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LÚCIO NAVARRO

LEGÍTIMA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA

Campanha de Instrução Religiosa

Brasil-Portugal

Recife
Recife
Edição eletrônica

ASSOCIAÇÃO DOM VITAL


www.associacaodomvital.com.br
1958

Foi um verdadeiro espanto encontrar um livro de valor apologético inestimável,


de combate, esclarecimento, e defesa da Fé Católica frente à confusa crença
protestante. O livro, pelo que se pode pesquisar, só teve a edição do ano de 1958.
O autor é um pseudônimo. Na verdade, tratou-se do Cônego Pedro Adrião da
Silva, de saudosa memória, mestre do português escorreito e valoroso professor
do seminário de Olinda, não quis, ao tempo que escreveu, a glória para seu nome
e desejou passar despercebido pelos homens, apesar de sua eloquente refrega
pela sã doutrina. Não mais editado, quase esquecido, somente encontrado em
recantos de sebos e no meio de alfarrábios empoeirados, agora é disponibilizado
em formato ebook, para que sua riqueza possa se espalhar também pelos meios
digitais e alcançar as almas que queiram respostas firmes para aspectos
controvertidos e atacados pelos protestantes. Não se restringe à instrução dos
católicos, sendo, antes de tudo, endereçado àqueles protestantes não manchados
pela dureza de coração, pelos que estudam a palavra de Deus de forma
desapaixonada e sincera, que não se deixam conduzir pelos achaques de uma
crença vazia e sem sentido. É uma exortação para que se convertam e se tornem
verdadeiros seguidores de Nosso Senhor Jesus Cristo, na Igreja fundada por Ele.

Esse trabalho de reedição foi realizado em virtude do empenho de inúmeros


voluntários, cujos nomes são só por Deus conhecidos, a quem rogamos a Deus a
recompensa por seu trabalho, que doaram um pouco do seu tempo para oferecer
um trabalho melhor acabado e desse modo pudesse proporcionar leitura
agradável e dinâmica a novos leitores. Procurou-se manter a máxima fidelidade
ao texto original, acrescentando algumas poucas notas explicativas, marcadas
com “N.d.r.”. Atualizou-se a grafia das palavras para a norma ortográfica
vigente hoje. Acrescentou-se uma apresentação desta edição, pelo Revmo. Pe.
Marcélo Tenorio.

A Associação Dom Vital orgulha-se de contribuir nessa empreitada e espera em


Deus que esse livro possa fazer bem às almas que puderem ler e meditar essas
linhas. Que Nossa Senhora abençoe esse trabalho e que dele possa tirar um
grande bem!
CAPA: Ícone “Jesus entre os doutores da lei”: a legítima interpretação é aquela
que sai de Cristo e que admira até os doutores.
Nihil Obstat
Recife, 3 de janeiro de 1958.
Padre Daniel Lima.
Censor ad hoc.

Concedemos o IMPRIMATUR.

† Antônio, Arcebispo de Olinda e Recife.


Recife, 10-1-1958.
À DOCE E HUMILDE
SEMPRE VIRGEM
MARIA,

cheia de graça (Lucas I-28);


mãe de meu Senhor (Lucas I-43);
bendita entre as mulheres (Lucas I-42);
em quem fez grandes coisas Aquele que é poderoso (Lucas I-49);
e a quem proclamam bem-aventurada todas as gerações (Lucas I-48);

ofereço, dedico e consagro este livro

O AUTOR

Recife, 8 de dezembro de 1957.


Índice dos capítulos
Apresentação
Prefácio
Prólogo
1ª Parte: A Salvação pela Fé
Cap. 1: Desmantelo e desequilíbrio da teoria protestante
Cap. 2: Doutrina católica sobre a salvação
Cap. 3: Como surgiu a teoria da salvação só pela fé
Cap. 4: O verdadeiro sentido da salvação pela fé
Cap. 5: A certeza da salvação
Cap. 6: A justificação pela fé sem as obras da lei
Cap. 7: A graça dada “de graça”, segundo o ensino de S. Paulo
Cap. 8: O equilíbrio da doutrina santificadora
2ª Parte: A minha Igreja
Cap. 9: A Igreja, sua pedra fundamental e seu governo
Cap. 10: Cristo enviou os Apóstolos a pregar
Cap. 11: Cristo enviou os Apóstolos a batizar
Cap. 12: Cristo deu aos Apóstolos o poder de perdoar pecados
Cap. 13: Cristo deu aos Apóstolos o poder de consagrar
Cap. 14: Os Apóstolos tiveram sucessores
3ª Parte: Jesus, único mediador
Cap. 15: O culto dos santos
Cap. 16: O culto das imagens
4ª Parte: Os irmãos de Jesus
Cap. 17: A Virgindade Perpétua de Maria Santíssima
Apêndice: Lista dos Papas
Índice detalhado das seções
Índice analítico
Índice dos trechos da Bíblia mais comentados
Bibliografia
Apresentação
O presente livro é daqueles que nos traz a sólida Doutrina da Igreja em relação à
Palavra Divina e sua reta interpretação, fazendo-nos crescer mais e mais na
Verdade sólida e imutável.

Esta obra, que agora está sendo reeditada, é uma pontual resposta às
interpretações erradas e sem fundamento que os protestantes, em sua orgulhosa
teimosia, elaboraram no correr dos séculos. De fácil compreensão, boa
linguagem e excelentes argumentos, o livro do Pe Lúcio Navarro, se bem
estudado e aproveitado, será uma boa arma contra as inverdades e o erro.

Nada mais importante hoje do que a defesa da Fé e da Verdade e deve ser em


nome delas que devemos promover e espalhar este livro de riqueza sem igual.
Muitos livros já foram escritos sobre a Sagrada Escritura, mas como este aqui
não existe outro e nem existirá.

Que Deus abençoe a iniciativa da Associação Dom Vital e que os leitores


cresçam sempre mais na fidelidade à única e verdadeira Igreja de Nosso Senhor
Jesus Cristo, fora da qual ninguém poderá se salvar.

Campo Grande, 10 de março de 2016.

Pe. Marcélo Tenorio, Cônego de Santa Maria.


Prefácio

do Exmo. e Revmo. Sr.


D. Antônio de Almeida Morais Júnior
A unidade da Igreja vem da própria essência da verdade. A verdade é
essencialmente una. A sua realidade necessariamente impõe a adesão de nossa
inteligência e de nosso coração. Os princípios ontológicos da nossa razão
impõem a permanência da unidade da verdade, em qualquer terreno em que ela
se situe. Por isso mesmo, a verdade foge ao relativismo e à dependência. É ela
independente do tempo, do espaço e dos homens. Pois, na realidade, a que se
reduziria, se ela devesse submeter-se ao capricho dos homens, às modificações
dos momentos históricos ou dos lugares do espaço?

É por isso que a verdade não é uma criação da inteligência do homem. Os olhos
humanos podem divisar astros na amplidão dos espaços, por si sós ou com
auxílio poderoso dos telescópios; não podem, porém, criá-los nos espaços
vazios. Também a mente humana traz, em si, a capacidade para apreender a
verdade, mas não pode criar a verdade.

Nem Deus cria a verdade, sendo Ele a verdade eterna, infinita, absoluta. A
densidade metafísica do seu ser é a realidade absoluta e, por isso mesmo, a
verdade absoluta. Deus manifesta a verdade. Foi por isso que Jesus Cristo não
disse: eu sou o pregador da verdade, mas afirmou: “eu sou a verdade”. A própria
verdade científica que é aquisição humana (não criação do homem, porém mera
descoberta do homem), exige essa unidade intangível, sem o que seria
impossível a existência da ciência. A multiplicidade aparente da verdade
científica existe enquanto os homens tateiam o terreno das hipóteses. Quando,
porém, eles conseguem romper as camadas movediças das hipóteses e tocar a
rocha eterna da verdade, a unidade se impõe com uma soberania absoluta.

Nem seria possível construir a ciência sem esse postulado essencial da unidade.
Donde se depreende como a verdade religiosa, revelada por Deus, deve exigir
essa profunda unidade. Já não se trata apenas desta ou daquela opinião de como
se deve prestar a Deus um culto, mas da revelação do próprio Deus, ditando,
diretamente ou pelos seus enviados, o modo pelo qual quer ser cultuado pelos
homens.
homens.

Deste modo, ninguém pode presumir tenha o direito de escolher a doutrina


religiosa, a seu capricho, para servir a Deus.

Só uma religião revestida de todas as garantias sobrenaturais da revelação pode


seguramente impor ao homem o verdadeiro caminho a seguir.

É coisa tão natural ao nosso espírito, à nossa inteligência, que jamais poderíamos
imaginar que a verdadeira religião não implicasse a falsidade de todas as outras.
Só uma religião pode ser a verdadeira e só é verdadeira aquela que conserva,
através dos séculos e dos espaços, a mais perfeita unidade doutrinária.

Sob esse aspecto, a Igreja Católica Romana apresenta a fisionomia da mais


intangível unidade. Nós que nos acostumamos a contemplar as instituições
simplesmente humanas no desenrolar dos séculos, sabemos que jamais puderam
conservar essa nota dominante. Até mesmo esse sinal da precariedade das coisas
dos homens deveria servir como índice evidente para distinguirmos o que é
humano do que é divino.

A história aí está para testemunhar a eterna versatilidade das coisas humanas.

Os sistemas filosóficos nasceram, floresceram e passaram. As hipóteses


científicas multiplicaram-se com os mais variados aspectos. A matéria, a vida, as
forças cósmicas, desde Demócrito, Leucipo, Epicuro, Anaxágoras, Sócrates,
Platão, Aristóteles até Moleschott, Vogt, Büchner, Haeckel, Meyerson, De
Régnon, Mir, Laplace, Faye, Ligondé, Moreux, Lackowiski, passaram pelas
mais estranhas concepções. Gemelli expõe admiravelmente todas as hipóteses
sobre a vida no seu belo livro: “Os novos horizontes da biologia”, e conhecido
sábio moderno reuniu os mais variados aspectos da ciência atual sobre o mundo
no seu brilhante estudo — “Da criação à época atômica”.

Mas, como poderá a verdade religiosa, revelada por Deus, submeter-se a essa
versatilidade contínua, às mutações constantes das coisas humanas? Para que a
sua divindade brilhasse, para que sua verdade inconcussa se impusesse à
inteligência humana, era imprescindível que ela permanecesse uma imutável
através dos tempos. E é este, sem dúvida, o característico primordial da doutrina
da Igreja Católica.
Para quem raciocina, com serenidade, sobre a multiplicação das seitas
protestantes, é impossível admitir a verdade do Protestantismo. As múltiplas
divisões caracterizam essencialmente o erro. No Congresso do Panamá, em
1916, havia representações de 36 seitas existentes na América Latina. Hoje, as
estatísticas que possuímos dão a existência de 28 seitas diferentes na Colômbia,
45 seitas diversas no Brasil e 147 na Argentina. A colcha de retalhos de
Martinho Lutero, de Calvino, de Ulrico Zuínglio, de Henrique VIII, de
Melanchton, de Carlostadt, de Ecolampádio, Bucer, Munzer, continua na oficina
em que as divisões do orgulho e da ambição humana vão ajuntando ainda outros
retalhos.

Não é, pois, de estranhar que o fruto dessa absurda divisão de doutrinas e igrejas
seja o ceticismo amargo de milhões de almas. Na Inglaterra a divisão e
contradição protestantes criaram cerca de 44.000.000 de pessoas que dizem “não
ter nenhuma religião particular” e nos Estados Unidos, cerca de 65.000.000 de
ateus práticos.

Mas, talvez, mesmo essas múltiplas seitas e divisões se transformem em um


grande motivo de proselitismo. Poderíamos afirmar que é mesmo um motivo
real, quando lemos na publicação protestante “World Christian Handbook” que,
na Colômbia, as seitas lutam, entre si, numa espécie de competição.

Não se pode negar que está havendo uma verdadeira invasão protestante na
América. Essa invasão, como diz Damboriena, grande especialista no assunto,
pode caracterizar-se por diversos períodos. Primeiro: a vinda ocasional de
imigrantes das seitas durante o século XIX até o Congresso do Panamá (1916);
segundo: do Congresso do Panamá até o Congresso de Montevidéu (1925), com
fundações de seminários em cinco nações e editoras protestantes em outros cinco
países; terceiro: do Congresso de Montevidéu até o Congresso de Madras;
quarto: do Congresso de Madras até o presente. Pelas circunstâncias políticas, as
seitas precisavam de um novo campo para entregar o seu pessoal e o seu
dinheiro.

Escolheram a América Latina. E as estatísticas confirmam o seu tremendo


esforço para multiplicar prosélitos no Brasil. Poderíamos, porém, afirmar com o
grande apóstolo Eduardo Ospina: “Não tememos o Protestantismo, porque para
fazer protestantes a 150.000.000 de católicos não bastam todos os dólares do
mundo, nem mesmo nas mãos de um sectarismo metódico, obstinado e provido
de técnica de propaganda. Mas tememos e muito a falta de instrução em muitos
de técnica de propaganda. Mas tememos e muito a falta de instrução em muitos
católicos. Tememos a ignorância religiosa de não poucos e também a pobreza de
nossa gente... Há urgência em atender a esses setores necessitados de auxílio
espiritual; o perigo protestante é um novo aviso para trabalharmos mais a fim de
remediar as necessidades dos nossos irmãos”.

E nos atrevemos a dizer que o ataque protestante à América Latina, como o


ataque comunista à humanidade, é um perigo e um castigo providencial, que nos
põem em pé e nos impulsionam mais do que nunca para a defesa da Verdade.

Este livro que temos a honra de prefaciar é uma prova evidente do que estamos
afirmando. Nossos grandes sábios polemistas, como Leonel França, Nascimento
Castro, meu saudoso mestre, Padre João Gualberto, Carlos de Laet e outros,
acompanharam os contraditores da verdade nos pontos diretamente atacados.
Faltava-nos um livro especializado no assunto, nascido da observação e da
experiência diárias, em que fossem tratadas metodicamente, em linguagem
simples, clara e acessível, as objeções formuladas pelos protestantes contra a
Igreja Católica. E com imensa alegria vemo-lo surgir em nossa Arquidiocese,
escrito por um mestre da língua, como realização apostólica de um sonho que há
muito alimentávamos, pois desde que assumimos o governo da Arquidiocese de
Olinda e Recife, pelos jornais, pelo rádio, pelas pregações, pelas missões
volantes e pelas Missões Gerais do Recife, o que temos procurado é, com
sinceridade, lealdade e dedicação, esclarecer os fiéis sobre os erros do
Protestantismo.

Eis, portanto, o livro que tanto desejávamos: “Legítima Interpretação da Bíblia”.


“Livro nascido — como diz o próprio autor — da observação direta do que é a
propaganda protestante no Brasil, apresentando uma refutação minuciosa das
doutrinas da Reforma, com argumentação toda baseada em textos bíblicos e em
linguagem popular e acessível a todos; servindo assim de amplo esclarecimento
para os protestantes, desfazendo as suas confusões e preconceitos, de instrução e
adestramento para os bons católicos, que desejam todos sinceramente estar bem
armados e prevenidos para rebater as objeções dos hereges, bem como de
preventivo para que não se deixem iludir pelo canto de sereia do
Protestantismo”.

Sabemos quanta dedicação esta obra exigiu do seu ilustre autor e quantos óbices
se levantaram contra esta notável realização. Acreditamos, porém, que o apoio
que lhe demos, desde o primeiro instante, foi um grande estímulo e temos a
que lhe demos, desde o primeiro instante, foi um grande estímulo e temos a
certeza de que será algo notável realizado em defesa do Dogma Católico.

Resta-nos, agora, pedir a Deus que abençoe esta grande obra e a faça frutificar
em benefício das almas iludidas pelos erros do Protestantismo e fortaleça na fé
as que vivem à sombra da única e verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus
Cristo.

Recife, 1º de fevereiro de 1958.

† Antônio, Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife.


Prólogo do autor
Prezado leitor protestante:

Era muito conceituado, em certa cidade, um professor que ensinava, havia 50


anos. As noções que ele ministrava sobre matemática, a história, a geografia, a
língua vernácula etc, as tinha recebido de outros mestres, ainda mais antigos e
tão conceituados como ele, os quais por sua vez também já haviam aprendido de
outros preceptores. Mas um dia apareceu um jovem aluno que se rebelou contra
o ensino de seu mestre. Não lhe agradava o método usado naquelas aulas, nem
concordava com o que nelas aprendia. Ao seu ver, estava tudo errado. E resolveu
abrir uma nova escola, em oposição à do velho e ministrando uma instrução
completamente diversa. Mas todo o mundo notou logo que o ensino do jovem
revolucionário era completamente desordenado: o moço titubeava, confundia-se,
caía em evidentes contradições. Isto serviu apenas para aumentar o prestígio do
velho professor, que podia agora dizer com desdém ao seu antagonista: Vá
estudar, menino, porque Você ainda não está em condições para abrir uma
escola!

O grande navio, pertencente a uma antiga empresa de navegação, singrava os


mares em demanda do seu destino, quando o velho comandante foi surpreendido
pela revolta de muitos dos passageiros, que o procuraram para PROTESTAR. O
navio, segundo eles diziam, estava seguindo uma direção completamente errada.
Pois eles entendiam também de navegação... Embora lhes faltasse a longa
experiência, tinham no entanto em mãos o mesmo livro, os mesmos mapas que
serviam de guia ao comandante e a seus auxiliares e tinham chegado à conclusão
de que estes estavam redondamente enganados. E diante da recusa do
comandante de modificar a sua rota, resolveram em nome da LIBERDADE,
abandonar o navio, construir, eles próprios, suas embarcações e seguir o
caminho que lhes parecia mais acertado. Boa sorte! — respondeu-lhes o
comandante. Mas os passageiros que ficaram a bordo, que tinham confiança na
velha empresa, no navio, naqueles que o dirigiam, nem tiveram tempo para ver
surgir no seu espírito qualquer sombra de dúvida, porque logo observaram que
aqueles que PROTESTARAM coalhavam o mar de barcos e barquinhos e barcaças de
toda qualidade, mas cada um seguia um rumo diferente...

Esta é precisamente a história do choque entre o Protestantismo e a Igreja


Católica. Alguém que esteja de parte observando a luta doutrinária, sem ser nem
de um lado nem de outro, ao ver a grita dos protestantes e o entusiasmo com que
vivem a citar a Bíblia, pode ainda ficar com uma certa nuvem de dúvida no seu
espírito sobre se a Igreja está mesmo em perfeito acordo com as Escrituras. Mas,
se tiver o cuidado de ver os protestantes, como são, como divergem, como
discutem, como titubeiam e se contradizem, verá aumentar aos seus olhos o
prestígio da Igreja. Ela é como o antigo mestre a rir-se dos ardores do jovem
revolucionário ou como o velho comandante a achar graça na cegueira dos
barqueiros improvisados. Sim, porque uma coisa está clara à vista de todos:
Dizer que alguém está errado é muito fácil, porque falar é fôlego e cada um tem
o seu modo de pensar. Mas há também o reverso da medalha: QUEM ACUSA O
OUTRO DE ESTAR EM ERRO, TEM A OBRIGAÇÃO DE MOSTRAR COMO É O CERTO. E é aí que
se mostra com evidência todo o fracasso do Protestantismo.

Você, caro leitor protestante, está metido nesta balbúrdia de mais de trezentas
seitas que ensinam as doutrinas mais diversas. Se, por acaso, os seus
correligionários o têm enganado, afirmando que são divergências de muito
pouca monta, fá-lo-emos conhecer melhor o que é o Protestantismo e Você verá
como estas divergências são profundas, escandalosas e sobre pontos
importantíssimos. Gritar que só a sua seita está com a verdade e que todas as
outras estão erradas, não adianta nem resolve a questão; os elementos de que
Você dispõe para conhecer a verdade, são os mesmos de que os milhões de
adeptos de outras seitas dispõem também: a Bíblia e o raciocínio humano. A
Bíblia é a mesma para todos; e como Você pode garantir que raciocina melhor
que os outros?

Não será o caso de REEXAMINAR agora e confrontar calmamente com a Bíblia esta
doutrina católica, que Vocês, protestantes, rejeitaram no século XVI e que vem
sendo a interpretação do Livro Sagrado, sempre antiga e sempre nova,
tradicionalmente seguida, durante 20 séculos, pelos Santos Padres e Doutores e
teólogos da Igreja?

Pouco importa, no caso, que o seu espírito esteja cheio de preconceitos, que o
seu coração esteja abrasado de ódio contra a Igreja Católica. Se assim é, o seu
maior desejo é combatê-la, não é verdade? Mas para combatê-la, precisa
conhecer melhor a sua doutrina. Nada mais útil para quem vai entrar em luta, do
que conhecer bem a fundo o adversário. E no nosso caso, atribuir à Igreja
doutrinas que ela nunca ensinou (como, por exemplo, a doutrina de que o
homem se salva EXCLUSIVAMENTE pelas suas obras, pelo seu esforço pessoal),
querer atacar a Igreja, atribuindo-lhe teorias por ela mesma condenadas, seria
ridículo e seria FALTA DE CONSCIÊNCIA e Você é uma pessoa de consciência, pelo
menos assim supomos; pois do contrário pode fechar o livro e já temos
conversado.

Sendo Você uma pessoa de consciência, é claro que não virá armado de TRUQUES,
nem de SOFISMAS, nem de CAVILAÇÕES. Nem adianta recorrer a estas armas; o livro
mesmo se encarregará de inutilizá-las.

Separar a frase bíblica do seu verdadeiro contexto, para dar a ela o sentido que
Você quer, não conseguirá fazê-lo; veremos nas passagens bíblicas susceptíveis
de ser exploradas em sentido errôneo, não só o que disseram Jesus e os
Apóstolos, mas também em que ocasião, com que fim, em que sentido o
disseram.

Como também não virá com a ideia de apegar-se de unhas e dentes a uns textos,
DESPREZANDO E ENTERRANDO OUTROS. A mesma Bíblia que nos ensina que o
homem se salva CRENDO EM JESUS (Atos XVI-31), nos ensina que o homem se
salva OBSERVANDO OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17). A mesma Bíblia que nos
diz que o homem é justificado pela FÉ SEM OBRAS DA LEI (Romanos III-28), nos
diz igualmente que o homem é justificado pelas OBRAS E NÃO PELA FÉ SOMENTE
(Tiago II-24). Ora nos diz que a pedra angular da Igreja é Jesus Cristo (1ª Pedro
II-4 a 6), ora nos diz que Pedro é a pedra sobre a qual Cristo edificou a sua Igreja
(Mateus XVI-18). Ora nos diz que o sangue de Cristo nos purifica de todo
pecado (1ª João I-7), ora nos mostra a remissão dos pecados realizada pelo
Batismo (Atos II-38) ou pelo poder das chaves conferido aos Apóstolos (João
XX-23) ou, até mesmo, pela Extrema Unção (Tiago V-15). Ora nos apresenta a
vida eterna como uma dádiva (Romanos VI-23), ora como prêmio (1ª Coríntios
IX-24 e 25). Tanto nos fala de Cristo como Único Salvador de todos (1ª Timóteo
II-5 e 6), como fala do homem salvando a si mesmo e salvando os outros (1ª
Timóteo IV-16). Se ensinaram a interpretar a Bíblia aceitando, nestes contrastes,
a primeira parte e desprezando, não tomando em nenhuma consideração a
segunda, então lhe ensinaram uma interpretação muito errada, porque, se a
Bíblia é TODA ela inspirada por Deus, havemos de aceitar toda a Bíblia e não
andar a fazer escolhas entre textos, para ver somente os que nos agradam, porque
é daí que nascem as seitas, as divergências, as heresias. A própria palavra
HERESIA etimologicamente quer dizer ESCOLHA. E mesmo não há homem algum
que fique satisfeito, quando dizem que ele NÃO LIGA DUAS, não é verdade? Para
que não desmoralizem assim a nossa interpretação, ela tem que conciliar todos
estes pontos e mais outros que à primeira vista parecem inconciliáveis e com a
graça de Deus havemos de fazê-lo.

— É, dirá Você, estou de pleno acordo. TODA A BÍBLIA É SÓ A BÍBLIA.

— Calma, caro amigo. TODA A BÍBLIA, isto já está assentado de pedra de cal,
porque toda a Bíblia é palavra de Deus, e a palavra de Deus não pode ser
rejeitada. Quanto a dizer SÓ A BÍBLIA, isto não poderemos dizer agora: vamos
consultá-la primeiro, estudá-la carinhosamente. Se ela nos disser que só ela é que
deve ser ouvida, então aceitaremos o princípio: SÓ A BÍBLIA. Se ela, porém, nos
apontar outra fonte de ensino da verdade, teremos que aceitar a esta igualmente,
porque não podemos ir de encontro à Bíblia, não acha?

Quanto a tradução portuguesa que usaremos no nosso estudo, não há perigo de


Você nos acusar de nos termos baseado num texto novo, para arranjar as coisas a
nosso favor. Usaremos uma tradução muito antiga da Bíblia e muito utilizada
tanto pelos católicos como pelos protestantes: a do Pe Antônio Pereira de
Figueiredo. Servindo-nos, para maior comodidade, de uma edição da Livraria
Garnier; Rio de Janeiro, do ano de 1881. Mas a 1ª edição saiu em Portugal no
século XVIII, portanto numa época em que o Protestantismo não havia ainda
penetrado no Brasil. Citaremos sempre à risca [1] o Pe Pereira, comparando,
quando for necessário, com o texto original e com outros textos de língua
portuguesa tanto católicos, como protestantes. A única alteração que faremos é
substituir pelo verbo DAR À LUZ o verbo PARIR que, principalmente quando
aplicado ao nascimento de Cristo, pode parecer estranho, indecoroso ou pouco
educado aos ouvidos de hoje, embora não o fosse absolutamente no tempo em
que o Pe Pereira fez a sua tradução.

Finalmente uma última palavra. Vamos estudar a Bíblia com toda SINCERIDADE,
não é assim? Pois bem, SINCERIDADE quer dizer o seguinte: se por acaso, pelo
nosso estudo, Você depreender que está em erro (e é coisa do outro mundo um
protestante reconhecer que está em erro? Há no Protestantismo doutrinas
inteiramente contrárias umas às outras e onde há contradição há erro, todos
sabem disto, porque o mais universal de todos os princípios é que UMA COISA NÃO
PODE SER E DEIXAR DE SER AO MESMO TEMPO) se você depreender que está em erro,
como íamos dizendo, não se ponha obstinadamente a querer agarrar-se a
argumentos ridículos, nem se limite a dizer simplesmente: “Veremos isto
depois”, dando como sujeito a discussão aquilo que já está por demais
examinado e esclarecido, porque, caro amigo, nada podemos contra a verdade,
senão pela verdade (2ª Coríntios XIII-8). E se, por acaso, é pastor, é líder, tem
admiradores simples e rudes que confiam na sua doutrinação e Você reconhece
agora que lhes ensinou doutrinas errôneas (máxime se foi por escrito) a sua
obrigação é retratar-se ENSINANDO A VERDADE, porque só assim é que pode seguir
a Jesus Cristo, que é a própria Verdade. Assim faz todo homem de bem, e com
maioria de razão todo seguidor do Divino Mestre.

E sem esta sinceridade ninguém pode ir ao Céu, porque como diz S. Paulo, Deus
retribui com ira e indignação aos que são de contenda e que NÃO SE RENDEM À
VERDADE (Romanos II-8).

Não há nada mais belo do que o homem curvar-se perante a verdade. Nisto não
há desdouro, nem motivo para constrangimento, mas sim uma verdadeira
libertação.

Quanto a Você, estimado leitor católico, que vai tranquilo e sossegado no seu
navio, enquanto lá fora as barcaças revoltosas se desencontram, pouca coisa
temos para lhe dizer. Que este livro lhe sirva para enriquecer o conhecimento de
Cristo e de sua Religião, e o ajude a rebater ainda melhor os ataques e as
objeções dos hereges protestantes, são estes os nossos sinceros votos.

Lúcio Navarro.

N. B. — Deixamos aqui a expressão do nosso profundo reconhecimento ao Exmo


Revmo Sr. D. Filipe Conduru, DD. Bispo de Parnaíba, e aos Revmos Pes Marcelo
Pinto Carvalheira [2] e Zefirino Barbosa Rocha, que, após lerem algumas partes
do nosso trabalho (quando este ainda estava datilografado), se dignaram fazer-
nos críticas e sugestões muito interessantes.

L. N.

Notas
[1] N.d.r.: Nesta edição, nas citações bíblicas, empregamos as mesmas palavras da edição original,
meramente atualizando a grafia da palavra. (voltar)

[2] N.d.r: Hoje, Dom Marcelo Pinto Carvalheira, Arcebispo emérito da Paraíba. (voltar)
Primeira Parte
A Salvação pela Fé
Capítulo Primeiro
Desmantelo e desequilíbrio da teoria protestante
A tese do pastor.

1. Bem se pode imaginar com que ânsia, emoção e contentamento o nosso


amigo, pastor protestante, se aproximou do microfone, para fazer a sua
dissertação pelo rádio, naquele dia. Tratava-se de uma mensagem sensacional,
que ele pensara em transmitir. O seu objetivo era nada mais, nada menos que dar
uma bonita rasteira em todas as religiões do mundo, sem respeitar nem sequer a
Santa Igreja Católica Apostólica Romana, ficando de pé exclusivamente a
doutrina dos protestantes. Para isto, idealizou o jovem e fervoroso pastor a
argumentação seguinte:

Todas as religiões ensinam que o homem se salva pelas suas próprias obras; o
Protestantismo, ao contrário, ensina que o homem se salva pela fé. Ora, sabemos
que a Bíblia é a palavra de Deus revelada aos homens; palavra infalível porque
Deus não pode errar. E a Bíblia em inúmeros textos afirma que o homem se
salva pela fé. Logo, se vê pela Bíblia que o Protestantismo é a única religião
verdadeira, e assim está refutada a doutrina perigosa (perigosa, sim, foi o que
disse o pastor, e é o que dizem, em geral, os protestantes) a doutrina perigosa de
que o homem alcança a salvação pelas suas obras.

Textos evangélicos.

2. Não vamos aqui logo repetir todos os textos citados pelo pastor em abono de
sua tese, porque temos que analisá-los cuidadosamente mais adiante (capítulos 4º
a 8º), não só os apresentados por ele, senão também outros alegados pelos seus
colegas sobre o mesmo assunto. Queremos apenas dar uma amostra de como os
textos eram mesmo de impressionar o desprevenido ouvinte que não tivesse um
conhecimento completo da verdadeira doutrina do Evangelho. Veja-se, por
exemplo, o seguinte trecho do Evangelho de S. João: Assim amou Deus ao
mundo, que lhe deu a seu Filho Unigênito, para QUE TODO O QUE CRÊ NELE NÃO
PEREÇA, MAS TENHA A VIDA ETERNA, porque Deus não enviou seu Filho ao mundo
para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. QUEM NELE
CRÊ NÃO É CONDENADO, MAS O QUE NÃO CRÊ JÁ ESTÁ CONDENADO, porque não crê no
nome do Filho Unigênito de Deus (João III-16 a 18). Textos como estes que
asseveram tão abertamente — quem crê em Jesus se salva, quem não crê se
condena — seriam suficientes para convencer qualquer pessoa: 1º se não fosse
tão ímpio, tão absurdo, e, portanto, tão indigno dos lábios de Jesus o que se quer
provar com eles, ou seja, a doutrina de que, para o homem salvar-se, basta que
tenha fé em Cristo e nada mais; 2º se não houvesse outros textos, igualmente
claros, dos Evangelhos, para nos provar a necessidade das boas obras para a
conquista do Céu, como este por exemplo: Bom Mestre, que obras boas devo eu
fazer para alcançar a vida eterna?... SE TU QUERES ENTRAR NA VIDA, GUARDA OS
MANDAMENTOS (Mateus XIX-16 e 17).

Conciliação dos textos.

3. É claro que fazer uma boa interpretação da Bíblia não consiste em aferrar-se
alguém a uns textos, desprezando, esquecendo, refugando, pondo de lado outros,
igualmente valiosos: tudo quanto está na Bíblia é palavra de Deus. A
interpretação imparcial, conscienciosa, legítima, procura harmonizar
inteligentemente os textos das Escrituras. E é bastante tomar na devida
consideração as duas afirmativas — quem crê em Jesus se salva, quem não crê
se condena — para entrar na vida eterna, é preciso guardar os mandamentos —
para se chegar à conclusão de que para a salvação eterna, tanto é necessária a fé
nas palavras de Cristo, como a obediência aos mandamentos divinos. É o que
nos ensina a Igreja Católica, a qual não afirma que o homem se salva só pelas
obras, como queria fazer crer o nosso amigo, pastor protestante, baseando a sua
argumentação em que todas as religiões assim o ensinam; segundo a teologia
católica, a fé no ensino de Cristo que nos é apresentado é também indispensável.
Vê-se logo por aí quanto a doutrina da Igreja é desconhecida, até mesmo por
aqueles que ardorosamente a combatem. Temos, portanto, que expor (e o
faremos no capítulo seguinte) a doutrina católica sobre o assunto, máxime
porque ela fala de um terceiro elemento, importantíssimo e igualmente
indispensável à salvação, como seja, o auxílio da graça de Deus; explicado este
ponto, se esclarecem muitos textos das Escrituras que tanta confusão provocam
na cabeça dos protestantes.

Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos pagãos.


4. Basta igualmente esta palavra de Cristo — se tu queres entrar na vida,
guarda os mandamentos (Mateus XIX-17) — para mostrar que, se o
Protestantismo se distingue de todas as religiões do mundo ensinando que o
homem se salva só pela fé e não pelas obras, isto não é sinal de que seja a única
Religião Verdadeira; é sinal, apenas, de que ensina uma coisa que evidentemente
está contra a lógica e o bom senso.

Este princípio estabelecido por Jesus Cristo — guardar os mandamentos, para


salvar-se — vigora em todas as religiões, porque é também um imperativo da
razão humana, e a razão, assim como a fé, procede de Deus, nosso Criador. A
humanidade viveu milhares de anos antes de Jesus Cristo vir a este mundo e,
durante todo esse tempo, excetuando o povo judaico, pequenino povo que tinha a
revelação dada por Deus a Moisés e aos profetas, todas as nações da terra
estavam imersas no paganismo, desconhecendo as verdades de fé. Mesmo depois
da vinda de Jesus Cristo, quantos milhões e milhões de pessoas tem havido e
ainda há, como por exemplo entre budistas, bramanistas, confucionistas,
maometanos, índios selvagens etc, que sem culpa nenhuma sua, desconheceram
ou ainda desconhecem a revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo! Podiam ou
podem estes homens salvar-se?

Sim, sem dúvida alguma, porque não é admissível que Deus os condenasse a
todos irremediavelmente ao inferno, se eles não tinham culpa nenhuma em
desconhecer a revelação cristã. Mas salvar-se como? Seguindo o que Cristo
disse: Se tu queres entrar na vida, guarda os mandamentos (Mateus XIX —17).
E aqui perguntará o leitor:

— Se os mandamentos foram revelados aos judeus por intermédio de Moisés, e


as religiões pagãs não conheciam esta revelação, como podiam admitir este
princípio: — guarda os mandamentos, se queres salvar-te? Conheciam por acaso
estes mandamentos?

— Conheciam, sim; embora não tão perfeitamente como nós os conhecemos.


Porque estes mandamentos, Deus os gravou no coração do homem. Honrarás pai
e mãe, não matarás, não furtarás, não levantarás falso testemunho, não desejarás
a mulher do teu próximo etc, são leis que se impõem a todos os homens pela voz
imperiosa de sua consciência. Se a Religião tem por fim o aperfeiçoamento
moral do homem e a sua união com Deus, esta união, este aperfeiçoamento não
se realizam senão quando ele obedece à voz da consciência, que é a própria voz
de Deus falando a sua alma, a seu coração. Só assim podia (ou pode ainda hoje)
de Deus falando a sua alma, a seu coração. Só assim podia (ou pode ainda hoje)
o pagão que nunca ouviu falar de Cristo, agradar a Deus e, agradando a Deus
pelas suas obras, conseguir a salvação.

— Mas, dirá o protestante, esta história da possibilidade de se salvarem os


pagãos, pode-se provar pelas Escrituras?

— Perfeitamente. Abra-se a Epístola de S. Paulo aos Romanos. Lemos aí que


Deus há de retribuir a cada um segundo as suas obras; com a VIDA ETERNA, por
certo, aos que perseverando em fazer OBRAS BOAS, buscam glória e honra e
imortalidade; mas com ira e indignação aos que são de contenda e que não se
rendem à verdade, mas que obedecem à injustiça. A tribulação e a angústia virá
sobre toda a alma do homem que obra mal, ao judeu, primeiramente, e ao
grego; MAS A GLÓRIA E A HONRA E A PAZ será dada a todo o obrador do bem, ao
judeu primeiramente, e ao grego; porque não há para Deus acepção de pessoa
(Romanos II-6 a 11). O grego, a que se refere aí S. Paulo, em contraposição ao
judeu, é o gentio, o pagão, o que não conhecia a lei de Moisés. Deus não tem
acepção de pessoas: todo o que opera o bem recebe a vida eterna, seja judeu, seja
gentio. Porque, como diz em continuação o Apóstolo S. Paulo, se os judeus
tinham uma lei escrita dada por Deus e os gentios não a tinham, o que interessa a
Deus não é que se OUÇA a lei que foi dada por Ele, mas sim que se PRATIQUE o que
ordena esta mesma lei. E o gentio, cumprindo a lei que estava escrita no seu
coração, se podia tornar também justificado diante de Deus. Vejamos as palavras
do Apóstolo: Não são justos diante de Deus os que ouvem a lei; mas os QUE
FAZEM O QUE MANDA A LEI SERÃO JUSTIFICADOS; porque quando os gentios que não
tem a lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, os quais MOSTRAM A OBRA
DA LEI ESCRITA NOS SEUS CORAÇÕES, dando testemunho a eles a sua MESMA
CONSCIÊNCIA (Romanos II-13 a 15).

— Mas perguntará alguém: Não diz a Bíblia que sem fé é impossível agradar a
Deus? Como podiam esses pagãos agradar a Deus sem fé?

— A dificuldade é muito fácil de resolver. Na mesma ocasião em que diz a


Bíblia — ser impossível sem a fé agradar a Deus — mostra imediatamente qual
o programa mínimo de fé que é exigido desses que não cheguem a ter
conhecimento da revelação divina; deles se exige apenas que creiam o seguinte:
que existe um Deus e que este Deus recompensa os bons. Vejamos o texto: Sem
fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que o que se chega a
Deus creia que há Deus e que é remunerador dos que O buscam (Hebreus XI-6).
Se eles estavam ou estão, sem nenhuma culpa sua, na ignorância de muitas
outras verdades de fé, Deus se contenta com este mínimo: crer na existência de
um Deus Remunerador; é o bastante para se aproximarem de Deus.

Portanto, se as religiões pagãs que existiram antes do nascimento de Nosso


Senhor Jesus Cristo ensinavam que seus adeptos podiam conseguir a recompensa
divina mediante as suas obras, se as religiões pagãs ainda hoje existentes
ensinam que os seus seguidores (que não tem suficiente conhecimento da
doutrina de Jesus Cristo) se salvam pela maneira digna e correta de proceder,
essas religiões podem ter lá os seus erros graves em matéria de doutrina, mas
NESTE PONTO têm ensinado uma coisa certa, confirmada por S. Paulo, quando
afirmou que os gentios se salvam obedecendo à lei que está escrita em seus
corações (Romanos II-15). O caminho do Céu para eles é este mesmo. Agora, se
de fato foram muitos ou foram poucos os que procederam corretamente e
obedeceram a esta lei, isto é outra questão. O homem tem a sua liberdade; pode
usar dela bem ou mal. Infelizmente a tendência desta nossa corrupta
Humanidade é mais para usar mal do que para usar bem; porém tinha que haver
para os pagãos, assim como para os cristãos (falamos, é claro, dos pagãos de boa
fé) algum direito, alguma possibilidade de salvar-se. Do contrário Deus seria
injusto, não seria bom para todos os homens que O temem. Bem-aventurados
todos os que temem ao Senhor, os que andam nos seus caminhos (Salmos
CXXVII-1). E o pagão que não recebeu as luzes da revelação cristã, mas crê na
existência de um Deus Justiceiro, embora erre, por ignorância invencível, sobre a
própria natureza da Divindade, não tem outro meio para mostrar que teme o
Senhor e que quer andar nos seus caminhos, senão obedecendo fielmente aos
ditames da sua própria consciência.

Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos cristãos.

5. Passeamos agora às religiões cristãs, que admitem a revelação feita por Nosso
Senhor Jesus Cristo. Se elas ensinam que “o homem se salva pelas obras”, estão
ensinando uma coisa certa ou errada? Isto depende do sentido que se queira dar à
frase. Se se toma no sentido de que o homem se salva exclusivamente pelas suas
obras, desprezando-se a fé, como a desprezam aqueles que dizem “Todas as
religiões são boas, vem a dar tudo na mesma coisa; minha religião consiste em
fazer o bem”, a doutrina está errada. Foi precisamente para combater este erro,
para mostrar que era preciso submeter humildemente a inteligência a todas as
verdades por Ele reveladas, que Jesus Cristo tanto insistiu em dizer que — quem
crê nEle se salva, quem não crê se condena. Mas, se se toma num sentido que
não exclua a obrigação de crer e se leva em conta a absoluta necessidade da
graça para a realização das boas obras, a frase tem um sentido legítimo e
verdadeiro, perante a razão e perante a Bíblia.

Senão, vejamos. Os cristãos, ou aqueles que têm conhecimento da doutrina


cristã, Nosso Senhor veio ao mundo para dispensá-los da observância dos
mandamentos, impondo-lhes unicamente a obrigação de crer? Absolutamente
não! Porque é o próprio Cristo quem diz: Se tu queres entrar na vida, guarda os
mandamentos (Mateus XIX-17). Absolutamente não! Porque ninguém está
dispensado de obedecer à voz da consciência, de cumprir esta lei que está escrita
no coração humano, se quiser conseguir o Céu. Foram abolidas todas as
cerimônias e prescrições da lei mosaica, mas o Decálogo ficou de pé, porque é a
lei eterna, que rege a alma do homem, é a fonte de toda a moral, de todas as leis.

O que acontece com o cristão é que, tendo um conhecimento mais vasto das
coisas de Deus, dos preceitos e da vontade divina, a observância dos
mandamentos lhe abre novos horizontes. Tem maiores obrigações e
responsabilidades, desde que por sua vez recebeu maiores luzes, mais
abundantes graças e tem mais facilidade para salvar-se. A todo aquele a quem
muito foi dado, muito lhe será pedido (Lucas XII-48). Ele sabe que o grande
mandamento da lei é este: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e
de toda a tua alma e de todo o teu entendimento (Mateus XXII-37). Bem como,
conhece pelo Evangelho as palavras de Jesus Cristo. Ora, não estará amando a
Deus com todo o seu entendimento, se não crer nas palavras do Divino Mestre.
Logo, a obrigação de crer nas palavras de Jesus, que são palavras de Deus, pois
Jesus Cristo é Deus, já está incluída na lei: observa os mandamentos. Porque não
posso amar a Deus e, ao mesmo tempo desacreditar a sua palavra. E quando
Jesus lhe diz que quem crê nEle se salva, quem não crê se condena, o cristão
sabe que tem que aceitar todas as palavras de Jesus; logo, não pode desprezar a
verdade que está contida nestas palavras: Se tu queres entrar na vida, guarda os
mandamentos (Mateus XIX-17). Veja-se, portanto, que equilíbrio, que glória se
encerra na doutrina católica! Os mandamentos incluem a obrigação da fé em
Cristo, e a fé em Cristo traz como consequência a obrigação dos mandamentos.

Desequilíbrio da doutrina protestante.


Desequilíbrio da doutrina protestante.

6. Comparemos isto com o desequilíbrio da doutrina dos protestantes. Nós lhes


apresentamos um número incalculável de pagãos que existiram antes de Cristo
ou que existem ainda hoje (milhões dos quais têm adorado o Deus Verdadeiro,
como os maometanos, por exemplo) pagãos estes que não chegaram a ter
conhecimento da doutrina de Cristo e que têm a fé mínima, a que se refere
S. Paulo na sua Epístola aos Hebreus, isto é, creem que existe um Deus e que Ele
é remunerador; quanto ao mais, nada sabem da doutrina revelada. Ora, segundo
a doutrina protestante, só a fé é que salva, as boas obras do indivíduo NÃO VOGAM
para a salvação. Agora perguntamos: esta fé mínima — crer em um Deus
Remunerador — é suficiente para a salvação ou não? Se é suficiente, todos esses
pagãos se salvaram ou ainda se salvam, só vão para o inferno os ateus, pois
segundo os protestantes, o que salva é a fé, e não as obras. Neste caso onde está
a justiça de Deus, colocando assim no Céu a todo o mundo, indistintamente, sem
nenhuma atenção à maneira de proceder de cada um? Se não é suficiente, então
todos eles se condenam, mesmo que pratiquem as melhores obras deste mundo e
se mostrem corretíssimos na sua maneira de proceder, pois as boas obras,
segundo os protestantes, não influem na salvação. Estão esses pagãos
irremediavelmente perdidos, porque sua fé é, na hipótese, insuficiente para
salvar. Neste caso, onde está a justiça de Deus condenando, por não terem fé em
Cristo povos inteiros que, sem culpa sua, desta fé foram privados [3]?

Os protestantes já estão salvos aqui na terra... apesar de todas as suas faltas e


imperfeições, as quais temos todos nós humanos, quando morrem, vão
diretamente para o Céu (pois os protestantes não acreditam na existência do
purgatório)... mas fora o Protestantismo, são muitos os que inevitavelmente se
condenam... Deus seria neste caso, não um Pai de Misericórdia, mas um
Soberano evidentemente injusto e monstruoso, que predestina uns para o Céu e
outros para a perdição.

Este Deus que assim concebem os protestantes, que a inúmeros homens nega
qualquer oportunidade para se salvarem, pois para a salvação só aceita a fé e
nada mais, mas como crerão àquele que não ouviram? E como ouvirão seu
pregador (Romanos X-14), este Deus tão parcial que aos protestantes dá tudo e a
outros nega tudo em matéria de salvação, será o mesmo Deus da Bíblia que quer
que todos os homens se salvem (1ª Timóteo II-4) [4]? que não tem acepção de
pessoas (2º Paralipômenos [5] XIX-7; Romanos II-11, Efésios VI-9, Colossenses
III-25; 1ª Pedro I-17)? O Único Mediador que eles pregam será mesmo Jesus
Cristo que se deu a si mesmo para a REDENÇÃO DE TODOS (1ª Timóteo II-6), que é
a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também
pelos de TODO O MUNDO (1ª João II-2)? Não há lógica, portanto, nesta matéria de
doutrina da salvação, se não se admite aquilo que vimos agora mesmo a Bíblia
dizer pela pena de S. Paulo, na sua Epístola aos Romanos: que Deus há de
retribuir a cada um SEGUNDO AS SUAS OBRAS (Romanos II-6).

Lutero pensava e ainda pensam os protestantes de hoje que se pode alterar


facilmente a doutrina verdadeira que Deus deixou neste mundo e que vem sendo
ensinada pela sua Igreja, a Igreja Católica. Com a sua ampla liberdade para
mexer na Bíblia e dela extrair apenas os textos que mais lhes convenham e
agradem, os protestantes entenderam de tornar para si muito fácil a salvação,
fazendo-a depender somente da fé, tornando-a inteiramente independente das
boas obras. Mas ao mesmo tempo a tornaram impossível para os pagãos que
nenhum conhecimento tiveram de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A doutrina da salvação só pela fé, sem as obras, logo se fez acompanhar da


doutrina horrorosa e blasfema de que Deus predestina uns para o Céu e outros
para o inferno, a qual já estava contida claramente nas obras de Lutero e foi
abertamente ensinada por Calvino. Por mais que repugne a alguns modernos
protestantes esta monstruosa teoria, não há como fugir a ela, na hipótese de que
só a fé e nunca as obras do indivíduo é que podem influir na salvação. Aqueles a
quem não chega a luz da revelação ficam assim numa situação irremediável. No
entanto, nada mais contrário ao ensino da Bíblia, segundo a qual Deus é
infinitamente bom e quer salvar a todos.

E é muito de admirar que os protestantes vejam perigo (de favorecer ao orgulho


e à presunção) na teoria de que o homem se salva praticando boas obras — já
veremos (nos 37; 135 e 136) até onde existe este perigo na doutrina católica — e
não vejam perigo nenhum em ensinar-se ao povo que pela fé ele já está salvo e
que as boas obras não influem nem direta nem indiretamente na salvação da
nossa alma...

Notas (pular)

[3] Aqui naturalmente perguntarão os protestantes: E os católicos também não ensinam que FORA DA IGREJA
NÃO HÁ SALVAÇÃO? Logo, segundo eles, também todos os pagãos se condenam, pois estão fora da Igreja.
— É preciso que se tome bem em consideração o sentido que o Catolicismo empresta a esta fórmula: Fora
da Igreja não há salvação.

Esta mesma Igreja que ensina, como veremos, (nº 22) que o Batismo é indispensável para a salvação, mas
afirma também que o Batismo de água pode ser suprido pelo Batismo de desejo, ou seja, a reta consciência
naqueles que não conhecem o Sacramento do Batismo, e que ensina que, em caso de impossibilidade, a
Confissão sacramental pode ser suprida pelo ato de contrição perfeita, ensina igualmente que se pode
pertencer à Igreja ou realmente ou EM VOTO. Ou, para usar uma linguagem mais acessível a todos, pode-se
pertencer à Igreja por uma adesão explícita e pode-se pertencer a ela PELO CORAÇÃO. Aqueles que DE BOA FÉ
estão separados da Igreja, mas buscam sinceramente a verdade e querem do íntimo d’alma servir a Deus e
realmente o fazem, obedecendo aos ditames da própria consciência, pertenceriam à Igreja Verdadeira, como
devotados fiéis, se dela tivessem suficiente conhecimento. São, portanto, filhos seus, que ela não conhece;
pertencem à ALMA DA IGREJA; fazem lá a seu modo, na sua ignorância, o que ela quer que todos façam:
servir a Deus de todo coração. Por isto disse o Papa Pio IX: “Aqueles que estão em ignorância invencível a
respeito de nossa Santa Religião, mas observem fielmente os preceitos da lei natural gravados por Deus no
coração de todos e, prontos a obedecer a Deus, levam uma vida proba e honesta, podem, pela luz divina e
pela operação da graça, obter a vida eterna: porque Deus penetra, perscruta e conhece os corações, os
espíritos, os pensamentos e a conduta. Em sua bondade e clemência supremas, não consentirá jamais em
punir com suplícios eternos um homem que não é culpável de falta voluntária” (Encíclica Quanto
Conficiamur).

Mas aqueles que receberam a luz da revelação cristã têm obrigação de conhecer a Verdadeira Igreja que
Cristo fundou e de pertencer a ela; estar deliberadamente separado da Igreja de Cristo é o mesmo que estar
separado de Cristo, pois Cristo é a cabeça da Igreja (Efésios V-23). Se alguém não ouvir a Igreja, tem-no
por um gentio ou um publicano (Mateus XVIII-17).

Desta possibilidade de salvar-se o pagão, baseada em que Deus dá a todos a graça suficiente para a
salvação, não se conclui absolutamente que seja inútil a pregação do Evangelho: 1º porque a Igreja recebeu
a incumbência de pregar o Evangelho a toda a criatura, de levar a todos o conhecimento da verdade; 2º
porque a pregação da doutrina de Cristo vai excitar ao arrependimento muitos pagãos que se acham de má-
fé ou mergulhados no pecado e que assim se encontram francamente no caminho da condenação; 3º porque
estes próprios que observam fielmente a lei natural e que não parecem ser em grande número podem, com a
abundância de meios sobrenaturais que a Igreja lhes oferece, fortificar-se ainda mais na graça e atingir uma
melhor perfeição, para maior glória de Deus. (voltar)

[4] Quando diz: como crerão àquele que não ouviram? E como crerão sem pregador?, S. Paulo toma a fé
no sentido restrito da palavra, fé NAS VERDADES REVELADAS, as quais não são conhecidas onde não foi
anunciada ainda a palavra de Deus. E quando diz: Sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é
necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus e que é remunerador dos que O buscam (Hebreus
XI-6), S. Paulo toma a fé em um sentido lato, a crença em verdades QUE PODEM SER ATINGIDAS PELA PRÓPRIA
RAZÃO HUMANA, a qual não só pode provar a existência de Deus, mas também chegar à ideia de sua justiça,
bondade e perfeição. Aliás, ele estava falando naquele momento (Hebreus XI-4 e 5) em Abel e Henoque, os
quais viveram num tempo em que não haviam sido feitas ainda as revelações transmitidas a Abraão, a
Moisés e aos profetas.

