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Copyright © Harin Andreo, 2021

Capa: Thatianne Tennorio


Revisão: Mariana Rocha
Diagramação: 318 Serviços Editoriais e Design
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

UNIDOS PELO DESTINO


Harin Andreo
1ª Edição – 2021

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento, e/ou reprodução de qualquer


parte dessa obra – física ou eletrônica – através de quaisquer meios (tangível ou
intangível) sem o consentimento escrito da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.2018.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. Todos os direitos
reservados.
Obscuridade

Envolva-me na sua obscuridade, me aprisione em sua insanidade.


Me leve a navegar nas nuances existentes de sua loucura, me
desnude por completo, me faça ansiar por cada toque seu.
Possuo-me, com o mesmo ímpeto que habita, na loucura que
flameja em seus olhos sempre que fitam os meus.
Navegue junto a mim em meio ao caos, dance comigo nas sombras,
me faça arder de paixão...
Mas nunca, enquanto respirarmos pense ou ouse, se apartar de
mim ou do meu toque.
Prefácio

Caro leitor,
É com extremo carinho que descrevo que ao embarcar nessa
viajem épica que conta a história de Isabela e Nero, você irá
navegar em uma miríade de emoções e sensações. Digo isso uma
vez, que me senti deste mesmo modo, durante minha leitura.
Unidos pelo Destino é um livro que te tira literalmente fora da
caixinha, que te faz ansiar ao mesmo tempo que te deixa em
extrema atenção, em virtude das reviravoltas que a história nos
proporciona.
Eu poderia fazer inúmeros elogios à escrita extremamente
fluida da autora, ou aos seus personagens devidamente bem
construídos.
Entretanto o que me cativou me fazendo me render totalmente
a Isa e Nero, foi a sensibilidade que a Harin utilizou, para construir o
romance existente entre deles.

De como as palavras inúmeras vezes foram dispensáveis


tamanha a sincronia desse casal tão improvável, o modo com os
olhares diziam e expressavam os sentimentos latentes entre eles.
É com imenso carinho e amor que te convido a navegar por
cada página deste livro, bem como a se emocionar com cada linha
existente nele.
Honestamente espero que você suspire, chore se revolte e se
emocione, como eu me emocionei, com essa leitura belamente
constituída pela Harin.
Boa leitura!
Com amor,
Baby Grayson.
Sinopse

Isabella Castelle sempre lutou contra a linha tênue de sua


sanidade. Uma bailarina, aparentemente inofensiva, que batalha
diariamente para manter o controle de seus próprios demônios. Em
uma saga pela descoberta de suas próprias emoções, terá que
sobreviver sendo o alvo de um psicopata obcecado, enquanto ela
mesma lida com sua obsessão por Nero Rossi.
Um príncipe russo injustamente destronado, Nero Rossi teve a
sua vida roubada quando sua família foi cruelmente massacrada.
Em meio a uma teia de mentiras, finalmente se torna dono de sua
história, e irá até às últimas consequências pelo seu lugar no trono e
pela mulher que ama.
Ele incendiará o mundo por ela.
Ela sacrificará tudo por ele.
Prólogo

Passado
Eu acompanhava o meu папа[1] em todos os lugares, como se
eu fosse uma extensão dele mesmo. Com quase treze anos, sendo
o futuro Pakhan[2] da Bratva[3], meu pai me ensinava tudo o que eu
precisava saber. Príncipe russo, é como me chamavam. Minha mãe
era adorada e minhas irmãs, duas princesinhas lindas, com seus
sete anos, mimadas. A família, líder da facção criminosa mais
poderosa do mundo, perfeita. E, por ter duas irmãs pequenas, notei
que a pequena garotinha de cabelos loiros e olhos incrivelmente
azuis era estranhamente quieta.
Ela era filha do italiano, que vinha às vezes conversar com
meu pai. Por algum motivo, ele trouxe a pequena garotinha, que
passava o olhar um pouco perdida pelo ambiente. Eu tinha minhas
irmãs e elas eram inquietas, agitadas e sempre buscando uma
forma de chamar a atenção. Mas a garotinha estava ao lado do pai,
perturbadoramente séria. Séria demais para uma criança, que
aparentava ser mais nova que minhas irmãs.
A pequena garotinha se levantou, o primeiro movimento em
quase uma hora inteira, um laço da cor do vestido em seu cabelo
enaltecendo sua inocência. Ela andava como uma pequena
bailarina, coluna reta e comedida demais para a idade dela.
Envoltos na conversa, seu pai não percebeu que ela se afastava em
direção à janela que, se fosse um pouco mais alta, ela não
alcançaria. Olhava encantada para o jardim da minha mãe, que era
muito bem cuidado, pois era apaixonada por flores e plantas. Ainda
intrigado com a garotinha, me aproximei dela e parei ao seu lado.
— Você gostou do jardim? — perguntei no tom infantil, que
conversava com minhas irmãs.
Ela desviou os olhos do jardim parando-os em mim. Uma
sensação de choque me acometeu pela firmeza de seu olhar. Eu
não saberia explicar, mas ela era diferente.
— São magníficas. — Magníficas? Novamente, fiquei em
choque. Se muito, ela teria cinco anos e usava palavras rebuscadas
quando eu esperava um simples sim.

— Minha mãe ama flores... Você gostaria de ir até lá? Ela não
se importaria de você pegar uma ou duas.
Ela pareceu pensar no assunto, e eu vi ali um vislumbre de
criança em seu rosto de anjo.
— Não! Se você as tirasse de lá, elas morreriam. Ali, elas
viverão mais tempo.
Mais uma vez fiquei sem palavras. Eu tinha começado meu
treinamento e uma das principais regras era nunca demonstrar o
que sentimentos. Mas estava impressionado com a complexidade
do pensamento dela. Com a ideia de vida e morte que ela já tinha.
Ela voltou àquela imensidão azul para mim e me deu um
sorriso de boca fechada, que eu sabia, era para esconder a
janelinha que havia ali. Eu ainda estava sem palavras, então ela
continuou com sua vozinha de criança fofa:
— É verdade que você descende da realeza?
Eu dei um sorriso para o seu comentário, ignorando o fato dela
dizer descende:
— Sim, nós descendemos da realeza.
— Então, você é um príncipe?
Pensei um pouco antes de responder, colocando a mão no
queixo:
— Talvez... talvez eu seja um príncipe.
— Você quer ser o meu príncipe? Minhas irmãs preferem os
príncipes de brincadeira, mas eu acho que quero um de verdade.
Prometo que vou cuidar de você.

Dei risada do seu comentário, ficando novamente sem


palavras. Ainda que fosse uma criança, ela tinha altivez em cada
palavra pronunciada. Antes que eu desse uma resposta, seu pai se
despedia do meu.
— Isabella, vamos para casa! — ele a chamou e ela foi de
encontro ao seu pai, postura ereta e rosto passivo. — Bóris, não se
esqueça do que eu disse… Cuidado, se me arrisquei vindo até aqui,
é porque sei da gravidade da situação. Você tem uma família, todo
cuidado é pouco.
— Tranquilo, amigo, tranquilo. E você já sabe que é bem-vindo
em meu território. Vou tomar cuidado!
Fiquei distraído com a angústia no rosto do italiano, um pouco
preocupado que quase me esqueci da garotinha que puxava minha
camisa para que olhasse para ela. Com uma voz baixa e contida,
ela voltou a perguntar.
— Você vai ser o meu príncipe de verdade?

Eu olhei para seus olhos, me abaixei, puxei um pouco sua


bochecha gordinha e disse:
— Quem sabe um dia?
Ela baixou os olhos, mas logo os levantou e voltou a sorrir. Seu
pai terminou de se despedir e a levantou nos braços, junto de seus
soldados, e foi para o seu carro, que estava na frente de nossa
mansão. Todo o caminho até o carro os olhos da garotinha estavam
em mim.
Meu pai, que sempre me deixou por dentro de todos os
acontecimentos da Bratva, não comentou quando perguntei sobre o
que o italiano falava.
Quatro meses depois, tudo mudou.
Eu só não me lembrava.
Até agora.
Dias Atuais
Isabella Castelle
Eu estava desconcentrada. Tinha pelo menos quinze minutos
que tentava fazer um plié[4] decente, mas tudo estava errado. Minha
postura, a curva da perna, a música já não me agradava, o meu
diretor me irritava e frustração nunca foi um bom precedente para
mim.
— Desligue a música — a voz do meu diretor soou frustrada.
Isso fazia dois de nós. — Bella, minha querida, nunca te vi tão
desconcentrada. O que aconteceu com a minha boneca?
Esses rótulos. Princesa, boneca, lindinha... definitivamente
essas pessoas não me conheciam. Se soubessem a espécie de
pensamentos que predominavam em minha mente, jamais olhariam
em meu rosto duas vezes.

A imagem só serve para esconder uma realidade torcida e


escura. Eu tenho consciência de que sou diferente, que tenho
dificuldade para lidar com… pessoas. Eu ando seguindo um código
moral que meu pai estabeleceu para mim, internalizando tudo,
desde que ele percebeu que eu tinha uma essência ruim.
Eu sigo a maioria das regras para ser perfeitamente aceitável.
Meu único ponto de segurança é a família. Eu odiaria que eles não
me aceitassem, que me olhassem como eu realmente sou: um
monstro disfarçado de anjo.
Aceitei que me colocassem sob a responsabilidade de Nova
Iorque, mesmo sendo filha do Sottocapo[5] da Filadélfia, depois que
fui sequestrada há pouco mais de um ano. Eu deixei que me
pintassem como a principessa[6] italiana que precisava ser protegida
do grande Pakhan malvado da Bratva. Mesmo que, em meu íntimo,
eu soubesse que não precisava de qualquer proteção.
Deixei-me ser seguida por uma horda de seguranças, que se
envolvessem em cada compromisso meu. Permiti que decidissem
todos os meus passos, fui uma boa garota. Fui dominada com um
sorriso no rosto, porque era isso que a minha família queria.
O ballet[7] é um ponto de equilíbrio: ele exige técnica, disciplina,
foco e muita força de vontade. O ballet é o meu equilíbrio entre a
perfeição e o caos. Perfeitamente aceitável. Uma ilusão.
Minhas relações sempre foram superficiais, mas, com o que
aprendi no ballet, conseguia sorrir na hora certa, responder o que
esperavam que respondesse, ser perfeitamente correta na hora que
era solicitada. Fingindo que me importava quando, na verdade, eu
não dava a mínima. O que escapava dos olhos dos outros é que era
tudo mecanicamente perfeito. Perfeito demais para ser real.
Mas nunca escapou dos olhos dele.
Suspirei resignada e fechei os olhos para esconder o meu
tormento, enquanto meu diretor continuava a tagarelar sobre a
importância da concentração no ballet. Como se eu não soubesse.
Minha mente vagava. Uma das únicas pessoas que já presenciou a
minha escuridão, o meu vazio, e não se perturbou, foi ele. Com ele,
senti algo que nunca havia sentido antes, que não fosse com minha
família: aceitação.
Nero Rossi, capitão-mor da Cosa Nostra[8], depois do meu
sequestro, tornou-se a minha sombra. Minha irmã mais velha,
Giulia, se casou com o Don, o líder absoluto da Cosa Nostra.
Inicialmente, ficamos receosas pela péssima reputação de Eduardo,
mas ele se apaixonou perdidamente por minha irmã desde que a
viu. E, no dia do casamento de ambos, Dimitri Nikolai, atual Pakhan
da Bratva, me sequestrou com a ajuda de traidores e tentou fazer
com que minha irmã se entregasse para me salvar. Dimitri queria
atingir Eduardo, meu cunhado, através de Giulia. Mas o que Dimitri
não contava era que eu e minhas irmãs fomos treinadas e
preparadas para possíveis situações de risco.
Durante o percurso. Dimitri Nikolai desenvolveu alguma fixação
por mim. Ele me bateu, torturou, me marcou com ferro quente e só
não me violentou por não ter tempo suficiente. A cicatriz em minhas
costas agora dera lugar a uma tatuagem de asas de anjo. Em
momento algum chorei, ou implorei, ou mesmo dei algum indício de
que me importava. Doeu, mas eu sempre soube lidar com a dor.
Isso só o excitou mais, afirmando que ele iria me quebrar. Eu quase
ri, porque como é possível quebrar o que já nasceu quebrado?
Não há. Eu morreria do mesmo jeito que nasci.
Mesmo eu sendo salva, ele prometeu voltar e, durante um ano
e meio, vivi com um alvo enorme em minhas costas.
Minha irmã Giulia é mãe, minha irmã Milena se casou com o
Consigliere[9] da Cosa Nostra, e eu estou na Companhia de Ballet de
Nova Iorque, mesmo com a ameaça pairando sobre as nossas
cabeças.
Nero virou meu chefe de segurança pessoal, e nós tínhamos
um entendimento de olhar. Ele cuidava de mim, dos meus passos, e
quando eu desviava um mínimo do combinado, ele nunca se dirigia
a mim, dizia para Enzo falar comigo o que quer que precise ser dito.
Tínhamos um grupo em um aplicativo de comunicação para, quando
eu precisasse desviar do caminho por algum motivo, avisá-los. Ele
nunca disse uma palavra, mas acompanhava tudo.
Eu nunca entendi o seu distanciamento e, por todo o meu
histórico, poderia pensar que era por já ter me visto em ação, por
saber o quão distorcida sou, mas sabia que não era. Em seu olhar,
encontrei até mesmo o que nunca encontrei com a minha família:
entendimento. Minha família me aceitava, mas nem sempre, ou
nunca, me entendia. Meu pai, muitas vezes, nem sabia o que fazer
comigo. Mas Nero, ele me entendeu quando nem mesmo eu me
entendia, sem me dizer uma única palavra, apenas com seu olhar.
As vezes em que falou comigo sempre foram em duas
situações: quando não tinha outra pessoa para dizer o que deveria
ser dito ou quando ele estava irritado. Como quando fugi de sua
segurança para acertar as contas com Don Lorenzo. O homem
velho e asqueroso, pai de Eduardo e Anita, antigo Don da Cosa
Nostra, chantageou minha irmã Milena para se casar com ele e a
agrediu com chicotadas nas costas. Então, fui atrás do homem e
soltei os meus demônios em cima dele. Matei, sim, cada um dos
seus soldados que faziam sua guarda no hotel, em uma cidade
próxima à Nova Iorque, e só não o matei porque queria dar esse
prazer a Milena. Porque minha família é o ponto que mantém o meu
mínimo de sanidade e eu mataria e morreria por qualquer um deles.
Por fim, Milena sentenciou Don Lorenzo à mim e eu não fui
bondosa. Em frente aos chefes, eu o torturei até seu último suspiro.
Mas fugir da segurança irritou o grande Nero. Eu era uma
pessoa que raramente perdia a calma. Qualquer confusão exterior
que as pessoas pudessem fazer não era pior que o caos da minha
mente, então, se qualquer um gritasse ou explodisse comigo, eu
facilmente poderia ignorar. Até mesmo Milena, com suas explosões,
raramente conseguia me tirar do sério. E eu nunca sentia nada com
a demonstração de emoções dos outros, seus protestos, gritos ou
ameaças, era fácil me agarrar ao vazio interior que me dominava.
Todavia, a explosão de Nero me deixou desperta e quente em todo
lugar.
Essa dinâmica silenciosa e profunda se estendeu por um ano
inteiro. Eu sempre sentia o seu olhar em mim, em qualquer ocasião.
Era uma conexão, a primeira que envolvia alguém que não fosse
familiar, mas ao mesmo tempo não era. Não era porque não havia
um mínimo de interação física.
Eu sabia que poderia classificar assim, pela comichão em meu
baixo ventre, o coração acelerado toda vez que ele estava próximo,
ou até mesmo sua voz e a maneira com que articulava as palavras,
seu olhar cinzento quando estava em mim. Era uma conexão, e não
era. E eu estava obcecadamente curiosa. Era algo nosso, que eu
sabia que ele também tinha consciência, essa “coisa”, mesmo que
as palavras não fossem necessárias.
Então, quando eu estava no hospital com Giulia para o
nascimento de Pietro, meu sobrinho e herdeiro da Cosa Nostra,
senti todo o meu interior desestruturar com a notícia de que ele tinha
sofrido uma emboscada. Seu carro foi atacado e, por algum tempo,
não sabíamos se ele sobreviveria. Nero foi o único sobrevivente.
Todos os ocupantes do primeiro carro morreram na explosão. Os
soldados, no carro de Nero, morreram com o impacto, e ele só não
morreu por ter sido jogado para fora do veículo. Pura sorte.
Mesmo sabendo que ele estava estável, o medo maior veio
com a grande revelação: Nero, na verdade, é Yuri Ivanov, herdeiro
da Bratva. Tudo que aconteceu até hoje, os ataques, tentativas de
sequestros, atentados… tudo era para eliminar Nero. Ou Yuri. Papai
era amigo de Bóris Ivanov, antigo Pakhan da Bratva, salvou Nero
quando ele sobreviveu ao acidente de carro que matou toda a sua
família e o escondeu na Cosa Nostra. Nero perdeu a memória.
Eu fui sequestrada por conta desse segredo, Milena, minha
segunda irmã mais velha, foi chantageada pelo mesmo motivo. Mas,
agora, Dimitri Nikolai sabe que Nero é Yuri, o verdadeiro herdeiro da
Bratva. Nero logo ficará sabendo também, esse tipo de informação é
algo que não dá para esconder.

Saber que ele estava em coma, em uma unidade de


tratamento intensivo, me deixava desconcentrada. Porque entendi,
ali, que me importava com ele. Pela primeira vez, consegui me
importar com alguém com quem não tinha laço algum. Eu já me
importava com Eduardo e Giovanni, e também com a pequena
Anita, porém eles eram família.
Não Nero. Mas eu me importava com ele e isso me
desconcertou.
Preocupar-me com ele, me desconcentrava. Me fez ter algo
que eu nunca permiti depois que tive consciência de que era
diferente: esperança. Esperança de sentir.
— Estou com problemas pessoais — finalmente respondi o
diretor. Jacques era muito severo, mas nunca usou comigo sua
severidade, pois sempre fui muito disciplinada.
— Okay, lindinha. Então, vá para casa, descanse. E volte
amanhã! Inteira!
Isso tirou alguns suspiros dos meus colegas. Jacques jamais
fez algo parecido com qualquer outro. Ao notar a perplexidade dos
outros, ele voltou a dizer.

— Ela mereceu, se querem colher de chá, mereçam!


Eu não olhei para os lados. Só guardei minhas coisas, me
preparando para sair. Eu poderia me sentir mal por eles, todavia,
seria hipócrita se dissesse algo em consideração. Dei um sorriso de
despedida e saí do estúdio.
Após o ataque de Dimitri a Nero e o reforço de sua ameaça ao
meu respeito, a segurança severa dobrou. Entrei no carro que já me
aguardava em frente ao estúdio, mas antes que confirmasse meu
destino para a casa de Giulia, onde eu morava agora, pensei
melhor.
— Para o NYC Medical.
Ambos os soldados se entreolharam, mas não disseram nada.
Seguimos ao destino indicado e minhas palmas suaram. Ele está há
uma semana em coma e eu não o tinha visto uma única vez. Eu
sabia que agora o que restava era esperar, mas precisava vê-lo. Era
quase desesperador e eu não conseguiria me concentrar em nada
enquanto não o visse.

Chegamos e eu estava estranhamente nervosa. Eu era calma


em qualquer situação e, quando algo me desagradava, resolvia do
meu jeito ou ignorava. Mas estava nervosa, preocupada, e essas
eram sensações que eu sentia com um seleto grupo de pessoas.
Minha terapeuta me disse uma vez que se algum dia eu sentisse
algum afeto, consideração e carinho por alguém, ou mesmo atração
sexual, eu deveria perseguir esse sentimento com todas as minhas
forças. Perseguir e explorar.
Agora, só conseguia pensar que essa conexão esteve sempre
ali e simplesmente a ignorei. Queria ter mais uma oportunidade de
explorar e ser corajosa. Mesmo sendo totalmente inapta
emocionalmente ou mesmo sexualmente, queria ter a oportunidade
de me sentir um pouco normal. Seria possível?
Entrei no corredor que foi indicado que ele estaria e já vi
alguns dos leais soldados de Nero fazendo a guarda de seu quarto.
Eles franziram o cenho quando me viram, mas não me impediram
de entrar. Não encontrei nenhum Rossi presente, mas agora eu
conseguia entender por que a relação deles era distante. Os Rossi
criaram Nero devido a um favor que deviam a meu pai.

Olhei para a cama e ali estava Nero, ligado a vários aparelhos,


o cheiro particular de hospital, limpeza e remédios tomando conta
do ambiente. Aproximei-me de seu corpo desacordado, um gigante
de quase dois metros lindo em toda sua obscuridade. Não me atrevi
a tocá-lo, mas cheguei bem próxima a ele. Seu corpo forte estava
cheio de lacerações, mas eram superficiais. Ele bateu a cabeça
quando caiu do carro e o cérebro inchou, embora não tenha
traumatismo craniano.
Ele só precisava acordar.
Fiquei ali, silenciosamente ao seu lado, como sempre foi entre
nós, embora o seu olhar não estivesse presente para conversar com
o meu. Admirei sua inegável beleza, mesmo ali, inconsciente.
Grande e lindamente selvagem. Tatuagens que cobriam seus braços
e peito, as orelhas que antes eram adornadas com algumas argolas.
Quase sorri quando me dei conta de que tinha um tipo, afinal. Como
qualquer outra garota.
Nossos diálogos de olhares foram o que mais me distraiu no
último ano. Eu entendia quando ele dizia não, quando concordava,
quando suavizava suas expressões, me pedindo calma, quando
algo me desagradava. Ele parecia ler meus pensamentos mais
sombrios. Às vezes, o meu lado obscuro me dominava, perdia o
controle e, quando ele percebia, pedia para Enzo me levar a algum
lugar e treinar. Sem uma palavra, ele apenas entendia.
— Acorde logo... — disse em um sussurro, inclinando em seu
ouvido. Minha voz saiu trêmula e fraca. O aparelho que monitorava
as batidas de seu coração começou a soar mais rapidamente. As
batidas do meu coração se assemelham ao aparelho. Um arrepio
tomou conta de todo o meu corpo com a percepção de que talvez,
só talvez... ele me ouvisse.
Eu ainda não sabia o que faria quando ele acordasse, mas
sabia que faria algo. Eu iria perseguir, explorar. Eu iria sentir.

Nero ainda não sabia, mas acabou de se tornar a minha presa.


Isabella Castelle
— Boa tarde, Bella. Como foi hoje?
Giulia está fora da cama desde o terceiro dia pós-parto, e só
ficou esses três dias pela insistência de Eduardo. Eu me aproximei
do bebê conforto onde estava o pequeno Pietro, lhe dei um
cheirinho e me sentei ao lado de Anita. Pietro foi o único bebê que
consegui segurar no colo, mas confesso que não levo muito jeito
com os bebês. Eu o amaria e protegeria com minha vida, mas a tia
de grandes gestos era Milena.

Talvez, quando ele crescesse mais, o ensinasse a manusear


adagas.
— Foi tudo bem — disse, pegando um croissant[10]. Marilda, a
cozinheira de Giulia, era maravilhosa.
— Você chegou cedo. Aconteceu alguma coisa? — Giulia
voltou a perguntar.
— Não, só não estava muito concentrada. Fui liberada mais
cedo.
— Você está desconcentrada? — Anita não escondeu o
espanto.

Ignorei a pergunta retórica. Continuei me alimentando, pois


não queria de forma alguma falar sobre meu passeio no hospital.
Anita era adorável, um doce de menina, embora estivesse
começando a esboçar uma atitude adolescente. Estava ocupando
seu tempo com piano, ballet e a escola. E estava adorando tudo.
Quando ela vivia com Don Lorenzo, era uma criança reprimida e
fechada. Agora era vida pura.
Nesse momento, minha mãe entrou, acompanhada de
Antonella Maceratta. Desde o casamento de Milena e Giovanni,
ambas estavam inseparáveis.
— Como está o meu netinho lindo? — perguntou minha mãe,
já colocando Pietro em seus braços. Nós entregaremos esse
menino.

— Não vejo a hora de Giovanni e Milena me darem um netinho


também… — Antonella disse com um ar esperançoso.
Eu queria rir. Milena, mãe? Meio difícil. Ela estava muito
envolvida com seus próprios projetos, sua loja, sua marca. Nunca
manifestou o desejo de ser mãe, apesar de encher Pietro de mimos.
— Ai, imagina só? Dois netinhos lindos? Deus tem abençoado
a nossa família.
Giulia olhava divertida a interação das duas mulheres e eu
terminava meu café. Assim que terminei, pedi licença e fui para o
estúdio de ballet. Sim, Eduardo poderia ser sisudo e eu não falava
muito, mas ele foi muito atencioso quando comprou essa bela casa
para Giulia. Pensou até mesmo em mim.
Liguei a música do Lago dos Cisnes [11]para treinar o meu solo.
Nesse espetáculo, eu era a primeira bailarina. Segundo meu diretor,
se continuasse em meu ritmo, logo seria a primeira bailarina da
companhia. Eu não ambicionava nada disso. Eu era focada, porque
precisava ser. Disciplinada. Após alguns minutos de um treino de
merda, deitei e olhei para o teto. Desisti de qualquer tentativa de me
concentrar, meus pensamentos mergulhados em dúvidas e a
recuperação de Nero. Sua verdadeira identidade, como as coisas
seriam de agora em diante, se ele já tinha acordado, se ele sentia
algo por mim, se eu realmente era louca…
Disciplina.
Minha mente virava um espiral.

Às vezes, eu precisava deixar um pouco da minha insanidade


sair. Eu precisava de algo perigoso para não me sentir um robô. Fui
para o subsolo e abri minha maleta com a coleção de adagas. O
subsolo era dividido entre a piscina, a área de prática de lutas e
alvos para treinar com armas ou adagas. Eu amava as adagas. Elas
permitiam sentir a vida deixando o corpo em um nível pessoal, e
seria hipócrita se dissesse que isso me incomodava. Eu gostava.
Muito.
Olhei para os alvos, bonecos sparring.[12] Comecei a acertá-los,
artéria da coxa, pescoço, crânio, me afastando cada vez mais
enquanto acertava em pontos-chaves do corpo humano que poderia
levar a morte em segundos. Senti falta do vermelho sangue.
Contendo meu impulso, continuei a acertar os alvos que se
espalhavam pelo subsolo. Senti meu cabelo chicotear em minhas
costas, que transpiravam pelo esforço, com cada movimento. Repeti
todo o trajeto uma, duas, três vezes… era libertador.
Quando estava cansada, deitei no tatame e olhei para o teto.
O espiral de pensamentos confusos que me bombardeavam
em todo momento ainda estava lá, agora mais distante, enquanto
meu corpo absorvia o torpor pós-treino. Fui fechando os olhos,
tomada pelo cansaço. Queria caracterizar e categorizar essas
emoções novas que estavam surgindo: preocupação, medo,
incerteza… não tinha ideia do significado. Mas iria descobrir. Foi
meu último pensamento antes de dormir.

Acordei escutando passos no subsolo. Levantei em um


rompante, já preparada para enfrentar qualquer perigo. Eu era
baixa, bem baixa, com meus 1,58 de altura. Mas eu sempre usei
isso ao meu favor. Quando me reorientei, identifiquei Eduardo
próximo ao tatame.
— Hora do jantar. — Sua voz era calma, mas eu sentia que
Eduardo era cauteloso comigo. Relaxei minha postura e respondi.
— Acabei dormindo. Que horas são?
— Quase oito.
Assenti.
— Vou tomar um banho.
Foi a vez de ele assentir. Antes que eu passasse
completamente pela porta, escutei Eduardo me chamar.
— Você foi ao hospital hoje? — Eu não me virei, não respondi,
apenas esperei, parada na porta da saída. — Acho que gostaria de
saber que Nero acordou.
Nero Rossi
Imagens confusas tomavam conta da minha mente. Eu via
uma mulher muito linda que me abraçava e dizia que eu era o seu
pequeno príncipe. Eu via duas garotinhas loirinhas correndo juntas e
eu fazendo cócegas, enquanto elas riam delirantes. Eu via um
homem alto e imponente que dizia estar orgulhoso de mim. As
feições eram duras, mas os olhos eram amistosos.
As imagens eram confusas, logo imagens de alegrias foram
substituídas por choro e desespero. O mesmo homem me pedindo
para ser forte. Fogo, tiros, as meninas chorando na parte de trás de
um carro. Eu tentando tirá-las do carro, mas sendo puxado por um
braço firme. Imagens que se embaralham em um espiral.
“Acorde logo...!”.

Eu queria. Eu queria muito. Uma voz doce tentava me tirar


daquele pesadelo e me agarrei a ela. Era um pesadelo, precisava
acordar, de uma forma que não conseguia entender, aquelas
imagens nebulosas causavam uma dor profunda em meu peito.
O silêncio tomou minha mente e ficou assim por um bom
tempo.
Abri os olhos somente para tornar a fechá-los. A claridade me
fez fazer uma careta. Olhei ao redor depois de me acostumar com
todo o branco do quarto e percebi que estava em um hospital. Minha
boca estava seca, minha garganta ardia e a cabeça latejava de dor.
Tentei pensar no que poderia ter me levado ali e me lembrei de
que estava indo ao hospital para conhecer o filho de Eduardo, que
havia nascido. Lembrei-me da explosão, do carro que nos
perseguia. Lembrei de ter perdido a direção e tudo ficou caótico.
— Senhor... — Federico, um dos meus soldados, se
aproximou, com um sorriso no rosto

— Há quanto tempo estou aqui? — perguntei, sentindo areia


em minha garganta. Uma enfermeira apareceu e logo um médico
também.
Segundo eles, eu estava em coma por pouco mais de uma
semana. Fizeram alguns testes, me deram um copo de água, outros
médicos vieram avaliar meus sentidos e motricidade. Disseram que
avisariam minha família que eu estava desperto.
Ninguém da minha família estava presente, o que não era uma
novidade. Francesco e Antônia Rossi proveram tudo o que eu
precisava desde os treze anos de idade, mas nunca houve calor
humano, amor ou carinho. Também não houve maus-tratos ou
desrespeito. Somente uma distância fria. Depois do que pareceram
horas, Eduardo entrou, seguido de Giovanni, no quarto. Os olhares
que me enviavam eram cautelosos.
— Está tudo bem? — pergunto, me sentindo estranho por
aqueles olhares após um tempo.
— Nós quem devemos perguntar isso. Está se sentindo bem?
— questionou Eduardo. Ele era sempre tão polido, quase não sorria,
e eu já havia me acostumado com seu jeito direto.
— Precisamos saber se teremos que te destituir do cargo —
Giovanni disse com seu sorriso sarcástico enquanto se sentava na
cama, como se fosse o dono do lugar.
— Nos seus sonhos —respondi e voltei a me deitar, ainda com
dor de cabeça. — Fomos atacados pela Bratva?
Houve um minuto de silêncio, então me levantei em um dos
cotovelos, o que não tinha acesso à medicação, e encarei os dois.
Algo estava acontecendo, poderia sentir pela densidade do
ambiente.
— Você se lembra de algo antes do acidente? — Eduardo quis
saber.
Franzi os cenhos em confusão, tentando me lembrar do
acidente, mas uma pontada em minha cabeça me fez fazer outra
careta.
— Somente os tiros, o carro da frente indo pelos ares, e logo
eu perdi a direção.
— Sinto muito. Todos morreram, Nero. Você foi o único
sobrevivente — Giovanni contou, sério. Apertei os punhos.
Dimitri Nikolai, Pakhan da Bratva, iria morrer, o mataria com as
minhas próprias mãos. Pensei nos homens que estavam sempre
comigo, eram mais próximos que qualquer um da minha família
adotiva. Na hora, me lembrei de Isabella. Eu sabia que todo esse
alvoroço era, principalmente, por Isabella. Dimitri a queria, mas ele
nunca a teria.

— Isabella? — perguntei, mascarando minha ansiedade pela


resposta.
— Ela está bem, está segura. Todos estamos — Eduardo
respondeu.
— Você se lembra de mais alguma coisa? — indagou
Giovanni, e isso me fez desconfiar de que algo aconteceu e eles
estavam me escondendo.
— Existe mais alguma coisa que eu deveria me lembrar? Há
algo que não sei — questionei por fim.
Ambos me olharam. Havia algo, eu sabia que havia.
— Nós precisamos conversar. Mas não precisa ser agora,
descanse e se recupere. Teremos tempo.
Estreitei os olhos, mas Eduardo era o meu Don, eu não iria
contra o que ele estava dizendo, mesmo que tudo em mim gritasse
que algo estava errado. Conversamos algumas amenidades e logo
Eduardo voltou para sua casa, alegando ter alguns assuntos para
resolver, mas eu desconfiava que o que ele queria mesmo era
passar tempo com Giulia e o filho. Giovanni, agora também casado,
ficou mais tempo.
— Esqueci que agora você é adestrado —gostava de provocar
Giovanni.
Ele me fuzilou com o olhar, mas logo olhou pela janela e sorriu.
Foi impossível não começar a rir. Que merda.
— Apaixonado, é o termo correto.

Nunca imaginei um dia ver Giovanni, como ele mesmo afirmou,


apaixonado. Ainda mais por uma garota que o que tem de linda, tem
de desequilibrada. Eu gosto de Milena Castelle, temos uma relação
de confiança que, inclusive, já foi motivo de ciúmes de Giovanni.
Mas tenho pena de Giovanni se um dia sair da linha com ela, porque
ela é totalmente descompensada.
— Minha pequena selvagem ainda está na loja, mas logo vou
lá, para estrear cada superfície plana…
Milena e Giovanni eram como fogo e gasolina. Às vezes, era
constrangedor ficar por perto. Fiz uma careta pelo excesso de
informação.
— Cara, não preciso saber sobre o quanto vocês fodem por
aí…
Giovanni e Milena começaram com um caso, que era para ser
somente isso, um caso, mas logo virou uma confusão, se
apaixonaram e, por fim, se casaram. Dois avessos a compromisso,
chegava a ser irônico.

— Nós fazemos amor selvagemente — afirmou com seu


sorriso de merda. Fiz outra careta.
— Ah, cara, cala essa boca.
Ele sorriu mais amplamente
— Não tenho culpa se você não sabe como usar o seu pau. —
Eu dei a ele o dedo do meio. No fundo, fiquei feliz por ele e Milena,
passaram um período doloroso para que reconhecessem que o que
tinham era duradouro.
— Francesco e Antônia já vieram ver você?
— Não — respondi, quase deixando meu sorriso escorregar do
rosto. Não era segredo a indiferença que cresci com os Rossi. Eu
conhecia Giovanni desde que fui iniciado na máfia, aos quinze anos.
Por isso, não havia necessidade de palavras. Antônia e Francesco
me criaram como se eu fosse um dever e apenas isso, não um filho
como Anthony. — Disseram que vou ficar vinte e quatro horas em
observação e, se tudo bem, vou para casa.
— Bom — Giovanni me encarou alguns segundos —, você
teve sorte, Nero.
— Não era a minha hora, ainda. — Ele continuou me olhando,
enigmático.
— Eu tenho certeza que não.
Que porra estava acontecendo?

— Se tiver dores de cabeça fortes, vômitos ou confusão,


retorne. Aqui estão os remédios.
Fiquei ali, escutando as últimas orientações médicas, prendi
meu cabelo em um coque e coloquei finalmente minhas próprias
roupas. A enfermeira, que acompanhava o médico, não olhava em
meus olhos. O médico também evitava me encarar. Além do fato de
eu ser grande, eles faziam uma ideia do que fazia para viver. Minhas
tatuagens e cicatrizes não deixavam dúvidas.
Olhei para a porta e três dos meus soldados me aguardavam.
Eduardo queria que eu ficasse por uma semana em casa, mas
precisava voltar logo. Tinha minhas obrigações como capitão-mor.
Eu fui considerado o melhor soldado da Cosa Nostra quando
tinha dezoito anos. Eu era um filho adotivo de uma família de pouca
influência na máfia. Francesco era apenas um soldado. Eu me
esforcei para ser o melhor em tudo o que fazia. Tinha que ser bom
em algo, porque até então eu era um garoto sem memória, criado
de favor por uma família que conheciam meus pais verdadeiros. Eu
só sabia o que me contavam. Antes dos meus treze anos, era uma
página em branco em minha mente.
Eu precisei criar raízes, me sentir útil, e isso fez com que eu
desse tudo de mim para a Cosa Nostra. A famiglia[13] era a minha
vida. Eu viveria e morreria por ela. Fiz o meu nome e ele correu por
toda a famiglia. “Cruele[14]” foi sussurrado por muito tempo entre os
soldados e caporegímes[15].
Eduardo, que se preparava para ocupar o lugar de Don,
convenceu seu pai, Don Lorenzo, a me colocar como seu capitão-
mor, capitão de todos os caporegímes e soldados, o terceiro no
poder, quando eu tinha vinte e cinco anos. Eu cumpria ordens do
Don e os soldados, caporegímes e executores respondiam a mim.
Junto do poder, veio o dinheiro e a influência, e a grande
responsabilidade de executar os planos da Cosa Nostra para
continuar provando o meu valor a cada dia. Muitos tradicionalistas
não concordaram em colocar tanto poder nas mãos de um garoto
desmemoriado, de origem duvidosa. Mas provei o meu valor a cada
dia e consegui o respeito dos homens.
O médico terminou suas orientações e fui para o meu
apartamento. Não era um simples apartamento, era uma cobertura
em frente ao Times Square. Poderia parecer presunçoso, mas era
gratificante saber que tinha um lugar finalmente meu, mesmo que
fosse conquistado com sangue e dor. Auxiliei meus pais adotivos,
porque, acima de tudo, tinha gratidão por terem me acolhido e deixei
a porta aberta para que sempre me procurassem, caso
precisassem.
Entrei em casa e fui direto tomar um banho. Alessandro avisou
que a Alessa estava na portaria e permiti a entrada dela. Depois do
banho, escutei barulho na cozinha e fui até lá.
— Alessa. — Ela estava arrumando alguns pratos e talheres
na ilha da cozinha e se assustou quando disse o seu nome,
derrubando-os no chão.
— Quase me matou de susto, Nero. — Ela se abaixou para
recolher os talheres e voltou para a ilha — Trouxe seu almoço.
Dispensei Matilda essa semana e ela acabou viajando para visitar o
filho. — Parou o que fazia e me olhou. — Ninguém sabia quando
você acordaria.
Alessa era uma amiga. Ela se ofereceu para trabalhar nos
clubes da Cosa Nostra até pagar a dívida de seu pai, que nos devia.
Conhecemo-nos há alguns anos, no início, nos envolvemos
sexualmente, mas então desenvolvemos uma amizade. Eu paguei a
dívida de seu pai e a contratei como gerente do Vecchio, meu
restaurante.
O Vecchio[16] era um negócio meu, que não tinha relação com
a máfia. Outro negócio próprio era a Pandemoniun[17], minha boate
que, em breve, inaugurarei.
— Por que você está aqui? Quem está no Vecchio?

— Relaxe, ranzinza. Está tudo bem por lá. Fiquei preocupada


e vim deixar algo preparado para você.
— Não precisava se preocupar — disse, me sentando na
banqueta. O cheiro estava bom.
— Mas me preocupo. Vou deixar o jantar na geladeira, você
precisa se alimentar para se recuperar logo. — Dei um suspiro
frustrado.
— Seus pais foram te ver?
— Não.

— Ligaram?
— Não.
— Ingratos. — Eu não queria falar sobre isso, então somente
lhe dei um olhar que dizia tudo. — Desculpe, estou sendo
intrometida de novo.
Fiquei em silêncio, porque Alessa era, sim, intrometida.
Terminamos e ela lavou e guardou os pratos, mesmo eu dizendo
que não precisava. Atualizou-me de como estavam as coisas no
Vecchio, deu a entender que queria passar a noite, mas a dispensei.
Desde que resolvi ajudar Alessa, não tive mais envolvimento algum
com ela, não queria que ela confundisse nossa relação. Alessa
também ajudava a gerenciar um dos clubes da Cosa Nostra e os
meus negócios pessoais. Eu sabia que ela tinha gratidão por eu ter
pagado a dívida de seu pai, ter ajudado com o curso de finanças e
lhe dado emprego. Mas, às vezes, ela poderia ser bem invasiva ou
dava a entender que queria mais.
Deitei na minha cama e, com o efeito dos analgésicos, acabei
por dormir. Acordei quase 19 h com o celular tocando. Atendi e era
Alessandro, um dos soldados, avisando que tinha alguém querendo
subir. Perguntei quem era e a resposta foi a que eu jamais
imaginaria em um milhão de anos.
Era Isabella Castelle.

Eu me sentei em um pulo. Aqui em casa? Após alguns


segundos emudecido pela informação, autorizei sua subida e
coloquei uma camiseta com a calça moletom que estava usando.
Perguntei-me se era o correto para recebê-la, mas logo me
recriminei. Eu estava na minha casa, pelo amor de Deus.
Escutei a porta e senti uma ansiedade inconveniente. Que
merda, será que tinha acontecido algo e não me disseram? Algo
com ela? Sem mais pensar, abri a porta.
Olhei para a garota baixinha, pelas suas roupas, ela vinha do
ballet. Usava um collant rosa pálido, uma saia transpassada lilás,
sapatilha e perneira. Seu cabelo estava preso em um coque
amarrado, embora alguns fios escapassem, emoldurando seu rosto.
Meu coração titubeou uma batida.
— Olá — ela disse por fim.
Isabella Castelle
Lillian sempre me pedia para ser aberta e sincera quando
houvesse algum indício de emoção. Foi por isso que me ouvi
dizendo, em nossa sessão.
— Eu acho que sinto… sinto alguma coisa.
Se Lillian ficou surpresa, disfarçou bem. Em nossas sessões,
eu sempre era direta e contava os fatos, sem qualquer traço de
sentimentos. Como se estivesse lendo algo mecanicamente.
— Descreva o sentimento. — Ela frisou a palavra.
— Me preocupei com uma pessoa que não tenho laço algum.
— Lillian anotou o que eu disse e, após alguns segundos de
silêncio, ela finalmente me olhou.

— Lembra quando falamos sobre o ponto fora da curva?


— Sim.
— Talvez seja o seu ponto fora da curva, Isabella. E a
oportunidade que esperávamos para que você possa explorar o que
não está na rotina. Algo novo. — Eu pensei em suas palavras e,
como continuei em silêncio, ela voltou a falar.
— Você pode tentar categorizar, entender, controlar, mas essa
é a beleza da emoção, nós, às vezes, só sentimos.
Baixei meus olhos, confusa. Controle era o fundamento pelo
qual eu vivia e ditava minhas ações na maior parte do tempo.
Quando não conseguia me controlar, poderia ser um sério problema.
Não sei se conseguiria apenas sentir. Sem mensurar, medir,
entender e controlar.
— Não sei se consigo — disse finalmente.
— Você só vai saber se tentar. — Ela descruzou as pernas, um
claro sinal de que a sessão havia acabado. — Fica como
treinamento, pensar sobre o assunto. E se algo acontecer, anote e
me traga. Acho que é uma boa oportunidade de mergulhar nesse
universo novo para você.

Levantei-me mais confusa do que quando cheguei, me despedi


de Lillian e fui para o carro, que me aguardava. Eu tinha saído do
estúdio para a terapia, que tinha toda quarta-feira no fim da tarde.
Enquanto ia para casa, senti uma comichão em meu baixo ventre,
uma antecipação ao imaginar fazer o que eu estava pensando.
Eu nunca fui medrosa, mas, por algum motivo, estava com
medo. Seguindo um instinto totalmente novo, pedi para que Enzo
desviasse de seu caminho e me levasse onde eu queria. Mesmo
não gostando, ele fez o que eu pedi.
Percebi minha inquietação, mãos transpirando, coração
levemente acelerado, ao invés do vazio que sempre me
acompanhava. Eu iria ver Nero. A expectativa de revê-lo agora sob
uma nova ótica, mais consciente, me deixava instável de uma forma
boa.
Identifiquei-me na portaria e, sem perguntas, apenas subi.
Pode parecer besteira, mas achei que ele não permitiria minha
entrada sem questionar o que estava fazendo ali. Ainda bem, pois
não teria resposta para isso. Era a primeira vez que ia a sua casa e
eu estava quebrando uma regra invisível que estabelecemos: a
distância.
Olhei para minha roupa de treino, não era a roupa mais
atrativa do mundo, mas o que eu sabia sobre isso? Bati na porta e
esperei.
Algum tempo depois, escutei a porta abrir e Nero aparecer em
toda sua glória de quase dois metros de altura. Suas tatuagens nos
braços visíveis, seu cabelo preso, dando um aspecto selvagem. O
magnetismo e seriedade de seu olhar que sempre o acompanhou
não estavam presentes e só a sua perspectiva já me deixava
diferente em vários sentidos. Era a primeira vez que via Nero
vestido de modo tão impessoal, com uma calça de moletom e
camiseta. Ele me pareceu surpreso.
Eu também estava surpresa.

— Olá — eu disse por fim. Ele ainda me encarava e permaneci


ali. Nero respirou uma vez, duas, abriu a boca e fechou.
— Oi — ele disse por fim e ficou ali parado. Será que eu teria
que fazer tudo? — Entra, por favor.
— Obrigada. — Dei o meu sorriso social, padrão, e entrei em
sua cobertura.
Era um lugar lindo, com uma vista arrebatadora. Olhei em volta
e percebi que era uma cobertura luxuosa. Inconscientemente, a
essência nobre da linhagem de Nero estava ali, presente em cada
detalhe.
— Enzo não está com você? — ele perguntou.

— Gostaria que esquecesse minha segurança por alguns


instantes. Eu vim ver como você está.
Mais uma vez, ele ficou surpreso. Conversar nunca foi a nossa
dinâmica. Nero olhava para todos os lados, e eu poderia rir da sua
falta de jeito em minha presença.
— Eu estou bem, obrigado. Bom, ao menos eu estou bem.
Seus homens morreram no acidente. Talvez eu devesse dizer
que sinto muito, mas seria apenas a minha educação treinada
falando. Contudo, olhar seu semblante abatido deu uma torção
dentro de mim. Talvez eu sentisse. Não por quem morreu, mas por
ele. Fiquei surpresa com essa constatação, tão surpresa que não
consegui articular uma resposta. Nem mesmo a educada, que
estava treinada a dar.
O silêncio se estendeu sobre nós, tão desabituados a ter uma
conversa como qualquer pessoa que já convive há tanto tempo nos
mesmos grupos.
— Você aceita algo para beber? — ele perguntou, me
indicando o sofá para me sentar.

— Água, por favor. — Eu poderia dizer que não queria nada,


mas qualquer desculpa para ficar um pouco mais era uma
vantagem.
Nero foi para, o que eu imaginei ser, a cozinha e foi impossível
não reparar a beleza e o poder que emanava dele. Eu sei que muito
estava acontecendo e muito ainda iria acontecer. Quando ele
descobrisse sobre sua verdadeira origem… eu não queria pensar
sobre isso no momento. Eu estava cansada da guerra, só queria
encontrar um pouco de paz.
Nero voltou com a água e, quando me entregou o copo,
nossos dedos se tocaram. Eu senti uma eletricidade que me fez
puxar o ar com força. Olhei para o seu rosto, mas ele estava
impassível, como sempre. Eu não me importei. As palavras de
Lillian vieram em minha mente e eu me agarrei a elas.
Persiga, persiga.
Quando ele puxou a mão, eu a segurei. Segurei para continuar
sentindo aquela sensação inédita, um formigamento foi subindo por
todo o meu braço, crescente e intenso, de forma que fechei os olhos
para senti-lo mais intensamente. Quando os abri, vi que Nero
respirava com dificuldade, parecendo compartilhar da mesma
sensação.
Nunca tínhamos nos tocado antes, não estando sozinhos em
um ambiente doméstico e, naquele exato segundo, senti o ar dos
meus pulmões arderem. Percebi que segurava a respiração e a
soltei muito rápido. Olhamo-nos por mais alguns segundos para
então Nero pigarrear e retirar a mão da minha, como se algo o
queimasse, dando dois passos para trás. Uma garota ficaria sem
graça, coraria, abaixaria a cabeça envergonhada. Eu não era uma
garota comum, e estava maravilhada demais para me envergonhar.
Abri um dos sorrisos mais sinceros da minha vida, enquanto Nero
franzia o cenho.
— Bom, vim ver como você estava e perguntar quando você
voltaria a ser o meu carrasco.
Resolvi ir por um caminho mais leve, para quebrar o clima
estranho, e ele tentou segurar um sorriso, mas riu da mesma forma.
Um lindo sorriso com covinhas. Eu achava apaixonante quando ele
fazia isso, virava um pouco o rosto e segurava os lábios com os
dentes.
— Eu não imaginava que você me via como seu carrasco.
— Você nunca me perguntou nada…
Ele me olhou nos olhos com tanta intensidade que me faltou
fôlego por alguns segundos. Quando ele me olhava assim, não
importava a distância ou o ambiente, eu sentia uma energia
diferente no ar. Eram sempre esses momentos que me levavam a
ter esperança em mim mesma.
— É o meu trabalho — ele disse.

— Desnecessário, mas obrigada.


