
semblante continuou o mesmo quando eu disse:
— O que ainda é minha escolha?
— Você escolhe a data — Papai me respondeu com uma
piscadela.
Com Yuri fora, Giulia foi escolhida para ser a nova capitã-mor.
Algo inédito na Cosa Nostra, e eu fiquei muito feliz por ela. Giulia
era ótima em estratégias, e gostava de liderar. Não era só por ser
esposa do Don que ela estava no cargo, era por ser capaz. Embora
alguns tradicionalistas reclamassem serem liderados por uma
mulher, ninguém ousou ir contra Eduardo em voz alta.
— Até quando vai ignorar o seu noivo, Bella? — Giulia
perguntou, acalentando Pietro que estava cada dia mais esperto.
Ele balançava seu pequeno punho e soltava barulhos de bebê. Era
um pequeno furacão. Giulia estava de pé e tinha Pietro em uma
posição em pé, encostando suas costas em seu peito, colocando o
pequeno para olhar em volta.
— Até que ele desista.
Giulia suspirou, cansada.
— Pesadelos?
— Não.
— Algo que a perturbe?
Só a saudade.
— Não.
— Lembra-se do que estabelecemos antes? Sem mentiras.
Caso haja algo, apenas diga que não quer falar sobre.
— Dispense-a.
— Ela insiste.
Respirei fundo.
— Não a deixe subir. Eu descerei e falarei com ela aí.
Soltei um gemido frustrado e decepcionado. Encontrei Alessa
no hall de entrada e, quando ela levantou os braços na intenção de
me abraçar, segurei seus braços. Seu sorriso escorregou do rosto, e
ela me olhou ferida.
— Yuri.
Ela me deu um sorriso. Eu ia dizer que não éramos amigos,
mas ela disse antes.
— Fiquei sabendo sobre isso. Não se fala em outra coisa, a
não ser sobre você ser o novo Pakhan da Bratva. Que virada, hein!
— Ela deu um sorriso grande e pegou em meu ombro.
— Yuri!
Eu me virei e dei de cara com Veronika, usando com um
vestido amarelo brilhante, um casaco creme e sapatilhas pratas. Ela
tinha cortado o cabelo na altura dos ombros, o que lhe deu um ar
sofisticado. Parecia uma verdadeira princesa, mesmo com as
cicatrizes. Estávamos nos dando bem, mesmo que estivesse sendo
um processo gradativo. Havia muitas feridas que precisavam ser
cicatrizadas, porém vir nesse evento em Nova Iorque foi um grande
passo para nós dois.
— Não.
—Porque eu ficaria muito decepcionada se você traísse
Isabella. Nenhuma mulher merece isso.
— Não tenho uma amante, Veronika — disse com mais
firmeza.
— Acho bom. Porque se tiver, sou a primeira a contar e aí que
você não vai reconquistar Isabella mesmo.
Eu segurei o meu sorriso para não encorajar sua insolência,
mas senti uma sensação quente no peito ao saber que minha irmã
era leal a Isabella. Um dos meus maiores desejos era que se
dessem bem. A gratidão de Veronika com Isabella já era um bom
começo. Agora eu precisava dobrar a minha noiva.
— Teremos casamento?
— Para quando Isabella quiser.
Isabella ergueu os olhos em minha direção com um sorriso e,
como sempre acontecia, seu olhar conversou com o meu. Hoje, se
fosse possível, era o que ele me dizia. Abaixei até o seu ouvido e
disse:
— Por mim também, boneca. Mas, infelizmente, uma grande
festa tem que acontecer.
— Que pena.
Foi sua única resposta. Sorrindo, beijei o topo de sua cabeça e
ela foi em direção a minha irmã. Ambas se abraçaram naturalmente.
Veronika ainda não se sentia à vontade em torno de estranhos, mas
tinha amado Milena, tanto que ficou hospedada na casa dela de
ontem para hoje. E, estranhamente, ela se sentia bem com a família
Castelle-Maceratta. Minha família também, tanto por casamento
quanto por vivência e, arrisco dizer, por coração.
Mesmo que jamais dissesse em voz alta, Giovanni era um
irmão, Eduardo meu mentor, e todos que importavam a eles
importavam para mim. O que, coincidentemente, também era
importante para Isabella. Viramos uma grande família, onde
poderíamos ser homens e mulheres sem máscaras.
As mulheres foram em direção à cozinha entre risos histéricos
enquanto Anita dizia alto que seria a dama de flores na cerimônia de
casamento. Veronika acompanhava a troca entre as irmãs Castelle,
Antonella e Alessandra, tímida e divertida. Eu me sentei ao lado de
Giovanni, junto de Eduardo e Enrico, que tirou Pietro dos braços de
Eduardo e o aconchegou no colo. A conversa fluiu e não, não foi
como nos velhos tempos. Foi melhor.
