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Universidade Federal de Santa Maria


Centro de Ciências Sociais e Humanas
Programa de Pós-Graduação em Comunicação

USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR


JOVENS DE CLASSE POPULAR

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Flora Ardenghi Dutra

Santa Maria, RS, Brasil.


2014
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USOS E APROPRIAÇÕES DO
CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR

Flora Ardenghi Dutra

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em


Comunicação, Área de Concentração em Comunicação Midiática, Linha de pesquisa de
Mídia e Identidades Contemporâneas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS)
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação.

Orientadora: Profª. Drª. Veneza Veloso Mayora Ronsini

Santa Maria, RS, Brasil.


2014
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Universidade Federal de Santa Maria


Centro de Ciências Sociais e Humanas
Programa de Pós-Graduação em Comunicação

A Comissão Examinadora, abaixo assinada,


aprova a Dissertação de Mestrado

USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE


CLASSE POPULAR

Elaborada por
Flora Ardenghi Dutra

Como requisito parcial para obtenção do grau de


Mestre em Comunicação

COMISSÃO EXAMINADORA:

______________________________________
Veneza Veloso Mayora Ronsini, Drª. (UFSM)
(Presidente/Orientadora)

_____________________________________
Everardo Rocha, Dr. (PUC-RJ)

______________________________________
Sandra Rúbia da Silva, Drª. (UFSM)

Santa Maria, 27 de maio de 2014.


4
5

“Não há nada que não se consiga com a força de vontade, a bondade e, principalmente,
com o amor”. Marco Túlio Cícero

“Eu acho importante compartilhar as minhas fotos para as outras pessoas saberem que eu
existo”. Alice, 17 anos
6

Agradecimentos

Ao concluir esta dissertação, desejo expressar meus sinceros agradecimentos


àqueles que me auxiliaram nesta tarefa.
Em primeiro lugar, agradeço à minha família, pois, sem sua ajuda, este trabalho não
seria possível, e também por tudo o que fizeram por mim até hoje: à minha avó Maria, que
desde sempre acreditou nos meus estudos; a meus pais, que nunca desistiram de acreditar
no meu sonho em ser professora e aos meus irmãos, pelo apoio nesta longa jornada
iniciada desde a Faculdade.
Ao filósofo que me acompanha nas lutas diárias da vida, meu amor, Paulo
Henrique, obrigada por todas as discussões acadêmicas que engrandeceram minha visão
de mundo;
À minha orientadora Veneza Ronsini, pois sem ela este estudo não teria sido
possível;
Aos meus amigos que, incansáveis, estiveram comigo nos momentos difíceis e
nunca desistiram de proferir palavras de apoio: Grazi, Carina, Carlos, Richard, Josemar,
Tauana, Sônia, Juliane;
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM, pelo
aprendizado.
À FAPERGS, pelo financiamento e incentivo à pesquisa;
À escola onde realizei a pesquisa de campo e aos entrevistados.
Aos pesquisadores internacionais que contribuíram de forma significativa em
minha pesquisa, enviando-me livros de difícil acesso, críticas construtivas e apoio nessa
jornada acadêmica: o filósofo francês e professor da Universidade de Grenoble, Gilles
Lipovestky, pelo incentivo à docência; o sociólogo Claude Fischer, professor da
Universidade de Berkeley, por enviar sua obra e pelas palavras de incentivo; a socióloga
espanhola da Universidade Complutense de Madrid, Amparo Lasén, pelo interesse na
pesquisa; e o professor da Universidade da Califórnia, Larry Rosen, pelo envio de sua
obra como contribuição para meus estudos;
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Aos professores e antropólogos da minha banca de qualificação, Sandra Rúbia da


Silva e Everardo Rocha, pelas considerações que me permitiram lançar um novo olhar
sobre minha pesquisa;
Aos meus colegas de mestrado Camila, Carline, Alisson, Janayna e João, pelas
palavras, dicas, e-mails e discussões sobre nossos objetos de estudo.
Aos membros do grupo de pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural, pelo
apoio constante.
À Sandra e ao Filipe, por todas as sugestões pertinentes nos momentos mais
difíceis.

Em memória da melhor amiga do mestrado que partiu antes desta jornada chegar ao fim:
Gabriela Santos. Este trabalho é por nós, nunca me esquecerei de você, minha eterna amiga e
confidente.
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RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Universidade Federal de Santa Maria

USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE


CLASSE POPULAR
AUTORA: FLORA ARDENGHI DUTRA
ORIENTADOR(A): VENEZA VELOSO MAYORA RONSINI
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 27 de maio de 2014.

A presente pesquisa é um estudo dos usos e apropriações do telefone celular por jovens de
classe popular. Procura-se identificar como os jovens da fração baixa da classe popular
distinguem-se uns dos outros pelos usos do aparelho móvel no espaço escolar. A
investigação enquadra-se na vertente dos Estudos Culturais, especialmente nas mediações
de Martín-Barbero (2003) e na do consumo cultural de García Canclini (2010).
Metodologicamente, o trabalho possui duas etapas exploratórias. Num primeiro momento,
foram aplicados dois questionários, um via Facebook e outro intitulado “online”, bem
como anúncios publicitários definidos com base no acervo digital da Revista Veja e de um
acervo particular da Revista Superinteressante. O segundo estudo exploratório serviu para
uma aproximação com o espaço escolar onde se aplicou a entrevista semiestruturada com
dez estudantes. Destes, quatro serviram para compor a amostra. Na sequência, foi realizada
uma etnografia no espaço escolar e no espaço doméstico com dez estudantes da Escola A,
com idades entre 15 a 18 anos, residentes em Santa Maria/RS. Delimitou-se, ainda, um
corpus com dez perfis dos entrevistados da rede social Facebook. A análise foi estruturada
de modo a compreender como as mediações atuam na relação dos jovens com o celular.
Nos resultados, analisou-se a mediação da socialidade, isto é, o uso do celular na família de
classe popular e na escola; os conflitos gerados pelo seu uso nos dois espaços, bem como o
celular como fator de distinção entre os estudantes. Quanto à mediação da ritualidade,
observa-se o celular como organizador das práticas cotidianas. No que diz respeito à
mediação da tecnicidade, observou-se uma forte presença do celular em cenas e contextos
de filmes e telenovelas assistidos pelos jovens entrevistados. Essas representações são
ressignificadas através da recepção transmidiática, ao produzirem conteúdo para as redes
sociais. Os atores em posse do celular produzem conteúdo para as redes tanto na escola, no
espaço público e no espaço doméstico. O celular acompanha os jovens desde o despertar
até a hora de dormir, está presente na relação familiar e entre amigos.

PALAVRAS-CHAVE: Celular. Classe Social. Consumo Cultural. Juventude.


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ABSTRACT
Master's Dissertation
Graduate Program in Communication
Federal University of Santa Maria

USES AND APPROPRIATIONS THE CELLPHONE BY


YOUNG PEOPLE CLASS POPULAR
AUTHOR: FLORA ARDENGHI DUTRA
TUTOR: Veneza Veloso Mayora Ronsini
Date and Local of Defense: Santa Maria , May 27, 2014

The present inquiry is a study on the uses and appropriations of cellular phones by popular
class youngsters. It aims to identify how the lower fraction of popular class young people
distinguishes themselves from each other through the usage of the mobile device in school
environment. The inquiry is enframed in the field of cultural studies, specially in Martín-
Barbero's mediations and García Canclini's cultural consumption. In terms of
methodology, the work consists of two exploratory stages. In the first stage, two
questionnaires were applied, one via Facebook and another named "online", as well as the
definition of advertisements based upon Veja magazine's digital repository and a personal
collection of Superinteressante magazine. The second exploratory stage was used as an
approach to the school environment, where a semi-structured interview was applied to ten
students. Out of this ten, four were selected to compose the sample. Next, an ethnographic
study was performed both in school and home environments, with a group of ten subjects,
students from school A, between the ages of fifteen to eighteen years old, all residing in
Santa Maria/RS. There was, also, the delimitation of a corpus of ten profiles from the
Facebook social network. The analysis was structured in a way that leads to the
comprehension of how mediations act in regards to the relation between youngsters and
cell phones. In the results, the mediation of sociality was analyzed, ergo, the use of cellular
phone into the popular class family and school: the conflicts raised by its usage in both
environments, as well as the cell phone as a factor of distinction between the students. As
for rituality mediations, the cell phone is observed as an organizer of daily practices. In
regards to technicity mediation, a strong presence of cell phones was observed in scenes
and contexts of films and soap operas being watched by the interviewed youngsters. These
representations are reframed trough transmediatic reception, by producing content for the
social networks. The actors who possess the cell phone produce content for the networks in
both school, public and domestic environments. The cell phone accompanies the
youngsters from the waking up call to the time they go to bed, and is present in both family
and friend relations.

KEYWORDS: Cellular; Social Class; Cultural consumption; Youth.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 Primeira propaganda de celular no Brasil 95


Figura 02 Principais celulares do século XX 97
Figura 03 Principais celulares do século XXI 98
Figura 04 Principais celulares do futuro 100
Figura 05 Conteúdo gerado pelo celular para a rede social Facebook 130
Figura 06 Emoticons para o celular 131
Figura 07 Meme do perfil da jovem Bianca 142
Figura 08 Meme do perfil da jovem Eliana 142
Figura 09 Filme Tropa de Elite – Capitão Nascimento 145
Figura 10 Imagem do filme O Diabo veste Prada 146
Figura 11 Personagem Félix ao celular 149
Figura 12 Meme da banda One Direction 157
11

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Modelo de tipologia em entrevista 119


Tabela 02 Mediações: Tecnicidade, Ritualidade e Socialidade 123
12

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01 Usos do celular 89


GRÁFICO 02 Significados do celular 90
GRÁFICO 03 Informações acessadas pelo celular 91
13

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 16

2. ESTUDOS CULTURAIS LATINO-AMERICANOS: 22


CONSUMO E MEDIAÇÕES
2.1. Perspectivas do consumo 27
2.1.1. Consumo como distinção e comunicação por García Canclini 34
2.2. Mediações da Cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade 37

3. JUVENTUDE DE CLASSE POPULAR 41


3.1. Identidade juvenil de classe popular 45
3.2. Juventude do programa Bolsa Família 49
3.3. Tecnologias móveis no espaço escolar 55

4. CONSUMO DE TECNOLOGIAS MÓVEIS NA AMÉRICA 60


LATINA
4.1. Estudos sobre o consumo de celular 69
4.2. As redes sociais e os aplicativos no celular 81

5. MÉTODOS DE PESQUISA 85
5.1. Estudo exploratório I 85
5.1.1. Questionário via Facebook 86
5.1.2. Questionário online 88
5.1.3. A história do celular a partir de reportagens e publicidades 93
5.2. Estudo exploratório II 101
5.2.1. Definição da amostra 101
5.2.2. Amostra 104
5.2.3. Perfil dos entrevistados 105
14

5.3. Imersão no campo 110


5.3.1. Método etnográfico 113
5.3.1.1. Observação Participante 115
5.3.1.2. Entrevista em semiestruturada em profundidade 118
5.4. Fase interpretativa: a análise dos dados 121
5.4.1. Perspectiva das mediações: socialidade, ritualidade e tecnicidade 123

6. USOS DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE 124


POPULAR
6.1. Socialidade: família, escola e classe social 124
6.1.1. Família 124
6.1.2. Escola 128
6.1.3. Classe Social 131
6.2. Tecnicidade: as representações do celular na mídia 139
6.2.1. Transmidiação e as redes sociais 141
6.2.1.1. O celular e a produção cinematográfica 144
6.2.1.2. O celular e as telenovelas brasileiras 148
6.3. Ritualidade: uso e distinção social pelo celular pelos jovens de 151
classe popular
6.3.1. Os usos do celular pelos jovens de classe popular na escola 152
6.3.2. Distinção social pelo celular 159

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 163

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 168

APÊNDICES
Apêndice 01 – Estudo exploratório I 181
Apêndice 02 – Estudo exploratório II 183
Apêndice 03 – Entrevista semiestruturada 191
Apêndice 04 – Questionário online 195
15

Apêndice 05 – Termo de consentimento livre e informado 198


Apêndice 06 – Autorização dos pais para a entrevista 199

ANEXOS 200
16

1. INTRODUÇÃO

O Brasil encerra o ano de 2013 com 270 milhões de celulares 1, ultrapassando o


número de habitantes no país, pois, para cada 100 pessoas, há 135 telefones celulares. Com
a disseminação da Internet, o celular geralmente vem equipado com funcionalidades que
permitem ao usuário acessar a rede online a qualquer hora e em qualquer lugar, através das
redes Wi-fi ou 3G/4G. Desta maneira, a conectividade tem favorecido a existência de um
ambiente midiático em construção permanente, cujo cenário principal passa ser o cotidiano
dos indivíduos.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2013, o
acesso à Internet por jovens entre 15 e 17 anos aumentou em 76,7% relacionado ao acesso
à rede online pelo telefone móvel. A prova da inserção do celular na vida dos adolescentes
é o grande número de acessos na escola e no núcleo familiar.
As práticas sociais associadas aos telefones celulares circundam o globo em uma
complexidade de apropriações que merecem ser discutidas. Pode-se verificar que os usos
do celular como prática social estão sendo capturados pelas pesquisas de algumas áreas
como Antropologia e Sociologia (SILVA, 2010; CASTELLS, 2007; HORST, MILLER,
2006; KATZ, AAKHUS, 2002; LASÉN, 2005; LING, 2004).
A pesquisa justifica-se pela atualidade e importância com que os aparatos
tecnológicos estão permeando as relações sociais, tornando-se indispensáveis nas
interações comunicacionais e em diversas atividades humanas (despertar, cronometrar,
calcular, localização geográfica, fotografar, gravar conversas, entre outros). Possuir um
telefone móvel se tornou um imperativo na sociedade do consumo, tanto para comunicar-
se com outras pessoas, seja através de chamadas (fala) ou SMS (mensagem de texto), seja
na produção de conteúdo para as redes online.
Sendo assim, na busca por trabalhos referentes ao telefone celular no portal de
periódicos e banco de teses da CAPES e no portal de Domínio Público de teses e
dissertações, observam-se poucos estudos da última década (cerca de 40). Os estudos
realizados no Brasil, em sua maioria, são dissertações de mestrado nas áreas de
administração, comunicação, design, psicologia, educação e informática. No contexto

1
Estatísticas de celulares no Brasil. Disponível em <http://www.teleco.com.br/ncel.asp>.
17

geral, as dissertações versam sobre as funcionalidades do aparelho e suas repercussões no


mercado, envolvendo consumidores (jovens, adultos e idosos) e fabricantes (empresas de
tecnologia móvel, designers e programadores de softwares). Nos últimos quatro anos,
cinco teses nas áreas de Engenharia, Comunicação e Antropologia buscam novos olhares
para o aparelho móvel, redimensionando a importância dos celulares na vida cotidiana da
sociedade moderna.
Na área da Comunicação, os trabalhos referentes ao celular discorrem sobre
diferentes temas/objetos: análise semiótica das marcas das operadoras de telefonia móvel;
construção audiovisual a partir da mobilidade; entretenimento online em locais públicos;
readaptação do jornalismo na era móvel; funcionalidades do aparelho e significação
simbólica a partir do design. Portanto, há uma lacuna de estudos empíricos acerca dos usos
do celular. É ausente estudo da classe popular juvenil a partir das tecnologias móveis, suas
práticas e usos. Em vista dessa realidade, esta investigação se propõe a contribuir no
desenvolvimento das pesquisas sobre os usos do celular pela juventude de classe popular,
em uma aproximação com o espaço escolar.
O problema de pesquisa consiste em questionar de que modo a classe social
conforma os usos do telefone móvel no cotidiano de jovens de classe popular. O eixo
teórico desta pesquisa são os estudos culturais latino-americanos, mais especificamente, a
perspectiva da construção de identidades contemporâneas mediadas pelos meios de
comunicação (Escosteguy, 2010, p. 20).
O objetivo geral da investigação é compreender os usos e apropriações da
tecnologia móvel de celular por jovens da fração baixa de classe popular. Os objetivos
específicos do estudo são: a) investigar as relações sociais dos jovens no espaço escolar
mediadas pelo celular; b) descrever os usos e apropriações do celular no espaço escolar e
no espaço doméstico; c) observar os conteúdos compartilhados no Facebook via celular.
Na fase da observação, para compor a primeira amostra - a fim de avaliar o
impacto do celular na cultura juvenil -, iniciou-se o primeiro estudo exploratório com vinte
e cinco jovens de distintas classes, composto de um questionário com 29 questões via
Facebook e um questionário online contendo 45 questões sendo aplicado em dois
momentos distintos da construção da pesquisa. Além disso, foi feita uma pesquisa nos
18

acervos das revistas Veja e Superinteressante sobre as primeiras publicidades do celular no


Brasil.
No segundo estudo exploratório, definiu-se a amostra da pesquisa e descreveu-se o
perfil dos entrevistados.
Concluídos os estudos exploratórios I e II, a seleção da amostra de dez alunos foi
definida com base na manifestação do interesse de alguns em participar da pesquisa, na
disposição deles em debater sobre o celular e suas representações, na família, na escola e
no grupo de amigos. Cinco rapazes (Alex, Bruno, César, Diogo e Eduardo) e cinco moças2
(Alice, Bianca, Cláudia, Denise e Eliana) foram acompanhados durante três trimestres no
espaço escolar, em espaços públicos e no ambiente doméstico.
O quadro teórico de referência para interpretação dos dados empíricos baseia-se nas
mediações de Martín-Barbero (2003): socialidade, ritualidade e tecnicidade, que compõem
o mapa das mediações. A socialidade, gerada nas tramas das relações cotidianas (escola,
família, amigos), resulta nos modos e usos coletivos de comunicação; a ritualidade
manifesta-se nos diferentes usos dos meios, nas condições sociais e educacionais (consumo
de telefone celular pelos jovens de classe popular); a tecnicidade diz respeito à conexão
com os meios no cenário da globalização – redes sociais móveis e consumo de mídia.
O primeiro capítulo é introdutório e apresenta a justificativa da pesquisa, os
objetivos gerais e específicos, bem como o problema de pesquisa. Busca introduzir o leitor
ao tema a ser apresentado nos capítulos seguintes desta dissertação.
No capítulo 02, apresenta-se o eixo teórico que norteia esta dissertação. Parte-se
dos Estudos Culturais Latino-americanos e sua perspectiva em entender a construção das
identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação, especialmente o
celular.
Tendo como eixo teórico os estudos culturais latino-americanos, as perspectivas
comentadas de García Canclini merecem destaque ao apontar as seis proposições acerca do
consumo: a) consumo como reprodução da força do trabalho e da expansão do capital; b)
consumo como apropriação dos grupos e classes sociais; c) consumo como distinção
simbólica; d) consumo como comunicação; e) consumo como desejo; f) consumo como
ritual.
2
Os nomes dos entrevistados são fictícios. O colégio será denominado como Escola A para preservar o nome
da instituição de ensino.
19

Nesta dissertação, destaca-se o consumo como comunicação e como distinção


simbólica. É a partir desses apontamentos que se interpreta o consumo como distinção e
comunicação no capítulo empírico relacionado às categorias de análise, as quais são
elaboradas a partir das mediações ritualidade, socialidade e tecnicidade. Entende-se que o
consumo seja uma área ampla da pesquisa acadêmica e que, muitas vezes, os conceitos
abordados por Canclini se articulam com os pensamentos de autores como Mary Douglas e
Baron Isherwood (2006); Pierre Bourdieu (2007); Colin Campbell (2001); Thorstein
Veblen (1983); Rocha (2005); Barbosa (2004); Slater (2001), compondo o referencial
teórico sobre o consumo.
O terceiro capítulo da dissertação é dedicado ao contexto juvenil de classe
popular, buscando identificar as características individuais e coletivas no meio familiar e
escolar. Mesmo que a questão de classe tenha perdido força nos embates teóricos dos
estudos culturais, dando lugar às questões de gênero, de representações e de identidades,
entende-se a condição de classe como um parâmetro para analisar os modos de vida dos
jovens de classe popular e as distinções simbólicas dentro da fração de classe popular aqui
considerada.
Dos estudantes entrevistados, seis revelaram pertencer ao Programa Bolsa Família,
por isso, uma contextualização sobre o programa de transferência de renda direta foi
necessário para se entender o acesso aos bens e à educação destes jovens. Assim, as
identidades dos estudantes de classe popular contextualizam as diferenças estabelecidas
com outros grupos sociais, como propõe Woodward (2012). As marcações simbólicas e as
representações sociais também podem ser verificadas dentro do espaço escolar, em seus
dilemas, retrocessos e avanços.
O quarto capítulo apresenta um panorama das tecnologias móveis na América
Latina, seus consumidores e fabricantes. Aborda-se a circulação do celular pela classe
popular como um objeto de desejo e distinção na era digital e discute-se a interação
proporcionada por este aparelho no espaço escolar, muitas vezes servindo de auxílio em
pesquisas escolares e outras vezes atrapalhando a atenção em aula. Como o governo e a
classe dos professores estão lidando com o tema que tem sido cada vez mais presente é o
grande debate que se desenvolve neste capítulo.
20

O celular tem uma historicidade que não ultrapassa meio século e, neste contexto,
alguns pesquisadores inauguraram os estudos sobre este objeto de história recente. Claude
Fisher (1992) escreve a obra America Calling: a social history of the telephone to 1940 e
relata o surgimento do telefone fixo nos Estados Unidos. Posteriormente, os estudiosos
James Katz e Mark Aakus (2002) organizam um livro com vários investigadores sobre o
impacto do celular no globo. Daniel Miller e Heart Horst (2006), em um estudo
antropológico, dedicaram-se a avaliar o impacto dos telefones na Jamaica, assim como a
pesquisadora Sandra Rúbia da Silva, investiga, em um bairro de classe popular em
Florianópolis, as apropriações e representações do aparelho pelos moradores. Outros
pesquisadores seguem desenvolvendo estudos sobre a tecnologia móvel e seus impactos na
sociedade, como é o caso de Rich Ling (2004), Castells (2007), Lasén (2013). O estado da
arte, desde o ano de 2001, encerra o Capítulo com os trabalhos relevantes em diversas
áreas realizados no Brasil, basicamente teses de doutorado e dissertações de mestrado.
Busca-se, ainda no quarto capítulo, entender como as tecnologias móveis estão
adentrando as salas de aula e como a política (a partir de 2007), através de projetos de leis,
está proibindo o uso em escolas, como no caso do Rio Grande do Sul. Em 2008, a
governadora Yeda Crusius, através do Ministério Público, aprovou e sancionou a Lei
12.884, que proíbe a utilização dos celulares nos estabelecimentos escolares. Divergências
entre teóricos mostram que o debate sobre os usos do celular na escola ainda está longe de
achar uma solução, tanto para professores quanto para alunos.
O quinto capítulo é dedicado a explorar a metodologia empregada nesta
investigação. Os estudos exploratórios I e II dão suporte para o aprofundamento e o recorte
do objeto. Para entender como o celular está sendo usado pelos jovens de classe popular,
foi necessário o levantamento de dados quantitativos e qualitativos. No primeiro estudo
exploratório, a aplicação de dois questionários foi necessária para delinear a geração e o
recorte de classe. A aplicação dos questionários serviu como pano de fundo para
entendimento de como os jovens veem e se reportam à mídia através do celular. A
transmidiação que aparece no questionário online foi um começo para se entender como a
tecnicidade está se ressignificando neste início de século.
21

O segundo estudo exploratório foi qualitativo, com entrevista semiestruturada, e


serviu para adentrar no universo da cultura popular juvenil. Aliada aos estudos
exploratórios se definiu o universo da amostra e a imersão de campo.
A pesquisa tem como método qualitativo o enfoque etnográfico e a técnica da
observação participante, pois, como afirma Travancas (2011, p. 98), a etnografia é um
método descritivo de vários aspectos sociais e culturais de um grupo social, como no caso
desta pesquisa, envolvendo os jovens de baixa renda e a utilização do celular no espaço
escolar. A busca pela antropologia visa compreender e apreender como o trabalho de
campo será interpretado a partir de questões sociais e práticas culturais, pois o trabalho do
etnógrafo consiste em deslocar-se a partir do movimento da sociedade e, neste estudo,
busca-se verificar como os usos do celular estão mediando as interações entre escola,
família, amigos e classe social.
Após ter realizado o levantamento bibliográfico, a elaboração do diário de campo
foi fundamental para organização das observações e funcionou como um “registro
descritivo” de todas as práticas presenciadas na escola. Não houve rigidez quanto à
observação participante, uma vez que muitos convites para “rolezinhos” em shoppings e
lanches na escola na hora do intervalo foram aceitos pela pesquisadora.
O capítulo seis contém as análises dos dez entrevistados através do trabalho
etnográfico inclusas nas interpretações das categorias empíricas socialidade, tecnicidade e
ritualidade, combinadas com os enfoques sobre o consumo - de García Canclini e Pierre
Bourdieu -, e outras fontes bibliográficas citadas no decorrer da investigação. Na
socialidade, a transmissão do capital cultural dos pais aos jovens recai sobre a visão de
mundo, os valores morais e a tradição que converge na constituição do núcleo familiar, no
término dos estudos e impacta num desconhecimento das tecnologias móveis e redes
sociais, como o uso do celular. Na tecnicidade as redes sociais e novas formas de audiência
ressignificam o receptor em fan pages, grupos de produção de conteúdo ou na interação
com os programas de televisão. Nas considerações finais, cabem discussões sobre os
caminhos percorridos nesta pesquisa e caminhos futuros a serem desenvolvidos.
22

2. ESTUDOS CULTURAIS LATINO-AMERICANOS: CONSUMO E MEDIAÇÕES

Os estudos culturais abarcam discursos múltiplos, bem como numerosas


histórias distintas. Compreendem um conjunto de formações, com as suas
diferentes conjunturas e momentos do passado. (Stuart Hall, 2006, p. 31).

Assim como o interesse dos britânicos do CCS pelo entendimento das lutas de
classes, do poder institucionalizado e da cultura elitizada entre 1950 e 1960, os pensadores
latino-americanos voltaram sua atenção aos processos comunicacionais que emergiam a
partir de 1980. Na revisão ampliada da obra Cartografias dos Estudos Culturais – uma
versão latino-americana (2010), Escosteguy verifica o crescimento exponencial dos EC na
América Latina desde a primeira edição da obra, em 2001, “sendo reforçado, sobretudo
pela circulação mais ágil de bibliografia inglesa, mas também pela tradução de obras
importantes e, claro, pela formação de pesquisadores que se vincularam a esse programa de
pesquisa” (ESCOSTEGUY, 2010, p. 12).
No início dos anos de 1980, destacam-se os pensadores Martín-Barbero e García
Canclini. As articulações das análises culturais destes pensadores logo passaram a ser
mediadas pela interdisciplinaridade, entrecruzando a filosofia, a comunicação e a
antropologia. Como início dos debates latino-americanos, também estava a discussão entre
cultura e comunicação. Escosteguy (2010, p. 20) delimita os três eixos teóricos de
relevância na perspectiva latino-americana: 1) as relações entre cultura e ideologia; 2)
análise da cultura popular; 3) construção de identidades contemporâneas mediadas pelos
meios de comunicação.
Como afirma Lopes (1990), os esforços para a elaboração de uma teoria e
metodologia latino-americana iniciou-se na década de 1980. O livro Pesquisa em
Comunicação – Formulação para um Modelo Metodológico (LOPES, 1990), trata de
organizar e traçar como a Comunicação é estudada no país, suas nuances, dificuldades e
trajetórias a serem percorridas. Já no final dos anos de1990, os estudos sobre recepção e
consumo cultural impulsionaram uma vertente de pesquisadores latino-americanos a
ampliar os estudos culturais.
23

A Recepção e os Estudos Culturais estão intimamente ligados na América Latina,


mas outras áreas merecem destaque. A busca por uma metodologia qualitativa ganhou
espaço no decorrer das décadas, e a etnografia ganhou destaque na compreensão da
globalização e dos fenômenos da revolução digital por aproximar os agentes das
especificidades de cada espaço social.
Segundo Guber (2001), a etnografia, nos tempos atuais, ajuda a descrever e explicar
a própria globalização. Para Orozco e González (2011, p. 31), a integração dos métodos
quantitativo e qualitativo deveria ser complementar, pois, para os investigadores, “a
dimensão dos fenômenos sociais se entenderia melhor, se identificariam as explicações que
os sujeitos dão a essas dimensões”. Conforme os autores, a tendência contemporânea é
explorar objetos complexos com diversos métodos e ferramentas. É neste sentido que os
estudos culturais latino-americanos caminham. Pesquisas de recepção e consumo cultural
articulam cada vez mais ferramentas e métodos para uma melhor interpretação.
Mesmo com o início das atividades dos Estudos Culturais latino-americanos na
busca por entender identidades e os processos que adentravam na América Latina,
atualmente os estudos de recepção buscam o entendimento de um novo fenômeno: a
transmidiação3. O receptor passa a situar-se em um novo cenário, agora, móvel e
conectado. Para Lopes, é “a lógica da sociedade multiconectada, que traz, especialmente
por meio do uso do computador e do celular, o acesso às novas mídias digitais novas
formas de ação e novos meios de comunicação, permitindo novos modos de interação”
(2011, p. 02).
Com a Internet, os dispositivos móveis e as redes sociais digitais tornam-se
experimentos para audiências, relações sociais, poder de distinção e, ainda, servem para a
construção de novas identidades. Lopes (2011), Martín-Barbero (2009) e Canclini (2013)
direcionam novos apontamentos para este processo emergente. Novas agendas

3
O Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (OBITEL) é formado por 11 países, conta com
pesquisadores da Venezuela, Uruguai, Portugal, Peru, México, Estados Unidos, Espanha, Equador,
Colômbia, Chile, Brasil. Os coordenadores gerais são os pesquisadores Guilhermo Orozco Gómez e Maria
Immacolata Vassallo de Lopes. O objetivo da rede destes pesquisadores é o intercâmbio de conhecimento e
construção de novos caminhos para pesquisas ligadas à área de análise.
24

metodológicas surgem para dar conta dos fenômenos que vivenciamos em uma
multiplicidade de códigos e significados.

Há pouco tempo restrito às classes socioeconômicas privilegiadas, esse mundo


digital chega aos que têm menor poder aquisitivo e cria massa de consumo para
essas tecnologias. Dentre outros fatores, isso decorre muito especialmente da
competitividade tecnológica e dos usos da tecnicidade (LOPES, 2011, p. 2).

Vê-se uma crise da temporalidade, ou seja, os meios como a televisão, o rádio ou o


impresso terão profundas mudanças em poucos anos com a ascensão da Internet, “temos
acesso a tantas coisas e tantas línguas que já não sabemos o que queremos. Hoje há tanta
informação que é muito difícil saber o que é importante” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.
3).
Scolari (2008) aborda a convergência das propriedades que distinguem as novas
formas de comunicação, que são novas formas de linguagens e meios. A dimensão
interativa dos meios digitais que Lopes e Martín-Barbero comentam está presente no
conceito do hipertexto, pois, ao se interagir e atuar na rede online, surgem as
hipermediaciones. Para Scolari, as hipermediaciones são “processos de intercâmbios,
produção e consumo simbólico que se desenvolvem em um entorno caracterizado por uma
grande quantidade de sujeitos, meios e linguagens interconectadas tecnologicamente de
maneira reticular entre si” (2008, p. 113).
Em maio de 2013, García Canclini4 apresentou na Espanha, no MediaLab Prado,
um ponto crucial para a compreensão nas pesquisas em comunicação: a globalização
opaca. Para o autor, a transnacionalização dos mercados torna-se uma instância onde se
condensa o poder. Hoje, vive-se em uma intensa interculturalidade internacional,
migrações, redes digitais, etc., por isso há uma necessidade de verificar as autonomias
antigas das políticas nacionais.
Para Canclini, outra mudança significativa que temos é da videopolítica nacional
para uma digitalização deslocalizada. Nos anos de 1970 e 1980, existia uma enorme
literatura sobre a videopolítica, como, por exemplo, a construção retórica, os discursos na
4
Comunicação, cultura e cidadania. Uma conversa com García Canclini. Disponível em
< http://medialab-prado.es/article/comunicacion_cultura_y_ciudadania>.
25

televisão, as formas de comunicação que condicionavam os eleitores, os comportamentos


das audiências, a formação de opinião; assim a crítica social e política eram de suma
importância para a construção nacional de cada país, e muito pouca importância tinha a
digitalização localizada. Hoje acontece uma ressignificação através das redes digitalizadas,
onde se tem localizações oportunistas, com alianças publicitárias ou empresárias locais, ou
pela publicidade adaptada para os hábitos e costumes regionais.
Para o antropólogo, essa expansão das redes digitalizadas aumenta a opacidade do
poder, e os cidadãos, hoje consumidores, são cada vez mais transparentes para os sistemas
de vigilância, de programação digital. Sabe-se de tudo o que compram, a preferência
sexual, o que fazem, e a futura reação ao mal-estar político.
Os estudos culturais latino-americanos buscam, no início do século XXI, interpretar
a globalização com suas balizes digitais; identificar as mudanças do local para o global;
analisar a constituição das redes digitais e a utilização dos meios nas narrativas
comunicacionais; compreender a ressignificação das identidades e da cultura popular,
sendo os meios de comunicação como principal aporte cultural das massas e a escola como
desafio às novas tecnologias da informação.
Relativamente novo no cenário das Universidades latino-americanas, os Estudos
Culturais encontram dificuldades na afirmação de teoria única, não sendo um campo fácil
de análise, construção e interpretação. Em um diálogo constante com o
culturalismo/estruturalismo, base/superestrutura, cultura/ideologia, os estudos “continuam
a sustentar a promessa de uma teoria materialista da cultura” (HALL, 2006, p. 148). Em
2004, o sociólogo Renato Ortiz levanta a problemática de operacionalização dos Estudos
Culturais no país:

No que toca ao Brasil, parece-me que a penetração dos Estudos Culturais se faz
pelas bordas, ou seja, para utilizar uma expressão de Bourdieu, na periferia do
campo hierarquizado das ciências sociais, particularmente nas escolas de
comunicação (o que certamente demonstra o conservantismo de disciplinas como
sociologia, antropologia, literatura). Entretanto, nenhuma delas se propõe a
modificar o seu estatuto institucional (ORTIZ, 2004, SP).
26

Atualmente, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São


Paulo (EACH) é a única que oferece o mestrado em Estudos Culturais 5 no Brasil. Em sua
área de interesse, “os estudos culturais contribuem para a crítica das disciplinas e saberes
consagrados, indagam sobre os modos como se vêm produzindo historicamente as
pedagogias, as ciências e sobre que interesses subjazem a elas” (PPEC, 2012). Assim, o
mestrado oferecido pela USP possui apenas uma área de concentração que contempla a
sociedade em suas práticas e saberes (marginalizados) e o entendimento de proposições já
institucionalizadas que colaboram para o status quo, sendo questionadas por teorias
críticas. O programa está dividido em quatro linhas de pesquisas: cultura, política e
identidades; crítica da cultura; cultura e ciência; cultura, educação e saúde. De interesse
para o programa, os projetos contemplados pelas quatro linhas abrangem migrações,
multiculturalismo, cidadania, gênero, raça, etnia, indústria cultural, literatura de viagens,
ficção científica, hibridismo, compreensão da saúde, etc. Por fim, a nomenclatura do título
é de Mestre em Filosofia.
Para Ortiz (2004), os Estudos Culturais representam, mesmo com as dificuldades
constitutivas e de inserção no Brasil e na América Latina, o avanço das ciências sociais na
multidisciplinaridade, não como o “fim das fronteiras”, mas no andamento das reflexões
políticas, religiosas, dos movimentos sociais e da mídia.
Em contrapartida, Heloisa Buarque de Hollanda é a atual coordenadora do
Programa Avançado de Cultura Contemporânea 6 fundado em 1994. Com o projeto Os
Estudos Culturais, seus limites e perspectivas: o caso da América Latina, a pesquisadora
busca mapear e analisar o quadro de transformações dos paradigmas teóricos e
epistemológicos latino-americanos. Segundo ela,

Os estudos Culturais na América Latina mostram hoje uma clara originalidade,


de impacto internacional, em função do encaminhamento que vem propondo
para temas como a tensão entre a cultura local e global, o papel da cultura no
mercado de bens simbólicos e a busca de novos modelos e conceitos
operacionais que deem conta da complexidade da produção cultural
transnacionalizada (HOLLANDA, 2010, SP).

5
O Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP ainda não conta com produção
bibliográfica para discussão e análise, pois iniciou seu curso no ano de 2012.
6
PACC, disponível em <http://www.pacc.ufrj.br/o-pacc/>
27

Problematizando a temática, o projeto concentra as produções existentes de vários


contextos acadêmicos regionais, como imaginários urbanos e novas tecnologias, e examina
algumas lógicas em curso da produção do conhecimento. Como objetivo, tenta promover a
conexão crítica das novas teorias sobre a “globalização latina”.
Nas últimas décadas, os Estudos Culturais ganharam um fôlego novo para as
pesquisas acadêmicas. A difusão digital e as novas tecnologias introduziram uma
multiplicidade de análises e conteúdos a serem estudados, tanto pela cultura digital quanto
pelos usos de novas tecnologias móveis no cotidiano dos indivíduos. Para Escosteguy,
“seria um equívoco reduzir o projeto dos Estudos Culturais a um modelo de comunicação,
pois os questionamentos propostos por essa tradição extrapolam o campo da comunicação”
(2002, p. 151).

2.1. Perspectivas do consumo

São inúmeras as áreas que debatem o consumo como chave da sociedade


contemporânea: Marketing, Economia, Comunicação, Antropologia, Psicologia, etc.. Para
a abordagem antropológica do consumo, Rocha e Barros (2006) argumentam que nem o
dinheiro, nem a razão prática, nem a lógica econômica explicam os diferentes significados
do consumo (2006, p. 37). Seria errôneo reduzir o consumo apenas à circulação da
produção e às apropriações simbólicas. Contribuindo com o debate, Barbosa (2004)
defende que a sociedade do consumo é um dos rótulos utilizados para denominar a
sociedade moderna.
Segundo Barbosa, fica clara a distinção em duas linhas teóricas distintas (moderna
e pós-moderna) que trabalham o consumo e/ou a cultura do consumo: “[...] devemos ter
clara a distinção entre sociedade e cultura porque, para muitos autores – Frederic Jameson,
Zygmunt Bauman, Jean Baudrillard e outros – a cultura do consumo ou dos consumidores
é a cultura da sociedade pós-moderna” (2004, p. 10). Um exemplo da visão pós-moderna
do consumo vê-se em Featherstone (1995), ao dizer que a noção da utilidade, de origem
racionalista e econômica, relacionada aos bens, deve dar lugar aos valores e sentidos
(1995, p.40). Deste modo, o “consumo surge como sistema que será a ordenação dos
signos e a integração do grupo” (1995, p. 91).
28

Mais adiante, Barbosa (2004) menciona a outra vertente que trabalha o consumo na
versão não pós-moderna: “por outro lado, autores como Don Slater, Grant McCracken,
Colin Campbell, Pierre Bourdieu e Mary Douglas investigam o consumo de forma
altamente relevante” (2004, p. 12). Na definição de Rocha (2006), o consumo apresenta
três enquadramentos:

Em geral, quando se fala em consumo (sobretudo do âmbito da mídia), o


discurso proferido o faz partir de alguns enquadramentos preferenciais. O
consumo pode ser explicado como essencial para a felicidade e realização
pessoal, em um enquadramento hedonista. Pode ser explicado a partir de um
enquadramento moralista, no qual o tom denunciatório e o consumo são
responsabilizados por diversas mazelas da sociedade. Pode ser ainda explicado
num enquadramento naturalista, ora atendendo a necessidades físicas, ora
respondendo a desejos psicológicos (ROCHA, 2006, p. 10).

Segundo Douglas e Isherwood (2006), os primeiros estudos sobre o consumo


discorriam sobre a necessidade material do bem-estar, do bem-estar psíquico e do
exibicionismo. Assim, A teoria da classe ociosa de Thorstein Veblen (1983) identifica as
apropriações “a partir do progresso industrial como competição pelo aumento do conforto
de vida, principalmente pelo aumento dos confortos físicos que o consumo de bens
proporciona” (VEBLEN, 1983, p. 16). Progressivamente, a acumulação de bens resulta,
segundo Veblen, na distinção social, conferindo respeitabilidade. A vida ociosa acontece
pela simples abstenção da atividade produtiva, e o ócio conspícuo perpetua a manutenção
das boas maneiras, de uma educação de gosto e “da sensibilidade relativamente aos artigos
que se devem consumir e aos métodos de seu consumo” (VEBLEN, 1983, p. 27). Charles
Baudelaire, ao escrever Sobre a modernidade, retrata o que Veblen enunciava:

O homem rico, ocioso e que, mesmo entediado de tudo, não tem outra ocupação
senão correr ao encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado a
ser obedecido desde a juventude; aquele, enfim, cuja única profissão é a
elegância, sempre exibirá, em todos os tempos, uma fisionomia distinta,
completamente à parte (BAUDELAIRE, 1997, p. 51).

Colin Campbell (2001, p. 58) afirma que não há estudos satisfatórios que deem
conta da revolução do consumo. Para o autor, os estudos de Thorstein Veblen concentram
grande parte da análise relacionada à revolução do consumo, mas pecam pela influência do
29

utilitarismo, concentrando-se “quase que exclusivamente nas questões do status social”


(CAMPBELL, 2001, p. 76). Rocha e Barros (2006) acreditam que Veblen ultrapassou a
visão utilitarista, acrescentando um olhar cultural para o consumo, assistindo a fenômenos
e práticas do ócio conspícuo. Partilhando a mesma linha estão Douglas e Isherwood (2006,
p. 65). Para os autores, o que a classe ociosa faz é transmitir em comportamentos o
reconhecimento de construções significativas reguladas em códigos das boas maneiras,
gosto, educação, etc.
Para Canclini (1997) – na vertente dos estudos culturais latino-americanos –, a
produção de fenômenos sociais, como o consumo, contribui para a reelaboração simbólica
das estruturas materiais. Assim, os agentes dentro do sistema social elaboram alternativas
para transformações culturais, sociais e políticas. Mas nem todos os agentes configuram as
apropriações dos bens de maneira igualitária. Aprofundando a compreensão das classes
populares, Canclini destaca que os menos favorecidos participam de um processo desigual
dos bens econômicos e culturais, assim a reprodução simbólica será das condições próprias
do trabalho subalterno e da defasagem educacional, verificável na própria construção
identitária do espaço social.
Para explicar a cultura popular, Canclini (1997) apresenta três aspectos: 1)
apropriação desigual do capital cultural; 2) elaboração própria de um sentido de vida
desprovido de privilégios; e 3) uma interação conflituosa com os setores hegemônicos
(CANCLINI, 1997, p. 62). Assim, a circulação dos bens e o consumo perpassam o
ambiente de trabalho, a escola e a família, organizando práticas sociais subordinadas à
produção e gerando codificações distintas entre as classes. Para o autor, “a reprodução e a
diferenciação social se realizam por uma participação estruturada de distintos setores
sociais nas relações de produção e consumo” (CANCLINI, 1997, p. 67) e assim se
originam classes distintas e formas diversas de cultura.
Ronsini (2012), ao estudar a problemática do consumo juvenil pelo método
antropológico, acredita que a globalização faz repensar as relações que estão produzindo as
práticas sociais, tanto na mídia quanto na vida cotidiana. Para a autora,

No Brasil, por exemplo, a formação de uma cultura adolescente-juvenil baseada


nos bens de consumo ofertados pelos meios de comunicação se gesta nos anos de
1960, encontrando expressão em dois movimentos culturais, o Tropicalismo e a
30

Jovem Guarda, em sintonia com a internacionalização e modernização das


camadas jovens da população (RONSINI, 2012, p. 49).

O cenário no século XXI é distinto para Rocha e Pereira (2009), segundo os quais
os jovens de hoje estão entrelaçados por produtos high tech, como o celular, fones de
ouvidos, notebooks. Para os autores, o consumo marca a adolescência pelas apropriações
de gadgets:

Esses gadgets, seja na forma de notebooks ou de tocadores de mp3, estabelecem


novas formas de sociabilidade, reforçam laços de afinidade, expandem as redes
sociais para níveis globais, criam múltiplas identidades, fazem circular
rapidamente o conhecimento, promovem entretenimento, transferem
informações. Neste processo, os bens de consumo – no caso, os gadgets – são
fundamentais, estabelecendo fronteiras, definindo territórios, significando,
através do consumo, quem é próximo e quem é distante (ROCHA; PEREIRA,
2009, p. 59-60).