Ora, nós católicos, admitimos que a todos os homens que gozam do uso da razão a guarda dos
mandamentos é indispensável para a salvação; a fé em Cristo é indispensável para aqueles a quem chega a
notícia do Evangelho; a fé em Deus Remunerador, ou seja, a fé em sentido lato, é indispensável mesmo para
aqueles que nunca ouviram falar em Cristo. Mas a mentalidade dos protestantes é inteiramente outra;
tomam as palavras evangélicas: Quem crê em Jesus se salva, quem não crê se condena (as quais se referem
naturalmente àqueles a quem o Evangelho é anunciado) no sentido de que quem não ouve a pregação do
Evangelho está irremediavelmente perdido; quem aceita o Evangelho está salvo com toda certeza. Sim,
porque eles veem como caminho para o Céu, pura e exclusivamente CRER EM JESUS. Obras, absolutamente
não! Mas se crer em Jesus é, segundo eles, CONFIAR QUE JESUS NOS SALVA, eis aí um sentimento que é
inteiramente incapaz de ter aquele que ainda não foi devidamente instruído a respeito da doutrina do
Evangelho. (voltar)

[5] N.d.r.: Paralipômenos = parte do Velho Testamento mais conhecida por Crônicas, em suplemento aos
livros dos Reis. (voltar)

Estranho remédio para os males do mundo.

7. Quem quiser ouvir ensinamentos que aberram contra toda lógica e bom senso,
é só prestar bem sentido à doutrina da salvação, à doutrina do Evangelho tal qual
vem sendo apresentada pelos protestantes.

Nós sabemos que o mundo sempre foi perverso e corrompido, e especialmente


nos dias de hoje. Isto decorre da decadência da nossa natureza humana,
fortemente inclinada para o mal.

O homem tem que lutar contra suas paixões: há de vencê-las pelo sacrifício, pela
mortificação e pela renúncia ou há de sucumbir a elas. Abrace qual religião
abraçar, esta luta continuará sempre. Mesmo que se eleve à mais alta santidade,
está sujeito a cair, pois continua sempre livre e sempre inclinado para o mal.

É claro que a doutrina do Evangelho é uma doutrina santificadora, que estimula


o homem a dominar-se, a cantar vitória sobre si mesmo, sobre seus instintos, que
o eleva à prática da virtude, a qual muitas vezes requer heroísmo. Ela se
apresentará, assim, como um incentivo para o bem, a contrapor-se à maléfica
influência do mundo que, posto no maligno (1ª João V-19), arrasta o homem
para o mal, com suas máximas funestas, seus escândalos e seus maus exemplos.

Mas qual é a doutrina que traz o Protestantismo para o mundo corrupto de hoje?

Dizem os protestantes:

Há quem ensine que a salvação se alcança:

praticando boas obras;


fazendo penitências;
fazendo sacrifícios e renúncias;
rezando;
recebendo sacramentos etc, etc.

Nada disto! A salvação se alcança simplesmente pela fé em Jesus.

E em que consiste a fé em Jesus, segundo a doutrina protestante?

Consiste apenas nisto: em ACEITAR A CRISTO COMO NOSSO ÚNICO E SUFICIENTE


SALVADOR, COMO NOSSO SALVADOR PESSOAL.

Se o pecador se arrepende de seus pecados e aceita a Cristo como seu Salvador,


está salvo — e, segundo ensina um grande número de seitas protestantes, está
salvo para sempre, não pode perder-se jamais, IRÁ PARA O CÉU COM TODA CERTEZA.

A salvação lhe é dada de graça. Basta estender a mão para recebê-la. Não é
prêmio de virtudes, nem de boas obras, nem de prática da Religião, nem da
observância da lei de Deus.

E quando se objeta que esta salvação assim dada “de graça” está barata demais,
os protestantes respondem que é uma loucura recusar-se uma coisa, só porque é
dada de graça: a luz do sol e o ar que respiramos também nos são dados
gratuitamente e ninguém os vai recusar por isto...

É este o Evangelho que vai regenerar e santificar o homem, segundo o ensino


protestante! Não se fala na necessidade da mortificação, do sacrifício para
ganhar o Céu; barateia-se a salvação para que ela fique ao alcance de todos.

Onde está o desmantelo.

8. Ora, percebe-se claramente que existe neste sistema uma bruta falsificação da
doutrina do Evangelho.

Enquanto o Protestantismo ensina que o remédio para os males do mundo, a


salvação do homem está na FÉ EM JESUS, tudo vai muito bem. Porque é realmente
SEGUINDO A DOUTRINA QUE JESUS ENSINOU, que a Humanidade encontra o bom
caminho e o homem se salva.

Todo o mal do homem está em não crer em Jesus, ou em crer, mas não viver de
Todo o mal do homem está em não crer em Jesus, ou em crer, mas não viver de
acordo com a sua crença, o que seria uma fé morta, uma fé contradita, negada e
desmoralizada pelas obras.

Mas, quando o Protestantismo nos vem dizer que a fé em Jesus consiste


EXCLUSIVAMENTE em aceitar a Cristo como nosso Salvador, aí é que está a
completa e escandalosa adulteração do Evangelho. Esta noção de fé é mera
invenção de Lutero; procura-se assim misturar a verdade evangélica com o erro
luterano.

Não há dúvida que, se o Evangelho nos diz que o homem se salva CRENDO EM
CRISTO, compete ao próprio Evangelho dizer-nos ESTA FÉ em que consiste. É isto
o que vamos examinar minuciosamente com a Bíblia na mão, daqui a pouco
(capítulo 4º).

Mas se os protestantes dizem só admitir aquilo que está na Bíblia, em que parte
da Bíblia eles viram que esta fé em Cristo, esta fé que nos salva consiste SOMENTE
em aceitar a Cristo como Salvador? Quem autorizou os protestantes a andar
pregando pelo mundo esta aceitação de Cristo, tão mesquinha, tão parcial, tão
incompleta? Por que motivo havemos de aceitar a Cristo como nosso Salvador e
não havemos de aceitá-Lo também como nosso LEGISLADOR, que nos impôs uma
lei, a qual teremos de observar, se quisermos alcançar a salvação? Por que
motivo não havemos de aceitar a Cristo como o MESTRE, que nos ensinou uma
DOUTRINA, um conjunto de verdades, que estamos obrigados a aceitar, porque Ele
é Deus e Deus não pode errar? Por que motivo não havemos de aceitar a Cristo
como FUNDADOR DE UMA IGREJA que Ele deixou aqui na terra, inseparavelmente
unida a Ele que é a cabeça do corpo da Igreja (Colossenses I-18)?

Não falam tanto os protestantes na adesão a Nosso Senhor Jesus Cristo? E como
é que acham que vão para o Céu aqueles que veem em Cristo um Salvador e
nada mais?

Aceitação integral de Cristo.

9. Se aceitamos a Cristo exclusivamente como Salvador, se tapamos a sua boca


quando Ele nos vai doutrinar, se não Lhe damos outro direito senão o de
estender os braços sobre a cruz e morrer por nós, então é fácil lançarmos mão do
Evangelho e fazermos a salvação do tamanho que a quisermos; mas se aceitamos
a Cristo integralmente, se O deixamos falar como nosso Legislador, como nosso
Mestre, como fundador da sua e nossa Igreja, logo chegaremos à conclusão de
que para a salvação:

é necessária a observância dos mandamentos: Se tu queres entrar na vida,


GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17);

são necessárias as boas obras, como se deduz claramente da descrição do juízo


final (Mateus XXV-31 a 46);

é de grande importância a penitência: Ai de ti, Corozaim; ai de ti, Betsaida; que


se em Tiro e Sidônia se tivessem obrado as maravilhas que se obraram em vós,
há muito tempo que elas teriam feito PENITÊNCIA, COBRINDO-SE DE CILÍCIO E DE CINZA.
Por isso haverá sem dúvida no dia de juízo para Tiro e Sidônia menos rigor que
para vós (Lucas X-13 e 14);

é preciso fazer sacrifícios e renúncias: Se o teu olho te escandaliza, LANÇA-O


FORA; melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho do que, tendo dois, ser
lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46). Se alguém quer vir após de mim,
NEGUE-SE A SI MESMO, E TOME A SUA CRUZ CADA DIA e siga-me (Lucas IX-23);

é preciso orar para se obter a graça, pois sem a graça não se pode praticar a
virtude: Importa orar sempre e não cessar de o fazer (Lucas XVIII-1). Vigiai e
orai, para que não entreis em tentação (Mateus XXVI-41);

é preciso receber os sacramentos: Quem não renascer da ÁGUA e do Espírito


Santo não pode entrar no reino de Deus (João III-5). Se não comerdes a carne
do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, NÃO TEREIS VIDA EM VÓS (João VI-
54). Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados, e aos que
vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23);

é preciso obedecer à Igreja: Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também
nos Céus, e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos Céus
(Mateus XVI-19), disse Jesus a Pedro, pedra da Igreja. E se não ouvir a Igreja,
tem-no por um gentio ou um publicano (Mateus XVIII-17).

E veremos que, em vez desta salvação baratíssima, Ele nos prega uma salvação
árdua e penosa: Larga é a porta e espaçoso o caminho que guia para a perdição
e muitos são os que entram por ela. QUE ESTREITA É A PORTA E QUE APERTADO O
CAMINHO QUE GUIA PARA A VIDA e que poucos são os que acertam com ele! (Mateus
VII-13 e 14).

Por que motivo então havemos de aceitar a Cristo como Aquele que nos dá a
salvação e não havemos de aceitá-Lo como Aquele que tem o direito de nos
impor, de nos indicar as condições em que esta salvação é obtida?

Reduzindo a fé que salva à simples aceitação de Cristo como Salvador e ao


mesmo tempo dando a cada um o direito de interpretar a Bíblia como bem
entende, o Protestantismo abre o Céu de par em par a todos os hereges. Isto de
doutrina, de ensinamentos de Cristo, passa a ter muito pouca importância, cada
um os aceita como acha mais conveniente; o que vale somente para a vida eterna
é aceitar a Cristo COMO SALVADOR.

Como veremos mais adiante (nos 225 a 243):

Há, entre os protestantes, uns que negam a SSma Trindade e outros que a
admitem;

uns que dizem que Jesus Cristo é Deus, e outros que é um simples homem;

uns que creem na existência do inferno e outros que a rejeitam;

uns que admitem a imortalidade da alma e outros que a negam;

uns que creem que Jesus está realmente presente na Eucaristia e outros que
dizem que a Eucaristia não é mais do que pão e vinho;

uns que batizam e outros que não batizam etc, etc.

Todos estes entram de roldão no Céu. Pois a pergunta de ordem é somente esta:
Aceitais a Cristo como vosso Único e Suficiente Salvador, como vosso Salvador
Pessoal?

Aceitamos — respondem todos.

Pois então, todos estais salvos.

Não se podia inventar uma doutrina que fosse mais a gosto para contentar a
Não se podia inventar uma doutrina que fosse mais a gosto para contentar a
todos os hereges.

Além disto (e a questão agora é com aqueles inúmeros protestantes que acham
que aquele que ACEITOU A CRISTO COMO SALVADOR já não se pode perder mais)
perguntamos:

Um homem se arrependeu de seus pecados e aceitou a Cristo como Salvador. De


agora por diante, que homem vai ser ele? O mesmo homem combatido pelas
paixões próprias e pelas tentações do inimigo, livre para pecar ou deixar de pecar
— ou um homem impecável? Cada um olhe sinceramente para si e veja se se
tornou impecável, depois que aceitou a Cristo como Salvador...

Se este homem depois peca, engolfa-se no pecado, não se arrepende mais, não
quer mais emendar-se, como pode ter já neste mundo a salvação garantida? A
salvação dada por Cristo será uma licença ampla para cada um fazer o que bem
lhe apraz e ir para o Céu de qualquer jeito?

Ou, por acaso, estão os protestantes confiados em que aquele que pecava quando
tinha medo da condenação eterna, agora espontaneamente, INFALIVELMENTE vai
deixar de pecar, depois que se considera já com a salvação garantida? Isto seria
ser ingênuo demais e não ter nenhum conhecimento do que é a nossa natureza
humana.

A Bíblia mal compreendida.

10. Será possível que o Evangelho nos ensine esta doutrina tão ilógica de que as
boas obras, o nosso modo de proceder não influem na salvação da nossa alma?

É claro que não.

Se os protestantes vivem a ensinar isto e julgam ver nas páginas da Sagrada


Escritura uma doutrina tão estranha, é porque eles NÃO ENTENDEM certas
passagens da Bíblia. Esta é que é a verdade.

E não fiquem de cara amuada os protestantes, não se mostrem ofendidos


conosco, pelo fato de dizermos que eles não entendem certos versículos da
Bíblia. A Bíblia tem de fato muitas coisas DIFÍCEIS DE ENTENDER, é ela própria
quem o diz, falando a respeito das epístolas de S. Paulo, nas quais HÁ ALGUMAS
COISAS DIFÍCEIS DE ENTENDER, as quais adulteram os indoutos e inconstantes, COMO
TAMBÉM AS OUTRAS ESCRITURAS, para ruína de si mesmos (2ª Pedro III-16).

E verá o leitor que é justamente nas epístolas de S. Paulo, com especialidade,


que os protestantes se atrapalham e se confundem, querendo ver aí uma teoria
sobre a salvação que o próprio S. Paulo nunca ensinou.

Não há nenhuma desonra em não entender a Bíblia, que tem como Autor a Deus,
cuja inteligência é infinita. Desonra e crime há, sim, em não entendê-la e ao
mesmo tempo meter-se a doutrinador desastrado, apresentando uns textos e
desprezando outros, blasfemando daquilo que ignora e incutindo no povo uma
doutrina que não passa de uma caricatura da legítima doutrina do Evangelho.

Deus nos podia ter deixado uma Bíblia sempre clara e fácil de entender. Por que
quis que ela fosse tão obscura e tão difícil em certos pontos? Foi para que
ninguém se arvorasse em forjador de doutrinas, quando Deus deixou também
aqui na terra a sua Igreja encarregada de ensinar a doutrina da verdade.

É natural, portanto, que procuremos, primeiro que tudo, conhecer, em suas linhas
gerais, a doutrina da Igreja sobre a salvação.

Depois veremos como foi que surgiu no século XVI a teoria da salvação pela fé
sem as obras. E será interessante ver como foi um homem que procurou arrancar
do Evangelho uma doutrina MUITO CÔMODA, de acordo com os seus interesses
pessoais; e depois muitos outros ficaram viciados nesta história de salvação
baratíssima.

Finalmente analisaremos os textos apresentados pelos protestantes, com os quais


pretendem provar a sua tese de salvação pela fé sem as obras e veremos como
todos eles se baseiam numa interpretação errônea, seja porque não tomam a FÉ
no mesmo sentido em que a tomam as Escrituras, seja porque não percebem o
verdadeiro mecanismo da salvação, no qual a graça de Deus exerce um papel
muito importante, sem excluir, no entanto, a necessária cooperação humana.
Capítulo Segundo
Doutrina católica sobre a salvação

1º — A parte realizada por Jesus Cristo


A visão beatífica.

11. Quando Deus criou Adão e Eva, destinou-os a irem para o Céu, depois de
viverem algum tempo aqui na terra. Dizendo — ir para o Céu — entendemos: ir
gozar da felicidade de Deus, vendo-O face a face. É o que se chama VISÃO
BEATÍFICA: Nós agora vemos a Deus como por um espelho, em enigmas; mas
então FACE A FACE. Agora conheço-O em parte, mas então hei de conhecê-Lo
como eu mesmo sou também dEle conhecido (1ª Coríntios XIII-12).

Ora, esta visão beatífica está acima das forças da nossa natureza. Nossa alma não
pode ver a Deus diretamente, mas só pode conhecê-Lo como por espelho, isto é,
através do conhecimento das criaturas. Para usarmos uma comparação: assim
como na ordem material a luz demasiada cega os nossos olhos e, se nós
chegássemos mais perto do sol, não poderíamos contemplá-lo de maneira
alguma (seria preciso, então, que Deus concedesse aos nossos olhos uma força
especial para isto) assim também é preciso que Deus eleve a alma a um estado
superior à sua natureza, e que lhe dê uma força toda especial (é o que os teólogos
chamam o LUME DA GLÓRIA) para que ela possa gozar da glória divina, vendo
Deus diretamente lá no Céu.

Em outros termos, foi para um FIM SOBRENATURAL que Deus destinou a


Humanidade, quando criou o primeiro homem.

A graça santificante.

12. Mas um fim sobrenatural exige também meios sobrenaturais. Para chegar à
glória, na qual o homem vai ser um HERDEIRO de Deus, gozando, quanto é
possível, da própria felicidade divina, é preciso que aqui na terra já seja elevado
a um estado sobrenatural, que se torne um FILHO ADOTIVO DE DEUS, pela graça
santificante.
Por esta graça santificante, nós nos tornamos participantes da natureza divina
(2ª Pedro I-4). Não no sentido de que ficamos iguais a Deus, mas no sentido de
que tomamos uma grande semelhança com Ele. Costuma-se comparar com a
barra de ferro que se mete no fogo; não deixa de continuar a ser ferro, mas torna-
se como uma brasa viva pela semelhança com o fogo — ou com o cristal
banhado pelos raios do sol, recebendo deste modo o seu brilho e esplendor.

Foi assim que Deus criou o primeiro homem: à sua imagem e semelhança, em
estado de justiça e de santidade.

Dons gratuitos.

13. Além deste dom sobrenatural da alma, ou seja, a graça santificante, Deus
concedeu a Adão e Eva outros dons, como por exemplo: a imortalidade do
corpo. Não haveriam de morrer. Além disto, não sentiam os movimentos
desordenados da concupiscência, isto é, as suas paixões não resistiam, nem se
antecipavam à voz da razão. E viviam num estado de felicidade, sem dores nem
agruras, lá no Paraíso terrestre.

Mas tanto a graça santificante e a destinação à visão beatífica, como estes dons
de imortalidade do corpo, imunidade à concupiscência e felicidade terrena eram
dons gratuitos. Deus os concedeu ao homem simplesmente porque quis, pois
podia tê-lo criado para um fim meramente natural, isto é, destinado a ser
eternamente feliz, mas feliz sem ver a Deus, como pode ser feliz uma pessoa
aqui na terra, com o conhecimento indireto do Criador, por intermédio das
criaturas; podia ter deixado o homem em seu estado natural e entregue às suas
próprias forças, sem a graça santificante e fazendo o que pudesse sem o auxílio
especial da graça. Como também podia tê-lo criado já sujeito à morte que é o fim
natural do nosso fraco e imperfeito organismo e sujeito aos movimentos
desenfreados da concupiscência, que são uma consequência também das
inclinações do nosso corpo para as coisas sensíveis e materiais como ele.

Mas não! Quis dar-lhe aqueles dons gratuitos, os quais passariam aos
descendentes, porém com uma condição, a saber, se Adão obedecesse ao
preceito divino: Come de todos os frutos das árvores do paraíso, mas não comas
do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque, em qualquer dia que
comeres dele, morrerás de morte (Gênesis II-16 e 17).
Cometido o pecado da desobediência — que, diga-se de passagem, não foi o
pecado da carne, como pensam muitos erradamente, pois Adão e Eva eram
legítimos esposos, a quem Deus havia dito: Crescei e multiplicai-vos e enchei a
terra (Gênesis I-28) — ficaram Adão e Eva sujeitos à concupiscência, o que
sentiram imediatamente (pois logo se envergonharam de sua nudez), ficaram
sujeitos às dores, às enfermidades e à morte e perderam a graça santificante.
Seus descendentes nascem nas mesmas condições — e a esta privação da graça
santificante em nós é que chamamos PECADO ORIGINAL: nascemos fora da graça de
Deus. No que não há nenhuma injustiça da parte de Deus com relação a nós, pois
somos privados de dons que estavam acima da nossa própria natureza.

Promessa do Redentor.

14. Naquela hora em que Adão e Eva pecaram, ficou a Humanidade em estado
deplorabilíssimo. Adão e Eva estariam pelo seu pecado condenados ao inferno.
Os seus descendentes, mesmo que observassem em toda vida os ditames da
própria consciência e jamais cometessem um pecado mortal, seriam felizes
depois da morte, mas de uma felicidade natural, sem ver a Deus, nem ir ao Céu,
porque a Humanidade, com o pecado de Adão, havia decaído do estado
sobrenatural, havia perdido o direito à visão beatífica. Mas o que era pior é que
bastaria que um de nós cometesse um só pecado mortal para ser
irremediavelmente condenado ao inferno pelo motivo seguinte: O pecado mortal
é uma ofensa de malícia infinita, pois a ofensa cresce na proporção da dignidade
da pessoa ofendida. A ofensa feita a um homem comum é um crime comum;
feita ao rei, já se torna um crime de lesa-majestade, feita a Deus, é uma ofensa
ilimitada, pela infinita grandeza de Deus. Ora, o homem, sendo criatura limitada,
não podia nunca oferecer a Deus uma satisfação suficiente pela ofensa feita pelo
pecado mortal, que é um total afastamento de Deus, Infinitamente Perfeito. E no
entanto era muito fácil ao homem cair num pecado mortal por causa da
concupiscência desenfreada que apareceu em Adão e em nós, após o pecado de
Adão, a qual não destrói o nosso livre-arbítrio, mas o deixa muito enfraquecido e
inclinado para o mal. O homem precisa da graça de Deus para observar os
preceitos da lei divina impressos no seu coração e, naquele estado de
afastamento de Deus em que estaríamos pela triste herança recebida de Adão,
não poderíamos receber a graça de Deus. A Humanidade haveria de cair no
inferno aos borbotões. Havia, além disto, as dores e enfermidades aqui na terra,
que foram consequência do pecado de Adão.
Mas o estado lamentabilíssimo da Humanidade não durou muito tempo. Logo
depois da queda de Adão, Deus compadecido de nossa miséria, o procurou e fez
imediatamente a promessa do Redentor, nas palavras dirigidas à serpente: Eu
porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua posteridade e a dela. Ela TE
PISARÁ A CABEÇA, e tu armarás traições ao seu calcanhar (Gênesis III-15). Com
esta promessa foi outra vez a Humanidade posta em condições de atingir o fim
sobrenatural, podendo novamente receber a graça santificante. E isto se realizou
em virtude dos futuros merecimentos de Cristo, ou seja, na previsão de sua
morte redentora.

Quanto aos outros dons gratuitos, não puderam mais ser readquiridos por nós
aqui na terra, mas por outro lado, com o auxílio da graça de Deus as dores, as
enfermidades, a morte, as tentações da concupiscência podiam e podem tornar-se
uma fonte riquíssima de merecimentos para o homem, pela resignação, pela
paciência e pelo heroísmo em vencer-se a si mesmo, amparado com a ajuda
divina. E assim aquelas vantagens no que diz respeito ao corpo, as quais
possuíam Adão e Eva e possuiriam seus descendentes, se eles não houvessem
pecado, nós as conseguiríamos em grau mais esplêndido e elevado, depois da
ressurreição da carne, se merecermos a salvação que Deus, na sua infinita
misericórdia, quer conceder a cada um de nós.

O único Salvador.

15. Quando chegou a plenitude dos tempos (Gálatas IV-4) Deus, para restaurar
em Cristo todas as coisas (Efésios I-10), enviou o seu próprio Filho Unigênito,
Segunda Pessoa da SSma Trindade. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós
(João I-14) e fez para nós sabedoria e justiça e santificação e redenção (1ª
Coríntios I-30).

A salvação é obra de Jesus Cristo, que é o Único Salvador, o Único a nos poder
resgatar, porque Ele é que era homem e Deus ao mesmo tempo; homem, para
poder sofrer e expiar por nós; Deus, para que seu sofrimento, sua expiação
tivessem um valor infinito. E é neste sentido que S. Paulo o chama: Único
Mediador entre Deus e os homens. Só há um Mediador entre Deus e os homens
que é Jesus Cristo homem, que SE DEU a SI MESMO PARA A REDENÇÃO DE TODOS (1ª
Timóteo II-5 e 6). Sobre isto falaremos mais a vagar nos nos 372 a 374. E disse
S. Pedro falando a respeito do mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo: Não há
salvação em nenhum outro, porque do céu abaixo nenhum outro nome foi dado
aos homens pelo qual nós devamos ser salvos (Atos IV-12).

Em que sentido Maria SSma é chamada corredentora.

16. Quando alguns escritores católicos chamam a Maria SSma corredentora do


gênero humano, eles empregam este termo não no sentido de que os
merecimentos de Maria SSma pudessem acrescentar alguma coisa aos
merecimentos de Jesus Cristo quanto ao resgate do gênero humano: os
merecimentos de Cristo eram infinitos, e os de Maria, finitos, como de criatura
que é: além disto, os próprios merecimentos da Virgem já são efeitos dos
merecimentos de Jesus. Nem é no sentido de que o Messias necessitasse da ajuda
de Maria para realizar a sua obra salvadora.

O que esses escritores querem significar com tal denominação é o papel que
Deus, nos desígnios de sua Providência, fez com que Maria SSma, embora
simples criatura, exercesse na obra da Redenção. Pelo poder divino, Cristo podia
ter aparecido neste mundo, como homem feito; mas tendo que mostrar-se em
todas as coisas à nossa semelhança, exceto no pecado (Hebreus IV-5) era
preciso, segundo os desígnios de Deus, que nascesse de um ventre materno. Uma
mulher, Eva, se associara ao primeiro homem no pecado, oferecendo-lhe o fruto
da árvore proibida. Outra mulher, Maria, foi associada ao novo homem, Jesus
Cristo, na obra da salvação, pois foi escolhida por Deus para ser a Mãe do
Salvador.

Para isto era preciso, em atenção à honra e dignidade do próprio Filho, que Deus
escolhesse uma mulher pura, imaculada, sem a mínima sombra de pecado, a fim
de ser o sacrário onde havia de formar-se o corpo de Jesus Cristo. Deus lhe
manda o anjo Gabriel para anunciar-lhe que ela, cheia de graça, havia sido
escolhida para a grande honra da maternidade divina. E só depois que Maria vê
resolvido o problema de sua virgindade, é que dá o consentimento: Eis aqui a
escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lucas I-38). E é em
seguida a este consentimento que o Verbo se faz carne e habita entre nós,
tornando-se Maria, nessa hora, a esposa do Espírito Santo: O Espírito Santo
descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá de sua sombra (Lucas I-35).
Se o Verbo se faz carne para nossa salvação, Maria contribui para isto, pois a
carne de Cristo é carne de Maria, o sangue de Cristo é sangue de Maria, pela
íntima união que há entre o filho e a mãe, a mesma união que há entre o fruto e a
árvore que produz, e por isto lhe diz S. Isabel, falando cheia do Espírito Santo:
Benta és tu entre as mulheres e bento é o fruto do teu ventre (Lucas I-42).

Aquele Menino que ela trouxe no seu ventre puríssimo e virginal durante 9
meses, Maria depois O nutriu, O guardou, O educou durante trinta anos e Jesus
lhe foi obediente: E estava à obediência deles (Lucas II-51). E na cruz, no
momento da Redenção, Maria que pela ação preservativa de Deus, graças aos
merecimentos de Cristo, jamais teve o mínimo pecado, ali estava sofrendo
juntamente com Jesus Cristo, fazendo resignada e heroicamente o sacrifício de
seu Filho Amantíssimo para a redenção do gênero humano.

É frisando esta atuação que Maria, embora simples criatura, foi destinada a
exercer junto a seu Divino Filho, que esses escritores dizem que Maria SSma é DE
UM CERTO MODO corredentora do gênero humano.

Se o termo está bem ou mal empregado — é uma questão de gramática e de


linguagem. Mas os católicos nada querem significar além do que está exposto,
quando dão Maria SSma o aludido título.

O que Jesus mereceu por nós.

17. Jesus Cristo morreu por todos os homens: Ele é a propiciação pelos nossos
pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos DE TODO O MUNDO (1ª
João II-2).

Oferecendo sua vida por nós, no sacrifício da cruz, Jesus Cristo:

1º ofereceu uma reparação íntegra, condigna e perfeita pela ofensa feita a Deus,
não só pelo pecado de Adão e Eva, mas também por todos os pecados, passados,
presentes e futuros. Foi do agrado do Pai... reconciliar por Ele a si mesmo todas
as coisas (Colossenses I-19 e 20). Sendo nós inimigos, fomos reconciliados com
Deus pela morte de seu Filho (Romanos V-10);

2º restaurou a Humanidade no seu destino sobrenatural, dando aos homens o


direito de receberem a graça santificante neste mundo, tornando-se filhos
adotivos de Deus para chegarem a ser herdeiros de Deus no Céu pela visão
beatífica. A todos os que O receberam, deu Ele poder de se fazerem filhos de
Deus (João I-12) E se somos filhos, também herdeiros; herdeiros
verdadeiramente de Deus e co-herdeiros de Cristo (Romanos VIII-17);

3º mereceu para todos os homens a graça necessária para alcançarem a salvação,


de modo que todas as graças recebidas pelos homens e que dizem respeito à sua
salvação provêm da morte redentora de Cristo. Nós vimos a sua glória, a sua
glória como de Filho Unigênito do Pai, CHEIO DE GRAÇA e verdade... E todos nós
participamos de sua plenitude e GRAÇA POR GRAÇA (João I-14 e 16). Ficará mais
salientada esta contribuição de Cristo, quando falarmos na influência e
necessidade da graça de Deus em todos os nossos atos meritórios para Céu (nos
24 a 30).

Esta Redenção, Cristo a realizou abundantíssima e generosissimamente. Onde


abundou o pecado, superabundou a graça (Romanos V-20). Bastaria uma gota
de seu sangue, bastaria um suspiro seu para redimir toda a Humanidade, mas Ele
quis sofrer todas as dores e todas as ignomínias por nosso amor.

Agora naturalmente ocorrem ao espírito do leitor duas perguntas. A primeira é


sobre

Os que viveram antes de Cristo.

18. Passaram-se milhares e milhares de anos, antes de Jesus Cristo vir ao


mundo. Aqueles que viveram antes de Cristo, como podiam salvar-se, se Cristo
ainda não tinha morrido por eles?

Como já dissemos, com a simples promessa do Redentor, os homens passaram a


receber novamente o dom sobrenatural da graça, na previsão dos merecimentos
de Jesus Cristo que um dia havia de morrer por todos. É o que mostra claramente
pelas palavras de S. Pedro, no Concílio de Jerusalém, em que o Apóstolo mostra
que seus antepassados foram salvos pela graça de Jesus Cristo: Por que tentais
agora a Deus, pondo um jugo sobre as cervizes dos discípulos, que nem nossos
pais nem nós pudemos suportar? Mas nós cremos que pela graça do Senhor
Jesus Cristo somos salvos, assim como ELES TAMBÉM O FORAM (Atos XV-10 e 11).
Deus já distribuía a graça a todos pelos futuros merecimentos de Jesus Cristo,
assim como (perdoe-se a comparação) um homem que distribuísse cheques
sacando para o futuro, em vista de uma riqueza que infalivelmente lhe seria
oferecida.

Esta graça, é claro, também os gentios a recebiam, pois a ninguém Deus torna
impossível a salvação. Os gentios podiam salvar-se crendo em um Deus
Remunerador e fazendo o que estivesse ao seu alcance, pela observância da lei
natural impressa em seus corações, uma vez que não haviam recebido a
revelação mosaica.

Sim; os homens podiam salvar-se antes de Cristo, e salvar-se em virtude da


futura morte do Redentor. Mas daí não se segue que entrassem logo no Céu, no
gozo da visão beatífica; a morte de Cristo ainda não lhes havia aberto as portas
do Céu. Depois de purificadas, as almas justas eram felizes sem ver a Deus face
a face, num lugar que é designado na parábola de Lázaro e o mau rico como o
seio de Abraão (Lucas XVI-22) e que nós, católicos, chamamos de limbo. É este
mesmo lugar que Jesus Cristo alude quando diz ao bom ladrão: Hoje serás
comigo no paraíso (Lucas XXIII-43), porque o limbo com a presença de Cristo
seria um paraíso e a alma de Cristo ali desceu (enquanto o corpo aguardava no
sepulcro a ressurreição) para anunciar àquelas almas, que em breve entraria no
Céu triunfalmente com todas elas.

A parte de Deus e a nossa.

19. A outra pergunta é esta: Se Cristo ofereceu uma satisfação condigna e


perfeita pelos nossos pecados, então que nos resta fazer? Não se segue daí que
todos estamos salvos e vamos todos para o Céu?

Absolutamente não! Se Cristo viesse morrer por nós neste sentido de que pagou
por nós, fez tudo em nosso lugar, não nos resta fazer mais nada e nos salvamos
de qualquer maneira, isto seria a licença ampla para todos os crimes, todos os
pecados, todas as perversidades, todas as misérias. A obra realizada por Cristo
seria neste caso não uma obra regeneradora, mas o incentivo para a mais
desbragada corrupção. A salvação de Cristo tem outro sentido.

Somos todos pecadores. Todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2).
Mas, por maiores e mais graves que tenham sido os nossos pecados, não
devemos desesperar da salvação, temos a Deus de braços abertos para nos
perdoar, contanto que façamos o que é da nossa parte para nos pormos
novamente no caminho da vida eterna, o que não é possível se não nos voltarmos
de todo coração para Deus. E se Ele está pronto a nos reabilitar, foi porque a sua
de todo coração para Deus. E se Ele está pronto a nos reabilitar, foi porque a sua
ira foi aplacada pela morte de Cristo. Cristo é o autor da salvação eterna para
todos os que Lhe obedecem (Hebreus V-9). Cabe, portanto, ao próprio Cristo
que não só nos veio abrir a porta do Céu, oferecendo a reparação a Deus, mas
também mostrar-nos o verdadeiro caminho, ensinar-nos a doutrina da salvação,
cabe a Ele indicar em que condições nos são aplicados os méritos infinitos de
sua Paixão, ou, em outras palavras, em que condições poderemos salvar-nos e
conquistar o Céu. É o que veremos agora expondo
2º — A nossa contribuição entrelaçada com a ação de
Deus
A regeneração das crianças pagãs.

20. Em consequência da culpa de Adão, nascemos com o pecado original e,


portanto, sem a graça santificante: Assim como por um homem entrou o pecado
neste mundo e pelo pecado a morte, assim passou também a morte a todos os
homens por um homem, no qual TODOS PECARAM (Romanos V-12). O texto grego
traz assim: a morte passou a todos os homens, POR ISTO QUE TODOS PECARAM. Mas
não se altera o sentido. De qualquer forma se exprime que todos os homens estão
sujeitos à morte PORQUE TODOS PECARAM EM ADÃO, em virtude da solidariedade
entre Adão, cabeça do gênero humano e seus descendentes. As criancinhas, que
não cometeram nenhum pecado pessoal, estão também sujeitas à morte, porque
pecaram em Adão. Um pouco mais adiante ainda diz o Apóstolo: Pelo pecado
dum só, incorreram todos os homens na condenação... pela desobediência dum
só homem foram muitos feitos pecadores (Romanos V-18 e 19) [6]. O texto
grego traz os MUITOS (HOI POLLÓI) o que significa a totalidade; por isto a versão da
Sociedade Bíblica do Brasil não hesitou em colocar TODOS: pela desobediência
de um só TODOS foram constituídos pecadores (Romanos V-19).

Sendo assim, mesmo a criança que não tem o uso da razão precisa, pra conseguir
a visão beatífica, receber a graça santificante pelo Batismo, que produz um
verdadeiro renascimento espiritual: Na verdade, na verdade te digo que não
pode ver o reino de Deus senão aquele que renascer de novo... Quem não nascer
da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus (João III-3 e 5).

Esta é, segundo a própria norma traçada por Cristo, a condição para que se lhe
aplique o benefício da Redenção. As crianças que morrem sem atingir o uso da
razão e sem receber o Batismo, não vão gozar da visão beatífica, mas não sofrem
nenhuma pena pessoal, podem mesmo gozar dum felicidade natural, sem a direta
visão de Deus e sem ter ideia da felicidade sobrenatural que perderam. Nisto não
há injustiça, porque a felicidade do Céu está acima de sua natureza e elas não
fizeram nenhum ato livre pelo qual pudessem merecê-la, desde que não
chegaram a atingir a luz da razão.

Como a vida das crianças é muito frágil, a Igreja manda que os pais
Como a vida das crianças é muito frágil, a Igreja manda que os pais
providenciem para que seus filhos se batizem quanto antes, a fim de que não se
prive o Céu de mais um feliz habitante.

Notas (pular)

[6] Não haverá contradição entre estas palavras de S. Paulo e o dogma da imaculada Conceição de Maria
SSma, ou seja, de que ela foi concebida sem o pecado original? Nenhuma.

Se Adão e Eva não tivessem pecado, todas as criaturas teriam, segundo os desígnios de Deus, a graça
santificante POR UM DIREITO DE HERANÇA; seríamos descendentes de um homem que se tinha conservado no
elevado estado em que Deus o criou. Mas Adão, antes de gerar, decaiu deste estado. Dizendo que TODOS
PECARAM, TODOS INCORRERAM NA CONDENAÇÃO, S. Paulo está mostrando que toda Humanidade sem exceção
alguma, INCLUSIVE MARIA SANTÍSSIMA, perdeu este direito de herança. Acontece, porém, que aquilo a que
não temos direito por herança, nós podemos receber por uma DÁDIVA, e assim puderam os homens
novamente receber de Deus a graça santificante, em virtude dos merecimentos de Nosso Senhor Jesus
Cristo, que um dia havia de morrer por nós na cruz. Mas Deus é senhor absoluto das suas dádivas; Ele não
estava proibido de dar a graça santificante a uma pessoa, mesmo antes que esta pessoa nascesse. Assim é
que S. João Batista já foi santificado, já recebeu a graça santificante e se libertou do pecado original antes
de seu nascimento: já desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo (Lucas I-15). Tudo indica que
esta regeneração de João Batista se deu no próprio momento em que Maria SSma visitou a S. Isabel, pois
esta diz à Santíssima Virgem: assim que chegou a voz da tua saudação aos meus ouvidos, logo o menino
deu saltos de prazer no meu ventre (Lucas I-44). Pois bem, Maria SSma foi santificada também no ventre
de sua mãe, Sant’Ana, porém no próprio instante da sua conceição, não houve um só instante em que
estivesse sujeita ao pecado original; isto aconteceu, não em virtude de um direito seu, mas por concessão de
um privilégio especial de Deus e em virtude dos futuros merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus
foi, portanto, o Salvador, o Redentor para ela, como foi para todos os homens; e a Redenção foi para ela
uma Redenção preservativa. (voltar)

A justificação dos adultos pagãos.

21. Acontece às vezes, porém que em virtude de uma conservação, ou por causa
do descuido dos pais ou por outra circunstância qualquer, é uma pessoa que já
tem o uso da razão (e que para este efeito de recepção dos Sacramentos é
chamada um ADULTO) que vai receber o Sacramento do Batismo. Para isto, é
necessário que a pessoa se disponha pela fé nas verdades reveladas, tendo um
certo conhecimento dos principais mistérios da Religião e que tenha o
arrependimento de seus pecados, com o firme propósito de evitá-los pela guarda
dos mandamentos. Este arrependimento supõe, é claro, a esperança do Céu que
se deseja alcançar e, pelo menos, um certo começo de amor a Deus, a quem não
se deseja ofender. Em virtude dos merecimentos da Paixão de Cristo, o batismo
recebido com estas boas disposições não só apaga o pecado original, como
também perdoa os pecados pessoais cometidos até aquele momento. Aos adultos
que ouviram a pregação da palavra divina no dia de Pentecostes e compungidos
no seu coração (Atos II-37) perguntaram o que deviam fazer, S. Pedro
respondeu: Fazei penitência, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus
Cristo PARA REMISSÃO DE VOSSOS PECADOS; e recebereis o dom do Espírito Santo
(Atos II-38). A justificação que se segue ao batismo convenientemente recebido
não é somente a remissão dos pecados, no sentido de que externamente não nos
são mais imputados, fingindo Deus considerar-nos justos, quando
continuássemos a ser os mesmos manchados pecadores, como queria Lutero.
Não; é a remissão dos pecados, com a nossa renovação interior, operada pelo
batismo de regeneração e renovação do Espírito Santo (Tito III-5); em virtude
da imensa bondade de Deus que quer que nós sejamos chamados filhos de Deus
e com efeito o sejamos (1ª João III-1); justificados pela sua graça e tornados
herdeiros segundo a esperança da vida eterna (Tito III-7). É a graça santificante
com os dons do Espírito Santo: Os vossos membros são templo do Espírito
Santo, que habita em vós (1ª Coríntios VI-19).

Batismo de desejo e batismo de sangue.

22. Em vista da necessidade do Batismo, surge naturalmente o problema dos


adultos que não ouviram de forma alguma a pregação do Evangelho e a quem,
portanto, não chegou a notícia de que o Batismo era obrigatório para a salvação.
O Batismo pode então ser suprido pela caridade perfeita naqueles que, não tendo
o conhecimento da Revelação, mostram a Deus o seu amor pela obediência dos
ditames da própria consciência. Nessa boa disposição estão dispostos a fazer o
que é possível para agradar a Deus e de boa vontade receberiam o Batismo, se
dele tivessem conhecimento. Chama-se isto VOTO IMPLÍCITO DO BATISMO. Estes
que, assim amando a Deus, amam consequentemente a Jesus Cristo, que é a
Segunda Pessoa da SSma Trindade, podem também receber a graça santificante:
Aquele que tem os meus mandamentos e que os guarda, esse é o que me ama; e
aquele que me ama será amado de meu pai e eu o amarei também e me
manifestarei a ele (João XIV-21). Se algum me ama, guardará a minha palavra,
e meu Pai o amará; e nós viremos a ele e faremos nele morada (João XIV-23).

O outro caso em que o batismo é suprido, é o daqueles que antes de recebê-lo,


são martirizados por causa da fé: O que perder a sua vida por amor de mim e do
Evangelho, salvá-la-á (Marcos VIII-35). Todo aquele, pois, que me confessar
diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos
Céus (Mateus X-32).

A guarda dos mandamentos.

23. Voltamos agora ao caso daquele que com boas disposições de fé e contrição
recebeu o Batismo. É o mesmo caso daquele que recebeu o Batismo pouco
depois de nascido e agora vê chegar o uso da razão. Que lhe é necessário fazer
para salvar-se? Conservar a graça santificante recebida no Batismo. Morrendo
neste estado de graça, alcançará a salvação. Para conservar a graça santificante, é
preciso evitar o pecado mortal e, por conseguinte, observar os mandamentos: Se
tu queres entrar na vida, guarda os mandamentos (Mateus XIX-17).

A Escritura não faz uma relação completa e minuciosa dos pecados mortais e
veniais. Mas Jesus Cristo fala em alguns pecados que impedem a salvação, como
o ódio (Mateus VI-15), o escândalo dos pequeninos (Marcos IX-41), a falta de
caridade para com os necessitados (Mateus XXV-41 a 46). E S. Paulo, pelo
menos, enumera vários pecados graves: Acaso não sabeis que os iníquos não
hão de possuir o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os fornicários, nem os
idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os
ladrões, nem os avarentos, nem os que se dão a bebedices, nem os maldizentes,
nem os roubadores hão de possuir o reino de Deus (1ª Coríntios VI-9 e 10). Vê-
se pelo contexto que o Apóstolo aí se refere a esses pecadores, se não se
converterem e se nesse estado deplorável de pecado são colhidos pela morte: E
tais haveis sido alguns; mas haveis sido lavados, haveis sido santificados (1ª
Coríntios VI-11).

Jesus Cristo não foi somente o nosso Redentor, não foi somente o Mestre que
nos ensinou a sua doutrina, mas também o Legislador que promulgou preceitos
que têm de ser observados: Ide, pois, e ensinais a todas as gentes, batizando-as
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as A OBSERVAR TODAS
AS COISAS QUE VOS TENHO MANDADO (Mateus XXVIII-19 e 20).

Necessidade da graça para o cumprimento da lei divina.

24. O homem, para salvar-se, precisa cumprir com os mandamentos e observar o


que Jesus mandou.
Mas daí não se segue que ele possa fazer isto unicamente por suas forças
naturais. Quando apareceu Pelágio, em princípios do século V, afirmando que
não havia necessidade da graça para alcançar a vida eterna, bastando para isto o
livre arbítrio ou a liberdade do homem, de modo que o homem podia por suas
forças naturais vencer as tentações e observar os mandamentos, servindo a graça
apenas para ajudá-lo a cumprir com mais facilidade a lei divina, se insurgiram
contra a heresia pelagiana os Santos Padres da Igreja, tendo à frente
S. Agostinho, que ficou sendo chamado o Doutor da Graça. E o erro de Pelágio
foi formalmente condenado pela Igreja em vários Concílios particulares e pelos
Papas S. Inocêncio I e S. Zósimo. Foi ao conhecer a condenação do
pelagianismo pelo Papa, que S. Agostinho proferiu a célebre frase: Roma locuta,
causa finita. Roma falou; acabou-se a questão.

Segundo a doutrina da Igreja, não é simplesmente mais difícil, é impossível ao


homem, sem o auxílio da graça de Cristo, vencer a própria concupiscência e
cumprir a lei divina. Lê-se em S. Paulo: Sinto nos meus membros outra lei que
repugna à lei do meu espírito e que me faz cativo na lei do pecado, que está nos
meus membros. Infeliz homem eu, quem me livrará do corpo desta morte? A
graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor (Romanos VII-23 a 25). O texto
grego diz: Graças a Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor — mas isto não
modifica o sentido: dão-se graças a Deus pelo auxílio que nos vem de Jesus
Cristo, ou seja, de sua graça que Ele mereceu por nós na cruz. E o mesmo
S. Paulo diz ainda aos Efésios: Fortalecei-vos no Senhor e no poder da sua
virtude. Revesti-vos da ARMADURA DE DEUS para que possais estar firmes contra
as ciladas do diabo (Efésios VI-10 e 11).

Jesus Cristo nos ensinou a dizer no Pai Nosso: Não nos deixeis cair em tentação
(Mateus VI-13). E disse aos Apóstolos: Vigiai e orai, para que não entreis em
tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca (Mateus
XXVI-41). O que nos mostra que para nos livrarmos do pecado, não basta o
nosso cuidado, o nosso esforço, a nossa vigilância; é necessário também o
auxílio da graça divina que se alcança pela oração.

Necessidade da graça para qualquer obra meritória.

25. Há ainda mais: não só é necessária a ajuda da graça de Cristo para o


cumprimento da lei divina, de modo geral, mas para realizar qualquer obra, por
mínima que seja, meritória para a vida eterna. Isto se vê claramente pelas
palavras do próprio Cristo: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). A
mesma doutrina vemos em S. Paulo: Não que sejamos capazes de nós mesmos
de ter algum pensamento como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de
Deus (2ª Coríntios III-5).

Necessidade da graça para a fé.

26. Para a salvação é indispensável a fé. Sem fé é impossível agradar a Deus


(Hebreus XI-6). E aqueles a quem chega o conhecimento do Evangelho têm que
crer em tudo que direta ou indiretamente se deduz da revelação trazida por Jesus
Cristo. É uma consequência necessária do primeiro mandamento em que se nos
prescreve uma plena submissão de toda a nossa alma, de todo o nosso coração,
de toda a nossa inteligência a Deus.

Mas, embora seja a fé um ato livre da vontade, pois o homem pode crer ou
deixar de crer, não podemos ter a fé sem a ajuda da graça de Deus. Jesus Cristo
disse, falando aos judeus que não queriam crer nas suas palavras: Ninguém pode
vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer (João VI-44). Há alguns de vós
outros que não creem... Por isso eu vos tenho dito que ninguém pode vir a mim,
se por meu Pai lhe não for concedido (João VI-65 e 66).

Depois dos pelagianos, apareceram os semipelagianos que, embora admitindo a


necessidade da graça para a salvação, afirmavam que o início da fé, ou seja, o
piedoso afeto de boa disposição para crer, que é excitado pela pregação do
Evangelho, este primeiro movimento do homem para a fé seria feito só pela
liberdade do homem, sem a graça de Deus. Realizado este ato, Deus entraria
com a sua graça. A doutrina dos semipelagianos foi igualmente condenada pela
Igreja, em 529, no 2º Concílio de Arles, em definição confirmada pelo Papa
Bonifácio II. Também o início, o primeiro movimento de fé no coração do
homem é feito com o auxílio da graça divina, pois a fé é um dom de Deus
(Efésios II-8). E o mesmo S. Paulo diz aos Filipenses: A vós vos é dado por
Cristo, não somente que CREAIS NELE senão que padeçais também por Ele
(Filipenses I-29).

Distribuição desigual das graças.


27. A graça não é dada a todos igualmente; uns recebem mais, outros menos: A
cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo (Efésios
IV-7). Isto se vê também na parábola dos talentos (Mateus XXV-14 a 30) em
que um homem ao ausentar-se para longe, chamou aos seus servos e lhes
entregou os seus bens e deu a um cinco talentos, e a outro dois, e a outro deu
um, a cada um segundo a sua capacidade e partiu logo (Mateus XXV-14 e 15) e
passando muito tempo, veio o senhor daqueles servos e chamou-os a contas
(Mateus XXV-19).

É claro que no Novo Testamento, ou seja, depois da morte de Cristo, a graça de


Deus é distribuída muito mais abundantemente do que na Antiga Lei; e que no
Antigo Testamento era distribuída entre os judeus, que eram o povo escolhido,
com mais abundância do que entre os gentios. E é claro também que aqueles que
recebem maiores graças serão julgados com maior rigor. Ai de ti, Coroazim; ai
de ti, Betsaida; que se em Tiro e Sidônia se tivessem obrado as maravilhas que
se obraram em vós, há muito tempo que elas teriam feito penitência, cobrindo-se
de cilício e de cinza. Por isso haverá sem dúvida no dia do juízo para Tiro e
Sidônia menos rigor que para vós (Lucas X-13 e 14).

Graça suficiente para todos.

28. Embora não seja dada a graça igualmente a todos, no entanto a todos é dada
a graça suficiente para se poderem salvar, porque Deus quer que TODOS os
homens se salvem (1ª Timóteo II-4). Deus espera com paciência por amor de
vós, não querendo que algum pereça, senão que TODOS se convertam à
penitência (2ª Pedro III-9). Acaso é de minha vontade a morte do ímpio, diz o
Senhor Deus, e não quero eu antes que ele se converta dos seus caminhos e
viva? (Ezequiel XVIII-23).

É um princípio da teologia católica: Àquele que faz o que está ao seu alcance,
Deus não nega a sua graça; e mesmo para ele fazer isto que está ao seu alcance,
Deus o ajuda com a sua graça também.

Se nem todos se salvam, é porque nem todos cooperam com a graça, porém
muitos a ela resistem: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas
os que te são enviados, quantas vezes quis eu ajuntar teus filhos do modo que
uma galinha recolhe debaixo das asas os seus pintos, e tu não o quiseste?
(Mateus XXIII-37).

Duas causas que se entrelaçam.

29. Diante do que fica exposto sobre a ação e a necessidade da graça, se vê


claramente que dizer que o homem se salva pela sua fé juntamente com suas
obras ainda não é dar uma ideia exata da doutrina católica. O homem contribui
com sua fé e suas obras para a salvação, mas não pode ter a fé, não pode fazer
nenhum ato meritório, nem mesmo ter um pensamento salutar sem a graça
divina. Cada ação meritória para a vida eterna é efeito de duas causas que se
unem: a ação da graça de Deus alcançada por Cristo na cruz, e a livre
cooperação do homem.

