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Introdugao 4 \ peresA, dia 31 de julho, sexta-feira, 4s 11h30min: — Al, Alain? Bom é Hervé. Come ? —Bem, em forma, — Eos fithos? — Otimos. — Bem, diga-me Alain, estou ligando porque parece que voce nizo den sia contribuigao, = Minha contvibuicao — Sim, vocé sabe, 0 que foi decidida no primeiro comité de diego... Cada um deve indicar um nome em cada dex unidades —E Jacques? Vocé nao vai, de fto, conscrvd-lo? —... Voltarei a ligar. Alain desliga 0 telefone, abatido. “Eu tinha o sentimen- to de estar durante a guerra dliante de um alemao que exigia nomes de reféns para executé-los, Um em cada dez!” Hervé ¢ Alain se conhecem hé tempo. Um € outro trabalham em uma multinacional; Hervé como diretor de recutsos humanos ¢ Alain como chefe de projeto. Doze pessoas trabatham com ele, um dos quais, Jacques. Trés me- ses antes, este tiltimo se atirara da janela, em seu escritério. Conflitos conjugais, dificuldades profissionais, depressio; ele havia “perdido o rumo”. Nao se saiu demasiadamente ‘mal na situagao: seis semanas de hospitalizagi0, com fraturas miiltiplas. No hospital, Alain se mostrou muito consciente; Jacques fora reintegrado em sua equipe. n segue-se 2 preparagio |, decidlida pela diregao alguns dias antes, recebido a ordem de indicar, en- sua equipe, os furturos dispensados, com a concor- tre os de réncia de 10% dos ef turo da empresa, Alain deve reunir “recursos humanos” ao redor de si, Seu sucesso depende de sua capacidade de investimento qualitativo em médio prazo se choca com uma logica de gestio quantitativa do presente. A redugio global ssiddacle de sobre- vivencia em u xercompetitivo, “Nao temos es- colhat”, dizem em coro todos os managers! do planeta. A lei do mercado ¢ a competi¢ao generalizada sio dados aos quais todos devem se adaptar. n € um chefe de equipe est ido por suas 4 oso com os colegas, sensivel aos esforgos om as dificuldades encontradas por uns € por outros. Ele pratica, conforme a expressio consagrada nos manuais de gerenciamento, a consideragio pela pessoa, c isto sem perder de vista os objetivos fixados. E com essa llgica que ele tratou 0 caso de Jacques: ele sabe, conforme deixa claro, que “cada um pode ter momentos de depressio, problemas pessoais”. O essencial, segundo uma cquipe solidéria tanto na dificuldade como no suces- € “construir niger”, rece ‘ado sem aspas na sega deste iv, troxhzido no dlciondtio, ser w so”. O retorno de Jacques, sua reintegragio na equipe, sua renovada motivagi0 no trabalho constituem para ele seu melhor desempenho do ano, em todo caso, © mais signif cativo, Mas a lembranga de seu colega, diretor de recursos humanos, confronta-o com uma evidéncia dolorosa: diante do pragmatismo e da eficicia, as consideragdes éticas e hu- manistas devem se apagar. “Na hora da guerra econémica, de nada serve ter esta- dos de alma.” “Para ganhar essa guerra € preciso fazer sa- ios ¢ todo combate exige perdas humanas.” “Os mais corajosos nao duvidam.” “De nada serve cobrir 0 rosto diante dessa dura realidade”: Hervé nao tem necessidade de lembrar essas consideragdes para Alain, Sao as regras do jogo que cada manager deve integrar, caso queira aceder a postos de responsabiliclade e neles se manter. Um.manager deve ser humano quando ¢ preciso, mas deve igualmente saber assu- mir sas responsabilidades diante de escolhas dificeis. Entre a légica do lucro © respeito pelas pessoas, as armas nao sto iguais. De um lado “a dura realidade”, & qual € preciso se adaptar; do outro, “estados de alma”, sobre os quais preciso “passar por cima”, Cada um pode se achar, em um 0u outro momento, na situago de Alain, confrontado com uma contradigdo entre sua preocupagdo de beneficiar — a empresa —e ia pessoal; ou entao na de Hervé, obrigado a lembrar as regras que ele julga necessirias, sem forsosamente aprovar suas conseqiiéncias; ou ainda, na situa- so de Jacques, habitado por um sofrimento que o torna particularmente vulnerivel as dificuldades € & comp Jacques, sem duivida, esta condenado. Na sociedade hipermoderna cada individuo pode ser a0 mesmo tempo produtor € produto do sistema, ser 0 ator ¢ 0 agente dele, fazé-lo funcionar, tanto quanto su- porti-lo. Hervé “no faz mais que sua obrigagio”. Ele é pago para isso, para aplicar decisoes tomadas no comité de diresao. Todavia, o que significa “fazer sua obrigagio”? 25 26 Hervé nao é um burocrata zeloso nem uma personalidade insipida, submissa ao poder da autoridade. & um quadro “dinémico”, uma personalidade forte que foi contratada para o posto de anos por causa de suas qualidades de saber ouvir, de sua franqueza, de seu gosto pela relacao, Em sua ligagio telefonica para Alain nao ha duplicidade nem ma fé. Ele conhece as qualidades locutor. Sabe que ele apoiou Jacques e 0 fi nte, é um homem realista, pragmatico, icaz: nao € mais hora de compaixao, mas de luta, sem envolvimentos afetivos, Ao desligar 0 telefone, Alain percebe a magistral dis- tincia entre aquilo que the € pedido e aquilo em que acre- dita. A imagem da guerra se impoe como uma volta i bar- birie © A insensatez. Ele, que esté ligado a certa concepgao do trabalho, respeitosa para com 0s individuos, cultivando ariedades as reciprocidades, acha-se pego em falta, A ordem do comité de diregao poe em questo os funda mentos de sua ética, de sua adesdo 4 empresa, do sentido que ele daa seu trabalho. Como conservar a auto-estima quando de Como respeitar aq) slo respeitiveis? Parece-nos crucial compreender profundamente essas situagdes, que levam assim, a cada dia, homens ¢ mulhe- tes equilibrados, de boa vontade, a produzir tal violencia. Compreender ¢ analisar por que a empresa se tornou um mundo guerreiro ¢ destrutivo, a0 mesmo tempo suscitan- do a adesio de seus membros. Atingir os fundamentos da “luta dos lugares” que se desenvolve no coragao de nossas socicdades. Compreender por que, enquanto a riqueza no para de aumentar, a vida parece sempre mais dificil para muitos. tor de recursos as sol 105 realizar atos contrarios a nossos valores? que pedem a voces coisas que no ‘A questo da guerra econémica participa da constru- io de um imaginério social (Castoriadis, 1975) que serve de pira-vento para 0 exercicio de uma dominagio, da qual cada um sente claramente os efeitos sem, por vezes, detectar suas causas. Alimentamos a idéia de que estamos atraves s¢ cujos remédios so econdmicos. Estamos, sando uma dessa forma, em pleno paradoxo. Esperamos da economia as respostas a problemas que tocam a propria significagao do que a sociedade faz. As sociedades hipermodernas no sto economicamente frdgeis. Em contrapartida, ch cem perder 0 sentido delas proprias. A mobilizagio sobre 0 trabalho leva a inverter a ordem das prioridades, como se a sociedade inteira tivesse de se colocar a servigo da economia As necessidades de gestio se impdem as opsdes politicas € sociais. Os homens procuram na gestio um sentido para a agio e até, por vezes, para stia vida e para seu futuro. A eco- nomia politica se tora uma economia gestiondria, na qual as consideragdes contabeis e financeiras importam mais que as considleragoes A primeira parte desta obra apresenta uma andlise do, gerenciamento ¢ da gestio. © gerenciamento como tecno- logia de poder, entre o capital o trabalho, cuja finalidade obter a adesito dos empregados as exigéncias da empresa € de seus acionistas. A gesto 4 ‘uma abordagem instrumental, u Ges entre o homem ¢ a sociedade, Sob uma aparéncia prag- mitica € racional, a gesto subentende uma representago