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Conselho editorial Aluízio Borém; Cylon Gonçalves da Silva; Doris C. C. K.


Kowaltowski; José Galizia Tundisi; Luis Enrique Sánchez; Paulo Helene;
Rozely Ferreira dos Santos; Teresa Gallotti Florenzano

Capa e projeto gráfico Malu Vallim


Diagramação Victor Azevedo
Preparação de figuras Carolina Rocha Falvo
Preparação de textos Natália Pinheiro Soares
Revisão de textos Renata Sangeon
Produçåo do ebook Schaffer Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Agronomia : profissão do presente e futuro / [organização] Aluízio


Borém, Leonardo Agronomia : profissão do presente e futuro /
[organização] Aluízio Borém, Leonardo Angelo de Aquino, Carlos
Eduardo Magalhães dos Santos. -- 2. ed. -- São Paulo : Oficina de Textos,
2022.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-86235-49-4
eISBN 978-65-86235-50-0

1. Agronomia 2. Agronomia como profissão I. Borém, Aluízio. II. Aquino,


Leonardo Angelo de. III. Santos, Carlos Eduardo Magalhães dos.

22-100049 CDD-630.023
Índices para catálogo sistemático:
1. Agronomia como profissão 630.023
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SOBRE OS AUTORES

Alex Ferreira de Freitas


Administrador e doutorando na Universidade Federal de
Viçosa (UFV). E-mail: alexferreirafreitas@gmail.com.
Alexandre Hoffmann
Engenheiro-Agrônomo, D.S., e pesquisador da Embrapa
Clima Temperado. E-mail:
alexandre.hoffmann@embrapa.br.
Alian Cássio Pereira Cavalcante
Licenciado em Ciências Agrárias, M.S. e D.S. em Agronomia
– Técnicas Culturais pela Universidade Federal de Viçosa
(UFV). E-mail: cassio. alian216@gmail.com.
Aluízio Borém
Engenheiro-Agrônomo, M.S., Ph.D., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
prof.borem@gmail.com.
António da Piedade Melo
Engenheiro-Agrônomo e doutorando na Universidade
Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
antoniomelomz@gmail.com.
Caetano Marciano de Souza
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
cmsouza@ufv.br.
Caio Varonill de Almada Oliveira
Engenheiro Florestal e mestrando na Universidade Federal
de Viçosa (UFV). E-mail: caiovaronill@gmail.com.
Carlos Eduardo Magalhães dos Santos
Engenheiro-Agrônomo, D.S., e professor da Universidade
Federal de Viçosa (UFV). E-mail: carlos.magalhaes@ufv.br.
Célia das Eiras L. Dgedge Melo
Engenheira-Agrônoma e mestranda na Universidade
Federal de Viçosa (UFV). E-mail: celia.ludovina@gmail.com.
Claudio Horst Bruckner
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
bruckner@ufv.br.
Demetrius David da Silva
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
demetrius@ufv.br.
Diogo Pedrosa Corrêa da Silva
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S. e pós-doutorando na
Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail:
pedrosacorrea@yahoo.com.br.
Efraim Rodrigues
Engenheiro-Agrônomo, M.S., Ph.D., e professor da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail:
efraim@efraim.com.br.
Fábio Cunha Coelho
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
(UENF). E-mail: fcoelho@uenf.br.
Filipe Pereira Giardini Bonfim
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(Unesp), campus de Botucatu. E-mail:
filipe.giardini@unesp.br.
Flora Maria de Melo Villar
Engenheira Agrícola e Ambiental, M.S., D.S., e professora
da Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
flora.villar@ufv.br.
Francimar Natália Silva Cruz Reis
Administradora e M.S. E-mail: incorfran@gmail.com.
Francisco de Assis de Carvalho Pinto
Engenheiro Agrícola, M.S., Ph.D., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
facpinto@ufv.br.
Gleidson Guilherme Caldas Mendes
Engenheiro Florestal e mestrando na Universidade Federal
de Viçosa (UFV). E-mail: gleidson.mendes@ufv.com.
Glêison Augusto dos Santos
Engenheiro Florestal, D.S., e professor da Universidade
Federal de Viçosa (UFV). E-mail: gleison@ufv.br.
Jacimar Luis de Souza
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e pesquisador do
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e
Extensão Rural (Incaper). E-mail:
jacimarsouza@incaper.es.gov.br.
Jair Costa Nachtigal
Engenheiro-Agrônomo, D.S., e pesquisador da Embrapa
Clima Temperado. E-mail: jair.nachtigal@embrapa.br.
João Batista Silva Araújo
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e pesquisador do
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e
Extensão Rural (Incaper). E-mail:
araujojs@incaper.es.gov.br.
João Cruz Reis Filho
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e Auditor Fiscal Federal
Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa). E-mail:
joao.cruz@agricultura.gov.br.
Laércio Zambolim
Engenheiro-Agrônomo, M.S., Ph.D., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
laerciozambolim@gmail.com.
Leonardo Angelo de Aquino
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S. em Agronomia – Nutrição
de Plantas, e diretor técnico do Instituto de Pesquisa
Agrícola do Cerrado (Ipacer). E-mail:
aquino@ipacer.com.br.
Lin Chau Ming
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Esta dual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(Unesp), campus Botucatu. E-mail: lin. ming@unesp.br.
Luiz Carlos Donadio
Engenheiro-Agrônomo, D.S., e professor da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). E-mail:
luizdonadiovendas@hotmail.com.
Marcelo Rodrigues dos Reis
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), campus Rio
Paranaíba. E-mail: marceloreis@ufv.br.
Maria Carolina Gomes Paiva
Engenheira-Agrônoma e mestranda na Universidade
Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
mariacarolina73964@gmail.com.
Maria José do Amaral e Paiva
Engenheira-Agrônoma e mestranda na Universidade
Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
maria.joseamaral@hotmail.com.
Michele Valquíria dos Reis
Engenheira-Agrônoma, M.S., D.S., e professora na
Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail:
michele.reis@ufla.com.br.
Newton Alex Mayer
Engenheiro-Agrônomo, D.S., e pesquisador da Embrapa
Clima Temperado. E-mail: alex.mayer@embrapa.br.
Odilon Gomes Pereira
Zootecnista, M.S., D.S., e professor da Universidade Federal
de Viçosa (UFV). E-mail: odilongpereira@gmail.com.
Patrícia Duarte de Oliveira Paiva
Engenheira-Agrônoma, M.S., D.S., e professora da
Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail:
patriciapaiva@ufla.br.
Paulo José Hamakawa
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
hamakawa@ufv.br.
Rusthon Magno Cortez dos Santos
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e pesquisador da
Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
cortezrusthon@gmail.com.
Sérgio Bernardes Sá Teles
Biólogo e mestrando na Universidade Federal de Viçosa
(UFV). E-mail: boaboaventura@yahoo.com.br.
Sílvio de Jesus Freitas
Engenheiro-Agrônomo, M.S., D.S., e professor da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
(UENF). E-mail: freitassj@yahoo.com.br.
APRESENTAÇÃO

É imenso o prazer de poder apresentar, em momento tão


oportuno, um livro cuidadosamente elaborado por
eminentes professores das Ciências Agrárias, com o
objetivo de mostrar a importância da profissão de
Engenheiro-Agrônomo ao Brasil e, ao mesmo tempo,
orientar e sensibilizar os estudantes brasileiros na escolha
de uma profissão no vasto espectro de oportunidades que
a Agronomia oferece.
Tendo em vista o momento crucial por que passa o nosso
País, sofrendo dificuldades em tantos e importantes setores
de sua economia, é fundamental falar dos nossos recursos
naturais, especialmente daqueles que estão desafiando a
capacidade e a inteligência humana para serem utilizados
sem o risco de degradação do ambiente.
É indiscutível que o Brasil mostrou ao mundo, – o qual em
quatro mil anos só conheceu e desenvolveu de fato a
agricultura de clima temperado, – que, num esforço de
confiança e fé na capacidade científica e tecnológica de
nossos jovens profissionais, em quarenta anos conseguimos
criar uma reconhecida agricultura tropical com características
de elevada produtividade, alta qualidade de produtos e preços
competitivos. Uma agricultura que garantirá o sustento das
próximas gerações, que contarão com um número muito
maior de pessoas e, por consequência, uma grande demanda,
difícil de ser atendida pela tradicional e quadrimilenar
agricultura de clima temperado.
As instituições internacionais concordam que, até 2050, a
população mundial tenderá a um relativo equilíbrio, após
atingir cerca de 10 bilhões de pessoas. Reconhecem que, com
a virada do crescimento econômico para as regiões mais
populosas (Ásia, África e a própria América do Sul), a renda
familiar vai subir, provocando, em primeiro lugar, a
necessidade de melhor alimentar essa imensa população.
Constatam ainda que há cerca de um bilhão de pessoas com
suprimento alimentar abaixo dos níveis exigidos. São essas
instituições também que vaticinam que teremos
praticamente de dobrar a nossa capacidade produtiva, e
colocam o Brasil, com suas zonas tropicais e subtropicais,
como responsável por oferecer o mínimo de 40% dessa
demanda suplementar. Um infortúnio de quebrar a crescente
escala de oferta de alimentos no Brasil poderá ser fatal ao
futuro da humanidade.
Essas são as razões pelas quais temos de reconhecer e
valorizar as profissões que irão nortear o cumprimento dessa
expectativa que o mundo tem em relação à nova ciência aqui
no Brasil, caracterizada como a primeira agricultura tropical
competitiva.
Nesse contexto, sem dúvida, o Engenheiro-Agrônomo se
sobressai como fundamental no processo crescente de
capacidade produtiva, buscando especialmente novos
conhecimentos e inovações científicas para manter o ritmo
do nosso crescimento de forma sustentável, para que
possamos transferi-lo aos nossos sucessores muito mais
preservado do que recebemos.
Meu pai e eu fomos profissionais formados num país
tropical onde as tecnologias e as técnicas que tínhamos em
nossos livros eram muito mais vinculadas à ciência da
agricultura tropical mundial. Descobrimos, assim, que havia
necessidade de conhecermos mais os trópicos onde vivíamos.
Esse era o desafio da época.
As nossas universidades, na ânsia de novos
conhecimentos, começaram a entender, em especial depois
da década de 1960, que o desafio era sermos capazes de usar
os recursos naturais dos nossos biomas tropicais. O
aperfeiçoamento do ensino, a formação de quadros de
professores em instituições de grande magnitude científica e
a pós-graduação buscada lá fora e introduzida em nossas
universidades provocaram mudanças profundas no conceito
do ensino agronômico, o primeiro a aproximar, no Brasil, a
trilogia ensino, pesquisa e extensão.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
foi, decerto, uma demonstração da capacidade inovadora no
campo das Ciências Agrárias. A Empresa Brasileira de
Extensão Rural (Embrater) possibilitou a união do
conhecimento de nossas instituições científicas e de
programas bem elaborados, transferindo ao produtor
brasileiro as inovações que o ajudariam a competir no
mercado. Os programas inovadores no campo da
comercialização e do abastecimento no Brasil, comandados,
pela primeira vez, por competentes Engenheiros-Agrônomos,
promoveram alterações significativas no custo e no preço
final de nossos principais alimentos aos consumidores. Isso
só foi possível porque os profissionais formados com novos
conceitos compreenderam que o problema não era só
produzir, mas também comercializar bem os produtos, e que
estes, a cada dia, deveriam ter melhor qualidade, preços
competitivos e constância de oferta. Esse fato provocou a
capacidade não apenas de gerar novos mercados aqui dentro,
mas também de abrir os olhos do Brasil para os mercados
internacionais.
Os resultados são muito claros e mostram o grande salto
da agricultura brasileira. Só que o nosso desafio não para por
aí: eu diria que estamos exatamente na confluência de uma
mudança muito importante no quadro produtivo mundial. A
agricultura temperada, nos seus quatro mil anos,
praticamente esgotou seu espaço produtivo viável, e sua
capacidade de crescer em produtividade pela ciência e pelas
evoluções tecnológicas por si só, comprovadamente, não
atende ao crescimento da demanda mundial de alimentos. É
por isso que estamos sendo convocados a participar de forma
tão proeminente desse processo.
Enganam-se aqueles que imaginam estar o Brasil pronto
para vencer essa batalha. Temos a obrigação de manter um
esforço grandioso na manutenção de nossa capacidade
competitiva por todos os fatores que a compõem, e a figura
do profissional agropecuário terá a maior responsabilidade.
Somos indiscutivelmente os detentores do conhecimento da
agricultura tropical no mundo, mas temos de reconhecer que
a velocidade da ciência, da tecnologia e das inovações é muito
maior do que estimamos.
De todas as crises que estamos vivendo no País, a crise
financeira é, sem dúvida, a que mais afeta o sistema
produtivo brasileiro. Desculpas de que a falta de recursos será
resolvida com a redução dos recursos destinados às nossas
universidades, às nossas instituições de pesquisas e aos
nossos instrumentos de política agrícola constituem um dos
maiores erros que podemos cometer. É exatamente agora,
quando se vira a página da incapacidade de produzir em
climas tropicais, que temos de abrir bem os olhos para dar
continuidade à busca incessante de novos conhecimentos,
tecnologias e inovações que nos garantirão a manutenção no
topo de atendimento do mercado consumidor. Devemos fazer
essa "proeza" e manejar os nossos recursos naturais, com
absoluta segurança na sustentabilidade e manutenção do que
possuímos em termos de natureza. Esse é o grande desafio às
novas gerações de profissionais, que precisam enxergar
claramente o papel que lhes cabe, e é apenas com sua
competência e capacidade que manteremos a nossa atual
posição de liderança na produção mundial de alimentos.
Creio que essa é a chave para abrir, não só ao nosso País, mas
também ao mundo, as esperanças de que nossas gerações
atuais e futuras se encontrem numa expectativa de justiça
social e desenvolvimentos econômico, social e ambiental.
Se ainda somos um país subdesenvolvido, é por nossa
incapacidade de evitar a dicotomia agricultura tecnificada e
rica e agricultura extrativista que degrada nossos recursos
naturais. Temos de redobrar os nossos esforços para reduzir
esse terrível abismo, dando àqueles que são incapazes a
educação, o conhecimento e a capacidade de também se
situarem como produtores que sabem usar os recursos
naturais de que dispõem e deles retirar os benefícios sem
destruir o meio ambiente.
Esse talvez seja o maior desafio do jovem profissional da
Agronomia, com o qual queremos dialogar neste livro. Veja
que a nossa profissão, que já abriu tantas portas, está mais do
que nunca precisando de dedicação, competência e
capacidade de provocar mudanças de que tanto
necessitamos, não só no campo agrícola, principalmente para
dar esperanças em todos os sentidos à população brasileira.
Confesso aos jovens Engenheiros-Agrônomos que, como
seu atual e futuro colega, escolhi certo a minha profissão. Se
eu voltasse atrás, queria fazer tudo de novo.

Dr. Alysson Paolinelli


Engenheiro-Agrônomo
Ministro da Agricultura (1974-1979)
SUMÁRIO

1. ENGENHARIA AGRONÔMICA: ÁREAS DE ATUAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO


PROFISSIONAL
1.1. Áreas de atuação
1.2. Regulamentação profissional
Referências bibliográficas

2. AGRONEGÓCIO NO BRASIL
2.1. Exportações agrícolas
2.2. Bases do agronegócio no Brasil
Referências bibliográficas

3. CULTIVO DE GRANDES CULTURAS


3.1. Cultura do milho
3.2. Cultura da soja
3.3. Cultura do feijão
3.4. Cultura do café
3.5. Cultura da cana-de-açúcar
Referências bibliográficas

4. CULTIVO DE OLERÍCOLAS
4.1. Características da produção de olerícolas
4.2. Perspectivas para a produção de olerícolas no Brasil
Referências bibliográficas
5. CULTIVO DE FRUTEIRAS
5.1. Características da fruticultura brasileira
5.2. Valor nutricional das frutas
5.3. Temas relevantes de atuação profissional
Referências bibliográficas

6. CULTIVO DE PLANTAS ORNAMENTAIS E PAISAGISMO


6.1. Floricultura
6.2. Paisagismo
6.3. Produção de plantas ornamentais
6.4. Correlação com outras áreas
Referências bibliográficas

7. CULTIVO DE PLANTAS MEDICINAIS, AROMÁTICAS E CONDIMENTARES


7.1. Espécies medicinais
7.2. Espécies aromáticas
7.3. Plantas condimentares
Referências bibliográficas

8. SILVICULTURA: ESPÉCIES NATIVAS E EXÓTICAS


8.1. Produção de mudas florestais
8.2. Preparo do terreno
8.3. Controle de formigas-cortadeiras
8.4. Capina
8.5. Plantio florestal
8.6. Colheita florestal
Referências bibliográficas

9. AGRICULTURA ORGÂNICA E AGROECOLOGIA


9.1. Sustentabilidade e objetivos da agricultura orgânica
9.2. Conversão para sistemas orgânicos de produção
9.3. Princípios dos sistemas orgânicos de produção vegetal
9.4. Métodos e práticas usuais na produção orgânica vegetal
9.5. Legislação, certificação e comércio
Referências bibliográficas
10. O PAPEL DA ENGENHARIA NA AGRICULTURA
10.1. Armazenamento e processamento de produtos agrícolas
10.2. Construções rurais e ambiência
10.3. Mecanização agrícola
10.4. Irrigação e drenagem
10.5. Meteorologia agrícola
10.6. Agricultura de precisão
Referências bibliográficas

11. TIPOS DE AGRICULTURA


11.1. Agricultura convencional
11.2. Agricultura transgênica
11.3. Agricultura familiar
11.4. Agricultura hidropônica
11.5. Cultivo protegido
11.6. Agricultura orgânica e agroecologia
11.7. Agricultura biodinâmica
11.8. Agricultura sintrópica
11.9. Permacultura
Referências bibliográficas

12. A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E OS RECURSOS NATURAIS


12.1. Histórico mundial
12.2. Histórico brasileiro
12.3. Recursos naturais na produção agrícola
12.4. O futuro
Referências bibliográficas

13. DEFESA FITOSSANITÁRIA


13.1. Conceito de defesa fitossanitária
13.2. Objetivos da defesa fitossanitária
13.3. Normativas brasileiras
13.4. Estágio do processo de invasão biológica da praga
13.5. Introdução de uma nova espécie de praga no país
13.6. Análise de risco de pragas (ARP)
13.7. Sistema de certificação fitossanitária
13.8. Comitê de Sanidade Vegetal do Cone Sul
Referências bibliográficas

14. PROPAGAÇÃO DE PLANTAS


14.1. Definição
14.2. Métodos de propagação de plantas
14.3. Atuação do Engenheiro-Agrônomo na área de propagação de
plantas
Referências bibliográficas

15. PRODUÇÃO ANIMAL


15.1. Habilidades e competências
15.2. Atuação do Engenheiro-Agrônomo na área de Produção Animal
Referências bibliográficas

16. AGRICULTURA DIGITAL


Referências bibliográficas
UM

ENGENHARIA AGRONÔMICA: ÁREAS DE ATUAÇÃO E


REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

Claudio Horst Bruckner

O Brasil caracteriza-se por forte vocação agrícola. Mesmo


com a industrialização e o crescimento dos serviços, a
agricultura continua sendo responsável por grande parte
do produto interno bruto (PIB) brasileiro e pela geração de
empregos e de divisas com as exportações. Não é exagero
afirmar que, em diversos momentos de crise, foi a
agropecuária que garantiu fôlego financeiro ao País. Tanto
no Brasil quanto em outras partes do mundo, a população
urbana é crescente e o número de pessoas que vivem no
campo, cada vez menor. Essa inversão em relação a
décadas passadas foi possível graças à mecanização de
diversas etapas da produção e a um substancial aumento
da produtividade agrícola, de modo que poucas pessoas no
campo podem produzir alimentos para um grande
contingente urbano. A atuação do Engenheiro-Agrônomo
foi, e continua sendo, essencial para o aumento dessa
produtividade. Nas páginas seguintes, abordaremos,
resumidamente, as áreas de atuação e a regulamentação
profissional do Engenheiro-Agrônomo.

1.1 ÁREAS DE ATUAÇÃO


Concebida para atuar em diversas atividades relativas ao
setor agropecuário, a Engenharia Agronômica é uma das
ciências mais ecléticas. Para exemplificar suas áreas de
atuação, vamos imaginar uma fazenda com diversas
atividades realizadas dentro e fora dela, todas a cargo de
Engenheiros-Agrônomos.
Primeiramente, tomemos como base a infraestrutura da
fazenda. Ela precisa de acesso externo e interno, o que
envolve a construção de estradas e vias de captação de água
para o consumo dos moradores, trabalhadores, animais e
para a irrigação dos cultivos. Nas construções rurais, há
instalações administrativas e instalações para moradia
daqueles que vivem na fazenda, para abrigo e cuidado dos
animais, para preparo e expedição da produção e para
processamento e armazenamento dos produtos de origem
vegetal ou animal. Para o funcionamento das atividades, é
necessário haver energia, que pode ser elétrica – gerada ou
não na propriedade –, de biocombustível, de madeira etc. Para
estar apto a atuar nessas atividades, o Engenheiro-Agrônomo
deve possuir forte formação em Engenharia Rural.
Nas atividades de produção da fazenda, abordaremos a
fitotecnia, que trata do cultivo de plantas de interesse
econômico, e a zootecnia, que contempla a criação de
animais domésticos para comércio. Embora muitas fazendas
sejam especializadas em poucas culturas vegetais ou animais,
na maioria delas prevalece a integração entre a pecuária e as
culturas fitotécnicas. Essa integração favorece, entre outros
aspectos, a produção de alimentos vegetais para os animais e
adubos orgânicos para os cultivos, com evidente redução de
custos e aumento da eficiência. Os sistemas de produção em
que ocorre essa integração são chamados de sistemas
agropastoris, ou agrossilvipastoris, quando abrangem
também a área florestal. Para atuar nesse conjunto de
atividades, é importante o Engenheiro-Agrônomo ter bastante
conhecimento sobre produção animal e vegetal, incluindo a
silvicultura.
Com relação à fitotecnia, ou produção vegetal, o
profissional atua nas diversas fases das culturas, desde a
produção de sementes e mudas até o preparo do solo,
correção e adubação, implantação da cultura, tratos culturais,
colheita, preparo e beneficiamento, armazenamento e
comercialização dos produtos, com planejamento, supervisão,
orientação técnica, gerenciamento e controle de qualidade. As
principais culturas são agrupadas em grandes culturas
(algodão, arroz, feijão, milho, soja, cana-de-açúcar, café etc.),
olericultura (cebola, cenoura, batata, tomate, alface, repolho,
abóboras etc.), fruticultura (banana, citros, maçã, coco, uva,
pêssego, maracujá etc.), floricultura e plantas ornamentais (flores
de corte, plantas de vaso, jardins e parques), plantas medicinais
(alecrim, carqueja, erva-cidreira, babosa, camomila, erva-
doce, espinheira-santa, guaco etc.), plantas aromáticas
(coentro, funcho, hortelã, manjericão, salsa etc.) e silvicultura
(eucalipto, pínus etc.).
A produção de sementes e mudas requer registro oficial e
responsabilidade técnica. São essenciais os aspectos de
qualidades genética (identidade varietal), sanitária (para não
disseminar pragas, doenças e plantas daninhas) e fitotécnica
(sementes com bom vigor e boa germinação e mudas com boa
formação e que garantam rápido desenvolvimento). O
Engenheiro-Agrônomo atua na produção como responsável
técnico ou na fiscalização como representante de órgãos
governamentais.
O preparo do solo envolve levantamento de suas
características e da sua capacidade de uso, amostragens e
análises químicas e físicas, práticas conservacionistas para
evitar a degradação e garantir o uso permanente do solo,
revolvimento (aração e gradagem – com incorporação de
corretivos e fertilizantes) ou cultivo mínimo (plantio direto).
Para culturas perenes, recomenda-se a abertura de covas ou
sulcos para o plantio das mudas.
As adubações contemplam o equilíbrio entre diferentes
nutrientes e são baseadas na disponibilidade deles no solo
(acessadas pela análise de solo) e na necessidade das
culturas, em suas diversas fases de desenvolvimento
(advindas dos estudos de nutrição mineral).
A implantação das culturas depende dos objetivos para tal
plantio (finalidade e época de produção) e de conhecimentos
sobre a ecofisiologia das espécies cultivadas, o clima local e as
características de adaptação das cultivares. É essencial
também o conhecimento do mercado dos produtos a serem
produzidos.
Os tratos culturais englobam a condução das culturas,
algumas delas com podas, e o manejo das plantas daninhas
ou concorrentes, pragas e doenças. Para o controle de plantas
daninhas, pragas ou doenças por meio de agroquímicos, a
legislação estabelece a necessidade de prescrição técnica
(receituário agronômico), prerrogativa de Engenheiros-
Agrônomos. Para que as prescrições de controle sejam
corretas, é importante o conhecimento de plantas daninhas,
insetos-praga e patógenos, de sua biologia e de suas relações
com outros organismos, de modo a preservar ao máximo o
equilíbrio ambiental natural com o menor impacto negativo
possível.
A colheita varia com a espécie cultivada e os objetivos da
produção, e pode ser influenciada pelas condições
meteorológicas. É importante o estabelecimento do melhor
momento da colheita, que, no caso dos grãos, depende do
teor de umidade e, no caso de produtos perecíveis como
frutas, hortaliças e flores, depende do mercado, do tipo de
conservação e do estádio fisiológico do órgão a ser colhido.
O preparo e o beneficiamento dos produtos compreendem
sua seleção e classificação, em geral com descarte ou uso
alternativo de produtos de classes inferiores, secagem e
controle de pragas no armazenamento, no caso de grãos, e
acondicionamento em embalagens apropriadas, no caso de
produtos perecíveis como frutas, hortaliças e flores. O
armazenamento ocorre em silos graneleiros (grãos) ou em
câmaras utilizadas para conservação de produtos perecíveis,
eventualmente com controle ambiental (temperatura,
umidade e composição atmosférica). Ressalta-se que a
legislação exige responsabilidade técnica de profissionais nas
instalações de armazenagem.
A comercialização é a etapa final do processo produtivo, e
seu sucesso depende de como foram executadas as etapas
anteriores. É importante o profissional ter conhecimento das
necessidades do mercado, dos canais de comercialização
disponíveis e da logística necessária.
A silvicultura engloba a exploração de povoamentos
florestais naturais ou artificiais. As florestas naturais têm
importante papel na manutenção dos biomas locais,
mantendo sua biodiversidade, preservando e recuperando os
recursos hídricos. Os profissionais atuam na produção de
mudas florestais, na implantação e no manejo das florestas e
na exploração dos recursos florestais (madeira). A silvicultura
já foi estudada dentro da horticultura, juntamente com a
fruticultura, olericultura e floricultura, entre culturas de
outros tipos de planta, de onde vem o termo horto.
Já nas atividades de zootecnia, ou produção animal, o
profissional atua em todas as fases da criação, cuidando do
planejamento, implantação e manejo das pastagens, da
nutrição animal, da agrostologia, bromatologia e rações, e do
beneficiamento, conservação e comercialização dos produtos,
com planejamento, supervisão, orientação técnica,
gerenciamento e controle de qualidade. As principais criações
são agrupadas em ruminantes (bovinocultura de corte e de
leite, caprinocultura, ovinocultura) e não ruminantes
(avicultura, suinocultura e equideocultura).
A atuação do Engenheiro-Agrônomo é importante para o
aumento da produtividade das culturas, a partir da melhoria
das técnicas e do ambiente de cultivo, e também do genótipo
dos indivíduos cultivados ou criados, o que é definido como
melhoramento genético (animal ou vegetal). No
melhoramento genético, selecionam-se indivíduos com
genótipos mais apropriados aos objetivos propostos, que
podem ser maior produtividade, expansão de épocas de
produção, adaptação a condições adversas, resistência a
pragas e doenças, produtos mais saudáveis etc. Os genes
favoráveis são reunidos nos indivíduos por meio de
hibridações e seleção ou, modernamente, por técnicas de
engenharia genética. Há importantes empresas que atuam na
área de Genética e Melhoramento, tanto no Brasil quanto em
outros países, desenvolvendo produtos melhorados, como
sementes, propágulos vegetais e reprodutores, sêmen e
embriões animais. O melhoramento genético pressupõe
responsabilidade técnica.
A humanidade utiliza diversos recursos naturais para sua
sobrevivência e desenvolvimento, como luz solar, ar, água,
solo, petróleo, minérios, vegetais e animais. Já o Engenheiro-
Agrônomo atua no uso e no planejamento da utilização
desses recursos com eficiência, tanto dos não renováveis
(petróleo e minérios, alguns deles importantes na fabricação
de fertilizantes) quanto dos renováveis (água, animais e
plantas). O uso racional de ambos os tipos aumenta o tempo
de sua disponibilidade para as próximas gerações, e o uso do
solo deve ser eficiente e sustentável para garantir altas e
duradoras produtividades. Para isso, o Engenheiro-Agrônomo
atua também na edafologia, nos processos de cultura e uso do
solo, na produção e aplicação racional de fertilizantes e
corretivos.
O aumento da produção, essencial para alimentar e
fornecer matérias-primas à crescente população mundial,
pode ser conseguido com a ampliação das áreas cultivadas e
com o incremento da produtividade. O aumento da área
cultivada pressiona o ecossistema com o desmatamento e a
incorporação de novas áreas de cultivo; esse cenário,
entretanto, pode ser mitigado pelo aumento da produtividade,
ou seja, quando uma mesma área proporciona maior
disponibilidade de produção. Para que uma população rural,
cada vez mais reduzida em relação à urbana, possa dar conta
da produção de alimentos e outros produtos com a demanda
atual, a produtividade da área e do trabalho deve ser alta, e
ela aumenta graças à mecanização agrícola e ao
desenvolvimento de implementos cada vez melhores. Assim,
a tecnologia é essencial para que o aumento de produtividade
seja viável e sustentável, devendo ser fortemente embasada
em conceitos de ecologia, agrometeorologia, defesa sanitária,
química e microbiologia agrícola. Cabe ao Engenheiro-
Agrônomo recomendar máquinas eficientes no campo e,
ainda, contribuir para o desenvolvimento de equipamentos
cada vez mais adequados.
Além da produção no campo, o Engenheiro-Agrônomo
atua no preparo e na transformação de alimentos e outros
produtos agrícolas, mediante tecnologias de transformação
(nos casos de açúcar, amidos, óleos, laticínios, vinhos e
destilados), fermentação (zimotecnia) e beneficiamento e
conservação dos produtos animais e vegetais.
Para melhor administrar o negócio agrícola, o Engenheiro-
Agrônomo atua em administração rural, economia rural e
crédito rural, para dar suporte a todas as atividades
produtivas mencionadas. Mas a atuação do Engenheiro-
Agrônomo extrapola muito os limites de uma propriedade
agrícola. No ambiente urbano, ele atua na concepção e
instalação de parques e jardins, tornando o ambiente mais
agradável e melhorando a vida das pessoas. Cada vez mais
ganha força a ideia de cadeia produtiva, em que a produção
representa alguns dos seus elos, contemplando a performance
de Engenheiros-Agrônomos na gerência de equipes
multidisciplinares.
Para dar suporte à constante evolução dos conhecimentos
e da tecnologia agrícola, é importante a atuação do
Engenheiro-Agrônomo na pesquisa agropecuária e na sua
difusão, por meio do ensino e da extensão rural. Para realizar
pesquisa, o estudo após a graduação é inestimável, almejando
uma formação eclética, para que o profissional consiga focar
os objetivos no campo de sua especialização. No ensino, ele
pode atuar no nível técnico ou no superior. Por meio da
extensão rural, ele deve estar preparado e embasado em
conceitos de Sociologia Rural e Comunicação, para fazer uma
boa difusão de conhecimentos entre agricultores.
O mercado de trabalho, como em outras áreas, tem
experimentado grandes transformações. Nas décadas
passadas predominava o emprego público de Engenheiros-
Agrônomos atuando em fiscalização, extensão, pesquisa e
ensino. Atualmente, entretanto, tem ganhado força seu
desempenho em empresas da iniciativa privada e na livre
iniciativa, como consultorias e atividades afins. É
fundamental para o profissional da área, nos dias atuais, o
desenvolvimento de habilidades relacionadas ao
empreendedorismo.
Conforme relatado anteriormente, a profissão de
Engenheiro-Agrônomo foi concebida como uma das mais
ecléticas, em razão de sua atuação em diversas etapas e
aspectos das cadeias produtivas agrícolas. Com a evolução do
conhecimento, surgiu a necessidade de especializações, tanto
em nível de pós-graduação quanto de graduação, com
algumas disciplinas optativas, para conciliar o caráter eclético
com alguma especialização. Outras ciências derivaram da
Agronomia, como a Engenharia Florestal e a Zootecnia, que
mantêm certa base curricular em comum, a Engenharia
Agrícola e, de certo modo, a Engenharia de Alimentos, embora
ela também possa ser considerada derivada da Engenharia
Química.

1.2 REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL


A regulamentação da profissão iniciou-se com o Decreto nº
23.196, de 12 de outubro de 1933, editado durante o
governo provisório de Getúlio Vargas, que regula o
exercício da profissão agronômica (Brasil, 1933a). Por essa
razão, nessa data é comemorado o Dia do Engenheiro-
Agrônomo. As demais profissões das outras engenharias,
como as de Arquiteto e de Agrimensor, foram
regulamentadas a partir de 11 de dezembro do mesmo
ano, pelo Decreto nº 23.569 (Brasil, 1933c).
O Decreto nº 23.196 prevê o registro de título ou diploma
de Agrônomo ou Engenheiro-Agrônomo no Ministério da
Agricultura, enquanto o Decreto nº 23.569 prevê o registro dos
títulos ou diplomas no Ministério da Educação, no Conselho
Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) e no Conselho
Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea), criados pelo
mesmo decreto. O Decreto nº 23.567 (Brasil, 1933b) prevê o
registro especial do Engenheiro-Agrônomo no Crea para o
exercício de atividades de agrimensura e projetos e obras
concernentes a barragens de terra de até 5 m de altura;
irrigação e drenagem, para fins agrícolas; estradas de
rodagem de interesse local e destinadas a fins agrícolas,
desde que só contenham bueiros e pontilhões de até 5 m de
vão; construções rurais destinadas a moradias ou fins
agrícolas; e avaliações e perícias relativas às matérias
anteriores – registro especial ratificado pela Resolução nº 110,
de 30 de julho de 1956 (Confea, 1956).
A Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, instituiu o
Confea, que é a instância superior de fiscalização do exercício
profissional das profissões relacionadas, e o Crea em cada
unidade da federação (Brasil, 1966). O Crea possui câmaras
responsáveis pelas especializações profissionais e inspetorias
em cidades-chave, para a fiscalização profissional.
A Resolução nº 218 do Confea, de 29 de junho de 1973,
estabelece, em seu artigo 1º, 18 atividades profissionais
dessas três áreas, listadas no Quadro 1.1. Em seu artigo 5º, ela
especifica áreas e serviços em que pode atuar o Engenheiro-
Agrônomo: engenharia rural, construções para fins rurais e
suas instalações complementares, irrigação e drenagem para
fins agrícolas, fitotecnia e zootecnia, melhoramento animal e
vegetal, recursos naturais renováveis, ecologia e
agrometeorologia, defesa sanitária, química agrícola,
alimentos, tecnologia de transformação (açúcar, amidos,
óleos, laticínios, vinhos e destilados), beneficiamento e
conservação dos produtos animais e vegetais, zimotecnia,
agropecuária, edafologia, fertilizantes e corretivos, processos
de cultura e de utilização de solo, microbiologia agrícola,
biometria, parques e jardins, mecanização na agricultura,
implementos agrícolas, nutrição animal, agrostologia,
bromatologia e rações, economia rural e crédito rural, e
serviços afins e correlatos (Confea, 1973).

Quadro 1.1 Atividades designadas para exercício profissional das modalidades de


Engenharia, Arquitetura e Agronomia

Atividade Descrição

01 Supervisão, coordenação e orientação técnica

02 Estudo, planejamento, projeto e especificação

03 Estudo de viabilidade técnico-econômica

04 Assistência, assessoria e consultoria

05 Direção de obra e serviço técnico

06 Vistoria, perícia, avaliação, arbitramento, laudo e parecer técnico

07 Desempenho de cargo e função técnica

Ensino, pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação técnica;


08
extensão

09 Elaboração de orçamento

10 Padronização, mensuração e controle de qualidade

11 Execução de obra e serviço técnico

12 Fiscalização de obra e serviço técnico

13 Produção técnica e especializada

14 Condução de trabalho técnico

Condução de equipe de instalação, montagem, operação, reparo ou


15
manutenção

16 Execução de instalação, montagem e reparo

17 Operação e manutenção de equipamento e instalação


18 Execução de desenho técnico

Fonte: adaptado de Crea-MG (1990).

A partir da Lei nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010, a qual


regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo e cria o
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e os
Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do
Distrito Federal (CAUs), a Arquitetura deixa de integrar o
sistema Confea-Crea (Brasil, 2010). O Confea passa a
denominar-se Conselho Federal de Engenharia e Agronomia e
o Crea, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia.
Mais atual, a Resolução nº 1.048, de 14 de agosto de 2013,
consolida as áreas de atuação, as atribuições e as atividades
profissionais relacionadas nas citadas Leis, nos Decretos-Leis
e nos Decretos que regulamentam as profissões de nível
superior abrangidas pelo Sistema Confea-Crea (Confea, 2013).
Segundo a Resolução nº 1.073, de 19 de abril de 2016, é
possível a extensão de atribuições profissionais em função de
cursos regulares frequentados, inclusive em nível de pós-
graduação (Confea, 2016).
Para mais detalhes sobre a legislação profissional, consulte
<http://www.confea.org.br>.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Ministério da
Educação. Ministério da Justiça. Ministério do Trabalho e Emprego. Lei
nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010 Regulamenta o exercício da
Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo
do Brasil – CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos
Estados e do Distrito Federal – CAUs; e dá outras providências. Diário
Oficial da União: Poder Executivo, Brasília, 31 dez. 2010.
BRASIL. Ministério do Trabalho. Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966.
Regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e
Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências. Diário Oficial da União:
Poder Legislativo, Brasília, 27 dez. 1966.
BRASIL. Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Decreto nº 23.196,
de 12 de outubro de 1933. Regula o exercício da profissão agronômica e
dá outras providências. Diário Oficial da União: Poder Executivo, Rio de
Janeiro, 16 out. 1933a.
BRASIL. Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Decreto nº 23.567,
de 8 de dezembro de 1933. Aprova o novo regulamento da Secretaria
de Estado dos negócios do Trabalho, Indústria e Comércio. Diário Oficial
da União: seção 1, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 15 dez. 1933b.
BRASIL. Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Decreto nº 23.569 de
11 de dezembro de 1933. Regula o exercício das profissões de
engenheiro, de arquiteto e de agrimensor. Diário Oficial da União: Poder
Executivo, Rio de Janeiro, 15 dez. 1933c.
CONFEA – CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA.
Resolução nº 110, de 30 de julho de 1956. Diário Oficial da União, Rio de
Janeiro, 1956.
CONFEA – CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA.
Resolução nº 218, de 29 de junho de 1973. Discrimina as atividades das
diferentes modalidades profissionais da Engenharia, Arquitetura e
Agronomia. Diário Oficial da União: Brasília, 31 jul. 1973.
CONFEA – CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA.
Resolução nº 1.048, de 14 de agosto de 2013. Diário Oficial da União:
Poder Executivo, Brasília, 19 ago. 2013.
CONFEA – CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA.
Resolução nº 1.073, de 19 de abril de 2016. Regulamenta a atribuição de
títulos, atividades, competências e campos de atuação profissionais
aos profissionais registrados no Sistema Confea/Crea para efeito de
fiscalização do exercício profissional no âmbito da Engenharia e da
Agronomia. Diário Oficial da União: Poder Executivo, Brasília, 22 abr.
2016.
CREA-MG – CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E
AGRONOMIA DE MINAS GERAIS. Guia de orientação profissional:
atribuições. Belo Horizonte: Crea-MG, 1990. 230 p.
DOIS

AGRONEGÓCIO NO BRASIL

João Cruz Reis Filho, Francimar Natália Silva Cruz Reis,


Rusthon Magno Cortez dos Santos

O termo agronegócio é muitas vezes associado,


equivocadamente, à exploração agrícola em áreas extensas
de monocultura, com viés puramente exportador, em
contraposição à agricultura de base familiar, com
predominância da diversidade produtiva para a
subsistência. Essa visão dualista, que procura dividir o que
na verdade é um único segmento, rico por sua pluralidade,
muito mais atende a propósitos ideológicos do que
verdadeiramente representa o setor agropecuário
brasileiro.
O agronegócio nada mais é que o somatório da cadeia de
valor de toda a produção agropecuária, incluindo a indústria
de insumos (antes da porteira), a produção propriamente dita
(dentro da porteira) e o processamento agroindustrial (depois
da porteira), bem como o transporte, a distribuição, a
comercialização e os serviços das diversas fases do processo.
Nesse sentido, a produção agrícola e a pecuária se somam,
assim como toda a atividade desenvolvida em extensas ou
pequenas propriedades. Em resumo, a agricultura familiar é
parte indissociável do agronegócio.
Entretanto, isso não significa que as políticas públicas
devam ser exatamente iguais. Pelo contrário, é justamente
pelo entendimento das particularidades de cada segmento do
agronegócio que se tem uma visão ampliada de como inserir
a pequena produção de base familiar em cadeias globais de
valor. Dizem-se “globais” pelo fato de grande parte do sucesso
do nosso agronegócio se alicerçar na exportação de gêneros
alimentícios para mais de 200 países e no provimento do
consumo dos mais de 200 milhões de brasileiros. Somente em
2017, o agronegócio brasileiro exportou mais de 96 bilhões de
dólares, gerando superávit na balança comercial.
É indubitável que o agronegócio brasileiro é um sucesso.
Partindo dessa premissa, apresentamos neste capítulo o que
se entende por agronegócio, sua importância relativa, suas
causas, e os desafios, cenários e perspectivas para o Brasil. O
leitor compreenderá como o Engenheiro-Agrônomo foi, é e
será protagonista e catalisador de um dos mais dinâmicos
setores da economia nacional.

2.1 EXPORTAÇÕES AGRÍCOLAS


A pauta brasileira exportadora de alimentos concentra-se
nos complexos soja e carnes (bovina, suína e de frango).
Por sorte, a população mundial segue aumentando, com
maior expectativa de vida, o que, associado ao crescimento
da renda média per capita, tem demandado um volume
cada vez maior de alimentos, em especial de proteínas
mais elaboradas, como carnes, leite e ovos. Segundo
estimativas da Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO), se o mundo permanecer
no atual ritmo de consumo, para atender à demanda dos
prováveis 10 bilhões de habitantes em 2050, será
necessário produzir mais de 60% a mais de comida, 50% a
mais de energia e 40% a mais de água. Seguramente, parte
significativa deverá ser fornecida pelo Brasil.
Além da nobre produção de alimentos, o agronegócio
envolve uma série de atividades de fundamental importância
para a humanidade, como a produção de energia (biodiesel,
etanol de cana-de-açúcar, de milho ou de biomassa), fibras e
produtos têxteis, segmentos de florestas plantadas (carvão
vegetal, celulose, papel, látex e resinas), entre outras.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa), para 2017 o valor estimado foi de R$
540,3 bilhões, o maior registrado desde o início da série, em
1989.
Ao se analisar o produto interno bruto (PIB) brasileiro, que,
além da produção agropecuária, inclui os insumos, a indústria
e os serviços, tem-se uma dimensão mais aprofundada da
importância do setor. As estimativas para o PIB do
agronegócio de 2017 (Cepea, 2018) apontaram crescimento de
7,6% em relação ao ano anterior, pois, com o valor de R$ 1,4
trilhão, o agronegócio respondeu por 21,59% do PIB nacional.
Um dos principais fatores desse crescimento foi a grande
quantidade de grãos colhida na última safra, por volta de 240
milhões de toneladas. Essa produção foi mais de cinco vezes
superior à de 1975, em uma área plantada de pouco mais que
o dobro da área daquele ano. Desse modo, fica claro que o
ganho em produção foi, em grande parte, devido ao
incremento da produtividade. Há que se ressaltar, ainda, que
o setor emprega cerca de 18 milhões de pessoas, ou seja, mais
de 20% dos postos de trabalho do País, o que demonstra
relevante importância social.

2.2 BASES DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL


É importante apontar os ganhos nacionais em
produtividade no agronegócio, mesmo que o Brasil tenha
apenas 7,6% de seu território ocupado com lavouras e 66%,
com vegetação nativa. Para efeito de comparação, os
países da União Europeia utilizam de 45% a 65% de seu
território, os Estados Unidos, 18,3%, a China, 17,7% e a
Índia, 60,5%.
Ainda de acordo com a Embrapa, as pastagens ocupam
19,7% do País e, desse total, 80% possuem algum grau de
degradação. Considerando somente os possíveis ganhos com
a intensificação dos sistemas de produção pecuários, como a
integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a produção do
agronegócio brasileiro apresenta enorme potencial de
crescimento, sem que se corte uma única árvore ou se
desmate um hectare.
Pode-se perceber que, onde o agronegócio é pujante, a
qualidade de vida das pessoas é melhor. Isso pode ser
mensurado pelo Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM), que leva em conta três esferas para avaliar
a qualidade de vida de um município: educação, renda e
longevidade. O índice de 0 a 0,499 é considerado muito baixo,
de 0,5 a 0,599 é baixo, de 0,6 a 0,699 é médio, de 0,7 a 0,799 é
alto e de 0,8 a 1,0 é muito alto. Lars Schobinger, responsável
pelo estudo Impacto do agronegócio no IDH brasileiro, constatou
que, nas áreas produtoras de soja, de 1970 a 2010, o IDHM
saltou de 0,446 para 0,729; nas áreas de plantio de algodão, de
0,306 para 0,707; nas de cana-de-açúcar, de 0,443 para 0,729; e
nas de plantação de milho, de 0,410 para 0,710. De acordo
com a pesquisa, nessas cidades, de 1970 até 2010, houve
melhoria de até 76% no IDH, ou seja, 19 pontos percentuais
maiores que o IDH dos municípios considerados não
agrícolas.
Sem dúvida, o êxito do agronegócio decorreu do
conhecimento gerado e aplicado no campo, da ciência, da
tecnologia e da inovação, bem como da assistência técnica, da
extensão rural e da transferência tecnológica. Enge nhei ros-
Agrô nomos e outros profissionais de Ciências Agrárias
tiveram relevante papel no desenvolvimento de uma
agricultura tropical ímpar no mundo. A pesquisa agropecuária
nas instituições públicas, como na Embrapa, nas
universidades federais e estaduais e nas organizações
estaduais de pesquisa agropecuária (Oepas), e, mais
recentemente, na iniciativa privada permitiu enormes ganhos
em produtividade (Tab. 2.1).

Tab. 2.1 Índice de evolução da produtividade (1950 = 100)

1950 1975 1985 1996 2012

Milho 100 106 118 195 345

Soja 100 206 236 311 391

Trigo 100 96 215 241 357

Arroz 100 104 135 211 372


Feijão 100 78 72 97 180

Cana-de-açúcar 100 160 225 231 250

Percentagem por corte* 100 107 123 227 431

*2006.
Fonte: IBGE (2012).

De fato, conforme estudos de Alves, Souza e Rocha (2013),


observa-se que a tecnologia se tornou preponderante para a
geração de renda no campo. Analisando os dados do Censo
Agropecuário de 2006, em contraste com o Censo de
1995/1996, os pesquisadores concluíram que mais de 68% da
renda bruta dos estabelecimentos rurais advêm da adoção de
tecnologia, em detrimento dos fatores de produção terra e
trabalho (Tab. 2.2). Em apertada síntese, isso significa que a
sustentabilidade da atividade rural, ou seja, da permanência e
sucessão no campo, depende necessariamente da aplicação
de tecnologia para gerar renda.

Tab. 2.2 Contribuição dos fatores de produção terra, trabalho e tecnologia para o
aumento da produção

1995/1996 2006
Variáveis
(%) (%)

Trabalho 31,3 22,3

Terra 18,1 9,6

Tecnologia 50,6 68,1

Total 100,0 100,0

Fonte: IBGE (2012).


No mesmo estudo, Alves, Souza e Rocha (2013) verificaram
que apenas 11,36% dos mais de 4,4 milhões de
estabelecimentos rurais geram mais de 86% da renda bruta do
setor. Essa concentração econômica não é um fenômeno
exclusivo do Brasil, haja vista números similares nos Estados
Unidos e na Europa. Todavia, essa grande desigualdade
implica a existência, lamentavelmente, de pobreza no campo,
sobretudo na Região Nordeste. E a solução, não mágica, para
combater e reverter esse quadro é prover meios para que
esses produtores excluídos da revolução tecnológica tenham
acesso ao conhecimento necessário para desenvolver sua
produção (Fig. 2.1).

FIG. 2.1 Evolução da produção e da área plantada de grãos


** Preliminares; *** Estimativa.
Fonte: IBGE (2014).
Um dos indicadores para avaliar o desempenho do
agronegócio brasileiro é o valor bruto da produção
agropecuária (VBP), que é calculado multiplicando-se a
produção da safra agrícola (21 produtos) e da pecuária
(carnes, ovos e leite) pelos preços recebidos pelos produtores
(Fig. 2.2).

FIG. 2.2 Valor bruto da produção agropecuária (VBP), que envolve a multiplicação da
produção das lavouras pelos preços recebidos pelos produtores
Fonte: IBGE (2015).

Está aí mais uma grande contribuição da Engenharia


Agronômica, tanto na geração do conhecimento quanto (e
sobretudo) na sua aplicação no campo. Em última análise,
isso implica produção de mais alimentos, mais divisas para o
País, geração de renda, distribuição de riqueza, redução da
pobreza e justiça social, além de permitir a sucessão no
campo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, E.; SOUZA, G. S.; ROCHA, D. P. Desigualdade nos campos na ótica
do Censo Agropecuário 2006. Revista de Política Agrícola, v. 22, n. 2, p. 67-
75, 2013.
CEPEA – CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA.
PIB-Agro/Cepea: Volume do agronegócio cresce 7,6% em 2017, eleva PIB
nacional e ajuda no controle da inflação. Cepea-Esalq/USP, 9 abr. 2018.
Disponível em: <https://www.cepea.esalq.usp.br/br/releases/pib-agro-
cepea-pib-volume-do-agronegocio-cresce-7-6-em-2017-eleva-pib-
nacional-e-ajuda-no-controle-da-inflacao.aspx>.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sidra –
Sistema de Recuperação Automática. Censo Agropecuário 2006. Brasília:
IBGE, 2012. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-
agropecuario/censo-agropecuario2012>.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo
Agropecuário: Levantamento sistemático da produção agrícola, 2014.
Brasília: IBGE, 2014.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo
Agropecuário: Levantamento sistemático da produção agrícola, 2015.
Brasília: IBGE, 2015.
TRÊS

CULTIVO DE GRANDES CULTURAS

Fábio Cunha Coelho, Sílvio de Jesus Freitas

As espécies agrícolas que podem ser cultivadas em


grandes áreas são chamadas de grandes culturas. Muitas
delas também podem ser plantadas em áreas pequenas, e
a tecnologia de produção, as cultivares utilizadas e o tipo
de agricultor envolvido nesse processo variam muito em
ambas as situações. O papel do Engenheiro-Agrônomo
nessas culturas é o de orientar agricultores para que
consigam alta produtividade de forma sustentável, tanto
em grandes quanto em pequenas áreas.
É de grande importância a atividade profissional do
Engenheiro-Agrônomo na produção das grandes culturas. A
viabilidade desses cultivos depende do ajuste fino dos
insumos a serem utilizados, das máquinas e suas regulagens
mais apropriadas para cada ambiente agrícola, das épocas
certas para o manejo de plantas daninhas, pragas e doenças
e, enfim, de ações de caráter preventivo que minimizem o uso
de produtos que podem afetar negativamente o ambiente e a
saúde de trabalhadores rurais e consumidores.
O cultivo das grandes culturas requer plantas saudáveis.
Além disso, o tipo de agricultor envolvido (agricultor familiar
ou grande produtor) também é levado em consideração ao se
determinarem as tecnologias mais adequadas a se adotar. O
Engenheiro-Agrônomo, de forma coerente, propõe práticas de
manejo conservacionistas do solo e da água; sistemas de
plantio ou de semeadura; manejos integrados de pragas,
doenças e plantas daninhas; orientação de colheita e
armazenamento; e assessoramento na comercialização e na
administração rural. Assim, a atividade agrícola torna-se
economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente
correta.
Com relação à nutrição das plantas de grandes culturas, no
curso de Agronomia o estudante aprende a fazer a
amostragem de solos e a interpretar resultados de análises
para poder recomendar adubações adequadas, com base nos
manuais regionais de recomendação de adubação, no nível
tecnológico a ser adotado, no histórico da área e na
produtividade esperada. O manejo adequado do solo visando
à manutenção ou melhoria da fertilidade é de suma
importância. Evitar a ocorrência de fenômenos erosivos
(perda de solo) por meio de manejo conservacionista do solo
(semeadura em curvas de nível, confecção de terraços e
plantio direto sem revolvimento de terra) viabiliza a produção
por longos períodos. Concomitantemente, no manejo das
grandes culturas se leva em consideração a programação da
rotação de culturas, sistema no qual se cultivam as espécies
de plantas de famílias botânicas diferentes, de forma
escalonada, em diversas épocas. Dessa forma, após a colheita
de uma cultura, semeia-se outra com características
botânicas distintas.
Dentro do grupo das grandes culturas, há uma enorme
diversidade de espécies de plantas, e as mais cultivadas no
Brasil são milho, soja, feijão, cana-de-açúcar, mandioca, café,
algodão, arroz, trigo, amendoim e girassol. Em muitas partes
do mundo e em algumas localidades brasileiras, também se
cultivam, em grandes áreas, sorgo, canola, cevada, centeio,
triticale, milheto e várias outras culturas, como as diferentes
espécies de feijões (caupi, adzuki, mungo-verde, feijão-arroz,
grão-de-bico etc.). Neste capítulo, serão apresentadas, de
forma sucinta, as grandes culturas mais cultivadas no Brasil
nos últimos anos: milho, soja, feijão, café e cana-de-açúcar.