Com essa resposta, consigo ver a tempestade se formando em
seus olhos. Mas, como sempre, ele mascarou e continuou a me
encarar. Eu queria que ele explodisse comigo, era problemático
esse pensamento, mas ninguém disse que eu era uma garota
normal. Algo sobre a raiva dele me incendiava inteira e me dava
uma emoção indescritível.
— Vai ficar quanto tempo afastado? — perguntei, mudando de
assunto.
— Semana que vem, eu volto.
— Que bom! — Mais uma vez o silêncio se estende sobre nós.
— Fico feliz que você esteja bem, eu… eu já vou indo — digo um
pouco sem jeito, mas reconhecendo que era a minha hora de ir.
Ele também parecia incerto sobre como agir comigo. Acenou
positivamente antes de me levar até a porta, abriu e esperou que eu
saísse. Eu gostaria de tocá-lo novamente, mas me segurei.
Estávamos pisando em um terreno novo, então deveria ir com
calma.
Com um sorriso, aquele habitual, me virei e sai. Fiquei
esperando o elevador sentindo seus olhos atrás de mim em um
misto de sensações. Não me virei para uma última olhada. As
sensações me acompanharam por todo o caminho e tudo gritava de
uma só vez em minha mente. A instabilidade voltava a me tomar.
Era um caminho seguro? Eu fiz certo ao vir aqui? Ele poderia estar
atraído por mim como eu estava por ele? Ele realmente só estava
fazendo o trabalho dele?
Eu não iria dar vazão à minha loucura agora. Sai pelo saguão,
entrei no carro, que me esperava, e foquei em um só pensamento:
sentir. Não iria tentar entender, somente sentir. Eu senti algo quente
se espalhar por todo o meu ventre quando sua mão tocou a minha.
Tão maior, em uma dissonância que me deixou querendo que me
tocasse em todos os lugares. Eu não iria pensar demais, apenas
sentir. Deitei minha cabeça no encosto do banco traseiro e fechei os
olhos
Apenas sentir.
Nero Rossi
Uma semana após receber alta, estava indo para o Vecchio,
retomando minhas atividades. Foi uma semana maçante, onde,
mesmo não podendo sair, quase enlouqueci Enzo, Federico e
Alessa. Queria informações sobre as missões da famiglia,
informações sobre meus negócios e sobre a segurança… da elite.
Embora uma dor latejante se apoderasse de mim mais que
frequentemente, me abstive de comentar com alguém. Nem sobre
os pesadelos frequentes. Antes de ir para o Vecchio, passei pelo
centro de treinamento da famiglia. Logo na entrada, fui recebido
pelos meus homens, que demonstraram satisfação em me ver bem
e de pé. O vazio pela perda de oito homens ainda estava recente, a
guerra contra a Bratva tomou proporções épicas. Soube que houve
ataques diretos em todas as nossas fronteiras, e Giovanni teve que
viajar para lidar pessoalmente com a situação.
Depois de uma breve reunião com os caporegímes de Nova
Iorque, discutindo sobre a atual situação e fui para o Vecchio. Fui
recebido pela equipe, que também se mostrou contente com meu
retorno.
Já em meu escritório, Alessa me passou os relatórios das duas
semanas que passei fora. Estudei os relatórios por umas duas horas
até receber a ligação de Eduardo. Segundo ele, estava com alguns
problemas em casa com o bebê, e como eu ainda não havia
conhecido o pequeno Pietro Santorelli, era uma oportunidade.
Sai do Vecchio indo em direção à casa de Eduardo. Cheguei à
mansão, tão imponente e luxuosa, que ele comprou quando se
casou com Giulia. Ele poderia não comentar, mas era loucamente
apaixonado por Giulia, qualquer um poderia notar. Entrei em sua
casa e fui recebido pela governanta. Ao entrar na casa, escutei uma
música que vinha do corredor. Era o estúdio de ballet, que Eduardo
tinha construído para Isabella e Anita. Anita estudava durante o dia,
então…
Isabella deveria estar no estúdio esse horário. Por que
ninguém me avisou da mudança de planos dela?
Chequei meu celular e não tinha nada, nem mensagens nem
ligações que indicassem qualquer alteração. Fui para o estúdio para
perguntar sobre isso, sem ao menos pensar muito sobre o assunto.
Normalmente eu questionaria Enzo, mas a irritação me levou até
ela. A irritação e a dor de cabeça insistente. Eu estava de volta e
exigia que tudo voltasse a ser como antes, queria saber de tudo o
que estava acontecendo, principalmente sobre ela.

Ela era o principal alvo da Bratva.


Com esse pensamento, abri a porta do estúdio pronto para
questioná-la sobre isso e a visão me fez esquecer até mesmo quem
eu era por alguns segundos. Isabella estava concentrada em sua
dança, mas o que ela dançava não era ballet. Ela usava um collant
preto que contrastava com sua pele pálida e o cabelo muito claro.
As perneiras pretas cobriam a panturrilha, e mais nada. Nenhum
short. Nada cobria suas pernas.
Por alguns instantes, não fui capaz de qualquer ação que não
fosse vê-la dançando, dando piruetas pelo espaço com tanta leveza
que fazia parecer fácil. Ela girava, pulava, se jogava no chão em
movimentos tão dramáticos que era impossível desviar o olhar. Seu
cabelo estava solto e adornava cada movimento, se tornando uma
das mais belas visões que já vi em minha vida.
Isabella era magra, mas assim, com essa roupa indecente, era
possível ver suas curvas suaves. Ela sempre se vestiu de forma
modesta, principalmente se comparada a suas irmãs. Suas roupas
eram mais soltas e pouco marcavam seu corpo. Mas, vendo-a
assim, pensamentos, que eu tanto reprimia, ganhavam forças.
Engoli em seco vendo o balanço de seus quadris e seus
movimentos suaves. Em um dos giros que deu, ela finalmente me
notou e parou, os cabelos seguindo seu movimento, grudando em
seu rosto.
O encontro de nossos olhos foi outro baque. Sempre era. Eu
tentei manter distância da sensação que tinha quando estava perto
dela. Ela pertencia a elite da famiglia era muito jovem. Ela era uma
principessa e, apesar do meu cargo ser alto dentro da organização,
eu continuava sendo um adotado. Essa atração inconveniente por
uma menina era de mortal e obscura, mas também inocente, em
uma dualidade tão fascinante que fazia com que eu vivesse em
conflito comigo mesmo. Um cabo de guerra, morde e assopra, um
cuidar sem me envolver. Eu reprimia tudo.
— Nero? — Ela veio em minha direção e parou a uma
distância de pouco mais de um metro, a respiração ofegante. —
Está tudo bem?
Eu me orgulhava do meu autocontrole, todavia, desde que ela
resolveu falar comigo e me tocar, me sentia a um passo do
descontrole. Recuperando a minha compostura e o meu tom de
sempre, perguntei.
— Eu não sabia que você não tinha ido para o estúdio. Por que
eu não fui avisado?
E lá estava, a feição gelada e indiferente. Com essa era mais
fácil de lidar.
— Não achei que fosse importante.
— É importante que eu saiba de todos os seus passos e você
sabe exatamente o porquê.
— Me desculpe. — Somente ela conseguia me irritar com um
pedido de desculpas, pois falava como se fosse parte de um
repertório. Ela não achava que estava errada e isso me impulsionou
a continuar. Normalmente, ignoraria, mas hoje não foi um dia assim.
Aproximei-me e, mesmo com a nossa gritante diferença de
tamanho, ela nem piscou. Estava acostumado a fazer homens
grandes se encolherem com um único olhar, mas Isabella…
simplesmente olhou de volta, esperando pelo meu discurso. De
perto, seus lábios rosados ficaram ainda mais tentadores que quase
me esqueci do que ia falar. Eu me recriminava até a medula ser
atraído por ela.

— Eu acho que você ainda não se deu conta do perigo que


corre, menina. Eu preciso da sua colaboração para conseguir
executar o meu trabalho.
Uma sobrancelha loira se arqueou e ela ficou em silêncio,
enquanto a música continuava tocando no ambiente. Olhar o seu
corpo de perto, quase sem roupa, porque o que vestia não poderia
ser considerado roupa, foi me deixando quente e excitado. O que
me deixava irritado na mesma medida.
Ela treinava sempre com aquela roupa? Quando estava no
estúdio, também usava isso? Na frente dos colegas de sua
Companhia de Dança? Uma vozinha lá no fundo me dizia que não
era da minha conta, mas não dei ouvidos a ela. Pelo contrário, me vi
falando uma babaquice.
— E você deveria vestir roupas para treinar.
Se fosse outra garota, poderia me dar um tapa forte no rosto e
seria merecido. Mas ela não teve nenhuma demonstração de
emoção. Nem contrariedade. Ela sequer olhou para suas roupas.
Pelo contrário, me surpreendendo de uma forma que jamais
imaginei, ela se aproximou mais e focou os olhos em meu peito.
Incerta, ergueu as mãos e fez menção de encostá-las ali.
Puta que pariu!
Eu deveria pará-la, mas estava envolvido pela densidade do
ambiente, a música, seus olhos brilhantes em uma perspectiva
totalmente nova. Em mais de um ano, nunca toquei em Isabella,
caso não fosse socialmente, como no casamento de Giulia. Em uma
semana, era a segunda vez que ela se aproximava assim. Eu ainda
sentia a eletricidade que emanava de suas mãos nas minhas
quando ela foi me visitar em casa.
Ela respirou fundo e encostou as mãos em meu peito e minha
garganta ficou seca, meu coração bateu mais intensamente, seus
olhos foram para os meus e eu fiquei cativo.
Eu não sabia o que estava acontecendo com ela nos últimos
encontros, mas algo estava diferente. Minhas mãos foram para as
suas, engolindo-as pela nossa diferença de estrutura, e eu esqueci
que a minha intenção era afastá-la. Vi os pelos de seu braço se
arrepiarem com meu toque e me afastei com uma maldição,
virando-me de costas.
Que merda! Eu não deveria ir por esse caminho, jamais. Voltei
meus olhos para ela, uma bonequinha de gelo estava lá, totalmente
indiferente e com um sorriso treinado. Achei que ela ficaria chateada
por me afastar, pela segunda vez, de seu toque, mas ela agiu como
se não fosse nada demais, eu estava ali, parado como um paspalho,
olhando, ela se afastou, pegou a toalha que eu imaginei que ela
colocaria em volta da cintura, mas não, ela passou por mim com a
toalha em volta do pescoço e, antes de sair, disse:
— E você deveria saber a essa altura que eu só fico aqui
seguindo as suas regras porque eu quero.
Com essas palavras, ela saiu, andando pela casa com o
collant. Vestida somente com o maldito collant. Será que Eduardo
não via isso? Eu sabia que era uma clara mensagem de que eu não
tinha nada com suas roupas. Era incrível que, sem alarde ou gritos,
ela conseguia me desestabilizar totalmente. Suspirando em
desagrado, já com o humor azedo, fui em direção onde eu deveria
ter ido e evitado toda essa situação: ao escritório de Eduardo.
Ainda contrariado, cheguei e Eduardo me aguardava. Entrei e
me sentei de frente a ele.
— Você demorou — ele disse sem tirar os olhos de seu
notebook.
— Resolvendo um assunto. — Ele terminou o que fazia e
olhou para mim por alguns segundos antes de perguntar.
— Como você está?
— Bem. — Eduardo estava diferente. Meio distante, cauteloso,
e eu não sabia certo qual o problema dele.
— Há algo acontecendo? —perguntei de uma vez, pois já fazia
alguns dias que queria fazer exatamente essa pergunta. Eduardo
suspirou profundamente e me encarou com certa determinação.
— Nero, você se lembra de algo sobre seus pais biológicos?
Fui pego desprevenido pela pergunta. Era de conhecimento de
todos o que tinha acontecido comigo. Segundo os Rossi, eu era filho
de uma amiga de infância de Antônia, meus pais morreram em um
acidente e eu fiquei só. Sem avós, irmãos, qualquer parente
próximo. Sem lembranças. Eles me deram seu nome para que fosse
mais aceitável na máfia. Mas todos sabem que a máfia não lida
muito bem com adoção. Sangue é importante na famiglia.
— O que eu sei é o que todo mundo sabe. Mas por que esse
assunto, agora?
Nesse momento, Giulia entrou no escritório.
— Meu bem, preciso que me ajude a pegar um… — Ela parou
e me olhou. Ela me olhou como se me visse pela primeira vez. Eu
percebi como ela engoliu em seco e puxou uma respiração
profunda. — Olá…, Nero.
Seus olhos estavam marejados e sua voz um pouco falha.
— Querida, o que você está precisando?
Giulia continuou me olhando por mais alguns segundos,
ignorando Eduardo totalmente e cada segundo me deixando mais
desconfortável pela forma como fazia isso. O que diabos estaria
acontecendo com todo mundo?
Ela finalmente olhou para o marido e eles trocaram um olhar
estranho. Quando voltou para mim, disse com um sorriso, sem jeito.
— Me desculpe a estranheza, Nero. Estou feliz em te ver de
pé. Você… você tem muita sorte. — Ela se vira para Eduardo. — Eu
posso esperar.
— Minha conversa com Nero já terminou. — Eu olhei para
Eduardo.
— Ótimo! Vou esperar vocês para o café e você aproveita para
ver Pietro, Nero.
Acenei positivamente, ainda intrigado.
— Não fique pensando demais no que te falei, Nero. Era só
uma curiosidade que me veio. Eu só queria que você viesse
conhecer Pietro, mesmo.
Assenti, embora não estivesse convencido, e o acompanhei
fora do escritório. Ao passarmos pela sala, vi um pequeno pacotinho
nos braços de Giulia. Aproximei-me e olhei para um rostinho que era
tudo de Eduardo, mas os olhos eram diferentes. Ele tinha os olhos
de Giulia, verde intenso. O pequeno Pietro foi levado pela
governanta, e eu me dei conta de que a casa de Eduardo estava
cheia de vida. Tão diferente da assombrada mansão Santorelli onde
ele foi criado.
Ao chegarmos à sala de jantar, estava uma mesa posta para o
café da tarde. Olhei para a dinâmica de Eduardo e Giulia, carinho e
respeito estampado em cada gesto. Logo a mãe de Giulia se juntou
ao grupo. Passados alguns minutos, Anita chegou da escola
esbanjando alegria infantil, ainda que já fosse uma mocinha. Eu
estava feliz por Eduardo, ele merecia toda a felicidade que estava
vivenciando.
Terminando o café, todos se espalharam pela casa e conversei
um pouco mais com Eduardo. Em nenhum momento, ele voltou a
abordar o assunto sobre o meu passado.
No meu retorno para casa, refletindo sobre o estranho dia que
havia passado, eu seria muito hipócrita se não dissesse que não
esperei ter nem que fosse mais um vislumbre de Isabella.
O que não aconteceu.
Isabella Castelle
Olhos azuis, pele pálida, cabelo quase branco de tão claro. A
imagem de um anjo, diziam eles. Um invólucro perfeito, onde
estavam trancados todos os meus instintos. Eu me avaliava no
espelho do vestiário, ainda no estúdio, tínhamos feito a penúltima
apresentação da temporada. Já passava da meia-noite e eu ainda
estava com a maquiagem carregada. O collant muito brilhante, o
tutu vibrante, tudo realçando uma imagem que alimentava o que os
outros gostavam de acreditar.
Geralmente, logo após um espetáculo e tudo que envolvia os
parabéns, o reconhecimento, fotos e atenção, eu ficava reclusa
dentro de mim, em total silêncio. Eu só queria me convencer, como
convencia todos os outros, de que era uma pessoa como qualquer
outra. Mas o vazio, o nada, sempre deixava-me sentindo um
recipiente muito bonito, porém vazio. Vazio de tudo o que realmente
importava. Aproximei a minha mão do espelho e contornei o meu
rosto. Minha mão ficou ali, contornando cada aspecto que os outros
consideravam belo.
Quando as pessoas começavam a me enaltecer demais, eu
ficava com essa sensação incômoda. Se eu pudesse dizer o que
sentia, diria que seria pena. Pena por essas pessoas acreditarem
tão cegamente no que os olhos delas diziam. Eu diria para que elas
não fossem tão ingênuas, que nem tudo é o que parece. E quando
uma mãe traz sua filha, afirmando que a mesma “me ama” e quer
ser como eu… tenho vontade de fugir. Tenho vontade de ir para um
lugar materialmente tão longe quanto vou em minha mente.
Com esses pensamentos, simplesmente saí pelos fundos do
camarim, escutei alguém me chamar, algum colega da companhia,
mas somente fui. Peguei meu sobretudo no caminho e confirmei se
minha adaga estava no bolso. Sabia que poderia me render
problemas, mas não costumava pensar com clareza quando minha
insanidade borbulhava. Pensei em ligar para meu pai, logo desisti.
Então, eu saí.
Saí sem destino, andando pelas ruas de Nova Iorque. Eu sabia
que não demoraria muito para que os soldados me encontrassem,
contudo, não queria fugir deles. Eu só queria respirar. No fim das
contas, quem eu era? Eu não sabia. Eu não tinha a mínima ideia.
Se as pessoas olhavam a estranheza que era uma garota
andando com o rosto branco devido à maquiagem carregada pelas
ruas de Nova Iorque, eu não percebia. Era como se eu estivesse
perdendo o controle e precisasse… não sabia exatamente do que
precisava. Eu precisava de controle, sempre. Em um beco um
pouco mais afastado, entrei e encostei-me à parede de tijolos,
recebendo o silêncio e o vazio, fechando os olhos. Precisava me
acalmar, desacelerar minha mente. Contei até dez, como Lillian me
ensinou, e aos poucos minha respiração, que tinha começado a ficar
superficial, se acalmou.
— O que temos aqui… o que uma princesinha como você está
fazendo em um beco escuro desses?
Eu não o vi se aproximando. Um homem, um pouco menor que
Nero, estava em minha frente, um sorriso maníaco, querendo
parecer intimidador. Eu tentaria ser boa com ele e me afastaria,
apesar da minha vontade ser ficar ali e extirpá-lo com minha adaga.
Enquanto eu tentava me afastar, ele entrou em minha frente.
— Hey, hey… calma aí, gracinha. Vamos nos divertir um
pouquinho. — Me empurrou no muro e tirou um canivete. — Se
você colaborar, ninguém se machuca.
Ótimo. Tudo o que eu estava procurando. E não era uma
ironia. Sorri para o homem que tinha acabado de assinar a sua
sentença de morte, ele franziu o cenho, mas logo deu um sorriso em
retribuição, interpretando o meu como colaboração.
— Eu sei que você vai gostar.
Quando tentou se aproximar mais e me imobilizar, acertei um
golpe em sua garganta. Ele não esperava, então aproveitei para
acertá-lo no joelho e, quando ele caiu, facilitando meu alcance,
peguei a adaga e cortei a sua garganta. Senti os nervos se
rompendo, as veias e a carne se separando, uma sensação de
torpor tomando conta de mim, como uma droga viciante. Eu gostava
disso.
Sangue espirrou em meu sobretudo aberto, meu rosto e
braços. Eu gostaria de tomar meu tempo com ele, mas, apesar do
local ser isolado, corria sempre o risco de alguém passar por ali. Ele
caiu em meus pés, engasgando com seu próprio sangue, e foi
quando vi entrando pelo beco escuro Nero e Enzo.
Nero me olhou com um misto de surpresa e irritação. Deveria
ser uma cena de filme de terror, mas a adrenalina de ter tirado a
vida do homem ainda corria em minhas veias tão forte que foi
impossível não sorrir. Nero se aproximou mais devagar, deu um
sinal para Enzo ligar para alguém. Eu sabia, era para arrumar a
minha bagunça. Ele disse alguma coisa para Enzo e finalmente se
aproximou mais de mim. Ele não estava assustado, era o único fora
da minha família que não se assustava com minhas ações. Ele
estava irritado. Puxou uma respiração, provavelmente tentando
contê-la.
— O que você tem na cabeça?
Ele estava muito bravo, mas foi uma reprimenda contida. E
estava se tornando um vício tirar essas reações dele. Era
emocionante vê-lo se dirigir a mim diretamente e, se para isso
acontecer eu tivesse que matar todos os filhos da puta estupradores
do mundo, faria. Sem hesitar.
— Eu só queria respirar.
— Precisa matar para respirar? — Ele colocou ambas as mãos
na cabeça. — Você tem noção de que alguém poderia ter visto
você? Aliás, como você sai da apresentação sem avisar, deixando
sua bolsa, suas coisas para trás? — Eu mantive o meu olhar altivo e
disse em falsa submissão.
— Me desculpe. — Estava ciente de que pedir desculpa o
irritaria mais.
Ele passou as mãos pelos cabelos novamente e, após mais
um suspiro frustrado, se aproximou de mim, pediu meu sobretudo e
me deu o seu casaco, fazendo sinal para que o seguisse. Mudou de
ideia ao ver o meu estado e falou rispidamente para que eu ficasse
ali que ele buscaria o carro. Enquanto ele foi, fiquei sentindo a
sensação quente de seu casaco em meu corpo, me engolindo. Eu
queria mesmo era sentir seu corpo no meu. Nero voltou com o carro
e eu entrei, sentando no banco da frente.
A casa de Giulia era afastada de Manhattan, então levariam
alguns minutos para que chegássemos. Após o que pareceu uma
eternidade, ele resolveu quebrar o silêncio.
— Por que você saiu sem avisar? — Apesar do tom mais
suave, ele apertava o volante duramente.
— Já disse, queria respirar.
— Menina… eu não sou idiota, o que você está tentando
fazer? Quando você age de forma irresponsável, você coloca não só
a si mesmo em perigo, como os que te protegem. — Sua voz era
suave, mas toda a sua linguagem corporal era o oposto total.
Perguntei-me o que aconteceria se ele soltasse todo esse poder em
fúria, toda essa emoção tão friamente controlada que emanava
dele?
— Não foi a minha intenção. E eu gostaria que você parasse
de me chamar de menina e de me tratar como criança. Você pode
não ter percebido, mas matei um homem. Eu sei me cuidar.
Esse era um ponto delicado para Nero. Eu já tinha percebido
que não precisava de sua proteção o irritava. Embora ultimamente
eu estivesse me sentindo perdendo o controle e desconfiava que o
motivo estivesse bem ao meu lado. Encorajada pela situação e
adrenalina, resolvi perguntar.
— Por que te incomoda?
— O quê? — Ele pareceu confuso.
— Eu não precisar de você.
Ele pressionou o volante mais forte, os lábios em uma linha
fina.
— Menina…
— Isabella!
— Menina! — ele disse mais firme. Tirou os olhos da estrada e
me encarou. Foi um momento tão intenso que senti seus ombros
tencionarem. — Todo mundo precisa de alguém.
Sua declaração me deixou emudecida. Eu nunca imaginei a
situação de necessidade desse ponto de vista, eu era muito
independente e autossuficiente, nunca me imaginei precisando de
alguém. Eu precisava sim da minha família bem, e mesmo sendo a
irmã mais nova, cuidava da minha família para que ela sempre
estivesse bem. O que eu queria, pegava. Simples assim.
Olhei para Nero, que continuava a dirigir em silêncio. Eu queria
Nero. Eu queria mais da sensação que tinha quando estava com
ele. Queria sentir mais dessa atração que eu tanto ouvia falar, mas
que jamais havia sentido. Eu queria mais do toque dele. Perdida em
pensamentos, não notei que estávamos na frente dos portões da
mansão. Os portões se abriram, Nero acenou para os soldados que
faziam a guarda, mas antes que ele chegasse a casa, nem pensei,
só agi.
— Pare o carro!
Nero parou em um susto e olhou para mim com o cenho
franzido. Eu soltei o meu cinto e me aproximei do seu rosto. Ele me
olhou surpreso, mas não me importei. Ele não importava, ninguém
importava, só eu e minha vontade louca de tocá-lo novamente.
Levantei as mãos lentamente para o seu rosto e, como fiz
comigo no vestiário de frente ao espelho, fiz com ele. Contornei seu
rosto, o nariz imponente como ele, como o sangue azul que corria
em suas veias. Nero nasceu para reinar, agora era tão óbvio que
pareceu ridículo que não tenhamos percebido antes. Contornei o
queixo quadrado, mandíbula forte e senti que Nero suspirou
pesadamente quando minha palma se apoiou em seu rosto.
— O que você…
— Por favor… me permita... me permita isso — Minha voz saiu
em um sussurro, e ele fechou os olhos. A sensação me encheu de
um calor tão pleno que eu queria me aproximar mais e mais. Mas
Nero segurou minhas mãos e me afastou com suavidade, mas
firmeza.
— O que você está fazendo? — ele perguntou com uma ponta
de irritação.
Saindo um pouco do meu torpor, percebi que a respiração de
Nero estava alterada, seu peito arfava e sua testa transpirava. Eu
não entendia muito de sedução, de atração e muito menos era uma
especialista sobre envolvimento. Mas eu mexia com Nero. Apesar
das palavras e a indiferença que ele tentava passar, eu mexia com
ele.
Encorajada por essa descoberta, o beijei em um impulso. Foi
um encostar de lábios, mas foi a sensação mais forte que senti em
toda minha vida. Matar não deu a mesma satisfação que o toque
dos lábios de Nero nos meus. Nero ficou paralisado por alguns
segundos, mas logo segurou meus ombros e, por um segundo,
achei que me afastaria. Senti o seu olhar tocar em algo
profundamente e, em seguida, Nero se apoderou da minha boca,
me beijando de verdade.
Foi um beijo que eu senti. Eu senti no fundo da minha alma, só
para descobrir, para minha total surpresa, que eu tinha uma alma. E
enquanto nossos lábios faziam a sua própria dança, a minha alma
se ligava a de Nero de maneira única e transcendental. Nero era
meu, não abriria mão disso.
Seus lábios ficaram mais ávidos procurando os meus, sua
língua encontrou a minha e todo o meu interior tremeu. Sua mão
desceu em direção à minha cintura e ele apertou suavemente, me
deixando arrepiada e embriagada. Era tão maravilhoso que, quando
ele se afastou, continuei com os olhos fechados para estender a
sensação dos lábios dele nos meus. Abri os olhos lentamente e
Nero respirava ainda mais forte.
— Foda-se! — ele rugiu, irritado e voltou a dirigir terminando o
caminho até a frente da mansão. Deveria ser bizarro, eu, vestida
com a roupa de ballet, com sangue seco em parte do meu rosto e
roupa. Era um primeiro beijo memorável. Talvez combinasse
comigo. — Eu não sei qual é esse jogo que você está jogando,
menina. Mas não vou jogá-lo com você.
Meu rosto estava plácido, apesar de suas palavras. Se ele
precisasse de tempo para entender, tudo bem para mim. Mas ele
era meu, estava decidido.
— Okay.
Ele me encarou como se eu fosse de outro mundo. Talvez
fosse. Eu saí, e ele me acompanhou. Na frente da casa,
mamma[18], Giulia e Eduardo nos aguardavam. Mamma me viu e
desmaiou. Claro, o sangue.
— Isabella, per Dio[19], o que aconteceu com você? — Giulia
perguntou, enquanto Eduardo chamava um dos soldados para levar
a mamãe para dentro. Sem esboçar grandes reações, eu ia
responder, mas Nero respondeu por mim.
— Ela só saiu para respirar e matar alguém. Está entregue,
vou embora. — Ele se virou e saiu, não me dignando um olhar.
Giulia me encarou como sempre, quando algo assim
acontecia: cautelosa e preocupada.
— Quer ligar para Lillian? — perguntou incerta.
— Eu estou bem, Giulia. Eu só preciso de um banho.
Dei a ela um sorriso social e subi para o meu quarto. Antes de
terminar de subir as escadas, Giulia dizia baixinho.
— Tenha paciência com ela. Isabella não mata sem motivos.
— Difícil acreditar, principessa. Ela não pode sair matando as
pessoas, uma hora pode complicar para todos nós.
— Ela não mata por nada! Eu sei que minha irmã não faz mal
a alguém que não mereça!
Não escutei o fim da conversa. Subi para o quarto, tomei um
banho e quando me deitei na cama, a velha sensação de não
pertencer ao mundo que me rodeia me tomou. Eu precisava de algo
para manter meus demônios trancados. Ou algo para liberá-los de
vez em quando. Nero me acalmava mais que a morte. Mas
enquanto eu o convencia de que ele era meu, precisava de algo
para me manter sã. E eu já sabia o que fazer.

— Está ocupado?
No dia seguinte, na primeira hora da manhã, fui até o escritório
de Eduardo. Ele sempre acordava cedo e eu precisava falar com
ele.
— Entre, por favor. — Eu entrei e me sentei em sua frente — O
que você precisa?
— Eu quero trabalhar com Enzo e Ethore.
Ele pareceu sutilmente surpreso, mas logo voltou a sua fria
indiferença. Seu tom de voz foi comedido quando finalmente me
respondeu:
— Isabella, seu tempo é…
— Eu não estou mais dando aulas para as crianças do estúdio.
Quero dedicar as manhãs a essas atividades. — Ele ainda pareceu
indeciso. — Eu não quero implorar, Don. Eu preciso disso.
Ele me olhou com olhos indecifráveis e, após alguns
segundos, disse:
— Tudo bem. Eu vou ter que falar com Giulia, Giovanni,
Nero… Mas tenha como certo. Eu aviso quando precisar de… dos
seus serviços.
— Obrigada —respondi com um aceno, me levantando e
saindo da sala.
Minha mãe não iria aceitar facilmente. Talvez Eduardo travasse
outra guerra contra os tradicionalistas da Cosa Nostra, pois uma
mulher como executora, o trabalho mais sujo da máfia, e ainda
pertencendo a Elite, não seria facilmente aceito.
Mas eu não voltaria atrás.
Nero Rossi
Droga!
Mil vezes, merda!
Que porra estava acontecendo?
Parece que acordei em um mundo alternativo, onde todos
passaram a agir estranhamente. Entrei em meu escritório no
Vecchio depois de uma noite de merda, sem conseguir pregar os
olhos. O pouco que dormi, sonhei com pessoas e lugares que não
conhecia. Ou não me lembrava. E uma dor de cabeça do caramba.
Sonhei com as duas garotinhas que vi no hospital, com uma
mulher de olhos cinza, e um homem falando coisas que eu não
entendia. Poderia minha memória estar retornando? Não poderia
ser. Deveria ser sequelas do acidente. Dei um suspiro frustrado,
pois estava confuso e não gostava da sensação. Eu geralmente
tinha tudo sob controle. Tudo.
Não foi por nada que consegui um alto cargo na Cosa Nostra
sendo ainda muito jovem. Eu antecipava qualquer movimento e me
preparava para possíveis surpresas. Sempre foi assim, ou sempre
havia sido assim.
Até ela. Isabella é uma incógnita. Segue as regras a maior
parte do tempo, mas de repente… surpreende. É incontrolável.
Suas atitudes têm sido um desafio de controle. Eu conseguia
ignorar minha inconveniente atração quando ela me ignorava
também. Era como um entendimento mútuo. Mais uma vez ela
provava para mim que eu não tinha controle algum quando se
tratava dela. Nem sobre as ações dela e nem sobre as minhas
próprias. Eu beijei a garota, pelo amor de Deus. Ela começou, mas
não impedi, pelo contrário, assumi o controle até sentir sua total
entrega. E, apesar do meu surto de consciência, eu não iria
conseguir esquecer a sensação que me deu ao tê-la ali, à minha
mercê. Perguntando-me como seria tê-la à minha disposição,
atendendo a todos os meus caprichos.
Coloquei minhas mãos na cabeça e suspirei frustrado. Soltei
um riso de incredulidade ao me dar conta: estava me comportando
como Giovanni, antes de se casar com Milena. Eu criticava o fato de
ele brincar com as meninas da máfia e cá estou eu, beijando uma
das meninas solteiras mais bem relacionada da Cosa Nostra. Uma
ironia do caramba!
— Precisamos falar sobre o faturamento do…

— Não bate mais na porta, Alessa?


— Uau! Desculpa! Aconteceu alguma coisa?
— Não!
— Mentiroso! O que está tirando a sua paz?
— Não é do seu interesse!

— Nossa! E essa grosseria grátis? Eu, hein, queria falar sobre


o faturamento, mas volto quando recuperar sua educação.
Alessa era uma das únicas pessoas que falavam comigo
nesse tom. Eu estava sendo um filho da puta com ela, mas não
conseguiria agir diferente agora. Estava com muita dor de cabeça,
confuso, frustrado. Os sonhos, as palavras confusas se embolavam
em minha mente, tornando difícil entender o idioma. Pensar sobre
as garotas, as risadas, o lugar… me fez ter dúvidas e questionar
sobre tudo o que acreditei a vida toda. Seriam minhas lembranças
voltando? Mas, segundo os Rossi, meus pais morreram em um
acidente, que sobrevivi, e eram italianos. E eu não tinha ninguém
além deles, sem irmãos ou irmãs. Eles poderiam ter mentido para
que me aceitassem na Cosa Nostra?
Os pensamentos se acumulavam em minha mente. A
instabilidade emocional ameaçando me fazer perder o controle.
Enquanto estava ali perdido em meus próprios pensamentos,
Giovanni e Eduardo entraram. Sem serem anunciados, eu queria
gritar pela incompetência da recepcionista, mas controlei meu mau
humor.
— Cara de merda, Nero. Nem vou dar bom-dia. — Dei-lhe o
dedo do meio.

Eduardo se sentou no sofá de canto e ignorou nossa interação,


como fazia a maior parte do tempo.
— Terminaram? O assunto que me traz aqui é importante.
Giovanni e eu nos ajeitamos, dando a Eduardo toda a nossa
atenção. Eduardo nos encarou por alguns segundos, pensando em
como abordar o assunto fosse ele qual fosse, e eu já fiquei alerta.
Desconfiaria que seria algo que não gostaríamos de ouvir. Eu já
estava para perguntar de vez o que era quando ele finalmente falou:
— Isabella Castelle me procurou esta manhã. Ela vai trabalhar
com Enzo e Ethore.
Giovanni começou a gargalhar, enquanto todo o meu corpo foi
tomado por fúria e meu controle, que estava por um fio, foi liberado
quando me levantei em um rugido, fazendo minha cadeira cair. Eu
sabia que era assustador, porém Eduardo nem piscou.

— Você não pode estar falando sério! Isso é uma loucura!


— Eu acho bem a cara dela! — Giovanni soltou, limpando os
olhos das lágrimas de tanto rir.
— Já pensou em como isso vai repercutir na vida dela? Isso
vai desgraçá-la diante da Cosa Nostra.
— Guarde esses argumentos para você. Minha decisão está
tomada. A guerra ficou armada em casa com minha sogra e
Isabella. Eu dei minha palavra a ela, a única maneira de ela não
fazer o trabalho de executora é se ela não quiser.

— Isso vai acabar com a vida dela. — Eduardo se levantou e,


com autoridade, me encarou.
— Preste atenção, Nero. Eu não sei qual a relação que você
tem com Isabella, o motivo de toda a sua proteção, mas se quer ter
alguma influência nas decisões dela, lute por isso. — Foi o mesmo
que levar um soco.
— Não sei do que está falando — falei baixo, embora a fúria
ainda estivesse presente.
— Sabe sim. Sabe exatamente do que estou falando. Isabella
é o que é, não adianta ninguém querer moldá-la como uma simples
principessa da Elite, porque ela é mais. Não serei eu a alimentar
uma imagem dela, que não existe. A garota tem 19 anos, é uma
assassina mais competente que muitos homens que já conheci.
Antes eu ter o controle do que ela está fazendo do que ser
surpreendido por mais mortes em becos ou fugas onde ela causa
massacres. É para o bem dela e o nosso!
Suspirei e Eduardo também.
— Você sabe que ela deveria ser banida ou severamente
punida por todas as regras que vem quebrando. Eduardo só está
pensando no bem da Annabelle— Giovanni disse, tentando
amenizar o clima.
— Para com esse apelido ridículo. — Hoje meu humor era de
merda. Eles tinham razão, mas Isabella não nasceu para toda essa
sujeira.
— Ela gosta. — Dei um olhar matador para Giovanni, que me
encarava com seu sorriso sujo.
— Eu jamais prejudicaria a irmã de Giulia. Mas não posso
tudo. De qualquer forma, lide com isso, Nero. Ela vai ser uma
executora e eles respondem diretamente a você. — Mais tempo
com Isabella, quando tudo o que precisava era manter distância.

— Uma mulher executora não vai ser bem aceita, você sabe —
tentei argumentar mais uma vez.
— Eu sou o Don.
Dito isso, ele mudou o tópico da discussão. Eu tentei manter
minha cabeça no que discutíamos, mas minha mente continuava
voltando para Isabella. O que ela estava pretendendo? O que
estava acontecendo com ela? O que diabos tinha mudado para que
todo mundo começasse a se comportar como loucos?
— Certo, Nero?
Não demonstrei minha confusão, todavia, não tinha ideia do
que discutiam. Conversamos mais alguns minutos e Eduardo logo
se despediu, tendo que se ocupar de outros assuntos. Giovanni
ficou por ali.
— Vai hoje no jantar de apresentação de Pietro?
— Nossa, quase me esqueci desse detalhe. E a segurança?
— Relaxa, Enzo cuidou de tudo. Até você se orientar, ele já
tinha isso.
— Bem, não há muita opção, né? Pietro Santorelli é o
sucessor da Cosa Nostra, todos temos por obrigação estar lá.
— Vai levar alguém?
— Por que isso agora? Sabe que nunca levo ninguém.
— Só pra saber até quando pretende manter seu pau
aposentado.

— Vá à merda, Giovanni.
Giovanni saiu, gargalhando, me dando um aceno antes de sair
de vez. Fiquei ali pensando sobre o que tudo isso implicava. Eu
fiquei mais de um ano evitando comunicação direta com Isabella,
mas todos os últimos acontecimentos me levaram a abordá-la
novamente.
Dia de merda.

Noite de merda.
Depois do dia de estresse, confusão e raiva, o que me deixou
no limite, vir para a festa de apresentação do pequeno Pietro era a
última coisa que eu gostaria de fazer. Ainda mais ter que socializar
com meus soldados como sempre, procurando o olhar de uma
garota com cara de anjo, que sempre o tinha encontrando o meu,
mas que hoje me ignorava descaradamente.

Desde que entrei e a vi naquele vestido azul e seus cabelos


presos em um coque trabalhado, encantando todos os homens com
quem conversava, ela não me direcionou um único olhar.
Tudo estava errado. Eu tinha acordado e tudo estava fora do
lugar. Precisava estar no controle dos fatos, precisava que as coisas
acontecessem como eu previa, precisava da calmaria de antes.
Minha cabeça doía mais, ainda não havia conseguido me impor em
meu posto e Isabella estava diferente em cada aspecto.
Enquanto conversava com Federico e Alessandro, soldados
que trabalhavam diretamente comigo, meu olhar estava
teimosamente nela. Ela conversava com os gêmeos Tommazzi, e eu
tinha total ciência de que Gabriel Tommazzi era interessado nela.
Isabella sempre o tratou com educação e até um pouco de
indiferença, mas hoje ela sorria e eu poderia até mesmo dizer que
ela estava gostando do flerte dele.
Não sei o que estava acontecendo comigo. Gabriel seria
perfeito para Isabella, ambos vinham de berço, eram parecidos, um
casal de ouro, que seria aclamado. Mas olhando para ela, parecia
errado, algo dentro de mim se retorcia. Eu não queria que ela fosse
perfeita com ninguém, eu não queria ela com ninguém. Eu a queria
comigo.
Merda. Merda mil vezes. Eu não poderia, mas quando vi que
ela tocou o braço de Gabriel, meu fogo se acendeu, e tudo
relacionado ao meu dia de merda caiu em cima de mim. Deixei
meus soldados e fui em direção a Isabella, que quando me viu,
simplesmente sustentou meu olhar. Porra, a garota era baixinha,
aparentemente inofensiva, mas tinha uma coragem e loucura
estampadas em toda sua face. Uma aura de que jamais se abaixaria
frente a qualquer desafio.

— Preciso falar com você. — Minha voz foi mais dura do que
eu pretendia.
— Claro, chefe.
Engraçadinha. Ela estava me testando. Com um aceno, ela se
despediu de Gabriel e me acompanhou rumo à frente da casa, onde
estava vazio, devido ao frio. Virei-me para Isabella e ela me encarou
firmemente.
— O que você pretende? — perguntei sem rodeios.
— Você poderia ser mais claro? — Tinha vontade de sacudi-la.
A dor em minha cabeça ficou pior.
— Isso de ser executora, o que pretende?
Ela continuou com a face neutra, não demonstrando nada do
que pensava ou sentia, nem um mísero sinal. Aquilo me irritava
ainda mais, porque eu era mestre em ler pessoas.
— Matar — ela respondeu por fim.

Eu poderia viver mil vidas e jamais me acostumaria com a


maneira como ela lidava com a morte.
— Você não precisa disso, menina. Você tem tudo, executor é
um trabalho para o baixo escalão. Você não precisa lidar com o que
há de mais feio em nosso mundo.
Minha voz foi suave, tentando persuadir sua teimosia. O olhar
que se encontrou com o meu era vazio, tão vazio que me assustei, e
poucas coisas me assustavam.
— Lidar com o que há de feio em nosso mundo é o que eu
mais preciso. Talvez… seja até mesmo o meu destino, se destino
existe
— A única coisa que estou tentando fazer é te proteger.

— Eu não preciso da sua proteção, Nero.


Sua voz tinha uma nota de irritação, muito diferente do que ela
era normalmente. Desconcertou-me. Mas o que me tirou totalmente
do equilíbrio e deu um nó em minha mente foram suas próximas
palavras.
— Eu preciso de você. Eu quero você. — Ela se aproximou e
me vi encurralado por uma garota que alcançava meu peito em
tamanho e tinha menos da metade do meu peso.
— Por que isso agora? —foi o que consegui perguntar. Estava
atônito com o quanto ela estava sendo direta sobre o nosso
entendimento silencioso. Minha boca secou e meu coração errou
uma batida. Ela se afastou alguns passos e, quando achei que não
responderia, ela disse em um sussurro:
— Porque quase perdi você.
Ela voltou para onde iria começar a apresentação de Pietro e
eu fiquei ali, tentando recuperar o meu fôlego. Aproximei-me da
entrada e assisti a tudo dali. Toda a família estava presente, a elite
da máfia, Milena e Giovanni foram consagrados como padrinhos do
pequeno, todos com sorrisos estampados, exalando felicidade.
Isabella estava junto da família, nenhum traço de que tinha me dado
um pouco de si mesmo minutos atrás.

Um dia, gostaria de ter uma família e de ter o sentimento de


pertencimento. Talvez seja pelo fato de ter sido adotado e não ter
uma relação muito próxima com a minha família adotiva, sempre me
senti deslocado. Ser capitão-mor não me fez sentir como alguém
nascido na Elite. Talvez por isso, olhando ali, quem dominava meus
pensamentos por algum tempo agora, sorrindo com suas irmãs,
abraçando, sendo cumprimentada e considerada por todo o alto
escalão, como um sonho impossível, tão inalcançável, tenha sido
um choque escutar de sua linda boca que ela também me queria.
Minha cabeça voltou a latejar e decidi ir embora. No caminho para
casa, meus pensamentos sufocavam meu interior. Estava
apreensivo por não ser o suficiente para ela e, ao mesmo tempo,
tentado a voltar para lá e simplesmente tomar o que eu queria.
Porque também era o que ela queria.
Isabella Castelle
— Você está estranha — Milena soltou.
Estávamos em meu quarto, no domingo. Depois de uma
semana de treino intenso no estúdio, consegui organizar meu
horário. Amanhã, eu começaria meus treinos na academia da Cosa
Nostra.
— Achei que já tínhamos acordado que sou estranha — disse
com meus pés na cabeceira da cama e os olhos no teto. Milena
deitou-se ao meu lado, na mesma posição.
— Está mais — voltou a me importunar.
— Impressão sua.
— É o grandão, né? — Milena era esperta. Ela sabia que eu
tinha uma coisa por Nero.
— Quem é o grandão? — Giulia perguntou, entrando em meu
quarto e deitando-se da mesma forma que eu e Milena. — Seria
Nero Rossi?
Eu me resguardei em silêncio. Ainda estava uma confusão
desde que falei com ele na festa de apresentação do Pietro, há
quatro dias. Mas não o tinha visto desde então. Sabia que nos
encontraríamos direto, agora que eu frequentaria a academia. Seria
inevitável, responderia a ele. Talvez devesse falar com minhas
irmãs, embora fossem duas intrometidas, elas eram bem-sucedidas
em seus relacionamentos.
— Eu beijei Nero.
Ambas arfaram. Preparei-me para a chuva de questionamento,
mas ambas ficaram em silêncio, chocadas.

— Quando foi isso? — Giulia quebrou o silêncio,


cautelosamente.
— No dia da apresentação de ballet, quando viemos juntos.
— Per Dio, mana. Até que enfim! — Milena gritou, e eu queria
socar a cara dela. Suspirei e continuei o relato.
— Mas ele, apesar de me beijar de volta, não disse nada
quando, na festa de Pietro, falei que queria ele.
— Você disse que queria ele? — Giulia perguntou, chocada,
olhando para mim.

— Sim.
— Assim, diretamente, você disse que queria ele? — Milena
perguntou em seguida. Eu poderia estar olhando para o teto, mas
sentia o olhar que ambas estavam trocando.
— Sim.
— Por quê? — Milena perguntou mais ávida.
— Por que o quê?

— Por que disse que o queria? — ela voltou a perguntar, me


deixando confusa.
— Porque o queria — respondi como se fosse óbvio, porque
era.
— Maninha, você tem que ser mais sutil ao demonstrar seu
interesse — Giulia disse com calma.
— Por quê? —perguntei. Eu nunca entendi muito bem esses
jogos de palavras. Eu o queria, eu o teria. Fim.
— Porque alguns homens podem se assustar com a maneira
com que você faz isso. Não é bom dar toda essa segurança para
um cara— Giulia voltou a argumentar.
— Eu achei que ele era um homem crescido —afirmei.
— Maninha, você deve envolvê-lo em um jogo de sedução. E
logo ele estará comendo na palma de sua mão. Nero tem
sentimentos por você, não é de hoje — Milena me aconselhou.
— Não o quero comendo na palma da minha mão — disse
rispidamente e logo conclui com o que me deixava engasgada. —
Ele me faz sentir... coisas. Coisas que nunca senti. Ele revela um
lado meu que achei que não existia.
Sentindo o silêncio de ambas, as olhei. Giulia me abraçou de
um lado e Milena, do outro. Aproveitando o clima estranhamente
emocional, soltei o turbilhão de palavras que me assolavam a
mente.
— Lillian me disse que eu deveria perseguir esse sentimento.
Ele é o meu ponto fora da curva e quase perdê-lo… assustou-me
pra caramba. Era como se eu estivesse perdendo uma parte minha
que nem sabia que me pertencia.

Ficamos em silêncio por alguns segundos.


— Eduardo vai falar com ele. Acho que está sem coragem,
porque você sabe… ele é o herdeiro da máfia inimiga. Isso muda
tudo, Bella. Ainda não temos ideia de como será quando ele
descobrir. — Giulia disse suavemente.
— Para mim, não muda nada.
Depois de um tempo, Milena disse:
— Ignore-o.
— Hã? — perguntei, confusa.

— Ai, Milena — Giulia disse, rindo.


— Sim, ignore-o. Finja que perdeu o interesse. Vocês estarão
convivendo juntos agora, então, ignore-o.
— Por que, se o quero?
— Porque ele tem que pensar que você o superou. Eu entendo
o funcionamento dos homens, Bella. Ignore-o, você vai ver como
logo, logo ele estará te procurando.
Olhei incrédula para Milena, que parecia super segura do que
dizia. Foi impossível segurar o riso. Enquanto ríamos sobre isso,
Giovanni entrou.
—Minha querida esposa selvagem, está na hora de ir. —
Milena soltou um bufo deselegante, mas eu sabia que ela adorava
aquele apelido.
— Não me chame de selvagem, Giovanni. Já disse que não
gosto.
— Você adora, amore mio[20]. Como tudo o que eu faço com
você — Giovanni respondeu, debochado.
Eu e Giulia suspiramos juntas, esses dois faziam dessas
brigas preliminares. Era engraçado e constrangedor na mesma
medida.
— Me espera lá embaixo, já desço — ela disse e voltou-se
para nós. Giovanni se aproximou e ficou ao seu lado, quase fiz uma
contagem mental.

— Eu te quero agora. E odeio ser ignorado.


— Giovanni…
Ela não pôde terminar, ele a levantou no colo, enquanto ela
gritava e xingava como um marinheiro, e a levou escada a baixo.
Ainda foi possível escutá-lo dizendo que a selvageria dela o deixava
duro. Giulia e eu rimos muito.
— Me fale sobre casal perfeito — disse Giulia
— Almas gêmeas — complementei
— Metade da laranja — ela voltou a dizer e rimos mais.
Não muito tempo depois, Giulia voltou para o seu quarto e eu
fiquei ali perdida em meus pensamentos. Uma nova etapa estava
começando em minha vida. Eu sabia que Eduardo estava
enfrentando um inferno com os conservadores, mas ele não voltaria
atrás. Ele era um homem de palavra.

Às sete em ponto, Enzo me deixava na academia. A


temporada de apresentações da companhia de ballet estava no
final, então eu teria mais tempo para treinar. Ao chegar ao local,
todos os rostos viraram em minha direção. Se eu dissesse que
fiquei intimidada seria uma mentira, então entrei acompanhando
Enzo, que me direcionou para um escritório. Ali era a sala do
gerente da academia. Eu já o tinha visto em algumas ocasiões em
Nova Iorque, mas nunca tinha sido apresentada formalmente. Ela
não escondeu o seu desgosto ao me olhar.
— Guido, buongiorno. — Ele não tirou seus olhos de mim,
dando apenas um aceno, e eu apenas o observei.
— Ainda acho que é uma péssima ideia — Guido disse sem
tirar os olhos de mim.
— Você não é pago para achar nada: são ordens — Enzo
respondeu.
A mandíbula de Guido se apertou. Eu deveria ficar
apreensiva? Decidindo o que eu deveria sentir, meu rosto continuou
em branco. Apenas olhei para o homem, que devolveu meu olhar
com desprezo. Desviei meu olhar para os outros que treinavam.
Alguns disfarçavam o olhar, outros já me fitavam mais diretamente.
Mais uma vez me perguntei se tentavam me deixar intimidada.
Grande erro. Para que me sentisse intimidada, eu deveria, em
primeiro lugar, me importar com o que pensavam, e não me
importava.
Milena teria dado um aceno debochado, mas não me
importava o suficiente para ser debochada ou qualquer outra coisa.
— Bem, então. Não vou ser suave só porque ela é uma garota
da elite. Na minha academia, as coisas são como quero— Guido
voltou a falar, e eu virei meus olhos para ele. — Boa sorte,
principessa. Vai precisar.
Ele sorriu maquiavelicamente, e, mais uma vez, não retribui.
Enzo pareceu incerto sobre me deixar ali, mas deu um aceno e se
afastou. Guido me deu um sinal para que o seguisse. Fiz o meu
caminho e chegamos ao centro de um tatame, onde muitos dos
caras pararam o seu treino e nos deram toda a sua atenção. Eu
quase ri. Quase. Se havia dúvidas antes, agora não tinha mais.
Tentavam me intimidar, me deixar desconfortável.
— Certo, princesinha. Mostre-me o que você sabe.
Olhei ao redor e reconheci alguns poucos soldados que
presenciaram a execução de Lorenzo Santorelli, quando o mesmo
foi sentenciado à morte por traição. Ele foi para o inferno através
das minhas mãos, mas, pelo visto, meu cunhado Eduardo e seu fiel
escudeiro, Nero, contiveram os comentários. Ou todos eles não
estariam vendo diversão alguma na situação.
Só pela postura de Guido, eu poderia ver que ele não era
adepto à luta. Não como minha irmã Giulia, por exemplo. Talvez, em
uma escala de 0 a 10, ele fosse um 6. Ele só queria me humilhar.
— Vamos, boneca. Dê-me o seu melhor golpe. Mostre o que
você acha que sabe.
Ouvi o sorriso de alguns dos homens, mas minha atenção
estava totalmente em Guido. Sua postura hostil me dizia claramente
que ele desejava que eu tivesse um dia de merda, desistisse
chorando antes mesmo de começar e voltasse para meus vestidos.
Ele não sabia o que estava vindo.