É por isto que diz S. Paulo: OBRAI A VOSSA SALVAÇÃO com receio e com tremor, não
só como na minha presença, senão muito mais agora na minha ausência, porque
Deus é o que OBRA EM VÓS O QUERER E O PERFAZER, segundo o seu beneplácito
(Filipenses II-12 e 13). Trabalhai na vossa salvação com receio e com tremor —
é o esforço, o cuidado, o trabalho do homem; Deus opera em vós o querer e o
executar — é o auxílio da graça divina.

E o mesmo Apóstolo diz na 1ª Epístola aos Coríntios: Pela graça de Deus sou o
que sou, e sua graça não tem sido vã em mim; antes tenho trabalhado mais
copiosamente que todos eles; não eu, contudo, mas na graça de Deus comigo (1ª
Coríntios XV-10). O Apóstolo fala aí da ação conjunta do livre arbítrio e da
graça: tenho trabalhado mais copiosamente que todos eles — é o esforço
pessoal. Não eu, contudo — isto é, não eu sozinho, com minhas próprias forças,
mas com a graça de Deus a me ajudar, a graça de Deus trabalhou comigo.

E é muito instrutivo nesta matéria o contraste que há entre um pequeno trecho do


profeta Zacarias e outro das Lamentações de Jeremias. Em Zacarias se lê:
Convertei-vos a mim, diz o Senhor dos exércitos, e eu me converterei a vós
(Zacarias I-3). Aí Deus pede a cooperação do homem e promete a sua graça.

Nos trenos ou Lamentações de Jeremias se lê: Converte-nos, Senhor, a ti e nós


nos converteremos (Lamentações V-21). Aí o homem pede a graça divina e
promete a sua cooperação.

A Igreja Católica sempre ensinou que o homem nada pode sem a graça de Deus
e tudo pode com ela: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). Tudo posso
nAquele que me conforta (Filipenses IV-13).

Algumas comparações clássicas.

30. Já no século 2º, S. Irineu dizia que, assim como a terra seca não pode
frutificar sem a chuva, assim também nós não frutificaremos para a vida eterna,
sem a chuva que Deus manda do Céu e que é a sua divina graça.

No século 5º, S. Agostinho fazia a comparação com o olho humano o qual,


embora esteja são e perfeito, não pode ver nas trevas, precisa do auxílio da luz.
Assim também, a alma precisa da graça de Deus para seguir o caminho da
salvação: “Assim como o olho do corpo, mesmo estando plenissimamente são,
não pode enxergar senão ajudado pelo brilho da luz, assim também o homem,
mesmo perfeitissimamente justificado, não pode viver retamente, senão ajudado
pela Eterna Luz da Justiça” (Apud Journel, Enchiridion Patristicum nº 1792).

E é muito divulgada entre os católicos a comparação da ação combinada de Deus


e do homem neste sentido com uma cena que vemos comumente na intimidade
das nossas famílias: a criança que não sabe escrever, escreve com a mão coberta
pela mão da mãezinha. Foi por um ato livre que concordou em escrever
juntamente com sua mãe; se não quisesse escrever, poderia ter emperrado. E
quanto mais docilmente cooperar com sua mãezinha e se entregar à ação
maternal, tanto melhor sairá a escrita, porque cada emperro de sua mão
produzirá mais uma imperfeição, mais uma garatuja.

Naturalmente toda comparação claudica, mas esta dá uma boa ideia do que é a
ação de Deus em nossa alma, pois sem Deus nada podemos fazer e muitas vezes
atrapalhamos a ação da graça com a nossa fraqueza e imperfeição.

A segunda tábua de salvação depois do batismo.

31. O pior é que às vezes não só atrapalhamos a ação da graça com a nossa
fraqueza, mas nos afastamos de Deus e pelo pecado mortal perdemos em nossa
alma a graça santificante recebida no Batismo. E o Batismo só se recebe uma
vez.
Temos então o Sacramento da Penitência que foi instituído por Nosso Senhor
Jesus Cristo, quando disse aos seus Apóstolos: Recebei o Espírito Santo; aos que
vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós
retiverdes, ser-lhes-ão retidos (João XX-22 e 23). Assim o dispôs Cristo, nosso
Redentor. A absolvição sacramental, porém, só é válida, quando o penitente está
verdadeiramente arrependido de seus pecados, com firme propósito de emenda.

A impossibilidade de achar um sacerdote não acarreta impossibilidade de


salvação, pois assim como o batismo de água pode ser suprido pelo batismo de
desejo, assim também e em virtude do mesmo texto do Evangelho (João XIV-
23), a confissão sacramental pode ser suprida pelo Ato de Contrição Perfeita, ou
seja, o arrependimento baseado não no temor da pena, mas no puro amor de
Deus, a quem se ofendeu pelo pecado e com o voto de confessar os pecados
quanto antes, submetemo-nos assim ao poder das chaves.

Purificação real e interna.

32. A remissão dos pecados sempre se verifica por meio de uma purificação real
e interna. Se a Sagrada Escritura, referindo-se ao perdão que de Deus recebemos
fala às vezes em não-imputação dos pecados (Bem-aventurado o homem a quem
o Senhor não imputou pecado — Salmos XXXI-2; Romanos IV-8), é claro que
os pecados não são imputados, simplesmente porque DESAPARECEM; SÃO
DESTRUÍDOS: Eu sou, eu mesmo o que APAGO as tuas iniquidades por amor de mim
(Isaías XLIII-25) Tem piedade de mim, ó Deus... e segundo as muitas mostras da
tua clemência, APAGA a minha maldade (Salmos L-3). Quanto dista o Oriente do
Ocidente, tanto Ele tem APARTADO de nós as nossas maldades (Salmos CII-12).
Cristo foi uma só vez imolado para ESGOTAR os pecados de muitos (Hebreus IX-
28). Considerai-vos que estais certamente MORTOS ao pecado, porém vivos para
Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo (Romanos VI-11).

O desaparecimento dos pecados leva à santificação interior: E tais haveis sido


alguns; mas haveis sido LAVADOS, mas haveis sido SANTIFICADOS, mas haveis sido
JUSTIFICADOS em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso
Deus (1ª Coríntios VI-11). Noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz do
Senhor... Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para a
SANTIFICAR, purificando-a no batismo da água pela palavra da vida, para a
apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, SEM MÁCULA NEM RUGA, nem outro algum
defeito semelhante, mas SANTA E IMACULADA (Efésios V-8; 25 a 27).

O que o homem pode merecer.

33. Depois desta ligeira exposição sobre a doutrina da graça, surge naturalmente
uma questão importante: Poderá o homem merecer alguma coisa com relação a
Deus?

Merecer — quer dizer: ter direito a uma retribuição POR JUSTIÇA. E o mérito
propriamente dito supõe uma certa proporção, uma certa equivalência entre o ato
merecedor e a coisa merecida.

Sendo assim, o homem não pode merecer a graça primeira. Que vem a ser a
graça primeira? É a passagem do homem do estado de pecado para o estado de
graça santificante.

Todos nós nascemos com o pecado original. É preciso que um dia Deus nos dê a
graça santificante. Pois bem, esta graça santificante nos é dada sem merecimento
nenhum de nossa parte, por pura bondade e benevolência de Deus.

Suponhamos que a recebemos, quando éramos crianças sem uso de razão: o


Batismo nos conferiu a graça santificante sem merecimento nenhum de nossa
parte, uma vez que nada tínhamos feito, nem éramos capazes de fazer
livremente.

Suponhamos, porém, o caso de um adulto que recebeu o Batismo. Ele precisou


dispor-se para o Batismo, como já vimos, por atos especiais de fé, contrição etc.
Porém, por mais boas obras que tenha feito, essas boas obras não têm proporção
com graça santificante que é um dom sobrenatural. A graça santificante vai
tornar o homem um filho adotado de Deus. E o servo, por mais obras que faça,
não pode dizer que tem direito por justiça a ser tratado e considerado como filho.
Por outro lado, por maiores que sejam os pecados cometidos até então, desde
que haja as necessárias disposições de fé, contrição etc., Deus não nega o
Batismo com a consequente reabilitação do pecador; é como uma esmola que
basta estender a mão para receber. Além disto, esta graça santificante só nos foi
alcançada em virtude da morte redentora de Jesus Cristo que satisfez a Deus em
nosso lugar, é um efeito da benignidade de Deus que quis sacrificar o seu Divino
Filho, para que o servo se tornasse um filho adotivo. É por isto que diz S. Paulo
que somos justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que tem em
Jesus Cristo (Romanos III-24). E isto foi por graça, não foi já pelas obras;
doutra sorte a graça já não será graça (Romanos XI-6).

Cada vez, portanto, que passamos do estado de pecado mortal para o de graça
santificante, isto Deus nos concede sem merecimento de nossa parte, por pura
bondade e misericórdia sua, pois em estado de pecado nada podemos merecer.
Para haver merecimento em nós, é preciso que haja em nossa alma a graça
santificante: Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como vara da
videira não pode de si mesmo dar fruto se não permanecer na videira, assim
nem vós o podereis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós
outros, as varas. O que permanece em mim, e o em que eu permaneço, esse dá
muito fruto (João XV-4 e 5).

Se temos a graça santificante, já as nossas boas ações são sobrenaturalizadas por


Jesus Cristo que habita em nós e já se estabelece uma certa proporção entre elas
e a recompensa, a visão beatífica que é sobrenatural também. A árvore em que
corre esta seiva divina da graça já pode produzir frutos para a vida eterna. Pela
graça santificante somos filhos de Deus e se morremos nesta graça, se morremos
como filhos, é de justiça que se nos dê a herança da vida celestial, pois quem é
filho é também herdeiro. A Escritura está cheia de textos em que o Justo Juiz nos
promete um prêmio, um galardão, uma recompensa ou retribuição pelas nossas
obras, coroando assim na eternidade os nossos merecimentos.

S. Paulo diz aos Colossenses: Tudo o que fizerdes, fazei-o de boa mente, como
quem faz no Senhor e não pelos homens, sabendo que recebereis do Senhor o
GALARDÃO DA HERANÇA (Colossenses III-23 e 24). O mesmo S. Paulo compara a
vida eterna com o prêmio que se oferece nas competições esportivas, em que
muitas vezes o atleta faz sacrifícios, se abstém de muitas coisas, com o
pensamento de receber a palma da vitória: Não sabeis que os que correm no
estádio correm sim todos, mas um só é que leva o prêmio? Correi de tal maneira
que o alcanceis. E todo aquele que tem de contender de tudo se abstém, e
aqueles certamente por alcançar uma coroa corrutível; nós, porém, uma
incorrutível (1ª Coríntios IX-24 e 25). É a glória do Céu, que vem coroar aquele
que se esforçou, que fez sacrifícios e mortificações para consegui-la (castigo o
meu corpo e o reduzo à servidão — 1ª Coríntios IX-27), porque, como ele diz a
Timóteo, usando a mesma comparação das lutas esportivas: o que combate nos
jogos públicos não é coroado, senão depois que combateu conforme a lei (2ª
Timóteo II-5).

É por isto que ele próprio, Paulo, no fim da vida, depois de ter combatido o bom
combate, espera uma coroa, mas uma COROA DE JUSTIÇA, realmente merecida
pelas suas boas obras juntamente com sua fé e dada pelo JUSTO JUIZ: Eu pelejei
uma boa peleja, acabei a minha carreira, guardei a fé. Pelo mais me está
reservada a COROA DA JUSTIÇA que o Senhor, JUSTO JUIZ, me dará naquele dia; e
não só a mim, senão também àqueles que amam a sua vinda (2ª Timóteo IV-7 e
8). Porque cada uma receberá a sua RECOMPENSA particular SEGUNDO O SEU
TRABALHO (1ª Coríntios III-8). Os pequenos sofrimentos, bem aceitos em união
com Jesus Cristo, produzem um efeito maravilhoso na vida eterna: O que aqui é
para nós duma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós de um modo
todo maravilhoso, no mais alto grau, um peso eterno de glória (2ª Coríntios IV-
17). E S. João diz na sua 2ª Epístola: Estai alerta sobre vós, para que não
percais o que HAVEIS OBRADO, mas antes recebais uma PLENA RECOMPENSA (2ª João
vers. 8).

Esta doutrina dos Apóstolos não é mais do que a própria doutrina de Jesus Cristo
que promete claramente no Evangelho a divina recompensa àqueles que sofrem
por seu amor, àqueles que renunciam a tudo ou que praticam a caridade em seu
nome:

Bem-aventurados sois quando vos injuriarem e vos perseguirem, e disserem


todo o mal contra vós, mentindo por meu respeito. Folgai e exultai, porque o
vosso GALARDÃO é copioso nos céus (Mateus V-11 e 12). E todo o que deixar por
amor do meu nome a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou a
mulher, ou os filhos, ou as fazendas, receberá CENTO POR UM E POSSUIRÁ A VIDA
ETERNA (Mateus XIX-29). Amai, pois, a vossos inimigos, fazei bem e emprestai
sem daí esperardes nada, e tereis MUITO AVULTADA RECOMPENSA (Lucas VI-35). O
que recebe um profeta na qualidade de profeta receberá a RECOMPENSA de
profeta, e o que recebe um justo na qualidade de justo receberá a RECOMPENSA de
justo. E todo o que der a beber a um daqueles pequeninos um copo d’água fria,
só pela razão de ser meu discípulo, na verdade vos digo que não perderá a sua
RECOMPENSA (Mateus X-41 e 42).

Aumento da graça e da glória.


34. O que se conclui de tudo isto é que cada sofrimento bem suportado pelo
justo, cada ação boa, cada ato de virtude feito por ele com reta intenção tem
direito a uma nova recompensa — e assim ele vai merecendo o aumento de
graça santificante e, cada vez mais, consequentemente, um aumento de glória no
Céu. CRESCEI NA GRAÇA e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo (2ª Pedro III-18). Aquele que é justo, justifique-se ainda; e aquele que é
santo, santifique-se ainda (Apocalipse XXII-11).

Por isto, assim como o pecador que permanece no seu pecado, que peca sempre
mais, vai aumentando o seu castigo e a sua desgraça (pela tua dureza e coração
impenitente ENTESOURAS para ti IRA no dia da ira e da revelação do justo juízo de
Deus — Romanos II-5), assim também o justo, praticando cada dia boas obras,
vai aumentando a sua recompensa, o seu tesouro nos céus: Não queirais
entesourar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consume e
onde os ladrões os desenterram e roubam; mas ENTESOURAI para vós TESOUROS no
Céu (Mateus VI-19 e 20). Porque no Céu é desigual a sorte dos bem-
aventurados: Aquele que semeia pouco, também segará pouco; e aquele que
semeia em abundância, também segará em abundância (2ª Coríntios IX-6).

Deus retribui a cada um segundo as suas obras.

35. A razão desta diferença é que no dia de juízo o Filho do Homem há de vir na
glória de seu Pai com os seus anjos; e então DARÁ A CADA UM A PAGA SEGUNDO AS
SUAS OBRAS (Mateus XVI-27).

Aliás, isto é uma verdade insistentemente declarada nas Sagradas Escrituras, no


Antigo e no Novo Testamento: os maus receberão maior ou menor castigo
conforme as suas más ações; os justos receberão maior ou menor recompensa de
acordo com as suas boas obras.

No Antigo Testamento:

Paralipômenos: DARÁS A CADA UM CONFORME AS SUAS OBRAS, que conheces que ele
tem no seu coração, pois que só tu conheces os corações dos filhos dos homens
(2º Paralipômenos VI-30).

Salmos: O poder é de Deus; e a ti, Senhor, a misericórdia; porque tu RETRIBUIRÁS


A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS (Salmos LXI-12 e 13).
Provérbios: Se tu disseres: As forças não me ajudam, o mesmo que é inspetor do
coração o conhece e ao guardador da tua alma nada se esconde e Ele RETRIBUIRÁ
AO HOMEM SEGUNDO AS SUAS OBRAS (Provérbios XXIV-12).

Jeremias: Eu lhes TORNAREI SEGUNDO AS SUAS OBRAS e segundo os feitos das suas
mãos (Jeremias XXV-14).

Ezequiel: Eu JULGAREI A CADA UM CONFORME OS SEUS CAMINHOS, diz o Senhor Deus


(Ezequiel XVIII-30).

No Novo Testamento, além da palavra de Jesus Cristo, no texto já citado de


S. Mateus (XVI-27):

Epístola aos Romanos: Entesouras para ti ira no dia da ira e da revelação do


justo juízo de DEUS QUE HÁ DE RETRIBUIR A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS: com a
vida eterna por certo aos que, perseverando em fazer OBRAS BOAS, buscam glória
e honra e imortalidade; mas com ira e indignação aos que são de contenda e
que não se rendem à verdade, mas que obedecem à injustiça (Romanos II-5 a 8).

1ª Epístola de S. Pedro: Se invocais como pai Aquele que sem acepção de


pessoas JULGA SEGUNDO A OBRA DE CADA UM, vivei em temor durante o tempo da
vossa peregrinação (1ª Pedro I-17).

Apocalipse: Eu sou aquele que sonda os rins e os corações; e RETRIBUIREI A CADA


UM de vós SEGUNDO AS SUAS OBRAS (Apocalipse II-23). Eis aqui que depressa virei,
e o meu galardão anda comigo para RECOMPENSAR A CADA UM SEGUNDO AS SUAS
OBRAS (Apocalipse XXII-12). Veja-se ainda Apocalipse XX-12 e 13. Sim, A
GRAÇA é dada de graça. Mas uma vez recebida a graça santificante, ainda temos
que observar os mandamentos, trabalhar, lutar e sofrer em união com Cristo para
conquistar A GLÓRIA. E a glória eterna do Céu varia de acordo com as virtudes, os
atos de penitência, as boas obras, em suma, o mérito de cada pessoa, pois Deus
retribuirá a cada um segundo as suas obras.

Confusão de ideias.

36. Ainda não entramos de cheio na refutação da teoria da salvação só pela fé.
Fizemos apenas um resumo da doutrina católica sobre a salvação para esclarecer
certos pontos em que se confundem os nossos adversários que não estão
perfeitamente ao par da nossa doutrina. Mas bastou ao leitor ver o texto das
Escrituras em que se exige a observância dos mandamentos para conseguir o
Céu, não podendo alcançá-lo os que cometem certas faltas graves, bastou ver a
insistência com que a Bíblia nos assegura que Deus retribuirá a cada um segundo
as suas obras, sem fazer acepção de pessoas, para observar como é inexata a
doutrina de que só a fé é que salva e de que as boas obras não influem na
salvação. Queremos dizer apenas algumas palavras sobre uma confusão que
fazem os protestantes a respeito do perigo de envaidecimento para aqueles que
fazem boas obras, sabendo que elas terão a sua recompensa.

Os protestantes viram um texto de S. Paulo (Efésios II-8 e 9) em que o Apóstolo


nos ensina que a concessão da graça primeira, ou seja, a passagem do pecador do
estado de pecado para o estado de justiça pela graça santificante se realiza de
graça e não em atenção a nossas obras, para que ninguém se glorie. Teremos
ocasião de comentar atentamente e a vagar esse texto (nº 133) num capítulo
especial que versará sobre a graça primeira. Daí aprenderam de oitiva a dizer que
a glória do Céu não se alcança pelas nossas obras mas só pela fé, para que o
homem não se orgulhe, não se glorie de ter alcançado a salvação pelo seu
próprio esforço. Deus teria querido assim evitar o perigo do orgulho humano, e
teria caído noutro perigo muito maior ainda: teria favorecido horrivelmente à
corrupção do homem e ao relaxamento no pecado, impondo somente a fé para a
salvação e dispensando a observância dos mandamentos e a prática das outras
virtudes cristãs, entre as quais avulta a caridade, para a consecução da glória
celeste.

A doutrina católica e a presunção.

37. Qualquer um que considere atentamente a doutrina católica, não terá motivo
algum para gloriar-se de suas virtudes ou de suas boas obras. E a prova é que a
Igreja Católica tem produzido um número imenso de grandes santos que são
conhecidos no mundo inteiro, muitos dos quais bem estimados e admirados
pelos protestantes, e no entanto um fenômeno observado em todos eles é que,
quanto mais progrediam na virtude e se enriqueciam da graça de Deus, tanto
mais baixo conceito faziam de si mesmos. A sua grande virtude fazia com que
lamentassem profundamente as mais pequenas imperfeições; e causa admiração
como se não julgavam mais do que grandes e desprezíveis pecadores. Seguiam
nisto a palavra do Eclesiástico: Quanto maior és, humilha-te em todas as coisas,
e acharás graça diante de Deus (Eclesiástico III-20).

Realmente a consideração da doutrina sobre a graça, que há pouco resumimos,


leva o homem a reconhecer o seu nada, a sua fraqueza e insuficiência. Se Deus
justifica o pecador e o faz seu filho, esta elevação a uma grandeza sobrenatural é
feita por pura bondade e misericórdia de Deus. Cada ação boa, cada ato de
virtude, cada vitória sobre as tentações precisou, para efetuar-se, do auxílio da
graça divina: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). A criancinha que não
pode escrever a carta sem a mãezinha a estar ajudando com a mão dela por cima
da sua, não pode absolutamente orgulhar-se de ter escrito a carta por seu próprio
engenho e esforço. E os erros dados nesta carta, por culpa do pequeno
escrevente, a mãezinha depois corrige — isto é, os pecados, as faltas, as
imperfeições que frequentemente cometemos, Deus está sempre de braços
abertos para nos perdoar, se nos voltamos para Ele. E o católico tem, mais do
que ninguém, uma lembrança viva de seus pecados, pois tem que fazer
cuidadoso exame de consciência sobre eles e confessá-los humildemente ao
ministro de Deus, a quem foi dado o poder de perdoar e reter os pecados.
Nenhuma razão tem, portanto, o católico, para orgulhar-se de suas virtudes,
quando as possui: Que tens tu que não recebesses? Se, porém, o recebeste, por
que te glorias como se o não tiveras recebido? (1ª Coríntios IV-7).

Se, porém, por um ato de irreflexão ou, para melhor dizer, de loucura, conceber
um pensamento de presunção, uma queda fatal se dará, porque Deus resiste aos
soberbos, e dá sua graça aos humildes (Tiago IV-6). E acontecerá o que a
S. Pedro, que fez as mais brilhantes profissões de fé e que amava a Cristo mais
do que os outros Apóstolos, mas por ter consentido num ato de confiança
exagerada em si mesmo, teve que chorar, por toda a vida, uma queda desastrosa.
Assim aprenderá o homem, à custa dos próprios fracassos, a não confiar em si
mesmo. Não há razão, portanto, para Deus deixar de considerar como CONDIÇÃO
NECESSÁRIA PARA A SALVAÇÃO a guarda dos mandamentos, a prática das boas
obras, por parte do homem, (que é livre nas suas ações e portanto tem que
mostrar um bom uso da liberdade), só pelo receio de que o homem se venha a
tornar vaidoso.

Se assim fosse, Ele deixaria de apontar a FÉ como CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA A


SALVAÇÃO, porque a fé é sempre um ato livre, uma cooperação humana, e assim
como há perigo de ensoberbecer-se o homem pelas suas obras, assim também há
o de ensoberbecer-se pela fé: Tu pela FÉ estás firme, pois NÃO TE ENSOBERBEÇAS,
MAS TEME (Romanos XI-20).

Recompensa e benefício.

38. Por mais estranho que pareça, a glória do Céu, que a Escritura nos mostra
como uma RECOMPENSA dada ao homem pelas suas boas obras, é também, em
última análise, uma graça, um BENEFÍCIO de Deus.

Um homem rico e ilustre toma um mísero e desprezível servo e o cumula de


favores, espontânea e benignamente, fazendo dele um filho adotivo. Depois
disto, começa a fornecer-lhe verba continuamente, para que ele realize alguns
trabalhos. Perdoa frequentemente também os erros e fraquezas deste filho,
bastando para isto que ele procure sinceramente o seu perdão. E aqueles
trabalhos realizados pelo filho com verba dada pelo próprio pai, este os
recompensa larguissimamente, fazendo-o cada vez mais participante de uma
imensa herança.

Pode ser maior a sua benignidade?

Assim faz Deus conosco, chamando-nos e justificando-nos misericordiosamente


quando somos pecadores, perdoando-nos inúmeras vezes na vida, graça aos
merecimentos infinitos de Jesus Cristo, fornecendo-nos continuamente o auxílio
da sua graça e recompensando com os gozos da vida eterna as nossas obras, que
só com a sua graça podiam ser realizadas. Por isto, tinha razão em exclamar o
grande Doutor da Graça, S. Agostinho: “Deus quando coroa nossos
merecimentos, não coroa senão seus próprios benefícios”.
Capítulo Terceiro
Como surgiu a teoria da salvação só pela fé
Novidade de doutrina.

39. Como vimos no começo deste livro, o pastorzinho protestante se gloriava de


que o Protestantismo é a única religião no mundo a admitir a salvação só pela fé.
É o que diz também Lutero: afirma que a sua teoria da justificação pela fé é o
ponto “único pelo qual nós nos distinguimos, pelo qual nossa religião se
distingue de qualquer outra religião” (Exegética ópera XXIII pág. 140).

Realmente o Protestantismo só apareceu no século XVI. E até aquele século,


ninguém se tinha lembrado ainda de interpretar a Escritura de semelhante modo.
Porque é tão clara na Bíblia a existência da lei de Cristo, na qual se inclui a
obrigatoriedade dos mandamentos, a Bíblia fala tantas vezes na necessidade do
amor de Deus e da caridade para com o próximo para conquistar o Céu, a Bíblia
como vimos, insiste tanto em que Deus há de retribuir a cada um SEGUNDO AS
SUAS OBRAS, que, até então, em toda a história do Cristianismo, não se tinha
podido conceber semelhante absurdo de que o homem se salva só pela fé.
Absurdo, sim, porque é tão lógico e tão razoável que o homem, sendo livre nas
suas ações, venha a conquistar o prêmio do Céu, entre outras coisas, pela sua
reta maneira de proceder, que era preciso que aparecesse um homem que,
embora dizendo-se seguidor de Cristo, negasse o livre arbítrio, a liberdade
humana, para que se pudesse pregar semelhante doutrina. Este homem apareceu
e se chamou Martinho Lutero.

Deixando de lado certos aspectos nada edificantes da vida deste célebre


heresiarca, achamos utilíssimo, para fazermos uma ideia do que vale realmente a
teoria da salvação só pela fé, estudar o modo como Lutero chegou a fazer esta
“grande descoberta”. Mas esta novidade de doutrina já nos deixa com uma pulga
na orelha. Não parece estranho que Jesus Cristo tivesse fundado uma Igreja, feito
propagar o seu Evangelho para ensinar aos homens o caminho do Céu, e por 15
séculos tivesse deixado a Humanidade às tontas, Ele que vela sobre os homens e
principalmente sobre a Igreja pela sua Divina Providência e só no século XVI
fizesse aparecer esse Martinho Lutero para ensinar a “verdadeira doutrina da
salvação”?
Martinho Lutero faz-se monge.

40. Martinho Lutero nasceu em Eisleben, na Alemanha, a 10 de novembro de


1483. Jovem católico e piedoso, que mantinha relações de amizade com alguns
frades e andava impressionado com as tentações que sentia na convivência com
outros estudantes, um dia um acontecimento vem a ser decisivo na sua vida.
Estava com 19 anos incompletos, pois foi a 2 de julho de 1502. Surpreendido em
viagem por uma violenta tempestade, ficou aterrado com a perspectiva da morte.
E fez uma promessa a S. Ana, a quem se costumava recorrer nesses transes: “Se
tu me ajudas, S. Ana, tornar-me-ei frade”. Mais tarde ele dirá naquela sua
linguagem sempre estabanada: “Tornei-me frade por violência, contra a vontade
de meu pai, de minha mãe, de Deus e do diabo... Fiz este voto para me salvar”
(Weimar T. tomo IV nº 4414).

Digamos, entre parêntesis, que a alegação de Lutero não tem razão de ser. Ou o
medo lhe transtornara completamente o uso das faculdades, ou não. No primeiro
caso, o voto não o obrigava, pois para isto era preciso que se fizesse livremente.
No segundo caso, sabia ele, como católico que era naquele tempo, que lhe
restava um recurso: pedir a dispensa ao Sumo Pontífice, a quem foi dado o poder
de ligar e desligar.

O fato, porém, é que Lutero entra no convento sem a necessária vocação. E,


segundo ele próprio confessa, não encontrou a paz interior na vida religiosa.

Muitos autores que estudaram profundamente a personalidade de Lutero, entre


os quais o católico H. Grisar (Lutero. 3ª edição. Tomo III págs. 596-673) e o
historiador protestante A. Hausrath na sua biografia sobre Lutero (3ª edição.
Berlim; tomo II-págs, 31-36), são de opinião que Lutero era um homem doente e
anormal. Da mesma opinião é o médico Guilherme Ebstein em obra aparecida
em Stuttgart em 1908. Afirmando esta tese, apareceu uma obra em 2 volumes
em Copenhague (1937 e 1941) escrita pelo médico P. J. Reiter e intitulada:
Ambiente, Caráter e Psicose de Martinho Lutero. A obra, como é natural,
desagradou aos luteranos e provocou discussões.

Seja, porém, como for, o que é certo é que Martinho Lutero era um sentimental e
se preocupava doentiamente com o problema da predestinação, querendo sentir
em si à fina força a certeza de que era um predestinado. Queria experimentar
claramente a sensação de que seus pecados estavam perdoados e de que se
achava na graça de Deus e não sentia este conforto, esta certeza, por causa das
tentações da nossa natureza corrompida. A acreditarmos nas suas palavras, ele
era dominado por escrúpulos, chegando a confundir as tentações com o próprio
pecado, que só existe quando as tentações são consentidas. Como ele dirá mais
tarde: “Quando eu era monge, acreditava imediatamente que perdia minha
salvação, cada vez que experimentava a concupiscência da carne, isto é, um mau
movimento de desejo, de cólera, de ódio, de inveja a respeito de um irmão etc.
Eu punha em uso muitos remédios, confessava-me diariamente, mas isto não me
servia de nada. Porque sempre a concupiscência da carne reaparecia. Eis por que
eu não podia achar a paz, mas estava perpetuamente em suplício pensando: Tu
cometeste tal ou tal pecado, estás ainda sujeito à inveja, à impaciência etc. Foi
em vão que recebeste as ordens e todas as tuas obras são inúteis” (Comentário da
E. aos Gálatas 1535. Weimar; tomo XL).

No meio dessas angústias, encontra um confessor e amigo, o Padre Staupitz, que


o ajuda e faz o possível para acalmá-lo. Diz Lutero em uma carta dirigida a
Jerônimo Weller em julho de 1530: “Nos começos de minha vida religiosa, eu
estava sempre triste e não conseguia desembaraçar-me deste estado d’alma. Pedi
então a orientação do doutor Staupitz e me confessei com ele. Manifestei-lhe
meus pensamentos horríveis e aterradores. E ele me respondeu: Não
compreendes, Martinho, que esta tentação te é útil e necessária? Não é em vão
que Deus assim te exercita” (Weimar B. t. Vº pág. 519). Em outra ocasião lhe
diz Staupitz: “Por que te torturas com estas sutilezas? Volta o teu olhar para as
chagas de Cristo e olha para o sangue que Ele derramou por ti” (Ópera exegética
t. VIº 296 e 297).

A “descoberta” de Lutero.

41. Apesar de todos os conselhos do seu diretor espiritual, a alma de Lutero


cada dia mais se lança no desespero. Está convencido de que o homem não é
livre, pois não se liberta nunca do pecado. Um dia, porém, nos seus estudos
sobre a Bíblia, julga ter encontrado na Epístola aos Romanos a solução para o
seu problema [7]. Interpreta o Apóstolo S. Paulo a seu modo, de acordo com
suas próprias ideias, de maneira que, como diz o próprio Strohl, autor
protestante: “Foi a orientação puramente individualista e a força de sua
experiência pessoal que impediram Lutero de assimilar todo o pensamento do
Apóstolo”.
Se S. Paulo nos lembra que O justo vive da fé (Romanos I-17), este mesmo
S. Paulo que nos diz: Todas as vossas obras sejam feitas em caridade (1ª
Coríntios XVI-14) e nos afirma que o homem, mesmo tendo a fé a ponto de
transportar montanhas, não é nada sem a caridade (1ª Coríntios XIII-2), Lutero
não toma aquela frase no sentido de que todas as nossas ações devem ser
revestidas de verdadeiro espírito de fé — mas no sentido de que na fé somente se
resume toda a vida do cristão. Se S. Paulo nos ensina que o homem é justificado
pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28) no sentido de que não somos mais
obrigados a cumprir todas aquelas determinações e cerimônias da lei mosaica,
como adiante mostraremos no capítulo 6º, Lutero toma isto no sentido de que
não somos obrigados a obedecer a lei nenhuma, nem mesmo a observar os
mandamentos. Se S. Paulo fala na liberdade da glória dos filhos de Deus
(Romanos VIII-21) e diz que soltos estamos da lei da morte, na qual estávamos
presos, de sorte que sirvamos em novidade de espírito e não na velhice da letra
(Romanos VII-6), Lutero toma isto não no sentido de que os cristãos já estão
libertos do jugo das prescrições da lei mosaica, mas no sentido de que os cristãos
estão livres de todas as leis, tendo apenas a obrigação de crer.

Foi assim que nasceu a teoria da salvação só pela fé. Vejamos agora, em linhas
gerais, a doutrina de Lutero, usando sempre as suas próprias palavras, pois vai
aparecer tanta coisa espantosa que é melhor mesmo que Lutero fale, para que
não se diga que estamos exagerando a sua doutrina.

Notas (pular)

[7] Lutero rompeu oficialmente com a Igreja no dia 1º de novembro de 1516, afixando às portas do templo,
em Vitemberga, as suas 95 teses sobre as indulgências. Mas já antes disto lavrava no seu espírito o conceito
herético sobre a justificação pela fé sem as obras, de modo que a pretensa descoberta de Lutero foi no ano
de 1514 ou, ao mais tardar, em 1515, conforme se conclui do exame de suas notas privadas, como
professor. (voltar)

Negação do livre arbítrio.

42. Não da leitura da Bíblia, mas da observação do que se passava no seu


espírito doentio e tumultuoso, tirou Lutero a conclusão de que o homem não
goza de liberdade. Eis as palavras de Lutero: “A vontade humana é como um
jumento; se Deus o cavalga, quer e vai onde Deus quer, como diz o salmo: como
jumento me tenho feito diante de ti e eu estarei sempre contigo (Salmos LXXII-
23). Se Satanás o cavalga, quer e vai para onde vai Satanás, nem está em seu
poder correr para outro cavalgador ou procurá-lo, mas os cavalgadores é que
lutam entre si para alcançar o jumento e tomar conta dele” (Weimar XVIII-635).

“Tudo se realiza segundo os decretos imutáveis de Deus. Deus opera em nós o


mal e o bem. Tudo o que fazemos, fazemo-lo não livremente, mas por pura
necessidade” (Weimar XVIII-709).

“Foi o diabo que introduziu na Igreja o nome de livre arbítrio” (Weimar VII-
145).

Houve a este respeito uma célebre polêmica entre Lutero e Erasmo, na qual
Lutero escreveu um livro intitulado “O arbítrio escravo”, combatendo a doutrina
de que o homem goza de liberdade e Erasmo escreveu outro sob o título “O livre
arbítrio”, defendendo esta doutrina, embora também Erasmo errasse, caindo no
pelagianismo.

Os magistrados começam a inquietar-se, porque o livre arbítrio é da base do


direito civil e penal e também pelas péssima repercussões das ideias de Lutero
no seio do povo. Lutero responde: “Estou falando da vontade livre com relação a
Deus e às coisas da alma. Pois que necessidade teria eu de disputar tanto sobre a
liberdade do homem no que diz respeito às vacas e aos cavalos, ao dinheiro e aos
bens?” (Apud Denifle-Paquier III-267) “Mas no que toca à salvação ou a
condenação, o homem não tem livre arbítrio; é o cativo, o súdito e o escravo da
vontade de Deus ou da vontade de Satanás” (Weimar XVIII-638).

O pecado original.

43. Para Lutero, o anjo também não é livre, porque “o livre arbítrio é o apanágio
exclusivo de Deus” (Weimar XVIII-664). Mas com o homem aconteceu uma
grande desgraça. Foi o pecado original que tornou a nossa vontade inteiramente
corrompida, completamente dominada pelo mal, segundo a doutrina luterana. E
isto por toda a nossa vida.

Diz Lutero: “Nossa pessoa, nossa natureza, todo o nosso ser está corrompido
pela queda de Adão... Nosso pecado não é em nós uma obra ou uma ação; é a
nossa natureza e todo o nosso ser” (Apud Doellinger. III-31).

No comentário à Epístola aos Romanos cap. 5º, afirma que o pecado original é
No comentário à Epístola aos Romanos cap. 5º, afirma que o pecado original é
“não somente a privação de qualidade na vontade, não somente a privação de luz
na inteligência e de poder na memória, mas a completa privação de toda a
retidão do homem interior e exterior. É a própria tendência para o mal, náusea
para o bem, aversão à luz e à sabedoria, amor ao erro e às trevas, fuga e
abominação das boas obras, corrida para o mal” (Ficker II, 144).

A consequência disto é que o homem só pode fazer o mal: “O homem, não sendo
senão um tronco apodrecido, não pode produzir senão corrupção, não pode
querer e fazer senão o mal” (Ópera latina I, 243 e 350).

“Tudo o que empreenderes, por belo e brilhante que seja, é pecado e continua
sendo pecado. Faze o que quiseres, não podes senão pecar” (Apud Denifle-
Paquier III-179).

E tudo o que o homem faz é, por sua natureza, pecado mortal: “Todo pecado, no
que diz respeito à substância do fato, é moral” (Comentário da E. aos Gálatas.
Erlangen III-24).

Luz nas trevas e consolo no desespero...

44. Diante deste quadro tenebroso, parece que estamos irremediavelmente


perdidos: não temos liberdade e trazemos, do berço até o túmulo, a natureza tão
corrompida pela queda do primeiro homem, que tudo que fazemos é pecado e
pecado mortal; como poderemos então salvar-nos?

Muito simples, segundo Lutero; basta crer em Jesus Cristo. Crê e serás salvo.

Que entende Lutero por esta palavra — crer?

Todos sabem que crer em Cristo significa aceitar toda a sua doutrina. Lutero
também admite a fé neste sentido, mas isto para ele não tem grande significação;
não é propriamente neste sentido que a fé salva.

Ouçamos as suas palavras: “Cristo tem duas naturezas. Em que isto me


interessa? Se Ele traz este nome de Cristo, magnífico e consolador, é por causa
do ministério e da tarefa que Ele tomou sobre si... Crer em Cristo não quer dizer
que Cristo é uma pessoa que é homem e Deus, o que não serve nada a ninguém;
significa que esta pessoa é Cristo, isto é, aquele que para nós saiu de Deus e veio
significa que esta pessoa é Cristo, isto é, aquele que para nós saiu de Deus e veio
ao mundo... É deste ofício que Ele tira seu nome” (Erlangen XXXV-207). Em
resumo, Lutero quer dizer que crer em Cristo significa simplesmente crer que
Ele é o Salvador e nada mais.

A fé que salva é a confiança. O homem cheio de temor, de angústia, de horror


diante de sua própria miséria, sabendo que não pode fazer outra coisa senão
pecar, se lança nos braços de Cristo, seu Salvador e se enche da convicção de
que pelo sangue de Cristo está salvo. Crendo que somos salvos por Cristo,
estamos salvos.

Nada de arrependimento, nem de boas obras.

45. Não se pense, porém, que entre estes sentimentos que levam o homem aos
pés de Cristo, esteja incluído o arrependimento dos pecados. Não!
Arrependimento supõe liberdade e o homem não é livre.

Lutero qualifica de “delírio” a atitude dos padres que exigem do penitente a


contrição e o arrependimento e diz que “a esses padres se deveria tirar o poder
das chaves e dar-lhes um bastão para conduzir as vacas” (Apud Denifle-Paquier
III-352). Porque o arrependimento só torna o homem “mais hipócrita e mais
pecador”. Ouçamos as suas palavras: “A contrição que se prepara pelo exame,
recapitulação e detestação dos pecados, pelos quais alguém relembra, os seus
anos de amargura de sua alma, ponderando a gravidade, multidão e fealdade dos
pecados, a perda da eterna felicidade e a aquisição da condenação eterna, esta
contrição o faz hipócrita e até mais pecador” (Weimar VII-113).

Arrependimento supõe que o homem quer salvar-se por suas obras. E as boas
obras, Lutero as considera inúteis para a salvação; embora tivesse caído às vezes
em contradição sobre este assunto, a doutrina predominante nos seus escritos é a
inutilidade das boas obras; algumas vezes até chegou a chamá-las de nocivas.

Com a nossa natureza corrompida não há boas obras, tudo o que vem de nós é
pecado e “as boas obras são más, são pecado como o resto” (Apud Denifle-
Paquier III-47).

Diz ainda Lutero: “A lei, as obras, a caridade, os votos não só não resgatam, mas
agravam a maldição. Quanto mais obras fizermos, tanto menos poderemos
conhecer e apreender a Cristo” (Weimar XL 1 Abt. pág. 447). “Ensinando as
boas obras e excitando a fazê-las como necessárias à salvação, se causa maior
boas obras e excitando a fazê-las como necessárias à salvação, se causa maior
mal do que a nossa razão humana pode compreender e conceber” (Apud Denifle-
Paquier III-101).

Quando Jorge Maior, professor da Universidade de Vitemberga procurou reagir


contra esta doutrina e ensinou que as boas obras seriam necessárias à salvação,
um grande amigo de Lutero, Nicolau de Amsdorf publicou em contestação um
livro, no ano de 1559 e neste livro defendia a seguinte tese: Que a proposição “as
boas obras são nocivas à salvação” é justa, verdadeira, cristã, pregada por
S. Paulo e S. Lutero. “Não há escândalo maior, diz Lutero, mais perigoso, mais
venenoso do que a boa vida exterior, manifestada pelas boas obras e uma
conduta piedosa. Isto é a porta de cocheira e o grande caminho que leva à
condenação” (Apud Doellinger III-124).

A fé e a salvação, obras exclusivas de Deus.

46. Aqui perguntamos a Lutero: — Mas, se a nossa natureza está tão corrompida
assim, que até as boas obras que fazemos são pecados, como é também que
podemos crer?

Responde Lutero que a fé é Deus que “opera em nós, sem nós” e às vezes até
“apesar de nós” (Apud Denifle-Paquier III-272, 289).

A Igreja Católica, que admite o livre arbítrio, considera a fé como uma


convicção da inteligência, sob o império da vontade livre e sob o influxo da
graça divina. A graça de Deus se antecipa à ação humana, mas a fé é obra de
Deus e do homem. Para Lutero, que só admite o arbítrio escravo, a fé é obra
exclusiva de Deus.

A Igreja, como vimos, ensina que Jesus Cristo é o Único Salvador no sentido de
que Cristo, reconciliando-nos com Deus, ofereceu-Lhe a reparação pelo pecado,
que só Ele, Cristo, podia oferecer por ser Homem e Deus ao mesmo tempo. A
obra de Cristo foi perfeitíssima; falta apenas a nossa contribuição, a qual
realizamos juntamente com a graça de Cristo, que Ele mereceu por nós na cruz.
Lutero toma Cristo como Único Salvador no sentido de que não existe também a
nossa parte na obra da salvação. Ele fez tudo: a sua parte e a nossa; se Ele nos
salvou, não nos resta mais fazer nada: só crer. E esta fé, Ele é quem opera em
nós, com exclusividade.
Pecado mortal e pecado venial.

47. Mas, se tudo o que fazemos é pecado, e pecado mortal, como podemos com
esses pecados entrar no céu?

Lutero esclarece: “Aquele que crê tem tão grandes pecados como o incrédulo,
mas lhe são perdoados, não lhe são mais imputados” (Comentário da E. aos
Gálatas III-25).

Lutero não admite a justificação do pecador, no sentido católico de que ele se


pode tornar realmente um justo, transformado e regenerado interiormente pela
graça de Deus, mas no sentido de que Deus externamente o considera justo,
embora ele seja realmente o mesmo pecador. O que não crê, tudo o que faz é
pecado mortal; o que crê pode fazer as mesmas coisas, mas Deus por um decreto
considera veniais todos estes pecados. Diz Lutero: “Para aquele que não crê, não
somente todos os pecados são mortais, mas todas as suas boas obras são
pecados... É, portanto, pernicioso o erro dos sofistas que distinguem os pecados
de acordo com os atos e não de acordo com as pessoas. Naquele que crê o
pecado é venial; é mortal para o que não crê, não que seja diferente, menor num
e maior noutro, mas porque as pessoas são diferentes” (Weimar II-410; IV-161).

A razão desta diferença é que Jesus Cristo toma o lugar do pecador que crê.
Cristo é “o manto que oculta a nossa vergonha, a cobertura de nossa ignomínia.
Ele deixa o pecador pendurar-se nas suas costas e assim o livra da morte e do
carcereiro” (Apud Denifle-Paquier III-67, 367) é “a galinha sob cujas asas
devemos refugiar-nos, a fim de que seu cumprimento da lei se torne o nosso. Ó
amável galinha! Ó felizes pintinhos!” (Weimar I-35).

Livres de todas as leis!...

48. Segundo Lutero, Cristo observou a lei por todos aqueles que creem, estes
não tem mais obrigação de observar a lei, observância que, segundo ele, é
impossível, porque não há liberdade: “A palavra Evangelho significa boa nova,
doutrina grata e consoladora para as almas... ouvir que a Lei já foi observada por
Cristo, que nós não temos o dever de observá-la, mas só o de unir-nos pela fé
Àquele que por nós a observou” (Weimar I-52). “Esta é a nossa doutrina que
sabemos eficaz para consolar as consciências. Viveremos sem a lei e nos
persuadiremos que os nossos pecados nos foram perdoados” (Weimar XXV-
249). “Com propriedade pode definir-se o cristão: o homem livre de todas as leis
no foro interno e externo” (Weimar XL. 1 Abt. 235). “Assim vês quão rico é o
homem cristão ou batizado que, mesmo querendo, não pode perder a sua
salvação, por maiores que sejam os seus pecados, a não ser que não queira crer.
Nenhum pecado pode condená-lo, a não ser somente a incredulidade. Todos os
outros... se houver fé, na promessa divina feita ao batizado são absorvidos pela
mesma fé” (Weimar VI-529).

Lutero se insurge contra a ideia de que Cristo é um legislador que nos veio
ensinar uma moral sublime, promulgada no Evangelho:

“Erasmo e os papistas cuidam que Cristo é um novo legislador; na sua demência


nada entendem do Evangelho, representam-no fantasticamente como um código
de novas leis, à semelhança do que sonham os turcos do seu corão” (Weimar
XL. 1 Abt. pág. 259).

“O Evangelho não prega o que devemos fazer, não exige nada de nós. Antes, em
vez de dizer-nos: faze isto ou aquilo, manda-nos simplesmente estender as vestes
e receber: toma, meu caro, eis o que Deus fez por ti; por teu amor Ele vestiu de
carne humana o próprio Filho... aceita este dom; crê e serás salvo” (Weimar
XXIV-4).

“Não só com as palavras, mas também com as nossas ações e com o nosso
procedimento, exercitemo-nos com diligência em separar Cristo de qualquer
ideia de legislador, a fim de que, apresentando-se-nos o demônio sob a figura de
Cristo para molestar-nos em seu nome, saibamos que não é Cristo, mas que é
verdadeiramente o diabo” (Weimar XL. 1 Abt. pág.229).

“A isto se reduz todo o Cristianismo: a sentir que não tens pecado ainda quando
pecas, a sentir que teus pecados aderem a Cristo, que é salvador do pecado”
(Weimar XXV-331).

Mas, dirá o leitor, como posso seguir uma doutrina destas? E onde está a minha
consciência que me acusa quando dou um passo errado?

Ora consciência! Lutero manda abafar a sua voz. Diz ele: “Se a consciência do
pecado te acusa, se põe ante os teus olhos a ira de Deus... não deves ouvi-la, mas
contra a consciência e contra os teus sentimentos deves julgar que Deus não está
contra a consciência e contra os teus sentimentos deves julgar que Deus não está
irado, que tu não estás condenado” (Weimar XXV-330).

Já identificado agora com o pensamento do fundador do Protestantismo, o leitor


pode por si mesmo decidir a seguinte questão: se se pode dar boa interpretação
às célebres palavras de Lutero na sua carta a Melanchton, escrita em agosto de
1521: “Sê pecador, peca fortemente, porém mais fortemente ainda crê e rejubila-
te em Cristo!” Vamos citar todo o trecho: “Se pregas a graça, prega uma graça
verdadeira e não falsa; se a graça é verdadeira, que o pecado seja verdadeiro e
não falso. Deus não pretende salvar falsos pecadores. Sê pecador e peca
fortemente, mas confia e rejubila-te mais fortemente ainda no Cristo, vencedor
do pecado, da morte e do mundo. Temos que pecar enquanto somos o que
somos. Esta vida não é a estância da justiça, mas esperamos, segundo a palavra
de S. Pedro, novos céus e uma nova terra, nos quais habita a justiça. É o
bastante, para nós, haver conhecido pelas riquezas da glória, o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo. Ele nos tirará o pecado, ainda quando mil vezes por
dia nos tornássemos fornicários ou assassinos. Considera como nos sai tão barata
a redenção de nossos pecados em um tal e tão grande Cordeiro!” (De Wette II-
37).

Conseguiu Lutero seu objetivo?

49. É escusado dizer que nesta doutrina ímpia e absurda Lutero não podia
encontrar a paz que almejava para o seu espírito atribulado. Depois do
rompimento com a Igreja, continua seu drama interior: remorsos, tentações,
inquietações e crises violentas. Ele acusa o demônio como o responsável por
tudo isto. E, por mais estranho que pareça, ele aponta, como um dos remédios
para estas perturbações interiores, os acessos de cólera contra os seus opositores.
“Isto, diz ele, refresca a minha prece, aguça o meu espírito e expulsa todos os
pensamentos de desânimo e todas as dúvidas” (Walch XXII-1237).

Além disto, a sua doutrina com que forjou para si uma consolação diabólica,
apoiando-se na cega confiança em Cristo para se ver tranquilamente livre de
todas as leis, trazia uma consequência capaz de lançar muitas almas no
desespero.

Calvino irá ensinar a sua doutrina de que Deus predestina uns para o Céu e
outros para o inferno, por um decreto irrevogável que o próprio Calvino chama
DECRETO HORRÍVEL (Instituição Cristã III-23). Lutero não usa esta expressão
“predestinação para o inferno”, mas isto já está contido claramente na sua
doutrina sobre o arbítrio escravo, em que nos mostra Deus jogando com as
criaturas a seu bel-prazer, operando nelas o bem e o mal, encaminhando-as
inelutavelmente para o Céu ou para a perdição. E quando se lhe apresentam os
textos da Escritura em que se diz que Deus quer a salvação de todos, ou que não
quer a morte do pecador e sim que se converta e viva, Lutero, do mesmo modo
que Calvino, faz a distinção entre a vontade de Deus REVELADA e a sua vontade
OCULTA. A vontade revelada é a que Deus nos quer fazer crer nas Escrituras; mas
a sua vontade oculta é que muitos se percam e que não haja senão um certo
número de eleitos no Céu. Distinção, é claro, perfeitamente absurda (nº 215).

No seu livro “O arbítrio escravo”, diz que Erasmo no livro Diatribe mostra
ignorância, porque não distingue “entre o Deus revelado e o Deus oculto, isto é,
entre a palavra de Deus e o próprio Deus. Deus faz muitas coisas que não nos
mostra na sua palavra. Quer muitas coisas que pela sua palavra não nos mostra
querer. Assim não quer a morte, isto é, na palavra; mas quer por aquela sua
vontade imperscrutável... É bastante conhecer apenas que existe em Deus uma
certa vontade imperscrutável. O que quer esta vontade, por que quer, até onde
quer, a nós não é lícito investigar, desejar, procurar ou tocar, mas somente temer
e adorar” (Arbítrio escravo I. c. 730).