Desta maneira, tanto para Ronsini (2012) quanto para Rocha e Pereira (2009), o
sistema de hierarquia é mantido e adaptado ao sistema para renovar e manter a ordem
social. Mesmo com a informatização de muitos serviços, recorre-se ao sistema simbólico
para participar e consumir na sociedade. Canclini aponta que “o simbólico não é algo que
sucede nas universidades, nos consultórios psicanalíticos, em museus de arte. O simbólico
é algo que está incerto, como uma parte necessária, no desenvolvimento da produção
material atual” (CANCLINI, 1997, p. 69-70). Nesta pesquisa filiada aos Estudos Culturais
latino-americanos, delineia-se o consumo cultural sistematizado por García Canclini
(1992) a partir de inúmeras referências bibliográficas, que serão expostas a seguir.
a. Consumo como reprodução da força do trabalho e da expansão do capital:
todas as práticas de consumo, eventos psicossociais tão diversos como habitar uma casa,
comer, vestir, podem ser entendidas, em partes, como um meio de renovar a força do
trabalho dos assalariados e expandir os lucros dos produtores.
Para Goellner (2007, p. 47), “esse enfoque procura apreender como são realizadas
as estratégias de mercado e as ações dos agentes econômicos, sem perder de vista sua
relação com a demanda”. Assim, a circulação dos bens transita pelo marketing e
31

consumidores convergentes na estratégia de crescimento do mercado de bens materiais e


simbólicos.
Inclui-se, nesta perspectiva, a visão de Douglas e Isherwood (2006) em três
categorias: o setor primário é o das necessidades de primeira instância como alimentação;
o setor secundário parte das tecnologias avançadas do consumo, e o terceiro setor
corresponde à maior despesa em informação (formal e informal). Para os pesquisadores, as
categorias ocupacionais não servem de guia para análises, pois sofrem constantes
mudanças.
Como defende Canclini, o consumo é o lugar onde se reproduz a força de trabalho e
também onde se expande o capital, é o lugar onde as classes lutam pela apropriação do
produto, e o crescimento do consumo não é resultado apenas da necessidade da expansão
do capital, mas também consequência das demandas das classes populares (CANCLINI,
1997).
b. Consumo como apropriação dos grupos e classes sociais: são os lugares onde
os conflitos de classe, causados por participações desiguais na estrutura produtiva, versam
sobre a distribuição e apropriação dos bens. Goellner (2007), ao desenvolver esta
perspectiva, entende que o consumo é nossa cotidianidade, a forma de ser e estar no
mundo. Para ele, “muitas estratégias são engendradas individualmente por parte dos
sujeitos para posicionar-se no espaço social, e garantir uma renda é um mecanismo para
acessar os bens” (GOELLNER, 2007, p. 48).
O antropólogo Daniel Miller (2002), ao realizar um trabalho de campo em um
conjunto habitacional nos arredores de Londres, constatou que a decisão na hora de compra
das mercadorias nos supermercados estava baseada no amor e no sacrifício das donas de
casa. Para Miller, “o momento decisivo em que o trabalho produtivo se transforma em
processo de consumo expressa-se no temor do mero consumo profano ou material”
(MILLER, 2002, p. 87). Deste modo, as escolhas individuais são feitas a partir de uma
determinada demanda, a do mercado.
No Brasil, são poucos pesquisadores que se dedicam a estudar o consumo,
principalmente relacionado às classes populares. Os antropólogos Everardo Rocha e Carla
Barros (2009), ao verificarem a invisibilidade que permeava os estudos relacionados ao
consumo no país, realizaram uma pesquisa com empregadas domésticas para identificar os
32

códigos culturais e como estas norteavam as escolhas de consumo. Nos resultados do


estudo etnográfico, a hierarquia dos gastos aparece na ideia de poder do consumidor em
comprar muitos bens ao mesmo tempo, de forma parcelada (ROCHA; BARROS, 2009,
p.37).
A facilidade do crédito disponibilizado aos consumidores tem se caracterizado pelo
não adiamento da satisfação, que é substituído pela satisfação direta e imediata
(CAMPBELL, 2001, p.136). A poupança, que seria o investimento adiado, não contempla
a camada popular, devido à urgência que engloba o setor primário. Na pesquisa dos
brasileiros,

A intensa compra de eletrodomésticos se encaixa no que se denomina, aqui,


“consumo de pertencimento”. Ter acesso a determinados bens possibilitaria uma
entrada na sociedade de consumo abrangente, e artigos como televisão, celulares
parecem cumprir de imediato esse papel. Ser um “consumidor” permite a
superação da identidade de “pobre” (ROCHA; BARROS, 2009, p. 37-38).

Os valores da compra, a constante aquisição de bens no mercado de consumo, o


parcelamento evidenciam, para este grupo, a prosperidade material. O sentimento de
participar e compartilhar da sociedade de consumo foi destacado pelas compras dos
eletrodomésticos e produtos de marca.
Para Canclini, nesta perspectiva, o consumo é um lugar ideológico, chave para a
reprodução da ideologia dominante e para construir diferenças sociais entre as classes,
mediantes distinções simbólica. O consumo é fundamental para comunicar diferenças entre
os grupos sociais, e a diferenciação deve transladar-se para a forma em que se consomem
estes bens, a forma que é apropriada e utilizada (CANCLINI, 1997, p. 76-78).
c. Consumo como desejo: apesar de não ser palpável, o desejo não pode ser
ignorado quando se analisam as formas de consumo. As lojas de departamentos, os
shoppings, são templos em que o mundo dos sonhos é possível: “a imensa fantasmagoria
das mercadorias em exposição, constantemente renovada pelo impulso capitalista e
modernista para a novidade, é a fonte de imagens oníricas que evocam ilusões esquecidas”
(FEATHERSTONE, 1995, p. 43). Segundo os frankfurtianos, quando as primeiras pulsões
essenciais ultrapassam a racionalidade e se tornam ações corporais (ato de consumir), o
ator torna-se o ser consumido, perdendo, assim, seu espírito. O consumo pelo desejo é
33

incorporado como uma necessidade básica de uma cotidianidade intrínseca às relações


materiais.
Para Campbell (2001), a compreensão do consumo se relaciona ao hedonismo
“mentalístico”, que tem na novidade a busca incessante do “material de sonho”, pois a
interpretação do consumo moderno, tanto para ele como para Baudrillard, está longe de ser
materialista. Ele diz:

Essa interação dinâmica entre a ilusão e a realidade é a chave para a


compreensão do consumismo moderno e, na verdade, do hedonismo moderno em
geral. É, portanto, um aspecto do consumo quer “invisível”, quer conspícuo, e
não necessita de quaisquer pressupostos relativos às atitudes para com o status e
o prestígio (CAMPBELL, 2001, p. 133).

De acordo com Baudrillard (2008), o consumo adquire uma instância em que não se
pode mais referenciar o objeto pela sua utilidade específica, e, sim, por um conjunto de
signos a que ele remete em sua significação total, pois “a imagem, o signo, a mensagem,
tudo o que consumimos, é a própria tranquilidade selada pela distância ao mundo e que
ilude, mais do que compromete, a alusão violenta do real” (BAUDRILLARD, 2008, p. 17).
Apoiado na semiologia, “a autonomia do significante, mediante a manipulação dos signos
na mídia e na publicidade, significa que os signos podem ficar independentes dos objetos e
estar disponíveis para o uso numa multiplicidade de relações associativas”
(FEATHERSTONE, 1995, p. 33).
d. Consumo como ritual: a sociedade seleciona e fixa acordos que regem os
significados. Os rituais são eficazes usando objetos para definir o sentido das práticas que
eles preservam. Desta maneira, “quando a sorte, a vergonha e a honra substituem ideias
controladoras, saímos de uma sociedade regulada pela referência ao além para outra
explicitamente preocupada com este mundo” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006, p. 82). A
acumulação individualista, neste sentido, passa a ser um risco, sorte, e não depende apenas
de preços e rendas para explicar as decisões de consumo.
Slater (2001) concorda com Douglas e Isherwood ao relacionar os bens como
instância integradora, o consumo como ritual na organização da ordem social, mas aponta
dois problemas nas interpretações dos significados e rituais de consumo que demarcam
categorias e classificações. Para Slater (2001, p.147), a antropóloga coloca os significados
34

como uma realidade social preexistente, ignorando que a ordem social é constituída pelas
práticas. O segundo problema não leva em conta que os fluxos de informações, os
significados do consumo público não são prerrogativas das redes sociais, mas, sim,
administradas pelos capitais comerciais investidos em tecnologias públicas de design,
marketing e propaganda. Por fim, o universo que integra a perspectiva do consumo como
um sistema de informações a faz parecer ingênua demais “como se fosse apenas um
dispositivo moderno para ajudar às pessoas a por ordem na confusão de nossos dias”
(SLATER, 2001, p. 146-150).
A seguir, adentra-se na perspectiva de García Canclini do consumo como distinção
e comunicação.

2.1.1. Consumo como distinção e comunicação por García Canclini

Esta perspectiva procura entender o consumo como diferenciação social, lidando


com formas de apropriação hierarquizadas e com as próprias maneiras do processamento
simbólico. Aponta-se para as formas (condições) e o entorno com que o consumo deste
bem é adquirido e como os atores o utilizam para se comunicar com os demais.
Para Canclini, consumo cultural “é o conjunto de processos de apropriação e usos
de produtos em que o valor simbólico prevalece sobre os valores de uso” (1992, p. 06).
Tome-se, como exemplo, um caso empírico extraído do I estudo exploratório desta
investigação: o jovem A, 18 anos, trabalha em turno diário em um hotel, ganha R$ 900,00
p/mês e reside em um bairro de periferia de Santa Maria. Ele tem um iPhone, modelo 4,
avaliado no mercado em R$ 1.500,00. O jovem A parcelou o aparelho em 3x de R$ 500,00
no cartão de crédito do chefe do hotel, sendo descontado direto da folha de pagamento
mensal do adolescente.
O jovem B tem 17 anos e é aluno de uma escola particular da cidade. É filho de
empresários do setor têxtil e a família reside na área nobre da cidade, em um condomínio
de luxo. O jovem B ganhou o mesmo telefone (iPhone 4) de aniversário dos pais. O
aparelho foi comprado à vista, pela internet, depois de o jovem escolher o modelo ao lado
do pai, na casa de praia em que a família descansava.
35

Assim, para o Canclini, a diferenciação deve mover-se para a forma em que estes
bens são consumidos e a maneira como são apropriados, adquiridos e utilizados
(CANCLINI, 1997, p. 76). São estes mecanismos que delimitam as lutas simbólicas que,
invisíveis, simbolizam o consumo, diferenciando as classes uma das outras; como diria
Bourdieu: “não basta ter um milhão para ter as condições de levar a vida de milionário”
(2007, p. 351).
Isso sugere que as condições sociais de existência, a origem familiar e a trajetória
de cada ator pode ser um caminho para compreender as práticas do consumo como
distinção social, por vezes, já imposta por gostos e tendências de consumo pela classe
dominante, tornando legítimo o poder absoluto de impor seu próprio gosto e estilo de vida.
Assim, a forma que o jovem B adquiriu o iPhone 4 torna-se legítima perante outros
atores em posições inferiores, que buscam, na aquisição do aparelho, ter o mesmo estilo de
vida que não lhes pertence. Desta forma, as classes dominantes tendem a valorizar o modo
de representação, de apropriação no processo do consumo, enquanto as classes subalternas
valorizam o objeto representado.
Embora os gostos sejam condicionados a refletirem uma hierarquia simbólica, as
preferências dos consumidores ainda requerem um componente estético reconhecido pelo
dominante, mesmo se tratando de itens funcionais de consumo, como o aparelho de celular.
A linha de raciocínio é também encontrada na obra de Bourdieu, que argumenta que as
preferências e as disposições estéticas originam-se em uma hierarquia de classe impondo-
se culturalmente.
Bourdieu (2007) substitui essa dicotomia na relação entre duas formas de
existência social: as estruturas objetivas sociais construídas sobre a dinâmica histórica e a
internalização das estruturas sociais, construídas pelos indivíduos na forma de esquemas de
percepção, avaliação, pensamento e ação, o habitus. O habitus configura-se como um
sistema de disposições duráveis que funcionam como esquemas de classificação para
orientar os valores, as percepções e as ações dos indivíduos.
Canclini (1997) afirma que, para que o consumo possa ser um sistema de
diferenciação social entre os grupos sociais, deve primeiro construir um sistema de
comunicação compreensível, um sistema de integração cultural e social. Os membros de
36

uma sociedade, de um grupo, devem compartilhar significados atribuídos aos bens de


consumo para constituir um elemento de diferenciação social (CANCLINI, 1997, p. 77).
Para Canclini, esta perspectiva é também um sistema de significados compreensível
pelos consumidores incluídos e excluídos no sistema de diferenciação social. O consumo
como comunicação situa os atores em suas posições de classe, através da difusão de
códigos, significados e atributos das classes dominantes em um sistema de comunicação
compreensível, assim, os atores e portadores destes códigos verificam e compartilham os
significados atribuídos aos bens de consumo.
O consumo cultural é uma reafirmação dos “valores e significados comuns” que
mantêm uma identidade coletiva, de grupo, classe, gênero, raça, etc. É por este motivo que
as experiências e escolhas partem, muitas vezes, de uma dependência psicológica e afetiva
em relação às conformidades da vida, ou ainda, contestação da mesma. As escolhas e
narrativas do self transmitem mensagens sobre a identidade de um ambiente cultural ativo,
intimamente ligado ao ator e à produção de histórias, objetos e práticas.
A relação estabelecida, de fato, entre as características pertinentes da condição
econômica e social – o volume da estrutura do capital, cuja apreensão é sincrônica e
diacrônica – e os traços distintivos associados à oposição correspondente no espaço dos
estilos de vida não se torna uma relação inteligível a não ser pela construção do habitus
como fórmula geradora que permite justificar, ao mesmo tempo, práticas e produtos
classificáveis, assim como julgamentos, por sua vez, classificados que constituem estas
praticas e estas obras em sistemas de sinais distintivos (BOURDIEU, 2007). Ou seja,

O gosto da necessidade só pode engendrar um estilo de vida em si que é definido


como tal apenas de forma negativa, por falta, pela relação de privação que
mantém com os outros estilos de vida. Para uns, os emblemas eletivos, enquanto,
para outros, os estigmas que carregam, inclusive, em seu corpo (BOURDIEU,
pag. 167).

Com o conceito de habitus, Bourdieu procura explicar o processo pelo qual o


social é internalizado nos indivíduos para dar conta das estruturas subjetivas e objetivas.
Para ele, a visão que cada pessoa tem da realidade deriva da sua posição social neste
espaço. Preferências culturais não operam em um vácuo social, dependem dos limites
impostos pelas mediações objetivas. Portanto, a representação da realidade e das práticas
37

de pessoas é também, e acima de tudo, um empreendimento coletivo e de comunicação.


Para auxiliar o entendimento da complexidade da conceituação de Bourdieu, vai-se buscar
reforço no que García Canclini entende por habitus:

a) Um sistema de disposições duráveis, eficaz em esquemas de


classificação que orientam a percepção e práticas além da consciência e
da fala, e transferência de trabalho em diferentes campos de prática.
b) Estrutura estruturada como um processo pelo qual o social é
internalizado nos indivíduos, e atinge as estruturas objetivas que
correspondem à subjetiva.
c) Estruturas predispostas a funcionar como estruturante, como um
princípio de geração e estruturação de práticas e representações
(CANCLINI, 1982, p. 32).

Os bens são marcações de valores, assumem rituais e são atrelados às


concordâncias com outros consumidores, servem para comunicar e transmitir. Nesta visão,
aqueles com desvantagens comparativas na tecnologia do consumo estarão perdendo
cumulativamente na luta para manter a informação sob controle, e, desta forma, este
processo não regulado é capaz de construir barreiras de status que explicam as diferenças
em padrões de consumo.

2.2. Mediações da cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade

Martín-Barbero é um observador dos processos culturais, principalmente da


América Latina. Ao pensar o conceito de mediações, o autor reflete que, diferentemente,
do que pensavam os frankfurtianos com o conceito de Indústria Cultural, o que está em
jogo no que tange à comunicação é a emergência de uma razão comunicacional. Para ele, a
comunicação na tardomodernidade converte-se em um “eficaz motor de desengate e de
inserção das culturas”. Assim, alerta para a necessidade de observar a peculiar posição que
a comunicação atingiu na formação dos novos modelos de sociedade. Se, por um lado, a
antropologia analisava a cultura primitiva, no sentido em que a cultura era tudo, tanto a
produção técnica e poética quanto as vinculações de saberes e demais focos do fenômeno
humano como ator social, por outro, a sociologia entendia a cultura como somente as
práticas e produtos gerados pela esfera das artes e das letras.
38

Hoje, contudo, o objeto da cultura parece girar em uma ampla miríade de aspectos
sociais diversos, espalhando-se pela vida social em todas as suas camadas. O autor aponta
que “a reconfiguração das mediações em que se constituem os novos modos de
interpelação dos sujeitos e de representação dos vínculos que dão coesão à sociedade”
(MARTÍN-BARBERO, p. 14) são reflexo das transformações culturais e políticas a partir
da relação sujeito/objeto frente às transformações nos meios de comunicação 7. As
mediações, neste contexto, servem como ponto de referência metodológica entre o ator e
suas conexões com o mundo 8.
Neste sentido, a contribuição desta pesquisa configura-se em um viés distinto de
interpretar os usos dos aparelhos celulares pela cultura juvenil pelo olhar barberiano do
consumo. Nota-se que, muitas vezes, os autores optam por unificar os sentidos do
consumo e de recepção, mas aqui não será o caso. Muitas vezes, o entendimento do
consumo funde-se ao de recepção. Da materialidade às tramas vivenciadas por jovens de
classe popular em seu contexto social, abandona-se a competência de recepção e suas
leituras dos textos midiáticos ligados às audiências para entender o consumo e seus “usos
sociais” relacionados ao aparelho de celular. Nesta pesquisa, usa-se o mapa das mediações
como aporte interpretativo:

Os problemas substantivos que a realidade cultural de nosso país apresenta para a


pesquisa em Comunicação passam necessariamente pelos processos de
transformação cultural acarretados pela atuação da indústria cultural em presença
de uma vasta população pertencentes às chamadas classes baixas (LOPES, 1990,
p. 15).

Assim, a necessidade de refletir sobre um objeto de história recente, integrado em


classes sociais distintas, é constituída complementarmente às mediações proposta pelo
colombiano. Os bens compreendidos como desejo cultural juvenil refletem a constante
condição de classe incorporada na apropriação dos ritos e na formação social do cotidiano.

7
Um exemplo deste argumento pode ser visto nas manifestações ocorridas em São Paulo (Jun/2013) contra o
aumento nas tarifas de transporte público. A imensa mobilização nas redes sociais, vinculada aos argumentos
da mídia, serviram para uma grande revolta virtual, que, posteriormente, levou manifestantes às ruas em
diversas outras cidades do país. O estopim, muitas vezes, foram vídeos amadores que circularam pela
internet, filmados anonimamente por celulares e espalhados pela rede, mostrando o “outro lado” do fato.
Foram as perspectivas e visões dos cidadãos brasileiros contra a voz da mídia hegemônica.
8
TRINTA, p. 150-151.
39

No contexto dos jovens que compõem esta pesquisa, observa-se que o aparelho celular
perpassa a construção da identidade individual e coletiva. O aparelho é carregado de
resíduos culturais, emocionais e simbólicos. Apresentam-se três mediações propostas por
Martín-Barbero como categorias de análise: a socialidade, a ritualidade e a tecnicidade.
Na socialidade, as relações dos atores sociais tangem a classe, a etnia, a família, a
escolha, o trabalho, etc. Torna-se possível investigar as construções e relações ocultas do
modo de vida dos jovens de classe popular e suas relações no espaço escolar (progressos e
dificuldades no aprendizado), na família (conflitos envolvendo gerações, opções sexuais e
condição econômica). Para Martín-Barbero, a comunicação do ponto de vista desta
mediação “se revela uma questão de fins – da constituição do sentido e da construção e
desconstrução da sociedade” (2003, p.18). Deste modo, ocorrem as mudanças da
sensibilidade e subjetividade dos atores que, jovens, intensificam as relações sociais,
criando e alternando conceitos e campos que definem a socialidade. A comunidade em
questão é instável quanto a relações sociais pela Internet e o uso do celular. Tenta-se
entender como o sentido e a tomada de consciência (ou não) pela condição da classe parte
das relações que envolvam atores sociais e o aparelho de celular.
A ritualidade, segundo o autor, “remete-nos ao nexo simbólico que sustenta toda
comunicação: à sua ancoragem na memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de
interação e repetição” (2003, p.19). Pode-se incluir, nesta mediação, a análise do uso social
e do consumo de celulares modernos como forma de distinção ou, ainda, o desejo
inconsciente de ter um iPhone, representado por uma maçã mordida, carregado desde já
com significados mitológicos e/ou ritualísticos. Martín-Barbero cita modos de
especificidades contemporâneas que podem ser extraídos desta mediação. A ritualidade,
como mediação proposta dentro do eixo sincrônico, está entre o Consumo e os Formatos
Industriais. Tem-se, neste espaço, o patamar do simbólico, dos usos repetidos através das
formas e interações através da “gramática da ação” (olhar, escutar e ler) relacionadas à
questão do gosto, da educação, dos saberes, etc.
A tecnicidade, por sua vez, remete ao processo de globalização, em que os
processos, as práticas sociais e os discursos têm sido cada vez mais mediados por aparatos
tecnológicos como o computador ou os telefones celulares, “restabelecendo
aceleradamente a relação dos discursos públicos e relatos (gêneros) midiáticos com os
40

formatos industriais e textos virtuais” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.19). É nestes


apontamentos públicos que o avanço da técnica materializa-se no discurso, dando sentido e
significado às lógicas de produção que nortearão os formatos industriais, perpassando a
“práxis política e um novo estatuto da cultura”, convergindo no poder da estética.
Complementando com a noção de matrizes culturais, tem-se suporte para classificar as
formas de representação e os formatos industriais, definindo o celular como produto e
prática do consumo cultural.
41

3. JUVENTUDE DE CLASSE POPULAR

Os “rolezinhos” levaram para dentro do paraíso do consumo a afirmação


daquilo que esse mesmo espaço lhes nega: sua identidade periférica. Se quando
o jovem vai ao shopping namorar ou consumir com alguns amigos ele deve
fingir algo que não é, com os rolezinhos ele afirma aquilo que é! (Renato Souza
de Almeida)

As características culturais e políticas, individuais ou coletivas, são partes de um


processo histórico, de transformações que ocorreram ao longo da trajetória humana – em
extensões sociais, culturais e temporais. Para o filósofo marxista Henri Lefebvre (2010), há
apenas três concepções de mundo que dão conta de uma visão conjunta da natureza e do
homem. São elas a concepção cristã/medieval, formulada pelos teólogos católicos na Idade
Média; a concepção individualista, em que o indivíduo e a razão estariam em uma unidade
harmônica (essa concepção corresponde ao liberalismo e à burguesia da belle époque); e a
atual concepção marxista do mundo, tornando evidente a luta do homem contra a natureza
(LEFEBVRE, 2010, pg. 12-13).
Com o desenvolvimento desenfreado do capitalismo, no decorrer do século XVIII,
o trabalho deixou de ser um meio pelo qual o homem se apropriava de sua essência,
passando ser a garantia de sua subsistência. Enquanto os iluministas clássicos faziam a
leitura de uma “história de opressão”, Marx interpretava-a como história de luta entre
classes, buscando um sistema transformador para a sociedade, no qual, a exemplo da
história, o comunismo poderia vir a substituir o capitalismo como molde perfeito para a
configuração e instauração da liberdade e da igualdade como conceitos, não quiméricos,
mas reais.
A categorização de classe social é, ainda, controversa em diferentes discursos e
interpretações – marxistas, sociólogos e intelectuais adentram por uma jornada sem fim.
Em um esforço por mapear as “memórias de classe”, Bauman (2011, p. 51) resgata os
diversos contextos e as apropriações do termo. Em um primeiro momento histórico, classe
serviu para designar classificações em diferentes variações de um grupo, sem intenções
morais ou políticas. A partir do século XIX, a apropriação da classe em si era entendida em
42

um novo vocabulário para designar, então, grupos sociais: classe trabalhadora, classe
produtiva, etc.
No que se refere aos Estudos Culturais, o conceito de classe social vem perdendo
força como incubadora de transformações e análises políticas. A partir do século XXI, as
identidades e o consumo são mais requeridos para entender como os atores comportam-se
frente às modificações sociais.

Os estudos culturais mudaram sua base fundamental, de maneira que o conceito


de ‘classe’ deixou de ser o conceito crítico central. Na melhor das hipóteses, ele
passou a ser uma ‘variável’ entre muitas, mas frequentemente entendido, agora,
como um modo de opressão, de pobreza; na pior das hipóteses, ele se dissolveu
(ESCOSTEGUY, 2010, p. 31).

Nesta pesquisa, não se abandona a classe social que, organizada, representa o modo
de vida de um coletivo, partilhado por atores em suas representações e práticas sociais nas
diversas estruturas da sociedade. A partilha por interesses de classe compõe o tecido em
que as relações se arranjam, assumindo uma organicidade dentro do espaço social. Assim,
não se condena o interesse por identidade, raça, etnia, gênero como variante em certas
pesquisas, mas busca-se a integração de uma visão do ator como potencial transformador
consciente de sua capacidade plena.
No Brasil, a grande problemática que cerceava a discussão sobre as classes sociais é
datada desde o surgimento da Sociologia no país, na década de 70. Para o sociólogo
Antônio Sérgio Guimarães (2002), os estudos compreendiam a formação do empresariado
nacional; das elites dirigentes; das classes médias; do operariado industrial e do
proletariado rural.
Hoje, a nova classe média, classe popular, ou ainda classe C, representa mais da
metade da população no Brasil, cuja renda mensal varia de R$1.064 e R$ 4.5919. Assim,
com maior acesso aos bens de consumo, lazer e cultura, milhares de jovens brasileiros
mudaram seus estilos de vida. Embora a classe popular tenha fácil acesso ao crédito na
hora da compra, flexibilidade na hora de financiar imóveis, ou ainda diminuição dos juros,

9
Universitário, PDF. Disponível em <http://www.universitario.com.br/noticias/classe_media_01.pdf>
43

9% é analfabeta, e 71% das famílias não têm plano de saúde, assim, a classe popular
continua com pouca instrução, com moradia inadequada e segue endividada 10.
Para Sarti (1996), os pobres sempre foram pensados a partir da produção, depostos
da possibilidade do consumo, logo, de recursos simbólicos, “nesta perspectiva, destituídos
de bens materiais, vendedores de força de trabalho, foram olhados apenas pela sua
condição de dominados” (SARTI, 1996, p. 20).
Para Jessé Souza, este grupo de desfavorecidos forma uma “nova classe
trabalhadora precarizada, a sociedade moderna têm dois capitais importantes, o econômico
e o cultural. Essa visão empobrecida (de classe média) considera apenas a renda”. Para
Souza (2009, 145), este conceito apenas econômico de pensar classe social “está inserido
na cegueira de pensar que as classes se reproduzem apenas no capital econômico, quando a
parte mais importante não tem a ver com isso, mas com o capital cultural, com tudo aquilo
que a gente incorpora desde a mais tenra idade”.
Para o fim da discussão, o sociólogo declara haver quatro classes sociais no Brasil.
São elas: 1) Classe Alta – detentora de maior poder econômico e saber especializado; 2)
Classe Média – detentora de saber especializado, ou seja, um conhecimento que tem valor
econômico; 3) Classe popular – classe trabalhadora precarizada, sem acesso privilegiado
ao capital cultural, econômico e social (chamados de nova classe média); 4) Classe sem
privilégios – são os muito pobres que não têm condições de aprender (SOUZA, 2009).
Assim como no surgimento das determinações sobre classe e suas contemporâneas
interpretações, pode-se situar a classe de idade não como uma variante do campo cultural,
como definiria Bourdieu para mapear as posições de classe de um determinado grupo
social, mas como um fio condutor do que é temporário.
Para Morin (1977), a classe de idade também não poderia ser interconectada com a
classe social e, voltando ao princípio de classes decodificado historicamente por Bauman,
seria apenas a detecção de um sistema classificatório.
Assim, a classe de idade “conduz ao que é transitório, e, de outra parte, a noção de
classe designa, neste fluxo constante, uma categoria estável” (MORIN, p. 141). Deste
modo, o recorte pela geração jovem nesta pesquisa é proposto por uma caracterização de
“uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico - a
10
O Globo (21/03/2013), disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/nova-classe-media-tem-
trabalho-precario-pouca-instrucao-moradia-inadequada-7914148>
44

potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar


experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processar esses acontecimentos ou
experiências de forma semelhante” (WELLER, 2010).
Para Abramo (2005, p. 10), as relações de inclusão e exclusão dos jovens em nossa
sociedade não são uma novidade, mas, sim, uma necessidade de pluralizar o momento de
referir-nos a estes coletivos sociais, isto é, “a necessidade de conceber diferentes
“adolescências” e “juventudes”, em um sentido amplo das heterogeneidades que se possam
apresentar”.

A categoria juventude foi concebida como uma construção social, histórica,


política, econômica, territorial, cultural e relacional e, assim, suas definições
dependem de movimentações históricas. Não podemos localizar a primeira vez
que o termo juventude foi utilizado, mas devemos mencionar que os primeiros
manuscritos de autores como Hegel e Marx são denominados por seus
comentadores como escritos de juventude. Nesse caso, juventude se refere a um
momento que se contrapõe aos escritos maduros. A ideia de juventude aparece
vinculada a um processo temporal que revela movimentos humanos em direção a
um ideal de realização, no caso a maturidade intelectual (MOREIRA;
ROSARIO; SANTOS, 2011, p. 459).

No século XX, o psicólogo Stanley Hall, influenciado pelo movimento alemão


Sturm und Drang, cunha o termo adolescência, originário do latim, adolescere – brotar,
crescer em força. Ele entendia a adolescência como uma fase transitória de grandes
agitações emocionais e, entusiasmado pelos jovens artistas alemães da época, que se
opunham ao iluminismo e proclamavam liberdade de expressão sem restrições morais, Hall
– em seu livro Adolescere (1904) – entende essa fase como portadora de grandes emoções
e revoltas comportamentais, antes de o indivíduo estabelecer um equilíbrio na fase adulta.
A American Psychological Association, recentemente, publicou uma série de
ensaios e artigos a fim de revisar o conceito concebido pelo psicólogo Stanley Hall em
suas similaridades e diferenças dos estudos originários e atuais. Nas similaridades,
compreendidas pela psicologia até hoje, encontram-se a prevalência do humor deprimido;
busca por altas sensações; suscetibilidade da influência da mídia. Nas diferenças da
atualidade com o pensamento de Hall estão a hereditariedade e seus componentes
genéticos. Influenciado pelo darwinismo, o psicólogo não acreditava que os adolescentes
deveriam estar enclausurados em uma sala de aula e que a evolução devia ser em
45

participação com o meio ambiente para o desenvolvimento das habilidades (ARNETT 11,
2006, p.186-189).
No Brasil, os jovens são o centro das principais discussões sobre as redes sociais,
mobilização online e moda. Eles também representam a base do consumo que inova em
tecnologias, os chamados gadgets, ou brinquedos tecnológicos. Desta forma, os debates
sobre a juventude/consumo têm ganhado força no Brasil.
Esses gadgets (inclui-se o celular) permitem aos jovens de classe popular novas
práticas sociais, antes indisponíveis pelo alto custo de compra. A Pesquisa de Mídia
Brasileira de 2014 12 revela que os sites mais citados como fonte de informação para jovens
de 16 a 25 anos é a rede social Facebook e, como meio de acesso à Internet, o celular é o
veículo mais utilizado.
Os jovens merecem atenção ao se tratar de problemas sociais já citados. A luta por
uma qualidade de vida mais justa, melhor educação e condições de trabalho ainda carece
de medidas emergenciais. Em 2013, o Brasil ultrapassou 200 milhões de habitantes, e,
destes, 30 milhões são jovens. A densidade demográfica é alta comparada a países
menores. O desafio está em abarcar este contingente juvenil em constante transformação
emocional e social.

3.1. Identidade Juvenil de classe popular

O local e o global ganharam contornos intrínsecos e diversificados nos fluxos


midiáticos. Seguindo este processo, “diferentes segmentos juvenis explicitam demandas e
constroem inéditas identidades e outros caminhos para sua emancipação”
(ABRAMOVAY, 2007, p. 01). Desta forma, “só o diálogo profundo e constante entre
gerações, conjugando inovações e tradições, pode inverter a lógica do individualismo
depredador questão bem caracteriza a sociedade de consumo e do espetáculo” (2007, p.
02).

11
G. STANLEY HALL’S ADOLESCENCE: Brilliance and Nonsense. Clark University, 2006. Disponível
em <http://www.jeffreyarnett.com/articles/Arnett_2006_HP2.pdf>
12
Pesquisa Brasileira de Mídia 2014. Disponível em < http://pt.slideshare.net/BlogDoPlanalto/pesquisa-
brasileira-de-mdia-2014>
46

Woodward (2012) aponta que as identidades são marcadas principalmente pelas


diferenças. Para sustentar o conceito de identidade, a autora buscou, em um quadro teórico
amplo, as contextualizações que pudessem servir para complementar o conceito. Dez
tópicos são apresentados na tentativa de contextualizar identidade. Ao longo desta
pesquisa, a ressalva foi por buscar entender as identidades de jovens de classe popular e
também a identidade juvenil. Na leitura de Woodward, destacam-se as três principais
linhas que contribuem para a investigação: 1) a identidade é relacional e a diferença é
estabelecida a partir de outras identidades; 2) a identidade está fortemente ligada a
condições materiais e sociais; 3) o social e simbólico operam diferentes, mas são
necessários para a sustentação das identidades (2012).
Para a autora, “a marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e
a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio
da diferenciação social que essas classificações da diferença são ‘vividas’ nas relações
sociais” (p.14); 4) as identidades não são plenas e igualitárias, podem haver negociações
entre o individual e o coletivo.
A interpretação da autora inglesa compõe o livro Identidade e diferença,
organizado por Tomaz Tadeu da Silva (2012), dentro das perspectivas dos Estudos
Culturais, e vai ao encontro do que Manuel Castells proferia em 1996, ao escrever “O
poder da identidade”. A combinação de interpretações é quase semelhante, embora Castells
trilhe pela sociedade em rede. Para o espanhol, a construção da identidade tem ligação com
os atributos culturais, derivando múltiplas identidades com bases sociais ou materiais
(CASTELLS, 2008, p. 22-23).
A coincidência das interpretações só aponta diferenças quando Castells delimita as
identidades primárias para sustentar o tempo e espaço. A partir da identidade coletiva de
um grupo originado do processo histórico compartilhado dos atores, três hipóteses foram
levantadas, a saber: 1) identidade legitimadora pelas instituições dominantes; 2) identidade
de resistência para posições desvalorizadas; 3) identidade de projeto que transmuta valores
e acende posições de status dentro da estrutura social.
Em outra contextualização, Giddens (1994) relembra que a autoidentidade estaria
ligada de alguma forma ao psíquico, em processos narcisistas, hedonistas e outros. Como
lembra o autor, há dificuldade de unificar e compreender conceitos tão complexos como
47

este, constituído, na modernidade, em transitoriedade para a pós-modernidade, pois “afora


o sentido geral de se estar vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo
com frequência tem um ou mais significados” (1994, p.52). Anthony Giddens faz uma
crítica aos pós-modernistas que declaram o fim da história, pois, para ele, a compreensão
da historicidade faz parte da modernidade e desconstruí-la passa a ser um exercício físico
alegre, já que se vive na racionalização da modernidade (1994, p.56).
Na sociedade moderna, as identidades (já múltiplas) estão correlacionadas ao
hibridismo cultural a que Peter Burke (2003) se refere ao dizer que os esquemas culturais e
os estereótipos formam estruturas de percepção e interpretação. Imagens e representações
simbólicas advindas de outras esferas do local geram identidades multíplices. Neste
cenário, a identidade juvenil ganharia contornos diversos em um ambiente reconfortado
pela inserção midiática na vida cotidiana. Não é fácil, pois, situar-se em apenas um
conceito sobre identidade, quando, na verdade, esse conceito está em crise. Stuart Hall
(2000) comenta:

Estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em


torno do conceito de ’identidade’. O conceito tem sido submetido, ao mesmo
tempo, a uma severa crítica. Como se pode explicar esse paradoxal fenômeno?
Onde nos situamos relativamente ao conceito de ’identidade’? Está-se efetuando
uma completa desconstrução das perspectivas identitárias em uma variedade de
áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou de outra, criticam a ideia de
uma identidade integral, originária e unificada (HALL, p. 103).

Como “ler” a identidade juvenil ou dos jovens de classe popular através de um


conceito que esbarra em divergências tanto entre os próprios teóricos quanto na própria
origem? Hall propõe agregar certos conceitos oriundos tanto da psicanálise de Freud
(identificação) quanto da nova posição do sujeito oriunda de Foucault (prática discursiva)
para gerar um novo significado ao termo identidade.
Em termos mais gerais, a difícil compreensão do conceito de identidade poderá ser
suplantada na medida em que se possa delimitar o contexto juvenil. Estando os jovens à
margem da posição geracional, a discussão tem a saída estratégica que caminha na
possibilidade de um conjunto de fatores que se tornam indispensáveis para a construção da
48

identidade juvenil, como a família, a escola, os amigos, as redes online, a produção e o


consumo cultural, “desse modo, qualquer investigação sobre as relações entre identidades e
mídia necessita articular a experiência vivida (local) em diferentes classes sociais”
(RONSINI, 2007, p.62). Paralelamente, a construção de identidades juvenis deverá
permear os processos simbólicos dessa geração, tanto na produção quanto na circulação de
significados.
Assim, a passagem da sociedade de produção para a sociedade do consumo trouxe
os processos de fragmentação da vida humana, o individualismo deu lugar ao pensamento
coletivo, redefinindo o significado da própria existência humana. A questão da identidade
assume um papel de extrema relevância para entender estes processos continuamente
interligados à maneira de viver dos atores. Para Bauman (2001), em sua modernidade
líquida, os atores têm de criar a sua própria identidade de um ponto zero e passar o resto da
vida redefinindo-a. Os estilos de vida mudam constantemente, desta maneira, a adaptação
de uma nova identidade é intrínseca às mudanças no espaço social, tanto no campo
simbólico, como no social ou econômico.
Segundo Ronsini (2012, p. 61-62), os debates latino-americanos têm como foco a
remodelagem das identidades pelos processos comunicacionais, assim, dois aspectos
merecem destaque, “o da heterogeneidade promovida pela globalização e o caráter híbrido
das culturas”.
Algo em comum na cultura juvenil popular nos dias de hoje é o uso do celular. O
aparelho constantemente aparece em fotos de perfil das redes sociais em um autorretrato.
Frequentemente, é usado por adolescentes como única forma de comunicação online nas
redes e na maioria do tempo está atrelado ao corpo. Com a diminuição de impostos para
aparelhos como smartphones, a popularização entre jovens da classe C foi rápida. A
disseminação veloz do aparelho ganhou fama entre os jovens por alguns motivos: TV
online, dual chip e acesso à rede wi-fi. Desta maneira, adolescentes com poucos recursos
financeiros puderam ter, em um único aparelho, entretenimento e informação praticamente
de graça. A possibilidade de ter dois chips em um celular ajuda os jovens a manobrarem
com bônus das operadoras os minutos de ligação, envio de SMS e internet 3G.
49

Para Ronsini (2012, p, 63), “as identidades se forjam em campos cercados pelo
medo da violência, do tráfico e o desemprego, elas se forjam como sementes híbridas em
campos cercados por estruturas determinadas, do local ao global”.
Houve uma inclusão social de jovens de classe popular através do celular, pois estes
passaram a estar mais conectados que antes; conteúdos foram gerados para as redes online,
a visibilidade passou a ser uma busca interminável para uns, enquanto, para outros, o
celular supre a solidão. Muitos destes aparelhos são contrabandeados de outros países,
entrando de maneira ilegal no país, tendo o custo ainda mais reduzido, uma vez que
geralmente são vendidos em camelôs. As funcionalidades do aparelho de celular serviram
como inclusão social e digital àqueles que não tinham acesso a outras fontes de informação
e comunicação. O Instituto Data Popular 13 aponta que os jovens da classe C são mais
conectados e menos conservadores que os pais. A pesquisa realizada desenhou o perfil de
23 milhões de jovens da classe popular e descobriu que a educação está em primeiro plano
para estes jovens, o que aumenta a chance de a próxima geração mudar a cara do país.

3.2. Juventude do Bolsa Família

Sobre a educação, os indicadores revelam que, até o ano de 2010, cerca de 95% da
população de Santa Maria era alfabetizada, com crescimento anual de 3,5% ao ano. O
município, por abrigar a Universidade Federal (UFSM), figura no ranking do RS com as
maiores taxas de alfabetização e escolarização, estando em 5º lugar. Santa Maria ainda
conta com a 4ª melhor distribuição de renda do estado14.
Cerca de 2.200 professores compõem a rede pública municipal e estadual de ensino,
contemplando 43 mil alunos; apenas 13 mil estudantes são de escolas particulares e, para
estes, há 750 professores. Em 2012, o Ministério da Educação 15 liberou ao município
programas de inclusão educacional, como cursos de educação continuada. O programa

13
Jovens da classe C têm maior escolaridade, conexão à internet e são menos conservadores. Disponível em
<http://oglobo.globo.com/economia/jovens-da-classe-tem-maior-escolaridade-conexao-internet-sao-menos-
conservadores-8195394>
14
Santa Maria em Dados. Disponível em < http://santamariaemdados.com.br/6-educacao/6-1-instituicoes-de-
ensino-inicial-fundamental-e-medio/>
15
Secretaria de município da educação – Santa Maria. Disponível em
<http://www.santamaria.rs.gov.br/smed/>
50

com direito à educação inclusiva e direito à diversidade busca contemplar quilombolas,


indígenas, realçar relações étnico-raciais e alfabetizar adultos. O Programa que está em
andamento em Santa Maria 16, em várias escolas e grupos de gestores, tem como objetivo
eliminar preconceitos e discriminação por sexo ou raça. Pessoas com orientação sexual,
identidade de gênero, condição de deficiência, situação de pobreza, diversidade religiosa
também são atendidas pelo programa de educação inclusiva.
A Secretaria de Educação de Santa Maria ainda conta com o projeto “Programa de
atendimento especializado municipal”, que visa suplantar problemas de aprendizagem,
falhas cognitivas e distúrbios psicológicos. Desta maneira, a organização das escolas é
repensada em seu aspecto de mudança estrutural e social. Promover o acesso e a
permanência dos alunos na escola é a grande meta do projeto. A verificação do insucesso
escolar por parte de alguns alunos de rede pública é analisada por profissionais e, mediante
os resultados, um plano é traçado para solucionar o problema daquele aluno em particular,
alguns dos entrevistados seguem acompanhamento psicológico dentro deste programa.
Em 2012, 500 mil jovens foram matriculados em cursos de qualificação
profissional. A previsão é que, até 2014, sejam matriculados um milhão de jovens através
do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), sendo que,
hoje, são 1,6 milhões de jovens pertencentes ao Bolsa Família. Os cursos oferecidos
variam entre 13 eixos de ensino que vão desde gestão de negócios, produção alimentícia e
cultural, hotelaria, segurança do trabalho, etc. Cada eixo abrange uma quantidade de, no
mínimo, dez cursos técnicos.
Convênios entre o governo federal, estadual e municipal são traçados com o
objetivo de melhor enquadrar o jovem à melhoria da qualificação profissional conforme a
necessidade de cada região demográfica específica. Devidamente matriculado, o aluno
poderá cursar durante e, posteriormente, aos cursos técnicos oferecidos pela escola e pelo
município.

16
No Município de Santa Maria/RS, a Secretaria Municipal de Educação tem investido em ações voltadas
para a inclusão social, em que as escolas estão organizando-se e adaptando-se em sua estrutura física e
organizacional para satisfazer as necessidades permanentes ou temporárias apresentadas pelos alunos.
51

A distribuição desigual de renda aliada a condições vulneráveis de moradia e


alimentação são o reflexo de um país que ainda busca suprir as necessidades básicas da
população e perpetua a menor probabilidade de os jovens aumentarem seu capital cultural
ou ascender a um status social mais elevado. Nesse contexto, em 2003, o governo Lula
criou o Programa Bolsa Família para beneficiar famílias em situação de pobreza e
vulnerabilidade social. O governo unificou vários outros programas de assistência de
governos anteriores como o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás, o Bolsa Escola e o Cartão
Alimentação em um só programa, resultando o Bolsa Família. A ajuda de rápido acesso
teve o intuito de suprir as necessidades financeiras mais urgentes.
Para ser beneficiário do Programa, basta comprovar uma renda de até R$70,00 por
pessoa ou de até R$140,00 para as famílias que possuem adolescentes de 16 a 17 anos.
Para a família cadastrar-se no Programa, basta direcionar-se à prefeitura do município onde
residem e realizar o cadastro no CadÚnico – Cadastro Único dos Programas Sociais do
Governo Federal17. A seleção dos contemplados é feita pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Depois de a família ser aprovada, o
representante recebe o cartão Bolsa Família pelos Correios ou o retira, pessoalmente, na
Caixa Federal para cadastramento de senha.
Referente à educação, as famílias com crianças de seis a 15 anos devem ser
devidamente matriculadas em colégios públicos e comprovar uma frequência mínima de
85% da carga horária escolar. Maiores de 18 anos que moram na residência devem
apresentar carteira de trabalho, identidade, CPF e título de eleitor e menores devem
apresentar a certidão de nascimento e a frequência escolar. Em Santa Maria, cerca de 40
mil famílias recebem o auxílio do governo.
Inspirado no programa brasileiro, o governo colombiano instituiu o “Más famílias
en acción18”. Com os mesmos objetivos de erradicar a pobreza e estimular a educação, o
benefício colombiano favorece três milhões de famílias que recebem cerca de R$150,00
por mês. A cobertura do programa estende-se a 1.102 municípios e contempla famílias
com menores de 18 anos. Há uma flexibilidade maior quanto à Bolsa Família, na

17
Disponível em <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2010/01/21/cadunico>
18
Más compromiso por la equidad. Disponível em
<http://www.dps.gov.co/Ingreso_Social/FamiliasenAccion.aspx>
52

Colômbia, onde os estudantes devem frequentar 80% da carga horária e, caso interrompam
os estudos por dois anos, o benefício é estendido até os 20 anos de idade.
O intuito maior destes programas de transferência direta de renda é combater a
fome e, com isso, proporcionar melhores condições de saúde e educação para os menos
favorecidos. Conforme o Portal Brasil19 do governo federal, são 18 milhões de estudantes
de até 17 anos no país pertencentes ao BF. No Ensino Médio, a taxa de aprovação dos
beneficiários é de 79,9%, enquanto a média nacional é de 75,2%. Já a taxa de abandono é
de 7,1% entre os beneficiários do programa, ante 10,8% da média nacional.
A pesquisadora e Assistente Social Mônica Colares coletou informações e
resultados desde o início dos primeiros programas assistenciais que datam da década de 90.
Hoje, depois de tantas elaborações, cadastros e unificações, o grande desafio passa ser a
verificação efetiva da mudança estrutural no país, sem apenas quantificar dados
estatísticos. Uma reestruturação nas formas avaliativas e um maior controle social
poderiam dimensionar os verdadeiros benefícios ou falhas de um sistema de transmissão de
renda direta ( 2010, p.10-12).
Economia, bens e serviços começaram a circular nas mãos dos pobres. Segundo
Salatiel (2013)20, o programa não evolui, permanece como uma fonte de renda contínua já
que a família, depois de inscrita, não tem validade para o término do benefício. A resposta
do governo a essas e outros questões já colocadas anteriormente talvez tenha sido
respondida em maio de 2013, dez anos depois de sua criação. Voluntariamente, quase dois
milhões de famílias declararam receber mais que o permitido pelo programa e
abandonaram-no. Estes dados21 representam 12% de todos os incluídos desde 2003.
A necessidade de trabalhar em políticas públicas em rede para jovens é um dos
assuntos que vêm sendo debatidos e construídos na última década no país, tendo como
foco atenuar a desigualdade social, diminuindo as hierarquias sociais na melhoria da
educação e da qualificação profissional. Muitas pesquisas apontam indicadores sobre o
avanço na educação, na inserção do mercado de trabalho e na melhoria das condições de

19
Beneficiários do Bolsa Família têm frequência maior acima da média, disponível em
<http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2013/07/29/beneficiarios-do-bolsa-familia-tem-frequencia-
escolar-acima-da-media>
20
Bolsa Família, os direitos e os defeitos. Disponível em <http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-
disciplinas/atualidades/bolsa-familia-o-direito-e-os-defeitos.htm>
21
Milhões de beneficiários abandonam o Bolsa-Família voluntariamente. Disponível em
<http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/familias-abandonam-bolsa-familia.html>
53

vida, mas poucos estudos estão preocupados em entender culturalmente as pessoas e,


principalmente, os jovens beneficiários deste programa de transferência de renda direta.
Os pesquisadores Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani lançaram, em 2013, o
livro Vozes do Bolsa Família. Ao longo de cinco anos, os autores colheram entrevistas com
mulheres nas regiões menos favorecidas do Brasil e traçaram um mapa sobre como o
programa foi capaz de mudar social e culturalmente a vida destas mulheres (incluindo
jovens), chefes de família. Um dos aspectos que vai ao encontro da presente pesquisa é a
pequena possibilidade crítica que estes beneficiários têm à realidade social. Assim, para os
autores,

A impossibilidade de articular exigências e até descrever a própria situação em


termos de um ponto de vista que não seja o das classes dominantes resulta em
inevitável perda de autonomia. Autonomia pressupõe um sujeito capaz de se
afirmar perante o outro como ator apto a fundamentar verbalmente suas ações,
intenções, desejos e necessidades (REGO; PINZANI, 2013, p. 33).