Muito melhor.
Isabella Castelle
— Está chegando o aniversário de Anita, treze anos, vai querer
uma festa querida? — perguntou mamãe enquanto estávamos na
cozinha com o restante das mulheres. Um bolo de chocolate foi
colocado no centro da mesa da cozinha e todos se deleitavam e
conversavam alegremente. Desde que tudo aconteceu, não tivemos
um bom momento.
— Não, né, tia. Eu já estou grande para festa. Mas quero fazer
uma viagem com algumas amigas.
Giulia, que havia se levantado e ido em direção à geladeira,
parou e deu-lhe um beijo na testa.
— Você ainda não é grande o suficiente para viajar sozinha
com amigas, Ani.
— Saco! — disse com a pequena colher na boca, revirando os
olhos. Ela tinha pintado uma mecha de cabelo de rosa e estava
cheia de atitude adolescente. Tão diferente da criança tímida e
assustada que conhecemos. Lorenzo, seu finado pai, graças a mim,
era uma doença, o mundo estava melhor sem ele.
— São ossos do ofício, meu amor. Já conversamos sobre isso.
— Mas todo mundo faz isso no aniversário. Eu nunca posso,
não é justo — voltou a reclamar.
— Bem-vinda ao clube, doninha. Eu tenho vinte anos e nunca
fiz uma viagem com amigas. — disse Talía devorando seu bolo.
— Mas eu vou fazer, não viverei presa como vocês. Eu vou
viver livremente e me casar com quem eu escolher.
O silêncio foi desconfortável após as palavras de Anita. Ela
parecia tão certa do que falava, quase como se fosse uma adulta.
— Querida, você sabe que faço o possível para que tenha uma
vida mais próxima do normal. Mas você sabe que não somos como
as outras pessoas — Giulia disse com firmeza, sem alterar o tom de
sua voz. Anita mordeu uma resposta de volta, talvez se dando conta
de que havia outras pessoas. Resolveu ocupar a boca com o bolo e
deu de ombros.
Antonella, tentando cortar o clima desagradável que se
apossou do ambiente, bateu o prato e soltou um som alegre,
dizendo em seguida:
— Ah, espero que se lembrem de que, quando vocês tinham
essa idade, também tinham exatamente essas atitudes. Giovanni,
algumas vezes, ainda no colegial, foi a festas escondido, sem ter
noção do perigo que corria ao andar pelas ruas sem segurança. —
Seu olhar ficou saudoso — Salvatore tentou dar a Giovanni a vida
mais normal possível. O deixou ir às escolas, jogar futebol… — O
clima mudou no ambiente.
— É por isso que ele é maravilhoso, sogrinha — Milena disse
do seu canto, com a boca cheia de bolo.
— Milena, modos — mamãe disse, e Milena revirou os olhos
com força, por um momento achei que não voltaria ao normal.
— A questão é que vocês não devem se esquecer nunca que
são fases. E você, pequena, saiba que tudo é para o seu próprio
bem— Antonella concluiu com um afago em Anita.
— Claro! — Ela revirou os olhos, mas sorriu.
Giulia balançou a cabeça negativamente sorrindo, com um
copo de água na mão. Milena saltou do balcão e sentou na cadeira
vazia ao meu lado.
— E o casamento de Isabella? Ainda será em dez anos?
Todas riram e minha mãe logo se adiantou.
— Claro que não, ainda mais Isabella dormindo na casa do
noivo. Que escândalo! Per Dio, isso não pode sair daqui. Imagina, já
chega Milena que vivia de escândalo com Giovanni.
— Eu? Que absurdo! Fiz tudo certo!
— Ah, bambina[41], e você acha que eu não vejo as piadinhas
sobre o tempo em que vocês se encontraram clandestinamente? Só
porque me faço de stronza, não quer dizer que eu seja!
Milena teve a decência de parecer envergonhada, enquanto
todas riram, inclusive, Antonella. As regras da Cosa Nostra eram
rígidas e retrógradas, pelo menos eram para a maioria.
— A única que, pelo jeito, não me deu esse desgosto foi minha
Giulia.
Giulia engasgou com a água, fazendo com que a mesma
saísse pela sua boca e nariz. A risada foi total e minha mãe
estreitou os olhos na direção de sua primogênita.
— Você também?
— Claro que não, mamma — Giulia disse, mais que depressa.
— Sobre o que vocês estão falando e rindo? — Anita
perguntou, desviando os olhos de celular.
— NADA! — todas responderam e foi impossível não se deixar
levar pelo clima leve.
— Talía sabe a importância de ir com a página em branco para
o casamento. — Milena soltou e a risada voltou com força total.
— Página em branco? — Anita perguntou novamente, o que
só resultou em outra onda de risadas.