Mas como é isto? — perguntamos. Deus vai condenar pessoas sem culpa
alguma, uma vez que estas pessoas não são livres nas suas ações? Lutero
responde que o valor de nossa fé está precisamente nisto: em achar Deus justo,
ou Ele coroe indignos, ou condene inocentes. Diz ele: “— Mas quando condena
inocentes, porque isto não agrada, se considera iníquo e intolerável, aqui se
reclama, aqui se murmura, aqui se blasfema... Ora, se te agrada Deus coroando
os indignos, não te deve desagradar Deus condenando os inocentes. Se Ele é
justo de uma forma, por que não será da outra? Aqui espalha graça e
misericórdia nos indignos, ali espalha ira e severidade nos inocentes; em ambos
os casos pode ser iníquo e exagerado aos olhos dos homens, mas é justo e veraz
em si mesmo. Como é justo que Ele coroe os indignos, é incompreensível agora;
veremos, porém, quando chegarmos ali onde já não se crê, mas se vê face a face.
Como é justo que Ele condene os inocentes, é incompreensível agora; contudo se
crê, até que seja revelado o Filho do Homem” (Arbítrio Escravo ibidem. I. c. 730
segs).
Aí se apresenta naturalmente uma objeção, e esta Lutero faz a si próprio: se
Deus tudo pode, e Ele é quem faz tudo em nós, o bem e o mal (porque é o Único
Ser Livre), por que motivo não transforma esta natureza totalmente corrompida
do homem, por que motivo não encaminha sempre as nossas ações para o bem e
para o Céu? A resposta de Lutero é esta: “É o segredo de Sua Majestade”
(Weimar XVIII-712).

Para Lutero, Deus “é bom fazendo o mal” (Weimar XVIII pág. 709), assim
como o homem é mau fazendo o bem.

Não há doutrina mais adequada do que esta para lançar as almas no desespero.
De modo que a Lutero que procurou, fosse como fosse, a certeza da salvação
PARA SI, pouco se lhe dá que muitos outros... o diabo os carregue para o inferno...
e, o que é pior ainda, sem nenhuma culpa dessas pessoas, pois não gozam de
livre arbítrio. Para isto ele não foi sentimental...

O luteranismo e a razão.

50. Muito longo se tornaria este capítulo, se fôssemos analisar uma por uma,
todas estas enormidades da teoria luterana; ouçamos, porém, o escritor Antônio
Eymieu que nos vai dizer muito em poucas palavras:

“Será exagerado dizer que, do princípio ao fim, tudo, neste monstruoso sistema,
brada contradição? O homem espoliado pelo pecado de um outro não somente,
como diz o Catolicismo, dos privilégios sobrenaturais — os quais este outro,
cabeça da raça, lhe teria transmitido, se tivesse sido fiel — mas espoliado de sua
natureza própria; não somente de gratificações acessórias, mas do que lhe era
devido; perdendo sua liberdade e continuando responsável; aspirando ao Céu e
forçado a marchar para o inferno; não podendo salvar-se senão por uma fé-
confiança reclamada à sua liberdade aniquilada, à sua vontade arquimorta;
conservando, apesar de tudo, por não sei que prodígio, sua consciência moral,
mas aconselhado a dela despojar-se, a fugir dela como de uma tentação de
Satanás. Em face deste homem, um Deus veraz que mente à sua criatura; um
Deus inteligente que se deixa enganar por ela, que já não percebe os mais
monstruosos pecados, quando são cobertos com o manto de Jesus Cristo e os
deixa entrar de contrabando no Céu; um Deus justo que “condena inocentes”
com a mesma desenvoltura que o leva a “coroar indignos”; um Deus sábio que
faz leis impossíveis, que obriga (ao menos aqueles que não creem) a observá-las
e que força a violá-las; um Deus santo que olha da mesma forma os santos e os
pecadores, ou, se mostra alguma preferência, a reserva aos pecadores. Todas
estas palavras se chocam profundamente; todas estas ideias são inconcebíveis;
diante deste acervo de contradições, a razão se revolta” (Deux Arguments pour
le Catholicisme págs. 65 e 66).

Vamos agora procurar a Lutero e protestar contra a sua doutrina, dizer que ela é
contrária, profundamente contrária à nossa razão. Certamente vamos com medo
de que “o maior e o mais desbocado escritor do seu tempo” como chamava
Hausrath, que por sinal era protestante, nos vá brindar com um daqueles
palavrões que tantas vezes ele soube dizer. Mas qual é a nossa surpresa! Lutero
concorda conosco. Sua doutrina é mesmo contra a razão. E contra esta razão
humana é que se volta; para ela é que reserva as suas injúrias. No seu último
sermão proferido em Vitemberga, em 1546, chamou a razão humana: “a
concubina do diabo”.

Diz ele: “Mesmo a nós que recebemos as primícias do Espírito, é-nos impossível
compreender e crer perfeitamente todos estes pontos, porque eles contradizem
no último grau a razão humana” (Apud Denifle-Paquier III-379). “É impossível
fazer concordar a fé com a razão... A razão é contrária à fé. Unicamente a Deus
pertence dar a fé contra a natureza, contra a razão, em uma palavra, fazer crer”
(Apud Denifle-Paquier III-275). “Nas coisas espirituais e divinas, a razão é
completamente cega” (Erlangen XLV-336).

Estão de acordo com a doutrina de Lutero os protestantes de nossos dias? É o


que veremos daqui a pouco.

Antes, porém, não podemos deixar de fazer duas observações que


espontaneamente nos ocorrem.

E era assim?...

51. O primeiro comentário que não podemos conter é este: E era com esta
doutrina que Lutero queria reformar a Igreja?!!!

Como sabemos, a Igreja tem o seu lado divino e o seu lado humano. Ela foi
fundada por Cristo, cabe-lhe a guarda do depósito da fé; é a coluna e o
firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15). REFORMA DOUTRINÁRIA não pode
haver na Igreja, pois Cristo garantiu a firmeza e a estabilidade de sua doutrina,
prometendo que as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-
18). É o seu lado divino.

Mas a Igreja é constituída por homens que, como tais, estão sujeitos a pecar, por
maior que seja a sua dignidade. Tem produzido grandes santos, muitos de seus
membros levam uma vida altamente edificante e piedosa, mas dentro dela há
também homens que erram, que são pecadores, porque o reino dos céus é
semelhante a uma rede lançada no mar que toda a casta de peixes colhe; e
depois de estar cheia, a tiram os homens para fora, e, sentados na praia,
escolhem os bons para os vasos e deitam fora os maus. Assim será o fim do
mundo: sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos e lançá-los-ão na
fornalha de fogo (Mateus XIII-47 a 50). Se os próprios santos nunca estão
satisfeitos consigo mesmos, sempre acham que deveriam amar e servir a Deus
muito mais, que se dirá então dos pecadores? Em todas as épocas, portanto, os
membros da Igreja sentem necessidade de uma REFORMA MORAL, para cuja
realização encontram meios na própria Igreja: na sua doutrina e nos seus
sacramentos.

E é muito significativo o que nos inícios da Igreja escreve o livro do Apocalipse


em repreensão e advertência aos anjos das igrejas de Éfeso (II-4 e 5), Pérgamo
(II-14 a 16), de Tiatira (II-20), de Sardes (III-1 a 3) e da Laodiceia (III-15 e 16).
Ou se interprete como sendo censuras feitas diretamente aos bispos destas
igrejas ou às comunidades cristãs por eles dirigidas, o fato é que já naqueles
tempos do primitivo fervor, aí se prega a reforma de certas fraquezas e se
aconselha a penitência. A Igreja, que viveu cerca de 2000 anos, passou por
várias vicissitudes e teve suas épocas, umas melhores, outras piores. E é possível
que no começo do século XVI os seus membros precisassem de uma reforma
moral, mais do que em outra qualquer época de sua história. Mas era com esta
doutrina de que o homem não pode fazer outra coisa senão pecar e basta crer em
Cristo para salvar-se, de que crendo em Cristo fica livre de todas as leis, de que
só há um pecado que condena o cristão, o pecado da incredulidade, era com esta
doutrina que se podia trazer aos membros da Igreja a reforma moral de que eles
necessitavam?

Bonito começo!...
52. A outra observação que vem a talho de foice é esta: Que bonita estreia para a
teoria do livre exame!

Os protestantes costumam celebrar o gesto de Lutero rompendo com a


interpretação tradicional da Igreja e estabelecendo o princípio do livre exame:
cada um tem o direito de fazer também a interpretação da Bíblia — como sendo
uma verdadeira libertação. A Igreja estaria querendo monopolizar a interpretação
para impor suas teorias errôneas (!!). Lutero então teria aberto o caminho para se
chegar à interpretação verdadeira. Esta é a versão protestante.

Vejamos agora como as coisas se passaram.

Lutero, como vimos, tomou como ponto de partida de sua doutrina o princípio
de que o HOMEM NÃO É LIVRE NAS SUAS AÇÕES, NÃO POSSUI O LIVRE ARBÍTRIO.

Ora, se há uma verdade que transparece em todos os capítulos da Bíblia Sagrada,


desde as primeiras páginas do Gênesis em que Adão e Eva são chamados à
responsabilidade pela sua desastrosa desobediência, até a última página, o último
capítulo do Apocalipse em que se lê: Eis aqui que depressa virei, e o meu
galardão anda comigo para recompensar a cada um segundo as suas obras
(Apocalipse XXII-12) — é a noção da liberdade do homem, a ideia de que ele
pode dispor de seus atos.

Ao próprio Caim, que a muitos poderia aparecer como sujeito à fatalidade de


uma maldição, Deus se mostra dizendo que ele é livre e bem pode vencer suas
tentações: Por que andas tu irado? Por que se descaiu a tua face? Porventura,
se tu obrares bem, não receberás recompensa? E se obrares mal, não estará
logo o pecado à porta? Mas a tua concupiscência estar-te-á sujeita e tu
dominarás sobre ela (Gênesis IV-6 e 7).

São inúmeras as passagens da Bíblia em que Deus nos aparece impondo


preceitos aos homens, ameaçando com castigos aos que transgridem,
prometendo galardão aos que lhes obedecem. E se Ele assim o faz, não é para
ludibriar dos homens, impondo-lhes mandamentos impossíveis (o que seria
indigno da santidade de Deus); se Ele exige, é porque dá graça suficiente para
cumpri-los. Se Ele exige, é porque o homem tem à sua mão escolher entre o bem
e o mal, entre a recompensa e o castigo.

Assim se lê na Bíblia:
Assim se lê na Bíblia:

Este mandamento que eu hoje te intimo, não está sobre ti, nem está longe de ti,
nem está no Céu, de sorte que possas dizer: Qual de nós pode subir ao Céu,
para que no-lo traga e o ouçamos e o ponhamos por obra? Também não está da
banda d’além do mar, para que te desculpes e digas: Qual de nós poderá passar
o mar e trazer-no-lo, para que possamos ouvir e cumprir o que se nos manda?
Mas esta palavra está muito perto de ti, na tua boca está e no teu coração para
a cumprirdes. Considera que eu te pus hoje diante dos olhos a vida e o bem, e
ao contrário a morte e o mal, para que tu ames o Senhor teu Deus e andes nos
seus caminhos e guardes os seus mandamentos (Deuteronômio XXX-11 a 16).

Josué diz a seu povo: Temei ao Senhor e servi-O com um coração perfeito e mui
sincero, e tirai os deuses a que vossos pais serviram na Mesopotâmia e no Egito
e servi ao Senhor. Porém, se vos achais mal com servir ao Senhor, na vossa mão
está a escolha: escolhei hoje o que mais vos agradar e a quem principalmente
deveis servir, se aos deuses a quem serviram vossos pais na Mesopotâmia, ou
aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porque eu e minha casa
havemos de servir ao Senhor (Josué XXIV-14 e 15).

Do profeta Ezequiel: Quando o justo se apartar da sua justiça e cometer a


iniquidade, morrerá nesse estado; ele morrerá nas obras injustas que cometeu.
E quando o ímpio se apartar da sua impiedade que cometeu e obrar conforme a
equidade e a justiça, ele assim dará a vida à sua alma; porque, considerando o
estado em que se acha e apartando-se de todas as suas iniquidades que obrou,
ele certamente viverá e não morrerá. Depois disto dizem ainda os filhos de
Israel: O caminho do Senhor não é justo. Acaso os meus caminhos não são
justos, casa de Israel, e não são antes os vossos os que são corrompidos?
(Ezequiel XVIII-26 a 29). O Deus das Escrituras não é aquele que é pintado por
Lutero e que faz do homem um jumento, cavalgando-o a seu bel-prazer, mas um
Deus que, apesar de Todo-Poderoso, respeita a liberdade humana e se queixa
amorosamente, amargamente, porque o homem não quis seguir o bom caminho
de seus mandamentos, não quis cooperar com a sua graça:

Agora, pois, habitadores de Jerusalém e varões de Judá, sede vós os juízes entre
mim e minha vinha. Que coisa há que eu devesse fazer à minha vinha que lhe
não tenha feito? Far-lhe-ia acaso injúria em esperar que ela desse boas uvas em
lugar das labruscas que só produziu?... Porque a vinha do Senhor dos exércitos
é a casa de Israel; e o varão de Judá, o seu renovo deleitável; e esperei que
fizesse juízo e eis que só há iniquidade, e que praticasse justiça, e eis que só há
clamor (Isaías V-3, 4 e 7).

Em Jeremias se lê também a queixa de Deus: Pasmai, céus, sobre isto e ficai em


total desolação, portas deles, diz o Senhor. Porque dois males fez o meu povo:
deixaram-me a mim, fonte d’água viva e cavaram para si cisternas rotas que
não podem reter as águas (Jeremias II-12 e 13). E alguns versículos mais
adiante: Também os filhos de Mênfis e de Tafnes te aprontaram até ao alto da
cabeça. Porventura não te tem acontecido isto, porque abandonaste ao Senhor
teu Deus naquele tempo em que te conduzia pelo teu caminho? (Jeremias II-16 e
17).

Lutero sabia que Jesus Cristo era Deus. E que prova mais espetacular da
liberdade do homem do que Jesus chorando sobre a ingratidão de Jerusalém? É
verdade que nessa hora Jesus cavalgava um jumentinho, mas era precisamente
porque o homem estava longe de ser como aquele jumentinho que tão facilmente
se deixava conduzir, era por causa das resistências do homem às inspirações da
divina graça, que Jesus chorava naquele momento.

Será inútil prosseguir nas citações. Negar a liberdade do homem, depois de tais
passagens da Bíblia, afirmar depois disto, como Lutero, que Deus “opera em nós
o bem e o mal” seria atribuir a Deus uma farsa abominável. Não pode haver,
portanto, doutrina mais contrária ao ensino bíblico do que a negação da
liberdade humana; qualquer pessoa que tenha um conhecimento, embora
mínimo, das Escrituras, sabe muito bem disto.

Sustentando tal doutrina, Lutero sabia que tinha que romper abertamente com a
interpretação tradicional da Igreja.

Qual é o defensor de uma tese que, depois de apresentar seus próprios


argumentos, não acha vantagem em ampará-la com o testemunho dos sábios que
o precederam? Mas, negando o livre arbítrio, ele não podia encontrar apoio nos
Santos Padres, nem nos intérpretes de nenhuma época. Não teve outro recurso
senão proclamar o livre exame da Bíblia: ele interpretava assim contra a opinião
do mundo inteiro, porque cada um tem o direito de interpretá-la como bem
entende. E como isto não é argumento capaz de convencer ninguém, Lutero se
declara inspirado por Deus:
“Quem não crê como eu é destinado ao inferno. Minha doutrina e a doutrina de
Deus são a mesma coisa. Meu julgamento é o julgamento de Deus” (Weimar X 2
Abt. 107). “Tenho certeza de que meus dogmas vêm do Céu... eles hão de
prevalecer e o Papa há de cair, a despeito de todos os poderes dos ares, da terra e
do mar” (Weimar X. 2 Abt. 184).

Em 1535, ele declara ao legado do papa: “Somos agora esclarecidos sobre todas
as verdades da fé pela luz direta do Espírito Santo” (Apud Janssen III-481).

Foi, portanto, para acobertar uma tese profundamente antibíblica que Lutero
recorreu ao livre exame. Hoje a grande maioria dos protestantes estão
inteiramente em desacordo com Lutero, pois admitem a liberdade humana e não
concordam com aquela teoria ímpia de que o cristão está livre de todas as leis.
São obrigados, por conseguinte, a confessar que o livre exame foi inaugurado
com erros gravíssimos. Que bonita estreia!

Depois de Lutero apareceu uma chusma de intérpretes, todos iluminados


diretamente pelo Espírito Santo... e cada um apresentando uma doutrina
diferente.

Já Lutero se escandalizava ao ver como Zuínglio e outros podiam negar a


presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a qual está baseada em textos tão
claros da Bíblia. Mas quem os tinha ensinado a torcer o sentido das Sagradas
Letras, senão o próprio Lutero?

E há textos da Bíblia, por mais claros que sejam, que os partidários do livre
exame não consigam falsear e torcer? (vejam-se nos 215 e 220).

Não existe Santíssima Trindade (nº 225);

Cristo não é Deus, e portanto a adoração a Ele é uma idolatria (nº 226);

Cristo nos salvou somente pregando a sua doutrina e dando-nos um bom


exemplo (nº 227);

A graça é apenas um estímulo externo, como é aquele que recebemos quando


ouvimos sábias palavras de exortação (nº 228);

A alma não é imortal, os maus serão aniquilados (nº 230);


Não existe o inferno (nº 231);

Deus predestinou uns para o Céu e outros para o inferno por um decreto
inflexível — ou então — Deus predestinou todos os homens para o Céu e todos
lá chegarão (nº 232);

Não há necessidade de Batismo (nº 234);

O divórcio é permitido em vários casos (nº 236);

Eis aí algumas das teses que para qualquer pessoa que leia imparcialmente a
Sagrada Escritura se afiguram como verdadeiras barbaridades antibíblicas e que
entretanto têm sido defendidas (às vezes até através de tenaz e fanática
propaganda) pela turma desenfreada do livre exame.

E agora, passados 4 séculos após a revolta de Lutero, agora que os protestantes


já tiveram tempo bastante para emendar e corrigir os erros de seu fundador, a
eles que se apresentam como os verdadeiros e iluminados intérpretes, nós
podemos perguntar: Que tal? Como vai a interpretação da Bíblia? Vocês
acharam a verdadeira doutrina?

— Sim, achamos, respondem eles. (E então trezentas e tantas seitas,


profundamente divergentes entre si, se apresentam como portadoras da
interpretação legítima).

— Já vi tudo, pode responder qualquer um de nós. Esta balbúrdia toda que há do


lado de Vocês é um sinal bem evidente de não haverem encontrado a
interpretação legítima, a qual é uma só. Nem a encontrarão nunca, porque cada
dia se vão multiplicando mais as seitas e novas extravagâncias aparecem, a
confusão se torna cada vez maior nos meios protestantes.

Perdoe-nos o leitor esta digressão que foi necessária, pois as origens da teoria da
salvação só pela fé se confundem, têm relação direta com as origens da teoria do
livre exame da Bíblia. A primeira explica a segunda. São princípios irmãos e
dignos um do outro. Não podíamos deixar de ressaltar esta ligação.

Voltemos agora ao nosso assunto e vejamos em que pé se encontra, entre os


protestantes modernos, a teoria da salvação só pela fé.

Só podia dar nisso mesmo!


Só podia dar nisso mesmo!

53. Muitos dos primeiros chefes e adeptos do Protestantismo, embora


divergindo em muitas coisas não só de Lutero, mas também entre si, estavam de
acordo naquele ponto: em que o homem não goza de livre arbítrio. Cristo pagou
por todos nós e não nos resta mais fazer nada, a não ser crer em Cristo, etc, etc.
Mas a pregação de tais ideias, que vinham dar numa doutrina francamente
imoral e escandalosa, não podia deixar de receber as censuras mais acerbas, não
só da parte dos católicos, senão também de todos os homens de bom senso. E
desde cedo se começaram a ver os tristes efeitos da disseminação de tais ideias
no seio do povo, os quais logicamente não podiam ser senão os mais desastrosos.
Não há testemunho mais insuspeito sobre o assunto do que o do próprio Lutero:

“Os evangélicos são sete vezes piores que outrora. Depois da pregação da nossa
doutrina, os homens entregaram-se ao roubo, à mentira, à impostura, à crápula, à
embriaguez, e a toda a espécie de vícios. Expulsamos um demônio e vieram sete
piores. Príncipes, senhores, nobres, burgueses e agricultores perderam de todo o
temor de Deus” (Weimar XXVIII-763). O demônio que ele dizia ter expulsado
era o Papado.

Diz ainda Lutero:

“Depois que compreendemos não serem as boas obras necessárias para a


justificação, ficamos muito remissos e frios na prática do bem. É admirável com
que fervor nos dávamos às boas obras de outrora, quando por meio delas nos
esforçávamos por alcançar a justificação. Cada qual porfiava por vencer os
outros em piedade e honestidade. E se hoje se pudesse voltar ao antigo estado de
coisas, se de novo revivesse a doutrina que afirma a necessidade do bem fazer
para ser santo, outra seria a nossa alacridade e prontidão no exercício do bem”
(Weimar XXVII-443).

“Quem de nós se teria abalançado a pregar, se pudesse prever que tanta


desgraça, tanto escândalo, tanto crime, tanta ingratidão e malvadez seriam o
resultado da nossa pregação? Agora, uma vez que chegamos a este estado,
soframos-lhe as consequências” (Walch VIII-564).

O leitor nem precisava destes comentários feitos tão sinceramente por Lutero
para calcular, por si mesmo, os efeitos daquela teoria da salvação só pela fé: se
os pregadores, apresentando o Cristianismo como realmente é, um admirável
código de moral, e mostrando Deus a impor aos homens a sua lei e querendo que
eles se santifiquem (esta é a vontade de Deus: a vossa santificação — 1ª
Tessalonicenses IV-3) não podem com isto impedir que haja muitos crimes,
escândalos e pecados, muita libertinagem nesta massa humana, tão inclinada
para o mal e para a perdição — que não será agora a pregação desta nova
doutrina, e isto em nome de Cristo, em nome do Evangelho: que não há mais
necessidade de observar os mandamentos, mas só a de confiar em Cristo para
conseguir o Céu, porque Cristo já conseguiu o Céu para todos nós?

A máscara.

54. Os protestantes tiveram, portanto, que rejeitar o erro de Lutero. Toda a teoria
luterana se baseia no princípio de que o homem não é livre. Mas os protestantes
hoje, na sua quase totalidade, admitem a liberdade humana. Cai assim por terra
todo o sistema do Patriarca da Reforma, porque, se o homem é livre, ninguém o
dispensa de servir a Deus em seus pensamentos, palavras e obras para conseguir
o Céu. E adeus, salvação só pela fé!

Mas os protestantes, embora não admitindo mais a salvação só pela fé, passaram
a fingir que a admitiam. Mudaram completamente a doutrina, mas continuam a
por na fachada o mesmo letreiro de outrora. Por que motivo?

Porque confessar abertamente agora que as obras do indivíduo influem na


salvação seria confessar claramente o fracasso doutrinário da Reforma e seria
renunciar à vantagem que a apresentação da doutrina da salvação só pela fé
trazia e traz, para eles, ou seja, o efeito da propaganda.

Realmente apresentar ao povo frases da Bíblia como estas:

Crê no Senhor Jesus e serás salvo (Atos XVI-31);

O que crer e for batizado será salvo; o que, porém, não crer será condenado
(Marcos XVI-16);

O que crê no Filho tem a vida eterna (João III-36);

sem apresentar-lhe também outras passagens que “as completam, servindo-lhes


de contrapeso”, para nos utilizarmos da expressão de Vinet, autor protestante,
de contrapeso”, para nos utilizarmos da expressão de Vinet, autor protestante,
que daqui a pouco citaremos;

e acrescentar a isto a teoria do livre exame — cada um interpreta a Bíblia como


bem entende, pois este é o nosso direto — é usar a mais perigosa das armas
contra a Igreja Católica.

Se basta crer em Cristo para me salvar, e a Bíblia que eu tenho em casa posso
interpretá-la como me convier, então não preciso da Igreja Católica, nem dos
seus sacramentos, nem da sua doutrina, para coisa alguma.

Arma perigosíssima que, como todas as armas deste gênero, pode voltar-se
contra aqueles mesmos que a manejam, ou seja, no caso, os protestantes, os
quais costumam organizar-se em igrejas visíveis, com seus templos, reuniões,
associações etc. Há algumas seitas protestantes até que arrecadam nada menos
que 20% dos rendimentos de seus adeptos. Mas o protestante também pode
pensar assim: Se basta crer em Cristo para salvar-me, que necessidade tenho eu
de frequentar esta seita ou pertencer a ela? Se Cristo prometeu graças especiais
quando se acham 2 ou 3 pessoas em seu nome (Mateus XVIII-20), 2 ou 3
pessoas é fácil reuni-las aqui mesmo dentro de casa. E que necessidade tenho eu
de ouvir a pregação do pastor que, pelo livre exame, vai expor suas opiniões
pessoais sobre a Bíblia, se a Bíblia a tenho eu em casa, e também sei interpretá-
la, talvez até melhor que ele?

Tais princípios logicamente levariam a uma Igreja invisível; e entretanto os


protestantes se organizam em igrejas visíveis, porque sabem muito bem que foi
uma Igreja Visível que Jesus instituiu.

Esta arma perigosa contra a Igreja Católica, podiam usá-la Lutero e Calvino e os
Primeiros Reformadores, mas a que preço? Negando a liberdade humana, base
de toda a Religião, pregando o arbítrio escravo, teoria evidentemente antibíblica
e que acarreta as piores consequências, como já vimos.

O protestante de hoje, que admite o livre arbítrio, já não pode usá-la por uma
razão muito simples: ele não crê mais na salvação só pela fé; ao contrário
reconhece que as obras do indivíduo influem na salvação. Não se espante o
leitor.

É muito fácil prová-lo.


Chame o leitor qualquer protestante que encontrar por aí e pergunte-lhe:

— Um homem crê em Cristo, mas já cometeu muitos pecados graves; que lhe é
necessário para salvar-se? Basta a fé?

O protestante responderá:

— Não. É necessário também o arrependimento dos pecados.

(Ele responderá sempre assim e só assim é que pode responder, porque dispensar
do arrependimento os pecadores seria abrir a porta para todos os crimes e todas
as misérias).

— Já se vê, meu caro amigo protestante, que Você não admite a salvação só pela
fé. Admiti-a, sim, o chefe Lutero, o qual não exigia arrependimento para o
homem salvar-se; era só a fé e nada mais.

Das duas, uma:

Ou aquelas palavras da Bíblia não têm a significação que Você quer emprestar-
lhes, ou então Você já não acredita mais nas palavras da Bíblia, que prega com
tanto ardor.

Porque a Bíblia não diz: Crê no Senhor Jesus e arrepende-te dos teus pecados e
serás salvo; mas diz: Crê no Senhor Jesus e serás salvo (Atos XVI-31).

Porque não Bíblia diz: O que crer e for batizado e se arrepender de seus pecados
será salvo — mas — o que crer e for batizado será salvo (Marcos XVI-16).

A Bíblia não diz: O que crê no Filho e se arrepender de seus pecados tem a vida
eterna — mas — O que crê no Filho tem a vida eterna (João III-36).

Em parte nenhuma do mundo fé e arrependimento, crer e arrepender-se são


sinônimos.

Além disto, caro amigo protestante, Você dizendo que o arrependimento é


necessário para o homem salvar-se, está reconhecendo que as nossas obras
influem na salvação. E no entanto vive a pregar que elas não influem na salvação
nem direta nem indiretamente.
Que é o arrependimento? É o pesar por haver praticado más obras. Supõe, para
ser verdadeiro, o firme propósito de daqui por diante não praticá-las mais.

Se, por exemplo, um homem vive em união ilícita com uma mulher, se está
metido em transações proibidas que dão prejuízo ao próximo, se tem o ódio no
seu coração, não basta que ele na igreja ou nas suas orações se mostre
compungido. Porque a Deus ninguém engana. É preciso que abandone aquela
união pecaminosa, aquelas transações ilegais, aquele ódio que domina o seu
coração. São, portanto, as suas obras, o seu modo de agir, a sua maneira de
proceder daqui por diante que vão demonstrar a sinceridade do seu
arrependimento. Por que é que Lutero tanto se zangava quando se falava em
arrependimento? Era porque arrependimento inclui emenda, uma correção, uma
alteração em nossas obras, em nossa maneira de proceder; o que já não vem a ser
salvação só pela fé.

Você diz que para a salvação é necessário o arrependimento dos pecados. E diz
muito bem. Mas em que consiste o pecado? Em não obedecer ao que Deus nos
preceituou na sua lei. Só posso arrepender-me de não ter feito uma coisa, quando
reconheço que tinha obrigação de fazê-la. Como posso arrepender-me de não ter
sido casto, se não reconheço a obrigação da castidade? Como posso arrepender-
me de ter feito um roubo, se não reconheço a obrigação de respeitar a
propriedade alheia? Como posso arrepender-me de uma grosseria para com meus
pais, se não reconheço a obrigação de honrá-los? Afirmando, portanto, a
necessidade do arrependimento dos pecados para a salvação, Você está
reconhecendo consequentemente que é necessária para a salvação a observância
dos mandamentos. Logo, não é só a fé.

E não venha dizer-me que o homem que crê em Cristo se torna impecável, já não
comete pecados, porque posso dizer-lhe seguramente que é mentira. Primeiro
que tudo, temos o exemplo na própria Bíblia. S. Pedro cria em Cristo, fez as
mais belas profissões de fé, e isto não o impediu de cair em pecado. E a
experiência de cada dia nos mostra que não é o fato de crerem os homens em
Jesus Cristo que os torna incapazes de cometer pecados, pois a fé não tira o livre
arbítrio de cada um.

Como vê o leitor, o protestante de nossos dias, embora não admita a teoria da


salvação só pela fé, usa de textos da Bíblia fingindo admiti-la: “Não estão vendo
os Srs.? A Bíblia afirma que basta crer em Cristo para salvar-se; logo, as nossas
obras não influem na salvação.”
obras não influem na salvação.”

É a máscara que usam, fazendo-se mais feios do que realmente são. “Os
protestantes pessoalmente valem mais do que a sua doutrina” — tem sido
reconhecido isto por vários escritores católicos. Se usam máscara, é para fazer a
sua propaganda contra a Igreja. A sua atitude admitindo agora o livre arbítrio
põe por terra a teoria de Lutero, a qual se baseava no princípio do arbítrio
escravo: o homem é um jumento etc. Se o homem não é um jumento, mas um ser
livre, precisa arrepender-se de seus malfeitos para salvar-se. Arrepender-se não é
só sentir uma dor passageira, é mudar de vida. E mudando de vida, está
contribuindo com suas obras para a salvação.

A manha protestante.

55. E assim o leitor já vai começando a tomar contacto com este fenômeno
tantas vezes comprovado: A MANHA PROTESTANTE.

Cristo nos veio ensinar a doutrina da salvação. Teve, portanto que falar muitas
vezes sobre isto, ou melhor, sempre que falava era sobre este assunto. Mas não
era necessário que cada vez que falasse sobre a salvação, repetisse
enfadonhamente todas as coisas que são necessárias para o homem salvar-se.
Uma noite em conversa com Nicodemos fala na necessidade do Batismo (João
III-5). Em outras ocasiões mostra que o caminho do Céu é a observância dos
mandamentos (Mateus XIX-17; Lucas X-25 a 28). Salienta ser imprescindível,
para a salvação, a caridade para com o próximo (Mateus VI-15 XXV-31 a 46).
Se a salvação não é possível sem a remissão dos pecados, Ele mostra por mãos
de quem nos chega esta remissão (João XX-23). Fala-nos da necessidade de
recebê-Lo eucaristicamente para manter em nós a vida de graça e conseguir a
vida eterna (João VI-54). Mostra-nos que o dia do juízo virá retribuir a cada um
segundo as suas obras (Mateus XVI-27). Além disto, há um texto bem claro da
Bíblia que nos diz abertamente que a fé sem as obras não pode salvar (Tiago II-
14).

Por isto, antes de Lutero, já fazia 15 séculos que a Bíblia vinha passando em
muitas e muitas mãos; homens santos e sábios tinham-se debruçado sobre ela por
toda a vida e feito luminosas interpretações, mas nenhum deles se havia
lembrado de ver nas frases — Quem crê em Jesus se salva, quem não crê se
condena; Crê em Cristo e serás salvo; o que crê no Filho tem a vida eterna — a
doutrina de que a fé, somente ela, sem as outras condições preceituadas por
doutrina de que a fé, somente ela, sem as outras condições preceituadas por
Cristo era capaz de salvar o homem. Estes textos estavam todos misturados na
Bíblia e cada um sabia que cada trecho da Escritura merece toda a nossa
consideração, e não um mais do que outro, porque todos são palavra de Deus.
Além disto, a Igreja sempre teve como norma rejeitar qualquer doutrina, quando
esta doutrina logicamente leva à imoralidade e à corrupção dos costumes.
Porque, é claro, o Deus que nos ensina a verdade é o mesmo Deus que nos
manda praticar as virtudes.

Chega, porém, Lutero e, na ânsia de resolver os problemas do seu espírito


atribulado, não recua diante da doutrina ímpia e escandalosa: a fé, só ela é quem
salva. Pouco lhe importam os outros textos bem claros, bem evidentes em que se
mostra que outras coisas também são necessárias para a salvação. Refuga-os,
despreza-os, torce-os, e chega até ao cúmulo de se declarar abertamente contra a
própria Bíblia:

“Se os nossos adversários fazem valer a Sagrada Escritura contra Jesus Cristo,
nós fazemos valer Jesus Cristo contra a Escritura. Do meu lado, tenho o Senhor;
eles têm os servos; nós, a cabeça; eles os pés e os membros, que se devem
sujeitar e obedecer à cabeça. Se é mister sacrificar-se a lei ou Jesus Cristo,
sacrifique-se a lei, não Jesus Cristo” (Ópera latina I-387-a).

“Tu fazes grande caso da Escritura que é serva de Jesus Cristo; eu, pelo
contrário, dela não me importo. À serva liga a importância que quiseres, eu
quero valer-me de Jesus Cristo, que é o verdadeiro senhor e soberano da
Escritura e que mereceu e conquistou, com a sua morte e ressurreição, a minha
justiça e a minha salvação eterna” (Walch VIII-2140 segs.).

Admite assim Lutero que há contradição entre Jesus Cristo Salvador e as


Escrituras, o que equivale a dizer, entre a Escritura e ela própria, pois o que
sabemos de Jesus Cristo é pela Escritura. Interpretar a Escritura desta maneira,
vendo nela contradições, decidindo-se por uns textos rejeitando outros, isso não
é interpretar, é mostrar claramente que não se encontrou ainda a verdade e se
quer apenas lançar a confusão nos espíritos.

A causa de tanta desordem, de tantas seitas no Protestantismo é precisamente


esta. Cada qual se aferra a uns textos e despreza outros, procurando tirar da
Escritura o que bem entende. Quem vai explicá-lo bem direitinho é o próprio
pastor protestante, Alexandre Vinet, que pode falar de cadeira, pois saberá
pastor protestante, Alexandre Vinet, que pode falar de cadeira, pois saberá
descrever mais perfeitamente do que nós, o que se passa nos arraiais
protestantes:

“A palavra de Deus, não há dúvida, só pode ter um sentido em si mesma; mas


terá mil sentidos no espírito do leitor... Não se procura com efeito na Bíblia toda
a verdade, mas a verdade que agrade e deleite. Cada qual se lança sobre sua
presa; rica e esplêndida presa, porque mesmo as verdades parciais têm na Bíblia
uma beleza que as transformaria em belos erros, e a autoridade do livro lhes dá
uma consagração majestosa. Insiste-se no sentido da verdade que se procurou;
excluem-se ou desprezam-se aquelas que a completam, servindo-lhe de
contrapeso; não se vê na Bíblia senão o que se quer; de sorte que de fato cada
um tem a sua Bíblia, sustenta em seu nome e tira de seu texto os erros mais
antibíblicos, e assim os caracteres, as inclinações, os homens que diferem mais
profundamente entre si, se valem todos da Bíblia e o mesmo estandarte flutua
para exércitos rivais” (L’Eglise et les confessions de foi. Pág. 29).

Vê-se aí, pelas palavras do próprio autor protestante, como se pode abusar
facilmente do Livro Sagrado. Assim o fez Lutero, apegando-se exclusivamente
àqueles textos em que se mostra a fé como necessária à salvação. Os protestantes
de hoje reconhecem que Lutero errou, pois não admitem mais aquela teoria
absurda, escandalosa e subversiva que foi pregada pelo iniciador da Reforma, ou
seja, a salvação pela fé e SEM O ARREPENDIMENTO.

Mas continuam a apegar-se aferradamente aos mesmos textos e, o que é mais


grave ainda, em matéria de falsa interpretação, arranjando-os, alterando-os ao
seu modo.

Quem crê em Jesus (e se arrepende de seus pecados) se salva — crê em Jesus (e


arrepende-te dos teus pecados) e serás salvo — o que crê no Filho (e se
arrepende dos pecados) tem a vida eterna.

Não, caros amigos! Já que Vocês se aferram tão obstinadamente a estes textos e
não se dão nem ao trabalho de conferi-los com os outros da mesma Bíblia, numa
busca sincera da verdade, como era sua obrigação, pelo menos deveriam ter a
lealdade de não mexer neles, de não alterá-los.

— Mas, dirão estes protestantes, nós não estamos alterando; estamos apenas
subentendendo uma palavra no texto de Cristo.
subentendendo uma palavra no texto de Cristo.

— Muito bem! Se subentendem juntamente com a palavra CRER, que está no


texto, a palavra ARREPENDER-SE, que nele não se encontra, por que não
subentender também todas as outras contradições que, segundo as palavras
claras de Cristo, são igualmente indispensáveis para a salvação? Os textos falam
da fé em Cristo, não é verdade? E fé em Cristo não é acreditar em todas as
palavras que Ele disse?

E que arranjos são estes com os textos da Escritura? Como é que os textos que
serviam ao Protestantismo no tempo de Lutero, de Calvino e dos Primeiros
Reformadores, para provar que só a fé é quem salva, sem o arrependimento ser
necessário, estes mesmos textos servem agora ao mesmo Protestantismo para
provar que para a salvação é necessária a fé e é necessário também o
arrependimento, se estes textos não falam em arrependimento [8]?

Notas (pular)

[8] Temos visto protestantes que, tentando acobertar a incoerência do seu sistema, querem agora valer-se de
uma fórmula inteiramente imaginária: “A fé e o arrependimento sempre andam juntos; são duas graças
gêmeas. Quem crê, se arrepende; quem se arrepende, crê”.

Mas isto não é verdade, ou se tome a fé no sentido protestante ou no sentido católico. Que é a fé, segundo o
conceito dos protestantes? É a confiança de ser salvo por Jesus. Pode haver esta confiança de salvar-se, sem
haver a contrição. Será uma confiança AINDA MAIOR, a de que Jesus nos salve sem exigir de nós o
arrependimento, mas uma confiança que excede os seus justos limites. Aqueles que chegarão, no dia de
juízo, CERTOS DE SEREM SALVOS POR JESUS, mas a quem o Divino Mestre dirá: Apartai-vos de mim os que
obrais a iniquidade (Mateus VII-23), por que serão condenados eternamente, senão porque lhes faltou o
arrependimento de seus pecados? Bem como, pode haver o arrependimento sem haver esta confiança, como
se viu no caso de Judas que tocado de ARREPENDIMENTO, tornou a levar as trintas moedas de prata aos
príncipes dos sacerdotes e aos anciãos (Mateus XXVII-3) e no entanto levado pelo desespero, destituído de
qualquer confiança de salvar-se, retirou-se e foi-se pendurar de um laço (Mateus XXVII-5).

Se se toma a fé no sentido católico, o de ACREDITAR nas verdades reveladas, também é evidente que esta fé
pode existir sem o arrependimento, como é o caso daqueles que creem nas verdades da fé sem ter coragem
de deixar o pecado; e o arrependimento pode existir sem a fé, é o que se observa naqueles que detestam de
coração seus próprios crimes e desatinos e têm firme propósito de emenda, mas ainda não se abalançaram a
acreditar em todos os dogmas ensinados por Cristo. (voltar)

A fé que salva.

56. O que se mostra em tudo isto é que os protestantes não entendem ou fingem
não entender o que Cristo disse, quando afirmou que aquele que nEle crê se
salva, aquele que não crê se condena. Cristo aí fala da fé. Mas a fé de que aí se
faz menção não é um mero sentimento que nasce no nosso íntimo e aí termina.
Não. Trata-se de um sentimento que é ao mesmo tempo um princípio de
atividade, uma fonte de virtudes e de boas obras. Pela fé é que Abraão ofereceu
a Isaque quando foi provado (Hebreus XI-17). Pela fé é que Raab, que era uma
prostituta, não pereceu com os incrédulos, recebendo aos espias em paz
(Hebreus XI-31). Pela fé conquistaram reinos, obraram ações de justiça,
alcançaram as promessas (Hebreus XI-33).

Quando o católico procura, com a graça de Deus, vencer as suas tentações,


observar os mandamentos, convencido de que isto é indispensável para a
salvação, está fazendo um ATO DE FÉ em Jesus Cristo Legislador que lhe mandou
cumprir com os mandamentos; em Jesus Cristo, Justo Juiz que um dia o há de
julgar segundo as suas obras. Quando o católico se ajoelha aos pés do seu
confessor, faz um ato de fé não naquele homem que ali está, mas um ATO DE FÉ
em Jesus Cristo que deu a homens por Ele escolhidos e enviados, o poder de
perdoar os pecados: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (João XX-23).
Quando o católico purifica a sua consciência e se aproxima da Sagrada
Comunhão é que em vez de fazer como os judeus e os protestantes que dizem:
Duro é este discurso e quem no pode ouvir? (João VI-61), faz um ATO DE FÉ nas
palavras de Cristo que disse: Minha carne VERDADEIRAMENTE é comida; e o meu
sangue VERDADEIRAMENTE é bebida (João VI-56). Quando o católico se mostra
submisso à Igreja, faz um ATO DE FÉ em Cristo que edificou a sua Igreja sobre a
pedra que era Pedro e prometeu que as portas do inferno não prevalecerão
contra ela (Mateus XVI-18). Sim; é a fé que o salva. Não, essa fé ilusória pela
qual, alguém pensando ter-se salvado, já por isto está salvo. Não a fé
desacompanhada das obras que demonstram a submissão à lei e aos preceitos de
Cristo. Mas a fé inspiradora das virtudes e das boas obras; a fé que domine toda
a sua vida, toda a sua atividade de cristão, pois o meu justo vive da fé (Hebreus
X-38).
Capítulo Quarto
O verdadeiro sentido da salvação pela fé

Introdução
Textos bíblicos sobre a salvação pela fé.

57. Agora que já fizemos uma ligeira exposição da doutrina católica no capítulo
segundo e mostramos, no capítulo terceiro, como nasceu a teoria da salvação só
pela fé, passamos a mostrar diretamente como é falsa esta teoria, expondo a
verdadeira interpretação dos textos em que os protestantes pretendem apoiá-la.

Vamos aos textos.

O Evangelho de S. Marcos nos mostra Jesus mandando os Apóstolos a pregar o


Evangelho por todo o mundo: Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda
a criatura (Marcos XVI-15) e acrescentando logo em seguida: O que CRER e for
batizado SERÁ SALVO; o que, porém, não crer será condenado (Marcos XVI-16).

Mas onde se encontram muitos textos sobre a salvação pela fé é no Evangelho de


S. João, que nos mostra Jesus dizendo: Assim amou Deus ao mundo, que lhe deu
a Seu Filho Unigênito, para que TODO O QUE CRÊ NELE não pereça, mas TENHA A
VIDA ETERNA; porque Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o
mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem nEle CRÊ NÃO É
CONDENADO, mas o que não crê já está condenado, porque não crê no nome do
Filho Unigênito de Deus (João III-16 a 18). Mais adiante, no fim do mesmo
capítulo 3º: O que CRÊ no Filho TEM A VIDA ETERNA; o que, porém, não crê no Filho
não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus (João III-36).

Na capítulo 5º: Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha
palavra e CRÊ nAquele que me enviou, TEM a VIDA ETERNA e não incorre na
condenação, mas passou da morte para a vida (João V-24).

No capítulo 6º: A vontade de meu Pai que me enviou é esta: que todo o que vê o
Filho e CRÊ nEle, TENHA A VIDA ETERNA; e eu o ressuscitarei no último dia (João
VI-40). Uma palavra semelhante diz Jesus a Marta, pouco antes da ressurreição
de Lázaro: Eu sou a ressurreição e a vida; o que CRÊ em mim, ainda que esteja
morto, viverá; e todo o que vive e CRÊ em mim NÃO MORRERÁ ETERNAMENTE (João
XI-25 e 26). Ainda no capítulo 6º: O que CRÊ em mim TEM A VIDA ETERNA (João VI-
47).

Nos Atos dos Apóstolos se lê que, enquanto Paulo e Silas estavam na prisão, o
carcereiro, tendo visto os fenômenos extraordinários que se deram à meia-noite
quando ambos se entregavam à oração, lhes perguntou: Senhores, que é
necessário que eu faça para me salvar? (Atos XVI-30). A resposta foi esta: CRÊ
no Senhor Jesus, e SERÁS SALVO tu e a tua família (Atos XVI-31).

No primeiro capítulo da Epístola aos Romanos se leem estas palavras de


S. Paulo: Eu não me envergonho do Evangelho, porquanto a virtude de Deus é
para dar a SALVAÇÃO a TODO o que CRÊ (Romanos I-16). E na mesma Epístola se lê
mais adiante, com referência a Jesus: Todo o que CRÊ NELE NÃO SERÁ CONFUNDIDO
(Romanos X-11). Frase esta que se lê também na 1ª Epístola de S. Pedro, em que
se fala sobre Jesus, que é a pedra angular da Igreja: Eis aí ponho eu em Sião a
principal pedra do angulo, escolhida, preciosa; e o que CRER nela NÃO SERÁ
CONFUNDIDO (1ª Pedro II-6).

Há ainda outros textos (todos de S. Paulo) alegados também pelos protestantes


em favor de sua teoria; nós os examinaremos, um por um, nos três capítulos
seguintes, porque todos eles só podem ser estudados no seu respectivo contexto
[9].

Quanto aos textos deste capítulo, o leitor está vendo logo que são muitos, mas
exprimem exatamente a mesma coisa:

Quem crê em Cristo se salva; quem não crê se condena.


Crê em Jesus e serás salvo.
Quem nEle crê não perece, mas tem a vida eterna.
Quem nEle crê não é confundido.

Notas (pular)

[9] O texto de S. João: A obra de Deus é esta, que creiais nAquele que Ele enviou (João VI-29) será
comentado especialmente no nº 301, quando falarmos sobre a Eucaristia; aí faremos um demorado estudo
sobre o capítulo VIº de S. João (nos 298 a 317). (voltar)
Doutrina protestante e doutrina católica.

58. Nos textos acima apresentados se baseiam os protestantes para tentar provar
a salvação SÓ PELA FÉ. Mas caem logo em manifesta contradição, pois enquanto
procuram firmar-se nestes textos para dizer que a fé é que salva e nada mais, ao
mesmo tempo asseveram que para a salvação é indispensável o ARREPENDIMENTO.
E no entanto já mostramos no capítulo anterior que salvação pelo
arrependimento é salvação pelas obras.

Os que não querem cair nesta contradição e afirmam que para o perdão dos
pecados o arrependimento não é necessário, ensinam uma doutrina ímpia, imoral
e escandalosa, tal qual ensinou Lutero.

Isto, porém, não é obstáculo para que uns e outros se aferrem aos citados textos,
desprezando os demais: continuam a pregar com eles a salvação só pela fé,
afirmando que a salvação não depende das obras do indivíduo, nem direta, nem
indiretamente, porque é dada inteiramente de graça para aquele que crê. Daí
afirmarem abertamente que já estão salvos, porque estão convencidos de que
creem em Jesus Cristo. Se creem ou não, isto veremos mais adiante (nº 364).
Quanto às boas obras, já não falam como Lutero que dizia serem elas inúteis ou
mesmo nocivas à salvação. Dizem os protestantes de hoje que as boas obras são
um meio de exercitar a fé, são um fruto ou consequência da salvação: o
indivíduo que já está salvo pela fé pratica boas obras, mas as boas obras não são
CAUSA da salvação.

A distinção é sutil, capciosa e, sobretudo, confusa para se ensinar ao povo, que


precisa saber de uma maneira límpida e clara o que deve fazer e o que não deve
fazer para ganhar o Céu. Mas o Protestantismo não está ligando muita
importância a isto: discordar da Igreja Católica é todo o seu gosto e prazer.

A fórmula protestante encerra uma linguagem duvidosa e geradora de confusões:


“As boas obras são uma consequência da fé: aquele que já está salvo pela fé,
pratica boas obras”.

Mas consequência, de que modo? Consequência livre, no sentido de que aquele


que tem fé praticará as boas obras que bem entender? Isto não se admite. Se
Deus nos impôs 10 mandamentos, não está em nosso poder fazer uma escolha
entre eles, não nos é lícito nem ao menos escolher nove mandamentos e rejeitar
um só; quem peca contra um só mandamento que seja, peca contra toda a lei,
pois se rebela contra Deus, Senhor Supremo, que é o Autor de toda a lei:
Qualquer que tiver guardado toda a lei e faltar em um só ponto, fez-se réu de ter
violado todos (Tiago II-10).

Consequência necessária, no sentido de que aquele que tem fé, já não peca mais
e só pratica boas obras? Ninguém é tolo para acreditar nisto. A experiência de
cada dia nos demonstra que não existe sobre a face da terra nenhum homem
impecável: Todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2). Aquele, pois,
que crê estar em pé veja não caia (1ª Coríntios X-12).

Consequência necessária, no sentido de que qualquer ação, seja boa, seja má,
praticada por aquele que tem fé se torna uma obra boa? Mas isto seria o maior
dos absurdos. Como é que Deus vai considerar obras boas o roubo, a injustiça, o
adultério, o falso testemunho pela simples fato de serem praticados por um
homem que tem fé? Muito pelo contrário: se estes pecados já são graves para o
pagão que não conhece a Cristo, mais graves ainda se tornam para o cristão,
esclarecido pelas luzes da fé.

Consequência necessária, no sentido de que aquele que tem fé se sente


forçosamente na obrigação de observar os mandamentos e praticar boas obras?
Mas isto é a pura doutrina católica; neste caso os mandamentos são tão
obrigatórios como a própria fé. Sua observância é indispensável para a conquista
do Céu. Não se trata mais, portanto, de salvação pela fé sem as obras.

Nós, católicos, afirmamos que para o homem salvar-se, para ganhar o Céu, não
só é necessária a fé em Cristo; é necessária também a observância dos
mandamentos, pelo amor de Deus e do próximo, indispensável para a salvação.
Não é a fé sem as obras que salva; é a fé acompanhada das obras, a fé
CONSUMADA PELAS OBRAS (Tiago II-22), como se expressou S. Tiago.

Se se exige o arrependimento dos pecados para o pecador receber o perdão, isto


é porque ele, desviando-se da obrigação dos mandamentos, se afastou do
caminho do Céu. Dizendo, porém, que a fé salva com as obras, não afirmamos
que o homem realiza estas obras, sozinho, por suas próprias forças naturais;
realiza-as, sim, ajudado com a graça de Deus, a qual Deus dá a todos; ao que faz
o que está ao seu alcance, Deus não nega a sua graça, porém a graça é
necessária, não só para a fé, mas para a observância dos mandamentos, como
também para fazer qualquer ato bom meritório para a vida eterna (nos 24 a 26).
Em suma, existe na obra da salvação a parte de Deus e a nossa. A nossa parte
não consiste só na fé, mas também nas obras, na observância dos mandamentos,
embora que para isto precisamos que Deus nos ajude. Se cooperamos com a sua
graça, pela fé e pela observância dos mandamentos de Jesus, e morremos em
estado de graça santificante, seremos salvos. Se com ela não cooperamos e
morremos em estado de pecado mortal, seremos condenados. A salvação é,
portanto, efeito da graça e das nossas obras, da nossa cooperação, ao mesmo
tempo.

Método para a interpretação dos textos.

59. Temos agora que nos entregar, de corpo e alma, à interpretação dos textos
acima alegados, que se podem resumir no seguinte:

Crê em Jesus e serás salvo, pois quem não crê em Jesus será condenado.

O que é SALVAR-SE não precisa de explicação.