Mesmo com as melhorias na área educacional divulgados pelo governo, em que os


estudantes do Bolsa Família estão tendo melhores rendimentos, o avanço é pouco. O Brasil
ainda permanece com os piores índices de educação do mundo, pois, “segundo os dados de
2010, apenas 41% dos jovens de até 20 anos têm o ensino médio completo 22”.
Entretanto, a escola pública é, majoritariamente, em nossos países o espaço de
encontro das trajetórias socioculturais das maiorias e, portanto, é nela que se produz a mais
ampla e permanente transformação da cotidianidade social e cultural cujos protagonistas
são os excluídos (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 11).
Atualmente, os alunos da Região Norte do Brasil destacam-se pelo nível de
aprovação escolar, ficando acima da média nacional. Os índices foram atribuídos à
frequência exigida. Enquanto, no resto do país, a média é de 75%, no Norte, é 85%.
Conforme a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello 23, o índice de evasão

22
Apensar de avanços, a educação ainda trava desenvolvimento no Brasil. Disponível em
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130722_idh_municipios_pai.shtml>
23
Com Bolsa Família, alunos do Norte e Nordeste têm aprovação maior que a média. Disponível em
<http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/05/16/no-e-ne-com-bolsa-familia-alunos-tem-aprovacao-maior-
que-media-do-pais.htm>
54

escolar dos estudantes beneficiários do Bolsa Família diminuiu, mas o Ensino Fundamental
apresentou pioras.
Conforme o sociólogo Caio Barbosa 24, no contexto das escolas públicas, proliferam
demonstrações eróticas, agressões de alunos contra professores, brigas entre gangues e
preconceito, ao mesmo tempo em que escolas são fechadas devido à péssima
infraestrutura. Vendo a necessidade de melhorar a qualidade da educação, o
pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff (21/06/2013), além de incluir respostas
sobre a mobilização nacional feita pelos jovens sobre o aumento das tarifas dos ônibus,
repercutiu ainda sobre a decisão que destina 100% dos royalties do pré-sal para a
educação. Posteriormente ao discurso da Presidente, a Câmara dos Deputados25 aprovou
(14/08/2013) apenas 75% dos recursos para a educação e o restante para a área da saúde.
Mesmo com a proposta da reforma brasileira, outros pontos ainda precisam ser
revistos como o desemprego juvenil, a drogadição, a má qualidade de vida e ainda assuntos
que envolvam o sistema carcerário juvenil. O tráfico e uso de drogas entre os jovens
continua sendo um problema nacional, tendo como consequência o abandono da escola.
Em uma década, o número de jovens traficantes aumentou consideravelmente de 5% para
39%26 só no estado de São Paulo. O alcoolismo também é fator de preocupação social,
uma vez que cerca de meio milhão de adolescentes já sofrem com doenças relacionadas ao
álcool. Os dados são ainda mais alarmantes, porque o levantamento do Centro Brasileiro
de Informações sobre drogas psicotrópicas 27, que envolveu estudantes do Ensino
Fundamental e Médio da Rede Pública, mostrou que a idade de início do consumo fica em
torno dos 12 anos.

24
Enquanto o país ocupa o penúltimo lugar em ranking de educação, disseminam-se funk e violência em
salas de aula. Disponível em <http://www.folhapolitica.org/2013/05/enquanto-o-pais-ocupa-o-penultimo-
lugar.html>
25
Divergência sobre o uso do Fundo Social será resolvida a longo prazo com novo projeto de Lei. Disponível
em <http://noticias.r7.com/brasil/aprovado-projeto-que-destina-75-dos-royalties-do-petroleo-para-educacao-
e-25-para-saude-14082013>
26
Número de jovens no tráfico de drogas triplica em dez anos. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/numero-de-jovens-no-trafico-de-drogas-triplica-em-10-anos>
27
Beba com moderação. Disponível em <http://revistavivasaude.uol.com.br/saude-nutricao/40/artigo42605-
1.asp/>
55

3.3. Tecnologias móveis no espaço escolar

Ao discutir os usos do celular em sala de aula como fator indisciplinar pela


instituição escolar, Moraes (2008) debate as práticas como formas de subjetivação.
Apoiado em Foucault, Moraes entende que a posse do aparelho móvel e o acesso a ele no
espaço fechado em sala de aula é, antes de tudo, uma luta contra a disciplina e a vigilância.
Os jovens portadores de seus aparelhos em aula desestabilizam as relações de poder entre
aluno e professor, já que, “na escola, as práticas de disciplinarização atravessam seu
cotidiano, normalizam e punem os atos com exatidão, diferenciando e classificando os
indivíduos dentro dos seus limites territoriais” (MORAES, 2008, p. 17). Segundo o autor,
surge a partir do uso do celular em sala de aula uma nova forma de poder: o controle.
Meios de controle flexíveis, que dialoguem com os fluxos e aparatos
comunicacionais rivalizam com as práticas escolares de confinamento, enquadramento e
vigilância, pois “os métodos tradicionais da escola restritos a quatro paredes, como a
palavra, o giz, o quadro-negro, a leitura, a escrita, não são mais do que uma ilhota em meio
aos fluxos de informações, apelos e solicitações prementes de um universo digital em
tempo real” (MORAES, 2008, p. 19). Ao sentir a perda da liberdade da disposição dos
bens (celular), o aluno reincide e acentua o “delito” dentro de sala de aula. A reincidência e
o domínio do porte de aparelhos pelos alunos está sob proibição de Leis no Brasil.
O deputado estadual de São Paulo, Orlando Morando, criou a Lei 12.730, que
proíbe o uso de celulares em sala de aula. Segundo ele, “tivemos muitas queixas de
professores devidos os alunos conversar no celular em sala de aula, trocar mensagens de
texto ou mesmo ouvir música 28”. Na Paraíba, em nota da Assembleia Legislativa, o projeto
de Lei 282/2007, do deputado estadual Nivaldo Manoel29, também proíbe o uso dos
celulares em aula. Para o político, “o uso indisciplinado da tecnologia pode ser prejudicial
ao homem”. No Mato Grosso do Sul, o projeto foi da autora Celina Jallad 30, e, segundo a
proposta parlamentar, o Poder Executivo estabelece as normas necessárias à fiscalização e
aplicação das penalidades cabíveis, no caso de descumprimento da determinação. Na

28
Orlando Morando parabeniza professores. Disponível em
<http://www.orlandomorando.com.br/?noticia=253>
29
ALPB derruba veto e proíbe celular em escolas, disponível em <http://www.al.pb.gov.br/3263>
30
Projeto de Lei proíbe uso de celulares em sala de aula. Disponível em
<http://www.al.ms.gov.br/Default.aspx?tabid=185&ItemId=22581>
56

Bahia, o deputado Adolfo Menezes 31, através do projeto de Lei 16.819/2007, proíbe o uso
de celular, jogos eletrônicos, aparelhos de MP3 e MP4 no horário de aula. Também no ano
de 2007, os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Goiás e Espírito
Santo sancionaram projetos de leis que proíbem o uso do celular nas escolas.
Já no Ceará, a situação parece ser um pouco diferente do resto do país. O deputado
Professor Theodoro (2011) elaborou o projeto que apoia o uso disciplinar em sala de aula
para celulares e tablets. O político foi inspirado pelo projeto de rede pública de Fortaleza,
Telinha na Escola, coordenado pela professora Terezinha de Souza 32. A organizadora do
projeto elenca as atividades que podem ser feitas via celular: vídeos de bolso,
documentários, programas de áudio, Festival de microtextos, além de transferir conteúdos
via Bluetooth.
Moraes (2008) comenta que a coerção sem folga, quase em um nível mecânico –
movimentos, gestos, atitude, rapidez, vela os processos da atividade reflexiva e
“esquadrinha” o tempo, o espaço e os movimentos. A partir dos séculos XVII e XVIII,
essas formas de dominação ficaram claras, pois a utilidade do corpo é definida como
anatomia política ou mecânica do poder e tem na disciplina o aumento das forças do corpo.
A vigilância sobre o uso do celular em aula não ocorre todo o instante, mas é
sentida permanentemente. Para Moraes, “o indivíduo constantemente vigiado aprende a
vigiar a si mesmo, internaliza as relações de poder, aprende a disciplinar seu corpo e sua
forma de vida, tornando-se, assim, o seu próprio guardião” (MORAES, 2008, p. 62).
Ser pego usando um celular em sala de aula é visto como mau comportamento, e
punições como suspensão, chegando à expulsão da escola, são atitudes hierarquizadas que
classificam os comportamentos dos alunos em “bons” e “maus”. Negligenciando a
potencialidade dos celulares como ferramenta educacional e sem políticas públicas capazes
de atender à demanda de usuários em seus diversos contextos sociais, políticos, deputados
e governadores de diversos estados do país, através de projetos de leis, sancionaram a
proibição do uso do aparelho em sala de aula a partir do ano de 2007.

31
Com projetos inconstitucionais, Assembleia Legislativa vira máquina de projetoides. Disponível em
<http://www.metro1.com.br/com-projetos-inconstitucionais-assembleia-legislativa-vira-maquina-de-
projetoides-10-37632,noticia.html>
32
Tecnologia na sala de aula. Disponível em < http://professorteodoro.com.br/tecnologia-na-sala-de-aula-2/>
57

Buscar alternativas flexíveis no contexto da mobilidade no processo ensino-


aprendizagem parece crucial no avanço da educação no país e na difusão científica do
conhecimento, principalmente para crianças e jovens de classes populares, que têm neste
objeto o único acesso à internet, “ao mundo”. Moraes (2008) compartilha da mesma
preocupação sobre a atualização dos métodos de ensino, “dessa forma, a escola entra em
conflito com o curtíssimo prazo contemporâneo e é forçada a rever suas posições” (p. 131).
O pesquisador Scott Campbell (2007) analisou o uso dos telefones celulares em sala
de aula por estudantes de baixa renda de uma universidade de Londres e seu prejuízo em
relação ao desvio de atenção. O estudo revela que, além da distração, o celular pode ser
usado como ferramenta de auxílio em provas, transmissão de fotos e resultados de exames
e de diversão como jogos online e música. Embora o autor reconheça que nem todas as
práticas relacionadas ao aparelho são censuráveis, novas oportunidades educativas estão
surgindo, como a educação a distância. Como resultado obtido na pesquisa “Perceptions
of móbile phones in college classrooms: ringing, cheating, and classroom policies”, tanto
os estudantes quanto os professores londrinos veem o uso da tecnologia em sala de aula
negativamente, e são favoráveis a políticas públicas para a proibição em salas de aula.
Ismail (2011) desenvolveu junto ao Departamento de Tecnologias da Informação da
UNICAMP métodos de interatividade entre aluno e professor através de SMS. Para a
autora, a interatividade não é caracterizada apenas como experiência ou agenciamento do
estudante, “mas como possibilidade de criação de uma obra aberta e dinâmica, em que os
experimentos e novas situações de aprendizagem se reconstroem a cada lição, à medida
que se utilizam signos na formação do conhecimento” (ISMAIL, 2011, p. 23). O projeto
visa desenvolver a construção de novas formas pedagógicas de ensino.
Oliveira (2012) acredita que a crise no Ensino Médio brasileiro parte de elementos
que capturam a atenção do jovem, como os hipertextos. Navegar na internet, no celular ou
em casa, em vídeos, como na plataforma Youtube, disponibilizam a experiência dos
prazeres da audição e da visão. Os recursos audiovisuais proporcionam para os jovens do
Ensino Médio uma imersão no ciberespaço, uma vez que “a atual predileção dos jovens
pela virtualidade da internet, sugere que o longo tempo no qual esses sujeitos permanecem
conectados pode estar atrelado a uma disposição comportamental para obtenção de
58

prazeres sensoriais e, não somente, para estabelecer contatos interpessoais” (OLIVEIRA,


2012, p. 197).
Apresentaram-se algumas perspectivas do uso do celular e das novas tecnologias
em sala de aula (OLIVEIRA, 2012; ISMAIL, 2011; CAMPBELL, 2007; MORAES, 2008).
O campo ainda é fértil para discussão, pois o objeto de estudo tem quatro décadas de
história, sendo capaz de transformar o espaço educacional, forçando, muitas vezes, os
educadores a reverem suas maneiras de ensino, tendo o aluno o papel de receptor de novas
aprendizagens. Ainda é cedo para julgar, definir, liberar ou condenar o uso do celular em
sala de aula. Mas de uma coisa sabemos, o celular é um artefato indispensável na vida de
qualquer estudante e um objeto presente nas salas de aula, não só do Brasil, mas do mundo.
A democratização cultural no Brasil, mesmo com os esforços do governo federal
em disponibilizar cursos de qualificação profissional, está longe de atingir grande parte da
população juvenil. A crítica social dos adolescentes acaba recaindo sobre o Estado,
ineficiente em implantar políticas públicas de acesso à cultura e melhorias na qualidade da
educação na rede de ensino público. Esta ressalva revela as desigualdades sociais advindas
do sistema de ensino.
A democratização cultural no Brasil, mesmo com os esforços do governo federal
em disponibilizar cursos de qualificação profissional, está longe de atingir grande parte da
população juvenil. Esta ressalva revela as desigualdades sociais advindas do sistema de
ensino, tornando-se motivo de revolta e frustração por parte de professores e alunos.
O acesso constante ao celular em sala de aula torna-se “fuga” para uma realidade
injusta e desigual perante os outros na mesma posição geracional e em melhores condições
econômicas. Atualmente, as práticas sociais juvenis, como o uso constante do aparelho
celular, podem ser compartilhadas em diversas classes sociais, traçando uma linha tênue
entre legitimidade e ilegitimidade cultural. A escola pública, desta forma, não constitui
hábitos aos alunos na busca por saberes e habilidades, ou até mesmo, práticas
especializadas como as artes, “o certo que é que até agora a presença da tecnologia não
plasma transformações nem incentiva a inovação” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 12).

Para Martín-Barbero (2014) a escola continua consagrando uma linguagem retórica


e distante da vida, de suas penas, suas ânsias e suas lutas, tornando absoluta uma cultura
que asfixia a própria voz salvando apenas uma minoria e ensinando em contrapartida que
59

àqueles que chegam mais longe tem direito a um capital econômico maior, com maiores
privilégios, uma posição social melhor.

A obscura certeza de que a crise do livro e da leitura remete a um âmbito mais


amplo de mudança cultural, que conecta as novas condições do saber com as
novas formas de sentir, da sensibilidade, e ambas com os novos modos de estar
juntos, ou seja, com as novas figuras da sociabilidade. Ao mesmo tempo, os
meios audiovisuais constituem um novo e poderoso âmbito de socialização, isto
é, de elaboração e transmissão de valores e pautas de comportamento, de padrões
de gosto e de estilos de vida, reordenando e desmontando velhas e resistentes
formas de intermediação e autoridade que configuravam até pouco tempo o
estatuto e o poder social da escola (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 65).

Para o autor (2014) a relação entre a escola e as novas tecnologias decorreria da


introdução da técnica, mas que se esgotaria rapidamente à capacidade amenizadora de
alguns dispositivos (o celular, por exemplo) serem incapazes de deter “a deterioração
escolar, mas capazes de amenizar a tédio da rotina. O que conduz necessariamente a um
uso instrumental dos meios e das tecnologias” (2014, p. 66). Para ele “o desordenamento
dos saberes e as mudanças nos modos de narrar estão produzindo uma forte explosão nos
moldes escolares da sensibilidade, reflexividade e criatividade”, colocando em um lugar
estratégico o alargamento dos modos de sentir e de pensar, assim como a articulação entre
a lógica e a intuição (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 77).

Olhar a atual situação da escola – do modelo escolar de educação – de dentro e


falar sem raiva de tudo o que na sociedade do conhecimento se questiona e
recoloca sobre a sua desencantada vinculação é algo muito difícil de encontrar
hoje na apocalíptica irritação com que funcionários e especialistas nos atordoam.
Mas o paradoxo é que o que mais abunda é uma ardilosa instrumentalização das
“novas tecnologias”, para cobrir com ruído e brilho digital a profundidade da crise,
que atravessam as relações da escola com a sua sociedade, ou o altivo desprezo
com que se identifica a mutação tecnocultural do mundo que habitamos com a
mais fatal das decadências do Ocidente (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 118-119).

Não havendo controle sobre a entrada dos aparelhos na escola, a estratégia dos
professores atualmente é solicitar o desligamento dos aparelhos durante a aula, mas isto
nem sempre acontece. A observação etnográfica desta pesquisa revelou que os professores
têm grande dificuldade em disciplinar o uso do aparelho em sala de aula.
60

4. CONSUMO DE TECNOLOGIAS MÓVEIS NA AMÉRICA LATINA

Vivemos em um tempo de fraturas e heterogeneidade, de segmentações dentro de


cada nação e de comunicações fluídas com as ordens transnacionais da
informação, da moda e do saber. Em meio a essa heterogeneidade encontramos
códigos que nos unificam, ou que ao menos permitem que nos entendamos
(CANCLINI, 2010, P. 61).

Em poucas décadas, o processo social que permeava a sociedade, que antes se dava
no âmbito local e nacional, passou a ser de integração global, não podendo ser
negligenciado pelos que, na área acadêmica, analisavam as transformações sociais e
políticas separadamente do curso histórico que seguia a humanidade. Considera-se certo
dizer que as sociedades sempre viveram em desacordos ou disputas por questões pontuais
como o domínio econômico. Hoje, os desacordos e as disputas têm outra ênfase, a rede
online, a Internet, as redes sociais, os fóruns de discussões, a mobilização das massas que
começa através de um e-mail, de um SMS, de uma mensagem de voz. À margem de
mudanças, a inserção política e social dos atores sociais perpassa a rede online.
Mesmo revelando muitas debilidades, próprias da era digital, a necessidade de
abordar novas temáticas e disciplinas transformou-se em tema de estudo, reflexão e
polêmica entre os estudiosos contemporâneos. Sociedade da informação (WERTHEIN,
2000), sociedade em rede (CASTELLS, 2011), sociedade do sonho (ROCHA, 2005),
sociedade de consumo (BAUDRILLARD, 2008), sociologia da globalização (SASSEN,
2010), aldeia global (MCLUHAN, 1972), mundialização (ORTIZ, 1996), modernidade
líquida (BAUMAN, 2004) são apenas alguns termos que entram na arena das análises para
abordar as novas experiências do mercado econômico, das migrações populacionais e dos
fluxos de capitais.
São pertinentes os debates a partir da integração econômica, social e política
mundial, embora as assimetrias que tal processo engloba contornem estruturas
epistemológicas. Muitos autores, de ambas as vertentes, conservam percepções e, às vezes,
contradições, em delimitar a área do conhecimento no que diz respeito à globalização,
como profere Ortiz:
O mundo das últimas décadas transformou-se radicalmente, e cabe a nós,
intelectuais, procurar decifrá-lo, mesmo sabendo de nossa condição fragilizada
61

em relação a esse quadro tão abrangente. No entanto, se por um lado falta uma
tradição acadêmica, que trabalhe de maneira aprofundada o movimento da
globalização, por outro, os indícios de seu avanço são inegáveis. Vemos seus
sinais na mídia, na economia e, até mesmo, na política (ORTIZ, 1996, p. 07).

Na tentativa de entender o fenômeno, Manuel Castells, na trilogia: Era da


Informação: Sociedade em rede, O poder da identidade e Fim de Milênio, reúne, na
década de 90, os principais movimentos e consequências da globalização. Os volumes da
trilogia estão na 14ª edição no Brasil, e, no volume I - Sociedade em Rede, há um prefácio
atualizado pelo autor em 2009, com reflexões e consequências da virada do século, em que
ele diz que “como as redes não param nas fronteiras do Estado-nação, a sociedade em rede
se constitui como um sistema global, prenunciando a nova forma de globalização
característica do nosso tempo” (CASTELLS, 2011, p. II).
Portanto, é esta estrutura em rede que propicia circunstâncias específicas, que
determinam o uso tecnológico como projeto de modo de vida, tanto entre atores como
entre classes sociais distintas. O tecnológico vem ocupando espaço e tornando-se
imprescindível em diversas atividades humanas, e fazer parte desse novo pertencimento é
fundamental para a inserção social. A era da informação suscita a urgência de uma teoria
e, neste sentido, Castells propõe “novos conceitos e uma nova perspectiva teórica para a
compreensão de tendências que caracterizam a estrutura e a dinâmica das nossas
sociedades do século XXI”(2011, p. III).
Em seu livro Comunicación Móvil y Sociedad. Una perspectiva global
(CASTELLS, 2007), o autor defende a existência de uma cultura que faz da comunicação
móvel uma forma adequada de expressão e reafirmação social, que redefine o marco do
papel estrutural do nosso tempo. O limite da difusão das nossas tecnologias vem marcado
pelas estruturas sociais e valores culturais pré-existentes.
A Revolução Tecnológica alterou a socialidade, criando sensações de segurança e
permitindo uma maior coordenação de atividades sociais. Essa reorganização das práticas
pode ser representada pela domesticação do celular. Os atores sociais nas redes assumem o
controle tanto da produção do conteúdo quando da difusão das mensagens. Desta forma, os
usuários podem assumir o controle da tecnologia, como no caso da Internet. Em
consequência, trava-se uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e
62

manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir


bens e serviços (as forças produtivas).
Devido a sua penetrabilidade em todas as atividades humanas, a Revolução
Tecnológica é o ponto de análise de Castells para a complexidade da nova economia,
sociedade e cultura em formação. No campo da comunicação, em que emergem mudanças
diárias, as informações circulam por meios convergentes entre si (TV, rádio, celular,
internet, redes sociais).
A edição de 2012 do Panorama Social da América Latina 33 apresentou material
substancial de análise. O crescimento latino-americano alcançou a média anual de 3,2%.
Com isso, a taxa de pobreza diminuiu em países como Paraguai, Equador, Colômbia, Peru
e Brasil. A questão da educação entre pessoas consideradas indigentes e pobres incide em
maior quantidade nos jovens, já que mais da metade da população vulnerável
economicamente é formada por crianças e adolescentes sem educação primária. Conforme
o Panorama Social, entre 1999 e 2011, “a incidência de pobreza da América Latina diminui
em mais de 14 pontos percentuais. Apesar disso, o perfil das pessoas pobres é, em vários
aspectos, similar ao que se observava no final da década de 90” (pg.17). As debilidades da
trajetória econômica latino-americana ainda respingam entre os menos favorecidos e na
qualidade de vida. Compreender as especificidades da problemática do desenvolvimento
exige avanços na criação de um novo ethos latino-americano, deixando para trás as
contradições e controvérsias em diferentes momentos históricos.
A concentração de renda que gera altos graus de desigualdades vem sendo
combatida, mas ainda está longe de atingir um equilíbrio justo, pois 168 milhões de
pessoas ainda vivem em situação de vulnerabilidade social na América Latina: “os 10%
mais ricos da população latino-americana recebem 32% da renda total, enquanto os 40%
mais pobres recebem apenas 15%” (Panorama Social da América Latina, 2012).
Tentar cobrir importantes temáticas na América Latina como o trabalho infantil, o
desemprego, a desigualdade social é de grande utilidade ao resgatar debates historicamente
já conhecidos, mas não é o caso desta dissertação. Deixam-se apenas percepções que
possam contribuir para uma reflexão na evolução do consumo cultural, construindo o clima

33
Panorama Social da América Latina. Nações Unidas e CEPAL. Disponível em
<http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/2/48452/PanoramaSocial2012DocIPOR.pdf>
63

reinante nas concordâncias dos consumidores latino-americanos em seu contexto social,


especialmente nas classes populares.
Martín-Barbero observa que as transformações na América Latina percorrem além
de transformações produzidas na cultura, os deslocamentos no âmbito teórico e
metodológico sobre como se percebe e estuda a situação latino-americana (2003, p. 225).
A partir do avanço da industrialização na América Latina, a modernização
estabelece laços fracos entre o Estado e seus mercados nacionais em formação, originando
a “descontinuidade simultânea” que, segundo o autor, dá-se em três planos: “no
descompasso entre Estado e Nação, no modo desviado que as classes populares se
incorporam no sistema político e no papel político e não só ideológico que os meios de
comunicação desempenham na nacionalização das massas populares” (MARTÍN-
BARBERO, 2003, p. 226). Estes planos são a parte da história em que acordamos e vemos,
com graus de miopia, o enredo que culminou a cultura de massas no século XX, também
descritos por tantos outros estudiosos.
A fragilidade dos sindicatos, a riqueza das matérias-primas e a grande população
latino-americana, como potencialidade para consumir e também servir de mão de obra
barata, impulsionaram o comércio internacional; EUA, China e Europa expandiram
negócios na América Latina. Com a expansão do mercado global, depois da Segunda
Guerra Mundial, os meios de comunicação foram os difusores da economia em expansão e
novo estilo de vida pequeno burguês.

É, então, quando os meios são desviados de sua função política, que o dispositivo
econômico se apodera deles – porque os Estados mantêm a retórica do ’serviço
social’ das transmissões, tão retórica quanto a ’função social’ da propriedade,
mas cedem aos interesses privados a tarefa de dirigir a educação e a cultura – e a
ideologia se torna agora sim informadora de um discurso de massa, que tem
como função fazer os pobres sonharem o mesmo sonho que os ricos (MARTÍN-
BARBERO, 2003, p. 243).

Se, antes, a realidade dos meios massivos pendia para a relação entre o social e o
político, agora, a realidade dos meios volta-se para o consumo, pois “as ações se desviam
do seu curso, derivam, invertem seu sentido, provocam reações e contra-ações que as
submergem” (MORIN, 2010, p. 16). O progresso da técnica, agora, versa sobre a
64

“industrialização do espírito”, como diria Morin (1984) sobre a crítica marxista da


alienação à civilização burguesa: “na falsa cultura a alienação não se restringe apenas ao
trabalho, mas atinge o consumo e aos lazeres” (MORIN, 1984, p. 17). A incorporação do
aparato tecnológico como modo de vida no século XX e a consolidação deste, no século
XXI, através da Internet, reconfiguram os sentidos e as estruturas das práticas culturais e os
usos sociais.
O consumo dos bens simbólicos torna-se ritual, mediado por conexões fixas ou
móveis. O produto que caracteriza, nesta investigação, um bem simbólico comum a todos
os atores latino-americanos (de diferentes posições geracionais, étnicas ou sociais) é o
telefone celular. Observa-se que este objeto de tamanho pequeno, quase sempre atrelado ao
corpo, é o símbolo da sociedade da informação e da convergência midiática. O celular, em
significação simbólica global, nomeia a sociedade do consumo, é o símbolo da evolução
individual/tecnológica de uma época.
A evolução das tecnologias da informação, representadas por aparelhos portáteis,
com múltiplas funções e configurações, tornou a vida humana dependente destes novos
aparatos. Neste cenário, Castells (2007) interpreta o fenômeno global, em que as diferenças
sociais na conexão online tendem a desaparecer. Neste contexto, as representações
duplicam-se, as identidades que, antes, eram fixas e quase imóveis, tendem a fluir e
confluir em diversos tempos e espaços através de fenômenos como a aculturação, a
diáspora e a assimilação. Com a comunicação móvel, estes fenômenos foram registrados
através da Internet, das redes sociais e dos blogs, transformando-se em um grande palco de
importantes transformações políticas, culturais e de lutas simbólicas. Estes fenômenos,
vivenciados por uma cultura audiovisual e, agora, digital, são vistos por Martín-Barbero
(2004) como desordenamento cultural. Assim como as diferenças sociais podem ser
invisíveis no mundo virtual, as hierarquias também.
É possível verificar a penetração do consumo das massas na aderência em
comunicação móvel. O portal de estatísticas em Internet34, IWS, mostra em dados
coletados em julho de 2012, que a penetração da Internet representa 49,2% da população
latino-americana. No mesmo mês e ano, a Teleco World 35 apresentou os dados relativos a
aparelhos de celulares nos países latino-americanos, que correspondem a 645 milhões de
34
Internet Word States, disponível em <http://www.internetworldstats.com/stats2.htm>
35
Celulares na América Latina, Teleco.com.br <http://www.teleco.com.br/pais/alatina.asp>
65

aparelhos. A popularização do celular “foi convertida em um produto de consumo de


massas, se instalando em práticas de comunicação em milhares de pessoas em todo o
mundo” (CASTELLS, 2007, p. 387).
Mesmo com infraestruturas nas telecomunicações muitas vezes defasadas diante do
avanço e velocidade de processamento de dados na América Latina, a comunicação móvel
segue em expansão, ultrapassando o acesso de banda larga ou telefonia fixa. No mundo, a
China lidera o ranking de maior consumo da tecnologia móvel e o Brasil aparece em 5º
lugar, atrás da Índia, EUA e Indonésia.
A comunicação sem fio propicia novas práticas comunicacionais, originando novos
valores e organizações (CASTELLS, 2007), a partir da interação de novas formas de
relações sociais e mediações. Novos meios e usos de telefonia móvel deram origem à
instrumentalização do saber pelas classes menos favorecidas, que passaram a gerar
conteúdo para a rede - novas formas de linguagem, produção e consumo, identidades,
recepção e geração de conteúdo, aquisição de novas competências, desterritorialização e a
reconfiguração do tempo e espaço. Entretanto, essas novas práticas comunicativas e usos
que a comunicação móvel propicia não tendem a alterar a hegemonia cultural mediada pela
família, escola e local de trabalho (CANCLINI, 1996, p. 52). Isso porque o consumo
assume instância superior tanto na lógica de produção como de apropriação de bens
simbólicos. Canclini propõe um conceito, nesta perspectiva:

O consumo é compreendido, sobretudo pela sua racionalidade econômica.


Estudos de diversas correntes consideram o consumo como um momento do
ciclo de produção e reprodução social: é o lugar em que se completa o processo
iniciado com a geração de produtos, onde se realiza a expansão do capital e se
reproduz a força de trabalho. Sob esse enfoque, não são as necessidades ou
gostos individuais que determinam o que, como e quem consome (CANCLINI,
1996, p. 53).

Consumidores de todas as classes sociais tendem a buscar o novo, o diferente. O


desejo pela aquisição de bens simbólicos impulsionados pelo avanço da economia latino-
americana transforma-se em vontade de uma vida melhor, sendo caracterizado por uma
quantidade infinita de bens e serviços ricos em experiências, sabores e sentimentos,
disponível para qualquer indivíduo disposto a consumir.
66

O consumo promete transformação de vida, pois, o que antes era impossível de ser
adquirido (sonho), está ao alcance de todos. O Relatório de Tendências36 para o consumo
na América Latina aponta indicadores para a conexão dos consumidores na “arena do
consumo global”, pois a tomada de posse de novos bens simbólicos significa estar em dia
com o que a globalização tende a oferecer.
A explosão da oferta de produtos no mercado do consumo latino-americano antes
era restrita a bens de baixa qualidade e preços altos, mas, com a globalização e políticas
governamentais do livre comércio, a América Latina é “contemplada” com uma oferta
maior de produtos estrangeiros com preços reduzidos. Eles são resultado da diminuição de
imposto cobrado sobre a mercadoria, assim, os latino-americanos têm “a maior proporção
de consumidores dispostos a pagar mais por novos produtos (56%), o dobro da Europa
(onde apenas 28% pagariam)”. A atualização em estar em dia com o novo propiciado pelo
consumo não é apenas fonte de desejo, mas, sim, de distinção perante o outro, ou o grupo.
Na América Latina, “80% dos consumidores apreciam os fabricantes que lançam
novas opções de produtos” (TREND REPORT, 2013). Seguindo o Relatório de
Tendências, o cenário do consumo latino-americano tem sido controlado e regulado, a
flexibilidade de melhor escolha ganha lugar frente às tarifas elevadas, planos fixos e
concorrência limitada, vindo reafirmar a compreensão de Canclini (1996) sobre o consumo
e sua racionalidade econômica.

O modo como se planifica a distribuição dos bens depende das grandes estruturas
de administração do capital. Ao se organizar para prover alimento, habitação,
transporte e diversão aos membros de uma sociedade, o sistema econômico
’pensa’ como reproduzir a força de trabalho e aumentar a lucratividade dos
produtos (CANCLINI, 1996, p. 53).

É na configuração dos interesses dos cidadãos latino-americanos que a demanda


por necessidades e desejos, assim que satisfeita, gera a expectativa pela novidade, pela
sensação de uma atualização constante imposta pelo mercado de lutas simbólicas.

36
Trend Report América do Sul e Central, disponível em
<http://www.trendwatchingreports.com/regionalreports/assets/pdf/sca_sample_pt.pdf>
67

Nessa rotina, cheia de informação, novidades e produtos, o celular aparece como


organizador do modo de vida global. Sobre esta reestruturação comunicacional e social,
Martín-Barbero (2004, p. 31) coloca-se diante de um quadro negativo, em que valores e
tradições culturais latino-americanas tenham se perdido através do desmoronamento da
ética e da desarrumação do habitat cultural.
O consumo pela mobilidade do aparelho de celular pode ser apreendido como
objeto de estudo e investigação, através dos usos e funções simbólicas, mesmo que a
“reflexão crítica destes instrumentos tem sido muitas vezes demonstrada, ainda que em
microexperiências de baixa eficácia para as massas” (CANCLINI, 2010, p. 69). O que
permanece e vigora são os usos distintos que perpassam o consumo na apropriação do
celular, ainda que inerente às lógicas subjetivas, como a propaganda e o marketing.
Desde a última década, 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe C, o perfil
socioeconômico do país mudou e, conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)
do Governo Federal37, “os jovens da classe C, mais educados e conectados, são hoje os
formadores de opinião na família e comunidade”. Os últimos levantamentos apresentados
pela SAE destacam a classe C como responsável por 881 bilhões em gastos com consumo
no país. Motivo para comemorar? Nem tanto. Embora a classe C represente o avanço no
desenvolvimento no Brasil, ainda é cedo para festejar as mudanças.
Reduzir o preço para estimular o consumo, diminuir os juros e cortar impostos
facilitaram as vendas. Mesmo no momento de crise na economia internacional, as medidas
brasileiras sustentaram por certo tempo o crescimento econômico do país. Hoje, vê-se o
reflexo dessas intervenções: endividamento e anseio por mais consumo. O governo
aspirava ao crescimento econômico, as pessoas almejavam comprar; a economia cresceu,
assim como as dívidas nas famílias.
No consumo globalizado, as necessidades básicas já não satisfazem mais os
indivíduos, e o desejo por bens simbólicos transcende o modo de vida de gerações
passadas. O Brasil consome mais do que produz. Só em 2013, o país importou 77 bilhões e
exportou 71% bilhões38.

37
Origens e desafios da nova classe média brasileira, disponível em
<http://www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58>
38
Desequilíbrio de importações e exportações do Brasil preocupa. Disponível em
<http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/05/desequilibrio-entre-importacoes-e-exportacoes-do-
brasil-preocupa.html>
68

Em 2013, o crescimento econômico da última década dá sinais de cansaço. A


desregulamentação dos mercados, a variação da economia, a inflação, o aumento da taxa
de juros, a falta de inovação tecnológica e a queda das exportações, são alguns dos
sintomas vividos pela economia brasileira.
Em uma das medidas para evitar a queda de consumo de aparelhos móveis, a
Presidenta Dilma Rousseff decretou a desoneração de PIS/PASEP e COFINS para os
aparelhos de até R$ 1.500,00. Na redução total do preço ao consumidor, é previsto 30% de
desconto que deve alavancar ainda mais os 700% de vendas dos últimos quatro anos. Na
reportagem divulgada pelo Ministério das Comunicações 39, além da desoneração para os
aparelhos, “está prevista a formação de um Comitê de aplicativos móveis”, fomentando a
indústria brasileira de aplicativos.
A avalanche dos telefones celulares no Brasil trouxe, para a realidade da sociedade
contemporânea, “a possibilidade de codificação de mensagem em veículos eletrônicos e
sua transmissão a uma população dispersa (massa), a produção de bens simbólicos
uniformizados” (COSTA, 1995, p. 79). No Brasil, o consumo de aparelhos celulares
ultrapassa a média por habitantes no país. O portal de Inteligência em Telecomunicações,
Teleco, confirma que o Brasil termina o primeiro trimestre de 2013 com 265 milhões de
celulares, e média de 134 cel/100 hab40.
O mercado brasileiro segue em ritmo de grande crescimento na venda de
smartphones, e, conforme pesquisa do International Data Corporation (IDC) 41, observa-se
que o mercado cresceu 84% em apenas um ano. Os dados evidenciam que o volume de
vendas no Brasil, em 2011, foi o equivalente a 17 smartphones vendidos por minuto, e
aumentou para 29 unidades por minuto em 2012. As projeções são ainda mais otimistas
para os próximos anos com a vinda da tecnologia 4G. Até 2016, a projeção é que o Brasil
figure entre os maiores países em volume de smartphones comercializados.
Não sendo mais exclusividade da Classe A, os smartphones chegam às classes B e
C da população brasileira junto com a grande demanda de downloads de aplicativos, como

39
Smartphone ficará 30% mais barato. Disponível em <http://www.mc.gov.br/sala-de-imprensa/todas-as-
noticias/institucionais/26679-smartphone-ficara-ate-30-mais-barato>
40
Estatística de celulares no Brasil, disponível em <http://www.teleco.com.br/ncel.asp>
41
Disponível em <http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2012/03/mercado-de-smartphones-no-brasil-
tem-crescimento-de-84.html>
69

revela a revista on-line Exame.com42, da Editora Abril (19/05/2011) e “chama a atenção


que o índice de pessoas que declararam baixar aplicativos é muito parecido nas classes A e
C: 67% na classe A, 61% na classe B e 65% na C”.
Com tamanhos variados, funcionalidades desde a conexão com Internet, produção
de vídeos, fotografias ou gravações, a plataforma de celulares muda hábitos e costumes
antes desconhecidos no século XX. Para Castells (2007, p. 388), as relações de usos e
hábitos com o aparelho estão ligadas aos interesses e necessidades dos indivíduos e

inventan nuevos usos, e incluso un nuevo lenguaje, esquivan lasregulaciones,


encuentran sistemas tarifarios mejores y más baratosy construyen redes de
comunicación para propósitos y usos que jamásfiguraron en los planes de los
técnicos ni de los estrategas empresariales (CASTELLS, 2007, p. 388).

A cada lançamento de filme, computador ou celular, o consumo é norteado pelas


relações sociais que regem a cultura através da mídia massificada. Ter um celular
moderno, que tenha todos os recursos disponíveis como máquina fotográfica, GPS,
gravador de voz e de vídeo, memória para armazenamento de música, corresponde ao que
Wolton (2004, p. 324) comenta que, em uma sociedade, as promessas técnicas permitem
uma comunicação sem restrição, e a saída sonhada é naturalmente a emergência de uma
sociedade da comunicação.

4.1. Estudos sobre o consumo de celular

Não se sabe ao certo qual foi o primeiro estudo sobre o telefone desde a invenção
de Graham Bell, mas destaca-se o livro The Social Impact of the Telephone (1977) do
entusiasta das novas tecnologias Ithiel de Sola Pool. De acordo com Sola Pool, o telefone
passou a ser usado para diversos fins como trabalho, negócios e urgências. Inicialmente
apenas a classe abastada era portadora de telefones, e foi uma marca no processo de
urbanização das cidades, gerando desemprego em categorias como mensageiros,
transmissores e telegrafistas.
42
Disponível em <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/classe-c-baixa-aplicativos-tanto-quanto-
classe-a-revela-pesquisa>
70

Em 1992, a Universidade da Califórnia lançou o clássico “America Calling: a


social history of the telephone to 1940” de Claude Fisher 43, ganhador do prêmio Dexter, da
Sociedade de História da Tecnologia. Fischer traça uma análise histórica de como os
telefones foram efetivamente inseridos no cotidiano de milhares de americanos a partir de
anúncios de revistas e jornais. Assim, mudanças sociais, econômicas e psicológicas
começam a emergir da relação entre indivíduos e telefone. Ao estudar o telefone para além
de uma ferramenta comunicacional, Fischer utiliza o lado do consumidor e prevê em
última instância como a tecnologia comunicacional irá incidir em nossas vidas. Para
selecionar o telefone em sua pesquisa historiográfica, o autor parte de duas perspectivas: na
primeira, o telefone é um elemento-chave na cultura material moderna, ampliando o
contato pessoal e expandindo a comunicação no espaço e no tempo. Na segunda escolha,
considera que esta tecnologia tinha sido pouco estudada sociologicamente, pois apenas o
trabalho de Sola Pool (1977) havia sido elaborado.
Campanhas de marketing da época (entre 1920 a 1950) desconheciam possíveis
consumidores do telefone. Mulheres, negros, forasteiros e até adolescentes não eram o alvo
das campanhas publicitárias, pois o telefone era percebido apenas como uma ferramenta de
trabalho para homens de negócios ou a elite acadêmica, não sendo possível a difusão para
as massas. A indústria apresentava dificuldades em lidar com a multiplicidade de usos e
usuários (LASÉN, 2005, p. 9). Em outra obra que aborda a trajetória do telefone “Wireless
World: Mobiles – past, present and future”, constata-se o porquê da lenta difusão desta
tecnologia:

[...] a história da introdução de telefones fixos revela que a acessibilidade e


disponibilidade do telefone vieram pela primeira vez para os mais abastados, e
muito mais tarde para os operários. Os preconceitos, estreiteza e vontade para
manter o telefone como um produto elitista da indústria no início homens
resultou na propagação lenta do telefone (LASÉN; HAMILL, 2005, pg. 35).