do mundo que justifica a guerra econdmica. Em nome do desempenho, da qualidade, da eficicia, da competigao e da mobilidade, construimos um mundo novo. Uma sociedade global, marcada por um desenvolvimento paradoxal, na qu: a riqueza ¢ a pobreza aumentam, assim como 0 conheci- mento € a ignorincia, a criaglo € a destruigao, 0 bem-estar € 0 softimento, a prote¢io ¢ a inseguranga. Como compre- ender essas contradigdes? A gestdo, que se apresenta como pare- nanas € sociais, a imples meio para tratar esses problemas €, de fato, uma das causas de sua apari¢io ¢ de sua reprodugio, ‘Tentaremos compreender, na segunda parte, por que ¢ como a sociedacle se deixa “contaminar” pela ideologia ge- tencialista. Nascida na esfera do privado, cla tende a se espa- Ihar nos setores piblicos € no mundo nio comercial. Hoje, tudo se gere — as cidades, as administragdes, as instituigdes, mas também a familia, as relag6es amorosas, a sexualidade, até os sentimentos ¢ as emogdes. ‘Todos os registros da vida social sto atingidos. Cada individuo € convidado a se tornar ‘© empreendedor de sua propria vida. © humano se torna lum capital que convém tornar produtivo, Arentabilidade ou a morte: tal parece ser a tinica alterna~ tiva que os gestionérios propdem 3 espécie humana. Temos algo de mortifero nessa busca de desempenho. A gestio capitalista obedece a de obsolescéncia. Ela des- tri continuamente aquilo que produz pela necessidade de produzir outra coisa. Diante desses efeitos devastadores, os modos de legitimagio ¢ de regulagao estio em crise, Os dis- cursos sobre a ética soam ocos. A “clevacio da insignificin- cia” (Castoriadis, 1996) arrasta cada pessoa em uma busca de sentido e de reconhecimento jamais satisfeita, como uma mpetigao sem limites, que gera um sentimento de assédio © generalizado. A cultura do alto desempenho se impoe como modelo de eficiéncia, Ela poe o mundo sob presst0, O esgo- tamento profissional, o estresse, 0 softimento no trabalho se banalizam. A sociedade se torna um vasto mercado, no qual cada individuo esta comprometido em uma luta para encon- trar um lugar € conser nte dessas transformagoes, 4 politica, contaminada pelo “realismo gestionério”, parece 2g, impotente para desenhar os contomos de uma sociedade | harmoniosa, preocupada com 0 bem comum, Podemos dizer de uma sociedade que ela esta docnte? (Enriquez e Haroche, 2002). Trata-se, € claro, de uma meté- fora. Se a expressio se presta A discussio, ela concepgio gerenci prios fundamentos daquilo que constitui sociedade ¢ conse~ qiiéncias patogénicas sobre os individuos que a compoem. A gestio nfo € um mal em si. & totalmente legitimo organizar 0 mundo, racionalizar a produgio, preocupar-se com a rentabilidade. Com a condigao de que tais preocu- pagdes melhorem as relagdes humanas ¢ a vida social. Ora, cada um pode verificar que certa forma de gestao, a que se apresenta como eficaz e de perfeito desempenho, invade a sociedade ¢ que, longe de tornar a vida mais facil, ela poe o mundo sob pressio. Minhas reflexdes sobre o mus datam dos anos 1970. Um jogo de circunstincias fez de mim 0 “pri- mero” doutor da universidade de Paris 9-Dauphine. Nao que eu seja o melhor, mas porque defendi minha tese em 1971, antes dos outros, Nessa época, a gestio nao era uma ina cnsinada nas universidades, Fundada depois dos de maio de 1968 por Edgar Faure, a0 m P, Tabatoni para desenvolver as “ciéncias da organizacao” a partir de trés disciplinas: a economia, as matemsticas ¢ a psicossociologia. Tive a honra de ensinar nessa universidade de 1971 a 1988, Pude constatar a transformagio do projeto I, a perda de influéncia dessas disciplinas em favor das iéncias da gestdo”, ou como um projeto cientifico inova- dor € original foi desviado em favor de um projeto de for- 2 Kosa tese foi deiendica com Jean-Pierre Baffard ¢ Christian Larcher, dian st por A. Aymard, H, Brochiet ¢ M, Pag, Quon ne nication, tee dle 3° ciclo de ciéncias des organzagies, luniversidade de Paris 9-Dauphine, 1971 29 30, magio de “managers” operacionais, aptos a se colocarem a servigo das empresas. Sclecionando estudantes escolarmen- te brilhantes, saidos das categorias sociais mais favorecidas, essa universidade nio teve nenhuma dificuldade para mo- delar para si uma reputagio de exceléncia junto aos empre- gadores ¢ para atrair a si os louvores dos meios patronais. Esses firturos gestionérios consicleravam as ciéncias sociais ¢ ‘humanas como um verniz, cultural, um pouco a semelhanga dos cursos de desenho ¢ de miisica no liceu. Exceto para 6s estudantes mais velhos que, depois de alguns anos pas- sados na empresa, voltavam de novo para a universidade, a fim de tentar compreender o sentido de sua experiéncia. Eles estavam preocupados com a evolugio da universidade empresarial, na qual a pesquisa do desempenho parecia cada ‘ex menos compativel com suas aspiragoes. Foi nesse contexto que © Laboratério de mudanga so- cial, fandado por Max Pages, desenvolveu um programa de pesquisa sobre o poder nas organizagdes e sobre a evolusao das priticas de gerenciamento nas empresas, Nao era facil, hos anos 1970, continuar esse tipo de pesquisa. As empresas entendiam 0s sociélogos como esquerdistas. Os socidlogos do trabalho consideravam a sociologia do gerenciamento como uma ideologia a servigo do grande capital. A mul- tidisciplinaridade era percebida como ecletismo. Os cortes tre a universidade ¢ a empresa, entre a teoria ¢ a pritica, entre a pesquisa ¢ a intervengdo eram profundos. O proje- to do Laboratério de mudanga social de infcio se inscreveu ‘em uma nova colocagio em questo dessas clivagens (Pages, 2000). As pesquisas realizadas depois trazem sua marca. Esta obra continua a reflexio feita depois disso. Ela se ins- creve em uma problemética construida com Max Pages Michel Bonetti, depois com Nicole Aubert, a partir de duas pesquisas, L’Emprise de Porganisation (1979) © Le Coiit de Pexcellence (1991). Ela se enriqueceu com trabalhos ¢ inter- cimbios elaborados com meus colegas do Laboratério de mudanga social, Ela se alimentou, finalmente, com as con- tribuigdes de doutorandos que aprofundam e renovam os caminhos abertos por seus antecessores.* Ela é um sinal de reconhecimento e de gratidao por aquilo com que me con- tribufram. Bla se construiu na encruzilhada de diversas pos turas, como manager, pesquisador, interventor ¢ cidadio. Pelo fato de cu proprio ser um “gestionsrio” como di- retor de um laboraté1 iriamente a contradigao entre a ética da responsabilidade (gerar os meios disponiveis para o melhor das expectativas dos interesses de cada um) € a ética da convicgao (criar as condigdes ideais ca para desenvolver conhecimentos sobre o homem e sob sociedade). Sinto concretamente a tensio entre as necessida- des de liberdade, de tempo e de respeito para fazer pesqui © as exigéncias inevitiveis para adaptar as produgdes huma: rnas em termos de meios, forgosamente limitados, de nor- mas, forgosamente obrigatérias, ¢ de regras, forgosamente buroeriticas. Podemos denunciar com veeméncia a “gestio contibil” da saiide, da educagao € da pesquisa, ao mesmo tempo reconhecendo a necessidade de se adaptar as exigén cias econdm Teresa Carretero, ye Har Mennaa, Rachid Merzouk, Stéphanie Rizet, Sy Viry © Heéléne Weber, Agradeso muito parti prudentes coaselhos. O pesquisador que sou prefere obedecer a considera- ses militantes, mais que gestionarias, colocando a pesquisa a servigo do bem comum ¢ da demanda social, mais do que ratividade. A reflexao sobre imitar a uma descrig3o dos processos