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RELACAO ENTRE OS FATOS HISTORICOS E A ONOMASTICA NO BRASIL FLORIVAL SERAI Tem sido aplicada a designagéo de proto-histérico a0 periodo que val do descobrimento do Brasil aos primeiras esforgos de eolo- aizagio do Pais pelos perjuguéses, 0 qual assinala o inicio do pro- cesso de aculturagio dos indigenas em face dos invasores vindos do ultramar, Desde entio podem ser observades fatos lingUisticos de importancia, sob a influéncla désse processo, inclusive no dominio da onomastica. Comecemos pela antroponimia. Os prenomes dos slivicolas eram, em geral, prenomes portuguéses, escolhidos pelos missiondrios ca- tequistas, aos quais se acrescentavam ordinkriamente os respectives nomes indigenas (Franeiseo Aragiba, JoZ0 Amanai, Jorge Tagalg- buna, Anténio Caraibpocu, Francisco Cunhanhu). Um historiador nordestino cxcreve 4 propésite: “Os indigenas nas aldeias ccarenses mostraram em prinetpfo repugnancia pelo uso dos nomes de batis- mo; recebendo-os na sagrada pia, nem por isso os aceitavam no trato comum. Ao nome cristao que o padre Ihes impunha com a gua da redencao, preferiam o nome gentilleo dos seus usos. Assim, embora tivessem no assento batismal os nomes do calenddrio ro- mano, como José, Joo ou Francisco, éles falavam-se com os nomes de Boipuru, Ibiara, Cirioba, Andaguagcu, Pititba, Igoraiba e outros semelhantes da sua linguagem nativa. (1) (1) Tristio de Alencar Araripe — Histéria da Provincia do Coaré — pag. 7? Recife, 1887. 96 REVISTA DO INSTITUTO DO CRARA Aparecem, contud, nos documentos histéricos alguns nomes proptios de aborigines, geralmente notabilizados por seus feltos ¢ tamos os seguintes: Baltazar ¢ José Vaseoncelos, Filipe de Sousa (03 ausilios & colonizacéo, eom prenome e sobrenome portuguéses. Ci- dois Witimos agraciados com o titulo de Dom), Matias Monteiro, André Francisco, Domingos Dias, Franciseo de Sousa, José de Amo- rim, Matias Tavares ¢ outros, que sio ainda mencionados nas pri- meiras décadas do século XVIII. (2) ‘Durante a época da escravidéo negra, no Brasil, as paginas da historia nacional registam varios nomes de africanos e seus descen- Gentes. O que se observa ai mais freqiientemente é um prenome, escolhido entre prenomes portuguéscs usualmente adotados, ser se- guido do nome de uma regiiic da Africa, certamente a mesma de onde procedia o escravo: Anténio Cabo Verde, Joie Mina, Bento Angola ete. AS vézes, 0 sobrenome se relnclonava com a raga do individuo: Luis Crioule, ou correspondia a algum topdnimo reglo- nal: Liis Aracati. B interessante notar que os prenomes dos negros eram sempre procurados entre aquéles que ndo eram usados comumente pelos rancos, pertencentes a classes sociais mais elevadas. Maseulines: Benedito, Constantino, Etias, Filipe, Femininos: Androsa, Bonifacia e outros Evocando 9 téo curto e malogrado dominto holandés no Nor- deste brasileiro, surge ainda em Pernambuco e Rio Grande do Nor- te, especialmente, 0 sobrenome Vanderlei, que no Ceara jd regis- tamos como prenomie. (3) Certos movimentos de idéias com projegéo universal produzi- ram reflexos sobre a onoméstica, a exemplo da Jlustragio, que mo- tivou, no Brasil, a aplicacdo de grande quantidade de nomes da histérla antiga, da antiguidade classica, grega e romana, os quais até entio nao haviam sido empregados. Nao nos deteremos a res- Peito. Pols, 0 que interessa, evidentemenie, ressaltar nesta comu- nicagdo, sio apenas aquéies acontecimentos histéricos que, com re- lagZo & antroponimia, acusam uma impressao regional ou nacional mais amplamente caracterizada. Nos