Exatamente uma década posterior ao trabalho de Claude Fischer, os primeiros


estudiosos a organizar um livro sobre o tema da comunicação móvel foram James Katz e
Mark Aakhus (2002) da Universidade de Cambridge. Na obra, Perpetual Contact – Mobile
Communication, Private Talk, Public performace, estudiosos da Finlândia, Israel, Itália,
43
Claude Fischer, disponível em <http://sociology.berkeley.edu/faculty/claude-s-fischer>
71

Coreia, Estados Unidos, França, Holanda, Bulgária e Noruega debatem a disseminação da


tecnologia móvel e como isso vem afetando as relações sociais entre as pessoas no globo,
sendo os celulares cada vez mais onipresentes em nossas vidas. Esta obra é o primeiro livro
sobre o impacto da tecnologia móvel na sociedade contemporânea, assim como foi o livro
de Sola Pool e Fischer sobre o telefone fixo. No livro que trata da cultura móvel, questões
sobre gênero, espaço público e privado, emoções e estilos de vida emergem da
globalização e sociedade em rede. É inegável que houve uma penetração dos telefones
móveis na vida cotidiana de milhares de pessoas em todo o mundo, e com certeza é um dos
aparatos comunicacionais que mais se difundiu em tão curto tempo.
A absorção rápida dos celulares vem transformando a forma de como nos
comunicamos. Para o pesquisador finlandês Puro (2002), uma das características mais
distintivas de um telefone celular é que ele privatiza locais públicos. A privatização dos
espaços públicos é evidente no comportamento das pessoas na rua, pois, quando alguém
fala ao telefone, a pessoa deixa o lugar onde está e tenta encontrar um lugar mais tranquilo.
Para o autor, a privatização de um espaço público representa um dilema para um
entendimento comum em uma sociedade de informação móvel (PURO, 2002, p.23). Sobre
as questões das emoções e lifestyles relacionadas ao uso do celular, o autor não implica
uma relação social ativa com outras pessoas ou grupos, pois o telefone aumenta a
consciência do ambiente em que a pessoa pode estar sozinha. Segundo ele, “um telefone
celular pode não ser a chave para a satisfação social e felicidade que muitas vezes é dito
ser. No que diz respeito à própria solidão ou infelicidade, por exemplo, o mundo social é o
mesmo com ou sem o aparelho” (PURO, 2002, pg. 28). O finlandês encerra seu artigo ao
revelar o uso crescente dos dispositivos móveis pelas crianças na Finlândia, denominando
este processo de “nokialization”, uma alusão a uma das maiores empresas (finlandesa) de
celulares do mundo, a Nokia.
Ao aprofundar o impacto da cultura do celular em crianças e adolescentes da
Finlândia, os pesquisadores Eija-Liisa Kasesniemi e Pirjo Rautiainen (2002) revelaram
novas formas de vocabulário entre os jovens a partir de SMS. Assim surge a cultura de
texto (SMS – short message service) desenvolvida pelos adolescentes. Sendo um
fenômeno mundial, as mensagens curtas enviadas pelo celular têm poucos caracteres,
geralmente não passam de 160. O conteúdo dessas mensagens, segundo os pesquisadores,
72

varia desde contracepção até morte. Com a facilidade da convergência de texto, imagem e
foto, as mensagens podem ser de poemas, músicas preferidas ou segredos íntimos. Desde a
popularização do SMS, a preocupação que retumbou na mídia finlandesa foi a expressão
escrita dos adolescentes, que geralmente encurtavam palavras ou escreviam as orações com
todas as letras maiúsculas e/ou minúsculas. Essas práticas refletem a cultura juvenil não só
da Finlândia, mas de indivíduos que ocupam a mesma posição geracional em todas as
partes do mundo (KASESNIEMI; RAUTIAINEN, pg. 170-191).
Ao questionar se o celular seria um instrumento de comunicação, a pesquisadora
italiana Fortunati (2002) argumenta que o celular, apesar de sua aparência moderna, é de
difícil comunicação em espaços públicos, onde as pessoas acabam por buscar um lugar
calmo para poder transmitir a voz, frustrando muitas vezes o usuário. Para a autora, o
instrumento não é adequado para a comunicação e sim para a troca rápida de informações.
Verificamos aí o surgimento do mercado dos aplicativos móveis, redes sociais para o
celular e compartilhamento de textos, fotos e sons. Para Fortunati, a troca de informações
pelo celular é um estilo de vida urbano e altamente móvel, embora a mobilidade tenha um
curto alcance, pois as pessoas geralmente estão ligadas ao grupo de amigos e familiares.
A autora italiana destaca que o telefone celular é a tecnologia que mais está perto
do nosso corpo, pois “se o walkman veste a orelha, o móvel envolve não somente a orelha,
mas também a boca e voz que emerge de dentro do núcleo íntimo do corpo, e está ligado
diretamente com a própria sexualidade” (FORTUNATI, 2002, p. 48). Na verdade, o celular
parece estar contribuindo para dissolver a separação tradicional de intimidade e estranho e
público e privado.
Pesquisando o impacto das tecnologias móveis desde 2004, a socióloga espanhola
Amparo Lasén (2004) tem mais de vinte artigos publicados em diversos países sobre a
importância dos celulares e suas relações afetivas (principalmente com jovens) que
medeiam a expressão e a troca de sentimentos e emoções. Em 2005, foi editora do livro
“Understanding mobile phone users and usage” em parceria com o grupo Vodafone e a
Universidade de Surrey, na Inglaterra. O estudo etnográfico realizado em Paris, Londres e
Madrid teve o intuito de revelar as implicações afetivas que os usuários desenvolviam
pelos celulares. Lasén revelou que os celulares, por serem uma extensão do corpo humano,
tornaram-se tecnologias da intimidade, sendo possível compartilhar sentimentos de amor,
73

raiva, afeição, etc., com outros usuários; também funciona como um aparato que ajuda a
organizar a vida das pessoas no trabalho e tarefas domésticas.
A interação afetiva, segundo a socióloga, pode ocorrer em diferentes momentos: de
usuário para outro usuário numa relação dupla, de usuário para outros usuários como um
grupo, e de usuário para ele mesmo em uma relação única com o aparelho (LASÉN, 2005,
p. 120-125). Assim, as relações humanas perpassam o telefone em trocas de informação,
conhecimento, sentimento. Um dos resultados do estudo antropológico deste livro é que as
pessoas estão expressando suas emoções mais livremente, assim, amor e raiva, conquistas
e perdas são constantes nestas relações com o telefone e seus conteúdos gerados para as
redes sociais online. Além das afetividades, é possível destacar a prática e adoção desta
tecnologia gerando competências e hábitos, procedimentos incorporados pelo uso contínuo
do celular.
A constante ligação do celular com o corpo também revela habilidades e
capacidades da utilização deste objeto criando muitas vezes práticas repetidas em padrões
de uso: posturas, gestos, hábitos. Para Lasén, não são apenas as superfícies em que operam
estas inscrições, “é o resultado de práticas repetidas que causam ação. São codificados da
memória corporal, resultado, portanto abstrato em colaboração com a singularidade do
contexto e os diferentes elementos culturais” (2006, p. 166).
Rich Ling (2004) observou que, dentro da cultura jovem, punks, roqueiros, atletas,
entre outros grupos, para ele, o estilo do vestuário aliado a outros artefatos, como o celular,
era um objeto comum de todos os grupos. Com o passar do tempo, este artefato torna-se
um acessório de moda para todas as tribos. Segundo o autor, o telefone móvel tem
habilidades para romper com a estrutura das interações sociais em vários níveis (LING,
2004, p. 106-107).
Castells (2007) acredita que a difusão da comunicação móvel possibilita o aumento
da extensão do espaço de fluxos de informação na nossa vida cotidiana, porque o indivíduo
constrói uma rede que muda continuamente no espaço social. Ao pesquisar África, Ásia e
América Latina, o autor espanhol constatou a onipresença dos celulares pela população em
desenvolvimento econômico. No estudo de caso chileno, em 2002, apenas um terço da
população tinha aparelho móvel. Os locais mais acessados pelo celular são públicos, em
transportes, e no tempo de espera de alguns serviços. A família chilena com dois ou mais
74

filhos vê como essencial a posse de um celular para emergências. A pesquisa de Castells


no Chile apontou que, para as camadas populares, o celular era um meio de comunicação
de toda a família e não apenas uma ferramenta de comunicação intrafamiliar (CASTELS,
2007, p. 339-366).

Os contextos de todos os jovens entrevistados e consumidores de celular têm


privilegiado o espaço escolar e doméstico com suas extensões virtuais. A abordagem
sociocultural deste trabalho é fundamental para compreender a apropriação dessa
tecnologia móvel e como os jovens a estão utilizando.
É na escola que se oferece uma mediação prática fundamental de apropriação
afetiva e simbólica da Internet e telefone celular. É uma rede de atualizações e ligações
internas dentro do grupo de amigos e família. Entretanto, essa invisibilidade de novas
mediações através do celular e seus aplicativos cria novas disputas entre o online e offline,
entre a nova e velha mídia, entre o real e o virtual, projeção do espaço público ou privado
cria tensões entre as tradições familiares e escolares.
Para Winocur (2009, p. 27), ao usar o celular, os jovens fazem o uso coletivo da
construção civil de um grupo específico, com contextos próprios, como no caso de nossos
entrevistados. Para a autora, as novas tecnologias perpassam a casa, a família e a rotina em
redes internas de comunicação entre os sujeitos, criando tensões como as tradições
estabelecidas. Winocur diz que “o telefone celular é a chave para manter a coesão destes
espaços familiares imaginários e seguros, habitando nossas certezas, quando coberto pelo
manto protetor de sempre se comunicar conosco” (WINOCUR, 2009, p. 24). Na maioria
dos casos, o não acesso ao aparelho é para não excluir o outro em um reconhecimento
mútuo de afeto.
Para os jovens estarem visíveis aos demais, quase não há estado offline do aparelho
com relação à Internet. Entradas e saídas simultâneas das redes são frequentes, mas as
redes sociais nunca ficam desconectadas. A participação em ambos os mundos está
integrada na experiência diária, no trânsito constante entre o celular e suas práticas sociais,
nas várias formas de ser e de viver na escola. Para Winocur (2009), a experiência intensa
da socialidade digital não substituirá o mundo “palpável”.
Ao ser introduzido no mercado de consumo, a expansão desse objeto é um
fenômeno mundial. O discurso realizado pelo vice-presidente da ONU, Jan Eliasson, em
75

março de 2013, dá conta desse acontecimento histórico: a atual população do planeta é de


sete bilhões de pessoas, e destas, seis bilhões possuem celular 44.
Subsidiados pelo Department for International Development (DFID) da Inglaterra,
os antropólogos Heart A. Horst e Daniel Miller elaboraram o livro “The Cell Phone – an
anthropology of communication” dedicado a avaliar as novas tecnologias e a redução da
pobreza na Jamaica. O impacto para a redução da pobreza relacionado ao uso do celular
levantou questões de como o desenvolvimento social era possível através deste pequeno
objeto. O acesso à internet pelo celular é mais em conta do que a compra de um
computador, e essa questão levou os pesquisadores a avaliarem o grau de inclusão e
exclusão digital com que a tecnologia móvel estava sendo apropriada no país. Desta forma,
o debate para novos rumos da antropologia relacionados às novas tecnologias, como o uso
do celular, inaugura novo espaço na área acadêmica.
Alguns resultados do estudo são inovadores e trazem novas perspectivas para usos e
práticas sociais ao relacionar o uso do celular à saúde. Questões de urgências (como
acidentes, enfermidades graves) podem ser desenvolvidas pela comunidade médica através
do celular, em camadas pobres, ou como meio de divulgação de prevenção a doenças,
planos de saúde pública, etc. Foi possível constatar que é escasso este recurso para fins de
problemas relacionados à saúde. Embora ainda haja uma transmissão de SMS pelos
agentes das comunidades locais, este novo espaço ainda é uma lacuna a ser desenvolvida.
Para os pesquisadores, “a privacidade associada com o telefone celular pode ajudar as
pessoas com HIV a consultar anonimamente até o momento em que eles estão prontos para
apresentar-se em pessoa em uma clínica” (HORST; MILLER, 2006, p. 143) e isto aponta
para futuros projetos de inclusão a partir do telefone celular.
O sentimento de segurança aliado ao celular foi observado tanto em idosos como
em crianças, já que é possível acionar qualquer membro familiar em situação de perigo ou
ameaça. A denúncia de assaltos, assassinatos, roubos pelo telefone foi um fator
determinante para diminuir a criminalidade em 18% na Jamaica (p. 144). Enquanto o
índice de criminalidade diminui, o aumento de crianças portadoras de celulares pode ser
constatado nas escolas jamaicanas. Cerca de 60% dos estudantes carregam seus telefones
para a escola, pois, embora o uso em sala de aula seja proibido, o acesso nos intervalos é
44
ONU: dos 7 bilhões de habitantes do mundo, 6 bi têm celulares, mas 2,5 não têm banheiro. Disponível em
<http://www.onu.org.br/onu-dos-7-bilhoes-de-habitantes-do-mundo-6-bi-tem-celulares-mas-25-bi-nao-tem-banheir+os/>
76

generalizado. Para Horst e Miller, ainda é cedo para dizer se há danos ou favorecimentos
em relação à educação e o uso do celular (2006, p. 145-151).
Ao investigar as “ligações” religiosas que permeiam os jamaicanos, os
antropólogos descobriram o celular como uma benção para alguns e satanismo para outros.
Falar ao telefone com um vizinho ou membro da comunidade religiosa é sinal de
respeitabilidade, de avanço, desenvolvimento da comunicação e evangelização.
A pesquisadora Sandra Rubia da Silva (2010), ao analisar as apropriações do
celular ligadas à religião, em um bairro de camada popular de Santa Catarina (Brasil),
constatou que o uso, em alguns casos, aumenta a expressão da religiosidade. Ao se
aproximar de um casal de evangélicos, pôde constatar que o celular era visto como uma
benção recebida de Deus, pois, para uma de suas entrevistadas na pesquisa etnográfica, o
“celular é um presente de Deus” (p. 378). Como a autora afirma, ainda são escassos os
estudos sobre a ligação do telefone celular à religião, uma vez que este tem servido de
instrumento para envio de mensagens por pastores e padres, encontros em terreiros
umbandistas e correntes de oração.
Ao estudar o comportamento dos agentes relacionados ao uso e às práticas do
celular, parte-se para o trabalho etnográfico do consumo de celulares inspirado em
investigações de Silva (2010), Ling (2004), Katz e Aakhus (2002), Horst e Miller (2006)
para compreender a inserção incisiva do telefone móvel no cotidiano dos indivíduos,
principalmente dos jovens. Para Silva (2010), “a afirmação do celular como artefato-
símbolo da contemporaneidade implica em refletir mais detidamente sobre o caráter
simbólico dos bens e das atividades de consumo” (SILVA, 2010, p. 52).
A similaridade sobre as pesquisas etnográficas relacionadas ao celular versa sobre
os usos e as práticas deste bem relacionado à família, escola e amigos. Transformações da
linguagem, performances da masculinidade, conflitos entre o público e o privado também
merecem destaque nas pesquisas já realizadas.
A pesquisa etnográfica relacionada ao telefone celular revela a diversidade, a
pluralidade e a imprevisibilidade com que o pesquisador se depara diante das múltiplas
realidades que podem ser vivenciadas com este objeto. As novas tecnologias destes
aparatos tecnológicos (smartphone, iPod, tablet, etc.) causam impactos sociais entre os
consumidores (jovens ou não). O acesso a essas novas tecnologias digitais vem sendo
77

destaque pelas classes populares, que, na escassez de recursos financeiros, buscam, através
da apropriação do celular, um meio para se comunicar com os demais por meio de pacotes
de internet barateados pelas operadoras de serviços de telefonia móvel.
Assim, as relações sociais a partir do telefone móvel tornam-se revigoradas pelo
acesso à Internet, e novas formas de sociabilidade são possíveis. Destaca-se o público
jovem para esta pesquisa pela intensidade com que essas relações são criadas, e busca-se
no espaço escolar um pano de fundo para a observação desse novo cenário das relações
entre agente x celular.
Nessa trajetória histórica (recente e abrangente) do telefone celular, muitas práticas
e usos disseminaram-se e reinventaram-se; mas pouco se tem discutido entre os
intelectuais. Se a academia renegou, até pouco tempo, a importância das investigações
sobre o celular, os produtores e consumidores não deixaram o aparelho sair de circulação.
Pode-se desenhar um quadro amplo da inserção dos telefones celulares em diversas áreas
da sociedade do consumo: literatura, filmes, novelas, fotografias, revistas especializadas,
redes sociais, blogs, moda, entre outros. A telefonia móvel, advinda da telefonia fixa, foi
capaz de fomentar uma gama de trabalhadores como desenvolvedores de softwares, design,
operadoras de telefonia, vendedores e fabricantes. O mercado global fatura anualmente
com a venda de telefones cerca de 250 milhões de dólares.
Relacionar e fazer referências no decorrer do caminho teórico ajuda na construção
de novas interpretações, soluções para os problemas levantados e, para alguns, a trilha para
cumprir os objetivos. O estado da arte que compõe essa investigação busca trabalhos
relevantes com a temática da telefonia móvel e suas potencialidades para a comunicação e
a distinção social. O posicionamento é de criticidade necessária frente a alguns trabalhos, e
atenção no desenvolvimento de outros para optar pelo caminho de respostas elucidativas
para a problemática em questão.
Nesse conjunto de investigação cultural e científica, o aprofundamento na busca por
trabalhos relacionados ao tema “celular” foi se revelando precário. Muitos trabalhos
deixam de lado o esmero teórico e interpretativo, resultando em rasas verificações e falhas
no cumprimento dos objetivos, derivando conclusões pouco sólidas. Acredita-se que o
celular era considerado um objeto de pouco interesse acadêmico, diferente de agora. As
investigações acadêmicas dos últimos dez anos apresentam-se pouco estruturadas e são
78

segmentadas, em diferentes áreas do conhecimento. Assim, a variedade dos trabalhos sobre


o tema não trarão contribuições em suas totalidades, mas sim uma articulação dos melhores
resultados apresentados até agora. São raras exceções que merecem destaque logo adiante.
É necessário compreender, de modo crítico e reflexivo, as características próprias e
as especificidades das relações sociais mediadas pela tecnologia. Faz-se a ressalva de que,
durante as últimas quatro décadas, tempo de existência dos celulares, o referencial teórico
sobre esse objeto e sua inclusão nas discussões acadêmicas foi pouco discutido. O cenário
parece mudar lentamente para um avanço no interesse por este objeto de tamanho pequeno,
dado que, nos últimos vinte anos, houve um fortalecimento da produção acadêmica
brasileira. Cerca de 40 trabalhos, incluindo dissertações e teses, foram encontrados no
Brasil, na última década, referente ao telefone celular ligado às áreas humanas. Fica aqui o
registro de que, nas áreas da engenharia, informática e TI, os trabalhos nos avanços
tecnológicos relacionados às funcionalidades dos aparelhos móveis são muito mais
abrangentes e estão em constante atualização.
A tese em Antropologia Social, defendida em 2010, de Sandra Rubia Silva, “Estar
no tempo, estar no mundo: A vida social dos telefones celulares em um grupo popular”
propõe um estudo antropológico dos celulares e investiga o papel desse artefato-símbolo da
contemporaneidade na constituição de identidades e de novas práticas culturais,
convergindo nos processos simbólicos que ocorrem na relação pessoa/telefone celulares
em contextos socioculturais brasileiros. O rico e amplo trabalho etnográfico da autora
merece destaque pelas interpretações do consumo cultural relacionadas às tecnologias
móveis, que serão úteis para a pesquisa em questão.
A tese apresentada na UFRJ (2004), “Interfaces móveis de comunicação e
subjetividade contemporânea”, de Adriana Araujo de Souza e Silva, destaca os telefones
celulares como uma comunicação mista, “que incorpora grupos em espaços contíguos e
não-contíguos criando um espaço híbrido, originando através da mobilidade as misturas
das fronteiras entre o físico e o real” (SOUZA e SILVA, p. 216). A socialidade que a
Internet propicia aos objetos móveis permite recriar ambientes em que as representações
tornam-se imbricadas entre o real, o virtual e o imaginário, mas que, verificadas em uma
comunidade jovem, constroem outros valores.
79

Mas para que, de fato, ocorra, como aponta a autora acima, uma relação social,
afetiva, imaginária entre o celular e o ator, é necessária a prática do consumo
(simbólico/material). Na dinâmica do consumo, tendem a prevalecer as inovações
tecnológicas e o desejo de aparelhos cada vez mais funcionais, como apresenta a
dissertação “Consumo de telefone celular: significados e influências na vida cotidiana dos
adolescentes” (LUIZ, 2008). Ao longo da dissertação, pode-se fazer, em alguns momentos,
a atualização de referências sobre dados estatísticos relacionados ao Brasil, incorporando,
muitas vezes, o contexto global e latino-americano que o autor propôs há cinco anos. A
pesquisa feita por Luiz (2008), com 40 adolescentes, teve como resultado as variações dos
fatores sociais, psicológicos e econômicos tanto na aquisição quanto na troca do aparelho e
servirá de contribuição neste trabalho.
A prioridade em pautar trabalhos de investigação empírica (SILVA, 2010; SOUZA
e SILVA, 2004; LUIZ, 2008) é a tentativa de correlacionar as relações sociais pesquisadas
e entender, a partir da interpretação teórico-empírica, percepções da sociedade atual. Para
tanto, trabalhos comprometidos com a atividade intelectual e de relevância poderão ser
citados ao longo da dissertação.
Entende-se que o celular é um objeto que propicia a comunicação escrita e falada
neste contexto, e a comunicação no aparelho processa-se pelas redes sociais. Como
necessidade de agrupar o objeto à forma de conteúdo gerada, faz-se necessário entender as
redes como lugares onde culminam os processos de lutas simbólicas.
Cerca de vinte trabalhos, incluindo teses e dissertações, aparecem nas buscas
relacionadas entre redes sociais e telefone celular. São trabalhos recentes que datam desde
2007, ano em que o iPhone foi lançado pela Apple e as revoluções no aparelho convergiam
para múltiplas funcionalidades, incluindo o uso das redes sociais. Neste mesmo ano, o
crescimento de usuários da rede Facebook aumentava à medida que o Orkut perdia
usuários, não sendo mais a principal rede social do país. Hoje, são milhares de redes que se
adaptam ao público cada vez mais segmentado. A fim de aproximar os jovens, o telefone
celular e a classe popular, optou-se por delimitar os trabalhos que contemplassem o
Facebook, por ser a rede social mais popular e unânime entre o uso dos jovens.
A dissertação “Facebook: negociação de identidades, medo de se expor e
subjetividade”, de Gilberto Artur Marra e Rosa (2012), trata de elaborar traços identitários
80

dos jovens a partir da construção do perfil. Partindo de três perspectivas (aproximação dos
caracteres identitários, exercício da construção de si mesmo a partir de dispositivos móveis
e simulação das identidades) centrais na pesquisa, o autor tenta elucidar os processos de
negociação das identidades, considerando suas ideologias, narrativas e afetividades. Dez
entrevistas semiestruturadas com jovens usuários do Facebook apresentam significados e
sentidos subjetivos na exploração do tipo de uso relacionado à rede. Como resultado de
interesse da dissertação, o autor aponta que o Facebook é um lugar de conformação ou não
de desejos e valores da vida real. Utilizar-se-ão as contribuições desta dissertação na
perspectiva do consumo como objetivação de desejos.
Para investigar a sociabilidade juvenil na internet, José Reinaldo Oliveira (2012)
dissertou em “Juventude e Ciberespaço: implicações do uso da internet na constituição da
sociabilidade juvenil” sobre a ressignificação das relações sociais de dez jovens de escola
privada de Brasília. A partir de entrevista semiestruturada e análise de perfil, foi possível
descobrir que uma das principais ações nas redes é o encontro com o Outro, aproveitando o
tempo ocioso (p.50). Os jovens, na pesquisa em questão, enxergam a interação online
como um processo natural e descompromissado, sem potencialidade para interações de
cunho crítico ou político. Tratando-se de jovens de classe alta, o trabalho serve como
discussão a fim de verificar entre os jovens de classe popular interações e relações
semelhantes, embora sejam de classes distintas.
Mesmo de área distinta da comunicação, a dissertação para o Programa de Pós-
Graduação em Administração, denominada “Redes sociais na internet: a influência da
recomendação online na intenção de consumo” traz dados relevantes e reveladores na
intenção de compra de produtos oferecidos em propagandas nas redes sociais. Partindo de
um survey com 400 entrevistados, Netto (2012) aponta que 33% dos usuários do Facebook
apresentam uma relação direta e isolada na intenção de consumo. Assim, busca-se
identificar qualitativamente em que medida os jovens de classe popular, através das redes
móveis, participam do processo do consumo online.
Para complementar o quadro de referências em que foi possível correlacionar
trabalhos acadêmicos produzidos no Brasil nos últimos cinco anos referentes a
sociabilidade, consumo, identidade, não seria possível deixar de mencionar “Cibercultura,
juventude e alteridade: aprendendo-ensinando com o Outro no Facebook”. Couto Júnior
81

(2012) reconhece, em suas conclusões, o Facebook como um lugar de ensino-


aprendizagem (p. 123), onde os jovens valorizam os conteúdos escolares, rompendo as
fronteiras de sala de aula. É de importante contribuição para a pesquisa que tem o espaço
escolar como um campo de observação na interação com os jovens, as redes e os conteúdos
escolares.

4.2. As redes sociais e os aplicativos no celular

Henry Jenkins (2008) procura abordar as transformações no cenário contemporâneo


da comunicação. A convergência midiática, proposta pelo autor, derruba o determinismo
tecnológico. Como processo cultural, a narrativa transmidiática é o referencial de
convergência. O comportamento do consumidor e produtor, para o autor, é argumento
explícito da contemporaneidade. Neste processo, assim como Bauman (2001) definiu o
celular como objeto simbólico na dependência em relação ao espaço, Jenkins (2008)
observa que:

Nos últimos anos, vimos celulares se tornarem cada vez mais fundamentais nas
estratégias de lançamento de filmes comerciais em todo o mundo; como filmes
amadores e profissionais produzidos em celulares competiram por prêmios em
festivais de cinema internacionais... Foi uma poderosa demonstração de como os
celulares se tornaram fundamentais no processo de convergência das mídias
(JENKINS, 2008, pg. 31).

De uma leitura concisa, a “Cultura da Convergência” relata as transformações


culturais de massa do século XXI. Através de exemplos contemporâneos, e quase
didáticos, como Guerra nas Estrelas e Harry Potter, Jenkins (2008) mostra a relação entre
os atores no espaço social midiatizado e as novas estruturas que se formaram no
movimento da convergência, somente possível pelo processo tecnológico.
82

A personalização de informações individuais através dos algoritmos 45terminou por


transformar o acesso à informação. O Google pode criar dossiês incrivelmente detalhados
sobre cada usuário a partir das redes sociais. Está expandindo, agora, seu domínio não
apenas online, mas conduzindo pesquisas nos campos da biologia molecular e genética. Os
defensores da personalização acreditam em um mundo sem contradições ou reflexão
crítica. Pariser (2011) questiona e procura desvendar como a personalização das redes
trabalha e como ela se dirige na nossa sociedade de forma global.
A competitividade pela personalização invade as redes sociais, reconfigura a
comunicação móvel e dita moda sobre os aplicativos cada vez mais segmentados. O
comportamento do usuário online transforma-se em produto. As empresas estão
compartilhando dados em favor da lucratividade.
O fenômeno das redes sociais é interpretado por Recuero (2009) com destaque aos
atores, ao capital social e às estruturas das redes. No desenvolvimento da pesquisa,
interpretações sobre a ascensão e a decadência das redes sociais são desenvolvidas,
realçando as tendências do consumidor nos últimos anos.
Com a comercialização dos smartphones em alta, estudos tentam identificar o
consumidor em potencial. É através das funcionalidades que os smartphones ganham
espaço no mercado mundial e, com ele, um agregado fundamental: as apps. Divulgado em
abril de 2012, o relatório da Ericsson sobre “A cultura emergente dos aplicativos” 46

realizou uma pesquisa quantitativa no Brasil, Rússia e Índia e identificou como os


aplicativos afetam os consumidores e o mercado em crescimento nas redes sociais.
As principais razões para o consumidor comprar um smartphone são o acesso à
Internet e aos aplicativos das redes, e o que varia são os objetivos e uso preferencial dado
ao aparelho pelos consumidores de diferentes nacionalidades. De acordo com a pesquisa da
Ericsson (2012), os russos tendem a uma utilização mais objetiva, buscando aplicativos de
serviço público: mapas, dicionários e tradutores. Os indianos constroem uma relação que

45
É uma família de algoritmos de análise de rede que dá pesos numéricos a cada elemento de uma coleção de
documentos hiperligados, como as páginas da internet, com o propósito de medir a sua importância nesse
grupo por meio de um motor de busca. O algoritmo pode ser aplicado a qualquer coleção de objetos com
ligações recíprocas e referências. O processo foi patenteado pela Universidade de Stanford, nos Estados
Unidos da América, sob o número 6.285.999. Somente o nome PageRank™ é uma marca
registrada do Google.
46
Tradução: EmergingAppCulture – disponível em
<http://www.ericsson.com/res/docs/2012/ericsson_emerging_app_culture.pdf>
83

privilegia o reforço da identidade: uso de aplicativos como protetores de tela e temas de


papéis de parede. O Brasil, segundo o relatório, ficaria no meio termo, sendo mais racional
do que a Índia e mais afetivo que a Rússia, com destaque para as redes sociais como o
Facebook e o Twitter.

Empresas do setor de tecnologia de todo o mundo estão voltadas para o mercado de


aplicativos em expansão. O Relatório Mobilize de Inteligência de Mercado - Apps #5 da
empresa Aorta.Mobi47, realizado no primeiro trimestre de 2012 -, evidencia que foram
feitos, em 2011, cerca de 30 bilhões de downloads de aplicativos móveis, o que representa
um crescimento de 230% em relação ao ano de 2010. Em 2011, a app economy atingiu
US$8.5 bilhões e a projeção, para 2016, é de US$46 bilhões.
Estas plataformas de aplicativos para as redes sociais conectam diferentes mercados
como desenvolvedores, lojas online, fabricantes de aparelhos, operadoras de telefonia,
agências de publicidade, entre outros. As funcionalidades dos aplicativos parecem ser
ilimitadas para a App Culture. A potencialidade do consumidor de redes sociais está na
valorização da individualidade, do gosto pessoal e da conectividade. As empresas estão
apostando na fragmentação da receita para investimentos diversificados na mobilidade.
Mesmo que a maioria de downloads de apps como o Facebook seja feita gratuitamente, é
possível identificar o investimento econômico de grandes empresas em nichos cada vez
menores.
Exemplo do sucesso dos aplicativos e lucros é o Instagram. Inicialmente, disponível
apenas para usuários iOS 48 e, posteriormente, lançado para o Android 49, atingiu a marca de
40 milhões de downloads. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, comprou a rede
social, cuja transação foi de um bilhão de dólares. O Instagram já está disponível para
todos os usuários do Facebook nas plataformas móveis.

Mesmo com o custo baixo de compra de cada aplicativo e a variedade disponível, o


consumidor brasileiro ainda se depara com a dificuldade de compra através do cartão de
crédito e a falta de confiança no pagamento online. A maioria dos consumidores realiza

47
Disponível <http://www.aorta.com.br/>. Empresa brasileira que atua no mercado de desenvolvimento de
aplicativos desde 2007. Possui mais de 100 profissionais e escritórios em São Paulo e Minas Gerais.
48
Sistema operacional móvel desenvolvido para usuários da Apple.
49
Sistema operacional móvel desenvolvido pelo Google.
84

downloads de apps gratuitos por motivo de rotatividade, neste caso, as apps são adotadas
pelo usuário por uma necessidade momentânea, sendo rapidamente substituídas por outras.
As redes sociais no celular estão sendo fundamentais na organização da vida cotidiana, e o
alto crescimento do mercado de apps irá evoluir na sociedade em rede, onde os
consumidores demandam uma escolha por aplicativos cada vez mais segmentados.
85

5. PERCUSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Ao observar a movimentação dos atores sociais em seus fluxos cotidianos, é


possível detectar um objeto que os conecta: o celular. A motivação maior da pesquisa
corresponde ao interesse de refletir e analisar como este objeto (de tecnologia recente) é
capaz de se constituir em um símbolo de comunicação e consumo global, adotado por
diversas culturas, diversas classes sociais e indivíduos de diferentes posições geracionais.
A construção do referencial teórico constitui-se a partir dos Estudos Culturais e
resulta na diversidade de informações acolhidas na trajetória desta dissertação. O objeto de
análise aqui, o celular, é recente na tradição dos estudos em comunicação, mesmo assim,
suas múltiplas formas, práticas e consumidores variam em uma velocidade exponencial.
Foi preciso vigilância, cuidado e prudência na hora de selecionar as informações que farão
parte da investigação.
A construção da pesquisa combinou os métodos qualitativos e quantitativos, ou
seja, etnografia e questionário online, respectivamente. As técnicas foram entrevista
semiestruturada em profundidade e observação participante.

5.1. Estudo exploratório I

O primeiro estudo exploratório ocorreu no primeiro trimestre de 2012. No primeiro


momento, buscou-se uma aproximação com o objeto de estudo, o celular. Questionários
via Facebook e online foram elaborados em uma aproximação com o objeto de estudo.
Além dos questionários, um levantamento das revistas Veja e Superinteressante compôs os
primeiros estudos exploratórios a fim de verificar a inserção impressa de propagandas
sobre o celular no Brasil.
O primeiro questionário via Facebook foi elaborado para verificar a incidência do
aparelho na vida dos jovens. Para tanto, 29 questões foram enviadas via Facebook pelo
perfil da pesquisadora para 25 respondentes. Questões sobre as funcionalidades dos
aparelhos foram destaque no primeiro momento, por exemplo, se a Internet estaria presente
nos celulares e se estes contavam com aplicativos para as redes sociais como o Facebook e
86

o Twitter. A interatividade com o aparelho como fotos, músicas e SMS também serviram
de suporte para se adentrar na elaboração do segundo questionário online, este mais
aprofundado.
O questionário online foi disponibilizado através do software Enuvo da empresa
Online Pesquisa50, com quarenta e cinco questões pertinentes ao celular e sobre como os
usuários, através dele, revelavam distinções sociais, condições de classe e relação com a
mídia. Ao todo foram 204 respondentes de quatro estados brasileiros, com faixa etária de
15 a 24 anos. Os informantes estudam em escolas particulares, públicas, cursos técnicos e
universitários. O questionário online foi aplicado no primeiro semestre de 2013, em dois
momentos distintos: no primeiro, com a variação de respondentes e no segundo momento,
apenas com alunos da amostra da pesquisa.
No primeiro estudo exploratório, ainda consta a pesquisa em acervo digital e
particular das revistas Veja e Superinteressante, respectivamente. Edições da década de
1990 da revista Veja foram analisadas a fim de verificar a inserção da publicidade da
tecnologia móvel no Brasil e como esta iniciou. A partir dos anos 2000, o levantamento da
revista Superinteressante, através do acervo particular de uma historiadora, revela a
mudança da publicidade e o público-alvo. O jovem é o centro das publicidades e estes
aparecem cada vez mais conectados e interagindo com a mobilidade.
No estudo I, apresentou-se um cruzamento de informações e percepções que foram
capazes de mostrar um universo desconhecido de tramas cotidianas, relações individuais e
apropriações simbólicas.

5.1.1. Questionário via Facebook

Na ausência de informações necessárias para iniciar a pesquisa (dados estatísticos e


empíricos), a importância do estudo exploratório fez-se necessária como uma primeira
consulta ao nosso campo de estudo e análise. O tema, como verificado anteriormente no
estado da arte, é ainda pouco investigado no país, tornando a trajetória inicial em elaborar
o projeto de pesquisa muitas vezes nebulosa.

50
https://www.onlinepesquisa.com/
87

Desta forma, a busca por entendimento da cultura juvenil relacionada ao celular


iniciou em março de 2012. Para obter dados para o planejamento da dissertação, foi
elaborado um questionário com 29 questões. A amostra foi composta por vinte e cinco
adolescentes entre 16 e 24 anos, de distintas classes sociais, e deu-se através da rede social
Facebook, nos meses de março, abril e maio de 2012.

No questionário via Facebook, todos os entrevistados têm celular, catorze deles


com acesso à Internet. Os jovens têm até cinco redes sociais disponíveis para troca de
informações – Facebook, Twitter, Tumblr, Foursquare, GPS. Dezenove deles não
interagem diretamente com programas de televisão através do celular. Os aplicativos
seguem atrás das redes socais como formas de comunicação, informação e entretenimento,
revelando, através de check-in, a localização de onde estão, para que outras pessoas
possam visualizar geograficamente, através da rede online, onde o amigo/companheiro se
encontra naquele momento, permanecendo sempre visível aos demais.
Na análise do questionário, detectou-se mais de quinze modelos de aparelhos. A
fidelidade da operadora ainda prevalece como uma questão de costume e tradição. É
unânime a resposta dos entrevistados sobre o que gostariam de mudar no seu aparelho:
todos desejam melhorias nos recursos funcionais, desde Internet mais veloz até aplicativos
sofisticados para enviar fotos e editar vídeos. Os vinte e cinco jovens entrevistados
classificam seus aparelhos em marcas, gostos, tamanho, funcionalidade e preço. Treze
deles desejam ter um iPhone, apontam o celular da Apple como distinção social dentro do
grupo de amigos. Os seis não respondentes já possuem o iPhone. Questões como a
diferenciação social e a distinção simbólica começam a emergir das respostas dos
adolescentes.
Catorze jovens acessam mais de dez vezes o aparelho por dia, dezoito deles
acreditam que o celular é necessário para comunicar-se com outras pessoas e não apenas
para acessar a Internet. Treze realizam suas refeições diárias na companhia do aparelho à
mesa e, ainda, dezessete jovens dormem com o aparelho na cama. Do mesmo modo,
catorze usam o celular durante a aula para tirar fotos e, depois, postar em redes socais.
No questionário via Facebook realizado com 25 jovens, no primeiro trimestre de
2012, foi possível detectar práticas e hábitos referentes ao uso do celular. Com os
resultados obtidos, ficou clara a necessidade de um segundo estudo exploratório em
88

aproximação com espaço escolar para compreender como os jovens estavam fazendo uso
do aparelho.

5.1.2. Questionário online

O questionário online foi aplicado com alunos do colégio A, estudantes de outras


escolas municipais, estaduais e universitários. A amostra foi composta por 204
entrevistados, sendo 74% meninas e 26% meninos. Os respondentes são participantes de
escolas municipais, estaduais e particulares de diversas cidades do estado, universidades e
cursos técnicos estados do RS, PR, SP, ES. Os respondentes residem em diversas cidades e
municípios do país51, mas a maioria é do estado do Rio Grande do Sul e da cidade de Santa
Maria.
Dos entrevistados, 29% trabalham no mercado, e as principais ocupações
profissionais são estagiário, freelancer, técnico em eletrônica, bolsista de iniciação
científica, redatora, assistente de marketing, auxiliar de produção em TV, auxiliar de
vendas, agricultura, desenhista, auxiliar administrativo, revisora de textos, contador,
promotora de vendas, vendedora, pintor, secretário, fotógrafa e babá. Sobre a ocupação dos
pais, destaca-se o mercado informal52 de trabalho, que representou, em 2013, 16% do PIB
no Brasil, segundo a Fundação Getúlio Vargas.
A contribuição do questionário online aplicado através do software Enuvo da
empresa Online Pesquisa foi refletir sobre os modos pelos quais jovens utilizam o celular
no espaço escolar e como eles se relacionam com a escola e a mídia para definir uma
identidade de classe em uma cultura da convergência.
Questionados sobre a importância do celular no mercado de trabalho, o
posicionamento dos informantes foi positivo, e ter o domínio das funcionalidades do

51
As cidades do Rio Grande do Sul foram Santa Maria, Porto Alegre, São Borja, Santana do Livramento,
Santiago, Cachoeira do Sul, Itaara, Três de Maio, Nova Palma, Santa Cruz do Sul, Santa Rosa, Uruguaiana,
Frederico Westphalen, Gravataí, Tapera, Vila Gaúcha e Palmitinho. De SP foram São Paulo e Osasco;
Paraná: Toledo; Alagoas: Maceió; Santa Catarina: Tubarão; Espírito Santo: Vila Velha.
52
Destacam-se as seguintes profissões no mercado informal de trabalho, no questionário online: mecânico,
vendedor autônomo, auxiliar de cozinha, doméstica, faxineira, diarista, técnico em eletrônica, promotor de
vendas, representante comercial, autônomo, auxiliar de idoso, pedreiro, estoquista, produtor rural, oleiro,
músico, massagista, taxista, representante comercial, chaveiro, artesão, motorista, vidraceiro, mestre de
obras, pastor, pedreiro e cabeleireira.
89

aparelho foi apontado por muitos como a manutenção de contatos entre trabalhadores e
empregadores. Dos entrevistados, 68% possuem Internet Wi-fi ou 3G disponível no
aparelho.

Sim, acredito que o conhecimento de um telefone com tecnologia inovadora faça


diferença em uma entrevista, por exemplo. Mostrar que estou a par das
tecnologias que envolvem o mercado no qual eu trabalho foi um diferencial.
(Universitário, 21 anos)

Em partes sim, acredito que os recursos oferecidos no celular aumentam seu


aprendizado em relação à informatização e tecnologia, consequentemente
facilita sua compreensão a sistemas operacionais. (Universitário, 22 anos)

Acredito que o celular é um meio rápido e portátil de acessar a internet. Sem


contar, os aplicativos que é possível ter no aparelho hoje em dia, todos os
imagináveis. O manuseio deles sem dúvida aumenta o conhecimento em vários
setores que podem ser necessários na hora da busca de um emprego. (Estudante,
18 anos)

Sim, O celular facilita tudo hoje em dia, desde pagar contas em banco ou pra
saber sobre o mundo. E a partir disso ele abre um leque de opções para o
trabalho em todas as áreas de atuação profissional. (Universitário, 23 anos)

Verifica-se, nos depoimentos, uma identidade de “classe” que não passa pela
consciência de classe, mas pelo estar junto entre iguais porque, afinal, o capital social dos
jovens que se amplia no telefone móvel e pelas redes sociais não ultrapassa os limites de
sua classe. Daí a defesa do argumento do isolamento, isolamento do grupo em relação a
outros e isolamento no interior do grupo na medida em que a noção de pertencimento se
baseia em subjetividades e, como tal, em partilhar aspectos individuais e emotivos da vida
privada assim como partilhar uma vaga noção de estilo de vida (RONSINI; DUTRA,
2013). Sobre os usos frequentes no aparelho, realizar chamada ainda é a funcionalidade
principal, ficando atrás do envio de torpedos.

1 gráfico – usos do celular


90

Para compreender a relação do celular e os entrevistados, questionou-se qual era o


significado do aparelho. A modernidade e a velocidade foram atributos referenciais. Para
Bauman (2000), o acesso aos telefones celulares é um poder extraterritorial, não mais
limitado. Segundo ele, “o advento do telefone celular serve bem como ‘golpe de
misericórdia’ simbólico na dependência em relação ao espaço. Não importa mais onde está
e quem dá a ordem – a diferença entre o ‘próximo’ e o ‘distante’, ou entre o espaço
selvagem e o civilizado e ordenado, está a ponto de desaparecer” (BAUMAN, 2001, p. 18).

2 gráfico - significados do celular

Palavras como “amor, paixão, amor, vida, velho, novo, tudo, aparência” foram
encontradas nas respostas ao descrever o que o celular significava na vida dos estudantes.
Como o torpedo aparece como a segunda funcionalidade mais utilizada, questionou-se para
quem e quais os conteúdos dos SMS53 enviados.

Para minha mãe e para os meus esquemas. O objetivo é economizar em ligações


e como forma de recado, em caso de a outra pessoa não atender. (Estudante da
escola A, 17 anos)

53
Planos das operadoras ativas no país como a TIM, VIVO, OI e Claro proporcionam pacotes de envio de SMS para os
usuários por um preço reduzido, geralmente incluso nas recargas. O gasto mensal na compra de créditos para o celular
ficou em torno de R$10,00 a R$30,00/mês.
91

Amigos, Pais e Namorado. Para tratar de assuntos rápidos, ou quando estou


num ambiente onde não posso realizar uma chamada, como aulas ou cinema,
então envio um torpedo. (Jovem, 19 anos)

Para amigos, familiares e pessoas relacionadas ao meu estágio. Para os


primeiros é apenas para convidar para algo, contar algum acontecimento ou
apenas para passar o tempo, além dos parabéns para os que moram longe e não
poderei dar pessoalmente. Para meus familiares normalmente é para mandar
notícias, fazer alguma piadinha com o time de futebol deles e também para
mandar parabéns, sendo que todos moram longe de mim. Já para as pessoas
relacionadas ao estágio é marcando reuniões e coisas do gênero. (Estagiária, 20
anos)

Utilizo torpedos para um determinado grupo de pessoas, geralmente pessoas


mais velhas, desligados da tecnologia ou amigos que não possuem smartphones.
Entretanto, utilizado com frequência aplicativos de mensagem instantânea
(whats app) com um grupo mais ligado em tecnologia, geralmente pessoas mais
jovens. Só utilizo torpedos com este grupo se por algum motivo eu ficar sem
internet. (Jovem, 24 anos)

Assim, as informações de artistas preferidos, amigos ou páginas de informação são


“curtidas” no Facebook e acessadas pelo celular diariamente para fins de atualização,
assim, os perfis mais seguidos na rede social online são:

3 gráfico - informações acessadas pelo celular

Ao verificar a inserção dos jovens em campanhas e mobilizações sociais pelas redes


online através do celular, apresentaram-se vertentes variadas como compartilhamentos de
promoções de empresas para ganhos de brindes, doação de sangue para amigos ou
conhecidos, divulgação de eventos, campanhas de casas noturnas para ingresso gratuito,
campanha para adoção de animais e pessoas desaparecidas.
92

Para o jovem mais destituído economicamente, o celular é o que permite sua


inserção na cultura da convergência. Através dele pode pagar R$10,00 reais por mês para
usar a Internet, acessar redes sociais, ver vídeos de suas bandas prediletas no Youtube,
acessar o Google e Wikipédia para os trabalhos de escola. Para a classe popular em geral, o
termo virtualidade designa a experiência de estar em contato com outros sem estar na
presença deles, estabelecer relações pessoais para além do contato face a face.
No questionário online, há três categorias de respostas quando perguntados sobre as
diferenças entre o celular do rico e do pobre: as relacionadas com a distinção (28%), com a
democratização do consumo (21%) e com a crítica à distinção ou à desigualdade na
distribuição dos bens de consumo (48%). Há uma clara divisão entre os que questionam a
distinção e a desigualdade e os demais que, por um lado, se referem às diferenças dos
aparelhos usados por ricos e pobres como diferenças entre capitais culturais: habilidades
para usar recursos, o interesse pela informação e não pelo entretenimento, escolhas
individuais baseadas em capital cultural e não em acesso aos bens; por outro, os que
acreditam em uma democracia baseada no consumo igual para todos (RONSINI, DUTRA,
2013).
Todos almejam ter aparelhos melhores, de última geração, e a influência da
propaganda na compra é bastante relativa, já que grande parte escolhe pelo preço, sem
abrir mão do que eles consideram prioritário, o que inclui o uso da Internet.
A partir do questionário online, pode-se verificar que as relações sociais são vistas
sob a ótica do consumo, pois, quando definem o que é ser rico ou pobre, são os objetos de
consumo que ganham destaque. Embora mencionem o trabalho, é como se ganhar dinheiro
fosse algo mágico e seu resultado imediato é aquilo que as pessoas compram. Reconhecem
que as oportunidades não são iguais para todos, mas as desvantagens são sempre resultado
de algo que desconhecem e nunca as causas da situação dos pobres: falta de dinheiro, de
trabalho, de diversão, de educação e bons colégios. Essa imagem negativa, pela falta,
parece ser compensada pelo que buscam na tevê, na música ou nos filmes porque a
realidade é dura demais para ser replicada também nos momentos de diversão.
Uma das conclusões do questionário online é que a condição econômica, o baixo
capital cultural e a ausência de participação em atividades coletivas possivelmente tenha
relação com o uso individualizado do aparelho, que se converte em uma tecnologia
93

expressiva do Eu e do grupo restrito de pares. O estilo de vida cultural dos jovens está
baseado em experiências afetivas e personalistas e colabora para a perda da consciência do
lugar ocupado na hierarquia social. Vale dizer, uma cultura do consumo contribui para a
desimportância simbólica de classe, mas não para a desimportância da categoria como
determinante no modo de vida (RONSINI; DUTRA, 2013). Por isso mesmo, tal cultura
celebra o bem-estar, o conforto, a saúde, a beleza, a juventude, o equilíbrio, a mobilidade, a
velocidade, a liberdade, a diferença, a igualdade e uma série de outros valores que estão
menos ligados à disputa por poder e distinção, que à elaboração de si, a constituição da
personalidade, à experiência individual e psicológica.