3.1 CULTURA DO MILHO


O milho (Zea mays L.) é uma gramínea da família Poaceae,
originária do continente americano. Essa planta se
adaptou aos mais diferentes ambientes do mundo, razão
por que é cultivada desde os trópicos até em regiões de
clima temperado, tanto no nível do mar quanto em
grandes altitudes. Hoje, o Brasil é o terceiro maior produtor
de milho do mundo.
Pode ser cultivado para a utilização dos grãos (principal
produto) ou da planta toda. Para ser transformada em silagem
(Fig. 3.1), a planta é colhida quando as sementes estão saindo
do estádio leitoso para o farináceo (sementes em estádio de
três quartos da linha do leite).
FIG. 3.1 Colheita do milho para produção de silagem
Fonte: Roman Gridin/Claas (Wikimedia Commons, CC BY-SA 3.0, https://w.wiki/4QEo).

Outro mercado promissor dessa cultura é o de milhos


especiais, como milho-pipoca, que, ano a ano, vem crescendo
em importância no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo,
seu cultivo alcança grandes áreas. Também é crescente a
produção de minimilho (espigas colhidas antes da formação
das sementes) em várias regiões do mundo. De maneira geral,
a rentabilidade desses cultivos costuma ser superior à do
milho-grão; entretanto, devem-se assegurar as condições de
mercado.
Os países com maior produção de milho-grão, já há
algumas décadas, são os Estados Unidos, a China e o Brasil,
que possuem tecnologias de produção adaptadas ao cultivo
em grandes áreas, fundamentadas, principalmente, na
utilização de milhos híbridos de alta produtividade. No Brasil,
assim como em outros países da América Latina e da África,
grande quantidade de estabelecimentos agrícolas familiares,
em pequenas áreas, tem o milho como a cultura que garante
a segurança alimentar. São utilizadas cultivares e tecnologias
adaptadas à realidade do baixo uso de insumos externos à
propriedade.
Desde sua domesticação pelos povos indígenas
americanos, a produtividade do milho aumentou muito,
devido à seleção massal (seleção de plantas mais produtivas e
utilização de suas sementes nos cultivos sucessivos) e aos
trabalhos de melhoramento genético tradicional. No século
XX, foram lançadas cultivares de milho híbrido com alta
prolificidade (mais espigas por planta), alto vigor e plantas
mais homogêneas, o que possibilitou maiores populações por
área. Essas melhorias resultaram em ganhos expressivos na
produtividade. Para que atinjam a produtividade máxima
potencial, os híbridos exigem condições ideais de
disponibilidade de água e nutrientes.
No Brasil, o milho apresenta duas safras características:
uma no período chuvoso, ou primavera-verão, nas Regiões
Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e outra no período verão-outono,
denominada safrinha, em que geralmente se semeia o milho
logo após a colheita da soja.
De maneira geral, para se alcançar grande produtividade
na cultura do milho, além do manejo usual utilizado para
qualquer cultura agrícola, é necessário dar atenção à
população de plantas, à nutrição delas e ao manejo da água. A
manutenção dessa população é de suma importância, porque
o milho tem baixa plasticidade, ou seja, baixa capacidade de
recuperação da produtividade em caso de diminuição no
número de plantas. Assim, a população de plantas para
produção de grãos pode variar de 40.000 a 90.000 pés por
hectare (Cruz; Pereira Filho; Albuquerque Filho, s.d.). Essa
variação está especialmente relacionada à cultivar utilizada,
que determinará a arquitetura da planta (folhas erectófilas,
com inserção mais ereta, toleram populações maiores) e o
grau de homogeneidade da população (milhos híbridos têm
maior homogeneidade genética entre indivíduos, e isso
resulta em maior tolerância à competição intraespecífica).
Uma preocupação mundial atual, relacionada à segurança
alimentar, é a proteção da variabilidade genética do milho,
uma vez que este apresenta grande número de raças (Fig. 3.2).
É de suma importância a manutenção da integridade genética
das variedades ditas tradicionais ou crioulas. O Engenheiro-
Agrônomo deve tomar os devidos cuidados para evitar a
contaminação das cultivares tradicionais, pois o milho possui
alto grau de fecundação cruzada, a partir dos polens que,
produzidos em uma planta, são transportados pelo vento e
fecundam os óvulos de outras plantas. Por exemplo, no
México, centro de origem do milho, há grande preocupação
com a contaminação de cultivares tradicionais locais,
principalmente por polens oriundos de milhos transgênicos.
FIG. 3.2 Espigas com milho de diferentes raças
Fonte: Feria de Productores (Wikimedia Commons, CC BY-AS 2.0, https://w.wiki/4QF2).

Mais uma questão bastante atual em relação à cultura do


milho são os cultivos sucessivos na mesma área, sem rotação
de culturas, o que tem levado ao aumento da incidência de
doenças. As cultivares atuais são tolerantes à maioria das
doenças, entretanto, os cultivos sucessivos aumentam a
pressão de inóculos de patógenos, isto é, há um aumento da
quantidade de esporos de fungos no ambiente devido à
permanência de restos culturais, o que acarreta, por
consequência, a grande incidência de doenças na cultura
sucessiva. Isso tem aumentado a preocupação de agricultores,
pois enfermidades que ocorriam abaixo do nível de dano
econômico agora causam queda na produtividade e, algumas
vezes, exigem controle químico.
Por fim, discorre-se sobre o manejo de pragas. Há um
grande número de insetos com potencial para se tornarem
pragas na cultura do milho. De maneira geral, a lagarta-do-
cartucho (Spodoptera frugiperda) é o inseto que mais causa
danos ao milho e, para seu manejo, são utilizadas as mais
variadas formas de controle: cultivares transgênicas,
inseticidas químicos e controle biológico com o parasitoide
Trichogramma galloi (vespinha) e o baculovírus. O controle
biológico é altamente eficiente e causa poucos danos ao
ambiente, mas requer o monitoramento da população do
inseto de forma sistemática. Ao Engenheiro-Agrônomo cabe
identificar e quantificar populações de insetos que causam
dano econômico à cultura do milho (pragas do milho). Nas
disciplinas Entomologia Agrícola, Ecologia Agrícola e
Agroecologia são estudadas formas de manutenção das
populações de inimigos naturais das pragas.

3.2 CULTURA DA SOJA


A soja (Glycine max L.) é originária da China e, até meados
do século XX, era cultura típica de regiões de clima
temperado, dada a sua sensibilidade ao fotoperíodo. Por
isso, é considerada planta de dia curto, isto é, recebe
estímulo para florescer quando o número de horas de luz
do dia é inferior ao fotoperíodo crítico (FPC). Atualmente, o
Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo.
Para a soja, o FPC é de aproximadamente 12,5 horas.
Entretanto, há cultivares de soja que continuam em estado
juvenil (sem florescimento) mesmo abaixo do FPC, até que a
planta esteja apta a receber o estímulo luminoso para a
indução floral após ter o quarto trifólio aberto. Essas
cultivares são conhecidas como de período de juvenilidade
longo (PeJL) (Destro et al., 2001). A utilização de cultivares com
PeJL possibilitou o cultivo da soja em grandes áreas (Fig. 3.3),
em regiões de baixa latitude, próximas da linha do equador,
como o Brasil, que atualmente é o maior produtor e
exportador de soja do mundo. A recomendação de cultivares
de soja é atribuição do Engenheiro-Agrônomo, que utiliza
dados de pesquisas oficiais sobre a latitude do local de cultivo
e outras informações, como resistência a doenças.

FIG. 3.3 Colheita de soja em grande área com subsequente semeadura de milho safrinha
Fonte: Tiago Firmino Boaventura (Wikimedia Commons, CC BY-SA 3.0,
https://w.wiki/4QFM).
Como a soja é da família Fabaceae (leguminosas), ela tem a
capacidade de se associar simbioticamente a bactérias
fixadoras do nitrogênio atmosférico (N2). No seu sistema
radicular, formam-se estruturas arredondadas (nódulos) que
propiciam o crescimento de bactérias de Bradyrhizobium
japonicum. Essas bactérias possuem a enzima nitrogenase,
capaz de fixar o nitrogênio do ar que, posteriormente, é
assimilado pela planta como substrato para a síntese de
aminoácidos. Em várias partes do mundo e principalmente no
Brasil, as sementes de soja são inoculadas com essas
bactérias antes da semeadura, para que não seja necessário o
uso de adubos nitrogenados. A partir dessa biotecnologia, há
grande economia na utilização de adubos nitrogenados, o que
possibilita maior lucratividade e menor poluição ambiental.
Uma das formas de conferir a viabilidade dos nódulos é
verificar se sua coloração interna está rósea, o que indica a
presença da leg-hemoglobina, proteína com alta afinidade
com o oxigênio e que favorece a maior eficiência da
nitrogenase, a qual só é eficaz em condição de baixa tensão
de oxigênio.
Além da nutrição adequada da planta de soja, é
importante seu manejo para evitar plantas daninhas, pragas e
doenças. No manejo de plantas daninhas, por exemplo, evita-
se que ocorra competição com a soja no período crítico em
que a competição pode reduzir a produtividade. O manejo da
soja engloba diferentes formas: o manejo preventivo, o qual
evita que espécies de plantas potencialmente daninhas
entrem na área de cultivo; o manejo cultural, que dá
condições à cultura agrícola para que seja eficiente na
competição com as plantas daninhas; o manejo mecânico,
com a utilização de máquinas que diminuem a população
dessas plantas indesejáveis; e o manejo químico, com a
utilização de herbicidas que diminuem a população dessas
competidoras. Esses manejos exigem conhecimento técnico
para minimizar perdas e garantir boa safra. É importante
ressaltar que, quando se emprega o manejo químico,
recomenda-se a rotação no uso de princípios ativos de
herbicidas, ou seja, não utilizar repetidas vezes o mesmo
princípio ativo de herbicida em safras subsequentes, a fim de
evitar o aumento das populações de plantas daninhas
resistentes aos herbicidas.
Já o manejo de pragas e doenças na cultura da soja merece
redobrada atenção de agrônomos e agricultores. O manejo
integrado de pragas e doenças (MIPD) possibilita o
acompanhamento das populações de insetos e de danos
causados por patógenos ao longo do ciclo da cultura. Assim,
as decisões relativas a épocas e formas de controle são
tomadas com embasamento científico, levando a um maior
grau de acerto.
O sistema de produção da soja extrapola os limites da
fazenda, e o Engenheiro-Agrônomo deve estar atento a
algumas questões, a fim de obter sucesso com esse cultivo.
Para um bom planejamento e melhor chance de acerto no
empreendimento, o profissional deve se questionar: o clima
da região é propício ao cultivo da soja? O regime de
precipitação pluviométrico possibilitará o cultivo? Há
estrutura para a colheita mecânica e o armazenamento dos
grãos? O sistema viário é favorável ao escoamento da
produção? Há contatos com empresas transportadoras de
grãos? O mercado é favorável ao cultivo? As respostas a essas
questões facilitarão a tomada de decisão sobre o cultivo em
novas áreas, definindo o sucesso ou não do empreendimento.

3.3 CULTURA DO FEIJÃO


O feijão (Phaseolus vulgaris L.) tem grande importância na
alimentação da maioria dos brasileiros. Pertence à família
Fabaceae (leguminosas) e apresenta hábitos de
crescimento determinado de tipo 1, em que as gemas
apicais dos ramos dão origem a inflorescências, ou
indeterminado de tipos 2, 3 e 4, em que as gemas apicais
não dão origem a inflorescências. O tipo 2 possui ramos
mais eretos, o tipo 3, ramos prostrados, e o tipo 4 necessita
de tutoramento. No Brasil, para a produção de grãos de
feijão, utilizam-se cultivares dos tipos 1, 2 e 3 e, para a
produção de vagens, do tipo 4. O Brasil é o maior produtor
de feijão do mundo.
Quanto às características de coloração da semente, o feijão
é também classificado em tipos: feijão do tipo preto, carioca,
vermelho, branco, roxinho etc. Para cada um, há diversas
cultivares com características próprias de resistência a
doenças, arquitetura de planta, tipo de crescimento, ciclo
(precoce ou tardio), entre outras. As preferências regionais
determinam os tipos mais apreciados. Os tipos mais
cultivados no País são o carioca e o preto.
O feijão é produzido no Brasil em três safras: na primeira
safra, o feijão é semeado de outubro a dezembro (período
chuvoso), geralmente por agricultores familiares, e muitas
vezes em consórcio com o milho; na segunda safra, de
fevereiro a março, é cultivado por pequenos e grandes
produtores e, em algumas regiões, necessita de irrigação
suplementar; e na terceira safra, de abril a julho, o cultivo é
irrigado. Há, no País, grandes áreas que cultivam feijão na
terceira safra irrigado por pivô central (Fig. 3.4).

FIG. 3.4 Áreas de cultivo de terceira safra de feijão com irrigação por pivô central

Deve-se despender especial atenção à nutrição mineral da


cultura do feijão. A amostragem e a análise do solo antes do
cultivo são de suma importância para verificar a necessidade
de calagem ou adubação. A disponibilidade de
macronutrientes minerais (N, P, K, Ca, Mg, S) e
micronutrientes (Mo, B, Cu, Mn, Zn, Cl, Co, Ni) deve estar em
níveis ótimos para que se alcancem boas produtividades.
Como o N não é avaliado em análises de solo devido à sua
instabilidade no ambiente, o Engenheiro-Agrônomo tem
como parâmetros o histórico da área e, principalmente, o
nível tecnológico a ser adotado pelo agricultor. Para os demais
nutrientes, de maneira geral, os resultados da análise do solo
juntamente com as recomendações dos manuais regionais de
adubação são suficientes para orientar o Agrônomo quanto à
formulação da adubação adequada para a cultura do feijoeiro.
Essa cultura pode ser acometida por grande número de
doenças e pragas, além de apresentar grande sensibilidade à
competição com plantas daninhas. A escolha de cultivares
resistentes a doenças, adaptadas à região e selecionadas para
cultivos com alto ou baixo uso de insumos externos, é
prerrogativa do Engenheiro-Agrônomo, que buscará as opções
mais sustentáveis para cada situação.

3.4 CULTURA DO CAFÉ


O famoso cafezinho de todos os dias se transformou em
uma das bebidas mais consumidas e apreciadas no
mundo. Cresce cada vez mais o número de cafeterias
especializadas em preparos de cafés especiais. Além disso,
é uma das poucas culturas que têm um dia comemorativo:
14 de abril é o Dia Internacional do Café e 24 de maio, no
Brasil, o Dia Nacional do Café, o que comprova toda a sua
importância e apreciação mundial.
No passado, o café era considerado um produto que
causava vício e provocava algumas doenças nos
consumidores. Tal alegação não mais se sustenta: o café
contém, além da cafeína, diversas substâncias importantes
para o organismo, como minerais, niacina, antioxidantes,
ácidos clorogênicos e quinídeos. Inclusive, estudos recentes
apontam que o consumo moderado de três a quatro xícaras
de café por dia pode prevenir algumas doenças, como
Parkinson e Alzheimer, câncer de colo do útero, asma e
diabetes, além de proporcionar melhorias na atenção, na
memória e no aprendizado escolar.
O café é um dos produtos primários mais valiosos no
comércio internacional e representa uma das atividades
agrícolas mais importantes para o Brasil. Atualmente, o país é
o maior produtor de café do mundo, seguido por Vietnã,
Colômbia e Indonésia. Dados da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab, 2018) mostram que, em 2017, a
produção brasileira foi de mais de 45 milhões de sacas, 12,5%
a menos que em 2016.
O café brasileiro também lidera as exportações, com
aproximadamente 25 milhões de sacas exportadas em
2016/2017, ficando à frente do Vietnã, que exportou cerca de
20 milhões de sacas nesse período. Estima-se que a cadeia
produtiva do café, que compreende os insumos, a produção, a
indústria/transformação e o comércio, é responsável pela
geração de mais de oito milhões de empregos diretos e
indiretos no País.
O cafeeiro pertence à família Rubiaceae e ao gênero Coffea.
As espécies compreendidas nesse gênero podem ser
agrupadas em quatro grupos: Eucoffea, Mascarocoffea,
Argocoffea e Paracoffea. O grupo Eucoffea é de maior
importância econômica, pois engloba as espécies Coffea
arabica (café arábica) e Coffea canéfora (café conilon), as
tradicionalmente cultivadas e consumidas em todo o mundo.
O cultivo do café arábica corresponde a 81% da área
plantada no Brasil, sendo responsável por 80% da produção
total de café do País. Em geral, seus frutos têm a capacidade
de originar bebidas de melhor qualidade com acentuada
doçura, aroma suave e leve acidez, características que lhe
proporcionam valor comercial de saca superior.
O café conilon sempre foi considerado bebida neutra,
sendo utilizado exclusivamente na indústria do café solúvel.
Com o passar do tempo, a indústria começou a fazer os blends
(café arábica + café conilon), que tiveram boa aceitação por
parte dos consumidores. No início, acrescentavam-se apenas
5% de conilon ao arábica, mas hoje se misturam em torno de
40%. Alguns produtores já colocaram no mercado o café 100%
conilon e também obtiveram boa aceitação.
As espécies arábicas são tetraploides e autoférteis. A
polinização cruzada, dependendo da variedade, pode variar
de 5% a 15%. Sua propagação é realizada por sementes, e não
há evidências de efeitos deletérios causados por
autofecundações sucessivas. Já o café conilon é diploide e
autoincompatível, não havendo cruzamento entre flores da
mesma planta nem com flores de outras plantas com a
mesma constituição genética. Em decorrência disso, essa
espécie é propagada vegetativamente. A instalação de uma
lavoura de café conilon em geral é realizada usando-se
variedades clonais, que favorecem a polinização, a
fecundação e a formação dos frutos. Por isso, apresentam alta
variabilidade genética quando propagadas por sementes,
podendo gerar plantas com características muito
diversificadas.
A planta de café tem porte arbustivo ou arbóreo e
apresenta ramos que crescem no sentido vertical,
denominados ramos ortotrópicos (troncos ou hastes), e ramos
que crescem na posição horizontal a partir desses troncos,
denominados plagiotrópicos, nos quais ocorre a formação dos
frutos, ou seja, são os ramos produtivos (Fig. 3.5).

FIG. 3.5 Detalhe dos ramos plagiotrópicos e ortotrópicos do cafeeiro

Os cafeeiros possuem alto potencial produtivo, no entanto,


em 2017, as lavouras brasileiras de arábica e de conilon
apresentaram baixa produtividade média, cerca de 23,1 e 28,0
sacas beneficiadas/ha–1, respectivamente. Esse baixo
desempenho está relacionado às condições climáticas
desfavoráveis e ao manejo inadequado da cultura.
A manutenção de uma lavoura produtiva e vigorosa é o
objetivo de todo cafeicultor; entretanto, vários organismos
podem atacar (insetos, fungos, bactérias e vírus) ou concorrer
(plantas daninhas) com todas as partes da planta, trazendo
prejuízos ao desenvolvimento dos cafeeiros, à produtividade e
à qualidade dos grãos. As principais pragas que atacam as
plantas de café são: bicho-mineiro-de-folha, broca-do-café,
nematoides, cigarras, ácaros, cochonilhas, lagartas e mosca-
das-raízes. Com relação às doenças, as que apresentam maior
impacto econômico são: ferrugem-do-cafeeiro, cercosporiose,
phoma, roseliniose, leprose, mancha-manteiga e amarelinho
do cafeeiro (Fig. 3.6).

FIG. 3.6 Detalhe dos ramos plagiotrópicos e ortotrópicos do cafeeiro

Muitos consumidores têm optado pelo consumo de cafés


especiais, um mercado que registra crescimento anual em
torno de 15%. Esse público procura atributos de qualidade na
bebida e pagam maior valor por produtos de alta qualidade.
Os cafés especiais devem atender a alguns critérios, como
mais de 80 pontos na metodologia SCAA (Specialty Coffee
Association of America, ou Associação Americana de Café
Especial), certificação de origem, sustentabilidade e
rastreabilidade.
Para que o produtor consiga produzir café de alta
qualidade, ele deve adotar técnicas e manejos específicos que
englobam variedades com maturação precoce, média e tardia;
iniciar a colheita com, no mínimo, 70% dos frutos maduros;
colher o café diretamente em peneiras ou panos; passar o
café no lavador/separador para retirar as impurezas e separar
o café-boia; tirar as cascas do café maduro; e passar o café no
despolpador. Os grãos devem ser secos em terreiro suspenso
coberto ou de concreto (Fig. 3.7).

FIG. 3.7 Etapas da colheita e do processamento do café

3.5 CULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR


A cana-de-açúcar é uma planta que vem sendo cultivada
há muitos anos. Há relatos de seu cultivo em escrituras
mitológicas hindus e na Bíblia Sagrada. No Brasil, ocupa
posição de destaque, tendo grande importância
socioeconômica desde a sua implantação, em 1533, no
período colonial. Naquela época, os colonizadores
priorizaram seu cultivo em terras brasileiras por serem os
solos e o clima extremamente favoráveis ao
desenvolvimento da cultura. Outro fator que impulsionou
a lavoura canavieira foi o preço do açúcar no mercado
internacional (Andrade, 1994). Esse produto foi o carro-
chefe da economia do Brasil Colônia nos séculos XVI e
XVII.
O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. Na
safra 2017/2018, o país produziu cerca de 633,3 milhões de
toneladas dessa gramínea. O setor industrial reverteu essa
produção em mais de 37 milhões de toneladas de açúcar e
27,7 bilhões de litros de etanol (Conab, 2018). A perspectiva é
de expansão de lavouras e aumento da produção de cana-de-
açúcar no decorrer dos anos, em virtude, sobretudo, da
importância ambiental que essa cultura ocupa, visto que o
álcool é a alternativa energética renovável e menos agressiva
ao meio ambiente, em comparação com a gasolina.
A cana-de-açúcar é uma planta de ciclo perene
pertencente à família Poaceae e ao gênero Saccharum L. As
cultivares modernas originaram-se de cruzamentos entre as
espécies desse gênero, os híbridos multiespecíficos, que
recebem a designação de Saccharum spp.
A planta é herbácea e pode atingir até 3 m de altura. O
caule (colmo), que se desenvolve em touceiras, é dividido em
nós e entrenós. Cada nó possui uma gema e primórdios
radiculares (Fig. 3.8). Os colmos são espessos e preenchidos
com suco açucarado.

FIG. 3.8 Estruturas do colmo da cana-de-açúcar

As folhas da cana-de-açúcar podem atingir 1,5 m de


comprimento e cerca de 6 cm de largura e se originam nos
nós do colmo, na região denominada cicatrizes foliares. Suas
bainhas envolvem os entrenós do colmo. Na intersecção entre
o limbo foliar e a bainha, encontram-se duas estruturas: a
lígula e a aurícula (Fig. 3.9). As flores ficam dispostas em
pendões (inflorescência) terminais cinzento-prateados. Já a
parte subterrânea da cana-de-açúcar é composta pela raiz e
pelo rizoma. As raízes são fasciculadas e podem atingir até 50
cm de profundidade – cerca de 80% das raízes se encontram
na camada de 0 a 40 cm de profundidade do solo.
FIG. 3.9 Detalhe da cicatriz foliar, lígula e aurícula das folhas de cana-de-açúcar

Para o plantio, a cana-planta deve ter em torno de 11


meses de idade e ser proveniente de viveiros ou lavouras
isentas de pragas e doenças, colhida crua e com palha. O
processo da despalha deve ser feito antes do plantio.
No plantio convencional, os colmos são colocados no
fundo do sulco, sempre cruzando a ponta do colmo anterior
com o pé do seguinte, e cortados, com facão, em toletes de
duas a quatro gemas. A densidade de plantio mais adequada
é em torno de 12 gemas por metro linear de sulco (gastam-se
entre 10 e 12 toneladas por hectare). Os toletes são cobertos
com uma camada de terra de 7 cm a 10 cm. Camadas mais
finas podem proporcionar maior desidratação dos toletes e,
como consequência, a morte das gemas, enquanto camadas
mais grossas podem prejudicar a brotação e a emergência das
plântulas.
O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) desenvolveu o
sistema de mudas pré-brotadas (MPB) de cana, uma
tecnologia de propagação de mudas que visa a um elevado
padrão de fitossanidade, vigor e uniformidade de plantio.
Uma das grandes vantagens desse sistema é a redução da
quantidade de colmos utilizados em um hectare, caindo de 10
a 12 toneladas, no plantio convencional, para duas toneladas,
no MPB. Em resumo, essa técnica consiste na colheita dos
colmos e na individualização das gemas (minirrebolos), no
tratamento térmico e no plantio dos minirrebolos em tubetes
de plástico. Uma vez nos tubetes, as mudas passam por
aclimatação e rustificação. Entre 60 e 90 dias após o plantio
dos minirrebolos, as mudas já estão aptas a ir para o campo.
Alguns fatores são de extrema importância e
determinantes para o desenvolvimento e a produção da cana-
de-açúcar, destacando-se a renovação do canavial, a
mecanização, a variedade e o ataque de pragas e doenças.
A lavoura de cana-de-açúcar é uma atividade agrícola que
se exaure ao longo de vários anos de produção. Sua
capacidade de rebrota possibilita vários cortes, porém, a cada
um deles, a produtividade decresce. Os avanços tecnológicos,
principalmente relacionados a nutrição de plantas, irrigação,
mecanização e melhoramento genético, ajudaram a postergar
a renovação dos canaviais. Antigamente, recomendava-se a
renovação, em média, no terceiro corte, ao passo que hoje
alguns estudos econômicos e agronômicos da cultura a
recomendam no sétimo corte, em média.
O ciclo produtivo da cana-de-açúcar demanda níveis
elevados de energia mecânica. Entre as operações mais
dependentes da mecanização, citam-se o preparo do solo, o
transporte de insumos para o plantio e tratos culturais e a
colheita, incluindo a retirada da palhada. A proibição da
queima da cana-de-açúcar foi um dos pilares para a
realização das operações mecanizadas, visto que influencia
tanto o processo de colheita mecanizada (colheitadeira de
cana picada) quanto o plantio direto na palhada.
Os danos causados pelas pragas reduzem a produção
agrícola e afetam a qualidade da matéria-prima a ser
industrializada, reduzindo também o rendimento dos
processos de produção de açúcar e álcool. As principais
pragas relacionadas à perda de produtividade da cana-de-
açúcar são a broca-da-cana (mariposa, cujas larvas causam a
morte da gema apical e danos no interior do colmo) e a
cigarrinha-das-raízes (que se alimenta das raízes e se
mantém protegida embaixo da palha da cana colhida, sem
queimar, até atingir a fase adulta).
Já as principais doenças que trazem problemas e prejuízos
para o produtor de cana-de-açúcar são: mosaico, doença
sistêmica causada por vírus; escaldadura, doença de ação
sistêmica causada pela bactéria Xanthomonas albilineans;
raquitismo-das-soqueiras, doença de alta transmissão
causada pela bactéria Leifsonia xyli subsp. xyli (Lxx); carvão,
doença sistêmica causada pelo fungo Ustilago scitaminea; e
podridão-abacaxi, causada pelo fungo Thielaviopsis paradoxa.

Outras importantes grandes culturas, não discorridas em


detalhe neste capítulo, incluem algodão, trigo, arroz, cevada,
aveia, girassol, canola e sorgo. Todas as grandes culturas
oferecem excelente oportunidade de carreira profissional e
empregam um elevado número de agrônomos no nosso País.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, M. A. C. Modernização e pobreza: a expansão da agroindústria
canavieira e seu impacto ecológico e social. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1994.
CONAB – COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO.
Acompanhamento da safra brasileira. Cana-de-açúcar. Observatório
agrícola, v. 4, n. 4, 2018. (Safra 2017/18 – Quarto levantamento).
CRUZ, J. C.; PEREIRA FILHO, I. A.; ALBUQUERQUE FILHO, M. R. Árvore do
conhecimento milho – Espaçamento e densidade. Agência Embrapa de
Informação Tecnológica, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/milho/arvore/CONTAG
01_49_168200511159.html>. Acesso em: jun. 2018.
DESTRO, D.; CARPENTIERI-PÍPOLO, V.; KIIHL, R. A. S.; ALMEIDA, L. A.
Photoperiodism and genetic control of the long juvenile period in
soybean: a review. Crop Breeding and Applied Biotechnology, v. 1, n. 1, p.
72-92, 2001.
QUATRO

CULTIVO DE OLERÍCOLAS

Leonardo Angelo de Aquino, Marcelo Rodrigues dos Reis,


Alian Cássio Pereira Cavalcante

A olericultura é o ramo da horticultura que trata do cultivo


de plantas de ciclo curto e exigentes em tratos culturais,
como as hortaliças folhosas, as raízes, os bulbos, os
tubérculos, os frutos etc. O Brasil destaca-se na produção
de hortaliças, principalmente tomate, batata, melancia,
cebola, cenoura, batata-doce, melão e alho (Fig. 4.1), que
desempenham importante papel social, alimentar e
econômico em nosso País. É um ramo promissor da
agricultura que trará, nos próximos anos, mais
oportunidades de emprego e renda para o Engenheiro-
Agrônomo.
FIG. 4.1 (A) Área plantada e (B) produção das hortaliças mais cultivadas no Brasil em 2016
Fonte: adaptado do IBGE (2016).

Grande parte da exploração olerícola é realizada por


pequenos agricultores, em geral em áreas inferiores a 10 ha.
Trata-se de uma atividade geradora de oportunidades no meio
rural para o produtor (empresário agrícola) e para os
colaboradores envolvidos no processo produtivo. Comumente,
são gerados de três a seis empregos diretos e, possivelmente,
igual número de empregos indiretos por hectare de área
cultivada. Em alguns cultivos, como os de alho e tomate, esse
número pode ultrapassar 10 empregos por hectare cultivado.
Além da geração de empregos, o custo de produção e a
receita do cultivo tornam a atividade olerícola de grande
relevância econômica. O custo de produção comumente varia
de 2 a 25 mil dólares por ha, mas alguns cultivos, como os de
alho e tomate, podem ultrapassar o custo de 35 mil dólares
por ha. As cadeias produtivas dessas olerícolas contribuem
diretamente para o produto interno bruto (PIB): o alho, por
exemplo, proporcionou 1,5 bilhão para o PIB em 2017, além de
empregar mais de 100 mil pessoas (Carvalho et al., 2017). A
exploração movimenta outros setores da economia local,
como o de prestação de serviços, que inclui os Engenheiros-
Agrônomos, o de venda e manutenção de máquinas agrícolas,
o de insumos, o de transporte etc. Assim, a distribuição de
renda das atividades propicia o crescimento da economia das
regiões onde a olericultura tem relevância.
No tocante à receita obtida, ela é extremamente variável
entre culturas e épocas do ano. Esse é um dos fatores que
tornam muitas explorações olerícolas de alto risco
econômico, pois os custos de produção são elevados e a
receita da venda nem sempre é satisfatória. Alguns cultivos
podem gerar receita líquida acima de 70 mil dólares por ha,
mas, em outros casos, esse valor é muito inferior ao custo de
produção e gera rentabilidade negativa. Assim, o produtor de
olerícolas precisa ser excelente gestor financeiro para
suportar o desafio das épocas de baixa rentabilidade e
aproveitar as oportunidades das épocas favoráveis à
atividade.
Certamente, o cenário é favorável porque se espera
aumento da demanda de hortaliças no Brasil e, como
consequência, também da rentabilidade da atividade, visto
que o consumo per capita brasileiro de hortaliças é baixo, em
torno de 30 kg por habitante por ano, mesmo o país sendo seu
quinto maior produtor mundial. Alguns países europeus, por
exemplo, têm consumo per capita acima de 150 kg por
habitante por ano (Carvalho et al., 2017).
O baixo consumo per capita de hortaliças no Brasil está
relacionado, em parte, às condições climáticas menos
favoráveis para a produção de algumas espécies, em
comparação com os países de clima temperado. Tal limitação
é cada vez menos importante, com a incorporação de novas
tecnologias de produção, em especial de variedades
melhoradas para as condições climáticas brasileiras.
Por outro lado, o baixo consumo também está relacionado
à renda e ao nível educacional da população. À medida que a
população tem mais acesso à educação, ela percebe a
importância das hortaliças para a alimentação saudável.
Dessa forma, o aumento do nível educacional e da renda dos
brasileiros nos últimos anos e as tecnologias de produção, que
tornam as hortaliças mais acessíveis, certamente contribuirão
para incrementar o consumo per capita e, com isso, novas
oportunidades no setor produtivo e de processamento de
hortaliças serão esperadas.
A alimentação saudável carece das hortaliças, já que, em
conjunto com as frutas, elas são as fontes principais de
vitaminas e sais minerais, como as folhosas, ricas em ferro,
cálcio e fósforo – em especial as couves e o repolho –, a batata
e a cenoura, ricas em potássio. A cenoura, as couves e a
abóbora são fontes importantes de betacaroteno, precursor da
vitamina A; o pimentão, as pimentas, a salsa e o repolho são
ricos em vitamina C; o tomate e a melancia são importantes
fontes de licopeno; e o quiabo, o cará e as couves são ricos em
vitaminas do complexo B. Ademais, diversas hortaliças são
fontes de fibras, que auxiliam no bom funcionamento do
sistema digestivo.
Comercialmente, as hortaliças podem ser classificadas em
folhosas, flores ou inflorescência, frutos, raízes, bulbos,
tubérculos e condimentares. No grupo das folhosas, as
principais são a alface, as couves e o repolho. Couve-flor e
brócolis são exemplos de inflorescência, e o tomate, o
pimentão, a berinjela, as pimentas, o melão e a melancia são
exemplos de hortaliças-fruto. No grupo das raízes, destacam-
se a cenoura, a beterraba e o rabanete. O alho e a cebola são
hortaliças-bulbo, as quais consistem em folhas modificadas
em que há acúmulo de reserva. A principal hortaliça-
tubérculo é a batata, que é um caule modificado com função
de acúmulo de amido. Já no grupo das hortaliças
condimentares, citam-se a cebola-de-cheiro, a salsa, o coentro
e o alho-poró, condimentos utilizados com frequência na
culinária brasileira.
O consumidor de hortaliças está cada vez mais exigente
em qualidade e em segurança alimentar, buscando sempre as
novidades, como as hortaliças coloridas e de formatos fora
dos usuais. Assim, ganha destaque o cultivo de alface-
americana, pimentões coloridos (Fig. 4.2A), melancia sem
sementes (Fig. 4.2B), melões com aroma, cor e sabor distintos
(Fig. 4.2C) e couve-flor alaranjada e verde, ricas em
betacaroteno.

FIG. 4.2 Cultivo de (A) pimentões coloridos, (B) melancia sem sementes e (C) melões com
aroma, cor e sabor distintos
Fonte: (A) Aldipower (Wikimedia Commons, CC BY-SA 3.0, https://w.wiki/4MPg); (B,C)
Leonardo Angelo de Aquino.

4.1 CARACTERÍSTICAS DA PRODUÇÃO DE OLERÍCOLAS


Alguns aspectos da exploração de olerícolas são peculiares
e merecem a atenção do profissional que quer se preparar
para trabalhar com esse grupo de plantas. A seguir, são
abordadas as principais características das olerícolas e os
desafios que elas imprimem ao Engenheiro-Agrônomo e
ao produtor.

4.1.1 USO CONTÍNUO DO SOLO


As áreas de cultivo de grandes culturas, como soja e milho,
comumente passam por um ou dois ciclos de cultivo por
ano. Para as hortaliças, é comum que suas áreas de cultivo
possuam três ou mais ciclos, podendo haver, em alguns
casos, de seis a oito ciclos por ano, como é o caso da
alface.
O uso contínuo do solo está relacionado à exploração por
pequenos agricultores, que possuem área limitada, ou à
exigência de clima e solo da olerícola, o que faz com que o
produtor escolha essa opção, nem sempre disponível em larga
escala. É preciso precaução ao se usar o solo repetidas vezes
(Fig. 4.3), pois tal ação pode comprometer suas condições
químicas, físicas e biológicas – especialmente essas duas
últimas –, além de causar perda de estruturação do solo,
formação de camadas compactadas em profundidade e
multiplicação de patógenos do solo. Esses fatores reduzem o
crescimento do sistema radicular e, em alguns casos, matam
a planta, resultando em perda de produtividade.
FIG. 4.3 Uso intensivo do solo na olericultura
Fonte: Leonardo Angelo de Aquino, 2018.

Os profissionais que atuam em olericultura sempre estão


em busca de soluções para o uso eficiente (e o mais intenso
possível) do solo, porém com a manutenção ou a melhoria de
suas propriedades físicas e biológicas. Nesse ponto, as plantas
de cobertura e os adubos verdes são empregados visando à
recuperação do solo. Utilizam-se plantas com alta capacidade
de ciclagem de nutrientes, com sistema radicular profundo e
que não sejam hospedeiras de pragas e doenças que
acometem as olerícolas. Com isso, quebram-se os ciclos de
doenças e melhoram-se as condições físicas e biológicas do
solo, a fim de propiciar a produtividade das olerícolas em
sucessão.

4.1.2 GRANDE PRODUÇÃO POR UNIDADE DE ÁREA


Alguns cultivos de hortaliças exibem produtividades que
podem ultrapassar 150 t/ha. Isso ocorre pela alta
capacidade fotossintética das plantas olerícolas, pelas
condições propícias e pelo fato de os produtos comerciais
(frutos, tubérculos, folhas etc.) apresentarem alto conteúdo
de água, geralmente acima de 85%.
A grande produção por unidade de área gera alguns
desafios, como o transporte e a infraestrutura de
beneficiamento e armazenamento, ainda mais quando as
áreas de cultivo são maiores, como as que são praticadas por
produtores de tomate industrial, batata, cenoura e cebola no
Cerrado brasileiro (Fig. 4.4).

FIG. 4.4 Cultivo de (A) cenoura e (B) cebola em grandes áreas, no Cerrado brasileiro
Fonte: Leonardo Angelo de Aquino, 2018.

Na escolha do local de produção de olerícolas, certamente


se deve considerar o escoamento da produção, pois pode
haver transtorno se as vias de acesso forem inadequadas e/ou
a área de produção for muito distante do mercado
consumidor.

4.1.3 USO INTENSIVO DE INSUMOS E MÃO DE OBRA


O ciclo cultural rápido e o melhoramento visando à alta
produtividade, mas nem sempre à alta resistência, tornam
as hortaliças, em sua maioria, sensíveis à falta de
nutrientes e aos danos causados por pragas, doenças e
plantas daninhas. Por isso, geralmente se utiliza grande
quantidade de corretivos, fertilizantes e fitossanitários, a
fim de maximizar e/ou proteger o potencial produtivo dos
cultivos.
Muitas hortaliças carecem de processos manuais em seu
plantio, cultivo ou processamento. Em cultivo de alho, por
exemplo, o plantio dos bulbilhos é feito manualmente, assim
como a limpeza dos bulbos para a comercialização. Máquinas
podem executar tais processos, no entanto, não fazem com a
perfeição das mãos humanas. Em geral, com o plantio
mecanizado, muitos bulbilhos são depositados na horizontal,
prejudicando o bulbo formado e diminuindo a produtividade.
Além disso, as máquinas de beneficiamento não removem as
palhas externas do bulbo até atingir o padrão visual
adequado. Assim, em diversos cultivos, certas atividades são
preferencialmente manuais.
Os olericultores estão ávidos pelo emprego de
mecanização agrícola em substituição ao uso intenso da mão
de obra, por seu alto custo e sua escassez em muitas regiões.
A margem de lucro de alguns cultivos vem caindo
drasticamente nos últimos anos, e a economia de escala, com
o aumento da produtividade e a redução do custo médio, é
fundamental para o sucesso econômico da atividade. O
incremento da produtividade e a diminuição dos custos estão
intimamente ligados à redução do uso da mão de obra braçal
e ao emprego da mecanização agrícola nos processos
produtivos.

4.1.4 USO DE ÁREAS IMPRÓPRIAS PARA CULTIVO


O valor agregado das hortaliças permite ao olericultor
realizar uma série de modificações em áreas que, a
princípio, não poderiam ser utilizadas para a agricultura
nem para produzir olerícolas de forma eficiente, como
áreas com solos pedregosos, patógenos de solo agressivos,
solos contaminados com produtos químicos ou o alto de
edifícios. Tais áreas certamente não apresentariam
viabilidade econômica para cultivos de soja, cana,
pastagem etc. No entanto, podem ser viáveis para a
produção de hortaliças com investimento em sistemas de
produção que não usam solo, como a hidroponia. Ainda, é
possível utilizar casas de vegetação que apresentem
controle de temperatura e umidade e que propiciem
condições favoráveis constantes para o desenvolvimento
dessas plantas.

4.1.5 POSSIBILIDADE DE CULTIVO HIDROPÔNICO


Na teoria, todas as plantas podem ser cultivadas em
solução hidropônica, sem a necessidade de solo (ou
substrato). Todavia, há casos em que se utiliza substrato
no cultivo hidropônico, muito mais com a finalidade de
dar suporte físico à planta do que de supri-la com
nutriente e água.
Do ponto de vista comercial, as olerícolas são as plantas
que mais se adaptam ao sistema hidropônico. Por ser um
cultivo de custo inicial elevado, só é justificado com plantas
responsivas à tecnologia, cuja colheita possua alto valor para
compensar os elevados investimentos com a implantação e
manutenção do sistema.
O sistema hidropônico muitas vezes viabiliza o uso de
áreas impróprias, como as que possuem solo contaminado
com patógeno ou com propriedades físicas inadequadas.
Essas áreas podem estar localizadas próximo aos grandes
centros consumidores e representar oportunidade de negócio
para o empresário do setor olerícola. A alface, por exemplo,
pode apresentar ciclo de 25 a 40 dias em sistema hidropônico
e, com isso, viabilizar mais de oito ciclos por ano numa
mesma área, proporcionando o fornecimento constante de
produto fresco e de alta qualidade visual ao consumidor.

4.1.6 CULTIVO EM SUBSTRATO E AREIA


Em conjunto com a hidroponia, o substrato e o cultivo em
areia possibilitam a agricultura urbana em áreas
impróprias para o cultivo em solo (alto de edifícios, por
exemplo), alcançando, assim, um melhor uso do espaço
físico.

4.1.7 PRODUÇÃO ESPECIALIZADA


É comum a especialização das atividades da produção de
olerícolas de acordo com o tamanho da área, as condições
de solo e de clima e a proximidade com o mercado
consumidor. Assim, áreas menores e/ou com problemas de
solo podem ser utilizadas para a produção de mudas em
bandejas (sem uso de solo), otimizando o uso da terra, do
solo e da mão de obra, enquanto áreas com clima mais
propício e maior disponibilidade de terra e água
geralmente são utilizadas para produção em larga escala.
Alguns olericultores se dedicam a uma única cultura,
como os produtores de tomate e pepino em ambiente
protegido, que adquirem mudas de outro produtor e focam
apenas em otimizar o crescimento da planta e realizar a
colheita (Fig. 4.5).

FIG. 4.5 Cultivo de pepino em ambiente protegido


Fonte: Leonardo Angelo de Aquino, 2018.
4.1.8 CINTURÕES VERDES E PRODUÇÃO POR PEQUENOS AGRICULTORES
Devido à perecibilidade de muitos produtos olerícolas,
especialmente os do grupo das folhosas, é comum o
cultivo em áreas próximas dos grandes centros
consumidores, no entorno de grandes centros urbanos,
denominadas áreas de cinturões verdes. Em geral, há
pequenas propriedades nesses centros, com uso intenso
de mão de obra local.

4.1.9 USO INTENSIVO DE IRRIGAÇÃO


A alta perecibilidade da maioria das olerícolas dificulta o
armazenamento por longo período. Assim, para manter
sua disponibilidade por mais tempo, é necessário o cultivo
escalonado durante praticamente todo o ano. Porém, em
muitas épocas do ano, as chuvas são insuficientes para
atender à demanda da planta, sobretudo daquelas
exigentes em água. Isso faz com que a irrigação seja
condição fundamental para o sucesso das explorações de
olerícolas (Fig. 4.6).

FIG. 4.6 Irrigação por (A) gotejamento na cultura de tomate e (B) pivô central na cultura
de cenoura
Fonte: Leonardo Angelo de Aquino, 2018.
A irrigação diminui os riscos de frustração de safra pela
falta de água, aumenta a produtividade, otimiza o uso da
terra e permite a exploração contínua do solo e a oferta de
empregos duradouros. No entanto, essa prática demanda
considerável volume de água. Ela precisa ser bem manejada
para proteger o solo, minimizar a ocorrência de doenças e a
perda de nutrientes e ainda poupar água para outras
finalidades.
Dessa forma, os profissionais dedicados à olericultura
precisam dominar a ciência da irrigação, tanto no tocante à
engenharia (obras de captação, armazenamento,
bombeamento e distribuição de água) quanto no seu manejo
no dia a dia, visando otimizar o uso desse recurso.

4.2 PERSPECTIVAS PARA A PRODUÇÃO DE OLERÍCOLAS NO BRASIL


Nos últimos anos, a produção de olerícolas vem passando
por uma série de transformações para tornar a atividade
mais competitiva e eficiente quanto ao uso de insumos e
mão de obra e à qualidade dos produtos colhidos.
A terceirização da produção de mudas foi intensificada nos
últimos tempos, visando à utilização de materiais
propagativos de alta qualidade, livres de patógenos, com alto
vigor e em condições de estabelecer uma lavoura de elevada
produtividade. O especialista na produção de mudas facilita o
fornecimento de material propagativo sempre de alta
qualidade, em comparação com quem o faz esporadicamente.
A utilização de híbridos e o seu lançamento constante no
mercado são característicos da produção de olerícolas. Como
as áreas de cultivo são pequenas e os produtos colhidos têm
alto valor agregado, as empresas de melhoramento estão
sempre buscando novos materiais genéticos mais adaptados
às condições edafoclimáticas dos cultivos e que resultem em
maior produtividade e qualidade dos produtos colhidos, além
de permitirem a expansão de cultivo em áreas outrora
impróprias para as olerícolas, como as Regiões Norte e
Nordeste do Brasil.
A produção em ambiente protegido também tem crescido
em diversas culturas de olerícolas, especialmente alface,
tomate e pimentão. A proteção objetiva evitar estresses
ambientais, como excesso de chuvas e temperaturas
extremas, que podem comprometer o potencial produtivo
dessas plantas e resultar em produtos de baixa qualidade.
Outra tendência da olericultura é a produção em larga
escala, como é usual em culturas no Cerrado: alho, cebola,
cenoura e batata. O aumento da escala e, quase sempre, da
mecanização agrícola visa otimizar os processos produtivos e
ofertar produtos de qualidade e com custo mais acessível ao
consumidor.
Mudanças recentes na olericultura estão focadas na
agregação de valor aos produtos olerícolas. O uso da cadeia do
frio para o aumento da vida pós-colheita e de embalagens
adequadas a cada produto vegetal, com exigências em termos
de tamanho da embalagem para o consumidor, são
importantes para o alcance de novos mercados e padrões de
qualidade. O consumidor está exigindo cada vez mais
produtos seguros, com o uso mínimo de recursos não
renováveis e o respeito às questões ambientais e sociais.
Também aprecia produtos inovadores, mais ricos em
nutrientes e com colorações e aromas mais acentuados. De
forma especial, os consumidores de hortaliças associam esses
quesitos à qualidade de vida e de saúde e preferem produtos
frescos. O fornecimento constante, com qualidade e frescor, é
um dos desafios da atividade olerícola que tem merecido
atenção de pesquisadores, técnicos e agricultores que
trabalham nesse ramo da agricultura.
O Brasil possui clima favorável em muitas regiões, tradição
de cultivo e um grande mercado consumidor que cada vez
mais associa a alimentação saudável ao consumo de
hortaliças. Isso é indicativo de que a olericultura é uma
atividade que deverá crescer nos próximos anos no País e
desempenhar, com louvor, seu papel de geradora de renda e
emprego no campo e de produção de alimentos saudáveis
para a nossa população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, C. et al. Anuário brasileiro de hortaliças. Santa Cruz do Sul, RS:
Gazeta, 2017. 60 p.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Lavouras
permanentes. Produção Agrícola Municipal, Rio de Janeiro, v. 43, p. 1-62,
2016. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/tabela>. Acesso em: 21
maio 2018.
CINCO

CULTIVO DE FRUTEIRAS

Luiz Carlos Donadio, Carlos Eduardo Magalhães dos


Santos

Neste capítulo, a fruticultura é apresentada como uma


interessante e rentável atividade profissional, ressaltando-
se a importância profissional do Engenheiro-Agrônomo na
sua produção. Nessa abordagem panorâmica,
apresentamos o potencial da fruticultura para a atuação
profissional do Engenheiro-Agrônomo. Aspectos científicos
e recomendações técnicas para o cultivo das espécies
frutícolas podem ser encontrados em variada literatura
técnica disponível, como Guimarães (2013), Siqueira e
Salomão (2015), Santos e Borém (2019), Motoike e Borém
(2018), Siqueira, Salomão e Borém (2019) e Santos,
Bruckner e Borém (2021)

5.1 CARACTERÍSTICAS DA FRUTICULTURA BRASILEIRA


A fruticultura brasileira representa um segmento do
agronegócio que produz cerca de 40 milhões de toneladas
anuais e ocupa uma área de dois milhões de hectares. Está
em terceiro lugar no mundo em volume de produção, mas
na 23ª posição em exportações de frutas frescas. O setor
exporta grande volume de produtos industrializados, como
o suco de laranja, e pode aumentar em outros produtos. O
consumo per capita nacional de frutas encontra-se em
torno de 57 kg/ano, abaixo das recomendações da
Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização
Mundial da Saúde (OMS), que chegam a 70 kg. O Brasil
tem, portanto, um grande desafio: aumentar as
exportações e o consumo interno. Para isso, o uso de
tecnologias é essencial, o que demanda conhecimento
adequado e oportunidade aos técnicos da área.
O agronegócio brasileiro representa um quarto do produto
interno bruto (PIB) nacional, e a fruticultura tem um valor
estimado em 33 bilhões de reais anuais. Outro dado
interessante é que, no geral, o agronegócio emprega um em
cada três postos de trabalho, então a fruticultura tem papel
relevante no uso qualitativo e em volume de mão de obra
(Brasil, 2018).
Apesar de a fruticultura brasileira ser voltada
majoritariamente para algumas das principais frutíferas,
incluindo muitas exóticas, como uva, citros, banana, maçã,
manga, mamão, abacate e pêssego, várias frutas nativas são
importantes, como maracujá, caju, goiaba, jabuticaba, açaí e
cupuaçu (Fig. 5.1).
FIG. 5.1 Diferentes frutas nacionais: maracujá, açaí e goiaba
Fonte: Luiz Carlos Donadio.

Os citros destacam-se pela grande área de produção e pela


aceitação nacional e internacional, tanto como fruta fresca
quanto processada (suco). A exportação é responsável pelo
maior volume de recursos de divisas oriundos dessas frutas.
O Brasil produz cerca de 60% do suco de laranja consumido
no mundo. A área plantada de citros no País, embora tenha
diminuído, ainda é muito relevante, com produção
correspondente a 17 milhões de toneladas em 2019.
A banana é uma das frutas mais consumidas no dia a dia
do brasileiro, por sua qualidade nutricional, sabor e
praticidade. Com área de 455 mil ha, o Brasil produz cerca de
6,8 milhões de toneladas de banana por ano, segundo o IBGE
(2020), com criação de mais de 1,3 milhão de empregos diretos
e indiretos.
A uva é outra fruta de destaque, sendo utilizada para
consumo ao natural, como suco e para a produção de vinho.
Cerca de 32% da produção nacional dessa fruta se concentra
no Nordeste e 52%, no Sul. Enormes avanços foram obtidos na
sua cultura, nas últimas décadas, com a obtenção de novas
variedades adaptadas ao solo e climas brasileiros e o aumento
da produtividade.
A cultura da macieira no Brasil teve grande avanço com a
introdução e adaptação de variedades no Sul. A produção
anual de apenas 13 mil toneladas na década de 1970, que não
atendia à demanda nacional, passou para mais de um milhão
nos anos 2010, evolução ilustrada na Fig. 5.2. Isso resultou na
autossuficiência da produção para atender ao mercado
interno e até exportar o excedente, com alta qualidade. Mais
de 33 mil ha são plantados atualmente no País, com produção
equivalente a 1,3 milhão de toneladas.

FIG. 5.2 Produção média brasileira de maçãs nas últimas cinco décadas
Fonte: adaptado de Petri, Sezerino e Martin (2018).

A manga, introduzida pelos portugueses no Brasil,


demorou a se tornar uma das principais frutas de nossa
mesa, o que enfim ocorreu pelo cultivo de novas variedades
que frutificam durante o ano todo, graças à sua produção no
Nordeste. Essa região, representada especialmente pelo Vale
do São Francisco, produz mais de 70% da fruta no Brasil e
exporta a maior parte do total comercializado para tal fim,
atingindo, em 2018, mais de 170 mil toneladas.
O mamão é outra fruta que se destaca, no cenário da
produção brasileira, pelo consumo diário e pelas
peculiaridades que o fazem superar muitas doenças que
afetam seu cultivo. Com isso, a produção nacional é uma das
maiores do mundo, com cerca de 11%, ou seja, mais de 1,4
milhão de toneladas ao ano, em uma área de pouco mais de
30 mil ha.
Muitas outras frutas fazem parte da dieta alimentar do
brasileiro, sejam exóticas, sejam nativas. Uma fruta do grupo
de exóticas que se tem desenvolvido muito nos últimos anos
é a macadâmia, cuja produção atingiu, em 2017, mais de 6,2
mil toneladas em uma área plantada de pouco mais de 6,8 mil
ha, boa parte ainda não em produção. Entre as frutas nativas,
destacam-se a goiaba, o caju e a jabuticaba.