Salvar-se é livrar-se do inferno, da condenação eterna; é morrer com o direito de


ir para o Céu, de participar da vida eterna, vendo a Deus, não por espelho ou em
enigmas, porém face a face, como dizem as Escrituras; direito do qual se vai
gozar ou imediatamente ou após a temporária purificação no purgatório.

Para bem penetrarmos no sentido dos textos apresentados, temos, sim, que fazer
uma ideia bem clara do que seja CRER.

E assim veremos:

1º O que é CRER
2º O que devemos CRER
3º Como devemos CRER

Expondo estas 3 partes, não nos valeremos de ideias, nem interpretações nossas,
a Bíblia será sempre a nossa mestra e a nossa guia.
O que é CRER
A concepção de Lutero.

60. Quem não sabe o que é crer? Quem não entende o que quer dizer crer em
Cristo? É aceitar como verdadeiro, abraçar e professar tudo o que Cristo
ensinou; qualquer criança sabe disto. Que necessidade há de fazermos uma longa
dissertação sobre este assunto?

Sim; não haveria necessidade, se Lutero e os protestantes não houvessem


confusamente adulterado esta noção. Lutero, como sabemos, quis ir buscar nas
Escrituras a certeza absoluta de que estava salvo folgadamente, sem ter que
continuar naquela luta tremenda contra as tentações. Gostou muito daqueles
textos em que se diz que quem crê em Cristo se salva. Mas, se fosse tomar a
palavra CRER no sentido de convencer-se de todas as palavras de Jesus, isto iria
dar novamente num ponto que ele não queria, porque Cristo se mostrou não só
um Salvador, mas também um Legislador. Daí a alteração que faz no sentido da
palavra CRER: Crer em Cristo é crer que eu estou salvo, certamente salvo, e salvo
por Cristo; é, portanto, confiar em Cristo, como em meu Salvador.

Todo o mundo percebe logo a adulteração que se está fazendo aí da noção de FÉ.

Que Cristo é meu Salvador é de fé, está na Bíblia. Mas a mesma Bíblia nos
mostra que uns se salvam, outros se condenam, o que não impede que Cristo seja
o Salvador de TODOS, é sinal apenas de que muitos não se sabem aproveitar da
salvação que a todos é oferecida por Cristo. E irão estes para o suplício eterno, e
os justos para a vida eterna (Mateus XXV-46). Que uns se salvam, outros se
condenam é de fé; que eu, Martinho Lutero; que eu, Lúcio Navarro; que eu,
Fulano de tal, me salvo com toda certeza, isto não é objeto de FÉ, porque não foi
revelado. Não é o fato de sugestionar-me a mim mesmo de que estou salvo que
me dá a salvação, pois o que a Bíblia nos diz é que Cristo é o autor da salvação
eterna para TODOS OS QUE LHE OBEDECEM (Hebreus V-9). Posso ter esperança
firme de salvar-me. Mas aí já se trata de outra virtude diferente: a virtude da
esperança. E é a própria Bíblia quem no-las apresenta como virtudes diversas:
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas TRÊS virtudes;
porém a maior delas é a caridade (1ª Coríntios XIII-13). Sejamos sóbrios,
estando vestidos da couraça da FÉ e da CARIDADE e tendo por elmo A ESPERANÇA DA
SALVAÇÃO (1ª Tessalonicenses V-8). Sois fiéis em Deus, o qual O ressuscitou dos
mortos e Lhe deu glória, para que a vossa FÉ e a vossa ESPERANÇA fosse em Deus,
fazendo puras as vossas almas na obediência da CARIDADE (1ª Pedro 1-21 e 22).

Um texto da epístola aos hebreus.

61. Os argumentos que apresentam os protestantes, para confundir uma virtude


com outra, são muito fracos diante de tantos textos da Bíblia que vamos daqui a
pouco apresentar para mostrar o legítimo sentido da palavra CRER. Apelam para o
texto de S. Paulo: É pois, a fé, a substância das coisas que se devem ESPERAR, um
argumento das coisas que não aparecem (Hebreus XI-1). É claro que há uma
relação íntima entre a esperança e a fé, pois a fé apresenta matéria, objeto, quase
diríamos assunto para a esperança. Se espero o Céu, é porque a fé me dá certeza
de que este Céu existe; é por isto que S. Paulo diz que a fé é a substância das
coisas que se devem esperar, não se esquecendo logo de acrescentar: um
argumento, uma demonstração, uma prova daquelas coisas que não aparecem,
que não se veem. E se ele diz um argumento, uma demonstração (que é este o
sentido da palavra ÉLENCHOS, aí empregada no texto grego: ÉLENCHOS, isto é, o ato
de argumentar, de convencer, de persuadir, de demonstrar), é porque a fé não é
um mero sentimento; é, sobretudo, um ato da inteligência que se convence da
verdade. E neste mesmo trecho, cinco versículos mais adiante, diz S. Paulo: Sem
fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que o que se chega a
Deus creia que há Deus e que é remunerador dos que o buscam (Hebreus XI-6).
Aí S. Paulo nos diz que para agradar a Deus precisamos ter fé; depois mostra em
que consiste esta fé INDISPENSÁVEL PARA AGRADAR A DEUS; não se trata da
esperança ou da certeza de que seremos salvos; trata-se de, pelo menos, DAR
CRÉDITO a 2 coisas (uma vez que nem todos chegam a ter conhecimento da
doutrina do Evangelho), de dar o nosso assentimento a duas verdades: 1º Deus
existe; 2º Deus é justo e recompensa aqueles que O buscam.

Outro engano.

62. Apresentam também outro argumento que nada prova. A algumas pessoas
que alcançaram curas corporais, Nosso Senhor lhes fez ver que foi por causa de
sua fé que conseguiram aqueles milagres. Assim disse à mulher que padecia do
fluxo de sangue: Filha, a tua fé te salvou: vai-te em paz e fica curada do teu mal
(Marcos V-34). A mesma frase: A tua fé te salvou — Jesus disse ao cego de
Jericó (Lucas XVIII-42) e ao leproso que voltou para agradecer (Lucas XVII-
19). Ora, dizem os protestantes, aquelas pessoas vieram com toda a confiança de
que Jesus as curaria; Jesus chama a esta confiança, fé; logo, fé é confiança.

É fácil mostrar onde está o engano deste raciocínio. Aquela fé que traziam os
cegos, doentes, leprosos etc., quando vinham ter aos pés de Jesus, se compunha
de 2 elementos. Eles vinham, certos, convictos de 2 coisas:

1º Jesus queria curá-los;


2º Jesus podia curá-los.

Ora, a convicção de que Jesus QUERIA curá-los não causa nenhuma admiração.
Não admira que um homem, mesmo sendo mau e perverso, se prontificasse a
curar um cego, um leproso etc, se soubesse que bastaria uma palavra sua para
livrá-lo daquele triste estado. Querer curá-los, qualquer homem quereria; mas
poder curar aquilo que é por sua natureza incurável — aí é que está o difícil. A
convicção de que Jesus queria curá-los era confiança, mas uma confiança
natural, que facilmente se explica; a convicção de que Jesus PODIA, isto era a
convicção de uma verdade: que Jesus era Deus ou, pelo menos, um Enviado de
Deus, o Messias Prometido, porque estava a seu alcance fazer o que quisesse. É
sempre a aceitação de uma verdade.

A prova está aqui: Aos dois cegos que seguiam atrás dEle dizendo: Tem
misericórdia de nós, Filho de Davi, Jesus não pergunta: Tendes confiança de que
eu quero curar-vos? Sua pergunta é esta: Credes que vos POSSO fazer isto a vós
outros? (Mateus IX-28) e quando eles respondem Sim, Senhor, Jesus lhes diz:
Faça-se-vos, segundo a vossa FÉ (Mateus IX-29). E no capítulo anterior,
S. Mateus nos narra que, quando Jesus desceu do monte, muita gente o seguiu;
veio ao encontro dEle um leproso, e como é que esse leproso exprime a sua fé?
É com esta palavra: Se tu queres, Senhor, bem me PODES alimpar (Mateus VIII-
2). Parece não estar muito certo de que o Mestre quer, pois talvez ele não o
mereça; está, porém, certíssimo de que o Mestre pode.

O centurião vem pedir a Jesus a cura do criado e o Mestre lhe diz


imediatamente: Eu irei e o curarei (Mateus VIII-7). Até aqui nenhuma
admiração de Jesus pelo fato de ter vindo o centurião à sua presença. Mas,
quando o centurião Lhe faz ver que não é necessário que Jesus vá à casa dele,
pois PODE curar de longe mesmo: Senhor, eu não sou digno de que entres na
minha casa; porém manda-o só com a tua palavra e o meu criado será salvo
(Mateus VIII-8) diz o Evangelho o que aconteceu: Jesus, ouvindo-o assim falar,
admirou-se e disse para os que O seguiam: Em verdade vos afirmo que não
achei tamanha FÉ em Israel (Mateus VIII-10). A fé, portanto, dos que recorriam
a Jesus era sobretudo a convicção de que Jesus podia fazer o milagre e, se podia,
é porque era um Enviado de Deus, pois, como disse Nicodemos: Ninguém pode
fazer estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele (João III-2).

A cananeia.

63. Não faz exceção a esta regra a própria cananeia, que nos legou um tão
notável exemplo de confiança.

A semelhança do que no exame faz o mestre com o ótimo discípulo,


“espichando-o” bastante para que se saia com brilhantismo, Nosso Senhor
procurou pôr em prova as virtudes da cananeia.

Ela vem pedir-Lhe um milagre, mas Jesus não dá resposta. Insiste aos gritos
atrás dEle, a ponto de azucrinar os Apóstolos que, impacientes, dizem a Jesus:
Despede-a, porque vem gritando atrás de nós (Mateus XV-23).

Jesus diz: Eu não fui enviado senão às ovelhas que pereceram da casa de Israel
(Mateus XV-24). E quando a mulher O adora, dizendo: Senhor, valei-me, Jesus
lhe dá uma resposta um bocado dura: Não é bom tirar o pão dos filhos e lançá-lo
aos cães (Mateus XV-26). Mas a cananeia responde calmamente: Assim é,
Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa
de seus donos (Mateus XV-27). Sem falarmos no amor materno, que a faz, tão
solícita, tudo enfrentar pela cura da filha, quantas virtudes mostra a mulher com
esta réplica tão suave! Dá um exemplo de PRUDÊNCIA NAS PALAVRAS, porque
responde com respeito e, ao mesmo tempo, com lógica, fazendo reverter em seu
favor as próprias palavras de Jesus; de PACIÊNCIA, porque, se fosse uma mulher
afobada, se tomaria logo de raiva e deitaria tudo a perder; de HUMILDADE, porque
se conforma em ser equiparada a uma cadelazinha, em comparação com os
judeus que são considerados como filhos; de PERSEVERANÇA NA ORAÇÃO, porque
insiste em pedir, mesmo quando já recebeu uma resposta negativa. Por
conseguinte não foi só de confiança, que ela nos deu um admirável exemplo! Se
Jesus quisesse fazer o seu elogio completo, teria muita coisa que dizer. Preferiu
elogiar-lhe a fé: Ó mulher, grande é a tua fé; faça-se contigo como queres
(Mateus XV-28). De todas aquelas virtudes a base era fé, porque, se ela se
portou com tanta prudência, paciência, humildade e perseverança diante de
Jesus, é porque sabia que estava diante do Messias Prometido, a quem ela
chamou: Senhor, filho de Davi (Mateus XV-22), estando certa, portanto, da
missão divina de Jesus.

Não há dúvida que a fé vem sempre acompanhada de um certo sentimento de


confiança: quem ACREDITA, é porque TEM CONFIANÇA naquele que revela. E se nos
textos evangélicos que nos falam das curas por Jesus realizadas, se resume sob o
nome de fé um complexo sentimento daqueles que vinham em busca de
milagres, sentimento este que era adesão a Cristo, incluindo também a confiança
e até alguma coisa mais como no caso da cananeia e não só a fé, no sentido em
que a distinguimos das demais virtudes, não há aí nenhuma confirmação da
doutrina protestante, pois daí não se conclui de forma nenhuma que devamos ter
uma mera fé-confiança, sem cuidar de aderir seriamente com a inteligência às
verdades reveladas. Sem esta adesão da inteligência é que não pode haver fé de
maneira alguma. E se podemos ter confiança de nos salvarmos, é só nas bases e
sob as condições em que o plano da salvação nos é apresentado pela doutrina
infalível de Jesus Cristo no Novo Testamento.

O caso do paralítico.

64. Mas os protestantes apresentam as palavras de Jesus ditas ao paralítico:


Filho, tem confiança; perdoados te são teus pecados (Mateus IX-2), tentando
provar com elas que basta a confiança para obter o perdão dos pecados e, por
consequência, a salvação.

O argumento não prova coisa alguma.

Eis aí um belo exemplo para se mostrar, numa aula de português, quanto pode às
vezes influir no sentido de uma frase a partícula E, que tantas outras vezes a
gente pode colocar ou suprimir, sem alterar, de maneira alguma, o sentido.

Se eu digo: O sol, a lua, as estrelas foram criados por Deus, posso acrescentar o
E, sem sofrer alteração o sentido da frase: O sol E a lua E as estrelas foram
criados por Deus.
Mas, se Jesus Cristo tivesse dito: — Filho, tem confiança, E perdoados são teus
pecados — os protestantes teriam razão: Nosso Senhor estaria dizendo que
bastava ao paralítico ter confiança para receber o perdão de suas culpas. Nesse
caso os escribas não teriam estranhado a palavra do Mestre; não teriam pensado:
Este blasfema (Mateus IX-3), porque assim Jesus não estaria dizendo que
perdoara os pecados ao paralítico, mas aconselhando-o a que tivesse confiança,
pois Deus lhe perdoaria, caso esta confiança não lhe faltasse.

Mas Nosso Senhor disse: Filho, tem confiança; perdoados te são teus pecados
(Mateus IX-2). No mesmo segundo em que o aconselha a ter confiança, lhe está
já anunciando que PERDOOU os seus pecados.

Havia, entre os judeus, a convicção de que as enfermidades corporais eram


castigos de pecados. Relacionavam com esta crença as palavras dos Salmos: Se
seus filhos abandonarem a minha lei e não andarem nos meus preceitos, se
violarem as minhas justiças e não guardarem os meus mandamentos, visitarei
com vara as suas maldades e com açoites os seus pecados (Salmos LXXXVIII-
31 a 33). E uma amostra de que tinham esta convicção está na pergunta que
fizeram a Jesus os seus discípulos, diante do cego de nascença: Mestre, que
pecado fez este, ou fizeram seus pais, para nascer cego? (João IX-2).

Jesus, que lia perfeitamente nos corações, bem sabia que perturbação, que
ansiedade reinava na alma do paralítico: este desejava ardentemente a cura, mas
seus pecados não seriam um obstáculo para isto? Jesus o tranquiliza, fazendo-lhe
ver que não há motivo de receio quanto aos pecados, eles já foram absolvidos:
Filho, tem confiança; perdoados te são teus pecados (Mateus IX-2).

No ânimo triste e acabrunhado do paralítico, a palavra de Jesus deve produzir o


mais benéfico e salutar efeito: é preciso que ele esteja confiante de que alcançará
a cura do corpo, pois até a própria cura da alma já lhe foi concedida.

Querer basear-se neste texto para provar que a confiança na salvação é a


condição exclusiva para remissão dos pecados, é inteiramente fora de propósito:
1º porque a confiança, a que Jesus aí se refere, não é a confiança na salvação
eterna, é a confiança na libertação daquela cruel enfermidade; 2º porque esta
confiança aí já se mostra não como causa, mas como EFEITO da remissão dos
pecados concedida ao paralítico.

Noção legítima de fé.


Noção legítima de fé.

65. Desfeita a ilusão protestante, que pretende confundir a fé com a esperança,


vejamos o que significa a palavra CRER.

Quando dizemos a uma pessoa: Creio em Você, significamos com isto que
aceitamos como sendo verdadeiro o que esta pessoa nos está dizendo, disto
estamos convictos, embora nada tenhamos visto nem presenciado, porque
estamos certos de que a referida pessoa não é capaz de nos enganar.

Aqui, neste assunto de crença religiosa, crer é estar convicto das verdades
reveladas, não porque foi a nossa razão que nos disse que era assim, mas porque
Deus o disse, e Deus não nos engana, nem pode enganar-se: Se nós recebemos o
testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior (1ª João V-9).

Deus merece todo o nosso crédito, porque é a Suma Verdade; e aparecendo Jesus
Cristo, o Filho de Deus feito homem, Deus se encarregou de dar o testemunho
em favor de Jesus Cristo, mostrando que suas palavras eram palavras de Deus e
mereciam toda a nossa aceitação: Este é aquele meu filho especialmente amado;
OUVI-O (Lucas IX-35). Este é o meu Filho amado, no qual tenho posto toda a
minha complacência (Mateus III-17).

O testemunho de Deus a favor de Jesus não foi dado somente por palavras, mas
também pelos milagres, obras divinas, que por Jesus foram realizadas: As obras
que eu faço em nome de meu Pai, elas dão testemunho de mim (João X-25). Se
eu não faço as obras de meu Pai, não me creiais; porém se eu as faço, e quando
não queirais crer em mim, crede as minhas obras, para que conheçais e creiais
que o Pai está em mim, e eu no Pai (João X-37 e 38).

Tendo Jesus a seu favor o testemunho divino, crer em Jesus é o mesmo que crer
em Deus; duvidar de Jesus é duvidar de Deus: A minha doutrina não é minha;
mas é dAquele que me enviou (João VII-16). O que me enviou é verdadeiro; e eu
o que digo no mundo é o que dele aprendi (João VIII-26).

Se cremos na doutrina de Jesus, cremos também que Ele é Deus e igual ao Pai:
Eu e o Pai somos uma mesma coisa (João X-30).

Crer ou não crer.


66. Crer em Jesus é, portanto, aceitar como verdade tudo o que Jesus nos
ensinou; uma vez que Ele é o Filho de Deus, igual ao Pai, temos que reconhecer
como verdadeiro tudo o que Ele disser, ainda que seja um mistério, ainda que o
não possamos compreender. Isto se mostra claramente no capítulo 6º de S. João,
onde se vê um choque entre Jesus e os judeus que nEle não querem crer.

Jesus lançou perante os judeus a seguinte afirmação: Em verdade, em verdade


vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e beberdes o seu sangue,
não tereis vida em vós. O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a
vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia, porque a minha carne
VERDADEIRAMENTE é comida; e o meu sangue VERDADEIRAMENTE é bebida (João VI-
54 a 56).

O que significam estas palavras? Depois teremos ocasião de explicar (nos 307 a
309). Por enquanto, pode o leitor perguntar a qualquer um desses protestantes
que andam por aí, ilustríssimos, sapientíssimos e entusiasmadíssimos intérpretes
das Sagradas Escrituras, o que quer dizer: comer a carne de Cristo, beber o
sangue de Cristo. Se ele disser que significa crer em Cristo, peça-lhe que prove,
por especial obséquio, com citações da Bíblia ou de qualquer escritor do mundo,
que comer a carne de uma pessoa é o mesmo que crer nela; beber o seu sangue é
o mesmo que fazer um ato de fé. O que é fato é que os ouvintes, como não podia
deixar de ser, tomaram as palavras de Cristo no sentido de que Ele falava em dar
mesmo a sua carne para comer, o seu sangue para beber. Cristo falava sério, não
estava brincando, porque Ele nunca falou brincando, nem para enganar a
ninguém.

Qual a reação que aquelas palavras do Mestre produziram entre os seus


ouvintes? Uns pensaram assim: Jesus não erra, não mente, não engana, Ele tudo
pode fazer, porque o poder de Deus está nEle, se Ele disse que dará sua carne
para comer, é porque vai dar mesmo. Outros, porém, acharam isto impossível e
absurdo: Como pode este dar-nos a comer a sua carne? (João VI-53). Duro é
este discurso e quem no pode ouvir? (João VI-61). Jesus se queixa de sua
incredulidade: Há alguns de vós outros que não CREEM (João VI-65). Porque bem
sabia Jesus desde o princípio quais eram os que não CRIAM (João VI-65).

Trata-se aqui, portanto, deste assunto: CRER ou NÃO CRER. Mas crer ou não crer
não é, no caso, confiar ou não confiar em que se vai para o Céu mas: ACREDITAR
OU NÃO ACREDITAR na revelação tão espantosa que Jesus acabara de fazer, isto é,
que daria sua própria carne para comer, seu próprio sangue para beber (veja-se
nº 316). Não resta a menor dúvida. E tão obstinados ficaram aqueles em não crer
em Jesus, que O abandonaram de vez: Desde então se tornaram atrás muitos de
seus discípulos e já não andavam com Ele (João VI-67).

Jesus volta-se então para os doze. Quererão eles ir embora também, pelo fato de
acharem impossível Jesus dar a sua carne para comer, o seu sangue para beber?
Quererão eles, também, dizer: Não creio; não Vos sigo mais? Simão Pedro, o
primeiro dos Apóstolos, chefe de todos eles, se encarrega de falar em seu nome e
em nome de todos: Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens palavras de vida
eterna; e nós temos CRIDO e conhecido que tu és o Cristo, Filho de Deus (João
VI-69 e 70). Primeiro creram sem ter visto os grandes prodígios; depois à vista
dos grandes milagres e pela convivência com o Mestre, conheceram ainda
melhor que Jesus é o Filho de Deus, e, portanto, infalível.

Aqui vemos claramente o que o Evangelho entende pela palavra CRER. Crer não é
lançar-me aos pés de Jesus e procurar sugestionar a mim mesmo que eu,
pessoalmente, eu, Fulano de tal estou salvo, infalivelmente salvo. Crer é aceitar
tudo o que Jesus disse, mesmo que isto se me afigure dificílimo,
incompreensível, misterioso, impossível aos meus olhos; se Ele diz, é porque
está certo; se Ele diz que faz, é porque faz mesmo. E o fundamento da fé é
magistralmente apresentado por S. Pedro: Jesus não pode mentir, não pode
enganar a ninguém, porque é o Cristo, Filho de Deus e, como tal, tem palavras
de vida eterna.

Crer em Cristo, Filho de Deus.

67. Cristo ensinou muitas coisas, quando andava neste mundo. Para exprimir a
nossa fé em tudo o que Ele ensinou, a gente não precisa relembrar, um por um,
todos os seus ensinamentos, pode resumir tudo isto num só artigo: Creio que
Jesus é o Filho de Deus; crendo na divindade de Cristo temos que crer
necessariamente em tudo o que Ele disse.

Assim resumida foi a profissão de fé que fez Marta, a irmã de Lázaro. Jesus lhe
diz: Eu sou a ressurreição e a vida; o que crê em mim, ainda que esteja morto,
viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá eternamente. Crês isto?
(João XI-25 e 26). Marta Lhe responde: Sim, Senhor, eu já estou na CRENÇA de
que tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo, que vieste a este mundo (João XI-27).

Nestas palavras estava logicamente incluída a fé em todo o ensino de Jesus;


embora Marta não conhecesse perfeitamente todos os dogmas do Cristianismo,
contudo neles cria implicitamente, porque cria em Jesus que os ensinou.

Um exemplo pitoresco e edificante da disposição de crer em tudo o que Jesus


disser, se vê no cego de nascença a quem o Mestre concedeu a vista e, dias
depois, perguntou: Tu CRÊS no Filho de Deus? (João IX-35). O cego não sabe
ainda quem é o Filho de Deus; mas o que Jesus disser, ele acredita. Aponte Jesus
quem é o Filho de Deus e ele está disposto a aceitá-Lo. Quem é Ele, Senhor,
para eu crer nEle? Disse-lhe, pois, Jesus: Até já tu O viste, e é Aquele mesmo
que fala contigo. Então respondeu ele: EU CREIO, Senhor. E prostrando-se, O
adorou (João IX-36 a 38).

Jesus, sendo o Filho Unigênito do Pai (João I-14) é necessariamente cheio de


graça e de VERDADE (João I-14) e bem pode dizer: Eu sou o caminho e a VERDADE
e a vida (João IV-6). Por isto, só podia ser exato o que Lhe disseram os fariseus,
embora não o dissessem com reta intenção: És VERDADEIRO, e ensinas o caminho
de Deus pela VERDADE (Mateus XXII-16). Seria absurdo, portanto, pensar que
crer que Jesus é o Filho de Deus quer dizer somente, crer na divindade ou na
divina missão de Jesus e nada mais, sem tirar daí a conclusão lógica, inevitável,
imperiosa de que é necessário crer tudo o que Jesus disser.

Crer no evangelho.

68. A Bíblia tem outra expressão para resumir numa só palavra o objeto da
nossa fé: temos obrigação de crer no Evangelho.

O Evangelho é o conjunto de toda a doutrina ensinada por Cristo. Quando


falamos em Evangelho, logo nos lembramos dos quatro livros que nos narram a
vida de Cristo e que têm este título. Mas a palavra já era empregada por Cristo
antes de existirem os livros, os quais só foram escritos alguns anos depois que
Cristo morreu. É precisamente porque estes livros trazem esta doutrina que
tomaram tal nome. Crer no Evangelho é crer na doutrina pregada por Jesus e
pelos Apóstolos, doutrina esta que ou está encerrada nos livros do Novo
Testamento, ou foi transmitida oralmente aos primeiros cristãos (2ª
Tessalonicenses II-14, III-6; 2ª Timóteo I-13 e 14).
Tessalonicenses II-14, III-6; 2ª Timóteo I-13 e 14).

Diz o Evangelho de S. Marcos: Depois que João foi entregue à prisão, veio
Jesus para Galileia, pregando o EVANGELHO do reino de Deus e dizendo: Pois que
o tempo está cumprido e se apropinquou o reino de Deus, fazei penitência e
CREDE no EVANGELHO (Marcos I-14 e 15).

E é depois de dizer aos Apóstolos: Ide por todo o mundo; pregai o EVANGELHO a
toda a criatura (Marcos XVI-15), que Jesus lhes diz: O que CRER e for batizado
será salvo; o que, porém, não CRER será condenado (Marcos XVI-16). Não é,
portanto, a crença só nesta ou naquela verdade, muito menos a impressão de que
estamos salvos por Jesus, embora sem o merecermos; é a crença em toda a
doutrina de Jesus, a qual é pregada pelos Apóstolos, que é exigida para a
salvação.

E S. Pedro diz no Concílio de Jerusalém: Vós sabeis que desde os primeiros dias
ordenou Deus entre nós que da minha boca ouvissem os gentios a palavra do
EVANGELHO e que a CRESSEM (Atos XV-7), o mesmo S. Pedro que diz na sua 1ª
Epístola: Qual será o paradeiro daqueles que não CREEM no EVANGELHO de Deus?
(1ª Pedro IV-17).

Fé particularizada.

69. Vamos ver outras passagens da Bíblia em que aparece a palavra CRER,
sempre no sentido de dar crédito àquilo que nos dizem, aceitar uma verdade que
nos é proposta.

O Anjo Gabriel anuncia a Zacarias que Isabel conceberá um filho. Zacarias não
acredita: Por donde conhecerei eu a verdade dessas coisas? porque eu sou velho
e minha mulher está avançada em anos (Lucas I-18). O anjo lhe diz: Desde
agora ficareis mudo e não poderás falar até o dia em que estas coisas sucedam,
visto que não deste crédito às minhas palavras (Lucas I-20). Ao contrário Maria
SSma, que não duvidou das palavras do Anjo, quando este lhe anunciou a
Encarnação do Verbo, é elogiada por S. Isabel: Bem-aventurada tu, que CRESTE,
porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas
(Lucas I-45). Maria SSma é enaltecida, porque creu — mas não se trata aí de crer
que estava salva — e sim crer que, embora virgem, seria mãe, conforme lhe foi
anunciado peio Anjo.

S. Tiago fala em crer na existência de um só Deus: Tu CRÊS que há um só Deus.


Fazes bem; mas também os demônios CREEM e estremecem (Tiago II-19). Trata-
se aí de CRER; mas não é esperança de salvação, pois se diz que até os demônios
creem (embora saibam que não podem salvar-se).

Não podemos falar nesta questão de crer ou não crer, sem que nos venha à
lembrança o episódio de S. Tomé, a quem Nosso Senhor disse: Tu CRESTE, Tomé,
porque me viste; bem-aventurados os que não viram e CRERAM (João XX-29). De
que se tratava então? Da confiança de que seria salvo por Jesus? Não; tratava-se
do crédito dado às palavras daqueles que lhe deram notícia de um fato: o fato da
Ressurreição do Mestre.

Crer é, portanto, aceitar como verdadeira a palavra de alguém: Veio João a vós
no caminho da justiça e não o CRESTES; e os publicanos e as prostitutas o CRERAM;
e vós outros, vendo isto, nem ainda fizestes penitência para o CRERDES (Mateus
XXI-32). Se vós CRÊSSEIS a Moisés, certamente me CRERÍEIS também a mim,
porque ele escreveu de mim. Porém se vós não dais crédito aos seus escritos,
como dareis crédito às minhas palavras? (João V-46 e 47). Jesus aí exige dos
judeus que creiam nEle com a mesma fé com que deveriam crer em Moisés.
Porventura a crença em Moisés era CONFIANÇA de que Moisés os salvava, os
levava para o Céu de qualquer maneira? Não; a crença que deveriam ter em
Moisés era, como diz o próprio Divino Mestre, DAR CRÉDITO às suas palavras, aos
seus escritos.

Não há dúvida que, entre os ensinamentos de Jesus, estão a vida eterna, a


remissão dos pecados, a salvação que Ele realizou na cruz, porém muitas outras
verdades, inclusive as obrigações que Cristo nos impôs, também estão incluídas
nestes ensinamentos.

Crer em Jesus é ACREDITAR NA SUA PALAVRA, seja quando Ele nos faz uma
promessa (daí a base em que se firma a nossa CONFIANÇA), seja quando nos
anuncia qualquer verdade (daí o fundamento da nossa CRENÇA). Por que é que
acreditamos nEle quando nos faz as suas promessas de vida eterna? Porque Ele
não se engana e nem quer, nem pode enganar-nos. E justamente este o motivo
que nos obriga a aceitar tudo o que Ele nos ensina. A posição que tomam os
protestantes, colocando a fé salvadora EXCLUSIVAMENTE no ficarmos convictos de
suas promessas, sem incluir neste conceito o crédito que havemos de dar a TODAS
AS SUAS PALAVRAS, sem irmos verificar nestas infalíveis palavras em que
condições a promessa nos é feita, é uma interpretação mesquinha, interesseira,
ofensiva ao Divino Mestre e sem nenhum fundamento. Não há nenhum texto da
Bíblia pelo qual nos provém que a fé salvadora consiste só NA CONFIANÇA, teoria
esta que tornaria completamente inútil todo o empenho de Jesus em nos ensinar
uma DOUTRINA, indo para o Céu da mesma forma os que aceitam fielmente esta
doutrina e os que a rejeitam, torcem, adulteram, falsificam e deformam,
exigindo-se apenas a interesseira convicção de que se salvam e nada mais. Todo
o que se aparta e não permanece na DOUTRINA DE CRISTO não tem a Deus; e o que
permanece na doutrina, este tem, assim ao Padre como ao Filho (2ª João verso
9º).

Crer em Jesus é, portanto, aceitar tudo o que Ele nos revelou, seja promessa, seja
doutrina: Se eu vos digo a VERDADE, por que me não CREDES? (João VIII-46). Ele
merece todo o nosso crédito, porque é o Filho de Deus: Tu és o Cristo, Filho de
Deus vivo (Mateus XVI-16). Ensinou-nos uma doutrina que se chama o
Evangelho: Crede no Evangelho (Marcos I-15). Só nos resta folhear as páginas
do Evangelho para vermos
O que devemos CRER
A palavra infalível do Mestre.

70. Jesus, Verdade Eterna, nos ensinou muitas coisas. Havemos de crer em tudo
o que Ele disse, para podermos ganhar o Céu: Quem nEle CRÊ não é condenado,
mas o que não CRÊ já está condenado, porque não crê no nome do Filho
Unigênito de Deus (João III-18). Não vamos repetir aqui tudo o que Jesus
ensinou. Mas há uma questão que nos está preocupando neste momento: o que é
e o que não é necessário para a salvação, não é assim? Pois bem, vamos ver
alguma coisa do que Jesus nos diz a este respeito.

Por felicidade nossa, um dia apareceu um homem que fez a Jesus esta pergunta:
Bom Mestre, que obras boas devo eu fazer para alcançar a vida eterna?
(Mateus XIX-16).

É precisamente o problema que ora nos preocupa.

Ora, se bastasse a fé para a salvação, a resposta de Jesus só podia ser uma: “Se
queres entrar na vida, basta crer em mim, não é preciso mais nada, crê em mim e
serás salvo”. Se as obras não vogassem nada para a conquista da vida eterna, não
fossem causa nem direta, nem indireta da salvação, se não fosse, entre outras
coisas, a nossa maneira de proceder que decidisse a nossa sorte na eternidade,
Jesus não daria a resposta que deu, não falaria da maneira como falou. E a
resposta do Mestre foi esta: Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS
(Mateus XIX-17).

E para que desaparecesse qualquer dúvida, para que ninguém pudesse sofismar
sobre o sentido desta palavra MANDAMENTOS, o próprio consulente se encarrega de
perguntar que mandamentos são estes. Ele Lhe perguntou: QUAIS? (Mateus XIX-
18). Vejamos agora a resposta do Mestre: E Jesus lhe disse: Não cometerás
homicídio; não adulterarás; não cometerás furto; não dirás falso testemunho,
honra a teu pai e a tua mãe, e amarás ao teu próximo como a ti mesmo (Mateus
XIX-18 e 19).

Se para a salvação basta a fé, se basta estender a mão para recebê-la, como
dizem os protestantes, como é que Jesus impõe tantas obrigações para o homem
ALCANÇAR A VIDA ETERNA?

Chamamos a atenção do leitor para o estilo abreviado das Escrituras; a Bíblia


não diz tudo num versículo, mas a doutrina completa se obtém conferindo os
versículos uns com os outros. O Mestre não fala aí no principal mandamento,
que é amar a Deus sobre todas as coisas; cita alguns, porque assim o seu
consulente já poderá identificar que mandamentos são estes. Quando houver
oportunidade, Jesus falará no máximo e primeiro mandamento (Mateus XXII-
38).

Em outra ocasião (sim, em outra ocasião, pois S. Lucas narra um e outro


episódio: X-25 a 28; XVIII-18 a 20), eis que aparece um doutor da lei e faz a
Jesus a mesma pergunta: Mestre, que hei de eu fazer para entrar na posse da
vida eterna? (Lucas X-25).

Vejamos agora a resposta de Cristo: Disse-lhe então Jesus: Que é o que está
escrito na lei? como lês tu? Ele respondendo disse: Amarás ao Senhor teu Deus
de todo o teu coração e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças e de todo o
teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E Jesus lhe disse:
Respondeste bem: faze isso e VIVERÁS (Lucas X-26 a 28).

É claro que Jesus lhe quer dizer: Faze isto e VIVERÁS ETERNAMENTE, pois o que
Lhe perguntaram foi o que se devia fazer para ENTRAR NA POSSE DA VIDA ETERNA.
Havia dúvidas e discussões entre os judeus sobre o sentido da palavra: o
próximo. Muitos estavam inclinados a pensar que o próximo era só o amigo, o
patrício, o correligionário; e não o inimigo, o de outra religião, o estrangeiro. O
doutor da lei pergunta a Jesus: E quem é o meu próximo? A consulta vem a
tempo, porque há grande inimizade e separação entre samaritanos e judeus. Jesus
então propõe a parábola do Samaritano; este faz um grande benefício a um judeu
que caiu ferido no meio da estrada, benefício que os judeus, seus compatrícios,
não quiseram fazer. Tira-se da parábola a conclusão de que o inimigo também é
nosso próximo. E depois de apresentar a bela ação do Samaritano, Jesus manda o
doutor da lei imitá-lo: pois vai, e faze tu o mesmo (Lucas X-37).

De tudo isto se conclui o papel importantíssimo que não somente a fé, mas
também o AMOR (amor de Deus e amor desinteressado do próximo) exerce na
consecução da vida eterna, a verdadeira VIDA: Aquele que não AMA permanece na
MORTE (1ª João III-14).

E como é que diante de ensinamentos tão claros, tão simples, tão decisivos do
Divino Mestre, os protestantes pregam que só a fé é necessária, que as nossas
obras não influem na salvação?

Amor de Deus.

71. Quando Nosso senhor exige o amor a Deus, de todo o coração, para se
ganhar a vida eterna — e amar a Jesus Cristo é o mesmo que amar a Deus,
porque Jesus Cristo é Deus (Se algum não ama o Nosso Senhor Jesus Cristo seja
anátema — 1ª Coríntios XVI-22) — não se pense que se trata apenas de um
mero afeto ou sentimento, ou de uma comoção passageira; o amor de Deus se
manifesta pelas obras: Não amemos de palavra, nem de língua, mas por OBRA e
em verdade (1ª João III-18).

E de que modo havemos de mostrar pelas obras o nosso amor a Deus? Pela
observância dos mandamentos. É o que nos ensina o Divino Mestre: Se me
amais, GUARDAI OS MEUS MANDAMENTOS (João XIV-15). Aquele que tem os meus
mandamentos e que os GUARDA, esse é o que me AMA (João XIV-21). Aquele que
TEM os meus mandamentos, explica Cornélio Alápide, quer dizer: “Aquele que
tem na memória, no espírito e no afeto os preceitos que de mim ouviu”. É
preciso tê-los assim, e observá-los. E S. Agostinho, naquele seu belo e
inconfundível estilo, assim desenvolve o pensamento do Mestre: “Aquele que
tem os meus mandamentos na memória e os guarda na vida; aquele que os tem
nas palavras e os guarda nas obras; aquele que os tem ouvindo e os guarda
fazendo; que os tem fazendo e os guarda perseverando, esse é o que me ama”.

Outra não podia ser a doutrina dos Apóstolos: Esse é o amor de Deus, que
guardemos os seus mandamentos (1ª João V-3).

É por isto que o amor de Deus é chamado o máximo e o primeiro mandamento:


Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma e de
todo o teu entendimento. Este é o máximo e o primeiro mandamento (Mateus
XXII-37 e 38). Porque para bem observá-lo é preciso observar todos os outros.
Se algum disser, pois: Eu amo a Deus, e aborrecer a seu irmão, é um mentiroso,
porque aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a
quem não vê? E nós temos de Deus este mandamento: que o que ama a Deus
ame também a seu irmão (1ª João IV-20 e 21).

Amor do próximo.

72. O amor ao próximo é, portanto, uma consequência necessária do amor de


Deus. E Jesus dá ao amor do próximo um novo aspecto. A lei dizia: Ama ao
próximo, como a ti mesmo. A medida do amor ao próximo era o amor que
naturalmente cada um tem a si próprio. Jesus, que nos deu o maior exemplo de
amor aos homens, amor até aos próprios inimigos, propõe o seu exemplo, como
a medida do amor: Eu dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos
outros, assim como eu vos amei (João XIII-34). Este amor ao próximo, mesmo
aos inimigos, de que Ele mostrou um modelo no Samaritano da parábola, Jesus
pregou-o, e pregou-o como NECESSÁRIO À SALVAÇÃO.

1º Jesus pregou o amor aos inimigos:

Tendes ouvido que foi dito: Amarás ao teu próximo e aborrecerás a teu inimigo.
Mas eu vos digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai
pelos que vos perseguem e caluniam, para serdes filhos de vosso Pai que está
nos Céus, o qual faz nascer o seu sol sobre bons e maus, e vir chuva sobre justos
e injustos (Mateus V-43 a 45).

Por aí já se vê que não se trata de mero conselho; precisamos amar aos inimigos,
para sermos filhos de Deus. Mas há outras passagens que nos mostram ainda
mais claramente que Jesus

2º pregou o amor aos inimigos como indispensável à salvação.

Todos nós pecamos e é claro que não podemos salvar-nos, se Deus não perdoa
os nossos pecados. Pois bem, eis o que ensinou Jesus: Quando vos puserdes em
oração, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai-lha, para que também
vosso Pai, que está nos Céus, vos perdoe vossos pecados; porque, se vós não
perdoardes, também vosso Pai, que está nos Céus, vos não há de perdoar vossos
pecados (Marcos XI-25 e 26). E, depois da parábola do devedor insolvente, na
qual o rei se mostra rigoroso e implacável para com o servo que, depois de
perdoado, não quis perdoar ao seu companheiro, acrescenta: ASSIM TAMBÉM VOS HÁ
DE FAZER meu Pai Celestial, SE NÃO PERDOARDES do íntimo de vossos corações cada
um a seu irmão (Mateus XVIII-35).
Ninguém pode alcançar a salvação, se não obtiver o perdão dos pecados. O
perdão dos pecados, não o recebe quem não perdoa a seu próximo. Logo, não
basta a fé para a salvação; é necessário também o perdão aos inimigos.

E, enquanto os protestantes dizem que o homem pelas suas obras nada pode
merecer, mas só pela fé, Nosso Senhor exalta o merecimento daqueles que
sabem dispensar e perdoar, e lhes promete grande recompensa: E, se vós amais
aos que vos amam, que MERECIMENTO é o que vós tereis? porque os pecadores
também amam aos que amam a eles. E, se fizerdes bem aos que vos fazem bem,
que MERECIMENTO é o que vós tereis? porque isso mesmo fazem os pecadores. E,
se vós emprestais àqueles de quem esperais receber, que MERECIMENTO é o que
vós tereis? porque também os pecadores emprestam uns aos outros, para que se
lhes faça outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, fazei bem e emprestai sem
daí esperardes nada; e tereis MUITO AVULTADA RECOMPENSA (Lucas VI-32 a 35).

A castidade.

73. Outro ponto em que Jesus, o novo Legislador, exige maior perfeição do que
entre os antigos, e não está apenas aconselhando, mas exigindo mortificação e
sacrifício, sob pena de condenação eterna, é o sério problema da castidade. É
uma interpretação cristã mais rigorosa do 6º mandamento: Ouvistes que foi dito
aos antigos: Não adulterarás. Eu, porém, digo-vos que todo o que olhar para
uma mulher cobiçando-a, já no seu coração adulterou com ela. E, se o teu olho
direito te serve de escândalo, arranca-o e lança-o fora de ti; porque melhor te é
que se perca um de teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado no
inferno (Mateus V-27 a 29).

Ninguém, é claro, vai interpretar isto no sentido material de que havemos de


cegar os nossos olhos, para não ficarmos mais sujeitos às tentações da carne;
mas Jesus quer mostrar que, como essas amizades pecaminosas tanto prendem e
escravizam o coração da criatura, nestas ocasiões é preciso fazer a renúncia, o
sacrifício, mesmo que seja este tão doloroso para a alma, como seria cruel para o
corpo a extirpação do próprio olho. Porque, como diz S. paulo: os que são de
Cristo crucificaram a sua própria carne com os seus vícios e concupiscências
(Gálatas V-24).

O juízo final.
74. Um dia Jesus Cristo descreveu o juízo final. No juízo final iremos ver quais
os que são salvos e quais os que são condenados. Ótima ocasião, portanto, para
apreciarmos as CAUSAS da salvação e da condenação de cada um. Ora, se Jesus
exigisse para a salvação apenas a fé, a única descrição que Ele poderia fazer do
juízo final seria a seguinte: De um lado os que creem e são salvos. Do outro lado
os que não creem e são condenados. Todo o mundo percebe logo que isto seria
mais cômodo e mais simples do que a separação dos salvos e dos condenados
pelas boas ou más obras. As boas e as más obras são de natureza tão diversa,
variam tanto de indivíduo para indivíduo, que seria preciso passar horas e mais
horas para descrever, embora resumidamente, o julgamento de todos os homens
por este critério. Pois bem, Nosso Senhor não se importa de fazer uma descrição
incompleta, contanto que saliente ser o ponto mais importante do julgamento a
prática da caridade.

Repare-se bem na palavra PORQUE, empregada por Nosso Senhor. Os justos serão
salvos, PORQUE praticaram a caridade. Os réprobos serão condenados PORQUE não
a praticaram. O que mostra evidentemente como é errônea a doutrina protestante
de que as boas obras não podem ser CAUSA da salvação.

Vejamos a descrição do julgamento final feita pelo Mestre: Quando vier o Filho
do Homem na sua majestade, e todos os anjos com Ele, então se assentará sobre
o trono da sua majestade; e serão todas as gentes congregadas diante dEle; e
separará uns dos outros, como o pastor aparta dos cabritos as ovelhas; e assim
porá as ovelhas à direita e os cabritos à esquerda.

Então dirá o rei aos que hão de estar à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai;
possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo, PORQUE tive
fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era hóspede e
recolhestes-me; estava nu e cobristes-me; estava enfermo e visitastes-me; estava
no cárcere e viestes ver-me.

Então Lhe responderão os justos, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos
faminto e te demos de comer, ou sequioso e te demos de beber? E quando te
vimos hóspede e te recolhemos, ou nu e te vestimos? Ou quando te vimos
enfermo ou no cárcere e te fomos ver?

E respondendo o rei, lhes dirá: Na verdade vos digo que quantas vezes vós
fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fizestes.
Então dirá também aos que hão de estar à esquerda: Apartai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno que está aparelhado para o diabo e para os seus
anjos, PORQUE tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de
beber; era hóspede e não me recolhestes; estava nu e não me cobristes; estava
enfermo e no cárcere e não me visitastes... Quantas vezes o deixastes de fazer a
um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer (Mateus XXV-31 a 43,
45).

Chamamos outra vez a atenção do leitor para o estilo abreviado da Bíblia. A


Bíblia não diz tudo de uma vez; uma passagem completa a outra. Ninguém vai
concluir daí que seremos julgados unicamente por causa das ações caridosas ou
das faltas de caridade. A descrição é claramente incompleta, como dissemos,
porque Nosso Senhor mesmo nos declara que se nos pedirão contas até de uma
palavra inútil: E digo-vos que de TODA A PALAVRA OCIOSA que falarem os homens,
darão conta dela no dia do juízo; porque pelas tuas palavras serás justificado e
pelas tuas palavras serás condenado (Mateus XII-36 e 37). O que Nosso Senhor
quer dizer é que o homem será julgado pelas suas boas ou más ações, como Ele
disse claramente noutra ocasião: Todos os que se acham nos sepulcros ouvirão a
voz do Filho de Deus, e os que OBRARAM BEM sairão para a ressurreição da vida;
mas os que OBRARAM MAL sairão ressuscitados para a condenação (João V-28 e
29). E entre estas boas ou más obras, ocupa um papel muito saliente a questão da
caridade para com o próximo.

Afirmativa esta, que não só se demonstra pela descrição do juízo final acima
transcrita, senão também pela firmeza com que Nosso Senhor nos ensina que
Deus nos tratará no seu julgamento da mesma forma como tratarmos o nosso
próximo: será duro ou complacente para conosco, na mesma proporção em que
tivermos sido duros ou complacentes para com os nossos semelhantes:

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia


(Mateus V-7). Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis
condenados; perdoai e sereis perdoados; dai e dar-se-vos-á; no seio vos
meterão uma boa medida e bem cheia e bem acalcada e bem acogulada; porque,
qual for a medida de que vós usardes para os outros, tal será a que se use para
vós (Lucas VI-37 e 38). O que concorda com a palavra de S. Tiago: Porque se
fará um juízo sem misericórdia, àquele que não usou de misericórdia (Tiago II-
13).
Logo, devemos CRER que não é a fé somente que salva, mas também a
observância dos mandamentos, o amor de Deus e do próximo, pois isto é o que o
próprio Jesus, que merece todo nosso crédito, nos ensinou; se não cremos isto,
não nos salvamos, pois O QUE NÃO CRÊ JÁ ESTÁ CONDENADO (João III-18).
Como devemos CRER
Como deve ser a nossa fé?

75. Devemos crer com uma fé viva, uma fé sincera, coerente, uma fé que não
encontre contradição na nossa maneira de agir, porque aqui não se trata de
armazenar conhecimentos, não se trata de um estudo teórico, de uma mera
contemplação intelectual; trata-se de um princípio de vida, de ação, de atividade:
crer para ganhar a vida eterna.

Assim o exige a Escritura, como já veremos.

Chegamos agora ao fim da nossa argumentação.

Vimos o que é CRER. Crer é aceitar, como verdadeira, toda a doutrina de Jesus.
Jesus é o Filho de Deus; não se pode duvidar de nenhuma de suas palavras,
porque Ele é o Caminho e a VERDADE e a Vida (João XIV-6).

Vimos claramente Jesus a nos ensinar que para possuir a vida eterna, é preciso
guardar os mandamentos, que se resumem no amor de Deus e do próximo.

Agora perguntamos: Aquele que crê em Cristo e sabe, pelas palavras de Cristo,
que precisa observar os mandamentos para salvar-se, mas apesar disto não
guarda estes mandamentos, pode salvar-se? Quem vai responder a isto é o
próprio Cristo:

Por que me chamais: Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos digo? Todo o
que vem a mim e ouve as minhas palavras e AS PÕE POR OBRA, eu vos mostrarei a
quem ele é semelhante: é semelhante a um homem que edifica uma casa, o qual
cavou profundamente e pôs o fundamento sobre uma rocha; e quando veio uma
enchente d’águas, deu impetuosamente a inundação sobre aquela casa e não
pôde movê-la, porque estava fundada sobre rocha. Mas o que ouve E NÃO OBRA, é
semelhante a um homem que fabrica a sua casa sobre a terra levadiça, uma
qual bateu com violência a corrente do rio e logo caiu; e foi GRANDE a RUÍNA
daquela casa (Lucas VI-46 a 49).

A esta altura da nossa demonstração e com tais palavras do Mestre, cai por terra
a teoria protestante da salvação só pela fé; porque é a própria fé nas palavras de
a teoria protestante da salvação só pela fé; porque é a própria fé nas palavras de
Cristo que nos leva a convencer-nos de que a fé sem as obras não é suficiente
para a salvação.

Segundo o ensino bíblico, aquele que tem a fé, mas não age de acordo com ela,
nega, contradiz a sua crença; anula, portanto, o valor da sua própria fé. Vejamos
o que nos diz S. Paulo: Para os impuros e infiéis, nada há limpo; antes se acham
contaminadas tanto a sua mente, como a sua consciência. Eles confessam que
conhecem a Deus, mas NEGAM-NO com as obras (Tito I-15 e 16). E o mesmo
S. Paulo diz a respeito daqueles que não se interessam pelos seus, que eles por
este simples fato, negam a sua fé: Se algum não tem cuidado dos seus, e
principalmente dos da sua casa, esse NEGOU a fé e é pior que um infiel (1ª
Timóteo V-8).

Porque, como diz S. Pedro, se não ajuntamos à fé as outras virtudes, ficamos


VAZIOS e INFRUTUOSOS, o que, é claro, nos levará à condenação, pois como disse
Jesus: Toda a árvore que não dá BOM FRUTO será cortada e metida no fogo
(Mateus VII-19). Ouçamos o Apóstolo: Ajuntai à vossa fé a virtude, e à virtude
a ciência, e à ciência a temperança, e à temperança a paciência, e à paciência a
piedade, e à piedade o amor de vossos irmãos, e ao amor de vossos irmãos a
caridade, porque se estas coisas se acharem e abundarem em vós, elas vos não
deixarão VAZIOS nem INFRUTÍFEROS no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo
(2ª Pedro I-5 a 8).

É por isto que a Sagrada Escritura nos diz abertamente que a FÉ SEM AS OBRAS NÃO
PODE SALVAR: Que aproveitará, irmãos meus, a um que diz que tem fé, se não tem
obras? Acaso podê-lo-á SALVAR a fé? (Tiago II-14). Bem como um corpo sem
espírito é morto, assim também A FÉ SEM OBRAS É MORTA (Tiago II-26).

Estes 2 textos de S. Tiago que refutam diretamente, usando as mesmas palavras,


a tese da salvação pela fé sem as obras, são o tiro de misericórdia dado na teoria
dos protestantes; se estes ainda querem insistir com alguns textos de S. Paulo, é
porque não os entenderam bem, como mostraremos nos 3 capítulos seguintes; e
isto o leitor já pode bem avaliar, pois não pode haver contradição nas Escrituras.

A fé é o nosso médico.