Antes que ele se preparasse, eu tinha meu pé em seu tórax.


Ele deu três passos para trás engasgando com nada e eu aproveitei
para derrubá-lo. Tinha que me lembrar em todo momento que era
um treinamento, que não deveria matá-lo. Ele tentou recuperar o
domínio, então retirei uma adaga da cintura e a apoiei em seu
pescoço, deixando minha respiração bem próxima de seu rosto. Ele
poderia ser forte e corpulento, mas eu era mais rápida e precisa.
Choque estampou todo o seu rosto, a arrogância de antes, por ora
esquecida, não sei o que ele viu em meu rosto, mas fosse o que
fosse, fez com que se rendesse. Foi quando vi um filete de sangue
na minha lâmina.
O medo em seu rosto e o sangue na lâmina me deixaram em
estado de êxtase. Tão, tão tentador...
— Chega!
Essa voz. A única capaz de me desconcertar, depois do meu
pai. Ainda relutante, me levantei sem me virar. Senti a enorme mão
em meu braço, me puxando para trás.
— Voltem para o treino, acabou o show. — eu mal tinha notado
os outros soldados enquanto enquadrava Guido. Após a ordem,
todos voltaram aos seus afazeres, medo e respeito pelo tom usado
por Nero. Senti meu interior se esquentar. Nero aproximou a boca
do meu ouvido e senti um estremecimento em todo o meu corpo. —
Você, venha comigo.
Ele não me soltou, e eu não iria protestar. Eu gostava de sua
mão em mim. Ele me levou para o escritório e fechou a porta atrás
de nós. Devagar, fui até o centro do escritório e me virei em sua
direção, aguardando suas próximas palavras. Ele ficou ali, parado,
seus olhos irritados, como se não soubesse o que fazer comigo.
Bem-vindo ao clube, eu queria dizer. Quando, por fim, falou, sua voz
estava suave.
— Percebeu que você não será bem-vinda aqui?

— Eu só preciso da aprovação do meu Don. — Senti que ele


puxou uma respiração profunda. Ainda tentava, inutilmente, me
fazer mudar de ideia.
— Não é seguro. Alguns grupos tradicionalistas têm se
mostrado muito infelizes com algumas atitudes de Don Eduardo.
— Não é meu problema — respondi com a voz neutra. Percebi
o exato momento em que ele perdeu a linha.
— Você não está colaborando!
— Me desculpe.

Nero estava louco comigo. A minha falsa passividade o tirava


do sério. Em um momento, achei que ele iria me sacudir. Eu me
mantive serena diante da chuva de emoções que emanava dele. Era
encantador, quase tão embriagador quanto o sangue na lâmina,
mais cedo. Ele deu alguns suspiros, parecendo procurar a calma
dentro de si mesmo.
— Você vai treinar com Ethore e Enzo todas as manhãs.
Somente com eles. Você também está sob minhas ordens,
nenhuma morte, nenhum passo sem a minha autorização. Você
quer ser uma executora? Certo. Você será. Mas qualquer passo fora
e será punida como qualquer outro executor. E, mais uma vez,
nenhuma vida deverá ser tirada sem a minha devida autorização.
Concordei. Ele era o meu chefe direto. Ele virou as costas e
saiu do escritório. Enzo entrou em seguida e me levou para o outro
lado da academia, onde Nero já estava. Ethore, gêmeo de Enzo, me
recebeu com um rosnado.
— Essa é a senhorita Isabella Castelle, ela treinará com vocês
a partir de hoje. Esses são nossos principais executores. — Nero
pareceu incerto sobre o que fazer em seguida. Como se não
quisesse me deixar ali. Deu um aceno com a cabeça, se virou e foi
embora.
Não senti a mesma hostilidade da parte de Ethore. Ele parecia
ser daquele jeito, xucro, com todo mundo. Enzo, eu já estava mais
familiarizada, pois cuidou da minha segurança desde o sequestro.
Olhei para ambos. Certo.
Era hora de começar.
Nero Rossi
Minha dor de cabeça tinha aumentado consideravelmente e
não era nem mesmo oito horas da manhã. Chegar na academia e
ver Isabella a um fio de matar Guido foi exasperante. Eu tinha
certeza de que ela seria problema. Ela não pertence àquele lugar e
eu não precisava dela tão perto fodendo a minha mente mais do que
ela fazia a distância.
Somado com os pesadelos que pareciam aumentar a cada
noite, eu estava com um humor de merda. Atrasado. Enquanto
dirigia, tendo Alessandro ao meu lado, fomos para a Scandal[21],
uma das boates da Cosa Nostra. Durante o dia, era um bom lugar
para fazer nossas reuniões. Eduardo, mais uma vez, falou sobre um
assunto para tratar comigo.
Assim que cheguei à frente da Scandal, uma movimentação
chamou minha atenção. Fumaça, fogo, escombros… e meu celular
tocou.

— Infiltrados? — perguntei a Eduardo.


Havia uma bomba na boate. Tivemos uma baixa e algumas
das mulheres ficaram feridas. Não foi um atentado grande, mais
como um aviso. Nós sabíamos que vinha da Bratva, eles estavam
prontos para a guerra. Ótimo. Também estávamos. Fomos para o
Vecchio, onde encontramos Giovanni.
— Uma merda! — Giovanni explodiu, com gelo na testa. —
Dimitri quer vingança contra mim, principalmente. Pela morte do seu
irmãozinho.
Giovanni explodiu o irmão gênio, mais novo, de Dimitri. Em
vingança à morte de seu pai.

— Temos alguns conservadores descontentes com suas


atitudes modernas, Eduardo. Devemos considerar.
Eduardo, que até então não tinha dito uma só palavra, acenou.
Precisávamos dar um fim nisso.
— Vamos precisar de apoio. Apoio de fora. Giovanni, Talía
Maceratta será dada em casamento a Aleksander Dardan. Mais do
que nunca, agora, precisamos dessa aliança. — Giovanni respirou
fundo, mas concordou.
— Ela já está ciente. E está de acordo. Seu único pedido foi
terminar a faculdade de Medicina. Em alguns anos, ela se casará
com ele.
— Esse entendimento será entre vocês. Quero uma reunião
com Aleksander Dardan… e com os Devils Dragons[22]. — Escondi
minha surpresa, mas Giovanni não foi tão discreto.

— Os Devils Dragons? Por que diabos? — Giovanni, menos


sutil, perguntou.
— Precisamos de todo o apoio necessário. — Eduardo parecia
esgotado.
— Mas eles nem estão próximos do território da Bratva. E são
selvagens além da medida.
— Eu também acho uma merda ter que confiar em pessoas de
fora, que não pertençam a Cosa Nostra. Mas, no momento, nessa
crise, precisamos de aliados. Também quero contato com a
Darkness[23] de Chicago.
Os Devils Dragons são um clube de motociclistas que,
atualmente, toma conta do Tennessee, Carolina do Norte e Carolina
do Sul, como o estado da Virgínia. Embora tenham outros MC’s
menores, todos respondem aos Devils Dragons. Storm, presidente
do clube, é um filho da puta recluso, que também está em guerra
com a Bratva, pelo canal da Flórida, agora que Cleveland, em Ohio,
está interditada.
Giovanni delatou uma remessa de tráfico de crianças para o
FBI, há alguns meses, quando esteve em Ohio, e todos os olhos do
país, atualmente, estão lá. A Bratva, então, entrou em confronto
com os Devils Dragons. Eu entendia o pensamento de Eduardo. O
inimigo do seu inimigo é seu amigo. A Bratva era um inimigo em
comum para os irlandeses e MC’s da região.
— Giovanni, marque essa reunião. Vou deixar em suas mãos.
— O olhar de Eduardo caiu em mim. Eu poderia estar muito
enganado, mas os olhares de Eduardo têm sido enigmáticos, para
não dizer estranhos.
Sem mais uma palavra, ou qualquer orientação, ele se
levantou e saiu. Eu queria saber qual o assunto que estava se
arrastando entre nós, mas tinha ciência de que não era o melhor
momento.
— Hoje é o dia que Annabelle começa na academia? —
Giovanni perguntou assim que Eduardo se foi. Tentei manter o rosto
neutro e esconder o meu desgosto.
— É.
— Por que essa resistência? A menina gosta de matar, deixa-a
matar.
— Não é lugar para alguém da elite. E todos esses problemas
têm sido por causa das mudanças que as irmãs Castelle têm
promovido. Eu não tenho problema com isso, mas a Cosa Nostra
tem.
— Não é seu problema, Nero. Elas não são convencionais. E
se quer achar um caminho para o coração da bonequinha, tem que
aceitar isso. Bom… isso se ela realmente tiver um coração — disse
com seu sorriso de merda.
— Idiota. Eu só estou preocupado com a segurança do
sistema. Dimitri está cada vez mais perto e precisamos achar o
Ivanov, ele é a chave para acabar com essa guerra. Está na hora de
apertar Enrico Castelle.

Enrico Castelle salvou o herdeiro da Bratva e o escondeu na


Cosa Nostra, Eduardo só não o matou por causa de Giulia. Mas já
estava na hora dele revelar o segredo que guardou por anos, visto
que a guerra estava se intensificando. Giovanni ficou sério. Sem
réplica. Sem gracinha. Olhei para ele, que me encarava com um
olhar indecifrável.
— O quê? Ele precisa compartilhar o que sabe. Ele pode ser
seu sogro e de Eduardo, mas a Cosa Nostra sempre vem em
primeiro lugar.
— As coisas vão acontecer na hora certa. — Foi sua única
resposta. Após alguns minutos, ele também se foi.
O resto do dia, passei conversando com os soldados que
faziam a guarda da Scandal, conversando com os funcionários e
com quem estivesse mais presente. Conversei com nosso contato
na polícia para manter a imprensa fora. Desconfiar de seus irmãos
era uma merda quase maior do que fazer alianças com estranhos.
No final do dia, fui para a academia da Cosa Nostra, pois era o
melhor horário para treinar. Ela estaria vazia. Ao entrar na
academia, como eu esperava, estavam somente os soldados de
guarda e alguns funcionários. Deixei minha bolsa nos armários do
fundo e já ia para os aparelhos quando escutei ruídos na área dos
executores. Curioso, pois raramente Ethore e Enzo ficavam depois
das 17 h, a não ser que fosse solicitado, fui até lá.
Quando cheguei próximo à sala, estava Isabella atirando
adagas nos bonecos sparring, todos desalinhados em diferentes
direções e distâncias. Isabella acertava sempre em um padrão:
crânio, pescoço e coração, entre saltos e giros de diferentes
posições. Seu cabelo estava solto do coque, em um rabo de cavalo
desajeitado. Suas faces, ruborizadas pelo esforço, e uma fina linha
de suor cobria sua pele. Observando sua desenvoltura, era nítido o
quanto ela era perigosa e mortal. Era fascinante. Linda como um
anjo, perigosa como o verdadeiro demônio. E eu me excitava só
com esse pensamento de forma quase doentia.
Ao notar minha presença, ela parou, com a respiração
ofegante. Era tão dissonante de sua aparência toda aquela
personalidade sanguinária. Ficamos por um minuto assim, apenas
nos olhando, e percebi que poderia olhar para ela por horas.
Senti a vontade louca de lamber cada pedacinho da sua pele,
deixá-la ofegante por toda atividade que proporcionaria a ela, ainda
mais com aqueles olhos intensos me dizendo que me permitiria
tudo. Mesmo sem uma palavra. Minha boca ficou seca com a mera
possibilidade.
Dei-me um soco mental, pensando no quanto aquilo era
inadequado. Voltando para a realidade, decidi quebrar o silêncio,
mentalizando o tempo todo que ela não era para mim. Nunca seria.
— Você não deveria estar aqui— falei, retomando o controle.
Usando minha posição para manter a devida distância.
— Me desculpe.
Eu soltei um riso seco. Ela parecia uma boneca programada
para dizer as coisas certas. Quase automático. Mas eu sabia
melhor, essa educação velada era só uma máscara e eu não
gostava, não gostava nem um pouco que ela usasse máscaras
comigo. Era um pedido de desculpas oco, sem significado.
— Você precisa obedecer às regras.
Não achei que houvesse problema. Não voltará a acontecer.
— Tão correta e obediente. Tão disposta a concordar que poderia
enganar qualquer um.
— Quem vai te levar para casa?
— Enzo. Ele foi tomar um café. — Mais uma vez ficamos
parados em silêncio.
Ela estava a verdadeira forma da tentação e era tudo o que eu
não precisava. Antes que eu virasse as costas, ela me chamou. Sua
voz pareceu… hesitante, muito diferente daquela voz neutra que ela
usava com todos. A curiosidade foi maior que a autopreservação e
me vi voltando em sua direção.
— Eu gostaria que você parasse de falar comigo como se eu
fosse uma criança. — Escondi a minha surpresa. — Eu sou uma
mulher que sabe exatamente o que quer.
Ela jogou essas palavras e veio andando em minha direção.
Se não fosse eu na posição, teria rido muito, porque ela estava,
novamente, me encurralando. Quando ela levantou os olhos para os
meus, eles brilhavam.
— Eu quero você. — Prendi a minha respiração. Foda-se,
foda-se, mil vezes foda-se. Eu estava sem palavras. — Eu não sei
jogar, Nero. Eu não sei fazer jogos de sedução… não sei fingir que
não quero algo quando, na verdade, quero… desesperadamente.
Cada palavra fazia meu coração falhar uma batida. O que eu
sentia por essa garota era incapaz de nomear, só sabia que era
forte. Você não pode tentar um homem com o que ele mais deseja.
E mesmo assim, mesmo com toda a vontade, me vi sem palavras.
— Eu…
— Só preciso saber se você me quer também. É uma pergunta
simples, você quer ou não.
Soltei a respiração. Se eu a queria? Queria. Muito. E me sentia
mal, parecia errado. Eu nem sabia quem eu era de verdade. Nem o
fato de ser uma executora mudaria o fato de ela ser uma princesa
da máfia. Provavelmente se casaria para fortalecer os laços de seu
pai, com algum herdeiro, alguém influente.

— Eu não…
— Pense bem em suas próximas palavras. Porquê… estou
cansada, de verdade, cansada desse silêncio. Eu vejo em teus
olhos que sou mais que um trabalho para você. Mas… se você não
quiser o mesmo que eu, não vou mais tocar nesse assunto. Mesmo
que eu sinta… sim, sinto… uma das poucas coisas que posso dizer
assim, que sinto… que você pode ser meu ponto fora da curva. O
que pode me tirar da monotonia da minha mente… Não vou te
perseguir, mesmo que eu seja louca.
— Pare! — disse e levei meus dedos à sua boca. E as minhas
próximas palavras poderiam decretar um rumo em minha vida, que
me apavorava e emocionava na mesma medida — Pare, você não é
louca, não. Você é… o que existe de mais precioso.
Eu disse com um fôlego. Sem pensar, só a verdade fluindo,
sem controle.
Senti sua respiração em meus dedos, meu coração, disparado,
como um potro selvagem por ela tirar o band-aid da nossa relação
sem nenhum aviso. Percebi, então, que minha respiração também
estava alterada. Ela enlaçou seus braços em meus ombros, nossos
rostos próximos, nossa boca separada apenas pelos meus dedos.

—Minha salvação — sussurrou.


Eu fechei os olhos com força, tentando manter o tsunami
interior sob um mínimo de controle. Mas a quem eu queria enganar?
Eu queria essa garota por um tempo agora. Eu queria e agora tinha
certeza de que ela compartilhava o mesmo. Talvez… só talvez…
pudesse ser algo bom.
Agarrando-me a essa possibilidade, retirei minha mão de seus
lábios e a beijei. Todo o meu interior estremeceu pela doçura de
seus lábios. Senti lá em minha adolescência, quando um beijo era o
suficiente para me deixar eufórico.
Não, foi mais. Foi muito mais. Uma experiência única
impossível de descrever. A combinação do beijo, a sensação de sua
pele em minhas mãos, seu corpo junto ao meu, me deixou sem
fôlego. Querendo mais, de um jeito avassalador. Proibido e
profanador.

— Oh... me desculpe.
Eu soltei Isabella, só então percebendo que levantei sua blusa,
enquanto ela a abaixava. Ela olhou Enzo nos olhos, sem um pingo
de constrangimento. Enzo nos olhava um tanto surpreso.
— Estava te esperando. Vamos— disse e, sem olhar para
mim, saiu da sala.
Enzo ficou parado, ainda sem saber o que fazer. Eu dei-lhe
sinal que a acompanhasse. Quando ambos desapareceram, me
sentei no chão, acalmando meu furacão interior. A sensação era de
que eu deveria tomar a decisão mais importante da minha vida.
Minha dor de cabeça voltou, e suspirei. Que merda eu iria fazer,
agora?
Isabella Castelle
No caminho para a cozinha, escutei Eduardo conversando com
Giulia e parecia uma discussão acalorada. Eles falavam sobre Nero.
— Acha inteligente postergar tanto em contar a verdade para
ele? — minha irmã perguntava.
— Não tenho escolha agora, principessa. Eu preciso do meu
capitão-mor, estamos em uma guerra cada vez mais intensa. Assim
que passar essa onda de ataques, vamos dizer a verdade.
— Isso parece egoísta, Eduardo. Mesmo para você.
— Eu sou egoísta, Giulia. Seus olhos de amor é que nunca
olharam além.
Estaquei em meu lugar. Eu estava disposta a viver um dia de
cada vez e não me preocupar em como Nero reagiria ao saber a
sua verdadeira origem. A verdade é que poderia complicar e muito
minha intenção de ficar com ele. Ele era russo, eu, italiana.
Saí do corredor antes que notassem a minha presença. Giulia
estava insistindo para que Eduardo contasse a verdade. Em outro
tempo, eu poderia ficar por perto para assegurar que minha irmã
sairia ilesa de uma discussão, eu não gostava que gritassem com os
meus. Mas Eduardo jamais prejudicaria Giulia, tinha plena certeza
disso.
Entrei no meu quarto e me deitei.
Uma semana que não via Nero. Sabia que ele estava me
evitando, e eu não faria mais nenhum movimento. Entendi,
finalmente, a importância de ele querer o mesmo que eu. Entendi
que, se Eduardo e Giulia não compartilhassem a mesma vontade,
não estariam felizes juntos.
Um desânimo me tomou, treinei muito mais do que os dias
anteriores. Lentamente, sentia perder o controle do meu lado ruim.
Dois dias atrás, fui com Ethore fazer uma cobrança e precisei ser
contida para não matar o homem antes do tempo. Estava perdendo
minha frieza. Ethore tinha fama de ser incontrolável, mas eu o
estava superando. Já ouvi murmúrios de outros soldados me
chamando de Anjo da Morte. Estava me tornando temida em poucos
dias.
Tentei assistir a algo para passar o tempo, mas minha mente
continuava divagando. Hoje tinha um jantar na casa dos Maceratta.
Era uma jantar social, somente para a elite da Cosa Nostra. Seria
minha primeira reunião social após me tornar executora.

Também seria onde, provavelmente, eu iria encontrar Nero.


Resolvi optar por um vestido azul, acima do joelho, justo, sem
alças. Era um pouco revelador, mas nada que me fizesse
desconfortável. Milena o tinha desenhado especialmente para mim.
Deixei meu cabelo solto, fiz uma maquiagem leve, um par de saltos
prateados e estava pronta.
Antes que saísse do quarto, meu telefone tocou.
— Pai.
— Bella. Como você está?
Escutar a voz do meu pai era um conforto, um que, até escutá-
lo, não sabia que precisava.
— Eu estou bem.
— Eu sei que hoje é um dia que você aparecerá socialmente
depois de se tornar uma executora. Enquanto estiver lá, ocupando o
seu lugar de direito, como a princesa da máfia que você é, não se
esqueça nem por um minuto: você é o meu orgulho. Tenha orgulho
de ser quem é.
Fechei os olhos e suspirei. Meu coração deu um aperto
estranho, como se tivesse uma barreira prestes a se romper. Se há
alguém que me importo sobre o que pensa de mim, esse alguém é o
meu pai.
— Obrigada, papai.

Mesmo que sensações novas estivessem borbulhando dentro


de mim, minha voz ainda saiu serena e monótona. Mas ele sempre
entendeu.
— Eu te amo, filha. O mundo é seu, conquiste-o.
Segundos depois ele desligou e eu fechei os olhos,
suspirando.
Desci e encontrei Giulia e Eduardo me aguardando. Seria a
primeira reunião de Giulia após o parto. Minha mãe estava de volta
à Filadélfia, depois de chorar e implorar para que eu desistisse de
ser executora.
Ao chegarmos na mansão Maceratta, Milena nos recebeu com
um abraço caloroso. Ela estava deslumbrante, como sempre, e
estava se saindo uma excelente anfitriã. Circulando entre os
conhecidos, percebi alguns olhares das senhoras mais velhas.
Continuei meu caminho até ser puxada, literalmente, por Gabriel.

— Hey, como você está?


— Hey, estou ótima.
Gabriel beijou meu rosto e dei-lhe um sorriso. Eu sabia que ele
tinha sentimentos por mim, mas nunca dei qualquer sinal de que era
recíproco. Senti minha nuca queimar e, quando me virei por instinto,
encontrei os olhos de Nero. Lindo, atento a tudo ao seu redor,
cuidando de cada detalhe. Cabelo preso na nuca e, apesar do terno,
em nada disfarçava a sua aura selvagem. Após alguns segundos,
seus olhos cinza semicerraram e eu dei-lhe um aceno, me virando.
Cara, irmã gêmea de Gabriel, me envolveu em uma conversa e eu
dei atenção. Os gêmeos Tommazzi compartilhavam o cabelo claro e
os olhos azuis. Nitidamente, eram irmãos.
— Talía não está muito bem, desde que soube sobre o noivado
— Cara disse.
— Com quem? —perguntei por educação.
— Aleksander Dardan. Chefe da máfia irlandesa em Boston.
Tivemos sorte, ele queria uma noiva Maceratta ou Santorelli —
respondeu, sorrindo. Cara era legal, mas sempre gostou de falar
sobre a vida dos outros. Eu nunca tive interesse, talvez por isso não
tivesse amigas.
— Ele é ruim? — questionei por não pensar em nada melhor
para perguntar.
Cara e Gabriel começaram a rir.
— Ele tem fama de ser terrível. Mas não deve ser muito
diferente dos nossos. De qualquer forma, já nascemos com nosso
destino traçado — Cara respondeu, indiferente.
Mudamos de assunto e eu me distraí por alguns minutos.
Ninguém perguntou sobre eu ser uma executora. Eu não era uma
participante ativa nesse tipo de conversa, então, me limitei a escutar
e a acenar. Talía apareceu levemente desanimada. Prima de
Giovanni, meu cunhado, tinha a minha idade e estava estudando
para ser médica. Cabelo escuro e olhos verdes, um pouco mais alta
que eu, ela tinha uma beleza estonteante. Embora fosse mimada.
Ela era próxima de Milena, hoje em dia. Quando ela se aproximou,
Cara envolveu os braços ao redor dela.
— Está melhor?
— Tentando —respondeu e me deu um sorriso. — Como está,
Bella?
— Estou bem, obrigada por perguntar.

— Na verdade, eu gostaria muito de falar com você. Fiquei


sabendo que agora é uma executora e… bem, acho que deveria te
dar os parabéns.
— Você é a primeira.
Cara corou um pouco, embora não fosse a minha intenção
deixá-la desconfortável. Gabriel ficou muito sério, mas ambos não
comentaram nada.
— Eu gostaria que você treinasse comigo— Talía disse,
fazendo todos os rostos virarem em sua direção. — Eu vou me
casar com uma pessoa que não faço ideia de quem seja, tudo o que
descubro me assusta até a medula. E se ele for um abusador?
— Giovanni jamais deixaria que…

— Eu não vou mais ser problema de Giovanni ou meu pai,


Cara. Eu vou ser uma Dardan, serei problema da máfia irlandesa.
Eu aceitei o meu destino, mas não vou sem uma arma.
Eu sempre vi Talía como uma pessoa sem personalidade. Ela
era amiga de Luísa Conti, filha de um capitão e apaixonada por
Giovanni. Luísa quase matou a minha irmã, Milena, por isso.
Giovanni deu um ultimato a seu pai, a morte ou a contenção, e hoje
Luísa está em um sanatório.
— Talvez você devesse falar com Milena— sugeri. As duas
ficaram muito próximas nos últimos meses.
— Milena não tem tempo, está envolvida com a marca, a loja.
— Seus olhos verdes suplicaram. — Por favor.
Ela estava quase chorando. Não que eu me importasse, mas
me lembrei de Lillian me aconselhando a praticar a empatia, mesmo
que não a sentisse.
— Certo, tenho tempo à noite. Se eu não for chamada para
algum trabalho. — Senti Cara desviando o olhar e percebi que
Gabriel havia saído.
— Ótimo, à noite, eu tenho tempo também.
— Talía…
— Cara! Eu vou fazer isso. Em algumas semanas, será o meu
noivado. Eu consegui convencer meus pais que o casamento
aconteceria após minha formatura pré-med[24], quando eu completar
22 anos. Pelo menos, terei algum tempo. — Ela olhou nos olhos de
Cara. — Eu preciso me sentir minimamente segura.
Cara concordou e passou os braços em volta de Talía. Eu não
era uma pessoa de abraço, então me contive a ficar por ali, vendo a
troca.
— Pelo menos, ele não é um velho babão— disse Cara com
um sorriso malicioso.
— Já o viu? — Talía perguntou.

— Você não? — Cara devolveu com um sorriso ainda mais


aberto.
— Não quero vê-lo. Preciso viver em minha bolha por
enquanto. — Cara sorriu para a amiga e foi a minha deixa para sair.
Troquei número de telefone com Talía e combinamos de marcar os
treinos durante a semana.
Eu treinei meus olhos para não buscar por Nero em lugar
algum enquanto transitava pela casa de Milena. E assim o tempo
passou, o jantar foi servido, até as pessoas começarem a ir embora.
Fui para o andar superior me aliviar, pois, quando as pessoas
começavam a ir embora, Giulia e Milena continuavam conversando
por horas. Quando sai do quarto, vi Gabriel. Estranhei um pouco ele
me aguardar no corredor, mas colei o meu sorriso social no rosto.
Jurava que o tinha visto ir embora.
— Bella… Será, será que nós podíamos jantar essa semana?
Sei que não está em temporada de dança e, bem, achei que…
Interrompi antes que ele se envergonhasse.

— Não, Gabriel.
Após alguns segundos se recuperando da minha negativa
brusca, ele mascarou qualquer emoção e declarou.
— O meu pai já ficou de falar com seu pai. Eu quero você
como minha esposa, Bella. — Ele se aproximou, sendo mais alto
que eu, mas não saí do lugar. — Vamos ter que esperar alguns anos
até eu terminar a faculdade, e…
— Gabriel. Eu não vou me casar com você. — Seu rosto
continuou impassível, como se não me escutasse.
— Com o tempo, você vai se acostumar com a ideia… Eu vou
fazer isso bom para você, Bella.
Eu ia voltar a responder, mas ele parou de se aproximar, com
uma última olhada, virou as costas e saiu. Fiquei parada no
corredor, pensando sobre o que ele tinha dito. Eu não me casaria
com Gabriel e, o quanto antes ele desistisse dessa ideia, melhor
seria.
— É uma boa família.
Essa voz. Deus, era o suficiente para mexer com toda a minha
estrutura. Fechei os olhos, curtindo cada arrepio que tomou conta
do meu corpo. Respondi sem me virar.
— Nunca disse que não era.
— Talvez, v...
— Ah, cale a boca, por favor! — Eu me virei, estreitando os
olhos. — Preste bem atenção no que vou te dizer, Nero Rossi —
disse, me aproximando dele, já sentindo o seu calor só pela
proximidade. Cada dia mais eu estava sonhando com aquelas mãos
em mim e era deliciosamente atordoante tê-lo por perto —, se um
dia me casar, vai ser com alguém que me faça sentir algo mais que
tédio. — Coloquei ambas as mãos em seu peitoral, agora sem medo
como se aquela zona já me pertencesse. — Eu não vou ser
manipulada. Comigo, é tudo ou nada.
Levantei meus olhos para os dele. Sua imensidão cinza estava
em chamas. Descontrolável. Mas recuei. Porque eu precisava que
estivéssemos na mesma página, precisava que ele quisesse estar
comigo tanto quanto queria estar com ele. Nada poderia me fazer
mais óbvia do que tudo o que já tinha feito até o momento.
Minhas mãos caíram ao meu lado e eu dei um passo para trás.
Ele fechou os olhos com força e me virei, não querendo ver a recusa
em seus olhos quando ele retomasse o controle, descobrindo,
então, que o aperto que eu sentia quando ele se afastava era mais
que frustração. Afastei-me, deixando que ele lutasse com seus
próprios demônios. Eu já tinha demônios suficientes para lutar.
Nero Rossi
Isabella se afastou de mim e eu senti falta do calor de seu
pequeno corpo, suas mãos em mim, instantaneamente. Senti,
naqueles segundos enquanto ela se afastava, que precisava tomar
uma decisão, uma que mudaria todo o curso da minha história.
Porque eu não fazia nada pela metade. Porque se eu entrasse em
algo com ela, seria inteiro. Ela não merecia menos.
Em um impulso e dois passos, a alcancei no corredor e a virei
em minha direção, seu corpo se chocando com o meu. Seus olhos
plácidos em mim; sua boca entreaberta, soltando o ar.

— Você não tem ideia do que está pedindo—disse


rispidamente, culpando-a por minha confusão, me aproximando até
as nossas respirações se misturarem. — Se fizermos isso, não vai
ter volta… — Apertei mais seus braços. — Eu não sou uma
diversão, Isabella, nem mesmo um experimento. Esteja ciente disso.
Ela enlaçou meu pescoço com os braços, me fazendo soltá-los
de meu aperto, pressionando seu corpo no meu, com aquele vestido
que me tirou do eixo a noite inteira, me dando toda a resposta que
esperava com seus lábios.
Beijei-a sem medo, permitindo dar vazão a tudo que reprimi
desde que comecei a notá-la de forma diferente. Toda a atração
inflamada em meu sistema, toda obsessão por essa pequena garota
indo à superfície com tamanha força que me deixou trêmulo e
assustado. Minha mão foi para sua nuca e seu rosto e a outra
enlaçou sua cintura, a levantando do chão para que ficasse a nível
dos meus olhos. Seus olhos pareciam um mar tempestuoso quando
se afastou alguns centímetros. Ela parecia degustar e cada
sensação que eu causava nela.
Abri a porta do quarto que ela havia saído e o fechei, sem
pensar nas consequências do que faria, minha mente entrando em
parafuso. Eu estava enlouquecido. E nada poderia me deixar mais
feliz do que a perspectiva do que estava para acontecer. Soltei-a na
cama e comecei a tirar minhas roupas. Procurei nela por todo tempo
uma pontada que fosse de insegurança ou incerteza, mas tudo que
vi foi a mesma fome que havia em mim. Quando desafivelei o cinto
da calça, seus olhos ficaram ainda maiores. Ficando só de boxer, fui
até ela e beijei seus lábios lentamente.
— Eu fiz isso uma vez… mas é como se fosse a primeira vez
para mim — sussurrou.

Guardei meu choque para mim. Eu já sabia que ela não era
convencional, não que me importasse… e seria um idiota se
dissesse que saber que outro a teve antes de mim me deixava feliz.
Eu era possessivo por cada pedacinho dela.
Ela se ajoelhou na cama e desceu o zíper lateral de seu
vestido, seus olhos nunca deixando os meus. Cada polegada de sua
pele pálida, que era desnuda, me deixava duro. Ela seria minha. O
vestido desceu em suas pernas e eu a deitei suavemente no
colchão. Quando retirei o vestido de seu corpo, junto de seus
sapatos, cobri o corpo dela com o meu.
Éramos tão dissonantes em tamanho. Ela, delicada como
pétalas de rosas; eu, grande e selvagem e mesmo assim nada em
minha vida nunca fez tanto sentido quanto eu e ela aqui, juntos. Era
o encaixe perfeito. Passei os dedos em sua lateral, me deliciando
com cada suspiro e gemido que saíam de seus lábios.
Eu, que tanto me perguntei como seria arrancar alguma reação
dela, tinha-a agora à minha mercê, me dando tudo. Cada suspiro,
cada gemido, cada ofego… Beijei seu pescoço, fazendo uma trilha
até seus seios. Respirei em um dos seios, maravilhado com a onda
de arrepio que se seguiu por toda a região. Suguei- o enquanto
provocava o outro com minha mão e ela gemeu. Mudei para o outro
e fiz da mesma forma, sentindo todo o meu corpo se curvar, a
sensação que me tomava ao causar-lhe reações deixou-me rendido.
Beijei sua barriga, notando pela primeira vez um pedaço de
tinta na lateral. Virei seu pequeno corpo de lado e me deparei com
duas asas de anjo, negras, no local onde ela tinha uma cicatriz. A
infame cicatriz da qual eu ouvi falar, a cicatriz que Dimitri inferiu em
seu corpo quando a capturou. A cicatriz que ela escondeu com asas
de anjo. Um anjo da morte. Meu anjo.
Seus olhos estavam atentos em mim quando deitei suas
costas de volta no colchão. Seu olhar me revelava… nada. Fosse o
que fosse que ela sentisse, ela não demonstrava e o desafio em
seus olhos me dizia que ela não falaria sobre aquilo. Ver o que ela
tinha feito com o que o mundo tinha lhe jogado só me fez admirá-la
mais. E inflamou o meu desejo.

— Me tome, Nero…
Voltei a explorar cada pedacinho do seu ventre até chegar ao
seu ponto de prazer, pressionando um beijo por cima da calcinha
branca. Retirei-a com cuidado e me maravilhei com a visão de sua
boceta. Ela estava molhada, inchada, e a emoção de estar com ela
ali, entregue a mim, me deixou tonto. Isabella era única. E era
minha.
Passei a língua lentamente, uma, duas, três vezes, até vê-la se
contorcer. Suas mãos se agarraram aos lençóis, seu rosto
contorcido em agonia pelo prazer que eu estava proporcionando.
Depois de uma doce tortura, segurei sua bunda e aprofundei os
movimentos da minha língua. Mantive um ritmo até ouvi-la gemer
meu nome alto e puxar a raiz do meu cabelo, sentindo suas pernas
tremerem, como uma convulsão de prazer.
Enquanto ela ainda se recuperava do orgasmo, coloquei o
preservativo e voltei a cobrir o seu corpo com o meu. Seus olhos
dilatados, rosto corado, respiração arfante, expressão suave… seus
braços voltaram a envolver meu pescoço e ela disse em um
sussurro, enquanto meu pau cutucava a sua entrada.
— Eu sonhei tanto com isso…
Ela disse fechando os olhos e todo o meu interior voltou a
estremecer. Convocando cada grama de controle em mim, entrei em
seu núcleo até o final, sentindo suas paredes sufocarem o meu pau.

Eu nunca me senti em casa em lugar algum.


Eu nunca me senti pertencer a algo ou alguém. Sempre fui
uma peça fora do lugar, mesmo lutando todos os dias para
conquistá-lo. Mas aqui, com Isabella, senti que tinha, finalmente,
encontrado o meu lugar. Meu lar. Eu me distanciei em cada
oportunidade possível, porque eu sabia que não teria retorno para
mim. Eu já era dela mesmo quando não era.
Isabella Castelle, dona de todas as minhas fantasias que um
dia julguei impossível. Isabella Castelle, quem por um tempo mais
longo do que eu julgava saudável, tem sido a dona de cada
pedacinho meu. Eu era obcecado por ela, agora caminhava para me
tornar dependente.
Ela envolveu minha cintura com suas pernas, se abrindo
completamente para mim, e eu comecei a me mover, agora
totalmente descontrolado, até sentir as batidas do meu coração em
meus ouvidos. Uma emoção explosiva e fora do comum assolando
e tomando conta do meu corpo, tirando minha própria vontade. Eu
era somente um corpo atrás do meu próprio prazer. Eu era um
animal, que foi por muito tempo enclausurado e impedido de
perseguir seu próprio desejo. Naquele momento, nada importou. O
som da cabeceira batendo na parede, os gemidos roucos de
Isabella e o som do choque de nossos corpos eram uma realidade
distante, e eu só voltei a mim quando o orgasmo mais poderoso da
minha vida jorrou de mim.
Trêmulo, ofegante, tonto, desabei em cima de Isabella, só
então me dando conta do quão fora de controle eu estive. Pânico
passou por mim e a olhei assustado, medo do que encontraria. E se
eu a tivesse machucado?
Seus lábios estavam entreabertos e uma camada fina de suor
cobria sua testa. Cada pedacinho dela tremeu.

— Te machuquei? — perguntei, controlando meu pânico. Ela


levantou o corpo pelos cotovelos e sorriu, um sorriso lindo, genuíno
e caloroso, diferente de todos os sorrisos que já tinha a visto dar.
— Eu quero fazer isso de novo! De novo e de novo!
Foi inevitável. Eu ri da sua empolgação. Apertando-a em meus
braços, ainda com um sorriso descarado no rosto, eu soube,
Isabella Castelle seria a minha ruína ou a minha salvação. A sorte
foi lançada.

— Ficou marcada para sábado a reunião com os Devils


Dragons e Aleksander Dardan.
Eu anunciei a tempo de ver Giovanni torcer o nariz com a
menção de Dardan. O casamento de sua prima, Talía, e Aleksander
Dardan, chefe da máfia irlandesa, agora era certo.
— Rafaelle Tommazzi quer uma reunião. Segundo ele, há um
pedido para fazer a mim e a Enrico Castelle.
— Algo me diz que Gabriel Tommazzi descobriu suas bolas e
resolveu pedir Isabella em casamento — declarou Giovanni,
olhando diretamente em meus olhos com um sorriso zombeteiro nos
lábios.
Segurei minha respiração e a fúria líquida passou por mim.
Claro que eu havia escutado o ultimato que o garoto deu à Isabella.
E também sabia, em primeira mão, que ela não ficaria com ele.
Ela não ficaria com ninguém.
Ela seria minha.
Ela já era minha.
Depois que ficamos juntos, um após o outro, voltamos para
onde os outros estavam. Nenhum compromisso havia ficado
acertado, não falamos sobre futuro, mas eu tinha falado sério
quando disse que não haveria mais volta. Ela era minha.
No entanto, ainda não era o momento de falar sobre o assunto.
— E como está saindo o nosso Anjo da Morte? Parece que a
bonequinha do mal está tocando o terror em homens barbados.

Como se em algum momento pensei que seria diferente.


Isabella já é uma das melhores executoras que a Cosa Nostra já
teve. Embora muitos dos chefes sejam resistentes em reconhecer,
ela tem a frieza e o controle necessário para lidar com a tortura e
morte. Seus cortes são clínicos e ela não se abala com pedidos de
clemência, choro ou mesmo a morte.
Ela gosta do caos. Alimenta-se dele.
Se eu fosse esperto, ficaria longe. Isabella está sob minha
pele, minha obsessão agora, real, mas, por Deus, não vou abrir mão
dela. Agora que provei do seu gosto, não seria capaz de manter
distância, nem se eu quisesse.
— Você está longe, Nero. Algum problema? — Eduardo
perguntou.
— Não. Eu só estou um pouco distraído.
Eu ainda sentia certa hesitação por parte de Eduardo. Como
se algo o incomodasse e ele precisasse falar, mas limitasse o
impulso. Eduardo sempre foi a epítome do controle, seu
comportamento comigo era, no mínimo, estranho. Tentei abordar o
assunto com Giovanni, mas ele desconversou.
Após algumas horas alinhando sobre o encontro de sábado à
noite, ambos foram embora e eu fiquei só, já no fim da tarde.
Giovanni foi buscar Milena e Eduardo não via a hora de voltar para
sua esposa e filho. Eu fiquei mais tempo no Vecchio, pensando
sobre como prosseguir com Isabella a partir daqui. Eu só sabia que
teríamos que seguir de alguma forma, era tarde demais para
qualquer um de nós.
Isabella Castelle
— Você é uma cretina!
— E você precisa endurecer. — Talía estava jogada no tatame
do nosso espaço de treinamento.
— Mais um pouco e você teria quebrado meu braço.
— Foi sua ideia, não minha.
— Você não tem empatia!
— Não. Agora, se levante. Ainda temos quinze minutos.
— Nem sob ameaça de morte. — Ela se deitou. Eu me
preparei para acertar um golpe em seu abdômen, ela se levantou
com as mãos rendidas.
— Ok, ok. Pelo amor de Deus, mais um dia desse e você me
mata.

Nesse momento, Giulia chegou com Milena, que tinha Pietro


em seus braços, ambas rindo enquanto conversavam.
— Como está sendo o primeiro dia, Talía? — Giulia perguntou,
educada, assim que se aproximou mais.
— Primeiro e último. Sua irmã é um demônio!
Ambas, Giulia e Milena, caíram na risada enquanto Talía
gemia, e eu observava.
— Sinto muito, Isabella. Mas não venho mais.
— Você está sendo precipitada, Talía. Giovanni jamais te
colocaria nas mãos de um homem que fosse agredir você ou te
maltratar de qualquer maneira. Você tem todos em volta do seu
dedo mindinho — Milena disse enquanto balançava Pietro nos
braços.

— Eu não vou contar com a sorte. Você se casou por amor. Eu


nunca vi a cara do meu noivo.
— Eu me casei por conveniência. E deu certo — Giulia
respondeu.
— Um em um milhão, Giulia.
Talía sentou-se novamente, suas feições caídas. Milena
entregou Pietro e se sentou ao seu lado.
— Talía, se anima. Você ainda tem quase seis anos inteiros
antes que esse casamento ocorra. Você é esperta, vai conseguir
encontrar um equilíbrio.
— Dê uma chance a esse casamento. Você o está
condenando antes mesmo que aconteça. Às vezes, pode se
surpreender — Giulia disse.
As três olharam para mim, esperando que eu dissesse algo.
Então, eu disse.
— Mate-o, se não der certo.
— Isabella! — Milena e Giulia gritaram ao mesmo tempo.
— Ou me chame. — Talía deitou no tatame, gemendo. Milena
e Giulia suspiraram.
— Você nunca vai se casar, Bella — Giulia disse, por fim.
Por uma aliança política? Dificilmente. Com o homem que me
fez arder de paixão? Era uma opção. Talvez a única.
— Vamos fazer assim, eu vou treinar com você a partir de
agora. Ainda não posso fazer muita por conta do pós-parto, mas
vamos aos poucos. Isabella pode ser um pouco… radical. —
Mantive o rosto impassível, mas queria fazer como Milena e revirar
os olhos.

— Fiquem à vontade. Nunca disse que era uma boa ideia.


Talía tinha hematomas espalhados pelos braços e pernas. Eu
poupei o rosto. No fim das contas, eu poderia, sim, ser empática.
Talía ficou conosco por mais algumas horas até que um soldado a
acompanhasse até o dormitório onde ficava, na Columbus. Eu
aproveitei um pouco a companhia das minhas irmãs para, em
seguida, ir ao meu quarto.
Depois de um banho e deitar em minha cama, meus
pensamentos foram na direção esperada. Eu pensei em Nero.
Sentia falta dele e agora, mais que qualquer coisa, sentia falta do
seu corpo, uma necessidade aterradora tomando conta de mim. Em
um ímpeto de loucura, me levantei, coloquei um vestido leve,
estampado com rosas, um cardigã branco, uma sapatilha simples,
prendi meu cabelo em um rabo de cavalo e saí. Enzo estava na
porta.
Enzo.
Eu poderia sair tranquilamente sem ser notada, eu era boa em
ser invisível. Mas, em meu estado de necessidade pura, pouco me
importava em quem me visse. Por sorte, Eduardo e Giulia já tinham
ido se deitar. Enzo não disse nada quando fui para o carro. Nem
quando lhe dei o endereço de onde eu queria ir.
Uma voz, lá no fundo, me pedia para ir com calma. Mas
precisava de Nero. Precisava daquela sensação novamente e algo
dentro de mim afirmava que ele também precisava de mim. Ou
talvez fosse apenas a minha própria vontade falando. Cheguei ao
seu condomínio, me identifiquei, entrei no elevador privado, tendo
certeza de que ele já estaria me esperando.
Quando cheguei a sua cobertura, aquele homem, meu homem,
me esperava. Porque esse homem era meu, não havia sombras
nem dúvidas quanto a esse fato. Ele me deu um sorriso conhecedor
e sorri de volta. Sem perder tempo, corri para seus braços e ele me
ergueu como uma boneca.
Sua boca tomou a minha em uma fome avassaladora e o beijei
de volta com o mesmo ardor. Ele fechou a porta com o pé,
caminhou até o sofá e se sentou comigo em seu colo. Minhas
pernas, uma de cada lado, se apertaram em seu quadril, o calor do
seu corpo era similar ao meu.

— Deus, senti a sua falta como um louco — me disse entre


beijos.
— E eu, a sua— respondi em um sussurro.
— Isso não pode continuar assim. — Ele passou a beijar o
meu pescoço, tirando meu cardigã, descendo o meu vestido. — Eu
não sou o Giovanni, vou falar com a sua família. — Eu parei e olhei
em seus olhos. Ele parou também, dizendo com uma seriedade
quase repreensiva. — Eu disse ontem, Bella. Não sou um
experimento, não sou um moleque para brincadeiras. Se vamos
fazer isso, será do jeito certo.
— Não estou questionando. Você é meu, Nero. — Seus olhos
brilharam em diversão com a minha posse declarada. — Eu sei
como nosso mundo funciona, mas saiba que uma cerimônia e um
pedaço de papel não te farão mais meu do que já é agora.
Observei seu rosto, suas expressões e passei a contorná-lo,
como fazia comigo no espelho. Seus olhos cinzentos se fecharam
com o meu toque. Passei os dedos pela barba grande, o nariz, a
boca carnuda, que tinha me feito ver estrelas. Tudo em Nero era
grande e dominador, intenso e avassalador. Ele tinha sangue de rei,
nasceu para governar e comandar. E ele já comandava cada
pedacinho de mim. Poderia ser perigoso, eu nunca senti nada por
estranhos… com Nero, sentia tudo.
Quando seus olhos se abriram, senti o ar abandonar meus
pulmões. Porque toda a minha necessidade estava refletida de volta
para mim. Algo, lá no fundo, me avisou que nunca fui de ninguém
porque sempre fui dele. De alguma forma inexplicável, sempre foi
ele.
Nero me levantou, sua força somada à minha flexibilidade me
davam a sensação maravilhosa de realmente ser uma boneca em
seus braços. Ele subiu as escadas sinuosas de sua cobertura e me
levou para um quarto, o dele, logo percebi, onde uma cama enorme,
a maior que já vi, ocupava o centro. Ele me deixou com todo o
cuidado em sua cama, retirando a camiseta branca de algodão, me
dando a vista da perfeição.

Ele era lindo. Tatuagens ocupavam todo o centro do seu corpo,


até os braços. Uma, em especial, me chamou a atenção: uma rosa,
rodeada de arames. Eu me aproximei e toquei o seu peito. A
pergunta estava em meus olhos quando eles pousaram nos seus.
Ele engoliu em seco antes de dizer.
— Em homenagem ao que eu tinha e não tenho mais. Embora
não me lembre, gosto de pensar que era algo bom.
Meu coração apertou e eu era péssima com as palavras.
Não, não, não. Fechei meus olhos com força.
Teria o momento certo para que me preocupasse com a
origem de Nero. Por enquanto, focaria em nós, em tudo que queria
descobrir e viver com ele. Deixei um beijo terno em sua tatuagem.
Por enquanto, ele era o meu Nero.
Ele levantou meu rosto com suas mãos e me deu um beijo nos
lábios. Que logo foi tomando uma proporção maior e maior, até me
tomar por inteira. Em um segundo, o corpo de Nero estava me
cobrindo, meu vestido, agora nos quadris. Sua boca abocanhou um
dos meus seios, enquanto suas mãos e as minhas abaixavam meu
vestido e calcinha, até estarem os dois nos pés da cama.
Nero ia de terno a selvagem em segundos.
— Minha necessidade de você é tão grande que eu tenho
medo de te machucar — disse enquanto explorava meu corpo com
suas mãos e boca. De alguma forma, sua calça de moletom já não
estava mais em seu corpo. Senti seu membro em minha perna, e
eu, possuída pelo desejo, virei seu corpo até estar por cima.
Era a minha vez.
Fiz uma trilha de beijos, sentindo cada emoção que causava
nele.
Algo me dizia que só era assim porque era com ele. Beijei sua
barriga, mordisquei em uma ânsia de prová-lo, até chegar ao seu
membro ereto. Segurei com ambas as mãos, me deliciando com sua
suavidade e seus grunhidos.
Em minha única experiência sexual, com um colega de ballet,
na minha formatura do Ensino Médio, eu só pensava em o quanto
queria que acabasse logo. Mal vi o membro do meu parceiro. Agora,
tudo o que eu conseguia pensar enquanto segurava Nero pulsando
em minhas mãos, era no quanto queria sentir o seu gosto. Eu queria
ter as experiências mais sórdidas com ele.