5.1.3. A história do celular a partir de reportagens e publicidades

Houve um tempo na história em que não havia telefone celular, as pessoas viajavam
em transportes conduzidos por animais e as cartas eram o único meio de comunicação para
quem morava longe. Nessa época, não muito distante da história, dois homens arriscariam
seus conhecimentos para que a comunicação, uma necessidade humana, se tornasse mais
veloz e eficiente. Foi quando, em 1876, Alexandre Graham Bell e seu assistente Thomas
Watson fizeram a primeira ligação telefônica. Doze anos mais tarde, o físico alemão
Heinrich Hertz descobriria as ondas eletromagnéticas tornando possível ao laboratório Bell
avançar nas pesquisas em transmissão de códigos pelo ar. Para Drucker (1968, p. 20), entre
1850 e 1880, foram as décadas que apareceram a lâmpada elétrica, a máquina de escrever e
o telefone.
No início do século XX, foi desenvolvido pelos pesquisadores que trabalhavam no
laboratório Bell Company um sistema telefônico ligado por antenas. Cada uma das antenas
representava uma célula e esse serviço permitiu a comunicação móvel utilizada em carros
nos Estados Unidos. Mas a primeira ligação entre dois telefones celulares só foi possível
graças aos estudos do executivo da Motorola (concorrente da Bell Company), Martin
Cooper. Há quarenta anos, Cooper, de maneira inédita, demonstrou, na cidade de Nova
Iorque, em abril de 1973, como se daria o princípio da tecnologia móvel.
94

Os primeiros celulares DynaTAC produzidos pela Motorola, entre 1983 e 1994,


foram considerados, anos mais tarde, como ‘tijolos’ devido ao tamanho e ao peso. Cada
celular media cerca de trinta centímetros e pesava quase um quilo e, em contraste, o nível
de bateria era muito reduzido, com durabilidade que não ultrapassava trinta minutos. Ainda
vivo, aos 85 anos, o inventor do aparelho móvel desligou-se da Motorola após 30 anos de
trabalho e fundou a própria empresa denominada ArrayComm 54 especializada em
softwares de infraestrutura para banda de base sem fio.
Foi na década de 1990 que os celulares tiveram um avanço no mercado de bens de
consumo. Inicialmente, usado por adultos para receber e fazer chamadas, os celulares
tinham tamanhos grandes, eram caros e só a classe alta tinha acesso. A maioria destes
aparelhos era de contas mensais e não existiam muitas funcionalidades. No Brasil, os
primeiros prefixos para celulares foram 9982, no Rio de Janeiro. A reportagem da revista
Veja “Turma do 998255” relembra que as primeiras linhas chegavam a custar 20 mil
dólares, assim, somente pessoas com elevado prestígio social eram portadores dos
telefones móveis.
Um levantamento feito para esta pesquisa analisou 175 edições da revista Veja
através do acervo digital, entre 1990 e 1999, a fim de verificar a entrada do celular no
Brasil. A primeira propaganda impressa veiculada na revista sobre o celular foi da marca
Motorola, na edição de 02/12/1992. A propaganda destaca os investimentos de 1 bilhão de
dólares anuais em tecnologia e faz referência que, no ano de 1969, quando o homem foi à
Lua, a transmissão das comunicações foram feitas pela empresa Motorola. Antes disso, em
25/12/91, o banco Meridional estampava a eficiência dos serviços através de uma mulher
em um carro falando ao telefone. No anúncio, destaca-se a referência às aparências e ao
bom atendimento. Esta seria, portanto, a primeira aparição do celular em forma de
propaganda, mas não de forma direta por fabricantes ou operadoras de serviços.

54
Empresa de Martin Cooper, ArrayComm, disponível em <http://www.arraycomm.com/>
55
Por glamour ou nostalgia, clientes mantêm o prefixo de celular pioneiro no Rio. Disponível em
<http://vejario.abril.com.br/edicao-da-semana/prefixo-celular-rio-698029.shtml>
95

Figura 4 FONTE: Revista Veja 02/12/1992

Os telefones celulares começaram a aparecer na mídia impressa como ferramenta


de serviços, atendimento e distinção entre as empresas. Fora a Motorola, nenhuma
fabricante de telefone realizava o marketing empresarial. As lembranças ao telefone
estavam sempre ligadas ao serviço bancário, a viagens e a reuniões. A linha de inspiração
publicitária seguia as ideias do telefone fixo. A relação da telefonia fixa, no início dos anos
de 1990, com o mundo empresarial ou o gênero masculino ainda era evidente. A distinção
social de quem tinha um aparelho móvel era usada com bastante frequência como apelo
publicitário.
No ano de 1991, muitas reportagens e notas na Veja fizeram menção à telefonia
móvel e ao aparelho de celular. Na reportagem do dia 08/05/91, a revista destaca que mais
de três mil cariocas já faziam uso dos aparelhos móveis. O Brasil foi o segundo país da
América Latina a oferecer telefonia móvel, o primeiro foi o Chile.
A abertura da telefonia móvel em São Paulo faria girar um bilhão de dólares com a
venda de aparelhos e linhas. No aguardo pela disputa estavam Roberto Marinho, das
Organizações Globo, Matias Machline, diretor da Sharp no Brasil e Olavo de Monteiro
Carvalho, do grupo Monteiro Aranha, ligado por laços de parentesco com o então
96

presidente Collor. O banqueiro José Safras e as multinacionais Ericsson e Motorola


também estavam na briga pela instalação da telefonia móvel.
As fraudes das licitações e as barreiras burocráticas foram o problema inicial para a
consolidação dos serviços no Brasil, onde mais de 300 mil clientes estavam no aguardo.
Um edital para a concorrência do setor privado foi elaborado pelo governo, e, no
documento, o secretário de Comunicações Rauber divulgaria o vencedor da melhor
proposta. No fim das contas, a empresa japonesa de tecnologia NEC levou a melhor. A
multinacional foi a responsável por instalar o primeiro sistema analógico em SP e,
posteriormente, o sinal digital. Somente em agosto de 1993 os serviços de telefonia móvel
iniciaram em São Paulo, seguido por Campinas e São José dos Campos.
Em 1993, o celular já estava popularizado no Rio de Janeiro e em Brasília, onde
políticos, artistas e empresários usavam o aparelho em locais públicos como símbolo de
status. Mas a concorrência das operadoras de telefonia móvel acabou barateando os custos
de ligações e linhas, e o aparelho enfim começou a chegar à classe média brasileira. Neste
ano, as linhas caíram para 400 dólares, o que possibilitou o aumento das aquisições, e a
contratação dos serviços era de 80 dólares.
No início dos anos 2000, já com as empresas de telefonia móvel consolidadas no
mercado brasileiro, houve uma transição na narrativa publicitária. O que antes era vendido
aos empresários e pessoas com poder aquisitivo alto, passou a atingir o público jovem. Um
levantamento realizado para esta pesquisa entre o ano 2000 até 2010 da revista
Superinteressante, através de um acervo particular de uma historiadora, totalizou a análise
de 307 edições. Pode-se constatar a mudança significativa da linguagem publicitária, pois,
à medida que os telefones ficavam mais inteligentes, a narrativa buscava a liberdade, a
convergência e a conectividade.
A partir dos anos 2000, as fabricantes mundiais de celular eram as que anunciavam
na revista Superinteressante. Destaca-se aqui a empresa finlandesa Nokia, uma das
principais fabricantes de celulares do mundo. Entre as fabricantes mundiais que seguiam
os passos da Nokia na fabricação de telefones celulares estavam as coreanas Samsung e
LG, a americana Motorola, a sueca Ericsson, a alemã Siemens e a brasileira Gradiente.
Palavras como revolução digital, convergência e estilo foram o carro-chefe das
propagandas.
97

A partir de 2002, as empresas de telefonia Claro, Tim, Vivo e Telefonica


(posteriormente a OI), alçaram voo no ramo publicitário. Os fabricantes deixaram de
anunciar, e o que passava a veicular no meio impresso e televisivo eram as propagandas
das operadoras, que brigavam pelos assinantes. Atualmente, existem nove grupos ativos de
operadoras de celular no Brasil: Vivo, Claro, Oi, Tim, Nextel, CTBC, Sercomtel, Porto
Seguro e Datora. As três principais empresas que lideram o mercado são a Vivo, a Tim e a
Claro56.
O avanço tecnológico por empresas ligadas à telefonia móvel proporcionou a
massificação deste objeto. Em shoppings e lojas especializadas, é possível observar a
diversificação de modelos, tamanhos e cores que são atribuídos ao aparelho de celular. Nas
figuras a seguir, apresenta-se a evolução dos celulares.
O primeiro celular a ser comercializado, como dito anteriormente, foi o DynaTac
(01), pela empresa Motorola, que media 24 cm, pesava 785 gramas e entrou no mercado
em 1983. Em 1994, a mesma empresa lançou o Motorola Microtac Elite (02), e, em 1996,
a empresa lançou o Motorola StarTac (05). O modelo já tinha a metade do tamanho do
DynaTac, 15 cm, e pesava quase sete vezes menos, 113 gramas. Um ano depois, a
concorrente Nokia introduziu no mercado o modelo 6120 (03), e a vantagem para o usuário
era o visor maior. No ano 2000, a Nokia passou a comercializar o modelo 3310 (04), que
foi muito popular no Brasil.

Figura 5 FONTE: Organizado pela autora.

56
Operadoras de celular 2013. Disponível em < http://www.teleco.com.br/opcelular.asp>
98

Os modelos de celulares descritos acima eram os principais aparelhos


comercializados no país até 2004. Os aparelhos ainda eram robustos, com pouca definição
de cores e recursos limitados. As principais empresas no setor buscavam recursos
tecnológicos para um melhor desempenho e, logo, entraram no mercado os chamados
smarthphones, aparelhos mais inteligentes, com uma infinidade de recursos que, de
imediato, conquistaram o público. O celular tornava-se cada vez mais popular.
A figura a seguir apresenta os principais celulares neste início de século. Não é
intuito, aqui, listar os modelos mais caros no mercado, mas, sim, os mais populares e
conhecidos, a fim de demonstrar a evolução da tecnologia e o desejo pela apropriação dos
consumidores.

Figura 6 FONTE: Organizado pela autora

O aparelho Motorola V3 (06) chegou ao mercado em 2004 com um design, até


então, diferente dos modelos anteriores. Foi muito requisitado entre as mulheres, pesava 95
gramas e era o celular mais “fino” comercializado, com uma variedade de cores
disponíveis, o que atraiu a atenção também dos jovens. Foi um dos celulares mais vendidos
na história, 130 milhões de unidades57. O BlackBerry (07) entrou no mercado em 2007. O
aparelho já possuía funções específicas para pessoas que necessitavam de recursos
funcionais, principalmente para o mercado de trabalho. O layout do teclado permitia uma
57
Os vinte celulares mais famosos da história. Disponível em
<http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2013/02/site-lista-os-20-celulares-mais-famosos-da-historia.html>
99

digitação rápida, era o preferido do público masculino. Em 2006, a Nokia lançou o modelo
N95 (08), com um layout parecido com o V3, mas a tela era mais atrativa. Neste aparelho,
as músicas em mp3 já podiam ser reproduzidas, e ele suportava a linguagem em flash e
tinha recursos adicionais como mapas de localização.
No dia 29 de junho 2007, foi lançado o iPhone (10), pesando 135 gramas e com
tecnologia touchscreen. O lançamento foi feito pelo visionário em tecnologia e fundador
da Apple, Steve Jobs, em um dia histórico para a revolução da tecnologia móvel. Até
então, os smartphones combinavam emails e Internet, mas eram difíceis de serem usados,
complicado para alguns. A revolucionária interface agregou hardware e software e
possibilitou aos usuários livrarem-se dos botões apenas com um simples toque do dedo. O
sofisticado sistema operacional do iPhone possibilitou multitarefas como a interface de um
desktop. Quatro anos mais tarde, a Samsung lançou um similar ao iPhone, o Galaxy Nexus
(09), com a mesma tecnologia touchscreen e com preço de mercado mais acessível ao
interessados em tecnologia inteligente.
Há quarenta anos era impossível ligar de onde se estivesse para outra pessoa, em
qualquer lugar do planeta; hoje, os celulares cabem na palma da mão. Até 2016, entra no
mercado, desenvolvido pela Microsoft (15), o SkinPut58 – inovação que agrega
smartphones em comandos ao toque da pele (mãos, braços e coxas). O Skinput elimina
botões ao usar o maior órgão do corpo humano como superfície para acionar celulares.
Não se está longe do que a filósofa americana Donna Haraway (2000, p. 315) previu:
“perdemos os limites e o juízo de valor sobre as máquinas, somos o mesmo que elas”.
Castells (2007, p. 38) retrata o celular como uma das maiores invenções humanas.
A fusão da biologia, da informática e da microeletrônica foi a base para os avanços em
inteligência artificial. Os aparelhos de celulares estão cada vez mais presentes na vida
humana. Os rápidos avanços da tecnologia permeiam nossa vida e, quase que
despercebidos, ajustam-se ao dia-a-dia. O celular é o símbolo em constante transmutação
de valores, de significados e de práticas. É ele que informa o quão atualizado se está, em
qualquer espaço e tempo.

58
Cientistas desenvolvem nova forma de interagir com aparelhos eletrônicos em que é preciso apenas tocar a
própria pele para acionar os comandos, disponível em
<http://www.istoe.com.br/reportagens/129053_NA+PALMA+DA+MAO>
100

Figura 7 FONTE: Organizado pela autora

A mobilidade imaginária é maior que a real. O contorno, online e móvel, dessas


novas estruturas está em vivenciar novas práticas culturais. Na mistura do design Michel
Laut59(12), o aparelho apresenta forma arredondada, com tela transparente, toque de luxo
e requinte para a assinatura de várias grifes famosas, pois, “como os telefones se tornaram
padrão, a declaração que eles fazem como símbolo e um acessório de moda tornou-se cada
vez mais importante”.
Os centros de pesquisa da Nokia, baseados em progressos da nanotecnologia,
criaram o HumanForm (13), totalmente maleável, podendo ser ajustado em qualquer
movimento e comando de voz. Novas experiências sensoriais para o usuário estão sendo os
avanços na tecnologia móvel. Será possível informar o humor da pessoa que está na linha.
O Nokia Research Center60 preparou o Relatório “Future challenges for mobile phones”
baseado nos centros de pesquisa em Bangalore, Pequim, Berkeley, Cambridge, Nairobi,
Otanieme, Sunnyvale, Tampere. Como principais desafios da tecnologia móvel futura
aparecem sensores, armazenamento de dados, poder e gerenciamento térmico e mais
avanços na nanotecnologia, como a criação de metametais para nanopartículas magnéticas.
O Windows Phone (14) promete prever com precisão as mudanças de temperatura onde o
usuário está localizado. Para ativar qualquer recurso no aparelho, basta soprar a tela. Não
distante da concorrente e dos projetos para lançamentos futuro, a Apple aposta em
holográficos. O celular holográfico, Black Hole (15), está sendo projetado para entrar no
mercado antes de 2020.

59
Circular Cell Phone by Michael Laut. Disponível em
<http://www.yankodesign.com/2007/04/17/radia-circular-cell-phone-by-michael-laut/>
60
Nokia Research Center, disponível em <http://research.nokia.com/files/leti2007Asta.pdf>
101

5.2. Estudo exploratório II

Para a definição do universo da amostra, no segundo momento dos estudos


exploratórios que compõem a pesquisa, opta-se por se fazer o recorte pela posição de
classe popular e a geração jovem. Dez alunos foram selecionados pelo interesse
demonstrado em conversas informais no pátio da escola em compor o segundo estudo
exploratório. A fim de possibilitar dados qualitativos, permitindo uma melhor compreensão
nesse segundo estudo exploratório, a entrevista semiestruturada foi composta por 144
questões pertinentes ao tema, dividida nas seguintes categorias: identificação do
entrevistado, escola, redes sociais, celular, família, grupo social, representação e valores.
Com relação à amostra de dez jovens da mesma escola, as entrevistas foram
realizadas no colégio, em uma sala cedida pelo setor de Orientação Educacional,
posteriormente, na casa dos entrevistados e, por último, em ambientes públicos, como
shoppings e parques.
Um mapeamento do perfil das redes sociais online (Facebook) foi realizado durante
seis meses a contar do primeiro contato para com os estudantes entrevistados. De cinco a
oito encontros foram necessários para as entrevistas em profundidade, com duração de
mais de duas horas cada e, assim, o perfil de cada estudante pôde ser construído.

5.2.1. Definição do universo da amostra

As entrevistas que compõem o segundo momento dos estudos exploratórios foram


realizadas em uma sala cedida pela Secretaria de Orientação Educacional do Colégio A; os
registros foram gravados em áudio e, depois, decupados, resultando em 293 páginas
transcritas e mais de oito horas de gravação.
Os entrevistados confessam ter pesquisado algum conteúdo na Internet através do
celular durante a aula e sete deles sofreram repreensões por parte dos professores pelo uso
indevido, causando constrangimentos e apreensão do aparelho por parte da direção da
escola. Formas de aprendizagem com o uso do aparelho através de pesquisa online e
102

leituras em sala de aula são apontamentos dos jovens embora descreiam que seu uso deva
ser legalizado, pela incapacidade de se centrarem apenas em questões relacionadas à aula.

Às vezes você está em pesquisa de aula e não tem algumas coisas nos livros e
dai a internet te proporciona muito, porque no Google o que eu não acho nos
livros pode achar na internet. A maioria dos professores neste caso libera como
os professores de português, história, língua estrangeira e literatura. E
atrapalha porque às vezes estou concentrado numa aula e recebo uma
mensagem e dai tu fica entretido e perde a aula (Carlos, 17 anos).

Se fosse liberado o uso do celular ia ser uma bagunça. Todo mundo olha
escondido, mas se realmente fosse liberado ninguém ia prestar atenção na aula,
ia ser uma bagunça desgraçada (Gerson, 17 anos).

Atrapalha às vezes eu sinto vontade de tuitar e daí eu vou lá e tuito. E me


desconcentro da aula (Guilherme, 18 anos).

É unânime entre os estudantes o acesso às redes sociais no celular através da


conexão Wi-Fi e/ou 3G. Destaque para o Facebook, de que todos participam via celular;
sete estudantes dizem não conseguir relacionar-se sem o uso da rede online e não veem
outra atividade possível para realizar sem estar conectados.

Parece que tem que ficar mexendo e atualizar alguma coisa. Fico ansiosa sem
estar conectada pra ver se aconteceu alguma coisa (Tuane, 17 anos).

No twitter eu conto tudo que eu faço no meu dia, tanto coisas boas ou ruins. Às
vezes chego a fazer mil tuites. Chego ao limite do twitter (Mariana, 16 anos).

Os hábitos diários estão intrinsecamente ligados ao celular. Todos levam


diariamente o aparelho para a escola e dizem verificar mensagens durante as aulas. Nove
deles escutam música e já tiraram fotos em sala de aula. Sete entrevistados dizem utilizar o
celular enquanto conversam com os pais e seis deles compartilham conteúdos nas redes
sociais enquanto dialogam com amigos e parceiros.

Eu acordo e vou pro twitter, tuito que eu acordei. Eu vou pro banho e depois que
eu saio eu tuito de novo. Eu vou tuitando o dia inteiro e quando eu chego na
aula conecto a internet e vou pro Twitter e pro Facebook, de noite na cama eu
fico reblogando e tuitando (Mariana, 16 anos).
103

Os entrevistados admitem por unanimidade acordarem e verificarem mensagens no


telefone, como também olharem o aparelho antes de dormir. Os jovens utilizam o celular
na cama e no ônibus, oito no banheiro e sete fazem refeições com ele ao lado enquanto
atualizam as redes sociais. Os entrevistados dizem desenvolver afetividade relacionada ao
objeto, utilizando palavras como “amor, afeto, companheiro, raiva (quando não funciona),
não poderia viver sem o celular”.

Ficar sem celular é a mesma coisa que estar perdida, sem saber pra onde ir. No
twitter eu conto tudo que eu faço no meu dia, tanto coisas boas ou ruins. Às
vezes chego a fazer mil twittes. Chego ao limite do twitter (Mariana, 16 anos).

O celular serve como construção de si mesmo ao personalizar o papel de parede,


construir o perfil na rede social, postagem de fotos. A resposta é unânime também quando
questionados sobre a forma de andar e falar publicamente, pois todos digitam textos ou
realizam ligações enquanto caminham. O sentimento de solidão sem o aparelho é
mencionado por todos e acreditam que o celular faz parte de si, do próprio corpo.
Os planos pré-pagos estão disponíveis para a maioria, e sete dos entrevistados já
tiveram entre cinco e dez modelos diferentes de aparelhos. Todos ganharam celulares dos
pais e cinco deles escolheram o modelo variando de R$300,00 a R$600,00. Com relação ao
trabalho dos pais, podem-se enquadrar nas seguintes profissões: doméstica, taxista,
frentista, esteticista, do lar, autônomo, comerciante, funcionário público, policial
aposentado. Oito jovens entrevistados revelaram que seus pais fizeram a compra do celular
em parcelas.
Neste segundo estudo, que contou com a amostra de dez estudantes da escola A,
apenas quatro consentiram em prosseguir para a amostra da investigação, pois
concordaram em colaborar com a etnografia e observação participante tanto no espaço
escolar quanto no doméstico.
104

5.2.2. Amostra

Os jovens entrevistados para esta pesquisa pertencem ao Colégio A, que tem


aproximadamente 1.300 alunos matriculados no Ensino Médio. A maioria dos alunos do
Colégio é oriunda de classe popular. Assim, a atenção volta-se aos menos favorecidos pela
condição econômica subalterna em relação a outras classes sociais. O município conta com
37 escolas públicas para o Ensino Médio, mas apenas a direção da escola A aceitou a
inserção da pesquisadora no espaço escolar a fim de entrevistar alunos sobre o uso do
celular.
Com a liberação por parte da direção do colégio para a investigação com os
estudantes, a primeira aproximação foi entre junho/julho/agosto de 2012 com o propósito
de realizar estudos exploratórios e selecionar jovens para a entrevista em profundidade.
A amostra da pesquisa é composta de dez alunos de classe popular do Ensino
Médio da Escola A. Durante a etnografia, seis entrevistados revelaram pertencer ao
programa Bolsa Família. Para a entrevista em profundidade, contou-se com cinco moças e
cinco rapazes, na faixa etária entre de 15 a 18 anos. Todos eles têm moradia fixa na
cidade de Santa Maria e residem na periferia, longe do centro urbano. Ao traçar o perfil
geral dos estudantes entrevistados, pode-se destacar insegurança perante o futuro,
dificuldades financeiras vividas no núcleo familiar e conflito de gerações.
Ao relatarem histórias da vida pessoal, todos pareceram francos ao contar os
problemas vivenciados, os traumas e as inseguranças. Poucos alunos apresentam descaso
com a higiene pessoal, pois a imagem individual perante a escola é muito bem elaborada
antes de sair de casa. Geralmente vestem-se com a roupa que possuem e usam o celular
como acessório de moda ao combinar a capinha com as cores do vestuário.
Durante as entrevistas, muitos falaram de suas expectativas sobre o futuro e
revelaram que o celular é o principal meio de acesso à Internet, já que a maioria não possui
computador ou notebook em casa. Quatro estudantes relataram integrar o mercado
informal de trabalho para ajudar nas despesas da casa embora todos ajudem nas tarefas
domésticas do lar.
Os entrevistados desta pesquisa são, na maioria, repetentes na escola, sete deles
foram reprovados na trajetória escolar. Alice, Denise, Alex e Eduardo reprovaram dois
anos, já Bianca e César repetiram uma vez no Ensino Fundamental. Oito entrevistados
105

admitiram ter praticado relações sexuais embora estejam sem parceiros, apenas Alex e
Eliana namoram há mais de um ano.
Com relação à aquisição do capital cultural fora do espaço escolar, as jovens
Eliana, Cláudia e Denise destacam-se na busca por aperfeiçoamento técnico em cursos
profissionalizantes de maquiagem, enfermagem e cabeleireira, construindo mecanismos de
distinção social entre os demais colegas.

5.2.3. Perfil dos entrevistados

A seguir, seguem os perfis dos dez entrevistados desta pesquisa, os quais são
descritos a partir do trabalho de campo etnográfico e a técnica da observação participante,
bem como através da análise dos perfis dos entrevistados, observados na rede social
Facebook.
Alice – tem dezessete anos, cursa o primeiro ano do Ensino Médio pela manhã e à
noite é garota de programa. A mãe da estudante é faxineira e o pai recolhe lixo hospitalar
em uma empresa terceirizada. A renda aproximada da família é de R$950,00/mês e seis
pessoas dividem a casa – incluindo a irmã mais velha de dezenove anos, que está grávida e
foi abandonada pelo namorado caminhoneiro. Alice revela que é através do celular que
consegue marcar os programas, fazer trabalhos da escola e acessar o Facebook, pois a
família não possui computador em casa. A casa em que Alice vive fica no subúrbio da
cidade de Santa Maria, é de madeira e ela divide o quarto com a irmã grávida, o que gera
muitos conflitos dentro do lar. O maior passatempo da estudante é o telefone celular e as
redes sociais. Repetente por dois anos seguidos, a jovem se diz desestimulada em relação
ao ensino e a única maneira de mudar de vida é casando com um homem rico enquanto é
jovem.
Bianca – tem dezessete anos e cursa o segundo ano do Ensino Médio pelo turno da
tarde. Durante a manhã, ela é babá e, com o salário, pode comprar algumas coisas que
deseja, pois a mãe ganha apenas um salário mínimo. A grande paixão da jovem são as
bijuterias. Está sempre com anéis, brincos e colares que “chamam a atenção das pessoas”.
106

Os pais da jovem são separados. A mãe dela é faxineira em uma casa de um bairro nobre
da cidade e o pai abandonou o lar quando ela tinha apenas cinco anos. A jovem divide a
casa com mais dois irmãos que estudam no mesmo colégio, um de catorze e outro de
quinze anos. Como Bianca tem muitos acessórios, a capinha do celular é trocada quase
todos os dias para combinar com o vestuário. A estudante tem computador em casa, mas
não possui Internet, e a única forma de acesso às redes sociais é pelo celular. O seu sonho é
trabalhar com marketing.
Cláudia – tem dezoito anos, está no terceiro ano e nunca repetiu de série. O pai da
estudante é pedreiro e cursou até a quinta série do Ensino Básico, a mãe é doméstica e foi
até a sétima série. A família de Cláudia é evangélica, e a estudante participa ativamente das
atividades da Igreja no bairro. Ela coordena o grupo de jovens evangelistas, participa da
banda da escola e é dedicada aos estudos. Atualmente a jovem tem o sonho de ser médica e
já cursa paralelamente ao colégio um curso técnico de enfermagem. O curso é pago com
muita dificuldade pela família, e o valor da educação dentro da casa de Cláudia é frisado
diariamente pelos pais, assim como valores morais e religiosos. Atualmente, a casa de
Cláudia está servindo de abrigo para uma tia (desempregada) e sobrinha, com a qual ela
tem que repartir o quarto, perdendo, assim, a privacidade que tinha antes. A estudante é
ativa em manifestações políticas e sociais e se diz abertamente a favor da “Cura Gay”,
assunto polêmico que envolve alunos homossexuais durante o intervalo na escola. A jovem
usa o celular para falar com amigos e família diariamente.
Denise – tem dezessete anos e está no segundo ano do Ensino Médio. O pai é
porteiro de um hospital da cidade e a mãe faz bico como cabeleireira e sacoleira quando
pode, pois tem sérios problemas de saúde. Denise afirma sofrer bullying constantemente no
colégio por ser baixinha e gorda, é sempre motivo de piada em sala de aula e quase não
tem amigos. Está sofrendo de depressão e síndrome do pânico, tendo dificuldades de ir à
escola. Está sempre acompanhada dos pais e quase nunca sai de casa. Sua maior diversão é
o celular e a banda One Direction, conteúdo exclusivo do seu perfil no Facebook. Denise
não tem computador em casa e a única forma de acesso às redes é o celular. A renda
mensal da família é de menos de mil reais por mês.
Denise tem 780 amigos virtuais e não possui seguidores. No perfil da estudante há
o email pessoal de contato e o endereço residencial da família, juntamente com a data de
107

aniversário. Nos idiomas citados que fala está somente o português, e a jovem colocou
quatro colegas de aula como membros familiares, alterando os laços de parentescos com a
família biológica. A predominância no álbum de fotos são registros de colegas, a turma de
amigos da jovem. As fotos são feitas a partir do celular e postadas na rede Facebook. No
perfil da rede social, a jovem declara ter conhecido algumas cidades do Rio Grande do Sul,
mas não visitou outros estados. Nas opções curtir estão a banda preferida já citada e cerca
de 30 filmes de romance.
Eliana – tem dezoito anos e está no segundo ano do Ensino Médio. O pai da jovem
é entregador de móveis e a mãe é atendente de lanchonete na rodoviária de Santa Maria. A
estudante diz sofrer discriminação social constantemente no colégio por ser “negra, gorda e
lésbica”. Hoje ela se diz “ex-crente” e defensora da causa homossexual. Está sempre com o
celular na mão e conectada todo instante. O celular é a única forma de acesso à Internet e,
quando quer realizar algum trabalho da escola, frequenta uma lan house na vila onde mora.
Os pais de Eliana são evangélicos e não aceitam a orientação sexual da filha, o que gera
muitos conflitos familiares.
A foto do perfil do Facebook dela é um autorretrato com o celular. A foto de capa é
do rosto dela em preto e branco. Há meses Eliana posta frases de autoajuda e de esperança,
deixando claro haver algum conflito em sua vida íntima. A cidade natal dela é Porto
Alegre, mas não visita a capital rio-grandense há anos. No perfil do Facebook, no item
idiomas que fala, consta apenas o português e o número do celular da estudante é público.
Todos podem enviar SMS e realizar chamadas para a jovem.
No álbum de fotos da estudante, a preferência é por mostrar festas, bebidas
alcoólicas, amigos e colegas do curso de Enfermagem como forma de distinção entre os
colegas da escola, pois “eu faço mais que eles”, ela diz. Embora os pais sejam evangélicos
e contra o relacionamento afetivo da filha, que se declara homossexual, os conflitos
parecem atenuados em fotos postadas com a família constantemente. Um álbum de fotos
próprias foi criado, onde aparecem fotografias tiradas com o próprio celular da estudante,
sempre muito maquiada e com roupas sensuais como vestidos curtos e decotes grandes. A
estudante é seguida por outros 62 usuários e tem 1.002 amigos virtuais na rede social.
Alex – tem dezoito anos e está concluindo o terceiro ano do Ensino Médio com o
sonho de ser fisioterapeuta. Os pais são separados, ele vive com a mãe e os avós na casa da
108

família. Atualmente, a mãe está desempregada e o único sustento da casa é a aposentadoria


dos avós. O pai é motorista de ônibus e concluiu até a quinta série no Ensino Fundamental.
Alex é gay e namora um colega de aula. Sofre diariamente preconceito por parte da mãe,
que é evangélica e não aceita sua opção sexual. Para ajudar na renda da família, o jovem
trabalha como recepcionista em um hotel da cidade. A única forma de comunicação com
os amigos e namorado é o celular.
O perfil apresenta a instituição escolar que frequenta e o local do novo trabalho.
Com relação à família, só merecem destaque de citações duas primas e um tio, únicos
membros familiares que conhecem a opção sexual do jovem. Ele diz estar em um
relacionamento sério, mas não diz com quem, tem medo de mais rechaços por parte de
colegas, professores e familiares. Sente-se constantemente discriminado por ser
homossexual.
Embora tenham, na grade curricular do colégio, línguas estrangeiras como espanhol
e inglês, o jovem apenas menciona o português nos idiomas que fala. Quando realiza check
in, ferramenta disponibilizada pelo Facebook para informar aos outros usuários o lugar em
que está, menciona locais da cidade onde mora, como lancherias e shoppings. Não tem a
mesma mobilidade real que a virtual. Em opções “curtir” que o usuário tem, na rede online,
estão 33 bandas de música e uma página contra homofobia. Aparecem apenas quatro
eventos que ele frequentou nos últimos seis meses. As relações sociais não são tantas como
as de outros amigos, como passeios e exposições. Os únicos grupos de discussão de que
participa são quatro, todos referentes à escola, o meio mais letrado disponível no contexto
social do adolescente. A escola representa o símbolo da cultura e futuro para mudar de
vida. Ele mesmo curte as próprias fotos, em uma reafirmação perante si e o grupo social.
Bruno – tem dezessete anos e está concluindo o Ensino Médio. É estudante
dedicado e diz não querer o mesmo caminho que os pais. A mãe do adolescente é
doméstica e o pai trabalha numa mecânica no bairro onde moram. Bruno se declara “gay” e
afirma sofrer bullying pela família devido à não aceitação de sua homossexualidade. Seu
maior sonho é conseguir independência financeira e mudar de cidade com o namorado,
longe de todos que o recriminam. O celular é a única maneira de pesquisar assuntos ligados
à escola e de manter contato com amigos e o namorado. O desejo de Bruno é ser médico e
defender a causa gay no Brasil.
109

César – tem dezessete anos e cursa o primeiro ano do Ensino Médio. O pai é pintor
e a mãe, empregada doméstica. Divide o quarto na casa com mais dois irmãos menores, um
de sete e outro de doze anos. Para ajudar nas despesas da casa, César trabalha de atendente
numa padaria no centro da cidade, no turno da manhã. Com o salário que recebe,
conseguiu comprar o celular para conversar com as meninas e acessar o Facebook. O
jovem revela que não gosta de publicar fotos e assuntos pessoais na rede e que utiliza o
celular para “fuçar” no perfil das gurias mais bonitas do colégio. Os pais do estudante estão
economizando dinheiro para poder comprar um computador para a família.
Diogo – tem 15 anos e está no primeiro ano do Ensino Médio, é um estudante
dedicado e suas notas estão sempre acima da média. O pai é pedreiro e a mãe trabalha de
faxineira no asilo municipal da cidade. O jovem acredita que, para mudar de vida, é preciso
muito estudo e dedicação. O celular de Diogo é utilizado para pesquisa de estudos e
contato com amigos no Facebook. Diogo é filho único e ainda está indeciso sobre qual
carreira pretende seguir. Primeiramente, o jovem quer fazer um curso técnico depois que
terminar o colégio.
Eduardo – tem 18 anos e está no primeiro ano do Ensino Médio. O pai é falecido e
a mãe trabalha de cozinheira numa lanchonete da cidade. Eduardo diz sofrer muito
preconceito por ser negro e ser este o motivo para não conseguir trabalho e ajudar no
sustento da casa. Pela falta de trabalho, ele vende maconha em um parque no centro da
cidade. Atualmente está sofrendo de depressão por ter perdido um filho. Sua ex-namorada
sofreu um aborto e o deixou, mudando de cidade. Recentemente, o jovem conseguiu
ganhar um celular de presente da mãe, e com ele está tentando buscar notícias da ex-
namorada pelas redes sociais, sem sucesso. Eduardo não considera a maconha como uma
droga, e sim um calmante para aliviar tensões, para ele “é melhor que remédio”. A função
maior na aquisição do celular está em achar a ex-namorada desaparecida e aumentar a rede
de relacionamentos para compradores da droga.
A partir da amostra, foi possível detectar: 1) o elevado consumo de tecnologia
móvel por parte do grupo juvenil; 2) a carência de uma cultura letrada e baixo capital
cultural; 3) conflitos entre a escola e família no que se refere ao uso do celular; 4)
discriminação pela opção sexual. Desta maneira, entrou-se na primeira plataforma de
análise através da mediação da socialidade, compreendendo a família dos entrevistados,
110

assim como o ambiente escolar e suas representações bem como as distinções dentro desta
fração de classe popular.

5.3. Imersão no campo

O trabalho de campo iniciou com o mapeamento das escolas de Santa Maria e a


possibilidade de inserção no espaço escolar para a pesquisa. Das 37 escolas públicas do
município, apenas uma aceitou o desenvolvimento da investigação. O corpo docente bem
como a direção da escola viu como necessária a importância dos estudos relacionados ao
uso do celular pelos alunos. Por motivos éticos, o nome da escola em questão bem como
dos alunos serão fictícios a fim de preservar a identidade dos envolvidos.

A direção da escola deu livre circulação para a pesquisadora participar dos horários
de recreação dos alunos bem como acompanhar a entrada e saída dos mesmos. Durante três
trimestres, foi possível acompanhar, pelo turno da manhã, os alunos do Ensino Médio da
escola A. No início de cada semestre, são transmitidas aos alunos as regras sobre o uso do
aparelho. Segundo a fala do Diretor:

Não é permitido o uso do celular em sala de aula, se o aluno for pego com o
celular em aula é retirado imediatamente. Só pode pegar o celular o pai ou o
responsável. Tem muitos pais que realmente pegam o celular e não devolvem
mais para o filho, mas a maioria devolve e nos desmoraliza (Diretor da escola
A).

A Escola Estadual A está localizada no município de Santa Maria, no Rio Grande


do Sul. Atende alunos provenientes de bairros vizinhos compostos por comunidades de
baixa renda. Quanto ao espaço físico, a escola possui secretaria, almoxarifado, sala de
direção, sala de professores, refeitório, banheiros, (masculinos e femininos), laboratório de
informática equipado com 20 (vinte) computadores e acesso à Internet, uma biblioteca com
acervo de livros didáticos, literários infantis, enciclopédias, dicionários, além de materiais
de leituras informativas como jornais e revistas. Para a prática de Educação Física, há uma
quadra de esportes e uma sala fechada para aulas de dança.
111

O espaço externo utilizado para o recreio é amplo e favorece a circulação dos


alunos. A escola possui algumas rampas de acesso aos locais e também muitas escadas, o
que dificulta o acesso de alguns alunos portadores de necessidades especiais que
frequentam a escola.
As reuniões pedagógicas acontecem mensalmente, com a duração de duas a quatro
horas, quando são discutidos assuntos gerais, destacando-se o planejamento, a organização
e o funcionamento da escola. A escola possui CPM (Círculo de Pais e Mestres) e Conselho
Escolar que mensalmente se reúnem nas dependências da escola para prestação de contas e
tratar de assuntos diversos, como, por exemplo, a participação de toda a comunidade nos
eventos promovidos pela escola, nas reuniões com palestrantes como médicos, psicólogas,
conselho tutelar, envolvendo assuntos de interesse geral dos pais e alunos.
No primeiro trimestre (maio/junho/ julho/ 2012), os primeiros contatos foram
dentro da escola A, tanto no pátio da escola quanto na sala cedida pela direção. No
segundo trimestre (março/ abril/maio 2013), os contatos se deram em espaços públicos
como praças e shoppings. Somente no terceiro semestre (julho/ agosto/setembro 2013),
com laços de confiança estabelecidos entre a entrevistadora e o entrevistado, é que alguns
encontros puderam ser realizados na residência dos jovens.
Imersão na escola: enquanto houve conversa com os entrevistados de maneira
informal, alguns outros estudantes centravam a atenção no processo que estava ocorrendo.
Posteriormente, quando o sinal tocava para voltarem às aulas, alguns vinham perguntar que
tipo de entrevista e/ou trabalho estava sendo realizando. Quando emergia o objeto de
estudo, o celular, muitos queriam participar, embora o quadro já estivesse delimitado por
questões de acordos já firmados com outros entrevistados. Os meses de maio, julho e
julho, no Rio Grande do Sul, têm a característica de serem rigorosos quanto ao frio, por
isso muitas das conversas foram na biblioteca e nas áreas cobertas do pátio. Ao conversar
com os alunos durante a etnografia, todos eles estavam em posse do celular, e, enquanto se
tratava de assuntos sobre o aparelho, os jovens acessavam as redes sociais ou deixavam
simplesmente músicas tocando de fundo para a conversa como forma de diversão. O tempo
de conversa durante a estadia na escola era reduzido pela manhã devido aos períodos de
intervalos e de entrada e saída, o que não aconteceu nas entrevistas em profundidade,
muitas delas também realizadas na escola em turno oposto do estudo. Ou seja, no primeiro
112

trimestre, as entrevistas semiestruturadas em profundidade com os estudantes foram


realizadas pelo turno da tarde para não atrapalhar o decorrer de cada aula ou provocar a
ausência dos alunos da sala de aula.
Imersão no espaço público: ocorreram encontros em shoppings da cidade, em
praças perto da escola dos estudantes e parques da cidade de Santa Maria. A mudança do
espaço escolar para o espaço público não alterou o hábito de, durante as conversas, os
entrevistados permanecerem com o celular, mas o ambiente público revelou uma maior
liberdade em tratar de assuntos íntimos e familiares que até então não tinham sido
abordados nas entrevistas na escola. Nos parques, os assuntos que tratavam da socialidade
entre amigos foram destaque ao descreverem encontros e histórias que marcaram a
trajetória com amigos e colegas; nas praças, emergia a lembrança da infância e das
dificuldades vividas pelas condições financeiras para a aquisição de brinquedos ou até
mesmo a compra de celular durante a infância foi revelada. Nos encontros em shoppings,
foi possível notar certo desconforto quanto à posição de consumidor. Muitos produtos
expostos foram alvos de sentimento de tristeza por não terem poder aquisitivo de compra.
Estes produtos, na maioria das vezes, estavam relacionados ao vestuário e a bens
eletrônicos de comunicação, como tablets e celulares mais modernos.
Imersão no espaço doméstico: não estavam previstas, no início da pesquisa, visitas
no espaço doméstico dos entrevistados. Mas, no terceiro trimestre, cerca de dois encontros
com cada estudante acabou acontecendo por convite dos próprios alunos. Como os bairros
são de difícil acesso, em algumas entrevistas esperou-se o aluno sair da aula para ser
acompanhado pela entrevistadora até a casa. Em alguns momentos, pôde-se compartilhar
de refeições como almoço e, em outros casos, a janta em família. Em outros momentos, a
entrevistadora utilizou GPS e carro para deslocar-se até a residência dos alunos. É possível
destacar a baixa qualidade da infraestrutura de algumas casas, a dificuldade de saneamento
básico e o calçamento das ruas que ligam ao transporte público. Durante as entrevistas no
espaço doméstico, alguns conflitos familiares foram presenciados. Alguns pais chegaram a
reclamar explicitamente do uso excessivo que os jovens fazem do aparelho, “deixando os
estudos de lado”, outros conflitos eram da ordem da organização da casa, como tarefas
domésticas adiadas ou conflitos pela falta de privacidade.
113

A imersão do campo da pesquisa, consequentemente, foi maior na escola, onde a


etnografia foi realizada, mas os espaços públicos e os domésticos acabaram servindo de
campo de observação na pesquisa.
A entrevista semiestruturada em profundidade e a observação participante foram as
técnicas escolhidas para desenvolver a pesquisa junto aos alunos. Buscou-se o diálogo de
maneira a identificar posicionamentos e ideias na visão de mundo do jovem acerca dos
usos e práticas do celular. Na busca pela profundidade nas entrevistas, encontros
presenciais foram realizados e laços afetivos construídos com os estudantes, pois só assim
é que se pode adentrar nos preconceitos, nos traumas e na violência ocultada por uma
realidade marcada pela condição econômica precária, quase de subsistência.

5.3.1. Método Etnográfico

Os primeiros estudos etnográficos sobre a máquina a vapor, o telefone e o telégrafo


foram o cenário da profissionalização da etnografia e da observação participante nos
modos de vida urbanos. Com isso, outro viés, além das ciências naturais, foi alçado e
alguns obstáculos foram sendo levantados e derrubados à medida que a etnografia revelava
seus resultados.
A imersão de campo dos pesquisadores é uma aventura, com alguns percalços no
meio do caminho, como foi o caso de Lévi-Strauss e sua esposa nas expedições
amazônicas relatadas em cartas a Oswald de Andrade. A contração de uma doença não lhes
permitiu seguir adiante com o trabalho de campo. Assim ocorre nos dias de hoje, em que
inúmeros obstáculos ao trabalho do etnógrafo são erguidos e com eles as adversidades que
o mundo apresenta.
Desse modo, vestir a capa de etnólogo é aprender a realizar uma dupla tarefa que
pode ser grosseiramente explicada nas seguintes fórmulas: a) transformar o exótico no
familiar e /ou b) transformar o familiar no exótico (DA MATTA, 1978, p. 4). O
desvendamento dos enigmas sociais incompreendidos do nosso tempo em universo de
significação compreensível se dão através da antropologia, como diz Da Matta, (1978, p.
5). : “o problema é, então, o de tirar a capa de membro de uma classe e de um grupo social
114

específico para poder – como etnólogo – estranhar alguma regra social familiar e assim
descobrir o exótico que em nós está petrificado pelos mecanismos de legitimação”.
Pensar a etnografia em pleno século XXI, quando as ferramentas de observação e
monitoramento são totalmente informatizadas, é um desafio para qualquer pesquisador.
Métodos artesanais como o diário de campo na era da informática relativizam novas
formas de viver e pensar a antropologia urbana, pois, para Da Matta (1978, p. 3),

A antropologia é aquela onde necessariamente se estabelece uma ponte entre


dois universos (ou sub-universos) de significação e tal ponte ou mediação é
realizada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumentos de
mediação. Vale dizer, de modo artesanal e paciente, dependendo essencialmente
de humores, temperamentos, fobias, e todos os outros ingredientes das pessoas e
do contato humano.