5.2 VALOR NUTRICIONAL DAS FRUTAS


As frutas são um grupo de alimentos que contribuem para
uma boa alimentação humana, devido ao seu conteúdo de
nutrientes e todos os seus constituintes, como
carboidratos, fibras, gorduras, sais minerais e vitaminas,
além de antioxidantes. Embora a polpa seja a parte mais
utilizada para o consumo, há frutas cujas sementes
também são importantes fontes alimentares, como o caju
e as nozes.
Nas frutas são encontrados os carboidratos necessários à
dieta humana, como a glicose e a frutose, que se apresentam
em elevados teores em algumas frutas, fornecendo energia
aos músculos e ao cérebro. Entre 20 g e 30 g de fibras são
necessários ao corpo humano por dia, e as frutas podem ser
um dos principais fornecedores. As vitaminas, muito
importantes no crescimento e na proteção do organismo,
embora requeridas em doses mínimas, também têm nas
frutas seu principal fornecedor. Algumas frutas são muito
ricas em vitaminas C e A e podem ser utilizadas diariamente
como sua fonte natural.
Outro significativo constituinte das frutas e necessário à
alimentação humana são os sais minerais, encontrados em
todas as frutas, em maior quantidade em algumas. Quanto a
proteínas, as frutas não são, no geral, fornecedoras em doses
elevadas, mas podem contribuir com parte da dose necessária
diária, que vai de 46 g/dia a 56 g/dia para adultos e de 13 g/dia
a 19 g/dia para crianças. Poucos frutos são fornecedores de
gorduras, embora alguns possam tê-las em sua composição,
como o coco, o açaí, o abacate e as nozes.
As frutas são pouco calóricas, o que lhes dá vantagem em
relação ao menor ganho de peso. Consumindo até cinco
frutas por dia, em proporção de 100 g cada uma, só até 10% do
total de calorias necessárias são consumidas. Há na literatura
informações sobre o valor nutricional e o consumo
recomendado de frutas na dieta alimentar, encontradas em
Siqueira e Salomão (2015) e Donadio e Zaccaro (2012). Alguns
exemplos estão demonstrados nas Tabs. 5.1 a 5.3.

Tab. 5.1 Teor de carboidratos, em frutas, maior que 13 g, em g/100 g de polpa

Teor de Teor de Teor de


Fruta Fruta Fruta
carboidratos carboidratos carboidratos
Abiu 14,9 Caqui 10-19 Mexerica 14,9

Açaí 21,5 Ciriguela 18,9 Pinha 22,4

Ameixa 13,9 Goiaba 13 Romã 15,1

Atemoia 25,3 Graviola 15,8 Tamarindo 72,5

Banana 20-23 Jambo 22,5 Uva 12,7-14,3

Cacau 19,4 Manga 12-16,7

Tab. 5.2 Teor de fibras, em frutas, maior que 3 g, em g/100 g de polpa

Fruta Teor de fibras Fruta Teor de fibras Fruta Teor de fibras

Abacate 6,3 Goiaba 6,3 Pequi 19,0

Ameixa 4,5 Jambo 5,1 Pera 3,0

Caqui 6,5 Macaúba 13,4 Pinha 3,4

Ciriguela 3,9 Mamão 1,8-13,4 Pitanga 3,2

Cupuaçu 3,1 Murcote 3,1 Tamarindo 6,4

Fruta-pão 5,5 Nêspera 3,0

Tab. 5.3 Teor de proteínas, em frutas, maior que 1 g, em g/100 g de polpa

Teor de Teor de Teor de


Fruta Fruta Fruta
proteínas proteínas proteínas

Abacate 1,2 Cupuaçu 1,2 Macaúba 2,10

Ameixa 1,0 Figo 1,0 Maracujá 2,0

Fruta-
Banana 1,0-1,8 1,1 Pequi 2,3
pão

Cacau 1,0 Goiaba 1,1 Pinha 1,5

Cajá- 1,3 Jaca 1,4 Tamarindo 3,2


manga

Caju 1,0 Kiwi 1,3

Ciriguela 1,4 Laranja 1,0

5.3 TEMAS RELEVANTES DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

5.3.1 PLANEJAMENTO DO POMAR


Para o planejamento de um pomar comercial, são
necessários conhecimentos sobre o clima e o solo do local
onde a cultura vai ser implantada, bem como sobre o
potencial de sua comercialização, da infraestrutura
disponível de transporte, entre outros. Com relação à
espécie frutífera a ser cultivada, precisa-se saber suas
exigências climáticas, edáficas, variedades, porta-
enxertos, produtividade etc. Um dos tópicos essenciais é o
uso de mudas certificadas.

5.3.2 PLANTIO, FORMAÇÃO E CONDUÇÃO DO POMAR


O plantio, a formação e a condução do pomar são um dos
temas centrais na fruticultura, pois deles depende o
sucesso do empreendimento, levando em conta todos os
itens anteriormente citados.
As técnicas de plantio e formação são conhecidas, assim
como as de condução de pomar para cada frutífera, mas
devem ser implementadas da melhor forma possível. No caso
do ensino, elas devem ser discutidas em geral e específico,
visando às peculiaridades de cada cultura. O responsável pelo
cultivo deve-se preocupar também com o espaçamento
utilizado, o controle da erosão, o preparo do solo, a correção e
a adubação requerida por cada cultura, as podas, a irrigação,
entre outros fatores.

5.3.3 PODAS, RALEIO E DESBASTE


O controle do porte das plantas frutíferas por meio de
podas, de porta-enxertos ananicantes ou de copas com
característica genética anã tem sido muito pesquisado e
utilizado, visando ao aumento da produtividade pelo
maior adensamento do pomar. Esse assunto vem
ganhando destaque na literatura científica, como no
trabalho de Donadio et al. (2017), que procederam a uma
revisão de literatura sobre o controle do porte de árvores
frutíferas, como macieira, pessegueiro, videira, coqueiro,
bananeira, mamoeiro, cajueiro, goiabeira, sapotizeiro e
mangueira.
Técnicas de podas, raleio e desbaste de frutas são muito
usadas na fruticultura, sobretudo a poda, que é realizada
desde o plantio, para a formação da planta e, posteriormente,
para manter seu tamanho, adequando a planta a outras
práticas culturais. Podas mais drásticas em plantas adultas
podem ser feitas, dependendo da cultura, por meio de
equipamentos próprios, mas, para tanto, é preciso conhecer
muito bem a fisiologia e a biologia da planta a ser podada (Fig.
5.3). Para frutos de mercado, cuja aparência é importante, o
desbaste, ou raleio, pode ser essencial, visando a um calibre
maior no final da colheita.
FIG. 5.3 Podas da videira
Fonte: Luiz Carlos Donadio.

5.3.4 CONTROLE E MANEJO INTEGRADO DE DOENÇAS E PRAGAS


O controle de pragas e doenças e o seu manejo integrado
podem ser um dos itens da formação e condução do
pomar e se tornaram muito relevantes na fruticultura,
devido ao grande número de pragas e moléstias que
afetam a maioria das frutíferas cultivadas.
Além do controle convencional, o técnico deve conhecer o
manejo integrado, que objetiva o menor uso de agroquímicos
e de forma sustentável, preservando o meio ambiente. É uma
área específica de formação de técnicos especialistas, mas
todos devem estar familiarizados com ela.

5.3.5 NUTRIÇÃO E MANEJO DO SOLO


O conhecimento das necessidades nutricionais de cada
cultura, bem como dos meios de atendê-las, é essencial ao
técnico atuante na fruticultura, pois os pomares
comerciais são implantados visando à alta produtividade,
com exigências específicas. O levantamento das
necessidades da cultura por análises foliares e de solo
deve ser periódico, assim como a sua interpretação para
um adequado atendimento via adubações no solo, foliar
ou na irrigação, que são técnicas frequentemente
utilizadas na fruticultura. O manejo do solo para sua
conservação é importante na condução do pomar.

5.3.6 COLHEITA E PÓS-COLHEITA


Para a colheita de cada fruta há técnicas específicas (Fig.
5.4), embora os princípios gerais sejam importantes para a
conservação de todas até chegarem ao mercado, muitas
vezes fora do País. O uso de embalagens adequadas no
campo, no transporte até a packing house e no manuseio
até o envio da fruta ao mercado engloba conhecimentos de
fisiologia da fruta, bem como seu ponto adequado de
colheita, o tempo e o meio de sua conservação, com
controle das condições para manter a sua capacidade de
armazenamento. Nesse item, entram técnicas de
agricultura de precisão e automação, cada vez mais
aplicadas na fruticultura.
FIG. 5.4 Colheita de laranjas e uvas
Fonte: Luiz Carlos Donadio.

5.3.7 CUSTO DE PRODUÇÃO


O custo total de produção deve ser conhecido a partir do
controle do custo de todas as etapas. Embora as frutas
sejam produtos de alto custo, a margem de
comercialização é pequena no geral, com perdas durante o
processo de transporte até chegar ao consumidor. Técnicas
para evitar perdas podem agregar valor ao produto, como
embalagem e transporte adequados de toda a produção
(Fig. 5.5).
FIG. 5.5 Bananas acondicionadas com diferentes graus de maturação para consumo
escalonado
Fonte: Luiz Carlos Donadio.

5.3.8 PRODUÇÃO INTEGRADA DE FRUTAS


O técnico responsável pelo cultivo de árvores frutíferas
deve conhecer o sistema de produção integrada, que se
baseia na adequação do processo produtivo para a
obtenção de produtos vegetais de qualidade e em
conformidade com a legislação em vigor quanto aos níveis
de resíduos de agroquímicos. Tais técnicas foram
regimentadas pelo Marco Legal da Produção Integrada de
Frutas no Brasil (PIF Brasil) e pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 2002
(Andrigueto, 2002).
Devem-se envolver ainda, na fruticultura, a pesquisa, o
desenvolvimento e as inovações, que dependem diretamente
do conhecimento técnico específico. Também são relevantes a
defesa fitossanitária vegetal (manejo de pragas e doenças e
seu controle integrado), a manutenção da sustentabilidade do
sistema de produção (uso racional dos recursos naturais,
como a água e o solo) e o uso extremamente cuidadoso de
defensivos, adubos e corretivos. Todos levam ao objetivo de
ter uma produção certificada, exigência dos mercados locais e
externos. Inclui-se aí a possibilidade de rastrear o produto
(itens no PIF Brasil), as tecnologias de colheita e pós-colheita,
os sistemas de alerta para diminuir riscos de ocorrência de
pragas e eventos climáticos e a melhoria da qualidade do
produto com novas tecnologias, a exemplo da automação.
O PIF Brasil apresenta, em suas normas técnicas, 15 áreas
temáticas, que se referem à boa condução do pomar,
enumeradas a seguir:

1. Capacitação de recursos humanos.


2. Organização de produtores.
3. Recursos naturais.
4. Material propagativo.
5. Implantação de pomares.
6. Nutrição de plantas.
7. Manejo e conservação do solo.
8. Recursos hídricos e irrigação.
9. Manejo da parte aérea da planta.
10. Proteção integrada da planta.
11. Colheita e pós-colheita.
12. Análise de resíduos.
13. Processo de empacotadora.
14. Sistema de rastreabilidade e cadernos de campo.
15. Assistência técnica.
Todos os temas mais relevantes e as áreas temáticas do PIF
Brasil devem ser abordados pelos professores das áreas
específicas, de forma conjunta, para propiciar ao aluno uma
formação mais sólida e, com isso, sucesso na carreira
profissional. Ao aluno compete participar de eventos
específicos para ganhar conhecimento nos diversos temas
abordados durante o curso ou fazer estágios de formação
complementar em períodos de férias e outros disponíveis.
Aulas práticas de campo são essenciais para o aluno
conhecer a realidade na condução de pomares e o cultivo das
principais frutíferas exploradas comercialmente. As aulas
devem ser realizadas em propriedades com elevado nível
tecnológico, de preferência com assistência de técnicos
experientes, além do acompanhamento do professor da
disciplina e até de outras correlatas.
Reitera-se que a atuação do Engenheiro-Agrônomo na
fruticultura é muito importante, visto que o Brasil tem grande
potencial para expandir sua produção tanto de frutas
temperadas como das tropicais. As disciplinas dos cursos de
Agronomia permitem uma formação profunda e variada para
o profissional conduzir lavouras de frutas de forma
sustentável e com boa rentabilidade, para favorecer o bem-
estar e uma melhor nutrição da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRIGUETO, J. R. Marco legal da produção integrada de frutas do Brasil – PIF.
Brasília: Mapa, 2002. 58 p.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano
nacional de desenvolvimento da fruticultura. Brasil: Mapa, 2018. Disponível
em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-
lanca-plano-de-fruticultura-em-parceria-com-o-setor-
privado/PlanoNacionaldeDesenvolvimentodaFruticulturaMapa.pdf>.
DONADIO, L. C.; ZACCARO, R. P. Valor nutricional de frutas. Jaboticabal, SP:
SBF/Coopercitrus, 2012. 248 p.
DONADIO, L. C.; LEDERMAN, I. E.; ROBERTO, S. R.; STUCHI, E. S. Copas anãs
e porta-enxertos ananicantes para plantas frutíferas. Simprofruti –
Revista Brasileira de Fruticultura, v. 39, p. 242-54, 2017.
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p.
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Agrícola Municipal. Tabela 1613: Área destinada à colheita, área colhida,
quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção das
lavouras permanentes. Brasília: IBGE, 2020. Disponível em:
<https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1613>.
MOTOIKE, S.; BORÉM, A. Uva: do plantio à colheita. Minas Gerais: Editora
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macieira. Toda Fruta, Epagri/Estação Experimental de Caçador, 2018.
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SIQUEIRA, D.; SALOMÃO, L. C. S. Citrus: do plantio à colheita. Minas Gerais:
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SIQUEIRA, D. L.; SALOMÃO, L. C. C.; BORÉM, A. Manga: do plantio à
colheita. Minas Gerais: Editora UFV, 2019. 277 p.
SEIS

CULTIVO DE PLANTAS ORNAMENTAIS E PAISAGISMO

Patrícia Duarte de Oliveira Paiva, Michele Valquíria dos


Reis, Diogo Pedrosa Corrêa da Silva

O curso de graduação em Agronomia ou Engenharia


Agronômica permite ao profissional atuar em múltiplas
áreas. Entre elas, tem-se a horticultura, em que estão
inseridas as subáreas de fruticultura, olericultura, plantas
medicinais e floricultura.
A floricultura em específico compreende o cultivo de
plantas ornamentais que podem ser destinadas à
comercialização, na forma de vasos, buquês, arranjos, plantas
envasadas e mudas para arborização, e ao uso em jardins. A
composição das plantas ornamentais nos jardins, os estilos
diferentes, a evolução e a elaboração e caracterização de áreas
verdes fazem parte das ações desenvolvidas no paisagismo
(Paiva, 2008). Dessa forma, na área de floricultura são várias
as possibilidades de atuação profissional: produção de mudas,
cultivo e produção de flores, vasos e plantas, transporte e
comercialização, ornamentação e decoração de ambientes e
formação e manutenção de jardins.
Essa atividade está apresentando ótimo crescimento no
Brasil e vem superando entraves econômicos do País. Alguns
fatores têm contribuído para a ampliação do consumo, como
a otimização de custos, a criação de novos pontos de venda,
como supermercados e farmácias, e a introdução de
variedades, além das mudanças nos hábitos de vida.
A profissionalização e o uso de novas tecnologias têm
exigido que a atividade de floricultura e plantas ornamentais
seja dinâmica, com excelentes perspectivas de crescimento e
inúmeras oportunidades de atuação profissional.

6.1 FLORICULTURA
A floricultura pode ser definida como a arte de cultivar
flores e constitui um conjunto de atividades produtivas e
comerciais relacionadas ao mercado de espécies vegetais
cultivadas com finalidades ornamentais (Paiva; Almeida,
2012). A floricultura envolve a produção de flores e plantas
ornamentais, utilizadas tanto para ornamentação, na
forma de arranjos e decoração de ambientes, quanto para
composição paisagística. É um setor estreitamente ligado
às emoções, pois as flores estão presentes em muitos
momentos importantes da vida.
Esse setor abrange o cultivo de flores e folhagens de corte,
flores e folhagens envasadas, e mudas para jardim. Nesses
segmentos incluem-se a produção de sementes e propágulos,
mudas in vitro, substratos e insumos. Há ainda o
planejamento e a instalação de sistemas de cultivo e
irrigação, o controle de pragas e doenças, além de embalagens
e armazenamento e processos de distribuição e
comercialização.
O setor requer o uso de novas tecnologias, um grande
conhecimento técnico do sistema de cultivo e de
processamento pós-colheita (Fig. 6.1) e o aprimoramento do
processo de logística, visando sempre à qualidade e à maior
eficiência. Essas exigências têm estimulado o
desenvolvimento de pesquisa e da indústria responsável por
novos produtos e equipamentos.

FIG. 6.1 Classificação das rosas após a colheita


Fonte: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva.

A floricultura integra uma cadeia produtiva complexa,


constituída por segmentos diretos (produção, distribuição,
atacado e varejo) e indiretos (suprimentos, estruturas,
equipamentos e acessórios), detalhados a seguir.

6.1.1 PRODUÇÃO
A diversidade de climas do Brasil permite a produção de
grande número de espécies, incluindo as de origem
tropical, subtropical e temperada. As plantas tropicais
destacam-se por suas formas exóticas e cores vibrantes,
apresentando grande adaptação ao clima e ao solo
brasileiro. Também há um grande número de espécies
subtropicais e temperadas, com exigências específicas de
condições de cultivo e que apresentam grande demanda
no mercado.
Estima-se que, no Brasil, atualmente, sejam cultivadas
mais de 2.500 espécies e 17.500 cultivares (Schoenmaker,
2021). Entre as flores de corte, destacam-se as rosas, os
crisântemos, as alstroemérias, as gérberas e os lírios. A rosa
mantém a posição de destaque como principal flor cultivada e
comercializada no Brasil e no mundo (Paiva; Almeida, 2014).
As folhagens de corte se destinam à composição de arranjos
como espécie acessória ou principal. Destacam-se as folhas
de palmeiras, monstera, ruscus, dracenas, crótons e cordylines,
samambaias e avencas.
Flores envasadas correspondem às espécies cultivadas em
vasos com substratos. As principais espécies produzidas no
Brasil são orquídeas, calanchoe, crisântemos (Fig. 6.2), lírios,
violetas e antúrios.
FIG. 6.2 Crisântemos
Fonte: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva.

As plantas verdes envasadas têm como atrativo as folhas,


que são produzi das para uso em decoração de ambientes e
ornamentação em eventos. Um grande destaque nesse grupo
são os cactos e as suculentas, além de dieffenbachias,
begônias, samambaias, entre outras.
No grupo de mudas para jardins estão incluídas inúmeras
espécies, como as forrações, que são produzidas em
pequenos recipientes (saquinhos e bandejas), as mudas de
plantas arbustivas, as plantas entouceirantes, as trepadeiras,
as palmeiras e as espécies arbóreas. Trata-se de um grupo
bastante expressivo pela demanda e crescente valorização do
paisagismo (Paiva, 2008).
Hoje em dia, no Brasil, estima-se que 8.000 produtores
estão inseridos na cadeia produtiva de flores e plantas
ornamentais, gerando diversos empregos diretos e indiretos.
A área cultivada é estimada em 15.000 ha, sendo 1,8 ha a
média de área por produtor. A floricultura é uma atividade
bastante efetivada por pequenos produtores.
A principal região brasileira na produção de flores e
plantas ornamentais é a Região Sudeste, seguida do Nordeste
e Sul. Os principais polos produtores de flores são Minas
Gerais (Andradas, Senador Amaral, Barbacena, Manhuaçu,
Belo Horizonte, Araxá e Dona Euzébia), São Paulo (Holambra,
Atibaia, Registro) e Ceará (Serra da Ibiapaba). O Estado de São
Paulo tem posição de destaque como o maior produtor de
flores do País (Neves; Pinto, 2015; Schoenmaker, 2021).

6.1.2 COMERCIALIZAÇÃO
A produção de flores e plantas ornamentais pode seguir
diferentes canais de comercialização, desde a venda direta
entre o produtor e o consumidor final, como ocorre em
feiras, até a venda em atacados especializados,
diretamente para o varejo (autosserviço e floricultura), ou
vendas para os setores de serviços, como os especializados
em decoração e paisagismo.

Atacado
A comercialização por atacado é feita principalmente pela
cooperativa Veiling Holambra, que responde por
aproximadamente 40% do mercado nacional; pela
Cooperflora, também em Holambra (SP); e pelas Ceasas,
com destaque para a Ceagesp e a Ceasa-Campinas. A
distribuição de flores e plantas ornamentais após o
atacado em geral é realizada pelo segmento de distribuição
ou atacadistas de linha, responsáveis por transportar com
sistema de logística eficiente e entregar em todo o Brasil.

Exportação
Embora o Brasil ainda não apresente volumes expressivos
de exportação no segmento floricultura, a comercialização
para o mercado externo é realizada principalmente por
empresas especializadas em intermediar o processo. Em
geral, as vendas são pontuais e realizadas a partir de
contratos estabelecidos entre países compradores e
produtores ou atacadistas. Os principais produtos
exportados são bulbos e material propagativo, os quais
têm ótima aceitação no mercado externo.
Engenheiros-Agrônomos com conhecimento de diferentes
idiomas, em especial inglês e espanhol, além do holandês,
atuam nesse segmento.

Varejo
O comércio em varejo é feito por meio de floriculturas e
floras, garden centers, viveiros, feiras e pontos de venda,
como quiosques e autosserviços (supermercados). Esses
estabelecimentos comercializam em quantidades variadas,
desde uma simples haste até volumes expressivos, quando
direcionados ao segmento de decoração (Fig. 6.3), que
absorve em torno de 40% do total comercializado, ou,
ainda, à formação de jardins. Muitos proprietários dessas
estruturas de varejo possuem formação em Agronomia,
que lhes proporciona um excelente conhecimento a
respeito das espécies comercializadas.

FIG. 6.3 Decoração de festa, com os arranjos principais elaborados com lírios
Fonte: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva.

Associadas aos segmentos de produção e comercialização


estão as empresas de insumos, equipamentos e suprimentos,
responsáveis pelo fornecimento de material propagativo
(mudas, sementes, bulbos), substratos, adubos e fertilizantes,
defensivos e produtos para controle biológico, equipamentos
e ferramentas, vasos e embalagens, estufas e outras
estruturas de produção, equipamentos de irrigação,
equipamentos e estruturas de climatização e iluminação etc.
É importante destacar que, na maioria desses segmentos, há
o envolvimento e a atuação direta de um Engenheiro-
Agrônomo.

6.1.3 SITUAÇÃO NO BRASIL


O mercado brasileiro de flores e plantas ornamentais está
em plena expansão. Mesmo durante os últimos anos de
crise, o setor vem-se mantendo com taxas positivas. Em
2020, o crescimento estimado foi de 10%, com média de
8,8% nos últimos cinco anos. O consumo per capita de
flores estimado para 2021 é de R$ 45,79 (Schoenmaker,
2021).
Tem-se percebido mudanças no perfil dos consumidores,
que vêm valorizando mais as flores e plantas ornamentais,
incluindo-as no seu cotidiano com maior frequência. Isso se
deve (i) ao isolamento demandado pela pandemia do
coronavírus, que despertou o interesse pelo cultivo de jardins,
ornamentação de ambientes e uso de flores como excelente
opção de presente; (ii) ao aumento da expectativa de vida da
população e, assim, de mais pessoas com poder aquisitivo e
potencial de consumo; (iii) à ampliação do número de pessoas
que moram sozinhas (investimentos com finalidade de
decoração de ambiente); (iv) à decoração de empresas para
valorização do ambiente em eventos; (v) ao aumento dos
pontos de comercialização (autosserviços), incluindo a venda
em supermercados e farmácias; e (vi) ao aumento das vendas
on-line.
O mercado nacional importa produtos em valores que
mantêm um relativo equilíbrio da balança comercial,
principalmente de novas variedades, em consequência de não
haver programas efetivos de melhoramento nessa área no
nosso País. Isso também gera uma demanda profissional
interessante, sobretudo daqueles com conhecimento em
Genética e Biotecnologia.
Considerando a área de pesquisa, muitos processos da
produção ainda demandam melhor definição, sobretudo em
relação a controle de pragas e doenças, pós-colheita e
armazenamento, e adoção de práticas sustentáveis de
produção. Os profissionais podem atuar em pesquisas tanto
prosseguindo em cursos de pós-graduação como atuando em
pesquisas privadas.

6.2 PAISAGISMO
Paisagismo, arquitetura paisagística e/ou planejamento
paisagístico constituem uma atividade técnico-científica
que tem como objetivo harmonizar e promover a interação
do ser humano com o meio ambiente. É uma especialidade
multidisciplinar de arte e ciência: a arte envolve
conceituações relativas a cores, formas e texturas, tanto
das espécies vegetais quanto de outros elementos
considerados inertes, que são utilizados em jardins; e a
ciência abarca diversas áreas do conhecimento, como
Agronomia, Biologia, Arquitetura, Meio Ambiente e
Florestas.
O paisagismo inclui o planejamento e a manutenção de
jardins, praças, parques, jardins botânicos (Fig. 6.4) e
arborização urbana, um trabalho que pode ser realizado por
Engenheiros-Agrônomos, Engenheiros Florestais, Arquitetos
e, em algumas situações, ainda demandar o apoio de
Biólogos, Designers de Interiores e Engenheiros (Paiva, 2008).
Considerando que o principal elemento do paisagismo são as
espécies vegetais, o Engenheiro-Agrônomo apresenta
qualificação para produção, identificação, plantio e condução
dessas espécies.

FIG. 6.4 Jardim Botânico Inhotim


Fonte: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva.

Na elaboração de um projeto paisagístico, é preciso


considerar os diferentes estilos de jardins já desenvolvidos.
Os profissionais estudam minuciosamente a área para
explorá-la dentro da sua concepção de espaço. Além das
características de traçado e elementos que devem ser
inseridos, esses especialistas analisam as espécies vegetais
adequadas ao estilo e às condições ambientais e de solos do
local onde o jardim será implantado.
6.2.1 JARDINS
Constituem jardins as áreas livres de casas ou prédios, de
escritórios e consultórios, sítios, chácaras e fazendas,
shoppings, hospitais, escolas, hotéis e resorts, onde podem
ser cultivadas flores e plantas ornamentais. Muitas dessas
áreas são de uso particular ou restrito, com usuários de
elevado poder aquisitivo e alto nível de exigência. Assim,
há a demanda pela criação de jardins com características
bastante especiais, porém com grande capacidade atrativa
para a valorização do empreendimento (Paiva, 2008). O
Agrônomo tem atuação preponderante no planejamento,
na implantação e na manutenção desses espaços.
Os jardins são locais destinados ao lazer, contemplação e
conservação da natureza. Constituem espaços dinâmicos que
se modificam ao longo do tempo ou com as estações do ano e
devem sempre agradar a visão, o olfato, o tato e a audição. Na
composição de um jardim, vários elementos são analisados,
sendo importante considerar as cores, as formas e as texturas
das espécies vegetais e dos elementos utilizados (Fig. 6.5),
como pisos, caminhos, bancos etc. O planejamento minucioso
de toda essa composição, envolvendo as plantas e os demais
elementos, é atividade dos profissionais que atuam em
paisagismo.
FIG. 6.5 Cores, formas e texturas, os três elementos de um jardim. Local: Keukenhof, Lisse,
Holanda
Fonte: Diogo Pedrosa Corrêa da Silva.

6.2.2 PARQUES E PRAÇAS


Essas áreas constituem as áreas verdes públicas urbanas e
representam importante contribuição para a qualidade de
vida das pessoas, pois proporcionam lazer e são
fundamentais para questões do meio ambiente. Nas
praças e parques, planejam-se estruturas que deverão
compor o espaço, de forma a proporcionar conforto e
atração aos usuários. É essencial o adequado
planejamento da vegetação para que possa contribuir com
o embelezamento do local; os usuários são atraídos pela
beleza estética, com a finalidade de contemplação, além
das funções ambientais de amenização do clima e
ecológicas para atração e manutenção da flora e fauna
locais.
O Engenheiro-Agrônomo está diretamente envolvido na
criação e manutenção dessas áreas, e ainda atua no estudo
das relações entre o ambiente e os usuários, para a
determinação de novas demandas e usos de áreas verdes pela
população.

6.2.3 ARBORIZAÇÃO URBANA


No meio urbano, a arborização, no âmbito do verde de
acompanhamento viário, corresponde às árvores
cultivadas nas calçadas e outras espécies ornamentais
utilizadas na composição de canteiros centrais, trevos e
rotatórias. O Engenheiro-Agrônomo executa o
planejamento, o plantio e a manutenção dessas áreas. Esse
trabalho é atrativo, pois a arborização urbana proporciona
embelezamento, conforto térmico, qualidade do ar e
sombreamento, auxilia no controle de enchentes, contribui
para a valorização imobiliária, serve de abrigo para a fauna
e a flora, entre outras vantagens. Para que a arborização
expresse todos esses benefícios, é necessária a atuação de
profissionais qualificados na seleção de espécies
adequadas para cada local, em técnicas de plantio e
manutenção das árvores.
Outra atividade profissional é a realização de análises com
o intuito de identificar os benefícios obtidos e as melhorias
necessárias. Todo o trabalho nessa área envolve técnicos
especializados, como Engenheiros-Agrônomos, Engenheiros
Florestais e Biólogos, e é realizado em parceria com
prefeituras, companhias de energia elétrica e empresas
privadas.

6.2.4 GRAMADOS ESPORTIVOS


Um tema muito interessante do curso de Engenharia
Agronômica dentro do tópico de plantas ornamentais é a
produção de gramas para jardins, praças, parques e
campos esportivos, além das atividades técnicas de
planejamento, implantação e manutenção das áreas
gramadas.
A produção de grama é feita por empresas especializadas,
que se encarregam de todas as etapas, desde a introdução e
adaptação de novas cultivares até a produção e, em algumas
situações, a comercialização e implantação, em especial nas
áreas esportivas.
Os gramados de campos esportivos demandam
conhecimento e tecnologias muito específicas e avançadas.
Essa área demanda profissionais de sólida formação e elevada
qualificação, com conhecimentos de produção e
desenvolvimento de gramas, além de solos, fertilidade e
nutrição, topografia, irrigação, drenagem, fisiologia, pragas e
doenças, poda e preparo das áreas para competições. Nesse
segmento, o conhecimento das práticas esportivas é
fundamental para que o profissional possa nortear as
decisões de construção e, sobretudo, de manutenção. Os
principais esportes realizados em campos gramados e que
demandam essa atuação profissional especializada são golfe
(Fig. 6.6), futebol, futebol americano, beisebol, tênis e hóquei.
FIG. 6.6 Campo de golfe
Fonte: Patrícia Duarte de Oliveira Paiva.

Considerando os valores econômicos relativos a essas


atividades, que envolvem patrocinadores, empresas e mídia,
trata-se de um trabalho de grande responsabilidade, mas com
excelente remuneração.

6.3 PRODUÇÃO DE PLANTAS ORNAMENTAIS

6.3.1 PROPAGAÇÃO
As plantas ornamentais podem ser produzidas por meio
de sementes (propagação sexuada) e mudas (propagação
assexuada), dependendo da espécie e da facilidade de
execução do processo.
A produção por sementes de espécies destinadas à
produção de flores ou para jardins, com destaque para as
anuais, é feita por empresas especializadas, envolvendo
tecnologias avançadas. Para outras espécies, como árvores e
palmeiras, a propagação é feita por viveiristas e as sementes
são obtidas de plantas-matrizes.
No processo de propagação assexuada, vários métodos
podem ser utilizados, como a estaquia (mais comum),
enxertia (que permite a união de dois materiais vegetais:
enxerto e porta-enxerto), alporquia e mergulhia. Além dessas
técnicas, é crescente o uso da micropropagação de plantas,
técnica realizada em laboratórios para a propagação
comercial em larga escala, o que permite a produção de
grande quantidade de mudas com qualidade fitossanitária e
padronizadas durante o ano todo (Paiva; Almeida, 2014). Essa
técnica, que faz parte da Biotecnologia, é amplamente
empregada em várias espécies ornamentais, como antúrios,
bromélias e orquídeas (Fig. 6.7).
FIG. 6.7 Micropropagação de orquídeas in vitro
Fonte: Michele Valquíria dos Reis.

Após o processo de propagação, o desenvolvimento das


mudas é feito em viveiros, que são áreas constituídas por
estruturas para cultivo protegido, como estufas (cobertura
plástica) e telados (cobertura com telas de sombreamento), e
também em áreas a céu aberto, a depender da demanda da
espécie. Dessa forma, busca-se disponibilizar as melhores
condições possíveis de umidade, luminosidade, temperatura,
nutrição e sanidade, para o melhor desenvolvimento das
plantas.

6.3.2 ESTRUTURAS
As estruturas de cultivo protegido podem ser utilizadas
desde a fase de produção das mudas até a sua
comercialização. Entretanto, em função da espécie, podem
ser empregados diferentes tipos de estruturas para cada
etapa de seu desenvolvimento. Por exemplo, para a fase de
enraizamento podem ser exigidas estruturas com umidade
e temperatura controladas, as chamadas estufas
enraizadoras. Já o desenvolvimento das mudas pode
ocorrer tanto em estufas quanto em telados, com
condições de sombreamento variado. Após esse período,
algumas espécies podem ser transferidas para áreas sem
proteção, totalmente a céu aberto, onde permanecem até a
comercialização. Os estudos desenvolvidos na área de
Agronomia permitiram identificar e conhecer as condições
ideais para cada espécie.

6.4 CORRELAÇÃO COM OUTRAS ÁREAS


A floricultura se relaciona com diferentes áreas
profissionais, a exemplo do turismo e do ecoturismo,
envolvendo flores e jardins. Pela beleza e pelo bem-estar
que essas plantas proporcionam, elas estão sendo cada vez
mais utilizadas como atrativo turístico, envolvendo visitas
a propriedades de produção comercial e estimulando a
criação de parques com função ecológica, contemplativas
e de lazer. Festivais e feiras também são realizados em
diferentes locais do País, o que incentiva a divulgação e o
consumo dos produtos.
Considerando a cadeira produtiva, estão envolvidas
diversas empresas, como as especializadas na construção de
estruturas de cultivo protegido, a exemplo de estufas e
telados, as empresas fornecedoras de insumos, sistemas de
irrigação, embalagens etc.
Outro segmento de relação direta com a floricultura e de
grande crescimento é o da gastronomia. As flores comestíveis
são produtos muito interessantes, pela beleza que
proporcionam ao prato, sendo utilizadas para decoração de
bolos e saladas e na produção de geleias e chás. Apresentam
também propriedades medicinais e nutracêuticas que
favorecem ainda mais o seu consumo. Hibisco, capuchinha
(Fig. 6.8) e amor-perfeito são exemplos de flores comestíveis
muito apreciadas.

FIG. 6.8 Flores de amor-perfeito em salada


Fonte: Michele Valquíria dos Reis.
Por todos os motivos elencados neste capítulo, reitera-se
que a produção de flores e plantas ornamentais e as
diferentes possibilidades de seus usos, seja em jardins, na
ornamentação e decoração ou na gastronomia, constituem
uma excelente área de atuação do Engenheiro-Agrônomo.
Esse profissional pode aplicar seu conhecimento na produção,
na manutenção e na comercialização dessas espécies, assim
como em diversos outros segmentos associados à cadeia
produtiva, de forma direta ou indireta.
Um atrativo adicional da área é que se destaca como
promissora: além de gerar excepcional rentabilidade, está em
franco crescimento no País, com um mercado de trabalho
cada vez mais amplo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NEVES, M. F.; PINTO, M. J. A. (Coord.). Mapeamento e quantificação da cadeia
de flores e plantas ornamentais no Brasil. São Paulo: OCESP, 2015. 122 p.
PAIVA, P. D. O. Paisagismo: conceitos e aplicações. Lavras, MG: Editora
UFLA, 2008. 603 p.
PAIVA, P. D. O.; ALMEIDA, E. F. A. Produção de flores de corte. v. 1. Lavras, MG:
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PAIVA, P. D. O.; ALMEIDA, E. F. A. Produção de flores de corte. v. 2. Lavras, MG:
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SCHOENMAKER, K. O mercado de flores no Brasil. Ibraflor, jan. 2021. 5 p.
Disponível em: <https://354d6537-ca5e-4df4-8c1b-
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81a3.pdf>. Acesso em: 21 out. 2021.
SETE

CULTIVO DE PLANTAS MEDICINAIS, AROMÁTICAS E


CONDIMENTARES

Lin Chau Ming, Filipe Pereira Giardini Bonfim

Neste capítulo, são apresentadas informações sobre uma


área importante da Agronomia, relativa a um grupo de
plantas que têm participação muito grande no dia a dia
das pessoas. Trata-se de um conjunto que, na área
agrícola, chamamos de “plantas medicinais, aromáticas e
condimentares”. Essas plantas apresentam em comum a
produção de substâncias químicas, em geral do
metabolismo secundário, que podem ser utilizadas para
curar ou amenizar alguma dor ou enfermidade, dar cheiro
ou perfume a vários produtos e modificar ou acentuar
dado sabor ou característica sensorial de determinado
alimento. São empregadas também em segmentos
bastante expressivos, como perfumaria, cosméticos,
inseticidas naturais, conservação de alimentos, higiene
pessoal e limpeza.
7.1 ESPÉCIES MEDICINAIS
Esse grupo de plantas, dentro da Agronomia, insere-se na
horticultura, ramo da fitotecnia que envolve também
hortaliças, frutas, plantas ornamentais e cogumelos
comestíveis. Algumas plantas podem estar em mais de
uma subárea ao mesmo tempo. Por exemplo, o alho pode
ser categorizado como uma planta medicinal, uma
hortaliça e um condimento; o limão pode ser considerado
uma fruta, uma planta medicinal, uma planta aromática
ou, ainda, um condimento; a capuchinha pode ser usada
como planta ornamental, alimentícia, condimentar e
também medicinal (Fig. 7.1); e o louro, que utilizamos para
temperar a comida, pode ser usado como planta
ornamental (Fig. 7.2).
FIG. 7.1 Capuchinha, usada como planta medicinal, alimentícia, condimentar e
ornamental
Fonte: Filipe Pereira Giardini Bonfim, 2018.

FIG. 7.2 Loureiro, com uso ornamental em vários locais


Fonte: Lin Chau Ming, 2018.

Essa diversidade de plantas e de usos faz dessa área um


campo bastante interessante para o trabalho do Engenheiro-
Agrônomo, pois envolve muitas subáreas e especialidades
complementares.
Plantas medicinais, condimentares e aromáticas são
espécies que apresentam, na sua composição vegetal,
metabólitos primários (proteínas, lipídeos e carboidratos) e
metabólitos secundários, que possuem funções diversas,
algumas associadas à adaptação dos vegetais ao meio. Esses
metabólitos são divididos em três grandes grupos: compostos
fenólicos, terpenos e alcaloides. Conhecidos popularmente
como princípios ativos, os metabólitos secundários conferem
ações biológicas ao produto, e todos os seus grupos, em
pequenas quantidades, podem atuar de forma isolada ou
sinérgica. A classificação desses metabólitos, dependendo de
quem os estuda, pode ser mais abrangente ou não.
A planta medicinal é uma espécie destinada à cura ou à
prevenção de enfermidades e tem sido utilizada há milênios.
Vários compêndios médicos caracterizavam como eficazes as
maneiras do passado de tratar as doenças. E, mesmo com o
advento da síntese química, a matéria-prima vegetal ainda é
imprescindível para a produção dos medicamentos. Nos dias
atuais, uma porcentagem significativa dos principais
medicamentos utilizados na medicina ocidental é constituída
por produtos à base de plantas. Entre elas, podem-se citar
quebra-pedra, babosa, hortelã, fáfia, calêndula (Fig. 7.3),
espinheira-santa e capim-limão.
FIG. 7.3 Calêndula (Calendula officinalis) em cultivo orgânico. Fazenda Experimental de
São Manuel, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu
Fonte: cortesia de Isabella Barbosa Marques, 2018.

Algumas espécies cultivadas no território nacional têm


tido destaque no setor produtivo, por serem parte de
fitoterápicos de grande aceitação no mercado e ampla
prescrição médica, como a erva-baleeira (Varronia curassavica
Jacq.) (Fig. 7.4), com a qual se prepara o primeiro fitoterápico
que teve toda a pesquisa e o desenvolvimento realizados no
Brasil, a Passiflora incarnata. Esse medicamento, atualmente, é
produzido com matéria-prima vegetal 100% nacional.
FIG. 7.4 Erva-baleeira (Varronia curassavica) no Horto Medicinal da Faculdade de Ciências
Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu
Fonte: cortesia de Isabella Barbosa Marques, 2016.

O Brasil, com a flora mais diversificada do planeta, possui


um gigantesco estoque de plantas com potencial para a
produção de medicamentos naturais, e grande parte dele é
ainda desconhecida.

7.2 ESPÉCIES AROMÁTICAS


Essas espécies são plantas que desprendem aroma.
Erroneamente, a população confere esses aromas somente
ao grupo dos terpenos, mais especificamente à classe dos
monoterpenos ou óleos essenciais, presentes no capim-
cidreira ou na citronela, mas os compostos fenólicos
também estão envolvidos nesse sentido – afinal, quem
nunca sentiu o aroma da canela ou de um guaco? Seu uso
é bastante diversificado, desde na indústria química
farmacêutica, para a produção de perfumes e cosméticos,
até na indústria de alimentos e de produtos
domissanitários. Entre os diversos livros sobre o assunto,
sugerimos o de Hay e Waterman (1993).

7.3 PLANTAS CONDIMENTARES


As plantas condimentares, tradicionalmente utilizadas em
pratos típicos, são muito procuradas para alterar ou
acentuar os sabores dos alimentos. Pode-se responsabilizá-
las pelo descobrimento do Brasil, quando foram chamadas
de “especiarias”. A guerra pelo controle das rotas de
comércio com a Índia Oriental levou os países da Europa a
organizar expedições à procura de novos caminhos, tendo
Cabral chegado aqui com esse objetivo.
Fato curioso sobre o cultivo dessas plantas é que inúmeros
produtores o realizam como cultura secundária. Eles mantêm
os cultivos agrícolas principais, como milho, feijão, soja e
frutíferas, e os de espécies medicinais, aromáticas e
condimentares são cultivados como fonte de renda
complementar.
Há diferentes opções de mercado, nichos que podem ser
aproveitados pelo agricultor. Um exemplo é a procura por
essas plantas em feiras, supermercados, empórios e
quitandas, em determinada época do ano (inverno), maior do
que a da campeã de consumo e venda, a “alface” (Fig. 7.5).
Informações técnicas agronômicas mais atuais podem ser
encontradas no livro de Bonfim et al. (2017).

FIG. 7.5 Grande variedade de plantas condimentares


Fonte: Lin Chau Ming, 2018.

As atuações do Engenheiro-Agrônomo no segmento das


plantas medicinais, aromáticas e condimentares são
inúmeras. Responsável pela produção vegetal, melhoramento
genético, tecnologia de alimentos de origem vegetal,
biotecnologia, fisiologia vegetal, entre outros, esse
profissional pode atuar no ensino, na pesquisa e na extensão.
Há um grande número de espécies nativas do Brasil e
exóticas que entram na categoria de plantas medicinais,
aromáticas e condimentares (Lorenzi; Matos, 2002), o que
exige que o profissional tenha amplo conhecimento do tema.
O Brasil ainda carece de pesquisa das espécies nativas e das
exóticas. As pesquisas utilizadas aqui são feitas em outros
países, com características edafoclimáticas diferentes das do
Brasil. Alguns centros de pesquisa no País já fazem
melhoramento genético de manjericão (Fig. 7.6).

FIG. 7.6 Várias cultivares de manjericão melhoradas no Brasil


Fonte: Lin Chau Ming, 2018.

O Engenheiro-Agrônomo pode ainda ser responsável pela


área de produção em empresa farmacêutica/química,
cosmética ou alimentícia, ou de desenvolvimento de
maquinários para colheita, secagem e processamento dessas
plantas. Finalmente, pode atuar como produtor rural e ter sua
própria área de cultivo.
No Brasil, a Região Sul é responsável por grandes áreas de
cultivo de espécies medicinais (Fig. 7.7), a maioria exótica. Em
todas as regiões, há o extrativismo de espécies medicinais
nativas e a coleta extensiva, ambos feitos de forma
descontrolada. Também não existe o controle da qualidade
química das partes comercializadas, dada a sua extrema
variabilidade química intraespecífica.

FIG. 7.7 Camomila, a planta medicinal mais cultivada no Brasil, especialmente no Estado
do Paraná
Fonte: Lin Chau Ming, 2018.

O oferecimento dessa área no curso de Agronomia atende


à Resolução nº 6, de abril de 1988, do Ministério da Educação e
Cultura, que estabelece tal conteúdo no currículo desse curso.
Em 1991, na Sociedade de Olericultura do Brasil (hoje
Associação Brasileira de Horticultura), foi fundado o Grupo de
Trabalho de Plantas Medicinais, para organizar e incentivar
estudos técnicos e eventos relacionados com a parte
agronômica da área. Disciplinas de plantas medicinais,
aromáticas e condimentares já são bastante comuns no
ensino superior de muitas faculdades, que já estão ajustando
seus currículos acadêmicos.
Há um número muito grande de espécies dessas plantas, o
que dificulta o trabalho dos pesquisadores. Uma proposta
interessante seria focar em espécies de ocorrência e/ou de
uso local ou regional, a fim de abranger quantidade maior de
plantas.
Cada vez mais, os profissionais devem se aperfeiçoar nos
aspectos agronômicos das plantas mais utilizadas e
importantes em cada região, pois é praticamente impossível
trabalhar com plantas dentro de uma vasta área e de grande
diversidade vegetal, de solos e climática como o Brasil, sem
contar a sociodiversidade, a qual está relacionada
diretamente com as plantas: afinal, também se deve trabalhar
com as características das diferentes populações do nosso
País.
Além disso, essas espécies são matéria-prima de estudos
de outras áreas, como a Etnobotânica, Agricultura Familiar,
Agroecologia e Produção Orgânica. Dessa forma, faz-se
necessário o estudo dessas diferentes áreas em algum
momento do curso, com a participação de profissionais mais
especializados.
Na pesquisa, são inúmeros os trabalhos, grupos e
fomentos para o estudo com plantas medicinais. O Brasil já
foi centro de coleta de diferentes espécies medicinais, antes
enviadas para Portugal, e hoje é centro de atenção por causa
de nossa grande diversidade vegetal. Em cada região
brasileira, grupos de pesquisadores se organizam para a
pesquisa dessas plantas.
Uma área em ascensão na academia é a bioprospecção de
produtos naturais. O mercado hoje em dia está cada vez mais
exigente em produtos seguros e eficazes em diversos
segmentos, como saúde, alimentação, higiene pessoal e
cosmética. Com isso, tem-se empregado muitos esforços por
meio de pesquisadores em identificar, isolar e avaliar a
estabilidade dos produtos naturais, aplicados a todas essas
vertentes.
Outro fator que merece destaque é o uso das plantas
medicinais como produtos fitossanitários. Com a crescente
demanda de produtos orgânicos ou oriundos de sistemas
ecológicos de produção, as plantas medicinais têm sido
destaque no controle de pragas e doenças pelo uso de
extratos vegetais na sua diversificação (rotação, consórcio e
sucessão – Fig. 7.8), na incorporação de restos culturais, em
cultivos de armadilhas, barreiras vivas, entre outros. Alguns
exemplos de aplicação dessas plantas são o inseticida do óleo
de neem, do óleo da casca de laranja, das folhas de eucalipto,
do capim-citronela, dos frutos de pimenta etc. Resultados
interessantes também são observados no combate a
fitopatógenos.
FIG. 7.8 Diversificação de culturas: hortaliças, plantas condimentares, flores comestíveis
(manjericão, ervilha-torta, beterraba, calêndula, alface e rúcula). Fazenda Experimental
de São Manuel, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu
Fonte: Filipe Pereira Giardini Bonfim, 2016.

Considerando que os metabólitos secundários conferem


ação biológica, não podemos desvinculá-los da produção
vegetal e de aspectos agronômicos. Para que o produto tenha
rastreabilidade, é preciso conhecimento técnico sobre o
cultivo, pois vários fatores bióticos e abióticos podem
interferir diretamente na quantidade e na qualidade desses
compostos. Tais fatores são altitude, sazonalidade,
temperatura, tipo de solo, fertilidade, sistemas de irrigação e
pluviosidade, herbivoria e presença de patógenos, idade da
planta, época de plantio, espaçamento, entre outros, que
promovem alterações no metabolismo secundário.
Cabe ao Agrônomo saber entender as relações entre esses
fatores para poder obter produto de qualidade e na
quantidade necessária. O objetivo do cultivo, nesse caso, é
conferir produção adequada de biomassa, padrões ótimos de
princípios ativos e qualidade microbiológica satisfatória.
Assim, surge outro ramo para o Engenheiro-Agrônomo, a
extensão rural.
Vários agricultores familiares têm-se deparado com a
expressiva exigência do mercado para o cultivo de plantas
medicinais, aromáticas e condimentares, e muitos relatam
que a não adoção dessas espécies ocorre por falta de
conhecimento dos aspectos de produção e por falta de
técnicos capacitados.
Os serviços de extensão rural no Brasil, feitos por
instituições governamentais ou não governamentais, têm
colocado a área de plantas medicinais, aromáticas e
condimentares como uma das prioridades de seus trabalhos,
dada a crescente demanda em vários lugares. Atualmente,
16% de todos os produtos de origem vegetal do setor
hortifrutigranjeiro comercializados na Ceagesp são plantas
medicinais, aromáticas e condimentares, com destaque, pela
maior representatividade na produção, para os Estados de São
Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
A organização do comércio também é de responsabilidade
do Agrônomo. Com a retomada das agriculturas de base
ecológica, é necessário o redesenho das paisagens agrícolas,
com a adoção de sistemas complexos (policultivos, sistemas
agroflorestais, mandalas etc.). O consórcio de plantas
medicinais com outras culturas agrícolas convencionais pode
favorecer o produtor na diversificação de renda, além dos
benefícios ecológicos. Podem-se verificar inúmeras
experiências nesse contexto no Brasil, com resultados bem
interessantes.
Vale ressaltar também a necessidade de uma atuação
interdisciplinar que os estudos com as plantas exigem, de tal
forma que a integração possa propiciar a ampliação das
possibilidades de busca de novos potenciais. Essa pluralidade
permite o desenvolvimento de políticas públicas que
regularizem práticas necessárias para fomentar a cadeia
produtiva desse grupo de plantas.
Como a área é necessariamente interdisciplinar, é possível
obter informações técnicas em diferentes fontes
bibliográficas, a exemplo da área de Química de Produtos
Naturais (para estudar seus compostos químicos), de
Anatomia Vegetal (para entender onde se localizam e quais
são as estruturas secretoras responsáveis pela produção,
acúmulo e liberação das substâncias químicas), de
Sistemática Vegetal (para evitar os erros na hora de identificar
as espécies vegetais), de Farmacologia (para compreender os
mecanismos de ação que as substâncias têm no organismo) e
de Etnobotânica (para estudar os conhecimentos que
comunidades indígenas e tradicionais possuem do uso e
manejo das plantas medicinais). Na Fitotecnia, há diferentes
condições para que haja a produção de material vegetal em
quantidade exigida e com a qualidade química requerida,
como de fertilidade do solo e adubação (Fig. 7.9), tratos
culturais (Fig. 7.10), controle de pragas e doenças, conservação
pós-colheita (Fig. 7.11), comercialização, entre outras áreas
agronômicas. Uma pequena amostra da pesquisa agronômica
com plantas medicinais, aromáticas e condimentares pode
ser vista na obra de Ming et al. (1998), uma das primeiras
publicações na área.

FIG. 7.9 Avaliação da adubação orgânica na produtividade e qualidade de cebolinha e


calêndula. Fazenda Experimental de São Manuel, da Faculdade de Ciências Agronômicas
da Unesp, campus de Botucatu
Fonte: cortesia de Isabella Barbosa Marques, 2017.
FIG. 7.10 Uso de cobertura morta no cultivo de alcachofra para supressão de plantas
invasoras. Departamento de Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da
Unesp, campus de Botucatu
Fonte: Filipe Pereira Giardini Bonfim, 2018.
FIG. 7.11 Experimento com capuchinha (Tropaeolum majus), com a técnica de
hidrorresfriamento para longevidade das flores. Departamento de Horticultura da
Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu
Fonte: Filipe Pereira Giardini Bonfim, 2018.

O Engenheiro-Agrônomo não pode prescindir do apoio e


da participação de outros profissionais. Cada especialidade
pode oferecer, no conjunto, informações, tecnologias,
experiências e metodologias que se complementarão na
produção das plantas com qualidade.
Uma das conquistas mais importantes da área foi a criação
da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos
(PNPMF), aprovada pelo Decreto nº 5.813, de 22 de junho de
2006. Suas diretrizes e linhas prioritárias referem-se ao
desenvolvimento de ações pelos diversos parceiros em torno
de objetivos comuns, voltados para “garantir à população
brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas
medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da
biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da
indústria nacional” (Brasil, 2006).
Para atingir esse objetivo, foram criados o Programa
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e o Comitê
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, pela Portaria
Interministerial nº 2.960, de 9 de dezembro de 2008 (Brasil,
2008). Esse programa, em consonância com a PNPMF, assim
estabelece a atuação do Engenheiro-Agrônomo:

Construir e, ou, aperfeiçoar marco regulatório em todas as etapas


da cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos, a partir
dos modelos e experiências existentes no Brasil e em outros
países, promovendo a adoção das boas práticas de cultivo,
manipulação e produção de plantas medicinais e fitoterápicos.
(Brasil, 2009, p. 14).