— Não é como se eu tivesse a oportunidade de sujar essa
página, não com meu noivo em Boston, e eu aqui. E também não é
como se ele parecesse muito interessado já que a última vez que o
vi ou falei com ele foi no noivado. — Talía soltou de uma só vez, e
logo deu um sorrisinho sacana. — A não ser que eu a suje um
pouquinho por conta própria.
— Talía Maceratta! Não fale algo assim nem de brincadeira,
per Dio!
Hoje, as mulheres estavam incontroláveis. Até Veronika estava
se divertindo com a conversa, embora não falasse nada, assim
como eu.
— Conversa mais estranha — Anita disse já saindo da cozinha
—, vou dançar um pouco.
O papo continuou na cozinha animadamente quando vi
Veronika indo em direção ao corredor que dava para a janela, com
vista para o jardim. Ela ficou lá, parada, olhando o horizonte. Eu me
aproximei, mesmo que não tivesse habilidade alguma em tirar
alguém de sua própria concha. Eu estava muito envolvida dentro da
minha. Mesmo sem palavras, parei ao seu lado e fiquei. Após bons
minutos, ela falou:
— Minha mãe amava flores. — Fiquei surpresa por ela falar da
família. Durante o tempo em que mantemos contato, ela nunca falou
da família, não que fosse um assunto que deveria ser abordado por
mensagens. Continuei silêncio, esperando o que diria a seguir — Eu
tenho poucas lembranças dela ou do meu pai. Tenho mais
memórias da minha irmã… Natasha.
— E que lembrança tem dela? — Veronika sorriu, um sorriso
triste.
— Lembro de descer as escadas correndo com a voz de nossa
mãe nos pedindo para não correr. Lembro de fazermos
absolutamente tudo juntas. São lembranças um pouco nebulosas…
mas se eu fechar os olhos, consigo até mesmo escutar a voz e
sentir o cheiro da minha infância.
Engoli em seco. Amava minhas irmãs, não imaginava a minha
vida sem elas, mesmo em nossas diferenças, até mesmo nas brigas
e discussões, éramos parte uma da outra. A dor de Veronika era
difícil de mensurar.
— Você se lembra do acidente?
— Sei o que Mikhail me contou. Que me resgatou do carro em
chamas. Ele vivia dizendo que eu lhe devia a vida e por isso deveria
me casar com Dimitri. — Veronika tentava manter a voz firme, mas
ela saia trêmula. — Durante toda a minha infância, Mikhail Nikolai
me manteve presa. Apesar de não poder sair e socializar, tive
tutores e certo conforto. O conselho estava sempre de olho em mim,
pois eu era a única herdeira Ivanov. Todo ano era feito um tributo a
minha família, e nesse dia eu poderia sair e ter contato com outras
pessoas. Foi assim até os dezoito anos, quando me casaria com
Dimitri. —A voz de Veronika foi ficando cada vez mais embargada e
chorosa. Ela firmou o olhar no horizonte e continuou: — Andrei, Irina
e Dimitri me odiavam. Principalmente porque eles sofriam todos os
tipos de abusos e violência, mas Mikhail não poderia me tocar de
forma alguma, embora ele me mantivesse reclusa. Uma prisioneira,
uma vida de prisão. Isso até Dimitri matar Mikhail e minha vida virar
um inferno. De alguma forma, Mikhail me protegia dos seus filhos.
Mesmo que fosse por egoísmo, era uma forma de proteção.
Lágrimas corriam incessantemente de seus olhos. Eu só
conseguia pensar em Lillian me pedindo para perseguir qualquer
ponto fora da curva. Eu sentia por Veronika e, ainda que não
conseguisse demonstrar com palavras, segurei sua mão, que ela
apertou. Em seguida, virou-se em minha direção e me abraçou,
soluçando.
Aquela veia louca e sádica dentro de mim queria que todos
eles estivessem vivos para que eu pudesse matá-los. Eu soube que
Dimitri resistiu ao seu sofrimento por duas semanas, até morrer,
mas ainda parece pouco, muito pouco perto de tudo o que ele fez.
Ela se afastou um pouco, uma mecha loira em seus olhos, agora
vermelhos.
— O que eu vi aqui me deixou feliz e triste, na mesma medida.
Não me leve a mal, não estou triste por vocês serem felizes. É
que… durante muito tempo, eu pedi a morte, culpei Deus por me
manter viva. Era injusto que só eu sobrevivesse. Depois que voltei
para a casa que era dos meus pais, encontramos um álbum de fotos
— ainda segurando minhas mãos, Veronika disse: —, éramos
felizes, Bella. Felizes como vocês.