de transformagao e a anilise de seus efeitos. Ela nfo pode permanecer totalmente estranha a uma preocu pagio de melhoria, de progresso. Ela nao pode permanecer , de dominagao, de ela todas as formas d lado, estou preocupado com as derivagdes de iedade na qual as desigualdades aumentam, o meio ambiente se degrada, o debate politico se torna te © 0 desencantamento chega a seu ponto maximo. Entre © rigor do pesquisador que deve apresentar uma andl mentada, fundada sobre hipéteses verificaveis, e 0 compro misso do cidado que leva adiante suas opinides, seus ideais, s as indignagdes ¢ suas inquietagoes, hi por vezes uma grande distincia. © discurso da deniincia é pouco compativel com a ambigio de neutralidade e de ob- jetividade da pesquisa. Como clinico, sou particularmente sensfvel Aquilo que produz 0 mal-estar e © sofrimento. Etimologicamente, hli- niké designa a pratica médica que consiste em sé manter “junto do leito dos doentes”. Na sociologia,.o-procedimen- iste cm se aproximar-o mais perto possivel da vivencia dos atores (Gaulejac e Roy, 1992), Minhas reflexoes se apdiam sobre pesquisas de campo € das intervengdes fei tas em empresas privadas ¢ piblicas. Hé trés decénios pude constatar as mutagdes do mundo do trabalho, acompanha do aqueles que as vivem no cotidiano. Partilhei com eles indo s6 suas andlises dessas transformagdes, mas também seus softimentos € suas esperangas. Como compreender a complexidade sem sermos nés mesmos pegos em uma postura complexa? Ainda mais que seus sentimentos, leva a utilizar referenciais te6ricos eterogéneos. A economia, a psicologia, a antropologia, a sociologia serio convocadas do lado das ciéncias sociais, mas também 6 direito, a finanga, a contabilidade, a comunicasio, do lado das “ciéncias da esto”. As aspas indicam aqui o ca- riter particular do conhecimento produzido no dominio da gesto, cl (1979), preconizamos a “problematizagio mt para apreender o poder nas organizagdes. A ambi¢ao pode pare- cer desmedida: cruzar e articular referenciais tedricos saidos de disciplinas tdo diferentes quanto a economia, a sociologia ow apsicandlise, Mas cla é necesséria uma vez que as relagdes slo estre financeira ea economit nal, entre as normas gerencialistas € a mobilizacao psiquica, entre a gestiio das empresas ¢ a gestio de si mesmo. Significando inicialmente administrar, dirigir, conduzir, 10 “gestiio” remete atualm po de relagio com 0 mundo, com os outros e consigo mesmo, da qual convém delinear os contornos. O.assu \s entre a eco fnante de nosso tempo. Combinada com a cemergéncia de priticas geren la constitui um poder Primeira parte PODER E IDEOLOGIA GERENCIALISTAS a, & preciso admitir que o poder é exercido mais do que € possuido, Michel Foucault O que é a gestio? Nos manuais, ela é apresentada operatério compreende diversos aspectos: sao das empresas: do gerente a ages estratégicas, de as relagdes entre os diferentes elementos necessirios para por em ago um sistema de ago coletiva, de definir a estru- tura ¢ a politica da organiza * discursos sobre os modos de organizar a produsao, de conduzir os homens que a isso contribuem, de ordenar ‘© tempo € © espago, de pensar a empresa como uma orga nizacdo racional; imizar 36 * técnicas, processos, dispositivos que conc vidades, fixam os lugares, as fungdes € os estatutos, definem regras de func namento. um sistema de organizagao do poder. Por trés de sua aparente neutralidade, & preci- \damentos & as caracteristi- cas desse poder que evoluiu consideravelmente no tempo. Entre a organizagao cientifica do trabalho (Taylor, 1912) e © gerenciamento das empresas multinacionais, as modalida- des de exereicio transformaram consideravelmente. Esta primeira parte descreve as mutagdes do poder ge rencialista. Entre as diregdes, cada vez. mais submetidas & ido. Torna-se dificil identificé-lo por causa da distancia crescente entre, de um lado, sistemas de organizagdo complexos, reticulares (em rede), transn: nais, virtuais e, por outro lado, os individuos encarreg; a. A abstracao do capital correspondem idade, a flexibilidade ¢ a instabilidade do trabalho. Entre os dois, © gerenciamento procura produzir regula- ses. Mas essa visto de ediago, que ex cemos se hor compreender 0 poder gest que compreendamos por quais motivos o gerenciamento se pos macigamente a servigo do capital (capitulo 1). Sob uma aparéncia objetiva, operatéria e pragmstica, a esto gerencialista & uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenhos, e esses cesem- penhos em custos ou em beneficios. Indo buscar do lado das cigncias exatas uma cientificidade que elas no puderam conquistar por si mesmas, as ciéneias da gestao servem, de- finitivamente, de suporte para o poder gerencialista. Elas itimam um pensamento objetivista, utilitarista, funciona- ta € positivista. Constroem uma representagao do humano como um recurso a servigo da empresa, contribuindo, assim, agao (capitulo 2). Observamos essa evolugio em primeiro lugar nas em- esas multinacionais, com uma extensio, a partir dos anos 1980, em todas as grandes organizagdes privadas € pitblicas. ‘As multinacionais, com a colaboragao ativa dos gabinetes de , elaboram essas tecnologias gestiondrias que de- signamos com o termo de “poder gerencialista”. O geren- Giamento pela qualidade (quality management) é uma tragio, entre outras, das mutagdes nos modos de dirigir e de consultore: avaliar a produgao, dos efeitos de poder que ta € uma mistura nao s6 de regras racionais, de prescrigdes precisas, de instrumentos de medida sofisticados, de técnicas s, mas também de regras julgamentos arbi da racionalidade fia e “ob- jetiva” dos ntimeros dissimula-se um projeto “quantofiéni co” (a obsessiio do niimero) que faz os homens perderem o senso da medida (capitulo 3) Essa ideologia suscita muitas resisténcias ¢ desi Bla provoca reagdes contraditérias. Gostariamos de escapar disso, mas ndo podemos deixar de a cla aderir. O primado dade instrumental se desenvolve em um so cada vez mais paradoxal. Como compreender a natureza profunda desse poder que suscita adesio e criticas, fa gio € rejei¢io, prazer ¢ ansiedade? Se © poder disciplinar, isado por Michel Foucault (1975), tinha como fungi0 tornar os corpos “‘titeis, déceis € produtivos”, 0 poder ge- rencialista mobiliza a psique sobre objetivos de produgio Ele pde em ago um conjunto de téenicas que captam os desejos e as angistias para pd-los a servigo da empresa. Ble da raci niver- na- an a7 38 transforma a cnergia libidinal em forga de trabalho. Ele en- cerra os individuos em um sistema paradoxal que os leva a uma submissio livremente consentida (capitulo 4). Pode parecer iconoclasta apresentar a gestio como uma ideologia uma vez que ela tem apenas a ambigio de racio nalizar de modo pragmético o funcionamento das organi- vases. Ou, ainda, analisar © gerenciamento como um sis- tema de poder, embora ele se apresente como um exemplo de priticas de execugio da parte de agentes a servigo da empresa. Todavia, uma ¢ outra concepga0 preenchem um A idcologia gerencialista preenche 0 vazio ético do capitalismo a partir do momento em que este se dissociou da ética protestante, que fundava sua legitimidade. O poder gerencialista se descnvolve diante do duplo movimento de abstragio © de desterritorializagao do capital, do qual no sabemos mais exatamente quem o possui. Nesse contexto, “os negécios” se desenvolvem, a ética de resultado substitui a moral, 0 projeto capitalista procura em si mesmo sua pr6- pria finalidade (capitulo 5). Capitulo | © gerenciamento