Cabe explicitar que a cadeia produtiva se refere ao


conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e são
transformados os diversos insumos em ciclos de produção,
distribuição e comercialização de bens e serviços. No caso de
plantas medicinais, trata-se de espécies vegetais, cultivadas
ou não, utilizadas com propósitos terapêuticos e fitoterápicos,
em medicamentos obtidos mediante o emprego exclusivo de
matérias-primas ativas vegetais. Assim, objetiva-se atender
às diferentes peculiaridades de seu uso no Brasil, pois há
diversos grupos, comunidades e empresas que produzem e
usam as drogas vegetais (plantas secas) em suas atividades e
outros que fazem uso de medicamentos já preparados
(fitoterápicos), atendendo, assim, a todos os interesses. Há,
ainda, outro produto com base em planta, o fitofármaco, o
qual se diferencia do fitoterápico por possuir uma ou mais
substâncias isoladas de planta, em concentração conhecida,
na fórmula do medicamento.
O manejo e produção e/ou cultivo de plantas medicinais, e
os conhecimentos tradicionais e populares a elas associados
(Dias; Laureano, 2009) são áreas de estudo e/ou trabalho do
Agrônomo. As diretrizes da PNPMF relacionadas a tais áreas
estão listadas no Quadro 7.1.

Quadro 7.1 Diretrizes da PNPMF relacionadas ao manejo e à produção e/ou cultivo de


plantas medicinais

Regulamentar o cultivo, o manejo sustentável, a produção, a distribuição e o


Diretriz
uso de plantas medicinais e fitoterápicos, considerando as experiências da
1
sociedade civil nas suas diferentes formas de organização.

Promover a adoção de boas práticas de cultivo e manipulação de plantas


Diretriz
medicinais e de manipulação e produção de fitoterápicos, segundo a
11
legislação específica.

Diretriz Promover a inclusão da agricultura familiar nas cadeias e nos arranjos


13 produtivos das plantas medicinais, insumos e fitoterápicos.

Diretriz
Estimular a produção de fitoterápicos em escala industrial.
14

Diretriz Estabelecer uma política intersetorial para o desenvolvimento


15 socioeconômico na área de plantas medicinais e fitoterápicos.

Fonte: Brasil (2006).

Assim, o cultivo de plantas medicinais, aromáticas e


condimentares é um assunto extremamente importante no
contexto brasileiro, cheio de desafios, mas também de
oportunidades. Esperamos que os futuros Engenheiros-
Agrônomos possam nele se inserir como excelente alternativa
profissional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONFIM, F. P. G.; GOMES, J. A. O.; TEIXEIRA, D. A.; GUIMARAES, J. R. A.;
MING, L. C.; ALVES, M. J. Q. F. Contribuições agronômicas ao cultivo de
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Livraria e Editora, 2017. 168 p.
BRASIL. Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006. Aprova a Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e dá outras
providências. Diário Oficial da União: Brasília, Poder Executivo, 23 jun.
2006. 60 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 2.960, de 9 de
dezembro de 2008. Aprova o Programa Nacional de Plantas Medicinais
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DIAS, J. E.; LAUREANO, L. C. Farmacopeia popular do Cerrado – Articulação
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LORENZI, H.; MATOS, F. J. A. Plantas medicinais do Brasil: nativas e exóticas.
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MING, L. C.; SCHEFFER, M. C.; CORRÊA JR., C.; BARROS, I. G. I.; MATTOS, J. K.
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agronômica. v. 1. Botucatu, SP: Unesp, 1998. 217 p.
OITO

SILVICULTURA: ESPÉCIES NATIVAS E EXÓTICAS

Gleidson Guilherme Caldas Mendes, Glêison Augusto dos


Santos, Caio Varonill de Almada Oliveira, Alex Ferreira de
Freitas

A silvicultura é a arte do cultivo de espécies florestais com


o objetivo de atender às mais diversas necessidades do
homem, seja para a construção de casas, na produção de
madeira para móveis, lenha, celulose e moirões, seja como
produtos florestais não madeireiros (frutas, sementes,
cascas e folhas). É considerada umas das mais importantes
áreas de atuação do Engenheiro-Agrônomo.
A palavra silvicultura tem origem no latim e é formada pela
união de silva e cultura, que significam, respectivamente,
floresta e cultivo. De modo geral, o termo refere-se ao cultivo
de árvores e florestas e possui diversas definições.
Atualmente, a silvicultura é definida como negócio, ciência e
arte de cultivar árvores por meio do manejo racional e
sustentável, de modo a mitigar os impactos ambientais
negativos do cultivo e promover o desenvolvimento
econômico e social. Trata-se de atividade econômica ainda
em expansão, com demandas crescentes que geram divisas,
promovem a sustentabilidade, aumentam a qualidade de vida
da sociedade e induzem o desenvolvimento dos países para a
geração de emprego e renda e o equilíbrio ambiental pela
utilização de recursos sustentáveis.
A silvicultura propõe intervenções em florestas nativas ou
plantadas (povoamentos inequiâneos ou equi âneos), com o
objetivo de obter alto rendimento do produto de interesse e
com mínimo impacto negativo sobre o equilíbrio do
ecossistema (David et al., 2017). Seus avanços tecnológicos
buscam definir o momento e a forma de fazer as intervenções
na floresta. Para que um projeto de silvicultura tenha sucesso,
o planejamento e a implantação devem estar de acordo com
as várias etapas do processo, que abrangem estudo do clima,
determinação da espécie, escolha do material genético,
produção de mudas, preparo do solo, controle de pragas,
colheita planejada e tratos culturais e silviculturais.
A história da silvicultura no Brasil compreende três fases:
a primeira corresponde ao período de 1500-1965, do
descobrimento do Brasil até o início dos incentivos fiscais
concedidos ao florestamento e reflorestamento de áreas; a
segunda ocorreu na vigência dos incentivos fiscais
concedidos ao florestamento e reflorestamento de áreas, de
1966 a 1988; e a terceira iniciou-se depois dos incentivos
fiscais, em 1989, até os dias atuais.
Essa atividade florestal foi instalada no Brasil logo após o
seu descobrimento, com a exploração do pau-brasil, que, por
muito tempo, foi sua principal atividade econômica. Dessa
forma, tínhamos uma atividade florestal extrativista, nômade
e caracterizada por intenso desperdício de material lenhoso.
Na década de 1960, foi criado o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), incorporado ao atual
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). Nessa época, com o surgimento das
primeiras escolas de Engenharia Florestal no Brasil e a
implementação de facilidades fiscais ao florestamento e
reflorestamento (aprovadas em 1965 e iniciadas em 1966), o
setor florestal passou a ser tratado com maior atenção, e
essas atividades se tornaram operação de larga escala.
Com a criação do Programa de Incentivos Fiscais ao
Florestamento e Reflorestamento, o conjunto de atos
normativos (Leis, Decretos-Leis, Decretos e Portarias) federais
elaborados de 1965 a 1988, que instituíram e regulamentaram
os incentivos fiscais a essas atividades, e a demanda criada
pelo Programa Nacional de Papel e Celulose, pelo Programa de
Siderurgia a Carvão Vegetal e pelo Programa de Substituição
Energética, a área reflorestada do Brasil saltou de
aproximadamente 500 mil hectares, em 1964, para 5,9
milhões de hectares, em 1984.
O florestamento e o reflorestamento concentraram-se nos
Estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, representando
97,33% das árvores plantadas em 1970 e 88,76% das plantadas
em 1985. O gênero Pinus, representado principalmente pelas
espécies P. elliottii var. elliottii, P. taeda, P. patula, P. caribaea var.
hondurensis e P. oocarpa, e o gênero Eucalyptus, representado,
por sua vez, pelas espécies E. saligna, E. grandis, E. urophylla, E.
tereticornis, E. robusta e E. citriodora (atual Corymbia citriodora),
foram os mais plantados durante a vigência dos incentivos
fiscais (David et al., 2017).
Sabe-se que o Eucalyptus spp. foi introduzido no Brasil, no
século XX, pelo Engenheiro-Agrônomo Edmundo Navarro de
Andrade, que, em 1904, trouxe grande número dessa espécie
da Austrália. Nesse mesmo ano, Navarro de Andrade foi
contratado como diretor do Horto de Jundiaí pela Companhia
Paulista de Estradas de Ferro, com a missão de pesquisar qual
espécie florestal melhor serviria para o reflorestamento de
áreas desmatadas para a construção de ferrovias e também
para o fornecimento de madeira para postes, dormentes,
carvão e outras aplicações. Ele iniciou estudos comparativos
de 95 essências florestais, identificando o eucalipto como a
mais adequada. Já em 1910, em Rio Claro (SP), Navarro
plantou várias espécies de eucalipto e iniciou o trabalho de
viveiros em maior escala, com 123 espécies das 144 que
tentou introduzir em Jundiaí (SP).
As maiores e mais importantes introduções de espécies de
Pinus no Brasil são atribuídas ao botânico sueco Alberto
Loefgren, diretor do antigo Horto Botânico de São Paulo. No
início do século passado, foram notáveis seus trabalhos para
que coníferas fossem usadas para fins ornamentais. Na
década de 1950, houve algumas experiências do setor privado
e dos órgãos públicos com o objetivo de usar Pinus spp. para
fins produtivos, em razão da diminuição dos povoamentos
nativos da Araucaria angustifolia. Há evidências de que, por
volta de 1958, as cultivares P. elliottii var. elliottii e P. taeda já
estavam sendo estabelecidas em plantios com escala
comercial no Brasil; até a década de 1960, primeiro foram
introduzidas quase apenas espécies de Pinus spp. de clima
temperado. Somente mais tarde se iniciou a introdução de
coníferas com procedência tropical.
Com o fim dos incentivos fiscais em 1988, as grandes
empresas consumidoras de matéria-prima florestal,
principalmente as indústrias de papel e celulose e
siderúrgicas a carvão vegetal, reorganizaram seus
povoamentos florestais com o objetivo de reduzir custos.
Assim, com o apoio de governos estaduais, elas
incrementaram programas de incentivo ao reflorestamento
em pequenos e médios imóveis rurais. Houve ainda a
valorização da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico
visando a reduções nos custos de produção e melhorias nos
níveis de produtividade, proporcionando maior
competitividade no mercado.
Atualmente, o Brasil possui 7,84 milhões de hectares com
florestas plantadas, o que corresponde a 91% de toda a
madeira produzida para indústrias e 6,2% do PIB industrial do
País. O desenvolvimento de novas tecnologias busca o
aproveitamento de 100% das florestas, possibilitando novos
usos, como o etanol de segunda geração, uma nova geração
de bioplásticos, nanofibras, entre outros. Dessa forma, as
árvores são também provedoras de matéria-prima para outros
segmentos produtivos, como as indústrias automobilísticas,
farmacêuticas, químicas, de cosméticos, aeronáuticas, têxteis
e alimentícias.

8.1 PRODUÇÃO DE MUDAS FLORESTAIS


Os empreendimentos voltados para a produção de mudas
florestais, os viveiros, podem ser considerados o alicerce
da economia florestal do Brasil e do mundo, uma vez que
seu produto final (a muda) é o principal insumo de toda a
cadeia produtiva (Fig. 8.1).

FIG. 8.1 Viveiro de mudas florestais exóticas e nativas


Fonte: Gleidson Guilherme Caldas Mendes, 2017.

Os viveiros contribuíram, e contribuem, de forma direta


para que hoje o Brasil tenha mais de 9,2 bilhões de árvores
em desenvolvimento, com foco na produção de produtos
madeireiros e não madeireiros, proporcionando renda,
empregos e melhoria da qualidade de vida em perímetros
urbanos e rurais. Essa quantidade se refere apenas às cinco
espécies florestais mais relevantes economicamente, as quais
foram responsáveis por 12% das exportações do agronegócio
em 2017, movimentando mais de US$ 11,5 bilhões.
Entre as cinco espécies mais plantadas no Brasil estão
Eucalyptus spp., com 5,63 milhões de hectares, Pinus spp., com
1,58 milhão de hectares, Hevea brasiliensis, com 0,23 milhão de
hectares, Acacia mearnsii, com 0,16 milhão de hectares, e
Schizolobium amazonicum (o paricá), com 0,09 milhão de
hectares, o que representa 7,69 milhões de hectares
cultivados. Utilizando o espaçamento médio de plantio de
cada cultura, é possível estimar a quantidade de árvores em
desenvolvimento no Brasil. Esses dados demonstram a
relevância espacial e econômica das espécies florestais, sejam
exóticas (eucalipto, pínus e acácia), sejam nativas (seringueira
e paricá). Atualmente, a produção de mudas que alimentam
essa cadeia produtiva é baseada, sobretudo, em propagação
vegetativa de eucaliptocultura e heveicultura e propagação
seminífera de pínus, acácia e paricá.
A propagação vegetativa consiste em multiplicar
assexuadamente as plantas utilizando partes delas, como
brotações, gemas ou folhas, que darão origem a indivíduos
geneticamente idênticos ao doador. É a técnica mais adotada
em nível mundial, principalmente por sua maior efetividade
em capturar os ganhos genéticos aditivos e não aditivos
obtidos nos programas de melhoramento.
Já a propagação seminífera, mais tradicional, tem como
material propagativo as sementes e como pontos fortes a
variabilidade genética e a heterose entre indivíduos, o que
torna a espécie capaz de se adaptar a determinadas situações
desejadas, possibilitando trabalhar a conservação genética da
espécie. Esse tipo de propagação é a tecnologia mais usual
para a multiplicação de espécies florestais nativas voltadas
para a restauração de paisagens florestais. Nessas condições,
o foco é a conservação genética dos genes dessas espécies.
No caso de acácia, paricá e, em especial, pínus, a
propagação seminífera é marcada por grande quantidade de
tecnologias de multiplicação. Entre as principais inovações
tecnológicas aplicadas estão a inserção de ferramentas
gerenciais ligadas ao controle da qualidade fisiológica e
financeira das mudas, o cuidado com fatores ergonômicos
visando à máxima produtividade dos colaboradores e o
desenvolvimento de nutrição customizada para a espécie até
o melhoramento genético. Nesse ponto, o foco é a
recombinação da variabilidade genética entre populações do
gênero, através de cruzamentos ou da biotecnologia, em que
se obtêm novas variedades cada vez mais produtivas.
Já para a eucaliptocultura e a heveicultura, apesar de a
técnica de propagação das espécies e dos híbridos dos
gêneros ser a vegetativa, as tecnologias de multiplicação
massal são muito distintas. Com Eucalyptus, utiliza-se a
miniestaquia e, com Hevea brasiliensis, a enxertia via
borbulhia.
Contornar problemas de doenças e heterogeneidade da
floresta e obter maior produtividade dos plantios florestais
tornaram-se possíveis graças ao avanço tecnológico do
melhoramento florestal, que permitiu identificar e selecionar
indivíduos mais adaptados a determinadas regiões com
características favoráveis ao ganho de competitividade dos
setores produtivos. Isso também se deve, sobretudo, às
inovações tecnológicas ligadas à silvicultura clonal, que
permitiram a produção desses genótipos em grande escala.
Entre as principais inovações tecnológicas da propagação
clonal florestal estão o desenvolvimento do minijardim clonal
e de técnicas de micropropagação e a automação do processo
operacional. Tudo isso buscando o maior controle das
condições edafoclimáticas, o desenvolvimento de tecnologias
ligadas ao monitoramento nutricional, a implementação de
programas de gestão da qualidade e o manejo de pragas e
doenças (Fig. 8.2).
FIG. 8.2 Micropropagação de clones de Corymbia citriodora
Fonte: Gleidson Guilherme Caldas Mendes, 2018.

Independentemente da função, uso próprio versus


comercialização das mudas ou do pacote tecnológico e clonal
versus seminal, a viabilidade econômica do viveiro florestal
depende de um bom planejamento e de uma excelente
gestão.
Durante o planejamento de um viveiro florestal, ocorrem a
seleção da engenharia do processo e a definição dos
protocolos operacionais e das ferramentas da gestão da
produção (POP), além do dimensionamento de fatores como
área, mão de obra e capital. A viabilidade do negócio também
depende do conhecimento do mercado consumidor e das
exigências de órgãos fiscalizadores, no que se refere a
questões trabalhistas, ambientais e técnicas.
Essas e outras análises durante o planejamento do viveiro
irão conduzir o empreendimento a situações desejadas no
futuro, diminuindo os riscos de insucesso. As informações
referentes à engenharia do processo, que serão a base da
fixação dos protocolos, dizem respeito ao levantamento da
disponibilidade de tecnologias acessíveis à realidade do
empreendedor/viveirista e, principalmente, aceitas pelo
mercado consumidor.
As principais diretrizes para a formação de POP em um
viveiro florestal são a seleção do pacote tecnológico (clonal ×
seminal) e das embalagens (sacola plástica, tubete,
embalagem biodegradável) e a determinação dos clones ou
espécies, no caso de viveiros clonais e seminais,
respectivamente. A partir dessas diretrizes, buscam-se, com
os fornecedores, informações referentes a protocolos já
utilizados em regiões com características climáticas
semelhantes às do local de instalação do viveiro.
O entendimento dos protocolos e o desenvolvimento de
um canal de comunicação fluido entre os colaboradores
operacionais e a gerência do viveiro auxiliarão na melhoria
contínua dos processos produtivos, pois toda a experiência
dos colaboradores, em seus diferentes níveis organizacionais,
será direcionada para esse fim.
Entre os principais pontos do planejamento e a gestão das
unidades de produção de mudas florestais está o
conhecimento pleno das inovações disponíveis, como
equipamentos, insumos e estruturas, além de mecanismos
efetivos de transferência dessas tecnologias à equipe de
colaboradores e das ferramentas gerenciais do processo
operacional e do controle financeiro e contábil do viveiro
florestal.
Em viveiros florestais se utilizam, em sua maioria, os
tubetes como embalagem-padrão, sendo o volume variado de
acordo com a espécie: 54 cm3 para eucalipto, entre 110 cm3 e
280 cm3 para nativas para restauração, e sacos plásticos ou
citropotes para seringueira.
As principais funções da embalagem na propagação
florestal são a proteção do sistema radicular, a melhoria das
condições de fertilização, o aumento do tempo de estocagem
da muda e a facilidade no transporte das mudas em grandes
distâncias sem a perda da qualidade fisiológica, além de
maior sobrevivência dos plantios, uma vez que o sistema
radicular não sofrerá danos na logística de transporte até o
local de plantio.
Quanto aos substratos, há diversos disponíveis no
mercado, e em cada cultura é utilizado aquele que
proporciona maior ganho em produtividade. Os produtos
mais empregados na elaboração dos substratos são casca de
arroz carbonizada, vermiculita, fibra de coco e composto
orgânico de casca de pínus. A escolha do substrato deve ser
bem planejada, uma vez que esse insumo tende a influenciar
de forma direta os custos de produção, devido a diferentes
demandas de água e nutrientes.
Já a utilização de máquinas no processo produtivo é
opcional e está ligada à diminuição do custo com mão de
obra, que pode flutuar entre 55% e 85% do custo de produção
do empreendimento. Assim, em geral maior investimento
inicial se paga com a diminuição considerável do valor do
fluxo de caixa necessário. Entre as opções de máquinas
empregadas estão a higienizadora e esterilizadora de tubetes,
caixas/bandejas e a mesa vibratória utilizada para encher os
tubetes de forma homogênea.
Em relação aos fatores legais, recomenda-se estar atento
ao Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), que
estabelece normas para a proteção da vegetação nativa em
áreas de preservação permanente (APP), reserva legal (RL), uso
restrito, exploração florestal e assuntos relacionados. Um
viveiro florestal, assim como qualquer empresa, precisa de
um número no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, sendo
necessária a contratação de um contador. Se houver mais de
um sócio, recomenda-se também a assessoria de um
advogado para auxiliar na elaboração do contrato social,
forma jurídica e enquadramento tributário mais adequados
para a empresa.

8.2 PREPARO DO TERRENO


O plantio é uma das operações mais importantes para o
sucesso da implantação de florestas nativas ou exóticas.
Esse processo envolve um conjunto de atividades, desde a
escolha da área, a limpeza do solo e seu preparo até o
controle de pragas e doenças, até o momento que o
povoamento possa se desenvolver sozinho.
No planejamento do empreendimento florestal, é de
fundamental importância o preparo da área. Essa etapa
engloba as definições de vias de acesso e o
dimensionamento/posicionamento dos talhões, ações que
tendem a facilitar o plantio, os tratos culturais, a proteção
contra incêndios e o manejo para a retirada de madeira.
Entre os tratos culturais, tem-se verificado, em grande
parte dos empreendimentos florestais, a limitação nutricional
nos solos destinados ao plantio, em especial deficiência de
fósforo (P), potássio (K) e boro (B). Ganhos da ordem de 30% a
50% na produção de madeira são possíveis com a fertilização.
O fósforo possui efeitos significativos na produção de madeira
e, devido ao seu baixo poder de mobilidade no solo, deve ser
aplicado próximo ao sistema radicular das mudas em campo,
de modo uniforme, em filetes no sulco de subsolagem ou em
covetas laterais nas covas de plantio (Scheer et al., 2017).
A calagem é a adição de cálcio ao solo, necessária porque
esse elemento é indispensável para o funcionamento das
membranas celulares das plantas, garantindo a absorção de
nutrientes. O cálcio tem sido muito usado para a correção de
acidez do solo, para proporcionar melhor crescimento
radicular em camadas mais profundas e maior absorção de
água e nutrientes pelas raízes das plantas em decorrência do
aumento da sua concentração (Ca2+) e da precipitação de
Al3+. O recomendado é que a calagem seja realizada,
aproximadamente, 45 dias antes do plantio florestal.
O preparo do solo para plantios florestais pode ser
realizado de modo convencional, caracterizado pelo amplo
revolvimento das camadas superficiais do solo com aração e
gradagem, ou do modo chamado de cultivo mínimo, que se
baseia no preparo de solo restrito às linhas ou covas de
plantio para manter os resíduos culturais sobre o terreno. Este
último modo tem se destacado no setor florestal nos últimos
anos, por garantir melhor conservação do solo e de suas
propriedades, proporcionando aumento da ciclagem de
nutrientes e, consequentemente, a fertilidade do solo em
longo prazo (Scheer et al., 2017). Assim, o maquinário mais
utilizado nesse metódo é o subsolador, que revolve o solo até
uma profundidade de 30 cm, o que permite que o sistema
radicular atinja maiores profundidades, melhorando a
sobrevivência e o crescimento das mudas.

8.3 CONTROLE DE FORMIGAS-CORTADEIRAS


As saúvas (Atta) e as quenquéns (Acromyrmex),
pertencentes à tribo Attini, são as principais formigas-
cortadeiras encontradas nos plantios florestais e
representam uma perda de milhões de reais se não forem
controladas. Elas utilizam folhas novas, brotações e flores
como substrato para o cultivo do fungo, sua principal fonte
de alimentação.
Vários defensivos agrícolas na formulação formicida (iscas
granuladas, pós secos, pós solúveis e líquidos
termonebulizáveis) são utilizados no controle dessas
formigas, especialmente das saúvas. As iscas granuladas,
cujos princípios ativos são sulfluramida e fipronil, são as mais
utilizadas em povoamentos florestais, devido à sua fácil
aplicação e baixo custo.
Os tipos de combate mais comuns são o localizado
(aplicação de formicida direto sobre os ninhos) e o sistemático
(as iscas formicidas são distribuídas de forma sistemática na
área do plantio, independentemente da localização da praga).
Tais métodos de controle devem ser aplicados 30 a 60 dias
antes da limpeza da área para o plantio, por ser melhor a
visualização dos ninhos, especialmente do gênero
Acromyrmex, que têm colônias pequenas.
É importante a realização de monitoramentos periódicos
na plantação florestal, mesmo após o combate das formigas-
cortadeiras, sobretudo no primeiro ano de plantio, em razão
da grande vulnerabilidade das mudas.

8.4 CAPINA
A capina é necessária para a diminuição da competição
com plantas invasoras e pode ser feita com o auxílio de
herbicidas ou roçadeiras, antes e depois do plantio. Deve
ser realizada na área inteira e alguns dias antes do plantio.
O resíduo vegetal não precisa ser retirado da área (exceto
das linhas de plantio), pois possui grande importância na
manutenção da produtividade da floresta, por ser fonte de
matéria orgânica rica em nutrientes que, lentamente,
serão disponibilizados para as plantas. A capina também
deve ser executada por pelo menos três a quatro meses
após um ano do plantio, para evitar competição por
nutrientes disponíveis no solo.

8.5 PLANTIO FLORESTAL


O plantio é um dos passos mais determinantes para o
sucesso do empreendimento florestal e deve ser realizado
com o máximo controle técnico, para minimizar erros.
Recomenda-se fazer o plantio no início ou durante o
período chuvoso, devido à maior disponibilidade de água
no solo; algumas empresas florestais, todavia, o têm
realizado em todas as épocas do ano, usando irrigação ou
gel hidratado. Nessas situações, o ideal é a aplicação de
aproximadamente dois litros de água por planta.
O plantio florestal pode ser manual, semimecanizado ou
mecanizado. Os tipos mais utilizados são os dois últimos, por
serem menos nocivos à integridade física do trabalhador e
mais eficientes. No método semimecanizado, o principal
instrumento de trabalho é o motocoveador, que necessita de
grande força do trabalhador. Esse método ainda é muito
comum, especialmente em plantios com espécies florestais
nativas em pequenas propriedades. Já no método
mecanizado, o trabalhador fica sentado e despeja a muda
sobre a pequena cova.
Nos dois métodos, atenção especial deve ser dispensada à
retirada das embalagens (sacos plásticos e tubetes), a fim de
diminuir as chances de dobramento da parte radicular das
mudas. É importante que, no momento do plantio, a muda
seja colocada com o coleto no solo. Logo depois, deve-se
pressionar o solo ao redor da muda para eliminar bolsões de
ar.

8.5.1 ESPAÇAMENTO DE PLANTIO


Um fator de grande relevância em empreendimentos
florestais é o espaçamento de plantio, que influencia na
otimização do uso dos recursos disponíveis, na taxa de
crescimento, no valor e qualidade da madeira, no
recobrimento do solo, no manejo do povoamento e nos
custos de implantação e manutenção. No geral, o
espaçamento ótimo é aquele capaz de produzir o maior
volume de produto em tamanho, forma e qualidade
desejável, sendo dependente de fatores como a espécie, o
sítio e o potencial genético do material reprodutivo
utilizado.
Tab. 8.1 Espaçamentos de plantios de espécies florestais nativas e exóticas

Espécie Nome comum Espaçamento (em metros)

Eucalyptus spp. E. grandis e E. urophylla 3,0 × 3,0

Pinus spp. P. taeda, P. ellioti etc. 3,0 × 2,0

Hevea brasiliensis Seringueira 8,0 × 3,0

Acacia mearnsii Acácia-negra 3,0 × 1,5

Schizolobium amazonicum Paricá 3,5 × 3,5

Schizolobium parahyba Guapuruvu 3,0 × 2,0

Anadenanthera macrocarpa Angico 3,0 × 2,0

Inga marginata Ingá 1,5 × 1,5

Chorisia speciosa Paineira 1,0 × 1,0

Na Tab. 8.1 estão listados os espaçamentos comumente


utilizados em espécies florestais nativas e exóticas. A
definição do espaçamento ideal sempre será feita após a
escolha da espécie e do destino da madeira. Por exemplo,
quando a finalidade é a madeira para serraria, recomendam-
se espaçamentos mais longos, para proporcionar maior
incremento em diâmetro.

8.5.2 DESBASTES
O desbaste é a prática silvicultural responsável pela
eliminação de uma porcentagem de indivíduos do
povoamento, com a finalidade de conceder mais espaço
para crescimento dos indivíduos remanescentes,
favorecendo a chegada de luz às folhas dos estratos
inferiores da copa e diminuindo a competição por água e
nutrientes do solo. Inúmeras pesquisas têm sido
realizadas em busca da época e da intensidade mais
apropriadas para a aplicação dessa prática em várias
espécies e em diferentes sítios.
A intensidade do desbaste (porcentagem de indivíduos a
serem retirados) e o ciclo (período entre duas intervenções de
desbaste) devem ser definidos de acordo com características
técnicas e econômicas, observando os objetivos da produção e
as exigências do mercado para serraria, laminação, celulose e
papel (Santos et al., 2015).
O desbaste depende da qualidade do sítio e da espécie. O
plantio da teca (Tectona grandis), por exemplo, possui
densidade inicial de 1.000 a 2.000 árvores por hectare até o
quinto ano após o plantio; posteriormente, são realizados
desbastes seletivos com intensidade variando de 40% a 60%
do número de indivíduos por hectare. Em povoamentos
tropicais, o fechamento do dossel tem sido utilizado como
indicador da época de aplicação do desbaste, pela sua
correlação com a redução do crescimento em diâmetro.
Os desbastes são feitos por baixo e no alto, seletiva e
sistematicamente.

Desbaste por baixo


O desbaste por baixo é caracterizado pelo corte da maioria
das árvores das classes dominadas e subdominadas, ou
seja, aquelas cujas copas se encontram suprimidas em
níveis inferiores, restando apenas as árvores das classes
dominantes e codominantes. Três graus de intensidades
podem ser usados na aplicação desse método:
Leve: em que são retiradas as árvores doentes, mortas,
em estado de senescência, dominadas e
subdominadas.
Moderado: em que são retiradas as árvores indicadas
anteriormente e mais algumas codominantes que
apresentem defeitos na copa ou no tronco e estejam
com copa excessiva.
Forte a muito forte: em que são retiradas as árvores
indicadas nos graus anteriores e mais algumas
codominantes e dominantes com malformação,
deixando apenas as dominantes e com boa formação
para o corte final.

Desbaste no alto
Nessa modalidade, são cortadas as árvores dos estratos
médio e superior do povoamento para abrir espaço para as
que se encontram nos estratos inferiores e possuem
grandes diâmetros. O desenvolvimento pleno dessas
árvores gera mais valor ao produto no final do ciclo. Nesse
tipo de desbaste são consideradas duas intensidades
(Santos et al., 2015):
Leve: em que são retiradas todas as árvores doentes,
mortas, em estado de senescência, tortuosas e com
copa muito expandida.
Forte: em que são cortadas as árvores do grau anterior
junto com outras da classe superior que porventura
estejam dificultando o desenvolvimento das copas das
melhores árvores do povoamento.
Desbaste seletivo
O desbaste seletivo é caracterizado pela retirada de árvores
selecionadas que sejam dominantes, codominantes ou que
estejam mortas e doentes (Santos et al., 2015), visando
estimular as árvores das classes inferiores que possuem
maiores diâmetros (Figs. 8.3 e 8.4).

FIG. 8.3 Desbaste seletivo semimecanizado aplicado em paricá (Schizolobium


amazonicum) aos cinco anos de idade
Fonte: cortesia de Agust Sales, 2018.
FIG. 8.4 Desbaste seletivo mecanizado aplicado em plantio de pínus aos sete anos de
idade
Fonte: cortesia de Alisson Braun, 2018.

Desbaste sistemático
Esse desbaste é feito quando se dispõe de grande número
de indivíduos no povoamento. Deve ser aplicado com base
em um espaçamento predeterminado, sem considerar a
classe das copas e a qualidade das árvores. Por exemplo,
determina-se o corte de todos os indivíduos, de boa
qualidade ou não, da sétima linha de cada talhão, para
ampliar o espaço a fim de que outros indivíduos consigam
se desenvolver.

8.5.3 DESRAMA
A utilização da madeira proveniente de reflorestamento é
crescente e constitui alternativa viável para a diminuição
da pressão exercida sobre as florestas naturais, que foram
amplamente exploradas nas últimas décadas, o que
causou a extinção de muitas espécies endêmicas e de
grande valor econômico, social e ecológico.
As empresas de base florestal têm manejado suas florestas
plantadas procurando agregar qualidade à madeira para
atender a um mercado cada vez mais exigente. Todavia, o
aparecimento de nós e de bolsas de resinas que causam
defeitos tanto na aparência da madeira quanto em suas
propriedades mecânicas tem levado à busca de tratos
silviculturais visando ao melhor aproveitamento da madeira,
especialmente quando é para a serraria.
Entre os tratos silviculturais aplicados, a desrama tem sido
importante aliada na busca por madeira de qualidade, livre de
nós vivos e mortos, sem comprometer o crescimento das
árvores. A desrama é o fenômeno de queda e/ou retirada de
galhos do tronco de uma árvore. Pode ser natural,
principalmente em plantios ou em áreas de população
natural, com árvores muito adensadas que causam a
diminuição da entrada de luz no estrato inferior do dossel; e
também pode ser artificial, quando há intervenção do
homem.
A desrama artificial traz algumas vantagens para o
povoamento, como (i) permitir a entrada de maior quantidade
de luz na copa, em especial nas folhas dos estratos inferior e
médio do dossel, o que possibilita o aumento da fixação de
carbono pelas folhas remanescentes; (ii) beneficiar o
crescimento de árvores em áreas com défice hídrico, pois a
remoção de galhos com reduzida capacidade fotossintética
pode diminuir a superfície de transpiração e, assim,
contribuir com menor volume de água perdida para a
atmosfera; (iii) diminuir a conicidade, permitindo melhor
forma do fuste; e (iv) proporcionar maior proteção contra
incêndios florestais.
Vale mencionar que, para o sucesso na aplicação da
desrama, é necessário o conhecimento dos padrões de
crescimento das árvores, para facilitar o planejamento e
indicar a frequência e intensidade da intervenção. A aplicação
de desrama severa pode ser prejudicial ao crescimento em
diâmetro, altura e volume, devido à redução da área
fotossintética.
Para a aplicação da técnica de desrama artificial, é
fundamental considerar a quantidade de galhos e/ou folhas
retiradas do tronco, levando-se em conta uma porcentagem
em relação à altura total da árvore ou a altura da desrama em
relação ao solo. Intensidade de desrama de até 40% a uma
altura de 6 m tem sido recomendada para as espécies de Pinus
e Eucalyptus com 20 a 25 meses de idade, para não ocasionar
perdas de densidade básica da madeira e proporcionar menor
aparecimento de nós e conicidade nas árvores.

8.6 COLHEITA FLORESTAL


A colheita florestal abrange um conjunto de operações
efetuadas no povoamento florestal com a finalidade de
preparar e levar a madeira até o local de transporte,
utilizando técnicas e padrões preestabelecidos: o corte
(derrubada, desgalhamento e traçamento), a extração
(retirada da madeira de dentro dos talhões de corte,
deixando-a na beira da estrada) e o carregamento (a
madeira que já está na beira da estrada é colocada em
caminhões para o transporte até o pátio das fábricas).
Essas operações somam aproximadamente 50% do custo
final da madeira posta no local de utilização, em que
61,86% são dispensados ao corte e à extração, 17,28%, ao
carregamento, e 20,86%, ao descarregamento.
A partir da década de 1970, o setor florestal brasileiro
sofreu inúmeras alterações em razão da fabricação de
maquinários leves (motosserras, tratores agrícolas equipados
com pinça hidráulica traseira, skidders e autocarregáveis), que,
aos poucos, foram substituindo a colheita manual. Já na
década de 1980, a grande novidade foi a fabricação dos feller-
bunchers de tesoura e sabre, montados em triciclos de grandes
desgalhadoras. Todavia, somente a partir dos anos 1990 é que
houve uma real intensificação da colheita mecanizada, por
causa da abertura do País às importações. Tal política
possibilitou que as empresas nacionais comprassem
tecnologia estrangeira, o que resultou em ganhos
significativos na utilização da mão de obra, diminuição dos
acidentes de trabalho e, por conseguinte, bons resultados
econômicos.
A etapa de colheita, mesmo com o advento de novos
maquinários, ainda representa um dos processos mais
onerosos do setor florestal, devendo o silvicultor trabalhar
com estratégias adequadas para minimizar os riscos de
perdas. Uma colheita florestal planejada e executada com
rigorosos critérios técnicos não só causa baixo impacto
ambiental nos meios físicos, bióticos e antrópicos, como
também proporciona significativa redução nos custos totais
da colheita. Portanto, é de extrema importância uma análise
detalhada dos custos dos diferentes métodos de colheita, o
que possibilitará seu entendimento e contribuirá para a
tomada de decisão com o objetivo de diminuir custos e
impactos ambientais.
Na escolha do sistema de colheita, devem-se levar em
consideração os seguintes fatores: a experiência e habilidade
da mão de obra, a espécie florestal com que se deseja
trabalhar, a finalidade do uso da madeira, a produtividade, a
distância de arraste, o transporte, o desempenho da máquina,
o capital requerido, a característica do terreno e o recurso
financeiro disponível para a execução das atividades.
São dois os tipos de sistema de colheita florestal:
Sistema de toras longas: envolve o corte e o
desgalhamento das árvores no local de abate, o
transporte e o posterior processamento à margem da
estrada ou no pátio de estocagem. A combinação
skidder e feller-buncher tem proporcionado bons
resultados nesse sistema.
Sistema de toras curtas: as árvores são cortadas,
desgalhadas e processadas em toras com dimensões
conforme o seu uso final, no próprio local de abate.
Nesse tipo de sistema, a combinação de harvester e
forwarder é recomendada para um bom desempenho.

Atualmente, a silvicultura brasileira é destaque mundial


em produtividade, competitividade, sustentabilidade e
inovação, sobretudo no que se refere às espécies dos gêneros
Eucalyptus e Pinus, fruto das condições edafoclimáticas e da
tecnologia desenvolvida pelas empresas e instituições de
pesquisa do País. O planejamento da colheita de madeira e da
logística de máquinas e a otimização da sequência de
execução do corte dos talhões são etapas fundamentais para
manter esse status, pois possibilitam diminuir a distância de
deslocamento entre as unidades de corte e,
consequentemente, aumentar a produtividade e diminuir os
custos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAVID, H. C.; NETTO, S. P.; ARCE, J. E.; CORTE, A. P. D.; FILHO, A. M.;
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2017.
NOVE

AGRICULTURA ORGÂNICA E AGROECOLOGIA

Jacimar Luis de Souza, João Batista Silva Araújo

As tecnologias agrícolas mais usuais atualmente são


aquelas embasadas no preparo do solo; na utilização de
adubos minerais e defensivos agrícolas para o controle de
pragas, doenças e plantas daninhas; e no emprego de
cultivares de alta resposta a fertilizantes e defensivos
agrícolas. Em geral, esse modelo é denominado agricultura
convencional, porém tal termo não é apropriado. Talvez
outras designações, como agricultura reducionista (em
contraposição ao uso de práticas de convivência), intensiva
(de recursos externos), produtivista (com foco na
maximização da produção) ou de base agroquímica,
seriam mais adequadas. Entretanto, por falta de um termo
cunhado para essa agricultura hegemônica moderna,
utiliza-se a designação “convencional”, por ser usual.
Em termos globais, é inegável que a agricultura
convencional proporciona aumentos significativos de
produtividade, com o objetivo de maximizar a produção, mas
deixa em segundo plano a dinâmica ecológica dos
agroecossistemas, base fundamental para a sustentabilidade
agrícola de longo prazo (Gliessman, 2000; Altieri, 2002).
O tema agroecologia suscita a comparação com o modelo
convencional, o que ocorre de forma natural. É importante
que esse debate seja desenvolvido na universidade, nas suas
atividades de ensino, pesquisa e extensão, buscando a
sustentabilidade da agropecuária em todos os seus aspectos
econômicos, sociais e ambientais. Do ponto de vista
ambiental, os recursos naturais não renováveis, como os
adubos minerais e os combustíveis fósseis, e a contaminação
gerada por defensivos agrícolas também suscitam a discussão
de limites. Nesse sentido, o que é momentaneamente
econômico pode se tornar inviável tanto pelo esgotamento
dos recursos quanto por problemas de contaminação.
Em contraposição ao modelo agrícola atual, encontra-se a
visão agroecológica de produzir alimentos com maior
responsabilidade ambiental e social. A busca de melhoria da
qualidade de vida faz com que a população aumente a
demanda pelos alimentos com apelo ecológico, em especial
os orgânicos. Reflexo disso é que as estatísticas têm revelado
crescimento constante do mercado mundial de produtos
orgânicos, que avança a uma taxa anual de 10% a 30%.
A agroecologia é uma importante área de atuação
profissional do Engenheiro-Agrônomo. Caporal e Costabeber
(2004) apresentam algumas explicações que fazem
importante distinção entre agroecologia e agricultura
orgânica. Primeiro, é necessário compreender alguns
equívocos conceituais que podem prejudicar o avanço da
agroecologia, em razão do reducionismo conceitual, tático e
estratégico. Segundo, a agroecologia é caracterizada como
ciência, e não como um modelo de agricultura, pois isso
denota o enorme reducionismo do significado mais amplo do
termo, que estabelece as bases para a construção de estilos de
agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento
rural sustentável. Portanto, agroecologia refere-se a uma
disciplina que engloba vários sistemas de produção, entre
eles a agricultura orgânica.
Surgiram, ao longo do século XX, muitos modelos de
produção agrícola de base agroecológica, com distintas
especificidades. Souza e Resende (2014) caracterizam os seis
principais: agricultura orgânica, agricultura biológica,
agricultura ecológica, agricultura natural, agricultura
biodinâmica e permacultura. Este capítulo foca
prioritariamente nos princípios, nas técnicas e nas práticas
no âmbito da agricultura orgânica, a partir do marco legal
vigente, a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, para
repassar um entendimento técnico e acadêmico da sua
natureza.
O conceito de agricultura orgânica, estabelecido em 1984
pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, é:

Agricultura orgânica é um sistema de produção que evita ou exclui


amplamente o uso de fertilizantes, defensivos agrícolas,
reguladores de crescimento e aditivos para a produção vegetal e
alimentação animal, elaborados sinteticamente. Tanto quanto
possível, os sistemas agrícolas orgânicos dependem de rotações de
culturas, de restos de culturas, estercos animais, de leguminosas,
de adubos verdes e de resíduos orgânicos de fora das fazendas,
bem como de cultivo mecânico, rochas e minerais e aspectos de
controle biológico de pragas e patógenos, para manter a
produtividade e a estrutura do solo, fornecer nutrientes para as
plantas e controlar insetos, ervas invasoras e outras pragas (Ehlers,
1996).

Segundo Paschoal (1994), a agricultura orgânica também


pode ser definida como:

um método de agricultura que visa o estabelecimento de sistemas


agrícolas ecologicamente equilibrados e estáveis, economicamente
produtivos em grande, média e pequena escalas, de elevada
eficiência quanto à utilização dos recursos naturais de produção e
socialmente bem estruturados que resultem em alimentos
saudáveis, de elevado valor nutritivo e livres de resíduos tóxicos, e
em outros produtos agrícolas de qualidade superior, produzidos
em total harmonia com a natureza e com as reais necessidades da
humanidade.

Em termos conceituais, há entendimentos controversos


desse modelo de produção adotado na agricultura orgânica.
Muitas vezes, ele é entendido erroneamente como a
agricultura que não faz uso de produtos químicos. Também
há a falsa crença de que ele representa um retrocesso a
práticas antieconômicas de décadas passadas e à produção
exclusiva de subsistência, usando métodos agronômicos já
superados. Embora os agricultores orgânicos não usem
defensivos agrícolas sintéticos, fertilizantes solúveis,
hormônios, sulfas, aditivos e outros produtos químicos e
utilizem várias práticas que foram muito eficientes no
passado, o conceito é bem mais amplo do que isso. Também
se empregam métodos e práticas muito modernos,
desenvolvidos em sofisticado e complexo sistema de técnicas
agronômicas, cujo objetivo principal não é a exploração
econômica imediatista, mas sim a exploração econômica por
longo prazo, mantendo o agroecossistema estável e
autossustentável. Leis e princípios ecológicos e de
conservação de recursos naturais são parte integrante desses
métodos. As questões sociais são prioritárias, procurando-se
preservar métodos agrícolas tradicionais apropriados ou
aperfeiçoá-los (Souza; Resende, 2014).
A agricultura orgânica procura atuar em equilíbrio com a
natureza, produzindo alimentos e produtos sadios e
ecologicamente sustentáveis. É um sistema de produção
agrícola, de base agroecológica, que prima pelo manejo da
propriedade rural como um organismo agrícola complexo e
interativo, visando maximizar o fluxo de nutrientes e reduzir
custos operacionais. Componentes da paisagem e do
ecossistema natural preservados, culturas permanentes,
culturas temporárias, criações, corredores ecológicos e zonas
de refúgio, entre outros, são desejáveis para o sucesso da
atividade (Souza, 2015).

9.1 SUSTENTABILIDADE E OBJETIVOS DA AGRICULTURA ORGÂNICA


Enquanto na produção convencional é dada ênfase à
sustentabilidade econômica, alcançada por meio da adição
constante de insumos dos mais variados tipos ao sistema
produtivo, na produção orgânica a sustentabilidade é
focada de modo integrado às dimensões sociais,
econômicas e ambientais. Assim, sua prática parte de uma
concepção que considera os contextos socioeconômico e
cultural das pessoas envolvidas na produção, além do
respeito ao direito da população de consumir alimentos
saudáveis.
Na sua dimensão ambiental, a sustentabilidade da
agricultura orgânica está relacionada com sua
fundamentação em princípios ecológicos, como a utilização
de espécies e variedades adaptadas à zona agroecológica, a
conservação da biodiversidade, a recuperação e manutenção
da fertilidade do solo mediante processos biológicos e o
manejo natural, biológico e cultural de pragas, doenças e
plantas daninhas. Comparados ao método convencional, os
métodos alternativos de produção são considerados
ambientalmente mais sustentáveis, pelo fato de otimizarem o
uso dos recursos produtivos locais, serem menos
dependentes de insumos externos e minimizarem o uso de
fontes de energia não renováveis.
A agricultura orgânica congrega objetivos amplos e
diversos, conforme relatado por Souza (2015):
Desenvolver e adaptar tecnologias às condições
sociais, econômicas e ecológicas de cada região.
Trabalhar a propriedade rural dentro de um enfoque
sistêmico, como um organismo agrícola, primando
pela interatividade entre todas as suas atividades.
Fornecer alimentos saudáveis à população, sem
resíduos químicos e com alto valor biológico, como
forma de contribuir verdadeiramente para melhorar a
saúde e a qualidade de vida das pessoas.
Promover a diversificação da flora e da fauna dos
agroecossistemas.
Reciclar os nutrientes essenciais às plantas, tanto por
meio de mobilizações no sistema solo/planta quanto
pela fixação biológica.
Promover o equilíbrio ecológico das unidades de
produção da propriedade e buscar a saúde do
organismo agrícola como um todo.
Preservar o solo, evitando a erosão e conservando suas
propriedades físicas, químicas e biológicas.
Manter a qualidade da água, evitando contaminações
por produtos químicos ou biológicos nocivos.
Controlar os desequilíbrios ecológicos pelo manejo
fitossanitário e uso de agentes de controle biológico.
Buscar a produtividade ótima, e não a máxima.
Promover a autossuficiência econômica e energética
da propriedade rural.
Organizar e melhorar a relação entre os produtores
rurais e os consumidores.
Preservar a saúde dos produtores rurais com o
exercício de uma agricultura limpa e dinâmica.
Promover o sequestro de carbono atmosférico por
meio da fotossíntese e do manejo de biomassa e
resíduos, de forma a manter e/ou elevar o estoque de
carbono do agroecossistema.

9.2 CONVERSÃO PARA SISTEMAS ORGÂNICOS DE PRODUÇÃO


O desafio de criar agroecossistemas sustentáveis é
alcançar uma condição de equilíbrio que se assemelhe à
dos ecossistemas naturais, mantendo a produção a ser
colhida. Um agroecossistema que incorpora ações
constantes visando a estabilidade, equilíbrio e
produtividade poderá assegurar total ou parcialmente a
manutenção do equilíbrio dinâmico necessário para
estabelecer uma base ecológica de sustentabilidade. O
processo de conversão de uma propriedade rural como um
todo pode ser complexo, exigindo mudanças nas práticas
de campo, na gestão da unidade de produção agrícola em
seu dia a dia, no planejamento, na comercialização e na
filosofia das pessoas. A conversão humana em si é parte
fundamental desse processo.
No sentido de atender apropriadamente aos princípios
agroecológicos, Gliessman (2000) propõe pontos orientadores
para a conversão de propriedades agrícolas em sistemas
agroecológicos, destacando-se:
Mudar o manejo de nutrientes, cujo fluxo passa, por
meio do sistema, para um manejo baseado na
reciclagem de nutrientes, com uma crescente
dependência em relação a processos naturais, como a
fixação biológica do nitrogênio e as relações com
micorrizas.
Usar fontes renováveis de energia em vez das não
renováveis.
Eliminar o uso de insumos sintéticos não renováveis
oriundos de fora da unidade produtiva.
Quando necessário, adicionar materiais ao sistema de
produção, usando aqueles que ocorrem naturalmente
em vez de insumos sintéticos manufaturados.
Manejar pragas, doenças e ervas espontâneas em vez
de “controlá-las”.
Restabelecer as possíveis relações biológicas que
possam ocorrer naturalmente na unidade produtiva
em vez de reduzi-las ou simplificá-las.
Estabelecer combinações mais apropriadas entre
padrões de cultivo, potencial produtivo e limitações da
paisagem agrícola.
Usar uma estratégia de adaptação do potencial
biológico e genético das espécies de plantas agrícolas e
animais às condições ecológicas da unidade produtiva
em vez de modificá-las para satisfazer às necessidades
das culturas e dos animais.
Enfatizar a conservação do solo, da água, da energia e
dos recursos biológicos.
Incorporar a ideia de sustentabilidade de longo prazo
no desenho e manejo geral do agroecossistema.

A seguir são descritas as diretrizes para a realização do


processo de conversão das propriedades para sistemas
orgânicos de produção:

1. A prática da agroecologia é um processo que passa por


várias dimensões ou etapas importantes. Conforme já
mencionado, uma delas é a conversão, o período de
transição necessário para a propriedade passar do modelo
convencional para o sistema orgânico, ou seja, constituir
um agroecossistema.
2. Por conversão se entende um processo gradual e
crescente de desenvolvimento interativo na propriedade
até se chegar a um agroecossistema. Está orientada para a
transformação do conjunto da unidade produtiva de
forma gradual até que se cumpra o processo. Em relação à
certificação, ela só é obtida quando for cumprido o
conjunto de requisitos para a produção orgânica,
atendendo às normas prescritas pelas entidades
certificadoras. A transição deve ser feita a partir de
pequenas glebas, iniciando-se pelas áreas mais
apropriadas a um processo crescente. Essa etapa, ou fase,
do processo contempla pelo menos três dimensões
principais: educativa, biológica e normativa.
3. O processo deve ser conduzido em sequência lógica e
explícita. Esse projeto basicamente constitui-se de um
diagnóstico de toda a propriedade, que inclua o
levantamento de todos os recursos disponíveis, das
relações sociais e comerciais que ela mantém, assim
como da ocupação da área e do respectivo rendimento
físico e econômico.
4. As principais dificuldades ou entraves devem ser
identificadas, assim como o potencial da propriedade.
Nessa fase, são conhecidas as necessidades do agricultor,
incluindo a sua capacitação. O projeto deve incluir um
cronograma e um fluxograma das atividades,
estabelecendo-se metas claras e viáveis.
5. O aspecto comercial é também extremamente importante
nesse processo. Um projeto bem feito não poderá
prescindir dessa fase ou etapa. Os canais de
comercialização devem ser previamente identificados e
definidos.
6. A certificação no Brasil é uma imposição legal (não é
opcional) que obriga o agricultor a contratar uma
certificadora para comercializar os seus produtos como
orgânicos, com potencial para atingir mercados
diferenciados. A área, ou propriedade, estará convertida
quando tiver cumprido os prazos e as prescrições
previstas nas normas, a partir do que estará habilitada a
receber o selo de qualidade. Entretanto, alguns
profissionais entendem que deveriam existir mecanismos
que permitissem ao agricultor se autodeclarar legalmente
como produtor orgânico, além da alternativa de poder
pagar pela certificação por auditoria para acesso a
mercados mais distantes do local de produção.