primeiros decénios do séeulo KIX, ou pouco antes e depots da Independéncia, vetificam-se agitagées de carater nativista, que (2) Guilherme Studart —- Docamentos para a Historia do Brasil, e especial mente n do Cearé — Vol. I (1008-1625) — Fortaleza, 1904; Vol. Il — For- vwleza, 1909; Vol. TIT — Fortaleza, 1910, (3) Carlos Kovier Pais Barreto — Sangue Ketrangeire € Indigena no Povow mento Nordestine — In «Rev. das Academias de Letrass — Rio de Janelro, Ae Sem. 1948 — pags. 7 e 78 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA ot manifestam 0 estado de espirito dos nacionais para com a metro- pole lusitana. A Confederagio do Equador constitui um movimento de stenificagio histérica, que abalou todo o Nordeste brasileiro. Vejamos, a propdsito, o que nes oferecem os documentos sobrevir: dos dessa época, bem como as obras dos historiadores iocals. Per- ceberemos, assim, a8 modificagées sofridas pela antroponimia desde ésses anos plenos de agitagao moral e politica. A aposic&io de um sobrenome indigena go nome da familia do individuo representa ai a inovagéo antroponimica, que mesmo 03 prineipais da provincia nao hesitam em adotar, como demonstra- sao de rebeldia espiritual. Bis alguns exemplos: José Francisco Li- berel Capibaribe, Vitoriano Correla da Silva Parangaba, Caetano Pereira Maraeand, Joaguim ‘Ferreira Lima Jitirana ¢ muitos ou- tros. Por essa época, algumas mulheres possuidoras de tendéncias liberals fizeram uso dos mesmos processos. E entdo surgem nomes como éstes: Josefa Clara da Conecigao Paturi, Maria Joaquina de Jesus Jagan’. (4) Observe-se que nem todos ésses sobrenomes, adiclonados aos verdadeiros nomes das pessoas, sio palavras tupis ou de outra orl- gem indigena. Certos désses antropénimos, ainda que pertencentes a0 voca- bulério da flora e fauna regionais, nao sio de etimologia indigena e indicam apenas que o essencial, a propdslte, era que éles ofere- cessem uma exprossfio nativa, americana (Alectim, Palmito, Jaca- ré, Pau-brasil). Ha, entretanto, pessoas que nio se contentam com @ aposigéo de um sobrenome indigena e preferem 2 combinagao de dois sobrenomes da mesma procedéncia, come nos seguintes casos: Muriei Surucucu, Barauna Mossoré, Araripe Sucupira. A maioria dos nomes eltados continua a figurar, em nossos dias, entre os no- mes de familia de virios brasileiros, tendo-se reproduzido de gera- cées a geragdes. (*) No que concerne & toponimla, nao é também possivel desprezar 08 fatos historicos da colonizagéo no Nordeste brasileiro, durante os seus primeiros séculos Além da persisténcia de numerosas formas indigenas, origina- {4} Acte da Sessio Extravrdinéria do Grande Consellio Provincial da Contr Geracko do Kqandor — Zi de agasto de 1825. V. ainda, Joto Brigide — Miscelanes HistGriea, pag. 11 — Ceara, 1299. (©) Expressouse Joo Brigide a propésito: «Fol por esse tempo que o padre Gongalo, @ Initacdo de outros, substitu o seu eogneme de Molo pelo de Mo- Teré, planta cearense. Vém dessa época os apelidos de Araripe, Ibiapina, Areré, Sucupira, Buritf, Anta, Suguarana e tantos outros que se perpetuaram na pro- vincla ¢ traduzem adesdes & Independéncia.