— Essa família também é sua, agora — foi só o que consegui
dizer. Era péssima com palavras, minha vontade era pedir para que
ela esperasse eu chamar Giulia, que era muito melhor que eu em
consolo e conforto. Uma bola emocional estava presa em minha
garganta, mas não saía, então só apertei suas mãos.
— Isabella está certa. — Essa voz me fez suspirar de alívio.
Yuri. Eu não me virei, mas senti seus braços, seus grandes braços
me envolverem e a Veronika também. Ele abraçou a nós duas ao
mesmo tempo e o sentimento de pertencimento bateu com força.
Talvez demorasse um tempo para que feridas mais profundas
cicatrizassem, mas iríamos superar juntos.
— Eu vou amar e proteger vocês até o meu último suspiro—
Yuri disse acima de nossas cabeças.
Era uma promessa.
Isabella Castelle
Minha vida se resumiu em lojas e lojas, e escolha de cores e
tudo o que envolvia meu casamento, em um mês. Eu bem que
gostaria de ter me casado em menos tempo, mas assim que
anunciamos, mamãe pediu três meses, no mínimo, para arrumar um
casamento digno de uma princesa italiana e um Pakhan russo. Era
inédito. Na história, um Pakhan ainda não tinha se casado com
alguém de fora da Bratva, mas Yuri prometeu que nada mais nos
separaria, e ele cumpriu.
O conselho da Bratva quis interferir, escolhendo uma noiva
russa para Yuri, mas ele se negou veementemente, afirmando que
já tinha dado sua palavra a mim. O conselho também estava farto
da guerra contra a Cosa Nostra e acatou a decisão de Yuri.
Veronika tinha chegado há poucas horas. Ela passaria o último
mês aqui em Nova Iorque, um pouco para socializar e também para
me ajudar com os preparativos. Era muito bom viver dias de
tranquilidade depois de tanta tensão.
Eu e Yuri nos vimos algumas vezes, embora minha mãe
batesse incessantemente na tecla de que eu deveria manter as
aparências até o casamento. A saudade era demais, o amor
também. Quando Yuri passava por perto de Nova Iorque, nós
dávamos um jeito de nos ver. Enzo ainda era responsável pela
minha segurança e fazia vista grossa a cada escapatória minha.
Agora, no shopping com Milena e Veronika, vimos as compras
e, principalmente, acertamos os detalhes da nova loja da Milena.
Sim, ela estava para abrir sua segunda loja. Após acertar algumas
burocracias, fizemos compras. Eu não odiava, mas também não
amava. Veronika estava se saindo super vaidosa. Adorando vestir a
coroa de princesa com orgulho. Após algum tempo e muitas
sacolas, fomos para a praça de alimentação, onde encontramos
Talía remexendo uma salada caesar, com uma cara desanimada.
Ela parecia estar vindo da faculdade, pois tinha alguns livros
espalhados pela mesa. Sentando com ela, Milena perguntou.
— Hey, o que houve?
— O que houve? Meu noivo! Disse para Giovanni que não vai
esperar que eu faça a pós-graduação aqui. Ou seja, assim que eu
terminar o pré-med, vou me casar — disse com uma expressão
furiosa. Eu vi Aleksander Dardan no noivado e ele é um homem
muito bonito.
— Eu só v...
— Alessa, olhe para mim. Antes de dizer qualquer coisa, me
responda: o dia em que você foi no hall assim que descobri minha
origem, Isabella nos viu?
Seu rosto ficou vermelho e ela abaixou o olhar.
— Sim.
— Preste atenção. Eu quero que você desapareça e não me
procure nunca mais. Sabia que ela se descontrolou depois que nos
viu e baixou a guarda suficiente para que fosse levada por Dimitri?
— Eu não tenho culpa que ela seja louca! Não coloque essa
responsabilidade em mim. Você é um chefe, precisa de uma mulher
equilibra…
Eu segurei seu pescoço e apertei. Alessa abriu os olhos
assustada pela minha ação, considerando que sempre fui um
homem controlado. Senti a mão de Giovanni atrás de mim, me
pedindo para parar, mas eu só via vermelho.
— E isso que veio fazer aqui? Tentar me convencer a desistir
do casamento? Perdeu seu tempo. Suma antes que Isabella cumpra
todas as ameaças que fez a você. E dessa vez eu não irei intervir.
Eu a soltei e ela saiu cambaleando, o rosto molhado em
lágrimas. Giovanni manteve a mão em meu braço até a Alessa
sumir de vista. Ajeitando meu terno e me soltando de seu agarre,
arrumei minha gravata, tentando conter a fúria em mim.
— Não deixe para perder o controle no dia de seu casamento.
Vamos, Annabelle já está a caminho. E se ela imaginar que Alessa
pisou aqui, ela irá perseguir a garota vestida de noiva com uma
adaga na mão. Não é uma visão bonita, Annabelle sabe ser
assustadora.