9.3 PRINCÍPIOS DOS SISTEMAS ORGÂNICOS DE PRODUÇÃO VEGETAL


Os princípios aqui relatados têm foco na produção
orgânica vegetal, não sendo descrito o manejo de animais
em sistema orgânico. Souza (2015) relata que tais
princípios permitem o exercício pleno da agricultura
orgânica e podem viabilizar a produção de alimentos
pertinentes, com bons níveis de produtividade e
rentabilidade e em harmonia com a natureza.

a) Redesenhar os agroecossistemas a partir da


diversificação
A monocultura representa um dos maiores problemas do
modelo agrícola praticado atualmente, porque simplifica o
agroecossistema, favorece o domínio de poucas espécies,
altera a dinâmica das cadeias tróficas e,
consequentemente, diminui a biodiversidade local. Assim,
as pragas e doenças podem ocorrer de forma mais intensa
sobre uma monocultura, o que torna o sistema de
produção mais instável e sujeito às adversidades do meio.
Em oposição a essa prática, a integração de atividades e a
diversificação de culturas são os pontos-chave para a
manutenção da fertilidade dos sistemas, para o controle
de pragas e doenças e para a estabilidade do
agroecossistema. A propriedade orgânica não pode ser
entendida apenas como um local onde há o aporte de
insumos e a exportação de produtos, mas sim como um
organismo vivo, com sistemas integrados que interagem
positivamente entre si, como solo, animais, árvores e
plantas cultivadas.

b) Proporcionar condições para o equilíbrio ecológico


Em sistemas orgânicos de produção, o equilíbrio ecológico
que ocorre entre os macros e micro-organismos é de
fundamental importância para manter as populações de
pragas e doenças em níveis que não causem danos
econômicos às culturas comerciais. O manejo
agroecológico possibilita a produção de alimentos em
harmonia com a natureza.

c) Usar e resgatar variedades adaptadas


Um dos princípios fundamentais da agroecologia e da
agricultura orgânica é a preservação de sementes e
propágulos de espécies adaptadas aos diversos
agroecossistemas locais, como forma de aumentar e
conservar a biodiversidade genética das sementes,
fortemente reduzida nas últimas décadas. A multiplicação
e a seleção de plantas em sistemas orgânicos auxiliam na
manutenção e obtenção de materiais genéticos mais
tolerantes a pragas, patógenos e estresses ambientais,
refletindo significativamente na redução dos custos de
produção e na estabilidade produtiva dos campos de
produção orgânica de alimentos. Para algumas culturas,
como o tomate, a multiplicação e o uso de variedades
locais são fatores fundamentais para maior segurança e
viabilidade técnico-econômica da cultura.

d) Considerar a teoria da trofobiose


A teoria da trofobiose afirma que todo ser vivo só
sobrevive se houver alimento adequado e em quantidade
suficiente. A planta, ou parte dela, só será atacada por um
inseto, ácaro, nematoide, fungo ou bactéria, a ponto de
causar danos econômicos, quando houver na sua seiva o
alimento de que eles precisam, sobretudo aminoácidos. O
tratamento inadequado de uma planta, especialmente
com substâncias de alta solubilidade, causa elevação
excessiva de aminoácidos livres. Portanto, o manejo com
matéria orgânica e o uso de insumos de baixa solubilidade
permitem um metabolismo equilibrado das plantas em
sistema orgânico, reduzindo riscos de pragas e doenças.

e) Manejar ecologicamente o solo


Na agricultura orgânica, o solo deve ser considerado um
organismo vivo e um sistema complexo que abriga uma
diversidade de fauna e flora indispensável para a
sustentabilidade do agroecossistema, e não apenas um
suporte de plantas ou reservatório de nutrientes. O manejo
ecológico do solo inicia-se com a conservação da água e a
exclusão da queimada do sistema, e finaliza com a
construção de uma fertilidade duradoura e uma nutrição
equilibrada das plantas pela manutenção do solo
enriquecido organicamente. O manejo ecológico do solo é
alcançado pela implementação de técnicas que promovam
o enriquecimento da plantação, utilizando, na maioria das
vezes, recursos naturais presentes na propriedade, como
compostagem, adubação verde, plantas de cobertura e
plantio direto na palha.

f) Produzir biomassa local e reciclar matéria orgânica


A matéria orgânica exerce importantes efeitos benéficos
sobre as propriedades físicas, químicas e biológicas do
solo, contribuindo substancialmente para o crescimento e
desenvolvimento das plantas. Empregar sistemas que
utilizem o processo da fotossíntese para fixação de
carbono e nitrogênio, além da mobilização de nutrientes
essenciais no perfil do solo, torna-se fundamental (Fig.
9.1). Esses sistemas, complementados por processos de
compostagem e outros meios de decomposição da matéria
orgânica, geram adubos orgânicos e disponibilizam os
nutrientes necessários à autossustentação da propriedade
agrícola de base agroecológica.
FIG. 9.1 Produção de biomassas ricas em carbono (capineiras) e em nitrogênio
(legumineiras), para a geração de resíduos orgânicos na propriedade de base ecológica,
que viabiliza a produção local de adubo orgânico em quantidade
Fonte: Souza (2015).

9.4 MÉTODOS E PRÁTICAS USUAIS NA PRODUÇÃO ORGÂNICA VEGETAL


O manejo recomendado na produção orgânica vegetal
compreende técnicas que conduzem ao uso equilibrado do
solo, promovem balanço adequado entre as entradas e
saídas de nutrientes e mantêm a fertilidade duradoura do
sistema. Os manejos cultural e fitossanitário devem ser
realizados com critérios técnicos. Nesse sentido, nos
tópicos subsequentes se destacam os métodos e as
práticas de produção.

9.4.1 PREPARO DO SOLO COM MÍNIMO IMPACTO


Realizar o preparo do solo e preservar sua estrutura
significa usar técnicas de cultivo mínimo e plantio direto
na palha, sem arações e gradagens, com equipamentos e
implementos de manejo de plantas de cobertura de solo,
como roçadeiras, rolo-faca, trituradores, entre outros.
Assim, uma camada de palha sobre o terreno, além de
protegê-lo contra o impacto direto das chuvas intensas,
que podem provocar erosões severas, dificulta o
nascimento da vegetação espontânea, devido à redução da
iluminação, e ainda contribui para diminuir o
aquecimento excessivo do solo e a emissão de CO2,
principal gás causador do efeito estufa.

9.4.2 ADUBAÇÃO ORGÂNICA


Sistemas orgânicos devem utilizar adubos na forma de
esterco de animais, compostos orgânicos ou outras fontes
recomendadas pelas normas técnicas de produção. A
elaboração de composto orgânico na propriedade é
estratégia para obter um adubo orgânico de alta qualidade
e baixo custo.

9.4.3 ADUBAÇÃO VERDE


Uma das técnicas essenciais na agricultura orgânica é o
emprego de plantas melhoradoras de solo, como as
leguminosas para a fixação biológica de nitrogênio e as
gramíneas para a fixação de carbono e a melhoria da
estrutura física do solo. Essas espécies, desde plantas
herbáceas até árvores, podem ser utilizadas em cultivos
solteiros ou consorciados. A adubação verde consiste no
cultivo de plantas enriquecedoras do sistema de produção,
as quais conferem aumento de produtividade de até 50%,
com melhoria significativa no padrão comercial do
produto orgânico.

9.4.4 COBERTURA VIVA E COBERTURA MORTA DO SOLO


O emprego de espécies vegetais para cobertura viva e
resíduos para cobertura morta do solo proporciona sua
proteção contra insolação excessiva e erosão, retenção de
umidade, economia de água, ativação biológica do solo e
favorecimento do desenvolvimento das plantas. Essas
múltiplas funções desempenham papel fundamental na
saúde do sistema, especialmente daqueles que manejam
intensivamente o solo com culturas de ciclo curto, como a
olericultura orgânica.

9.4.5 MANEJO DE PLANTAS DANINHAS


Na agricultura orgânica, o manejo das plantas daninhas de
forma associada aos cultivos comerciais é fundamental
para a preservação de hábitats e pode constituir locais
para refúgio de predadores e, consequentemente,
influenciar no equilíbrio ecológico. Essa prática também
auxilia na proteção do solo e na ciclagem de nutrientes. O
manejo deve ser realizado por meio de corredores de
refúgio e capina em faixa, de modo a evitar a concorrência
das plantas daninhas com a cultura de interesse comercial
e mantê-las parcialmente no sistema. Esses pequenos
hábitats servirão, por exemplo, para abrigar predadores de
pragas agrícolas, como vespas, aranhas, sapos, rãs e outros
animais fundamentais para a manutenção da cadeia
alimentar do ecossistema local (Souza; Resende, 2014).
9.4.6 ADUBAÇÕES SUPLEMENTARES COM BIOFERTILIZANTES LÍQUIDOS
O emprego de biofertilizantes pode ser realizado via solo
ou via foliar, de preferência utilizando soluções preparadas
com recursos locais. O uso de biofertilizantes enriquecidos
com minerais e de biofertilizantes preparados apenas com
esterco bovino fresco e água são opções bastante
eficientes. Além desses, chorumes preparados à base de
composto orgânico e biofertilizantes líquidos enriquecidos
com vegetais ricos em nitrogênio e cinzas são muito
utilizados (Souza; Resende, 2014).

9.4.7 ADUBAÇÕES AUXILIARES COM FERTILIZANTES MINERAIS DE


BAIXA SOLUBILIDADE

O uso de adubos minerais de baixa solubilidade que não


alteram o equilíbrio do sistema solo-planta é prática
importante nos sistemas orgânicos. Geralmente, utilizam-
se pós de rocha de várias fontes, a exemplo dos fosfatos
naturais empregados para a correção de deficiência de
fósforo nos sistemas produtivos. Também são bastante
úteis para a remineralização de solos muito
intemperizados, comuns em regiões tropicais, pois repõem
microelementos importantes para a nutrição e o equilíbrio
fitossanitário das plantações orgânicas.

9.4.8 PRÁTICAS DE ROTAÇÃO DE CULTURAS, CONSÓRCIOS E SISTEMAS


AGROFLORESTAIS (SAFS)

O emprego de técnicas de associações de plantas por meio


de policultivos, sistemas de consórcio, quebra-ventos,
entre outras, é imprescindível em sistemas orgânicos. O
manejo policultural que congrega técnicas e práticas
associativas, como os sistemas agroflorestais (SAFs),
sucessionais ou não, é fundamental para aumentar a
eficiência produtiva e econômica dos sistemas de
produção, além de contribuir significativamente para o
manejo preservacionista e ecológico do solo (Fig. 9.2).

FIG. 9.2 Policultivo de (A) hortaliças, (B) consórcio de café, coco e abacaxi e (C) cultivo de
café, pupunha, árvores e SAF
Fonte: Souza (2015).

O uso de espécies como quebra-ventos, a exemplo de


arbustos e árvores, também é prática de manejo cultural
muito utilizada e pode aumentar em até 20% a produtividade
em locais onde os ventos são intensos, como regiões
litorâneas, planícies e planaltos. Nessas áreas, a atuação do
vento eleva a taxa de evapotranspiração das plantas e, por
consequência, os gastos com irrigação. Para conter essa
perda, espécies como bananeira, sabiá, acácia e eucalipto são
plantadas em linhas de acordo com a posição do vento,
formando uma barreira natural na lavoura. Essas árvores
ainda possuem outras finalidades, como a produção de
madeira e frutos e a função de abrigo e ambiente para pouso e
nidificação para pássaros, que podem ser predadores de
pragas agrícolas.

9.4.9 MANEJO E CONTROLE ALTERNATIVO DE PRAGAS E PATÓGENOS


O manejo ecológico de pragas e patógenos na agricultura
orgânica inicia-se com o emprego de medidas de
prevenção, que começam no planejamento e diversificação
do sistema. Além disso, usam-se medidas culturais
preventivas apropriadas a cada cultura ou criação, bem
como técnicas e práticas de controle biológico, caldas,
extratos de plantas, óleos vegetais, entre outros, conforme
mostrado na Fig. 9.3 (Souza; Resende, 2014).
FIG. 9.3 Técnicas, processos e produtos alternativos de controle de pragas e doenças na
gricultura orgânica
Fonte: Souza e Resende (2014).

9.4.10 MANEJO DE COLHEITA E PÓS-COLHEITA


No manejo dos produtos orgânicos na fase de colheita,
devem-se adotar medidas preventivas, como a colheita no
ponto correto de maturação e o uso de implementos
isentos de patógenos. No pós-colheita, devem ser seguidos
procedimentos de higiene e técnicas de controle de
contaminação com produtos autorizados pela legislação
para produtos orgânicos certificados. No processo de
lavagem e limpeza dos produtos, deve-se utilizar água de
boa qualidade. No setor de pós-colheita, mesas e bancadas
devem ser limpas e higienizadas, para evitar
contaminações. No processamento, também não se
empregam aditivos, conservantes ou outros métodos que
possam prejudicar a saúde humana.

9.5 LEGISLAÇÃO, CERTIFICAÇÃO E COMÉRCIO


Na agricultura orgânica, o sistema de produção baseia-se
em normas técnicas rigorosas para preservar
integralmente a qualidade do produto, considerando,
inclusive, as relações sociais e trabalhistas envolvidas no
processo produtivo. Em 2009, o Brasil regulamentou a
legislação nacional para a agricultura orgânica,
normatizada pela Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003,
regulamentada pelo Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro
de 2007, que previa um prazo de três anos para a
organização definitiva do setor. Assim, a partir de janeiro
de 2011, começou a vigorar, em caráter definitivo, a
legislação coordenada pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa), por meio das Comissões
Estaduais de Agricultura Orgânica (CEPOrg). Também
nessa data, entrou em vigor a normatização do uso do Selo
do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade
Orgânica (Sisorg) dos produtos orgânicos, unificando sua
caracterização para os mercados nacional e internacional.
A Instrução Normativa do Mapa nº 46, de 6 de outubro de
2011, atualizada pela Instrução Normativa nº 17, de 18 de
junho de 2014, regulamenta as técnicas permitidas na
agricultura orgânica brasileira, nos sistemas orgânicos de
produção animal e vegetal, bem como as listas de substâncias
e práticas permitidas para uso nos sistemas orgânicos de
produção.
O Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade
Orgânica prevê os seguintes sistemas de certificação: o
sistema por auditoria (realizado por certificadoras
credenciadas), o sistema participativo (realizado por
Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade –
Opac) e o sistema de venda direta sem certificação para os
agricultores familiares (realizado por organizações de controle
social – OCS), que valoriza a relação direta do produtor com o
consumidor, mas não permite o uso do selo oficial. Apesar
dessa brecha na lei para as OCS, há a necessidade de ampliar
o debate sobre agricultores que não acessam o mercado como
produtores orgânicos devido aos custos para avaliação da
conformidade. Pensando de forma estritamente
mercadológica, tais custos proporcionam vantagem para os
produtos convencionais, e a certificação também tem caráter
inibidor, se analisada do ponto de vista rigorosamente
econômico.
O selo público oficial do Brasil é usado para identificar e
controlar a produção nacional de orgânicos. A partir de 1º de
janeiro de 2011, os produtos certificados por auditoria e
sistemas participativos de garantia apresentam o selo do
Sisorg em seus rótulos (Fig. 9.4).
FIG. 9.4 Selo nacional para produtos orgânicos, credenciado pelo Mapa em 2011
Fonte: Souza e Resende (2014).

Para a comercialização de produtos orgânicos, deve-se ter


o entendimento de todo o processo, desde a colheita, o
armazenamento, o transporte, até a distribuição, uma vez que
todo tratamento pós-colheita deve assegurar o máximo da
qualidade biológica e nutritiva dos produtos. Por exemplo, as
adubações orgânicas com suplementos minerais e nutrientes
específicos, como o cálcio, estimulam as plantas a produzir
fitoalexinas, que têm efeito indutor de resistência a doenças
no campo, além de reduzirem perdas no armazenamento.
As normas técnicas orientam para algumas questões
importantes no processo de comercialização e
armazenamento, como:
Os produtos orgânicos devem ser identificados e
mantidos em local separado dos demais de origem
desconhecida, de modo a evitar possíveis
contaminações, exceto quando claramente
identificados, embalados e fisicamente separados.
Todos os produtos orgânicos devem estar devidamente
acondicionados e identificados durante todo o
processo de armazenagem e transporte.
A certificadora deverá regular as formas e os padrões
permitidos para a descontaminação, limpeza e
desinfecção de todas as máquinas e equipamentos e
locais onde os produtos orgânicos são mantidos,
manuseados e processados.
As condições ideais do local de armazenagem e do
transporte de produtos são fatores necessários para a
certificação de sua qualidade orgânica.
A descentralização da estrutura produtiva e de distribuição
e venda é outra meta da agricultura orgânica. Frutas,
verduras, legumes e outros alimentos podem ser adquiridos
diretamente nas propriedades agrícolas, entregues nas
residências, ou comprados em lojas especializadas.
Cooperativas, associações de agricultores, distribuidores e
revendedores, especializados em alimentos orgânicos e
insumos naturais, também atuam na comercialização dos
produtos, industrializados ou não, de fazendas, hortas e
pomares não convencionais.
A comercialização de produtos orgânicos certificados,
portanto, é mais complexa que o comércio de produtos
convencionais, em função da estrutura do mercado e do
processo de certificação e embalagem. Os produtos orgânicos
certificados necessitam receber diferenciação por meio de um
selo, ou rótulo, que caracterize o produto como “orgânico”.
Essa diferenciação aumenta a credibilidade para o
consumidor, que terá a certeza e segurança de que o produto
foi cultivado dentro de princípios e normas técnicas
preestabelecidos, sem a utilização de qualquer substância
química que possa provocar danos à sua saúde.
A venda de produtos orgânicos ocorre de várias formas,
como venda direta em feiras livres, entregas em domicílio,
revenda em lojas e supermercados, entre outras (Fig. 9.5).
Caso não sejam vendidos em espaços exclusivos para
produtos orgânicos, eles obrigatoriamente devem estar
embalados para reduzir riscos de contaminações de pós-
colheita, como já mencionado.
FIG. 9.5 (A) Agricultor orgânico em venda direta ao consumidor, (B) cesta de produtos
orgânicos, (C) embalagens de tomate-cereja orgânico e (D) café orgânico
Fonte: Souza (2015).

Outra característica do mercado de alimentos orgânicos


que o diferencia do sistema convencional é que, em muitos
casos, há o estabelecimento de um preço fixo para o produto
durante todo o ano por organizações sociais, além de muitas
vezes se produzir por contrato. Isso é extremamente
vantajoso, especialmente no mercado de hortaliças, que em
geral apresenta oscilação muito alta de oferta e preço nas
diversas épocas do ano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTIERI, M. A. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura
sustentável. Guaíba, RS: Ed. Agropecuária, 2002. 592 p. il.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia: alguns conceitos e
princípios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2004. 24 p.
EHLERS, E. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo
paradigma. 1. ed. São Paulo, SP: Livros da Terra, 1996. 178 p.
GLIESSMAN, S. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura
sustentável. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000. 653 p. il.
PASCHOAL, A. D. Produção orgânica de alimentos: agricultura sustentável
para os séculos XX e XXI. 1. ed. Piracicaba, SP: Ed. do Autor, 1994. 191 p.
SOUZA, J. L. de. Agroecologia e agricultura orgânica: princípios, métodos e
práticas. 2. ed. Vitória: Incaper, 2015. 34 p. il.
SOUZA, J. L. de; RESENDE, P. Manual de horticultura orgânica. 3. ed. Viçosa,
MG: Aprenda Fácil, 2014. 838 p. il.
DEZ

O PAPEL DA ENGENHARIA NA AGRICULTURA

Francisco de Assis de Carvalho Pinto, Flora Maria de Melo


Villar, Demetrius David da Silva, Paulo José Hamakawa

O cientista faz experimentos que geram conhecimento,


enquanto o Engenheiro-Agrônomo é o profissional que
utiliza o conhecimento científico e a criatividade para
resolver problemas técnicos em benefício dos seres vivos,
em particular dos humanos.
O objetivo deste capítulo é apresentar as habilidades da
engenharia na produção agropecuária: armazenamento e
processamento de produtos agrícolas, construções rurais e
ambiência, mecanização agrícola, irrigação e drenagem,
meteorologia agrícola e agricultura de precisão.

10.1 ARMAZENAMENTO E PROCESSAMENTO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS


Os produtos agrícolas caracterizam-se por ser perecíveis e
apresentar, de modo geral, sazonalidade. Por isso, há
necessidade de os produtos serem armazenados para
atender à demanda no período de entressafras ou para a
formação de preços. Devido à sua perecibilidade, os
produtos agrícolas devem ser processados e armazenados
de forma adequada após a colheita.
O processamento pós-colheita pode ser realizado na
própria fazenda produtora ou em empresas especializadas.
Há diversos tipos e etapas no processamento pós-colheita,
dependendo do produto e do objetivo. Por exemplo, para
aumentar a eficiência das máquinas de colheita de produtos
agrícolas ou para cumprir determinado calendário, os grãos
em geral são colhidos com umidade acima da exigida para
preservar a sua qualidade durante o armazenamento. A
umidade é um parâmetro que representa a quantidade de
água por unidade de massa do grão, e a secagem é a operação
pós-colheita realizada para abaixar essa umidade. Em razão
do tipo do produto e da quantidade de água a ser retirada em
determinado tempo, diversos são os tipos e tamanhos de
secadores agrícolas (Fig. 10.1).
FIG. 10.1 Secador com fluxo de ar KHRONOS-Kepler Weber
Fonte: adaptado do catálogo on-line Kepler-Weber.

Outro exemplo interessante da diversidade no


processamento pós-colheita é o caso do café. Uma das
características do cafeeiro é que seus frutos se apresentam
em diversos estádios de maturação no momento da colheita,
podendo estar verdes, maduros e úmidos (café-cereja) ou
maduros e secos (café-passa). Em geral, são todos colhidos ao
mesmo tempo. Dependendo do nível tecnológico e do objetivo
do produtor, após a colheita, pode-se proceder à secagem
desses tipos de frutos, juntos ou separados.
O preço do café se dá em função da qualidade da bebida,
além da cotação no mercado internacional. Dessa maneira,
produtores que desejam produzir café de melhor qualidade
devem separar esses distintos estádios de maturação e
processá-los diferentemente. Utilizam-se a diferença de peso
para separar o café-passa dos restantes (verde e cereja) e o
descascamento do café-cereja para separá-lo do café verde. A
secagem pode ser realizada usando somente a energia solar
(terreiro de café), ser totalmente mecânica com secadores, ou
parcialmente mecânica no terreiro e no secador, ou até
mesmo totalmente na planta. A secagem mecânica pode ser
com ou sem a movimentação do produto no seu interior, em
uma só etapa ou intercalada com momentos de descanso.
Esses são exemplos de algumas decisões a serem tomadas
pelo Engenheiro-Agrônomo em função do preço de mercado,
nível tecnológico do produtor, destino do produto, clima da
região etc., visando à produção de um café de melhor
qualidade para determinada realidade.
O armazenamento do produto e o processamento podem
ser realizados na própria fazenda produtora ou em empresas
especializadas. Na fazenda, o produtor rural traz para si a
decisão do melhor momento de entregar o produto ao
mercado, levando em conta a sua demanda e o seu preço de
mercado. O armazenamento pode ser realizado em sacos, a
granel ou refrigerado, a depender do produto, da quantidade e
do tempo pelo qual se pretende manter esse produto
armazenado.
O armazenamento visa manter a qualidade do produto até
o momento do seu consumo. Geralmente, controlam-se a
temperatura e a umidade no ambiente onde o produto está
armazenado. Quando não há possibilidade de controle
automático nesse ambiente, o profissional responsável deve
estar atento a algumas variáveis, como temperatura e
umidade relativa do ar e temperatura do produto, para a
tomada de ações mitigadoras, caso essas variáveis indiquem
condições não adequadas para o armazenamento. Dessa
maneira, pode haver a necessidade de movimentar o produto,
aumentar ou diminuir a temperatura da massa de grãos,
acionar um ventilador para a troca do ar ou o arrefecimento
do produto armazenado etc.
O Engenheiro-Agrônomo pode estar envolvido no projeto
da estrutura de processamento e armazenamento de
produtos agrícolas ou, então, ser o responsável por
administrar todo o processo pós-colheita, a fim de oferecer ao
mercado consumidor um produto com boa qualidade.

10.2 CONSTRUÇÕES RURAIS E AMBIÊNCIA


Quando pensamos em produção animal, podemos fazer a
seguinte associação: se há desconforto, há baixo
rendimento. Quando propiciamos aos animais condições
de conforto térmico e alimentação adequada em
quantidade e qualidade, eles tendem a fornecer mais
proteína (carne) ou produtos (leite e ovos). As condições
ideais para cada espécie podem ser mais facilmente
atingidas quando o animal é criado em ambientes
fechados controlados. Na bovinocultura de leite, por
exemplo, a produção por animal tende a aumentar, assim
como em uma granja de aves a produção de ovos será
influenciada tanto em quantidade quanto em qualidade.
O bem-estar animal, visto pelo enfoque produtivo, está
diretamente relacionado ao seu conforto térmico. Uma
maneira de proporcionar bem-estar ao animal é protegendo-o
de intempéries e das variações meteorológicas, assim como
nós, seres humanos, nos abrigamos em nossas casas. Além de
ter locais cobertos para descanso, cada espécie animal
necessita de temperatura e umidade relativa ambiente em
faixas ideais, demanda de água e nutrientes em quantidades
diferentes em função da idade. O desequilíbrio desses fatores
afeta a produtividade.
No planejamento de uma construção rural, o profissional
responsável deve tomar várias decisões, como:

1. Escolher o posicionamento das instalações no terreno,


para que tenha maior ou menor incidência dos raios
solares e fácil descarte de dejetos, com menor impacto
ambiental.
2. Fazer o memorial descritivo, que deve conter o material e
as técnicas construtivas que serão utilizados, como:
argamassas, aglomerantes, concretos, cerâmicas,
madeiras e outros; sistema de refrigeração ou
aquecimento ambiente, para proporcionar conforto
térmico ao animal; melhor técnica construtiva para
fundação, alvenaria, pisos, lajes, vigas e cobertura; e
acabamento, que dependerá do tipo de instalação, pois
cada espécie necessita de condições de higiene e conforto
específicas.
3. Estabelecer o cronograma da obra, estimando o tempo
gasto para cada tarefa e o momento em que se deve
executar cada etapa.
4. Fazer o orçamento completo, o que inclui a previsão dos
custos para o desenvolvimento das instalações.

Para propor soluções de instalações no meio rural, o


profissional, além das técnicas construtivas, deve também
conhecer o comportamento e necessidade de cada espécie
animal. Assim, o Engenheiro-Agrônomo tem competência
profissional para compor uma equipe do planejamento das
instalações rurais ou se responsabilizar por ela.

10.3 MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA


Em 1970, a população rural do Brasil correspondia a 44% da
população total e, em 2010, caiu para 15,6% (IBGE, s.d.).
Nesse mesmo período, a população brasileira teve
crescimento um pouco acima dos 100%, e cresceu também
a demanda por alimentos. A tendência da diminuição da
população envolvida com a produção de víveres tem sido
uma das consequências do desenvolvimento de todos os
países. Dessa maneira, a melhoria da eficiência da mão de
obra do homem do campo é imprescindível para a
seguridade alimentar, tendo em vista o êxodo rural e a
crescente população global. E a maneira de melhorar essa
eficiência é com o emprego de máquinas e implementos
agrícolas, sendo a mecanização agrícola uma das
importantes áreas de atuação profissional do Engenheiro-
Agrônomo.
Para que o produtor tenha boa colheita, é essencial que as
etapas anteriores sejam bem executadas. Assim, o solo deve
ser preparado de forma a propiciar condições para o
desenvolvimento radicular antes da implantação da cultura.
Após esse preparo, vem a etapa de semeadura, em que são
considerados fatores como disponibilidade de água,
temperatura e nutrientes necessários para a germinação.
Decidida a melhor época para o plantio, inicia-se o processo
de semeadura com a abertura de um sulco, a deposição da
semente e a cobertura do sulco. Depois de implantada a
cultura, os tratos culturais devem ser realizados para mitigar
a ação de plantas ou organismos invasores que possam
prejudicar o crescimento e desenvolvimento da cultura. Por
fim, chega o momento da colheita.
O Engenheiro-Agrônomo atua na área de mecanização
para selecionar a quantidade e o tamanho das máquinas e
dos implementos, de modo a executar a atividade agrícola em
determinada dimensão de área em tempo predeterminado.
Na safra de soja, por exemplo, o período de colheita, que
antes podia chegar a 70 dias, hoje fica próximo de 30 dias,
para que o produtor ainda tenha tempo de plantar milho,
realizando, assim, o plantio conhecido como safrinha. É uma
corrida contra o tempo, pois o período de chuvas pode levar à
perda de uma safra inteira se o grão não for colhido em
tempo hábil, ou comprometer a produtividade da safrinha
com um plantio tardio por falta de chuva.
Como planejar todo esse processo? Quais máquinas
utilizar? Qual o tamanho das máquinas? Quantas máquinas
são necessárias para concluir essas etapas no tempo
predeterminado? As respostas para essas perguntas são
dadas pelo Engenheiro-Agrônomo. É ele quem analisa e faz o
planejamento de todas as etapas da produção, desde o
preparo do solo até a colheita, e seleciona as máquinas a
serem utilizadas na propriedade agrícola.
A atuação do Engenheiro-Agrônomo não para por aí.
Selecionar as máquinas é apenas a primeira função desse
profissional no âmbito da mecanização agrícola. Os tratos
culturais numa propriedade envolvem, entre outras tarefas, a
aplicação de defensivos agrícolas, uma das maneiras de
realizar o controle químico de organismos invasores que
prejudicam o crescimento e desenvolvimento da cultura. Para
aplicar esses produtos, o primeiro passo é calcular a dosagem.
A dose é a quantidade de produto químico a ser aplicada por
unidade de área. Cabe ao Engenheiro-Agrônomo determinar a
dose correta do produto, pois em excesso implicará custo
mais elevado para o produtor e danos ao meio ambiente e, se
a dose for abaixo da recomendada, poderá comprometer o
controle do problema.
Cada etapa da produção agrícola tem um tempo
predeterminado para sua execução e, como já visto, o
Engenheiro-Agrônomo seleciona as máquinas e os
implementos de acordo com esse tempo e com a dimensão da
área. Imagine que uma propriedade possua dois tratores e, no
momento de iniciar o plantio, um deles quebra por falta de
manutenção. Todo o planejamento, que contava com dois
tratores, é perdido nesse momento. A manutenção e a
regulagem das máquinas são também de responsabilidade do
Engenheiro-Agrônomo. Se o cuidado com as máquinas for
negligenciado, ele pode levar ao atraso de etapas posteriores e
implicar diminuição da produtividade ou, até mesmo, perda
total da produção.
Esses são alguns exemplos da atuação profissional do
Engenheiro-Agrônomo na área de mecanização agrícola. Esse
profissional é responsável pelo gerenciamento da
propriedade, visto que várias atividades são de sua
responsabilidade: o controle da frota de máquinas, a seleção
das máquinas, a regulagem e manutenção das máquinas e a
decisão quanto ao momento de semear, de fornecer
nutrientes e água, de eliminar organismos invasores e de
colher.

10.4 IRRIGAÇÃO E DRENAGEM


O Brasil se encontra em uma situação privilegiada, pois
dispõe de 13,8% da água doce do planeta, uma
disponibilidade hídrica per capita superior à da maior parte
dos outros países. Segundo a Organização das Nações
Unidas (ONU), a distribuição dessa água não é uniforme
em todo o território nacional. A região hidrográfica
amazônica, habitada por apenas 5% da população do País e
com valores reduzidos de demandas consuntivas, é
responsável por 80% da disponibilidade hídrica (ANA,
2015). Consequentemente, apenas 20% dos recursos
hídricos brasileiros estão disponíveis nas demais regiões,
com mais de 90% da população, em que há maior
demanda pelo uso da água. Nesse contexto, torna-se
necessária a utilização dos recursos hídricos disponíveis
no País de forma responsável e eficiente.
Dados dos principais setores que utilizam a água no Brasil,
com destaque para as vazões de retirada e de consumo de
cada setor usuário, são apresentados na Tab. 10.1, em que se
pode verificar que os grandes responsáveis pelo gasto efetivo
de água são a agricultura irrigada, os animais, a indústria e o
abastecimento doméstico (urbano e rural).

Tab. 10.1 Retirada e consumo de água em diferentes setores no Brasil, em 2010

Vazão de retirada Vazão de consumo


Usos
m3/s % m3/s %

Irrigação 1.270 54 836 72

Abastecimento urbano 522 22 104 9

Industrial 395 17 78 7

Animal 151,5 6 125 11

Abastecimento rural 34,5 1 18 1

Total 2.373 100 1.161 100

Fonte: ANA (2015).

Os dados apresentados nessa tabela confirmam que a


irrigação constitui o mais expressivo usuário de água do Brasil
e que, nas regiões onde essa atividade é intensa, deve-se dar
especial atenção à gestão dos recursos hídricos, de modo a
compatibilizar a sua disponibilidade e as suas demandas,
visando evitar conflitos pelo uso desse recurso. Isso abre um
campo de atuação profissional extremamente importante
para o Engenheiro-Agrônomo, no que diz respeito tanto ao
dimensionamento e manejo de sistemas de irrigação quanto
à gestão de recursos hídricos, visto haver a necessidade de se
trabalhar com elevada eficiência no uso da água na
agricultura irrigada, a fim de minimizar o seu consumo.
Com a implementação da Lei nº 9.433/1997, conhecida
como Lei das Águas, que instituiu a Política Nacional de
Recursos Hídricos no Brasil, para utilizar água na irrigação há
uma imposição legal de solicitação da chamada “Outorga de
Uso de Água”, instrumento mediante o qual o poder público
outorgante confere autorização para que o irrigante utilize
determinada quantidade de água em um período específico.
Para a obtenção dessa outorga, há necessidade de realizar
estudo hidrológico visando apresentar os valores de vazões
mínimas do rio que será utilizado para captação. Tal estudo
somente pode ser feito por um profissional registrado no
sistema Crea/Confea que tenha habilitação para a realização
dessa atividade, que é o caso do Engenheiro-Agrônomo.
Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento
Básico (ANA, 2013), a área irrigada no Brasil, em 2012, era de
5,8 milhões de hectares, correspondendo a apenas 19,6% do
potencial nacional de 29,6 milhões de hectares, o que
demonstra o grande potencial para a expansão dessa prática,
assim como o estabelecimento e a ampliação de conflitos pelo
uso da água entre os diversos setores. Entretanto, estudo
realizado pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz
(Fealq, 2014), em parceria com o Instituto Interamericano de
Cooperação para a Agricultura (IICA), e pela Secretaria
Nacional de Irrigação (Senir) do antigo Ministério da
Integração Nacional (MI) indica a área total irrigada no Brasil
de 6,04 milhões de hectares e área potencialmente irrigável
de 61,4 milhões de hectares, sendo 38,1 milhões de hectares
de alta e média aptidão de solo e relevo e 23,3 milhões de
hectares de baixa aptidão. Tais informações comprovam,
portanto, o potencial de ampliação da agricultura irrigada e
da consequente atuação do Engenheiro-Agrônomo.
A ampliação da prática da irrigação constitui opção
estratégica para aumentar a oferta de alimentos para uma
população mundial que cresce a uma taxa muito acentuada,
com 7,8 bilhões de pessoas em 2022 e uma previsão de 9,7
bilhões em 2050, segundo dados da ONU. Isso permite a
consolidação do Brasil como grande produtor mundial de
alimentos em um mercado internacional altamente
competitivo. Tal fato possibilita aumentar a produção, a
produtividade, a renda e o emprego tanto no meio rural
quanto no meio urbano, em razão da cadeia produtiva
envolvida direta ou indiretamente no complexo de atividades
da agricultura irrigada.
Do ponto de vista ambiental, a despeito de a agricultura
irrigada ser o maior usuário consuntivo de água tanto no
Brasil quanto em escala mundial, considera-se que seu uso
deve ser incentivado, na medida em que uma irrigação bem
conduzida, com manejo eficiente e adequado, pode ampliar
expressivamente a produtividade das culturas e o valor da
produção. Esse incentivo permitirá a produção de mais
quantidade de alimentos em uma mesma área e diminuirá o
avanço das fronteiras agrícolas por áreas florestadas e a
pressão por incorporação de novas áreas para cultivo,
contribuindo para a preservação do meio ambiente, gerando
empregos no campo e minimizando o êxodo rural para as
periferias dos centros urbanos.
A irrigação, que ocupa apenas 20% das terras cultivadas no
mundo e é responsável por 40% da produção mundial de
alimentos, deve ser utilizada estrategicamente para viabilizar
a produção de alimentos em regiões áridas e semiáridas do
planeta, as quais constituem 55% de sua área continental
total. Há nesse campo, portanto, grande oportunidade para o
Engenheiro-Agrônomo, tendo em vista a necessidade de
profissionais qualificados para realizarem uma série de
atividades relacionadas à área. São elas: dimensionar
sistemas de irrigação por aspersão (aspersão convencional,
pivô central, diferentes sistemas autopropelidos), irrigação
localizada (gotejamento e microaspersão) e irrigação de
superfície (sulcos, faixas e inundação); fazer o manejo
adequado de sistemas de irrigação, incluindo a determinação
das necessidades hídricas das culturas, visando a maior
eficiência no uso da água; dimensionar instalações de
recalque, incluindo a seleção do conjunto motobomba e
condutos livres (canais) ou condutos forçados, necessários
para o atendimento das demandas de projeto; dimensionar
barragens de terra com vistas ao armazenamento de água no
período chuvoso para ser utilizada no período seco do ano,
quando mais se necessita de irrigação; dimensionar
estruturas hidráulicas para conter ou dar escoamento às
vazões máximas de enchentes; dimensionar sistemas de
drenagem visando à remoção do excesso de água ou de sais
do perfil do solo; elaborar estudos hidrológicos para a
obtenção de outorga de uso de água para a agricultura
irrigada; e obter licenciamento ambiental relacionado à
agricultura irrigada.

10.5 METEOROLOGIA AGRÍCOLA


Como outras espécies animais, dependemos dos eventos
meteorológicos (tempo) e climáticos (clima) para nossa
sobrevivência. A diferença entre os dois termos é que o
primeiro se refere ao estado da atmosfera em dado
momento – se nublado, ensolarado, com algum valor de
temperatura e outro de umidade do ar –, enquanto o
segundo pode ser definido como a sucessão esperada dos
estados e eventos atmosféricos no decorrer de um ano, por
exemplo. Nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil,
ocorrem verões chuvosos e invernos secos. Entretanto, é
perfeitamente possível o verão ser relativamente seco e o
inverno, chuvoso ou apresentar temperaturas médias
abaixo da média histórica ou acima. É a variabilidade
interanual do clima.
O homem, no seu processo de sedentarização e
urbanização, passou a observar e registrar os eventos que
ocorrem na atmosfera, o que acabou por originar um ramo da
ciência denominado Meteorologia. À medida que aumentou a
quantidade de observações, inferências, deduções e
conclusões, houve a subdivisão em diversas especialidades.
Na atualidade, talvez a mais conhecida seja a Meteorologia
Sinótica, que faz a previsão do tempo em curto prazo.
Essa previsão pode não ser suficiente para a tomada de
decisões coerentes e elaborações de estratégias nas mais
variadas atividades humanas. As mesmas informações e
conhecimentos acumulados sobre os eventos atmosféricos
conduziram, então, à elaboração de modelos que se propõem
a fazer a previsão climática e suas variações de ano a ano,
surgindo, assim, a Climatologia.
A visão climatológica dos dados acumulados, aliada a
outras áreas da Ciência, como a Geologia, a Oceanografia, a
Ecologia etc., mostrou que, em longo prazo (décadas, séculos,
milênios), as variações interanuais dos estados da atmosfera
são afetadas por fatores naturais, como os astronômicos e
aqueles da evolução planetária, e também por fatores
antrópicos, criados pelo ser humano em decorrência de suas
atividades cotidianas.
Em pequena escala, a urbanização modifica o ambiente,
conduzindo a indesejados alagamentos temporários nesses
centros de aglomeração humana e criando as ilhas de calor e,
em muitos casos, seus indesejados efeitos, estudados pela
Climatologia Urbana. Em grande escala, tanto espacial quanto
temporal, convencionou-se chamar as alterações nos ciclos e
variações interanuais de mudanças climáticas globais. Uma
das principais forçantes dessas alterações é o aumento da
concentração de CO2 atmosférico natural e de origem
antrópica. Tendo em vista que é a própria sobrevivência da
espécie humana, bem como de uma enorme coleção de
outras, que está em jogo, uma miríade de áreas da Ciência,
incluindo, de modo decisivo, a Meteorologia, alia-se na
tentativa de propor estratégias de modo a reduzir ou, se
possível, reverter essas mudanças. Associada a isso, a
necessidade de alimentar um número cada vez maior de
indivíduos talvez seja o maior desafio atual para a
humanidade.
Outra subdivisão do ramo da Ciência, hoje denominada
Meteorologia, é na realidade sua origem: a Meteorologia
Agrícola. Depois da sedentarização dos humanos, as
primeiras observações dos eventos atmosféricos tiveram
como objetivo definir as estratégias e os momentos
adequados para a execução das atividades agrárias, como
época de plantio, manejo e colheita de produtos vegetais e
animais, de modo a maximizar a produção. As cheias do rio
Nilo talvez sejam o exemplo mais famoso.
Essa meta de maximização da produção se justifica por
não ser possível, em dado local, produzir todas as espécies
necessárias, ou desejadas, pelos indivíduos. Em certas
localidades, é possível haver excedente de certos produtos,
desejados por outros agrupamentos humanos, que por sua
vez possuem bens requeridos pelos primeiros. As bases do
comércio foram, dessa maneira, lançadas.
À regionalização racional das espécies viáveis
economicamente em diferentes locais, tipos climáticos e tipos
de solos, dá-se o nome de zoneamento agrícola. Nos tempos
atuais, a obediência a esse zoneamento é fator estratégico do
Estado, entendido como estrutura administrativa, e dos
agentes financiadores e de seguridade.
Para alcançar essa meta de maximização da produção, a
Meteorologia Agrícola pode ser compreendida, então, como
um ramo da Ciência que se propõe a interfacear diversos
outros, como a Fisiologia Vegetal, Fisiologia Animal,
Fitotecnia, Fitopatologia, Patologia Animal, Mecanização
Agrícola, Hidrologia e Construções Rurais.
Os vegetais e algumas outras espécies têm a capacidade de
realizar fotossíntese, um dos ramos de estudo da Fisiologia
Vegetal. De modo simplificado, os vegetais, absorvendo um
mesmo número de moléculas de CO2 do ar, de H2O do solo e
energia solar, após uma longa série de reações, devem
armazenar essa energia na forma de uma cadeia de carbono,
emitindo, como subproduto, o O2. O processo inverso é uma
reação de oxidação denominada respiração, quando a maioria
dos seres vivos, incluindo os animais, obtém energia para a
manutenção de sua vida e a realização de suas atividades. A
energia que os seres conseguem é parte daquela que foi
armazenada na fotossíntese e, como subproduto, há a
emissão de CO2. Entre os objetos de estudo da Meteorologia
Agrícola, aliando-se à Fisiologia Vegetal e à Fisiologia Animal,
estão a quantificação da radiação solar e a temperatura e
umidade do ar, além da absorção e emissão do CO2 e da água
de comunidades vegetais.
A Meteorologia Agrícola, ao quantificar as variáveis do ar
atmosférico, dá suporte à Fitotecnia e a estudos de solos, com
o intuito de planejar os melhores manejos das culturas
agrícolas, sob as mais variadas condições, pressupondo a
sustentabilidade dos agroecossistemas com a menor perda
possível de água e menor emissão de CO2. O mesmo ramo da
ciência atmosférica dá suporte à avaliação dos resultados dos
diferentes tipos de manejos culturais nas perdas de terra e
água no processo denominado erosão, objeto de estudo das
Ciências do Solo e da Hidrologia.
Doenças e pragas em animais e vegetais, objetos de
estudos da Patologia e da Fitopatologia, são intrinsecamente
dependentes das condições ambientais, mormente da
temperatura, umidade e circulação do ar. Essa tríade de
fatores, no contexto agrário, também constitui foco de estudo
da Meteorologia Agrícola.
Os resultados positivos das operações com maquinários
agrícolas, como arações, semeaduras e aplicação de
defensivos, são maximizados em condições ótimas de
umidade do solo e do ar. Em grande escala espacial, na
maioria dos casos a umidade do solo depende da chuva. Fica
evidente a interação com a Meteorologia Agrícola para, por
exemplo, definir o número de dias trabalháveis com
máquinas agrícolas.
Os objetos de estudo da Meteorologia Agrícola também se
agregam às relativamente novas tecnologias de alterações em
escala microclimática, como a condução de culturas em casas
de vegetação e o confinamento de animais, tendo em vista as
profundas alterações dos elementos meteorológicos, como a
concentração de gases, temperatura e umidade do ar, a
radiação solar incidente etc., no interior dessas estruturas
constituídas dos mais variados materiais e concebidas
arquitetonicamente nas mais diversas formas.
Para concluir, entre os objetos de estudo da Meteorologia
Agrícola se encontram as estimativas e projeções dos efeitos
de eventos extremos, como chuva e seca, as variações
anômalas da temperatura e umidade do ar e ventos,
resultantes da já mencionada variabilidade interanual do
clima e das mudanças climáticas globais sobre a produção
agrícola e animal. Hoje, talvez mais do que no passado, é
necessário que a produção nos diferentes locais tenha ainda
maior excedente, não somente pelo maior número de
indivíduos a serem alimentados, mas também pelos maiores
riscos de quebra em decorrência dessas mudanças climáticas
esperadas para um futuro próximo.

10.6 AGRICULTURA DE PRECISÃO


As decisões convencionais da agricultura são realizadas
com base em um valor limiar ou na média. Por exemplo, só
fazemos o controle de determinada doença em uma área
de produção agrícola se o número de plantas
contaminadas atingir dado percentual, mediante a
aplicação de um defensivo agrícola em toda a área, mesmo
havendo plantas não contaminadas, ou seja, essa é uma
decisão tomada com base em um limiar. Outro exemplo:
para medir a fertilidade do solo de uma área, coletamos
amostras em diferentes locais e misturamos todas elas,
tendo, assim, uma única amostra para representar toda a
área e definir a dose única de fertilizantes (quilos por
hectare) que será aplicada, ou seja, é uma decisão
realizada pela média. Aplicamos produtos químicos onde
não há necessidade, no caso da decisão pelo limiar, ou em
quantidade abaixo ou acima da necessária, no caso da
decisão pela média.
Por que esse desperdício de produto e dinheiro? Quais as
consequências ambientais e de risco à saúde? A tecnologia
para a aplicação desses produtos com a utilização de
máquinas agrícolas, desde o início dos anos 1900, não
permitia nenhum controle localizado do problema, isto é,
uma aplicação em taxa variada com uma dose diferente para
cada local. Dessa maneira, não havendo possibilidade de
fazer manejo localizado, todos os métodos e técnicas foram
desenvolvidos para o manejo agrícola com base na média e
no limiar.
No início da década de 1990, com o surgimento dos
sistemas globais de navegação por satélite (GNSS, em inglês),
como o GPS (americano) e o Glonass (russo), com os quais se
pode saber com precisão o local de onde foi retirada uma
amostra de solo ou onde existem plantas contaminadas, uma
nova maneira de manejar a agricultura passou a ser
desenvolvida, conhecida como agricultura de precisão (AP).
Juntando a tecnologia GNSS, com o seu potencial de
visualização e a análise de dados geográficos dos sistemas de
informação geográfica (SIG), com as informações geradas por
sensores orbitais, aéreos e terrestres, máquinas “inteligentes”
vêm sendo desenvolvidas para possibilitar o manejo
localizado da agricultura.
O solo tem propriedades físicas e químicas que variam em
cada ponto do espaço, como as plantas. Por exemplo: as
plantas invasoras e algumas pragas em geral não aparecem
em 100% da área, mas em algumas manchas, conhecidas
como reboleiras. As plantas reagem diferentemente de um
ano para outro, principalmente devido às condições de clima
e manejo. Dessa maneira, na agricultura os parâmetros de
solo e planta naturalmente apresentam variabilidade espacial
e temporal (Fig. 10.2). A AP pode ser definida como um
conjunto de técnicas para manejar essas variabilidades.
FIG. 10.2 Mapas da distribuição espacial da produtividade de soja nas safras (A)
2007/2008, (B) 2008/2008 e (C) 2009/2010
Fonte: Bottega (2011).

Como se pode observar nos mapas de produtividade de


soja da Fig. 10.2, a safra 2007/2008 foi superior às demais,
inclusive com o valor mínimo de produtividade, superando a
máxima nas safras dos anos posteriores.
As máquinas que realizam a aplicação dos insumos
conforme a taxa variada de insumos agrícolas podem ser
sistemas com base em uma informação passada ou sistemas
com base em uma informação presente. No primeiro caso, a
dose do produto a ser aplicado é informada ao sistema da
máquina por meio de um mapa de prescrição, que pode ser
confeccionado de diversas maneiras, como por
sensoriamento remoto. No segundo caso, a dose do produto a
ser aplicado é determinada no instante da passagem da
máquina no local, por meio de medições realizadas por
sensores. Atualmente, já existem comercialmente sensores
que detectam o estado nutricional da planta, algumas
propriedades do solo e a presença de plantas invasoras.
A AP é uma tecnologia em pleno desenvolvimento, mas
que não consegue incluir no seu conceito os benefícios de
aumento de produtividade, desempenho e sustentabilidade
que outras tecnologias modernas também vêm trazendo ao
agronegócio. Dessa maneira, um termo mais geral está sendo
usado: agricultura digital (AD). A AD faz a junção da
agricultura de precisão com os sistemas de conectividade
entre máquinas e conectividade entre as máquinas e a sede
da fazenda, bem como a conectividade entre a sede e a
empresa (uma empresa de serviço ou de fornecimento de
equipamentos).
Na AD, as máquinas têm autonomia parcial ou total para
gerar informações com a utilização de veículos aéreos não
tripulados (VANTs) ou sensores embarcados para tomar
decisões do que aplicar com pulverizadores e tratores
robotizados. A quantidade de dados gerados pelos sistemas
da AD é tão grande que extrapola a capacidade do cérebro
humano de retirar informações úteis. Assim, algoritmos
conhecidos como big data estão sendo incorporados à AD para
que a fronteira de conhecimento do manejo agrícola seja
ampliada e elevada a um patamar jamais imaginado. Com
isso, na agricultura digital, as informações, as decisões e os
novos conhecimentos estarão prontamente disponíveis ao
produtor e/ou ao técnico rural.
Nesse contexto, o profissional de Engenharia Agronômica
não é apenas um usuário da agricultura digital, mas,
sobretudo, faz parte da equipe interdisciplinar de
desenvolvedores desses sistemas para uma agricultura
econômica, social e ambientalmente sustentável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO.
Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: 2013. Brasília: ANA, 2013. 432 p.
ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO.
Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil – Informe 2014. Brasília: ANA,
2015. 103 p.
BOTTEGA, E. L. Variabilidade espacial da produtividade de soja e dos atributos
do solo em sistema de plantio direto sob rotação de culturas. 2011. 128 f.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) – Departamento de
Engenharia Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2011.
FEALQ – FUNDAÇÃO DE ESTUDOS AGRÁRIOS LUIZ DE QUEIROZ. Análise
territorial para o desenvolvimento da agricultura irrigada no Brasil. Projeto
de Cooperação Técnica IICA/BRA/08/002. Piracicaba, SP: Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA/Ministério da
Integração Nacional – MI, 2014. 215 p.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo
demográfico: séries históricas – População brasileira. IBGE, [s.d.].
Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-
novoportal/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?
=&t=series-historicas>. Acesso em: 21 maio 2018.
ONZE

TIPOS DE AGRICULTURA

Caetano Marciano de Souza, Maria José do Amaral e


Paiva, Célia das Eiras L. Dgedge Melo, António da Piedade
Melo, Sérgio Bernardes Sá Teles, Maria Carolina Gomes
Paiva

A arte de cultivar vegetais e criar animais surgiu quando o


homem deixou de ser nômade e foi aprimorada por volta
dos anos 3.000 a.C., quando começou a ser praticada em
escala maior, influenciando até o desenho urbano. Por
volta do ano 2.000 a.C., os sumerianos já sulcavam o solo
com arados de madeira e abriam canais por onde a água
escoava até as áreas de interesse, iniciando, assim, a
irrigação (Baiardi, 2013).
Durante o período clássico, a agricultura foi desenvolvida
como arte em harmonia com a natureza. Durante o período
medieval, com o pensamento agronômico bem mais
desenvolvido, o foco foi a produção associada à preservação
da biodiversidade e da fertilidade do solo.
O campo das Ciências Agrárias e as formas de cultivar a
terra sofreram intensas alterações com a revolução científica
dos séculos XVII e XVIII. Como a população urbana aumentou
expressivamente, o produtor rural passou a produzir para ele
e para mais nove pessoas.
Independentemente do tipo de agricultura a ser praticada,
a finalidade é a produção de alimentos para consumo
humano ou animal e matéria-prima para a indústria. Além da
forma convencional, podem-se citar outras, como a
agricultura transgênica, a agricultura familiar, a agricultura
hidropônica, o cultivo protegido, a agricultura orgânica e a
agroecologia, a agricultura biodinâmica, a agricultura
sintrópica e a permacultura.