Queria ser corrompida em minha totalidade, até nada mais em


mim ser inocente.
E queria tudo isso com ele.
E eu teria.
Abaixei minha cabeça e passei a língua em seu membro, sem
tirar meus olhos dos seus. Algo escuro se passou em seu rosto,
algo que eu deveria considerar perigoso, mas nunca temi nada.
— Eu estou tentando me controlar aqui, Bella… — disse com
uma voz gutural.
— Não quero que se segure. Mostre-me o seu pior — falei,
segurando seus olhos nos meus. Ele pareceu hesitar alguns
segundos… Mas então.
Nero segurou o meu cabelo com força, fazendo um rabo de
cavalo com seus punhos. E sem palavras, eu estava de joelhos em
seu tapete felpudo, enquanto ele se sentava na beira da cama. Ele
forçou seu pênis em minha boca, me dominando completamente.
Senti-o pulsar em minha garganta e me manter lá até uma onda de
náusea me invadir, e ele me afastar. Só para fazê-lo novamente.
Era sujo.
Nero estava perdido nele mesmo, e me senti poderosa por
fazê-lo se perder daquela forma. Depois de repetir a façanha
algumas vezes, Nero fodeu a minha boca implacavelmente. Em
seguida, ele me levantou, ainda me segurando pelo cabelo, e beijou
minha boca, provando do seu gosto em mim.
— Abra essas pernas, bem abertas. Vou te foder, bonequinha
suja.

Se possível, fiquei ainda mais excitada com suas palavras.


Nero entrou em mim com um único movimento, poderoso. Foi quase
desconfortável, mas a dor nunca me incomodou. Alguma coisa fez
com que me sentisse viva.
Agora deitados, Nero passou a me foder, como disse que faria.
Com força, bruto, de uma maneira deliciosa. Eu o sentia em cada
parte de mim, me consumindo. Eu mordi seu ombro, porque o
prazer se construiu em mim. Seu cabelo grudava em sua testa, uma
das suas mãos foi para o meu pescoço e apertou.
Eu não sabia o que estava fazendo, mas, naquele momento,
precisava que ele apertasse mais. Eu precisava me sentir à sua
mercê, controlada e entregue. Em um movimento louco, apertei
suas mãos em minha garganta e ele não perdeu tempo, fazendo
pressão em seus dedos. Foi libertador… Quando senti minha vista
escurecer, Nero soltou o meu pescoço e beijou minha boca
duramente, gozando em um urro em seguida. Eu tive um orgasmo
tão intenso que me tirou de órbita. O ar voltando aos meus pulmões
me fez flutuar, como uma experiência extracorpórea.
Não sei se passou segundos ou horas, perdi a noção de tudo
em minha volta enquanto me recuperava da experiência mais
marcante da minha vida. Quando olhei nos olhos de Nero, uma
sombra novamente passou em seus olhos e seu rosto estava torcido
em agonia, ele respirava e tocava meu pescoço, agora com
delicadeza. O preservativo já estava descartado. Por quanto tempo
fiquei fora do ar?

— Eu prometo que nunca mais farei isso. — Eu queria ter as


experiências mais sórdidas com ele. Prendi a respiração. Ele não
era louco.
— Por quê?
— Eu te machuquei.
— Foi maravilhoso. Eu quero que me machuque mais e mais.
Ele me olhou chocado, e eu dei uma risada alta. Ele estreitou
os olhos em confusão. A sensação de estar tão à vontade ao lado
dele me deixou leve. Eu tirei forças de onde não tinha e me sentei.

— Eu estou deliciosamente exausta. Você é meu Nero. Tudo


de você. Até as partes mais sombrias.
Ele fechou os olhos com força e pousou a testa na minha.
Suor, necessidade e realização misturados. Palavras não eram
necessárias, senti, naquele momento, que nos completávamos.

Acordei com um gemido. Por conta do meu treinamento,


sempre fui alerta. Levantei meus olhos para ver o rosto Nero
desfigurado em agonia, transpirando. Ele estava tendo um
pesadelo. Balancei seu ombro suavemente para que despertasse e
ele se levantou em um movimento brusco, quase me acertando no
rosto, o que fui capaz de impedir, graças a minha agilidade.
— Você estava tendo um pesadelo.

Ele continuou com os olhos perdidos no ambiente, ao mesmo


tempo em que eu ligava o abajur na lateral. Fiquei silenciosa ao seu
lado, enquanto se recuperava do que quer que fosse. Depois de
alguns minutos, ele segurou os cabelos na raiz e abaixou a cabeça,
fechando os olhos. Pousei minha mão em seu antebraço e passei a
acariciá-lo ali.
— Está tudo bem? — voltei a perguntar, mas ele continuava
igual. A semiescuridão pode ter encorajado sua resposta, pois ele
começou a dizer:
— É sempre o mesmo pesadelo. Um homem me chamando de
filho. Uma mulher acariciando meus cabelos. Duas garotinhas loiras
correndo e brincando. Um jardim bonito… E, então, temos uma
perseguição, uma explosão, choro, lamento e gritos. Eu… eu acho
que é a minha família biológica.
Prendi a respiração e parei os movimentos em seu braço.
Senti sua dor tão intensamente, de forma tão brutal, que quase me
destruiu por dentro. Eu não sentia a dor dos outros, mas sentia a dor
de Nero. Ele era parte essencial de mim e, se antes eu não tinha
dúvidas, agora não era nem mais uma hipótese. Ele estava
oficialmente no rol seleto de pessoas que importavam em minha
vida de uma maneira tão literal e estrutural, tão mais forte, que se
algo ou alguém fosse uma ameaça a ele, eu eliminaria.
Eu só estava esperando a decisão do nosso Don.
Dimitri Nikolai era um homem morto andando.

Sentando em seu colo, embalei seu rosto com minhas mãos


para então começar a contorná-lo, enquanto ele relaxava. Tirei Nero
do seu inferno da forma que estava aprendendo. Sem palavras, o
beijei e ele adorou e puniu meu corpo para, em seguida, cairmos
exaustos em um sono profundo.
Nero Rossi
Isabella ser linda nunca foi uma surpresa. Ela ser minha, sim.
E ela era. Olhando para ela enquanto dormia, parecia quase um
pecado deixá-la dormir. Olhei as marcas avermelhadas pelo seu
corpo e uma ponta de culpa quis arder em meu peito. Mas me
lembrando de como ela gozou, entregue e sem reservas, me
esqueço de qualquer sentimento relacionado à culpa com um
sorriso satisfeito tomando conta de mim. Ela era um verdadeiro
tsunami sexual. Se em algum momento achei que não fôssemos
compatíveis, só poderia estar louco.

— Você está sorrindo.


Ela disse sem abrir os olhos. Então os abriu, me dando a visão
de seus olhos perfeitos. Ela levantou as mãos para o meu rosto e
passou a contorná-lo e novamente me vi fechando os olhos para
potencializar a sensação de suas mãos pequenas em mim. Senti
seu corpo se aproximar, seu rosto no meu, até estarmos respirando
o mesmo ar. Isabella não era de muitas palavras, mas a energia que
emanava dela me dizia tudo o que eu precisava saber.
Ela se afastou um pouco e, olhando em meus olhos, deu um
sorriso lindo, deixando suas covinhas à mostra e os cantos dos
olhos enrugados. Assim, recém-despertada e um pouco bagunçada,
parecia uma menina inocente.
— Nós temos que falar com a sua família. Mesmo já tendo
atropelado todas as fases, quero fazer isso da forma correta.
— Meu tão certinho capitão-mor, Nero Rossi — ela sussurrou
ainda sorrindo, acariciando meu cabelo. — Você não precisa se
apressar.
— Eu preciso, Bella. Vamos apenas deixar isso acertado para
o almoço de domingo. Como seu pai não está na cidade, o correto é
que eu fale com Eduardo. Você será minha em todos os sentidos.
Seus olhos seguraram os meus quando ela disse.

— Eu sempre fui sua, Nero. E você sempre foi meu, desde o


início. Eu não sinto muitas coisas, mas isso… não me lembro de
alguma vez não ter sentido. — Sua mão se abriu em sua frente e eu
a encontrei, a dissonância de estrutura mais uma vez evidente. Meu
corpo inteiro formigou, meu coração errou uma batida e meu interior
se estremeceu. — Meu.
Eu tinha ciência de que, com Isabella, não havia meio-termo.
Nossa posse declarada foi alimentada por um longo tempo de
distância e silêncio, tendo agora explodido em nós. Éramos um do
outro, para o bem ou para o mal.
Decidimos descer e nos alimentar e, enquanto preparava algo,
Isabella foi para o banheiro. Desci as escadas e encontrei Alessa no
sofá, mexendo em seu notebook. Congelei, porque ninguém me
avisou que alguém estava subindo? Se Alessa conseguiu subir,
qualquer um poderia.
— Como você subiu?
— Ainda bem que acordou, estava quase indo lá em cima.
Preciso de sua assinatura sobre alguns documentos referentes à
Pandemoniun.
— Alessa.
— Tirei uma cópia da sua chave. Para emergências. — Ela se
levantou, arrumando o vestido. — Estou te sentindo tenso
ultimamente, Nero. Sabe que pode contar comigo, não é? Para
qualquer coisa. — Ela estava indo para me tocar, e eu dei um passo
para trás.
Parei e, por alguns segundos, pesei minhas palavras. Isabella
estava no andar de cima, se ela descesse e visse Alessa, talvez
pensasse que era mais do que minha assistente. Ainda mais se ela
a visse me tocando, o que não era comum com Alessa. Não tive
tempo para pensar, pois Isabella desceu em seguida.
— Nero…

Um silêncio gelado trovejou atrás de mim. Passos, que vinham


descuidados, agora eram calculados, e chame-me de covarde, mas
não achei a coragem necessária para olhar para trás. Isabella
poderia ser assustadora para estranhos. Senti sua presença ao meu
lado, o que me obrigou a falar algo, pois senti o olhar interessado de
Alessa em Isabella.
— Oh, me desculpe. — Alessa se aproximou com os olhos
vidrados em Isabella. — Você nunca… Isso é uma novidade. Bem,
eu sou Alessa. — Ela estendeu a mão para Isabella. Olhei para ela,
que apenas encarava os olhos de Alessa sem retribuir o gesto. Em
seguida, ela me deu um olhar indecifrável, virou as costas e subiu
as escadas, voltando para o quarto.
Sem. Uma. Maldita. Palavra.
— Uma gracinha! — disse Alessa com uma expressão
zombeteira.
Suspirei e falei com o meu tom mais digno, embora
internamente estivesse uma bagunça.

— Ela será a minha esposa. Então, não fale mais dela nesse
tom. — Os olhos de Alessa ficaram como dois pratos, de tão
abertos. Após se recuperar do choque, vi uma pontada de dor em
sua expressão, o que me deixou intrigado. Ela esperava algo de
mim?
— Esposa?
— Sim.
— Ela é maior de idade? Como assim, você vai se casar, se
nunca te vi sério com ninguém?

— Com todo respeito, Alessa, mas você é apenas a minha


assistente. Não quero ser um idiota, você sabe o quanto te respeito.
Mas, agora, já não acho que seja legal você ter passagem livre em
minha casa. E, por favor, devolva a chave que você não deveria ter
em mãos sem a minha autorização. — Parei para ver o quanto ela
se encolhia. — Isabella pode ser um pouco... antissocial. Mas ela
será a dona de tudo o que é meu. Tente ser agradável.
— A única pessoa desagradável aqui foi ela. — Com um
suspiro, ela passou a guardar as suas coisas. — Tudo bem, vou
embora. Vou deixar esses papéis em sua mesa. Com licença.
Ela passou como um furacão por mim e eu me vi indo para o
quarto, enfrentar o Alaska. Isabella estava olhando pelo vidro da
janela e eu me aproximei, embora ainda estivesse alguns metros
atrás.
— Está tudo bem? — perguntei por fim. Ela se virou, a face
plácida, os olhos brilhando.
— Quem é ela?
— Minha assistente. — Um único tique em sua mandíbula foi
sinal da tempestade que estava formada dentro dela. Ela virou o
rosto um pouco de lado, calculando minhas reações. Era
interessante como uma coisinha tão pequena tinha tanto poder em
cada gesto.
— Você já dormiu com ela? — Sua voz era controlada e sua
expressão não demonstrava nada. Eu não gostaria de começar
nada com mentiras, então fui sincero.
— Há quatro anos. Antes de ela trabalhar para mim. Desde
que passamos a trabalhar juntos, não temos qualquer envolvimento
que não seja profissional. — Seu rosto ainda estava impassível,
sem entregar nada. — Olha, eu já pedi para que ela não trouxesse
nada de trabalho para minha casa — me aproximei e passei os
braços em volta da sua cintura fina —, disse que você será a minha
esposa e dona de tudo o que é meu — beijei seu pescoço e inalei
seu cheiro. Embora ela aceitasse o gesto, não retribuiu —, então
pode desfazer essa postura de bonequinha do gelo, porque falei
sério quando disse que eu sou seu.
Ela afastou o rosto e me encarou alguns segundos. Logo suas
mãos foram para o meu peito, enquanto eu a levantava nos braços,
suas pernas em volta da minha cintura. O nó em meu peito se
desfazendo.
— Eu a quero fora — declarou com um sorriso, como se
estivesse pedindo para passar a manteiga.

— Isabella…
— Ou vou atrás dela. — Sua expressão não mudou. Fúria
passou por mim.
— As coisas não funcionam assim!
— Elas funcionam exatamente assim! Arrume outro emprego
para ela, mande para qualquer lugar, você tem influência para isso.
Arrume outra mulher para ser sua assistente se quiser, mas ELA
não.
— Isso é por que dormi com ela?
— Isso é porque ela gosta de você. Porque eu não confio nela.
— Seu olhar deu uma vacilada. — Porque você se importa com ela
e isso é o suficiente para que algo não muito bonito dentro de mim
crie vida. Eu odeio essa emoção e ela é a causadora dela. Eu a
quero fora ou eu vou tirá-la, definitivamente.
Eu já conhecia Isabella o suficiente para saber que ela falava
sério. Mas eu não entraria em um relacionamento onde seria
manipulado pela sua instabilidade. Mesmo se fosse ao contrário, eu
também não gostaria.
— Eu não vou fazer isso. — Seus olhos voltaram a brilhar
perigosamente. Ela me soltou, se afastou, pegou a bolsa e disse
com um sorriso de boca fechada.
— Sua escolha, Nero.

— Isabella, é uma ordem.


Ela desceu as escadas e eu fui atrás.
Foda-se, garota difícil!
— Certo — ela disse assim que chegou a porta.
Inferno!
— Isabella, se você matá-la… — Ela se voltou para mim, olhos
brilhando e sorriso perigoso nos lábios.
— Vai fazer o quê?
Era muito frustrante não poder controlá-la. Levei as duas mãos
para a cabeça e soltei um bufo. Ela sabia que me frustrava, que me
enlouquecia quando era insolente. Segurei ambos os braços,
abaixei no nível de seus olhos e disse com a minha voz de
comando.
— Vou dispensá-la, se é isso que você quer! Mas não pense
que sempre poderá me manipular, Bella.
— E você não pense que pode me controlar. — Ela me deu um
beijo rápido nos lábios e saiu dizendo: — Te espero no almoço de
domingo.

Caralho! Ela seria a minha morte!


Aleksander Dardan, chefe da máfia irlandesa em Boston,
estava sentado em minha frente, na sala VIP do Vecchio, enquanto
esperávamos Storm e Shield, presidente e vice-presidente dos
Devils Dragons MC. Giovanni tinha a mandíbula trincada, e
Eduardo, sua aparência indiferente.
Aleksander era quase tão alto quanto eu, embora não tivesse
um mínimo de receio por estar brincando com o perigo empurrando
Giovanni ao limite. Era um filho da puta cruel e debochado, quase
tanto quanto Giovanni, embora fosse mais rústico em suas
maneiras, tendo o aspecto mais selvagem. Em todas as ocasiões
que o vi, vestia negro, destacando as chamas vermelhas em seu
pescoço, parte de uma tatuagem.
Ambos os homens se encararam, mas nenhuma palavra foi
dita. Apesar de uma possível aliança, o clima era tenso. Os homens
continuaram se encarando até a porta se abrir e Storm entrar
acompanhado de Shield. Alessa, que trabalharia somente até
domingo no Vecchio, acompanhou-os e saiu da sala. Ambos se
sentaram.

— Bem, bem, bem. Isso é interessante de várias maneiras.


Não que eu não tenha considerado uma emboscada por todo o
caminho de Richmond até aqui. Afinal, italianos não são confiáveis
— declarou Shield, tatuagens por todo o braço, argolas e piercings.
Shield era o porta-voz dos Devils Dragons.
— Guarde suas ameaças veladas para si mesmo. Estamos
aqui porque temos um assunto, ou melhor, um inimigo em comum. A
Bratva — Eduardo começou.
— Fodidos russos! — disse Storm. Sendo o presidente do MC
mais poderoso da Virgínia e região, no auge de seus trinta e poucos
anos, era um de aspecto selvagem e calado, mas muito se ouvia
sobre sua falta de emoção e crueldade.
A verdade é que nenhum homem dos que estavam sentados
aqui poderia ser chamado de bom ou algo próximo a isso.
— Mas a informação que temos, Don Eduardo, é de que você
tem um trunfo contra Dimitri. Você tem aqui, em seu território, o
Ivanov perdido — Aleksander Dardan jogou na mesa.
— Agora, isso sim é interessante. A família Ivanov não foi
totalmente massacrada pelos Nikolai há mais de uma década? —
Shield perguntou se jogando para trás na cadeira.
— Esse não é o assunto que me fez marcar essa reunião. A
Bratva está no ramo de tráfico humano. Segundo minha fonte, está
se aliando ao Cartel, mais ao Sul — afirmou Eduardo.
Eu sabia que Eduardo estava sofrendo algumas represálias
dos tradicionalistas, mesmo que sutilmente, mas essa era uma
informação que ele jamais daria aos demais. Por mais que um
objetivo em comum nos unia, não éramos amigos, nem mesmo
aliados, uma palavra mal dita era suficiente para que sangue fosse
derramado. Da Virgínia e mais ao Sul, os Devils Dragons tinham
total controle, com suas sedes espalhadas até a Flórida.
— Mais um motivo para sabermos quem é o Ivanov. Os Ivanov
são lendários, mesmo entre os MC’s, e segundo os mais antigos,
não davam tanta dor de cabeça — Shield voltou a dizer.
— Dimitri Nikolai é instável, e está cada dia mais
descontrolado. Saber que seu trono está ameaçado o fez atacar a
Cosa Nostra algumas vezes —afirmei.
— Soubemos, inclusive, o destino de seu pai traidor, Don
Eduardo. Pelas mãos de uma princesa, como a estão chamando?
— Aleksander Dardan nos encarou por um segundo e logo concluiu,
com seu sorriso sarcástico — Certo… Anjo da Morte. A Cosa Nostra
está cortando os laços com a tradição.
Eu fechei meus punhos, me segurando para acertar seu rosto
fodido, quando Eduardo interveio.
— Os caminhos, que a Cosa Nostra está tomando, não são
assuntos em pauta. E pense muito bem antes de falar sobre Isabella
Castelle, quem, por acaso, é irmã de minha esposa.

Aleksander riu.
— Só me familiarizando, já que, em breve, seremos famiglia.
Giovanni fez menção de se levantar, mas Eduardo segurou
seu antebraço.
— Essa conversa não está chegando a lugar algum — Storm
trovejou. — Se o que você quer é uma aliança contra Dimitri Nikolai,
você a tem. Eu estou dando o fora, vocês sabem como e onde me
encontrar. E espero clareza nas trocas de informações. E, Nero,
obrigado pela informação.
Eu dei-lhe um aceno e ele saiu, seguido de Shield. Eu o deixei
ciente de um ataque em um dos seus carregamentos de armas, que
seria realizado pela Bratva. Enquanto Isabella torturava um deles, a
informação acabou surgindo. Política também era um dos pilares da
máfia, não só a guerra.

— Podem contar com nosso pequeno condado em Boston,


também — disse Aleksander enquanto se levantava. Vestido todo
de preto, sempre coberto por uma aura de fumaça.
Saiu com um sorriso sarcástico.
— Filho da Puta! — Giovanni gritou assim que Aleksander
saiu. — Eduardo, tem certeza que não tem como cancelar essa
merda de noivado?
— Está feito, Nero. As alianças são importantes. O noivado
acontecerá em breve, se conforme.
— Ele ser contra o negócio de tráfico de mulheres e crianças
deve ser um ponto ao seu favor — eu disse.
— Talía está tentando parecer firme e decidida, mas sei que
está assustada. Milena disse que pediu para Isabella treinar com
ela. Digamos que Annabelle não é uma boa treinadora.
Eu queria rir. Trazer Isabella para o assunto me fez dizer o que
precisava ser dito a Eduardo.
— Amanhã, irei a sua casa tratar de um assunto. Seria ideal
que estivesse presente também, Giovanni. Afinal, você, além de
Consigliere, é da família.
Giovanni estreitou os olhos.
— Descobriu as suas bolas, Nero? Ou Annabelle tomou a
iniciativa? — Às vezes, eu queria esquecer que Giovanni era
Consigliere. Ele poderia ser uma séria dor na bunda.
— Não é da sua conta. A questão é que eu quero fazer certo
desde o início.
Giovanni me deu o dedo do meio. Fodido. Ele entendeu o que
não foi dito. Giovanni e Milena tiveram um romance clandestino por
meses.
Eduardo estava me olhando com um estranho olhar. O mesmo
que vinha me dando ultimamente e fazia os cabelos da minha nuca
se arrepiaram. O mesmo desde que sofri o acidente. Eu me
perguntava se ele estava desconfiado de que eu fosse algum
traidor. Era sinistro. Eu era leal a Cosa Nostra. Eu devia tudo a ela.
Minha verdadeira famiglia era a Cosa Nostra. Eu jamais me
rebelaria contra ela. Jamais.
— Você tem alguma objeção, Don?
Eduardo respirou fundo.
— Você tem fixação por essa garota há tanto tempo que nem
lembro quando começou. Eu espero você amanhã, mas antes…
teremos que ter uma conversa. — Acenei e ele se despediu, saindo.
— Ultimamente Eduardo tem agido de forma estranha comigo.
— Giovanni desviou os olhos. Algo estava acontecendo e ele sabia.
— Há algo.

— Amanhã, Nero.
Isabella Castelle
— Você não pode fazer isso!
— Isso não é seu assunto, Giulia.
— Agora é assim? Pois eu digo que é meu assunto, sim. Você
não vai estragar o dia da minha irmã, quando finalmente eu estou
vendo Bella florescer para a vida, não vou deixar você fazer isso,
Eduardo!
— Você já imaginou que depois será muito pior?
— Não me interessa. Você vai dizer a verdade para Nero em
outro momento, mas não no dia que ele vai acertar um compromisso
com ela.
— Pense, Giulia, na possibilidade desse casamento nem
acontecer depois que ele souber a verdade. Eu estou tentando
poupar um sofrimento maior.
— Você está pensando somente em você! Eu não vou permitir
que faça isso, juro por Deus, Eduardo. Eu vi esses dois dançando
em volta um do outro por meses a fio, eles finalmente reconheceram
que se gostam. Você esperou até agora, vai esperar um pouco
mais.
— Você mesmo estava me pressionando para falar.
— Isso foi antes.
Escutei os passos de Giulia no quarto enquanto estava
paralisada na porta. Tinha acabado de sair da minha sessão com
Lillian, que estava muito empolgada com a minha evolução.
Estabelecer uma conexão com alguém, mesmo que com apenas
uma pessoa, era melhor que ninguém. Talvez eu estivesse mais que
obcecada. Talvez… estivesse apaixonada, embora não tivesse
referência alguma do que significasse. O importante era que Nero
era meu.
Mas, então, se Eduardo contar que ele é russo e herdeiro da
Bratva… talvez ele odiasse a todos. Fechei os olhos com força.
Não, não Nero. Ele amava a Cosa Nostra, ela foi seu lar por muito
tempo. Eu não me angustiaria.
— O que você est… Giulia, por favor.

— Eu vou dormir no quarto de Pietro.


— Eu te proíbo.
Se não fosse um nó do tamanho de Massachusetts na minha
garganta, eu teria rido. Giulia poderia ser sensata e racional, mas
ninguém mandava nela. Era teimosa e determinada, uma força
quando provocada. A porta do quarto se abriu e Giulia saiu com um
travesseiro. Ela parou, os olhos em fúria se suavizaram quando
pousaram em mim. Eu sabia que ela odiava brigar com Eduardo, no
entanto, ela estava fazendo por mim.
— Bella! Oh, minha querida! — Ela me abraçou — Eu estou
feliz por você.
Ela afastou o corpo do meu. Eu apertei seu antebraço e fui
para o meu quarto. Antes de fechar a porta, eu disse:
— Obrigada.
Por mais que Giulia fosse uma referência para mim em tudo,
eu preferia ficar sozinha, curtindo esse mal-estar interior tão novo
em mim. Talvez eu e Nero nem tivéssemos a oportunidade de
começar e, pela primeira vez em toda minha vida, temi o futuro.
O dia amanheceu e eu tinha resolvido que lidaria com as
situações quando elas aparecerem. Eu me permiti acordar tarde,
pois demorei a cair no sono. Tomei um banho demorado, lavei meu
cabelo, tomei o meu tempo secando e modelando, coloquei um
vestido max longo, branco, e desci para comer algo antes do
almoço.
Escutei a voz de Milena na sala, ou melhor, seu surto, antes
mesmo que entrasse no cômodo. Deparei-me com Eduardo sentado
em sua poltrona, estampando um meio-sorriso, olhando para Pietro,
que dormia em uma caminha de bebê. Giulia estava tentando
gargalhar baixo, sentada ao lado de Eduardo, enquanto olhava a
interação de Milena e Giovanni. Uma música vinha do estúdio e me
dei conta de que Anita treinava.
— Amore mio, uma ova! Eu já cansei de falar que não tenho
paciência para hipocrisia!
— Milena, o melhor que você faz é colocar um sorriso no rosto
e ignorar — Giulia disse, tentando esconder a gargalhada atrás do
ombro de Eduardo.
— Eu não consigo. Não dá. Ela alfinetar que não sou
adequada para ser esposa do Consigliere ainda vai, agora empurrar
a filha para o meu marido? Eu atiro na cabeça dela e da filha!
Giulia teve mais uma crise de gargalhada, Giovanni mantinha o
sorriso “cafajeste”, como dizia, Milena, no rosto, e eu resolvi me
manifestar.
— O que aconteceu?

— Sua irmã, com medo de me perder, Annabelle! — Milena


jogou uma almofada em Giovanni, que desviou e a puxou para o
seu colo, mesmo sob protestos. — O que ela não entende é que eu
sou inteiramente dela — ele disse diretamente em seu pescoço e
falou mais alguma coisa, mas desviei os olhos da cena. Esses dois
precisavam de um quarto. Sempre.
— Bella, a esposa do Tommazzi queria empurrar Cara para
Giovanni. Milena quer fazer ela de alvo.
Foi minha vez de compartilhar o sorriso, porque não era
novidade o que diziam quando não estávamos presentes. As
esposas dos chefes não tinham nada melhor para fazer a não ser
fofocas sobre o quanto eu e minhas irmãs éramos inadequadas.
Elas só se esqueciam do quanto éramos perigosas. As ameaças de
Milena não eram uma força de expressão, não eram vazias, eram
promessas reais. Milena era louca, de um tipo diferente de mim,
mas ainda assim, louca. Até Giulia seria capaz de qualquer coisa se
ameaçada, mesmo sendo a mais sensata de nós três.
— Cara nunca me pareceu interessada em Giovanni. E, até
onde eu sei, ela sempre gostou de Milena — eu considerei.
— Eu não confio em ninguém, mas, realmente, Cara sempre
se mostrou indiferente a qualquer homem— Milena disse, do colo de
Giovanni.
— Deve ser coisa da mãe dela — Giulia afirmou, e logo voltar
a gargalhar —, Milena com ciúmes é a melhor.
Milena revirou os olhos.
A conversa voltou a fluir, enquanto Eduardo babava pelo filho,
e ninguém comentou sobre o motivo de estarmos reunidos ali. O
mal-estar entre Giulia e Eduardo parecia ter passado pela forma
carinhosa que se tocavam. Próximo ao horário do almoço, a
campainha tocou e, com ela, meu coração acelerou no peito.

Escutei, do meu lugar, Nero cumprimentar a funcionária que o


atendeu na porta. Milena me encarava com olhos semicerrados e eu
mantive meu semblante sereno, ainda que fosse a primeira vez que
eu fingia estar serena. Eu queria fazer como aquelas garotas
afetadas de filmes e livros, suspirar e demonstrar toda a euforia que
tomava conta de mim.
— Bom dia.
— Buongiorno — todos responderam em uníssono. Foi então
que me ocorreu que Nero nunca teve um sotaque italiano. Sempre
foi o inglês impecável, mas somente o inglês.
Meu olhar se trancou com o dele e a velha emoção tomou
conta de mim. Ele estava lindamente penteado, o cabelo preso em
um coque na nuca. Uma camiseta preta, rasgada nas mangas,
calças jeans e um coturno. Lindamente selvagem. A memória
daquelas mãos em mim me fez estremecer. Mãos enormes, que
poderiam me matar em um piscar de olhos. Mas elas me matavam
de prazer. Um meio-sorriso tomou conta de seu rosto como se ele
soubesse o que eu estava pensando, e eu sorri de volta.
Ele cumprimentou um por um e veio se sentar ao meu lado.
Discretamente, ele segurou a minha mão. Acho que senti meu rosto
enrubescer, pois ele estava queimando. Tinha algo muito incômodo
em ter toda a sua família observando uma troca, por mínima que
fosse, com alguém importante. Alguém que não fosse eles. Um
silêncio constrangedor tomou conta de todos, até que não mais.
Giovanni, claro, explodiu em gargalhadas, e eu só queria furá-lo
com uma adaga.
— Annabelle, quem diria que você teria um coração escondido
por baixo de todo esse gelo.
Pela primeira vez em minha vida, me senti desconcertada.
Milena tentou conter sua risada, mas logo todos estavam rindo, até
mesmo Eduardo tinha a mão sobre a boca. Eu levantei meus olhos
para Nero, que me deu um beijo na testa, escondendo um sorriso
também, e todo o meu interior se aqueceu. Então, ele se virou para
frente e começou a dizer.
— Bom, acho que não é segredo para ninguém, Bella e eu
estamos juntos e pretendemos nos casar.
— Na verdade, Nero, nunca foi segredo para ninguém, só para
vocês mesmo — Giovanni disse novamente. Ah, mas hoje ele iria
conseguir um feito que tanto almejava, me tirar uma reação, se
continuasse a deixar a situação ainda mais difícil.
— Cala a boca, Giovanni! — Eduardo disse, ainda que não
adiantasse de muita coisa. Giovanni continuava a rir.

— Como eu estava dizendo, eu e Bella estamos juntos e


vamos nos casar. E, como Eduardo, além de Don é o cunhado e
responsável por Isabella, gostaria de avisá-los devidamente.
Eduardo respirou fundo. Seu olhar foi de Nero para mim, então
para Nero novamente.
— Avisar?
— Bom, não é como se houvesse outra opção para mim — eu
me apressei a dizer.
— Tommazzi veio me falar sobre você… — Senti Nero
enrijecer, mas apertei a sua mão. Essa luta era minha.
— Mato ele e toda a família caso insista nisso.
Um suspiro coletivo tomou conta do lugar mediante ao meu
tom cortante. Eduardo estreitou os olhos para mim, sei que não era
inteligente desafiá-lo, mas ele que não se atrevesse a atravessar o
meu caminho. Eu poderia respeitar suas decisões em relação à
organização, não sobre a minha vida.
— Você deve tomar cuidado com as suas palavras.
Nossos olhos estavam um no outro. Eu sabia o que ele estava
tentando fazer, estava dificultando por conta da origem de Nero.
Pouco me importava que meu sobrenome fosse Rossi ou Ivanov. Eu
só queria ficar com Nero. Ele não me tiraria isso.
— Você teria algum motivo real para ser contra o meu
casamento com Isabella? — Nero questionou, friamente.
Eu sabia que uma animosidade tomava conta do local. Sabia
que o clima tranquilo de minutos antes fora minado. No fim das
contas, éramos o que éramos, monstros capazes de qualquer coisa
para conseguir o que queríamos. Eduardo tomou um tempo
relativamente longo com os olhos nos meus, em uma disputa
silenciosa, para então suspirar e dizer.
— Claro que não, Nero. Não tenho nada contra o enlace de
vocês. Enrico também não tem.

— Eu já liguei para ele.


A informação me surpreendeu. A merda de ser mulher na
máfia, sempre éramos as últimas a saber o que acontecia. Algumas
coisas não mudavam.
— Bom, então é motivo para comemorar com um almoço
deliciosamente italiano. Quem diria, hein, minha irmã caçula vai se
casar.
Milena se levantou de onde estava para me abraçar. Era
estranho de uma forma boa. Era diferente de um jeito maravilhoso.
Almoçamos, rimos das piadas de Giovanni, e de Anita, que, quando
soube do nosso compromisso, soltou um “até que enfim” meio
entediado e adolescente, que foi impossível não rir.
Essa era a minha família. Ainda não sabíamos o que o futuro
nos reservava, como as coisas seriam dali em diante, quando tudo
fosse posto às claras, eu estava segura de que, sendo Yuri ou Nero,
o que nos unia era um pertencimento de alma. Com o fim do
almoço, sem qualquer satisfação, puxei Nero para o terraço, um dos
meus lugares favoritos da mansão. Assim que chegamos, Nero me
arrebatou dos meus pés, me pegando no colo, estilo noiva, e eu
soltei uma risadinha afetada, enlaçando seus ombros.
— Eu estava com muita vontade de ficar sozinha com você —
eu disse e o beijei nos lábios, algo que estava ansiando desde que o
vi. Acho que eu poderia entender agora o quanto Milena sofreu em
seu noivado para manter as aparências diante da nossa sociedade.
— Eu também estava… — ele respondeu tomando meus
lábios novamente.
Sentamos em uma das cadeiras, e eu continuei em seu colo.
Era como se eu pertencesse aquele lugar. Ele voltou a me beijar e
ficamos degustando um do outro por algum tempo, quanto tempo,
eu não tive ideia. Quase sem ar, me afastei para olhar em seus
olhos novamente.

— Onde você quer morar? — Surpresa com a pergunta


repentina, eu comecei a rir. Essa leveza, esse riso fácil era tão
diferente de mim. Eu só queria mais e mais de tudo isso.
— Qualquer lugar. Eu… gosto da sua cobertura.
— Nós vamos transformá-la em nosso lar. Você tem
autorização para entrar lá quando quiser, Bella. Terá seu estúdio de
dança. Tudo o que você quiser — Eu ri.
— Você é um príncipe, sabia…
Seus olhos, em um instante, ficaram nebulosos. Sua feição se
fechou em angústia, e eu fiquei preocupada.

— O que foi? — Ele fechou os olhos com força e os abriu.


— Nada. — Seus braços se apertaram ao meu redor e ele
escondeu o rosto na curva do meu pescoço. — É só que… parece
que já ouvi isso antes. Uma besteira. Só uma sensação que não sei
explicar.
— Quer conversar?
Ele olhou em meus olhos e sorriu.
— Não… Não precisamos conversar sobre isso. O médico me
avisou que poderiam acontecer esses lapsos.
A menção do acidente e de sua memória fez aquela sensação
nova de pânico tomar conta de mim.
— Você teria coragem de terminar comigo? — perguntei em
um sussurro. Ele franziu o cenho e respondeu.

— Eu disse, Bella. Isso aqui — apontou para o espaço entre


eu e ele —, é para sempre.
Encostei meu rosto no seu, fechei os olhos, e ali desnudei
todas as minhas emoções para ele. Não me importando o quanto
soei desesperada e trêmula.
— Promete! Haja o que houver!
Ele afastou o rosto do meu, embora ainda o segurasse com as
mãos, respondendo com a boca na minha, beijando a ponta de uma
única lágrima que desceu do meu olho, parando acima do meu lábio
inferior.
— Prometo que, enquanto houver verdade e respeito, será
para sempre.

A resposta não me deixou mais tranquila, e sim ainda mais


temerosa. Mas era o que era. Eu só poderia confiar que tudo se
encaminharia de forma que ficasse tudo bem.
Nero Rossi
— Rafaelle Tommazzi está na recepção e deseja falar com
você.

Alessa me avisou sem me olhar nos olhos. Ela estava


treinando a minha nova assistente e tem se mostrado resistente
quanto a deixar o cargo, mesmo eu garantindo que ela teria um
fundo de garantia e um novo emprego. Eu tinha consideração por
ela, mas não iria contra a vontade de Isabella, principalmente
porque eu temia por Alessa.
— Peça para que entre.
— Nero… eu não quero ser invasiva. Sabe que tenho…
carinho por você. Mas eu nunca ouvi falar dessa garota e agora
você fala que vai se casar com ela…
— O que você está tentando me dizer?

— Que me preocupo com você. E essa garota… vocês só não


combinam! E você parece cego e obcecado por ela. Até me
dispensou e não adianta me dizer que não, sei que é por causa
dela. Como vai ser a vida de vocês? Ela vai te colocar em um pote
para não deixar você ter contato com ninguém?
— Você não tem nada com isso — falei tranquilamente, mas a
dor de cabeça voltou com tudo.
— É que só falta ela colocar uma coleira em você, e…
— Basta! Você está ultrapassando um limite, Alessa! Eu quero
que saia. Agora.
Magoada, ela deu um aceno e saiu. Suspirei, no fundo,
lamentando que as coisas chegassem a esse ponto. Alessa era um
pouco invasiva, mas nunca tinha percebido qualquer interesse a
mais, não depois que ela veio trabalhar comigo. Não queria que
fosse assim, mas tudo vinha com sacrifício.
Sempre soube que Isabella não era como as outras. Ela era
única. E foi justamente isso que me atraiu primeiramente, sua
singularidade. Sua escuridão sempre foi tão fascinante quanto o
resto dela.

— Nero.
Olhei para o homem de cabelos, olhos escuros, um pouco
acima do peso e mais velho. Por regra, ele deveria me chamar de
senhor, eu era o capitão dos capitães, caporegímes dos
caporegímes. Ele me devia respeito e obediência, mas Rafaelle era
de uma das famílias mais antigas e tradicionais da Cosa Nostra. A
maioria me respeitava pelo meu valor como soldado, mas alguns
tradicionais ainda tinham dificuldade para me aceitar. Sei que ele me
achava lixo, e que gostaria que seu filho, ou mesmo ele, estivesse
em minha posição.
— Rafaelle. — Apontei para a cadeira à minha frente, mas ele
se negou.
— O que vim dizer é breve. Aliás, eu só gostaria de confirmar.
A caçula Castelle. — Meus punhos se fecharam com a menção de
Isabella.
— Nosso noivado será ao final desse mês. Espere um convite.

Não deixei abertura para questionamentos, mas pude perceber


a veia em sua testa saltar e a mandíbula trincar. Naquele momento,
ele não pode mais disfarçar o seu ódio velado. Apoiou os punhos
em cima da minha mesa e deu vazão à sua raiva.
— Pessoas de origem duvidosa, como você, tem que fazer
isso, se provar a todo o momento. Se casar com a garota mais bem
relacionada da famiglia, no momento, é uma ótima jogada Nero,
mesmo ela sendo uma louca. Nada que um homem de verdade não
consiga resolver depois de colocar uma aliança em seu dedo. —
Senti a fúria me tomar e ele continuou: — Ocorre que meu Gabriel já
tinha falado com a moça. Mas ter honra é algo de sangue. De berço.
Algo duvidoso quando se refere a você, não é?
Levantei-me em um solavanco. Em meio minuto estava em
sua frente e minha arma em sua cabeça. Seus olhos se arregalaram
quando se deu conta de seu engano.
— Você se esquece, Rafaelle, com quem está falando. Guarde
as suas crenças para si mesmo, elas não vão mudar a realidade. —
Apertei ainda mais a arma em sua cabeça, enquanto, com outra
mão, o firmei pelo pescoço. — Eu mando. Você obedece. Você me
desrespeita novamente e a minha futura esposa e eu te mato.
Estamos entendidos?
Seu olhar era uma mistura de terror e ódio.
— Sim — ele sussurrou, e eu apertei ainda mais a minha mão
em seu pescoço.
— Sim, o quê?
— Sim, senhor. Me… desculpe. Eu me excedi.

O soltei com relutância, dando um empurrão final. Filho da


puta.
— E peça para seu filho ficar bem longe de Isabella. Se quiser
viver o suficiente para se tornar capitão.
Ele saiu, e eu fiquei frustrado. Alessa entrou nesse momento e
nem deu tempo de escutar o que quer que ela fosse dizer. Isabella
entrou em seguida. Hoje era o meu dia, definitivamente.
Ficamos os três em silêncio e eu não soube o que dizer por
alguns segundos. Isabella estava vestida de preto, dos pés à
cabeça, o cabelo loiro preso em um coque no alto, sabia que tinha
ido fazer um trabalho com Ethore. Alguns fios haviam escapado e
contornavam seu rosto. Ela e Ethore estavam se dando bem.
Isabella tinha os olhos em Alessa, como um animal olhava para sua
presa.
— Bem, eu só vim avisar que a sua reunião com os capitães
ficou para amanhã — Alessa disse e deu uma olhada desafiadora
para Bella. — Com licença.

Bella não respondeu, manteve o olhar na porta, pela qual


Alessa havia saído, e eu me apressei para onde ela estava. Só
para, no caso, precisar intervir. Enlacei sua cintura percebendo
então que Bella estava tensa, virada em direção à porta, sem
desviar os olhos. Eu passei a beijar o seu pescoço para tentar, em
vão, distraí-la.
— Eu não gosto dela. — Sua voz não deixava transparecer
nada. Eu sabia que ela estava instável por causa de seu corpo.
— Percebi.
— Achei que tínhamos um combinado — ela falou no mesmo
tom.
— Ela só está treinando a nova assistente.
— Duas semanas não foram suficientes? — Agora sua voz
tinha uma ponta de irritação.
— É a última semana.
Ela se virou para mim. Esperei que me beijasse, ou me
batesse, mas ela somente me afastou muito séria. Foi para a porta.
— Bella...
— Não vou matar ninguém— disse e saiu deixando o pânico
tomar conta de mim.

Fui atrás dela para vê-la já entrando na sala que Alessa


ocupava. Cheguei a tempo de vê-la já em cima de Alessa, que
estava deitada no chão, uma adaga quase em seus olhos.
— Isabella!
—… E a próxima vez em que me olhar com essa
superioridade, e vou arrancar seus olhos. A única ordem que eu
tenho é a de não te matar, mas acho que machucar um pouquinho
não terá problema. — A voz de Isabella era fria e cortante, Alessa
chorava baixinho.
— Isabella, não!
Eu ia me aproximar mais, mas, em uma velocidade
impressionante, ela já estava em pé e indo para a porta. Todo o meu
sangue parecia bombear em minha cabeça. A sorte é que não tinha
ninguém no corredor ou ela poderia estar seriamente encrencada. O
Vecchio era um empreendimento limpo. Meus funcionários não
sabiam dos meus negócios obscuros. Só Alessa.
Isabella passou por mim, parou na porta e falou, antes de sair,
com seu tom monótono e tedioso.
— Ele está no porão da boate norte, a ADORE. Eu te espero
no carro.
Ele, o russo que estava rondando nosso território. Olhei para
Alessa, que chorava copiosamente. Levantei-a verificando se havia
algum machucado.
— Essa garota é louca.
Ela não parecia machucada, somente assustada. Ajudei a se
levantar e olhei para a porta, por onde Isabella tinha saído.
Perguntei pela primeira vez, desde o acerto de nosso compromisso,
se me casar com ela era realmente uma boa ideia. Olhei para
Alessa, agora mais tranquila, e disse:
— Alessa, para o seu próprio bem, não desafie Isabella
novamente. Ela é uma executora da Cosa Nostra, não pense nem
por um momento que as ameaças dela são vazias. — Alessa tinha
os olhos arregalados e a boca um pouco aberta enquanto eu ia para
a porta. — E não a chame de louca novamente.
Cheguei ao carro e, antes de entrar, respirei fundo. Ela não
poderia continuar agindo sem pensar nas consequências. Se fosse
outro soldado, seria punido. Sentei-me ao lado do motorista e ela
olhava firmemente para frente, calculadamente silenciosa.
— Isabella, espero que seja a última vez que você ameace um
funcionário meu— falei o mais firme possível. Mesmo sabendo que
não adiantava porra nenhuma. Isabella não temia nada, e se temia,
ainda não sabíamos o que era. Uma pessoa que não teme nada é,
no mínimo, perigosa.
— Certo.
Aí estava o que tanto me frustrava, a sua submissão
enganosa. Ela faria novamente. Eu saí do carro, abri a porta do
passageiro, tirei-a de lá de uma forma rude, a encostei na porta
traseira, pouco me importando para os soldados que nos olhavam.
Encostei meu corpo no dela e falei em seu ouvido.
— Eu estou falando sério, garota. Você me desrespeita dessa
forma novamente e será punida como um soldado. Quer agir como
uma rebelde? Será disciplinada como tal.
Seus olhos brilharam. E, quando respondeu, foi com o tom tão
firme quanto o meu.
— Chegue perto dessa garota novamente e receberá os olhos
dela em uma caixa de presente. Um metro que seja, uma palavra
trocada, e você estará assinando a sentença de morte dela. Não me
importa se quem estará confirmando seus compromissos será você
mesmo, ela está fora. De um jeito ou de outro. — Sorriu insolente.
— Sua. Escolha.
Droga de garota frustrante. Olhar aquele rosto angelical
professando ameaças de morte me fez duro como pedra. Não
queria que ela tivesse esse poder sobre mim, mas ela tinha. Sua
personalidade me excitava. Sua loucura me fascinava. Beijei sua
boca insolente com dureza e ela correspondeu com a mesma
energia. Suas unhas se afundaram em meu peito e eu dei uma
mordida punitiva em seu lábio inferior. Quando a soltei, um filete de
sangue escorria e ela o lambeu com os olhos ferozes e excitados
em mim.
Ela era louca.
Minha louca.
E a minha melhor decisão.

— Por que está em nosso território? — perguntei para o russo,


amarrado em uma cadeira, enquanto Ethore estava ao meu lado e
Isabella, sentada na mesa em frente ao homem. Miúda, tornozelos
cruzados e balançando, parecendo uma colegial. Na aparência, o
oposto total do ambiente violento, hostil e sangrento. Mas era onde
ela pertencia.
— Esse território, em breve, será destruído— o homem
respondeu, um dente, faltando na frente; o rosto, inchado pelos
socos de Ethore, um forte sotaque russo.
Isabella me olhou de esguelha e eu dei-lhe sinal. Com um
suspiro feliz, ela desceu da mesa com um pulinho e, se
aproximando, rasgou a camisa do homem, já se ocupando de um
bisturi. Com perícia incrível, ela fez um corte em seu peito. Quem
era o mais perturbado era difícil saber; ela, por torturar com tanta
frieza, ou eu, por ficar excitado pelo seu nível de maldade.
— Shlyukha[25], shlyukha! — o homem gritou em um silvo
enquanto se contorcia de dor.
Minha cabeça deu uma pontada. Fiquei tonto, com memórias
vindas em minha mente em um amontoado, que precisei me
recostar na parede que havia atrás de mim. A tradução da palavra
sendo escancarada em minha mente, como se eu já houvesse
escutado ela. Imagens de um clube, um homem me puxando pelo
braço.

“— Vai chegar o seu tempo de se divertir com as shlyukha,


Prints! Por enquanto, você se contente em olhar.
— O pai dele vai te matar por trazê-lo aqui.
Então risos”.
— Senhor, senhor. Está tudo bem?
Olhei para Ethore, que me chamava de volta à realidade. Meu
corpo estava trêmulo. Isabella estava me olhando com olhos
assustados.

— Estou bem. Continue.


Ela ainda me olhou incerta para então recomeçar o trabalho.
Minhas batidas foram se normalizando enquanto olhava para ela
tomando uma respiração profunda. O mal-estar passou e eu foquei
em Isabella. Ela tinha calma, frieza e precisão em cada corte,
embora me desse um olhar a cada minuto. Cada unha tirada. Cada
dedo cortado. O homem finalmente cedeu quando ela lhe cortou
uma orelha.
— Dimitri quer a pequena vadia. Tem homens espalhados pelo
seu amado território, ele está de olho em cada passo, e só não
atacou diretamente porque tem um plano para levá-la. — Ele olhou
Isabella. — E eu espero que ele te leve e te faça sangrar, shlyukha.
Tirei minha arma e atirei na cabeça do homem com a menção
da palavra.
— Reforce a segurança das famílias. O imbecil está mais
próximo do que imaginamos.
Peguei Isabella pelo braço, toda encharcada de sangue, e
fizemos o percurso até a minha casa sem uma palavra, pouco me
importando com a situação do meu carro. Minha cabeça estava
confusa, dolorida e eu precisava de uma dose da loucura de
Isabella. Por que as pessoas falavam russo para mim? Era uma
memória? Eu poderia ser russo? Eu não queria pensar nisso no
momento, nem em tudo o que implicaria a resposta.
Subimos para minha cobertura e, assim que entramos, segurei
Bella junto ao meu corpo. Soltei seu cabelo em um movimento
brusco, logo os cachos sedosos grudaram em sua roupa úmida de
sangue. Pela penumbra do apartamento, iluminado pelo sol se
pondo e mais nada, ela retirou a blusa de manga longa lentamente.
Sua pupila dilatada de desejo. O sangue da camisa resvalou em seu
rosto. Ela apertou a blusa em seu abdômen e mais sangue estava
em seu corpo.
Era doentio.
Totalmente fodido.
E eu não me importava.

Sangue escorria enquanto ela desabotoava os botões da calça


escura. Logo, ela estava somente com um conjunto de lingerie, que
um dia foi branco, mas agora estava manchado de sangue.
— Por que branco? — perguntei roucamente.
— Porque eu gosto de como o sangue impregna no branco —
respondeu.
Eu me aproximei dela, colocando ambas as mãos em seu
abdômen. Ela levantou as mãos por baixo da minha camisa, e a
ajudei, retirando-a por cima, dando a ela uma visão das minhas
tatuagens e cicatrizes. Ela se aproximou e beijou meu peito,
desabotoando minha calça. Quando a mesma foi para o chão, eu
me apressei em tirar os sapatos, ficando só de cueca.
Enlacei Isabella pela cintura e a encostei na parede mais
próxima. Ela desabotoou o fecho da lingerie e, antes de se livrar, o
apertou entre as mãos, fazendo algumas gotas de sangue
escorrerem entre nós. Era sujo, insano, um pecado… mais um para
a nossa lista infinita.