Hoje a diversidade em temas de pesquisas etnográficas se move para profissionais


dentro do campo não apenas das ciências sociais para explicar fenômenos globais, mas
também locais e regionais de uma globalização que parece unificadora, mas que, através
do olhar etnográfico, é capaz de apontar diferenças dentro de um mesmo grupo social.
Segundo Guber (2001, p. 5), a etnografia parte de um sentido tríplice: foco, método
e texto. Para a autora, a etnografia é uma abordagem prática de conhecimento e de
fenômenos que podem ser capturados a todo instante se observados e pesquisados pelos
agentes sociais.
Para Geertz (1989, p. 124), os “símbolos culturais são fontes extrínsecas de
informações, gabaritos para organização dos processos social e psicológico, eles passam a
desempenhar um papel crucial”. O celular como nosso objeto de estudo assume um
patamar de inserção social para os entrevistados – um objeto onde aportar todas as
inseguranças vividas em meio ao grupo que só foi revelado pelas horas de conversa em que
os estudantes sentiram-se livres e confiantes em descrever seus medos em relação ao
mundo e ao futuro. Desta maneira, os resultados de interpretação deram-se sempre “em
diálogo inteligente e crítico com a realidade”.

Deve-se atentar para o comportamento, e com exatidão, pois é através do fluxo


do comportamento – ou, mais precisamente, da ação social – que as formas
culturais encontram articulação. Elas encontram-na também, certamente, em
várias espécies de artefatos e vários estados de consciência. Todavia, nestes
115

casos, o significado emerge do papel que desempenham no padrão de vida


decorrente, não de quaisquer relações intrínsecas que mantenham uma com as
outras (GEERTZ, 1989, p. 12).

Mesmo que a etnografia tente explicar os fenômenos de um determinado grupo


social, ela dependerá de seu relatório, de suas anotações e observações. A descrição
depende da adequação a uma perspectiva dos "membros" de um grupo estudo. Para Guber
(2001), uma boa descrição é aquela que não incorre em interpretações etnocêntricas,
substituindo os seus pontos de vista, valores e razões para a visão, valores e razões do
pesquisador (GUBER, 2001, p. 28).
De acordo com Rocha e Barros (2006, p.38)), “a etnografia é um método dotado de
grande tradição na antropologia e cujo desejo é realizar a descrição dos significados que
um determinado grupo atribui às suas experiências de vida”. Para os autores, hoje, há um
grande distanciamento no que se refere às características do tempo de observação com base
na tradição antropológica. Pesquisas relacionadas ao marketing tentam inovar com
métodos antropológicos e etnográficos e reduzem, assim, o tempo de convivência com os
nativos.
A etnografia, por fim, revela um estudo profundo e contínuo de um determinado
grupo social, no caso desta pesquisa, estudantes e seus usos e apropriações do objeto de
estudo, o celular. Conforme Malinowski (1976), estabelecer uma vivência prolongada e
profunda com os “nativos” é compartilhar com eles suas experiências, seus hábitos, e
emergir plenamente na vida “do outro”, reiterando a observação participante, que se
descreve a seguir.

5.3.1.1. Observação participante

Para definir uma pesquisa qualitativa, levaram-se em consideração três


especificações segundo Jensen e Jankowski (1993, p. 58): compreender os significados que
os atores atribuem ao objeto observado relacionado ao seu cotidiano; observar a visão de
mundo e como ela é constituída a partir de um fenômeno delimitado e, por fim, reconhecer
a importância de uma interpretação sobre o tema estudado dentro de uma investigação
116

social. Assim, a observação participante é a técnica escolhida com a etnografia para


compor a pesquisa.
A observação participante surgiu dentro de um contexto determinado pela pesquisa
em analisar estudantes no espaço escolar a partir dos usos e apropriações do celular.
Dentro deste contexto, buscou-se verificar, na escola A, o comportamento dos alunos e a
interação que estes faziam com o objeto de estudo no grupo. Em relação ao celular, a
postura corporal, as normas de conduta explícitas e implícitas em relação ao aparelho
foram observadas bem como o vocabulário que os jovens verbalizam sobre o uso do
aparelho.
Como parte importante da etnografia, a observação participante baseia-se no
convívio continuado com dado grupo social que inclui dados específicos de coleta e
registro do ambiente pesquisado. O pesquisador anota suas informações no diário de
campo, colhe depoimentos e faz entrevistas. É a partir dos registros que o etnógrafo
escreve a prática cultural observada para que a estrutura dos dados esteja entrelaçada com
a realidade investigada (GEERTZ, 1978).
A observação participante proporciona a experiência direta com o fenômeno
estudado e possibilita recorrer aos conhecimentos e experiências dos entrevistados como
auxiliares no processo de observação. Permite chegar mais perto da perspectiva dos
agentes, e também possibilita descobrir novos problemas e hipóteses de investigação. A
observação participante na escola permitiu a coleta de dados em situação que seria
impossível em outras formas de observação. Através da observação participante, foi
possível a descrição dos sujeitos, a reconstrução do ambiente investigado, no caso, a escola
A, a descrição dos eventos que ocorriam durante os três trimestres observados e a
descrição das atividades. A observação foi aberta e visível aos observados, que sabiam que
eram amostra de uma pesquisa.
Em comparação com os métodos de outras ciências sociais, o trabalho de campo
etnográfico caracteriza-se por sua falta de sistematicidade. No entanto, essa suposta falta
apresenta uma lógica que adquiriu identidade própria como uma técnica para a obtenção de
informações, que seria a observação participante, a qual consiste precisamente, em
registrar especificamente as atividades que compreendem a integração do grupo estudado.
117

O planejamento da observação participante contou com cinco fases distintas, descritas a


seguir:
a) O que observar e como observar: o celular é o objeto de estudo da pesquisa, foi
observado no espaço escolar, no público e no doméstico. No espaço escolar, ele foi
observado principalmente nos horários de intervalo, durante as aulas e na recreação dos
estudantes. O distanciamento às vezes era intencional e outras vezes não, porque a
interação ocorria conforme os alunos questionavam sobre o porquê da pesquisadora
encontrar-se naquele ambiente seguidamente.
b) Preparo de material físico e intelectual: no começo das observações, um
levantamento teórico foi necessário para saber em que medida a inserção poderia acontecer
no ambiente e como esta se daria. Posteriormente, a escolha pelos materiais físicos, como
gravador de áudio, diário de campo e celular, fez-se necessária a fim de registrar as
observações que estavam sendo feitas no local.
c) Registros descritivos: os registros descritivos das observações iniciaram um
bloco de notas e, posteriormente, pela organicidade e rapidez, um tablet foi acoplado como
ferramenta de registro. Sendo de fácil manuseio e de tamanho médio, era possível levá-lo à
mão, consequentemente, acabou sendo mais uma forma de aproximação com os alunos
curiosos com esta ferramenta de comunicação móvel.
d) Anotações organizadas: a organicidade das anotações era revista na volta para
casa da pesquisadora e organizada em banco de dados mensais que, no final, compuseram
os três trimestres de observação participante e de etnografia, cada uma separada da outra.
e) Saber separar os dados relevantes do material coletado: feito o banco de dados
das observações participantes, uma seleção pertinente ao tema de usos e apropriações do
celular foi composta em tabelas pelas categorias de análises e enquadramento teórico-
metodológico da pesquisa. A explicitação do papel da pesquisadora e dos propósitos da
pesquisa junto aos alunos sempre foi aberta e não oculta.
118

5.3.1.2. Entrevista semiestruturada em profundidade

Para Duarte (2011), a entrevista semiestruturada em profundidade é uma maneira


de compreendermos a condição humana. Tornou-se técnica clássica na Comunicação, na
Antropologia, na Psicologia, na Psicanálise e em tantas outras áreas humanas. Desta
forma, a entrevista em profundidade como técnica qualitativa busca, nas identidades e
experiências, recolher informações não visíveis em métodos quantitativos. Segundo Duarte
(2011, p. 62), “as principais qualidades dessa abordagem está na flexibilidade de permitir
ao informante definir os termos da resposta e ao entrevistador ajustar livremente as
perguntas”. Muitas vezes, nas entrevistas realizadas por esta pesquisa, a resposta para
algumas das dúvidas frente aos usos do telefone celular se revelaram em depoimentos onde
as relações familiares eram conturbadas ou onde as discriminações sociais pelo racismo e
opção sexual se diziam explícitas.
Para o referido autor, esta técnica qualitativa que explora um assunto a partir da
busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e
apresentá-las de forma estruturada é uma das principais qualidades dessa abordagem.
No decorrer da investigação, traçou-se a própria entrevista semiestruturada em
profundidade que nortearia a pesquisa. As oitenta questões, subdivididas em 6 categorias,
permitiram explorar o objeto de estudo, incluindo dados de identificação do entrevistado,
usos do celular, redes sociais, convergência midiática, escola, classe social, família e
consumo.
Ao aprofundar as categorias, durante as entrevistas, pôde-se compreender a história
de vida de cada jovem, suas dificuldades, inseguranças perante o futuro e suas práticas
sociais relacionadas ao nosso objeto de estudo: o celular. A característica da entrevista aqui
nesta investigação são relatos íntimos do espaço doméstico, a escassez financeira, que
explica, entre tantas outras coisas, o baixo acessa a bens culturais.
119

Modelo de tipologia em entrevista


Pesquisa Questões Entrevista Modelo Abordagem Respostas
Questão
Nãoestruturadas Aberta
central Em
Qualitativa Indeterminadas
Profundidade
Semiestruturadas Semiaberta Roteiro

Quantitativa Estruturadas Fechada Questionário Linear Previstas


FONTE: DUARTE, 2011.

Segundo Duarte (2011), a entrevista em profundidade tem como objetivo saber


como a realidade é percebida pelo conjunto de entrevistados. Relaciona-se ainda ao
fornecimento de elementos para compreensão de uma situação ou estrutura de um
problema. A seguir, descreve-se uma breve intenção da entrevista desta dissertação,
questionando os alunos do colégio A sobre os usos e apropriações do aparelho de celular
em suas categorias:
a) Usos do celular: gostar-se-ia de saber se é possível um adolescente hoje viver
sem este artefato da modernidade, descrevendo seu dia a dia com o aparelho. Pede-se
ainda, de forma aberta, que o estudante descreva as coisas que gosta de fazer com o celular
na escola, com os amigos e com a família. E, ainda, qual a relação da mídia com o
aparelho, no aparecimento de cenas de novelas, filmes ou seriados.
b) Redes Sociais: como o Facebook é a rede social mais acessada pelos
entrevistados, o interesse partiu da proposta em avaliar o cotidiano dos adolescentes pela
rede online e como estes usavam o celular para compartilhamento de fotos, frases e
fotografias. O que não deveria ser exposto também foi questionado, a intimidade e
escassez do vestuário foram predominantes nas respostas. Sobre as mobilizações sociais
pelas redes como o Facebook, as opiniões foram dissonantes. A maioria descrê de
mudanças da classe social, e a culpa acaba recaindo, segundo eles, “no Estado e nos
políticos corruptos”.
c) Convergência Midiática: nesta subcategoria, queria-se saber sobre cantores e
atores prediletos, como estes apareciam na mídia e como os conteúdos destes eram
perpassados para as redes através do celular. O acesso desterritorializado de uma cultura
juvenil global emerge através do objeto de estudo que os conecta: o celular. Conteúdos de
120

programas nacionais e internacionais são frequentemente compartilhados nas redes via


celular.
d) Escola: questionou-se sobre o capital cultural e se seria desnecessário um bom
emprego sem cursar uma universidade. Solicitamos aos entrevistados que descrevessem o
modo de vida de um estudante de escola pública e de um estudante de escola particular.
Inquirimos sobre o tempo de estudo de cada um e sobre a dedicação aos estudos e, ainda,
se o celular era um objeto de desvio de atenção das pesquisas escolares ou em sala de aula.
e) Classe Social: como se investiga jovens da fração baixa da classe popular, a
causa de haver tantos pobres no Brasil foi atribuída à falta de interesse dos mesmos e sobre
o desinteresse da escola em um ensino de melhor qualidade e com condições melhores de
infraestrutura. Discriminações sociais apareceram nas respostas como um obstáculo em
seguir um futuro melhor. Ficou clara a divisão de aparências de jovens ricos e pobres e
como o programa Bolsa Família atenua certas dificuldades em alguns lares. A política
apareceu nas respostas como desmotivação de uma mudança de governo que invista mais
em educação e saúde, áreas apontadas como prioridades pelos estudantes.
f) Família: os conflitos familiares acontecem pela menor convivência devido ao
uso excessivo do celular. Para sete entrevistados, o aparelho é a única forma de acesso à
Internet. Conflitos sobre as tarefas domésticas, falta de dinheiro e privacidade também
foram apontados como fator de desestímulo perante o futuro. O desemprego de alguns pais
e o trabalho informal de outros geram bastante insegurança no espaço doméstico.
g) Consumo: no último item da entrevista, que ocorreu principalmente em espaços
públicos como shoppings, as questões foram voltadas ao acesso que os jovens tinham aos
bens desejados e como estes se sentiam quando não podiam comprar o que desejavam.
Suas angústias e tristezas pela falta de poder aquisitivo, sonhos de vida a que eles davam
mais importância revelaram a materialidade dos bens luxuosos como mansões vistas em
novelas, carros e viagens ao exterior. Sobre o consumo de literatura, revista, livros e
jornais, a maioria não tem interesse e a única fonte de informação para estes jovens é a
escola e a rede social Facebook. São, portanto, desprovidos de outros bens culturais.
121

5.4. Fase interpretativa: a análise dos dados

O celular, como pode ser observado, é de uso pessoal e raramente ocorre o


empréstimo de um aluno para o outro, salvo emergências para ligações para os pais ou
SMS para algum tipo de paquera para marcar encontros. Não é o intuito desta pesquisa
fazer análise de gênero, mas pode-se lançar algumas observações sobre a diferença do uso
do aparelho celular entre meninos e meninas. Para os meninos, a cor geralmente não é
muito importante, o que realmente é necessário são as funcionalidades como o acesso à
Internet, e o tamanho também pouco importa. Para as meninas, a cor do aparelho ou a
capinha é acessório de moda e geralmente combina com a cor do esmalte ou da roupa que
estão usando no dia.
No segundo trimestre, deu-se atenção maior aos entrevistados que participavam das
recreações no colégio e nos períodos de entrada e saída. À medida que se aprofundou a
relação entrevistadora/entrevistado, detectou-se que seis jovens pertenciam ao programa do
governo federal Bolsa Família, três deles eram homossexuais e quatro sofriam preconceitos
e por parte de outros estudantes da escola. Durante os intervalos das aulas, estes
estudantes concentravam sua atenção no aparelho de celular, o que permitia um
afastamento do grupo maior.
Como o trabalho de campo teve um período longo, alguns encontros posteriores
com os entrevistados ocorreram fora da escola. As entrevistas gravadas em áudio
compreendem cerca de três horas e ocorreram em mais de cinco encontros com cada
entrevistado.
O acesso à música, ao Facebook e aos registros fotográficos são as três principais
práticas dos adolescentes relacionados ao celular no pátio da escola. Pode-se verificar
também o celular como uma extensão do corpo, pois os alunos estão a todo o momento
com ele à mão. Mesmo sem estar usando alguma funcionalidade, o celular é carregado
como uma extensão de si. Na hora da aula, ele é guardado no bolso da calça ou fica sobre a
classe no modo silencioso. Se ele tocar ou o aluno receber um alerta das redes sociais, ele
não tocará para os demais escutarem, pois só presos ao corpo é que é possível sentir a
vibração do aparelho quando está recebendo notificações.
122

a) Música: foi possível observar a grande maioria dos jovens com fones de ouvidos
escutando música, alguns isolados e outros compartilhando o fone com amigos. Para
destacarem-se da maioria, outros estudantes escutam música sem os fones, com volume
máximo. Estes chamam a atenção por onde passam, nunca ficam no mesmo lugar e sempre
circulam pelo pátio da escola. O vestuário dos jovens sempre condizia com o tipo de
música que era reproduzida. O grupo dos roqueiros vestia geralmente camisetas pretas com
estampa de bandas e escutava rock; o grupo dos gaudérios vestia roupas típicas da cultura
gaúcha e escutava milongas e chamamés; já os funkeiros escutavam música sem os fones,
os meninos usavam correntes no pescoço, bonés de aba larga e calças jeans sempre abaixo
do quadril, aparecendo partes da roupa íntima. As meninas funkeiras vestiam roupas curtas
e blusas bem decotadas, estavam sempre muito maquiadas; o grupo dos estudantes
evangélicos era sempre discreto em cantos no pátio da escola e escutavam louvores nos
aparelhos de celular. Algumas meninas usavam saias longas, não cortavam o cabelo, outras
cuidavam excessivamente para não aparecer nenhuma parte do corpo. Em todos os grupos
o celular estava presente.
b) Facebook: a segunda atividade de maior incidência verificada entre os
estudantes da escola A foi o acesso ao site de relacionamento Facebook. No intervalo das
aulas, os alunos acessam a rede online para realizar atualizações de status, compartilhar
frases e vídeos de músicas e curtir páginas de artistas preferidos. O acesso ao Facebook é
constante, e alguns alunos admitem usar a rede online durante as aulas e até na realização
de testes e provas da escola. O acesso constante às redes sociais e o uso do celular é um
problema apontado pela direção da escola e pelos professores, que alegam o baixo
rendimento escolar pela falta de atenção ao conteúdo transmitido.
c) Fotografias: quase todos os celulares pertencentes aos alunos vêm equipados
com várias funcionalidades, entre elas a máquina fotográfica. Durante a observação
participante no pátio da escola, foi possível conferir os alunos fazendo autorretratos ou,
ainda, registrando fotografias com os colegas de sala de aula e amigos de outras turmas.
Geralmente as fotos são para a rede social Facebook e, posteriormente, são compartilhadas
com os membros que aparecem na imagem.
123

5.4.1. Perspectivas das mediações: socialidade, ritualidade e tecnicidade

As perspectivas das tramas vivenciadas pelos jovens da escola A puderam ser


identificadas durante a etnografia e a observação participante a partir das práticas sociais
relacionadas às mediações de Martín-Barbero (2003). Ronsini (2012) destaca que o
contexto social e cultural propõe uma articulação de uma teoria social da modernidade
periférica “e sua desigualdade de classe e de teorias acerca do consumo/usos da mídia
como uma metodologia” (RONSINI, 2012, p. 50).
Para Martín-Barbero, o consumo cultural não se restringe “à medição dos índices
de audiências” e, ao lado de García Canclini, propõe a interpretação de práticas sociais e
formas culturais de que constituem identidades, usos e apropriações de objetos que compõe
uma globalização internacionalizada.
Ao investigar empiricamente a tecnicidade, a ritualidade e a socialidade, verifica-se
um entrelaçamento entre as mediações que quase nunca podem ser analisadas
separadamente. Neste estudo, centra-se atenção para os jovens e as mediações relacionadas
ao celular pela perspectiva do consumo cultural proposto por Martín-Barbero e Canclini.

• Avanço tecnológico de aparelhos velozes e modernos; identificação


do celular em novelas e filmes; compartilhar mensagens de atores e
cantores famosos na rede social Facebook, processo de transmidiação
Tecnicidade e recepção através via aparelho de celular.

• celular como objeto de organização diária da vida pessoal; acessar o


aparelho durante a aula, escutar música no intervalo das aulas, enviar
SMS enquando conversa com amigos, relacionar-se com amigos
virtuais pelas redes sociais, conversar mais com amigos pelo telefone
Socialidade do que estudar para provas e testes, fazer festa e ingerir bebidas
alcoólicas postando fotos nas redes sociais através do celular para
estar visível aos demais como forma de distinção.

• enviar mensagem para amigos e familiares; dormir com o aparelho,


almoçar com o celular; declarar o celular como vício; tomar banho
escutando música com o celular, caminhar com o celular à mão,
Ritualidade distanciar-se da família e dos estudos em função do uso excessivo do
celular.
124

6. USOS DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR

6.1. Socialidade: família, escola e classe social

Esta mediação refere-se às relações entre a classe popular, a escola e a família dos
jovens entrevistados. O capítulo empírico analisa como os estudantes se relacionam com as
novas mídias e constroem suas identidades através do telefone celular. O quadro teórico de
referências permite a interpretação dos dados, a partir da mediação da socialidade
(MARTÍN-BARBERO, 2003).

6.1.1. Família

A formação clássica da família constituída por mãe, pai e filhos já não é maioria no
Brasil, como aponta dados do IBGE61. Núcleos com mães solteiras, casais sem filhos e até
mais de uma geração vivendo na mesma casa são destaque nos índices. Os entrevistados
Alex e Bianca têm pais separados, ambos moram com a mãe e Alex ainda divide a casa
com os avós maternos, pois a mãe está desempregada. Os avós do jovem são responsáveis
pelo sustento do lar. Outra forma atual de constituição dos lares é o apartamento ou casa
compartilhada entre amigos, meta a ser cumprida por Alex, Eliana e Bruno. Seus próximos
passos são juntar “algum dinheiro” para sair de casa. Os estudantes se declaram “gays”, e a
família não aprova a opção sexual dos filhos.
Lares homoafetivos somam, hoje, 60.000 no Brasil, 53% deles representados pelas
mulheres e 47%, por homens. Para Alex, a mudança tem um status radical, envolve
quebrar barreiras e convenções sociais: “eu acho bem legal mudar pra outra cidade sem
ter nada, só tu e a outra pessoa, fazer tua vida em outra cidade. Tipo eu e o meu namorado
vazar daqui e ir pra outro lugar fazer nossa vida a dois”. Para o jovem, o preconceito
ainda existe e é forte, por isso, a decisão do casal de mudar de cidade. Tanto na escola
quanto na família, o jovem diz sofrer bullying. A escola assume lugar de arena dos

61
Pai, mãe e filhos já não reinam nos lares. Disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/pai-mae-
filhos-ja-nao-reinam-mais-nos-lares-5898477>
125

conflitos culturalmente postos, hierarquização de valores e normas sociais. Desta forma,


Alex, Bruno e Eliana estariam fora do que Bourdieu propõe como integração “moral” da
sociedade, não sendo estes “programados” de um programa homogêneo de percepção, de
pensamento e ação que constitui o produto mais específico de um sistema de ensino
(BOURDIEU, 1992, p. 206).
Com relação à família, pôde-se capturar o perfil homogêneo dos pais tendo o
Ensino Fundamental incompleto. Ainda recobre sobre as famílias dos estudantes de classe
popular o insuficiente acesso a bens eruditos como exposições de artes, teatro, cinema e
literatura, estilo de vida pouco refinado, alimentação precária e vestuário escasso.
Desta forma, o capital cultural transmitido pelos pais aos jovens recai sobre a visão
de mundo dos valores morais e da tradição familiar que converge na constituição do núcleo
familiar, término dos estudos e um desconhecimento das tecnologias móveis e redes
sociais, como o uso do celular.
As posições ocupacionais dos familiares podem classificadas em doméstica, vigia,
pintor, pedreiro, mecânico, cozinheiro, sacoleira e montador de móveis. O trabalho manual
e de caráter informal é predominante enquanto que o trabalho intelectual é inexistente
pelos pais dos entrevistados. Os bairros em que os estudantes residem carecem de
infraestrutura e saneamento básico, sendo alguns de difícil acesso. Para os estudantes, a
família é tida como suporte para o futuro repleto de esperanças e condições de vida melhor,
palavras como “força, trabalho duro, batalha, sacrifício, luta pela sobrevivência” definem a
trajetória laboral dos pais, embora todos os entrevistados digam não querer seguir o
caminho e profissão dos pais, almejando uma posição superior economicamente.

A mãe tá sempre dizendo, que se eu não estudar vou ficar que nem ela que parou
na 5ª série. Que se eu não estudar eu vou arrumar um serviço igual a ela de
limpar coisas e lugar dos outros (Alice, 17 anos).

A minha mãe é dona de casa e ela quer trabalhar de faxineira e eu apoio


totalmente ela. Ela tá procurando emprego, mas ela cuida de criança também.
Tem gente que tem vergonha, eu não tenho vergonha de dizer que a minha mãe é
faxineira. Ela não está roubando nem nada sabe? E meu pai é funcionário
público. Meu pai é guarda no hospital e eu acho muito legal. Mas eu quero ser
mais que eles. (Denise, 17 anos)

A renda familiar gira em torno de R$770,00 a R$1800,00. Como a maioria das


profissões é exercida de modo autônomo, a insegurança, a instabilidade e os conflitos
126

gerados pelos jovens no lar são constantes, relacionados à dificuldade de acesso aos bens
tecnológicos. O celular aparece como a única ferramenta de acesso à Internet para pesquisa
escolar e acesso às redes sociais, mas muitos querem um notebook ou tablet.
Práticas de esportes não foram mencionadas, sendo unânime entre os jovens gastar
o tempo livre no acesso à Internet e redes sociais como o Facebook, Twitter e Instagram.
As atividades de lazer dos estudantes entrevistados incluem passeios com a família na casa
de parentes, apropriação dos espaços públicos como praças e parques, caminhadas e festas
com amigos. O uso abusivo de álcool e drogas está presente em alguns casos. Alex, Eliana,
Alice e Eduardo afirmam ter tido experiências de coma alcoólico, ingestão de LCD,
consumo de cocaína e maconha: “Eu já experimentei cocaína, maconha, ecstasy, LSD,
crack não. De noite mesmo. E mais uma que coloca na bebida, acho que é boa noite
cinderela” (Eliana, 18 anos). Segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas
(Lenad), dois em cada dez jovens fumam. Um dado incomum é que as meninas ingerem
mais cocaína que os meninos, que lideram o consumo de maconha.
Muitos conflitos no lar dos entrevistados acontecem pelo uso constante do aparelho,
seja para pesquisas escolares, envio de torpedos ou atualização das redes sociais. Refeições
diárias e conversas familiares são acompanhadas do celular, desta forma, o celular acaba
aproximando quem está longe e afastando quem está perto. Todos revelam que o celular,
além de atrapalhar a convivência no lar, atrapalha no tempo dedicado aos estudos.

Eu estou com meus pais sempre, mas com o celular (Diogo, 15 anos).

Desde que eu ganhei o celular eu me afastei da minha família, desde o ano


passado. Desde esse tempo não é mais a mesma coisa porque eu só passo na
frente do celular (Denise, 17 anos).

Às vezes estou conversando com o pai e a mãe ou estudando e vejo o alerta no


celular, digo pra mim mesmo que vou entrar cinco minutos e acabo ficando a
tarde inteira ali, acabo abandonando os estudos ali (Gustavo, 17 anos).

Eu dou mais atenção para o celular do que para minha própria família. Quando
eu não to no computador no colégio eu to no celular e no Facebook com as
gurias. Eu nem presto atenção no que minha mãe tá fazendo (Bianca, 17 anos).

A inserção incisiva dos aparelhos móveis no espaço público vem redesenhando as


características das práticas urbanas. Para Lasén (2006), a adoção generalizada do uso
127

móvel em espaços públicos, principalmente pelos jovens, tem causado mudanças


significativas como a tolerância crescente para os usuários que falam alto e escutam
música sem fones de ouvidos, tornando-se rotina. Para a socióloga espanhola, o uso dos
celulares no espaço público muda a paisagem urbana e a relação com seus habitantes,
diminuindo a invisibilidade habitual do outro, muitas vezes economicamente desprovido
de recursos (LASÉN, 2006, p 3-9).

Tipo teve uma vez que eu estava no ônibus, dai uma guria falou um palavrão
bem alto, brigando com alguém! Tipo, tá todo mundo no ônibus, né? Ninguém
precisa escutar o que ela tá falando, isso eu acho muito vulgar.(Alex, 18 anos)
falar coisas íntimas com teu namorado em lugar aberto, acho uó! Isso não se
faz. (Cláudia, 18 anos)

acho vulgar atender o telefone gritando no ônibus, eu acho que tem que falar
normal e isso incomoda as outras pessoas. Eu me sinto muito incomodado, às
vezes tem pessoas berrando ao meu lado no celular. Isso é muito ruim e vulgar.
(Denise, 17 anos)

Falar em lugar público sobre compras do mercado com o marido ou o que tem
que levar pra casa eu acho meio estranho. Falar coisas de casa na rua não dá.
(Alice, 17 anos)

A onipresença do celular nos espaços públicos acabou desenvolvendo regras como


uso proibido em salas de cinema, concertos musicais, restaurantes e salas de aula. “As
regras são negociadas e a decisão de usar o telefone ou atender uma chamada depende de
vários detalhes, como os elementos da situação de quem está chamando, por exemplo.”
(LASÉN, 2006, p. 10). Além disso, o uso do celular por adolescentes é visto com uma
habilidade distinta relacionada ao uso por adultos (LING, 2004), pois saber acessar todas
as funcionalidades e aplicativos é uma competência e distinção da geração jovem. Para
Eduardo, os adultos só se comunicam pelo celular quando é realmente importante, “já o
jovem não, jovem é toda hora! Toda hora ligando, mandando mensagem, mexendo no
Facebook, mexendo no celular mesmo” (18 anos).
O empréstimo do aparelho aos amigos e colegas é constante pelos jovens, para
troca de ligações e mensagens via SMS. Os estudantes dizem ceder o aparelho quando
necessário. A reprodução das relações sociais é intensa através do telefone, e sete jovens
revelam ter perdido a noção do tempo mexendo no aparelho em diversos locais como casa,
escola e shoppings.
128

A representação social de caráter ativo pelo celular nas redes online indica
projeções e juízo de valor sobre determinados significados como liberdade e
distanciamento da origem familiar. Assim, as relações de “interconhecimento e de inter-
reconhecimento mútuos, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como o conjunto
de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns, mas também que são
unidos por ligações permanentes e úteis” (BOURDIEU, 1998, p.67). Contudo, o capital
social e simbólico dos jovens de classe popular, reconstituído através das relações sociais a
partir do uso do celular, não é estático e imóvel, pois está em constante manutenção e
transformação como prática social, operando na manutenção dos estilos de vida da classe
popular.

6.1.2. Escola

Foi possível detectar que o celular é uma necessidade de comunicação em que


dialogar com parceiros, amigos e parentes faz-se a todo instante e em qualquer lugar. A
facilidade e mobilidade de comunicação geram segurança e dependência do aparelho,
embora os entrevistados sejam unânimes em admitir a interferência que o uso do telefone
provoca no aprendizado em sala de aula, causando o desvio de atenção e rendimento baixo
nas avaliações.
Sobre o uso do celular na escola, as opiniões ainda são contraditórias. Mesmo
sabendo do uso proibido em sala de aula, os dez entrevistados relatam ter sofrido punições
pelo uso do celular, sofrendo constrangimentos e apreensão do aparelho por parte dos
professores. Ao serem questionados sobre a liberação ou não do celular como ferramenta
de aprendizagem em sala de aula, as opiniões variam.

Sempre tem que prestar atenção na aula né, daí às vezes tu dispersa mexendo ou
mandando mensagem ou olhando alguma coisa e daí o professor para a aula e
chama tua atenção e daí tu fica com vergonha né! (César, 17 anos)

Já me tiraram o celular. Eu estava no Twitter e a professora pegou. Minha mãe


teve que vir buscar, estava fazendo uma prova e usando o celular. (Denise, 17
anos)
129

Eu estava tuitando e a professora disse pra eu largar ou iria para o SOE


(Secretaria de educação profissional). Eu estava na aula de matemática. (Eliana,
18 anos)

Contrariando o que os políticos alegam sobre os prejuízos do celular em sala de


aula ao elaborar projetos de leis que o proíbem, verifica-se, nas entrevistas em
profundidade, que, para os jovens, que em sua maioria tem o celular como a única fonte de
acesso à Internet, o aparelho é um auxílio na hora de estudos, tanto em casa quanto em sala
de aula. O celular, para os estudantes, serve com uma ferramenta a mais na hora de
pesquisas. Hoje, a escola está atrasada, convive com intensas interconexões do mundo
audiovisual e das relações com os computadores e celulares, tomando a posição de
segundo lugar de alfabetização em que se abrem múltiplas escrituras que convergem no
texto eletrônico (Martín-Barbero, 2003, p. 52).

Como nunca vamos para o laboratório de Informática, quando os professores dão


um trabalho e não explicam muito bem, dai tu vai e pesquisa na internet pelo
celular, é bem mais prático que ir na biblioteca. Sou péssima em inglês, e uso o
celular pra traduzir no Google os trabalhos que a professora dá (Eliana, 18 anos).

Pesquisei várias vezes em aula pelo celular, numa aula de literatura quis saber o
que era funções de linguagem, procurei e achei (César, 17 anos).

Pesquisei um dia no celular sem a professora liberar um trabalho de filosofia


sobre Aristóteles (Alex, 18 anos).

Ontem mesmo eu pesquisei na aula de Química sobre elétrons, e uso o Google


Tradutor para aula de língua estrangeira (Alice, 17 anos).

Às vezes, quando o professor fala alguma coisa que eu não entendo e não dá
tempo de pergunta,r eu vou lá e pesquiso embaixo da classe, escondida (Denise,
17 anos).

A tentativa de inserir dispositivos móveis na educação do Brasil ainda é


embrionária, principalmente em escolas públicas, visto que a questão geracional no
manuseio das novas tecnologias ainda é um problema para pais, alunos e professores. Para
enviar um SMS que não ultrapasse mais de 160 caracteres, os jovens abreviam palavras e
assim constroem uma linguagem própria, distanciando-se da língua culta.
É unânime os estudantes afirmarem que o uso contínuo do celular e das redes
sociais atrapalha na hora de escrever uma redação ou redigir um trabalho escolar, pois se
130

esquecem de como a palavra é escrita, outros chegam a escrever abreviado em provas e


textos no colégio. Assim, os alunos brincam com a língua e infringem regras gramaticais
convencionais de ortografia e acentuação. A Internet e os SMS proporcionam uma
liberdade de expressão linguística em que os usuários combinam novos elementos
gramaticais com regras diferentes das utilizadas na língua escrita culta. O tamanho da tela
do celular e o limite de caracteres para o envio de mensagens definem a capacidade
linguística de recepção, tanto de quem escreve e envia quanto quem recebe e lê.

Figura 5 FONTE: Organizado pela autora com postagens do celular dos entrevistados.

Formas de expressão facial são criadas através dos smiles, como  ou , para citar
os mais comuns. Estas formas lúdicas de representar as emoções são extremamente
engenhosas e artísticas, e são usadas frequentemente no envio de SMS para pais e amigos
para transmitir humor, ânimo ou sentimento.
131

Figura 06 Fonte: Google Imagens

A mudança dos novos processos de leitura que atravessam os jovens significa novas
articulações entre livros, vídeos e textos. Obcecados com o mundo maléfico dos meios
tecnológicos, os educadores acabam esquecendo o universo juvenil, a complexidade da
adolescência, reduzindo-os a consumidores de música, televisão, redes sociais e jogos
online (Martín-Barbero, 2003, 50-55). Para Martín-Barbero (2014, p. 44) já não se escreve
e não se lê como antes é porque tampouco se pode ver nem representar como antes.

6.1.3. Classe social

Além das dificuldades na construção linguística durante o processo educacional


acarretado pelo uso constante dos celulares, os jovens ainda sofrem com a desestabilidade
do lar e de preconceitos de gênero, classe e raça. Alguns alunos, por se declararem “gays”,
outros negros e a maioria pobre, revelam as dificuldades de integração no espaço escolar e
a exclusão por outros grupos dentro da escola. Assim, Alex, Bruno e Eliana tornaram-se
“populares excluídos”; o cuidado com a aparência e o vestuário tornou-se fundamental na
vida destes jovens. Coisas que não podem ser resolvidas na classe e não podem mudar são
refletidas através das roupas, dos acessórios, na própria construção da identidade.
132

Sai da Igreja Universal por que queria fazer festa e não podia aos 15 anos. Me
senti mal de sair e ir na Igreja e decidi não ir mais. Optei pelo mais fácil que era
ir pras festas. Por que pensava como que eu ia num lugar aonde as gurias iam
sem roupa quase e eu ia toda tapada, não dava né? Ai quando chegou nos 16 e
17 desandou de vez. Comecei a namorar uma menina há nove meses, agora em
dezembro ia fazer um ano. A gente começou a conversar porque ela me cutucou
no face. Pensei já que ela queria meu corpo e dava risada. Eu adicionei ela pra
saber o que ela queria e ela disse que sabia tudo de mim, que eu tava sempre
arrumada e maquiada. Ela disse que gostava de mim desde o começo do ano
passado e eu não sabia quem ela era. Ai ela pediu meu celular, eu já tinha
ficado com uma menina, mas nunca tinha pensado em namorar com uma. Ela
começou a me ligar e eu senti o romance. Ficamos falando só pelo celular e
internet. Ela perguntava toda hora que eu tava fazendo, parecia minha
namorada. Ela acabou me pedindo em namoro, aí olhei pro pai e pra mãe e
pensei: - e agora? Começamos a namorar, eu aceitei. Foi durando e durando,
fico sem dormir por ela. E dai é automático, eu penso nela e ela manda
mensagem pra mim no celular. Meu coração acelera, minha mão soa como se
ela tivesse na minha frente. E quando ela contou para os pais dela, eles
entraram no Face dela, aí mandaram uma mensagem pra mim ler um versículo
da Bíblia. Batiam todos os dias nela, e quando a gente se encontrava, eu erguia
a blusa dela e via os arranhões da cinta e da vara. Queria que ela fosse morar
comigo, mas meus pais não aceitam essa história. Eles acham que é uma fase da
minha vida e enlouqueceram e não querem ela lá, é uma vida desgraçada
mesmo. Não podemos postar fotos nossa no Facebook. Mas eu faço declarações
de amor e fica explícito que é pra uma menina. Coloco “minha machinho” e a
inicial do nome dela. Quando eu comecei a namorar, exclui todos os meus
parentes e amigos dos parentes do Face pra poder publicar as coisas. Queremos
até ter um bebê e vou fazer tratamento pra engravidar dela. Sei que tem como.
Eu trabalho na lancheria e ela como babá, teremos nossa vida juntas, eu sei
disso. Antes disso, eu ia morar com o meu irmão em Santa Cruz, mas eu sou
muito diferente do pessoal de lá. Eles têm certo preconceito contra muita coisa,
o fato da pessoa ser negra numa cidade de gringo. Tu olha aquele bando de
gente branca que parece que tomaram banho de farinha. Eu tenho três
preconceitos em mim: eu sou negra, sou gorda e sou baixinha. Então eu ia
sofrer um super bullying quando eu fosse pra lá. Alguns me olhavam de cara
feia e eu já xingava dizendo que ia tirar os dente fora. Mas, no entanto que eu
criei meu espaço lá, me dou com um monte de gente (Eliana, 18 anos).

Diferentemente de Eliana, Cláudia tem dezessete anos e é evangélica, coordena o


grupo de jovens da sede em que frequenta. A estudante confessa cuidar o que fala na
escola, tem um comportamento retraído quando o assunto é sexualidade, homossexualismo
e gírias, “sempre cuido um pouco por causa que eles sempre pensam diferente que a gente,
né? Eu cuido o que eu falo também. Eles são muito de falar nome, e eu não sou muito
acostumada a falar palavrão, dai é ruim e tem bastante gente que fala” (Cláudia, 18 anos).
Sobre a polêmica que envolveu o pastor Marco Feliciano e a “cura gay”, a
estudante se coloca a favor, mas com uma posição de neutralidade no ambiente escolar,
“não apoio as campanhas contra ele. Por que eu gosto dele. Eu não quis me envolver. Eu
133

não gosto dos gays sabe, a religião fala mais alto. Tenho poucos amigos gays no colégio,
mas não apoio, fico neutra no colégio. Sou contra, mas não falo. Não acho certo”
(Cláudia, 18 anos).
Citando passagens bíblicas através de um aplicativo no celular para versículos
online, a jovem profere Levítico 18:22: “com varão não te deitarás, como se fosse mulher,
abominação é”, e segue para a passagem seguinte, Levítico 20:13: “quando também um
homem se deitar com outro homem como uma mulher, ambos fizeram abominação;
certamente morrerão”. Coincidentemente, as famílias de Alex e Eliana são evangélicas e
ambas recriminam a opção sexual dos filhos:

Na família eu sou mais centrado e quieto no meu canto. Não mostro o que eu sou
mesmo sabendo. (como assim?) Mesmo sabendo que eu sou homossexual. (eles
sabem?) Agora sabem, eu contei pra eles. (tua família é evangélica ainda?) Sim.
Eu contei em fevereiro, e foi um drama. . A minha mãe me botou a boca e disse
que não me aceitava, e que ela que tinha errado na minha criação, aí ela disse
que ia sair de casa, eu disse que dai saio eu. Fiquei uma semana fora. (Alex, 18
anos)

Meus pais vão na Universal, e daí eu queria namorar e tive que sair de casa com
a guria. Uma vez eu tava com a minha namorada e um cara passou, isso que tava
saindo da Igreja também na frente da praça e gritou que era falta de macho. E daí
eu disse pra ele que só porque ele tinha um pau no meio das pernas que
possivelmente deve estar podre porque ninguém deve querer e tá aí enchendo o
nosso saco, e se tem duas mulheres juntas a gente reconhece o que a gente merece
e o que os homens não sabem dar. Queria bater nele, mas fomos embora. (Eliana,
18 anos)

O apego ao celular, no caso dos jovens discriminados, é uma “fuga da realidade”


que os cerca. Muitas vezes, quando ameaçados por olhares que os desaprovam, os
estudantes centram no telefone sua atenção, aliviando a tensão da discriminação social,
principalmente em ambientes públicos e no espaço doméstico. Além de viver o preconceito
de gênero, Eliana ainda conta com o obstáculo de estar acima do peso, e, como Denise,
ambas afirmam sofrer “bullying” 62 em função da obesidade.

E por que eu sou negra. No colégio, quando eu era meno,r tinha umas gurizinhas
loiras, aí eu sofria bullying por causa disso. Diziam que tudo que eu fazia de
errado era porque eu era preta. Diziam que eu não podia estudar na mesma

62
Bullying é uma palavra usada que os estudantes usam e não um conceito adotado nesta investigação.
134

escola que eles. Sempre chorava. E por que eu era gorda também, não queriam
ser meus colegas (Eliana, 18 anos).
Porque eu sou baixinha e gordinha. No ensino fundamental, na 6ª e 7ª série, eu
era excluída e eu fui parar no hospital por causa disso. Ninguém falava ou fazia
nada comigo. Eu era excluída de tudo mesmo e isso foi me afetando e afetando e
eu acabei no hospital. Fiquei em depressão, chorava bastante e não queria mais ir
pro colégio, hoje tenho síndrome do pânico (Denise, 17 anos).

Bourdieu (2007) acredita que a escola serve à reprodução das desigualdades e que o
capital social pode ser dado tanto à manutenção destas desigualdades quanto à ascensão de
certo capital social dentro da escola. Desta maneira, os esquemas inconscientes de
classificação reorganizam-se sobre as condições subalternas de classe e gênero dos jovens,
ressignificando lógicas de disposição que operam em um sistema visível, a hexis corporal.
No mês de julho/2013, cerca de 250 mil pessoas protestaram contra o aumento da
tarifa dos transportes públicos, gerando uma onda de indignação. Em poucos dias, as redes
online estavam organizadas em um movimento que foi às ruas de diversas capitais no
Brasil. Ignoradas deliberadamente pelo governo federal, as diferentes vozes registraram
através dos celulares e divulgaram nas redes sociais o momento histórico. A consciência
das classes injustiçadas atingiu diretamente o aparelho político-partidário.
Em busca de autonomia simbólica, os entrevistados buscam legitimar, em seu
espaço social, uma posição de jovens conectados, tentando, assim, minimizar os efeitos de
uma posição de classe menos favorecida, embora a educação, segundo a lógica da
globalização, esteja concebida e organizada em função do mercado de trabalho, já que
conta com a acumulação do capital humano medido em termos de custo/benefício como
em qualquer outro capital (Martín-Barbero, 2003, p. 10).
O sonho de ascender a uma condição econômica e social melhor é consciente e
desejado pelos entrevistados que não veem outra saída a não ser estudar. Mas este passa a
ser um capital cultural a ser alcançado em longo prazo, visto que os estudantes, em sua
trajetória escolar, não têm estímulos e suporte financeiro que lhes possibilite o acesso a
bens culturais, tornando a repetência escolar um obstáculo. A culpa, segundo eles, recai
sobre a família e o Estado:

A pessoa pobre estuda, estuda e estuda, trabalha, trabalha e trabalha e não


consegue nada. Aí chega uma certa idade que cansa de estar correndo atrás.
Olha, no meu caso, a minha mãe não ficou em cima de mim e deu no que deu. Eu
135

acho que os pais devem ficar mais em cima dos filhos mesmo sabendo que não
vão estudar. No Brasil falta estudo, por isso o Brasil está desse jeito. O Brasil
não está investindo na educação e isso afeta. (Alex, 18 anos)

A pessoa pobre tem que ralar pau a pau pra ganhar um salário mínimo e
conseguir sustentar uma família. Tem que estar lá sempre batalhando, pegando
emprego, indo pra um monte de centro, pegando ônibus, metrô, indo a pé. A
pessoa rica tem mais aquela coisa de andar de carro, horários alargados, mais
fácil, eu acho. Mas tem pessoas que trabalham e conseguem ficar ricas, mas a
maioria é filhinho de papai, não sabe como é que é a vida realmente. (Bianca, 17
anos)

Porque hoje em dia até em função do Bolsa Família tem mães que não
trabalham porque tem aquela garantia, entendeu? Porque, se elas não tivessem
aquela garantia, aí elas iam trabalhar, não iam querer passar fome. Deixar os
filhos passarem fome. Não é porque tu não pode ter estudo que tu não vai
trabalhar. Emprego vai ter também para aquela pessoa que não estudou.(Diogo,
15 anos)

Frente às possibilidades de ascensão, a aquisição de capital cultural é o caminho e a


esperança para os jovens mudarem sua posição de classe, com exceção da jovem Alice,
que vê em sua agenda de contatos masculinos no celular um casamento rico como uma
saída para mudar de vida – como garota de programa aposta na juventude e beleza para
ascender. Em contrapartida, questionados sobre como mudar de vida, os jovens respondem
que é através da educação e dos estudos a única chance “de uma vida melhor, uma vida
digna, vida com mais condições”. Para os estudantes pertencentes ao Bolsa Família, o
privilégio aos benefícios de uma qualidade de vida melhor estaria na mão dos ricos que
“não precisam trabalhar para ter aquilo que querem”.
A classe dominante é representada pelos executivos que trabalham em escritórios
com ar condicionado, trocam de carro a cada ano, compram casas na praia e viajam para o
exterior, enquanto o pobre é representado pelo trabalho manual que gera esforço e mão de
obra barata. Ainda assim, este retorno reflexivo torna-se difícil e doloroso ao admitir a
impossibilidade de ações dentro de uma estrutura social como o consumo de bens:

Fico triste porque não dá pra comprar o que eu quero. Esses dias eu queria
comprar um tênis, aquelas botinhas que tão usando agora que é meia canela, tipo
um coturno. E a minha mãe não quis me dar porque não era necessário naquele
momento, era duzentos e pouco. É caro essas botas, fazer o quê? Pra ela eu tenho
meus tênis e deu, é aquilo e vai” (Alex, 18 anos).
136

Às vezes dou meu jeitinho de comprar uma coisinha aqui e outra ali, mas é difícil
viu? Tu ver o que os outros têm e o que tu queria e não pode ter, é uma merda
isso. Procuro não pensar muito nisso (Alice, 18 anos).