11.1 AGRICULTURA CONVENCIONAL


A agricultura convencional é a forma de produção mais
utilizada hoje, denominada agricultura moderna. Há várias
fases desenvolvidas nesse sistema, podendo alguns
agricultores praticá-las ou não, a depender do nível de
tecnificação da propriedade e dos recursos disponíveis.
Essas fases são, entre outras, remoção da vegetação nativa
ou uso de área já aberta anteriormente; aração; calagem;
gradagem; semeadura; adubação mineral simultânea à
semeadura e em cobertura; aplicação de defensivos
agrícolas para controle de plantas infestantes, pragas e
doenças; capina mecânica ou uso de herbicidas; e colheita
(há culturas em que se faz a dessecação com herbicida
antes da colheita).
O sistema convencional de praticar agricultura passou por
grande transformação com a chamada Revolução Verde, que
começou com os avanços tecnológicos pós-guerra, mas
recebeu esse nome na década de 1970.
O precursor da Revolução Verde foi Norman Borlaug (1914-
2009), americano de Iowa, formado em Agronomia pela
Universidade de Minnesota. Em parceria com a Fundação
Rockefeller, Norman iniciou um programa de melhoramento
genético com o trigo no México, em 1944, para resolver o
problema da fome, agravado pela ferrugem que dizimou as
lavouras de trigo naquele país.
Borlaug cultivou o trigo ao nível do mar e em altitude de
2.500 metros, em diferentes latitudes e climas, o que resultou
em plantas que podiam ser cultivadas em diferentes regiões
do mundo. Esse cientista aplicou nas plantas elevadas doses
de fertilizantes e obteve alta produtividade, mas os colmos
não suportaram o peso das espigas e tombaram. Então, foi
necessário o segundo momento do melhoramento, quando
Borlaug buscou, no Japão, uma variedade de trigo anão e
realizou cruzamento. O resultado foi o trigo anão do México,
com porte mais baixo, colmos fortes e alta produtividade.
A técnica de melhoramento de Borlaug tornou-se modelo.
Foi também aplicada ao arroz, ao milho e a muitas outras
culturas. O modelo de cultivo iniciado por ele no México foi
levado em seguida para vários países, como Índia, Paquistão,
China e Brasil, e continuou sendo propagado. Os próprios
países desenvolvidos também adotaram esse método e
diminuíram as importações de alimentos. O trabalho desse
cientista tinha como objetivo erradicar a fome no planeta,
preocupação causada pela explosão populacional, mas
utilizando intensamente as áreas já abertas em vez de abrir
outras.
O modelo da agricultura intensiva é firmado no uso de
sementes geneticamente modificadas, grande quantidade de
adubos químicos formulados e altamente solúveis, pesticidas
industriais para controlar pragas, doenças e plantas
infestantes, intensa e tecnificada mecanização, diminuição
do manejo, uniformidade dos cultivos (monocultura), uso de
tecnologia para plantio, irrigação e colheita e também o
gerenciamento da produção.
Muitos fatores atuando em conjunto levaram a grandes
mudanças na agricultura brasileira a partir da chamada
Revolução Verde, que culminou em expressivos incrementos
de produtividade, conduzindo o Brasil ao topo dos países mais
produtivos. Com a criação de órgãos e pesquisas, foram
viabilizados cultivos no Cerrado brasileiro, que hoje
representa a maior área produtiva do País.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa) foi reorganizado pela Lei Delegada nº 9, de 11 de
outubro de 1962, e regulamentado pelo Decreto nº 52.339, de 8
de agosto de 1963. A partir de então, foram criados seis
institutos de pesquisa e experimentação diretamente
vinculados ao órgão, sendo a maior parte incorporada à
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a
partir de 1973. Essa empresa, juntamente com outras
instituições públicas, universidades, fundações e empresas
privadas, executou pesquisas em diferentes áreas. Um dos
primeiros estudos sobre as potencialidades agrícolas do
Cerrado foi desenvolvido em 1972, pelo Instituto de
Planejamento Econômico e Social (Ipea) em parceria com o
Instituto de Planejamento (Iplan), por meio de convênio com
a Secretaria da Agricultura de Minas Gerais.
A região do Brasil denominada Cerrado é formada por dois
milhões de quilômetros quadrados, representando 23% do
território nacional. Compreende a quase totalidade dos
Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins
e do Distrito Federal, e partes dos Estados de Minas Gerais,
Bahia, Maranhão e Piauí, bem como áreas menores de São
Paulo, Paraná, Rondônia, Roraima e Amapá, conforme
ilustrado na Fig. 11.1. Produtores do Estado de São Paulo e dos
três Estados do Sul migraram para a região do Cerrado por
causa da impossibilidade de ampliação das áreas para cultivo
e também por causa do aumento do preço da terra em seus
Estados de origem. Foram também motivados pelos
incentivos do governo. Cooperativas de outros Estados
criaram filiais nas regiões do Cerrado e ajudaram a viabilizar
essa migração.
FIG. 11.1 Área do Cerrado no Brasil
Fonte: Pfly (Wikimedia Commons, https://w.wiki/4MPv).

A produtividade agrícola do Brasil foi recebendo


incremento a cada ano pela abertura do Cerrado e também
por políticas que incentivaram a pesquisa, a assistência
técnica e a comercialização. Atualmente, o País vem batendo
sucessivos recordes: a safra 2016/2017 foi a maior da história,
com 237,7 milhões de toneladas de grãos, sendo a soja a
maior responsável por esse feito. Hoje, a previsão para a safra
2021/2022 é de 288 milhões de toneladas, de acordo com a
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A uniformidade na produção, representada pelo
monocultivo, tem causado aumento na quantidade de pragas
e de pressão de doenças, o que tem levado, em alguns casos,
ao uso indiscriminado de pesticidas e, por consequência, ao
surgimento de plantas infestantes e pragas resistentes aos
seus princípios ativos. Os Engenheiros-Agrônomos
recomendam adotar a rotação de culturas, manter o solo
coberto por palha, fazer o manejo integrado de pragas e
doenças e adotar formas de manejo mais autossustentáveis.

11.2 AGRICULTURA TRANSGÊNICA


A partir de 1953, quando se descobriu a estrutura
tridimensional do DNA, surgiu a possibilidade de
modificar, de forma precisa, a informação genética. As
pesquisas em biotecnologia foram evoluindo, e seus
primeiros feitos na agricultura foram com o tabaco e o
tomate geneticamente modificados nos Estados Unidos.
Hoje em dia, a cultura e a prática de cultivo dos
transgênicos estão difundidas em praticamente todo o
planeta, sendo a inovação tecnológica mais utilizada na
história da agricultura. Os principais alimentos
transgênicos produzidos hoje no mundo são arroz, soja,
tomate, milho, batata, linho, mamão, morango, melancia,
melão, abóbora, maçã, ervilhas, feijão, beterraba e cebola.
O Brasil é o segundo país com maior área plantada com
organismos geneticamente modificados (OGMs), com
destaque para as culturas de milho, soja, algodão e canola.
A agricultura transgênica é baseada na utilização de OGMs
em laboratório, com o objetivo de incorporar em uma espécie
características de outras. É uma transferência controlada dos
genes de interesse. Essa técnica permite que genes de
qualquer ser vivo, como vírus, bactérias e animais, sejam
inseridos no DNA de qualquer outro ser, a exemplo das
plantas.
Atualmente, 77% dos organismos transgênicos cultivados
são resistentes a herbicidas; 15% são os chamados cultivos Bt,
porque receberam em seu genoma genes de uma bactéria de
solo chamada Bacillus thuringiensis, que produz substâncias
inseticidas; e 8% combinam as duas características,
resistência a herbicidas e propriedades inseticidas. Assim,
quando o inseto-praga alvo se alimenta do organismo
geneticamente modificado, mesmo que em pequena
quantidade, ele morre.
O objetivo que inicialmente norteou o lançamento dos
transgênicos foi resolver o problema da fome no mundo,
aumentando a produtividade e também diminuindo o uso de
herbicidas e inseticidas. Em contrapartida, tem-se observado
aumento no número de espécies de insetos-praga e muitas
plantas infestantes criando resistência e vencendo a
tecnologia.
As principais vantagens listadas do uso dos OGMs na
agricultura são resistência a pragas e doenças – apesar de
algumas pragas estarem criando resistências a essa
tecnologia –, maior produtividade, redução de custos e do uso
dos pesticidas em geral e melhor tolerância às condições
climáticas. Já a principal desvantagem está na prática da
monocultura em grandes áreas. Toda variedade transgênica,
antes de ser liberada para o plantio comercial e a produção de
alimentos, passa pela análise da Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança (CTNBio), que avalia sua segurança para o
consumo humano e animal e para o meio ambiente. Apenas
as variedades seguras são liberadas.
A presença dos transgênicos na agricultura é alvo de
muitos questionamentos. De um lado estão os que defendem
e fazem amplo uso da tecnologia e, do outro, aqueles que
alegam não ser totalmente conhecido o efeito dessa
transgenia no organismo humano e na natureza.

11.3 AGRICULTURA FAMILIAR


A agricultura familiar tem-se desenvolvido muito nos
últimos tempos. É praticada por pequenos produtores com
áreas de até quatro módulos fiscais, em que o regime de
trabalho é predominantemente da família. O módulo fiscal
é uma unidade de medida que o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) fixou, em hectare,
para os municípios, dependendo de sua localização. Foi
calculado de acordo com o tipo de exploração
predominante no município (hortifrutigranja, cultura
permanente, cultura temporária, pecuária ou florestal);
com a renda obtida dessa exploração; e com outras
explorações expressivas do município, embora não
predominantes por conta da renda ou da área que utilizam
e do conceito de “propriedade familiar”. O módulo fiscal
pode variar seu valor de 5 a 110 hectares (Fig. 11.2).
FIG. 11.2 Classes e tamanhos de módulos fiscais no Brasil
Fonte: Landau et al. (2012).

Na agricultura familiar, a renda da propriedade vem


sobretudo da atividade agropecuária, ou seja, depende
prioritariamente da produção para sobrevivência, porém esse
conceito vem sendo ampliado. Nos dias atuais, a agricultura
familiar é responsável pela alimentação de grande parte da
população do Brasil, assegurando segurança alimentar e
nutricional. A produção é voltada para a diversificação de
alimentos e bens de consumo. Além disso, ela gera renda e
cria condições para que as famílias permaneçam no campo.
Nesse sentido, a agricultura familiar é de grande importância
para a economia do País.
Essa agricultura, no entanto, carece ser assistida em três
pontos fundamentais de apoio: obtenção do crédito,
assistência técnica de qualidade para alcançar produção em
quantidade e qualidade, e venda direta da produção na época
da safra.

11.4 AGRICULTURA HIDROPÔNICA


Também chamada de ciência, história e arte, é o método
de cultivar plantas sem solo ou outro substrato. O
fornecimento de nutrientes é feito via solução nutritiva.
A hidroponia pode ser conduzida tanto como uma simples
horta no quintal de casa em um sistema mais rústico quanto
em um ambiente de estufa protegido, com produção em larga
escala. Há várias formas de se montar um sistema
hidropônico de maneira simplificada, para o que são
necessários uma estrutura que dê sustentação às plantas, um
reservatório ou tanque para a solução nutritiva e um
mecanismo em que as raízes possam ter acesso à solução
nutritiva.
A palavra hidroponia, originada do grego hidro, que significa
água, e ponos, que significa trabalho, é um sistema bem
antigo, mas somente na década de 1930 é que foi
desenvolvido pelo Professor W. F. Gericke, da Universidade da
Califórnia. Por meio de estudos em laboratório, esse professor
criou um sistema hidropônico, isto é, um processo em que a
planta se desenvolve e produz sem solo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o exército dos Estados
Unidos criou um sistema de hidroponia em várias ilhas do
Pacífico e do Atlântico para alimentar os soldados, o que foi
feito também pelos japoneses em Chofu, em uma área de
mais de 22 hectares, também para alimentar os soldados. Mas
os cultivos comerciais eram poucos. Somente na década de
1960 é que a hidroponia foi alavancada como cultivo
comercial, por meio dos trabalhos do inglês Allen Cooper, cujo
sistema não exigia grande volume de água. Em vez de ser
utilizado um reservatório, chamado de sistema floating, foram
usados canais com pequena inclinação por onde circulava a
solução nutritiva para o cultivo das plantas. No Brasil, a
hidroponia comercial teve início na década de 1980 em São
Paulo, o maior produtor.
Uma das principais vantagens desse sistema é que as
raízes não ficavam totalmente submersas, facilitando sua
respiração. O sistema dispunha de um reservatório que
poderia ser menor do que o do método antigo, para manejar a
solução nutritiva e facilitar a sua recirculação. Assim, esse
tipo de agricultura se consolidou em vários países (Fig. 11.3).
FIG. 11.3 Sistema hidropônico
Fonte: Goldlocki (Wikimedia Commons, CC BY-SA 3.0, https://w.wiki/4Mrh).

De acordo com Martinez e Clemente (2011), os sistemas


hidropônicos podem ser classificados quanto ao substrato
(duas ou três fases) e quanto ao fornecimento da solução (não
circulante, circulante e solução estática aerada).
A nutrição da planta é feita a partir do uso de uma solução
que contém macronutrientes, como nitrogênio, fósforo,
potássio, cálcio, magnésio e enxofre; e micronutrientes, como
ferro, manganês, boro, cobre, zinco, molibdênio, cloro e
níquel, considerados elementos essenciais ao crescimento e
desenvolvimento das plantas. Podem ser utilizados também o
silício, o sódio e o cobalto, elementos também benéficos.
Em razão de invernos rigorosos, limitações de área e falta
de água, nos países desenvolvidos os sistemas hidropônicos
são amplamente utilizados. No Brasil, esses sistemas têm
sido aplicados em locais próximos aos grandes centros, onde
o preço da terra é alto e há grande demanda por produtos
hortícolas (Martinez; Clemente, 2011).

11.5 CULTIVO PROTEGIDO


O plantio de plantas em ambiente protegido consiste em
cultivá-las em locais onde é viável controlar alguns fatores
envolvidos no processo produtivo, adaptando o ambiente
às plantas e ampliando o período de produção mesmo em
áreas consideradas inadequadas à agricultura. Podem ser
utilizadas estruturas complexas, como as casas de
vegetação climatizadas, ou estruturas mais simples, como
as coberturas apenas para sombreamento.
Entre as principais vantagens do cultivo em ambiente
protegido com fertirrigação por gotejamento, podem-se
destacar o controle do ambiente, que permite a produção de
diversas culturas em diferentes regiões e épocas do ano; a
menor severidade da grande maioria das doenças da parte
aérea; a proteção contra chuva, granizo e geada; o controle do
vento e da radiação solar; a melhor condição de trabalho para
os funcionários; a diminuição do ciclo da planta; o
prolongamento do período de colheita; o aumento da
produtividade da cultura; a melhor qualidade do produto; a
oferta de produto durante todo o ano e com melhores preços;
a redução do consumo de água, já que o sistema fechado
diminui a evapotranspiração; e a possibilidade de produzir e
comercializar produtos diferenciados, como
miniprodutos/baby.
A grande limitação para as culturas tanto no campo
quanto no ambiente protegido é a luminosidade, uma vez que
influencia diretamente no crescimento e desenvolvimento da
planta. No entanto, a luminosidade em ambiente protegido
pode ser controlada de acordo com o tipo de material que irá
cobrir a casa de vegetação.
O cultivo protegido ainda viabiliza a realização da
agricultura orgânica, uma vez que esta é contrária à utilização
de agroquímicos, o que seria inviável se o cultivo fosse feito
em épocas inapropriadas.
Esse sistema também apresenta suas desvantagens, como
alto investimento inicial; dificuldade de realizar a rotação de
áreas para amenizar problemas com doenças de solo, por
conta da estrutura; ausência de organização e planejamento
por parte dos produtores e do governo para fomentar uma
política ampla, nacional, de apoio ao cultivo protegido; falta
de informação/assistência técnica para o produtor implantar
e desenvolver o sistema; poluição do meio ambiente pelo
plástico (possui durabilidade média de três anos e, após o uso,
precisa ser devidamente descartado); e falta de recomendação
técnica oficial sobre o uso de defensivos e fertilizantes
específicos para o sistema.

11.6 AGRICULTURA ORGÂNICA E AGROECOLOGIA


O sistema de produção orgânico baseia-se na preservação
do ecossistema. Tem como primícias o cultivo com manejo
e conservação de solo e água, compostagem, adubação
orgânica, adubação verde, fixação biológica de nitrogênio,
rotação de culturas, uso de pós de rochas, manutenção do
solo coberto, aporte constante de matéria orgânica no solo,
condições ideais para aumento da microbiota do solo e
promoção e preservação da biodiversidade. Outras práticas
inerentes a esse sistema são o controle biológico e
integrado de insetos, pragas e doenças e a aplicação de
condições trabalhistas, econômicas e sociais justas. Além
disso, não permite o uso de adubos químicos formulados
altamente solúveis, pesticidas ou outros compostos
sintéticos como reguladores de crescimento e aditivos
alimentares aos animais. Também não permite o uso de
OGMs e de radiação ionizante.
A agricultura orgânica teve seu ponto inicial com o inglês
Sir Albert Howard, que, entre 1925 e 1930, dirigiu em Indore,
na Índia, uma instituição que realizou vários estudos com
compostagens e adubação orgânica, enfatizando a
importância da matéria orgânica para o solo. Em 1984, o
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)
reconheceu a importância da agricultura orgânica para a
agricultura americana.
Após a Revolução Verde, surgiram opiniões contrárias a
esse método, por causa da grande quantidade de adubos
químicos utilizada e do uso de agroquímicos, além de ser um
método intensivo e que poderia conduzir ao esgotamento dos
ecossistemas. Dessas opiniões surgiram movimentos que
levariam ao fortalecimento de uma linha denominada
agricultura alternativa.
No Brasil, a partir de 1990, a agricultura orgânica veio
crescendo em maior proporção. Em 17 de maio de 1999, o
Ministério da Agricultura lançou a Instrução Normativa nº 7,
que normatizava os produtos de origem animal e vegetal no
sistema orgânico. Em 23 de dezembro de 2003, entrou em
vigor a Lei nº 10.831, que regulamentava a produção orgânica,
abrangendo armazenamento, rotulagem, transporte,
certificação, comercialização e fiscalização dos produtos.
Em 27 de dezembro de 2007, pelo Decreto nº 6.323, foi
regulamentado todo o sistema de produção orgânica,
começando na propriedade até o ponto de venda, quando foi
criado o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade
Orgânica, formado pelo Ministério da Agricultura, órgãos de
fiscalização e organismos de avaliação da conformidade
orgânica. Várias instruções normativas entraram em vigor
para regulamentar todos os segmentos e processos do
sistema. Com o Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012, foi
instituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (Pnapo), para articular ações de incentivo à
produção de alimentos orgânicos e agroecológicos.
A agroecologia tem emergido como um campo complexo
de pesquisa, prática e construção social, carecendo de um
conceito que a defina de modo mais rígido e consensual.
Diferencia-se da agricultura ecológica, na qual se inserem
muitas vertentes e sistemas de produção sustentáveis, na
medida em que resgata a dimensão cultural da agricultura e,
portanto, sua pluralidade de manifestações, de acordo com
cada região e atores sociais envolvidos. Assim como a
diversidade ecológica é a base para o equilíbrio dos sistemas
agroecológicos, a diversidade cultural fundamenta a
agroecologia.
No Marco Referencial em Agroecologia, lançado pela Embrapa
em 2006, o termo “agroecologia” foi cunhado para “demarcar
um novo foco de necessidade humana, qual seja o de orientar
a agricultura à sustentabilidade” (Embrapa, 2006, p. 2). Ainda
de acordo com esse documento, num sentido mais amplo, a
agroecologia se concretiza quando cumpre os ditames da
sustentabilidade econômica, ecológica, social, cultural,
política e ética.
No movimento agroecológico há um esforço para a
compreensão tríplice da agroecologia como ciência, prática e
movimento. Como um referencial teórico, ela se concretiza na
dimensão local, onde são executados seus princípios e
práticas. Essas inúmeras experiências servem de inspiração
para o redesenho e manejo de agroecossistemas em distintos
contextos. Para Gliessmann (2000), a noção do
agroecossistema é central e a ênfase do conceito de
agroecologia deve estar em sintonia com os ecossistemas
locais, causando menos interferências possíveis.
Em 17 de outubro de 2013, foi instituído o Plano Nacional
de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) para facilitar a
gestão da Pnapo. Esse plano fortaleceu a produção e
aumentou a oferta de alimentos orgânicos, disseminou o
conhecimento de base agroecológica e ampliou o número de
produtores familiares que se voltaram para esse tipo de
produção. Já foram criadas duas versões do plano: a primeira,
para o período de 2013 a 2015, com o objetivo de aumentar a
produção e a oferta de produtos orgânicos; e a segunda, para
2016 a 2019, com a principal meta de cadastrar mais
produtores, através de projetos sociais, no sistema orgânico e
agroecológico de produção.
Em 2016, a área de produção orgânica no Brasil era
superior a 750 mil hectares, e o número de unidades
produtoras era de 15.700. No início de 2020, foram
contabilizadas 22.000 propriedades regularizadas e, hoje, já
são 25.000 unidades produtoras, das quais somente os
Estados do Paraná e Rio Grande do Sul possuem um terço
(Mapa, 2020; Cruz, 2021).

11.7 AGRICULTURA BIODINÂMICA


A agricultura biodinâmica é um modelo que visa à
retomada da força original da agricultura, por meio da
construção de um ambiente autossustentável e com o
mínimo de intervenção exterior. Dessa forma, uma
propriedade rural deve ser capaz de prover tudo de que
necessita, criando um ambiente vivo, equilibrado e
protegido.
A base dessa corrente de pensamento antroposófico são as
conferências do filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925)
na Fazenda Koberwitz, próxima a Breslau, na Polônia. Um dos
temas principais de suas palestras foi a importância de se ter
um solo de boa qualidade para a saúde das plantas. Ele
propôs aditivos para reestimular as forças naturais do solo, os
chamados preparados biodinâmicos, utilizados até hoje pelos
praticantes desse segmento de agricultura. Além desses
preparados, as atividades na propriedade são regidas somente
por calendário próprio, chamado de calendário biodinâmico.

11.8 AGRICULTURA SINTRÓPICA


É um tipo de agricultura agroecológica desenvolvida como
sistema produtivo pelo pesquisador e agricultor suíço
Ernst Götsch, a partir de suas observações de sistemas
tradicionais de cultivo praticados por indígenas da Costa
Rica e, sobretudo, de sua experiência de mais de 40 anos
na Mata Atlântica da Bahia.
O termo sintropia é definido como o contrário de entropia,
conceito da termodinâmica que consiste no nível de
desorganização de um sistema, sendo essa uma tendência
universal (unidades complexas e com energia organizada
transformam-se em unidades simples, com energia dispersa).
Na agricultura sintrópica ocorre o processo inverso, de modo
que um sistema menos estruturado e complexo (baixa
biodiversidade, baixo estoque de C e nutrientes, poucas
interações ecológicas) é redesenhado e manejado no sentido
de aumentar a qualidade e complexidade da vida, acumular
recursos e energia (solo, biomassa, interações ecológicas), em
um processo que mimetiza a regeneração natural de solos e
florestas por meio da produção de alimentos. Essa agricultura
trabalha com sistemas agroflorestais (SAFs) fundamentados
na dinâmica natural das florestas para promover um processo
combinado de produção de alimentos e forragem e
recuperação florestal.
Alguns princípios da agricultura sintrópica são a cobertura
sistemática dos solos com matéria orgânica, a biodiversidade,
a sucessão vegetativa, a estratificação (aérea e radicular) do
sistema e a poda racional das plantas, gerando sincronização
sistêmica e pulsos de crescimento.
A cobertura dos solos com troncos, galhos e folhas é o
princípio essencial ao promover sua recuperação e
conservação e o aumento da fertilidade, da atividade
biológica e da infiltração da água da chuva, bem como a
diminuição da erosão laminar e da evaporação da água do
solo. Essa prática, por sua vez, aponta outros dois pontos
centrais desses SAFs: a presença de plantas (principalmente
árvores) para o fornecimento da matéria orgânica e sua poda
sistemática e racional para a cobertura do solo.
Como se trata de um sistema produtivo, o desempenho
dessas funções ambientais em um SAF deve estar associado à
produção diversificada e sucessiva de alimentos e/ou
forragem. Nesse sentido, para se estabelecer um SAF
ecologicamente funcional e economicamente produtivo, é
necessário utilizar espécies adaptadas e adequadas aos
objetivos de cada sistema, mediante a adoção de
planejamento, desenho e manejo criteriosos. Tudo isso para
evitar a competição entre espécies, promover níveis ideais de
luminosidade a cada elemento e garantir que a produção seja
sucessiva e satisfatória.
Dessa maneira, a agricultura sintrópica tem o potencial de
criar agroecossistemas produtivos, duráveis e mais resilientes
em um cenário de crescente instabilidade climática. Os
sistemas sintrópicos são regidos por processos naturais que,
ao longo do tempo, poderão restabelecer o equilíbrio
agroecossistêmico. Assim, não se trata de estabelecer
sistemas altamente dependentes de insumos e energia
externos (adubação orgânica ou inorgânica, agroquímicos),
mas de criar um sistema que se autorregule e regenere a si
mesmo. Daí dizer que a agricultura sintrópica é uma
agricultura de processos naturais, e não de insumos, embora
estes últimos possam (e devam) ser utilizados no início dos
processos de recuperação como forma de potencializar a
sucessão agroflorestal.
Há algumas experiências exitosas social, econômica e
ambientalmente em diversas regiões do Brasil, as quais vêm
despertando interesse de instituições de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Ater) e pesquisa. Trabalhos em pequena e
larga escala, com distintos propósitos produtivos e em
diferentes contextos ambientais, apontam um caminho de
crescimento das experiências em sintropia.
A agricultura sintrópica emerge como notável estratégia de
desenvolvimento rural. As experiências mostram que a
metodologia é capaz de conciliar o desafio da produção de
alimentos (em um cenário de escassez de recursos e
instabilidade climática) com a recuperação de áreas
degradadas. Além disso, a sintropia é capaz de viabilizar
economicamente processos de recuperação ecológica de
paisagens, por meio de sistemas agroflorestais sucessionais
altamente funcionais e potencialmente produtivos.

11.9 PERMACULTURA
Permacultura, ou cultura permanente, é uma expressão
criada pelos ingleses Bill Mollison e David Holmgren, na
década de 1970, que abrange diversos segmentos do
conhecimento de várias áreas científicas, com o propósito
de criar ambientes humanos sustentáveis, produtivos e
que respeitem o ecossistema local, estando, assim, em
harmonia com a natureza.
Há três éticas que norteiam sua forma de trabalho e são
baseadas na observação do ecossistema onde a propriedade
está inserida. A primeira ética é cuidar da terra, a segunda é
cuidar das pessoas e a terceira é cuidar do futuro. A
permacultura tem por objetivo buscar uma forma sustentável
de interação com o meio para a produção e para a
sobrevivência humana.
É regida por 12 princípios de planejamento desenvolvidos
em conformidade com as éticas, ao longo de duas décadas, e
publicados em 2002 por David Holmgren no livro Permacultura:
princípios e caminhos além da sustentabilidade, traduzido para o
português em 2013. São eles: (1) adequação criativa a
mudanças; (2) observação e interação; (3) captura e
armazenamento de energia; (4) obtenção de rendimento; (5)
aceite e adaptação ao feedback; (6) uso de serviços e recursos
renováveis; (7) não produção de lixo; (8) desenho dos padrões
aos detalhes; (9) integração em vez de segregação; (10) uso de
soluções pequenas e lentas; (11) uso e valorização da
diversidade; e (12) uso e valorização das margens (Holmgren,
2013) (Fig. 11.4).
FIG. 11.4 Princípios da permacultura
Fonte: UFSC (s.d.).

Finalizando, a Agronomia permite que o Engenheiro-


Agrônomo se envolva com os mais variados tipos de
agricultura. Acredita-se que haja espaço para todos esses
tipos no mercado atual e futuro, especialmente no Brasil, um
país com grande vocação agrícola e com enorme potencial
para ser um produtor e exportador de alimentos para o
mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAIARDI, A. Comentário sobre Agroecologia, as coisas em seu lugar.
Colóquio – Revista do Desenvolvimento Regional, v. 10, n. 2, p. 157-62,
jul./dez. 2013.
CRUZ, C. C. O que é produto orgânico? Organis – Associação de Promoção dos
Orgânicos, mar. 2020. Disponível em: <https://organis.org.br/o-que-e-
produto-organico.pdf>.
EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Marco
Referencial da Agroecologia. Brasília: Embrapa, 2006.
GLIESSMANN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura
sustentável. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2009.
HOLMGREN, D. Permacultura: princípios e caminhos além da
sustentabilidade. Porto Alegre: Via Sapiens, 2013. 416 p.
LANDAU, E. C. et al. Variação geográfica do tamanho dos módulos fiscais
no Brasil. Embrapa Milho e Sorgo, Documentos (Infoteca-E), 2012.
MAPA – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Em
7 anos, triplica o número de produtores orgânicos cadastrados no
ministério. Vida saudável, Mapa, 29 abr. 2020. Disponível em:
<https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/em-sete-
anos-triplica-o-numero-de-produtores-organicos-cadastrados-no-
mapa>.
MARTINEZ, H. E. P.; CLEMENTE, J. M. O uso do cultivo hidropônico de plantas
em pesquisa. Viçosa, MG: Editora UFV, 2011. 76 p.
UFSC – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Núcleo de Estudos
em Permacultura da UFSC. O que é permacultura? Santa Catarina: UFSC,
[s.d.]. Disponível em: <https://permacultura.ufsc.br/o-que-e-
permacultura/>. Acesso em: 16 abr. 2018, 9 h.
DOZE

A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E OS RECURSOS NATURAIS

Efraim Rodrigues

Ao longo dos milhares de anos em que o homem produz


seu próprio alimento, a agricultura passou de um evento
raro na paisagem para ocupar mais de um terço das terras
do planeta. As inúmeras decisões tomadas pelos
agricultores, como escolha de espécies, uso de irrigação,
cultivo de solo etc., afetam todos que respiram, bebem ou
comem os alimentos produzidos (Pimm, 2005). Além disso,
a própria agricultura é dependente dessas decisões, pois o
alimento de nosso futuro depende da conservação dos
recursos naturais necessários para sua produção.
Conscientemente ou não, todo Engenheiro-Agrônomo é
um gestor de recursos naturais.
O objetivo deste capítulo é fazer com que mais
profissionais compreendam sua importância no bem-estar da
humanidade e escolham trabalhar para prover segurança
alimentar para os atuais 7,9 bilhões de pessoas e também
para os 83 milhões adicionais a cada ano.

12.1 HISTÓRICO MUNDIAL


O aumento da densidade demográfica e,
consequentemente, das exigências pessoais está
esgotando os recursos naturais e os fluxos que garantem a
produção de alimentos, sobrevindo a fome e a
desagregação de civilizações inteiras. Essa preocupação
com a sustentabilidade de nossa produção de alimentos
não é especulação catastrofista acerca de um futuro
remoto. Pelo contrário, ela resulta da certeza de um
passado que se repete.
Apesar de estudarmos a História Antiga no Ensino Médio,
raramente aprendemos sobre os sistemas de produção de
alimentos e sua sustentabilidade. Antes de ter sido o berço da
humanidade, a Mesopotâmia possuía extensos campos
nativos de trigo, o que explica a invenção da cidade, a arte e o
direito nessa área entre os rios Tigre e Eufrates. Além do
recurso fantástico que era a produção espontânea de trigo,
colhido ano após ano sem trabalho adicional, havia a
disponibilidade de água dos dois rios. Uma vez explorado
todo o potencial produtivo das áreas nativas e com o
crescimento constante da população, iniciou-se a construção
de canais de irrigação, que criaram um duplo problema
(Poore; Nemecek, 2018). A baixa pluviosidade da região fez
com que a irrigação sem a devida drenagem causasse a
salinização dos solos. Ao mesmo tempo, os canais
começaram a ficar obstruídos com os sedimentos trazidos
pelos rios, cujas nascentes estavam desprotegidas em razão
da grande quantidade de cabras mantidas ali.
Posteriormente, o trigo foi substituído por cevada e
centeio, mais tolerantes à salinidade, e também se empregou
um contingente enorme de mão de obra escravizada para
desassorear os canais de irrigação. Em alguns pontos, montes
de 15 m de terra ladeavam esses canais. No entanto, a
natureza terminou vencendo e, após o colapso da produção
de alimentos, seguiu-se o da civilização mesopotâmica.
A história repetiu-se muitas vezes. Na Grécia, por exemplo,
a cidade de Troia distava 2 km do mar na Idade Antiga.
Atualmente, essa distância aumentou para mais de 4 km, por
causa dos sedimentos trazidos pelo rio Menderes Suyu,
resultante da degradação de solos ao longo da planície. Já as
terras íngremes da Fenícia perderam sua produtividade pelo
extensivo corte do cedro-do-líbano para a construção de
embarcações, causando a erosão eólica, que terminou
comprometendo a produção agrícola na região, além,
obviamente, da própria produção do cedro. Nesses eventos e
em muitos outros, repete-se o mesmo enredo da exploração
intensa de recursos naturais, levando ao colapso da produção
de alimentos. Nos tempos em que ainda não havia transporte
remoto de recursos para a agricultura, sobrevinham a fome e
a desagregação social em escala local. Quando passamos a
contar com transporte de longa distância, passamos também
a degradar recursos naturais em escala global (Pimm, 2005).
Ao longo das últimas décadas, muita gente tem
conseguido sair da pobreza extrema e, assim, aumentado o
consumo de proteína animal e de produtos processados. Em
ambos os casos, o resultado é o incremento do consumo de
recursos naturais (ver seção 12.3.3). Países como a China, a
Arábia Saudita, a Coreia do Sul e o Qatar passaram a comprar
ou arrendar terras em outros países para a produção de
alimentos, o que consiste em incrustações nos territórios
desses países, com a única função de produzir para os países
proprietários. A prática chamada de land grabbing (felizmente
ainda sem tradução para o português) implica a cessação da
soberania nacional nesses territórios, que frequentemente
contam com segurança, transporte e infraestruturas próprios.
Portanto, o país, geralmente subdesenvolvido, deixa de
exercer qualquer controle ambiental sobre essas terras, que
somam vários milhões de hectares. Essa prática é comum na
África e na Ásia.
Land grabbing é mais uma etapa de um longo processo de
afastamento entre a produção de alimento e aqueles que o
consomem, iniciado na Roma Antiga ou, talvez, até antes.
Esse distanciamento facilita tanto a degradação ambiental
quanto a produção de alimentos de menor qualidade.

12.2 HISTÓRICO BRASILEIRO


Menos grandioso que ser o “único país do mundo com
nome de árvore”, Brasil foi, na verdade, o nome de um
empreendimento florestal predador, cuja sustentabilidade,
no longo prazo, não parecia preocupar a Coroa portuguesa.
Nos primeiros momentos de nossa história, os papéis
eram diversos dos atuais. Enquanto a Coroa promulgava
leis de contenção do uso de recursos, a sociedade civil
local pressionava pelo seu uso para a produção de
alimentos. A efetivação dessas leis era débil, mas seu
propósito era tentar manter a produção e o transporte de
madeira para a Europa, como fez, por exemplo, a Carta
Régia de Sousa Coutinho, de 1797, que estabeleceu a posse,
para a Coroa portuguesa, das árvores à borda da costa
marítima ou nos rios que desembocassem no mar, sendo
essa a provável origem do termo “madeira de lei”. A pesca
da baleia seguiu o mesmo caminho, sendo monopólio
português até 1801.
Nos séculos XVIII e XIX, José Bonifácio muito
precocemente ligou os problemas ambientais aos problemas
agrícolas e sociais. Em 1823, ele escreveu “Nossas terras estão
ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas,
porque o são por braços indolentes e forçados”. No mesmo
texto, ele alertou que, se nada fosse feito, nossas terras
terminariam desérticas como as da Líbia. José Bonifácio,
assim como o seu predecessor Baltasar da Silva Lisboa, o Juiz
Conservador das Matas da Comarca de Ilhéus, foi um
visionário pouco ouvido em seu tempo. Seria difícil
mencionar alguma prática agrícola que tenha sido mudada
pelo discurso de ambos. Ao contrário, esse tempo foi o de a
floresta servir de lenha para a produção de açúcar (o poder
calorífico do bagaço de cana era todo descartado nos rios); da
agricultura de corte e queima; da baixa produtividade; e do
desmatamento heroico, da luta contra a floresta.
Após essa fase colonial, vivemos a chamada Fase
Geopolítica, quando a agricultura e a pecuária foram
utilizadas para a ocupação de espaços, principalmente nas
Regiões Centro-Oeste e Norte. Eram comuns, nessa fase dos
anos 1920 aos anos 1980, aventuras infrutíferas como a
produção de borracha em plantios adensados de Fordlândia
(Aveiro, Pará), tentativas de implantação de monocultivos de
base temperada ao longo da Transamazônica, assentamentos
de pequenas propriedades em localidades remotas ou a
construção de hidrelétricas em locais claramente impróprios,
como o de Balbina, no Amazonas. Em todas essas situações
faltaram experiências agrícola e ambiental e sobraram
decisões de gabinete.
A partir dos anos 1970, uma nova geração (José
Lutzenberger, Maria Tereza Jorge Pádua, Paulo Nogueira Neto
e outros), por fim, começou a obter resultados reais. Na
agricultura, Herbert Bartz trazia o plantio direto para o Brasil,
e Ernst Götsch fazia o mesmo com a agrofloresta. As histórias
de ambos são paralelas: estrangeiros, inovadores, exóticos a
princípio e considerados visionários, foram responsáveis por
mudanças no sentido de melhor repor a matéria orgânica em
solos agrícolas, enquanto a implantação do plantio direto
estava mais avançada e a produção em agroflorestas ainda se
encontrava em crescimento.
Em 1962, o então Ministro da Agricultura, Armando
Monteiro Filho, fez um forte libelo contra a destruição da
natureza e concluiu reivindicando a reformulação do Código
Florestal de 1934, o que levou à promulgação do novo Código
em 1965. É difícil crer que, há somente 50 anos, uma
autoridade fosse capaz de reunir, em um só tempo, aqueles
mais preocupados com a produção em curto prazo e outros
incomodados com a conservação da produção no longo prazo,
estando atualmente tão dissociados e com forte componente
ideológico.

12.3 RECURSOS NATURAIS NA PRODUÇÃO AGRÍCOLA


A agricultura vive a curiosa posição de ser ao mesmo
tempo consumidora e produtora de recursos naturais, ao
menos dos renováveis. Até este momento, temos realizado
a primeira possibilidade muito mais do que a segunda, que
permanece em nichos restritos. A expectativa, talvez
otimista, é de que, com o esgotamento dos recursos
naturais, passemos de consumidores a
consumidores/produtores de recursos naturais.

12.3.1 ÁGUA
Entre os recursos naturais necessários para a produção de
alimentos, a água é o melhor exemplo de como a
agricultura é mais do que simples consumidora de
recursos naturais, podendo também contribuir para o
aumento de sua disponibilidade, mesmo que isso, no
momento, ainda não passe de possibilidade técnica, longe
da realidade atual.
Já pensou em que consiste o consumo de água na
agricultura? Como a agricultura consome água se o mesmo
tanto que entra pela raiz sai pelos estômatos? O caso da água
mostra como um recurso natural não precisa desaparecer. A
água que entra na planta está na forma líquida e tem baixa
entropia (seu potencial de uso então é máximo), ao contrário
do vapor de água, que sai pelo estômato, cujo potencial de
uso é menor, sendo a entropia maior. Por esse motivo, os
cultivos irrigados, que consomem água retirada de rios ou
poços (águas azuis), são capazes de degradar mais recursos
hídricos que os não irrigados, que consomem água do solo
(água verde).
Além da água de superfície, existe aquela água de
reservatórios profundos, de origem bastante antiga e de
reposição muito lenta. Ao contrário da primeira, que é um
recurso renovável, a reposição da água desses reservatórios
demoraria milhares de anos, sendo, portanto, um recurso não
renovável. Na Arábia Saudita, no México e em algumas
regiões do Estado de São Paulo, é essa água profunda, cuja
reposição é bastante lenta, que está sendo utilizada em
grandes quantidades na irrigação.
A área irrigada mundial foi estimada em 324 Mha em 2012,
em torno de 16% da área agrícola total. Essa reduzida área, no
entanto, consome 70% da água retirada de lagos e rios (água
azul), enquanto os 84% de agricultura não irrigada consomem
somente água verde. A eficiência de produção/área dos
cultivos irrigados é bem superior à dos não irrigados, já que
daqueles 16% da área agrícola saem 40% da produção
mundial. No entanto, a eficiência do uso da água é superior
nos cultivos não irrigados, com 60% da produção originária
totalmente de água verde.
Para produzir 1 kg de soja, evapotranspiram-se 1 m3 a 2 m3
de água, e 1 kg de carne bovina consome 16 m3. A ideia de
que os produtos degradam água para sua produção foi
chamada de água virtual e visa instrumentalizar as escolhas
das pessoas.
A agricultura como é praticada hoje não só extrai água do
solo, como também compromete sua reposição. Como boa
parte das culturas cobre mal o solo por seu porte reduzido,
uma porção maior da água das chuvas escorre
superficialmente. Dependendo do manejo empregado, esse
valor pode ser muito maior ou pouco maior, mas dificilmente
se iguala àquele em áreas conservadas. Vale repetir que isso
não se deve a um imperativo técnico, é só o resultado do
modelo agrícola mais frequentemente empregado. É
tecnicamente possível produzir alimento em áreas com
intensa recarga do lençol freático.
As alterações impostas pela agricultura no ciclo da água já
são perceptíveis em escala global. Em 2018, foram publicadas
as primeiras compilações dos satélites Gravity Recovery and
Climate Experiment (Grace), capazes de estimar a água em
diferentes regiões a partir das alterações gravitacionais
causadas. Entre as muitas regiões que mostraram défices
anuais da ordem de dezenas de mm/ano, algumas estavam
associadas ao uso intenso de águas profundas para irrigação,
como no oeste e centro-sul dos Estados Unidos, do Oriente
Médio, em extensas porções da China, norte da África e
Rússia central. Várias outras regiões também tiveram seu
conteúdo de água reduzido em função das mudanças
climáticas.
O processo de destruição do ciclo hídrico atinge seu ápice
com a salinização do solo. Nos casos mais graves, o
desenvolvimento vegetativo é todo impedido. Cerca de 7% das
terras do mundo estão salinizadas. Entre as áreas irrigadas, a
porcentagem sobe para 20% ou ainda mais em áreas
semiáridas. A irrigação nesses locais com alta radiação solar
concentra os sais na superfície, trazidos com a água em fluxo
ascendente.
Nosso país tem uma das maiores disponibilidades de água
doce per capita do mundo, o que é uma vantagem estratégica
para a produção de alimentos, já que os grandes mananciais
mundiais de água se esgotam dia após dia. Essa
disponibilidade, que era ainda maior no passado, não
estimulou em seu tempo manejos tradicionais de água como
o Taanka indiano ou o Qanat persa, nem mesmo no semiárido
nordestino, que só no século XXI construiu alguma
quantidade de cisternas simples para a coleta de água da
chuva. A grande disponibilidade de água que temos também
estimulou o uso de corpos de água para lançamento de
resíduos. São raras as situações em que reconhecemos a
importância da água na produção de alimentos, exatamente
porque sempre a tivemos em quantidade e qualidade. Não
temos atualizado nossa visão, mesmo com a degradação
recente de nossos recursos hídricos pela agricultura,
industrialização e urbanização.
A reutilização de águas ainda é tabu entre nós. Costumo
gastar horas com os alunos mostrando suas vantagens, como
o grande conteúdo de N, P e matéria orgânica, e mesmo assim
muitos terminam sem se convencer, como se toda água de
reúso contivesse algum componente mágico que a tornasse
eternamente imprópria para qualquer tipo de uso.
A lixiviação de nutrientes, em especial o nitrogênio, é um
problema associado à qualidade da água. Por vezes, é difícil
entender por que, ao mesmo tempo que nos esforçamos para
aumentar a concentração desse nutriente nos solos,
queremos reduzi-la nas águas. A mesma lixiviação que retira
o N do solo adiciona-o às águas, e seu efeito de estimular o
crescimento vegetal ocorre igualmente. No entanto, na água,
ao contrário da terra, a degradação dessa biomassa vegetal
consome o oxigênio do meio, limitando toda a vida que
depende de respiração. Além da eutrofização, a ingestão de
nitratos na água causa complicações na capacidade da
hemoglobina em todos os vertebrados que fazem uso dessa
molécula para carregar oxigênio. Por sua grande solubilidade
e tendência à lixiviação, o nitrato é o contaminante químico
mais encontrado em aquíferos e frequentemente usado pelo
homem. No sudoeste paranaense, por exemplo, uma região
agrícola com baixa urbanização e poucas indústrias, um
estudo de 2010 encontrou um terço das amostras de poços
artesianos com nitrato acima do valor permitido de 10 mg/L.
O fósforo é também muito importante nesse processo de
eutrofização, mas, por ligar-se mais fortemente ao solo, sua
entrada na água depende de erosão, ao contrário do N, que se
lixivia. Mesmo assim, a carga anual de P da agricultura
cresceu em 27% entre 2002 e 2010, chegando a 666 Gg.
Ao redor do mundo já foram mapeadas 415 áreas costeiras
com algum nível de eutrofização, sendo 169 gravemente
afetadas, a ponto de não terem mais oxigênio na água. Os
países com agricultura moderna são também aqueles com as
águas mais eutrofizadas. Na comunidade europeia, 38% dos
corpos de água sofrem com a poluição agropecuária.

12.3.2 EROSÃO GENÉTICA


A perda da variação genética devida à modernização da
agricultura tem sido chamada de erosão genética. Ela
ocorre nos genes, nas variedades ou em culturas inteiras e
decorre de um complexo de decisões de quem colhe as
sementes, de quem planta e de quem consome e
igualmente afeta a todos. Recentemente, a erosão genética
tem sido causada pela substituição de variedades
selvagens por poucas cultivares de alta produção, assim
como pela destruição de hábitats nativos onde essas
espécies ocorrem em sua forma silvestre. A globalização
ampliou a escala dessa perda. Apesar de haver 30.000
espécies de plantas com potencial nutricional no mundo,
das quais 7.000 são cultivadas, somente cinco (arroz, trigo,
milho, milheto e sorgo) fornecem 60% da caloria ingerida
por nós.
Desde a primeira vez que colhemos um fruto com a
intenção de semear, começamos a mudar as pressões
seletivas naturais a que essa espécie estava submetida. Com o
passar de gerações, os frutos aumentam, os ciclos se reduzem
e a maturação sincroniza-se. Ao mesmo tempo, a diversidade
tende a se reduzir, pois, além de selecionarmos, mesmo
desavisadamente, para homogeneização, os campos de
cultivo são mais homogêneos que as áreas naturais onde
essas espécies ocorriam originalmente.
Em 1903, era possível comprar 497 variedades de alface
nas lojas de sementes norte-americanas, e, 80 anos depois,
esse número se reduziu para 36. Da mesma forma, as
variedades de tomate diminuíram de 408 para 79 e as de
repolho, de 544 para 28. Nos últimos 50 anos, a produção
mundial concentrou-se em menos culturas, com grande
aumento de soja, palma, canola e mostarda e grande redução
de milheto, centeio, sorgo, inhame, mandioca e batata-doce.
Essa diminuição também se deu nos alelos, ocorrendo
amplamente em diferentes variedades e períodos. Um estudo
com trigo canadense, por exemplo, mostrou 17% de redução
líquida de alelos desde o começo do século XX.
Todas essas perdas comprometem a adaptação aos
microambientes, a resistência a pragas (a uniformidade é a
base da epidemia), a autonomia dos produtores, as
possibilidades de melhoramento genético e a adaptação às
mudanças climáticas. Até mesmo a criação de novas
variedades de alto potencial produtivo depende da
conservação genética de alelos, de variedades e de espécies. A
perda de diversidade em nossa alimentação também chega a
impactar nossa saúde, reduzindo a diversidade de nossa
fauna entérica, que é associada ao humor e à obesidade, além
de várias doenças, como câncer de intestino.
Apesar de sua importância, há poucas alternativas de
controle coletivo da biodiversidade agrícola, de forma que
diariamente, ao redor do mundo, agricultores estão tomando
decisões de forma individual, com graves riscos para todos no
presente e no futuro.
Os menores produtores rurais são importantes para a
conservação de genótipos, tanto por seu grande número
quanto pela pequena extensão. Eles empregam grande
diversidade de cultivares, muitas vezes de origem ancestral.
Apesar de sua área agregada ser de poucos hectares, os
pequenos agricultores representam 84% dos estabelecimentos
rurais.

12.3.3 ENERGIA E COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS


A história da agricultura envolve o uso de quantidades
cada vez maiores de energia, sempre visando a aumentos
de produtividade. No início, a fonte dessa energia era o
trabalho humano, e depois o trabalho animal e a queima
da madeira. Por fim, trouxemos a energia dos combustíveis
fósseis para a produção de alimentos.
A entrada de energia na agricultura, que chamamos de
subsídio energético, não se limita à produção de trabalho
mecânico como cultivar o solo ou bombear a água. Qualquer
material que entra no campo possui algum conteúdo
energético, como fertilizantes (mesmo orgânicos), sementes,
água e todos os outros. Por isso, utiliza-se a medida de
eficiência energética (energia gasta/caloria de alimento
produzido) como indicador do uso de recursos naturais na
agricultura.
O setor de alimentos conseguiu grande aumento de
eficiência na produção por área ao longo de seus 15.000 anos
de idade. Esse aumento, no entanto, ocorreu às expensas de
insumos energéticos cada vez maiores, em diferentes
formatos (trabalho humano, hídricos, combustíveis fósseis
etc.), causando redução constante na eficiência energética até
recentemente. Nos últimos anos, o aumento do preço dos
combustíveis fósseis, principal fonte de energia da produção
de alimentos, tem revertido essa tendência com aumentos de
eficiência energética em todos os setores econômicos,
incluindo a agricultura. A China, por exemplo, conseguiu
reduzir em 35% sua intensidade de energia (MJ/US$ PIB) entre
2000 e 2015, e os Estados Unidos, 25% no mesmo período. A
situação brasileira é bastante diversa: nossa eficiência
energética já era bastante alta no início desse período. Para
cada dólar de PIB, gastávamos 4 MJ, ou menos da metade do
que a China gastava naquele momento. Talvez por isso nossa
tendência foi inversa à dos Estados Unidos e da China:
tivemos pequena redução em nossa eficiência energética.
Um aspecto importante da eficiência energética da
produção agrícola é a fração de proteína de origem animal em
nossa dieta. A carne bovina, por exemplo, contém somente
3% da proteína ingerida pelo animal. A eficiência de
conversão calórica é similar. Mesmo o eficiente frango não
consegue reter mais que 20% da proteína ingerida, sendo sua
eficiência ainda menor em termos de calorias. Portanto, com
a proteína necessária para nutrir cinco pessoas diretamente, é
possível nutrir apenas uma ao colocarmos um animal para
reprocessar essa proteína vegetal em proteína animal. Se o
intermediário for o gado, então a eficiência será ainda menor.
No Brasil, o rebanho bovino responde por 17% das emissões
de gases de efeito estufa.
Por essa razão, a proteína animal foi limitada em muitas
tradições asiáticas com fartura de gente e escassez de
recursos para a produção de alimentos. Ainda que esse maior
impacto ambiental da proteína animal sugira a solução da
dieta vegetariana, não há consenso entre os nutricionistas
sobre a conveniência dessa opção para nós. Há consenso de
que aqueles que podem comer carne o fazem
demasiadamente, a ponto de comprometer a saúde. No
mundo desenvolvido, o consumo de carne bovina tem-se
reduzido consistentemente. Entre 1976 e 2015, o consumo per
capita de carne bovina caiu pela metade nos Estados Unidos,
sendo substituído por frango, que, por sua vez, passou do
dobro, enquanto o consumo de carne de porco se manteve
inalterado. A redução do consumo de carne bovina repete-se
na Europa. Até mesmo na China, onde o consumo per capita
de carne cresce continuamente, a carne bovina é a que
apresenta o menor crescimento.
Nos anos 1990, a discussão sobre consumo de energia na
agricultura tornou-se ainda mais grave com a confirmação de
que o gás carbônico resultante da queima de combustíveis
fósseis acumula-se na atmosfera, e isso causa aumento da
temperatura terrestre. As consequências desse aumento são
tão graves que geraram até um movimento irracional de
negação, já que a manutenção da situação atual projeta
cenário trágico de colapso da produção de alimentos e de
nossa civilização.
Mas por que o aumento de CO2 e o aquecimento de uns
poucos graus causariam problema, se as plantas respondem
positivamente às duas mudanças?
A atmosfera terrestre não é uma pequena casa de
vegetação na qual se aumenta ou diminui a temperatura de
maneira constante. Quando a temperatura do planeta
aumenta, mesmo que em frações de grau, é resultado de
grandes variações de temperatura nas diferentes regiões
junto com grandes mudanças nos mecanismos de
transferência de calor, dos quais a água é parte fundamental.
Em termos práticos, algumas regiões têm-se aquecido muito
mais que a média, encaminhando-se para inviabilizar a
produção, enquanto outras estão tendo seu regime de chuvas
alterado. Curiosamente, algumas podem até resfriar-se. O
norte da Europa, por exemplo, é aquecido pela corrente do
Golfo, que traz calor do Equador para a região e depende da
diferença de temperatura entre o polo e o Equador para
funcionar. O calor contido nas águas quentes se transfere
para a atmosfera, assim como a evaporação faz com que a
salinidade da água do mar aumente. Essa água fria e com
maior teor de sal tende a afundar, formando-se, então, uma
esteira rolante que leva água quente para o Atlântico Norte e
traz água fria para o Equador. Como o aquecimento global
afeta sobremaneira o extremo da esteira rolante da corrente
do Golfo (as altas latitudes do Hemisfério Norte), reduz-se a
diferença entre o Equador e o Polo Norte, a corrente do Golfo
desliga-se e as latitudes médias se resfriam, porque não
contarão mais com a transferência de energia do Equador.
Fala-se já em produção de vinhos na Inglaterra, Polônia e
Michigan, assim como dizem que a silvicultura e a
fruticultura escandinavas expandem suas áreas de plantio em
direção ao norte. Essas foram as boas notícias. As más são,
infelizmente, bem maiores. Apesar da possível expansão das
parreiras para o solo inglês, o aumento da temperatura
associado à seca já afeta áreas tradicionais de produção de
vinhos, como Bordeaux, Borgonha, Toscana, Douro e Vale do
Napa. Há previsões de que essas regiões não produzirão mais
vinhos já em 2050.
Além dessas, muitas áreas subtropicais, como
Mediterrâneo, grande parte da Austrália, África, o Sul e
Sudeste brasileiros, têm sofrido declínio da disponibilidade de
água (ver seção 12.3.1). O norte do Paraná, por exemplo, tem
mantido as médias anuais de chuvas, e estas têm sido mais
intensas; no entanto, tem havido mais dias sem chuvas. E
ambas as condições são adversas para a agricultura.
Outro efeito indireto da elevação da temperatura global é o
aumento do nível do mar, que compromete muitas áreas na
Ásia com a perda de terras agricultáveis para o oceano e
também com a ameaça muito mais ampla de salinização dos
solos (ver seção 12.3.1).