Com o corpo manchado, nos unimos em um beijo profundo,


enquanto Isabella libertava toda a minha escuridão. Segurei seus
seios com uma das mãos e, com a outra, fui em direção ao sul,
sentindo sua suavidade e o quanto estava molhada. Ela se excitava
com o caos. Libertei meu pau e a penetrei em um movimento. Senti
que suas paredes me sufocavam e então passei a fodê-la ali
mesmo. Como um louco.
Ela segurou-me, fazendo-me sentir tudo em um nível máximo,
de uma só vez. Eu queria amá-la e puni-la na mesma intensidade.
Meus movimentos ficaram ainda mais frenéticos, a intensidade me
levando para aquele lugar onde só ela conseguia, aquele em que
me desligava de mim e perseguia um prazer que só ela foi capaz de
proporcionar. Segurei sua garganta e apertei. O movimento a fez
gozar fechando os olhos, suas unhas, afundadas em meu
antebraço. Gozei em seguida, sentindo sua ânsia em buscar o ar
enquanto minha porra a enchia. O ato perturbador nos levava a um
insano limite de prazer, tão intenso, que minhas pernas bambearam
e eu a soltei, sentando, trazendo-a comigo em meu colo.
Alguns segundos se passaram e, quando ela levantou a
cabeça em minha direção, me dando um sorriso genuinamente
satisfeito, uma onda de possessividade me tomou ao vê-la marcada
em todos os lugares por mim. A minha porra e o seu desejo por mim
umedecendo o meio de suas pernas. Minha boneca fodida. Suor,
sangue e caos. Éramos fodidamente perfeitos juntos.
Após um banho, ela colocou uma camisa minha e mandou
uma mensagem para a irmã. Giulia não gostou de saber que
estávamos juntos, tinha medo da reputação de Isabella perante a
nossa sociedade, mas fez vista grossa. Não é como se Isabella
estivesse pedindo permissão.
Eu fiz uma limpeza mais ou menos onde tínhamos fodido e fui
para a cozinha, preparar algo para nós. Fiz uma macarronada
enquanto esperava por ela e, nesse momento, meu celular tocou.
Meu movimento falhou um segundo antes de atender.

— Nero.
— Como está, Nero? — A voz de Antônia Rossi estava suave
e distante. Como sempre foi.
— Estou bem.
— Estava me perguntando quando você nos diria que irá se
casar com a filha de Enrico Castelle. Anthony chegou com a
novidade.
Suspirei antes de responder.

— Bom, estava esperando o momento oportuno. E ando


ocupado nos últimos dias.
Um silêncio desconfortável tomou conta de nós.
— Está precisando de algo? — perguntei por fim.
— Temos dinheiro suficiente, Nero. Eu só liguei para saber
como está. E para te felicitar pelo compromisso. — Após um
momento, ela acrescentou: — Você nasceu para ser grande.
Foi o mais perto de um elogio que minha mãe adotiva já me
deu. Ela não deu tempo para que eu respondesse e desligou. Um
nó tomou conta do meu peito, como toda vez que fazíamos contato.
Eu iria fazer uma visita para eles e, dessa vez, não sairia de lá sem
respostas. Agora, mais do que nunca, precisava saber sobre o meu
passado.
Fui distraído pela visão de Bella vindo em minha direção, ainda
com o telefone na mão. O cabelo estava molhado, nada da
assassina em seu jeito de menina. Ela levantou os olhos para mim e
sorriu. Eu sorri de volta, sentindo todo o meu interior se aquecer. Ela
se aproximou e eu beijei o topo de sua cabeça. Ela escondeu o
rosto em meu peito e ficou ali alguns segundos. Seus braços e
pescoço tinham marcas vermelhas. Marcas das minhas mãos.

— Você me diria se eu te machucasse, não é? — Eu tinha que


perguntar. Isabella era pequena, e eu tinha medo da forma como
perdia o controle com ela.
— Eu gosto. — Ela levantou os olhos e declarou: — Eu tenho
um defeito, Nero. Não sinto como as outras pessoas. Não tenho
empatia. Minha única base é a minha família de sangue. E agora
você. Quando me disse que não tinha retorno, estava certo, você é
meu. Nada vai mudar isso. Nada. Nem você.
— E nem você, boneca. Nem você— disse, beijando sua boca
rapidamente.
— As coisas que você me faz sentir, nunca senti com ninguém.
Eu não vou perder isso, não sem lutar.
A forma como ela dizia, era como se fosse possível que algo
acontecesse e pudesse nos separar. Como se soubesse de algo
que não sei. Afastei o pensamento, ciente do quanto Isabella não
era convencional. Ela tinha sua própria forma de ser.
Aconcheguei-a mais, agora divertido com toda a sua
possessividade.
— Eu também só sinto as coisas que sinto com você. E olha
que até sou capaz de sentir um pouco de empatia.
— Eu faria qualquer coisa para te proteger. Você é importante.

Para Isabella, era uma verdadeira declaração de amor. Eu


sabia que ela honraria essas palavras de forma literal.
— E eu a você.
Ela deu uma risadinha, ficando na ponta dos pés e beijando
meu queixo.
Naquela noite, nós fizemos amor, tranquilo e terno, sem toda a
loucura que nos rodeava, e dormimos nos braços um do outro. Foi
sereno como a calmaria que avisa uma tempestade.
Não foi até de madrugada que senti todo o meu chão ceder
sob meus pés. Tive certeza, então, de que não foram sonhos, foram
lembranças. Veio tão claramente, eu senti tão profundamente, que
não houve espaço para dúvidas.
Bóris Ivanov era um Pakhan justo, um marido atencioso e pai
amoroso. Lara Ivanov era uma mulher honrada e carinhosa.
Veronika e Natasha, duas garotinhas que detinham toda a atenção
ao seu redor.
“— Yuri, me balança mais alto. Mais alto, mais alto — A
sonoridade das risadas tomavam conta do ambiente.
— Cuidado com suas irmãs, Yuri. — uma voz melodiosa dizia
distante.
— Estou tomando cuidado, mãe. — respondia enquanto era
contagiado pela risada das garotinhas. Um olhar e vi o homem
passando o braço em volta do ombro da mulher, e ambos sorriam”.
As lembranças foram invadindo minha mente de uma só vez,
me vi tonto enquanto a persistente dor de cabeça voltava. Eu não
me lembrava como me levantei da cama, mas estava de joelho no
chão do meu quarto, ao mesmo tempo em que era capaz de sentir a
mulher de cabelos escuros e olhos azuis me abraçando e me
chamando de pequeno príncipe. Enquanto meu pai me dizia o
quanto o deixava orgulhoso.
Casa, objetos, cores, tudo tão vívido que senti a página da
minha vida, que até então era branca, sendo escrita de uma só vez
e sem interrupções. Uma sensação de falta de ar tomou conta dos
meus pulmões e senti meus olhos arderem. Eu estava chorando. Eu
sentia tudo, mas diferente de quando estava com Isabella, não era
tudo de uma forma boa. Era tudo de uma forma que me destruía.
Eu vi meu pai.
Minha mãe.
Minhas irmãs.
Eu era Yuri Ivanov.
Isabella Castelle
Acordei e logo senti a cama vazia. Nero estava sentado na
poltrona de frente à cama e tinha um olhar sombrio em seu rosto. Eu
sempre o sentia se mover na cama, mas estava muito cansada, a
noite tinha sido… deliciosamente demais. Contudo, o olhar que ele
estava me dando nesse momento era quase assustador. Uma
tortura, uma angústia estampada pelo seu rosto, seus olhos
cinzentos estavam carregados como o anúncio de uma tempestade.
Seu corpo inteiro tremia e seu rosto era pura agonia.
Sentei-me em um sobressalto. Algo não estava certo. Algo
estava muito, muito errado. Meu sinal já estava em alerta máximo e
eu olhei para os arredores, mas a cobertura de Nero era muito
segura. O que me fez voltar a ele e perceber que o problema era ele
mesmo. Aproximei-me devagar e toquei sua mão, que estava
trêmula e gelada.
— Nero…
Seu olhar continuou perdido. Comecei a ficar preocupada e
ajoelhei de frente a ele. Era como se ele estivesse sentindo dor.
Segurei seu rosto com ambas as mãos e beijei sua boca, tentando
trazê-lo de volta de onde quer que ele estivesse.
— Nero, por favor… olhe para mim.
Minha voz era um sussurro desesperado até mesmo para os
meus ouvidos. O abracei pelo pescoço por um tempo e ele começou
a tremer mais. Não sei quanto tempo passou até que ele parou de
tremer. Ele me segurou pelos ombros com firmeza, embora não me
machucasse. Quando olhei em seu rosto, o olhar era frio. O
semblante mais fechado do que já vi, mesmo quando o desafiei, ele
nunca me deu aquele olhar. Eu estremeci, não por medo dele,
porque sei que jamais me machucaria de verdade, fisicamente.
— Isabella, preciso que você me deixe sozinho.
— Nero, ainda é…

— Vá, Isabella. Eu vou te procurar. Eu quero que vá embora


agora.
Senti um vazio tão grande e tão diferente do vazio que me
acompanhava. Era como se um oco estivesse dentro de mim. Eu
me levantei, mas antes que eu saísse, ele segurou meu braço e
disse:
— Eu preciso lidar com… algumas coisas. — Sua voz estava
embargada e era mais suave. — Eu vou te procurar eu prometo.
— Me deixa ficar, me deixa te ajudar — apelei.
— Eu não estou pronto agora. — Ele me apertou junto ao seu
corpo. — Vou pedir para Alessandro te levar em casa. — Me soltou
e segurou meu rosto. Respiramos o mesmo ar, e ele sussurrou: —
Você é o que tenho de mais precioso na vida. Nunca se esqueça
disso.
Meu corpo inteiro estremeceu e eu apertei seus antebraços até
escutar uma batida na porta.
— Vou te esperar.
Nero Rossi
Olhei para a fachada da casa que fui criado. A casa que
abrigava as únicas memórias da minha infância, até o dia anterior.
Minha única referência de lar, até então. Bati na porta, fui recebido
por Antônia Rossi. A mulher que mentiu para mim e eu precisava
saber a troco de quê.
— Nero! Que surpresa, não te esperava. — Ela pareceu
visivelmente surpresa. A mulher de meia-idade, morena, de olhos
negros, baixa e um pouco acima do peso deu espaço para que eu
entrasse na casa modesta.
Percebi, então, que estava tremendo, meu coração aos saltos.
Precisava entender onde eles se encaixavam nessa história.
— Eu preciso falar com você e com… papai — respondi e ela
arregalou os olhos.
— Seu pai está no escritório. Está um pouco ocupado…
— Eu sei a verdade. Eu só quero saber o porquê.
Minha voz saiu cortante, eu tentava esconder toda a emoção
que transbordava dentro de mim. Antônia abriu ainda mais seus
olhos e empalideceu. Sentou-se no sofá em um baque e deu um
grito esganiçado.
— Francesco!
Ouvi a porta do escritório abrir e o homem, que me criou parte
da minha vida, entrar com a arma no punho. Quando me viu,
relaxou e baixou o braço, mas logo o alívio foi substituído pelo
alerta. Antônia chorava.
— O que está acontecendo? — ele perguntou e Antônia
levantou os olhos chorosos para ele.
— Ele sabe…

Antônia fechou os olhos. Não era necessário dizer sobre o que


ela estava falando.
— Como você soube? — Sua voz era baixa e tinha uma nota
de emoção desconhecida. Francesco sempre foi um homem firme,
um pouco indiferente, mas nunca foi cruel. Ele nunca me levantou a
mão, a não ser que fosse em meu treinamento.
— Não importa. Eu quero saber de tudo.
Antônia baixou os olhos e Francesco se sentou ao lado dela.
O nó em minha garganta estava quase me estrangulando, mas
mantive minha postura firme.
— Você chegou aqui com treze anos — ela começou e
finalmente me olhou nos olhos, com rosto abatido. — Enrico
Castelle o trouxe. Você estava machucado e assustado, não se
lembrava de quem era e, durante todos esses anos, o meu medo foi
que você se lembrasse.
— Por que aceitou ficar com um garoto que não conhecia?
— Uma vida por outra vida. Enrico salvou Francesco em uma
emboscada que sofreram anos atrás. Francesco lhe devia a vida.
Enrico cobrou — ela respondeu e então se pôs a chorar alto. — Eu
não soube ser uma mãe para você, Nero. Eu tentei, juro que tentei,
tentei te deixar o mais italiano possível e tirar qualquer indício de
sua verdadeira origem. Mas nem sempre tive sucesso.
Meus olhos queimavam, mas segurei firme, embora não me
atrevesse a mover um músculo que fosse. Eu estava congelado.
Escutar da boca da mulher que me criou tornava tudo muito mais
real. Eu não era italiano. E por mais que tudo sinalizasse para que
sim, eu ainda me vi fazendo a temida pergunta.
— Eu sou russo? — Minha voz estava embargada. Eu não
poderia chorar. Eu precisava ser forte. Ela me olhou, agora, com o
rosto endurecido. Francesco se aproximou e a abraçou no sofá.
— Sim. Eu sei que não foi sua culpa, per Dio, não sou uma
pessoa ruim. Todos os dias eu te via, sentia a sua grandeza, o
quanto se destacava em tudo. Mas ainda assim você era o inimigo.
Ainda assim, o inimigo que fomos ensinados a odiar desde o berço.
Eu tentei, Nero, tentei ser sua mãe. — Lágrimas escorriam de seu
rosto compulsivamente, enquanto as minhas ameaçavam rolar em
meu rosto. — Me perdoe por nunca ter conseguido te ver como um
filho.

Eu queria desmoronar. Eu perdi a minha família de sangue. A


única família, que me lembrei por grande parte da minha vida, me
criou por obrigação, por um sentido de dever. Não queria ser uma
vítima, mas a minha vontade era de desmoronar sobre a minha
merda. Eu fui fodido, mesmo antes de saber o que isso significava.
— Você não me deve nada. Eu é que te devo gratidão —
consegui dizer com firmeza.
Ela chorou mais, mas não vi em mim força para ampará-la.
Não existia esse laço entre nós. Não existia antes, não existiria
nunca. Eu fui em direção à porta, mas escutei Francesco.
— Nero, o que vai fazer?
— Vou atrás da minha história.
A casa de Enrico Castelle era uma bela mansão. Tinha um
estilo antigo, mas, logo na entrada, percebi que tinha uma
decoração moderna. Na lateral do hall, um quadro enorme
estampava a parede, a imagem das irmãs Castelle sorrindo. Toda a
minha atenção foi para a mais nova delas e mais uma vez meu
coração afundou no peito.
— Nero!
Olhei para o homem que, por muito tempo, escondeu a minha
verdadeira origem para o mundo e para mim mesmo. Eu queria
entender porque um sottocapo italiano esconderia um herdeiro
russo em seu próprio território. O que o moveu? A vida na máfia já
tinha me feito desacreditar de qualquer bondade humana, ainda
mais de um homem feito. Uma raposa velha.
— Por que me escondeu em seu território?
A surpresa no rosto de Enrico durou meio segundo. Logo, ficou
impenetrável, o rosto de um mafioso. O que eu deveria ter agora,
mas interiormente estava uma bagunça. Uma tempestade. Fechei
meus olhos com dureza. Eu não poderia desmontar agora, não
importa o que ele fosse me dizer. Eu precisava manter a minha
merda junta.
— Eu avisei a Bóris. — Dei-lhe toda a minha atenção. — Sabia
que havia uma conspiração, sabia que ele corria risco. Embora ele
fosse russo e eu italiano, considerava Bóris meu amigo. Quando se
convenceu de que havia realmente uma conspiração, ele me fez
prometer que salvaria seus filhos. Ele achou que teria tempo. Então,
em uma fatídica noite, a sua casa de infância foi incendiada, Adrik, o
mão direita de seu pai, estava trazendo você, Natasha e Veronika
para mim, eu os esconderia até que fosse seguro. Não contávamos
que o carro estivesse comprometido. Adrik soube antes que a
bomba detonasse que estava perdido. Por isso, te jogou do carro
em movimento. Eu o encontrei, minutos depois, jogado na beira da
estrada e, mais à frente, vi o carro em chamas. E eu te levei.
As imagens do incêndio, as meninas no banco de trás do carro
chorando… minhas irmãs. Agora mortas. Aquele oco interior, neste
momento, sendo povoado de lembranças dolorosas daquela fatídica
noite. Lágrimas e sangue. Morte. Mentiras. Uma teia de mentiras.
Reprimi a vontade de chorar com raiva. A raiva era a única capaz de
me manter de pé no momento.
— Talvez agora você não entenda, Yuri, mas prometi ao seu
pai que a linhagem dele não iria morrer.
Eu queria perguntar sobre o meu pai. Eu queria saber,
entender, escutar, mas a fúria insana de uma vida pautada no
controle tomou conta de mim e eu me vi sacando a arma e
apontando para o homem à minha frente. O homem que mentiu
para mim.
O homem que te salvou, uma voz dizia em meu íntimo.
Todavia, neste momento, não existia qualquer ação racional em
mim. Mesmo com a arma apontada para sua cabeça, o homem não
piscou.
— Por que nunca me contou?
— Tudo tem o seu tempo, Yuri.
— PARE DE ME CHAMAR ASSIM!

Enrico me olhou de um jeito que se assemelhou à pena e, se


possível, minha raiva ficou ainda mais inflamada. Escutei passos e
um grito. Alessandra Castelle tinha os olhos imensos e a mão na
boca, assustada, na entrada da sala.
— Se não me matar hoje, e um dia quiser conversar sobre
tudo, estarei aqui. Eu não vou dizer que coloquei a mim e a minha
família em risco para te proteger, não vou jogar nada para você,
porque o que fiz está feito. Eu tomei a decisão pensando nos riscos,
e não me arrependo. Seu pai foi um dos poucos homens que
chamei de amigo. Russo ou não, seu pai era um grande homem. Eu
fiz e faria tudo novamente. Agora, abaixe essa arma e vamos
conversar, ou saia da minha casa, pois você está assustando a
minha esposa.
Olhei novamente para Alessandra, que tinha lágrimas nos
olhos. Percebi que meus olhos também estavam úmidos. Abaixei a
arma e olhei para um porta-retratos em uma mesinha ao lado do
sofá. Isabella sorria, um sorriso aberto e feliz. Outra lembrança
tomou conta de mim.
“Meu pequeno Prints” — Uma voz cálida, um afago nos
cabelos.
“Não mime demais ele, Lara.” — Uma voz mais firme, porém
calorosa e risonha.
“Seja meu príncipe de verdade.” — Uma voz infantil. O rosto
de Isabella, criança.
Uma garotinha loirinha, com um laço enorme no topo da
cabeça, me pedindo para ser seu príncipe de verdade. Lágrimas
rolaram em meu rosto, mesmo que não quisesse. A pontada na
cabeça veio com força, mas muito maior foi a pontada em meu
peito. Dor visceral ao entender que a minha conexão com Isabella
vinha desde a minha outra vida. Mas a constatação não foi
suficiente para me tirar da névoa de fúria, ódio e confusão que
estava. Perguntei sem tirar os olhos da foto, a voz estranhamente
vulnerável.
— Todos sabem?
— Eduardo estava se preparando para te contar.
— Todos sabem? — perguntei mais firme, agora com os olhos
fixados em Enrico.
— Todos que importam.
Eu não precisava de mais nada. Eduardo, Giovanni, Isabella…
agora eu entendia tudo. Os olhares, os mistérios, algumas atitudes e
palavras de Isabella.
Todos sabiam.
— Não somos seus inimigos, Nero.
A maneira como Enrico me olhou foi quase cômica. Eu deveria
estar um desastre.
— Eu não tenho tanta certeza disso— disse e me virei.
Do caminho até o meu carro, todo o meu rosto estava molhado
sem que eu pudesse ter um mínimo controle sobre isso. Quando
entrei, dirigi sem destino definido.
Parei no acostamento de uma rodovia qualquer.

E então desmoronei.
Isabella Castelle
— Ele sabe!
As palavras de meu pai estrondavam o escritório de Eduardo.
Três dias. Há exatamente três dias, Nero havia sumido do mapa,
abandonando todas as suas funções com a famiglia e seus próprios
negócios. Ele abandonou tudo, inclusive eu. Ninguém me avisou
sobre o quanto uma dor emocional poderia ser cruel.

— Combinamos de contar a ele juntos. Agora ele está


totalmente transtornado, entrou na minha casa, na Filadélfia, me
ameaçou e esbravejou. Ele está perdido...
— Por que não o segurou lá? — Eduardo perguntou em seu
tom cortante.
— Porque não quero que nos veja como inimigos. Porque
prendê-lo só iria reforçar esse pensamento.
— Como ele soube? — Giovanni questionou, nenhum traço do
habitual sarcasmo em seu rosto.
— O pior é que Rafaelle Tommazzi estava em casa quando
Nero apareceu. É certo que agora toda a sociedade saiba que ele
não é italiano. Rafaelle queria me convencer a casar Isabella com
seu filho.

— Isso vai virar um inferno — Giovanni voltou a dizer.


— É por isso que estou aqui. Vou me responsabilizar pelo feito,
afinal, fui eu quem o escondeu.
— Pai, você não precisa fazer isso— Giulia disse em um pulo.
— Não sou um covarde. Eu fiquei em silêncio até agora porque
fiz uma promessa a um amigo. Que manteria seu filho a salvo pelo
tempo que pudesse, mas, acima de tudo, sou um homem feito. Eu
sabia o que esperar.

Quanto mais eles discutiam, mais meu peito pesava, porém


fiquei em silêncio. As coisas estavam ruins, muito ruins. Eu só
queria estar ao lado de Nero nesse momento, mas ele me afastou.
— Eu quero saber como ele soube! — Eduardo voltou a
questionar.
— Ele descobriu sozinho.
Minhas palavras calaram a todos. Eu tinha esse estranho dom,
o de desconcertar as pessoas com algumas palavras.
— Como, sozinho? — Eduardo perguntou, finalmente, quando
todos permaneceram calados.

— Ele teve um surto, três madrugadas atrás. As memórias


vieram de uma só vez.
— Merda! — Giovanni praguejou ficando de pé.
— Ele ficou… perdido — eu disse, olhando pela janela.
Uma movimentação na sala nos fez, todos, irmos em direção
às vozes alteradas. Meu coração deu um pulo ao ver Nero, os
cabelos selvagemente soltos, em total desalinho, olheiras, olhando
para todos nós como se fôssemos estranhos. Quando encarou meu
pai e Eduardo, levantou uma arma e a apontou para ambos.
— Não impediu a minha entrada na sua casa?
Eduardo também já tinha sua arma apontada para Nero, mas
suas palavras foram calmas.
— Não somos seus inimigos.
Nero deu risada sem humor.

— Não? E qual era o plano? Entregar-me para Dimitri? Alienar-


me para comprar essa guerra pela Cosa Nostra? Ou continuar me
mantendo como um segredo sujo?
— Nós não sabíamos até o seu acidente — Eduardo voltou a
responder. A voz de Eduardo era calma, mas sua postura, firme.
— E teve a porra de mais de um mês para me contar. — A
mandíbula de Nero estava trincada. — Todos vocês mentiram para
mim. — Olhou para mim. — Todos.
— Eu estava esperando você terminar de se recuperar. Por
ordem, minha ninguém te contou. — Eduardo voltou a dizer.
— Eu sei que você não se importa com ninguém, Don
Eduardo. Você só se importa com você mesmo. Eu fui leal, o
mínimo que esperava era o mesmo em troca. Você — ele apontou
para meu pai — você roubou a minha história.

— Eu te salvei — meu pai declarou. — Espero que um dia


reconheça.
Mais uma vez Nero riu.
— Agora entendo o quão conveniente era me casar com a sua
filha.
Escutei um arfar angustiado, até entender que quem o deu fui
eu mesma. Nero desviou os olhos para mim e vi um lampejo de
remorso. Então era nisso que ele acreditava?
— Eu iria te deixar casar com a minha cunhada, apesar de
você ser um fodido russo— Eduardo voltou a dizer, agora a voz já
não tinha a suavidade de antes. — Abaixe essa arma, Nero. Vamos
conversar sem toda essa violência, porque você está na minha casa
de família, onde estão também duas crianças. Apesar de não
querer, não pensarei duas vezes antes de atirar se colocar qualquer
um aqui em risco.
Nero abaixou a arma lentamente, mas balançou a cabeça em
negativo. O rosto torcido em desgosto.
— Eu dispenso qualquer conversa. — Virou-se em minha
direção. — E também não estou desistindo desse casamento. —
Deu um sorriso estranho. — No fim das contas, o nosso objetivo é o
mesmo, acabar com Dimitri. E que melhor forma de selar isso que
não seja através de um casamento político? Vamos seguir o roteiro.

A forma como ele jogava as palavras era muito semelhante a


cada adaga que eu acertava meus alvos. Mas agora o alvo era eu.
Era debochado e irônico, de uma forma dolorosa.
Antes de virar as costas, Nero deu uma última olhada em
minha direção. Eu estava muda e presa em torno da quantidade de
emoções que me inundava. A conversa voltou a fluir, Giovanni deu a
ordem para que ninguém fosse atrás dele, nem o contivesse, e foi
atrás de Nero ele mesmo. Oficialmente juntos, emocionalmente
separados.
Ele estava irritado, mas mais que isso, ele estava sofrendo.
Pela primeira vez, eu queria ir lá e gritar com ele. E então abraçá-lo.
Pela primeira vez, entendi o significado de empatia, embora a minha
fosse bem seletiva. Então, era assim ser tomado por emoções?
Porque era uma merda.
Fui para o meu quarto em uma tentativa vã de me controlar. Eu
não chorava, mas algo em meu peito parecia explodir a qualquer
momento. Eu estava ficando instável em um nível totalmente novo.
Eu precisava de algo, fazer algo, falar… Atrás de mim, escutei o
rangido da porta e a voz de Milena.
— Bella…
— Me deixa sozinha, Milena — disse instável.
— Só quero te pedir para ter paciência, eu já estive em uma
situação sob pressão e meti os pés pelas mãos.

— Não farei nada. — Parei de andar de um lado para outro e


olhei em seus olhos. Milena estava um pouco assustada e, droga,
eu deveria realmente estar assustadora, porque ela era uma das
pessoas mais corajosas que eu conhecia.
— Ele é louco por você, ainda esteja querendo fazer com que
pareça que é só mais um casamento de conveniência.
— Não importa. Eu preciso ficar sozinha.
— Quer que eu chame Lillian?
— NÃO! EU NÃO PRECISO DA PORRA DA PSICÓLOGA, EU
PRECISO FICAR SOZINHA!
Milena puxou uma respiração aguda, mas, diferente do que eu
esperava, ela se aproximou, beijou o topo da minha cabeça, se
afastando em seguida, deixando meu corpo queimando em fúria.
Antes de sair, ela disse apenas:
— Não faça nenhuma besteira, maninha. Não sou a melhor
pessoa para dizer isso, mas não faça nada nesse estado.
Eu queria arranjar uma forma de fazer sair todo esse tormento
de dentro de mim. Mal a escutei sair do quarto. Eu não estava bem.
Eu precisava falar com ele. Eu iria falar com ele, não importa o quão
imprudente parecesse nesse momento.
Tomei um banho, colocando um vestido max longo, branco e
um cardigã rosa, peguei um carro e fui em direção a sua cobertura.
Ele estava sofrendo e eu queria passar por isso com ele, ou que ele
me dissesse abertamente que não éramos mais nada. Um casal de
conveniência, eu não seria. Se já não houvesse conexão, eu o
mandaria a merda.
Cheguei ao seu condomínio, surpresa por ainda ter acesso
livre, e, quando cheguei ao hall de entrada… tive a visão que
quebrou meu coração em mil pedacinhos. Ali, no hall, Alessa
abraçava Nero. O rosto encostado no peito que era meu,
consolando-o quando era eu quem deveria estar ali. Estaquei no
lugar, perdendo o controle dos meus movimentos. A garota me viu
e, novamente, me desafiou com os olhos. Esperei a vontade de
matá-la tomar conta de mim, mas não senti… nada.
Nada.
Só o vazio.
A velha sensação de instabilidade tomou conta de mim. Um
coração quebrado. Eu quase ri, porque, no fim das contas, eu era
humana. O que era um coração quebrado? O que era descobrir que
existe um coração transbordando dentro de mim só para me dar
conta de que ele não me pertencia? Não. Não me pertence. É dele,
sempre foi. E agora eu conhecia a sensação de estar vulnerável,
estar à mercê do outro, dar poder sobre si a outro. E mesmo sob
toda a dor, arrependimento era o último que me vinha à mente.
De repente, eu precisava de ar, precisava de algo que não
sabia nomear. Precisava lidar com toda a merda louca dentro da
minha cabeça. Sabia que Enzo havia me seguido, então resolvi sair
pelo estacionamento dos fundos. Andei pelas ruas sem uma direção
definida. O vazio estava de volta, mas, com ele, uma dor infinita,
pois agora eu sabia como era ter algo ali e de repente não ter mais.
Nero estava com Alessa. Alessa estava com Nero. Ele não me
deu uma chance. Ele me renegou sem ao menos me ouvir. Um
carro buzinou e eu me dei conta de que estava no meio da rua. Fui
para a calçada e me escorei em um poste, fechando os olhos.
Transtornada, magoada, até sentir meus olhos úmidos. Eu queria
chorar. Não, eu estava chorando, literalmente chorando. Passei as
mãos em meus olhos, fascinada e destruída, a dualidade que me
seguia em tudo. Olhei para minhas mãos enquanto meus olhos
transbordavam como uma cachoeira, e ainda assim eu sorri.
Eu estava quebrada, tão quebrada, e eu ria, porque entendi,
finalmente entendi: Eu não estava quebrada antes. Doía, não tinha
palavras para mensurar a dor, mas eu estava lívida, porque sentia,
eu amava. O que poderia ser o amor, senão dar a outro o poder de
te destruir? De te fazer acreditar e desacreditar, sucumbir a uma
escuridão mesmo depois de você já ter visto a luz? Eu amava Nero,
ele me mostrou a luz. Mas eu não ficaria com ele, não. Porque
agora que eu tinha visto a luz, eu não aceitaria menos que tudo.
Em meio à minha névoa de desespero e confusão, não vi um
carro se aproximar, três homens desceram, um forte sotaque russo
ressoou e tudo começou a escurecer. Meus últimos segundos de
lucidez me fizeram fazer uma promessa interna: Dimitri, em breve,
saberia que estava levando o próprio demônio para a sua cova. Um
demônio motivado pelo desejo de vingança.
Nero Rossi/ Yuri Ivanov
Todos sabiam.
Todos eles sabiam e não foram capazes de me contar.
Ela sabia.
Olhei para o meu apartamento, escuro e vazio, uma projeção
do meu interior. De repente, eu não era mais um homem fadado a
uma vida sem emoção. Eu tinha um bom status, dinheiro, poder,
uma mulher única e incrível para chamar de minha… então eu não
tinha nada. E descubro que não era a primeira vez que tudo era
tirado de mim. Tomei mais um pouco do meu uísque e olhei o sol
nascendo.
Eu me sentia traído. Devastado. Mas, principalmente, porque
toda a minha história me colocava no lado mais oposto de Isabella.
Quanto esse mundo poderia ser irônico? Quão mais improvável
poderia ser o nosso envolvimento? Mas eu não abriria mão dela.
Mesmo com toda a mágoa, eu merecia ter algo de bom na vida.
Isabella era o meu bom. Louca, instável e minha.
Olhei para o meu celular e tinha inúmeras ligações de Giovanni
e Eduardo. Algumas mensagens dizendo que precisava de minha
atenção urgentemente. Ignorei todas elas. Precisava de tempo, de
russos e italianos, apenas eu mesmo. Após algumas horas em que
eu curtia a minha miséria, o interfone tocou.
— Senhor, Giovanni Maceratta está aqui. Como o senhor deu
ordens expressas para que…
— Nero, me deixe entrar. É sobre Isabella.
Meu interior inteiro congelou.
Isabella, não Annabelle.
— Passe para Ravi. — Assim que escutei o porteiro, disse: —
Permita que ele suba.
Uma ansiedade tomou conta de mim, e a repulsa de ouvir
qualquer um deles foi substituída pela demora que Giovanni estava
tendo para subir. Quando finalmente bateu na porta, um pouco da
minha névoa bêbada já tinha se dissipado.
— O que aconteceu?
Giovanni estava sério, e Giovanni sério nunca foi prelúdio de
algo bom.
— Isabella. — Seu tom era sombrio.
— O que tem?
— Ela escapou de Enzo. Ela veio te ver assim que você saiu
da mansão. Só que ela não voltou.
Respirei fundo, sentindo que meu corpo poderia ceder e cair
no chão. Ela também poderia apenas estar sumida para dar um
tempo, não seria a primeira vez, e embora isso me irritasse como
nunca, esperava que fosse isso. Ou poderia ter sido levada por
Dimitri. A possibilidade de que ele tivesse posto as mãos nela me
levava ao limite. Lá estava, um fodido Nikolai, tomando meu mundo.
Mais uma vez.
— Ela veio atrás de mim?
— Sim, não muitos minutos depois que você saiu.
Depois de dirigir sem destino por alguns minutos, cheguei e
Alessa me aguardava no hall. Não fiquei muito tempo com ela, a
dispensei quando se ofereceu para subir e me fazer companhia e
subi para curtir o meu inferno pessoal. Foi quando me ocorreu que
ela poderia ter me visto com Alessa… e interpretado errado. Uma
onda de fúria me tomou e eu joguei a garrafa de uísque na parede.
— Eu preciso que você se acalme, Nero. Porque o pior vem
agora — E Giovanni disse as palavras mais temidas por mim em
mais de um ano: — Dimitri a tem.
Pela segunda vez, em uma semana, perco o chão de meus
pés. Dimitri, sádico, psicopata e obcecado Dimitri, a tinha. Por minha
culpa, por um erro meu. Se Bella me viu com Alessa e não externou
sua violência, se Bella conteve seu impulso, ele deveria tê-la
consumido por dentro. Ela virou um alvo fácil. Por minha culpa.
A culpa foi o último prego em meu caixão. Se eu perdesse
Isabella, depois de tudo o que perdi e perdi sucessivamente,
definitivamente eu teria perdido tudo. Eu me dei conta então de que
se tivesse Isabella, não importava o resto.
Ela sabia, e mesmo sem poder dizer abertamente, ela tinha
confiado que ficaríamos juntos. Ela me fez prometer que nada nos
separaria. Agora eu corria o risco de perdê-la para sempre e a
percepção fez meus olhos queimarem. Giovanni se aproximou.
— Nero, você é a chave para acabar com essa guerra insana.
Você não consegue ver? Nero... — Olhei para Giovanni, um
estranho e um amigo, talvez o único em tanto tempo que não me
lembrava de algum dia ter sido diferente —, no dia em que eu estive
no inferno, você esteve comigo. Não me importa se você é russo ou
italiano, se é Yuri ou Nero, passarei pelo inferno com você.
Ele segurou o meu ombro com uma mão e, com a outra, deu
um tapa em meu peito. Segurei seu antebraço e disse com toda a
convicção que conseguia reunir, mesmo engasgando com toda a
dor dos últimos dias.
— Então, vamos. Tenho que resgatar minha mulher e meu
trono.
Entrei na ADORE, boate pertencente a famiglia. De alguma
forma, agora tudo parecia diferente. E era. Eu não era mais Nero
Rossi, capitão-mor da Cosa Nostra. Eu era um príncipe injustamente
destronado, que precisava encontrar nos “inimigos”, aliados, para
retomar o que era meu por direito. Mas, mais que isso, eu era um
homem apaixonado, que precisava, principalmente, resgatar a
mulher que ama do demônio.
Já se passaram 24 h desde a última vez que viram Isabella.
Tanta coisa poderia estar acontecendo. Tanta coisa. Eu sabia que
ela seria capaz de se cuidar e, embora manter minha postura na
frente dos Chefes, agora sendo um deles, estivesse se tornando
quase impossível, foi também por ela que me mantive forte.
Mentalizava que ela iria saber levar a situação até que pudéssemos
salvá-la. Dimitri era obcecado demais para matá-la. Machucá-la...
Na sala de reunião, estavam Storm e Shield, Prez e VP dos
Devils Dragons MC, Aleksander Dardan, e Vicenzo Capello, chefe
de Chicago Darkness. A máfia de Chicago é derivada da italiana,
mas há muitos anos cortaram os laços com a Cosa Nostra, por
conta do tradicionalismo. Chicago Darkness é uma organização
criminosa baseada somente em dinheiro e lealdade, independente
da origem de nascimento. Enquanto, na Cosa Nostra, houve
resistência para que me colocassem em um cargo alto por conta da
minha origem duvidosa, mesmo que, para todos, eu fosse italiano,
em Chicago, os homens eram avaliados unicamente pela sua
capacidade e lealdade. Vicenzo era um recluso, quase nunca saia
de seu território. Não fazia alianças, não arrumava conflitos. Vicenzo
também era conhecido como Olhos Mortos, e também sofreu alguns
ataques da Bratva, inclusive o sequestro, estupro e morte de sua
irmã de quinze anos. Ainda que a Bratva fosse maior, mais
poderosa, e tivesse um território vasto, Dimitri era louco e fez
inimigos a troco de nada. Por pura arrogância. A ideia era que todos
indiretamente me apoiassem na reconquista do meu lugar, o que, de
certa forma, intimidaria os mais conservadores da Cosa Nostra.
Raffaelle Tommazzi foi o primeiro a tomar a palavra quando
todos se sentaram. Eu sabia que ele não perderia a oportunidade de
tentar se colocar.
— Eu ainda não entendi a necessidade de chamar todos os
Chefes. A Cosa Nostra é perfeitamente capaz de salvar os seus. O
que precisamos resolver é um assunto interno: a traição de Enrico
Castelle. Ele escondeu um inimigo russo no nosso meio. A filha
deveria ser deixada onde está como punição divina, e ele deveria
ser morto assim como o inimigo, que se escondeu embaixo do
nosso nariz.
Não consegui segurar minha explosão. Tudo era demais, eu
me levantei em súbito e o segurei pela gola da camisa.
— Eu vou matar você, seu infeliz! Eu deveria ter te matado
naquele dia que me procurou! Fale de Isabella novamente e eu
acabo com toda a sua família.
— Você não é ninguém! — Seu rosto estava contorcido de
ódio.
Eu acertei um golpe em seu rosto com força o suficiente para
ele cair para trás, cuspindo um dente.
— Hoje eu sei quem eu sou! — Senti meu corpo sendo puxado
por Giovanni e olhei para todos, que acompanhavam com atenção.
Eu não deveria demonstrar o quanto Isabella era importante para
mim, regra básica de proteção, mas, naquele momento, não
conseguia me importar o mínimo. Qualquer um ali poderia se tornar
um inimigo. A grandeza de ser o líder de uma das máfias mais
poderosas do mundo nos EUA ainda não tinha sido digerida, mas a
falta de Isabella e o medo de perdê-la e, principalmente, a culpa,
estavam me matando por dentro.
— Enrico Castelle deve ser morto por traição! — Raffaelle
ainda esbravejou antes de ser tirado da reunião.
Todos os olhos pousaram em Enrico Castelle. Ele não moveu
um músculo, um homem que estava disposto a pagar com a vida
pela sua decisão. Pela primeira vez, vi Enrico Castelle por um
prisma diferente: ele colocou em risco a sua família e a si mesmo
para salvar um garoto por quem não tinha nenhum vínculo. Ele fez
isso pelo homem que considerava seu amigo. É a única porta para o
meu passado. O único que me viu em minha totalidade. Esse
homem poderia morrer. O pai de Isabella, a mulher que tem meu
coração nas mãos. Enrico se colocou de pé e começou a falar:
— Antes de tudo, gostaria de dizer que enquanto a família
Ivanov estava no poder, vivíamos em paz. Meu território faz fronteira
com o território da Bratva e isso me aproximou de Bóris. Ele salvou
minha vida uma vez e, sendo o homem de honra que sou, salvei a
vida de seu herdeiro. Estou conformado com a pena que decidirem
e, acima de tudo, estou em paz.
O homem dizia serenamente, e nada em sua linguagem
corporal dizia que ele estava se entregando para uma punição. Sua
aura de poder e dignidade, até na morte. Eu o admirei ali. Mesmo
sob toda a raiva, eu o admirei.
— Meu único pedido é pela minha filha. — Meu coração se
apertou com a menção de Isabella. Cada segundo era uma tortura.
Cada segundo sem saber nada sobre ela. — Apesar de tudo, ela
pertence a Cosa Nostra, mais que isso, ela é um membro ativo
dentro da nossa organização. Ela merece ser salva.
Houve um burburinho. Os sottocapos das principais famiglias
da Cosa Nostra conversavam entre si, até Antônio Ferrari, sottocapo
da Nova Inglaterra se levantar.
— Resolvemos ir por votação e, em unanimidade,
preservarmos a vida de Enrico Castelle e o manteremos liderando a
Filadélfia. Embora ele tenha escondido uma informação importante
de todos, hoje temos uma vantagem contra a Bratva, graças a esse
segredo. Todavia, uma mentira, por mais bem intencionada, ainda é
uma mentira. Com isso, votamos por le ciglia. [26]
Chibatadas. Uma para cada Chefe. Ainda era melhor que a
morte. Eduardo olhou para Enrico, que concordou silenciosamente,
ele teria o seu castigo. Raffaelle Tommazzi entrou para escutar a
pena de Enrico Castelle. O olhar de Tommazzi era assassino e eu
poderia ver o quanto ele não concordava com a punição, mas a
palavra final era do Conselho.
— Le ciglia, então. Yuri Ivanov é o verdadeiro herdeiro da
Bratva, e vamos ser o seu apoio na reconquista de seu lugar. A
aliança se dará por casamento, uma vez que o mesmo já estava
noivo de Isabella Castelle.
— Isso é um golpe! Como podemos saber que todos vocês já
não sabiam disso? — esbravejou Tommazzi descontrolado e foi por
muito pouco que não o matei.
— Está colocando a minha lealdade em risco, Tommazzi?
Cuidado com suas próximas palavras — Eduardo soou cortante e
Tommazzi se encolheu, sem precisar levantar o tom de voz.
— Não é isso, Don.
— Que aliança melhor que podemos ter que não seja um
casamento? — Eduardo levantou-se e passou a falar com todos os
presentes na sala. — Isabella Castelle pertence a elite da Cosa
Nostra, é a filha de um Chefe, e Yuri é o verdadeiro Pakhan. Melhor
aliança, impossível. E essa decisão não está aberta a discussão,
além de Don, eu sou parente dela. Os Chefes das outras regiões
estão presentes porque Dimitri Nikolai tem contas a acertar com
cada um. Vamos derrubá-lo de seu trono e colocar o verdadeiro
herdeiro em seu lugar de direito.
— De qualquer forma, nem sabemos se ela escapará com vida
— Raffaelle disse e, antes que eu pensasse em lhe arrancar mais
um dente, um tiro ressoou acima de sua cabeça.
— A próxima bala vai ser no seu crânio — falou Milena,
entrando na sala de reunião, arma no punho, acompanhada de
Giulia. Ambas estavam tensas e Milena parecia ter chorado.
Raffaelle ficou sem palavras e Giovanni abriu um sorriso zombador
se levantando e indo de encontro à mulher.
— Yuri tem o apoio da máfia irlandesa — Aleksander declarou,
chamando toda a atenção para si.
— Contem com Chicago nessa batalha — afirmou Vicenzo,
seus olhos escuros agora pousados em mim. — Meu pai conheceu
Bóris Ivanov e o descreveu como um grande homem. Vai ser um
prazer acabar com os Nikolai, principalmente depois do que ele
causou a minha família.
— E com os Devils Dragons. Nós reconheceremos você como
sendo o verdadeiro Pakhan — anunciou Storm.
Já havíamos conversado antes com todos eles. Não era fácil
colocar todos em um ambiente e não sermos sufocados pela
grandeza do ego de cada um. Mas reconheci que minha família, a
verdadeira, era respeitada, e que Dimitri Nikolai tinha feito muitos
inimigos. Foi um alívio saber que eu não lutaria nessa guerra
sozinho.
— Há algum plano? — Aleksander perguntou. Antes que
qualquer um respondesse, Giulia, que agora estava ao lado de
Eduardo, soltou as palavras que me roubaram o ar.
— Isabella fez contato.
Isabella Castelle
Despertei, contudo, mantive meus olhos fechados. Tentando
me dar conta da situação. Eu estava deitada em uma superfície
macia, braços livres. Sem sinal de amarras, apesar da dor de
cabeça, não sentia que havia sido machucada. Aprimorei minha
audição para ver se conseguia escutar alguma respiração, passos,
qualquer indício de que havia alguém no cômodo comigo.

Nada.
Ainda de olhos fechados, tentei me situar sobre o que tinha
acontecido. Eu estava na rua, depois de ver Alessa abraçada a
Nero, e então baixei a guarda. Os russos me tinham. Dimitri me
tinha. Eu precisava ser esperta. Há quanto tempo eu estava aqui?
Embora eu não estivesse machucada ainda, sentia meu corpo um
pouco lento para responder. Drogaram-me.
Quando tive a certeza de que estava sozinha no cômodo, abri
os olhos. O quarto era totalmente branco, limpo e arejado e, na
penteadeira ao lado, havia um porta-retratos. Uma foto minha.
Sentei-me na ponta da cama e forcei minha vista para a porta, que
não tinha trinco.
Ótimo.
Provavelmente só conseguiria abrir por uma digital ou senha.
Com passos instáveis, fui em direção a uma porta que dava em um
closet, onde estavam muitas roupas, sapatos e acessórios. Todos
eram meu número.
Se eu fosse uma garotinha, estaria assustada pra caramba. Eu
deveria estar assustada. Dimitri fez esse quarto como se tivesse
certeza de que eu estaria aqui um dia. Escutei passos, um sinal na
porta, e então ela abriu, mas eu permanecia no mesmo lugar. Por
ela, entraram três mulheres.
Uma delas era um pouco mais alta que eu, olhos azuis e
cabelos loiros, diferentes do meu, era um loiro branco, pálido. Ela
tinha um sorriso perverso. As outras duas estavam em posição de
alerta, provavelmente faziam parte da segurança da loira.

— Finalmente —disse com uma voz suave e um sorriso


brilhante —, sou Irina Nikolai. — Ela se aproximou de mim, que
estava em pé na entrada do closet,[27] e passou a andar ao meu
redor, certamente tentando me intimidar. — Realmente, não sabia o
que esperar, mas agora que está em minha frente — parou em
minha frente e me olhou nos olhos. Não precisei de muito para
perceber que essa garota, Irina Nikolai me odiava —, esperava mais
do que uma colegial de rostinho doce.
Eu segurei o olhar firme dela, o que deve ter sido ultrajante,
pois ela me acertou um tapa no rosto. Sem transparecer qualquer
sentimento, virei meus olhos para ela com a mesma expressão de
antes. Ela se irritou e virou para as mulheres.
— Acabem com ela. Só não a mate… ainda.
Meu corpo não estava respondendo, então só fui capaz de me
defender dos primeiros golpes. O fato de serem duas não foi o
problema. Eu estar drogada, sim. Logo, ambas as mulheres
estavam acertando minhas costelas, abdômen, meu rosto, e eu fugi
para aquele lugar em minha mente, onde nada poderia me alcançar.
Escutei quando ambas saíram do cômodo, me lançando um
xingamento russo. Senti que perdi a consciência e voltei a ela algum
tempo depois. Quanto tempo passou, não saberia dizer. Já não
estava sonolenta, porém meu corpo doía em todos os lugares.
Levantei-me e fui em direção ao banheiro, minha boca estava seca
como um deserto. Liguei a torneira e saciei um pouco da minha
sede, mesmo de maneira desajeitada. Com a sede saciada, mirei
meu reflexo no espelho. Eu tinha hematomas por todo o corpo. Não
era a primeira vez e provavelmente não seria a última.
Eu precisava isolar a dor e pensar em um plano. Eu precisava,
antes de tudo, saber qual o objetivo de Dimitri Nikolai comigo.
Espancar-me até a morte? Fazer joguinho psicológico, abusar de
mim e então me matar? Eu precisava saber. E, então, ganhar
tempo. E avisar minha família.
Um bip na porta e ela foi aberta. Eu me mantive no lugar,
esperando. Atrás de mim, no espelho, encontrei, depois de muito
tempo, os olhos loucos de Dimitri. Seu cabelo negro esvoaçava ao
redor de seu rosto desprovido de qualquer sentido. Vestido todo de
preto, uma aura de obscuridade ao seu redor. Mas eu não sentia
nada. Seu olhar foi para o meu corpo, eu ainda tinha o vestido que
saí de casa. Ele estava sujo de sangue, meu rosto estava inchado e
era muito provável que eu tivesse quebrado uma costela.

— Moya lyubov[28].
Eu não fazia ideia do que isso significava, mas continuei
parada, olhando para sua figura através do espelho. Ele pareceu
incomodado em me ver daquela forma. Aproximou-se, ficando atrás
de mim, mesmo não me tocando. Eu deveria estar aterrorizada por
esse homem que já tinha me deixado uma cicatriz. Eu deveria estar
gritando e implorando por misericórdia, mas eu não implorava. Se o
que sobrasse fossem apenas meu orgulho e dignidade, eu iria para
o túmulo com eles.
— Preciosa… minha irmã, pelo jeito, veio te dar as boas-
vindas. Eu não gostaria que fosse assim, agora nossos planos terão
que esperar.
Ele pareceu irritado. Não sabia o que esperar dele, muito
menos quando tomou minhas mãos calmamente, e me virou
delicadamente de frente a ele.
— Peço desculpas pelo comportamento rude de minha irmã.
Isso não voltará a acontecer.
Eu continuei em silêncio. Ele me olhou por alguns segundos,
então começou a rir, uma risada insana, os olhos quase
perturbadores.

— Não vai me falar nada? Não sentiu saudades?