Eu tenho que ficar esperando e esperando até poder comprar, como o celular, eu
era o único na minha sala ainda que não tinha celular, e isso que já tenho 18
anos. Sempre espero, acho que vou ficar minha vida esperando pra comprar
aquilo que eu quero (Eduardo, 18 anos).

Quando eu não posso comprar uma coisa eu fico muito, mas muito irritada. Faz
um mês que eu estou pedindo pra minha mãe um suspensório e ela não quer me
dar. Ei, eu fico muito braba, bato o pé e xingo muito. Fico bem mal (Bianca, 17
anos).

Era pra ter comprado um celular novo há séculos, mas a minha mãe não tinha
dinheiro, nem meu pai. Eles se sentem mal e eu também (Eliana, 18 anos).

Desta maneira, trata-se de “uma identidade de ‘classe’ que não passa pela
consciência de classe, mas pelo estar junto entre iguais porque, afinal, o capital social dos
jovens que se amplia no telefone móvel e pelas redes sociais não ultrapassa os limites de
sua classe” (DUTRA; RONSINI, 2013). O celular torna-se um mecanismo para ludibriar a
própria identidade nas redes online, prevalecendo desejos de ser aquilo que não é ao traçar
perfis falsos, como no caso dos jovens Alex e Cláudia, que revelam ter criado um fake no
Facebook para comunicar-se com jovens de classe alta, os “boys”.

Eu tenho fake, não me apresentava como eu mesmo. Aí eu contava um pouco da


minha vida, não muito e ela da deles. Eles falavam do cotidiano deles. Eu
conversava com um de Santa Maria e um de São Sepé, eram empresários e
queriam que eu namorasse com eles. Tinha um carrão, me mandava foto direto.
Era arquiteto e tinha uma empresa dele. Ele era chato e só falava nas coisas
materiais e no trabalho, ficava dizendo o que tinha e o que não tinha, esse tipo
de gente eu não gosto. Ficava dizendo que queria trocar de carro, comprar
outra casa, e vivia dizendo que viajava pra Europa, a fina! (Alex, 18 anos)

Às vezes eu entro no Face da minha amiga pra falar com um guri que ela tava
afim. Eu me faço passar por ela. É bem legal. Posso falar coisas que ninguém
vai saber que sou eu. Convido ele pra sair, eu acho ele bonito, tem um carrão,
mas falo como se fosse ela. (Cláudia, 17 anos)

A busca pela visibilidade online e a constante atualização das redes sociais é


descrita pelos entrevistados como não ter nada por fazer, enquanto que o jovem rico está
em viagens ou “curtindo a vida com o dinheiro dos pais”. É por isso que as redes sociais
dos mais abastados, segundo eles, “é mais parado que água de poço”.
137

Sobre a construção do perfil no Facebook, os jovens dizem passar uma imagem


própria de si, sincera, mas que muitas vezes não corresponde à realidade, criando, assim,
informações falsas, os chamados fakes.
Sobre as questões que não devem ser divulgadas nas redes relativas aos amigos
estão a bebida alcoólica e a embriaguez em festas, seguido de segredos íntimos, vida
pessoal e familiar, planos futuros e brigas. Em relação à família, segundo os informantes,
não deve ser divulgada a renda mensal, onde irão passar as férias, brigas. Em relação ao
corpo, fotos com pouca roupa, fotos de biquíni, seios, cacinha e sutiã, nudez, pornografia,
foram apontadas como inapropriadas para as redes.
O acesso à Internet pelo celular trata-se de uma nova postura juvenil que se tornou
um sistema operatório de fácil reconhecimento, capaz de dar conta de uma visão de
mundo, classificando grupos ou atores em seu contexto social. Pode-se apreender nas falas
anteriores que o celular e a conectividade são instância de mediação entre campos
simbólicos, sociais e culturais que perpassam a trajetória social, a origem familiar
delimitando a posição de classe. Como afirma Bourdieu (2007), ao estabelecer relações
entre a condição econômica e social, “os traços distintivos associados à posição
correspondente no espaço dos estilos de vida não se torna uma relação inteligível a não ser
pela construção do habitus como fórmula geradora que permite justificar práticas e
produtos classificáveis” (BOURDIEU, 2007, p.162).
Seis jovens acreditam não ser possível traçar um perfil da classe social pelo celular
que a pessoa tem. Para os jovens, algumas pessoas não representam, pelo modelo do
aparelho, a classe social a que pertencem. Os outros quatro selecionados da amostra
acreditam ser possível detectar a classe social apontando a personalização do telefone e
seus gostos pessoais para identificar a classe, ou, ainda, caso a pessoa tenha um iPhone,
pode, por ora, demonstrar que tem mais recurso financeiro que as demais, por se tratar de
ser um aparelho caro no mercado.
Apontada como determinante na distinção entre jovens ricos e pobres, a tecnologia
foi o grande fator de diferenciação. Sete entrevistados dizem que a Internet, a TV e os
aplicativos do celular dos ricos são visivelmente melhores. Mesmo com as diferenças e
distinções destacadas pelos entrevistados com relação às funcionalidades, sete
entrevistados dizem-se capacitados a mexer em qualquer aparelho de celular, enquanto,
138

para oito dos jovens, o celular ajuda a organizar a vida pessoal. Aqui, já é possível
perceber a tecnicidade como organizador perceptivo.
O conteúdo que mais publicam são jogos e músicas, verificam a todo instante as
redes sociais, acessam a Internet através do celular mais de cinco horas diária. Percebe-se a
existência de uma rede de conexões constituídas através do telefone, como uma
característica da formação social que se dá através dele, capaz de produzir e reproduzir
disposições de classe.
Por fim, os processos simbólicos a partir do uso do aparelho por jovens de classe
popular trazem a necessidade de entender como as tecnologias móveis condicionam a
experiência e a consciência destes adolescentes em suas práticas sociais na cultura do
consumo.
Uma das hipóteses acerca da conectividade nas redes sociais, principalmente o
Facebook,“é uma tentativa de estar visível para os demais em função da sua
inexpressividade social e política. O apego que o jovem de classe popular manifesta pelo
celular se relaciona também com o não reconhecimento de seu valor social” (RONSINI,
63
DUTRA, 2013) . Desta maneira, a pesquisa avança na busca por entender as relações
sociais e as práticas do consumo a partir deste dispositivo e seus reais significados em uma
cultura hibridizada e globalizada.
Com o capital familiar e escolar em desvantagem perante jovens de classes mais
abastadas, a escola serve como reprodução da desigualdade social. O consumo de celulares
por jovens busca reconfirmar valores e significados comuns ao criar e manter uma
identidade coletiva do grupo. O celular como objeto de conformação da identidade coletiva
do grupo de jovens de classe popular configura identidade de dependência psicológica,
afetiva pelos objetos que medeiam novas relações sociais, bem como a manutenção das já
existentes. O consumo de celular é mais afetivo do que econômico para os jovens de classe
popular.

63
Together, yet apart (Popular Class Youth and Mobile Phone Use) – Academic Workshop: Youth 2.0:
Conecting, sharing and Empowering? – University of Antwerp, on March, 2013.
139

6.2. Tecnicidade: as representações do celular na mídia

Para Martín-Barbero (2003), a tecnicidade permeia a globalização em uma conexão


universal no espaço das redes de informática e seus aparatos tecnológicos. Estabelece
“discursos públicos e relatos midiáticos com os formatos industriais” (2003, p. 19). Para o
autor, o novo estatuto da técnica se relaciona com os meios inovadores da comunicação,
como o celular.
A mediação da tecnicidade compreende o celular como organizador de um processo
culturalmente global, que envolve narrativas midiáticas como filmes, telenovelas,
literatura, música, etc. A conexão dos meios a que se refere Martín-Barbero (2003) ao citar
televisão e telefone estabelece novo sentido ao objeto de estudo. “A práxis política, o novo
estatuto da cultura e os avatares da estética” (p.19) são mundial e facilmente reconhecidos
através do celular, muitas vezes, despercebidos entre os estudiosos da cultura.
Algumas situações comprovam o reconhecimento expressivo dos jovens desta
pesquisa sobre a função do celular, como a percepção da presença deste veículo móvel de
comunicação em novelas, filmes e seriados. Buscou-se identificar, então, o contexto em
que ele vem sendo utilizado pela mídia na construção de narrativas e identidades. Deixa-se
aqui um apontamento para futuras pesquisas relacionadas ao celular e à mídia.
Conforme os relatos dos estudantes, a aparição do celular na mídia foi se
destacando. Há uma lacuna nos estudos relacionados ao celular e sua aparição na televisão,
na literatura e cinema, pois grande parte das pesquisas está relacionada às práticas e usos
deste bem (SILVA, 2010; HORST; MILLER 2006; LING, 2004; KATZ; AAKHUS,
LASÉN, 2006) com os seus usuários.

Na literatura, podem-se destacar alguns best-sellers que se apropriaram do pequeno


objeto de comunicação móvel, seja para construir histórias ou servir de autoajuda. Na cena
literária, Stephen King é reconhecido mundialmente: 9º autor mais traduzido no mundo; já
vendeu 350 milhões de livros em cerca de 40 países. Em 2007, lançou, no Brasil, o livro
Celular (OBJETIVA, 2007). Característico da obra de King, o cenário é de terror: a trama
desenrola-se através dos celulares, e, quando um “pulso” é ativado, todas as pessoas que
atendem às chamadas são transformadas em zumbis, uma espécie de efeito viral. O livro
Celular é um dos únicos livros lidos pelo estudante Alex.
140

Ovacionada por milhões de leitoras em mais de 30 países, a escritora Sherry Argov,


ao escrever Por que os homens amam as mulheres poderosas? (SEXTANTE, 2009),
constrói uma etiqueta para o uso dos celulares nos relacionamentos e dicas de como
proceder em caso de não receber chamadas. Para Argov, a mulher poderosa “sempre deixa
o celular ligado para que ele possa encontrá-la sempre que quiser, mas ela nem sempre diz
onde está” (p. 30). Bianca e Eliana citaram o celular ao se lembrarem deste livro e,
segundo elas, “queriam impressionar os homens”.
Após os grandes shows musicais, é fácil aparecerem na mídia fotografias da
multidão com os celulares erguidos, reverenciando os artistas. Antigamente, o público
erguia os isqueiros para iluminar o ambiente, agora, é a luz do fundo de tela dos aparelhos
móveis que dá o toque especial aos espetáculos.
Em 2006, a Orquestra Sinfônica de Chicago Sinfonietta tocou a premiére mundial
do “Concertinho para Telefones Celulares 64”. O diretor musical do grupo, Paul Freeman,
revelou que este foi um momento histórico, em que os celulares vieram para ficar e
arrematou: “senhoras e senhores, liguem seus celulares”. Neste experimentalismo que
custou mais de dois milhões de dólares, a audiência ficou eufórica depois do concerto.
Sucesso no Youtube, o hit “Os seminovos – Eu não tenho iPhone65”, com quase um milhão
de acessos, foi um clip produzido pelos fãs da banda Seminovos, jovens de classe popular
de todo Brasil que se sentem excluídos do mundo Apple.
Os jovens de classe popular estão decodificando seu estilo de vida em vídeos
produzidos pelo celular, como este que foi idealizado pelos fãs da banda Seminovos. O
consumo de tecnologias móveis tem servido como fonte de inclusão e reafirmação ao
pertencimento de classe, bem como a satisfação das necessidades sociais, culturais e
afetivas têm sido atendidas através da conectividade do aparelho.

64
Orquestra toca concerto para telefones celulares, disponível em
<http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,AA1299867-7084,00.html>
65
Hit “Os seminovos – eu não tenho iPhone, disponível em
<https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=iroerRXfWfk>
141

6.2.1. Transmidiação e as redes sociais

Para Lopes (2011), a mediação da tecnicidade se coloca em um novo cenário, o da


globalização e “isso se dá não só no espaço das redes informáticas como também na
conexão com os meios – televisão e telefone – com o computador, restabelecendo
discursos públicos e os relatos de midiáticos” (LOPES, 2011, p. 2). Pensar na relação dos
meios é adentrar em um processo veloz em que os conglomerados da mídia, na maioria das
vezes, não acompanham o fluxo de conteúdos gerados pela audiência.
As redes sociais, com destaque para o Facebook, são palcos de percepções de uma
nova prática de recepção, esta, flexível, convergente, móvel, conectada e ativa através do
celular. Pode-se, no processo transmidiático, tratar os estudantes como receptores que
buscam entretenimento e informação sobre assuntos de interesse próprio ou do grupo.
Estes alternam-se entre tribos, fan pages, grupos nas redes para a produção de conteúdo nas
comunidades virtuais, ou até mesmo, interagindo com os programas de televisão ou
programas online.
A fala da estudante Alice é o desenho do processo de transmidiação que os jovens
estão vivendo hoje, constituído por laços fluídos e transitórios, pela busca de uma
socialização em rede.

No Facebook eu comento mais coisas do Félix e do Caio Castro. Esses dias eu


compartilhei bem assim: - eu queria o anjinho do Félix pra mim. E do Caio
Castro eu comento nas comunidades dele. Programa de televisão eu xingo o
Amor e Sexo da Fernanda Lima, eu não gosto, acho muito sem graça aquilo.
Tinha que ser melhor. Ela é muito sem graça. (Alice, 18 anos)

A evolução do processo transmidiático é visível nesta fala, enquanto a estudante


assiste à televisão, comenta nas redes sociais. Acompanhar conteúdos gerados a partir da
mídia hegemônica para as redes é tão complexo quanto analisar os conteúdos da mídia
hegemônica partindo das redes como pauta ou fonte. Trata-se, neste estudo, da
convergência e do processo de transmidiação pelo celular, visto que foi o único meio de
ingressar na rede online de oito entrevistados. Para Martín-Barbero “somente a partir da
assunção da tecnicidade midiática como dimensão estratégica da cultura, a escola poderá
se inserir nas novas figuras e campos de experiência em que se processam os intercâmbios
142

entre escrituras tipográficas, audiovisuais digitais, entre identidades e fluxos, assim como
entre movimentos cidadãos e comunidades virtuais” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 44).

Os discursos compartilhados pelo celular, tanto para as redes sociais quanto para
programas de auditório ou interação com os apresentadores de talk shows, desenvolvem
narrativas próprias e distintas entre nossos entrevistados, mas há uma articulação entre
eles. Destacam-se seis processos transmídiaticos pelo celular a partir dos estudantes de
classe popular, a seguir expostos:
a) Protagonistas de novelas têm destaque nas redes sociais, comentários sobre a atuação,
beleza e sátiras predominam, como nas imagens retiradas das postagens do perfil do
Facebook da jovem Bianca (17 anos).

Figura 7 FONTE: Imagem retirada do perfil da jovem Bianca

Figura 8 FONTE: Imagem retirada do perfil da jovem Eliana


143

b) Programas de televisão aberta (principais canais Globo, SBT e Band) são fontes para
conteúdos gerados através do celular para as redes.

Muita gente que sabe muita coisa e falam sobre a Globo. A gente vê só um lado,
tem que englobar todo o lado da questão. Eu gosto de Malhação, mas mostra
sempre o mundo de gente perfeita digamos, aí pego o meu celular e falo mesmo
no Facebook pra todo mundo ver. Não digo perfeitas, porque nessa temporada
tem uns que enfrentam uns problemas e tal, mas digamos assim que não mostra
a pessoa, digamos, passando fome, nada assim. Não mostra muito a realidade
de hoje em dia. Por exemplo, tem um que mora na favela. E quem mora na
favela é pobre e não tem condições, e lá nas novelas eles têm condições, o lugar
é no outro lado da cidade e eles vão e voltam na boa, e não é essa a realidade.
(Denise, 17 anos)

c) Campanhas de mobilização social e comentários sobre as matérias vinculadas em


revistas, sites, jornais e televisão nas redes sociais.
d) Músicas (sertanejo e funk) como construção identitária. São feitos comentários e
interações com os programas ao vivo através de páginas no Facebook, Twitter ou SMS.

MC Dalest. Por que eu acho legal as músicas dele. Ele fala sobre tudo que é tipo
de coisa, sobre crime e tal. Sobre o que aconteceu com ele, ou com outra pessoa.
Como eu vou te explicar, é funk. Eu acho que ele sim sabe cantar uma música,
as músicas dele são bem legal. (Alice, 18 anos)

Eu posto, digamos, uma música, daí eu escuto uma música e falo porque gostei e
porque eu não gostei. Digamos funk que todo mundo não gosta, tem uns funks
que não dizem sobre sexo. (Diogo, 15 anos)

One Direction, Selena Gomez, Justin Beiber, Demi Lovato. Gosto deles porque
eles são britânicos, eu amo a Inglaterra e os muçulmanos, sou apaixonada por
eles e os irlandeses. (porque você gosta dos britânicos?) Sei lá. Eles têm um
jeito diferente da gente. Estilo de roupa de tudo. (e os muçulmanos?) Por que
eles usam aquelas roupas muito show. Por causa da roupa e do estilo deles. (e
dos irlandeses?) por causa do trevo de quatro folhas que é de lá. E o gnomo
também é de lá. É muito show e eu adoro lá. A banda que eu mais gosto é de lá,
da Inglaterra, aí eu pesquiso tudo e quero fazer intercâmbio em Dublin. É que
eu não sou muito de sair. Então não sei ainda. Imagina se eu vou pra Dublin,
quase impossível. Eu quero ir, mas não tenho coragem. Só que é o meu futuro e
eu tenho que pensar em mim e não nos outros. Eu penso que a minha mãe não
vai durar pra sempre e isso que me dá força pra eu ir pra frente. (Denise, 17
anos).

e) Programas que vinculam a convergência midiática, configurando a mediação da


tecnicidade como organizador perceptivo do processo de globalização.

Eu vi uma propaganda que tinha cartão de memória, que o celular entrava


facilmente nas redes sociais, daí achei interessante e comprei o celular. Sabia
que tinha uma oferta numa loja do centro, daí me lembro que me interessou, daí
144

fui pesquisar melhor, daí acabei comprando. Deu na TV e deu na rádio também.
Dizia as coisas técnicas e o valor também. (Eduardo, 18 anos)

f) Tendências: lançamentos de filmes, clipes, acessórios, vestuários, bastidores de novelas,


blog das emissoras de televisão, vida particular dos artistas.

Esses dias eu postei que a Lady Gaga tava gorda porque o pai dela tem um
restaurante e ela começou a comer e comer. E dai ela tava gorda e fez um show
obesa,a perna dessa grossura. E ela tava de sutiã e biquíni e perna grossa. E dai
eu xinguei ela, onde já se viu uma celebridade com dinheiro tá gorda e perna
grossa. Mas depois ela emagreceu da água pro vinho e não comeu (Alex, 18
anos).

Com os processos delineados pela transmidiação com ênfase no celular constroem-


se um complexo mundo ficcional sustentando múltiplas relações entre os personagens e
suas histórias de vida, de trabalho e de afeto (LOPES, 2011).

6.2.1.1. O celular e a produção cinematográfica

O filme “Celular: um grito de socorro” (2004) foi sucesso entre os jovens César e
Bruno. A protagonista Jessica Martin (Kim Basinger) vive uma professora, presa em um
cativeiro. A única chance de liberdade é um celular que a conecta com Ryan (Jason
Statham). O desenrolar do filme é entre chamadas dos personagens. Recentemente, em
“Busca Implacável 2” (2012), o ex-agente da CIA, Bryan Mills (Liam Neeson), utiliza o
celular para conseguir contato com a filha Kim (Maggie Grace). Kim, através do iPhone e
do GPS, ajuda o pai na busca pelos bandidos. O merchandising da Apple é explícito
durante o filme.
Durante a entrevista, Alex lembra o filme “O Chamado” e como o celular foi
utilizado: “eles usavam muito o telefone. Toca o telefone e avisam que ela vai morrer em
sete dias. E logo que ela desliga o telefone no filme toca lá em casa e estava eu, o meu
primo e meu tio e eu era criança, foi muito tenso e eu não dormi a noite inteira”. Eduardo
cita uma produção nacional:

Lembro no Tropa de Elite, o ator principal utiliza o celular algumas vezes para
falar com a polícia e com a família, durante o trabalho, ele ficava muito tempo
fora de casa trabalhando.(Eduardo, 18 anos)
145

Não sendo uma produção hollywoodiana, o filme nacional Tropa de Elite, do


diretor José Padilha, faz Eduardo lembrar-se do uso do celular em cenas de Wagner Moura,
interpretando o personagem Capitão Nascimento. As principais cenas em que o celular é
utilizado pelo Capitão Nascimento são para acionar colegas em operações especiais do
BOPE nas favelas do Rio de Janeiro contra o tráfico de drogas, prendendo traficantes
(posição de Eduardo), jovens, negros, pobres e sem perspectivas de futuro.

Figura 09 FONTE: Google Imagens

A leitura política de Eduardo sobre o filme Tropa de Elite é um exemplo do modo


de como as ideologias conservadoras são capazes de perpassar aparatos tecnológicos
carregados de significados conservadores. Nota-se a reprodução ideológica do bem contra
o mal, do branco contra o negro. Embora o Capitão Nascimento seja considerado um herói
e exemplo de honestidade, continua sendo um policial branco prendendo um negro, na
maioria das vezes sob tortura física e moral. O celular desponta em meio às cenas como
organizador perceptivo das relações de poder, lembradas pelo estudante.
Lembrado por três jovens entrevistadas, Cláudia, Bianca e Alice, o filme O Diabo
Veste Prada, produção americana de 2006, dá grande destaque para o celular como
ferramenta de comunicação entre personagens relacionadas com a produção de uma revista
146

de moda. Considerando as características das três jovens (Alice afirma ser “garota de
programa” à noite, Bianca é apaixonada por bijuterias e Cláudia é evangélica), qual a
identificação de personalidades tão distintas ao relacionar o uso do celular ao mesmo
filme?
Em primeiro lugar, o celular foi lembrado como um acessório de moda (LING,
2004), usado por Meryl Streep e Anne Hathaway como distinção social ao ditar tendência
na revista mais importante do segmento. O segundo apontamento é que a capinha do
aparelho, o touch screen e as funcionalidades são uma forma simbólica de indicar algo
sobre o usuário (LING, 2004, p. 86). Pode-se relacionar Bianca aos dois primeiros
apontamentos.
No apontamento seguinte sobre o filme O Diabo Veste Prada, pode-se relacionar
Alice com Andy Sachs, uma jovem jornalista que sonha em seguir o jornalismo opinativo.
Sem autoridade nenhuma dentro da revista Runway, a jovem torna-se escrava do trabalho
pelo celular, atrapalhando a própria relação com o namorado e os amigos. Está
constantemente disponível para ligações da patroa.

Figura 10 FONTE: Google Imagens

Para Bauman (2007), “o mercado de trabalho é um dos muitos mercados de


produtos em que se inscrevem as vidas dos indivíduos” (p. 18). Segundo o autor, a
147

transformação dos consumidores em mercadorias marca a sociedade de consumo, na


perpetuação das subjetividades e das capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria
vendável (BAUMAN, 2007, p. 20-21). Da mesma forma que a jovem jornalista mantém
ativa pelo celular sua relação de trabalho com a revista, a estudante Alice mantém ativa
também suas relações com clientes para programas à noite, reanimando, ressuscitando seu
corpo como mercadoria vendável na Internet, em páginas de pornografia e no perfil do
Facebook. Para ela, o celular é um instrumento de trabalho e seu corpo uma mercadoria
sempre à venda.
A estudante Cláudia é retraída e tímida quando o assunto trata da sexualidade.
Como líder do grupo de jovens evangelistas, sua conduta pessoal deve ser formal,
controlando suas roupas, falas e ações. Ao citar o filme O Diabo veste Prada, a jovem diz
lembrar-se de cenas em que as personagens usam muito o celular para falar do trabalho e
dos desfiles de moda das coleções dos estilistas. O espírito do consumismo moderno, como
coloca Campbell (2001), repousa no devaneio por satisfazer o prazer, o hedonismo
“mentalístico”. O fenômeno da moda, partilhado de novidades pelos consumidores
modernos, é irreal em se tratando do filme, mas se torna para Cláudia um “material de
sonho” em que a materialidade do produto pouco tem importância, pois a imaginação do
consumo dos vestidos, das viagens, das festas, namoro e traições está intrínseca nas
relações pelo celular entre Meryl Streep e Anne Hathaway.
Ainda citando o filme O Diabo Veste Prada, não se pode deixar de mencionar a
relação simbólica entre Alice (a “garota de programa”) e Cláudia (a “menina evangélica”)
com a palavra “diabo”. Para Alice, a prostituição e o sexo estão ligados à luxúria e ao
prazer. Ela coloca-se muitas vezes no papel de “diabinha” para satisfazer clientes, e
palavras como “safadeza, recalque, inferno, dor, maldosa” são constantes em seu perfil no
Facebook. Para Cláudia, ao associar o celular com o filme, uma forma de transgressão às
regras religiosas organiza-se de forma inconsciente, em que o consumo de luxo e o prazer
tornam-se práticas subjetivas.
Para os jovens pobres, a interessante conclusão de Winocur se aplica aqui, pois a
Internet e o telefone são plataformas que parecem empoderar simbolicamente os jovens
diante da falta de poder real deles nos espaços institucionais (2009, p. 23). O poder dos
jovens diz respeito ao controle sobre a única coisa que parece que está ao seu alcance
148

controlar: o Eu. Como mostram inúmeros autores latino-americanos (apud Winocur, 2009,
p.57), todo o resto é insegurança: estudam mais, mas têm menos emprego, possuem mais
destreza com as tecnologias, mas não têm acesso à instância de decisão política, expandem
o consumo simbólico, mas não na mesma proporção que o material. E poderíamos
acrescentar que esta expansão do consumo simbólico é bastante relativa, como é o caso do
Facebook, cujas estatísticas de acesso não param de crescer e no qual, dos 40 links mais
compartilhados por seus usuários, em 2011, todos tiveram origem entre seis grandes
grupos de comunicação 66.

6.2.1.2. O celular e as telenovelas brasileiras

A relação da telenovela com os conteúdos gerados pelo celular para as redes sociais
é intensa na análise empírica. As manifestações de como o celular aparece em cenas das
novelas pelos protagonistas, personagens e núcleos são diversos.
Na teledramaturgia brasileira, o uso dos celulares por personagens em núcleos
distintos vem sendo percebido pelas audiências. Na novela de horário nobre, da Rede
Globo, Salve Jorge (2013), a capinha de celular da Delegada Helô (Giovanna Antonelli)
virou moda das fashionistas de plantão. Em formato de soco inglês, a capa do iPhone foi
comercializada em diversas cores e preços, variando entre R$ 25,00 e R$ 70,00. Outros
personagens foram destacados pelo entrevistado como: “na Salve Jorge eles usam muito
celular, a traficante de mulheres, a Vera Fischer e a Claudia Raia, elas trancam as
meninas em uma casa de prostituição e tal, aí elas usam bastante o celular para se
comunicar. (como você descreve as pessoas que usam o celular na novela?) em pessoas
boas e más, são pessoas finas, ricas e bem vestidas. E agora como a polícia tá atrás delas,
elas se comunicam bastante pelo celular” (Bianca, 17 anos). Aqui, pode-se observar que,
seguidamente, o celular vem aparecendo em filmes e novelas, mas a representação do
pobre com o aparelho móvel ainda é inexpressiva. A lembrança do aparelho de celular nas
telenovelas de horário nobre também foi presente:

66
Segundo fontes diversas foram 800 milhões de usuários em 2011 e um 1 bilhão em 2012, respectivamente
(Parente, 2011, p. 26; Estado de São Paulo, 2012, p. L3) .
149

A atual novela Salve Jorge, onde Morena fala que está tudo bem pra família que
está no Brasil através do celular, sendo que ela foi traficada na Turquia e tava
sob ameaça do Russo (Bianca, 17 anos).

Nas últimas novelas da Globo, as pessoas do "núcleo rico" usam celulares para
fazer chamadas (Bruno, 17 anos).

Na novela Salve Jorge, a personagem de Zezé Polessa liga para o Brasil e fala
por um tempão, na tentativa de esconder a relação com o tráfico de crianças
(Cláudia, 18 anos).

De novela eu lembro da Carminha em Avenida Brasil conversando pelo celular


com o Max tirando o Tufão pra corno. Ela tava deitada na cama do quarto dela
falando escondida (Alex, 18 anos).

Assim podem-se destacar os diferentes contextos em que o celular aparece nas


novelas brasileiras: ferramenta de socorro em situações extremas como sequestros e
assassinatos, comunicação interna de empresas, distinção social, videochamadas,
atividades ilícitas. Para Lopes (2011), não se trata apenas do fluxo de mensagens, “mas da
penetração em mundos simulados e da criação de ambientes em realidades virtuais, da
criação das novas narrativas. Os indivíduos interagem, influenciam-se, negociam no marco
das redes” (LOPES, 2011, p. 13). O consumo televisivo de canais abertos é unânime, e os
personagens de classe alta são mencionados como os portadores de celulares em cenas
dentro de mansões e grandes empresas, atribuindo ao celular a marcação como objeto de
status pela mídia.

Figura 8 FONTE: Google Imagens


150

Novela só das nove que eu vejo é o Félix o que mais usa. Ele fica tramando
aquelas coisas ruim pelo celular. (Alice, 17 anos)

Nas novelas tem essa nova agora, Amor à Vida. Eles usam bastante. A Paloma e
o Félix usam bastante, quase todos praticamente. Tem aquele velhão que trai a
mulher, o César, ele usa também. (Denise, 17 anos)

Só novela das nove mesmo. Da Paloma, o Félix eles usam muito o celular.
(Cláudia, 18 anos)

Cena da novela Fina Estampa em que Thereza Cristina liga para o suposto
assassino matar a vítima, adoro. (Bruno, 17 anos)

Para Lopes (2011), uma tecnicidade cognitiva e criativa emerge da sociedade em


rede, e coloca uma nova agenda metodológica para os estudos de recepção na América
Latina. Os processos que incentivam a transmidiação e a interatividade estão no celular dos
estudantes, assim, uma nova ambiência (sensório envolvedor) parte para uma lógica
multiconectada que “traz, especialmente por meio do uso do computador e do celular, o
acesso às novas mídias digitais. Novas formas de ação e novos tipos de relacionamentos
sociais emergem por meio do desenvolvimento dos meios de comunicação permitindo
novos modos de interação” (LOPES, 2011, p. 2).
Alex, sempre que assiste ao programa da apresentadora Luciana Gimenez, interage
enviando SMS com perguntas para os entrevistados e sugestões de pauta. Outros
entrevistados interagem de forma indireta, comentando programas de televisão em páginas
do Facebook e no próprio perfil. A relação dos jovens com o celular e a mídia está
relacionada a comentários sobre celebridades e programas preferidos, compartilhado com
amigos no bate-papo.

Sobre a novela já compartilhei uma foto da Avenida Brasil em que todos os


atores da novela estavam assistindo a um episódio (Cláudia, 18 anos).

Faço compartilhamento direto de frases da minha banda preferida, One


Direction, eles são tudo pra mim (Denise, 17 anos).

Amor e sexo, é bem sem graça, aí xingo no Facebook a Fernanda Lima (Alice,
17 anos).
151

As informações de artistas preferidos, amigos ou páginas de informação são


“curtidas” e acessadas pelo celular diariamente para fins de atualização, assim, os perfis
mais seguidos são de celebridades, amigos e marcas. A fim de verificar a inserção dos
jovens em campanhas e mobilizações sociais pelas redes online através do celular,
apresentaram-se vertentes variadas como compartilhamentos de promoções de empresas
para ganhos de brindes, doação de sangue para amigos ou conhecidos, divulgação de
eventos, campanhas de casas noturnas para ingresso gratuito, campanha para adoção de
animais, animais e pessoas desaparecidos.
Neste sentido, poder-se-ia indagar se o entretenimento mesmo não é o que lhes
resta fazer, a única saída para uma condição geracional que se define como instável e
temporária. A definição mesma de juventude é este tempo de suspensão que hoje parece
mais suspenso do que nunca pelas condições sociais mesmas.
Na liquidez de nosso tempo, o celular serve para fixar nomes, lembranças, imagens
do vivido e do meramente visto, retê-las perto de si para formar nosso senso de identidade.
Para os jovens da pesquisa, o forte apelo que o celular tem na comunicação entre pares e
no entretenimento – jogos, vídeos, música – revela o precário acesso a outros bens
culturais da cultura erudita e um prejuízo nas atividades escolares. As tecnologias pelas
quais os jovens manifestam mais apreço são o computador, o celular e a televisão. A
predominância de imagens no Facebook pode indicar que eles são mais consumidores de
conteúdos de outros perfis do que propriamente produtores de conteúdo próprio.

6.3. Ritualidade: uso e distinção social pelo celular dos jovens de classe popular

A mediação das ritualidades mostra formas de agir, pensar, olhar, escutar e ler que
“regulam a interação entre os espaços e tempos de vida cotidiana e os espaços e tempos
que conformam os meios” (BARBERO, 203, pg. 19). Desta maneira, o celular “tem a
capacidade de impor regras aos jogos entre significação e situação”, o jogo, neste caso,
poderá ser a própria rotina dos jovens. Esta rotina é atravessada por um processo em que as
ritualidades remetem às múltiplas ações e projeções de práticas sociais através de um único
aparelho, o celular.
152

O consumo relacionado às práticas do telefone celular é diário e a todo o momento


os jovens estão deslizando rapidamente os dedos em telas e teclas dos seus aparelhos a fim
de regular suas relações sociais na rede online.
As marcas dos celulares, modelos e funcionalidades – carregam o significado de
modernidade e conectividade – traçam por vezes o esquecimento da posição de classe
inferior perante os jovens de classe alta, pois ter um celular para interagir e circular nas
redes sociais não é sinônimo de pobreza. Douglas e Isherwood (2004) dizem que “no
universo que conhecem, se tiver acesso a toda informação necessária e se puderem difundir
suas opiniões, não são pobres. A medida correta da pobreza, nesse caso, não são as posses,
mas o envolvimento social” (p.35). Na etnografia na escola A, identificou-se, no discurso
dos estudantes, a desmotivação política e cultural e o desinteresse pelo futuro, pois, como
afirma Eliana,

Eu quero ir pra área da saúde, são muitos sonhos e poucos possibilidades, são
muitos sonhos pra pouca força de vontade. Tem vezes que eu paro e penso que
eu não tenho capacidade pra isso e que não sou inteligente o suficiente pra
realizar os meus sonhos (Eliana, 18 anos).

O envolvimento social e político são cambiados para a afetividade exacerbada que


os jovens têm pelo celular. A relação construída pelo jovem e o celular tem como
objetividade a conservação do estilo de vida intrinsecamente ligado à mobilidade. Os
jovens, constantemente ligados às redes sociais e às inovações tecnológicas, reforçam as
múltiplas práticas sociais juvenis em ritualidades e maneiras de ser e de estar no mundo.
Através da linguagem, da imagem e dos textos em que o celular aparece na fala dos
entrevistados, pode-se perceber a reprodução de ideologias opressivas de classe, raça, sexo,
etnia, etc., ou simplesmente o reforço da identidade da cultura popular como subalterna.

6.3.1. Os usos do celular pelos jovens de classe popular na escola

Os estudantes confessaram não gostar de ler e de praticar esportes. Preferem


acessar a Internet pelo celular ao invés de fazer pesquisas escolares ou ter planejamento de
estudo extraclasse. Afirmam realizar as avaliações para não repetirem o ano e sentem-se
desmotivados com o ensino público.
153

Não gosto de fazer nada na escola. Gosto um pouco de biologia. Não gosto nem
de ler, nem de arte nem de educação física. Nos últimos dois anos eu só rodei
porque eu não vinha na aula, agora eu decidi que eu quero passar. Acho que
vou passar. To vindo na aula, faço as provas que tenho que fazer de
recuperação e tento ficar na média (Alice, 17 anos).

Ao relatarem sobre as diferenças de escolas públicas ou privadas, apontam a rigidez


dos métodos de ensino como a principal diferença na qualidade de vida e do futuro
profissional. O fator financeiro, ou seja, o “pagamento para estudar” é direcionado à
dedicação e à valorização por parte dos pais, professores e alunos. Assim, para os jovens
de classe popular, os alunos de escolas particulares têm maior incentivo e investimento na
educação.
Sete entrevistados não possuem computador em casa, e eles adicionam esta
desvantagem perante os estudantes de “pais ricos”. Em relação à língua culta, a abreviação
das palavras nos trabalhos escolares, em conteúdos nas redes sociais e nas avaliações
predomina mesmo sendo unânime que “escrever abreviado” é criar uma nova linguagem
entre o grupo, que distingue gerações. Transgredir as regras ortográficas é sinônimo de
“liberdade de expressão, modernidade e velocidade”.

Eu abrevio as coisas. Coloco “o q” (letra q) com K ali, tipo eu coloco tudo


assim. Deveria ser certo, mas pra mim não precisa. Porque eu tô ali (no
celular), não estou num lugar pra falar certo e tal, não tem ninguém me
observando e falando que tá errado ou certo como no colégio que os professores
ficam enchendo o saco pra escrever tudo certinho. Acho que todo mundo deveria
escrever como acha melhor. Eu escrevo como eu acho certo (Eduardo, 18 anos).

Para os entrevistados, o acesso ao celular conectado à Internet significa buscar a


distinção social, igualar-se perante os jovens de escolas particulares, estar circulando nas
redes, ser visível “para o mundo”. Assim, as experiências dos atores nas redes, os
costumes, a assimilação de valores, a desigualdade de classe e os conflitos puderam ser
identificados através do objeto de estudo.
154

Para explicar como são construídas as relações de poder, Bourdieu investiga como
se articula o desenvolvimento econômico e simbólico. Para ele, a escola é motivo de
distinção pela sua posição na estrutura de produção e a maneira como eles produzem e
distribuem bens materiais e simbólicos de uma sociedade. A circulação e o acesso a esses
bens não podem ser explicados pela associação ou pela classe social. A cultura dominante
é definida como tal pelo reconhecimento arbitrário, social e valor histórico no campo do
simbólico. Portanto, a posse ou a falta de capital cultural é adquirida principalmente na
família, onde se podem construir as distinções diárias, expressando as diferenças de
classe. Ou seja, na medida em que há uma correlação entre posição de classe e cultura,
duas realidades de relativa autonomia, as relações de poder são confirmadas, elas se
reproduzem e se renovam.
a) experiência dos atores das redes: o compartilhamento pelo celular de fotos
com frases é o grande destaque do perfil do Facebook dos entrevistados. Em segundo
lugar, a exposição do corpo em fotos produzidas especialmente para as redes sociais
predomina. As intimidades e preferências do gosto são constantemente postadas na rede.

Eu compartilho as coisas, as coisas que eu acho interessante. Tipo minhas fotos


e as frases é o que eu mais faço. E tipo quando eu to vindo pra aula eu coloco lá
no Face que to vindo pra aula. E quando eu brigo com alguém também eu
posto. Eu me sinto bem e aliviado. Eu sou muito sincero e o que eu tenho pra
falar eu vou lá e falo sabe. Sempre tem guria se encarnando em mim, sempre,
sempre. Elas me adicionam e se tem um guri que é amigo delas vem falar
comigo ou comentam elas ficam braba com eles e vem me xingar eu. Aí eu
excluo elas, isso sempre acontece (César, 17 anos).

É através do celular que os jovens compartilham seus gostos, medos e alegrias.


Mesmo a rede sendo de conectividade global, os contatos através do celular são locais:
família, escola e amigos. A busca por novas experiências está em adicionar e enviar SMS
para “amigos virtuais”, estes, desconhecidos na vida real. O destaque aqui é que nenhum
“amigo virtual” ultrapassa a posição de classe, segundo os estudantes, “todos são pobres
mesmo”.
Em postagens no Facebook do entrevistado, é possível detectar a controvérsia e a
exibição da intimidade, assim como a erotização que “com a multiplicidade e a
155

hibridização das textualidades que caracterizam a cultura contemporânea, o vivido e a


própria experiência constituem um valor privilegiado” (WINOCUR, 2011, p. 8).
A intimidade revelada através das redes sociais é garantida como personalidade, o
resguardo e o segredo são inexistentes nas redes. As partes destacadas do corpo formam
um produto em que o máximo de “curtidas” eleva a moral do expositor. Assim, o modo
íntimo e pessoal de ser do ator não se refere mais a ele, mas ao contingente de amigos que
ele possui em sua rede social. O desenvolvimento da vida do entrevistado em relação às
suas experiências e relacionamentos amorosos não está livre do acesso ao público.

Postar tudo que você vai fazer enche o saco das pessoas no Facebook. Mas tem
coisas que eu posto. Me sinto bem. Tem gente que curte e que comenta. Meu
último post do sábado um monte de gente curtiu e um monte de gente comentou.
Foi um texto para as pessoas verem o que eu estou vivendo e o que eu vivi, para
mostrar para as pessoas os momentos que eu estou passando, aonde eu vou ou
deixo de ir (Alex, 18 anos).

De todo modo, à margem de debates, entre otimistas e pessimistas, sobre a


exposição da intimidade na Internet através das redes sociais, é evidente que, no meio
virtual, pode-se mais facilmente ocultar todos os constrangimentos materiais vividos
(RONSINI; DUTRA, 2013).

b) costumes: hábitos relacionados ao celular são frequentes e diários: acordar e


verificar as redes antes do café da manhã; almoçar na companhia do aparelho; escutar
música no ônibus, shoppings e praças; caminhar e digitar mensagens e acessar o aparelho
durante as aulas. A seguir, tem-se um relato aproximado da rotina de todos os
entrevistados:
Ultimamente eu só fico no celular e fico só no Face. Converso com as pessoas e
compartilho as coisas. Só uso rede social, e de vez em quando eu pesquiso
quando precisa pra alguma coisa do colégio. Eu não tenho internet em casa, só
no celular, por isso uso ele o tempo todo. Só no celular. Tenho música no celular
e escuto música bastante. Quando eu chego em casa eu acesso logo. E entro de
noite sempre antes de dormir e fico mexendo sempre até a uma ou duas da
manhã e respondendo as pessoas que me escreveram no bate-papo (Bruno, 17
anos).
156

Os indicadores da pesquisa também apontam para consumo para certos tipos de


comida, como salgados, fast food, refrigerantes: “gosto de xis e cachorro-quente com
bastante gordura” (Alex, 18 anos), alimentos de baixo custo e valor nutricional. Constata-
se a maneira desigual e desconhecida do acesso a outros tipos de fonte alimentícia. A
identidade juvenil de classe popular pode ser retratada a partir dos “rolezinhos”. A
juventude da periferia carregada de significados pode ser acompanhada e vista a olho nu
em shoppings, praças de alimentação, galerias, lojas de departamentos, etc. Os jovens da
classe popular ressignificaram, a partir das manifestações do role, uma identidade
pertencente aos jovens da classe alta. Agora, identidades, luta de classes, bens simbólicos
transitam no mesmo ambiente.
Entre as práticas culturais dos jovens do rolezinho estão sair pelas ruas, tomar
espaços públicos como forma de lazer e de encontro com amigos. A ressignificação dos
espaços públicos é a marca desses jovens, um momento histórico de afirmação da classe
popular juvenil. Para o antropólogo Renato Souza de Almeida (2014, p. 04), “quando o
jovem afirma, por meio do rolezinho, sua identidade de negro e pobre, a contradição se
evidencia e a polícia é acionada, e tão logo o paraíso do consumo e do prazer se revela
como o inferno do preconceito racial e da violência”. Para o autor, neste sentido, os jovens
não são os consumidores nos templos do consumo, mas, sim, os produtores de uma nova
forma de sociabilidade. Enquanto destituídos de poder econômico, veem a circulação e a
mobilidade urbana como uma identidade coletiva, atual, online.
157

Figura 12 Fonte: Perfil da rede social Facebook de Alex

c) assimilação de valores: as manifestações sociais são vistas com descrença pela


maioria, bem como o governo do país e a política. Para os estudantes, os valores morais
incluem o respeito pelo próximo, a humildade, a honestidade e a “força de vontade” para
estudar e “mudar de vida”. Os pais dos entrevistados, como relataram os jovens, buscam
uma educação melhor para os filhos mesmo com o recurso financeiro escasso. Os
estudantes reconhecem que o uso constante do celular é fator do baixo rendimento escolar
e afirmam que estudar é a única forma de ascender socialmente. Essa reflexão é
controversa em oito entrevistados que dizem não gostar de estudar, de ler e frequentar a
escola. Profissões que visam ao trabalho manual não foram mencionadas como sonho
profissional.