entre © capital e o trabalho © espitito do capitalismo € o conjunto das crengas associadas & ordem capitalist, que contribuem para justificar essa ordem ¢ para sustentar, as, os motos de ago © a8 disposigdes que sio cocrentes com ele Lue Boltanski e Bve Chiapelto O.. ager, mais que qualquer outra pessoa, interioriza fortemente a contradigio capital/trabalho. De um lado, uma forte idemtificago com “o interesse da empresa”, uma interio- rizagio da logica do lucro, uma adesio as normas ¢ aos valores do sistema capitalista; do outro, uma condigao salarial sub- metida as imprevisibilidades da carreira, a0 risco de dispens A pressto do trabalho e a uma competigao feroz. O gerer mento é a garantia da organizagio concreta da produgio, ou seja, da conciliagao dos diferentes clementos necessirios para fazer a empresa viver. Sua finc3o consiste em produzir um sis- tema que liga € combina elementos tao disparatados quanto 0 capital, 0 trabalho, as matérias-primas, a tecnologia, as regras as normas, os procedimentos. Na ordem da gestio cotidiana, 6 gerenciamento produz mediagdes enire esses diferentes ele- mentos € favorece a integragio entre légicas funcionais mais ou menos contraditérias (Gaulejac, 1988). 39. Esse papel fiincional poe © manager no cora¢do de uma tensio entre as exigéncias de lucro trazidas pelos acionistas, a adaptagio ao mercado (“0 cliente € rei”) ¢ a melhoria das condigées de trabalho. O modelo fordista procurava con iar esses trés polos em uma ldgica de reforso recfproco: uma produgio de massa que beneficia os assalariados dores a partir de uma redugao do prego dos meios de tran: Porte, de um aumento das remuneragées, as alta continua dos lucros. Esse modelo foi o motor do cresci durante 08 “Trinta Gloriosos” anos de 1945-1975. A partir dos anos 1980, 0 duplo movimento da zagio ¢ de financiarizagio da economia, impulsio empresas multinacionais, mudou profindamente as relagdes consumi mei A obsessao pela rentabilidade financeira Em sua obra sobre O culto da urgéncia, Nicole Aubert (2003a) cita um dirigente de empresa que resume perfeitamente a8 conseqiiéncias dessa evolugio. “A grande mutagio para nés, 1m 08 cinco, seis tltimos anos. Foi af que tudo [..]: Hoje, a Bolsa é a obsessio ntimero um e é no, meio dos anos 1990 que entramos de uma 96 vez.em uma logica de Bolsa, de valor da agio, de OPA, de fasio-aquisigdo e foi af «que vemos aparecer pela primeira ver. uma exigéncia de rentabi- lidade de 15% ao ano sobre capitais investidas com uma diregio que nos dizia: ‘Se quisermos que os acionistas mergulhem de cabega em nosso negécio, € preciso que Ihes produzamos tan- to dinheiro quanto se cles investissem no mercado financeiro’. Agora, portanto, nossos ditigentes ficam de olho na Bolsa todos 68 dias ¢, quando voeés alsrem seu computador, a primeira coisa que aparece € nossa cotagao na Bolsa!” ‘Trés fendmenos maiores info transtornar o funcior mento do capitalismo industrial no fim do séc. XX: + As logicas de produgio estio cada vez mais submeti- As pressbes das légicas financeiras. A economia financeira substitui a economia industri * O peso dos mercados e sua mundializagio poem de 0 0s modos de regulagao econdmica até en- 120 dominados pelo Estado/Nagao, A desterritorializagio capital explode os ferrolhos que permitiam controlar sua circulagao e de limitar os efeitos especulativos. © A fusto das telecomunicagdes com a informética ins. do “tempo real” ¢ a imediatidade das res- voem qu taura a ditadu postas As exigéncias dos mercados fi Apartir do momento em que a légica financeira assume 0 comando sobre a légica da produgao, as relagdes de poder no seio da empresa se modifica, As re! trabalho, qu te o periodo dos Trinta Gloriosos, vito se endurecer. A ges ibstituda pela gestao dos haviam progressivamente se equ na “vari de ajustamento”, que é preciso flexibilizar a0 maximo, a fim de se adaptar as “exiggncias do mercado”. Adaptabilidade, flexibilidade, reatividade tornam-se as palavras de ordem de um “bom” gerenciamento dos recursos humanos. “No verso hiperconcorrencial com o qual a empresa deve se cor frontar, a imediatidade das respostas constitu uma regra de sobrevivéncia absoluta, € uum encurtamento permanente io continua dos ritmos € uma ge- penho e a rentabilidade s30 medidos em curto prazo, “em tempo real”, pondo o conjunto do sistema de produgio em uma tensio permanente: zero de atraso, tempo exato, fluxos tensos, gerenciamento imediato etc. Trata-se de fazer sem- pre mais, sempre melhor, sempre mais rapidamente, com os mesmos meios € até com menos efetivos Se essa evolugio é patente para as empresas cotadas na Bolsa, cujo valor € diariamente avaliado pelos mercados fi- nanceiros, ela tende a se espalhar no conjunto das empresas {que sio seus clientes ou seus fornecedores. Estes tltimos de- vem adaptar-se a seus modos de gestio pelo viés de sistemas de informagao ¢ de comunicagio de empresa, Estes definem normas de gestio global, que os subtratantes devem a sob a pena de serem marginalizados ou despachados. Por ‘exemplo, o logicial SAP (Systems, Applications and Products in Data Procesing)' se espalha em alguns anos no conjunto do sistema produtivo jpOe suas normas 3s finangas, 208 recursos humanos, 3 logistica,& gestio dos estoques, dos salitios e de todas as fungdes da empresa A impregnagio do conjunto da empresa pela Kigica fi- anceira abala os modos de organizacio ¢ de gerenciamento construidos produgio, Outrora era preciso ser bom, langar produtos de qualidade para ser competitive em um mercado coneebido conforme os termos da oferta ¢ da procura, Hoje, a propria empresa se tornou um produ to financeiro cujo do conforme a medida dos mercados, Essa Igica do lucro imediato tem iniltiplas conseqiiéncias: publicagio de resultados conforme tum ritmo muito intenso (trimestral a minima, © niio mais anual); politica de informagao junto a analistas financeiros que penaliza as estratégias em longo prazo em favor de uma rentabilidade imediata; procura de ganhos de produtividade em curto prazo, em detrimento de investimentos sobre ¢i- clos longos; pressto do néimero ¢ dos instrumentos de me- dida, cm detrimento de uma reflexdo sobre os processos, 08 modos de organizagao ¢ os problemas humanos. Nesse contexto, o contador substitui o estrategista, o curto prazo obre logicas or é diariamente aval substitui 0 longo prazo, a procura de ganho imediato subs- titui a oferta de uma produgio de qualidade A exigéncia de uma ink cados financeiros leva a reviravoltas estratégicas e a ajusta- mentos brutais, que no sto mais decididos em fangao de consideragdes industriais e sim para responder as “ingui tudes dos mercados. Para nao publicar resultados que m uma perca de confian decidem poem em acao planos de reducao dos custos e, por- tanto, dos efetivos, com o risco de perturbar duravelmente a produgio. Como se fosse necessério que a volatilidade dos idade do agao de empregos precirios, empregos temporitios, contratos com duragio determina- demissoes brutais... Tudo € bom para favorecer uma magio permanente dos mer dos acionistas, os que pondesse uma vol cas de contratagio € de demissi fim de responder p s supostas exigenc do mercado financeiro. As politicas chamadas de “recursos humanos” consistem em desenvolver uma flexibilidace ma xima do mereado de trabalho. Os empregos nao protegidos mite responder rapidamente a “demanda dos mercados capital se apoderou da empresa (Gréau, 1978). Os fiundos de pensio exercem um controle cerrado dos di- rigentes, eles conferem