> $2 REVISTA DO INSTITUTO DO CRARA rias dos primitivos habitantes do Pais, que subsisiem, apesar das alteragdes fonéticas devidas A sua promincla pelos portuguéses, des- de entio cbservam-se modificagées no tocante mesmo aos topé- nimos nalivos. Multos nomes de lugar que pertenclam aos antigos idiomas tapuia e cariri so entao substituidos por palavras da lin- gua tupl, que cada vez mais se generalize, eracas & acéo dos mis- sionarios e @ penetracdo dos colonizadores até os lugares mais dis- tantes do Pais. Estes personagens faziam-se acompanhar de indi- genas {4 catequizados, que lhes serviam de ciceroni e falavam o tupi-guarani ou ¢ chamada lingua geral. Encontra-se, de outra parte, uma grande varledade de palavras da lingua portuguésa, na toponimta regional, as quais sfo repre- sentadas por nomes comuns, designacdes de carter religioso ou mistico e Mesmo por antropénimos. Estes sido, em geral, aplicados para render homenagem a algum dos colonizadores ou propricta- rios de terras, chamadas sesmarias (Maria Pereira, Gracisman, Fei- tosa, Barbalho). Os nomes comuns da toponimla brasileira entram em elevada propore%o no 1éxico portugués, conquanto se possa ligd-los a fontes distintas: latina, grega, arahe © outras, Entre ésses nomes de lugares véem-se arcaismos ou formas ob- soletas, assim como palavras novas formedas em grande parte por derivagaio sufixal, Citamos, entre aquéles: Almofala, Angustura, Amontada, Ala- goa; e entre os Gltimos: Lameirao (de lameiro) lama, Frecheirinha (de frecheira) frecha; Chaval (de chave); Varjota (de vargem). Observam-se também nomes compostos: Alagadigo-Grande, Agua- Verde, Cajueire-de-Ministro, Cérrege-Névo etc. Ha, no entanto, o registrar ainda aquéles térmos chamados bra- sileirismos seminticos, 03 quais, conservando suas formas portu- guésas, mudaram de sentido no meio americano. Eis alguns casos: Corea, também Créa (banco de areia nos estudrios dos rios e lagu- nas}; Malhada (ugar a sombra das drvores onde o gado vem abri- gar-se do sol); Picada (caminho aberto a facéo através da mata) ete. etc. Os fatos de hibridismo (portugués @ indigena) nao sao excep- cionais. Alguns sio nomes compostos, cuja elemento indigena, as mais das vézes, ja pertencia ao portugués geral. Citamos, entre outros, os seguinies: Barra-da-Caponga, Tapera-Acima, Catinga-Redonda, Buriti-dos-Oleiros. Existe, todavia, o topdnimo Cumhi de Freitas, que apresenta uma forma tupt em sua composigéo, a qual, até hoje, nao ingressou na lingus normal, culta: dos brasileiros. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Exy Um caso de hibridismo muito interessante € a justaposicno Cabarntinga, na qual o vocdbulo portugués cavalo foi reformada pelos aborigines (eabaru). © nome composto Capim Pube, constituido de dois nomes co- muns de origem tupi-um, o substantive capim; o outro, o adjetivo pubo (azédo, fermentado) oferece um exemplo de adaptacaéo ao gé~ nero masculine em portugués de uma forma tupi que era usada com a desinéncia do feminino (mandioca puba cte.) ‘Os topanimos de origem africana ja se acham incorporados 60 portugués geral, 20 menos no Norte e Nordeste do pais. Sem duavi~ da, n%io foram, eomo certos nomes indigenas de lugar, retirados diretamente da lingua originaria para ser aplicades 4 geografia re- gional, se bem que possam oferecer designacées mais ou menos exas tas, seja de aiguns fragmentos da realidade cultural, seja de deter- minados aspectos da natureza (Mocambo, Zumbi, Cacimba, Macaco etc.). Contudo, no que tange as relagdes entre a toponimia e os fatos Aistéricos no Brasti, o que deve merecer especial destaque ocorre apenas no século XVIII. Em 1758, 0 Marqués de Pombal, ministro do rei José I, utfii- gzando-se de uma Ordem Régia datada de 6 de maio désse ano, de- terminou ao Governador de Pernambuco que aplicasse nomes de Jocalidades portuguésas as aldeias brasileiras que, criadas pelos je~ suitas, contassem mais de cingiienta fogos, as quais deveriam desde entio ser clevadas & categoria de cidades. Os historiadores interpretam €sse acontecimento