Eu continuei calada, apenas sustentando o seu olhar. A fúria,
então, substituiu todo o calor de antes. Ele me segurou pelos
ombros e me aproximou de seu corpo, rudemente. Não era alto
como Nero, mas ainda era alto, muito mais do que eu. Quase soltei
um gemido de dor, mas o reprimi. Ele não teria nada de mim.
— Não está curiosa para saber que planos teremos que adiar?
— Seus olhos eram puro ódio. Ele era louco. — Você é a minha
outra metade, Isabella. Minha alma gêmea distorcida. — Passou os
braços em minha volta e disse com a boca em meu ouvido: — Você
agora é inteiramente minha, somente minha, eu vou fazer o que
quiser com você. Será a rainha de tudo isso, será a minha esposa.
Hoje seria o nosso noivado, mas não te darei a desonra de ser
apresentada a sua nova família assim, nesse estado.
Eu congelei com suas palavras ainda mais. Casamento? Eu
não poderia, eu jamais… mesmo internamente estando em pânico,
não dei a ele o prazer de saber. Continuei com a mesma expressão.
Ele não teria nada.
Ele me soltou parecendo retomar o controle sobre si mesmo.
Olhou-me mais alguns segundos com um fascínio doentio, e então
riu, gargalhou.
— Eu já disse isso uma vez, lyubov[29]. Eu vou amar cada
passo do caminho até quebrar você. Teremos a vida inteira para
isso. — Então antes de sair, ele se virou e concluiu:
— Tome um banho e descanse, lyubov. Pedirei para que te
deixem alguns analgésicos.
Quando escutei o clique da porta e o bip, suspirei frustrada.
Ele queria se casar comigo. Eu estava machucada, ótimo, poderia
usar isso ao meu favor. Primeiro, precisava contatar minha família.
Não era só me resgatar, era dizimar os Nikolai. Fui até a janela, me
dando conta de que estava em uma fortaleza no meio do nada. Até
onde minha vista alcançava, não via qualquer sinal de civilização.
Escutei os bips na porta, alguém digitando uma senha e, se
escutasse algumas vezes, eu poderia tentar.

Uma mulher, com rosto severo e um tipo horrível de uniforme,


entrou, deixou uma bandeja com um sanduíche e suco de alguma
coisa e me olhou como se eu fosse uma barata. Dei-me conta de
que estava com fome, mas não dava para confiar em qualquer coisa
que Dimitri me oferecesse. Envenenado, não estaria, mas poderia
ter alguma substância e eu precisava ficar alerta.
Quando a mulher se virou, eu me lancei sobre ela em uma
mata-leão, mesmo todo o meu corpo protestando de dor. Ela se
debateu por alguns segundos e então parou. Quando senti seu
corpo ceder, antes de deixar seu tronco cair no chão, reunindo
minhas últimas forças, torci o seu pescoço até escutar o estalo. Uma
morte limpa. A deitei no tapete e passei a tatear seu corpo.
Um celular.
Sem pensar duas vezes, olhei para os arredores, procurando
por alguma câmera, nenhuma estava visível. Fui para o banheiro e
digitei o número de Milena, o coração aos saltos. Um toque. Dois.
— Olá — ela respondeu com sua voz quase arrogante, e se
fosse em outra situação, eu teria rido.
— Milena, é Isabella.
Silêncio.
— Oh, meu Deus, Bella, onde você está? Está tudo bem? —
Sua voz era quase desesperada

— Calma. Não tenho muito tempo. Dimitri me tem, preste


atenção, preciso que preste muita atenção.
— Me fale onde você está — disse com firmeza.
— Na fortaleza de Dimitri. — Ela soltou um som estrangulado.
— Já estamos arrumando uma forma de resgatar você. Todos
os chefes estão reunidos e vão apoiar Nero. Deus, você está viva.
Nero.

Meu coração apertou e, com ele, meus olhos.


— Ele está destruído, Bella. — Não poderia me permitir
enlouquecer agora.
— Não. Por favor, só… não. Eu preciso que saiba que Dimitri
pretende se casar comigo, meio que não tenho muita escolha sobre
o assunto.
— Isso nunca vai acontecer, estamos montando um exército
para ir te buscar.
— Só tomem cuidado.
Milena suspirou e, após alguns segundos, respondeu.
— Nós vamos te resgatar, Bella. — A dureza de sua voz deu
lugar a um soluço. — Eu amo você, pequena. Cuida-se. Estamos
chegando.
Um nó se formou em minha garganta. Ela e Giulia eram parte
de mim.
— Também te amo, irmã.
Eu desliguei o telefone ainda com os olhos fechados.
Precisava usar todas as armas que tinha agora mais do que nunca.
Precisava do meu controle e frieza, pois havia muito em jogo, não
me permitiria perder.
Destruí o celular com o salto de um stiletto[30] que estava no
closet, fui jogando as partes na privada e ligando a descarga, aos
poucos, até não sobrar nada. Então, calmamente, comecei a comer.
Não bebi o suco. Comi, porque, apesar da cautela, precisava de
alimento. Manter-me viva até ser resgatada.

Em pouco tempo, Dimitri e mais um homem entraram no


cômodo, enquanto eu devorava o sanduíche tranquilamente, até o
fim. Quando ele viu a mulher, deu sinal para que o homem a
verificasse, logo recebendo uma negativa. Seus olhos em mim, pela
primeira vez, não tinham fúria ou aquela obsessão. Estavam
irritados.
— Por que a matou?
— Porque ela me irritou.
Isso tirou um sorriso dele. Um sorriso sinistro. Dimitri
aproximou-se e abaixou-se ao meu lado, segurou meu queixo com a
mão e aproximou o rosto do meu, não me dando escolha que não
fosse olhar para ele de volta. Lutar com ele no estado em que eu
estava agora seria uma batalha perdida. Escutei a porta sendo
fechada, mas não desviei os olhos de Dimitri.
— Eu e você somos iguais, Isabella…

Então ele me beijou. Duramente. Diferente do que eu sentia


quando beijava Nero, o beijo de Dimitri me deu repulsa. Ele varreu
minha boca, mordeu meu lábio machucado, porém não gemi.
Quando me deitou na cama e seu corpo veio por cima do meu, o
pânico quis me atingir, um desespero e uma falta de ar, misturados
à dor de seu peso em meu corpo machucado. Eu queria chorar
novamente, chorar e gritar para que ele não continuasse o que quer
que pretenda, mas algo me dizia que não adiantaria. Talvez ele até
gostasse. Assim, coloquei ambas as mãos em seu peito e ele
levantou o rosto. Eu não conseguiria fingir que queria isso, mas
poderia disfarçar a minha recusa. Um olhar em seus olhos e percebi
a sua confusão, ele esperava uma luta.
— Estamos em regime colaborativo, lyubov? Se eu arrancar
sua roupa, chupar esses peitos perfeitos, rasgar sua entrada com
meu pau, você só vai permitir, sem uma luta? Está me
decepcionando.
Dentro de mim, suas palavras me causaram caos. Por fora, eu
parecia uma pedra.

— E o que adiantaria? Você pararia se eu pedisse?


— Eu poderia tornar bom para você se prometesse se
comportar…
Eu queria dizer que não havia forma nesse mundo de ele
tornar algo bom para mim que não fosse ele morto.
— Eu vou ter tudo de você, Isabella Castelle. Eu sempre tenho
tudo o que quero, e não vou foder uma pedra de gelo. Vou forçar
cada orgasmo em sua boceta, mesmo que você esteja implorando
para que não o faça. — Riu novamente. — E eu te farei implorar.
Ele se afastou do meu corpo, levantando-se, mas, antes de
sair, algemou minha mão à cama.

— Mas te quero inteira para tudo que vou fazer com você,
vamos brincar muito mia Bella[31]. Sua completa rendição. — Mais
um olhar lascivo, desdenhando de mim em tom italiano. Com mais
um olhar em minha direção, ele disse: — Eu tentei te tratar como
uma convidada, mas enquanto se comportar como uma prisioneira,
é assim que será tratada.
Nero Rossi/ Yuri Ivanov
Eu só consegui fechar os olhos e vê-la.
Eu a via machucada.
Eu a via implorando por ajuda.
Eu a via chorando, quebrada.
Eu a via morta.

Três dias sem Isabella, três dias sem saber sobre ela.
Tudo estava pronto, tínhamos a sua localização. Eu iria
derrubar a fortaleza de Nikolai e construir a minha no lugar. Estava
sedento por vingança.
“Só mais um pouco, boneca. Aguente só mais um pouco”.
Estava difícil pensar positivo. Eu sabia que Isabella saberia se
cuidar, que ela foi treinada para possíveis situações como essa e,
pela segunda vez, depois de tudo, agradeci internamente a Enrico
Castelle.
Era quase como se o homem tivesse uma bola de cristal, que
tivesse visto o futuro de alguma forma e previsse tudo o que estava
acontecendo hoje. A mãe de Isabella estava inconsolável. Giulia e
Milena, aparentemente, estavam fortes, mas só quem já as tinha
visto juntas saberia que ali havia um elo inquebrável.
Eu era assolado pela culpa, preocupação e saudade. Só
conseguia pensar em pedir a qualquer entidade divina, mesmo
sendo um filho da puta pecador, que a mantivesse viva e a salvo.
Que eu não perdesse tudo novamente, porque não suportaria. E
Isabella era o meu tudo.
— Amanhã, ao nascer do sol, sairemos, encontraremos os
homens de Dardan, Capello e os Devils no caminho. É quase um
exército — afirmou Eduardo e se sentou na poltrona de frente a
mim.
Nos últimos dois dias, passamos e repassamos estratégias
para o resgate de Bella e a morte de Dimitri. O objetivo comum de
resgatar Isabella fez com que esquecemos todo o resto, ao menos
por enquanto.

— A Bratva tem muitos inimigos. Será vantagem para todos se


o novo líder for alguém apoiado por eles — respondi, ainda perdido
em pensamentos.
— Não é somente isso. — Veio a voz de Enrico, ocupando o
outro lugar vazio. — A maioria desses homens conheceu o seu pai,
ele era um bom homem.
Olhei para Enrico e senti novamente aquela dor. Porque me
lembrava agora, claramente, das vezes em que ele se encontrava
com meu pai. E que, realmente, eram amigos. No fim, Enrico
realmente me salvou. Mesmo que eu não tenha concordado com
seus métodos e mentiras, ele, indiretamente, me preparou para um
dia ocupar o meu lugar. Mas ainda não conseguia agradecer, tinha
muito acontecendo.
Ali, naquela sala, havia três homens, três chefes, e era uma
situação onde somente um objetivo em comum nos unia. A lealdade
e a confiança estavam em espera, talvez um dia pudéssemos
esquecer toda a merda que foi lançada em nós, mas, no momento,
era o que era, apesar de todas as boas intenções.
Mesmo ali, reunidos em uma sala, uma cautela, que antes não
existia, se instaurou. E por mais que nos esforçássemos,
principalmente pelo momento, a estranheza de eu ser um russo
pairava no ar. Meus homens já não me olhavam da mesma forma
que antes, embora não me desrespeitassem. Havia uma confusão
em como se dirigir a mim, algo que eu também estava sentindo
dificuldade de lidar.
— Você deverá nos dizer como quer ser chamado agora —
disse Eduardo.
— Isso é o que menos importa no momento.

— É o mais importante, Nero. E o primeiro dia de uma grande


jornada. — Como eu não respondi, Eduardo continuou: — Talvez
não seja o melhor momento para abordar o assunto. É o meu papel
pensar na Cosa Nostra antes de qualquer coisa, e por isso eu
precisava ter certeza se você realmente não se lembrava de nada…
Pode ter parecido uma traição, mas… realmente não queria perder
o meu melhor soldado. — Eduardo parecia estar se esforçando para
dizer tais palavras e agora tinha toda a minha atenção. — O que eu
quero dizer é que, independente do que você escolher, se quiser
continuar aqui, você tem esse lugar.
Fiquei surpreso com suas palavras e quase não consegui
esconder. Eu conhecia Eduardo, sabia que ele era indiferente a tudo
ao seu redor que não fosse sua mulher, irmã e filho. Eu poderia ser
russo, mas a Cosa Nostra me tornou quem sou. E então pensei em
todas as lembranças que agora tinha da minha verdadeira família.
Eu era um príncipe, à sombra do meu pai. As lembranças eram tão
ricas em detalhes que eu escutava o timbre de sua voz me
apresentando para todos. Eu era bajulado e paparicado, ao mesmo
tempo, era treinado para ser endurecido. Eu seria rei.
Eu serei rei. Apesar de toda a minha gratidão à Cosa Nostra,
eu precisava de justiça. Se não por mim, pelos meus pais, por tudo
o que perdi, pelos Nikolai merecerem a morte, e muito mais, porque
Isabella seria a minha rainha. Ela ainda não sabia, mas tudo o que
ela via agora, o território que ela estava, já pertencia a ela.
— Yuri— respondi enquanto fitava o jardim de Eduardo. Virei
para ambos os homens e vi a mesma emoção nos dois: orgulho.
Enrico se aproximou desprovido de qualquer máscara. O
homem que falou foi o amigo do meu pai, que me viu criança e me
protegeu, não o chefe mafioso. Sua mão foi para o meu ombro e
sua voz estava embargada.

— Você é muito parecido com seu pai, Yuri. Ele teria orgulho
de você.

Isabella Castelle
— Como você está hoje, meu pet[32]?
Três dias algemada a uma cama. A pão e água. Meu vestido
sujo e manchado de sangue, meu corpo ainda doía um pouco, e os
hematomas ainda eram visíveis, embora meu rosto já não estivesse
tão inchado. Veio alguém e me deu uma injeção com algo que fez
as dores melhorarem.
— Eu sei que te prometi cinco dias de descanso, mas estão
ansiosos para conhecer a minha futura esposa. A minha alma
gêmea. Têm roupas, maquiagens e todas as porcarias que você
precisar para esconder os hematomas. Quero você perfeita, lyubov.
Eu já não tinha noção alguma de horário. Esperei que ele
soltasse meu pulso e os massageei. Precisava de um banho e, por
mais que não quisesse, teria que dançar conforme a música. Eu me
levantei, um pouco enfraquecida, para me deparar com um
verdadeiro banquete. Dimitri se aproximou e me abraçou como um
amante.
— Coma, fique forte e encante o meu povo como você me
encantou, preciosa.
Ainda que estivesse desconfiada, estava faminta. Muito
faminta. Então, sem qualquer vestígio de racionalidade, me soltei de
seus braços e devorei as panquecas, os pãezinhos e o suco,
enquanto Dimitri me observava. Tentei, o máximo, não devorar a
comida como devorei, mas a minha fome era maior que a cautela.
Três dias no inferno. Três dias perdendo pouco a pouco a minha
pouca sanidade. Assim que me levantei, fui para o banheiro e
passei a chave na porta, escutando a gargalhada de Dimitri.
— Como se uma porta fosse algum empecilho se eu quisesse
te foder agora. Um exército não seria.
Dimitri estava jogando comigo. Ele estava jogando com a
minha mente e estava conseguindo. Nas últimas três noites, ele me
afrontou, brincou comigo, pois percebeu que eu tinha medo de ele
tocar em mim. Acariciou meu corpo, mesmo quando eu aparentava
indiferença. Na última noite, me fez ficar nua e, por um momento,
achei que ele iria cumprir o que vem prometendo. Mas não fez. Ao
mesmo tempo em que ficava agradecida internamente por ter
passado mais uma noite ilesa, ficava com medo, quanto tempo mais
ele faria esses joguinhos comigo? Era para me enlouquecer, eu
sabia. Ele agia com a certeza de que teria todo o tempo do mundo,
e eu só implorava internamente para que minha família viesse logo.
Nunca me senti tão vulnerável. Era uma merda.
Olhei a minha imagem no espelho e mentalizei que deveria ser
forte. Eles viriam me buscar, não me deixariam aqui. Eu poderia
morrer, mas jamais iria implorar. E eu seria vingada, cada átomo
meu sabia.
Tomei um banho, meu corpo já não estava tão dolorido,
coloquei um roupão e, quando saí do banheiro, me preparando
mentalmente para lidar com alguém mais louco que eu, senti algo
picar em meu pescoço e meus braços serem imobilizados.
— O que…
— Calma, pet. É só para que a dor de seu corpo passe logo.
Porque não esperarei muito tempo e estarei dentro de você… —
Dimitri estava atrás de mim e sua mão foi para dentro do meu
roupão, encontrando a minha intimidade. Suas palavras, então,
soaram duras em meu ouvido: — E a próxima vez que eu colocar
minhas mãos aqui, quero que esteja molhada, ou vou rasgar você
inteira. Eu te quero pingando por mim, pet.
Jogou-me na cama e parou à minha frente. Mais que
depressa, fechei o roupão. Então, ele se ajoelhou e encarou meus
olhos, quase rindo:
— Isabella Nikolai… O nome combina mais do que Castelle ou
qualquer outro… aqui vai poder ser você mesmo, porque ninguém
vai te aceitar como eu aceito. Ninguém vai adorar a sua maldade e
podridão interna como eu. Somos iguais, eu soube desde a primeira
vez que a vi. Nem sua família ou aqueles italianos fodidos que
gostam de uma mulher na coleira te aceitarão como eu aceito.
— Até onde eu sei, você também gosta de uma mulher na
coleira. Literalmente— Seus olhos se inflamaram de fúria e ele
acertou meu rosto com um tapa. Não fiz uma careta de dor, mesmo
tendo meu tronco jogado para trás. Ele também não moveu um
músculo do rosto e se levantou.
— Você me obriga a ser cruel, pet. — Virou de costas, soltou
um bufo frustrado e se voltou para mim. — Eu estou tentando ser
um bom noivo. Coloquei você em um quarto decente, tudo o que fiz
até agora foi te tratar bem, você não reconhece? — Ele passou a
mão delicadamente em meu rosto, o lugar onde tinha me acertado,
e deu um sorriso de lado. — Eu não quero você assim, contida. Seja
você ao meu lado, Bella, me respeite, aceite a minha gentileza e
teremos um matrimônio feliz.
— Achei que você queria me quebrar.
— Eu vou… te ver rendida a mim vai ser a melhor maneira de
te quebrar.
Gostaria de dizer que ele estava fazendo um péssimo trabalho.
Todos os dias eu odiava ainda mais Dimitri e toda a sua loucura.
Dimitri, louco Dimitri, que se contradizia a cada minuto que estava
ao meu lado. Que jogava comigo, porque ele queria me ver
enlouquecer. Ele saiu da sala silenciosamente após suas palavras e
eu fechei os olhos, recobrando meu controle. Quando eu
enlouquecesse de vez, não seria bonito.
Respirei fundo e olhei o vestido que estava no colchão. Era
vermelho, muito diferente do estilo de roupas que eu usava. Seria
um vestido que Milena usaria, pois ela tinha curvas que o
preencheria. Duas mulheres entraram e, sem uma palavra,
começaram a me vestir, maquiar e arrumar o meu cabelo. Uma
delas demorou um tempo considerável em meu rosto. A dor física
era fácil de lidar. A minha mente… era outra história.
Quando terminaram, saíram, e eu fiquei olhando no espelho.
Nenhum vestígio dos meus hematomas. Estranhamente, também já
não sentia nenhuma dor. A pessoa no espelho, que me encarava de
volta, era a imagem da perfeição. Típica esposa troféu.
A porta foi aberta e Dimitri entrou vestido com um smoking,
mesmo que nada pudesse fazer esse homem não parecer um
demônio, com um estojo nas mãos. Parou atrás de mim e, pelo
espelho, pude ver que era um colar estupidamente caro, de
diamantes. Eu nunca sofri privação de qualquer natureza e luxo
sempre foi algo que fez parte do meu dia a dia, mas esses
diamantes eram uma pequena fortuna. Dimitri pegou o colar e
colocou em meu pescoço.
— Preciosa… quando digo que será a minha rainha, não
minto. Você merece o melhor, lyubov — dizendo isso, ele beijou
meu pescoço, exatamente nas asas de anjos. — Estou me
esforçando para que se apaixone por mim, pet. Vou tentar com você
do jeito certo, mas não pense que tem alguma escolha. Estou te
dando a oportunidade de me querer também. Hoje, a festa é em sua
homenagem, então sorria e seja grata. E eu já disse que amei a
tatuagem? É maravilhoso que me veja como seu anjo da guarda.
Ofereceu-me o braço e, mesmo com todo o meu corpo
retesando em recusa, eu o aceitei. Jogar o jogo. Ganhar tempo. Eu
precisava ganhar tempo.

Ainda não tinha saído do quarto, então aproveitei para


memorizar todas as entradas e saídas, todos os caminhos por onde
eu poderia fugir ou me esconder, se precisasse. Descemos uma
escada sinuosa e vários olhos estavam em nós. Muita gente
elegante e pálida. Fui apresentada para muitas pessoas e, ainda
que me esforçasse, apenas conseguia responder aos elogios com
um aceno.
Encontrei os olhos raivosos de Irina Nikolai. Eu não sabia qual
o real problema dela comigo, mas sustentei seu olhar. Era quase
como se ela soubesse de algo que eu não soubesse, e odiasse o
fato. Um homem se aproximou e me direcionou um olhar lascivo.
— Essa vai para o harém, chefe? Quando terminar com ela…
Dimitri agora tinha os olhos enlouquecidos. Olhou para o
homem e logo disse em um som cortante:
— Eu não corto a sua língua, porque não quero sujar minha
roupa. Isabella Castelle será a minha esposa. Respeite-a.
O homem empalideceu, murmurou desculpas e se afastou.
Mas o que me chamou a atenção foi escutar sobre o harém de
Dimitri. Eu sabia que ele tinha um harém, um lugar onde várias
mulheres ficavam presas para seu bel-prazer. As lendas sobre seus
malfeitos chegaram a todos os ouvidos do submundo. O harém de
Dimitri, que atendia às suas necessidades sádicas.
— Não fique com ciúmes, querida. Eu me livrei de todas.

Não era necessário muito para que eu entendesse. Livrou-se.


Ele matou essas mulheres. Na minha falta de interação, Dimitri saiu
para um corredor, me puxando pelo braço, me jogou sem o menor
cuidado em uma parede e apertou meu pescoço com suas mãos.
Furioso.
— Sua postura impecável em eventos é lendária, lyubov. Mas
você está me decepcionando. — Puxou-me para frente pelo
pescoço e bateu minha cabeça na parede, me fazendo soltar um
gemido de dor. — Eu estou tentando, então colabore. Coloca um
sorriso nesse maldito rosto e seja grata pela minha benevolência.
Você está em uma festa, em sua homenagem, sendo rude. — Se
afastou um pouco após me encarar por um momento. Deu-me um
sorriso e um beijo em minha testa, dizendo de forma mais suave: —
Tem cinco minutos para se recompor, querida.
Quando eu pudesse colocar as minhas mãos nesse demônio,
quando ele estivesse em meu poder, não haveria misericórdia. Eu
iria tirar cada gemido e ofego de sofrimento que pudesse, iria fazê-lo
implorar e se arrepender por sequer pensar que poderia ter algum
domínio sobre mim.
— Eu achei que iria demorar mais tempo…
Eu nem precisei me virar para saber de quem era a voz
enjoativa e desdenhosa. Em meio à minha névoa trevosa, uma ideia
começou a se formar.
— Ele ficou obcecado assim uma vez e digo que o destino da
pobre foi pior que a morte. Ainda é. — Ela sorriu. — Se bem que,
com você, o meu irmão está quase um cavalheiro… — olhou mais
uma vez para mim —... mais ou menos.
Então, pôs-se a rir. Ela tinha uma taça de algo nas mãos e
estava sozinha. Falava como se tivesse em posse de segredos,
segredos que poderiam facilitar e muito a destruição deles. Eu me
aproximei dela em alguns instantes, acertando seu rosto com um
golpe certeiro. Enquanto ela olhava assustada para mim, peguei sua
taça, agora no chão e quebrada, e a levei em direção ao seu
pescoço.
— Grite e será o seu último som em vida.
— Você não vai sair livre dessa. — Ela não escondeu seu
choque e terror.
— Oh, queridinha, tem certeza? Você mesmo sabe que seu
irmãozinho está obcecado por mim e ele me daria qualquer coisa,
até sua cabeça em uma bandeja, se eu o aceitasse de bom grado.
— Ele me ama. Sou a única família que restou a ele!
Dei-lhe um sorriso frio.

— Oh, é verdade? — Ficando séria, pressionei o vidro em seu


pescoço, furando, embora não fosse profundo. — Se o seu irmão te
ama, como você diz, melhor ainda, vou poder acertá-lo onde dói.
— Ele vai matar você! Melhor ainda, ele vai colocar você no
calabouço, como fez com ela. Vai ver você definhar, perder sua
identidade, até ser nada! NADA!
— Quem. É. Ela?
Um zumbido começou em meu ouvido, algo me dizendo que a
resposta dela iria mudar todo o percurso da história. Pela primeira
vez, minha mão tremeu. Irina disse com um sorriso diabólico.
— A pequena Ivanov. Ela foi salva, sabia? Salva e viveu
grande parte da vida presa, porque meu pai, um dia, a casaria com
Dimitri e teria, enfim, os herdeiros de sangue azul que ele tanto
queria. Ela vivia presa e intocável. Meu pai amava mais a princesa
sangue azul do que eu, mesmo sendo filha dele. Mas, então, meu
pai se foi, Dimitri pôs as mãos na princesa e, quando ela o recusou
— me deu um sorriso maníaco. Meu coração se cortou em mil
pedacinhos, meu Deus, eu queria chorar de verdade —, a teve. Ela
está viva, mas é como se não estivesse.
Minha cabeça dava mil voltas. Essa garota, se existisse, teria
por volta de vinte um anos… seria possível? Seria possível que a
irmã de Nero estivesse viva?

— Onde ela está? — falei com o tom de voz descontrolado.


Irina olhava sorrindo para mim. — ONDE ELA ESTÁ? Não me teste,
garota, sou especialista em tirar informações de pessoas, e algo me
diz que você não dura dez minutos em minhas mãos.
— Você nunca poderá ajudá-la. Não pode ajudar a si mesma,
olhe para você? Está presa aqui, vestida e disposta, fazendo tudo o
que Dimitri quer. Ela está presa nessa fortaleza e é para lá, para
junto dela, que você irá em breve, quando Dimitri se cansar de você.
A única constante na vida dele… sou eu.
Fiquei enojada. Ela era íntima do irmão?
Mal tive tempo de digerir suas palavras e escutei passos atrás
de mim. Coloquei Irina em minha frente para me deparar com os
olhos de Dimitri e mais dois homens armados.
— O que você pensa que está fazendo? — Sua voz foi
cautelosa. Bingo.

— Retribuindo a gentileza de Irina. — A louca agora era eu.


Ele tinha os cenhos franzidos e o rosto uma sombra de preocupação
transpareceu. Ele amava a irmã. Importava-se com ela. Era tudo o
que eu precisava saber. — Olhe para ela, Dimitri. Olhe bem para
ela, sua irmã, seu sangue, sua única família. Você quer que eu seja
eu mesma, não é? Que eu não reprima meus demônios. Você quer
a minha loucura, você a tem, Dimitri. É a primeira vez que te darei
algo e, provavelmente, será a última.
— Solte-a, Isabella.
Uma lembrança veio em minha mente, a forma como ele disse
as palavras me lembrou o que pareceu uma vida. A forma como
Nero me pedia para parar. A forma como ele tentava me controlar.
Mas diferente de Dimitri, ele me fazia sentir excitação e alguma
forma de alegria. Agora eu estava tomada por um sentimento a fim
de fazer Dimitri sentir dor. Nem que custasse a minha vida, eu iria
machucá-lo.

— Olhe para ela, para os olhos dela — os soldados com ele


tinham suas armas apontadas para mim, mas eu estava pronta.
Segurei Irina pelo cabelo com força, enquanto ela gemia de dor —
será a última vez que a verá com vida.
Sem tirar os olhos dele, passei o vidro no pescoço delicado de
Irina. Senti o sangue escorrendo pelas minhas mãos, os sons
abafados de seus engasgos com o próprio sangue, mas não olhei.
O choque e a dor estampados nos olhos de Dimitri foi um deleite, e
eu sorri para sua expressão.
Com passos hesitantes, ele veio para onde ela dava seus
últimos engasgos e a pegou quando eu a soltei. Dimitri não chorou,
mas eu poderia sentir todo o seu pesar de onde estava. Quando
seus olhos voltaram para mim, aqueles olhos loucos, quase dei um
passo para trás.
Era agora, eu iria morrer. Eu poderia sentir em cada osso do
meu corpo. Dimitri se levantou e parou bem em minha frente, mas
em nenhum momento meus olhos se desviaram. Quando disse, sua
voz foi gelada.
— Eu estava disposto a esquecer a Cosa Nostra, esquecer
Yuri e até mesmo essa guerra, se você ficasse comigo. Eu queria
fazer de você a rainha de tudo isso, se você só me aceitasse e se
submetesse a mim. Você vomitou toda a minha hospitalidade… eu
deveria saber, você é lixo italiano. — Senti sua respiração em meu
rosto. — Poderia simplesmente te matar. Seria tão fácil... Mas não,
vou atrás de cada irmã sua para matá-las e estuprá-las em sua
frente. Eu vou desmembrar seus pais e todo aquele que você sente
um mínimo de apreço. Vou apagar qualquer vestígio que você acha
que te torna humana, e só então vou te matar.
Antes que eu pudesse responder, escutamos uma
movimentação junto de alguns gritos e protestos.
Eram eles.

Então tiros, explosões lá fora e dentro de mim. Eu aproveitei a


comoção para tirar os saltos.
E corri.
Isabella Castelle
Andei pela fortaleza sem saber ao certo que direção seguir.
Passei por vários corredores, me dando conta de que esse lugar
mais parecia um castelo antigo. Meu coração estava aos saltos, eu
precisava, muito, encontrar alguma forma de descobrir se a irmã de
Nero estava viva. Poderia ser possível? Meu instinto dizia que sim.
E meu instinto não falhava.
Escutei ao longe mais tiros, gritos e explosões, mas me infiltrei
ainda mais pelos corredores. Encontrei um dos soldados, sozinho.
Não sabia que porcaria havia naquela injeção, mas eu já não sentia
meu corpo enrijecido pela dor. Eu poderia dar conta dele.
— Hey.
Quando ele se virou, o acertei na garganta com a mão fechada
e no joelho e, ao se virar, ele caiu com os joelhos no chão, levei as
mãos em sua cabeça e lhe dei uma joelhada no rosto. Abaixei-me,
peguei a sua arma, que estava agora no chão, e apontei para a
cabeça dele.
— O que você sabe sobre a prisioneira Ivanov?
O homem ainda estava tonto pelos golpes. Quando firmou os
olhos em mim, deu um sorriso e falou algo em russo. Eu poderia
jurar que era algum xingamento. Irritada e sem tempo, dei-lhe uma
coronhada.
— Eu já fui xingada o suficiente, stronzo[33]. Diga-me, onde
ficam os prisioneiros?
Ele ainda não respondeu, então, aproveitando o caos que
estava aumentando, atirei em um dos seus joelhos.
— RESPONDA.

Droga, se alguém me escutasse, eu estaria perdida.


Geralmente, eu era mais controlada, mas não havia tempo. O russo
gritou.
— No fim do corredor tem uma escada. — respondeu
enquanto urrava de dor. — Eu espero que te encontrem e te
matem.
— Obrigada — disse e acertei uma bala em sua cabeça,
sangue espirrando por todos os lados, inclusive em mim. Peguei sua
munição e sua arma, me sentindo um pouco mais segura.
Continuei o caminho até o fim, como o russo informou, onde
uma porta estava à esquerda. Olhando de primeira, jamais veria a
porta. Ela era muito bem escondida, não foi construída para ser
vista. Qualquer um passaria por ali sem se dar conta dela. O lugar
tinha sido feito para não ser encontrado. Segurei a única argola na
parede e soltei um suspiro de alívio quando ela se abriu, e desci
calmamente uma escada longa sem iluminação. Um calabouço,
realmente como em filmes antigos.
No fim, com cuidado, olhei aos arredores e havia outra porta,
muito grande, de madeira, fechada, tendo um soldado na frente.
Meu coração começou a saltar. Depois da porta, havia mais um
corredor, sumindo de vista. Algo me chamava para aquela porta,
algo que eu jamais saberia explicar. Talvez a forma como ela estava
muito bem guardada, enquanto as outras, não.
Antes que o soldado desse conta da minha presença, atirei em
sua cabeça. Tateei o homem à procura de uma chave, mas não
encontrei nada. O lugar tinha ares de antiguidade. Enquanto a parte
superior da casa era banhada em luxo, os corredores, e essa área
em especial, com prisões, calabouços, me davam a impressão de
estar em um filme de terror na Idade Média. A referência com a
Idade das Trevas não foi perdida.
Sem paciência e apreensiva, atirei no trinco da porta,
escutando um gemido. Outro gemido. Eu abri a porta
cuidadosamente e entrei no quarto escuro. Olhando ao redor, vi uma
cama no centro. Lençóis, que deveriam ser brancos, sujos e
bagunçados, como se não fossem trocados em muito, muito tempo.
O lugar emanava um odor de fezes e urina tão forte que foi
impossível não fazer uma careta. Estava tão abismada que não vi
um movimento lateral que, por muito pouco, não me atingiu.
Eu era pequena, o corpo que me acertou era um pouco maior,
fazendo com que me desequilibrasse e caísse no chão asqueroso.
Quando olhei para cima, olhos cinzentos e assustados se chocaram
com o meu. Mãos fracas estavam em meu pescoço e tentavam me
sufocar com teimosia. Após o primeiro susto, inverti as nossas
posições e segurei as suas mãos.
— O que você quer de mim agora, o que você ainda quer de
mim, Dimitri? Escolheu uma forma nova de me torturar?
A garota começou a chorar e falava como se Dimitri estivesse
no ambiente. Eu engoli em seco, porque agora, olhando para ela,
tive certeza.
Era a irmã de Nero.
Era verdade, ela tinha sobrevivido.
O lado esquerdo de seu pescoço e parte do ombro tinham
cicatrizes de queimaduras. Ainda que estivesse magra e com
semblante abatido, sua beleza era incontestável. Ela tinha o mesmo
olhar, a mesma boca que Nero.
— Eu preciso que você confie em mim.
Mal deu tempo para que ela respondesse quando alguém
apareceu na porta. Eram dois soldados russos, entretanto, eu não
esperei que nos vissem no chão asqueroso e nojento, apenas atirei
uma vez em cada um.
A garota me olhou assustada, em choque, ao me ver matar
dois homens. Eu dei um sinal para que não fizesse barulho e olhei
em volta, para ter certeza de que não tinha mais nenhum soldado à
espreita. Voltei os olhos para a garota e fiz sinal para que me
seguisse. Ela olhou em volta e pareceu hesitar, mas logo me seguiu.
Estava descalça, com uma camisola suja, os cabelos longos e
emaranhados. Quando saiu mais à luz, vi uma cicatriz em seu rosto,
que não tinha visto no quarto. Seja lá o que ela tinha passado nas
mãos de Dimitri, não foi fácil.
— Quem é você? — me perguntou, um fio de voz.
— Eu seria a nova você.
Ela franziu os cenhos, mas não disse mais nada.
Voltei para o soldado morto no chão, tateei seu corpo até
encontrar o celular. O celular só ligava por digital, diferente do
telefone da mulher que me levou alimento no quarto. Peguei o dedo
do morto e liberei a tela. Disquei o número de Milena, torcendo para
que ela atendesse.
— Milena.

— Milena, sou eu.


— Isabella, per Dio, onde você está? Eu estou incumbida de te
procurar, mas não conseguimos te encontrar em lugar algum.
— Eu estou bem, eu… eu tenho algo… alguém comigo. Como
está aí?
— Já temos controle da fortaleza, porém Dimitri está
escondido em algum lugar. Não o encontramos, mas, a não ser que
seja por baixo da terra, esse maledetto[34] ainda está aqui e o estão
procurando. Ele não esperava um ataque dessa magnitude.
— Estão todos bem?
— Sim, Bella. Só falta encontrar você, me diga onde está.
— Eu estou a caminho do salão onde acontecia o evento… tá
limpo por lá?
— Sim, vou te aguardar lá.
Dei sinal para que a garota me seguisse. Quando terminamos
as escadas, ainda em alerta, voltamos pelo caminho que segui. A
garota não parecia estar entendendo o que acontecia, mas pareceu
confiar em meu julgamento. Chegando ao corredor, passamos pelo
corpo de Irina e a garota parou. Eu olhei para ela, enquanto olhava
o corpo no chão, com ódio.
— Você a matou?
— Sim.
— Ela sofreu?
— Não como eu gostaria.
Em um acesso de raiva, ela passou a chutar o corpo no chão.
Chutar, gritar, e tanto quanto eu poderia tentar imaginar o que ela
sentia, comecei a ir em sua direção, ainda não confiando
inteiramente no ambiente. Os homens de Dimitri poderiam nos
encontrar antes dos outros e tudo poderia dar muito errado. De onde
eu estava, poderia ver escombros e corpos no chão. Uma
verdadeira carnificina.
— Eu preciso que você se acalme, temos que sair daqui.
Tentei, em vão, tirá-la de cima do corpo de Irina, mas ela não
me deu ouvidos e continuou gritando, chorando e xingando, em
russo, palavras que eu não sabia o que significava. Como temia,
escutei passos no corredor lateral, aonde um grupo de no mínimo
dez russos vinha, fazendo uma frente a alguém mais atrás.
Dimitri.
— ESCUTE! — Ela parou, quando a sacudi pelos ombros. —
Vá nesta direção, corra, não olhe para trás, lá terão pessoas que
irão te ajudar. Diga meu nome, Isabella Castelle. Só vá.
Ela me olhou assustada, porém não discutiu. Começou a
correr, e eu mantive a retaguarda, atirando contra os homens e
correndo também, embora um pouco mais devagar. Eles não
estavam atirando de volta, mas se escondiam nos pilares e isso me
deu um fio de esperança. Dimitri me queria viva.
Faltava pouco, muito pouco para que ela chegasse ao centro
do salão. Quando ela finalmente virou para o salão, respirei aliviada.
Olhei para os homens que ainda se escondiam nos pilares e,
quando fui atirar, não tinha mais munição. Os russos passaram,
então, a vir em minha direção e comecei a correr… faltava pouco…
muito pouco… antes de virar, alguns homens apareceram armados,
homens que não eram da Cosa Nostra e mesmo assim não parei.
Continuei correndo, pensando que, em segundos, estaria a salvo.
Levantei meus olhos e eles se encontraram com duas luzes
cinzentas. Estava todo de preto, o cabelo preso para trás, o olhar
ansioso... meu coração se encheu de saudade.
Senti esperança.
E eu corri ainda mais, faltava tão pouco.

Dimitri morreria.
Nero vingaria seus pais.
Ele tinha uma irmã.
A coroa era dele.
A Bratva era dele.
Seus olhos nos meus, refletindo tudo o que eu sentia de volta
para mim, me chamando, mesmo que seus lábios não se
movessem. Estava acabando, eu só precisava correr mais rápido.
Então veio um estalo isolado que me tirou as forças das
pernas. Eu não estava mais correndo. Minhas pernas ficaram
pesadas. Escutei um rugido. Dor, dor sem igual. Então, um gosto de
metálico na boca.
E eu caí, sendo engolida pela escuridão, tendo como uma
última visão, Nero, correndo em minha direção.
Yuri Ivanov
Com um verdadeiro exército, no meio do nada, não foi difícil
derrubar a fortaleza de Dimitri. Com as autoridades que estavam no
bolso, na folha de pagamento dos principais líderes do submundo, o
assunto dificilmente viria a público. No fim, Dimitri ter esse lugar tão
isolado saiu a nosso favor.

Dimitri não esperava um ataque dessa magnitude e


organização. No fim, ele não teve a menor chance. Entrar e derrubar
seus principais homens, no meio de um evento, deixou a vitória
ainda mais saborosa. Olhando esse lugar, que era pura ostentação,
agora banhado em sangue, sangue russo, meu sangue, uma aura
de responsabilidade e de apreensão me tomou. Como seria
governar para aqueles os quais fui ensinado a odiar?
Dentro da fortaleza, mais nada estava sob o controle da
Bratva. Dimitri fugiu como o rato que era, mas todas as saídas
estavam interditadas, Giovanni tinha a planta do local quando veio
para Columbus em missão. Ele estava escondido, mas sendo
caçado.
Milena se aproximou, estava vestida de preto e o cabelo preso
em um rabo de cavalo. A garota também era letal com duas armas,
uma em cada mão. Nada ficava em movimento à sua frente
— Isabella me ligou. Ela está vindo para cá. Disse que se
escondeu quando escutou nossa invasão, mas já está a caminho.
A menção de Isabella fez meu coração saltar
desesperadamente no peito. Suspirei aliviado, mas ainda
angustiado, sem saber o que aconteceu com ela todos esses dias.
Ela era o meu mundo inteiro, e eu passaria a vida provando a ela.
Nada mais nos separaria, nada. Nem eu ou ela.
Escutamos alguns gritos não muito longe de onde estávamos e
alguns tiros. Meu coração estava batendo impossivelmente rápido
em minha garganta enquanto apressava os passos na direção do
caos. Alguns dos prospectos do Devils Dragons, liderados por
Shield, foram em direção mais rapidamente e então vi um vulto loiro
passar correndo. Não era Isabella, mas vi quando um dos homens
de Shield a questionou e ela disse o nome de Isabella. Corri até
onde os homens de Shield apontavam as armas e vi Isabella
correndo, sangue seco em sua pele pálida, um vestido vermelho e
longo e os pés descalços. Homens atrás dela tinham armas
apontadas para todos. Isabella estava no meio do fogo cruzado. Ela
corria em nossa direção e, quando os nossos olhos se encontraram,
depois do que pareceu uma eternidade, senti o que só ela me fazia
sentir: Tudo, de uma vez, com toda a intensidade.
Então, um tiro.

Um grito.
Isabella caiu no chão quase em câmera lenta. Eu fui para
frente quando Shield me segurou, movendo-me de volta para trás,
atirando nos russos. A troca de tiros continuou ao mesmo tempo em
que eu lutava com dois dos prospectos de Shield para alcançar
Bella caída no chão.
Não, não, não…
Eu vi Shield atirar, gritar ordens para seus homens, um deles
acabou recebendo uma bala por mim, mas o que eu precisava era
chegar até Bella. Shield gritava comigo. Shield gritava algo, mas eu
só via sua boca se mexendo… precisava chegar até Bella.
Como um monstro rugindo, me soltei de três homens e corri
para onde ela estava, não me importando que, atrás de dois russos,
a arma de Dimitri estava indo de encontro a mim. Eu poderia morrer
agora, que não me importaria. Ele poderia tirar a minha vida,
porque, se eu perdesse Bella… nada do que fiz faria sentido. O
reino era para ela, a Bratva era dela, meu coração era dela…
Quando alcancei seu corpo, mais balas foram disparadas. O
corpo de Dimitri foi jogado para trás, os dois russos com ele
também, mas eu só tinha olhos para Isabella, que estava caída no
chão. Senti a queimação em meus olhos e chorei, não poderia
perdê-la, não agora, por favor, Deus, não.
— Isabella, Isabella.

Ela abriu os olhos e, por um momento, eles focaram em mim.


— A… A menina… a menina é… — Sangue começou a sair no
canto de sua boca.
— Não, não fala, amor, não. Por favor, não. Você vai ficar bem.
— É sua… sua…
Ela não concluiu. Vi quando seus olhos se fecharam e eu
gritei. Olhando na lateral, vi a garota que tinha corrido na frente de
Isabella e então Milena apareceu no corredor, parando a me ver
com Isabella.

Seus olhos estavam ferozes quando olhou além de mim.


Sacou a arma e foi em direção a Dimitri.
— Milena, não — Giovanni foi atrás e segurou a esposa —, ele
merece sofrer por toda dor que causou, a morte é pouco para ele.
Os olhos dela caíram em Isabella e em mim, e então ela
chorou, sendo amparada por Giovanni. Aleksander, Shield, Eduardo,
Giovanni… todos me olhavam com pesar, enquanto me derramava
sob a perspectiva de perder a mulher da minha vida. Enrico Castelle
chegou e, assim como Milena, teve que ser contido para não
terminar de matar Dimitri.
— Tirem Dimitri daqui, ou ele vai acabar morto fácil demais —
Eduardo decretou e passou a tomar conta da situação. Eu já não
tinha forças para nada. Eu só queria que Isabella ficasse bem.

Com os contatos certos, Isabella foi para uma unidade de


tratamento intensivo no Riverside, em Ohio. Enrico queria levá-la
para a Filadélfia e Nova Iorque, porém ela tinha perdido muito
sangue e precisava de procedimentos especializados urgentemente.
A bala tinha passado muito próximo ao coração. Ela também tinha
duas fraturas nas costelas e teve uma hemorragia que, felizmente,
foi contida a tempo. As fraturas e contusões foram decorrentes do
espancamento que sofreu.
Pelo vidro, observei seu corpo inconsciente e machucado.
Estava fora de perigo agora, mas precisaria de um tempo para se
curar completamente. Eu não a deixaria mais. Eu fui um idiota que,
ferido, tentou ferir a todos. Eu nem disse que a amava, embora
nunca tenha feito disso um segredo. Mas eu deveria ter dito… eu
deveria. Eu quase a perdi. Ela poderia ter morrido e só o
pensamento me fazia morrer por dentro.
Ela estava bem, mentalizei.
Aqui, doze horas depois, só conseguimos respirar um pouco
mais aliviado quando o médico afirmou que ela sobreviveria. Giulia
não tinha acompanhado a missão por conta de Pietro, mas agora
estava na sala de espera do hospital, com a mãe.
— Estamos transferindo Isabella para Nova Iorque — Enrico
Castelle informou, se aproximando de mim. Olhei para ele como se
fosse meu inimigo.
— Não.
— Você não decide isso. — Ele me devolveu com firmeza.
— Ela fica, é minha noiva.
— Minha filha, minha responsabilidade ainda e eu decido que
ela será transferida. — Fechei os punhos com raiva. — Você tem
muito que lidar. Tem toda a sua vida para organizar aqui. Vocês
terão tempo para se resolver. Agora ela só precisa se recuperar.
— Não há nada para resolver, já está resolvido. Isabella se
casará comigo, isso não está aberto à discussão.
Afastamo-nos do vidro e fomos para a sala de espera, onde
estavam os outros. Enrico, não dando o assunto por encerrado,
voltou a dizer:
— Não estou desfazendo o compromisso. Mas ela ainda não é
casada, é uma Castelle e pertence a Cosa Nostra. Ela vai para
Nova Iorque. Quando ela decidir, vocês poderão se casar. Não
estou fazendo isso para me opor, você tem muito que fazer. Muito.
Eu não queria ficar longe dela, mas Enrico estava certo. Eu
precisava organizar a minha casa, vingar minha família, para então
começar uma nova com a minha mulher. Eu precisava e faria,
porque tudo era por ela. Em contrapartida, me sentia sozinho.
Porque não fazia ideia de como começar a fazer o que eu tinha que
fazer, tomar posse do que era meu.
— Se você não se importar, vou ficar com você.
Olhei para Giovanni, agradecido. Jamais diria em voz alta, mas
eu precisava de um amigo naquele momento. E eu desconfiava que
ele soubesse disso, mesmo que eu não pudesse dizer.
— Obrigado.
— Com licença. — Uma voz apareceu na sala. — Me
desculpe, sei que não é o momento oportuno. Mas eu precisava
falar com o senhor.
O senhor era eu. Ele parou perto de onde eu estava, em frente
a uma janela, e empalideceu.
— Senhor — disse e abaixou o olhar —, meu nome é Ivan
Petrov. Eu era amigo do seu pai. Desculpe-me o assombro, mas… é
como se o tivesse vendo.
— Tão amigo que trabalhava com o homem que massacrou a
família dele. — Foi impossível não soltar um pouco de sarcasmo.
— Nunca conseguimos provar que o acidente foi criminoso,
senhor. Embora o incêndio de sua casa de infância tenha levantado
muitas suspeitas, os sérvios acabaram sendo responsabilizados. No
fundo, sempre soubemos que foi um golpe, mas nunca podemos
provar. — Encarei Ivan, um homem robusto, de meia-idade, cabelos
pretos e olhos azuis. — Quando soubemos que estava vivo, o que
não faz muito tempo, começamos a trabalhar em estratégias para
descobrir quem você era e encontrá-lo. Mas você nos encontrou
primeiro, embora sua irmã…
— Irmã? — interrompi abruptamente.
— Sinto muito, senhor. A senhorita Veronika foi morta.
Infelizmente, também só soubemos dela quando foi tarde demais. —
Minha cabeça virou uma confusão. Irmã? Minhas irmãs morreram,
me lembro do acidente de carro, me lembro de ter caído do carro e
vê-lo em chamas antes de apagar. Eu conseguia me lembrar de
tudo agora.
— Não é possível.
— Ela não está morta — Milena disse de seu lugar.
— Como assim?
— A garota que estava com Isabella, Nero — Milena sustentou
o meu olhar — a garota é sua irmã.
Senti todo o meu corpo gelar, dos pés à cabeça. Fechei os
olhos com força e me perguntei quantas vezes ainda iria sentir o
chão ceder sob meus pés e continuar de pé. Mais uma vez, eu, que
sempre estive no controle de tudo, me via totalmente tomado e
dominado por emoções.
— Mas como é possível? — Ivan voltou a dizer — Veronika foi
criada reclusa para a própria segurança. Apenas alguns dos
homens da Bratva e o conselho sabiam de sua existência… ela era
prometida de Dimitri. Mas, então, o pai de Dimitri morreu, e ela
também, logo em seguida…
— Não, ela foi feita prisioneira porque se recusou a ficar de
bom grado com Dimitri — Milena respondeu, seu rosto suavizou um
pouco e, fracamente, ela disse as próximas palavras: — Tudo o que
aconteceu com Bella acabou tomando nosso tempo…

— Onde ela está? — perguntei com meu último fio de firmeza.


— Está aqui, internada um andar abaixo. Está segura.
Desidratada, fraca… mas segura. Eu falei com ela. Está muito
assustada e sensível, Nero. Teve uma vida de merda.
Olhei para o homem que se apresentou como Ivan Petrov. Era
muito ruim não saber em quem confiar, não saber no que acreditar.
Eu tinha uma irmã. Uma irmã que, diferente de mim, não foi
protegida e viveu uma vida de abusos nas mãos dos assassinos de
nossa família.
— Leve-me até ela.