Eu nem estudo, porque eu fico mais no Facebook. Deveria estudar mais, mas
como não tenho computador ainda fico mais no Facebook no celular mesmo.
Estudo na aula mesmo. E a pessoa que não tem faculdade não vai conseguir um
bom emprego, não vai conseguir crescer na vida (Denise, 17 anos).

A felicidade, a realização pessoal e profissional está intimamente ligada às


condições e posse de bens materiais, pois “sem dinheiro não há como ser feliz”. Assim,
pode-se relacionar a escolha do jovem pelos cursos de marketing ou publicidade e
propaganda como uma fonte ilusória daquilo que poderia ser construído a partir do
consumo inatingível.
d) desigualdade de classe: oito jovens admitem não conhecer ninguém “rico”.
Apenas Alex e Cláudia mantêm perfis falsos para interagir com jovens da classe alta. Desta
158

maneira, eles não revelam ser de classe popular e para isso “mentem” um estilo de vida
que não têm. Montam álbuns fictícios com carros importados, viagens internacionais e
mansões com piscina.

Tem pessoas que não trabalham, vivem em casa de madeira. Pessoas ricas
vivem no luxo, cheia do dinheiro. As roupas de marca. Mas não sei as marcas.
Não conheço nenhuma. Só isso, pela roupa. Bem vestido, diferente da gente.
Diferente, mais que a gente. Eles vão falar diferente de nós, vão agir de forma
diferente, não vão falar como a gente em gírias e tal. São bem comportados e
todos mimados (Eliana, 18 anos).

A rede de amigos dos estudantes é composta por alunos da escola A e amigos do


bairro onde moram e muitos deles participam do mercado informal de trabalho: babá,
revendedor de cosméticos e freelancer são os mais frequentes. Quatro estudantes vivem em
casa construída de madeira e alegam ser o “símbolo da pobreza” assim como o é a ausência
de computador em casa. Para Eduardo, “os ricos estão em casas grandes com piscina
tomando suco de laranja natural pela manhã”. Se a identidade dos jovens de classe
popular era desconhecida da grande mídia, hoje temos este fenômeno para quebrar
barreiras e sustentar as múltiplas identidades que circulam nos shoppings através dos
rolezinhos, ressignificando os espaços públicos e as redes sociais online. As identidades
fixas dos consumidores e da classe abastada caíram por terra com a chegada dos jovens da
periferia, a zona de conforto dos ricos foi estremecida pela galera pobre do rolê.
e) conflitos: o fato de a moradia dos estudantes ser relativamente pequena, na
maioria com quartos compartilhados, gera conflitos na intimidade e privacidade dos
jovens. A falta de aquisição de vestuários da moda e de eletrônicos de última geração,
como notebook e tablet, é um fator desestimulante para os jovens. Além disso, estereótipos
como “a garota de programa”, os “gays do colégio”, a “negra”, “a baixinha e gorda”
desestruturam o lado emocional, e muitos adolescentes demonstram tristeza e acessam o
celular a todo instante para fugir da realidade que os cerca.
Os estudantes Alex e Eliana, por se declararem “gays”, sofrem conflito no núcleo familiar
evangélico. O conflito maior das famílias não evangélicas é sobre o uso excessivo do
aparelho de telefone e a pouca dedicação aos estudos.
159

6.3.2. Distinção social pelo celular

Constata-se, nesta pesquisa, que os estudantes frequentemente seguram o celular à


mão enquanto conversam e circulam pelo pátio da escola com símbolo se status. Ter um
celular é sinônimo de pertencimento ao grupo dos “funkeiros, roqueiros, rolezeiros,
gaudérios”. É também um mecanismo que conecta estilo do vestuário ao aparelho.
Destacam-se as meninas ao exibirem capinhas com marcas fakes de nomes famosos como
Gucci, Dolce&Gabbana, Louis Vuitton incrementadas com a falsificação de pedras
preciosas como diamantes, esmeraldas e pérolas.

Acho que sim, tipo o jeito como a pessoa personaliza o celular pode identificar,
se ela tem o celular todo rosinha, tu pode dizer que ela é mais patricinha, se o
celular é todo jogado tu vê que ele não dá muita bola pra sociedade, não se
preocupa em transmitir uma imagem, ele é o que é. Por que hoje em dia as
pessoas tentam mostrar o que elas não são por meios materiais (Cláudia, 18
anos).

Sim, tem gente que não tem nem internet no celular, não tem nada e porque da
pra ter uma base sobre o poder aquisitivo da pessoa. Tem pessoas que tem
celulares ótimos e que tu olha a família e não tem nada e tem outros que tem
celulares caquinhos e a família tem dinheiro. Depende muito, agora qualquer
pessoa pode ter o celular que quiser. Então não tem como definir (Diogo, 15
anos).

O celular como bem de distinção social conecta os estudantes ao estilo de vida


moderno, veloz e contemporâneo, algo de difícil acesso no núcleo familiar. Para ter um
celular que os distingue da maioria, o aparelho precisa ser grande, ter touchscreen, ser leve
e com muitas funcionalidades como possibilidade de baixar aplicativos, máquina
fotográfica de alta resolução e ser barato.

Acho que se for uma pessoa muito pobre e tiver um iPhone, bom, ela pode ter
roubado, sei lá. Acho que depende, mas acho que dá pra saber. Se ela tem um
iPhone ela deve ter mais dinheiro que uma pessoa que tenha Android.
Geralmente quem tem um iPhone é de uma classe que tem mais dinheiro ou
guardou pra comprar, ai você vai ver aqueles celulares que são mais antigos,
bem acabadinhos que não tem aplicativos, que não tem nada, tu meio que define
que a pessoa não tem condições de comprar ou que não gosta. Dá pra ver sim
(Cláudia, 18 anos).
160

Nenhum dos entrevistados relatou qualquer forma de distinção pelos aparelhos


pré-pago e/ou pós-pago, visto que todos possuem contas pré-pagas. Celulares de conta,
segundo César, “é apenas para pessoas ricas”. A aceitação pelos serviços pré-pagos é
grande na classe popular, porque os planos são barateados para ligações da mesma
operadora, ou seja, o grupo de amigos ou família sempre tem os serviços da mesma
companhia de telefonia móvel. Os custos em recargas mensais variam entre R$ 10,00 a R$
30,00 reais. Bianca e Alice frequentemente não fazem recargas e, por vezes, ficam sem
pacotes de Internet no celular.

Os pobres têm mais celulares porque querem ter um de cada operadora. Os


ricos se contentam com qualquer celular, os pobres, digamos, alguns que eu
conheço, querem comprar o melhor celular para mostrar para os amigos, estão
sempre trocando de celular e quando lançam um modelo novo estão sempre
comprando, eu conheço dois amigos meus que são assim. Só pra mostrar que
tem dinheiro mesmo sendo pobre e para se acharem. Hoje em dia está todo
mundo usando o pré-pago, mas antigamente quem tinha mais dinheiro usava
mais pós-pago que pré-pago (Bianca, 17 anos).

Pedem frequentemente ajuda das redes para amigos virtuais colocarem créditos em
seus aparelhos, algumas vezes acontecem, outras não. A revolta é grande pela falta de
recurso financeiro ao não realizarem as recargas para o aparelho ter conexão com a
Internet. Para Alves (2006), o sucesso da telefonia móvel em jovens de baixa renda
explica-se pelos implementos dos serviços pré-pagos.
Com estes dados, verifica-se que a maioria dos entrevistados não tem acesso à
Internet pelo computador, sendo excluídos do mundo digital e online. As famílias não
possuem TV a cabo, o que implica pouco acesso a informações qualificadas ou
segmentadas de interesse jovem. Os programas de TV aberta voltados à classe popular
como os talk shows da Eliana, Luciana Gimenez, Sílvio Santos, Luciano Huck e Faustão
ainda são os mais assistidos e comentados na timeline dos usuários.
Em relação à compra do aparelho, pode-se perceber o parcelamento do pagamento
ou a economia de meses para a compra do celular pelos pais dos jovens. Os estudantes não
se basearam na opinião dos pais na hora da compra, embora eles tenham escolhido o
modelo. A escolha por modelos diferentes é a forma de distinção dentro da escola, pois,
quanto mais diferente, moderno e caro o aparelho, maior é a distinção simbólica dentro do
161

grupo, resultando na melhor forma de comunicação devido às funcionalidades dos


aparelhos modernos e aos sistemas operacionais velozes.
O ritual para a usabilidade do aparelho como distinção refere-se às redes sociais e
ao uso para ligações emergenciais para família e amigos, que serve para a demonstração de
créditos disponíveis para ligações. O aparelho não é compartilhado e é de uso individual,
salvo raras exceções para envios de SMS ou chamadas e empréstimos para amigos. Isso
ocorre principalmente em espaços públicos, pois se constatou na pesquisa que nenhuma
família era portadora da telefonia fixa, mais um fator de distinção social que foi apontado
perante os lares de classe média alta e alta.
Quatro entrevistados usam o telefone no mercado informal de trabalho para
comunicação com clientes e chefes. Alice, Bianca, César e Eduardo veem na comunicação
móvel uma ferramenta de trabalho “enquanto os riquinhos estão gastando o dinheiro dos
pais”. Assim, para estes jovens, o celular possibilita uma inserção maior no mercado
informal e a possibilidade de um ganho extra de renda no final de cada mês. Sem a
comunicação pelo celular, não haveria trabalho para eles.
Quando questionados sobre o status que o celular representava, os estudantes
deixaram clara a posição deste bem simbólico como essencial na vida. O desejo de ter
sempre um aparelho mais avançado e com mais funcionalidades é compartilhado por todos
os entrevistados. A exposição do aparelho na escola e diante do grupo de amigos é sempre
pensada na hora da troca do aparelho, pois os estudantes de baixa renda veem no celular
uma melhoria da qualidade de vida, visto que é a única fonte de Internet disponível no
espaço doméstico para estudo, pesquisa e acesso às redes online.
Todos os jovens conhecem as tarifas das operadoras e vivem “no limite” de cada
pacote das operadoras de telefonia. Utilizam o máximo de serviços disponíveis e a oferta
de bônus tarifários é entendida como uma vantagem na hora da escolha da troca de
operadora. No caso dos estudantes entrevistados, nenhum deles comprou celular de
segunda mão, todos foram retirados das lojas.

Para os vários usos dos bens culturais, Bourdieu não explica como a distribuição
do campo cultural, ou a capacidade econômica para adquirir cultura, mas também e, acima
de tudo, como a posse do capital cultural e de educação permite aos indivíduos participar e
gostar de alternativas variáveis. Para o autor, as condições de vida diferentes produzem
162

habitus diferentes, como as condições de vida de todos os tipos impostas de maneiras para
classificar, apreciar, etc. O habitus constitui a origem das práticas culturais e sua eficácia é
percebida.
A tecnologia se agrega à indumentária, mas, para além das funções práticas que
ambos possuem, a função simbólica do aparelho é a da distinção e da comunicação. Estar
próximo do corpo, no caso do celular, talvez tenha relação com o uso do aparelho como
uma tecnologia afetiva que os conecta aos sentimentos e às emoções compartilhadas com
amores, amizades, parentescos. O celular está presente em todas as atividades cotidianas:
dormir, comer, deslocar-se, passear, estudar, tomar banho.
Segundo a maioria dos entrevistados, os recursos tecnológicos, o modelo e o design
do aparelho e o plano escolhido são elementos de distinção social entre ricos e pobres
enquanto uma minoria acredita que as facilidades do crédito tendem a democratizar os
aparelhos para todas as classes. O celular dos ricos evoca modernidade, conexão global,
acesso a outros meios de comunicação. Alguns comentam negativamente aqueles que
manifestam pretensões deslocadas da posição de classe ao adquirir um aparelho que não
corresponde ao seu poder aquisitivo, reclamando uma disposição adequada à reprodução
da hierarquia social.
163

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sucesso comercial da última década, os smartphones têm um tempo relativamente


curto na história sobre os estudos do consumo. Embora a tecnologia móvel tenha penetrado
na cultura jovem com incidência maior nos estudantes de baixa renda (entrevistados), que
tem no aparelho a única fonte de acesso à Internet, a rápida adoção da comunicação móvel
pelos adolescentes começou a partir dos anos 2000 quando as operadoras de telefonia
celular entraram em concorrência pelos melhores planos. Neste cenário, houve o interesse
pelos estudos de consumo sobre este objeto.
Em 2014, com os planos cada vez mais barateados, os jovens puderam acessar a
Internet e fazer ligações para a mesma operadora a preços baixos, cerca de R$ 10,00/mês.
Estas vantagens possibilitaram ao usuário de celular, através da tecnologia móvel, que
estivesse grande parte do tempo conectado à Internet, e mais facilidade nas relações nas
redes sociais online, bem como na comunicação entre escola e família. Contudo, como
consequência, outra questão a ser debatida é a norma culta da língua portuguesa, que é
imperceptível nas postagens feitas através do celular pelos jovens de classe popular.
Abreviações e falta de acentuação são generalizadas. O uso constante e diário do aparelho
é um dos principais motivos do baixo rendimento escolar conforme afirmam os estudantes.
Investigar o fenômeno contemporâneo do consumo juvenil pelo aparelho de celular
revela práticas culturais de uma nova tecnicidade. A posse do objeto por jovens de baixa
renda elabora uma ampla relação de novos significados com a mídia, família e a sociedade
em geral, pois o consumo televisivo fica evidente em postagens e produção de conteúdo
para as redes a partir de filmes e de personagens de telenovelas. Ainda assim, ao longo
desta pesquisa, verificou-se que poucos estudiosos debatem o consumo a partir desde
pequeno objeto de tecnologia recente, mas já difundido entre os sete bilhões de habitantes
do globo.
O celular, para os jovens entrevistados, está relacionado cotidianamente com a
propagação de gostos, desejos e distinções simbólicas. Tornou-se o símbolo da
convergência para a cultura popular juvenil que anseia por modelos novos de aparelhos,
funcionalidades e estilo de vida.
164

Para Martín-Barbero, “os meios e as redes eletrônicas estão se constituindo em


mediadores da trama de imaginários que configura a identidade das cidades e regiões, do
espaço local e de vizinhança, veiculando, assim, a multiculturalidade que faz romper os
tradicionais referentes de identidade” (2014, p. 110). Novas práticas sociais partem da
conectividade online e da mobilidade que o celular proporciona; novas significações e
relações de poder entre o mesmo grupo juvenil permeiam novas socialidades e ritualidades.
No caso dos jovens desprovidos de capital econômico, as constantes atualizações e
contatos estabelecidos pelo celular através das mídias digitais como Facebook, Twitter e
Instagram, possibilitam-lhes a ampliação do capital social.
Conforme Martín-Barbero, relacionado à socialidade, “passa por profundas
mudanças nos mapas mentais, nas linguagens e nos desenhos de políticas, exigido pelas
novas formas de visibilidade que tece a internet” (2014, p. 111).
Na socialidade, referente à família, pode-se identificar que, nas classes populares,
os lares são constituídos de pais e filhos, com parentes próximos vivendo na mesma casa e
ajudando nas despesas, conforme dizem os entrevistados. Os estudantes que se declararam
“negros, gays, e incidentes de atividades ilícitas como drogas e prostituição” dizem sofrer
maior preconceito que os demais no espaço escolar. No ambiente familiar, aqueles que têm
pais evangélicos costumam se envolver mais em conflitos dentro do lar, pela questão da
opção sexual.
Para os estudantes, o capital cultural transmitido pelos pais é o valor dos estudos, o
que, inclusive, seria capaz de promover a ascensão à posição de classe. Para eles, não há
outra saída senão o enriquecimento e o esforço nos estudos para almejar uma Universidade
Federal, ou ainda, um curso técnico profissionalizante. No que diz respeito à escola, os
estudantes assumem que o celular é o grande atrapalho no aprendizado, pois tira a atenção
durante a aula e rouba o tempo de estudo em casa.
Os estudantes dizem se lembrarem de filmes, novelas, livros, revistas e seriados em
que o aparelho móvel aparece em narrativas distintas. Assim, a tecnicidade perpassa novas
formas de significações pelo celular. Os estudantes afirmam que o celular é sua única fonte
de acesso à Internet, por isso o acesso às redes sociais é intenso e constante, para estar
visível aos demais do mesmo grupo, já que as relações sociais não ultrapassam a classe a
que pertencem. No Facebook, eles dizem comentar personagens de novelas, atrizes e
165

bandas famosas. É pelo celular que os jovens de classe popular também comentam nas
redes sociais programas da televisão aberta como Silvio Santos e Eliana, interagem quando
possível através de SMS ou Twitter.
O consumo do celular é diário e não inclui a produção de conteúdo social ou
político. As afetividades relacionadas ao uso do celular são visíveis dentro do espaço
escolar e doméstico, o que causa brigas e discussões. Na escola, os entrevistados revelam
usar o celular dentro da sala de aula, enquanto o professor passa o conteúdo. Muitas vezes,
relatam não prestarem atenção ao que é transmitido para navegarem nas redes sociais. O
Facebook é o grande passatempo dos jovens de classe popular, é através da rede social que
eles afirmam marcar encontros em shoppings, praças e ruas.
Novos caminhos, a partir da análise da relação com o aparelho de celular, surgem
para compreender os processos que constroem o jovem e a sua identidade. Afinal, não se
pode obter uma verdade absoluta a partir das categorias analisadas para compreender a
totalidade da realidade entre os jovens e o uso do celular, apenas apreende-se, com a
etnografia, uma fração de um grupo social aqui analisado.
Novas relações sociais pela Internet através do celular (seja para o trabalho, escola
ou novas amizades) são estabelecidas constantemente. O aparelho móvel é de uso pessoal,
e os respondentes dizem-se angustiados sem o aparelho. É através da conexão com a
Internet que o celular torna-se indispensável como forma de expressão para os jovens,
tanto pela questão da mobilidade como da afirmação perante os pais e a escola.
Os acontecimentos experimentados cotidianamente estão fortemente associados à
cultura do uso do celular. Fica claro que os fatores culturais, históricos e existenciais
vividos pelos estudantes estão intrinsecamente ligados à posição de classe. Desta forma,
todo saber e conteúdo gerado para as redes online dependem da aplicação de estruturas da
razão sobre aquilo que afeta os sentidos, ou seja, dos capitais que o estudante possui.
O conhecimento adquirido nas redes sociais serve de reprodução cultural dentro do
grupo de convívio, como um status elevado. Para o jovem, músicas com letras de cunho
crítico, como o rock ou o funk, legitimam a cultura juvenil e também são citadas como
fonte de cultura.
As práticas sociais atribuídas pelos jovens compartilham estilos de vida e
identidades. Assim, o celular é para os jovens um bem simbólico – desejado, descartável e
166

substituído – transmitindo hierarquias de valores através da modernidade, conectividade e


funcionalidades do aparelho. O telefone móvel, verificado em observações de campo,
apresenta um conjunto de significados similares no grupo escolar e a ele é atribuído
sentimentos de afeto, amizade, companheirismo, comunicação e distinção social.
A opção pelo método etnográfico e pela observação participante se deve ao caráter
sociocultural da pesquisa, da sua perspectiva de entender as práticas de uso do celular na
vida cotidiana dos estudantes. E, assim, compreender o processo de apropriação desta
tecnologia, que inclui a sua adoção, o seu significado pessoal, social e cultural e a sua
conversão em instrumento de composição de um estilo de vida. Tal abordagem não nega as
escolhas intencionais dos atores, mas reconhece que, como decorrência do ajustamento ao
habitus, grande parte do que é entendido como intenção do ator social é, na verdade, um
resultado não consciente das condições de classe (BOURDIEU, 2009, p. 100).
Se um dia a classe foi um aspecto crucial para a definição do nosso modo de vida
tanto quanto o foi politicamente, hoje ela continua a ser importante para esta definição,
mesmo que simbolicamente não. Quanto maior o envolvimento com a cultura midiática,
maior é a probabilidade de que a classe seja um fator ignorado ou minimizado como
determinante e de que o consumo seja encarado como capaz de definir classe social, assim
como está acontecendo no Brasil com o fenômeno de ascensão da classe popular a uma
condição melhor no plano do consumo, sendo interpretado como uma ascensão para a
classe média. A concentração em processos de constituição do eu, além de ser própria da
fase juvenil, ajuda os jovens a não encarar a carência de bens materiais e culturais a que
estão sujeitos. Por outro lado, se o capital econômico for muito baixo, maior a revolta em
relação ao que é visto como diferença nos modos de vida de diferentes segmentos na
sociedade capitalista, mas, quando associado a um baixo capital cultural, essa revolta
apenas se traduz em ressentimento e não em ação articulada e política.
Outro aspecto importante do uso da tecnologia móvel e da Internet é a produção do
Eu como uma marca que se populariza no mercado dos afetos, com a vantagem de esta
marca seguir a tendência da desmaterialização que ocorre em todos os processos de
consumo, nos quais o objeto é menos importante do que a ideia que ele transmite. Em
termos menos abstratos, é possível transmitir uma imagem deslocada da difícil
167

materialidade da vida circunscrita à classe e a outros pertencimentos objetivos. É no meio


virtual que se pode mais facilmente ocultar todos os constrangimentos materiais vividos.
Conceber a realidade social entre a união do celular e a intimidade dos jovens
desenha um novo caminho de estudo no campo das Ciências Sociais, com base na
antropologia urbana e comunicacional. Traz para a história recente das mediações
barberianas a afirmação de uma nova área do conhecimento: a ressignificação da
tecnicidade. O celular passa a filtrar a realidade como ela é, criando uma espécie de
aparência, um esboço da coisa em si. Desta forma, as relações sociais através do aparelho
tornam-se fragmentadas e simbólicas, e é aí que a transmidiação ocorre e/ou nas
hipermediaciones, como define Scolari (2008). Para Martín-Barbero (2014), há “uma
ardilosa instrumentalização das “novas tecnologias”, para cobrir com ruído e brilho digital
a profundidade da crise, que atravessam as relações da escola com a sua sociedade, ou o
altivo desprezo com que se identifica a mutação tecnocultural do mundo que habitamos
com a mais fatal das decadências do Ocidente” (MARTÍN-BARBERO, 2014).
Deixam-se, como apontamentos deste estudo empírico relacionados ao celular, na
área da comunicação e da juventude, que estes jovens são portadores de uma tecnologia
sempre móvel e em constante transformação e também, para os estudos relacionados às
mídias, um olhar atento para os dispositivos móveis e as narrativas em programas de
televisão e telenovela.
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181

APÊNDICE 01 – ESTUDO EXPLORATÓRIO I

Programa de Pós-Graduação em Comunicação


Universidade Federal de Santa Maria

NOME:
IDADE:
LOCAL:
DATA:

1. Qual o modelo do seu celular?


2. Quantos aparelhos de celular você já teve?
3. Qual operadora de telefonia móvel você utiliza?
( ) VIVO ( ) OI ( ) TIM ( ) CLARO
4. Quantas vezes você já trocou de operadora?
5. Você fica angustiado sem celular?
6. O que o celular representa para você?
7. Você acessa a internet pelo celular?
8. Quantas redes sociais você usa no celular?
9. Tem buscador no seu aparelho?
10. Lê notícias pelo celular? Quais?
11. Assiste vídeo pelo celular?
12. Interage com programas de televisão pelo celular?
13. Tem aplicativos próprios para o seu celular? Quais?
14. Quantas vezes utiliza o celular por dia?
15. Por que o celular é importante na sua vida?
16. Você ficaria sem celular?
182

17. Você faz suas refeições à mesa com o celular?


18. Já dormiu alguma vez com o celular na cama?
19. Com internet no celular, você está conectado toda hora, você checa suas mensagens
e e-mails pelo celular mais de uma vez por dia?
20. Você faz check-in no celular dentro das redes sociais para localizar os outros
usuários onde está?
21. Você usa o celular durante a aula?
22. Você deseja mudar de aparelho? Por quê?
23. Qual celular que você gostaria de ter?
24. Qual recurso gostaria de ter no seu aparelho que ainda não tem?
25. Você precisa do celular para estar conectado com a sociedade?
26. Você estabelece novas relações com o celular? Como?
27. Seus pais tem acesso ao seu aparelho de celular?
28. Já tirou fotos, produziu vídeos e depois ‘subiu’ pra internet através do celular?
29. Descreva o seu celular.
183

APÊNDICE 02 – ESTUDO EXPLORATÓRIO II

Programa de Pós-Graduação em Comunicação


Universidade Federal de Santa Maria

Dia:
Endereço:
Bairro:
Telefone:
Profissão:

Nome:
Idade:
Série:
Modelo de celular:
Operadora que utiliza:
Tem internet no celular? Qual?
Quantos aparelhos você possui?

ESCOLA
1. Leva o celular diariamente na escola?
2. Verifica mensagens durante a aula?
3. Já foi repreendido por usar celular em aula?
4. Considera o celular como um instrumento no aprendizado?
5. Escuta música no celular quando está no colégio?
6. Utiliza games no período de aula?
7. Você acha que o celular favorece ou atrapalha o aprendizado?
8. Pesquisou alguma vez através do telefone conteúdo para algum trabalho escolar?
184

9. Conhece alguma Lei que o proíba de usar o telefone em aula? O que pensa sobre
isso?
10. Vê que são possíveis formas de estudo através do aparelho? Como?
11. Você acha que a escola deveria liberar o uso do celular? Por quê?7
12. O que mais gosta e o que menos gosta na escola?
13. O que a escola representa para o futuro?
14. Qual foi o acontecimento mais marcante que você viveu na escola?
15. O teu uso do celular gerou alguma vez algum tipo de atrito dentro da escola?
16. Já filmou alguma aula?
17. Já tirou alguma foto em sala de aula com o celular?
18. Como os professores comentam o uso do celular pelos jovens?

REDES SOCIAIS

19. Quais as redes sociais que utiliza no celular?


20. Como se sente quando não está conectado?
21. Tenta localizar, através de check-in, seus amigos?
22. Seus perfis são públicos ou privados?
23. Utiliza as redes sociais como diário?
24. Conta medos, angústias ou sofrimentos pessoais na rede em busca de ajuda dos
amigos?
25. Faz algum tipo de reclamação em busca de melhorias sociais, educacionais ou de
relações humanas pelas redes?
26. Na maior parte do tempo, suas relações sociais são através do celular ou do contato
pessoal?
27. Como vê o ambiente off-line?
28. Conhece pessoas somente pelas redes sociais e não pessoalmente? É maioria ou
minoria nas tuas redes sociais?
185

CELULAR

29. Recebe chamada a cobrar?


30. De quem você aceita? Por quê?
31. O celular para as mulheres deveria ter um design diferente? Por quê?
32. Costuma ver clipes no celular, novelas ou outros programas?
33. Seus pais costumam usar o mesmo celular?
34. O que acha de dividir o celular com algum membro da família?
35. Plano do celular: ( ) pós-pago ( ) pré-pago
36. O que representa a operadora que você utiliza?
37. Você já teve problemas com a operadora? Quais?
38. Quantas vezes você mudou de operadora?
39. Quantos aparelhos de celular você já teve?
40. Você acha relevante a publicidade da operadora na televisão?
41. Você recebe mensagens de anunciantes pelo celular?
42. Escuta música pelo celular?
43. Quais recursos têm disponíveis no celular? Qual utiliza mais?
( ) contatos ( ) calculadora ( ) bússola ( ) cronometro ( ) gravador
( ) vídeo ( ) maquina fotográfica ( ) SMS ( ) mensagem de voz
44. O toque do seu celular é personalizado? Por quê?
45. Como você adquiriu seu aparelho?
46. Foi você quem escolheu o modelo do seu celular?
47. Deseja mudar de aparelho? Qual gostaria de ter?
48. Quanto custa seu celular?
49. Já gravou vídeos ou tirou fotos íntimas com o celular?

FAMÍLIA
50. Número de irmãos:
51. Estado Civil dos pais:
186

52. Nome completo do pai e profissão:


53. Nome completo da mãe e profissão:
54. Número de pessoas que residem em sua casa?
55. Todos eles têm celulares? Quem tem?
56. Você acha que a família tem tempo para transmitir ensinamento aos filhos?
57. Qual o maior ensinamento que a tua família te passa?
58. O que eles falam sobre o seu uso do celular?
59. Quais membros contribuem para a renda da família:
60. Marque os equipamentos que você possui em casa:
( ) DVD ( ) Celular ( ) Tablet ( ) Notebook ( ) Netbook
( ) telefone fixo ( ) internet, qual: OI
( ) Tv por assinatura ( ) Tv aberta
61. Assina revista ou jornal? Qual?

GRUPO SOCIAL
62. Escolha uma ou mais palavras que definam o grupo com o qual você se identifica
na escola:
63. O grupo da escola é o mesmo que você convive fora da escola?
64. Existe algum grupo formado por meninos e meninas que são viciados em
tecnologia? Quais?
65. Você percebe que todos os membros de grupos diferentes usam celulares?
66. Nas conversas do seu grupo, falam sobre as redes sociais?
67. Compartilham conteúdos na hora em que conversam?
68. É frequente caminhar com o celular na mão?
69. A família conhece e convive em suas redes sociais?
70. Quem da sua família tem perfil em redes sociais?
71. É frequente adicionar pessoas que você ‘fica’ em suas redes sociais?
72. Você anota o número do celular de pessoas em festas e passeios?
73. Como você define as patricinhas e os mauricinhos?
74. Assinale características do grupo de jovens que você pertence:
187

( ) todos tem smartphones


( ) tem atitude nas redes sociais
( ) conteúdo que mais publicam: músicas e jogos
( ) acreditam na solidariedade na rede online
( ) estudam muito, diariamente
( ) toda hora verificam o celular
( ) são urbanos
( ) vieram ‘de fora’ (do campo ou de cidades muito pequenas)
( ) gostam mais de ficar do que namorar
( ) gostam mais de namorar do que ficar
75. É possível você fazer um perfil da classe social pelo celular que a outra pessoa
tem? Por quê?
76. Já marcou encontros com outras pessoas pelo celular?
77. Já terminou relacionamentos por discussões no telefone?
78. Já discutiu com algum membro da família pelo celular?

REPRESENTAÇÕES E VALORES
79. Para você ser feliz, quais os itens tecnológicos são os mais necessários:
( ) televisão ( ) celular ( ) notebook ( ) computador ( ) videogame
( ) tablet ( ) notebook
80. Você se sente sozinho quando não está com o celular?
81. Você vê que o celular é um ‘amigo’ ou uma parte de você?
82. Os jovens pobres no Brasil têm os mesmos celulares que os jovens ricos?
83. Quais são as principais diferenças entre celulares de ricos e pobres?
84. O que há de melhor em celular de rico e o que há de pior em celular de pobre?
85. Você é capaz de saber usar qualquer aparelho de celular?
86. O celular te ajuda a organizar a vida? (despertador, agenda, cronômetro)
87. Qual o perfil do jovem que não tem celular?
88. Qual o perfil do jovem que não gosta de celular?
89. Você acha que é possível todas as pessoas terem um celular?
188

90. Descreva um dia na tua vida com o aparelho de celular.


91. Qual seu maior sonho?
92. Em que situações, fora da escola, não são recomendadas o uso do celular?
93. Quais são os lugares que você mais acessa o celular?
94. Por que você acha que o celular é fundamental na sua vida?
95. Saber usar todos os recursos do aparelho representa ser inteligente?
96. Não saber usar todos os recursos do celular representa falta de conhecimento?
97. É comum ir a lugares de redes wi-fi abertas para conectar seu celular?
98. Já pegou redes abertas sem autorização do proprietário?
99. Já fotografou algo inusitado pelo celular? O que?
100. Já filmou alguma cena escondido?

HABITUS
101. Qual seu local de lazer preferido?
102. Você utiliza o celular nas suas atividades de lazer?
103. Você acessa o celular em diversas partes de casa?
104. Quando você acorda usa o celular para verificar mensagens?
105. Antes de dormir verifica se há mensagens no aparelho?
106. É comum você utilizar o celular na cama?
107. É comum você utilizar o celular no banheiro?
108. É comum você utilizar o celular no ônibus ou no carro?
109. Deixa seus amigos utilizarem seu celular? Em qual situação?
110. Seu celular tem algum apelido?
111. Qual o sentimento que você tem pelo aparelho?
112. É comum conversar com seus pais enquanto utiliza o celular?
113. Se fosse possível calcular, quantas horas por dia acessa o telefone?
114. Tem algum sonho de consumo relacionado ao celular?
115. Gosta de novas tecnologias? Quais?
116. Tem o hábito de ler jornais? Quantas vezes por semana?
117. Tem o hábito de ler revistas? Quantas vezes por semana?
189

118. Lê livros extraescolares? Cite alguns.


119. Quantas vezes acessa o computador por semana?
120. Escuta rádio?
121. Vai com frequência ao cinema?
122. Quais as atividades de maior uso no computador:
( ) Facebook ( ) Orkut ( ) Twitter ( ) MSN ( ) música ( ) leitura de jornais
( ) pesquisa escolar ( ) jogos ( ) sites de entretenimento, quais?
123. Local de acesso à internet:
( ) celular ( ) trabalho ( ) escola ( ) casa ( ) casa de amigos ( )
124. Seria possível a vida sem estar conectado à internet?
125. Há necessidade de se ter um celular para viver no mundo?
126. A partir de que idade você ganhou o primeiro celular?
127. O que acha das crianças que usam celulares?
128. O que é importante para você em relação ao celular?
( ) que ele seja diferente da maioria ( ) que ele seja o mais caro ( ) que ele siga
a tendência da moda ( ) que ele tenha internet ( ) que ele tenha um tamanho
adequado ( ) que a cor dele seja sua preferida ( ) que ele tenha todos os recursos
que desejaria
129. Quais aplicativos você utiliza?
130. Você já pagou por um aplicativo?
131. Faz compras online pelo celular?
132. É frequente fazer refeições com o aparelho? Sim.
133. Tem papel de parede personalizado no seu celular? Qual é a imagem?
134. Se auto fotografa pelo aparelho?
135. Faz atividades físicas com o aparelho?
136. Já perdeu a noção do tempo mexendo no celular?
137. O que você mais aprecia em um celular?
138. O que você mais detesta em um aparelho de telefone?
139. É possível o jovem que não possui celular se sentir excluído?
140. Você escreve da mesma forma no celular como na escola? Como?
141. Quando está sozinho se sente seguro com o aparelho de celular?
190

142. Você considera ter um celular um luxo ou uma necessidade? Por quê?
143. Fala publicamente ao telefone?
144. Escreve, fala ou digita textos enquanto caminha?
191

APÊNDICE 03 – ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Programa de Pós-Graduação em Comunicação


Universidade Federal de Santa Maria

DATA DA ENTREVISTA:
DURAÇÃO:
NOME:
IDADE:
SÉRIE:
PROFISSÃO:
MODELO DO CELULAR:
POSSUI INTERNET: () SIM ( ) NÃO
QUANTAS PESSOAS MORAM NA SUA CASA?
RENDA APROXIMADA MENSAL FAMILIAR:
TEM QUARTO INDIVIDUAL NA SUA CASA? ( ) SIM ( ) NÃO
NAMORA? ( ) SIM ( ) NÃO

USOS DO CELULAR

1. Consegue viver sem o celular?


2. Descreve seu dia com o celular.
3. Cena de filme, seriado ou novela que se lembra de usarem o celular.
4. Como você definiria seu estilo de vida através:
(A) das coisas que gosta de fazer –
(B) do seu celular –
(C) dos seus amigos –
(D) da sua escola –
(E) da sua família –
192

REDES SOCIAIS

5. Por que você fala do seu cotidiano no Facebook? Por que você gosta de colocar
suas fotos no Facebook?
6. Quais os conteúdos, programas, celebridades você já comentou no Facebook
através do celular?
7. Quais os conteúdos, programas, celebridades você já comentou através do Twitter?
8. O que você acha que não deve ser divulgado nas redes sociais?
9. Já participou de alguma campanha em favor de alguma causa pelo Facebook?
10. O que você acha das mobilizações sociais pelas redes?

CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA

11. Quais são seus cantores/cantoras prediletos? Por quê?


12. Quais são seus atores prediletos? Por quê?
13. Quais os programas de televisão que você mais assiste e com quem?
14. O que mudou na sua vida a partir do celular?
15. Você se comunica com jovens ricos pelas redes sociais?
16. Você se comunica com jovens pobres pelas redes sociais?
17. Você acha que o Facebook/Twitter de um jovem rico é diferente do seu?
18. Você posta conteúdos que você assiste na televisão para interagir no
facebook/twitter?
19. Que imagem você gosta de passar no Facebook e Twitter?
20. O que você mais faz: navega no seu perfil ou no perfil dos outros?
21. Qual é o conteúdo principal dos torpedos que você envia? Para quem você envia?
22. Você acha que é necessário escrever corretamente português no Facebook e
Twitter? Por quê?
23. Você acha que este costume de escrever abreviado interfere nos seus trabalhos
escolares?

ESCOLA

24. Você acha que é possível ter um bom emprego sem cursar a Universidade? Como?
25. Qual a diferença entre o modo de vida de um jovem de escola pública e do jovem
de escola privada?
26. Você estuda pouco ou bastante, por quê?
27. Acha que tem chance de passar no vestibular? Qual carreira quer cursar?
193

28. O celular atrapalha no tempo que você dedica aos estudos?


29. Qual sua maior dificuldade nos estudos?
30. O que você pensa sobre os jovens no Brasil?
31. Você frequentou ou frequenta cursos extracurriculares? Quais?
32. Tem interesse em línguas estrangeiras?

CLASSE SOCIAL

33. Por que no Brasil tem tantos pobres?


34. Descreva o modo de vida de uma pessoa pobre e o modo de vida de uma pessoa
rica.
35. O que é considerado vulgar quando uma pessoa fala ao celular?
36. Você já sofreu algum tipo de discriminação social?
37. Qual seu gasto mensal por mês com o celular?
38. O que você achou das manifestações que ocorreram sobre o aumento da tarifa de
ônibus?
39. O que você acha do governo no país?
40. A sua condição econômica pode mudar? De que forma?
41. O que você pensa sobre o trabalho dos seus pais?
42. Com o que você quer trabalhar no futuro?
43. Qual a imagem de um jovem rico?
44. Qual a imagem de um jovem pobre?
45. O que você acha das pessoas trabalharem muito e ganharem pouco e das pessoas
que trabalham pouco e ganham muito?
46. O que você acha da política?
47. Qual a importância de você votar nas eleições?
48. O que você gostaria de mudar no Brasil?
49. Você acha que o Bolsa Família ajuda na renda da sua família?
50. O que sua família faz com o dinheiro do Bolsa Família?

FAMÍLIA

51. Você convive menos com seus familiares por causa do celular?
52. Como você se sente quando não pode comprar o que deseja?
53. Qual o objeto que mais deseja comprar?
54. Os seus pais sabem utilizar o celular como você?
55. O que seus pais lhe dizem sobre a importância de estudar?
56. Os seus pais cobram um bom desempenho na escola? Como?
57. Você tem horário para estudar?
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58. Como vê seu futuro daqui a 10 anos?


59. Quais os maiores conflitos na sua família?
60. Ajuda nos trabalhos domésticos? O que você faz?
61. Qual ensinamento mais importante transmitido pelos seus pais?
62. Já experimentou algum tipo de bebida alcoólica?
63. Já experimentou algum tipo de droga?

CONSUMO

64. Você lê bastante? Livros ou revistas? Quais?


65. Como você se define?
66. O que você dá mais importância em sua vida?
67. Qual seu tipo de comida preferida?
68. Qual seu sonho de consumo?
69. Qual seu sonho de vida?
70. Descreva como é seu dia-a-dia.
71. No que você gasta mais dinheiro? Por quê?
72. Qual curso gostaria de fazer que não tenha condições financeiras?
73. O que pretende fazer para mudar de vida?
74. Qual celular gostaria de ter?
75. O que você entende por cultura?
76. O que falta para você ser mais feliz na vida?
77. O que você faz nos finais de semana?
78. Qual peça do vestuário você dá mais importância?
79. Para quais lugares já viajou? Onde gostaria de viajar?
80. O que faz nas horas de lazer? Quais são seus tipos de lazer?
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APÊNDICE 04 – QUESTIONÁRIO ONLINE


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APÊNDICE 05 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO

Prezada participante da pesquisa “O uso do celular pelos jovens de classe popular como fator de
distinção social e de comunicação”.

Estamos realizando uma pesquisa cuja finalidade é compreender como se dá o consumo de


celular dentro da cultura juvenil de classe popular. As informações prestadas através de sua
participação voluntária nesta pesquisa fornecerão subsídios para a elaboração da dissertação de
Flora Ardenghi Dutra, mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob orientação da Prof. Dra. Veneza Veloso Mayora
Ronsini.
Esclarecemos que esta pesquisa é realizada a partir dos seguintes procedimentos
metodológicos:
1) Entrevistas com jovens entre 15 e 18 anos, os entrevistados terão sua identidade
preservado por razões éticas e seus nomes serão fictícios;
2) As entrevistas serão individuais, em profundidade e gravadas para fins de pesquisa. As
fotos públicas do perfil do facebook terão a face completamente desfocada a fim de preservar a
identidade do entrevistado. Este material será, posteriormente, destruído.
3) Ressaltamos que está assegurada às participantes desistir da pesquisa a qualquer
momento;
4) Esclarecemos, ainda, que as informações reunidas serão usadas somente para os fins
desta pesquisa e dos trabalhos acadêmicos que dela se desdobrarão. A pesquisa é desenvolvida por
Flora Dutra, do curso de Pós- graduação em Comunicação da UFSM (telefone para contato: (55)
84467911). Agradecemos desde já sua colaboração.

Santa Maria, ___/___/______.

Eu _____________________________________________ declaro que fui informada dos


objetivos, justificativas e procedimentos desta pesquisa de forma clara e detalhada. Todas as
minhas dúvidas foram respondidas e eu estou ciente de que poderei pedir por esclarecimentos a
qualquer momento. ____________________________________
Assinatura da participante da pesquisa ____________________________________
Assinatura da acadêmica pesquisadora ____________________________________
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APÊNCIDCE 06 – AUTORIZAÇÃO DOS PAIS PARA ENTREVISTA

Estamos realizando uma pesquisa cuja finalidade é compreender como se dá o


consumo de celular dentro da cultura juvenil de classe popular. As informações prestadas
através da participação voluntária do seu filho nesta pesquisa fornecerão subsídios para a
elaboração da dissertação de Flora Ardenghi Dutra, mestranda do Programa de Pós-
graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Esclarecemos que esta pesquisa é realizada a partir dos seguintes procedimentos
metodológicos:
1) Entrevistas com jovens entre 15 e 18 anos, os entrevistados terão sua identidade
preservado por razões éticas e seus nomes serão fictícios no trabalho final;
2) As entrevistas serão individuais, em profundidade e gravadas para fins de
pesquisa. Este material será, posteriormente, destruído.
3) Esclarecemos, ainda, que as informações reunidas serão usadas somente para os
fins desta pesquisa e dos trabalhos acadêmicos que dela se desdobrarão. A pesquisa é
desenvolvida por Flora Dutra, do curso de Pós- graduação em Comunicação da UFSM
(telefone para contato: (55) 84467911). Agradecemos desde já sua colaboração.

Eu _____________________________________________ declaro que fui


informada dos objetivos, justificativas e procedimentos desta pesquisa de forma clara e
detalhada e da participação do meu filho _________________________________. Todas
as minhas dúvidas foram respondidas e eu estou ciente de que poderei pedir por
esclarecimentos a qualquer momento. ____________________________________
Assinatura do responsável ____________________________________
Assinatura da acadêmica pesquisadora ____________________________________
200

ANEXOS 01
Celular: o espectral no Morro do Vidigal

Flora Dutra67

A exposição apresenta 12 fotografias em Preto & Branco. As fotografias foram


registradas entre os dias 24 e 26 de julho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro no Morro do
Vidigal. Nos três dias de registro, conversei com moradores, visitei casas e negócios
informais, como as banquinhas de celulares e galerias de arte. Nas conversas do morro
sobre o celular os moradores declararam a importância do celular no cotidiano. Desde a
banquinha de água de coco, da cabeleireira, do mototaxista até o organizador da galeria de
arte, o celular desponta como ferramenta de trabalho. As banquinhas de celulares,
acessórios e concertos para o aparelho são presentes nos mercado informal no Morro do
Vidigal.
Membros da Comissão de Imagem da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) solicitaram sobre a possibilidade de obter minha
autorização para que o trabalho, enviado para o 37º Encontro Anual da ANPOCS
(CELULAR - O espectral no morro do Vidigal), venha a integrar a videoteca e banco de
imagens do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em Antropologia da Imagem e do
Som (LEPPAIS) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Embora as favelas sejam invisíveis para as agências de publicidade, o consumo
existe e muito. Conforme o Data Popular, 65% da classe média vive em comunidades
como o Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, totalizando 12 milhões de habitantes em todo
o Brasil. Vê-se um avanço na conectividade, aproximadamente 38% dos internautas
brasileiros recebem até um salário mínimo. Para Meirelles (2013), já não existem
diferenças entre jovens ricos e pobres quando se trata de internet.

67
Mestranda da Universidade Federal de Santa Maria – RS. Membro do Grupo de Pesquisa: Mídia, Recepção
e Consumo Cultural. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS). E-mail: floradutra@hotmail.com.
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ANEXOS 02
Apresenta-se reportagens, propagandas e notas sobre a mudança da telefonia fixa para a
telefonia móvel no Brasil desde 1990 a partir da Revista Veja.
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ANEXO 03

Propagandas referentes ao celular a partir dos anos 2000 de um acervo particular da revista
Superinteressante e algumas publicidades selecionadas para esta pesquisa.
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