histérico de maneiras diversas. Uns o consideram apenas o reflexa dos senti- mentos hostis do poderoso ministro em relagio aos jesustas, desde que o seu plano, no momento, consistia em perseguir e aniquilar os ditos missionarios. Outros estudiosos discordam dessz opinido e véem ng medida governamental apenas uma barreira & expensio da Iin- gua tupi entre as populacdes brasilelras, em via de tornar-se, por essa época, uma ameaca & hegemonia da lingua culta. De qualquer maneira, pode observar-se, entéo, como resultado do cumprimento da Ordem Régia, a substituigio de varios topéni- mos primitivos, de origem indigena, por nomes de localidades por- tuguésas. Alguns déstes se conservaram até o momento atual. So- bral, Crato, Granja, Vicosa, Arneiroz, Messejana, Almofala. Exceto os wiltimos, que denominamn duas povoagées, todos 03 outros repre- sentam designagées de cidades, entre as quais cs dole mais tmpor- tantes centros urbanos do interior do Estado do Cearé — Sobral e Crato. Ocupar-nos-emog déles ligeiramente, Messejana (*) e Almo- fala so duas palavras de origem arabe — a primetra derlvada de sajana ou sejana (encarcerar, edrcere, prisio); a segunda (at-ma- 94 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA halla), com o significado de acampamento, arraial. (5) Crate tem origem antiga, mas nfo ainda perfeltamente elucidada (Uerate?) (8), Arneiroz eorresponderé ao plural do diminutive medieval ar- neiré (de arenariola}. Sobral significa mata de sobreiros; de sobre (suber, suberis), 4rvore de que se extrai cortiga. Vigosa e Granja 8io dois nomes registados em todos os léxicos do idioma com aa acepgdes conhecidas do povo, no Brasil e em Portugal. ‘Acontece, porém, que alguns désses topénimos, impostos pela administracao Metropolitana, no subsistiram. £ assim que Montemor-o Néve, Montemor-o Velho e Arronches desapareceram, e hoje correspondem, respectivamente, a Baturité, Paeajus ¢ Parangaba. Ninguém se refere, em nossos dias, aos nomes portuguéses que vieram substituir as formas indigenas, 4 excegdo do toponimo Soure que, apesar do decretc que o baniu de todos os documentos oficiats, nao desapareceu por completo do falar do povo, sendo usado, as vé- zes, em lugar da palavra indigena Caucaia, Soure evoca a forma latina Saurium, aplicada pelos Tomanos a uma localidade euia po- sigdo geografica deveria ser a mesma da vila portuguésa. Tem-se discutido acérea da origem do topénime Aquiraz, pequena cidade, cuja importanela histérica reconhecem os historiadores, pois ela disputara outrora com Fortaleza o direito de ser a Capital do Cea- ré, Uns Ihe atribuem etimologias indigenas, mas ha outros que dis- cordam das mesmas. De fato, é impossivel aceitar as extravagantes interpretagdes com palavras tupis, elaboradas por estudiosos como Teodoro Sam- paio e Paulino Nogueira. Parece-nos mais razodvel explicar Aquiraz vinculando-o 2 uma origem portuguésa: Quiraz (freguesia no Con- celho de Bareelos, pertencente ao distrito de Braga, da provincia do Minho), que, mediante conhecida e fregiiente prétese popular, teria dado a forma do toponimo em vigor desde o inicio do séeule (*) © grande romancista nacional José ée Alencar, alls. nastido na local! dade de Messejana, dou a ésse topdnimo Interpretagio etimolégica de fonte in- Gigena, assim decomponda o nome: «de eojar, abandonsr; 9 desinenela aus, in- Gieativa da pessoa que exerctia a clgnifieagso do verbo, e 4 particula me, do verbo montaag, fazcr —o que fz ebandonar ou fol ocasigo ou lugar de abare donar>, Alitores howe que alribuiram s procedincia de Crato de wm pretenso eurato (Curate da Fideles), ge que seria corrupesio. (5) Joss Pedra dlachade — Influénein Aribiea mo Voeabulério Portuguts —~ In «Revista Ge Portugals —~ Vol, KXVI — pigs, 2-225 — Lispoa, malo 1961, (5) [ Xavier Fernandes — Toponimos © Gentilicos — TL vol, pags. 121 © segs. — Porto, 1963, REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 95 XVHI, segundo documentos existentes em arquivos brasileiros, Pode dizer-se, enti, que o citado topdnimo néo pertence & categoria dos nomes de lugar de Portugal no Brasil que procedem da obediéncia & Ordem Régia de 1758, (7) © inslgne Ungitista Alberto Dauzat denomina espontaneas as mutagdes toponimicas do género de Aquiraz, para distingui-las das sistematicas, isto 6, daquelas que, coma Sobral e outras, foram ado- tadas em conseqiiéncia da Imposi¢ao de uma autoridade central. (8) Em virtude de Almofala e Arneirds serem Jocalidades destitui- das de importancia demografica e, além disso, como elas nao figu- Tam has listas de “substituighes sistematicas’, organizadas por al- guns historladores, pode considerar-se também que ditos toyinimos resultem de mutagies espontaneas. Importa notar aqui o falo de que essas duas palavras sio formas obsoletas, desusadas desde muito tempo na lnguagem corrente, tanto em Portugal como no Brasil, e cujas significacdes se ajustam, todavia, as configuracées do meio (fisieo ou cultural) a que correspondem como topénimos no Brasil. » Pode-se entdo sugerir que se trata aqui de verdadeiro fendmeno Jexicogratico ou semantico — os nomes comuns almofala e arneirés tendo sido ainda usados, no Ceara, & época de sua aplicacSo & topo- nimia regional. Mas, ao contrério, pode tratar-se, no caso, de mera coincidénela, néo apresentando o fato onomistice rela¢io com oa sentldos primitiyos dos vocdbulos. Nesta ultima hipotese, a mutagio poderé emanar de um ato de sentlmentatismo do lusitano, a evoear o burgo natal ou alguma lo- calidade do seu pais, fixada vivamente na meméria. Em concluséo, julgamos necessirio acentuar 0 concelto de aci- dente histdrico, no tocante aos estudos de onoméstica no plano da diacronia. Pclo menos em um sentido mais imediato, as causas das mudangas — como se viv — podem surgir tanto do exterior como do proprio selo da cultura, Deve frisar-se que se consideram os fates determinantes das inovagdes come tendo ocorrido de manera im- previsivel, Inesperada, em face das tendéncias e das normas segui- das entao para a escolha dos nomes pronrios, Pode-se caracterizar, no dominio da Antroponimia, os dois as- pectos da evolugéo onomastica: o que depende das tendéncias eul- turais dos brasileiros ¢ o que se origina em um acidente histérico, procurando analisar as causas pstcolégicas das adjungées de sobre- nomes indigenas, quer seja entre os préprios habitantes primitivos (7) Documentos do Camara Municipal de Aquiraz — (Arquivo Publico do Ee ‘ado do Ceara). V. ainda, Florival geraine — Topdnimos de Portugal no Cearh — «Rev. de Portugals, vol. XXVII — Lisbea, 1962. (8) A, Dauznt — Les Noms de Lieux — Paris, 1951 — pags. 41 e segs. 96 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA do pais, no inicio da colonizagSo, quer seja entre os brasilelros dos anos préximos & Independéncia nacional. No primeiro caso, o que se observe, so, evidentemente reflexos de Lendéncias contra-acultu- rativas, em face da imposig’o da cultura superior, 2 qual a1 se ma- nifesta através da aplicacéo aos nativos des prenomes portuguéses, efetuada pelos missionarlos ne momento do batismo eristéo. Trata~ se de ocorréncia que, enearada como fenémeno lingiiistico, enquanto expressac