76. A fé salva, a fé é o caminho do Céu, isto nos ensina Jesus. A fé salva


sozinha, sem a observância da lei de Deus, isto é doutrina de Lutero.

Somos justificados pela fé, é doutrina da Bíblia: Justificados, pois, pela fé,
tenhamos paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo (Romanos V-
1). Mas a mesma Bíblia nos ensina que a fé não nos justifica sozinha, sem as
obras: Não vedes como pelas obras é justificado o homem, e não pela fé
somente? (Tiago II-24).

Para usarmos (ampliando-a) uma comparação de Cornélio Alápide: Assim como


o doente que se achava em estado grave e foi curado pode dizer: — Este médico
me salvou — e no entanto não foi o médico sozinho, foi o médico por meio dos
remédios, das injeções, da dieta, dos exercícios que ele prescreveu e a que o
doente voluntariamente se sujeitou, assim também a fé em Cristo é o médico a
nos apontar as outras virtudes, as obras, os sacramentos que nos são necessários
à salvação, a qual não é possível sem as praticarmos ou sem os recebermos em
obediência aos ditames da nossa fé. O fato de dizer o doente: — Este médico me
salvou — não o impede de dizer também: Santo remédio este! foi ele quem me
pôs em pé! Assim como não o impede de aconselhar a outro doente que não quer
observar a dieta: Não faça isto, meu caro; se eu não tivesse cumprido bem com a
dieta, feito a mortificação quando estava com vontade de comer tais e tais
alimentos que sabia que não podia comer, hoje eu já estaria na “cidade dos pés
juntos”.

Do fato, portanto, de dizer a Escritura que a fé nos salva, não se segue


necessariamente que a fé seja a CAUSA ÚNICA da salvação. Isto se mostra
claramente no episódio da mulher pecadora. Sabe-se muito bem que ela não
podia salvar-se, se os seus pecados, que eram muitos, não lhe fossem perdoados.
Se perguntarmos ao Divino Mestre POR QUE foram perdoados os pecados daquela
mulher, Ele nos esclarecerá: Perdoados lhe são seus muitos pecados PORQUE
AMOU MUITO (Lucas VII-47). A sua contrição perfeita, baseada no puro AMOR, foi
aí apontada como a CAUSA da salvação. E no entanto, nesta mesmíssima ocasião,
Jesus lhe disse: A tua FÉ te salvou; vai-te em paz (Lucas VII-50). Tanto a fé,
como o amor, são considerados aí como causas da salvação para a pecadora
arrependida: a fé, porque foi o PONTO DE PARTIDA de sua felicidade; o amor,
porque CONSUMOU esta mesma felicidade. É por isto que nos diz muito bem o
Concílio de Trento: “somos justificados pela fé neste sentido de que a fé, sem a
qual é impossível agradar a Deus, é o princípio da salvação, o fundamento e a
raiz de toda a justificação” (Sessão VI, 8).
A fé como ponto de partida.

77. Quando dizemos a alguém: Tome este navio e chegará a Londres, porque a
nado você não consegue chegar até lá, não queremos dizer com isto que é
EXCLUSIVAMENTE o fato de embarcar no vapor, que o faz chegar a Londres.
Supomos, é claro, que ele não vai atirar-se ao mar, durante a viagem, movido
pela tentação de tomar um banho salgado ou de apanhar algum peixe; supomos
que, nos portos onde se demorar o navio, ele, quando quiser dar algum passeio,
vai tomar todas as precauções para estar presente na hora da partida, bem como
não vai cometer nenhum crime para ficar em terra, trancafiado no xadrez;
supomos que ele não vai tomar veneno durante a viagem etc, etc. Supomos em
suma que ele QUER realmente chegar a Londres e tudo fará para conseguir este
objetivo. Sem valer-se de uma condução como aquela, é que não o conseguiria
de forma alguma.

Assim também a Bíblia nos fala da FÉ como de um ponto de partida para a


salvação. Quando S. Paulo diz ao carcereiro: Crê no Senhor Jesus e serás salvo
tu E TUA FAMÍLIA (Atos XVI-31), ninguém vai concluir daí que bastava o
carcereiro crer, para a família dele ser salva também. É claro que a família tem
que crer por sua vez, para ser salva. Mas a fé, por parte do carcereiro, seria o
PONTO DE PARTIDA para a sua família também crer, induzida pelo seu exemplo. E a
fé, tanto no carcereiro como nos seus, teria que ser a inspiradora das virtudes e
boas obras.

Quando S. Paulo diz: Se confessares com a tua boca ao Senhor Jesus e creres no
teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo (Romanos X-
9), ninguém pode concluir daí que para o indivíduo ganhar o Céu, basta
confessar a Jesus DE BOCA, podendo fazer o que bem entender; e acreditar
exclusivamente na Ressurreição de Jesus Cristo, podendo, portanto, rejeitar
todos os outros artigos de fé. Seria uma conclusão absurda, imoral e escandalosa,
bem como seria abrir uma fonte para os maiores erros e heresias. S. Paulo aí está
apresentando a FÉ e o professá-la abertamente como PONTO DE PARTIDA para a
salvação. E vê-se perfeitamente, não é fé no sentido de confiança, convicção de
que já se está salvo. E fé intelectual: é ACREDITAR que Jesus ressuscitou dentre os
mortos. Acreditando isto, acreditará que Jesus Cristo é Deus. Aceitando isto, terá
que aceitar tudo o que Jesus ensinou, portanto terá que aceitar toda a moral do
Evangelho, tudo aquilo que Jesus mandou fazer e observar. E cumprindo tudo
isto, com as graças abundantes que receberá na Igreja Verdadeira, conquistará a
Céu.
Um caminho só
Desfazendo a confusão.

78. Pelo que já foi explicado, o leitor inteligente está percebendo perfeitamente
o engano dos protestantes.

Quando vemos a Bíblia falar de 2 maneiras:

ora dizendo que, se nos queremos salvar, o que é necessário é crer em Cristo;
crendo em Cristo alcançaremos a salvação;

ora dizendo que, se nos queremos salvar, o que é preciso é observar os


mandamentos; guardando os mandamentos, chegaremos ao Céu;

parece à primeira vista que a Bíblia nos está falando de dois caminhos diversos.

Os protestantes que não gostam de aprofundar o sentido das Escrituras,


contentando-se apenas com o JOGO DE PALAVRAS, a preocupação máxima de se
colocarem em oposição à Igreja, enxergam aí 2 caminhos diversos e se decidem
por um, rejeitando o outro. Já viu o leitor algum protestante citar, explicar e
comentar razoavelmente os textos em que Jesus exige para a salvação a guarda
dos mandamentos?

O simples fato de ficarem assim apavorados diante de certos textos da Bíblia,


que é a palavra infalível de Deus, mostra que estão completamente enganados. E
o seu engano reside precisamente em não perceber isto: que ou exija só a fé em
Cristo, ou exija só a guarda dos divinos preceitos, a Bíblia nos está ensinando UM
CAMINHO SÓ, porque nos mandamentos está incluída a obrigação da fé; na fé em
Cristo está incluída a obrigação dos mandamentos.

1º Nos mandamentos está incluída a obrigação da fé.

Se devemos amar a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todo o
ENTENDIMENTO, não podemos negar crédito às palavras de Cristo que são palavras
de Deus; seria negar a Deus a submissão da nossa inteligência. Quem peca
contra a fé, portanto, peca contra o 1º mandamento, pois quem duvida da palavra
de Deus O está desonrando e considerando mentiroso; não se pode amar a uma
pessoa e desonrá-la ao mesmo tempo. E o que dizia Jesus aos judeus: Se eu vos
digo a verdade, por que me não credes? O que é de Deus ouve as palavras de
Deus; por isso vós não nas ouvis, porque não sois de Deus (João VIII-46 e 47).
Por isto dizia o Eclesiastes: Teme a Deus e observa os seus mandamentos,
porque isto é o TUDO do homem (Eclesiastes XII-13).

2º A fé inclui a obrigação dos mandamentos.

Em outras ocasiões, falando a pessoas que já estão certas e convencidas de que


para ganhar o Céu precisamos cumprir com os mandamentos de Deus, Nosso
Senhor lhes faz ver que o caminho do Céu é crer na sua doutrina. Aprendendo
esta doutrina, estas pessoas verão, no meio das coisas novas que não sabiam, a
confirmação daquilo de que já tinham ciência, isto é, de que para ganhar o Céu é
indispensável a observância dos mandamentos. O amor de Deus e o amor do
próximo, eis os pontos altos da doutrina moral pregada pelo Mestre, que nisto
tantas vezes insistiu, como acabamos de ver. Aquele que não quer guardar os
mandamentos é como se não cresse em Jesus Cristo, pois nem ao menos O
conhece. É o que nos ensina S. João que, falando a respeito de Jesus, nos diz o
seguinte: Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos,
mas também pelos de todo o mundo. E nisto sabemos que o CONHECEMOS, se
GUARDAMOS os seus MANDAMENTOS. Aquele que diz que O CONHECE e NÃO GUARDA OS
SEUS MANDAMENTOS, é um mentiroso; e não há nele verdade (1ª João II-2 a 4).

Logo, a fé em Cristo inclui a obrigação de observar os seus mandamentos.

A Bíblia, portanto, pode falar num dos 2 pontos e apresentá-lo como essencial à
salvação — crer em Cristo ou observar os mandamentos — porque um inclui o
outro. O que não impede a própria Bíblia de falar nos 2 pontos ao mesmo tempo:
um confirmando o outro, quando assim o entender o Autor Sagrado. S. João, na
sua 1ª Epístola, falando a respeito de Deus, diz: Este é o seu mandamento: que
CREIAMOS no nome de seu Filho Jesus Cristo e que NOS AMEMOS UNS AOS OUTROS,
como Ele nos mandou (1ª João III-23). E o livro do Apocalipse diz: Aqui está a
paciência dos santos que guardam os MANDAMENTOS de Deus e a FÉ de Jesus
(Apocalipse XIV-12).
O estilo da Bíblia e o teor das divinas promessas
Nas pegadas do Bom Pastor.

79. Jesus é o Bom Pastor que guia as suas ovelhas pelo caminho do Céu: Eu sou
o Bom Pastor (João X-11). O que me segue não anda em trevas, mas terá o lume
da vida (João VIII-12).

Se nós desejamos chegar ao Reino dos Céus, à Jerusalém Celeste e pedimos a


Jesus que nos leve até lá, Ele nos diz: Entra no meu rebanho e terás o Céu.

Entrando no rebanho de Cristo, ficamos muito anchos e satisfeitos: Tenho


certeza de que em breve estarei no Céu; o Bom Pastor me disse: Entra no meu
rebanho e terás o Céu. Ora, eu entrei no rebanho. Logo...

É quando uma ovelha mais esclarecida nos adverte:

— Não, meu amigo; o Bom Pastor não te disse: Basta entrar no meu rebanho
para conseguires o Céu; mas disse: Entra no meu rebanho e terás o Céu, o que é
bem diferente. Entra no meu rebanho — quer dizer: vem e segue-me, sê minha
ovelha fiel; entrega-te à minha direção. E o Bom Pastor então nos vai apontando
o verdadeiro caminho da bem-aventurança, mostrando-nos o caminho que Ele
próprio seguiu à nossa frente, quando nos deu o seu exemplo: Eu dei-vos o
exemplo, para que como eu vos fiz, assim façais vós também (João XIII-15).
Precisas seguir o caminho que Ele te aponta para chegares ao Céu; se te
desviares, és uma ovelha desgarrada que o Bom Pastor misericordiosamente irá
buscar, mas precisarás então voltar ao caminho indicado, sem isto não alcançarás
o teu destino. Porventura achas que, quando um professor diz: Quem entrar na
minha escola, se tornará um homem bem preparado — é o simples fato de entrar
na escola que torna logo um sábio aquele que ali entrou? É preciso entrar na
escola, mas para fazer bem direitinho as tarefas e exercícios que o mestre
indicar.

Compreendeu Você agora, caro amigo protestante?

Quando Jesus nos diz: crê em mim e serás salvo (porque Ele nunca disse: Basta
crer em mim para ser salvo) é o Bom pastor que nos está dizendo: Entra no meu
rebanho e terás o Céu. Crer em Jesus é aceitar toda a sua doutrina, colocar-nos
no número dos seus discípulos, entrar no seu rebanho. Por isto disse Jesus aos
judeus: Vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas (João X-26). Mas
entrar no rebanho de Cristo já encerra em si um compromisso: o de O seguirmos
como ao Bom Pastor que nos aponta o caminho. E quando Ele diz: Guarda os
mandamentos, ama a teu próximo como eu te amei — está apontando este
caminho que havemos de seguir para conquistar o Céu: as minhas ovelhas
ouvem a minha voz: eu conheço-as e elas ME SEGUEM (João X-27).

As promessas e suas condições.

80. Há, sem dúvida alguma, nestas palavras: Crê no senhor Jesus e serás salvo
(Atos XVI-31), quem nEle crê não é condenado (João III-18), o que crê no Filho
tem a vida eterna (João III-36), Deus deu ao mundo seu Filho Unigênito para
que todo o que crê nEle não pereça, mas tenha a vida eterna (João III-16), a
virtude de Deus é para dar a salvação a todo o que crê (Romanos I-16) etc, etc.
— uma PROMESSA DE VIDA ETERNA para todos aqueles que creem em Jesus.

O que, porém, se torna indispensável é que aqueles que creem em Jesus se


esforcem para se tornarem DIGNOS destas divinas promessas. E a Igreja
sabiamente põe os seus filhos a rezar da seguinte maneira: “Rogai por nós, santa
Mãe de Deus, para que sejamos DIGNOS das promessas de Cristo”. Porque uma
coisa que não podem negar aqueles que conhecem perfeitamente o ESTILO DA
BÍBLIA é o seguinte: a Bíblia não nos diz tudo de uma vez, é muito comum no
texto sagrado estar nuns versículos consignada A PROMESSA, e noutros AS
CONDIÇÕES SOB AS QUAIS ESTA PROMESSA SERÁ REALIZADA. Não se pode desprezar
nenhum versículo bíblico; tudo ali é palavra de Deus; e querer alguém olhar
somente para os versículos que falam da promessa, porque os acha muitos bons,
muito agradáveis e consoladores e desprezar outras passagens da Escritura, em
que se apontam as condições impostas por Deus para que sejamos dignos desta
promessa, é evidentemente falsear a palavra divina.

É fácil mostrar isto com exemplos.

A invocação do Nome do Senhor.


81. Vejamos este texto: Todo aquele, quem quer que for, o que INVOCAR o nome
do Senhor, será salvo (Romanos X-13; Joel II-32).

Sofregamente se lançam os protestantes sobre este versículo e o apresentam,


muito anchos, vendo aí a destruição do Catolicismo: para o homem salvar-se não
precisa pertencer à Igreja Católica, não é necessária a observância dos
mandamentos, não é necessário o Batismo, nem a Confissão, nem a Eucaristia,
basta invocar o nome do Senhor!

Mas o argumento que prova demais, não prova coisa alguma e diante deste texto
assim tão mal interpretado, vê o protestante desmoronar-se também todo o seu
Protestantismo:

— A Bíblia! para que me dão Vocês a Bíblia?

— Para conhecer a palavra de Deus; para conhecer a doutrina de Jesus.

— Que necessidade tenho eu de conhecer a palavra de Deus, de acreditar ou


deixar de acreditar naquilo que ensinou Jesus, se para salvar-me basta só uma
coisa: invocar o seu nome! Para invocar o seu nome, basta saber que Ele existe e
como se chama; não é preciso saber qual foi, nem qual deixou de ser a sua
doutrina.

Assim poderá falar qualquer pagão convidado a abraçar o Cristianismo ou


qualquer indiferente em matéria religiosa que for exortado à prática da religião.

E o crápula, o devasso, o libertino, o salteador, o homem que vive praticando as


maiores misérias poderá dizer: Pratico muitos crimes, não nego; porém, por mais
crimes que cometa, irei com toda certeza para o Céu, pois para isto não se
precisa nem arrependimento, basta invocar o nome do Senhor; isto é o que tenho
cuidado de fazer de vez em quando, porque não sou idiota...

Por aí se vê a que absurdos se poderá chegar com este sistema desonesto de


isolar um texto qualquer e apresentá-lo criminosamente ao público que nada
entende de interpretação da Bíblia, tendo o cuidado de desprezar ou ocultar
outros textos do Livro Sagrado.

Não há dúvida que estas palavras encerram um PROMESSA. A questão está agora
em saber pela própria Bíblia, EM QUE CONDIÇÕES O HOMEM PODE TORNAR-SE DIGNO
DA REALIZAÇÃO DESTA PROMESSA. Porque a própria Bíblia em outro texto se
encarrega de nos dizer que NÃO BASTA INVOCAR O NOME DO SENHOR PARA SER SALVO;
bem como nos esclarece quais as condições sob as quais o homem, invocando o
nome do Senhor, pode alcançar a salvação: Nem todo o que me diz: Senhor,
Senhor, entrará no reino dos Céus, mas sim o que faz a vontade de meu Pai, que
está nos Céus, esse entrará no reino dos Céus (Mateus VII-21).

Há contradição entre um texto e outro? Não. Apenas este último está indicando
com que sentimentos, com que disposições de ânimo precisa o homem de
invocar o nome do Senhor para salvar-se.

É preciso que o faça com o coração sincero do servo que quer ser fiel ao seu
senhor, do filho que não quer de modo algum desagradar a seu pai. E uma vez
que Deus lhe exige a observância dos mandamentos, sintetizados no amor de
Deus e do próximo; uma vez que Deus lhe exige a fé em toda a doutrina de
Jesus; uma vez que Deus exige a confissão como veremos (capítulo 12º), pois
instituiu o Sacramento da Penitência para aqueles que pecam depois do Batismo;
uma vez que Deus lhe ordena a recepção da Eucaristia (João VI-54), é preciso
que ele esteja disposto a aceitar e praticar tudo isto para alcançar a salvação, pois
esta não se pode conseguir contrariando a vontade de Deus.

Se se trata de um pagão que, sem culpa sua, não tem conhecimento de todos
estes preceitos de Deus revelados ao homem, é preciso que esteja disposto a
realizar EM SI A VONTADE DIVINA, tal qual esta vontade se lhe apresenta diante da
sua reta consciência, é preciso que esteja disposto a abraçar a Verdade e o Bem,
onde quer que eles se encontrem.

Como se observa pelo contexto, S. Paulo, citando esta profecia de Joel, tinha
apenas por fim salientar que qualquer homem, judeu ou gentio (e assim se
destrói a ideia que tinham muitos judeus de que só para eles havia salvação)
pode alcançar o Reino dos Céus, desde que invoque a Deus sinceramente,
disposto a cumprir em si a divina vontade: Não há distinção de JUDEU e de GREGO,
posto que um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que O
invocam. Porque todo aquele, quem quer que for, o que invocar o nome do
Senhor, será salvo (Romanos X-12 e 13).

A eficácia da oração.
82. Vejamos agora outro exemplo.
Nosso Senhor disse: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-
vos-á; porque todo aquele que pede recebe, e o que busca acha, e ao que bate se
lhe abrirá (Lucas XI-9 e 10).

São palavras bem claras, enunciando a PROMESSA que faz Deus de atender a todas
as nossas orações.

Ora, a experiência de cada dia nos mostra evidentemente que há muitas coisas
que se pedem a Deus e não se alcançam. Quando adoece o pai ou a mãe, ou
qualquer outro membro de uma família, nada mais natural do que a família
inteira pôr-se em oração e pedir a Deus que cure aquela pessoa, e que livre a
todos daquele golpe. É o que frequentemente acontece. E no entanto muitas e
muitas vezes esta prece não é atendida. Quantos pedidos sobem aos Céus (uma
moça quer casar-se, um homem quer conseguir um melhor emprego, outro quer
meios para fazer uma viagem, o encarcerado quer livrar-se da prisão etc, etc.) e
não são satisfeitos!

Que significa isto? Que Deus falta com a sua promessa? Não; a palavra de Deus
é infalível. Quer dizer que num texto vem a PROMESSA; noutros vêm explicadas AS
CONDIÇÕES sob as quais ESTA PROMESSA SE REALIZA.

Está visto que uma destas condições é que aquilo que nós pedimos seja
realmente bom e conveniente para nós. Se um pai diz a seus filhinhos: darei tudo
quanto Vocês pedirem — aí logo se subentende que dará só o que for bom e útil
para eles. Um quer uma peixeira bem amolada para brincar de vendelhão com
seus irmãozinhos; o outro quer uma motocicleta para sumir-se no meio das ruas
movimentadas com risco da sua própria vida; a outra quer a liberdade de passear
com certas companheirazinhas que não se recomendam. Que faz o pai
extremoso? Nega-lhes inapelavelmente o que lhe pedem, embora esperneiem e
se zanguem, porque quer somente o bem de seus filhos e reserva alguma coisa
melhor, de outro gênero, para coroar de qualquer maneira, o seu pedido. Somos
diante de Deus como crianças inexperientes: não sabemos o que havemos de
pedir, como convém (Romanos VIII-26); é o que nos diz S. Paulo. A família toda
se reúne para rezar pela saúde do pai ou da mãe ou de qualquer outro membro
que se acha enfermo; mas se, por exemplo, aquele é o momento propício para a
salvação daquela criatura que se acha contrita e, se ficar boa, pode, quem sabe?
perder-se mais tarde; não é o caso de Deus negar o pedido, porque a salvação
daquela alma está acima de tudo? O emprego melhor remunerado ou o
casamento, a viagem ou o livramento do cárcere podem ser contrários aos
desígnios altíssimos de Deus, segundo os quais a salvação se poderá tornar
muito mais fácil na pobreza, na renúncia e na penitência. E assim por diante.

Por isto Jesus mesmo se encarrega de esclarecer que a promessa da eficácia da


oração subentende que Deus dará coisas boas, não coisas que nos são nocivas ou
que não nos aproveitam. Se vós outros, sendo maus, sabeis dar BOAS DÁDIVAS a
vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos Céus, dará BENS aos que lhos
pedirem! (Mateus VII-11). S. Paulo nos diz que pediu a Deus que o livrasse de
certas angústias e aflições no seu corpo, mas Deus não o atendeu, porque queria
elevá-lo a uma maior perfeição da virtude: Permitiu Deus que eu sentisse na
minha carne um estímulo que é o anjo de Satanás para me esbofetear. Por cuja
causa roguei ao Senhor três vezes que ele se apartasse de mim. E então me
disse: Basta-te minha graça; porque a virtude se aperfeiçoa na enfermidade (2ª
Coríntios XII-7 a 9). E S. Jerônimo diz sobre este fato: “Bom é o Senhor que
muitas vezes não nos concede o que queremos, para nos conceder o que
preferiríamos”.

Outra das condições é que a oração seja feita com fé e confiança: Todas as
coisas que pedirdes, FAZENDO ORAÇÃO COM FÉ, haveis de conseguir (Mateus XXI-
22). Todas as coisas que vós pedirdes orando, CREDE que as haveis de haver e
que assim vos sucederão (Marcos XI-24). Cheguemo-nos, pois, CONFIADAMENTE
ao trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e de achar graça para sermos
socorridos em tempo oportuno (Hebreus IV-16). Se algum de vós necessita de
sabedoria, peça-a a Deus que a todos dá liberalmente e não impropera, e ser-
lhe-á dada. MAS PEÇA-A COM FÉ, SEM HESITAÇÃO ALGUMA; porque aquele que duvida
é semelhante à onda do mar que é agitada e levada duma parte para a outra
pela violência do vento; NÃO CUIDE, pois, este tal, QUE ALCANÇARÁ DO SENHOR
ALGUMA COISA (Tiago I-5 a 7).

A oração deve ser humilde, como mostra Nosso Senhor com a parábola do
fariseu e do publicano (Lucas XVIII-9 a 14), a qual termina assim: Todo o que se
exalta, será humilhado e todo o que se humilha será exaltado (Lucas XVIII-14).
Humilhai-vos na presença do Senhor e Ele vos exaltará (Tiago IV-10).
Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte
no tempo da sua visita, remetendo para Ele todas as vossas inquietações, porque
Ele tem cuidado de vós (1ª Pedro V-6 e 7). Deus resiste aos soberbos e dá a sua
graça aos humildes (Tiago IV-6; 1ª Pedro V-5).

Finalmente a oração precisa ser também perseverante, como mostra Jesus com a
parábola do homem, a quem um amigo, à meia-noite, vem pedir três pães
emprestados: E se o outro perseverar em bater; digo-vos que no caso que ele se
não se levantar a dar-lhos por seu amigo, certamente pela sua importunação se
levantará e lhe dará quantos pães houver mister (Lucas XI-8). Como também,
com a parábola do juiz iníquo e da viúva suplicante, a quem o juiz atende
somente pela importunação desta: por último disse lá consigo: Ainda que eu não
temo a Deus nem respeito os homens, todavia, como esta viúva me importuna,
far-lhe-ei justiça, para que por fim não suceda que, vindo ela muitas vezes me
carregue de afrontas. Então disse o Senhor: Ouvi o que diz este juiz iníquo. E
Deus não fará justiça aos seus escolhidos que estão clamando a Ele dia e noite?
(Lucas XVIII-4 a 7).

Por tudo isto se vê que há um versículo que nos assegura a eficácia da oração: é
a PROMESSA. Mas é preciso folhear várias partes do Novo Testamento para ver EM
QUE CONDIÇÕES ESTA PROMESSA SE REALIZA.

A Eucaristia e a vida eterna.

83. Vamos a um terceiro exemplo.


Cristo prometeu a vida eterna àqueles que participassem da Sagrada Eucaristia:
O que come a minha carne e bebe o meu sangue TEM A VIDA ETERNA; E EU O
RESSUSCITAREI NO ÚLTIMO DIA (João VI-55). O que come deste pão VIVERÁ
ETERNAMENTE (João VI-59).

Eis aí a PROMESSA. Pode parecer à primeira vista, que para entrar na vida eterna,
não se precisa de outra coisa a não ser participar uma só vez da mesa eucarística.

Mas S. Paulo já se encarrega de nos ensinar uma das condições exigidas para
isto; condição, na qual Cristo não havia falado (porque a Bíblia não nos ensina
tudo de uma vez). É preciso que seja recebida a Eucaristia com a consciência
limpa, purificada dos pecados: Examine-se, pois, a si mesmo o homem e assim
coma deste pão e beba deste cálix, porque todo aquele que come e bebe
indignamente, come e bebe para si a condenação, não discernindo o corpo do
Senhor (1ª Coríntios XI-28 e 29).

Mas será que pelo simples fato de ter recebido uma vez condignamente o corpo
do Senhor, fica o homem com a salvação assegurada para sempre? Não há
dúvida que a comunhão lhe traz uma íntima união com Cristo: o que come a
minha carne e bebe o meu sangue, esse FICA EM MIM E EU NELE (João VI-57). Da
sua parte, Cristo entra com a sua graça, com a sua presença inefável na alma,
robustecendo-a, dando-lhe o auxílio necessário para que se vença a si mesma nas
tentações e alcance a vida eterna. Mas o homem é livre e não se tornou
impecável com a comunhão, tem que corresponder às graças divinas e fazer da
sua parte o esforço para permanecer com Cristo em sua alma, e é a isto que
Cristo o exorta: O QUE PERMANECE EM MIM E O EM QUE EU PERMANEÇO, esse dá muito
fruto; porque vós sem mim não podeis fazer nada. Se alguém NÃO PERMANECER EM
MIM será lançado fora como a vara, e secará e enfeixá-lo-ão e lançá-lo-ão no
fogo e ali arderá (João XV-5 e 6).

Eis aí, portanto, mais outra condição para que a comunhão nos garanta a vida
eterna: é preciso permanecer em Cristo pela fuga ao pecado, e isto fica a
depender de nós, pois Cristo já nos dá, pela comunhão, um valioso aumento de
graça para mantermos a nossa fidelidade. A obrigação de permanecer com Ele
supõe, pelo menos, que tenhamos sempre o cuidado de com Ele nos
reconciliarmos e de O recebermos novamente, se tivermos a desgraça de afastá-
Lo pelo pecado mortal.

Grande condição para uma grande promessa.

84. Está mais do que provado, por conseguinte, qual é o sistema de doutrinação
da Bíblia: em uns versículos estão AS GRANDES PROMESSAS, em outros vem
explicado O QUE HAVEMOS DE FAZER PARA VÊ-LAS REALIZADAS.

Pois bem, o mesmo acontece com A PROMESSA DE VIDA ETERNA TODO O QUE CRÊ;
sim, para todo o que crê, pois aquele que se recusa a crer já está excluído: sem fé
é impossível agradar a Deus (Hebreus XI-6); e até mesmo os que de forma
alguma não conhecem a Cristo, têm que crer em alguma coisa, têm que crer ao
menos que há Deus e que é remunerador dos que O buscam (Hebreus XI-6).

Lemos em vários versículos A GRANDE PROMESSA DE VIDA ETERNA PARA OS QUE


CREEM em Jesus Cristo. Esta mesma fé em Cristo é que nos leva a ver no próprio
ensino do Novo Testamento EM QUE CONDIÇÕES TAL PROMESSA SURTIRÁ O SEU
EFEITO. As condições são várias, estão esparsas aqui e acolá no ensino bíblico,
mas podem ser todas resumidas numa só, numa GRANDE CONDIÇÃO, expressa neste
texto há pouco citado: Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino
dos Céus; mas sim o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus (Mateus
VII-21).

Caro amigo protestante, não se fie nesta doutrina: Jesus, Jesus, Jesus, Jesus é
meu salvador; logo, eu estou salvo — isto não passava de uma malandragem de
Lutero que queria ter por fina força a convicção de que realmente estava salvo,
mas sem o trabalho de vencer as tentações que o atormentavam; foi ele quem
inventou e propagou no mundo este sistema de se olhar na Bíblia, só para o
prêmio que Deus promete e não para aquilo que se nos impõe como obrigatório a
fim de alcançar o que foi prometido por Deus.

Ninguém pode alcançar o Céu SEM REALIZAR A VONTADE DIVINA. E para todos os
homens:

ou seja para os gentios antes de Cristo e os pagãos de hoje que de Cristo não
tiveram conhecimento, os quais entretanto tinham e têm os mandamentos de
Deus (não matarás, não furtarás, não adulterarás, não levantarás falso
testemunho, não desejarás a mulher do próximo etc.) impressos no seu coração
pela voz da consciência, pela lei natural;

ou seja para os judeus antes de Cristo, aos quais tinha Deus imposto o Decálogo,
além de muitas cerimônias e prescrições;

ou seja para os seguidores de Cristo, que não estão obrigados absolutamente às


cerimônias e prescrições da lei mosaica, mas estão sujeitos à lei de Cristo que
confirmou, refundiu, e aperfeiçoou os preceitos do Decálogo, dando além disto
várias determinações sobre a Igreja que Ele fundou e sobre os sacramentos que
Ele instituiu, determinações estas que, sendo mandamentos de Cristo, o são
também de Deus;

para todos, enfim, a vontade do Pai Celeste está expressa nos seus mandamentos.
Observe-os; realize a vontade divina. Faça isto e Você VIVERÁ, como disse o
Divino Mestre, porque só assim Você se tornará digno das promessas de Cristo.
Capítulo Quinto
A certeza da salvação
Doutrina de S. Paulo.

85. A doutrina do Apóstolo S. Paulo não é, nem podia ser diversa da doutrina de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Se, por conseguinte, Jesus mostra a caridade, ou seja,
o amor de Deus e do próximo, e não somente a fé, como necessária para a
salvação, isto mesmo é o que S. Paulo nos ensina, mostrando-nos que a fé sem a
caridade nada vale: Se eu tiver o dom de profecia, e conhecer todos os mistérios
e quanto se pode saber, e se tiver toda a fé, até o ponto de transportar montes, e
não tiver caridade, NÃO SOU NADA (1ª Coríntios XIII-2). A hipótese apresentada
por S. Paulo é muito expressiva, pois ele figura o caso de um homem que tem a
fé em sumo grau: uma fé tão grande, que é capaz de dizer a uma montanha que
saia de seu lugar e se transporte para outro, e Deus fará o milagre em atenção à
pureza e à perfeição de sua fé. Mesmo assim, não é nada aquele que a tem, se
não tem a caridade. A caridade é, portanto, na doutrina paulina, a maior das
virtudes: Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três
virtudes; porém a MAIOR delas é a caridade (1ª Coríntios XIII-13). No final da
mesma Epístola, ele nos diz: Todas as vossas obras sejam feitas EM CARIDADE (1ª
Coríntios XVI-14). Se algum não AMA a Nosso Senhor Jesus Cristo, seja
anátema (1ª Coríntios XVI-22).

Se Nosso Senhor, descrevendo o julgamento de Deus, nos faz ver que seremos
julgados de acordo com as boas ou más obras, este também é o ensinamento de
S. Paulo. Já citamos mais de uma vez a sua frase na Epístola aos Romanos em
que ele nos fala no justo juízo de Deus que há de retribuir a cada um SEGUNDO AS
SUAS OBRAS (Romanos II-5 e 6). E isto é o que ele ensina constantemente nas suas
Epístolas: Cada um receberá do Senhor a PAGA do BEM que tiver FEITO, ou seja
escravo ou livre (Efésios VI-8). Importa que todos nós compareçamos diante do
tribunal de Cristo, para que cada um receba o GALARDÃO segundo o que tem
FEITO, ou BOM ou MAL, estando no próprio corpo (2ª Coríntios V-10). Deus não é
injusto, para que se esqueça de vossa OBRA e CARIDADE que mostrastes em seu
nome, os que haveis subministrado o necessário aos santos e ainda o
subministrais (Hebreus VI-10). E diz a Timóteo que mande que os ricos deste
mundo se façam ricos de boas obras, a fim de ajuntarem para si um tesouro e
alcançarem a verdadeira vida: Manda aos ricos deste mundo... que façam bem,
que se façam ricos em BOAS OBRAS, que deem, que repartam francamente, que
façam para si um TESOURO como um fundamento sólido para o futuro, A FIM DE
ALCANÇAREM A VERDADEIRA VIDA (1ª Timóteo VI-17 a 19).

É sempre a mesma doutrina do Mestre: julgamento de Deus de acordo com as


boas ou más obras de cada um, salientando-se entre estas obras boas a prática da
caridade.

Se Jesus nos fala da necessidade da observância dos mandamentos para


conseguir o Céu, esta necessidade é também ensinada por S. Paulo: A
circuncisão nada vale, e o prepúcio nada vale, senão A GUARDA DOS MANDAMENTOS
DE DEUS (1ª Coríntios VII-19). Não vos enganeis: nem os fornicários, nem os
idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os
ladrões, nem os avarentos, nem os que se dão a bebedices, nem os maldizentes,
nem os roubadores hão de possuir o reino de Deus (1ª Coríntios VI-10).

E, se Nosso Senhor nos adverte: Nem todo o que me diz, Senhor, Senhor, entrará
no reino dos Céus, mas sim o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus
(Mateus VII-21), S. Paulo se encarrega de nos mostrar qual é esta vontade de
Deus: Pois esta é a vontade de Deus, a vossa santificação (1ª Tessalonicenses
IV-3), porque para S. Paulo não é somente a fé que nos torna aptos para entrar na
bem-aventurança, indo ver a Deus, mas também a santidade de vida: Segui a paz
com todos e A SANTIDADE, SEM A QUAL NINGUÉM VERÁ A DEUS (Hebreus XII-14).

Não há condenação.

86. Por todas estas passagens do Apóstolo das Gentes se vê muito bem que ele
absolutamente não é adepto da salvação pela fé sem as obras. Se os protestantes
aparecem com textos de S. Paulo para provar semelhante teoria, é porque não lhe
assimilaram bem o pensamento, e S. Paulo não é fácil de se entender; é o que
nos diz a própria Bíblia Sagrada (2ª Pedro III-15 e 16).

Examinaremos estes textos, começando por um que, aliás, nada tem de difícil e
serve apenas para mostrar como se ilude facilmente quem já vai ler a Bíblia com
uma ideia preconcebida. Tomamos em primeiro lugar este texto, porque dele se
servem os protestantes com dois objetivos: um, provar que a fé salva sem as
obras; outro, sugestionar-se a si próprios de que JÁ ESTÃO SALVOS. E é justamente
sobre esta estranha CERTEZA DA SALVAÇÃO, que pretendemos fazer um comentário
neste capítulo.

Vejamos o texto: Agora, pois, nada de condenação têm os que estão em Jesus
Cristo, os quais não andam segundo a carne (Romanos VIII-1).

Ingenuamente veem aí muitos protestantes a afirmação de que não se condena


absolutamente quem crê em Jesus Cristo; logo, a fé salva sem as obras.

Mas a questão é que S. Paulo não disse que não havia condenação para os que
CREEM em Jesus Cristo, porém para os que ESTÃO EM Jesus Cristo, o que já é
diferente. Podemos crer em Jesus, invocá-Lo com muita frequência, louvá-Lo a
cada instante e estar, não em Jesus Cristo, mas muito longe dEle, se se tratar de
uma fé que não desabrochou em caridade, ou seja, o amor de Deus e do próximo.
Estar em Jesus Cristo é estar em graça santificante, com a alma reconciliada com
Deus, sem mancha de pecado mortal; para isto é necessária a guarda dos
mandamentos. Como se prova? Pela própria Bíblia. Diz S. João, falando a
respeito de Jesus Cristo: Aquele que diz que O conhece e não guarda os seus
mandamentos, é um mentiroso e não há nele a verdade, mas se algum guarda a
sua palavra, é nele verdadeiramente perfeito o amor de Deus e por aqui é que
conhecemos que ESTAMOS NELE. Aquele que diz que ESTÁ NELE, DEVE também ele
mesmo ANDAR como ELE ANDOU (1ª João II-4 a 6). Para estar em Cristo não basta a
fé, é preciso guardar os seus mandamentos, guardar a sua palavra, andar como
Cristo andou, isto é, imitá-Lo pela santidade de vida.

Nem era necessário ir procurar a explicação em outra parte. O próprio texto de


S. Paulo, ora comentado, nos mostra quais são os que estão em Cristo: são os
que NÃO ANDAM SEGUNDO A CARNE (Romanos VIII-1). E justamente no decurso
deste mesmo capítulo 8º da Epístola aos Romanos, S. Paulo traça o contraste
entre os que vivem segundo a carne e os que vivem segundo o espírito:

Os que segundo a carne gostam das coisas que são da carne; mas os que são
segundo o espírito percebem as coisas que são do espírito. Ora a prudência da
carne é morte; mas a prudência do espírito é vida e paz; porque a sabedoria da
carne é inimiga de Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem tão pouco o pode
ser. Os que vivem, pois, segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós,
porém, não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, SE É QUE O ESPÍRITO
DE DEUS HABITA EM VÓS; MAS SE ALGUM NÃO TEM ESPÍRITO DE CRISTO, ESTE TAL NÃO É
DELE (Romanos VIII-5 a 9). Se vós viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se
vós pelo espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis (Romanos VIII-13).

O que é que S. Paulo entende por OBRAS DA CARNE?

Ninguém é melhor do que ele nos poderá esclarecer; vejamos, portanto, o que
diz o próprio S. Paulo:

As OBRAS DA CARNE estão patentes, como são a fornicação, a impureza, a


desonestidade, a luxúria, a idolatria, os empeçonhamentos, as inimizades, as
contendas, os zelos, as iras, as brigas, as discórdias, AS SEITAS, as invejas, os
homicídios, as bebedices, as glutonerias e outras coisas semelhantes, das quais
eu vos declaro, como já vos disse, que os que tais coisas cometem não possuirão
o reino de Deus (Gálatas V-19 a 21).

Os que fazem as obras da carne NÃO POSSUIRÃO O REINO DE DEUS, portanto, não
estão no número daqueles para quais NÃO HÁ CONDENAÇÃO.

S. Paulo enumera aí vícios que são contra a castidade, como a fornicação, a


impureza, a desonestidade, e a luxúria;

Um pecado que é contra a virtude da religião: a idolatria;

Pecados que são contra a caridade: os empeçonhamentos, as inimizades, as


contendas, os zelos, as iras, as brigas, as discórdias, as invejas, os homicídios;

Ou que são contra a temperança: as bebedices e as glutonerias.

E entre estas OBRAS DE CARNE, S. Paulo aponta aí um fenômeno que é ao mesmo


tempo contra a fé e contra o espírito de união: AS SEITAS.

Ninguém pode falar em SEITAS, sem lembrar imediatamente do PROTESTANTISMO.


A Igreja, na sua longa história de 20 séculos, se tem defrontado com um grande
número de seitas. Às vezes de umas têm nascido outras, como é natural.

Mas o Protestantismo se apresentou, logo desde os seus inícios, como algo


inteiramente novo: não como uma seita simplesmente, mas como UMA FÁBRICA DE
SEITAS EM LARGA ESCALA. Dizendo a todas as pessoas do mundo, sem exceção,
mesmo às mais rudes e ignorantes, mesmo àqueles que gostam de ter opiniões
bem originais e extravagantes, mesmo aos que são desequilibrados, mesmo aos
que têm a mania de serem líderes religiosos, de se apresentarem como enviados
de Deus, de fundarem religiões novas, mesmo aos “indoutos e inconstantes que
gostam de adulterar as Escrituras, para ruína de si mesmos”, dizendo a todos
estes”a Bíblia é um livro muito fácil de interpretar, Vocês têm o direito de
comentá-la, como acharem mais razoável — o Protestantismo renunciou ao
gosto que tiveram as outras heresias de ter uma doutrina SUA, um credo próprio,
para se tornar uma heresia industrializada a variadíssima, uma fonte imensa de
heresias, as mais descontroladas [10]. Mais adiante (nos 225 a 243) daremos uma
amostra das profundas divergências que existem entre as seitas protestantes.

Por enquanto, basta dizer que, se S. Paulo, como vimos (Romanos VIII-9),
estabelece o contraste entre o espírito de Cristo e as obras da carne, as seitas são
contrárias ao espírito de Cristo. Porque Cristo nos ensinou a Verdade, Ele é a
própria VERDADE e a verdade é uma só; o ideal de Cristo é que haja UM REBANHO E
UM PASTOR (João X-16); o espírito de Cristo é, como Ele disse ao Padre Eterno,
que os que creem na sua palavra sejam todos UM, como tu, Pai, o és em mim e eu
em ti; para que também eles sejam UM em nós e creia o mundo que tu me
enviaste (João XVII-21), o ideal de Cristo é aquele que traça S. Paulo: a unidade
da fé (Efésios IV-13) a unidade de espírito pelo vínculo da paz, sendo um
mesmo corpo e um mesmo espírito... assim como não há senão um Senhor, uma
fé, um Batismo (Efésios IV-3 a 5).

Depois de mostrar quais são as obras da carne, S. Paulo nos aponta as obras do
espírito: Mas o fruto do espírito é a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a
benignidade, a bondade, a longanimidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia,
a continência, a castidade. Contra estas coisas não há lei. E os que são de
Cristo crucificaram a sua própria carne com seus vícios e concupiscências
(Gálatas V-22 a 24).

Sim, não há nenhuma condenação para aqueles que ESTÃO EM CRISTO; mas os que
estão em Cristo não andam segundo a carne. Enquanto estiverem assim neste
bom caminho, não há nenhuma condenação para eles. Se deste bom caminho se
afastam, a coisa então já mudou de figura. Mas isto não é a doutrina luterana de
salvação só pela Fé sem as obras. É a verdadeira doutrina católica de que as
obras são necessárias para a salvação.
Notas (pular)

[10] A versão de Ferreira de Almeida traz, neste trecho de S. Paulo que estamos comentando, a palavra
HERESIAS em vez da palavra SEITAS. Mas isto em nada altera o sentido. A passagem de S. Paulo continua a
ser uma condenação das seitas protestantes, pois todos os “evangélicos” reconhecem que há dentro das
seitas, nascidas do livre exame, nascidas do Protestantismo, muitas HERESIAS. Elas próprias se acusam umas
às outras de heréticas, o que ninguém surpreende, uma vez que ensinam em muitos pontos doutrinas
totalmente diversas. E é interessante notar que a mesma palavra grega aí empregada HÁIRESIS aparece em
outros textos da Bíblia: e em vários lugares é traduzida nas versões protestantes (tanto de Ferreira de
Almeida, como da Sociedade Bíblica do Brasil) pela palavra SEITA (Atos V-17; XV-5; XXIV-5; XXIV-14;
XXVIII-22). (voltar)

Salvação em marcha e salvação consumada.

87. Os protestantes, como dissemos, se iludem com este texto de S. Paulo —


nada de condenação têm os que estão em Jesus Cristo — vendo aí a certeza
absoluta de que já estão salvos. A simples exposição do sentido do texto mostrou
claramente que daí absolutamente não se pode tirar esta conclusão, desde que
tudo está condicionado a uma cláusula: não andar segundo a carne.

Mas há outros textos ainda, que fazem confusão na cabeça dos protestantes. O
leitor vai-nos permitir esta digressão, pois o nosso livro tem por fim sobretudo,
analisando a mentalidade protestante, esclarecer pacientemente muitas de suas
confusões. E não podíamos deixar de falar sobre esta ideia de certeza absoluta da
salvação, que os protestantes ingenuamente alimentam.

Para isto, antes de tudo, figuremos uma hipótese. Um homem vivia em


deplorável estado de pecado; se morresse nesse estado, certamente se
condenaria. Se quisermos dar um nome a esse homem, demos-lhe um qualquer:
chamemo-lo Agostinho por exemplo. Deus por muitos anos perseguiu
amorosamente com sua graça o coração desse nosso Agostinho. E um dia ele
cooperou plenamente com a graça: voltou-se de todo o coração para Deus.
Houve um feliz momento em que se operou uma transformação radical em sua
alma: esta que estava em pecado mortal passou a tornar-se revestida da graça
santificante. Suponhamos que esse homem ainda viveu por muitos anos, mas
sempre fiel à graça.

Podia ter acontecido com ele que se perdesse, voltando aos pecados antigos e
morrendo impenitente em estado de pecado mortal, podia também ter acontecido
que retornasse ao pecado, até mais de uma vez, e no entanto Deus o convertesse
de novo e o regenerasse pelo arrependimento, porque ele conservava o livre
arbítrio, uma vez que a graça não destrói a liberdade. Mas isto não aconteceu:
cooperou com a graça até o fim, nunca perdeu a graça santificante. Um dia
morre o nosso herói e comparece ao tribunal de Deus. A sentença divina é esta:
SALVAÇÃO. Não irá para o inferno; será um glorioso habitante do Céu por toda a
eternidade.

Agora perguntamos: em que ocasião esse homem se salvou? Podemos dizer que
foi naquele momento inicial em que sua alma passou do estado de pecado para o
de graça santificante. Segue-se daí que ele tinha certeza absolutamente, nesse
momento, de que iria para o Céu? Não, porque o homem não pode garantir, com
absoluta certeza, que sempre há de cooperar com a graça. Sua vontade firme
pode ser esta; no entanto o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca
(Mateus XXVI-41). O coração do homem está sujeito a muitas mudanças; uma
pequena resistência à graça pode depois paulatinamente acarretar resistências
maiores; basta, por exemplo, uma inclinação ao orgulho, à presunção para fazê-
lo cair deploravelmente, porque Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos
humildes (1ª Pedro V-5).

No decorrer de todos os anos que se seguiram à sua conversão, ele sempre podia
dizer: Estou salvo. Mas que sentido teria esta frase? Quereria dizer que tinha
certeza absoluta da salvação? Não; porque ele podia pecar e afastar-se do bom
caminho. A frase seria verdadeira neste sentido: Estou no caminho da salvação,
porque estou na graça de Deus; se morrer neste mesmo instante, alcançarei a
vida eterna. Assim, tanto ele podia dizer; — Estou salvo — como: Espero que
hei de salvar-me, conforme considerasse A SALVAÇÃO EM MARCHA OU A SALVAÇÃO
CONSUMADA.

Mas quanto a esta salvação consumada, à salvação futura, no dia do julgamento


de Deus, ele não podia ter certeza absoluta (pois não era impecável) podia, sim,
ter a esperança, uma firme e bem fundada esperança.

Neste dia do julgamento de Deus, quando Deus proferiu a sentença em seu


favor, aí então se pode dizer que se salvou com certeza absoluta.

O verbo salvar em três tempos.

88. Ora, a Bíblia fala em salvação, usando tanto o passado, como o presente,
como o futuro; e uma vez até usando o passado e o futuro ao mesmo tempo.

1º — no passado: DEUS NOS SALVOU.

S. Paulo, falando a Tito, relembra os pecados cometidos pelos cristãos antes de


sua conversão: Também nós algum tempo éramos insensatos, incrédulos,
metidos no erro, escravos de várias paixões e deleites, vivendo em malícia e em
inveja, dignos de ódio, aborrecendo-nos uns aos outros (Tito III-3).
Imediatamente depois de ter descrito esta miséria e depravação, este estado
deplorável em que se encontravam, S. Paulo mostra como Deus OS SALVOU
daquela desgraceira, os colocou no caminho da salvação. Vejamos os versículos
seguintes: Mas quando apareceu a bondade do Salvador nosso Deus e o seu
amor para com os homens, não por obras de justiça que tivéssemos feitos nós
outros, mas segundo a sua misericórdia, NOS SALVOU pelo batismo de
regeneração e renovação do Espírito Santo, o qual Ele difundiu sobre nós
abundantemente por Jesus Cristo, nosso Salvador, para que justificados pela
graça, sejamos herdeiros segundo a esperança da vida eterna (Tito III-4 a 7).

S. Paulo finda falando na esperança da vida eterna. Esperança não é o mesmo


que certeza absoluta. Se Deus os salvou da perdição, segue-se que se salvarão
com absoluta certeza? S. Paulo absolutamente não afirma que eles são
imaculáveis, ou que é impossível voltar ao estado antigo. Mostraremos, daqui a
pouco, pelos próprios textos da Bíblia, que esta não considera impecáveis, nem
completamente seguros aqueles que estão no bom caminho e que, portanto, a
salvação adquirida nesta vida ainda pode perder-se.

E é por isso que S. Paulo adverte os Coríntios: Acaso não sabeis que os iníquos
não hão de possuir o reino de Deus? NÃO VOS ENGANEIS: nem fornicários, nem
idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os
ladrões, nem os avarentos, nem os que se dão a bebedices, nem os maldizentes,
nem os roubadores hão de possuir o reino de Deus. E tais haveis sido alguns;
mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, haveis sido justificados
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus (1ª
Coríntios VI-9 a 11).

A advertência de S. Paulo — Não vos enganeis — mostra muito bem que apesar
de lavados, santificados e justificados em nome de Jesus Cristo, em outras
palavras, apesar de salvos, devem ter cuidado porque, se voltarem ao estado
antigo, não possuirão o reino de Deus.

A salvação é assim apresentada no passado, porque foi começada por Deus, que
deseja levá-la a bom termo.

2º — no presente: SOIS SALVOS.

Na 1ª Epístola aos Coríntios, S. Paulo diz o seguinte: Ponho-vos, pois, presente,


irmãos, o Evangelho que vos preguei, o qual também vós recebestes e nele ainda
perseverais, pelo qual é certo que SOIS SALVOS, se todavia o conservais, como eu
vo-lo preguei, salvo se em vão o crestes (1ª Coríntios XV-1 e 2). S. Paulo diz aos
Coríntios que eles estão no caminho da salvação, estão salvos pelo Evangelho, se
é que não creem em vão; e é claro que, se não obedecem ao que manda o
Evangelho, é vã a sua crença e não se salvam.