registros de boa ou de mA conduta. Os dirigentes sto cada vez mais submetidos as expectativas de acionistas, cuja motivagio principal € fi- nanceira, uma vez que se trata de garantir a rentabilidade em curto, médio ¢ longo prazo de seus fundos. Ha uma disjung3o entre o capital ¢ a empresa. De um lado uma exigéncia de rentabilidade continua com a permanente ameaga de sair do capital da empresa par em uma outta, considerada mais rentével. Do outro, uma exigén- cia de perenidade da empresa, que deve fazer concessoes 43 a acionistas levianos ¢ exigentes, ainda que tais concessdes coloquem de novo em questo scu fisncionamento interno por riscos de forte endividamento, Para obter uma renta bilidade clevada de fundos préprios — capitais + benefi- cios colocados em reserva —, os dirigentes poem em ago planos sociais para garantir os acionistas. Ou, ainda, adiam investimentos necessérios em logo prazo que seriam consi- ocupa os diti- gentes, por vezes até em detrimento do desenvolvimento da empresa. Ainda mais que sua remuneragao sob a forma de stock-options leva a medir seu proprio sucesso em fun so da progressio do valor da agao na Bolsa. Para limitar 0s efeitos perversos desse dispositive, uma clausula retar- da, em principio, 0 momento em que os dirigentes po- dem liquidar os titulos que adq) sa forma, Um retardo de trés a cinco anos € geralmente exigido. Nesse context de “curto-prazismo”, eles tém interesse em obter uma valorizagio maxima das ages, com o risco de tomar decisoes para produzir efeitos de antincio que se fazem em detrimento do interesse em médio prazo da empresa ¢ de sua perenidade. © conjunto das fiangdes da empresa esta subordinado 3 ogica financeira pelo viés de técnicas de gestdo que levam ‘os agentes a interiorizar a exigéncia de rentabilidade. Cada equipe, cada servigo, cada departamento, cada estabeleci- mento tém objetivos a atingir, cuja medida, cada vez mais freqiiente & por vezes, efetuada em tempo real.” A obriga- 0 de resultados, medida conforme o metro da rentabili- dade de cada um, deve ser assumida por cada elemento do sistema. ® Gomo par os cas de sapermersado ou sempre sido par exauasio ripida. Cf. H. Weber, 2005. as sie A abstragio do capital e do poder O desenvolvimento do capitalismo financeiro acarreta 1a despersonalizacio das fontes do poder. Em 1936, fa- lava-se de “duzentas familias” que simbolizavam “o grande capital”, designando os principais proprietarios dos meios de produgao na Franca. Identificava-se, desse modo, 0 po- der econdmico, encarnado por “grandes familias”, das quais se viam claramente as ramificagdes com o poder politico (Bertaux, 1977). Hoje, a identificagao do poder é menos evidente. A posse do capital nao repousa mais sobre algu- mas famifias facilmente identificéveis. As agdes pertencem a holdings, estabvelecimentos financeiros, intermediérios, ges- tiondrios de fiandos de pensio que asseguram sua circulagao mais ou menos flutuante, ou ainda a uma multiplicidade de pequenos proprietérios que investem na Bolsa até sem co- nhecer as empresas clas quais detém os titulos, A mundiali- zagio, associada 2 informatizagio das Bolsas, transforma 0 a légica da rentabi. no qual o poder € menos encarnado pelos grandes “chefes de indiistria”, fundadores de sua empresa e liga- dos a seu desenvolvimento, do que por uma diversidade de atores — assalariados, managers, pequenos acionistas, ban= cos, Estado etc. — com interesses diversos (Orléan, 1999, 2002). Entre proprictirio que se identifica com o futuro da empresa da qual ele € 0 fundador ou 0 herdeiro, os acionistas andnimos que se interessam em primeiro lugar pela remuneracao de seu capital, a postura € radicalmente diferente. A desregulamentagao do financeiro, a liberdade de movimento dos capitais, a importincia das massas finan- ceiras concentradas nos fundos de pensio, a dissolucao das 46 des cruzadas entre as firmas para mutuamente se protegerem, todos esses elementos contribuem para redu- zit o poder identificavel dos grandes patroes do capitalismo industrial € para aumentar o poder, mais difuso, dos ges- ionatios do capitalismo patrimonial. Os milhares de acio- istas que investem nos fundos mutusrios ¢ nos fundos de pensio sem diivida nao tém o sentimento de exercer um grande poder sobre as sociedades das qu: inda mais que a v. tores que grandemente Ihes escapam. mercado dominado pelo “mundo do financeiro”, do qual mal se conhece as engrenagens ¢ © mundo andnimo dos “investidores institucionais” im- subjetivos: trata-se confianga, avalizé-los, alimenti-los com ida taxa de rentabilidade (Lordon, 2002). A nebu- sa dos bancos de negécios, dos gestionsrios de fundos de investimento, dos estabelecimentos financeiros que in: vestem na Bolsa representa um sistema de poderes difutsos que determina a confianca ou a desconfianga dos famosos “mercados”. Raramente nomeado, tal poder é fragmen- tado € opaco, Ele se exprime em jogos de influéncias, em tagens de operagdes complexas, em nomeagdes para postos-chave, em aliangas circunstanciais... Mas ele se acha estruturado em torno de uma légica de ago, um principio organizador cuja bissola & determinada pelo campo mag- nético dos cursos da Bolsa Essa transformagio do capitalismo favorece um proces- so generalizado de desterritorializagio do poder. O lugar da atividade concreta esté destigado dos lugares de tomada de decisio. As logicas de produgio, inscritas em espagos cir- temporalidades precisas, n3o parecem mais far em coeréncia com as I6gicas financeiras, mais abstratas € voliteis. Como se essas idltimas ndo estivessem mais em fase com a economia real. inda menos as O desenvolvimento das stock-options leva a alinhar os interesses do gerenciamento sobre os interesses dos merca- dos financeiros, mais do que sobre os da empresa. Os mana- gers, dominados por seus desejos de onipoténcia, ofuuscados pela ameaga de serem dispensados, ¢ os acionistas, interessa dos pela busca de taxas elevadas de rentabilidade, alegram- se de considerar © trabalho como uma varidvel secundéria, que € preciso tornar flexivel, a fim de adapté-to as exigéncias do mercado. Certo mimero de negécios mostrou que che- fes de empresa, com a cumplicidade do gerenciamento de topo, pro agdes, a fim de revendé-las da mais alta forma possivel, sem se preocupar com o futuro dos assalariados. Ainda que tais estratégias, oportunistas para os managers ¢ suicidarias para as empresas, s20 relativame: agio € 0 bardmetro que guia as decisdes do gerenciamento de topo. Numerosos planos sociais e de fechamentos de ser idos por razdes bolsistas. A deseegulamenta raja a vontade de poder de uns, a avider, pouco freqiientes, o curso da viigos sto deci to fi ciipida de outros. Seri preciso con valetes do capitalismo”? \ceira e ir que os managers se tornaram “os O gerenciamento a servico do capital O termo “gerenciamento” [em francés, management] evoca a idéia de arranjar, instalar € providenciar. A provi- déncia consiste em organizar em vista de uma produgio coletiva, de uma tarefa a cumprir, de uma obra a realizar. © arranjo ou ordenacdo consiste em prestar ateng30 a0 conjunto daqueles que contribuem para essa missio, a fim de melhor mobilizé-los em vista de um fim comum, para © proveito de todos. Hoje, em muitas empresas, 0 termo evoca mais a idéia de “arrumagao”. Hé alguns anos ainda, 47 cra conotado positivamente, como sinal de sucesso, de modernismo, de dinamismo, Ele parece ter perdido seu va- lor. Etimologicamente, 0 termo “management” (= geren- ciamento) vem do “manége” (= equitagio), lugar em que se eriam os cavalos € no qual se aprende a monté-los. Os giros, as voltas, as meia-voltas sio igualmente figuras sobre arte de conduzir os cavalos e de se comportar bem. Esses poucos comentirios mostram a polisst Uusos ¢ suas diversas conotagdes. O gerenciamento tentou do termo, seus dar uma imagem relacional, pragmitica ¢ liberal do exer cio do poder na empresa, Na pritica, o termo se desviou a partir do momento em que foi colocado a scrvigo do po financeiro.