da vida humana, corresponde a uma situacao cultural au- téntica, bern Integrada funcionalmente no tempo e no espago. Quan= to a0 outro caso de aposic¢ées Ge sobrenomes indigenas, 6 preciso acentuar o fato de que elas sdo executadas em um quadro cultural completamente modificado, ne decorrer dos longos anos sob a do- minacéo Jusa. © normal, o que entio se deveria esperar regularmente dos in- dividuos, seria o uso dos sobrenomes trazidos pelos portuguéses e transmitidos de geracdo a gerag4o, com alteracdes de pequena mon- ta. preciso reconhecer que, por essa época, o brasileiro, em todos os niicleos de ctvilizacdo, falava o portugués do Brasil, que jd se acha- va constituide quase com a estrutura gramatical ¢ léxica que man- tém até o presente, As aludidas adjungdes exprimem, sem duvida, um estado psicoligico observade entre os necionals, um estado de sublevagao espiritual dos brasilelros contra a metropole portugué- sa. Mas elas nfo seguem a evolucdo lingiifstica do Brasil em seu curso normal, a qual pensamos dever apreciar aqui em relagéo di- reta com o mesmo proceso cultural em sua totalidade. F — est visto — para relaciond-la aos problemas de onoméstica aqui sus- citados. Importaria, pois, examinar 9 tema encarando aquéle con- celto de “sineronia diacrénica”, que usa B. E. Vidos em um de seus trabalhos. (9) A respeito da toponimia, as mudancas cujas origens se acham visivelmente fora do pais, tais como Crato, Sobral ete., 6 claro que no apresentarao dificuldades a andlise, em face dos dois conceitos aqui encarados. Salvo as excegées de topénimos alienigenas, esco- thidos, provavelmente, em um ato de mera fantasia ou capricho individual, a exemplo de Salamanca, ‘Transva!, Tusculanam etc. ¢ os quais no passam de designacdes sem importancia fisiografica; afora ésses casos e algum otttro, esporédico, que poss, representar um tnovimento da alma lusitana, tomada ce nostalgia ou de era- Udo por certo Iugar na patria distante, todos os outros casos de- correm de um acidente histérieo, expresso esta que — deve acen- ) B. FB, Vidor — Pmprunt ct Termes Techniques — [n «Actas do IX Con Bresso Internacional de Lingiletien Romanieas — Vol. 1 — pag. 235, REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA oT tuar-se — no implica auséncia de causa ¢ antes reconhece a mul- tipticidade de fatéres podende servir de causa, No sentido que da 4 locugdo @ Antropologia Cultural, ela compreende os acontecimen- fos sucedidos fora de todo seguimento previsto, mas, aplicada a noeSo de cuitura, foge a todo matiz qualitative. (10) As tendéncias gerais seriam, evidentemente, de aplicar aos lu- gares nomes de uso corrente, fssem éles de origem portuguésa, In- digena ou africana, assim como se aplicar, em id&nticos casos, for- mas constituidas de elementos pertencentes aos idiomas falados no pais, antes de terminado o processo de aculturagdo lingilistica. No- mes simples ou compostes, em suma, formas que exprimissem ob- jetos @ situacées relativas & propria cultura ou ao seu ambiente natural, os quails teriam tocade o espirito dos primitives habltantes do grande pais sul-americano, ou o dos seus novos povoadores. Todavia, nfo se deve esquecer que, nesta comunicagao, as pes- guisas nio atingem o séeulo XX, em o qual sobrevém profundas al- teragées no campo da toponimia, determinando a propria elabora- cdo erudita de novos topénimos para substituir antigas esignagées. (10) MJ. Herskovits — Mun and his Works — Nova Torque, 1948, V. o ce pitulo sobre ¢Tendéncia cultural e acidente histérica>,

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