Cheguei à porta do quarto em que era suposto minha irmã


estar. Minha irmã. Eu ainda não a tinha visto e já sentia meu interior
tremer diante da mera possibilidade. Uma irmã, a essa altura da
minha vida, era um presente divino. Um milagre. Cheguei à porta
onde dois guardas estavam a postos e me olharam com reverência.
Eu não sabia quem eram, mas eles, com toda certeza, sabiam quem
eu era.
Parei na porta e deixei meus olhos pousarem na garota. Ela
estava semideitada na cama com uma roupa de hospital. Acordada,
olhava o horizonte pela janela. Eu só conseguia ver o seu perfil, mas
olhando, ela parecia muito magra. Veronika Ivanov, agora com vinte
anos. Minha única família de sangue. O que a vida nos fez?
Quando me aproximei, meu movimento chamou sua atenção.
Seus olhos chocaram com os meus. Cinzas, como os meus. A
emoção do momento foi impossível de descrever. Sua testa franziu
levemente e ela passou a olhar além de mim, nervosa. Parecia um
animal assustado. Ela tinha uma cicatriz na lateral esquerda do
rosto e queimaduras no pescoço. Ainda assim, ela era linda.
— Quem é você? — perguntou com a voz trêmula, ainda
olhando nervosamente pela porta.
— Sou… — limpei a minha garganta, sem saber ao certo como
dizer as próximas palavras ainda tão estranhas de ouvir —, sou Yuri
Ivanov. Seu irmão.
Seus olhos ficaram como pratos, chocados por alguns
instantes. E, então, transbordaram em lágrimas. Tampou os olhos
com as mãos e chorou mais, enquanto me mantive parado no centro
do quarto, sem saber o que deveria lhe dizer.
— C-como é… possível? — Sua voz era quase inaudível.
Aproximei-me mais, com cuidado, mas ainda não a toquei. De
repente, ela levantou os olhos e vi raiva neles. Ela se endireitou e
me acertou no abdômen com golpes fracos — Como você pôde me
abandonar? Onde estava? Eu chorei por você, a Bratva chorou por
você todos esses anos, onde você estava? — Eu tentei segurar
seus braços, com medo de machucá-la, e ela chorou mais alto. As
próximas palavras, diferente das anteriores, foram ditas como uma
súplica chorosa e suave. — Por que me deixou nas mãos deles?
Havia tanta dor em seu tom que me cortou ainda mais por
dentro. Eu queria gritar que não sabia, que não tinha ideia da
existência dela, mas todas as palavras ficaram presas em minha
garganta. Não era o momento, nós teríamos tempo para arrumar
tudo. Eu a abracei em um súbito, antes que mais uma vez
sucumbisse ao choro. Ela retesou o corpo e, em seguida, agarrou-
se a mim como se eu fosse seu último suspiro e chorou enquanto a
abraçava, deixando a emoção jorrar para fora diante de tudo o que
nos ocorreu.
— Não está mais sozinha, Veronika. Eu vou cuidar de você.
Yuri Ivanov
Olhar a fachada da minha casa de infância me trouxe uma
imensidão de lembranças. Ao meu lado, estava Veronika, ainda um
pouco debilitada, amparada em meu braço. Após a crise de choro,
ela voltou a se fechar em sua concha, então foi uma surpresa
quando aceitou meu braço. Eu não sabia como ser um irmão, mas
aprenderia.
Ivan Petrov liderava, informando que a casa do Pakhan, o
conselho na Rússia, não permitiu que os Nikolai tomassem posse. A
casa era para os descendentes Ivanov e, por isso, ela seria de
Veronika, até então a única sobrevivente. Havia também uma
imensidade de negócios e imóveis legítimos dos Ivanov, que agora
pertenciam a mim e a Veronika. Ivan era o advogado de meu pai,
um exame de DNA já havia sido solicitado entre eu e Veronika, mas
era mera formalidade para o conselho.
Mesmo depois de dada como morta, os mais antigos, que
conheceram minha família, mantiveram a casa limpa e organizada.
Seria uma herança da Bratva, por ordem do conselho, e mesmo
Dimitri respondia a eles.
A casa era muito grande e muito sinuosa, um pequeno castelo
em uma cidade moderna, digna de todo o poder que o nome
carregava. Estava localizada em um lugar privilegiado, em
Columbus, longe do centro, embora ainda na civilização. Tinha um
jardim de tirar o fôlego. O jardim de minha mãe. Ele estava
intocavelmente igual, mesmo depois de anos. Alguns soldados e
funcionários da casa nos olhavam com emoção e adoração, como
se nos conhecêssemos. Talvez fosse esse o caso. Uma senhora
idosa se aproximou com mais coragem e direcionou seus olhos
úmidos para mim.
— É um milagre, Pakhan. Bem-vindo de volta. E você também,
Printsessa[35].
Todos abaixavam a cabeça em modo de reverência, e eu não
sabia como lidar com toda aquela adoração.

— Você conheceu nossos pais? — Veronika perguntou,


segurando a mão da pequena senhora.
— Vocês costumavam roubar os doces de pote que eu fazia
quando eram crianças. Senhora Lara sempre proibia doce antes do
jantar, mas você e a pequena Natasha sempre davam um jeito de
pegar— ela virou-se para mim —, e você as ajudava.
Veronika sorriu um pouco em meio às lágrimas, e embora eu
estivesse com muita vontade de sentar com a pequena senhora e
perguntar mais sobre o meu passado, sobre tudo, acenei
educadamente para ela, agradecido, e continuei o caminho. Não
poderia demonstrar fraqueza. Eu já tinha demonstrado
vulnerabilidade demais.
Entrei no saguão e esperei a estranheza… que nunca veio.
Senti o pertencimento ao lugar. A sala espaçosa, a mobília de bom
gosto, cores e odores, me trazendo uma enxurrada de lembranças.
Mas o que me tirou do eixo foi um quadro pintado, muito grande,
que tomava conta de meia-parede na sala. Um quadro que retratava
uma família. O retrato do que nos foi tirado.
— Mamãe gostava do jardim.
Era a primeira vez que Veronika falava comigo após o surto do
hospital. Ela olhava o retrato com adoração e sua expressão me
emocionou.
— Tenho poucas lembranças… mas me lembro dela pegando
uma flor e colocando em meu cabelo. — Ela sorriu, ainda que seus
olhos estivessem cheios de lágrimas. — São flashbacks[36].
— Você não mudou muita coisa. Apesar de, olhando, não
saberia dizer qual das duas é você.

Ambos compartilhamos um sorriso, muito rápido, o qual, em


Veronika, foi substituído por mais uma crise de lágrimas. Eu, que já
tinha um braço em sua volta, a trouxe para mais perto, e ela aceitou
o meu abraço, chorando mais. Logo levantou os olhos para mim e
disse com determinação.
— Você tem Dimitri?
— Tenho.
— Faça-o se arrepender. Faça-o se arrepender amargamente
por nos ter tirado tudo. Ele pode não ter matado nossos pais, sei
que o mandante foi o pai dele, mas ele teria matado um dia, Yuri.
Aquele homem é um demônio. Ele me tirou tudo. Eu preciso de um
pouco de justiça… faça-o pagar.
— O farei, eu te prometo isso. O inferno de Dimitri está apenas
começando.

Ela assentiu e então se afastou.


— A garota… Isabella Castelle, ela é sua noiva?
— Sim.
Ela se virou para mim, tentando conter as lágrimas.
— Ela vai ficar bem?

— Sim, ela vai.


— Ela salvou a minha vida, Yuri. Ela levou aquele tiro para me
salvar. Eu preciso agradecê-la.
— Você vai ter oportunidade para isso. Isabella será a minha
rainha, Veronika. Ela não merece menos.
Veronika concordou silenciosamente. Quando começou a subir
as escadas, virou-se para mim.
— Quando vai se casar?
— Logo. Ela está indo para Nova Iorque, porque ainda não
estamos casados. Mas assim que ela se curar completamente, irei
buscá-la.
— Ela é forte o suficiente para reerguer a Bratva com você.
Com essas palavras, ela subiu. Eu saí do saguão e me deparei
com Giovanni conversando com outros soldados. Shield e
Aleksander estavam também, assim como Vicenzo, embora este
estivesse mais calado.
— Isabella já foi.

Fechei meu rosto, porque mesmo que soubesse que era o


melhor, ainda não concordava com essa ideia. Não, não
concordava. Eu a queria comigo. Perto de mim, para sempre.
— Relaxa, meu caro. Annabelle precisa de repouso, e você
precisa reorganizar a sua vida. O compromisso está intacto agora,
você precisa focar a cabeça aqui. O conselho da Rússia está a
caminho para te reconhecer, uma caça às bruxas a todos aqueles
que foram cúmplices com a morte de sua família começou, precisa
estar inteiro, precisa arrumar a sua casa.
— Está certo.
— Agora vamos, porque quero mesmo é colocar as minhas
mãos em Dimitri — afirmou Vicenzo Capello. Ele queria vingança
pela sua irmã. Pessoalmente, eu e Vicenzo tínhamos muito a
acertar com Dimitri.
Fomos em direção a um dos galpões da Bratva, meu galpão,
nos deparando com Dimitri somente de roupa íntima e preso por
correntes. Quando nos viu, soltou um sorriso maníaco.
— Que bonitinho. — Seu sorriso se transformou em ar de
triunfo. — No fim das contas, Yuri Ivanov vai pegar apenas as
minhas sobras…

— Nada aqui já foi seu, Dimitri. Tudo sempre me pertenceu.


Seus olhos eram loucamente insanos. Não fazia sentido
discutir com quem não via razão. Mas o faria sentir por cada lágrima
e cicatriz que causou em minha irmã e por cada hematoma em
Isabella.
No pouco tempo em que estava em território russo, me
apropriei de algumas das formas de coação de Dimitri. Eu
dificilmente usaria tais métodos em outros homens, mas Dimitri
merecia o pior. Merecia provar do próprio veneno.
Vicenzo começou a sua seção de tortura, infringindo cortes e
golpes em Dimitri. Aleksander usou o maçarico, se deleitando em
cada queimadura causada no corpo de Dimitri, que ora gritava, ora
ria sem sentido. Giovanni teve seu momento de deleite ao arrancar
suas unhas e dentes, o homem poderia ser um filho da puta frio
quando queria. Shield aplicou uma poção, com uma mistura de
substâncias, em Dimitri, que lhe causava dor e ao mesmo tempo
não lhe deixaria morrer.
— Eu só queria saber se o cartel virá te ajudar agora, Dimitri.
Isso é por mexer com o meu território — Shield concluiu com um
sorriso cruel.
Antes que fôssemos embora, deixei um último presente: Ian, o
executor monstro da Bratva. O rosto de Dimitri, quando o viu, foi um
deleite. Ele sabia exatamente o que viria. Ian teria o seu momento
de diversão com Dimitri. Ele faria com Dimitri o que o mesmo fez
com minha irmã e tantas outras mulheres. E, no dia seguinte,
mesmo sem contar com as presenças de Shield, Aleksander e
Vicenzo, a sessão de tortura continuaria até que Dimitri não
aguentasse mais.
Enquanto o novo esquadrão de aliados deixava o galpão,
ainda era possível escutar os grunhidos de Ian fodendo a loucura
psicopata de Dimitri.
Isabella Castelle
Abri os olhos, deparando-me com os ansiosos de minha mãe.
Ótimo. Ela se levantou e começou a fazer o que fazia melhor:
drama. Mas sorri para o feito. Estava em uma cama de hospital e
uma dorzinha chata na cabeça, enquanto as lembranças do que me
trouxera ali voltavam. O tiro… a irmã de Nero… Yuri… então nada.
— Minha Bellinha. Acordou mais rápido do que os médicos
esperavam que acordasse. Tiramos a sua sedação tem menos de
duas horas e aí está você, acordada.
— Preciso de água. — Minha voz saiu sofrida até mesmo para
mim.
Minha mãe ajeitou meu travesseiro, me trouxe um pouco de
água e levantou um pouco a minha cama, e logo um médico veio
me verificar. Ao mesmo tempo em que ele me questionava, minha
mãe chorava copiosamente. Eu segurei a sua mão, porque essa era
a sua maneira exagerada de dizer que me amava. Após a consulta,
o médico saiu e entrou Milena, Eduardo e meu pai.
— Pequena — Milena disse e se sentou do meu outro lado, me
abraçando.
— Eu achei que você não gostava de abraços. Giovanni te
dobrou mesmo. — Sem se importar, ela continuou me abraçando. —
Agora, chega. Cadê seu marido?
Ela se afastou e me disse com cautela.
— Está em Ohio, dando suporte a Ner... a Yuri.
Mantive meu rosto sereno, embora o coração agora estivesse
aos saltos. Yuri Ivanov, meu Nero, agora era Pakhan da Bratva.
Tudo deu certo, pelo jeito. Eu queria fazer um milhão de perguntas e
uma delas era por que o dito noivo não estava comigo. Eu queria
saber como estava sendo a nova vida dele, mas fiquei calada. Eu
desejava o melhor para Yuri. Mas o nosso tempo havia terminado.
Mesmo que o mero pensamento doesse mais que a bala que quase
acertou o meu coração.
— Você foi muito corajosa, piccola[37] — disse meu pai, se
aproximando e beijando o topo da minha cabeça.

— Obrigada, pai.
— Giulia está agonizando em casa de preocupação e
saudade, mas Pietro está sendo exigente de atenção — Eduardo
falou também se aproximando, embora mantivesse certa distância.
— Você nos assustou, Isabella.
— Está sentindo alguma dor? — minha mãe perguntou.
— Não, estou bem. Quanto tempo estou aqui?
— Cinco dias. Ficará mais alguns, mas está fora de perigo
agora. Só por precaução— disse Milena, afagando meu cabelo.
Um silêncio estranho tomou conta do lugar e eu esperei.
Nunca fui a mais falante da família, então esperei, ainda que
soubesse o motivo do estranhamento. Eles queriam que eu
perguntasse sobre o novo Pakhan da Bratva. Mas não perguntaria.
Se algo estivesse errado, certamente já teriam dito.
Como sempre, minha mãe resolveu quebrar o silêncio:
— Querida, não vai perguntar sobre o seu noivo?
Olhei firmemente em seu rosto quando respondi com a voz
mais monótona possível.
— Eu não tenho mais noivo, mamãe.
Ela arfou, horrorizada, Milena parou o carinho em meu cabelo,
papai deu um sorriso de canto e Eduardo fez uma carranca.
— Não sei se você tem muita escolha nesse assunto, Isabella
— Eduardo falou.
— Mudei de ideia.
— Não é assim que as coisas funcionam. Você sabia, desde o
início, que as coisas poderiam desandar no meio do caminho. Eu
tentei te dar alternativa, mas você escolheu esse destino. —
Eduardo estava contendo sua raiva, dentes e maxilar cerrados —
Você o escolheu, Isabella. Ele não abrirá mão de você, e eu não
estou disposto a começar outra guerra com a Bratva, não quando
acabei de terminar uma.
Eu odiava que ele estivesse certo. Odiava que realmente fosse
eu quem tivesse escolhido meu próprio destino. Mas esqueceram de
me avisar que, quando estamos apaixonadas, viramos tolas. Meu
semblante continuou o mesmo quando eu disse:
— O que ainda é minha escolha?
— Você escolhe a data — Papai me respondeu com uma
piscadela.

— Muito bem — disse e alisei o lençol do hospital que cobria


minhas pernas. — Esse será o noivado mais longo da história.
Eduardo fez uma carranca ainda pior para meu pai e saiu com
uma maldição. Minha mãe começou a questionar minha sanidade, e
Milena apenas me olhou em silêncio. Eu não colocaria meu coração
em risco novamente. A última vez, quase me levou à morte. Yuri
Ivanov poderia estar no trono da Bratva novamente e eu estava feliz
por ele, mas nossa história terminou quando ele me afastou. Eu não
me machucaria mais.
Yuri Ivanov estava prosperando nas últimas duas semanas em
que não o vi. Ele tinha sido reconhecido pelo conselho da Bratva.
Para a alegria e contentamento de todos, Yuri foi recebido com
honras. Todos os envolvidos na traição dos Nikolai foram julgados e
condenados à morte. Os negócios obscuros de Dimitri em parceria
com o cartel, sobre o tráfico de mulheres e crianças, estavam
desfeitos. Yuri estava levando a Bratva para o mesmo caminho que
seu pai, Bóris Ivanov. Como eu sabia de tudo isso? Pelas
mensagens que ele me enviava. Embora eu ignorasse firmemente
suas ligações e não respondesse a nenhuma de suas mensagens,
ele continuou me enviando, incansavelmente, sem se importar com
o meu silêncio.
Ele mandou flores quando eu tive alta do hospital. Flores que
ignorei. E todas as vezes que queria saber de mim, já que eu não
interagia ativamente, ele ligava para Milena ou Giulia. Eu estava
feliz por cada conquista dele. Minha ânsia em receber suas
mensagens e ouvi-las era maior que minha determinação de ignorá-
lo abertamente. Meu corpo se acendia de saudade apenas por
escutar o timbre de sua voz.
Sentada em frente ao espelho, em meu quarto, notei que os
hematomas agora estavam quase completamente desaparecidos.
Eu voltei a ser a mesma Isabella de sempre. Contudo, não a
mesma.

Com Yuri fora, Giulia foi escolhida para ser a nova capitã-mor.
Algo inédito na Cosa Nostra, e eu fiquei muito feliz por ela. Giulia
era ótima em estratégias, e gostava de liderar. Não era só por ser
esposa do Don que ela estava no cargo, era por ser capaz. Embora
alguns tradicionalistas reclamassem serem liderados por uma
mulher, ninguém ousou ir contra Eduardo em voz alta.
— Até quando vai ignorar o seu noivo, Bella? — Giulia
perguntou, acalentando Pietro que estava cada dia mais esperto.
Ele balançava seu pequeno punho e soltava barulhos de bebê. Era
um pequeno furacão. Giulia estava de pé e tinha Pietro em uma
posição em pé, encostando suas costas em seu peito, colocando o
pequeno para olhar em volta.
— Até que ele desista.
Giulia suspirou, cansada.

— Ele sofreu muito com tudo o que aconteceu, Bella. Ele


juntou um exército…
— Para recuperar a organização dele.
— Para resgatar você. Principalmente por você. Sabe aquele
preceito básico de não demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade?
Passou longe dele. Todo o submundo sabe que você é o que tem de
mais importante para ele.
— Eu não quero discutir isso com você.
— Você está sendo egoísta!
— Eu não sei por que você esperava algo diferente — disse
com indiferença, ainda olhando para o espelho.
— Eu odeio quando você faz isso! — gritou e Pietro se agitou
ainda mais em seu colo e ela passou a balançá-lo, dizendo mais
baixo, embora ainda furiosa: — Só tome cuidado para não se
arrepender, Bella, porque, por mais que você tente esconder, você é
louca por aquele homem. Qualquer um pode ver.
Meu coração saltou com suas palavras, mas permaneci
calada. Eu não consegui ir para aquele lugar onde ninguém poderia
me encontrar, porque, em todo lugar que eu fosse em minha mente
e coração, só havia ele. Mas eu morreria mil mortes antes de falar
isso em voz alta. Eu retomaria o controle de mim mesma, não
importava o preço.
— E antes que eu me esqueça — Giulia voltou com seu tom
de irmã mais velha mandona —, em duas semanas será o noivado
de Talía e Aleksander e, claro, seu noivo virá. Espero que não torne
a sua posição, em relação ao seu compromisso, pública.

— Pesadelos?

— Não.
— Algo que a perturbe?
Só a saudade.
— Não.
— Lembra-se do que estabelecemos antes? Sem mentiras.
Caso haja algo, apenas diga que não quer falar sobre.

A voz de Lillian era suave, mesmo que fosse uma reprimenda.


Mais uma semana havia se passado e, por vontade própria, procurei
Lillian. Ainda que agora sentisse dificuldade em externar o que
realmente estava sentindo. Fechei os olhos com força e me permiti
ser vulnerável.
— Estou com medo.
— Não é errado sentir medo. O medo é um mecanismo de
defesa que todos nós temos, é inerente ao ser humano. Todos o têm
em algum momento.
— Eu me coloquei em uma situação que não posso me libertar.
Pior, não quero me libertar. — Minha voz, pela primeira vez em uma
sessão, saiu fragilizada.
— Nero?
— Yuri. O verdadeiro nome dele é Yuri. E sim, trata-se dele. Eu
me entreguei, me queimei e agora estou com medo. Ele me
quebrou.
— Sabe qual é uma das maiores fraquezas humanas?
Idealizar, criar expectativas em relação aos outros. Não existe
perfeição, Bella. A maior parte das nossas decepções é causada por
nossas próprias idealizações e expectativas.

— Então, o segredo é nunca esperar nada de ninguém?


— O segredo é entender que todos somos imperfeitos. Que,
em algum momento, alguém que você ama vai te magoar. Às vezes,
mesmo sem querer. E, dependendo do erro, você pode seguir em
frente.
Engoli o nó em minha garganta e respirei fundo antes de
perguntar:
— Como?
— Perdoando.
Yuri Ivanov
Desembarcamos no aeroporto de Nova Iorque e logo fui em
direção à minha cobertura. Giovanni foi ansiosamente para sua
casa, encontrar sua esposa, já que passou o último mês comigo.
Italiano ou não, Giovanni foi meu braço direito e esteve comigo em
cada passo do meu novo caminho. Minha dívida e gratidão com ele
seriam eternas.
Assim que cheguei a minha cobertura, me vi invadido pela
saudade, pois me lembrei que foi aqui, nesse mesmo lugar, a última
vez que tive Isabella.
Isabella, que hoje me ignorava.
Isabella, que hoje estava disposta a me machucar.
Isabella, que eu incendiaria o mundo, mas não a deixaria ir.
Que ela sentisse raiva e ódio, que fosse a bonequinha de gelo,
que nunca retribuísse o meu amor, mas que fizesse tudo isso do
meu lado. Ela era minha. Eu falei sério quando afirmei que não teria
volta. Não tem.
Embora afirmar isso o dia inteiro, a cada rechaço que recebia
com sua indiferença, fosse como uma estaca em meu coração.
Porque eu daria qualquer coisa para tê-la entregue novamente em
meus braços. O interfone tocou me tirando do devaneio. Coração
saltou com a mera possibilidade. Poderia ser ela? Será que eu
consegui fazer com que me perdoasse? Com o coração aos
tropeços, atendi, ofegante.
— Sim.
— Senhor, uma senhorita chamada Alessa está...

— Dispense-a.
— Ela insiste.
Respirei fundo.
— Não a deixe subir. Eu descerei e falarei com ela aí.
Soltei um gemido frustrado e decepcionado. Encontrei Alessa
no hall de entrada e, quando ela levantou os braços na intenção de
me abraçar, segurei seus braços. Seu sorriso escorregou do rosto, e
ela me olhou ferida.

— Desculpe, minha noiva é ciumenta.


Eu ainda não tinha conversado com Bella, mas tinha quase
certeza de que ela me viu com Alessa e por isso estava me
ignorando. Ela me culpava pelo seu sequestro.
— Eu achei que… bom, fiquei sabendo que ela tinha sido
levada pelos russos.
— Ela foi resgatada. O que você quer? — Tentei ser direto,
embora soasse impaciente. Percebi que Alessa esperava mais de
mim e não precisava de mais problemas com minha noiva.
— Nero, nós somos amigos!

— Yuri.
Ela me deu um sorriso. Eu ia dizer que não éramos amigos,
mas ela disse antes.
— Fiquei sabendo sobre isso. Não se fala em outra coisa, a
não ser sobre você ser o novo Pakhan da Bratva. Que virada, hein!
— Ela deu um sorriso grande e pegou em meu ombro.
— Yuri!
Eu me virei e dei de cara com Veronika, usando com um
vestido amarelo brilhante, um casaco creme e sapatilhas pratas. Ela
tinha cortado o cabelo na altura dos ombros, o que lhe deu um ar
sofisticado. Parecia uma verdadeira princesa, mesmo com as
cicatrizes. Estávamos nos dando bem, mesmo que estivesse sendo
um processo gradativo. Havia muitas feridas que precisavam ser
cicatrizadas, porém vir nesse evento em Nova Iorque foi um grande
passo para nós dois.

— Quem é ela? — Veronika perguntou sem simpatia. Ela tinha


a aura de princesa, mesmo com toda sua história de vida. Sua
postura era altiva, algo nato. E eu sabia também que a falta de
simpatia com Alessa era em nome de Isabella.
— Veronika, essa é Alessa, ela trabalhava nos meus negócios
em Nova Iorque.
Alessa me olhou séria, a pergunta em seus olhos.
— Está noivo da psicopata, mas tem uma amante?
Veronika ficou vermelha e disse entredentes:

— Eu não sou amante dele, sou irmã. — Alessa empalideceu.


Veronika deu um sorriso vitorioso e acrescentou. — Pelo jeito, quem
quer o papel de amante é você.
— Eu… m-me desculpe, e-eu fui rude. Muito prazer, que honra
conhecer a irmã de Nero, eu e ele somos grandes amigos, devo
minha vida a ele.
— Você está sendo desnecessária! Vamos subir, Yuri, estou
cansada e você sabe que não gosto de ficar sozinha em lugares
estranhos.
Segurei o meu sorriso e Veronika ainda estava com o
semblante fechado, virando as costas, esperando que eu a
acompanhasse. Com um último olhar a Alessa, segui a minha irmã,
que continuava com o cenho franzido, mesmo quando entramos no
elevador. Pacientemente esperei que perdesse o recato e finalmente
falasse.
— Ela, por acaso, é alguma amante?

— Não.
—Porque eu ficaria muito decepcionada se você traísse
Isabella. Nenhuma mulher merece isso.
— Não tenho uma amante, Veronika — disse com mais
firmeza.
— Acho bom. Porque se tiver, sou a primeira a contar e aí que
você não vai reconquistar Isabella mesmo.
Eu segurei o meu sorriso para não encorajar sua insolência,
mas senti uma sensação quente no peito ao saber que minha irmã
era leal a Isabella. Um dos meus maiores desejos era que se
dessem bem. A gratidão de Veronika com Isabella já era um bom
começo. Agora eu precisava dobrar a minha noiva.

Entramos na mansão Maceratta, e tudo estava deslumbrante


como sempre. Milena estava se saindo uma anfitriã cada vez mais
espetacular. Veronika apertou a minha mão assim que pisamos no
hall e parou no lugar.
— Está tudo bem?
Ela olhou aos arredores, embora estivesse impecavelmente
maquiada, não escondeu o quanto estava pálida. Usava um vestido
prata que ressaltava os olhos. O cabelo solto, com balanço, e saltos.
Minha irmã tinha a aparência tal qual o que era: uma princesa da
máfia.
— Só estou nervosa. — Fechou os olhos e respirou fundo. —
Vamos.
— Você não está sozinha.

Ela me olhou nos olhos e deu um sorriso cúmplice. Eu ainda


era novo em ser um irmão mais velho de uma garota, ainda mais
com toda a nossa história de vida. Anthony Rossi tinha quase a
minha idade e não tínhamos qualquer laço fraterno. Veronika era
mais nova e só tinha a mim. Eu sentia a responsabilidade em cada
átomo do meu corpo.
— Obrigada.
Assim que entramos, Milena veio nos receber. Mesmo que eu
estivesse receoso, percebi que Veronika se tranquilizou quando a
viu. Ambas trocaram um abraço e logo Giulia se juntou a elas.
Veronika ficou um pouco tensa com a chegada de Giulia, mas logo
ficou confortável. Eu me vi sorrindo para a troca das três e, então,
passei meus olhos pelo local, procurando minha noiva rebelde.
Encontrei-a em uma roda com algumas pessoas e quase
engasguei com minha própria saliva. Isabella usava um vestido
acima da coxa, colado até a cintura. De frente única, ostentando sua
tatuagem de asas de anjo nas costas. O vestido era preto e se
segurava apenas pelo pescoço. Nos pés, saltos altíssimos
completavam a visão que me assombraria até a morte. Suas costas
estavam completamente nuas. De costas, pude ver que o cabelo
estava preso em um coque elegante e, quando se virou, rindo de
algo que Gabriel falava, senti o fogo do ciúme tomar conta de mim.
O que ela pensava que estava fazendo? Conversando com
aquele bebê, que mal tinha saído das fraldas? Ela me ignorou
durante um mês inteiro, tentou desfazer o nosso noivado, que só
seria desfeito se um de nós sucumbisse à morte, e agora queria me
enlouquecer com aquele vestido e socializando com seus
pretendentes?
Passos calculados me levaram em direção a ela, que nem
piscou, me desafiando com o olhar. Quando cheguei o mais perto
possível, senti sua expressão desafiadora deslizar para uma mais
tensa, que logo ela escondeu. Coloquei minha mão em suas costas,
exatamente onde estava a tatuagem de asas de anjo, sentindo seu
corpo retesar de surpresa, e beijei o topo de sua cabeça. Seu
perfume, sua calidez, sua boca carnuda quase me fizeram esquecer
tudo. Eu só queria beijá-la sem sentido. Um olhar para ela, naqueles
segundos, me disse que também estava abalada com a minha
proximidade.
— Oi, boneca.
Friamente, ela me olhou, um sorriso social enfeitou seus
lábios. A bonequinha de gelo estava de volta. Olhei para os outros
que observavam a troca, e não deixei de notar que Gabriel pediu
licença e saiu. A conversa na roda continuou, e eu não me contive
mais.
— Isabella, precisamos conversar.
Eu vi a recusa em seus olhos, mas ela sabia melhor e era
discreta. Recusar-me na frente de seus colegas seria uma
humilhação para mim. E um fio de esperança entrou em meu
coração, percebendo que ela ainda se importava comigo. Pedindo
licença, nos afastamos, indo até um corredor mais reservado.
— O que você quer? — Seu tom foi frio. Doeu um pouco, mas
guardei o sentimento para mim.
— Você me ignorou.
— Você percebeu.
Insolente. Soltei um suspiro frustrado com a situação, agora
totalmente perdido sobre como abordar tudo com ela. Havia
acontecido tanto em tão pouco tempo.
— Me fala qual o seu objetivo com essa frieza, o que você
quer?
— Não está claro? Eu não quero mais esse compromisso.
Você ameaçou começar outra guerra se me recusasse, o que,
francamente, foi infantil. Até para você.
Não escondi o meu sorriso de satisfação. Ela estava
ruborizada de raiva e qualquer coisa era melhor do que aquela
bonequinha apática de gelo. Eu amava cada nuance dela, mas
comigo, eu preferia ela aberta a tudo o que sentia.
— E você não terminou, mesmo assim. — Dei um passo em
sua direção e ela recuou. Fizemos essa dança até que a tivesse
encurralada na parede. O salto a deixou com o topo da cabeça em
meu queixo.
— Um casamento político — disse com firmeza, mas eu
poderia ler toda a saudade reprimida em seu olhar. Eu abaixei e
inalei seu pescoço, sentindo seus poros arrepiarem. Tão sensível a
mim, tão minha.
— Um casamento de amor, Isabella. Um casamento de duas
almas apaixonadas. — Subi uma mão até o seu pescoço e encostei
minha boca na dela, ainda não lhe beijando. Ela pousou ambas as
mãos em meu pescoço e fechou os olhos. Quase rendida. — Eu te
amo, Bella. Você é a minha rainha. A minha vida. Eu quase morri
quando achei que tinha te perdido… me culpei cada maldito
segundo em que você esteve naquela fortaleza, longe de mim… Eu
preciso de você, preciso saber que tenho você para dar a minha
próxima respiração.
Sem dar tempo para que me respondesse, tomei posse de
seus lábios. Tanta saudade, tanta distância, voltar a sentir seu gosto
era como ter um pedaço do paraíso. Todas as minhas conquistas só
valeriam a pena se a tivesse comigo. O beijo foi ficando mais
selvagem e eu suguei a sua língua. Apertei seu corpo ao meu,
exigindo tudo, toda a sua entrega, sua rendição. Então imagine a
minha surpresa quando Isabella se soltou de mim, se afastando
quatro passos.
— Não. Não! — disse, se afastando mais e com as mãos na
boca. — Eu não tenho como me desfazer desse compromisso,
ótimo. Mas não espere que vou voltar a me entregar. Porque não
vou, não vou. — Uma lágrima bem no canto de seu olho escorreu,
mas quando disse suas palavras, foram firmes — Você me afastou
quando tudo o que eu queria era estar ao teu lado e te apoiar. Além
de me afastar, você procurou consolo com aquela sua amiga
apaixonada por você. Não se culpe pelo meu sequestro, Yuri. Se
culpe por me afastar. Você me quebrou uma vez, não vou te dar
esse poder novamente. Então, contente-se com um casamento
político. Um casamento de conveniência. Daqui uns dez anos, quem
sabe.
Eu nunca tinha visto um discurso afetado em Isabella. Um
discurso emocional, e vê-lo pela primeira vez direcionado a mim, foi
esmagador. Ela estava magoada. Minha imbecilidade foi maior do
que tinha imaginado.

— Não vai se livrar de mim, Bella. Quer que eu te espere? Te


esperarei. Um ano, dez, vinte, não importa. Eu, meu trono, meu
coração… pertencemos a você. — Olhei no fundo dos seus olhos,
azuis, vulneráveis e magoados. — Só não pense em desfazer esse
compromisso, porque falo sério quando digo que não aceitarei. Não
é um blefe. Eu já perdi tudo uma vez… sou paciente, posso esperar.
O que eu não posso é te perder. E só para esclarecer, não busquei
consolo em ninguém. Alessa me procurou e a dispensei.
Ela passou por mim voltando para onde acontecia o evento,
parecendo pouco abalada com meu discurso ou explicação. Suspirei
e tentei acalmar as batidas do meu coração por um momento. Seria
mais difícil do que eu tinha imaginado e, se por um momento,
imaginasse que ela não retribuía o meu sentimento, a libertaria,
mesmo com toda a dor. Mas seu discurso magoado, apesar de
doloroso, provava a mim que ela se importava. E eu me agarraria a
isso.
Antes de sair do corredor, escutei vozes abafadas e uma porta
ser aberta, deixando-as ainda mais audíveis.
— Você sempre soube, Mirela, sempre soube que…
— Mas não é justo, eu amo você, eu achei que...
— Nunca quis te magoar, mas é o meu dever.
— Você vai se casar com ela mesmo me amando? Porque
você me ama, eu sei.
— É o meu dever, Mirela! Agora chega!
A garota saiu pisando duro e quando me viu, abaixou o rosto,
envergonhada. Era uma das garotas que vieram com o clã Dardan.
Ruiva, alta, tem algum parentesco com a irmã mais nova de
Aleksander. Ele saiu da sala com o rosto frustrado. Quando me viu,
colocou ambas as mãos no rosto e encostou na parede à minha
frente.
— Yuri Ivanov.
— Acho que você tem problemas.
— Mais do que você imagina. — Ele acendeu um cigarro. —
Não que importe… Mirela é prima de minha irmã, sobrinha da minha
madrasta. Envolvemo-nos na adolescência e por algumas vezes
quando ela foi passar as férias em casa. Antes que eu soubesse
que me casaria com uma italiana, poderíamos até mesmo ter
mencionado algo sobre nos casar. Embora, por insistência de minha
madrasta, ela tenha vindo, está tendo dificuldade de processar que
vou me casar com outra.
— Mas é verdade o que ela disse? Você a ama?
— Não saberia dizer. Gosto de estar com ela, não sei se sou
capaz desse amor romântico, ou esse amor épico entre você e a
caçula das Castelle. Amo do meu jeito.
— Não.
— Não o que? — me perguntou, confuso.
— Você não ama essa garota. Se amasse, não suportaria a
possibilidade de estar longe dela nem um segundo, sem a certeza
de que ela seria sua. Não se casaria com outra.
— Então, acho que jamais amarei. Não consigo me ver dando
tanta importância a uma mulher.
— Não é algo que esperamos, mas não impede que aconteça.
De qualquer forma, você está mais fodido que eu. Só preciso
convencer minha noiva a se casar comigo em algum momento. —
Aleksander riu.
— Eu nem conheci a minha noiva.
Eu me lembrei de não ter visto realmente Talía em nenhum
lugar. Será que a princesinha tinha fugido? Lembro de Isabella ter
mencionado que ela estava apreensiva em relação ao casamento.
— Vamos, para que haja noivado, o noivo deve estar presente.
Juntos, cada um com a sua merda, voltamos para onde todos
estavam após uma conversa de boceta. Assim que chegamos, no
alto da escada, Talía Maceratta descia com um vestido verde, longo,
chamando a atenção para seus olhos, do mesmo tom. Senti
Aleksander puxar uma respiração aguda, porque, até eu
completamente apaixonado por Isabella, tinha que admitir: Talía
estava linda. Olhando de soslaio, percebi que ele não tirou os olhos
de Talía um segundo sequer. A garota passou cumprimentando a
todos, chegou na madrasta de Aleksander, que não retribuiu muito o
seu sorriso, a garota ao lado, que deveria ter quinze anos, a
cumprimentou alegremente e, por fim, não encontrei a ruiva em
lugar algum.
— Acho que agora conheceu sua noiva.
— Acho que sim — respondeu sério, sem desviar os olhos
dela.

Segurei meu sorriso e a vontade de dizer a Talía que ela


estava segura nas mãos de Dardan. Ele já estava fascinado,
embora não soubesse ainda. Talía parou à sua frente com um
sorriso educado, enquanto Dardan a olhava hipnotizado. Então eu
me afastei, dando um pouco de privacidade aos noivos.
De longe, olhei para onde Veronika conversava com Milena,
Giulia e Isabella. Isabella sorriu, um sorriso verdadeiro, por algo que
Veronika confidenciou. Eu me deliciei com a cena. Eu teria
paciência, esperaria seu tempo. Só não abriria mão dela. Nunca.
Dois meses depois
Isabella Castelle
A temporada de dança havia começado. Duas semanas atrás,
os ensaios haviam voltado e hoje foi a nossa primeira apresentação.
O Lincoln Center estava lotado, ingressos praticamente esgotados
para toda a temporada. Meus pais e irmãs, pela primeira vez, não
vieram em uma apresentação de estreia e tirando o fato de
ninguém, além da segurança, estar presente, me deixando
levemente confusa, sabia que todos tinham suas próprias
preocupações e obrigações, e minhas irmãs tinham suas famílias.
Desde o noivado de Talía, não vi ou falei com Yuri. No primeiro
mês, ele continuou mandando mensagens de voz todas as noites,
mensagens que eu esperava ansiosamente. Então, elas passaram a
ser mais espaçadas, acredito ser pela minha falta de resposta, até
não ter nenhuma em mais de uma semana.
Eu continuei ignorando cada tentativa de ele manter contato.
Continuei com meu trabalho de executora para Eduardo, agora
respondendo diretamente a Giulia, e com a dança. Tentei ocupar
cada espacinho do meu tempo até não sobrar nada além da
exaustão. Isso me impedia de pensar em Yuri, ou de cair na
tentação de falar com ele. Era uma ação idiota, sabia, mas
precisava de um tempo depois de tudo. Doíam a distância e a
saudade; e, agora, além disso, tinha medo de que ele se
esquecesse de mim, que tivesse se cansado, como Giulia disse que
aconteceria. Tive que conjurar cada grama de força no dia do
noivado de Talía para não pular em seus braços e dizer que me
casaria com ele naquele mesmo dia.

Mantive contato com Veronika. De alguma forma, encontrei


similaridade com ela. Não pela história de vida, jamais por isso. Mas
pela dificuldade de interagir com todos, de se conectar, além da
forma educada. Eu me sentia à vontade com ela, e ela, comigo. Não
havia frivolidades em nossos diálogos e aconteciam de forma
natural. E mesmo indiretamente, ela me dizia que seu irmão estava
mergulhado no trabalho.
Segundo ela, era para não me perseguir como um maluco. Por
um momento, quase pensei que ele poderia estar se divertindo com
outras, mas, de acordo Veronika, todas as noites em que não estava
no trabalho, ele estava com ela. Eu nunca tive uma amiga, nem ela.
Veronika, mesmo virtualmente, estava se tornando a minha primeira
amiga, embora Yuri não fosse um de nossos assuntos, não de
minha parte, pelo menos.
Saindo da minha névoa de pensamentos confusos, cheguei ao
meu camarim, onde uma flor branca com manchas vermelhas
estava em minha penteadeira. Lentamente me aproximei e passei
minhas mãos pelas pétalas. Pétalas em sangue, foi a ideia que me
ocorreu ao vê-la. Era diferente.

Abri o envelope que a acompanhava e lá, em uma letra cursiva


e elegante, estava escrito:
“Singular, como você. Estava
maravilhosa esta noite.
Seu,
Y. Ivanov”.
Alarmada e com o coração aos pulos, olhei para os arredores
do camarim. Não vi nada e nem ninguém. Saí pelo corredor e andei
como uma louca, procurando alguma pista. Yuri estaria em Nova
Iorque? Ele estava, claro. Ele me deixou um bilhete e uma rosa.
Angustiada, aflita, voltei para o camarim e me troquei, aguçando
meus sentidos para notar qualquer sinal diferente. Estava eufórica e
decepcionada. Uma confusão.

Quando saí, esperava que Enzo estivesse com o carro na


frente do Lincoln Center, mas não o encontrei. Franzi os cenhos, um
pouco assustada, e já me preparei para o que quer que fosse vir em
minha direção. Ao mesmo tempo, a ideia de que Yuri estivesse por
ali também inundava minha mente. Era emocionante e assustador,
mas, a essa altura da minha vida, tudo em relação a Yuri me tirava
do eixo. Descontrolava-me.
Eu estava ainda com o body[38] da apresentação, mesmo que
tivesse tirado parte da maquiagem, soltado o cabelo e vestida com
uma calça confortável. Fui em direção às escadas totalmente alerta,
confusa e ansiosa.
Antes que chegasse à rua, contornando o chafariz ostentoso
em frente ao Lincoln, perdi totalmente o ar dos meus pulmões e
parei abruptamente. Yuri Ivanov, com toda a aura de poder que
agora ele tinha se apropriado, estava perto do chafariz, todo de
preto, cabelo solto e selvagem, grande em todos os sentidos. Tinha
um olhar entre resignado e esperançoso no rosto, até mesmo um
pouco cauteloso. Meu coração se encheu de saudade, as batidas
tão fortes, dando a impressão de que estava visível em meu peito e,
por um momento, cogitei a possibilidade de pular em seu colo e
beijar a sua boca com loucura. Devagar, com as mãos no bolso do
sobretudo, ele se aproximou de mim. Tão, tão lindo.
— Oi — disse com um sorriso contido e uma voz suave.
— Você não me mandou mais mensagens.
Fechei os olhos com força assim que as palavras saíram da
minha boca. Essa garota insegura não sou eu. De repente, mil
pensamentos povoaram minha mente. Ele veio terminar comigo?
Ele se cansou de me esperar? Deus, estava quase chorando e
pronta para implorar para que não me abandonasse.
Ele soltou um sorriso leve, mas não se aproximou mais. Como
ele, fiquei congelada em meu lugar, muito nervosa e consciente. O
vento batia em mim, bagunçando meu cabelo de forma irritante, o
que me fez segurá-lo em um lado apenas e começar a torcê-lo. O
que me deu algo para fazer com as mãos.
— Eu fiquei sabendo que hoje era a sua apresentação de
estreia… e não consegui me conter. Lembrei-me de todas as outras
vezes em que você se apresentou e eu assisti lá da última cadeira.
— Você nunca foi a minhas apresentações. Enzo ia.
— Eu sempre fui. Sempre estive lá em suas estreias — ele
olhou para cima e depois diretamente para mim —, eu só não
falava.
Segurei o ar em meus pulmões mais uma vez. Ele sempre
esteve lá. Ele estava aqui hoje. Nunca, nem em um milhão de anos,
eu esperaria vê-lo aqui, ou mesmo imaginei que ele confidenciaria
que sempre assistiu às minhas apresentações. Fiquei emudecida e
dessa vez não foi de propósito, foi por realmente não saber o que
dizer diante da sua revelação.
— Eu sei o que disse. Que te daria espaço, que esperaria por
você, mas me vi nos mesmos vícios de antes. O vício de te ver,
mesmo que fosse de longe. — Cada palavra dita enchia meu peito
de emoção, principalmente saudade. Sua voz era ansiosa e ele
parecia estar lutando com um turbilhão interno, assim como eu, e
poderia estar enganada, mas seus olhos pareciam úmidos. — Você
disse que não enviei mais mensagens… não, não enviei mais. Com
a sua falta de resposta, me vi louco de saudade, louco de ciúmes
também. Tinha que te ver. Tinha que saber que, mesmo aqui, você
ainda era minha. Eu deveria ter me afastado assim que a
apresentação acabou, como fiz em todas as outras vezes... mas não
aguento mais Bella. Eu preciso de você. Eu já perdi muito… Não me
diga que te perdi também.
Meus olhos ficaram marejados. Eu era uma pessoa difícil,
sempre soube disso. Mas quem queria enganar? Estava infeliz.
Sentia falta desse homem até a morte. Precisava dele para me
trazer de volta a luz, e só me mantive longe porque tinha certeza de
que ele também era meu. Eu não suportaria perdê-lo. Era uma birra
infantil, talvez a primeira, mas saber que nosso compromisso estava
ali, intacto, me aliviava também.
Ele deve ter visto o reconhecimento e a entrega em meus
olhos, porque, em um impulso, ele estava na minha frente, e eu o
encontrei no meio do caminho. Nossas bocas se chocaram com
violência e saudade. Ele me tirou do chão e eu tive a sensação de
que jamais me soltaria. Foi o beijo mais emocionante de toda a
minha vida, daqueles que eu só lia em livros de romances nas raras
vezes em que o tédio me engolia. A diferença era que eu estava
sentindo tudo. Sua boca, sua língua, seu aperto, tudo me
desestruturou de forma tão intensa que, por um segundo, pensei
que jamais voltaria ao que era.
— Onde está o Enzo? — perguntei entre beijos desleixados.
— Eu o dispensei — respondeu beijando meu pescoço,
sugando, sem se importar que estivéssemos em público.
— Você não tem mais essa autoridade, Pakhan. — Ele parou e
me deu um sorriso lindo de canto de boca.
— Velhos hábitos não morrem fácil.
Eu sorri preguiçosamente e pousei meus lábios nos dele,
agora calmamente. Ainda no colo, ele me levou para o seu carro,
agarrada a ele como um macaquinho. E então estávamos indo para
a sua cobertura. Todo o tempo até lá, Yuri me beijou como se
tivesse medo que eu dele ou que eu fosse uma miragem e
desaparecesse. Assim que chegamos, ele me soltou e a sensação
de déjà vu [39] me tomou em meio aos nossos atos frenéticos. Aqui
estávamos, novamente em sua sala, eu tirando a minha roupa,
enquanto ele tirava a dele.
Nossos corpos se chocando em um beijo febril e tão
avassalador que nos dominava até perder a noção da realidade.
Sem entender muito bem como, estávamos em seu quarto, em sua
cama. Ambos pelados e ansiosos, com o desejo reprimido após
tanto tempo.
— Eu não vou conseguir ir devagar agora, Bella. Eu estou há
muito tempo sem você…
Eu mal consegui assimilar as suas palavras. Em pouco tempo,
ele tinha colocado o preservativo e entrou em mim bruscamente, tão
forte que eu senti dor, apesar de já estar molhada de prazer.
Porque, com ele, dor e prazer andavam juntos. Ele não aliviou,
implacavelmente passou a me foder e cada vez que seu quadril se
chocava com o meu, o prazer em mim ia se construindo. Não
demorou muito para que ambos chegássemos ao clímax. Afastando
seu tronco, seus olhos trancaram-se nos meus, e o que eu vi na sua
imensidão cinza me deixou com as pernas bambas. Havia uma
ferocidade e adoração tão grandes, uma aura dominadora e uma
promessa, a promessa de que sempre estaríamos juntos. O
sentimento de pertencimento se assemelhava a algo sobrenatural…
ou destino.

Após alguns segundos em que ambos ficamos em silêncio,


olhando para Yuri e ele para mim, sem uma palavra, passamos a
nos beijar novamente. Parecia que nunca seria o suficiente. Yuri
desceu beijando a minha barriga até o meu centro de forma voraz e
dominante, onde lambeu, mordeu, me deixou sôfrega de prazer em
uma doce tortura. Sugou meus sulcos e introduziu um dedo em mim
enquanto me tomava, reverente. Enlouquecida, puxei seus cabelos
e gritei seu nome até o meu mundo explodir em mil pedacinhos.
Sem me dar tempo, Yuri me virou, colocando minha bunda no ar.
Passou a massagear a entrada da minha bunda, e eu esperei
a estranheza me tomar. Mas esse era Yuri, era o homem que eu
amava e confiava, sabia que ele jamais me machucaria, não se não
fosse para potencializar o meu prazer. Seu dedo massageou e,
quando entrou, fiquei um pouco tensa, principalmente quando senti
algo gelado em minha bunda.
— Relaxa, bonequinha safada. Hoje eu te farei inteiramente
minha.
Essa posse declarada, essa boca suja… deixava-me louca de
tesão. Era sujo, mas acendia meu corpo de maneira sem igual. Com
cuidado, ele introduziu um dedo, depois dois. Uma leve ardência me
assolou para então ser substituída pelo prazer, enquanto ele
brincava com meu clitóris. Logo, ele retirou os dedos e passou a
brincar com seu pau. Em um instante, ele penetrou devagar, a
ardência aumentando à medida que ele entrava. Doeu sim, mas
como eu já tinha aprendido sobre mim, a dor era um catalisador de
prazer. E ele sabia disso.
— Seu rabo apertado está estrangulando o meu pau, boneca.
Fiquei ensandecida. Louca. Descontrolada. Suas mãos me
levantaram pelo cabelo e ele passou a foder a minha bunda
duramente. Sua outra mão deslizou para minha boceta, enquanto
meu corpo era amparado pelo dele. A mão que estava em meu
cabelo foi para o meu pescoço e eu ansiei pelo que viria a seguir.
No mesmo momento em que me fodia por trás, Yuri cortou a minha
respiração e assolou minha boceta com os movimentos de seus
dedos certeiros. Senti-me preenchida em todos os lados. Era como
se eu fosse explodir. E explodi como nunca. O orgasmo,
acompanhado pelo grunhido de Yuri, deu a sensação de que a
cobertura tinha estremecido, principalmente quando o ar voltou para
meus pulmões.
Tudo em mim estremeceu e, mesmo depois que o orgasmo
poderoso estava passando, a fraqueza me tomou e eu só caí na
cama. Yuri saiu de mim, deu uma respirada profunda, deitando ao
meu lado. Suados, com seu prazer descendo em minha perna, não
houve energia para um banho. Foi sujo e indecente, sórdido e louco.
E eu nunca me senti mais completa e feliz.
Yuri Ivanov
Os dias sem Isabella tinham sido uma tortura. Senti falta dela
em cada respiração. Saber que ela escutava minhas mensagens de
voz me dava um fio de esperança e a proximidade dela com
Veronika também era um consolo. Não saber o que esperar de
Isabella era outro ponto, que, nesse caso, me assustava um pouco.
Fui um perseguidor, um stalker[40] por essa garota por mais de
um ano. Era mais que um trabalho segui-la por todo o caminho no
momento em que a conheci, o que se intensificou com seu primeiro
sequestro. Mesmo em silêncio, era obcecado e dependente de
qualquer migalha que vinha dela. Amei-a em silêncio. Amava ainda
mais agora. Esperaria quantas vidas fossem possíveis para tê-la
novamente, inteiramente.
Ela jogou minhas palavras de volta. Jamais seria uma simples
conveniência ou uma união política. Ela era mais, sempre, sempre
foi mais. Acredito hoje, depois de todo o tormento ao qual fomos
submetidos, desde a primeira vez que a vi, aos cinco anos, com um
vestido e um laço enorme no topo da cabeça, com seus olhos
incrivelmente azuis e gestos adultos, que estávamos destinados. Ela
me pediu para que eu fosse o seu príncipe, contudo, era ela quem
seria a minha rainha, a dona absoluta de tudo o que era meu.
Velei seu sono, seu rosto de anjo, meu anjo da morte, e senti
meu coração apertado no peito, ainda não acreditando que, depois
de três meses, ela era inteiramente minha novamente. Amava-me,
mesmo que ainda não tivesse me dito as palavras. Acariciei seu
rosto, minhas mãos monstruosamente grandes em seus traços
delicados. Fiz o que ela fazia em mim, contornando cada nuance do
rosto.
Lentamente ela abriu os olhos, olhando minha alma, sem
piscar. Tão direta. Tão mortal. Levantando uma das mãos, ela
passou a contornar meu rosto, semelhante ao que eu fazia com o
dela. Contornou meus olhos, nariz, boca e, então, fechou os olhos.
Abrindo novamente, senti-me o mais orgulhoso e abençoado dos
homens, porque vi uma Isabella que nenhum outro veria: entregue e
vulnerável.
— Te amo, Yuri. Quer ser o meu príncipe? — perguntou
roucamente.