12.3.4 CONTAMINAÇÃO DAS CADEIAS TRÓFICAS


Muitas das substâncias que usamos no dia a dia não se
decompõem facilmente e terminam ligadas ao alimento,
ao solo, à água, ao ar e, muitas vezes, a nós mesmos. Nem
sempre elas possuem cheiro, sabor ou coloração
característicos e nem sempre causam efeitos agudos,
notáveis em curto prazo.
A pesquisadora Anne Ropelle, da Unicamp, analisou 18.902
amostras de sêmen humano, coletadas entre 1989 e 2016, e
observou redução significativa da qualidade e quantidade, de
86 para 48 milhões/mg em 2016. A tendência vem
aumentando ao longo do século XX, especialmente em países
industrializados. Entre as causas mais prováveis dessa
redução estão o bisfenol A, um aditivo plástico, e outros
disruptores endócrinos, nos quais se incluem muitos
agrotóxicos. Essa redução não compromete a reprodução
humana e, por isso, não chega a ser um problema em si
mesmo. No entanto, ela indica alterações endócrinas em
grande escala, desequilibrando silenciosamente o
metabolismo de bilhões de pessoas expostas a essas
substâncias, que aumentam a ocorrência de câncer e
hipotireoidismo, assim como adiantam a primeira
menstruação. Para tentar reverter isso, precisamos monitorar
os alimentos, usar adequadamente os agrotóxicos e erradicar
seu uso nos casos necessários (Bombardi, 2017).
O termo agrotóxico é amplo e envolve variados modos e
níveis de periculosidade, com efeitos agudos e crônicos. O
estudo do modo de ação do agrotóxico, que é fundamento da
periculosidade de um produto para pessoas e para o
ambiente, é o primeiro passo para evitá-lo, anterior até
mesmo ao monitoramento. Muitas vezes, esse estudo é
realizado de modo apressado em atendimento às demandas
do fabricante.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
monitora regularmente a presença de agrotóxicos em
alimentos. Em um levantamento realizado entre 2013 e 2015,
foram analisadas 12.051 amostras para 232 agrotóxicos, em
que 20% delas (2.371 amostras) continham resíduos desses
produtos, 3% (362 amostras) continham-nos em níveis acima
do limite máximo de resíduos (LMR) e 18% (2.211 amostras)
apresentaram resíduos de agrotóxicos não autorizados para a
cultura amostrada. Desse levantamento, salientam-se os
resultados referentes a neonicotinoides, responsáveis por um
quarto do mercado global de inseticidas. São solúveis em
água e de degradação lenta no ambiente. Eles se ligam aos
tecidos da planta, de maneira a protegê-la ao longo de seu
desenvolvimento; no entanto, são um risco ambiental, já que,
durante o tempo necessário para sua degradação no
ambiente, os inseticidas neonicotinoides contaminam outras
espécies de plantas e pragas agrícolas e se acumulam no solo.
No Brasil, tomates recebem até 0,5 mg/kg de imidacloprid (o
inseticida usado mais amplamente no mundo), 0,1 mg/kg de
clotianidina e 1 mg/kg de tiametoxam – esses neonicotinoides
foram banidos em toda a comunidade europeia a partir de 27
de abril de 2018, após uma longa avaliação que ligou seu uso
ao colapso de colônias de abelhas em curso em todo o
mundo.
O glifosato é outro agrotóxico também amplamente
utilizado no mundo. Em 2014, foram consumidas 825.800
toneladas desse herbicida. Seu uso foi bastante ampliado
após 1996, quando entraram no mercado as primeiras
variedades transgênicas resistentes a ele, tornando-se hoje o
agrotóxico mais utilizado no mundo e também no Brasil, com
mais da metade do volume total de consumo de agrotóxicos.
A resistência conferida pela inserção de genes na planta
cultivada possibilita a aplicação do herbicida com a cultura
em desenvolvimento, um recurso valioso no controle de ervas
daninhas. No entanto, estudos recentes vêm demonstrando
sua ação disruptiva no sistema endócrino, aumentando as
chances de câncer. Há dois problemas não associados ao
glifosato em si, que são os surfactantes necessários para a
substância cobrir a folha, algumas vezes mais tóxicos que o
próprio herbicida. Entretanto, os transgenes inseridos na
planta para prover tolerância aos herbicidas têm sido
considerados seguros para a saúde humana e para o meio
ambiente.
Há grandes diferenças nas concentrações de agrotóxicos
permitidas nos países. Por exemplo, o limite brasileiro é de
500 µg de glifosato/L de água, enquanto na comunidade
europeia ele é 5.000 vezes menor (Bombardi, 2017). O acetato,
inseticida mais vendido no País (mais de 26.000 toneladas em
2014), está banido da União Europeia desde 2003. Talvez em
raros casos essas diferenças se expliquem por aspectos
ambientais, mas elas parecem estar mais relacionadas ao
nível de organização da sociedade para se opor aos interesses
dos produtores de agrotóxicos e seus usuários.
A história dos neonicotinoides, do acetato e do glifosato
vem se repetindo com personagens diferentes desde os anos
1950. No passado, também os organoclorados ofereceram
uma agricultura sem pragas, mas estudos posteriores
mostraram sua toxicidade para humanos e para o ambiente.
A criação e os testes de efetividade de produtos são, em geral,
mais rápidos do que a avaliação dos efeitos ambientais e
humanos – alguns deles são crônicos ou ocorrem na escala de
décadas. Os lucros vultosos envolvidos e a pressão dos
fabricantes certamente não ajudam. Por esses motivos, a
expressão “princípio da precaução” tem sido bastante
repetida. Ainda mais porque, além dos agrotóxicos, o resto da
indústria química tem sido prolífica na criação de novas
substâncias, cuja interação com pessoas e com o ambiente é
desconhecida. Em muitos casos, até mesmo a composição dos
chamados “poluentes emergentes” é desconhecida, por
questões de segredos industriais. É nesse solo, nessa água e
com esse ar que devemos produzir alimentos sadios para a
população.

12.3.5 DESMATAMENTO
A produção de alimentos é a principal causa de
desmatamento em todo o mundo. A extração de madeiras
de qualidade também degrada florestas, mas, ao contrário
da agricultura, essa operação deixa para trás uma floresta
degradada com chances de restauração. O caso mais
frequente é o fato de essa extração abrir caminho para a
pecuária e esta, para a agricultura. As principais
commodities associadas ao desmatamento são óleo de
palma, soja, carne bovina, madeira, polpa de celulose e
papel.
A substituição de hábitats nativos por agricultura repetiu-
se inúmeras vezes em nosso território, assim como na Ásia,
Europa e África. No Brasil, 1,5 milhão de km2 queimou ao
menos uma vez entre 2000 e 2019, área equivalente a 17,5% de
nosso território. Em média, 177 mil km2 queimam todo ano,
ainda que em 2019 esse valor tenha chegado a 203 mil km2. A
Amazônia já perdeu 20% de sua área em relação à situação de
1970, e da Mata Atlântica sobram em torno de 10%, mas essa
floresta tem aumentado nos últimos anos (MapBiomas, 2020).
Uma discussão recente vem tentando compreender se as
novas tecnologias agrícolas se prestam a viabilizar novas
áreas, estimulando o desmatamento, como no Cerrado, ou se
estimulam o abandono de áreas marginais, como na Mata
Atlântica. A conclusão parece ser de que a intensificação da
agricultura nas áreas de fronteira leva a mais desmatamento,
enquanto nas áreas já consolidadas provoca o abandono de
áreas marginais e, consequentemente, o aumento do espaço
florestado.
Um aspecto importante do desmatamento amazônico é
sua relevância para a formação de chuvas no sul da América
do Sul. Quanto menos floresta, maior é o albedo (energia solar
refletida para a atmosfera), menor é a água evapotranspirada
e maior é o escorrimento superficial da água, contribuindo
para a diminuição das chuvas. Carlos Nobre e Thomas
Lovejoy publicaram um artigo recente na revista Science,
afirmando que o ponto em que a floresta não produziria mais
chuvas suficientes para se manter já teria sido alcançado
(Nobre; Lovejoy, 2018). Muitos agricultores do Sul-Sudeste já
percebem essa situação.
Esse processo de redução da pluviosidade já está mais
avançado em outras regiões do mundo, chegando mesmo à
desertificação. De acordo com o Atlas de Desertificação
publicado em 2018 pela Comissão Europeia, mais de 75% da
superfície cultivável do planeta já está degradada, e esse valor
pode chegar a 90% em 2050. A cada ano, uma área equivalente
à metade da União Europeia se degrada, sendo Ásia e África
os continentes mais afetados. A degradação de solos em
conjunto com as mudanças climáticas pode chegar a
comprometer metade da produção agrícola nas áreas mais
afetadas da Índia, China e África Subsaariana.

12.4 O FUTURO

12.4.1 PERSPECTIVAS PESSIMISTAS


A população mundial ainda crescerá durante todo o século
XXI, o que já é em si mesmo uma pressão sobre os
recursos naturais, mas que será ainda maior com o
aumento da renda de grandes contingentes humanos, que
aumentarão seu consumo de proteína animal e de
produtos processados.
Há, no entanto, grandes diferenças nas taxas de
crescimento populacional dos países. Enquanto alguns já
conseguiram estabilizar suas populações, outros ainda têm
altíssimas taxas de natalidade, ou seja, justamente os países
mais pobres sofrerão maior pressão em seus recursos
naturais. Nos próximos anos, precisaremos também adaptar a
agricultura às mudanças climáticas, em cenários não
totalmente conhecidos, e de novo os países tropicais e
subtropicais (de modo geral, os mais pobres) sofrerão os
maiores impactos do aumento de temperaturas e da falta de
água (Poore; Nemecek, 2018). O esgotamento de seus recursos
naturais dificultará essa adaptação.
Ainda que o land grabbing (ver seção 12.1) dos países mais
ricos possa aumentar sua segurança alimentar, ele se faz às
expensas da segurança alimentar dos países mais pobres e,
por distanciar mais uma vez a produção de alimentos
daqueles com poder de decisão, termina por privilegiar, no
curto prazo, a produção desse ano em detrimento do
ambiente e da conservação da produção das próximas
décadas.

12.4.2 PERSPECTIVAS OTIMISTAS


Algumas das ideias mais promissoras para a conservação
de recursos naturais têm origem nas tecnologias digitais. A
invenção de lâmpadas de LED viabilizou a produção de
alimentos frescos em ambiente fechado nutrida por
hidroponia e próxima do ponto de consumo. Com isso,
cortam-se gastos com transporte, estocagem e
refrigeração, além de despesas com agrotóxicos e com o
consumo de água. Isso já está ocorrendo, sobretudo, em
regiões mais frias, onde o transporte da produção
convencional é, por vezes, de longuíssima distância.
Outro avanço tecnológico importante é a automatização
agrícola, com a invenção de máquinas autônomas e muito
menores, de baixo consumo de energia, que trabalham em
tempo integral, controlando ervas daninhas e fertilizando ou
colhendo, sem a necessidade de operadores. O uso pontual de
herbicidas e inseticidas logo no início do problema tem o
potencial de ser bem mais efetivo, barato e contaminar muito
menos que as opções atuais.
Outro conceito que tem crescido recentemente é a
agricultura urbana, que não só contribui para a melhoria do
clima na cidade como também é capaz de receber muitos
resíduos urbanos e transformá-los em alimentos, com o
benefício adicional de também evitar seu transporte para
dentro da cidade.
Outra tecnologia que começa a ser disponibilizada,
inicialmente com produtos de origem animal, é o uso de
certificação blockchain para rastreabilidade de produtos. O
consumidor terá acesso à história completa de um produto
escaneando o pacote com seu telefone celular ou seu
sucedâneo, relógio, óculos etc. e, assim, poderá escolher se
quer consumir um produto orgânico, transgênico ou que usou
ou não determinado agrotóxico. Da mesma forma, o produtor
poderá atender a essas demandas mais prontamente se puder
conhecê-las.
Com o avanço das mudanças climáticas, será cada vez
mais difícil produzir alimentos em áreas gigantescas cobertas
com uma única espécie herbácea com sistema radicular
superficial. Os sistemas agroflorestais são uma grande
esperança para um futuro com mais produção de alimento e
menos degradação de recursos naturais. A introdução da
árvore na produção de alimentos conserta o grande erro de
importar técnicas de regiões temperadas para a produção nos
trópicos, e a força que essa ideia vem tendo pode ser
mostrada pela multiplicidade de nomes atribuídos, como
integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), sistemas
agroflorestais (SAF), agricultura sintrópica e outros. Há
pesquisadores, profissionais e produtores rurais pensando
nos vários benefícios de uma agricultura diversa e associada a
árvores, a exemplo da produção em massa de matéria
orgânica, controle de microclima, proteção contra geadas,
recuperação de nutrientes lixiviados e aumento da
diversidade biológica. Todos esses aspectos implicam uso
mais eficiente de recursos naturais; em muitos casos, solos e
agroecossistemas são até restaurados sem a necessidade de
subsídios energéticos externos. Em todos esses aspectos, há
recursos naturais bem utilizados, e, em muitos casos, solos e
agroecossistemas são até restaurados sem a necessidade de
subsídios energéticos externos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a
União Europeia. São Paulo: Laboratório de Geografia Agrária FFLCH-USP,
2017. 293 p. Disponível em:
<http://conexaoagua.mpf.mp.br/arquivos/agrotoxicos/05-larissa-
bombardi-atlas-agrotoxico-2017.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2018.
MAPBIOMAS. 17,5% do Brasil já queimou pelo menos uma vez em 20 anos.
MapBiomas Brasil, 3 dez. 2020. Disponível em:
<https://mapbiomas.org/noticias>.
NOBRE, C.; LOVEJOY, T. Amazon Tipping Point. Science, v. 4, n. 2, 21 fev.
2018. Disponível em:
<https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.aat2340>.
PIMM, S. Terras da Terra: o que sabemos sobre nosso planeta. São Paulo:
Editora Planta, 2005. 308 p.
POORE, J.; NEMECEK, T. Reducing food’s environmental impacts through
producers and consumers. Science, v. 360, n. 6392, p. 987-92, 2018. DOI:
10.1126/science.aaq0216.
TREZE

DEFESA FITOSSANITÁRIA

Laércio Zambolim

O Brasil é o principal fornecedor de alimentos, fibras e


energia – os chamados 4Fs (food, fuel, fiber e forests). Além
disso, foi o país que mais cresceu no quesito produtividade
florestal e triplicou o índice de produtividade nas últimas
três décadas. A expectativa é de que a procura anual por
madeira triplique para mais de 10 bilhões de m3. O País
também aumentou em mais de 40% a produção de milho e
soja nos últimos anos, com acréscimo de somente 5% na
área cultivada. A produção de grãos cresceu oito vezes
mais do que a área utilizada. Ademais, o Brasil tem grande
disponibilidade de terras e recursos naturais e é o único
país que possui cerca de 90 milhões de hectares de área
agricultável ainda disponível. A região dos Cerrados apta à
produção de alimentos corresponde a 1,8 milhão de km2,
ou seja, 20% da superfície do País.
A agricultura terá grandes desafios a enfrentar nos
próximos anos, pois a demanda por alimentos vai exigir
aumento de mais de 20% na produção mundial na próxima
década. De acordo com a estimativa da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o
mundo deverá produzir mais do que o dobro de alimentos
para suprir as necessidades da população em 2050. E a
produção de víveres na propriedade familiar ou no
agronegócio deve ser realizada de forma que seu aumento
ocorra com baixa emissão de carbono, sem grandes
incrementos na área plantada e com a preservação dos
biomas. Além disso, a sociedade demandará alimentos mais
saudáveis, nutritivos, saborosos, com menor emprego de
defensivos agrícolas, com rastreabilidade e que tenham maior
durabilidade pós-colheita. O desafio, então, é como alcançar
todos esses requisitos sem uma defesa fitossanitária atuante.
Em 2050 seremos 9,5 bilhões de pessoas, e para abastecer o
planeta sem esgotar as fontes de matéria-prima a partir dos
princípios do desenvolvimento sustentável será necessário
elevar o nível de produtividade e a qualidade dos produtos,
reduzir custos e cumprir o código florestal. O Engenheiro-
Agrônomo, portanto, terá papel de importância vital na
sustentabilidade da agricultura brasileira.
No Brasil, somente o produto interno bruto da agricultura
tem-se mantido positivo nos últimos anos. O desafio de
alimentar uma população em crescimento, contando com
terras agricultáveis cada vez menos disponíveis, só será
possível com a adoção de tecnologias que permitam
aumentar a produtividade. O Brasil ainda conta com grande
quantidade de terra disponível para a agricultura sem
necessidade de devastar as florestas. Já nos países
desenvolvidos, praticamente não há mais terra disponível
para a agricultura. Um segundo desafio tem sido a
intensificação do comércio internacional com a globalização,
criação de blocos regionais e redução de barreiras tarifárias ao
comércio, pois o movimento de pragas a longas distâncias faz
com que sua distribuição geográfica se expanda sem
precedentes (Souza-Costa, 2015). Assim surge o risco
fitossanitário, que é a relação entre o perigo que uma praga
representa para o agronegócio brasileiro e a probabilidade de
sua entrada (ou dispersão) em nosso território. Pergunta-se: é
possível medir riscos e gerenciá-los? Resposta: sim. Essa é a
premissa que deve ser perseguida pela alta gestão da
fitossanidade do Brasil, com a classificação dos riscos e a
definição de planos de contingência e de controle.
O Brasil conta com uma área total de 8.500.000 km², 7.367
km de fronteira marítima e 16.886 km de fronteira terrestre.
Isso demonstra a vulnerabilidade do País à introdução de
pragas exóticas. De acordo com a FAO, as perdas na
agricultura estão em torno de 35%, sendo 14% causadas pelos
insetos e ácaros, 12% por doenças e 9% por plantas daninhas.
A situação é mais preocupante quando se comparam essas
perdas entre países em desenvolvimento, como o Brasil, com
as nações desenvolvidas. Em nível de propriedade agrícola, há
casos em que as perdas podem atingir 50% ou mais,
dependendo da espécie da praga.

13.1 CONCEITO DE DEFESA FITOSSANITÁRIA


A defesa fitossanitária talvez seja a área mais importante
de atuação do Engenheiro-Agrônomo, profissional que
estuda as pragas e outros insetos que reduzem a produção
de alimentos – indispensáveis à sobrevivência e ao bem-
estar de todos nós – e busca soluções para amenizar seus
danos.
Pela Convenção Internacional de Proteção dos Vegetais
(CIPV) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa), a definição de praga é ampla e difere
daquela consagrada no meio acadêmico, especialmente nas
universidades e faculdades de Engenharia Agronômica. As
definições empregadas no âmbito da CIPV são:
Praga: qualquer espécie, raça ou biótipo de planta,
animal ou agente patogênico nocivo a plantas ou a
produtos vegetais. Exemplos: os insetos, as plantas
daninhas, os ácaros, os fungos, as bactérias, os vírus,
os viroides, os nematoides, os protozoários, os
micoplasmas, as bactérias fastidiosas e os
actinomicetos.
Praga quarentenária: praga de importância econômica
potencial onde ainda não está presente ou, se existe,
não se encontra amplamente distribuída e está sob
controle oficial.

As pragas não estão fixas no tempo e no espaço. A


variação na sua distribuição faz parte do processo evolutivo.
Com as mudanças climáticas, pode-se esperar grande
influência no comportamento das pragas.
O crescente movimento de cargas e de passageiros
facilitou a dispersão das pragas para longas distâncias. Se, no
passado, a disseminação desses organismos ocorria somente
por meios ativos (migração, voo) (Begon; Townsend; Harper,
2007) ou auxiliada por agentes naturais (correntes de ar,
água), nas últimas décadas a participação do ser humano
passou a ser preponderante (Sanches; Lopes da Silva, 2015).
Nesse cenário, a defesa fitossanitária objetiva salvaguardar
a produção agrícola dos danos provocados por pragas. É um
conjunto de práticas destinadas a prevenir, controlar e/ou
erradicar pragas capazes de provocar danos econômicos às
lavouras e a seus produtos, especialmente nas culturas que
detêm importância econômica e social (Silva et al., 2015). O
princípio que norteia a defesa fitossanitária é a exclusão, que
visa impedir que as pragas se disseminem de um continente,
país, estado, município e até mesmo de uma gleba de uma
propriedade rural para outra.

13.2 OBJETIVOS DA DEFESA FITOSSANITÁRIA


A defesa fitossanitária brasileira tem como princípios
promover e implantar programas e ações de defesa
agropecuária, contribuindo para o desenvolvimento
sustentável do agronegócio e possibilitando garantias para
a preservação da vida e da saúde das pessoas e dos
animais, além da segurança alimentar. Possui os mesmos
princípios em todos os países.
Especificamente, as decisões tomadas pela CIPV, que
devem ser tecnicamente justificadas, são:
Evitar a entrada de novas pragas no país e em áreas de
agricultura onde elas ainda não existam. Nos últimos
120 anos, mais de 100 espécies de novas pragas foram
detectadas no Brasil, das quais mais de quatro
dezenas estão associadas às cadeias de produção de
frutas. São espécies que vieram de outras partes do
mundo e que, encontrando condições favoráveis, se
estabeleceram aqui, trazendo danos à produtividade e,
como consequência, aumentando custos.
Evitar a disseminação interna de pragas no país,
estado, município ou até mesmo dentro da empresa
rural. Infelizmente, pelo desconhecimento da biologia
das pragas, os cultivos de grãos formam no campo o
que se denomina “ponte verde”. Tais pontes verdes
ocorrem com pragas do solo e até da parte aérea das
plantas. O milho, a soja e o algodão, por exemplo, além
de serem bons hospedeiros de Spodoptera frugiperda,
Helicoverpa spp. e Heliothis virescens, servem de “ponte
verde” para essas pragas. A soja e o algodão são
também hospedeiros de Chrysodeixis includens e mosca-
branca. Geralmente, o milho é recomendado em
rotação de culturas com a soja e o feijão.
Quanto aos nematoides, o problema é o seguinte: o
feijão, a soja e o algodão servem de “ponte verde” para
Meloidogyne incognita, Rotylenchulus reniformis e
Pratylenchus brachyurus. Portanto, se essas plantas
forem empregadas em sequência de culturas no
campo, elas servirão para multiplicar tais espécies de
pragas.
Monitorar a ocorrência de pragas e doenças. Há, no
País, alguns programas de monitoramento em
andamento: mofo-azul na cultura do fumo, mosca-
das-frutas na manga, vírus da mancha-anelar,
meleira-do-mamoeiro e mosca-das-frutas em
cucurbitáceas.
Erradicar pragas e doenças. Alguns programas
pesquisam a erradicação da mosca-da-carambola
(Bactrocera carambolae) e de Cydia pomonella. Tratando-
se do cancro cítrico (Xanthomonas axonopodis pv. citri) e
huanglongbing (Candidatus liberibacter), embora sejam
recomendados, os programas de erradicação são de
responsabilidade dos produtores.
Garantir o cumprimento das exigências dos países
importadores. O Brasil conta com mais de três mil
auditores fiscais federais agropecuários, uma vasta
rede de laboratórios oficiais e credenciados para
fiscalização e 110 pontos de ingresso e egresso de
pragas, assim distribuídos: portos (31), aeroportos (26),
fronteiras (26) e aduanas interiores (27). As ameaças
fitossanitárias estão nos países que fazem fronteiras
com o Brasil. De acordo com a Sociedade Brasileira de
Defesa Agropecuária (SBDA), 150 pragas
quarentenárias ausentes no nosso território já existem
em países da América do Sul. Dessas pragas, dez têm
chances reais de atingir as lavouras brasileiras. As
pragas podem atingir o Brasil pelo norte (Caribe e
norte da América do Sul), pelo sul (países do cone sul),
pelo leste (continente africano) e pelo sudeste asiático,
incluindo a Índia, do extremo oriente da Ásia até a
Austrália.
A defesa fitossanitária atua em nível internacional
(vigilância, análise de risco e quarentena), em
fronteiras (barreiras e certificação) e em setores
domésticos (monitoramento, manejo cultural, manejo
varietal e controles biológico e químico).
Algumas das pragas que apresentam grande risco para a
agricultura nacional são listadas no Quadro 13.1. Em 2021, a
praga monilíase-do-cacaueiro (Moniliophthora roreri) foi
constatada no Brasil, no Estado do Acre, em pomar de fundo
de quintal.

Quadro 13.1 Exemplos de pragas exóticas que apresentam grande risco para a
agricultura do País

Praga Cultura

Pulgão-da-soja (Aphis glycines) Soja

Amarelecimento letal do coqueiro Coco

Striga (Striga sp.) (planta daninha) Milho

Ferrugem-do-trigo Ug99 (Puccinia graminis f. sp. tritici) Trigo

Mosaico-africano-da-mandioca (ACMV) Mandioca

Videira, kiwi e
Ácaro-chileno-das-fruteiras (Brevipalpus chilensis)
citros

Xanthomonas do arroz (X. oryzae pv. oryzae) Arroz

Algodão, feijão e
Mosca-branca “raça Q” (Bemisia tabaci)
hortaliças

Mancha-bacteriana-do-milho (Pantoea stewartii) Milho

Mariposa-da-videira (Lobesia botrana) Videira

Antracnose dos frutos verdes do cafeeiro – coffee berry disease


Café
(Colletotrichum karrawae)

Murcha-vascular – coffee wilt disease (Fusarium tracheiphylum) Café conilon

Anastrepha suspensa – inseto Goiaba

Bactrocera dorsalis – inseto Frutíferas


Boeremia foveata – fungo Batata

Candidatus Phytoplasma palmae – fitoplasma Coqueiro

Trigo, milho, aveia,


Cirsium arvense – plana daninha
soja

Cydia pomonella – inseto Maçã

Ditylenchus destructor – nematoide Milho, batata

Fusarium oxysporum f. sp. cubense raça 4 tropical – fungo Banana

Globodera rostochiensis – nematoide Batata

Lobesia botrana – inseto Videira

Pantoea stewartii – bactéria Milho

Plum pox virus – vírus Pêssego, ameixeira

Tomato ringspot virus – vírus Tomate e frutíferas

Toxotrypana curvicauda – inseto Mamão

Xylella fastidiosa subsp. fastidiosa – bactéria Videira

Fonte: Vale (2017).

13.3 NORMATIVAS BRASILEIRAS


O Decreto nº 24.114/1934 proíbe a importação de produtos
vegetais que possam conter pragas e indica as medidas a
serem adotadas no caso de interceptação. Todo material
propagativo importado deve estar em consonância com a
Instrução Normativa nº 06/2005. Além disso, há uma
instrução normativa específica para cada produto
importado. Todas as ações devem estar respaldadas na
CIPV.
13.4 ESTÁGIO DO PROCESSO DE INVASÃO BIOLÓGICA DA PRAGA
Observe na Fig. 13.1 que a praga, para ingressar num país,
estado ou região, deve ser transportada por qualquer meio,
incluindo o homem, cargas marítimas e aéreas, navios,
correntes aéreas, insetos, pássaros, aves, animais etc.
Nesse caso, a praga pode entrar, ou ser retida ou não
sobreviver. Se a praga se estabelecer, ela pode ser
disseminada localmente ou para longas distâncias.
Qual seria o impacto que a praga causaria, baixo ou alto?
Ainda na Fig. 13.1, encontram-se os passos para a intervenção
se a praga for introduzida no país. A detecção precoce é de
grande importância para a contenção ou erradicação da
praga, pois nessa fase a sua população ainda é baixa. Por
último vem o controle, em que medidas são tomadas para
amenizar o dano que a praga possa causar aos vegetais.

FIG. 13.1 Processos de invasão e intervenção caso a praga seja introduzida


Fonte: adaptado de Lockwood et al. (2013).

13.5 INTRODUÇÃO DE UMA NOVA ESPÉCIE DE PRAGA NO PAÍS


O que pode acontecer se uma nova espécie de praga for
introduzida no país? Um estudo realizado na USP, nas
safras de 2014-2015, apontou que o impacto anual do não
controle de pragas no cultivo de soja, milho e algodão seria
de R$ 12,76 bilhões, com a seguinte distribuição:
soja: R$ 1,7 bilhão para lagartas, R$ 2,0 bilhões para
percevejos, R$ 0,4 bilhão para mosca-branca e R$ 5,1
bilhões para a ferrugem-asiática-da-soja;
milho: R$ 0,53 bilhão para Spodoptera e R$ 0,32 bilhão
para percevejo;
algodão: R$ 0,48 bilhão para bicudo, R$ 0,13 bilhão para
Helicoverpa, R$ 0,75 bilhão para lagartas, R$ 0,66 bilhão
para pulgão e R$ 0,28 bilhão para mosca-branca.

Uma vez estabelecida em um país, a praga pode seguir


vários caminhos:

1. Estabelecer-se, multiplicar-se e causar danos.


2. Estabelecer-se, multiplicar-se, causar danos por certo
tempo e, depois, entrar em equilíbrio.
3. Estabelecer-se, multiplicar-se, atacar as plantas e, por fim,
desaparecer.
4. Ser introduzida, mas não se estabelecer.

Se a praga se multiplicar e disseminar, ela pode trazer as


seguintes consequências:
Perdas diretas na produção: várias pragas causam
prejuízos diretos nos campos de cultivo agrícola. A
lagarta Helicoverpa armigera Hübner, 1805 (Lepidoptera:
Noctuidae), detectada no oeste da Bahia há cerca de
seis anos, causou perdas de bilhões de dólares. A
ferrugem-asiática-da-soja, causada pelo fungo
Phakopsora pachyrhizi H. Sydow & P. Sydo (Uredinales:
Phakopsoraceae) e identificada em 2001/2002 no sul do
País, causou, em 2003, perdas de mais de 60% das
áreas de produção de soja, com redução de 112 mil
toneladas. Na safrinha, em Chapadão do Sul (MS),
foram relatados 100% de danos (Andrade; Andrade,
2002). Segundo Henning e Godoy (2006), as perdas na
safra 2002-2003 foram superiores a 700 milhões de
dólares. De acordo com a Embrapa Soja, em 2003 os
danos causados pela ferrugem equivaliam
aproximadamente a US$ 24,7 milhões nas safras de
2001 e 2002.
Destruição de cadeias produtivas: foram muito danosas
as consequências da introdução do bicudo-do-
algodoeiro (Anthonomus grandis Boheman, 1843
(Coleoptera: Curculionidae)) no Estado de São Paulo, na
década de 1980. Nos anos seguintes, essa praga
destruiu a cotonicultura do Nordeste brasileiro.
Restrições de trânsito de produtos vegetais em nível
internacional: com a globalização, os países
importadores de alimentos iniciaram um processo de
imposição de medidas visando à mitigação de riscos
do transporte da praga junto com mercadorias. Brasil e
Japão estiveram envolvidos em um embate que
culminou em uma longa negociação, devido à
presença da mosca-do-mediterrâneo nos pomares
brasileiros de manga (Nojosa; Henz; Sathler, 2015).
Restrições ao trânsito em nível nacional: a introdução dos
ácaros Raoiella indica Hirst (Acari: Tenuipalpidae) e
Schizotetranychus hindustanicus (Acari: Tetranychidae)
no Estado de Roraima interrompeu o comércio de
bananas e produtos cítricos, afetando muito a sua
economia.
Medidas para evitar a disseminação de pragas no território
nacional a fim de reduzir os custos de produção: o Mapa é o
órgão responsável pela defesa sanitária do Brasil,
principalmente quando uma nova praga é detectada
em seu território. Além disso, há, em cada Estado,
órgãos vinculados às Secretarias de Agricultura e
responsáveis técnicos da iniciativa privada. Se uma
praga exótica é detectada no País, o Mapa deve ser
comunicado imediatamente.
Aumento de gastos do governo e da iniciativa privada: tais
gastos são necessários para a implantação de
programas de monitoramento e controle de pragas. O
acompanhamento e avanços das ações são cruciais
para conter a disseminação de pragas. Se uma delas se
estabelece no país, há a necessidade de ações que
demandam gastos, visando identificar os momentos
em que se faz necessária a intervenção.
Custos para desenvolver variedades resistentes a pragas
(Ferreira; Rangel, 2015): o custo das pesquisas para
produzir uma variedade resistente é muito alto, pois
envolve muitos anos e profissionais da área da
Agronomia bem preparados.
Falta de recursos e dificuldade para encontrar resistência
genética a pragas: a ferrugem-asiática-da-soja, causada
por Phakopsora pachyrhizi (identificada no País em
2001/2002), a antracnose das fruteiras tropicais
(Colletotrichum gloeosporioides) e a podridão-mole de
hortaliças (Pectobacterium carotovorum), presentes em
todo o território nacional, são exemplos de pragas para
as quais não há comprovação da existência de
variedades resistentes. Com a escassez de recursos
financeiros, fica ainda mais difícil o manejo dessas
pragas nas lavouras brasileiras.
Possibilidade de impactos sobre a biodiversidade: tanto a
biodiversidade quanto os ecossistemas do país onde a
praga é introduzida podem ser muito afetados. A
introdução de espécies intencional e não
intencionalmente em uma nova região agrícola pode
resultar em uma nova praga (Paula et al., 2015).
Gastos com o desenvolvimento de novos métodos de
controle: excetuando-se a resistência genética, os
outros métodos de controle de pragas são a aplicação
de produtos químicos, biológicos e métodos culturais.
Embora o controle biológico seja o mais aceito pela
sociedade, o controle químico é o mais empregado na
agricultura.
Resistência de pragas aos pesticidas: populações de
insetos-praga, ácaros, fungos e plantas daninhas
podem se tornar menos sensíveis pelo emprego
excessivo de pesticidas, com mecanismo de ação
específico. Quando isso acontece, é necessária a
adoção do manejo integrado. Por exemplo, os
fungicidas dos grupos dos triazóis e estrobilurinas,
isoladamente ou em mistura, perderam a eficiência
contra a ferrugem-asiática-da-soja, dificultando o seu
controle. A maior sensibilidade dos patógenos aos
fungicidas sistêmicos vem aumentando o custo de
manejo das doenças agrícolas.

Diversas plantas daninhas têm sido citadas como


resistentes aos herbicidas (Quadro 13.2). Já foram relatados
mais de 45 casos de resistência dessas pragas a esses
produtos no Brasil, com destaque para as espécies resistentes
ao glifosato, como a própria buva, o azevém, o capim-
amargoso, o caruru-palmeri, o chloris e o capim-pé-de-
galinha.

Quadro 13.2 Espécies de plantas daninhas resistentes a herbicidas registrados no


Comitê de Ação de Resistência a Herbicidas (HRAC), de ocorrência no Brasil

Espécie Mecanismo de ação

Picão-preto (Bidens pilosa) Inibidores ALS1

Picão-preto (Bidens subalternans) Inibidores ALS

Capim-marmelada (Brachiaria plantaginea) Inibidores ACCase2

Amendoim-bravo (Euphorbia heterophylla) Inibidores ALS

Sagitária (Sagittaria motevidensis) Inibidores ALS

Capim-arroz (Echinochloa crus-galli) Auxinas sintéticas

Capim-arroz (Echinochloa crus-pavonis) Auxinas sintéticas

Cominho (Fimbristylis miliacea) Inibidores ALS

Junquinho (Cyperus disfformis) Inibidores ALS

Capim-colchão (Digitaria ciliares) Inibidores ACCase

Azevém (Lolium multiflorum) Inibidores EPSPs3

Buva (Conyza sumatrensis) Inibidores EPSPs3 – Glifosato


Caruru-palmeri (Amaranthus palmeri) Inibidores – EPSPs3

Capim-amargoso (Digitaria insularis) Inibidores – EPSPs3


1 ALS: acetolactato sintase.
2 ACCase: ariloxifenoxipropionato.
3 EPSPs: 5-enolpiruvilshikinato-3-fosfato sintase.

Fonte: Silva (2018).

Uma espécie de praga que não causa prejuízos em seu


local de origem pode se tornar praga em locais onde é
introduzida. Por exemplo, o ácaro-hindu Schizotetranychus
hindustanicus Hirst, 1924 (Acari: Tetranychidae), não causa
perdas na Índia, mas no norte do Brasil e em outros países da
América do Sul tem sido identificado como praga de grande
importância econômica na cultura dos citros (Fantine, 2011;
Fantine; Sugayama; Vilela, 2015). O grande impacto
econômico causado pela praga pode até inviabilizar a
exportação da fruta (Morais; Amaro, 2013).
Entretanto, mesmo que uma espécie seja bem-sucedida
em sua introdução, ela passa por uma fase de latência, que é
o período de adaptação ao novo ambiente. Fatores abióticos,
bióticos e evolutivos são fundamentais para o
estabelecimento total de uma nova espécie (Cunha; Benito,
2015). O conhecimento da biologia da praga, portanto, é de
extrema importância para evitar a sua disseminação.
Os custos visando ao controle de pragas podem
representar 25% de todo o gasto de produção. No Brasil, em
que cerca de 40% do PIB vem do agronegócio, o impacto
gerado pela disseminação e controle de pragas pode
representar graves riscos à economia (Lopes da Silva et al.,
2014). Esse não é um problema exclusivo do Brasil, razão por
que acordos internacionais foram feitos para evitar que
pragas não sejam disseminadas pelo comércio e transporte de
material vegetal. Lopes da Silva et al. (2011) relatam que, para
as pragas já consideradas de grande importância para a
agricultura, existem medidas para conter sua disseminação,
tanto é que, em 1951, a FAO possibilitou a criação do
International Plant Protection Convention (IPPC). Também o
Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), criado
pela Organização Mundial do Comércio (OMC), trata desse
tema.
No Brasil, em algumas regiões fronteiriças, existem áreas
de produção agrícola que são consideradas ameaçadas,
segundo Holler et al. (2015), a exemplo das regiões próximas
do Paraguai e da Bolívia, que têm intenso tráfego de meios de
transporte e pessoas.

13.6 ANÁLISE DE RISCO DE PRAGAS (ARP)


A criação da OMC impulsionou o controle do uso abusivo
de tarifas no comércio internacional. As disputas por
mercados levaram os países a adotar medidas não
tarifárias. No comércio globalizado, tais medidas surgem
como barreiras veladas, na maioria das vezes sem
justificativa técnica, para proteger a produção nacional ou
fechar a porta à concorrência. A justificativa técnica é um
dos princípios norteadores da CIPV/FAO e do Acordo
SPS/OMC.
Atualmente, um local onde nunca houve a presença de
determinada praga está correndo risco de tê-la em algum
momento. Mas como dimensionar esse risco? O que pode ser
feito para proteger os cultivos de ameaças cada vez menos
distantes no mundo, que tem o desafio de produzir e o desejo
de lucrar e consumir? O caminho é a análise de risco de
pragas (ARP).
A ARP é o processo de avaliação biológica, ou outra
evidência científica e econômica, para determinar se um
organismo é praga, se deve ser regulamentado e a intensidade
das medidas fitossanitárias a serem adotadas contra ele (FAO,
2009). Também inclui identificação, avaliação e manejo do
risco associado a pragas.
A CIPV/FAO foi instituída em 1929, com 24 países
signatários, entre eles o Brasil. Em julho de 2012, já contava
com 177 países também referidos como partes contratantes.
A Secretaria da CIPV, seu Comitê de Normas e os Grupos de
Especialistas são responsáveis pelas Normas Internacionais
de Medidas Fitossanitárias (NIMFs), que são direcionadoras
das regulamentações fitossanitárias dos países e das regiões.
Antes da aprovação, tais normas são disponibilizadas para
consulta aos países. As autoridades fitossanitárias são
responsáveis pela condução da ARP. A autoridade
fitossanitária de cada país é denominada Organização
Nacional de Proteção Fitossanitária (ONPF), a qual pode estar
vinculada a uma Organização Regional (ORPF). No caso do
Brasil, a ONPF é o Departamento de Sanidade Vegetal (DSV),
órgão do Mapa. A ORPF que o Brasil integra é o Comitê de
Sanidade Vegetal do Cone Sul (Cosave). Também é possível
delegar a realização de algumas etapas da ARP a
colaboradores externos.
Os países signatários da CIPV/FAO e do Acordo SPS/OMC
utilizam a ARP como princípio e instrumento tecnicamente
aceito para estabelecer ou retirar barreiras fitossanitárias ao
comércio de vegetais. Medidas fitossanitárias estabelecidas
com base na condução de uma ARP tendem a ser
consideradas tecnicamente justificadas. A estrutura para a
ARP está estabelecida na NIMF nº 2, publicada em 1995 e
revisada em 2007. Detalhamentos da condução de ARP para
pragas quarentenárias, incluindo riscos ambientais e
organismos vivos modificados (OVMs), constam da NIMF nº
11, de 2004. A NIMF nº 21, também de 2004, traz as diretrizes
da ARP para pragas não quarentenárias regulamentadas.
A ARP é um dos princípios da CIPV. Ela não é
simplesmente um exame visual de cultivos ou de produtos
vegetais comercializados, nem só uma análise de diagnóstico
realizada em laboratório. O exame de cultivos ou de produtos
vegetais comercializados e as análises laboratoriais são
componentes importantes da ARP, mais especificamente da
sua terceira fase. A ARP é ampla e necessita de muita base
teórica e técnica e muito conhecimento científico e
interdisciplinar para ser conduzida corretamente.
Para a importação de material de multiplicação e
propagação vegetal, portanto, são necessárias ARPs bem
elaboradas, com requisitos estabelecidos. Em caso contrário, é
preciso comprovar a importação anterior em período
específico. Quando esse material importado ingressa no
Brasil, a análise de laboratório é obrigatória.

13.7 SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO FITOSSANITÁRIA


O sistema de certificação fitossanitária é constituído de
duas partes: uma fase interna dentro do Estado e outra de
exportação na esfera federal. Na fase interna, um
profissional privado credenciado solicita a emissão do
Certificado Fitossanitário de Origem (CFO) dentro da esfera
estadual, em que é emitida a Permissão de Trânsito
Vegetal (PTV). Na esfera federal, o Engenheiro-Agrônomo
da ONPF é quem faz a emissão do certificado.

13.8 COMITÊ DE SANIDADE VEGETAL DO CONE SUL


O Comitê de Sanidade Vegetal do Cone Sul (Cosave) é uma
organização regional de proteção fitossanitária. Fazem
parte desse comitê as ONPFs do Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai, Peru, Bolívia e Chile. A principal função
do Cosave é harmonizar procedimentos, definir políticas
regionais e fortalecer os princípios do Acordo SPS sobre a
aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias e da CIPV.
A prevenção (exclusão) da entrada de pragas no país é
essencial para a manutenção da produtividade da agricultura
brasileira. Essa atividade é de responsabilidade do Mapa, que,
por meio do Departamento de Defesa Vegetal (DDV), é o órgão
responsável para colocar em prática o Programa de Defesa
Fitossanitária do Brasil. As ações de defesa são de
responsabilidade dos Engenheiros-Agrônomos.

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lista-20-pragas-agricolas-mais-importantes-que-ainda-nao-chegaram-
ao-pais>.
QUATORZE

PROPAGAÇÃO DE PLANTAS

Jair Costa Nachtigal, Newton Alex Mayer, Alexandre


Hoffmann

A propagação de plantas é tão antiga quanto a agricultura. O


cultivo de plantas começou quando as tribos humanas
abandonaram a vida nômade, de caçadores e coletores, para
viver e se fixar em comunidades. A necessidade de estocar
alimentos, a imprevisibilidade do clima, o aumento da
população e as mudanças nas dietas alimentares foram
alguns dos fatores que forçaram essas mudanças. Isso ocorreu
por volta de 8.000 anos a.C. no Oriente Médio e marcou o
início da civilização moderna. O homem, então, passou a
utilizar sementes para cultivar plantas próximo de suas
residências, dando origem à agricultura.
Desde aqueles tempos, a propagação de plantas e a
agricultura coevoluíram significativamente, passando por
diferentes estágios, como a coleta de sementes ou partes das
plantas para alimentação própria ou de animais domésticos, para
fazer fogo, usar no vestuário e na construção de casas e de
benfeitorias; a domesticação de plantas de interesse; a seleção
das melhores plantas, de suas sementes e de outros propágulos
para o cultivo seguinte; a observação dos diferentes modos de
propagação natural das plantas; o desenvolvimento e
aperfeiçoamento de diferentes métodos de propagação vegetativa
(divisão, estaquia, enxertia, alporquia, mergulhia, amontoa de
cepa, encostia e uso de órgãos de reserva) e a experimentação da
melhor época do ano para serem feitos, nos diferentes tipos de
plantas; e a necessidade de intercambiar espécies entre a Europa
e o Novo Mundo e a criação do Sistema Binomial de
Nomenclatura das Plantas, estabelecido pelo botânico, físico e
zoologista sueco Carl Linnaeus (1707-1778). Outras tantas etapas
poderiam ser mencionadas, mas o que deve ser destacado é que
as experiências vividas por diferentes povos ao longo de todo
esse tempo foram extremamente necessárias para se chegar ao
nível de conhecimento e disponibilidade de informações que hoje
temos.
Apesar de toda a evolução ocorrida durante esse período, os
maiores avanços na propagação de plantas ocorreram nos
últimos cem anos (Preece, 2003). Embora os principais métodos
de propagação de hoje já fossem bem conhecidos no início do
século passado, as contribuições mais importantes surgiram a
partir da metade do século XX, especialmente nas seguintes
áreas: sanidade e controle de doenças, redução ou eliminação da
perda de água em estacas, invenção da câmara de nebulização
intermitente, descoberta dos reguladores de crescimento,
conhecimentos sobre o papel da juvenilidade na propagação,
avanços no desenvolvimento de substratos, fertirrigação,
produção de mudas em recipientes, conhecimentos sobre
quimeras, micropropagação e seu uso para eliminar vírus e
outros patógenos, criopreservação, produção de sementes
sintéticas, desenvolvimento de máquinas para enxertar e, mais
recentemente, de robôs para realizar essa operação em grande
escala (Preece, 2003; Hartmann et al., 2002).
A área ocupada com agricultura no Brasil era de 65.913.738
hectares em 2016, o que corresponde a apenas 7,8% do território
nacional (Embrapa, 2017). Pode-se afirmar que, para cultivar toda
essa área, é indispensável o uso de mudas e sementes ou de
outros propágulos para viabilizar os plantios, qualquer que seja o
segmento a ser considerado: cereais, grãos, pastagens, hortaliças,
frutas, reflorestamento, fibras, flores, paisagismo e espécies
condimentares, medicinais, oleaginosas e agroenergéticas. Só
para exemplificar a dimensão da importância do segmento de
sementes a partir do principal cultivo em área na atualidade, o
Brasil cultiva hoje em torno de 34 milhões de hectares de soja.
Considerando-se a necessidade média de 60 kg de sementes para
cultivar um hectare, são necessários 2.033.400.000 kg de
sementes para cultivar as lavouras brasileiras todos os anos. Na
exportação de sementes de diferentes espécies, estima-se que
3.865.063 toneladas tenham sido exportadas pelos 71 principais
países em 2015, totalizando 10,665 bilhões de dólares. O Brasil,
embora tenha exportado 51.358 t de sementes (US$ 164 milhões),
também necessitou importar 48.485 t de sementes (US$ 134
milhões), principalmente de grandes culturas e espécies
hortícolas (ISF, 2015).
A produtividade e a qualidade do produto, enfim, o sucesso de
qualquer empreendimento tem relação direta com as qualidades
fisiológica, genética e sanitária dos propágulos utilizados. Isso
porque é na semente ou na muda que está concentrada, expressa
e definida a condição básica para que a planta se desenvolva
adequadamente, uma vez atendidos os demais fatores de
produção. É exatamente por essa razão que se pode ter na muda
ou na semente o alicerce de qualquer empreendimento agrícola.
A economia feita nessa etapa repercute com frequência em
prejuízos significativos.
A agricultura brasileira (e também a de outros países) é repleta
de exemplos de problemas derivados do uso de sementes ou
mudas de baixa qualidade ou contaminadas provenientes de
outro país ou de viveiros/sementeiros nacionais, que vão desde a
introdução de uma nova espécie invasora, praga ou doença, a
partir de lotes contaminados, até a condenação de pomares
implantados a partir de mudas. Esses prejuízos também são
perceptíveis no dia a dia do produtor, como no caso de plantios
de ameixeira com mudas contaminadas por Xylella fastidiosa,
bactéria causadora da escaldadura e cujos prejuízos e morte de
plantas se fazem notar três a quatro anos após o plantio. Caso
similar ocorre com a videira, que pode ser atacada pelo fungo que
causa a podridão do tronco, por meio de mudas contaminadas.
Esse fungo pode matar a planta ou reduzir drasticamente sua
produção.
Um ponto importante a se ressaltar é que a qualidade da
muda ou da semente é resultante dos procedimentos exigidos
pela legislação e práticas agronômicas adequadas, portanto
consequência da responsabilidade técnica de um profissional de
Agronomia ou outro profissional legalmente habilitado. Isso é tão
importante que nenhum empreendimento pode produzir
sementes ou mudas se não tiver esse profissional como
responsável técnico.
A propagação de plantas e a produção de propágulos para o
plantio são amplos campos de atuação para os Engenheiros-
Agrônomos. A propagação de plantas é um segmento que se
encontra dentro da subárea da Fitotecnia e, embora possa parecer
uma área restrita, na realidade é extremamente abrangente.
Tanto nos viveiros, onde são produzidas as mudas, quanto nos
campos de produção de sementes, inúmeras possibilidades de
empregos diretos e indiretos são criadas para os Engenheiros-
Agrônomos, seja “antes da porteira” (produção de insumos,
equipamentos, máquinas, laboratórios de cultura de tecidos etc.),
seja “dentro da porteira” (gestão de pessoas, responsabilidade
técnica, fiscalização, administração, nutrição de plantas,
fitotecnia etc.), seja “depois da porteira” (armazenagem,
fitossanidade, marketing, logística de comercialização,
acompanhamento técnico etc.). Ademais, o segmento relacionado
à propagação de plantas é um campo fértil de investigação para
profissionais de universidades e instituições de pesquisa, pois
abrange, entre outras áreas, técnicas de diagnose e
aprimoramento de processos de produção de sementes e mudas.

14.1 DEFINIÇÃO
A propagação de plantas é o ato de utilizar propágulos para
multiplicar determinada planta, uma linhagem ou uma
cultivar para plantio. Os propágulos são estruturas das plantas
utilizadas para regenerá-las, ou seja, produzir uma nova
planta. Podem ser estacas (feitas de ramos, folhas ou raízes),
sementes, uma ou mais gemas para realizar a enxertia, ramos
para realizar a alporquia, mergulhia, encostia, cepas para a
amontoa, explantes ou apenas uma única célula para uso em
cultura de tecidos em laboratório.
Todas as plantas podem ser propagadas ou por sementes
(propagação sexuada), ou por métodos vegetativos (propagação
assexuada), ou, ainda, por ambos. A propagação é sempre mais
fácil se for baseada no conhecimento da espécie, suas funções e
necessidades, no uso de material vegetal apropriado,
ferramentas, substratos, equipamentos e condições ambientais
adequadas. A busca desses conhecimentos, enormemente
facilitada com o advento e popularização da internet nos últimos
25 anos, torna a propagação de plantas uma das mais fascinantes
áreas de atuação para profissionais de Agronomia.

14.2 MÉTODOS DE PROPAGAÇÃO DE PLANTAS


Didaticamente, os métodos de propagação de plantas podem
ser divididos em vegetativos ou por sementes.

14.2.1 SEMENTES
O uso de sementes é o método mais importante de
propagação para a maioria das espécies vegetais, como os
cereais e grãos (arroz, feijão, soja, milho, trigo, cevada, centeio
etc.), as pastagens (gramíneas e leguminosas), as hortaliças
(alface, tomate, cebola, cenoura, abóboras, quiabo, jiló,
maxixe, pimenta, pimentões, entre outras), as espécies
utilizadas para reflorestamento (acácia-negra, araucária,
cedro, angico, ingá, pínus, timbaúva, tipuana etc.) e as
espécies para produção de fibras e para paisagismo.
O material genético dos genitores masculino (pai) e feminino
(mãe) de uma espécie está unido em uma semente ou esporo
que, quando se encontram em condições ambientais adequadas,
germinam, se desenvolvem e formam uma nova planta. As
sementes possuem mecanismos muito interessantes de
dispersão (pelo vento, água, animais e homem) e de conservação,
o que garante a sobrevivência da espécie em condições adversas,
como de competição entre si, temperatura, umidade,
luminosidade, condições físicas e químicas de solo, entre outras.
Quando as condições adequadas à germinação retornam, os
mecanismos responsáveis pelo processo são ativados e ele se
inicia com a emissão da radícula a partir do embrião.
Em fruticultura, as plantas propagadas por sementes são
denominadas seedlings (termo em inglês). As principais vantagens
do uso de sementes em fruticultura são o baixo custo, a redução
dos custos com a infraestrutura de propagação, a facilidade de
transporte dos propágulos e de execução do método, além do
menor nível de conhecimento técnico exigido. Porém, a principal
desvantagem é que as sementes não produzem plantas
geneticamente idênticas aos seus pais em espécies ou cultivares
não estabilizadas geneticamente (denominados heterozigotos). A
propagação por sementes deve ser utilizada em espécies
homozigotas (geneticamente estáveis), quando não há
necessidade de uso de um método vegetativo, ou ainda naquelas
espécies em que os custos são elevados ou que são difíceis de
serem propagadas por métodos vegetativos (exemplos: mamoeiro
e palmeiras frutíferas) ou para a obtenção de porta-enxertos
(exemplos: citros, abacateiro, mangueira, caquizeiro,
pessegueiro).
Sementes são extremamente importantes na primeira fase
dos programas de melhoramento genético, quando se objetiva
obter grande variabilidade genética proveniente de cruzamentos
controlados entre o pai (doador do pólen) e a mãe (receptora do
pólen). Dos frutos colhidos desses cruzamentos, obtêm-se as
sementes que serão utilizadas para a germinação e produção de
seedlings (plantas-irmãs, porém geneticamente diferentes entre
si), que serão avaliadas nos anos subsequentes, comparando-as
entre si e com seus pais. Os melhores seedlings serão selecionados
e clonados por métodos vegetativos e poderão se tornar novas
cultivares comerciais.