Na Epístola aos Efésios, exatamente como fizera no trecho da Epístola a Tito


acima transcrito, S. Paulo fala primeiramente nos graves pecados de que cristãos
eram culpados, antes de abraçarem o Cristianismo: Vivemos também todos nós
em outro tempo segundo os desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos seus pensamentos e éramos por natureza filhos da ira, como também os
outros (Efésios II-3), para logo em seguida acrescentar: Mas Deus que é rico em
misericórdia, pela sua extremada caridade, com que nos amou, ainda quando
estávamos mortos pelos pecados, nos deu vida juntamente em Cristo, por cuja
graça SOIS SALVOS (Efésios II-4 e 5). S. Paulo, portanto, lhes diz: Estais salvos
daquele estado de pecado e corrupção em que vos encontráveis, estais no
caminho da salvação eterna e isto foi obra da graça que tocou o vosso coração.
Mas segue-se daí que S. Paulo os julgasse impecáveis, incapazes de voltar ao
antigo estado? Segue-se daí que S. Paulo esteja dizendo que todos os fiéis de
Éfeso, a quem escreve, irão para o Céu com toda certeza ou que não pode
perder-se nenhum deles por consideração alguma? Absolutamente não, porque o
Apóstolo, nesta mesmíssima Epístola aos Efésios, sente a necessidade de fazer
várias exortações PARA QUE NÃO VOLTEM À DEGENERESCÊNCIA DE OUTRORA, PORQUE ISTO
OS LEVARIA À CONDENAÇÃO: Não andeis já como andam também os gentios na
vaidade do seu sentido (Efésios IV-17). Renunciando a mentira, fale cada um a
seu próximo a verdade, porque somos membros uns dos outros. Se vos irardes,
seja sem pecar... Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava não furte mais...
Nenhuma palavra má saia da vossa boca (Efésios IV-25 a 29). Toda a amargura
e ira e indignação e gritaria e blasfêmia, com toda a malícia, seja desterrada
dentre vós outros (Efésios IV-31). A fornicação e toda a impureza ou avareza,
nem sequer se nomeie entre vós outros, como convém aos santos, nem palavras
torpes, nem loucas, nem chocarrices que são impertinentes, mas antes ações de
graças, porque HAVEIS DE SABER E ENTENDER QUE NENHUM FORNICÁRIO OU IMUNDO OU
AVARO, o que é culto de ídolos, NÃO TEM HERANÇA NO REINO DE CRISTO E DE DEUS
(Efésios V-3 a 5).

É um estado de salvação em que se encontram os Efésios, mas um estado que


PRECISA SER CONSERVADO por meio de um bom procedimento, para que cheguem a
gozar da herança do reino de Cristo lá no Céu.

3º — no futuro: SEREMOS SALVOS.

Às vezes a Bíblia apresenta a salvação, não como uma coisa que já se adquiriu,
mas que ainda vai ser adquirida para o futuro.

Se, sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus, pela morte de seu Filho;
muito mais, estando já reconciliados, SEREMOS SALVOS por sua via (Romanos V-
10). E em outro capítulo da mesma Epístola aos Romanos, S. Paulo fala da
salvação, como a meta para a qual se marcha, o ideal que procura conseguir:
Agora está MAIS PERTO a nossa salvação que quando recebemos a fé (Romanos
XIII-11).

4º — No passado e no futuro ao mesmo tempo.

Há finalmente um texto curioso da Epístola aos Romanos em que S. Paulo nos


diz: NA ESPERANÇA é que TEMOS SIDO SALVOS. Ora, a esperança que se vê não é
esperança; porque o que qualquer vê, como o espera? E se o que não vemos
esperamos, por paciência o esperamos (Romanos VIII-24 e 25). Fomos salvos,
não na realidade que se goza imediatamente, mas na esperança (no grego TÉ
ELPÍDI — dativo modal), isto é, temos este bem da salvação em nossa esperança.

Duplo conceito de vida eterna.

89. O que se dá com o verbo SALVAR, também se dá nas Escrituras com a


expressão REINO DOS CÉUS, que, como veremos mais adiante (nº 179), tanto pode
designar o reino dos bem-aventurados lá no Céu, na glória da eternidade, como
pode designar aqui na terra a Igreja, que prepara os homens para este reino.
E o mesmo se dá também com a expressão VIDA ETERNA.

Muitas vezes aparece VIDA ETERNA na Bíblia designando a glória do Céu, a vida
sem fim que os justos gozarão após a morte:

Ninguém há que, uma vez que deixou pelo reino de Deus a casa, ou os pais, ou
os irmãos, ou a mulher, ou os filhos, logo neste mundo não receba muito mais, e
NO SÉCULO FUTURO A VIDA ETERNA (Lucas XVIII-29 e 30). Vinde, benditos de meu
Pai, possui o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo...
Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno... E irão estes para o suplício
eterno; e os justos para a VIDA ETERNA (Mateus XXV-34, 41 e 46). O que sega
recebe galardão e ajunta fruto para a VIDA ETERNA (João IV-36). Trabalhai, não
pela comida que perece, mas pela que dura até à VIDA ETERNA (João VI-27). O
que ama a sua vida perdê-la-á, e o que aborrece a sua vida neste mundo,
conservá-la-á para a VIDA ETERNA (João XII-25). Aquilo que semear o homem,
isso também segará... e o que semeia no espírito, do espírito segará a VIDA
ETERNA (Gálatas VI-8). Para a esperança da VIDA ETERNA (Tito I-2).

Às vezes por abreviação esta VIDA ETERNA, que consiste na glória celeste, é
chamada simplesmente de VIDA, porque em comparação com a nossa vida terrena
ela, sim, é que é a verdadeira vida: Todos os que se acham nos sepulcros ouvirão
a voz do Filho de Deus, e os que obraram bem sairão para a ressurreição da
VIDA (João V-28 e 29). Que estreita é a porta e que apertado o caminho que guia
para a VIDA (Mateus III-14). Melhor te é entrar na VIDA com um só olho do que
tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Mateus XVIII-9). Se tu queres
entrar na VIDA, guarda os mandamentos (Mateus XIX-17).

Como a vida eterna do Céu vai ser a felicidade de uma íntima união com Deus e
esta felicidade já se pode gozar aqui na terra pela VIDA DA GRAÇA, como só pode
entrar no Céu aquele que já daqui da terra leva em sua alma esta vida
sobrenatural, a qual assim vai continuar no outro mundo e continuar muito mais
esplendorosa e feliz, a Escritura, em outras passagens, já chamava VIDA ETERNA a
vida sobrenatural da graça, que possuem neste mundo aqueles que estão unidos a
Deus, por estarem com a consciência limpa de qualquer pecado grave: Quem
ouve a minha palavra e crê nAquele que me enviou, TEM A VIDA ETERNA e não
incorre na condenação, mas passou da morte para a vida (João V-24). O que
come a minha carne e bebe o meu sangue TEM A VIDA ETERNA, e eu ressuscitarei no
último dia (João VI-55). Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho... tu Lhe
deste poder sobre todos os homens, a fim de que Ele dê a vida eterna a todos
aqueles que tu Lhe deste. A VIDA ETERNA, porém, consiste em que eles conheçam
por um só verdadeiro Deus a ti, e a Jesus Cristo, que tu enviaste (João XVII-1 a
3). A graça de Deus é a VIDA PERDURÁVEL em Nosso Senhor Jesus Cristo
(Romanos VI-23). O que crê no Filho de Deus tem em si o testemunho de
Deus... E este é o testemunho, que Deus nos deu a VIDA ETERNA, e esta vida está
em seu Filho. O que tem ao Filho tem a vida; o que não tem ao Filho não tem a
vida. Eu vos escrevo estas coisas, para que saibais que TENDES A VIDA ETERNA, os
que credes no nome do Filho de Deus (1ª João V-10 a 13).

— Aqui dirão os protestantes: Se nós temos já neste mundo a VIDA ETERNA, quer
dizer que não podemos perdê-la. Se é eterna, é porque vai durar eternamente.

— Não há dúvida que a vida da graça, a vida de que goza aquele que está em
união com Cristo pela graça santificante é eterna, no sentido de que ela por si
não se extingue. Vem a morte corporal, mas aquele que estava unido a Cristo
continuará vivendo a sua vida de união com Deus. Porém esta vida é
incompatível com o pecado grave; e aquele que o comete se afasta de Jesus
Cristo que é a Vida Eterna; aquele que o comete renuncia a este DOM ETERNO. É
como se nos dessem um objeto de ouro ou um livro solidamente encadernado e
nos dissessem que se trata de um presente QUE NÃO TEM FIM; de fato não terá fim,
se nós mesmos não resolvermos destruí-lo ou metê-lo no fogo.

O que nos vale é que, pela misericórdia divina, se perdemos a vida eterna pelo
pecado mortal, podemos readquiri-la, sendo para isto indispensável o
arrependimento.

Que esta VIDA ETERNA, que já possuímos aqui na terra pela graça santificante, é
incompatível com o pecado grave e se perde, se o cometemos, isto se mostra
claramente na Bíblia: Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que
abstrai e alicia. Depois, quando a concupiscência concebeu, pare ela o pecado;
e o pecado, quando tiver sido consumado, GERA A MORTE (Tiago I-14 e 15). A
alma que pecar, essa MORRERÁ (Ezequiel XVIII-4 e 20). Todo que tem ódio a seu
irmão é um homicida; e vós sabeis que nenhum homicida tem a VIDA ETERNA
permanentemente em si mesmo (1ª João III-15). Aquele que comete o pecado é
filho do diabo, porque o diabo peca desde o princípio... Nisto se conhece quais
são os filhos de Deus e os filhos do diabo. Todo o que não é justo não é filho de
Deus, e o que não ama seu irmão; porque esta é a doutrina que tendes ouvido
desde o princípio, que vos ameis uns aos outros (1ª João II-8, 10 e11). A que
verdadeiramente é viúva e desamparada, espere em Deus e esteja perseverante
em rogar e orar de noite e de dia; porque a que vive em deleites vivendo ESTÁ
MORTA (1ª Timóteo V-5 e 6). Eu sei AS TUAS OBRAS; que tens a reputação de que
vives e tu ESTÁS MORTO (Apocalipse III-1). Muitos dos judeus e prosélitos tementes
a Deus seguiram a Paulo e Barnabé, os quais com as suas razões os exortavam
a que PERSEVERASSEM NA GRAÇA DE DEUS (Atos XIII-43).

Vimos há pouco esta VIDA ETERNA, ou seja, a graça de Deus em nós, ser
apresentada como anexa à fé em Cristo ou à recepção do seu corpo e sangue.

Não precisamos mais repetir o que já dissemos: que esta fé se entende a fé viva,
que não é contradita pelas obras, a fé que tem aquele que guarda a palavra de
Jesus (nº 75) e que esta recepção do corpo e sangue do Senhor há de ser com a
almas contrita e com as necessárias disposições, sob pena de se comer e beber a
própria condenação, como diz S. Paulo (1ª Coríntios XI-29). Queremos lembrar
apenas, a respeito do ensino de Jesus, apresentado pelo Evangelista S. João, de
que a VIDA ETERNA consiste em CONHECER A DEUS E A JESUS CRISTO (João XVII-3),
esta palavra do mesmo S. João Apóstolo a respeito do Divino Mestre: Nisto
sabemos que O CONHECEMOS, SE GUARDAMOS OS SEUS MANDAMENTOS. Aquele que diz
que O conhece e não guarda os seus mandamentos é um mentiroso e não há nele
a verdade (1ª João II-3 e 4). Não pode, portanto, ter a VIDA ETERNA, ou seja, a
graça santificante, aquele que não obedece aos mandamentos.

Ovelhas que não perecerão.

90. Vejamos agora um trecho do Evangelho de S. João muito citado pelos


protestantes. Diz Jesus: As minhas ovelhas OUVEM A MINHA VOZ, e eu conheço-as e
elas ME SEGUEM; e eu lhes dou a VIDA ETERNA, e elas nunca jamais hão de perecer;
e ninguém as há de arrebatar da minha mão (João X-27 e 28).

Em que sentido aí se toma a expressão VIDA ETERNA?

Pode-se tomar num e noutro sentido. Às suas ovelhas fiéis, Jesus dá neste mundo
a VIDA ETERNA, ou seja, a vida sobrenatural da graça e no outro a VIDA ETERNA, ou
seja, a glória celeste, a visão beatífica.

— Mas o Mestre diz que elas NÃO PERECERÃO JAMAIS.


— É claro, pois o Mestre se refere a ovelhas que OUVEM A SUA VOZ e que O
SEGUEM. Como podem perecer as ovelhas que estão ouvindo a voz do seu Divino
Pastor, que O estão seguindo? Se um dia entenderem de não ouvir mais esta voz
que lhes fala ao coração, primeiro que tudo, pela voz da consciência, se um dia
resolverem não seguir mais a Jesus, observando a sua lei, cumprindo os seus
mandamentos, então a coisa já muda de figura. Quer dizer que a ovelha de Jesus
tem que ser impecável? Não. A ovelha costuma ouvir fielmente a voz de seu
Pastor ainda mesmo quando por fraqueza comete um pecado grave, atende logo
à voz de Jesus que procura atraí-la com o remorso, com as inspirações de sua
graça, com o sincero arrependimento. É o caso da ovelha desgarrada, que o Bom
Pastor vai buscar e traz docemente sobre os seus ombros: não traz, porém, a
pulso e violentamente, mas sim quando ela, atraída pela graça, se entrega
espontaneamente em seus braços. Se, porém, extraviando-se no pecado, a ovelha
persiste em emaranhar-se no vício e em não atender às inspirações da graça,
neste caso pode perecer. Mas já não está no número daquelas que SEGUEM A JESUS
CRISTO E OUVEM A SUA VOZ.

— Mas Jesus diz que ninguém arrebatará estas ovelhas de sua mão.

— E quem foi que disse que, quando a ovelha voluntariamente abandona o


rebanho e se afasta de Jesus pelo pecado, foi arrebatada violentamente das mãos
de Jesus? Afastou-se porque quis, pois um ato, para ser pecaminoso, precisa ser
voluntário e livre. Quando Jesus diz que ninguém arrebatará as ovelhas de sua
mão, se refere às forças estranhas, às potestades infernais, ao torvelinho do
mundo, aos inimigos de nossa salvação. As almas fiéis estão sob o abrigo da
divina graça. Mas esta graça não força nem violenta a liberdade. A alma serve a
Deus livremente e assim pode abandoná-Lo.

Um tipo de OVELHAS muito especialmente confiadas à proteção, ao amparo, à


vigilância de Jesus foram os Apóstolos. Entretanto o Mestre, apesar de todo o
empenho, não pôde CONSERVÁ-LOS todos; um se perdeu. Por quê? Porque faltasse
poder a Jesus? Não; mas porque Jesus respeitava a liberdade de cada um. O
Divino Mestre, na sua oração sacerdotal proferida depois da Última Ceia, diz,
dirigindo-se ao seu Eterno Pai e falando a respeito dos Apóstolos: Eu conservei
os que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, mas somente o que era filho de
perdição, para cumprir a Escritura (João XVII-12).

— Ah!, dirá o adversário, mas Judas se perdeu para se cumprir a profecia: O


homem da minha paz, em que eu confiei, o que comia o meu pão, engrandeceu
sobre mim a sua traição (Salmos XL-10).

— Mas que ideia faz Você, caro amigo, a respeito da palavra Escritura, que é a
própria palavra de Deus? Acha que a Escritura profetiza assim de oitiva, e depois
se há de arranjar um pobre diabo para cumprir de qualquer maneira a palavra
sagrada? A Escritura prediz aquilo que Deus prevê na sua CIÊNCIA INFINITA; e
Deus prevê tudo, mesmo aquilo que cada um dos homens vai fazer LIVREMENTE.
Judas perdeu-se, porque não correspondeu à graça, porque usou mal de sua
liberdade, porque não quis ser daquelas ovelhas que, até o fim, seguem a Jesus e
ouvem a sua voz. E isto aconteceu a despeito de todo o empenho de Jesus salvá-
lo, porque Deus não quer a morte do ímpio, mas sim que o ímpio se converta do
seu caminho e viva (Ezequiel XXXIII-11).

O homem só pode salvar-se livremente, e é livremente que se perde. Dizer o


contrário seria destruir toda a noção da bondade, da justiça e da sabedoria de
Deus.

Isto, porém, não impede que Deus daquilo que os homens fazem livremente se
aproveite para a realização de seus grandes desígnios; e assim a traição de Judas
e o deicídio dos judeus foram meios de que Deus se serviu para operar a nossa
Redenção.

Qualquer pessoa pode perder-se.

91. Vimos, portanto, que a Bíblia fala na salvação e na vida eterna como um
bem que já se adquiriu ou que ainda se vai possuir. Resta-nos saber se este bem
que já foi adquirido pode ou não pode perder-se, se o indivíduo que aqui na terra
foi salvo pode depois perder esta salvação. É uma salvação definitiva que se
realiza infalivelmente, ou é uma salvação que se vai realizando debaixo de uma
condição: a de manter-se o homem neste bom caminho? Pode o homem decair
deste estado de graça, que a Escritura chama VIDA ETERNA?

Ora, ao contrário do que ensinou Calvino, a bíblia nos mostra que se pode perder
a fé. Se a fé é necessária para a salvação, segue-se que a salvação adquirida nesta
vida pode perder-se.

Vejamos. Nosso Senhor, na parábola do Semeador, explicando qual é a semente


que cai no pedregulho, diz: Quanto à que cai em pedregulho, significa os que
recebem com gosto a palavra, quando a ouviram; e estes não tem raízes, porque
até certo tempo CREEM e no tempo da tentação VOLTAM ATRÁS (Lucas VIII-13).
S. Paulo fala em alguns que perderam a fé, porque não souberam conservar a boa
consciência, ou porque se deixaram levar pela cobiça: Conservando a fé e a boa
consciência, a qual porque alguns repeliram, NAUFRAGARAM NA FÉ; deste número é
Himeneu e Alexandre, os quais eu entreguei a Satanás, para que aprendam a
não blasfemar (1ª Timóteo I-19 e 20). A raiz de todos os males é a avareza, a
qual cobiçando alguns SE DESENCAMINHARAM DA FÉ (1ª Timóteo VI-10). No fim da
mesma Epístola, S. Paulo fala de alguns que também descaíram da fé (1ª
Timóteo VI-21) já por outro motivo: enredaram-se com as profanas novidades
de palavras e uma ciência de falso nome (1ª Timóteo VI-20).

Na 2ª Epístola aos Coríntios, o Apóstolo fala na fé pela qual Deus resplandeceu


em nossos corações, apara iluminação do conhecimento da glória de Deus, na
face de Jesus Cristo (2ª Coríntios IV-6) mas, logo após, acrescenta: Temos,
porém, este tesouro em vasos de barro, para que a sublimidade seja da virtude
de Deus, e não de nós (2ª Coríntios IV-7). O que mostra muito bem que
facilmente podemos perder a fé, porque vasos de barro se podem quebrar com
facilidade.

Assim como se pode perder a salvação, perdendo-se a fé, pode-se perder também
pelos pecados que são contrários às demais virtudes.

Lê-se na Epístola aos Hebreus: É impossível que os que foram uma vez
iluminados, que tomaram já o gosto ao dom celestial e que foram feitos
participantes do Espírito Santo, que gostaram igualmente a boa palavra de
Deus e as virtudes do século vindouro, E DEPOIS DISTO CAÍRAM, é impossível, digo,
que eles tornem a ser renovados pela penitência, pois crucificam de novo ao
Filho de Deus em si mesmos e O expõem ao ludíbrio (Hebreus VI-4 a 6). Trata-
se aí de apóstatas que tinham recebido graças especialíssimas, como por
exemplo, um sacerdote; trata-se de uma impossibilidade moral e não absoluta; o
que é moralmente impossível pode realizar-se por um milagre e a graça de Deus
também faz os seus milagres. Mas as palavras do Apóstolo mostram muito bem
que nem mesmo aqueles que já foram iluminados, que já foram feitos
participantes do Espírito Santo estão livres de cair, e caindo de tão alto, não se
lhes torna nada fácil levantar-se.
É por isto que o próprio S. Paulo que se confessa atormentado na sua carne —
permitiu Deus que eu sentisse na minha carne um estímulo, que é o anjo de
Satanás para me esbofetear (2ª Coríntios XII-7) — fala nas mortificações e
penitências que faz no seu próprio corpo para não cair no número dos réprobos:
Castigo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que não suceda que, havendo
pregado aos outros, venha eu mesmo a ser reprovado (1ª Coríntios IX-27). O
perigo que ele vê para si, também o vê nos fiéis: Aquele, pois, que crê estar em
pé veja não caia (1ª Coríntios X-12). Nesta palavra de S. Paulo deveriam
meditar muito seriamente os protestantes que julgam estar em pé e que com tanta
presunção e arrogância garantem que infalivelmente, certissimamente serão
levados para o Céu, no próprio momento da morte. Falando sobre a rejeição dos
judeus, diz S. Paulo ao cristão que está FIRME NA FÉ, ao cristão leal e fervoroso: TU
PELA FÉ ESTÁS FIRME; pois, não te ensoberbeças por isso, mas TEME; porque, se
Deus não perdoou aos ramos naturais, deves tu temer que Ele te não perdoe a ti.
Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: a severidade, por certo,
para com aqueles que caíram, e a bondade de Deus para contigo, SE
PERMANECERES NA BONDADE; DOUTRA MANEIRA também tu SERÁS CORTADO (Romanos
XI-20 a 22). E em vez de procurar incutir uma ilusória segurança, aconselha o
temor: Obrai a vossa salvação COM RECEIO e COM TREMOR (Filipenses II-12).

É o que nos ensina também S. Pedro: E se invocais como Pai Aquele que sem
acepção de pessoas julga segundo a obra de cada um, vivei EM TEMOR durante o
tempo da vossa peregrinação (1ª Pedro I-17). É um temor baseado na
consideração do julgamento de Deus, que é Pai, mas é também Juiz Justíssimo,
sem fazer acepção de pessoas. Porque, segundo a doutrina de S. Pedro, é
deplorável o estado daqueles que tendo seguido o bom caminho, dele se
desviaram: Se depois de se terem retirado das corrupções do mundo pelo
conhecimento de Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador, se deixam delas vencer,
enredando-se de novo, é o seu último estado pior do que o primeiro. Porque
melhor lhes era não ter conhecido o caminho da justiça do que, depois de o ter
conhecido, tornar para trás, deixando aquele mandamento santo que lhes fora
dado. Porque lhes sucedeu o que diz aquele verdadeiro provérbio: Voltou o cão
ao que havia vomitado; e: A porca lavada tornou a revolver-se no lamaçal (2ª
Pedro II-20 a 22). Por isto S. Pedro aconselha a mortificação e a contínua
vigilância: Sedes sóbrios e vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda ao
derredor de vós, como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar (1ª
Pedro V-8).
Esta doutrina dos Apóstolos de que aquele que está no bom caminho pode
perder-se, desviando-se dele, é confirmada ainda pelo ensino do Antigo
Testamento e pelas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ouçamos o que diz o profeta Ezequiel: Se o justo se apartar da sua justiça e vier
a cometer a iniquidade, segundo todas as abominações que o ímpio costuma
obrar, acaso viverá ele? De nenhuma das obras de justiça que tiver feito se fará
memória: na prevaricação com que prevaricou e no seu pecado que cometeu,
nestas mesmas circunstâncias morrerá (Ezequiel XVIII-24).

E Nosso Senhor Jesus Cristo diz aos Apóstolos: Vós já estais puros em virtude
da palavra que eu vos disse. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós
(João XV-3 e 4) para dizer, dois versículos mais adiante: Se alguém não
permanecer em mim, será lançado fora como a vara, e secará, e enfeixá-lo-ão e
lançá-lo-ão no fogo, e ali arderá (João XV-6).

De tudo isto se conclui que, se a Bíblia usa algumas vezes esta expressão —
estarmos salvos — isto quer dizer: estarmos no caminho da salvação (e estão no
caminho da salvação aqueles que possuem a graça santificante pela VERDADEIRA
FÉ e pela OBSERVÂNCIA DOS MANDAMENTOS DE JESUS), mas daí não se segue que seja
a salvação definitiva, sem perigo algum de perder-se. Também do doente que,
depois de encontrar-se em estado grave, conseguiu a cura, se diz que ESTÁ SALVO,
e no entanto ele ainda pode recair na sua enfermidade mortal.

Salvação definitiva para o fiel, de tal forma que ele não possa jamais perder-se,
virá na hora da morte, se ele perseverar até o fim: O que, porém, perseverar até
o fim, esse é que será salvo (Mateus X-22).

Sei em quem tenho crido.

92. É próprio da Humanidade interpretar as palavras que ouve sempre de acordo


com os seus próprios sonhos ou com o seu particular interesse. Por isto, tendo-se
encasquetado no cérebro de muitos protestantes a ideia de que não podem
perder-se de maneira alguma, alimentando eles continuamente este sonho de
uma segurança absoluta aqui na terra, em matéria de salvação, vivem querendo
firmar-se, para sustentar esta teoria tão estranha, em textos do Novo Testamento
que nada têm que ver com o caso.
Tomemos, por exemplo, esta palavra de S. Paulo a Timóteo: Sei a quem tenho
crido e estou certo de que Ele é poderoso para guardar o meu depósito para
aquele dia (2ª Timóteo I-12).

Consideram tais protestantes estas palavras como um hino em que S. Paulo canta
e em que todo cristão deve cantar também a sua CERTEZA ABSOLUTA DA SALVAÇÃO.
Mas é preciso perguntar: É deste assunto que está falando S. Paulo? Que quer
dizer o Apóstolo, quando assevera a sua confiança de que Cristo conservará o
seu depósito? Que significa neste caso a palavra DEPÓSITO (no grego PARATHÉKE)?
Esta palavra aparece mais 2 vezes no Novo Testamento, sempre empregada por
S. Paulo e sempre nas suas epístolas a Timóteo. Uma delas é logo dois versículos
mais adiante. S. Paulo diz ao seu discípulo: Guarda o bom DEPÓSITO pelo Espírito
Santo que habita em nós outros (2ª Timóteo I-14). E a outra, ao terminar a 1ª
Epístola ao mesmo discípulo: Ó Timóteo, guarda o DEPÓSITO, evitando as
profanas novidades de palavras e as contradições duma ciência de falso nome,
da qual fazendo alguns profissão, descaíram da fé (1ª Timóteo VI-20 e 21).

Vê-se claramente nesta última citação que o que S. Paulo chama DEPÓSITO é a
doutrina de Cristo, a doutrina do Evangelho que ele, Paulo, juntamente com os
demais Apóstolos DEPOSITARAM no mundo, aos cuidados da Igreja docente que
tem de conservá-la fielmente e, portanto, aos cuidados do próprio Timóteo, que é
também um insigne pregador da Igreja e deste mesmo Evangelho.

Este mesmo sentido, DEPÓSITO = DOUTRINA DO EVANGELHO cabe perfeitamente


naquelas duas outras frases em que esta palavra se encontra, como se vê
evidentemente pelo contexto. Paulo está preso (2ª Timóteo I-8) por causa do
Evangelho, no qual, diz ele, eu fui constituído pregador e apóstolo e mestre das
gentes (2ª Timóteo I-11). Sofrendo perseguições por causa do Evangelho,
S. Paulo não se envergonha por isto, nem se considera derrotado, porque sabe
que Cristo é Todo-Poderoso e pode conservar no mundo perpetuamente o
depósito dele, Paulo, isto é, a doutrina sublime do Evangelho que ele ensinou.
Por cuja causa também padeço isto, mas não me envergonho; porque sei a quem
tenho crido e que Ele é poderoso para guardar o meu DEPÓSITO para aquele dia
(2ª Timóteo I-12). É com este pensamento de que Cristo vela pela conservação
da doutrina do Evangelho, que S. Paulo exorta a Timóteo a continuar fiel em
conservar esta doutrina, este bom DEPÓSITO, com o auxílio do Divino Espírito
pois diz LOGO EM SEGUIDA: Guarda a forma das sãs palavras que me tens ouvido
na fé e no amor em Jesus Cristo. Guarda o BOM DEPÓSITO pelo Espírito Santo que
habita em nós outros (2ª Timóteo I-13 e 14).

Como é que podem ver aí os protestantes um argumento de que hão de salvar-se,


dê no que der, e com infalível certeza?

O poder salvador de Cristo.

93. Vejamos agora outro trecho de S. Paulo, na sua Epístola aos Hebreus:
Depois de dizer que Jesus porque permanece para sempre, possui um sacerdócio
eterno (Hebreus VII-24), diz S. Paulo que por isto PODE SALVAR PERPETUAMENTE
aos que por Ele mesmo se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por
nós (Hebreus VII-25). Daí concluem muitos protestantes que já possuem uma
SALVAÇÃO PERPÉTUA que é dada por Jesus.

Primeiro que tudo, o Autor da Epístola não diz que Jesus SALVA infalivelmente a
todos os crentes, mas que PODE SALVAR os que por Ele mesmo se chegam a Deus.
Quer ressaltar aí o poder salvador do Eterno Sacerdote Jesus Cristo que
PERPETUAMENTE, isto é, até o fim do mundo, até a consumação dos séculos,
através de todas as gerações, exerce a sua missão redentora. O fito de S. Paulo é
estabelecer o contraste entre os sacerdotes da Antiga Lei que morriam e depois
de mortos, não podiam exercer a sua missão (a morte não permitia que durassem
— Hebreus VII-23); e Jesus Cristo que não morre e por isto exerce eternamente
a sua missão de Sacerdote e Mediador.

Mas desta palavra de S. Paulo não se segue que Cristo nos salve sem a
cooperação da nossa parte, ao contrário supõe o Apóstolo esta cooperação, pois
Cristo pode salvar perpetuamente AOS QUE POR ELE MESMO SE CHEGAM A DEUS
(Hebreus VII-5). E esta cooperação, segundo o ensino desta mesma Epístola aos
Hebreus, não consiste somente na fé, mas também na OBEDIÊNCIA a Cristo que é o
AUTOR da salvação eterna para TODOS OS QUE LHE OBEDECEM (Hebreus V-9).

Nem quer dizer absolutamente que Cristo dê a salvação àqueles que se chegaram
a Deus, que se converteram e depois voluntariamente se afastaram dEle e
voltaram aos pecados de outrora, àqueles que no começo obedeciam a Cristo e
hoje já Lhe não obedecem mais.

Crescia o número dos que se salvam.


94. Veem ainda muitos protestantes uma certeza absoluta de sua salvação
pessoal, nesta palavra dos Atos, em que se fala do crescimento da Igreja: E o
senhor aumentava cada dia mais o número dos QUE SE HAVIAM DE SALVAR,
encaminhando-os à unidade da sua mesma corporação (Atos II-47).

É claro que, estando o mundo todo mergulhado no pecado, como estava, quando
veio Jesus, estando o próprio povo judeu tão corrompido, se aumentava o
número daqueles que com tanta sinceridade e fervor abraçavam a religião de
Cristo, aumentava também necessariamente o número dos eleitos, o número
daqueles que iriam povoar o Céu. Ninguém podia afirmar isto com mais
segurança do que o Divino Espírito Santo, inspirador e principal autor da Bíblia
e que sonda os segredos de todos os corações.

Mas segue-se daí que aqueles que entrassem na Religião Cristã e não
perseverassem no bem ou se tornassem depois traidores da sua fé, se salvariam
também?

Os que se salvam, isto é, nós.

95. Dirão os protestantes: Nós temos um texto mais claro. S. Paulo diz aos
Coríntios: A palavra da cruz é na verdade uma estultícia para os que se perdem;
mas para os QUE SE SALVAM QUE SOMOS NÓS, é ela a virtude de Deus (1ª Coríntios I-
18). Logo, os que salvam somos nós, os que seguimos a Cristo. Não há perigo de
nos perdermos.

— Uma coisa é dizer: Os que se salvam SOMOS NÓS. E outra coisa é dizer:
SALVAM-SE TODOS E CADA UM DE NÓS.

É muito comum o sacerdote católico dizer, no fim de seus sermões, mais ou


menos isto: “E nós, quando estivermos no reino da glória, meus caros irmãos,
gozaremos eternamente de toda felicidade no seio de Deus etc, etc”. Ninguém
vai concluir que, faça o que fizer, estará neste caso; o padre está falando daquilo
que acontece normalmente, se se cumpre aquilo que é necessário cumprir-se.

Uma cidade é invadida pelos inimigos da pátria. Na sua resistência ao invasor, a


maioria se porta bravamente, mas neste meio há também alguns cobardes que
fogem ou alguns traidores que favorecem ao inimigo. Vencida a batalha, isto não
impede que os habitantes desta cidade digam com toda segurança: Nós
resistimos heroicamente e vencemos o adversário. Porque dizer NÓS é uma
coisa; e dizer TODOS E CADA UM DE NÓS já é coisa bem diferente.

A Bíblia não nos diz tudo o que se passava entre os primeiros cristãos. Mas pelo
que ela nos diz, nós sabemos que os cristãos EM GERAL estavam no caminho da
salvação; e que o mesmo já não se pode dizer de todos, sem exceção. Os Atos
nos mostram S. Paulo despedindo-se dos presbíteros, que são seguidores de
Cristo de especial categorias, encarregados de apascentar a Igreja de Deus;
recomenda-lhes que vigiem sobre o rebanho cristão (Atendei por vós e por todo
o rebanho — Atos XX-28), avisa que surgirão lobos arrebatadores que não hão
de perdoar ao rebanho (Atos XX-29) e faz então uma revelação surpreendente:
do seio destes mesmos presbíteros, encarregados de vigiar sobre as ovelhas, hão
de sair também lobos vorazes: DENTRE VÓS MESMOS hão de sair homens que hão de
publicar DOUTRINAS PERVERSAS, com o intento de levarem após si muitos discípulos
(Atos XX-30). Será que os protestantes irão colocar no número daqueles que têm
a salvação infalivelmente certa estes presbíteros que mais tarde haveriam de
bromar, ensinando DOUTRINAS PERVERSAS?

S. Paulo fala aos Coríntios dizendo: Temo que talvez, quando eu vier, vos não
ache quais eu vos quero e que vós me acheis qual não quereis; que por desgraça
não haja entre vós contendas, invejas, reixas, dissensões, detrações, mexericos,
altivezas, parcialidades; para que não suceda que, quando eu vier outra vez, me
humilhe Deus entre vós e que chore a muitos daqueles que ANTES PECARAM E NÃO
FIZERAM PENITÊNCIA DA IMUNDÍCIA E FORNICAÇÃO E DESONESTIDADE QUE COMETERAM (2ª
Coríntios XII-20 e 21).

Os protestantes de hoje afirmam que para a salvação é necessário o


arrependimento. Estes cristãos que haviam caído na IMUNDÍCIA E FORNICAÇÃO E
DESONESTIDADE (2ª Coríntios XII-21) e que, como diz S. Paulo, não se
arrependeram de tais pecados, morrendo nesse estado, podiam salvar-se? Se
podiam, então esta salvação “definitiva”daqueles que aceitam a Cristo como
Salvador, vem a ser uma licença para todas as desonestidades e imundícias.

Vejamos agora o que S. Paulo diz aos cristãos na sua Epístola aos Hebreus:
Vede, irmãos, que se não ache talvez nalgum de vós um CORAÇÃO CORROMPIDO DA
INCREDULIDADE QUE SE APARTE DO DEUS VIVO, mas admoestai-vos vós mesmos uns
aos outros CADA DIA, durante o tempo que a Escritura chama Hoje, por não
acontecer que ALGUM DE VÓS, SEDUZIDO PELO PECADO, CAIA NA OBDURAÇÃO; porque é
verdade que nós somos incorporados com Cristo; mas ISTO É DEBAIXO DA CONDIÇÃO
que nós conservemos ATÉ AO FIM o novo ser que começamos a ter nEle (Hebreus
III-12 a 14).

Não podia haver condenação mais clara desta doutrina de que o cristão tem
certeza infalível, absoluta de sua salvação; esta certeza é condicionada a sua
união com Cristo, porque mesmo um seguidor do Divino Mestre pode por um
coração corrompido apartar-se de Deus Vivo e cair no endurecimento, seduzido
pelo pecado; e este estado é evidentemente incompatível com a salvação eterna.

Outra ilusão protestante.

96. Outra ilusão protestante é julgar que, para estarmos na graça de Deus, é
preciso primeiro que disto estejamos convencidos. Já o próprio Leibnitz, filósofo
protestante, chamava a atenção para o contrassenso em que os reformados caem
neste ponto: “Se o crer-se justificado se requer para a justificação e
consequentemente precede a justificação, neste caso deve crer-se justificado
quem não está justificado ainda; deve, portanto, crer uma coisa falsa” (Sistema
teológico; Mogúncia; 2ª edição, pág. 62).

Nós valemos diante de Deus o que valemos realmente; não o que pensamos que
valemos. Não é o fato de me julgar justo que me torna justo, nem o fato de me
ter na conta de um pecador que me faz mais pecador do que sou realmente.

Não foi enchendo-se da convicção de que estava salvo, que o publicano da


parábola (Lucas XVIII-10 a 14) conseguiu a purificação se sua alma, mas apenas
humilhando-se e tendo-se na conta de um desprezível pecador; e não consta do
Evangelho que ele tivesse a certeza, nem ao menos a mínima ideia, de que estava
em graça de Deus naquela hora. Se havia certeza, era no outro, no fariseu que
voltou para casa ainda mais pecador do que dantes.

— Mas a certeza que ele tinha era diferente da nossa, porque era baseada nas
obras, dirão os protestantes.

— Perfeitamente de acordo. A dele era certeza baseada nas obras que praticava
sem ter a virtude interior, mas sim com verdadeiro espírito de ostentação. Mas
ou certeza por causa das obras feitas com orgulho e presunção, ou certeza porque
alguém não se julga obrigado às obras para salvar-se, o que é fato é que a
parábola mostra que a gente pode facilmente enganar-se nesta matéria.
parábola mostra que a gente pode facilmente enganar-se nesta matéria.

E o que lemos no Evangelho é que muitos que creem firmemente em Jesus


Cristo, que chegam mesmo a profetizar e a fazer prodígios em seu nome e que
por isto estão certos, certíssimos da salvação, sofrerão uma decepção tremenda
no dia das contas, serão rejeitados por causa de suas OBRAS que não agradaram a
Deus: Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não é assim que
profetizamos em teu nome, e em teu nome expelimos os demônios, e em teu nome
obramos muitos prodígios? E eu então lhes direi em voz bem inteligível: Pois eu
não vos conheci; apartai-vos de mim, os que obrais a iniquidade (Mateus VII-22
e 23).

Suponhamos que um homem tem dois criados: ambos o servem com boa
vontade; mas um está sempre cheio de si, convencido de que o patrão está bem
satisfeito com ele e de que receberá com toda a certeza a recompensa prometida
pelo amo aos servos que façam bem o seu trabalho; o outro está sempre
desconfiado, sempre temeroso de que o patrão tenha alguma coisa a reclamar
sobre o seu serviço, ou de que talvez não mereça a recompensa almejada. Isto
faz com que este último valha menos perante o patrão ou perca o seu direito à
recompensa? Ao contrário, com este receio sobre o valor do seu trabalho, está
mais apto a caprichar, a fazer tudo com perfeição do que o outro que está
convencido de que tudo quanto faz é uma maravilha que agrada imensamente ao
seu patrão. Isto se dá com maioria de razão na vida espiritual, onde a humildade
é a virtude mais apta para conquistar as graças de Deus.

Perguntaram um dia a uma santa se ela estava na graça de Deus. Ela respondeu o
seguinte: “Se eu estou na graça de Deus, que Deus me conserve neste estado; se
não estou, que Deus me ponha nele”. Deixou, por acaso, de ser o que realmente
era diante de Deus por ter falado desta maneira?

O matuto, movido por aquela fé viva e inabalável que caracteriza o camponês, se


arrepende profundamente de seus pecados; faz o firme propósito de jamais
cometê-los, ajudado pela graça divina e com aquela força de vontade com que
tantas vezes os homens do campo superam os da cidade. Confessa humildemente
os seus pecados ao sacerdote no Sacramento da Penitência, e quantas vezes não
andou a pé léguas e léguas para fazer a confissão! Depois recebe a sua
comunhão com viva fé e santo recolhimento. Mas se lhe perguntarmos: Sua
confissão foi bem feita?, ele responderá: Para mim, foi; para Deus, eu não sei.
Na sua simplicidade, inspirado por Deus que revela aos pequeninos o que oculta
aos sábios e prudentes, demonstra, sem saber disto, um mesmo sentimento de
humildade, de desconfiança de si próprio, que demonstrou o Apóstolo S. Paulo.
Se todo o cristão para se salvar, para estar bem com Deus, deve ter forçosamente
a certeza de que está em graça, ninguém deveria tê-la melhor do que S. Paulo.
Entretanto S. Paulo fala assim: Nem ainda eu me julgo a mim mesmo; porque DE
NADA ME ARGÚI A CONSCIÊNCIA; mas NEM POR ISSO ME DOU POR JUSTIFICADO; pois o
Senhor é que me julga. Pelo que, não julgueis antes de tempo, até que venha o
Senhor, o qual não só porá às claras o que se acha escondido nas mais
profundas trevas, mas descobrirá ainda o que há de mais secreto nos corações;
e então cada um receberá de Deus o louvor (1ª Coríntios IV-3 a 5).

Pelas palavras do Apóstolo se vê que importante é servir a Deus, fazer o bem,


conservar a fé e a boa consciência. Quanto ao julgamento, pertence a Deus. E
enquanto nós estamos sujeitos a enganos ao julgarmos a nós mesmos (pois
ninguém é juiz de causa própria) Deus é quem conhece, como diz o Apóstolo: o
que há de mais secreto nos corações. Ele penetra as mais íntimas profundezas
das nossas almas, infinitamente melhor do que nós mesmos. E os seus
julgamentos são diversos dos nossos: Senhor... os teus juízos são um abismo
profundo (Salmos XXXV-6 e 7). Ó profundidade das riquezas da sabedoria e
da ciência de Deus! Quão incompreensíveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos! (Romanos XI-33).

Não devemos, portanto, inverter a ordem das coisas, nem querer precipitar os
acontecimentos. Tenhamos a preocupação de servir a Deus, com a maior
perfeição que for possível; o testemunho da boa consciência virá naturalmente
depois. Não é o fato de nos julgarmos bem com Deus que fará com que
realmente o estejamos; ao contrário, é o fato de estarmos realmente bem com
Deus, que nascerá a doce tranquilidade da consciência, a suave sensação de que
Deus habita em nós.

O testemunho do Espírito Santo.

97. Um exemplo manifesto do perigo desta inversão, nós o temos no modo


como encaram muitos protestantes uma frase de S. Paulo na sua Epístola aos
Romanos (VIII-16).
Os Romanos, a quem escreve S. Paulo, estão abatidos pelos sofrimentos com
que se têm defrontado após a sua conversão. Na sua inexperiência, ficam
desanimados com a ideia de que talvez Deus não esteja satisfeito com eles, uma
vez que lhes aparecem estas tribulações e contratempos.

S. Paulo procura soerguer-lhes o ânimo, fazendo-lhes ver que, se sofremos com


Cristo, é para sermos glorificados com Ele; o sofrer é antes um sinal de que
somos filhos de Deus; e o próprio Espírito Santo se encarrega de nos atestar que
somos filhos de Deus (QUANDO DE FATO O SOMOS, é claro); e estes sofrimentos
daqui da terra não são nada em comparação com a glória que Deus reserva para
nós: O mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de
Deus. E, se somos filhos, também herdeiros; herdeiros verdadeiramente de Deus
e co-herdeiros de Cristo, SE É QUE TODAVIA NÓS PADECEMOS COM ELE, PARA QUE
SEJAMOS TAMBÉM COM ELE GLORIFICADOS. Porque eu tenho para mim que as
penalidades da presente vida não têm proporção alguma com a glória vindoura
que se manifestará em nós (Romanos VIII-16 a 18).

Texto grego traz SYMMARTYRÉI = COATESTA. O Espírito Santo COATESTA, isto é,


atesta juntamente com o nosso espírito, confirma o que o nosso próprio
entendimento ou o testemunho da boa consciência já nos vem atestando.

Tudo isto, porém, todo este testemunho do Espírito Santo supõe que os
destinatários da carta estejam LIBERTOS DO PECADO, o que não é o mesmo que
dizer IMPECÁVEL, mas sim regenerados depois de uma conversão sincera:
Libertados do pecado, haveis sido feitos servos da justiça (Romanos VI-18).
Estais livres do pecado e... haveis sido feitos servos de Deus (Romanos VI-22).

Dizendo LIBERTOS DO PECADO, o Apóstolo não os está considerando impecáveis.


Isto se vê pela insistência do mesmo em aconselhá-los a que continuem livrando-
se do pecado, pois do contrário estão perdidos: Se vós viverdes segundo a carne,
MORREREIS, mas se vós pelo espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis
(Romanos VIII-13). Não há dúvida que se trata aí de morte eterna, pois morrer,
todos morrem de qualquer maneira. Permaneceremos no pecado, para que
abunde a graça? Deus nos livre; porque uma vez que ficamos mortos ao pecado,
como viveremos ainda nele? (Romanos VI-1 e 2). Não reine, pois, o pecado no
vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais aos seus apetites. Nem tão pouco
ofereçai-vos a Deus como ressuscitados dos mortos, e os vossos membros a
Deus como instrumentos de justiça; porque o pecado vos não dominará, pois já
não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça. Pois quê? Pecaremos porque
não estamos debaixo da graça? Deus tal não permita (Romanos VI-12 a 15). O
pecado não vos dominará — é a confiança de S. Paulo de que os fiéis saberão
corresponder à graça abundante que lhes vem na Nova Lei. Mas Deus tal não
permita — exprime sempre o receio de que os cristãos queiram entregar-se
voluntariamente ao pecado.

Mais adiante, nesta mesma Epístola aos Romanos, falando sobre os judeus que
rejeitaram a Cristo, S. Paulo os considera como ramos que foram quebrados da
árvore do povo de Deus, sendo em seu lugar enxertados os cristãos. Mas vem
sempre a advertência para que estes não se ensoberbeçam com isto, pois se Deus
não perdoou aos ramos naturais, também os enxertados devem temer que Deus
não lhes perdoe (Romanos XI-18 a 21). Se o cristão não permanece na bondade,
também será cortado (Romanos XI-22). E o próprio Deus tem poder para
enxertar de novo os judeus na sua própria árvore (Romanos XI-23 e 24).

Não há motivo, portanto, para que o cristão se ensoberbeça com a ideia de uma
SEGURANÇA ABSOLUTA, a qual de fato não existe, sendo a soberba, ao contrário, o
caminho para cair na reprovação divina.

E não precisamos mais repetir aqui aquelas advertências bem claras, que já
expusemos há pouco, de que os que fazem tais e tais coisas NÃO POSSUIRÃO O
REINO DE DEUS (1ª Coríntios VI-9 e 10; Gálatas V-19 a 21).

Diante disto, qual é o papel da Verdadeira Igreja que quer realmente ensinar a
doutrina de S. Paulo, que é exatamente a mesma doutrina de Jesus?

É exortar aos seus fiéis para que SE LIBERTEM DO PECADO, de todo o pecado.
Ouvindo a sua exortação, os fiéis, uma vez que gozam do livre arbítrio (e uns
cooperam com a graça, e outros não) ou se libertarão do pecado, com o auxílio
da graça de Deus ou continuarão a ele escravizados, por sua própria culpa.

Os que se libertarem realmente do pecado serão filhos e herdeiros de Deus, co-


herdeiros de Cristo. E a ESTES naturalmente o Espírito Santo lhes infundirá paz e
tranquilidade, juntamente com o testemunho da boa consciência. Não é
necessária, para isto, nenhuma insinuação da nossa parte. Se, por acaso, alguém
que procede irrepreensivelmente, que cumpre exatamente o seu dever, que segue
sempre os ditames da própria consciência, que tem de seus pecados passados um
arrependimento SINCERO, ainda se mostra receoso e cheio de temor, é o caso de
lhe dizermos que expulse tais temores infundados, e que o próprio Espírito Santo
se encarregará de lhe atestar que é realmente um filho de Deus.

Mas os que continuaram presos aos seus vícios, aos seus pecados, sem a
necessária emenda, sem o arrependimento, estes, enquanto permanecerem assim,
não são filhos de Deus neste sentido especial em que S. Paulo toma aí esta
expressão, no de herdeiros do Céu; e portanto o Espírito Santo não lhes poderá
atestar isto, pois seria uma mentira, e o Espírito Santo não mente. Realmente o
mesmo Divino Mestre que nos diz: Todo o que comete pecado é escravo do
pecado (João VIII-34) nos diz também: Ninguém pode servir a dois senhores
(Mateus VI-24).

O que é que procuram fazer algumas seitas protestantes? Exatamente o inverso.


Convencidas de que para alguém estar em graça de Deus, é preciso, primeiro que
tudo, estar plenamente certificado disto, procuram incutir no espírito de todos os
seus adeptos a ideia de que são filhos de Deus e que o Divino Espírito Santo lhes
está atestando isto: que são realmente co-herdeiros de Cristo e herdeiros do Céu.

Ora, a coisa mais fácil deste mundo é um pecador que está aferrado ao pecado
convencer-se de que é filho de Deus e de que irá para o Céu com toda a certeza,
se este pecador vem sendo trabalhado por uma seita que já o convenceu de que
nem a observância da lei divina, nem as boas obras contribuem para justificação
do homem, nem são necessárias para a salvação e que o vai sempre acostumando
a ver em Jesus Cristo EXCLUSIVAMENTE UM ADVOGADO que temos para com o Pai
(1ª João II-1) e nunca isto: um Justo Juiz que há de vir na glória de seu Pai com
os seus anjos; e então DARÁ A CADA UM A PAGA SEGUNDO AS SUAS OBRAS (Mateus XVI-
27).

Tanto mais que este crente está acostumado a olhar para o que se passa neste
mundo e a ver como frequentemente os advogados conseguem por no olho da
rua muitos que deveriam permanecer sob as grades da prisão... E pode
facilmente esquecer que o Advogado que temos para com o Pai é, como diz o
próprio S. João, Jesus Cristo JUSTO (1ª João II-1) e, sendo justo, só pode advogar
a causa daqueles que realmente são dignos de receber o perdão, por se acharem
sinceramente arrependidos.

Não venham os protestantes dizer que se distingue facilmente a voz do Espírito


Santo e a voz do nosso próprio orgulho e presunção. Pois podemos logo dar uma
amostra bem clara do contrário. Todas as seitas protestantes, ao mesmo tempo
que vão imbuindo da sua própria interpretação os seus adeptos, vão incutindo
também neles a ideia de que o DIVINO ESPÍRITO SANTO ILUMINA, ESCLARECE A
INTELIGÊNCIA DE CADA UM PARA BEM PENETRAR O SENTIDO DAS ESCRITURAS. O
resultado é que, como veremos, (nos{} 225 a 243) as interpretações da Escritura
são as mais disparatadas e contraditórias, mas todos os protestantes, desde
Lutero até o mais recente nova-seita, estiveram e estão plenamente convencidos
de que a sua interpretação, foi o Divino Espírito Santo quem lhes inspirou!
Nunca foi tão caluniado o Espírito Santo como nestes últimos tempos, desde o
nascimento do Protestantismo até os dias de hoje! O Espírito Santo é infalível,
não há dúvida alguma; a questão está apenas em saber quando é que o Espírito
Santo nos fala e quando é que nos está falando no nosso íntimo o nosso próprio
EU instigado por uma secreta vaidade.

O ensino das epístolas.

98. Erram lamentavelmente os protestantes em muitas passagens das Epístolas


por uma razão bem compreensível: muitas e muitas frases dos Apóstolos são
escritas de acordo com as necessidade dos seus destinatários, de conformidade
com a correção de que precisam no momento. Mas os protestantes as querem
aplicar indistintamente a todos os casos, a toda as pessoas. E como nem sempre é
possível fazê-lo com todas as exortações, escolhem, para isto, as frases que mais
lhes agradem, de acordo com a sua ideologia.

S. Paulo, por exemplo, diz aos Romanos: Vós não recebestes o espírito de
escravidão para estardes outra vez COM TEMOR; mas recebestes o espírito de
adoção de filhos, segundo o qual chamamos, dizendo: Pai, Pai (Romanos VIII-
15). É precisamente o versículo que antecede àquele em que S. Paulo se refere
ao testemunho do Espírito e que já comentamos no número anterior.

Já S. Pedro, na sua 1ª Epístola, diz o seguinte: E se invocais como Pai Aquele


que sem acepção de pessoa julga segundo a obra de cada um, VIVEI EM TEMOR
durante o tempo da vossa peregrinação (1ª Pedro I-17).