Foi impossível não sentir tudo intenso de uma só vez.


Aproximei meu rosto do dela, nossos narizes inalando o mesmo ar.
E a minha mente voltou anos atrás, quando a vi pela primeira vez e
ela me fez essa mesma pergunta. A diferença é que antes éramos
crianças, agora, ela estava nua em minha cama.
— Você se lembra? A primeira vez que nos vimos?
— Vagamente. Há pouco tempo… meu pai me contou que te vi
aos cinco anos. E que fiquei meses obcecada por você, pedindo um
príncipe de verdade, aquele príncipe que eu tinha visitado no
castelo. Logo, meu pai entendeu que o príncipe era você. Com o
tempo, parei de falar do príncipe…
— Acredita em destino?
— Acredito no que sinto por você. Se for destino, que seja.
— Eu acredito que, desde o momento em que a vi pela
primeira vez, nossos caminhos foram destinados. Mesmo que
morte, dor, sangue e perda tenham feito parte dessa jornada, não
havia forma de ser diferente. Eu e você, juntos.
Isabella beijou calidamente minha boca. E então nos
abraçamos com carinho e ternura, eu, tendo a certeza em cada
grama do meu ser que sempre foi ela, era destino. A perspectiva de
dias felizes em nosso futuro me inundando com a certeza de que
sempre pertencemos um ao outro.

— Ah, meu Deus. Não acredito que vocês estão juntos


novamente— Giulia disse alegremente ao nos ver chegando a sua
casa.
Dei-lhe um olhar grato, pois sua ajuda tinha sido crucial. A
ideia era que ninguém fosse à estreia de Isabella, que eu fosse
sozinho e tivéssemos a chance de conversar. Não nego que, em
muitos momentos, quase dei meia-volta e fui embora antes que ela
desse conta da minha presença, mas permaneci ali, segurando um
fio de esperança.

Eduardo quase não concordou com a ideia, embora


estivéssemos vivendo um período de paz entre as principais facções
criminosas, ainda havia os sérvios e o cartel mexicano. Sempre
poderia acontecer uma retaliação, ou tentativa vã de vingança
contra Dimitri, agora que o tráfico de mulheres e crianças dentro da
Bratva estava terminado e, com isso, as alianças com ambos.
As alianças entre máfias também eram frágeis e passíveis de
mudanças repentinas. Não era uma garantia definitiva.
Na grande sala da casa de Giulia, estava Milena no colo de
Giovanni, Eduardo segurando um Pietro agitado em seus braços,
sorrindo e falando suavemente com o pequeno para acalmá-lo. Se
não o tivesse visto matar diversas vezes, dificilmente diria que era a
mesma pessoa. Enrico Castelle, soube, teve o seu castigo por ter
me escondido na Cosa Nostra, estava sentado ao lado de
Alessandra, que conversava alegremente com Antonella Maceratta,
mãe de Giovanni. Talía Maceratta também estava vendo algo no
celular com Anita e Veronika. Minha irmã levantou os olhos e deu
um sorriso em minha direção.
Era assustador o tanto de voltas que a vida poderia dar em
pouco tempo. Até um ano atrás, eu era um chefe de origem
duvidosa, que vivia para me firmar a cada passo do caminho. Então,
aconteceu Isabella e toda a merda que nos foi jogada, vidas
perdidas, guerra, para, no fim, eu ter de volta o que me pertence e a
mulher mais incrível que já existiu, reinando ao meu lado.
— Então, o casamento ainda será em dez anos? — perguntou
Giovanni e eu quase lhe dei o dedo do meio. Limitei-me a um olhar
severo até ser abordado pela alegria esfuziante de Alessandra.

— Teremos casamento?
— Para quando Isabella quiser.
Isabella ergueu os olhos em minha direção com um sorriso e,
como sempre acontecia, seu olhar conversou com o meu. Hoje, se
fosse possível, era o que ele me dizia. Abaixei até o seu ouvido e
disse:
— Por mim também, boneca. Mas, infelizmente, uma grande
festa tem que acontecer.
— Que pena.
Foi sua única resposta. Sorrindo, beijei o topo de sua cabeça e
ela foi em direção a minha irmã. Ambas se abraçaram naturalmente.
Veronika ainda não se sentia à vontade em torno de estranhos, mas
tinha amado Milena, tanto que ficou hospedada na casa dela de
ontem para hoje. E, estranhamente, ela se sentia bem com a família
Castelle-Maceratta. Minha família também, tanto por casamento
quanto por vivência e, arrisco dizer, por coração.
Mesmo que jamais dissesse em voz alta, Giovanni era um
irmão, Eduardo meu mentor, e todos que importavam a eles
importavam para mim. O que, coincidentemente, também era
importante para Isabella. Viramos uma grande família, onde
poderíamos ser homens e mulheres sem máscaras.
As mulheres foram em direção à cozinha entre risos histéricos
enquanto Anita dizia alto que seria a dama de flores na cerimônia de
casamento. Veronika acompanhava a troca entre as irmãs Castelle,
Antonella e Alessandra, tímida e divertida. Eu me sentei ao lado de
Giovanni, junto de Eduardo e Enrico, que tirou Pietro dos braços de
Eduardo e o aconchegou no colo. A conversa fluiu e não, não foi
como nos velhos tempos. Foi melhor.
Muito melhor.
Isabella Castelle
— Está chegando o aniversário de Anita, treze anos, vai querer
uma festa querida? — perguntou mamãe enquanto estávamos na
cozinha com o restante das mulheres. Um bolo de chocolate foi
colocado no centro da mesa da cozinha e todos se deleitavam e
conversavam alegremente. Desde que tudo aconteceu, não tivemos
um bom momento.
— Não, né, tia. Eu já estou grande para festa. Mas quero fazer
uma viagem com algumas amigas.
Giulia, que havia se levantado e ido em direção à geladeira,
parou e deu-lhe um beijo na testa.
— Você ainda não é grande o suficiente para viajar sozinha
com amigas, Ani.
— Saco! — disse com a pequena colher na boca, revirando os
olhos. Ela tinha pintado uma mecha de cabelo de rosa e estava
cheia de atitude adolescente. Tão diferente da criança tímida e
assustada que conhecemos. Lorenzo, seu finado pai, graças a mim,
era uma doença, o mundo estava melhor sem ele.
— São ossos do ofício, meu amor. Já conversamos sobre isso.
— Mas todo mundo faz isso no aniversário. Eu nunca posso,
não é justo — voltou a reclamar.
— Bem-vinda ao clube, doninha. Eu tenho vinte anos e nunca
fiz uma viagem com amigas. — disse Talía devorando seu bolo.
— Mas eu vou fazer, não viverei presa como vocês. Eu vou
viver livremente e me casar com quem eu escolher.
O silêncio foi desconfortável após as palavras de Anita. Ela
parecia tão certa do que falava, quase como se fosse uma adulta.
— Querida, você sabe que faço o possível para que tenha uma
vida mais próxima do normal. Mas você sabe que não somos como
as outras pessoas — Giulia disse com firmeza, sem alterar o tom de
sua voz. Anita mordeu uma resposta de volta, talvez se dando conta
de que havia outras pessoas. Resolveu ocupar a boca com o bolo e
deu de ombros.
Antonella, tentando cortar o clima desagradável que se
apossou do ambiente, bateu o prato e soltou um som alegre,
dizendo em seguida:
— Ah, espero que se lembrem de que, quando vocês tinham
essa idade, também tinham exatamente essas atitudes. Giovanni,
algumas vezes, ainda no colegial, foi a festas escondido, sem ter
noção do perigo que corria ao andar pelas ruas sem segurança. —
Seu olhar ficou saudoso — Salvatore tentou dar a Giovanni a vida
mais normal possível. O deixou ir às escolas, jogar futebol… — O
clima mudou no ambiente.
— É por isso que ele é maravilhoso, sogrinha — Milena disse
do seu canto, com a boca cheia de bolo.
— Milena, modos — mamãe disse, e Milena revirou os olhos
com força, por um momento achei que não voltaria ao normal.
— A questão é que vocês não devem se esquecer nunca que
são fases. E você, pequena, saiba que tudo é para o seu próprio
bem— Antonella concluiu com um afago em Anita.
— Claro! — Ela revirou os olhos, mas sorriu.
Giulia balançou a cabeça negativamente sorrindo, com um
copo de água na mão. Milena saltou do balcão e sentou na cadeira
vazia ao meu lado.
— E o casamento de Isabella? Ainda será em dez anos?
Todas riram e minha mãe logo se adiantou.
— Claro que não, ainda mais Isabella dormindo na casa do
noivo. Que escândalo! Per Dio, isso não pode sair daqui. Imagina, já
chega Milena que vivia de escândalo com Giovanni.
— Eu? Que absurdo! Fiz tudo certo!
— Ah, bambina[41], e você acha que eu não vejo as piadinhas
sobre o tempo em que vocês se encontraram clandestinamente? Só
porque me faço de stronza, não quer dizer que eu seja!
Milena teve a decência de parecer envergonhada, enquanto
todas riram, inclusive, Antonella. As regras da Cosa Nostra eram
rígidas e retrógradas, pelo menos eram para a maioria.
— A única que, pelo jeito, não me deu esse desgosto foi minha
Giulia.
Giulia engasgou com a água, fazendo com que a mesma
saísse pela sua boca e nariz. A risada foi total e minha mãe
estreitou os olhos na direção de sua primogênita.
— Você também?
— Claro que não, mamma — Giulia disse, mais que depressa.
— Sobre o que vocês estão falando e rindo? — Anita
perguntou, desviando os olhos de celular.
— NADA! — todas responderam e foi impossível não se deixar
levar pelo clima leve.
— Talía sabe a importância de ir com a página em branco para
o casamento. — Milena soltou e a risada voltou com força total.
— Página em branco? — Anita perguntou novamente, o que
só resultou em outra onda de risadas.
— Não é como se eu tivesse a oportunidade de sujar essa
página, não com meu noivo em Boston, e eu aqui. E também não é
como se ele parecesse muito interessado já que a última vez que o
vi ou falei com ele foi no noivado. — Talía soltou de uma só vez, e
logo deu um sorrisinho sacana. — A não ser que eu a suje um
pouquinho por conta própria.
— Talía Maceratta! Não fale algo assim nem de brincadeira,
per Dio!
Hoje, as mulheres estavam incontroláveis. Até Veronika estava
se divertindo com a conversa, embora não falasse nada, assim
como eu.
— Conversa mais estranha — Anita disse já saindo da cozinha
—, vou dançar um pouco.
O papo continuou na cozinha animadamente quando vi
Veronika indo em direção ao corredor que dava para a janela, com
vista para o jardim. Ela ficou lá, parada, olhando o horizonte. Eu me
aproximei, mesmo que não tivesse habilidade alguma em tirar
alguém de sua própria concha. Eu estava muito envolvida dentro da
minha. Mesmo sem palavras, parei ao seu lado e fiquei. Após bons
minutos, ela falou:
— Minha mãe amava flores. — Fiquei surpresa por ela falar da
família. Durante o tempo em que mantemos contato, ela nunca falou
da família, não que fosse um assunto que deveria ser abordado por
mensagens. Continuei silêncio, esperando o que diria a seguir — Eu
tenho poucas lembranças dela ou do meu pai. Tenho mais
memórias da minha irmã… Natasha.
— E que lembrança tem dela? — Veronika sorriu, um sorriso
triste.
— Lembro de descer as escadas correndo com a voz de nossa
mãe nos pedindo para não correr. Lembro de fazermos
absolutamente tudo juntas. São lembranças um pouco nebulosas…
mas se eu fechar os olhos, consigo até mesmo escutar a voz e
sentir o cheiro da minha infância.
Engoli em seco. Amava minhas irmãs, não imaginava a minha
vida sem elas, mesmo em nossas diferenças, até mesmo nas brigas
e discussões, éramos parte uma da outra. A dor de Veronika era
difícil de mensurar.
— Você se lembra do acidente?
— Sei o que Mikhail me contou. Que me resgatou do carro em
chamas. Ele vivia dizendo que eu lhe devia a vida e por isso deveria
me casar com Dimitri. — Veronika tentava manter a voz firme, mas
ela saia trêmula. — Durante toda a minha infância, Mikhail Nikolai
me manteve presa. Apesar de não poder sair e socializar, tive
tutores e certo conforto. O conselho estava sempre de olho em mim,
pois eu era a única herdeira Ivanov. Todo ano era feito um tributo a
minha família, e nesse dia eu poderia sair e ter contato com outras
pessoas. Foi assim até os dezoito anos, quando me casaria com
Dimitri. —A voz de Veronika foi ficando cada vez mais embargada e
chorosa. Ela firmou o olhar no horizonte e continuou: — Andrei, Irina
e Dimitri me odiavam. Principalmente porque eles sofriam todos os
tipos de abusos e violência, mas Mikhail não poderia me tocar de
forma alguma, embora ele me mantivesse reclusa. Uma prisioneira,
uma vida de prisão. Isso até Dimitri matar Mikhail e minha vida virar
um inferno. De alguma forma, Mikhail me protegia dos seus filhos.
Mesmo que fosse por egoísmo, era uma forma de proteção.
Lágrimas corriam incessantemente de seus olhos. Eu só
conseguia pensar em Lillian me pedindo para perseguir qualquer
ponto fora da curva. Eu sentia por Veronika e, ainda que não
conseguisse demonstrar com palavras, segurei sua mão, que ela
apertou. Em seguida, virou-se em minha direção e me abraçou,
soluçando.
Aquela veia louca e sádica dentro de mim queria que todos
eles estivessem vivos para que eu pudesse matá-los. Eu soube que
Dimitri resistiu ao seu sofrimento por duas semanas, até morrer,
mas ainda parece pouco, muito pouco perto de tudo o que ele fez.
Ela se afastou um pouco, uma mecha loira em seus olhos, agora
vermelhos.
— O que eu vi aqui me deixou feliz e triste, na mesma medida.
Não me leve a mal, não estou triste por vocês serem felizes. É
que… durante muito tempo, eu pedi a morte, culpei Deus por me
manter viva. Era injusto que só eu sobrevivesse. Depois que voltei
para a casa que era dos meus pais, encontramos um álbum de fotos
— ainda segurando minhas mãos, Veronika disse: —, éramos
felizes, Bella. Felizes como vocês.
— Essa família também é sua, agora — foi só o que consegui
dizer. Era péssima com palavras, minha vontade era pedir para que
ela esperasse eu chamar Giulia, que era muito melhor que eu em
consolo e conforto. Uma bola emocional estava presa em minha
garganta, mas não saía, então só apertei suas mãos.
— Isabella está certa. — Essa voz me fez suspirar de alívio.
Yuri. Eu não me virei, mas senti seus braços, seus grandes braços
me envolverem e a Veronika também. Ele abraçou a nós duas ao
mesmo tempo e o sentimento de pertencimento bateu com força.
Talvez demorasse um tempo para que feridas mais profundas
cicatrizassem, mas iríamos superar juntos.
— Eu vou amar e proteger vocês até o meu último suspiro—
Yuri disse acima de nossas cabeças.
Era uma promessa.
Isabella Castelle
Minha vida se resumiu em lojas e lojas, e escolha de cores e
tudo o que envolvia meu casamento, em um mês. Eu bem que
gostaria de ter me casado em menos tempo, mas assim que
anunciamos, mamãe pediu três meses, no mínimo, para arrumar um
casamento digno de uma princesa italiana e um Pakhan russo. Era
inédito. Na história, um Pakhan ainda não tinha se casado com
alguém de fora da Bratva, mas Yuri prometeu que nada mais nos
separaria, e ele cumpriu.
O conselho da Bratva quis interferir, escolhendo uma noiva
russa para Yuri, mas ele se negou veementemente, afirmando que
já tinha dado sua palavra a mim. O conselho também estava farto
da guerra contra a Cosa Nostra e acatou a decisão de Yuri.
Veronika tinha chegado há poucas horas. Ela passaria o último
mês aqui em Nova Iorque, um pouco para socializar e também para
me ajudar com os preparativos. Era muito bom viver dias de
tranquilidade depois de tanta tensão.
Eu e Yuri nos vimos algumas vezes, embora minha mãe
batesse incessantemente na tecla de que eu deveria manter as
aparências até o casamento. A saudade era demais, o amor
também. Quando Yuri passava por perto de Nova Iorque, nós
dávamos um jeito de nos ver. Enzo ainda era responsável pela
minha segurança e fazia vista grossa a cada escapatória minha.
Agora, no shopping com Milena e Veronika, vimos as compras
e, principalmente, acertamos os detalhes da nova loja da Milena.
Sim, ela estava para abrir sua segunda loja. Após acertar algumas
burocracias, fizemos compras. Eu não odiava, mas também não
amava. Veronika estava se saindo super vaidosa. Adorando vestir a
coroa de princesa com orgulho. Após algum tempo e muitas
sacolas, fomos para a praça de alimentação, onde encontramos
Talía remexendo uma salada caesar, com uma cara desanimada.
Ela parecia estar vindo da faculdade, pois tinha alguns livros
espalhados pela mesa. Sentando com ela, Milena perguntou.
— Hey, o que houve?
— O que houve? Meu noivo! Disse para Giovanni que não vai
esperar que eu faça a pós-graduação aqui. Ou seja, assim que eu
terminar o pré-med, vou me casar — disse com uma expressão
furiosa. Eu vi Aleksander Dardan no noivado e ele é um homem
muito bonito.

— Isso te dá… — Veronika perguntou.


— Dois anos.
— Ele não pareceu tão ruim assim… — tentei dizer algo para
animá-la.
— Também não pareceu muito interessado.
— Ele é bonito… — Milena disse com um sorriso de canto.
— Ele é… mas é meio idiota.
— Giovanni também é idiota e Milena o ama — eu disse,
tentando fazer uma piada. Mas eu era péssima em piadas.
— Mas já amava ele quando se casou. É diferente.
— Mas isso vocês podem construir — Milena voltou a tentar
animá-la.
— Como? Eu queria construir uma relação com ele antes do
casamento. Tentei durante três semanas após o noivado, mas ele
me ignorou. Claramente, ele só queria contato comigo depois que
nos casássemos. Quando entendi isso, ele passou a me procurar e
eu, claro, ignorei. Agora, por vingança, ele quer adiantar o
casamento, me tirando dois anos.
— Giovanni não vai aceitar se você não quiser — Milena
tentou novamente. — Vou falar com ele, não se preocupe.
— Não vou arrumar problema algum para Giovanni ou para
você. Nem para a famiglia. Eu só estou irritada pela atitude infantil
dele. Também, todo mundo está falando sobre o lindo período de
paz que estamos vivendo, não serei eu a acabar com isso. Mas se
ele está achando que vamos nos casar e eu vou acatar cada ordem
dele como um cachorrinho, está muito enganado.

— Eu sei do que estamos precisando — Milena soltou de


repente. — Uma noite das garotas.

À noite, estávamos em uma das boates da famiglia, eu,


Veronika, Talía, Milena e Giulia. A babá tinha ficado cuidando de
Pietro, Giovanni e Eduardo estavam viajando. E era a primeira vez
de Veronika em uma boate.
Milena, Giulia e Talía caíram na pista, remexendo seus corpos,
e eu fiquei fazendo companhia para Veronika, que olhava aos
arredores, animada, com um drinque na mão.
— Vamos dançar também?
— Eu não saberia nem por onde começar.

— Venha, dançar é instinto.


Mesmo indecisa, ela me seguiu e, quando chegamos onde
estavam minhas irmãs e Talía, comecei a me mexer. Eu amava a
dança. Era uma parte de mim, uma extensão de quem sou. Veronika
pegou confiança quando uma música animada começou a tocar e
junto de Talía, começou a pular. Vendo que ela estava à vontade,
fechei os olhos e me soltei. Deixei a música me dominar e, como
acontecia quando saía, virei certo ponto de atenção. Dancei e deixei
parte da minha alma na pista ao som de Feel so Close[42] do Calvin
Harris. Entreguei-me até sentir que meu corpo suava. Eu vestia um
cropped [43]estilo ciganinha, que deixava minha barriga e tatuagem
nas costas à mostra, e uma saia preta curta, fazendo conjunto com
uma bota que ia até o início da coxa. Eu estava transpirando de
forma que meu cabelo colava em meu rosto.
Uma roda foi formada e gritos foram dados enquanto eu fazia
meus movimentos. Minhas irmãs, Talía e Veronika gritavam e
gritavam, até eu não escutar mais gritos e as pessoas voltarem para
a pista. Não parei para ver o que era, até sentir braços poderosos,
tatuados, que eu amava, me abraçar por trás, e assim eu senti sua
mão em minha barriga nua e sua respiração em meu ouvido.
— Bonequinha rebelde… — Sua voz me fez parar e abrir os
olhos, agora olhando atentamente. Então vi Eduardo com uma
carranca, sentado no bar da boate, Giulia entre suas pernas,
beijando a cara carrancuda. Era hilário ver nosso Donde terno, em
uma boate, sendo totalmente ludibriado pela esposa, que dançava
em sua frente com um vestido curto. Se eu pudesse arriscar, diria
que a carranca era por conta do vestido.
Veronika continuou dançando com Talía e procurei por Milena,
que deveria estar com Giovanni. Ambos não estavam em lugar
algum e eu nem iria me perguntar onde estariam. Provavelmente em
algum canto escuro, “matando a saudade”.
Para provocar, comecei a me mexer novamente e Yuri
espalmou as mãos em meus quadris. Virei de frente, mesmo de
salto, tendo que levantar a cabeça para poder olhar seus olhos.
Estavam indecifráveis. Sem me importar, comecei a me mexer,
roçando em seu corpo, sorrindo ao perceber que estava
desconfortável. Percebi quando sua respiração ficou mais ofegante.
Passei ambos os braços ao redor de seus ombros, forçando-o a se
abaixar. Ele resistiu às primeiras vezes, e logo se abaixou,
capturando meus lábios.
Foi tão, tão bom. Tê-lo ali, seu corpo no meu, perto das
pessoas que eram importantes para ambos. Como um casal normal
que não tivesse passado por todas as merdas que passamos.
Beijamo-nos pelo que pareceram eras. Ele era o meu vício. Quando
nos separamos, seu olhar já estava mais suave.
— Por que não dança comigo?

— Não sou um cara de dança. Mas eu adoro te ver dançar,


embora tenha a fantasia de um dia você dançar somente para
mim… nua — Um arrepio tomou conta de todo o meu corpo com a
sua declaração. Beijando meu pescoço, passando a língua
suavemente, me fazendo vibrar. — Mas, por enquanto, vou me
contentar em te olhar dali.
Com isso, ele se afastou indo até o bar, se sentando sem
desviar os olhos de mim. A música foi substituída por uma versão
remixada de Bird Set Free[44]. E eu me senti livre, ao som da música
e cativa por seus olhos. Comecei a dançar por puro instinto, em
passos contemporâneos.
A dança sempre foi uma forma de me conectar comigo
mesma. Mas, ali, dancei para ele, para me conectar com ele. Vi,
mesmo sob as luzes da boate, seu olhar cada vez mais escuro e
intenso em mim. A música me deixava livre, os movimentos foram
ficando cada vez mais provocantes e sensuais, fazendo-me sentir
poderosa como nunca. Em um movimento sensual e específico,
onde minha bunda ficava no ar, vi que Yuri se levantou em um
rompante, tomando o último gole de sua bebida. Eu sorri diante da
sua expressão de alfa, pela primeira vez me sentindo uma presa.
Eu poderia ter uma personalidade incontrolável, mas, na
intimidade, eu era totalmente rendida a esse homem. Eu não tinha a
menor chance de ir contra os desejos avassaladores que me
dominavam quando ele se aproximava. Sem palavras, o beijei, ele
me levantou, levando-me a uma sala privada.
— Você é uma maldita provocação, boneca.
Sem fôlego, deixei que fizesse de mim uma boneca em suas
mãos, uma vez que ele adiantava cada vontade minha. Da forma
mais crua, em uma parede, na penumbra de uma sala qualquer da
boate, Yuri me tomou, e eu me entreguei sem reservas. Yuri me
fazia sentir humana. Completa. Ele era a minha salvação.
Yuri Ivanov
Na minha cobertura em Nova Iorque, pelas janelas da sala,
observava a cidade. A cidade que me acolheu, que vivi grande parte
da minha vida e que por muito tempo foi a única memória que eu
tive. Eu sabia quem eu era hoje, me orgulhava de estar onde
estava, mas não seria injusto. Eu devia muito à Nova Iorque, à
famiglia, e por isso que, mesmo contra o conselho da Bratva, iria me
unir em casamento a Isabella. Grande parte era porque não existia
outra para mim além dela, mas também era por respeito a famiglia.

Pela primeira vez na história, o alto escalão da máfia russa e


da máfia italiana se reuniam em um mesmo ambiente. E não
somente ambas, mas a máfia irlandesa, Chicago Darkness, e até
mesmo alguns Devils Dragons confirmaram presença. Era um
momento histórico.
Fui tirado do meu devaneio com a chegada de Veronika, que,
mesmo sendo dama de honra, preferiu se arrumar em minha
cobertura e entraria comigo. Hoje, Isabella Castelle entraria para o
clã Ivanov, um clã que, até alguns meses, era considerado extinto,
mas hoje já agrega três de nós. E era só o início.
Veronika se aproximou e parou ao meu lado, na janela. O
nosso processo de conexão estava sendo promissor, embora,
algumas vezes, Veronika se isolasse. Ela começou a frequentar a
psicóloga de Isabella e, mesmo que fizesse pouco tempo, já tinha
percebido alguma melhora em sua socialização. Ambas já tinham
acertado com uma nova profissional em Columbus, o que me
deixava aliviado.
Isabella fazia terapia há algum tempo agora. Ela precisava
manter seus demônios em controle e eu apoiava sua decisão. Sabia
que ela não era a mocinha de um romance, se fosse uma
personagem, ela seria a vilã. Sabia também que, dificilmente,
qualquer um de nós seríamos considerados mocinhos. Talvez,
exatamente por isso que somos almas gêmeas destinadas a ficar
juntas. E por mais que eu seja um rei e ela hoje se torne a minha
rainha, nossa história ainda é um conto de fadas obscuro.
— Vamos? Até onde eu sei, o noivo não se atrasa.

Minha irmã usava um vestido azul-celeste, até bonito para uma


dama de honra. Na cabeça, uma coroa de flores, e os cabelos soltos
emoldurando o rosto. A verdade é que Veronika é linda, mesmo
depois de tudo o que aconteceu. Mesmo que ainda faltasse um
pouco de luz aos seus olhos. Ela tinha a altivez de uma princesa da
máfia, essas nuances só eram visíveis para quem conhecia sua
história. Estendi o braço em sua direção e ela o aceitou com um
sorriso.
— Vamos.
A cerimônia aconteceria na Igreja São Patrick. Logo na
entrada, Veronika foi ao encontro de Talía, que também acabava de
chegar à igreja. Ambas se vestiam da mesma forma, e eu não perdi
o olhar desafiador que Talía deu em direção a Aleksander,
cumprimentando ele e a todos igualmente, passando direto. Ele a
acompanhou com o olhar até que ela desaparecesse dentro da
igreja.
Parei, recebendo os cumprimentos de Shield e Storm, que
estava acompanhado de uma garota ruiva de olhos-castanhos. Até
pensei que poderia ser sua old lady[45], mas ela era muito jovem e
ostentava um sorriso juvenil e deslumbrado. Aleksander e Vicenzo
também me cumprimentaram, embora o último não sorrisse em
momento algum.
— Não acredito que me trouxe em um casamento de alguém
da realeza, obrigada, Storm — A pequena ruiva segurou o rosto de
Storm e o beijou no rosto. — Você é o príncipe russo? Ai, meu
Deus, isso é muito emocionante. Eu tenho que me curvar?
— Vivian, por favor.
Era engraçado ver o grande e temido Storm fora do
personagem perto da garota. Ele olhou para nós e suspirou
frustrado. A garota era uma espevitada tagarela. A cada palavra, ela
soltava pequenos saltinhos.
— Não precisa se curvar —disse sorrindo —, na verdade, eu
sou descendente da antiga nobreza russa.
— Ah, mas sangue azul é sangue azul, não importa o tempo!
Você é muito bonito. Digo, um príncipe bonito, como um príncipe…
— Vivian! — A voz de Storm foi mais firme. Logo me olhou e
disse: — Peço que desculpe a animação excedida da minha irmã. E
você, não queira que a mulher dele te escute o chamando de bonito.
— Oh, meu Deus, soube que ela é chamada de Anjo da Morte,
e que tem asas de anjo nas costas. É verdade que ela é linda como
uma boneca? Ah, isso é tão emocionante!

Giovanni não segurou e começou a gargalhar, enquanto Shield


e Aleksander acompanhavam com um riso mais discreto. Uma nova
onda de excitação passou por Vivian, ela não conseguia controlar.
— Vivian! — Storm agora estava digno do nome, uma
tempestade.
A pequena enrubesceu. Senti um pouco de pena por ela, pois
era visível que estava impressionada e não havia maldade nenhuma
em suas palavras.
— Você está mais que convidada a ir em Columbus visitar a
minha casa e eu prometo que contarei tudo sobre os meus
antepassados. E Isabella ficaria encantada em te mostrar as asas
de anjo.
Novamente a garota pulou de excitação. Se tivesse muito,
seriam dezesseis anos, e só de olhar para ela era possível saber
que daria certo trabalho a Storm. E o olhar exasperado dele, que
sempre pareceu tão controlado e indiferente, mostrava que ele
também tinha ciência disso.
A cerimonialista nos deu sinal de que estava tudo certo para o
início da cerimônia. Todos foram para seus lugares e, antes que eu
entrasse, senti um puxão em meu terno. Olhei e me deparei com
Alessa.

— Eu só v...
— Alessa, olhe para mim. Antes de dizer qualquer coisa, me
responda: o dia em que você foi no hall assim que descobri minha
origem, Isabella nos viu?
Seu rosto ficou vermelho e ela abaixou o olhar.
— Sim.
— Preste atenção. Eu quero que você desapareça e não me
procure nunca mais. Sabia que ela se descontrolou depois que nos
viu e baixou a guarda suficiente para que fosse levada por Dimitri?
— Eu não tenho culpa que ela seja louca! Não coloque essa
responsabilidade em mim. Você é um chefe, precisa de uma mulher
equilibra…
Eu segurei seu pescoço e apertei. Alessa abriu os olhos
assustada pela minha ação, considerando que sempre fui um
homem controlado. Senti a mão de Giovanni atrás de mim, me
pedindo para parar, mas eu só via vermelho.
— E isso que veio fazer aqui? Tentar me convencer a desistir
do casamento? Perdeu seu tempo. Suma antes que Isabella cumpra
todas as ameaças que fez a você. E dessa vez eu não irei intervir.
Eu a soltei e ela saiu cambaleando, o rosto molhado em
lágrimas. Giovanni manteve a mão em meu braço até a Alessa
sumir de vista. Ajeitando meu terno e me soltando de seu agarre,
arrumei minha gravata, tentando conter a fúria em mim.
— Não deixe para perder o controle no dia de seu casamento.
Vamos, Annabelle já está a caminho. E se ela imaginar que Alessa
pisou aqui, ela irá perseguir a garota vestida de noiva com uma
adaga na mão. Não é uma visão bonita, Annabelle sabe ser
assustadora.

Eu tive que rir do que disse, um pouco da fúria esvaindo-se,


pois essa era a minha noiva, ela era bem capaz de perseguir Alessa
antes de se casar comigo.
Acompanhado da minha irmã, que me olhava de lado e
ostentava um sorrisinho, entramos na igreja. Era inusitado que eu
entrasse com uma das damas de honras, mas ninguém que
importava estranhou.
Ansiosamente, esperei em meu lugar por aquela que roubou
meu coração aos treze anos, antes que eu fosse Nero Rossi. Os
grandes chefes das principais facções criminosas estavam
presentes, o conselho da Bratva e da Cosa Nostra, inimigos natos,
lado a lado, um acontecimento único.
Isabella entrou e nada referente à importância política daquele
evento permaneceu em minha mente. Só havia ela, entrando com
um vestido branco, sem muitos detalhes, o cabelo solto natural e
uma tiara de diamantes em sua cabeça. Ela está simples e ainda
assim era a noiva mais linda que eu já tinha posto meus olhos.
Poderia estar sendo tendencioso, mas ela era uma preciosidade, e
era toda minha. E eu dela.
Nossos olhos travaram um no outro como se nada mais no
mundo importasse. E não importava. Recebi-a de seu pai, embora o
certo fosse esconder toda a minha emoção, eu só não fui capaz.
Meus olhos queimaram, mesmo que ela estivesse um pouco mais
contida, não consegui esse feito. Derramei-me em cada palavra,
porque era real, diferente do que acontecia na máfia. Era um
casamento histórico, épico, mas ainda assim era um casamento por
amor.
Quando nos declarou marido e mulher, um sino tocou em
minha mente. Era o primeiro dia do resto de nossas vidas. Um novo
começo. Uma nova vida. Um início próspero, com promessas de
paz. Segurei seu rosto com ambas as mãos e ela pôs as mãos em
meus antebraços, enquanto palmas, gritos e assovios tomavam
conta do lugar.
— Te amo, meu rei — sussurrou para que só eu ouvisse.
— Te amo, minha rainha —respondi em seus lábios.
EPÍLOGO
Um ano depois
Yuri Ivanov
Em meu escritório, tentava terminar de contabilizar as últimas
entregas de drogas e armas vindas da Rússia. Era complicado
administrar toda a organização, mesmo que ela, nos Estados
Unidos, fosse maior em território que na própria Rússia, ela ainda
era importante, fazendo uma ponte com a Europa. A Bratva era uma
das organizações mais rentáveis do mundo, entre negócios legais e
ilegais. Também era temida. E mais livre que a Cosa Nostra.
Contratei um administrador para cuidar dos meus negócios em Nova
Iorque, uma vez que a Bratva detinha a maior parte do meu tempo.
Meu celular tocou e olhei para a tela impaciente. Uma
mensagem de Isabella. Puxei um sorriso, me perguntando o que ela
queria. Um texto piscou.
Boneca: No estúdio, te aguardando.

Sorri para o texto. Isabella era agora a principal executora da


Bratva. Embora me opusesse inicialmente, foi uma batalha perdida
desde o início. Ela gostava de ser o que era e, a mim, só cabia
aceitá-la. O ano que vivemos juntos foi cheio de altos e baixos. A
instabilidade de Isabella era o grande desafio da nossa relação, às
vezes ela agia por conta própria e não tinha como controlar seu
instinto. Foi quando finalmente entendi a importância de ser
executora para ela.
Levantei-me e fui em direção ao seu estúdio de dança. Ainda
que ela não estivesse mais em alguma companhia de dança, todos
os dias ela dançava. Ela amava a dança. Abri a porta e quase caí no
chão. Isabella tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo, usando
uma calcinha de renda minúscula e saltos. Nada mais
Estava de perfil, os braços apoiados em uma cadeira, onde me
deu um olhar direto. Apontando para outra cadeira de frente à que
estava apoiada. Engolindo em seco, me sentei na cadeira que
estava em frente a ela, que foi em direção ao som, onde conectou o
celular e começou a tocar I way down we gon [46]- Kaleo.
A música de batida sensual reverberou no estúdio quando ela
começou a dançar. Dando voltas ao redor da cadeira, jogando o
cabelo, ela parecia sexo puro em pernas. Aquela garota de rosto
inocente me dava todas as suas nuances. Em um movimento
perfeito, ela retirou a calcinha e continuou dançando e, quando se
sentou na cadeira, abrindo suas pernas, sincronizada com a música,
precisei me segurar para não pular em cima dela.
A visão da sua boceta brilhando, enquanto ela tocava nos
seios que eu queria morder, na barriga que eu queria lamber, na sua
boceta que eu queria sugar. Uma mão foi para a sua boca e ela
sugou os próprios dedos, e eu mandei tudo à merda. Quando fiz
menção de me levantar, ela riu, um riso safado e foi mais rápida,
vindo em minha direção, sentando-se em meu colo.
— Você está querendo me matar…
— Quero que viva muitos anos ainda, meu rei…
Segurei seu cabelo pelo rabo de cavalo, sua respiração um
pouco ofegante pela dança e, em um puxão duro, mordi seus lábios.
Ela mordeu de volta, embora eu a controlasse pelo cabelo. Então
ela começou a se mover em minha calça jeans, deixando-a
molhada. Eu já estava louco de tesão, enquanto ela levava a mão
em minha calça e libertava o meu pau.
Sem deixar meus olhos, ela se ajoelhou em minha frente,
segurando-o com ambas as mãos. Isabella passou a brincar com
meu pau, passando a língua como se estivesse tomando um
sorvete. Já perdendo totalmente a razão, segurei firme seu cabelo.
— Chupa— disse já sem ar, e sem esperar para ver se ela me
ouviria, eu forcei sua boca em meu pau.
Isabella gemeu de prazer, minha bonequinha safada adorava
um sexo bruto e selvagem. E eu vivia para adorá-la. Passei a foder
sua boca até as lágrimas saírem de seus olhos. Levantei-a e Bella
estava à borda de gozar e a coloquei de costas para mim e de frente
à cadeira, apoiando-a nela. Tirei minhas roupas e passei a mão em
suas costas até sua bunda. A enganação que era a sua aparência
delicada. Delicada em Isabella era só a aparência. Isabella gostava
do caos, e eu adorava dar a ela o que gostava. Entrei nela em um
movimento, ouvindo-a choramingar, pedindo mais, pedindo tudo. E
tudo era dela.
Minhas pernas bambearam como toda vez em que eu estava
dentro dela. A música no repeat[47] tocava direto, embalando cada
movimento nosso. Depois de fodê-la nessa posição, me sentei na
cadeira, trazendo-a ao meu colo, sentindo todo o seu corpo ao meu.
Suas batidas junto às minhas, sua respiração na minha, até nossos
lábios se chocarem, nossos movimentos frenéticos, ambos
procurando nosso próprio prazer. Quando gozamos, foi em um urro
carnal e emocional, que me deixou tonto e me tirou de órbita.
— Certa vez me disse que queria me ver dançando nua —
disse ainda sem fôlego.

— Eu te quero de qualquer forma, amor.


Ela sorriu e deitou a cabeça em meu ombro, meu pau
enterrado em sua boceta, enquanto todo o seu corpo se moldava ao
meu. Sua mão na tatuagem que agora estava em meu peito,
ocupando um dos únicos lugares que ainda era limpo. Pétalas
envolvendo uma adaga ensanguentada, em formato de I. Porque
ela, inteiramente ela, era a única para mim. E o meu coração
pertencia a ela.
— Veronika deve estar chegando —disse assim que recuperei
o ar.
— Hoje ela vai ficar um pouco mais, devido a um trabalho na
faculdade.
Veronika tinha decidido entrar na universidade para estudar
Psicologia. Embora fosse um longo caminho, ela estava certa de
que seria um terapeuta e, devagar, estava dando sentido a sua vida.
Ela e Bella se tornaram inseparáveis.
— Esse fim de semana temos que ir para Nova Iorque, não se
esqueça, Anita fará 14 anos e Giulia está preparando uma festa
surpresa para ela.
Eu concordei silenciosamente, mesmo que também já
soubesse de mais uma novidade que Giulia diria a todos. Ela está
esperando o segundo filho, e Giovanni acabou dizendo em uma
ligação, em outro dia. São corajosos, uma vez que Pietro, agora
com um ano e oito meses, é um pequeno furacão temperamental.

Curtindo um pouco do pós-coito, enquanto acariciava suas


costas, mal ouvi a voz de Ivan, batendo na porta do estúdio.
— Mister[48], perdoe-me. É urgente! — disse atrás da porta
fechada.
Algo sobre sua voz deixou-me alerta. Há muito tempo não
tínhamos contratempo, gozamos de um ano inteiro de paz. O que
poderia ser urgente para que seu mão direita fosse chamar depois
das oito? Isabella tencionou o corpo, pois era tão instintiva quanto
eu.
— Cinco minutos.
Vestimo-nos e, embora não disséssemos uma única palavra,
toda a nossa linguagem corporal refletia no outro. Algo estava
errado, e eu tive um leve pressentimento de que não era algo bom.
Quando saímos pela sala, Ivan adiantou, nos levando em
direção ao escritório.
— Dois Devils estão te aguardando no escritório.
Os Devils Dragons. Para que saíssem de seu território até o
meu, era porque definitivamente algo estava errado. Isabella tateou
instintivamente uma adaga e eu desabotoei o suporte da arma.
Apesar de ter boas relações com os Devils, nunca poderia ter
certeza do que poderia acontecer.
Entrei no escritório e encontrei Storm sentado em uma das
poltronas e Shield totalmente perturbado, andando de um lado para
o outro.
— Boa noite.
— Algo aconteceu — Storm disse.
— Está nítido. O que aconteceu?
— Minha irmã estava na faculdade em Frankfurt. Está
desaparecida há três semanas. — A voz de Shield era mortal. Todos
esperamos pelo que diria em seguida. — Foi o cartel. Eles levaram
minha irmã, Yuri. Levaram principalmente por termos te ajudado
contra Dimitri. Demoraram, mas eles fizeram seu movimento.
Frankfurt está em seu território, eles faziam negócios com vocês e
eu quero respostas. — A cada palavra sua voz se alterava mais.
— Vou desconsiderar sua agressividade devido ao momento.
O que o fez ter certeza de que é o cartel?
— Mandaram uma foto para o complexo dos Devils, na
Virgínia. Hanna estava amarrada e… — a voz de Shield falhou.
Nada do homem bem-humorado que salvou minha vida no resgate
de Isabella — ela tem 21.
— Querem resgate?
— Não. Só quiseram tripudiar e pedir para avisar à aliança que
uma guerra de verdade iria começar — Storm disse. — Reforce sua
guarda e avise aos outros. Tempos sombrios virão.
Isso era mal. O cartel não poupava mulheres e eram os
autores dos crimes mais bárbaros. Eu não gostaria de dizer isso a
Shield, mas era pouco provável que encontrássemos sua irmã.
Todavia, nunca imaginei reencontrar a minha, então poderia haver
esperança.
— Você foi meu aliado quando precisei, então conte comigo
para o que precisar. Ainda temos soldados que trabalharam com
Dimitri, quando ele era Pakhan, então vamos começar por eles. Meu
território é seu até que encontre a tua irmã.
Isabella estava silenciosa e atenta como sempre. Um olhar e
ela me deu aprovação em minha decisão, se aproximando e
segurando minha mão. Com ela, eu poderia fazer qualquer coisa.
Iríamos reforçar nossa guarda e avisar aos outros. Olhando para
ambos os homens no escritório algo ficou claro como água
cristalina.

O tempo de paz havia acabado.


AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de dizer que esse livro foi uma viagem


de emoções. Eu ri, chorei, fiquei angustiada, em vários momentos
precisei parar e esquecer um pouco. Esse livro sugou minhas
energias e me exigiu uma entrega, mais do que qualquer outro até
agora. Talvez ele seja o mais Dark. Isabella é única, e nem sempre
vamos concordar com os atos dela, mas, no fim, ela é apaixonante.
Não queiram encaixá-la em um quadradinho, ela tem um molde
único. Não tentem fazer um diagnóstico dela, ou tentem, o que ela
tem ainda não foi caracterizado.

E então, o que fica é a gratidão.


A Deus, sempre. Ele me trouxe e me sustenta aqui, então toda
minha gratidão a Ele. À Ana Karolina, que desde o início se
apropriou do Nero/Yuri, mesmo quando ele ainda era uma ideia, um
rascunho. Sim, amiga, ele é seu. Mas aprenda a compartilhar, okay?
À Iluska, que acompanhou a construção dessa série passo a passo,
mesmo quando ela ainda era só devaneios de uma principiante,
nada além. Obrigada, obrigada.
Às amigas literárias, Baby Grayson, Fernanda Zago e Natália
Ártemis. Vocês são demais. À Damas Assessoria, que tem me
conduzido tão bem por esses caminhos, e, claro, às minhas
parceiras, tem sido uma troca incrível.
Família, amigos, leitores. Eu não chegaria aqui sem vocês.
Obrigada.
[1]
Pai, em Russo[2] Uma espécie de Capo
[
[4]
Primeiramente, significa “dobrado”, que no ballet, indica que é um
[3]
Máfia Russamovimento de dobra dos dois joelhos.
[5]
É uma posição dentro da liderança nas famílias da Cosa Nostra
americana e Máfia siciliana. O Sottocapo as vezes é um membro de
família, tal como um filho, que vai assumir controle se o chefe ficar
[6]
doente, morrer, ou for preso Princesa
[7]
É um estilo de dança que se originou nas cortes da Itália
renascentista durante o século XV, e que se desenvolveu ainda mais na
Inglaterra, Rússia e França como uma forma de dança de concerto.
[8]
A Cosa Nostra é uma sociedade criminosa secreta que se
desenvolveu na primeira metade do século XIX na Sicília, Itália. No final
[
do século XIX, a Cosa Nostra também se desenvolveu nos Estados
Unidos.
[9]
Uma posição dentro da estrutura de liderança da máfia siciliana e
americana.
[10]
É um pão de massa folhada em formato de meia-lua, feito de farinha,
açúcar, sal, leite, fermento, manteiga e ovo para pincelar.
[11]
O Lago dos Cisnes é um ballet dramático em quatro atos do
compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovski e com o libreto de Vladimir
Begitchev e Vasily Geltzer.
[12]
É um termo inglês utilizado no ocidente que se refere a uma forma
de treino comum a vários desportos de combate. Apesar do
diversificado tipo de sparring que cada tipo de arte marcial emprega, a
[13] [14]
sua constância em treinos de combate é frequente. Família em Italiano Cruel em Italiano
[15]
É um cargo de importância elevada na hierarquia de uma família da
máfia italiana e da máfia americana. O capo é o subchefe, está abaixo
[16] [17]
apenas do Don e do Consigliere Velho em Italiano Em livre tradução, Pandemônio.
[18] Mamãe em Italiano[19] Em livre tradução, por Deus.[20] Meu amor, em livre tradução.[21] Escândalo, em livre tradução
[24]
Traduzido do inglês - Pré-médico é uma faixa educacional que os
estudantes de graduação nos Estados Unidos e no Canadá seguem
antes de se tornarem estudantes de medicina. Envolve atividades que
preparam um aluno para a faculdade de medicina, como cursos pré-
med, atividades voluntárias, experiência clínica, pesquisa e processo de
[22] [23]
Dragões Demônios Escuridão, em livre traduçãoinscrição.
[27]
Pequeno compartimento interno, geralmente sem janela, usado
especialmente para guardar peças do vestuário, roupas de cama e
mesa, louça e outros utensílios domésticos ou mesmo material de
[25] [26] [
Puta, puta! Punição com Chibatadaslimpeza.
[30]
Um salto agulha, ou apenas estilete, é um sapato com salto longo,
fino e alto. Recebeu o nome da adaga estilete. Os saltos agulha podem
variar em comprimento de 2,5 centímetros a 25 cm ou mais se for usada
uma sola plataforma, e às vezes são definidos como tendo um diâmetro
[28] [29]
Meu amor, em Russo. Amor, em Russo.no solo de menos de 1 cm.
[31] [32] [33] [34] [35]
Minha linda, em Italiano. Bichinho, em livre tradução. Idiota em Italiano Maldito em Italiano Princesa em Russo
[38]
Uma peça de roupa única que se ajusta ao corpo ou à pele que
cobre o tronco e a virilha e, às vezes, as pernas, mãos e pés, e não
pode ser usada como traje de banho. O estilo de uma roupa básica é
semelhante a um maiô e uma malha, embora os materiais possam p
[36] [37]
Lembranças. Pequena, em Italianovariar.
[39]
É um galicismo que descreve a reação psicológica da transmissão
de ideias de que já se esteve naquele lugar antes, já se viu aquelas
pessoas, ou outro elemento externo. O termo é uma expressão da
[40] [41]
língua francesa que significa: "Já visto”. Perseguidor em livre tradução Garota, em Italiano
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Sentido tão perto, em livre tradução. Um top curto que expõe a cintura, o umbigo ou o abdômen.
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Pássaros em liberdade, em livre tradução Antiga dama, em livre tradução. Vamos descendo, em livre tradução
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Repete, em livre tradução Senhor, em livre tradução

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