14.2.2 PROPAGAÇÃO VEGETATIVA


A propagação vegetativa, também denominada propagação
assexuada ou agâmica, é aquela em que se utiliza qualquer
estrutura vegetativa como propágulo para produzir uma nova
planta, podendo ser uma célula, uma ou mais gemas, uma
estaca, um tubérculo, um rizoma, um cormo ou um explante.
A propagação vegetativa está baseada na totipotencialidade
das células, ou seja, na capacidade de qualquer célula possuir
toda a informação genética daquela planta, podendo ser
reproduzida e utilizada para gerar uma nova planta, em
condições ambientais adequadas.
Basicamente, a propagação vegetativa é utilizada para
propagar aquelas espécies que não produzem sementes (ou não
produzem sementes viáveis), aquelas que produzem sementes de
difícil germinação, as que são de fácil propagação vegetativa e,
ainda, espécies ou culturas em que a clonagem (produção de
novas plantas idênticas) é uma necessidade para formar plantios
ou pomares homogêneos.
Como são cópias fiéis da planta doadora do propágulo, as
plantas produzidas por qualquer método de propagação
vegetativa são denominadas clones. Logo, uma planta clonada
não deve ser denominada “indivíduo”, mas sim um “clone” ou
um “exemplar” de determinada cultivar. A propagação vegetativa
é bastante utilizada na fruticultura, em diversas espécies
florestais, em floricultura, paisagismo e, especialmente, nas
espécies que se propagam fácil ou exclusivamente por bulbos,
cormos, rizomas ou tubérculos.
Existem diversos métodos de propagação vegetativa, dos
quais também derivam inúmeras variações, de acordo com o
hábito ou a prática do propagador. Fatores como a época do ano, a
infraestrutura disponível, as características das espécies, os
objetivos, os custos e a escala da propagação também são
determinantes nessa escolha. Para a definição do melhor método
de propagação vegetativa a ser adotado, o propagador deve
responder, inicialmente, às seguintes perguntas: “O material que
irei propagar constituirá um porta-enxerto ou uma cultivar-copa
produtora de frutos? É necessário realizar a enxertia? São
conhecidas as características dos porta-enxertos para essa
espécie e que justificam seu uso? Qual é o método de propagação
clonal que proporciona as maiores vantagens no viveiro? Qual é o
método de propagação clonal que proporciona as maiores
vantagens no pomar? Qual é o método mais barato?”.
Os métodos de propagação vegetativa podem ser assim
classificados:

a. Enxertia: consiste em unir duas (ou mais) plantas para formar


uma só, combinando-se as características desejáveis de um
bom sistema radicular (o porta-enxerto) com as de uma
cultivar-copa produtiva para a finalidade desejada. Na
enxertia, também pode ser colocado um terceiro componente
(entre o porta-enxerto e a copa), denominado interenxerto ou
filtro, para reduzir o vigor e/ou viabilizar a enxertia quando a
copa e o porta-enxerto são incompatíveis entre si.
Relatos de união entre duas plantas existem na literatura
chinesa há mais de 2.000 anos a.C. e provavelmente começou
por observação da natureza, com a ocorrência da enxertia
natural entre ramos e entre raízes de duas plantas vizinhas.
Atualmente, há inúmeras maneiras de realizar a enxertia.
Porém, todos os diferentes tipos de enxertia são ordenados
em três grandes grupos, conhecidos popularmente por
enxertia de borbulhia (uso de uma única gema), enxertia de
garfagem (uso de um “garfo”, com duas ou mais gemas) e a
encostia (união de duas plantas vizinhas, ainda com as
respectivas raízes).
A enxertia é um importante método de propagação utilizado
na fruticultura, sobretudo com espécies perenes lenhosas.
Embora seja prática predominantemente manual, há
disponibilidade de equipamentos para enxertia que
permitem aumentar seu rendimento. Nos últimos anos, a
enxertia também vem sendo muito utilizada com espécies
olerícolas das famílias das solanáceas (tomate, pimentão e
berinjela, por exemplo), das cucurbitáceas (pepino, melão e
melancia, por exemplo) na Europa e nos países asiáticos, para
viabilizar os cultivos em solos com problemas bióticos e
abióticos.
b. Estaquia: é um dos mais populares métodos de propagação.
Consiste no uso de uma estaca (que pode ser um segmento
de uma raiz, caule, ramo ou folha) que, em condições
ambientais favoráveis, produzirá raízes. Com a emissão de
novas raízes e o crescimento de brotações, a nova muda está
produzida. Pode-se, também, utilizar estacas de raízes, e
nesse caso a regeneração é da parte aérea. É um método
muito utilizado para plantios clonais de espécies silvícolas
(como o eucalipto), batata-doce, diversas espécies
ornamentais (como a azaleia) e frutíferas (como a figueira,
goiabeira, mirtileiro, amoreira-preta, pitaia) e em outras
espécies úteis, como o vime.
c. Alporquia: nesse método, remove-se a casca (em forma de um
anel) de um ramo ainda aderido à planta e cobre-se com
substrato umedecido, envolto em saco plástico. Transcorrido
determinado tempo, variável de acordo com a espécie e as
condições ambientais, destaca-se esse ramo da planta com
um corte abaixo do saco plástico, obtendo-se o alporque, ou
seja, um ramo contendo raízes novas e recém-removidas da
planta-mãe. Para facilitar a emissão de raízes, pode-se
utilizar regulador de crescimento na região descascada. O
alporque poderá ser transplantado para uma embalagem ou
diretamente para o local definitivo no campo. Não é um
método muito utilizado, devido ao seu baixo rendimento. Só
se justifica seu uso com espécies de difícil enraizamento, isto
é, aquelas em que poucos alporques são produzidos pela
planta-matriz. Em fruticultura, o principal exemplo de uso
comercial é observado na cultura da lichieira.
d. Mergulhia: consiste em enterrar um ramo, uma parte de um
ramo ou uma cepa de uma planta, de forma a criar condições
ambientais favoráveis (umidade e ausência de luz) para que
ocorra a emissão de raízes. Assim que ocorrer o
enraizamento, o solo ou o substrato é retirado e as novas
plantas enraizadas são destacadas da planta-mãe. Esse
método é comercialmente utilizado para a produção clonal
de porta-enxertos para a macieira.
e. Cultura de tecidos: é uma tecnologia que se desenvolveu a
partir dos anos 1960, após a produção de reguladores de
crescimento sintéticos e de meios de cultura para uso in vitro.
Deve ser realizada em laboratório, com pessoas treinadas, em
instalações adequadas e condições de infraestrutura e de
higiene. Embora exija mais investimentos e conhecimento
técnico, é especialmente necessária na remoção de vírus das
plantas, na produção de plantas de alto valor e na produção
de mudas com alto padrão sanitário, além de mudas em larga
escala. No Brasil, a cultura de tecidos é muito adotada na
pesquisa e na produção de mudas de diversas espécies
comerciais, como orquídeas, batata-semente, morangueiro e
bananeira.
f. Outras formas de propagação vegetativa: neste item, podem-se
agrupar aqueles métodos de propagação vegetativa em que,
normalmente, se utiliza a divisão de estruturas da planta ou
de propágulos para produzir novas plantas. É o método mais
rápido e de fácil execução para um grande número de
espécies. A divisão é empregada sobretudo com espécies
perenes que formam touceiras (exemplo: espécies
forrageiras, algumas espécies gramíneas de capins e chás),
com aquelas que produzem rizomas (exemplo: bambu),
rebentos (exemplo: bananeira, abacaxizeiro), estolões
(exemplo: morangueiro), bulbos (exemplo: alho), cormos
(exemplo: gladíolo), raízes tuberosas (exemplo: dália) e
tubérculos (exemplo: batata).

Uma importante classificação da propagação vegetativa pode


também ser feita com espécies frutíferas com relação ao produto
final, ou seja, quanto ao tipo de muda que será produzida. Nesse
caso, há quatro situações possíveis:

1. Muda autoenraizada: é aquela muda propagada


vegetativamente por qualquer método que viabilize a
formação de raízes adventícias (estaquia, alporquia,
mergulhia, amontoa de cepa, divisão ou cultura de tecidos) e
que se encontra sobre suas próprias raízes. Nesse tipo de
muda ocorre uma clonagem sem a necessidade de enxertia e
de porta-enxertos. Como exemplo desse tipo de muda,
destacam-se bananeira, figueira, mirtileiro, amoreira-preta,
goiabeira, lichieira, eucalipto, diversas espécies florestais,
ornamentais e da floricultura.
2. Muda enxertada em porta-enxerto produzido por semente: utiliza-
se um método vegetativo (propagar a copa) e um método
sexuado (propagar as sementes) para produzir o porta-
enxerto. A enxertia é realizada normalmente por algum tipo
de borbulhia (mais comum) ou de garfagem sobre um porta-
enxerto produzido por germinação de sementes. É o tipo de
muda em geral encontrado para as culturas do pessegueiro,
ameixeira, pereira, caquizeiro e mangueira, entre outros.
3. Muda enxertada em porta-enxerto clonal: são mudas enxertadas,
normalmente por garfagem, sobre um porta-enxerto clonal,
obtido por estaquia, amontoa de cepa ou cultura de tecidos. O
exemplo mais típico desse tipo de muda é observado na
cultura da videira.
4. Muda enxertada com o uso de interenxerto e de porta-enxerto
clonais: nesse tipo de muda, realiza-se, inicialmente, a
inserção de um segmento de ramo (interenxerto ou filtro)
sobre um porta-enxerto clonal já enraizado. Sobre o
interenxerto, faz-se a inserção da cultivar-copa desejada. Em
geral, ambas as inserções são realizadas por enxertia de
garfagem, manual ou mecanicamente. A muda formada será
composta por três cultivares geneticamente distintas, cada
uma cumprindo uma função que se manterá por toda a vida
da planta. Mudas com uso de interenxerto são
comercialmente empregadas na cultura da macieira, com o
objetivo principal de controlar o vigor das plantas, para
facilitar o manejo e aumentar a densidade de plantas no
pomar.

14.3 ATUAÇÃO DO ENGENHEIRO-AGRÔNOMO NA ÁREA DE PROPAGAÇÃO DE


PLANTAS

Os Engenheiros-Agrônomos têm amplo campo de atuação em


diversas áreas direta ou indiretamente ligadas à propagação
de plantas, aos viveiros e aos campos de produção de
sementes, na produção em si, na fiscalização, no comércio, na
pesquisa e na extensão rural. Algumas dessas áreas de
atuação são elencadas a seguir.

14.3.1 PLANEJAMENTO, ELABORAÇÃO DE PROJETOS E VIABILIDADE


ECONÔMICA

Os Engenheiros-Agrônomos são bastante requisitados para o


planejamento de instalação de viveiros e de lavouras de
produção de sementes, atuando na elaboração dos projetos de
infraestrutura física, no plantio de plantas-matriz, na
produção de mudas e sementes, na estocagem, na
comercialização, no transporte, na elaboração de contratos e
habilitação para produção de cultivares, em estudos de
viabilidade econômica de empreendimentos, entre outros.

14.3.2 SUPERVISÃO E COORDENAÇÃO DE PESSOAS


Na área de gestão de pessoas, seja na produção ou no
comércio de sementes e mudas, os Engenheiros-Agrônomos
também podem atuar supervisionando, orientando e
planejando tarefas ou na organização de compras, pedidos e
entregas.

14.3.3 ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RURAL


Os Engenheiros-Agrônomos também possuem amplo campo
de atuação profissional no ensino, na pesquisa e na extensão
rural, com foco na propagação de plantas. Com o grande
aumento do número de universidades federais, estaduais e
privadas que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos, a
demanda por Engenheiros-Agrônomos e pós-graduados
também aumentou substancialmente. Além disso, diversos
cursos de pós-graduação em Produção Vegetal, Horticultura,
Fruticultura, Tecnologia e Beneficiamento de Sementes foram
criados no País, exigindo mestres e doutores especializados
em propagação de plantas para o desenvolvimento de
pesquisas e formação de estudantes.
Nas unidades de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), em que se trabalha com espécies
vegetais em outras instituições públicas e privadas de pesquisa,
há pesquisadores e técnicos (normalmente Engenheiros-
Agrônomos, com titulação de mestre ou doutor) na equipe
atuando diretamente em propagação de plantas, visto que é uma
área básica que dá suporte a diferentes linhas de pesquisa, além
de ser tema relevante para investigação por si só. As principais
linhas de trabalho desses profissionais concentram-se em
adaptação, aperfeiçoamento ou desenvolvimento de novos
métodos de propagação; introdução e manutenção de genótipos
de interesse, nos bancos ativos de germoplasma; domesticação e
bioprospecção de espécies nativas; seleção e multiplicação de
novas linhagens/seleções/cultivares para a formação de unidades
de observação ou demonstrativas; recepção, remessa e
conservação de germoplasma importado ou exportado;
disponibilização de cultivares aos agricultores; eliminação de
patógenos das plantas; criopreservação (conservação de
germoplasma em temperaturas ultrabaixas); e nos laboratórios de
cultura de tecidos.

14.3.4 FISCALIZAÇÃO E VISTORIA


Nessa área, pode-se mencionar a atuação do Engenheiro-
Agrônomo em órgãos como o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Secretarias Estaduais e
Municipais da Agricultura. Diversas atividades são atribuídas
aos Engenheiros-Agrônomos nessa área, como fiscalização e
vistoria de viveiros, de campos de produção de sementes,
importação e exportação de sementes e mudas, nas
alfândegas e nos postos de fiscalização interestaduais,
zelando pela sanidade vegetal e combatendo fraudes e
biopirataria.

14.3.5 ASSISTÊNCIA TÉCNICA, ASSESSORIA E CONSULTORIA


Engenheiros-Agrônomos também podem atuar como
profissionais liberais, dando consultorias, assessorias
técnicas, palestras e cursos ligados à propagação de plantas.

14.3.6 RESPONSABILIDADE TÉCNICA


Uma das atribuições do Engenheiro-Agrônomo na área de
propagação de plantas é atuar como responsável técnico por
viveiros de produção de mudas e em lavouras de produção de
sementes. A Lei Federal nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, que
dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas,
determina que somente o Engenheiro-Agrônomo ou o
Engenheiro Florestal, devidamente registrados no Conselho
Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea),
podem atuar como responsáveis técnicos pela produção,
beneficiamento, reembalagem, pela análise de sementes ou
pelas mudas em todas as suas fases. Os viveiros e as lavouras
destinados à produção de sementes devem ter,
obrigatoriamente, o Registro Nacional de Sementes e Mudas
(Renasem) do Mapa, como produtor de mudas ou produtor de
sementes, respectivamente, e possuir um responsável técnico.
Engenheiros-Agrônomos também podem atuar em
laboratórios (oficiais ou não oficiais) de análises de sementes e
mudas.
Para dar uma ideia do amplo campo de atuação do
Engenheiro-Agrônomo como responsável técnico pela área de
propagação de plantas, na Tab. 14.1 são apresentadas
informações do número de registros contidos no Renasem, em 26
de fevereiro de 2018, por categoria (produtor de mudas, produtor
de sementes, responsável técnico e número de laboratórios de
análises de sementes de mudas, oficiais ou não) e por Estado da
Federação. Esses números são úteis para demonstrar as carências
e as potencialidades relacionadas a esse segmento no País.

14.3.7 EMPREENDEDORISMO
É outra vertente de atuação para os Engenheiros-Agrônomos.
Apesar do grande número registrado de produtores de mudas
e sementes no Renasem (Tab. 14.1), é possível que grande
parte produza uma ou poucas espécies vegetais, ou até
mesmo tenha deixado a atividade. Entretanto, sabe-se que
ainda é grande o número de ambulantes que comercializam
mudas e sementes nas ruas sem o devido registro da sua
atividade e da procedência do material vegetal. Viveiros e
floriculturas que produzem mudas de qualidade, em
embalagens apropriadas e atrativas, em ambientes físicos
adequados ou via comércio eletrônico, sem dúvida são
grandes campos a serem explorados no Brasil. O
desenvolvimento de substratos de qualidade, formulações
nutritivas, embalagens, insumos diversos, máquinas e
equipamentos necessários para a propagação de plantas
também são demandas ligadas ao empreendedorismo e
precisam ser alavancadas e mais bem distribuídas nas
diferentes regiões produtoras.

Tab. 14.1 Número de cadastros no Renasem, do Mapa, de produtores de mudas, produtores


de sementes, responsáveis técnicos, laboratórios e laboratórios oficiais de análises de mudas
e de sementes, por Unidade da Federação, em 26 de fevereiro de 2018

Estado Produtor Produtor Responsável Laboratórios


de de técnico
Análise Oficial Análise Oficial de
mudas sementes
de de de análise
mudas análise sementes de
de sementes
mudas
Acre 21 1 29 0 0 0 0

Alagoas 9 3 10 0 0 0 0

Amapá 4 0 6 0 0 0 0

Amazonas 69 8 117 0 0 0 0

Bahia 276 158 391 0 0 3 0

Ceará 152 32 197 0 0 1 0

Distrito
21 17 67 0 0 1 0
Federal

Espírito
531 14 227 0 2 0 0
Santo

Goiás 108 399 457 0 1 26 3

Maranhão 12 20 44 0 0 1 0

Mato Grosso 52 191 268 0 0 11 1

Mato Grosso
42 103 166 0 0 12 2
do Sul

Minas
1.452 388 759 2 1 19 0
Gerais

Pará 118 34 137 0 0 0 0

Paraíba 33 4 42 0 0 0 0

Paraná 342 197 974 0 1 32 1

Pernambuco 67 19 80 0 0 1 0

Piauí 38 6 47 0 0 2 0

Rio de
51 2 53 0 0 0 0
Janeiro

Rio Grande
46 11 58 0 0 0 0
do Norte

Rio Grande 353 507 976 2 0 32 4


do Sul
Rondônia 149 6 106 0 0 0 0

Roraima 11 7 27 0 0 0 0

Santa
371 153 350 0 0 5 1
Catarina

São Paulo 997 283 873 3 0 31 1

Sergipe 42 0 11 0 0 0 0

Tocantins 28 31 60 0 0 0 0

Tota 5.395 2.594 6.532 7 5 177 13

Fonte: Mapa (s.d.).

Outra importante área, ainda pouco explorada no Brasil, mas


com grande potencial de crescimento, é a produção de mudas
enxertadas de cucurbitáceas e solanáceas, sobretudo para cultivo
em estufas agrícolas, quando são exigidos cultivos sucessivos nas
mesmas áreas, devido ao fato de essas mudas normalmente
apresentarem problemas de doenças. Países como Espanha,
Coreia do Sul, Japão e China já adotam a enxertia de mudas de
cucurbitáceas e solanáceas na maior parte das suas áreas
cultivadas. O desenvolvimento de tecnologias de propagação, da
automação e da robotização da enxertia foi extremamente
necessário para viabilizar a enxertia de espécies hortícolas em
grandes viveiros desses países.

Neste capítulo, objetivou-se apresentar aos estudantes de


Agronomia algumas das principais terminologias utilizadas em
propagação de plantas, bem como as principais oportunidades de
trabalho e áreas de atuação dos Engenheiros-Agrônomos. A
inserção do profissional nessa subárea do conhecimento, que se
encontra dentro da Fitotecnia, dependerá da sua iniciativa em
buscar informações e conhecimentos adicionais aos obtidos
durante o curso de graduação.
Como sugestão, os interessados em se aprofundar e atuar em
propagação de plantas devem buscar conhecimentos práticos
com viveiristas, enxertadores, proprietários de floriculturas,
paisagistas, comerciantes de plantas, produtores de sementes;
realizar cursos, estágios, participar de eventos e visitas técnicas; e
dialogar com fornecedores de insumos, equipamentos e
ferramentas utilizados em propagação, além de constantes
atualizações via internet, leituras de artigos científicos e de livros
técnicos. A formação de uma biblioteca particular sobre
propagação de plantas é fundamental para o profissional se
especializar no assunto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. NASA
confirma dados da EMBRAPA sobre área plantada no Brasil. Portal de
Notícias, Embrapa, 29 dez. 2017. Disponível em:
<https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/30972114/nasa-
confirma-dados-da-embrapa-sobre-area-plantada-no-brasil>. Acesso em: 2
mar. 2018.
HARTMANN, H. T.; KESTER, D. E.; DAVIES JÚNIOR, F. T.; GENEVE, R. L. Plant
Propagation: Principles and Practices. 7. ed. New Jersey: Prentice Hall, 2002.
880 p.
ISF – INTERNATIONAL SEED FEDERATION. Seed exports and imports 2015. ISF,
2015. Disponível em: <http://www.worldseed.org/resources/seed-
statistics>. Acesso em: 1º mar. 2018.
MAPA – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO.
Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem). Brasília: Mapa, s.d.
Disponível em: <http://sistemasweb.agricultura.gov.br/renasem>.
PREECE, J. E. A century of progress with vegetative plant propagation.
HortScience, v. 38, n. 5, p. 1015-25, 2003.
QUINZE

PRODUÇÃO ANIMAL

Odilon Gomes Pereira

A produção animal envolve, principalmente, aspectos


ligados à nutrição, ao melhoramento, ao manejo de
pastagens, à reprodução e ao bem-estar do animal, de
modo a proporcionar índices de desempenho animal
zootécnicos, econômicos e ambientalmente viáveis. O
zootecnista é o profissional formado para trabalhar com
produção animal (bovinos, suínos e aves), notadamente
nas áreas de interesse econômico. O Engenheiro-
Agrônomo pode também realizar atividades dentro da área
de Produção Animal, pois ambos cursam disciplinas
similares na graduação, o que pode despertar o primeiro
interesse do futuro profissional de Agronomia por essa
área.
É interessante destacar que, nas universidades que
oferecem cursos de graduação em Zootecnia e Agronomia, a
carga horária de disciplinas obrigatórias na área de Produção
Animal é menor em relação à de universidades que ofertam
apenas curso de Agronomia. Por exemplo: a Universidade
Federal de Viçosa (UFV) apresenta projetos pedagógicos
diferentes nas disciplinas da área de Produção Animal do
curso de Agronomia, contendo apenas uma disciplina
obrigatória (Zootecnia Geral) para os projetos dos seus três
campi. Isso se explica pela pressão na formação de
profissionais cada vez mais ligados à sua área principal, o que
não inviabiliza a atuação do futuro Engenheiro-Agrônomo na
área de Produção Animal. O projeto pedagógico do curso de
Agronomia da UFV (campus de Florestal) oferece várias
disciplinas optativas na área de Produção Animal, a fim de
atender a uma demanda regional voltada, sobretudo, para a
pecuária e a produção de aves e suínos.
O objetivo deste capítulo, portanto, é apresentar alguns
aspectos da atuação do profissional de Agronomia na área de
Produção Animal.

15.1 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS


A Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação, de 2
de fevereiro de 2006, estabelece, em seu artigo 6º, que o
curso de Agronomia deve possibilitar a formação
profissional que revele, pelo menos, as seguintes
competências e habilidades:

a. projetar, coordenar, analisar, fiscalizar, assessorar,


supervisionar e especificar técnica e economicamente
projetos agroindustriais e do agronegócio, aplicando
padrões, medidas e controle de qualidade;
b. realizar vistorias, perícias, avaliações, arbitramentos,
laudos e pareceres técnicos, com condutas, atitudes e
responsabilidade técnica e social, respeitando a fauna e a
flora e promovendo a conservação e/ou recuperação da
qualidade do solo, do ar e da água, com uso de
tecnologias integradas e sustentáveis do ambiente;
c. atuar na organização e gerenciamento empresarial e
comunitário interagindo e influenciando nos processos
decisórios de agentes e instituições, na gestão de políticas
setoriais;
d. produzir, conservar e comercializar alimentos, fibras e
outros produtos agropecuários;
e. participar e atuar em todos os segmentos das cadeias
produtivas do agronegócio;
f. exercer atividades de docência, pesquisa e extensão no
ensino técnico profissional, ensino superior, pesquisa,
análise, experimentação, ensaios e divulgação técnica e
extensão;
g. enfrentar os desafios das rápidas transformações da
sociedade, do mundo, do trabalho, adaptando-se às
situações novas e emergentes. (Brasil, 2006).

Ainda segundo essa resolução,

o projeto pedagógico do curso de graduação em Agronomia deve


demonstrar claramente como o conjunto das atividades previstas
garantirá o perfil desejado de seu formando, o desenvolvimento
das competências e habilidades esperadas e a coexistência de
relações entre teoria e prática. Tudo isso como forma de fortalecer
o conjunto dos elementos fundamentais para a aquisição de
conhecimentos e habilidades necessários à concepção e prática da
Agronomia, capacitando o profissional a se adaptar, de modo
flexível, crítico e criativo, às novas situações. (Brasil, 2006).

Os cursos de graduação norteiam o perfil do futuro


Engenheiro-Agrônomo na elaboração do projeto pedagógico.
O curso de Agronomia da UFV (campus Viçosa) apresenta, na
sua matriz curricular, 16 disciplinas optativas da área de
Produção Animal, oferecidas pelo Departamento de
Zootecnia. O projeto pedagógico do curso exige o
cumprimento de no mínimo 540 h de disciplinas optativas,
agrupadas em dez categorias de conteúdos
profissionalizantes específicos, que totalizam 6.870 horas,
assim distribuídas:

a. Produção Vegetal: 22 disciplinas (1.350 h).


b. Solos e Ambiente: 16 disciplinas (900 h).
c. Proteção de Plantas: 6 disciplinas (405 h).
d. Produção Animal: 21 disciplinas, sendo 16 oferecidas pelo
Departamento de Zootecnia (1.080 h, sendo 780 h da
Zootecnia).
e. Recursos Hídricos, Irrigação e Drenagem: 9 disciplinas
(585 h).
f. Recursos Genéticos e Biotecnologia: 11 disciplinas (555 h).
g. Agroindústria: 6 disciplinas (390 h).
h. Pós-Colheita: 2 disciplinas (120 h).
i. Legislação, Economia e Desenvolvimento Rural: 17
disciplinas (915 h).
j. Outras optativas: 12 disciplinas (570 h).

Observa-se elevado número de disciplinas optativas,


incluindo aquelas da área de Produção Animal oferecidas pelo
Departamento de Zootecnia da UFV. A ideia parece ser esta: o
curso deve proporcionar ao estudante considerável número
de disciplinas, de diferentes áreas, para que ele escolha
aquelas que estejam voltadas para a atividade principal que
pretende exercer, pois aquela disciplina o “habilita” a
desempenhar determinada atividade na sua área. Na UFV, o
aluno que cursa somente a Zootecnia Geral durante sua
graduação teoricamente está habilitado a exercer atividades
que envolvem noções básicas da ação do ambiente natural
dos animais domésticos; de melhoramento animal; de
nutrição animal; de forragicultura; e de sistemas de criação e
exploração de animais. Em resumo, a UFV oferece
oportunidades para que o aluno tenha noções de algumas
áreas da Produção Animal, de modo a despertar seu interesse
para aprofundar seus conhecimentos nelas e adquirir
adequada formação na área.

15.2 ATUAÇÃO DO ENGENHEIRO-AGRÔNOMO NA ÁREA DE PRODUÇÃO


ANIMAL
O Engenheiro-Agrônomo poderá atuar em praticamente
todas as áreas da Produção Animal, desde que tenha
cursado, durante a graduação, disciplinas que lhe
proporcionem fundamentação teórica e/ou prática. Além
disso, ele pode fazer um curso de Especialização ou de
Mestrado (Acadêmico ou Profissional) e Doutorado em
áreas específicas, por exemplo, em Forragicultura e
Pastagens, Nutrição de Ruminantes, Nutrição de
Monogástricos, Melhoramento Animal etc.
A seguir são discriminadas as 16 disciplinas da área de
Produção Animal do curso de Agronomia da UFV (campus de
Viçosa), oferecidas por seu Departamento de Zootecnia: ZOO
210 – Zootecnia Geral; ZOO 415 – Equideocultura; ZOO 416 –
Caprinocultura; ZOO 417 – Ovinocultura; ZOO 420 –
Cunicultura; ZOO 433 – Produção de Suínos; ZOO 434 –
Produção Avícola; ZOO 436 – Produção de Bovinos de Leite;
ZOO 437 – Produção de Bovinos de Corte; ZOO 449 – Nutrição
Animal; ZOO 453 – Forragens e Plantas Forrageiras; ZOO 460 –
Teoria do Melhoramento Animal; ZOO 461 – Melhoramento
Animal Aplicado; ZOO 471 – Fundamentos de Bioclimatologia
Animal; ZOO 493 – Culturas Zootécnicas Emergentes; e ZOO
494 – Criação Comercial da Fauna Silvestre. Além dessas
disciplinas, o Departamento de Zootecnia da UFV proporciona
a oportunidade de atividades complementares, como estágio
em todos os seus setores de campo, com destaque para
aqueles envolvendo os grupos de estudos de bovinos de leite,
bovinos de corte, forragicultura e pastagens e genética e
melhoramento animal.
A possibilidade de o estudante de Engenharia Agronômica
cursar grande número de disciplinas de Produção Animal
reforça a tese de que esse futuro profissional poderá trabalhar
em qualquer área da Produção Animal. Essas disciplinas
visam orientar a formação do futuro Engenheiro-Agrônomo
de acordo com a sua vocação ou habilidade, ou seja, cabe ao
estudante definir se no futuro ele irá atuar na área de
Agronomia per se ou se optará por determinada área da
Produção Animal.
Se o Agrônomo escolher uma formação mais especializada
em Produção Animal, ele poderá, por exemplo, exercer
atividades nas seguintes áreas: produção e nutrição de
grandes ruminantes (bovinos de leite e de corte), produção e
nutrição de pequenos ruminantes (ovinos e caprinos),
produção e nutrição de aves e suínos, melhoramento animal,
forragicultura e pastagens, produção e nutrição de equinos e
bioclimatologia animal. As atividades dessas áreas podem ser
desenvolvidas tanto na iniciativa pública quanto na iniciativa
privada. Na primeira, elas estariam mais voltadas para as
áreas de docência e/ou de pesquisa em Produção Animal, em
instituições de ensino e pesquisa, podendo ainda envolver a
parte de assistência técnica. Na iniciativa privada, o
profissional poderá atuar com representação e venda de
produtos relacionados à Produção Animal, assistência técnica
na formação e manejo de pastagens, planejamento e
execução de projetos de instalações para Produção Animal, e
administração de propriedades rurais.
Carrer (2012), ao escrever sobre o mercado de trabalho para
os zootecnistas, destacou que a área de Agrárias é bastante
ampla, incluindo profissões em Zootecnia, Medicina
Veterinária, Agronomia e Administração com ênfase em
Agronegócios, entre outras, refletindo numa formação
acadêmica que envolve áreas de diferentes conhecimentos,
como biologia, matemática, química e física. Esse autor
relatou ainda que o novo paradigma de mercado está mais
voltado para a função desempenhada pelo profissional do que
para a profissão propriamente dita. Em outras palavras, há
espaço para o profissional bem-formado e com perfil proativo,
independentemente de sua formação acadêmica.
O Brasil possui o segundo maior rebanho bovino do mundo
e o primeiro maior rebanho comercial, ou seja, é o maior
exportador de carne bovina do planeta. O País tem um dos
maiores rebanhos leiteiros do mundo, com 23 milhões de
cabeças, ocupando a quarta posição mundial na produção de
leite. Estima-se que esses dois setores da pecuária nacional
empregam 3,6 milhões de pessoas, e o Brasil é o maior
produtor de carne de frango e também o seu maior
exportador mundial. Na suinocultura, o País ocupa a quarta
colocação mundial, tanto na produção quanto na exportação
de carne. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA), a agricultura e o agronegócio contribuíram
com 23,5% do produto interno bruto (PIB) brasileiro em 2017,
com destaque para a área de produção de carne.
Portanto, a área de Produção Animal tem apresentado
crescimento e também geração de empregos, mesmo em um
momento de crise do País, o que representa uma grande
oportunidade para aqueles com formação qualificada na área,
incluindo os Agrônomos. Nas Figs. 15.1 a 15.10 são ilustradas
algumas atividades, dentro da área de Produção Animal, que
podem ser exercidas pelo Engenheiro-Agrônomo, de forma
altamente rentável e prazerosa.

FIG. 15.1 Bovinos de corte em pastagem de Urochloa brizantha


Fonte: Odilon Gomes Pereira.
FIG. 15.2 Bovinos de corte confinados na fase de terminação
Fonte: Odilon Gomes Pereira.

FIG. 15.3 Bovinos de leite em pastagem de Megathyrsus maximum cv. Mombaça


Fonte: Odilon Gomes Pereira.
FIG. 15.4 Bovinos de leite confinados
Fonte: Odilon Gomes Pereira.
FIG. 15.5 Integração lavoura-pecuária como alternativa de recuperação de pastagens
Fonte: cortesia do Prof. Lino Roberto Ferreira.

FIG. 15.6 Sistema silvipastoril como alternativa de recuperação de pastagens, em área do


Departamento de Zootecnia da UFV
Fonte: cortesia do Prof. Limin Kung Jr., da University of Delaware.
FIG. 15.7 Recuperação de pastagem de Urochloa decumbens com a introdução de Arachis
pintoi
Fonte: Odilon Gomes Pereira.
FIG. 15.8 Produção de suínos
Fonte: Odilon Gomes Pereira.
FIG. 15.9 Produção de aves
Fonte: cortesia da Prof. Melissa I. Hannas.
FIG. 15.10 Esquema de cruzamento absorvente em bovinos leiteiros
Fonte: cortesia do Prof. Fabyano Fonseca e Silva (in memoriam).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara
de Educação superior. Resolução nº 1, de 2 de fevereiro de 2006. Institui
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em
Engenharia Agronômica ou Agronomia e dá outras providências. Diário
Oficial da União: seção 1, p. 31-32, 3 fev. 2006. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces01_06.pdf>.
CARRER, C. C. Mercado de trabalho para os zootecnistas: desafios e
tendências. In: ALMEIDA JÚNIOR et al. (Ed.). O profissional de Zootecnia
no século XXI [recurso eletrônico]. Alegre, ES: Caufes, 2012. 203 p.
Disponível em: <http://www.zootecnia.alegre.ufes.br>.
DEZESSEIS

AGRICULTURA DIGITAL

Aluízio Borém

A maior parte da população urbana possui apenas uma


visão romantizada das empresas rurais, outrora chamadas
de fazendas. Se perguntadas, muitas pessoas das cidades
vão responder descrevendo suas férias de infância na
fazenda do avô, onde se produzia quase tudo de que a
família precisava à mesa: arroz, feijão, milho, hortaliças,
carne, leite, ovos, frutas etc. No entanto, essa imagem das
fazendas é coisa do passado. Hoje, geridas como empresas,
as propriedades agrícolas evoluíram e estão focadas na
produção tecnificada de alimentos, buscando a
sustentabilidade econômica e gerando grande mercado de
trabalho para a nova geração.
A agricultura está passando por uma transformação nunca
dantes vista. Nos últimos séculos, a agricultura tem se
reinventado para atender à crescente demanda mundial de
alimentos. Em sua história, podemos identificar quatro fases,
ou eras: Agricultura 1.0 (Fig. 16.1), Agricultura 2.0 (Fig. 16.2),
Agricultura 3.0 (Fig. 16.3) e Agricultura 4.0 (Fig. 16.4).

FIG. 16.1 Agricultura 1.0, caracterizada pela força física – homens e animais eram força
motriz da agricultura até 1920

FIG. 16.2 Agricultura 2.0, cujo início se deu com a mecanização


FIG. 16.3 Agricultura 3.0, com aplicação de variedades melhoradas e outros insumos

FIG. 16.4 Agricultura 4.0, com drone sobrevoando lavoura e robô navegando sob o dossel
de cultura de milho,coletando informações sobre a fitossanidade e componentes de
produção, de forma autônoma, por meio de sensores RGB, LiDAR e outros
Fonte: Steve Long (CC BY 2.0, https://flic.kr/p/Ef31ia) (segunda imagem).

A agricultura rudimentar, que tem sido designada


Agricultura 1.0, remonta ao seu primórdio, há
aproximadamente 10.000 anos, até cerca de 1920, quando era
baseada na força física – no trabalho manual e na tração
animal. Essa agricultura demandava muita mão de obra e,
portanto, limitava o tamanho das áreas cultivadas e era
voltada, sobretudo, à subsistência, gerando poucos
excedentes comercializáveis. Sua fase subsequente refere-se
ao início da agricultura mais tecnificada, também
denominada Agricultura 2.0, a qual corresponde ao período
de 1920 a 1990, em que a adoção de pacotes tecnológicos,
como máquinas, fertilizantes e variedades melhoradas, se
torna mais generalizada. Produzir mais por unidade de área
era o objetivo, com o uso de boas práticas de gestão
agronômica e novos insumos, como defensivos agrícolas e
fertilizantes químicos. Fez parte dessa era a Revolução Verde,
comandada por Norman Borlaug, com suas variedades
semianãs de trigo e arroz. O sucesso da agricultura nesse
período foi tão grande, gerando enormes excedentes de
alimentos, que a sociedade perdeu o senso de essencialidade
da agricultura para a vida humana. Antes do início da
agricultura, o homem passava a maior parte do dia em busca
de alimentos na natureza.
No início do século passado, ainda na Agricultura 1.0, um
agricultor produzia alimentos para cerca de quatro pessoas.
Em 1960, na Agricultura 2.0, ele produzia para 26 pessoas e,
atualmente, na Agricultura 3.0, alimenta mais de 150 pessoas.
Assim é que hoje muitos moradores do meio urbano não têm
a menor ideia de como é a produção dos alimentos que
chegam à sua mesa. Para a maioria deles, o alimento é apenas
algo constantemente disponível nas prateleiras dos
supermercados.
Imagine, por exemplo, uma viagem espacial de longa
duração. A agricultura está sendo reinventada pela Nasa
(Agência Espacial Norte-Americana) a fim de fazer parte do
planejamento dessas viagens ao espaço não só para produzir
alimentos, mas também para renovar o oxigênio. Por
exemplo, pela simplicidade do processo foi possível, primeiro,
produzir sorvete no espaço antes mesmo de alface, conforme
relatado por Khodadad et al. (2020). Muitos desafios ainda
precisam ser solucionados para viabilizar a produção de
alimentos no espaço, conforme mostrou esse estudo
realizado na Estação Espacial Internacional (ISS). A
agricultura é essencial à vida humana!
Em sequência à Agricultura 2.0, atrelada ao incremento
tecnológico no campo, uma nova fase surgiu por conta da
Engenharia Genética, levando dos laboratórios para os
campos variedades melhoradas jamais pensadas pelos
produtores, o que reduziu o uso de defensivos agrícolas e
facilitou o manejo das lavouras. Essa fase, chamada de
Agricultura 3.0, compreende o período de 1990 até 2020 e
continua a gerar novas e surpreendentes variedades a cada
ano, avançando com o objetivo de maximizar o
aproveitamento dos recursos naturais.
No ano de 2022, uma fase na agricultura está começando:
a Agricultura 4.0, que contempla, entre muitas outras
mudanças, o maior uso de produtos biológicos, a inclusão de
novas espécies ainda em domesticação na produção de
alimentos e a transformação digital.
A transformação digital está avançando a passos largos, e
certamente sua aplicação na agricultura é essencial para o
atendimento, de forma sustentável, da demanda alimentar
mundial de nove bilhões de pessoas, além de animais, em
2050. A adoção da automação e da robótica; dos mais variados
tipos de sensores de solo, planta e clima; do processamento e
armazenagem de dados nas nuvens; da inteligência artificial;
e da conectividade está na base dessa nova revolução
agrícola, chamada de Agricultura 4.0, criando o que muitos
acreditam ser uma nova revolução na produção de alimentos.
Volumes de dados gigantescos, terabytes de informação, são
coletados para o uso mais eficiente e sustentável dos recursos
finitos da agricultura, a exemplo de terras, água, mão de obra
e insumos. Grande parte da coleta desses dados está sendo
realizada por drones, satélites e outras plataformas.
As primeiras perguntas que o empresário que está
adotando as tecnologias digitais em sua propriedade faz, em
geral, são: “Que tipo de plataforma usar?” e “Qual é a melhor
opção?”. Essas plataformas estão no mercado porque cada
uma se ajusta melhor a determinada situação. Algumas
propiciam grande cobertura, embora as imagens geradas
sejam de menor resolução, como os satélites, enquanto
outras, como os drones, dão menor cobertura, mas as imagens
em geral possuem melhor resolução e acurácia. Assim, a
melhor opção para o proprietário é consultar um técnico
especializado.
Nas plataformas têm sido utilizados os mais variados tipos
de sensores, conforme os objetivos do monitoramento (Tab.
16.1). Sensores que capturam o espectro luminoso do visível
(RGB) são empregados para avaliação da arquitetura,
morfologia, maturação, população de plantas e características
associadas à produtividade (cobertura e temperatura do
dossel, conteúdo de clorofila das plantas, número de vagens,
número de sementes por vagem etc.) e à identificação de
pragas e doenças em lavouras. LiDAR, do inglês light imaging
detection and ranging, é a sigla dos radares que enviam pulsos
rápidos de laser à superfície a ser escaneada. Um sensor desse
instrumento mede a quantidade de tempo que leva para cada
pulso voltar, mapeando a topografia da superfície e criando
modelos 3D dos objetos ou do ambiente. Essa é uma
tecnologia que detecta o tamanho e a posição exatos dos
objetos, além de ajudar veículos autônomos a identificar
objetos, obstáculos, volumes das culturas, linhas de cultivo e
pessoas. Tecnologias como o LiDAR, entre outros sensores,
como giroscópio, bússola eletrônica e acelerômetros, podem
ser fundidas com o GNSS utilizando, por exemplo, filtro do
Kalman e produzir sistemas de orientação mais robustos,
precisos e seguros, com grande potencial para
monitoramento remoto agrícola. Sensores térmicos podem
medir parâmetros fotossintéticos, enquanto scanners podem
avaliar características das raízes. Ademais, armadilhas
integradas a câmeras podem identificar pragas pelo tipo e
quantidade de batida de asas das mariposas.

Tab. 16.1 Algumas aplicações e custos de diferentes sensores na agricultura

Sensor1 Aplicação Custo2

RGB Características morfológicas das plantas, maturação,


$
(400-700 nm) população de plantas

NIR
Composição química das plantas, estresse por défice hídrico $$
(800-1.200 nm)

Multiespectrais Fitossanidade, identificação de plantas daninhas e


$$$
(800-1.400 nm) fitotoxicidade

Hiperespectrais
Fitossanidade, identificação de plantas daninhas e
(350-2.500 $$$$
fitotoxicidade
nm)

Termais
Estresses bióticos e abióticos $$$$$
(8-13 nm)

LiDAR Mapeamento do relevo do solo e altura de plantas $$$$$


(905-1.550 nm)

Fluorescência Quantificação de clorofila e de senescência $$$$$

Radar RS
Identificação de culturas e umidade do solo $$$$
(0,3-100 cm)
1 RGB, câmeras fotográficas; NIR, infravermelho próximo; e LiDAR, light imaging detection and

ranging.
2 $, mais econômico; e $$$$$, menos econômico.

Os desafios da gestão agrícola são grandes e complexos, e


a rentabilidade da agricultura está cada vez menor, não
permitindo erros ou desperdícios. Assim, métodos precisos de
geolocalização e dados agronômicos de qualidade – com
precisão e acurácia – são essenciais para que o agrônomo faça
recomendações técnicas de forma otimizada e
ambientalmente responsável. Nesse contexto, o sistema de
informações geográficas (SIG) foi projetado para capturar,
armazenar, manipular, analisar, gerenciar e apresentar dados
espaciais ou geográficos. Os aplicativos do SIG permitem aos
usuários fazer buscas interativas, analisar informações
espaciais e editar dados em mapas de importância para a
gestão agrícola. No SIG, informações de campo são
georreferenciadas, de forma que os produtores, por exemplo,
possam estratificar o campo em áreas diferenciadas. Esse
sistema registra cada ponto da propriedade agrícola em
coordenadas (longitude, latitude e altitude) no tempo. Essas
informações auxiliam os produtores na estratificação do
campo em áreas diferenciadas e individualmente
homogêneas, para as prescrições do agrônomo.
O levantamento de pragas, doenças e plantas daninhas,
hoje feito na maioria das lavouras por meio de amostragens
tomadas por técnicos percorrendo os campos em zigue-zague,
está dando lugar ao uso de imagens aéreas que avaliam toda
a área, permitindo ao gestor estabelecer prioridades e
recomendações específicas para cada ponto da lavoura. Com
essas imagens, podem-se criar mapas de infestação de pragas
e de plantas daninhas, de fertilidade e textura do solo, de
aplicação de insumos, de produtividade, entre vários outros.
Na colheita, o gestor pode analisar a produtividade por vários
aspectos – variedade, solo, talhão, data de maturação – e
determinar prioridades de colheita, bem como diagnosticar
flutuações de produtividade em função de variações
decorrentes do tipo de solo, adubação, população de plantas,
defensivos agrícolas utilizados, manejo adotado, entre outros
fatores, para melhor planejar a safra seguinte (Ping;
Dobermann, 2005). A Fig. 16.5 apresenta diferentes mapas
para auxiliar a gestão da empresa agrícola.
FIG. 16.5 Diferentes mapas digitais utilizados em recomendações agronômicas

Nos silos, sensores espalhados no meio dos grãos


armazenados emitem, de forma remota e em tempo real,
leituras da umidade, temperatura, teor de CO2 e outros
parâmetros em painéis, que ajustam automaticamente a
aeração e retransmitem esse monitoramento para o celular
do agrônomo.
Para gerir esse conjunto de informações, o agrônomo
precisa ter acesso a elas de maneira que possa interpretá-las
facilmente, isso porque, se não forem precisas ou se
estiverem temporalmente ultrapassadas, a recomendação
técnica será anacrônica e poderá não gerar o efeito corretivo
esperado. Por exemplo, com a agricultura digital o produtor
pode monitorar pelo smartphone, 24 horas por dia e sete dias
por semana, a lâmina de água aplicada por cada fatia do pivô,
por meio de sensores de umidade do solo, que
constantemente enviam leituras a diferentes profundidades
do seu perfil. Ainda, o pivô pode ser ajustado para aplicar a
lâmina de água a uma taxa variável, conforme o
desenvolvimento da cultura, a desuniformidade do solo, a
variação da topografia etc.
No mundo hiperconectado, onde pessoas, computadores e
objetos físicos estão interconectados para resolver tarefas
complexas, surgiu o conceito da internet das coisas, também
chamada simplesmente de IoT. Trata-se, portanto, da
interconexão, via internet, de dispositivos de computação
integrados em máquinas, instrumentos, sensores,
equipamentos e outros dispositivos, o que permite que esses
dispositivos recebam e enviem dados, em um processo
similar a um diálogo, mimetizando uma conversa entre eles.
A IoT promete, nos próximos anos, transformar os setores da
educação, da saúde, financeiros, do comércio, de serviços, as
instituições governamentais e, inclusive, a agricultura. Nesta
última, a IoT facilitará o gerenciamento agronômico, o
sensoriamento remoto (Maes; Steppe, 2019) e o processo de
tomada de decisão, pois permitirá que gestores monitorem,
por meio de seus dispositivos pessoais, de forma remota e em
tempo real, os equipamentos, máquinas e sensores agrícolas,
fazendo com que interajam entre si. Com isso, o produtor
poderá, por exemplo, acompanhar continuamente a irrigação,
monitorando possíveis obstruções nos aspersores, que serão
acionados automaticamente por meio de sinais emitidos por
sensores de umidade do solo (Castrignano et al., 2020). Dessa
forma, os gestores vão poder determinar os requisitos
específicos e em tempo real de cada local do talhão,
maximizando o uso eficiente da água, bem como fornecer aos
produtores dados para planejamento do uso de insumos
agrícolas de forma diferenciada no tempo e no espaço, em
conformidade com as previsões do clima e com o
desenvolvimento da cultura, que também será monitorada
por outros sensores. A IoT tornará a agricultura mais eficiente
(i) reduzindo os custos operacionais, (ii) aumentando a
produtividade e (iii) criando oportunidades para o
desenvolvimento de novos produtos e serviços. Estima-se
que, mundialmente, já existem 50 bilhões de dispositivos
interconectados, sendo 24 bilhões deles pertencentes à IoT
(Cisco Systems, 2020). Para facilitar o entendimento de como
a IoT funciona na agricultura, os infográficos apresentados na
Fig. 16.6 ilustram parte dessas aplicações.
FIG. 16.6 Infográficos ilustrando a aplicação da IoT na agricultura, com a
intercomunicação de diferentes sensores e dispositivos agrícolas
Fonte: L. Colizzi (segunda imagem).

Entretanto, o que de fato é a agricultura digital? Seria o


mesmo que agricultura de precisão? Para a maioria dos
especialistas, a primeira é uma evolução da segunda e integra
as tecnologias digitais na gestão dos processos produtivos da
agropecuária, incluindo, portanto, a zootecnia. Assim, a
agricultura digital é uma estratégia de gestão que reúne,
processa e analisa dados temporais, dados espaciais e
individuais e os combina com outras informações. Tudo isso
com o intuito de orientar a gestão agrícola, melhorando sua
eficiência, produtividade, qualidade, rentabilidade e
sustentabilidade, reduzindo custos e riscos, e viabilizando a
gestão de grandes áreas, de forma remota e em tempo real. A
agricultura digital depende, principalmente, da
implementação de ferramentas de coleta de dados, as quais
podem acelerar e aprimorar as decisões na adoção das boas
práticas agronômicas (Molin; Amaral; Colaço, 2015).
Fazem parte da era digital: inteligência artificial (IA),
machine learning, blockchain, big data, computação nas nuvens,
telemetria, realidade aumentada, deep learning, sensoriamento
remoto, mineração de dados, robotização, automação,
sistemas de informações geográficas (SIG), entre outras
tecnologias. A IA, imitação da inteligência humana, capacita
máquinas, especialmente sistemas de computadores, com
recursos como autocorreção, aprendizado e raciocínio. Na
agricultura, ela aumentará a precisão e eficácia na
manutenção e no plantio das lavouras, como detectar pragas,
doenças e plantas daninhas e decidir quais defensivos
agrícolas aplicar no seu controle – evitando a aplicação
excessiva de produtos e o desenvolvimento de resistências –,
bem como melhorar a qualidade e precisão da colheita.
Também permite aos agricultores analisar uma série de
variáveis em tempo real, como condições climáticas,
temperatura, uso da água ou condições do solo para suporte
às suas decisões. A inteligência artificial enfatiza o
desenvolvimento de máquinas que “aprendem” e trabalham
simulando o comportamento humano. Seu uso está na mídia
para solução de problemas e facilitar a vida das pessoas: o
reconhecimento facial e de voz; em veículos autônomos; na
recomendação de itens pelo perfil do usuário; na
autocorreção de textos em digitações; e em assistentes
virtuais, como Alexa da Amazon, Siri da Apple e a assistente
virtual do Google, que executam tarefas como ligar para
pessoas, mandar mensagens, abrir ou fechar um portão,
acender e apagar luzes, pesquisar no Google e, ainda,
“conversar” com o usuário. A inteligência artificial facilita
praticamente todas as atividades do produtor.
Essa quarta revolução agrícola introduz o conceito de
propriedades rurais inteligentes, com a interconexão de
máquinas, equipamentos e sensores agrícolas. É a agricultura
evoluindo e permitindo que seus gestores disponham das
ferramentas que coletam, armazenam e analisam dados com
relevância agronômica para recomendações práticas e
precisas. Esse é o cenário da agricultura global, em que o
tempo é escasso e contar com informações precisas, acuradas
e em tempo real na palma da mão é essencial para a
lucratividade do negócio, razão por que as ferramentas
digitais se tornaram imprescindíveis na gestão do
agronegócio. Plataformas e painéis estão sendo aprimorados
para que haja compatibilidade de intercomunicação entre os
vários equipamentos agrícolas e destes com a enorme
quantidade de dados históricos de cada área que precisam ser
interpretados de forma rápida e facilmente aplicáveis na
prática.
Com o uso das ferramentas digitais, está sendo possível
monitorar a agricultura e detectar problemas em tempo real,
à medida que a operação agrícola é realizada ao longo do ciclo
das lavouras. Um exemplo disso é o plantio controlado com
taxa variável de sementes, fertilizantes, defensivos e
irrigação, conforme cada ponto do talhão, ou até mesmo o
monitoramento da velocidade da colheita e do tempo
remanescente para concluí-la e do teor de umidade dos grãos
armazenados, entre outros. Todas essas informações podem
ser obtidas de forma remota, o que permite o
acompanhamento das operações de campo ainda que o
gestor esteja fora da propriedade.
A agricultura digital também traz novos desafios para as
empresas e os produtores rurais, os quais, com o tempo, vão
sendo superados. Alguns desses percalços incluem:
treinamento dos recursos humanos da empresa, atualização
tecnológica, pouca conectividade em áreas rurais, internet
com conexão lenta, sensores com pequeno raio de cobertura e
limitado espectro de características monitoradas, maior
frequência e velocidade na captura e automação da
interpretação dos dados. A geração chamada de millenials, que
é hiperconectada, se dará muitíssimo bem com o
desenvolvimento de carreira em agronomia.
Para dar suporte a essa revolução agrícola, muitas startups,
chamadas de AgTechs, vêm sendo criadas e aceleradas por
fundos de investimento e grandes multinacionais,
vislumbrando toda a importância e o potencial econômico
desse negócio. Essas empresas têm focado em áreas de
sensores, consultoria agronômica digital, drones, robótica,
automação, processamento de dados, análise de big data etc.
Do ponto de vista da carreira profissional, profissionais
treinados nessas áreas já estão com grande demanda no
mercado, e a tendência é que tal demanda cresça ainda mais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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