$ * a aplicagdo da pesquisa ci balho; + 0 respeito pel fica 4 organizagio do tra jnteresses dos trabathadores; + a cooperagio entre o capital ¢ o trabalho. Para Taylor, 0 aumento dos sal ros deviam ser parceiros. O gerenciamento extraia sua ‘gitimidade na defesa dos interesses dos trabalhadores. ‘icamos suxpresos ao constatar que, a0 menos no plano das engoes, Taylor permanece muito mais progressista do que bom niimero de ditigentes atuais, Se estes evocam a consideragio da pessoa, o desenvolvimento da iniciativa } at tomada em consideragio do mérito de cada um, 0s € © aumento dos 1636 observagoes do por gerenciameno, lem 40 mesmo tempo evocam muito pouco o respeito pelos in- teresses dos trabalhadores © muitos consiceram que a coo- peragio entre © capital e o trabalho passa pela flexibilidade antes do aumento das remuneragoes, a rentabilidade antes da defesa dos interesses do pessoal. Poderiamos fazer as mesmas observagdes a respeito dos ‘ates. Os interesses dos consumidores sio levados em conta apenas & medida que favorecem a compra de bens ou de servigos. As priticas do marketing procuram a satisfago subjetiva de sua necessidade, “esquecendo”, po, seus intereyses reais, seu bem-estar final. & assim que procuramos torné-los cativos por meio de politicas de abo: no, vender-thes produtos até quando se verificam nocivos para sua satide, criar produtos novos, que tornam obsole- tos os antigos, sem trazer progressos evidentes. Por exem- ple pnstrutores de produtos de informatica produzem novas gamas de produtos incompativeis com os anteriores, obrigando os usuarios a substituir sua instalagao inteira. No campo dos cletrodomésticos, as maquinas sio concebidas para is por alguns anos, a fim de assegurar stia renovag30 répida. A assim-chamada ditadura do “ te-rei” tem, como limite, a regra de ouro do lucro. A globalizagio atual joga © capital contra 0 trabalho, favorecendo uma concorrés . ando 0s deslocamentos, favorecendo a circulagio de capitais ¢ a0 mesmo tempo controlando a dos homens, aceitando os pa raisos fiscais, tolerando a especulagio e certas formas de de- ngiiéncia financeira, As tendéncias estao, hoje, globalmen- te em desfavor do trabalho. £ forgoso constatar uma triplice evolugio, que se acentua ha uma dezena de anos: > mesmo tem- ien- a exagerada, natural * As empresas tém a tendéncia de deslocar suas uni dades de produgio para os paises em que a legislaga0 € a menos favoravel para os empregados. + A credibilidade ¢ o poder dos sindicatos so inversa- mente proporcionais 4 globalizagio das empresas. Quanto ‘mais estas se tornam “multinacionais”, mais aqueles perdem scu poder eritico, A agao sindical tende a se reduzir a uma representagio formal, fandada mais sobre regras legais do que sobre lutas coletivas. * O gerenciamento liberal ¢ a “gestio dos recursos hu- manos” produzem uma individualizagao das relagdes sala riais, neuttalizam as reivindicagdes coletivas ¢ enfraquecem as solidariedades concretas. A gestio gerencialista preocupa-se antes de tudo em “canalizar as necessidades dos clientes” sobre os produtos da empresa c de transformar os trabalhadores em agentes sociais de desempenho. © trabalhador é considerado se for rentivel. O cliente € rei se for solvivel. A gestio comercial a gestio dos nos se dobraram as exigéncias da gestio todos os escaldes da empresa. O gerenciamento se pos a ser- vigo do share bolder value — o valor para o acionista. Diversas razdes se conjugam para explicar a subn do poder gerencialista 8 empresa dos mercados financeitos: © uma razao ideol6gica ligada & conversio dos dirigen- tes a corporate governance; para “ter carta de jogo na corte dos grandes” ¢ participar na grande aventura da globaliza- ‘a0, € preciso sair do modelo capitalista industrial ¢ se ali- nhar sobre o modelo do capitalismo patrimonial; Sciences ueaines, “Dec ‘eovernanga”, fora de séie n.44, margo-abri © uma razio econdmica ligada 4 pesquisa de “cresci- lento externo”: a empresa tem necessidade de capitais para near OPA (ofertas piblicas de compra [fi. Achat]), por n ago estratégias para a aquisi¢ao de empresas concorren- trata-se de assegurar 0 desenvolvimento da empresa no por um crescimento da produgao interna, mas por uma oltica financeira ativa de estimulo do curso da agi0 — a im de se proteger das “ameagas” externas — e de aumento do porte pela tomada de controle de outras sociedades; * uma razao psicolégica, ligada 4 vontade de 0 cia dos dirigentes obcecados pelo desejo de “tornar-se 0 ntt- mero um” em seu setor. Ser © maior, 0 mais forte, o mais poderoso, tal é © novo credo dos “grandes managers”, que esporeia o cavalo da conquista do mundo. Uma verdadeira “pulsdo de expansio” se apodera do gerenciamento, Este diltimo vai contribuir macigamente para porem agio a dominagao do capitalismo patrimonial, dando mais poder ros que cle nao domina, Esse compor- tamento irracional, do ponto de vista da anélise estratégica, 86 pode ser compreendido pelo ofuuscamento de uma “elite” perstiadida a disso tirar beneficio. Ela acreditou dominar as regras de um jogo que a vai despojar de seu poder para 0 lucto dos proprictirios do capital ¢ dos acionistas. Os mana- gers vo, ento, entrar em um periodo de turbuléncia que levar muitos deles a serem “ejetados”. Os gotten parachutes s20 sintomas interessantes que dis- simulam mal 0s fracassos estrondosos que eles financeiramen- te acabam por cobrit. Os dirigentes na ativa fazem discursos flamejantes para denuncis-los, a0 mesmo tempo negociando a mercados finan nddemnités contractallement (administration decide dese spare um 36 original) faltou traduzir ver Ivo Storniolo dligeant, (falcou traduzir = 52) para o dia em qi 08 no estiverem mais no posto. © mais espanto- se politica que assistem sem reagir a uma espécic de “hold-up planetétio”: as rig fionais sic pitais. O aparecimento de novos produtos (0s sicar, dos comuns de nto, planos de poupanga em ite da poupanga finan lou os volumes em circulagao sobre ‘os mercados de agdes. A recolocagio em circulagio de uma proporcio importante do capital das empresas sobre os mer cados tornou-as mais vulneriveis (Lordon, 2003), egdes das g ram a opsao de por nova mente em questo as participagdes cruzadas que garantiam sua “tranqtiilidade capitalista”? Por que dreno uma parte crese ra das eco- nomias domés poder ao favorecer tes pensa que a gh igo & desregulam \¢10 dos capitais e das mercadorias, 3 globalizagao da desenvolvimento das multinacionais. A dominacao das multinacionais Conforme um estudo da CNUCED [Conferéncia das ‘Nagdes Unidas sobre 0 Comercio ¢ o Desenvolvimento], no de 2000, 29 das 100 mais importantes entidades eco- -a5 mundiais eram firmas transnacionais, ¢ as outras s.* Aqui nao se trata de uma comparagio entre os lutos internos brutos dos Estados € os n”imeros de ne- ionais, mas de um eéleulo 1¢ mostra melhor © poderio econdmico real dos paises ¢ \sfirmas. Conforme essa classificag20, Exxon Mobil, cujos em 2000, representa um afinado, 0, pelo viés de um lobbyinyrativo sobre as iticas dos governos e das instituigdes internacionais, © poder no seio das multinacionais repousa sobre uma nga entre managers, que fazem opgdes estratégicas,¢ acio- jdendos. Ora, tais opgdes estratégicas 10 S20 realmente postas em discussio. F assim que a pro- pria estrutura do processo demoerstico € truncada, tanto em istas, que esperam ¢ passo que elas tém efeitos diretos sobre a sociedade. Os icos se mostram impotentes para controlé-las, Eles po. m tentar gerir suas conseqiiéncias, velar pelo respeito a0 direito, eventualmente tentar reforcar re eentes para far demissies. Mas essas regras sto pouco eficazes ¢ fre- jentemente contra-produtivas. Sua possibilidade de serem mntornadas as torna facilmente caducas, como pudemos nstatar a respeito das tentativas de controlar os circuitos financeiros ou de reforgar 6 direito do trabalho. Os homens as © "ICP Samant, Rappors de la conforence dex Nations nies ur le commerce et ‘eaéveteppement, 2002, citado por Libivation, 18 de agosto dle 2002. 53 54 politicos praticamente ao tém nenhum poder sobre as es- tratégias postas em agio por firmas cujo poderio permite escapar as leis nacionais. As conseqiiéncias de um sistema desse tipo sao graves: impondo ao mundo sua lei de merca- do, as multinacionais perturbam os modos de regulagio que permitiriam encontrar um equilibrio entre os acionistas, os produtores ¢ os consumidores. Os exemplos sio numerosos; testemunha disso € a evolugio do mercado do caté inizagio interna- onal do café, demonstra como a lei do mercado fa- vorece as multinacionais € destréi os pequenos produ- “Até 0 fim dos anos 1980, existia um sistema de cooperagio entre os portadores € os paises em desenvolvimento exportadores. Mas, quando as idéias liberais comega- ram a dominar os debates, esse sistema de regulagio foi rompido”. Dez. anos depois, a constatagao € clara: tores conforme uma légica impla * A produgao aumentou mais de 20%, ao paso {que 6 consumo aumentou apenas 10%. * O ganho dos produtores baixou mais de 50%, pasando de 12,5 bilhdes de délares no inicio de 1990 5,5 bilhoes em 2002. a de negécios das cinco empresas multina- cionais que controlam mais da metade da produgio & do comércio do café duplicou, passando de 30 bilhoes de délares no inicio de 1990 a 60 bilhoes em 2002. Nestor Osério avalia em 500.000 0 namero de empregos diretos que foram perdidos na Am Central ¢ no México no mesmo periodo. Fonte: V. de Filippis, “A liberalizagao favorece apenas as ‘multinacionais”, Libération, 7 de junho de 2002. © mais impressionante nessa questio € 0 siléncio que ve essas opgdes estratégicas € as pessoas que as tomam. Os verdadeiros individuos que decidem querem permane- nénimos, & imagem da sociedade que eles dirigem.? Da na forma, os “mercados” sio des es bolsistas como verdadeiros sujeitos cuja confianga desconfianga determinariam 0 comportamento dos ato- res econémicos, Os acionistas das multinacionais represen- rever. mos que existem, mas nao sabemos de Fito quais sio. AAs deliberagdes dos conselhos de aciministragao sao secretas. Os modos de designagio e de substituigdo de seus membros wedecem a regras que escapam a qualquer controle demo- ‘0. A opacidade reina soberana. B, ainda, quando todas essas informagdes s20 consideradas como acessiveis, pouco -rosos s20 aqueles que se acham capazes de decifrar a hnatureza real desse poder. /A mundializagao gera uma ruptura entre o poder politi- © 0 poder ccondmico. Um permanece localizado, tertito- lizado, nacionalizado. © outro € desterritorializado, opa- nternacionalizado, A globalizagao econdmica nao foi \duzida por uma mundializacao politica. poder politico manece concreto € palpivel. Ele pode, portanto, ser 0 jeto de uma interpelagio € de um controle relativamente mocritico, Ao passo que 0 poder econdmico é abstrato, tingivel. Ele pode, a seu bel-prazer, impor suas exigén- . Ele tende a se desligar de suas a indistia ima 38 incidéncias visi dessa devisdo etenta encontra, 0 PDG, 56 cura impor seu modelo & sociedade, impor-the suas regras. Os trabalhadores sio considerados como submissos a suas exigéncias. Até o ritmo da vida humana, que deve adaptar-se aos ritmos do trabalhe mos nesse patrio do ITT, que impunha sua hora a seus colaboradores no mundo inteito, como s¢ 05 fusos horirios nao Ihe dissessem respeito, como se sua boa vontade se tornasse uma lei para a humanidade. Quando sabemos que uma centena de multinacionais ontrola direta ou indiretamente mais de 50% da ccondmica mundial, estamos no direito de Liberdade para o capital, desregulamentacao para o trabalho Dois fendmenos ram as transformagoes das r entre 0 capital e 0 trabalho no fim do séc. XX: > das grandes empresas. Aquelas que se or- agens concediddas a seus empregados levam istincia entre uma politica mundi so dos mercados financeiros as politicas locais de abran- damento das regras do direito do trabalho de protesio social. A grande maioria dos gestionarios considera que a liberdade econdmica é um progresso para todos, que a eco- nomia de mercado e a livre-troca devem-se generalizar, que € preciso, portanto, liberar os mercados para o capital, para os produtos, para os servigos € para o emprego. Como se houvesse uma equivaléncia entre o dinheiro, as mercadorias © 0s homens. Como se 0 mercado de trabalho pudesse ser considerado como um mercado como os outros. Quando partidos ou homens politicos evocam as du- rezas que pesam sobre o mercado do trabalho e reclamam, nais flexibilidade, os trabalhadores entendem: deslocamen- to, horirios irregulares, trabalho noturno, desorganizagao da vida familiar ¢ de seus ritmos biolégicos. Para os prim ros, a liberdade deve traduzir-se por uma desregulamenta- 20, Convém, portanto, suprimir todas as regras percebidas como outras tantas exigéncias que impedem as empresas de serem sempre mais competitivas. Para os s pode haver n Je respeito pelo direito, de possibilidade de negociar as con digdes de trabalho, de ter peso nas decisoes. A questa da iberdade ndo se coloca nos mesmos termos. reve no mesmo espago, na mesma temporalidade. Para uns, cla representa um conceito abstrato em um mundo globa- izado; para os outros ela se inscreve concretamente em sua vida cotidiana. A globalizacio transforma as relacdes entre o capit trabalho. A des-territorializagio do capital corresponde re-territorializagao do trabalho. Verificamos isso observando as estratégias de deslocamento das firmas. De um lado as presses para abaixar os custos da mio-de-obra, abrandar as exigéncias do dircito do trabalho. Do outro, as pressdes para orecer uma liberdade total da circulagao dos capitais ¢ das trocas comerciais. A diferenga de tratamento entre a cireu- ict das mercadorias, dos capitais e dos homens no mundo de hoje € considerivel. A liberdade de circulagio dos pro- clutos ¢ do dinheiro € quase total, ao passo que as restrigdes sobre a circulagao dos homens si0 miltiplas. A transferéncia los capitais € ilimitada, instantinea, incontrolada, enquanto 58 a dos trabalhadores ¢ limitada, trabalhosa ¢ objeto de regras muito estritas. Essa constatacdo € sintomatica das relagdes entre o capital € 0 trabalho na hora da mundializagio. De onde uma expectativa maciga em relag2o aos organismos in- ternacionais encarregados de regular a economia mundial. Os cidadaos esperam dessas instituigdes uma limitagio do poder dos “mereados”, uma protesio dos salirios € uma harmonizagio das regras do direito do trabalho. O exame das politicas do FMI (Fundo Monetério Internacional) e do BIT (Bird Internacional do Trabalho) revela claramente a desigualdade de tratamento da qual sto objeto o capital € © trabalho, € 0 peso da ideologia geren conduzidas pelos dois organismos, io Nobel dle economia, descreveu com perfeigio a domi Jogia gerencialista neoliberal nas instin encarregadas de regular a economia mundial (FMI), 0 de- senvolvimento (Banco Mundial) ¢ 0 comércio (OMC). Ele mostra que as clecisdes sto tomadas por alguns experts € ato~ tros das Finangas, do Comércio e da Indéstria, representantes dos bancos centrais — que “véem o mundo com os olhos da comunidade financeira” (Stiglitz, 2002), Os experts do FMI concedem ou paises em dificuldade em fun cidos — taxas de inflagio, taxas de endividamento, equili brio orgamentério, montante dos déficits priblicos, peso da divida externa — € no em fungio da situagdo real nesses paises. Sob a capa de rigor ¢ de pragmatismo, os experts das grandes instituigdes sto de fato idedlogos que apreendem a realidade mergulhando em cifras abstratas sem contato com as real A ruptura € total entre a lite tecnocratica dos experts internacionais € as populagdes em questio. Uns tratam de taxas de desemprego, os outros so ameacados de serem de- lades locais. sempregados, se j4 no o forem. Uns tratam de taxas de Jo, 08 outros véem concretamente a defasagem entre ‘el de vida € sua possibilidade de consumo. Uns se ‘ocupam com taxas de crescimento, os outros nao sabem © que irio comer amanha, A partir disso, hd uma oposi- io crescente entre duas visoes do mundo. Uma é obcecada preocupada com a pobreza, a saiide, 1 educagao, a familia, a seguranga, © consumo cotidiano, a possibilidade de produzir suficientemente para ter acesso a igdes decentes de vida. Se os primeiros estio persua- lidos de que sua visio permitird, em termos, responder As cexpectativas dos segundos, a resposta é sempre deferida no lempo, como se uma “cura de austeridade” fosse forgosa- mente necesséria para ter acesso 3 abundancia Cor , conforme Joseph Stiglitz, o FMI conduz. 4 politica que esté no oposto das misses que Ihe haviam > confiadas no inicio, “N6s 0 criamos porque considers- nos que os mercados fincionavam freqiientemente mal, is que cle se tornou 0 campeao fa mercado. N6s © fundamos porque julgévamos necessi- exercer sobre os Estados uma pressio internacional para levé-los a adotar politicas econdmicas expansionistas [...],€ is que hoje, como regra geral, ele apenas Ihes fornece se eles praticarem politicas de austeridad. Ao contririo do FMI, cuja missio é regular a economia mundial, o BIT foi fiandado para melhorar a situagio dos ibalhadores ¢ regular as legislagdes entre as nagdes para gar a uma melhor protegio social e jurfdica do mundo lo trabalho. A declaragio “fundadora” do BIT (Biré Internacional do Trabalho) afirma com vigor a necessidade de melhorar a situagio dos trabalhadores de todos os paises do mundo, “levando em conta que a nao adogio por uma ago qualquer de um regime de trabalho realmente huma- ‘no apresenta um obstaculo para os esforgos das outras nagdes desejosas de melhorar a situagdo dos trabalhadores em seu proprio pais”. A idéia era que todos os paises do mundo de- viam harmonizar sua legislagao social paralelamente, a fim de evitar que uma disparidade demasiadamente grande dos cus- tos de produgao, de mao-de-obra em particular, prejudicasse © progresso social. Para isso, a OIT, que depois se tornou 0 (0 do trabalho, is fundamentais — liberdade sindi to de negociacdo coletiva, proibigio do trabalho forgado...) A cada ano essas normas sto adaptadas por uma conferéncia os do. direi- seu nio-respeito nao das diferengas maior A politica do FMI nao da lugar a grandes debates de- mocriticos. Ela € definida pelos paises do G 8, 0s oito paises mais ricos do mundo, ¢ privadas, pa ca, Suas dei Nes s20 sem apelagao. Aqueles que elas atingem. nao podem discutir sua legitimidade. O nao-respeito das condigdes impostas pelo FMI tem uma sangio imediata: a recusa de conceder uma ajuda, O que nao pde o pais em po- siglo de forga para negociar a pertinéncia dessas condigbes. Para o BIT, as coisas sio invertidas. A discussao é aberta, la procura reunir um consenso muito amplo, tanto do lado politico como do lado dos representantes dos trabalhadores € dos patres, ela se funda a sobre a adesio voluntitia € dla constituigio da Organizagio Internac dispdc de nenhum meio de pressio para conseguir que entes paises do planeta methorem a situagio de seus balhadores. Podemos espantar-nos pelo fato de que o FMI ¢ 0 BIT harmonizem suas politicas. Se o BIT demanda, 0 FMI re tomou suas distincias. © mundo financeiro se inte tessa pouco pelo mundo do trabalho. Cabe ao mundo do balho, portanto, adaptar-se 4s exigéncias da economia fi- \eira € no 0 contrario. O respeito das normas estabeleci pelo BIT jamais foi uma condigdo colocada a frente para depois de 1990, 0 papel BIT se enfraqueceu sob a pressio da concorréncia inter nal ¢ da ideologia neoliberal. “Os valores de justiga so- |, de solidariedade ¢ de equidade, ou os principios da dig- umana € 0 primado do homem sobre a economia, © guiam a agao do BIT, sto cada vez mais transformacos. rida louca para as fatias de mercado € a concorréncia manter ou atrair empresas fazem cada vez mais aparecer .ssio social como um instrumento de politica econd a servigo da competitividade” (Euxéby, 2000) a mesma ideologia que se propaga, segundo a qual a ‘cio social € um peso que é preciso diminuir (“6 preci- jeduzir os encargos”), o salirio minimo é uma causa do rego (“E preciso mais flexibilidade”), © direito do Iho € uma exigéncia (‘*€ preciso abrandar as regras”). A. nentagao do trabalho é, definitivamente, considerada 1m obstculo para a liberalizago dos mercados. Para jo, os problemas econdmicos e sociais s2o sempre rados como decorrentes dos entraves 3 “liberdade” Nessa perspectiva, a melhoria s6 pode vir por meio da desre- intagio, da liberalizagio das trocas, do abaixamento, 1s despesas piiblicas e do nao-intervencionismo do Estado. no TEP de Gre 62 ziidas sobre os cinco continentes pro- maiores — na Asia ¢ na América do Sul — placivel na Africa, O discurso, todavia, -gam a adiantar a idéia de que uma regressio continua o mesmo, Alguns essas crises sio uma passagem obrigatoria, uma purificagao, como os médicos de Molire, que preconizavam sangrias 0 doente. Temos af uma cegueira fundada sobre idcol6gica das relagdes entre a economia para ‘uma representage ca sociedad, Capitulo 2 Os fundamentos da ideologia gerencialista Os gestionirios so pessoas sérias ¢ eficazes que, para perder com qualquer reflexao epistemolégica. Alain-Charles Martinet / \ sesti0 apresenta-se como pragmitica e, por Jo- 6gica, findada sobre a eficécia da ago, mais do que sobre ertinéncia das idias. Ela se tomna uma “metalinguagem” que cia fortemente as representagdes dos dirigentes, dos qua- Os experts da gesto tornaram-se pessoas que prescrevem xdelos. Propdcm encarregar-se dos negécios do mundo. (Os modelos sobre os quais fundamentam sua competéncia construidos sobre diferentes paradigmas. Um paradigma reve 0 conjunto das crengas a partir das quais os pesqui- sLeses, suas teorias ¢ seus métodos. ire as ciéncias da gestio e a ideologia gerencialista, as re- lagdes s4o ambguas. As primeiras cabe descrever e at »dalidades de organizagao da agao coletiva. As segundas es- a servigo do poder gerencialista para garantir sua empresa, [A gestio se perverte quando favorece uma visio do mundo ial o humano se tora um recurso a servigo da empresa le

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