Eis aí S. Paulo aconselhando que não se tenha temor, mas sim uma confiança
filial; S. Pedro, ao contrário, dizendo que se deve TEMER e durante toda a vida.
Há alguma contradição nisto? Não há. Deus é Pai e é Juiz Justíssimo. Deve-se
ter confiança na sua misericórdia, que é infinita e temer a sua justiça, que é
inexorável. S. Paulo fala aos Romanos que estão invadidos pelo temor,
dominados pelo pessimismo e é preciso lembrar-lhes que Deus é Pai e havemos
de estar tranquilos e ter confiança nEle. Os que vivem na graça de Deus, se
sofrem, isto não é sinal de que estejam incorrendo no desagrado divino. Já aos
Filipenses, a quem S. Paulo é obrigado a advertir: Nada façais por porfia NEM
VANGLÓRIA, mas COM HUMILDADE (Filipenses II-3), o mesmo Apóstolo das Gentes
exorta a trabalhar no obra da salvação COM RECEIO E COM TREMOR (Filipenses II-
12). S. Pedro, por sua vez, fala a cristãos que estão muito confiados em que Deus
é Pai e então se esquecendo de que este mesmo Pai é também Juiz Justíssimo
que julga segundo as obras de cada um, sem fazer acepção de pessoas, e por isto
estão arriscados a caírem no pecado e no relaxamento e, consequentemente, na
condenação eterna. Todos indistintamente, cristãos e pagãos, católicos e
protestantes, judeus e gentios, santos e pecadores têm que passar pelo seu
tribunal de uma justiça perfeita e aí prestarão contas de tudo o que fizeram, ou de
bom ou de mau (2ª Coríntios V-10). É certo que se levará em conta naturalmente
o perdão que receberam aqueles que FIZERAM o que era necessário para obter este
perdão.

Por isto havemos de ter em toda a nossa vida A CONFIANÇA em Deus, que é nosso,
que nos quer salvar, que vela sobre todos os nossos passos, que está sempre
pronto a nos ajudar com a sua graça. E havemos de ter em toda a nossa vida (ou,
como diz S. Pedro, durante o tempo de nossa peregrinação) O TEMOR por causa da
nossa miséria, da nossa inconstância e fragilidade, uma vez que é necessário que
correspondamos à graça e não podemos garantir que sempre seremos fiéis a ela.
Ostentar certeza absoluta disto seria desconhecer a nós mesmos e nutrir uma
presunção que nos privaria desta mesma graça. É por isto que S. Filipe Néri, um
santo muito engraçado, apesar da sua resolução inabalável de servir a Deus e
jamais ofendê-Lo, dizia sempre nas suas orações a Jesus Sacramentado: “Jesus,
cuidado com Filipe! Ele pode atraiçoar-vos”. E no mesmo sentido dizia o
virtuoso sacerdote cearense Mons. Antônio Tabosa: “Eu não tenho tanto medo
do demônio, nem dos homens; eu tenho medo é do Tabosa”.

Confiar plenamente em Deus; desconfiar de nós mesmos, é o equilíbrio da


ascese católica, que é a única ascese legítima, pois constrói o edifício da nossa
esperança sobre os alicerces da virtude da humildade.
Vício de origem.

99. A mentalidade protestante tem sido diversa da mentalidade católica neste


ponto, porque o Protestantismo nasceu precisamente disto: da pretensão de
Lutero de querer ter, e sem grande trabalho, a certeza absoluta de que era um
predestinado para o Céu. Para isto, alargou monstruosamente o caminho da
salvação. Fez, pode-se dizer, desta certeza absoluta da salvação, o único
requisito para alcançá-la. Segundo a doutrina de Lutero, para alguém se salvar
certamente, não precisa observar os mandamentos (porque, segundo ele, o
homem não pode observá-los, uma vez que não é livre), não precisa mais do que
crer que já está salvo.

O Evangelho, na doutrina de Lutero, se tornou uma boa nova, não no sentido que
lhe deu Jesus Cristo, mas uma boa nova para todos os criminosos, todos os
ímpios, todos os crápulas, todos os devassos, os quais, de queixos caídos, ouvem
Lutero explicar-lhes, que também para eles é facílima a salvação, uma vez que
não se exige o arrependimento, uma vez que os pecados que cometeram, ou
cometerão ainda para o futuro, não os impedirão de entrar no Céu; Cristo cobrirá
com o seu manto todos estes pecados; basta ficarem certo, certíssimos,
convencidos inteiramente de que se salvarão pelo sangue redentor de Cristo, que
fez tudo por nós, que já pagou, que já observou a lei de Deus por todos eles, para
que eles ficassem dispensados de observá-la.

Assim a certeza absoluta da salvação era uma consequência da doutrina de


Lutero, mas de uma doutrina ímpia, perversa e monstruosa. Realmente se para
entrar no Céu o pecador não precisa emendar-se nem arrepender-se, entra com
os pecados e tudo, porque Jesus acoberta estes pecados debaixo do seu manto, se
só o pecado que condena o homem ao inferno é o pecado de não crer, isto é, de
não confiar em Cristo, é fácil ao homem que confia em Cristo ficar com a
convicção absoluta de que se salva.

Mas todo este sistema é, debaixo das aparências de piedade, de adesão a Cristo,
um sistema diabólico. Nem Deus, nem o Evangelho, nem homem algum de bom
senso pode estar de acordo com isto, porque é fazer do Evangelho a porta aberta
para todos os crimes, todas as misérias e degradações.

Um quadro maravilhoso.
100. Os protestantes de hoje não concordam, nem podiam concordar com
semelhante teoria. Foram obrigados a fazer uma notável alteração no sistema
luterano: o homem é livre e para salvar-se precisa arrepender-se, emendar de
vida, deixar o pecado, o que é o mesmo que reconhecer que o pecado que não foi
convenientemente retratado impede de entrar no Céu. Mas onde se mostra toda a
inexperiência dos protestantes é em querer conciliar esta nova doutrina com a
ideia de certeza absoluta da salvação. Dizer ao crente que ele tem certeza
absoluta de salvar-se é, no caso, garantir que ele não pecará jamais.

— Exatamente, dizem os protestantes. O crente está completamente liberto do


pecado: Se algum, pois, é de Cristo (ou mais de acordo com o texto grego: se
algum está EM CRISTO) é uma NOVA CRIATURA (2ª Coríntios V-17). Desde que o
homem se arrepende sinceramente e faz profissão de fé em Cristo, único e
Suficiente Salvador, torna-se regenerado pelo Espírito Santo e assim não peca
mais. É a maravilhosa transformação que o Evangelho realiza no coração do
homem.

E como os protestantes não admitem nenhuma distinção, entre pecado mortal e


pecado venial, porque estas expressões não se encontram na Bíblia, segue-se que
o crente não comete pecado de espécie alguma, nem grave nem leve; se o
cometesse e não se arrependesse, iria para o inferno. Mas não vai, porque não
peca.

E uma amostra, que pode estar à vista do público, de que estes crentes já estão
completamente regenerados e santificados pelo Espírito Santo, pode-se ver em
muitas seitas: o crente já não fuma, não toca absolutamente em bebidas
alcoólicas, não dança e não joga.

A Igreja dos crentes é constituída exclusivamente de puros e perfeitos... E


enquanto os católicos apresentam o cristão subindo penosamente a montanha da
perfeição, em peleja contra as intempéries, contra os animais ferozes, sujeito às
vezes a cair ferido nesta luta, embora depois possa levantar-se, no
Protestantismo é como se o cristão subisse sentado e conduzido docemente por
Jesus, dentro de um carrinho de mão e carrinho fechado, coberto e... blindado,
para não sofrer nada com os ataques adversos.

Daí se vê, portanto, a superioridade do Protestantismo sobre a Religião Católica:


aquele promete aos seus adeptos a salvação com toda certeza, enquanto esta não
dá a ninguém a certeza absoluta da salvação, por conseguinte não traz a paz e a
dá a ninguém a certeza absoluta da salvação, por conseguinte não traz a paz e a
tranquilidade às consciências...

O quadro é assim traçado com uma ingenuidade espantosa.

Da teoria para os fatos.

101. Primeiro que tudo, ainda não é o fato de um indivíduo não fumar, não
beber, não dançar, nem jogar, que prova que ele estar completamente liberto do
pecado. Ser irrepreensível aos olhos dos homens, é uma coisa; estar inteiramente
isento de culpa aos olhos de Deus, é outra bem diferente. Um mau pensamento,
um desejo impuro, um movimento interior de orgulho, de presunção, de ódio ou
de juízo temerário podem passar com rapidez na alma do cristão e deixá-lo
manchado e culpável aos olhos divinos, sem que isto transpareça diante das
criaturas. São pecados que não se podem, averiguar. Mas há outros ainda que
podem chegar ao nosso conhecimento: não repugna que um indivíduo que não
fuma, não bebe, não dança e não joga seja capaz de caluniar, de cometer um
adultério, de enlear-se em amizades perigosas, de pregar uma mentira, de agir
com falsidade, de se mostrar grosseiro e intratável com a família, de detratar da
vida alheia, de passar um calote etc, etc. E aí se vê a responsabilidade tremenda
de cada um destes crentes que se apresentam como perfeitíssimos e de cujo
procedimento fica a depender a verdade de sua própria religião: a cada falta que
cometem, surge uma pessoa para observar: Então a sua doutrina está errada!
Você não diz que aquele que aceitou a Cristo como Salvador está salvo, porque
está completamente liberto do pecado? Isto é falso, porque Você agora mesmo
foi pilhado numa transgressão.

E quando se mostram a um protestante os casos de pecados cometidos por


crentes e “regenerados”, a saída é esta:

— É porque eles não tinham a fé verdadeira ou não tinham o verdadeiro


arrependimento.

— Quer dizer então que aquilo que a princípio se apresentava como o que havia
de mais simples neste mundo, agora de um momento para outro, se transformou
no que há de mais difícil e complicado.

Porque, antes de se converter o pecador, o infiel ou o descrente, como Vocês


queiram chamar, o que Vocês diziam a ele era que a salvação é coisa muito fácil.
queiram chamar, o que Vocês diziam a ele era que a salvação é coisa muito fácil.
Arrependeu-se o homem, aceitou a Cristo como seu Único e Suficiente Salvador,
como seu Salvador Pessoal, já está salvo, completamente regenerado, não peca,
não pode perder-se jamais.

Agora que o homem pecou, vem a ter notícia do seguinte: Seu arrependimento,
que o seu coração lhe dizia ser sincero, sua aceitação de Cristo que ele fez de tão
boa vontade, não valiam, não eram verdadeiros, porque para isto era preciso que
SE PUDESSE GARANTIR QUE ELE JAMAIS VOLTARIA A COMETER NENHUM PECADO, NEM
GRAVE NEM LEVE, EM TODA A SUA VIDA.

Ora, isto não se pode garantir de pessoa alguma!

Os batistas e a certeza da salvação.

102. Deste jeito, a tal garantia absoluta de que se está salvo definitivamente já
neste mundo, se evapora completamente.

É precisamente o que se dá com os Batistas. Se, por acaso, o leitor é protestante


e pertence a alguma outra seita, pode muito bem confrontar com o que se passa
lá nos seus arraiais, dentro da doutrina de sua denominação.

Como já tivemos ocasião de observar, o Protestantismo teve origem no cérebro


de um homem que estava preocupado com este problema: COMO HAVIA DE TER
CERTEZA ABSOLUTA DA SUA SALVAÇÃO.

Encontrou uma doutrina que lhe “fornecesse” esta certeza absoluta: O homem
não é livre. Deus é quem faz em nós o bem e o mal; é Ele quem guia os passos
de uns para a salvação e os de outros para a condenação eterna, porque a
observância dos mandamentos é impossível. O pecado, mesmo existente na
alma, não impede o homem de entrar no Céu, porque, se ele tem fé, isto é,
confiança em Jesus Cristo está salvo, mesmo que tenha muitos pecados e deles
não se arrependa (porque arrependimento seria uma hipocrisia, uma vez que não
é livre), Deus não olha para estes pecados, não lhe são imputados. Assim
ensinou Lutero e daí nasceu a doutrina de Calvino: a predestinação de uns para o
Céu e de outros para o inferno.

Dentro desta horrorosa doutrina, é natural que um homem se julgue com a


salvação garantida: se eu acho que estou no número dos predestinados para o
salvação garantida: se eu acho que estou no número dos predestinados para o
Céu, penso que dê no que der, faça o que fizer, chegarei lá sempre. Pobrezinhos
daqueles que estão predestinados para o inferno; mas isto é lá com eles, não me
interessa, nem tenho jeito a dar.

Foi assim que começou o Protestantismo.

Ora, os Batistas no princípio seguiram esta doutrina calvinista da predestinação


de uns para o Céu e outros para o inferno. E a proclamaram solenemente na
Confissão de Fé de Filadélfia, no ano de 1742, a qual esposou as ideias da
Confissão de Westminster (1641-1648) francamente calvinista, acrescentando-
lhe os princípios batistas: independência de cada igreja, batismo dos adultos etc.

Mas acontece que pouco a pouco foram os protestantes sentindo horror a esta
doutrina calvinista. E, como não é de admirar, os Batistas resolveram abandoná-
la. Foi o que fizeram na Confissão de New Hampshire, em 1833, na qual se diz
no Artigo 6º: “Cremos que a salvação concedida gratuitamente A TODOS, segundo
o Evangelho, que é o dever imediato de todos aceitá-la por meio de uma fé
sincera, ardente e obediente; que não há empecilho algum à salvação do maior
pecador que existe sobre a terra, a não ser a sua própria perversidade e rejeição
voluntária do Evangelho”.

Ficaram alguns Batistas apegados à doutrina calvinista, porque há várias


subdivisões entre os Batistas (“há vinte e seis denominações batistas nos Estados
Unidos agora” é o que nos informa o pastor batista William Carey Taylor no seu
livro “É possível a perda da Salvação?” pág.31), mas a grande maioria dos
Batistas segue a Confissão de New Hampshire. E esta é a doutrina comumente
ensinada pelos pastores batistas na América do Sul.

Entretanto estes mesmos pastores batistas pregam abertamente A CERTEZA


ABSOLUTA DA SALVAÇÃO. Como pode ser isto?

Que os Batistas calvinistas, admitindo que Deus já DECRETOU desde toda a


eternidade e de uma maneira irrevogável, que uns irão para o Céu e outros para o
inferno, isto independentemente das obras de cada um, nutram em si esta ilusão
da CERTEZA ABSOLUTA DE SUA SALVAÇÃO, se compreende muito bem.

Mas homens que admitem:

1º que somos livres e podemos pecar a cada instante;


1º que somos livres e podemos pecar a cada instante;

2º que a graça não violenta a nossa liberdade, mas é preciso que cooperemos
com ela;

3º que um pecado cometido, seja ele qual for, se não for retratado pelo
arrependimento, nos põe em estado de condenação AO INFERNO, pois nem ao
menos os Batistas fazem distinção entre pecado mortal e pecado venial; como é
que estes homens podem pregar uma CERTEZA ABSOLUTA DA SALVAÇÃO?

Isto é o que naturalmente aguça a nossa curiosidade.

Vejamos, portanto, a doutrina dos Batistas.

O homem é salvo pela FÉ, não pelas obras. A salvação é dada gratuitamente
àquele que tem a verdadeira fé e o verdadeiro arrependimento.

Mas a fé verdadeira é aquela que SE MANIFESTA PELAS OBRAS, pelo reto


procedimento do homem, que assim DÁ TESTEMUNHO DE SUA FÉ, quando age em
tudo como uma criatura regenerada e liberta do pecado. Se o homem procede
mal, é sinal de que não tem a verdadeira fé.

O homem que peca mostra que não alcançou a salvação, que, portanto, não é um
verdadeiro crente, pois “se é um crente verdadeiro, os frutos de sua fé
manifestar-se-ão NA SUA VIDA, pois que tal homem não deixará de agir como um
herdeiro da salvação. Pretender ser um dos eleitos e agir como um herdeiro da
salvação. Pretender ser um dos eleitos e agir como um incrédulo, seria fazer o
papel de hipócrita ou néscio” (O Que Creem os Batistas. O. C. S. Wallace. 1945.
pág.71).

Há, por conseguinte, duas espécies de crentes: uns que são crentes verdadeiros e
outros que são crentes nominais, ou seja, são crentes SOMENTE DE NOME. SÓ SE
SALVAM AQUELES QUE SÃO CRENTES VERDADEIROS.

Daí se conclui, é claro, que para eu ter certeza de que já estou salvo, não basta
que eu seja membro da Igreja Batista. É preciso, além disto, que seja UM CRENTE
VERDADEIRO.

Desejoso, como me acho, de saber realmente se já estou salvo ou não, é natural


que eu pergunte: Quando é que posso saber se sou ou não um verdadeiro crente?
que eu pergunte: Quando é que posso saber se sou ou não um verdadeiro crente?

Vamos reproduzir a resposta que dão os Batistas a esta pergunta.

Mas repare bem o leitor. Não vamos citar este ou aquele pastor, porque assim os
Batista se descartarão, dizendo que se trata aí apenas de uma opinião pessoal.
Vamos citar um livro que expõe OFICIALMENTE o pensamento dos Batistas em
geral. É o livro o QUE CREEM OS BATISTAS, editado pela Casa Publicadora Batista e
vendido em todas as livrarias desta denominação. Está já na 4ª edição brasileira,
portanto não é um livro que os Batistas tivessem rejeitado depois de um certo
tempo, ao contrário tem sido mais do que aprovado por eles, uma vez que vem
tendo edições sucessivas. Dizemos: 4ª edição BRASILEIRA, porque se trata de
tradução de uma obra norte-americana do Sr. O. C. S. Wallace, muito conhecida
dos Batistas em várias partes do mundo. É, além disto, como diz no Prefácio
“um comentário aos 18 artigos de fé que constituem a Confissão de Fé de New
Hampshire. Foi formulada e adotada pelos Batistas do Estado de New
Hampshire em 1833 e é atualmente aceita pelos batistas em geral. Não se trata
de um credo, porque os batistas não o possuem. É apenas uma síntese daquilo
que cremos”.

Pois bem, se eu pergunto QUANDO É QUE SEI QUE SOU UM CRENTE VERDADEIRO, que é
o mesmo que dizer, quando é que sei que já estou salvo, eis aí a resposta deste
livro, que é destinado a “prestar seus bons serviços na orientação doutrinária do
povo batista”:

“A DEMONSTRAÇÃO DE SER ALGUÉM UM CRENTE VERDADEIRO SÓ É COMPLETA NO FIM DA


VIDA. A Corrente da âncora não terá sido provada satisfatoriamente, enquanto
cada elo não tiver sido provado. Assim também o crente não terá dado prova
suficiente da REALIDADE DA SUA FÉ, até que essa fé tenha sido provada, quer na
mocidade, quer na velhice, desde o princípio ATÉ O FIM DA JORNADA. Um homem
pode enganar os outros durante muitos anos, até que uma circunstância
inesperada venha pôr a descoberto seu verdadeiro caráter. ELE MESMO PODE ESTAR
ILUDIDO e recusar-se a uma submissão completa a Cristo, como o Evangelho
exige, crendo ser possível obter a vida eterna PELO MENOR PREÇO. Neste caso fica
convencido de que realmente alcançou a vida e animado por essa esperança
passa a executar os deveres cristãos sem, por muito tempo, ter de enfrentar uma
provação a que não possa resistir. Como consequência de sua própria ILUSÃO, o
homem deixa-se descansar numa SEGURANÇA FALSA, e será despertado só quando
sobrevier alguma prova imprevista ou tentação para a qual não esteja preparado.
Então se revela o fato de que sua vida anterior apresentava apenas UMA
TRANSFORMAÇÃO EXTERNA E NÃO ERA O RESULTADO DE UMA MUDANÇA INTERIOR” (O
Que Creem os Batistas. O. C. S. Wallace. 4ª edição, 1945 pág. 84).

Mas direi eu: Passei muitos anos, santificando-me, sem cometer nenhum pecado,
será que eu ainda não sou crente verdadeiro, será que não tenho a verdadeira fé?

Vejamos o que diz o mesmo citado livro:

“Uma experiência passada, EMBORA EXTRAORDINÁRIA, não é motivo que justifique


a esperança do céu. ANOS gastos na fiel observância das obrigações religiosas NÃO
PODEM GARANTIR A SEGURANÇA ETERNA do homem que já deixou de andar em
conformidade com a vontade de Deus. Se o presente é caracterizado pela
impiedade, mundanismo e indiferença, falta a prova da fé e A EVIDÊNCIA DA
REGENERAÇÃO DESAPARECE; em tal caso SERÁ TOLICE da parte do homem esperar um
lugar entre os santos” (O Que Creem os Batistas. O. C. S. Wallace. 1945 pág.
87).

Como se vê pelas palavras acima citadas, esta EXPERIÊNCIA DA SALVAÇÃO, em que


tanto falam os Batistas, ou seja — a convicção no homem de que está agindo
bem, só faz o que é reto e por isso já está sentindo que Deus está satisfeito com
ele, que o Espírito Santo lhe está dando o testemunho de que já fez dele um filho
de Deus, co-herdeiro de Cristo e herdeiro do Céu — esta experiência, ainda que
se prolongue DURANTE ANOS SEGUIDOS, mesmo assim não pode dar ao homem A
SEGURANÇA ETERNA. Ele pode, ainda depois disto, cair na IMPIEDADE, MUNDANISMO E
INDIFERENÇA.

Não se alegue que isto é apenas uma opinião do comentarista O.C.S. Wallace. É
a própria Confissão de Fé de New Hampshire que diz no Artigo 11º: “Cremos
que só SÃO CRENTES VERDADEIROS AQUELES QUE PERSEVERAM ATÉ O FIM”.

Depois de ler tudo isto, lembre-se agora o leitor do seguinte: quantas pessoas,
por não terem sólida instrução religiosa, foram atraídas a ingressar na seita dos
Batistas e nelas ingressaram, porque ficaram encantadas com esta seita que dizia
GARANTIR AOS CRENTES a salvação COM TODA A CERTEZA e pretendia provar isto com
PALAVRAS DA BÍBLIA! Uma verdadeira maravilha! Quem é que não quer ter certeza
de que morrendo, irá direitinho para o Céu?
E assim se foram engrossando as fileiras dos Batistas!

Mas basta que o batistas estude realmente qual é a doutrina de sua seita, para ver
como está sendo vítima de um deplorabilíssimo engano e ENGANO REDOBRADO: 1º
porque, se estudar CONSCIENTEMENTE a Bíblia, comparando uns versículos com os
outros, pois tudo ali é palavra de Deus, verá que ela não promete a ninguém esta
regalia de ficar descansado, absolutamente certo de que irá para o Céu, mas a
entrada no Céu é sempre apresentada sob certas condições: se o homem crer
(João III-18), se observar os Mandamentos (Mateus XIX-17), se amar a Deus de
todo o coração e o próximo como a si mesmo (Lucas X-25 a 27), a impureza, a
idolatria, as invejas, os homicídios, a embriaguez e outras coisas semelhantes
(Gálatas V-19 a 21) etc, etc;

2º porque NEM A PRÓPRIA DOUTRINA BATISTA, pelo menos, a seguida pela grande
maioria da seita, a qual rejeita o Calvinismo com as suas ideias sobre a
predestinação, NEM A PRÓPRIA DOUTRINA BATISTA autoriza ninguém a se julgar
salvo assim com ESTA CERTEZA ABSOLUTA.

— Sim, meu amigo, deverá dizer o outro batista. Os crentes vão para o Céu com
toda certeza. São palavras da Bíblia. Mas há uma coisa: quando se diz que os
crentes são salvos definitivamente já neste mundo, aí se entende dos CRENTES
VERDADEIROS. Você, DURANTE TODA SUA VIDA, não saberá nunca se é crente
verdadeiro ou não, porque só se sabe com certeza se alguém é crente verdadeiro,
quando praticou a virtude até o fim da vida. Pois se deixou de praticar a virtude
em algum tempo, mesmo que por longos anos a tenha praticado, isto é sinal de
que o indivíduo nunca teve nem fé, nem salvação, nem regeneração, nem coisa
alguma.

É o caso de dizer: Que me adianta a mim, desejoso, como estou de ter certeza
absoluta de MINHA SALVAÇÃO, o saber que os crentes verdadeiros vão para o Céu,
porque se salvam já neste mundo, se eu não sei nunca se sou crente verdadeiro
ou não, se isto é um segredo de Deus, só Ele conhece os verdadeiros crentes?

E é interessante observar qual o remédio que usam os Batistas para acalmar esta
dúvida, quando assalta o espírito de seus adeptos.

Diz o mesmo livro: “Como posso saber se sou um dos eleitos? É em geral a
inquirição de uma alma mórbida” (O Que Creem os Batistas. O. C. S. Wallace.
1945 pág. 71). Aqui paramos para apreciar este verdadeiro contraste: uma seita
1945 pág. 71). Aqui paramos para apreciar este verdadeiro contraste: uma seita
cujos pastores e fiéis tanto falam na certeza absoluta da salvação, é ela mesma a
nos dizer que esta indagação sobre se iremos para o Céu ou não é a preocupação
de uma alma doentia. Outra observação que vem bem a propósito é esta: donde
é, que nasceu o Protestantismo, senão da ideia fixa que se meteu na cabeça de
Frei Martinho Lutero sobre a certeza ou não de sua salvação? É o mesmo que
confessar que as seitas evangélicas tiveram origem de uma preocupação
mórbida... Se a pergunta: Como posso saber se sou um dos eleitos? Dominando
insistentemente o espírito de uma pessoa, é sinal de uma doença mental, neste
caso aqueles médicos, psicólogos e historiadores que, estudando a fundo a vida
de Lutero, viram nele um indivíduo anormal, se nos apresentam cobertos de toda
razão.

Mas vejamos o livro: “Como posso saber se sou um dos eleitos? É em geral a
inquirição de uma alma mórbida. Todas as vezes que surgir a dúvida, volte-se a
alma para Jesus. Em vez de alimentar dúvidas, esta grande doutrina da Palavra
de Deus dá maior certeza” (O Que Creem os Batistas. O. C. S. Wallace. 1945
pág. 71).

De modo que o crente batista, assaltado pela dúvida se já está salvo ou não, abre
a sua Bíblia e nela vai encontrar o remédio para suas inquietações, vai buscar o
conforto naqueles grandes ensinamentos: Quem crê no Filho, tem a vida eterna;
Crê em Jesus, e serás salvo; Quem crer, não será confundido etc, etc. E aquieta-
se completamente sob o efeito destas sublimes palavras.

Sim, aquieta-se completamente... se quiser realmente iludir-se a si mesmo.


Porque, se quiser REFLETIR um pouquinho que seja, logo perguntará: Quando a
Bíblia diz: O que crê no Filho tem a vida eterna; Crê em Jesus, e serás salvo;
Quem crer, não será confundido etc, ela se refere ao crente verdadeiro ou ao
crente só de nome?

— Refere-se só ao CRENTE VERDADEIRO.

— E eu? Sou crente verdadeiro ou só de nome?

— Isto não sabes agora. Porque crente verdadeiro é aquele que se conserva
regenerado, que se mantém liberto do pecado até o fim da sua vida.

E assim fica o homem exatamente na mesma dúvida.


Nesta matéria de certeza da salvação, a situação do batismo é, de acordo com a
sua própria doutrina, a mesma situação em que se encontra o católico.

O católico, ainda que se encontre em estado de graça, mesmo que sinta que Deus
está habitando no seu coração, porque a sua consciência não o acusa de falta
grave, e de todos os pecados passados está arrependido e perdoado, ainda assim
NÃO PODE GARANTIR COM CERTEZA QUE IRÁ PARA O CÉU; seria uma presunção da sua
parte, porque seria o mesmo que garantir que na hora da morte estará
conservando esta mesma graça santificante; garantir pela própria fidelidade é
confiar demais em si mesmo. Pode, sim, ter uma FIRME ESPERANÇA, porque a
graça de Deus jamais lhe faltará; se tiver sempre boa vontade em cooperar com
ela, se salvará com toda a certeza.

O batista, ainda mesmo que esteja de boa fé, que esteja procedendo bem, que
sinta o bom testemunho de sua consciência, porque, na hipótese, sua conduta é
em todos os pontos irrepreensível e ainda mesmo que esta boa situação, já a
tenha conservado durante anos seguidos, mesmo assim NÃO PODE GARANTIR COM
CERTEZA QUE IRÁ PARA O CÉU, porque no Céu só poderão entrar aqueles que são
crentes verdadeiros, e ele não sabe ainda se é crente verdadeiro, pois “A
DEMONSTRAÇÃO DE SER ALGUÉM UM CRENTE VERDADEIRO SÓ É COMPLETA NO FIM DA
VIDA”. (O Que Creem os Batistas. O.C.S. Wallace. 1945 pág. 84).

A condição única da salvação, a seu ver, é a verdadeira fé, mas passa a vida
inteira sem saber se possui esta verdadeira fé, porque ela se manifesta pelas
OBRAS, obras estas que ele pratica livremente e nelas pode falhar.

E assim estamos diante de um fato bastante estranho.

Esses Batistas que nós vemos tão frequentemente acusarem os católicos de


serem heréticos e antibíblicos pelo fato de não ensinarem a certeza absoluta,
individual, da salvação, são eles próprios que mostram claramente que, na
prática, esta certeza absoluta não pode existir.

É o caso de perguntar: encontra o leitor nesta estranha atitude algum vestígio


daquela SINCERIDADE com que se há de aceitar e transmitir a verdadeira doutrina
do Evangelho?

Amigos Batistas: depois que apareceu o Protestantismo, várias seitas têm


pregado no mundo esta CERTEZA ABSOLUTA DA SALVAÇÃO, mas para chegar até aí
sempre seguiram um caminho errado e escabroso. Se Vocês querem também
chegar a esta conclusão, enveredem por algum desses maus caminhos.

Querem pregar a certeza absoluta da salvação, não é assim?

Então preguem como Lutero e os primeiros luteranos que o homem não é livre,
Deus é quem faz em cada um o bem e o mal, que para alcançar o Céu não se
precisa de arrependimento, que lá se entra com pecados e tudo, porque Cristo
cobre estes pecados debaixo do seu manto. — Mas isto é a destruição de toda a
moral.

Ou então preguem, como Calvino, que Deus por um decreto firme e irrevogável
já predestinou desde toda eternidade alguns homens e anjos para o Céu e outros
para o inferno, isto independentemente de qualquer consideração das obras ou do
procedimento de cada um. — Mas, isto é uma doutrina HORROROSA, que se choca
evidentemente com a nossa RAZÃO e que destrói qualquer ideia da JUSTIÇA e
BONDADE de DEUS.

Ou então preguem, como os Universalistas, que não existe inferno, que todos
nós, sem distinção alguma, justos e pecadores, chegaremos ao Céu. — Mas isto
vai de encontro abertamente ao ensino das Escrituras.

Bem, se não querem seguir nenhum desses caminhos, se querem pregar o LIVRE
ARBÍTRIO, a doutrina de que o pecado que não foi retratado pelo arrependimento
impede de entrar no Céu, se querem exaltar, como deve ser, a bondade e a justiça
divinas, se querem admitir, com a Bíblia, além de um Céu eterno para os bons,
um inferno também eterno para os maus, neste caso não há outro jeito senão
desistirem desta ideia de andar pregando aos crentes a promessa de uma
segurança absoluta no que diz respeito à salvação. Sim, porque há um fenômeno
que ninguém jamais poderá negar, pois está à vista de todos: a fragilidade da
nossa natureza, a inconstância do coração humano.

A desigualdade das graças.

103. Todo o mal dos Batistas neste ponto (e é também o mal de muitas outras
seitas protestantes) é embalar-se com um SONHO e não encarar a REALIDADE: é
imaginar que a todos são concedidos OS FENÔMENOS EXTRAORDINÁRIOS que são
limitados a algumas pessoas. Fazem como a crianças que, vendo a firmeza com
que os equilibristas fazem em cima do arame as mais incríveis acrobacias,
ficasse pensando que isto era um sinal de que ela mesma podia fazê-las também,
esquecida de que para aquilo se faz mister um dom especial.

Não há dúvida que nós vemos os PRODÍGIOS operados pela graças nos grandes
santos: uns desde a mais tenra infância, outros desde o momento de sua
conversão, entraram de cheio no serviço de Deus com uma firmeza
inquebrantável, agigantaram-se cada vez mais na vida sobrenatural, e seguiram
para o Céu num caminho direto, sem cometerem nenhuma falta, nem mesmo
venial, ao menos deliberada. Aos olhos dos homens podiam parecer impecáveis,
mas era uma ação tão abundante do Espírito Santo que lhes infundia, além das
virtudes, um horror muito grande ao pecado, que este, fosse qual fosse, se lhes
afigurava o que havia de mais inconcebível, e assim era livremente que eles
realizavam em si o ideal da perfeição. E o realizavam, apesar das tentações, por
vezes bem acerbas, que tiveram de suportar.

É fácil notar pelas Escrituras a transformação extraordinária que, a partir do dia


de Pentecostes, se verificou no espírito dos Apóstolos, os quais de ignorantes
passaram a mostrar-se altamente iluminados, de covardes se fizeram intrépidos,
de mesquinhos em certas atitudes logo se tornaram generosos e santos. Então
antes de Pentecostes não tinham a fé verdadeira? Tinham, sim. Mas era tão
importante a missão que eles haviam de exercer, lançando, depois de Cristo, as
bases da verdadeira Igreja, que era preciso se realizasse na sua inteligência, no
seu coração, em toda sua alma, uma ação superabundante e eficacíssima do
Divino Espírito Santo, em grau muito mais elevado do que no comum dos fiéis.
E esta operação maravilhosa se verificou precisamente no dia em que lhes
chegou a vez de saírem pelo mundo, substituindo a Cristo na obra
evangelizadora.

Mas agora perguntamos: estas transformações extraordinárias se têm que operar


necessariamente em todos?

Não, porque Deus não quer levar todas as almas pelo mesmo caminho.

Não, porque as graças do Espírito Santo não são distribuídas a todos da mesma
maneira, nem na mesma proporção: A cada um de nós foi dada a graça, segundo
a medida do dom de Cristo (Efésios IV-7).
Não, porque além de não serem iguais as graças concedidas, também é certo que
nem todos cooperam com a graça da mesma forma.

Haverá injustiça nesta distribuição desigual das graças? Nenhuma; porque, se


Deus dá a todos uma GRAÇA SUFICIENTE para a salvação, cada um trate de salvar-
se com esta graça que recebeu, nada tem que ver com a maior liberalidade que
Deus usa para com outros, pois Deus dá os seus dons a cada um da maneira que
bem Lhe apraz.

Ora, acontece que estas seitas, apegadas à ideias de CERTEZA ABSOLUTA DA


SALVAÇÃO dada já neste mundo, e não sabendo explicar exatamente em que
sentido a salvação é um DOM GRATUITO DE DEUS, imaginam o seguinte sistema: A
salvação é dada de GRAÇA pelo Divino Espírito Santo a todo aquele que tem FÉ, e
é dada quando o Espírito Santo regenera o indivíduo. Regenerar o indivíduo é
libertá-lo completamente do pecado, ele já não peca, não porque se tornou
impecável, mas porque VOLUNTARIAMENTE se mostra em tudo obediente a Cristo.
É uma operação misteriosa e inefável do Divino Espírito Santo.

Aquele que peca, é porque ainda não foi SALVO, não foi REGENERADO, o que é
sinal de que ainda não tem a VERDADEIRA fé.

E assim julgam conciliar a realidade da liberdade humana com o sonho da


CERTEZA ABSOLUTA DA SALVAÇÃO PARA TODOS OS CRENTES.

E ficam a zombar dos católicos que se põem a rezar, a fazer penitências, a ouvir
missas, a receber sacramentos etc, para obter maiores graças de Deus e assim
garantir ainda melhor a sua própria salvação, quando a salvação eles a julgam ter
recebido INTEIRAMENTE DE GRAÇA, já estão salvos definitivamente desde este
mundo; foi o Espírito Santo que num momento transformou a sua alma e eles se
tornaram regenerados e purificados para sempre... E isto é um dom concedido a
todo verdadeiro crente, a todo aquele que tem a verdadeira fé...

O protestante, portanto, considera a FÉ, a SALVAÇÃO e a REGENERAÇÃO, como


sendo uma peça inteiriça que não se quebra nunca e que nunca se perde, como
um presente que, ou se dá para sempre, ou então não se deu ainda de forma
alguma.

Tudo isto vai muito bem, ENQUANTO O PROTESTANTE NÃO PECA.


E é tão fácil um homem pecar! Mais fácil ainda, quando se julga superior a outra
pessoa, seja ela qual for, porque isto é o mesmo que privar-se da graça: Deus
resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes (1ª Pedro V-5).

Os próprios Batistas reconhecem que, mesmo depois de ter levado ANOS de vida
santa e frutuosa, o homem ainda pode pecar.

E o protestante que peca está numa situação lamentabilíssima. Caiu


fragorosamente das grandes alturas, a que se julgava elevado, na sua presunção.

Embalado, como esteve até agora, com a pretensão de que JÁ ESTÁ SALVO, JÁ ESTÁ
REGENERADO, ou por cegueira não leva em consideração os pecados que vai
cometendo e deles, portanto, não se arrepende, e neste caso é maior dos
infelizes, julgando-se salvo quando está fora do caminho da salvação: vai morrer
sorrindo, pensando que o Céu se lhe vai abrir de par em par, mas não sabe a
surpresa que o espera no outro mundo, porque LHE FALTA O ARREPENDIMENTO e
porque Deus julga SEGUNDO AS SUAS OBRAS (Mateus XVI-27; Romanos II-6) e não
de acordo com as suas ilusões;

ou então sente o remorso do pecado cometido, e uma decepção tremenda se


abate sobre o seu espírito: Passei tanto tempo, tendo-me na conta de salvo, de
regenerado, pensando que possuía a verdadeira fé; agora cheguei à conclusão de
que eu NUNCA TIVE nem fé, nem salvação, nem regeneração, nem coisa alguma.
Uma verdadeira lástima!

E como está convencido de que a salvação não a alcança por seu próprio esforço,
ajudado embora com a graça de Deus, como ensinam os católicos; mas é apenas
um dom de Deus, dado INTEIRAMENTE DE GRAÇA, em vez de acusar a si próprio de
ter perdido a salvação, a que até agora teria o direito, ele se volta para o Divino
Espírito Santo, a fim de perguntar-Lhe por que motivo ainda não lhe concedeu
ESTE DOM DA SALVAÇÃO, DA REGENERAÇÃO COMPLETA.

— Não culpes assim o Divino Espírito Santo, lhe dirá o “irmão na fé”, o outro
nova-seita. Se não estás salvo ainda, é porque não tinhas a verdadeira fé, isto é, a
confiança absoluta de que Jesus é que te salva.

— Mas esta fé, esta confiança de que Jesus me salva, vem só do meu esforço ou
é, por sua vez, também um dom de Deus? Se vem só do meu esforço, não sei
mais o que possa fazer, porque confiança de que Jesus é que me salva, acho que
mais o que possa fazer, porque confiança de que Jesus é que me salva, acho que
a tenho muita, pois passei todo este tempo absolutamente convencido disto e
cada vez me convencendo mais. Se é, por sua vez, um dom de Deus, por que é
que Deus não me dá este dom?

E assim vai o homem fazer força novamente para ver se tem fé, até que um novo
pecado o faz cair outra vez na mesma situação de desespero. Deste modo, ele
está a poucos passos da terrível teoria calvinista de que Deus é quem predestina
uns para o Céu, e outros para a perdição.

Como é, então, que esta doutrina de que a salvação é dada por Deus, como um
presente inteiramente gratuito e só é possuída por aqueles que se acham
confirmados em graça, isto é, de pé para nunca mais cair, como é que esta
doutrina pode ser consoladora para nós, que somos todos, mais ou menos,
pecadores?

Entre os católicos as coisas se passam de maneira bem diferente.

Suponhamos que um católico se achava em estado de graça, que passou mesmo


muitos anos levando uma vida santa e agora caiu num pecado grave. Ele não se
sente privado da fé, como se fora um incrédulo, porque a fé consiste em aceitar
toda a doutrina de Cristo, a qual nos é proposta pela sua Igreja Infalível. Ele
continua a ver em Jesus o seu Salvador: sabe que Deus quer salvá-lo e não lhe
negará a graça do arrependimento, nem o seu perdão, a ser adquirido pelos
meios competentes, porque Deus não quer a morte do pecador, mas sim, que ele
se converta e viva (Ezequiel XXXIII-11). Não se trata aqui absolutamente de
pecar alguém com a esperança de alcançar o perdão. Porque, para haver perdão,
é preciso haver um PROPÓSITO EFICAZ (isto é, pronto a empregar todos os meios),
FIRME E SINCERO de não mais afastar-se de Jesus por todo o resto da vida [11].
Mesmo quem quisesse abusar da misericórdia divina, pecando com a esperança
deste perdão, se arriscaria a cair no endurecimento e a não receber A GRAÇA da
contrição, que Deus pode por justiça negar àqueles que querem ludibriar de sua
benevolência. É por isto que diz S. Paulo: Obrai a vossa salvação COM RECEIO E
COM TREMOR... PORQUE DEUS É O QUE OBRA EM VÓS O QUERER E O PERFAZER, SEGUNDO O
SEU BENEPLÁCITO (Filipenses II-12).

Trata-se, sim, do soerguer-se, pela misericórdia divina, aquele que ia seguindo o


bom caminho, mas pagou o seu tributo à fragilidade humana. E o mesmo Deus
que obrigava S. Pedro a perdoar 70 vezes 7 vezes (Mateus XVIII-21 e 22) saberá
ser rico em misericórdia para com a alma que quer seguir a Cristo de todo o
coração, mas se encontra muitas vezes a braços com a sua própria fraqueza.
Assim faz o Bom Pastor que corre, pressuroso, em busca da ovelha perdida.

E agora chamamos a atenção do leitor para uma circunstância que não pode ser
esquecida: O católico que se achava em estado de graça e caiu num pecado
mortal UNICAMENTE A SI PRÓPRIO vai atribuir a causa de sua desgraça. Uma vez que
não tem esta ideia de que a salvação é dada por Deus INTEIRAMENTE DE GRAÇA e de
uma vez para sempre, mas sim a de que a salvação deve ser conseguida palmo a
palmo por ele, ajudado com a indispensável graça de Deus, uma vez que está
convencido, de acordo com a doutrina católica, de que “àquele que faz o que está
ao seu alcance, Deus não nega a sua graça, e mesmo para ele fazer o que está a
seu alcance, Deus ainda o ajuda com a sua graça”, a sua conclusão é esta:
Existem, na salvação, a parte de Deus e a minha. Deus sempre faz
maravilhosamente a sua parte, o seu desejo de salvar-me é muito maior do que o
meu próprio desejo. Mas fracassei, não soube perseverar na minha cooperação
melhor, ajudado com a graça de Deus, pois SEM ELA NADA POSSO FAZER e pedirei
ao próprio Deus que me ajude a me tornar melhor daqui por diante.

Não é difícil verificar, destas duas concepções a respeito da nossa salvação, qual
a que se mostra mais adequada à nossa natureza humana, que nada tem de
imutável. Trata-se aí de um assunto que a TODOS se refere, pois todos precisam
ser salvos, todos têm obrigação de TER FÉ na mensagem do Evangelho.

Segundo a teoria protestante, TODOS AQUELES que sinceramente creem no


Evangelho, são por uma operação do Espírito Santo transformados
AUTOMATICAMENTE em regenerados, que não pecam mais e assim recebem a
salvação dada toda de presente.

Segundo a teoria católica, o homem precisa CONQUISTAR a salvação cooperando


livremente com a graça, dia a dia; e se fraqueja, se cai no meio do caminho, se
perde esta salvação em cuja posse se encontrava, ainda pode recuperá-la com o
arrependimento e com o perdão divino. Deus amorosamente o ajudará a
levantar-se da queda, a não ser que o pecador prefira continuar no deplorável
estado em que caiu. Não se negam as transformações maravilhosas que o Divino
Espírito Santo tem realizado em certas almas que se guindaram bem depressa às
mais belas culminâncias da santidade. Mas também estas almas só chegaram a
tal ponto, só conquistaram o grau mais elevado de glória celeste porque por sua
vez souberam dia a dia ir cooperando heroicamente com a graça.

Medite bem o leitor, olhe para si e para os outros, e para toda a história do
homem, inclusive nesses 2.000 anos de Cristianismo e veja qual destas duas
concepções reflete com exatidão o que é a marcha da Humanidade sobre a face
da terra. E observe também qual delas está mais conforme com a palavra da
Bíblia: Aquele, pois, que crê estar em pé VEJA NÃO CAIA (1ª Coríntios X-12).

Notas (pular)

[11] Uma coisa, porém, é o homem aos pés de Deus fazendo o seu firme propósito, e outra já um bocado
diversa é o mesmo homem às voltas com as seduções da tentação. E aí muitas vezes fraqueja. A
mentalidade excessivamente rígida de certos protestantes não pode compreender isto: acham que, desde que
o propósito foi alguma vez quebrado, isto é sinal de que nunca houve o arrependimento. Doutrina muito
boa... para levar a pobre Humanidade ao desespero. Mas é o caso de perguntar: será que esses protestantes
se sentem NA SUA VIDA assim tão inflexíveis, tão angélicos que não experimentem o contraste entre os
nossos melhores propósitos e a realidade das nossas imperfeições? (voltar)

Deus é imutável; mas nós?!

104. O homem é fraco e o seu coração está sujeito a mudanças. Pode ter hoje as
melhores disposições e amanhã começar a nutrir sentimentos bem diversos.

Entre os próprios que CREEM, isto pode verificar-se. Há uns que CREEM E NO TEMPO
DA TENTAÇÃO VOLTAM ATRÁS, como disse Nosso Senhor Jesus Cristo no
Evangelho. E a experiência de cada dia nos mostra que aquele que é hoje filho
dócil, obediente e amoroso pode amanhã, atraído pelo vício ou pelos maus
companheiros, tornar-se um filho rebelde: aquele que foi durante muitos anos
um esposo inteiramente dedicado à sua esposa e que jamais pensou em
infidelidade pode, de uma hora para outra, ceder à tentação de adultério. A moça
que sempre resistiu bravamente às insinuações do sedutor, pode algum dia
fraquejar. O empregado que foi correto e fidelíssimo durante longo tempo, pode
afinal cair em falta. E assim por diante, para só falarmos em pecados graves. Isto
se pode dar com qualquer pessoa, seja qual for a sua religião. Nisto não há
fatalidade, nem influência do destino, como querem alguns; mas a apenas a
liberdade humana, que pode a cada momento ceder à tentação do mal, a
inconstância do coração humano, a fragilidade da nossa pobre natureza,
fragilidade esta que trouxemos do berço e levamos ao túmulo.

A transformação do homem.
A transformação do homem.

105. A transformação no coração humano, o Evangelho a realiza por si só ou


somente pode realizá-la mediante o esforço e a cooperação do homem? Se a
realizasse por si só, nenhum de nós poderia ser melhor transformado do que
Judas Iscariotes: ele tinha conhecimento da doutrina e dos prodígios do Divino
Mestre, não pelos livros como nós mesmos, mas ouvindo as palavras da própria
boca do Salvador e presenciando pessoalmente os milagres evangélicos. E no
entanto, em vez de santificar-se, mergulhou no endurecimento.

O mesmo Deus que diz ao seu povo, por intermédio do profeta Ezequiel: Dar-
vos-ei UM CORAÇÃO NOVO e porei UM NOVO ESPÍRITO no meio de vós, e tirarei da
vossa carne o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne (Ezequiel
XXXVI-26) é também Aquele que igualmente pelo profeta Ezequiel manda a
este mesmo povo que CRIE EM SI UM CORAÇÃO NOVO E UM ESPÍRITO NOVO: Convertei-
vos e fazei penitência de todas as vossas iniquidades, e a iniquidade vos não
trará ruína. Lançai para muito longe de vós todas as vossas prevaricações, de
que vos fizestes culpáveis E FAZEI-VOS UM CORAÇÃO E UM ESPÍRITO NOVO (Ezequiel
XVIII-30 e 31). Não é possível a santificação, se não se realizam conjuntamente
A AÇÃO DE DEUS E A NOSSA; ambas são indispensáveis. Faça o homem o que está
ao seu alcance e Deus não lhe negará a sua graça; a graça, pode, então, realizar
maravilhas.

Imaginar que vamos para Céu carregados docemente por Jesus, sem nenhum
esforço de nossa parte, não passa de um sonho ditado pelo nosso velho
comodismo: o cristão tem que lutar como um bom SOLDADO de Jesus Cristo (2ª
Timóteo II-3) e se dá no Reino de Deus o mesmo que acontece nos jogos
públicos: o homem não é coroado senão depois que COMBATEU segundo a lei (2ª
Timóteo II-55).

A nova criatura.

106. Quando S. Paulo nos diz que aquele que está em Cristo é uma nova
criatura, não é no sentido de que este homem deixou de ser livre para fazer o
mal; nem que ficou nele extinto o fogo das paixões e das más inclinações da
nossa natureza. Quer dizer que este homem se tornou outro diante de Deus pela
graça santificante, que o torna agradável aos olhos do seu Criador; e se tornou
outro aos olhos dos homens, pelo seu modo de proceder que todos veem ser
proceder de um verdadeiro cristão, muito diferente do modo de agir dos pagãos
que viviam mergulhados na corrupção, ou dos judeus que eram cheios de
maldade e de hipocrisia. Mas S. Paulo não diz com esta situação é inamissível.

Se está em Cristo, é uma nova criatura; mas, homem como é, fraco, sujeito a
tentações, se não coopera com a graça e cai no pecado mortal, enquanto
permanecer neste triste estado, já não está mais em Cristo, porque dEle se
afastou pelo pecado; e já não é mais a nova criatura, porque está privado da
graça santificante e está agindo à maneira do velho homem.

O mesmo S. Paulo, na sua Epístola aos Efésios, exorta os cristãos a se


despojarem do homem velho (Efésios IV-22) e a se revestirem do novo: VESTI-VOS
DO HOMEM NOVO, que foi criado segundo Deus em justiça e em santidade de
verdade (Efésios IV-24). Como poderão revestir-se deste homem novo? O
Apóstolo o mostra em seguida com uma série de exortações: PELO QUE,
renunciando a mentira, fale cada um a seu próximo a verdade... Se vos irardes,
seja sem pecar... Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava não furte mais...
Nenhuma palavra má saia da vossa boca... Não entristeçais ao Espírito Santo...
Toda a amargura e ira e indignação dentre vós outros... Sede uns para com os
outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros (Efésios IV-25
a 32). E nos dois capítulos seguintes continuam as exortações. É, portanto, PELAS
SUAS OBRAS, PELO SEU MODO DE PROCEDER que o cristão se vai tornar um homem
novo. Se fosse por uma operação miraculosa em que o homem automaticamente
fica transformado em impecável, entrando crisálida e saindo borboleta, não eram
necessárias tantas recomendações: bastava mandar CRER em Cristo.

Aquelas exortações mostram muito bem que quem não proceder segundo a
norma traçada pelo Apóstolo, já não estará agindo como o novo, mas sim como
o VELHO HOMEM.

Não admitindo nenhuma distinção entre pecado mortal e pecado venial,


reconhecendo também que com o pecado na alma ninguém pode entrar no Céu,
o protestante tem que admitir que a NOVA CRIATURA se tem certeza absoluta da
salvação, é porque não comete nenhum pecado nem grave, nem leve.

Entretanto, a Bíblia nos diz que todo homem cai em pecados (o que se há de
entender: pelo menos em pecados leves); vejamos esta palavra de S. Tiago:
TODOS NÓS tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2). Tropeçar aí quer dizer
pecar, pois logo em seguida o Apóstolo mostra que uma destas coisas em que
tropeçamos facilmente é no que diz respeito à língua: Se algum não tropeça em
qualquer palavra, este é varão perfeito (Tiago III-2).

E Nosso Senhor ensinou-nos a orar dizendo sempre: Perdoa-nos as nossas


dívidas (Mateus VI-12), o que mostra que todos os cristãos, ainda mesmo os
mais justos e santos, têm sempre alguma coisa de que se penitenciar perante
Deus.

Há certeza do arrependimento?

107. Alguém poderá dizer: Concordo com o Sr. em dizer que ninguém pode ter
certeza de que nunca pecará na sua vida. Mas há uma coisa: o homem que peca,
ainda pode salvar-se pelo arrependimento. Assim posso ter a certeza absoluta da
salvação, porque tenho a certeza de que, se pecar, hei de arrepender-me e
conseguir o perdão de Deus e, por conseguinte, a vida eterna.

— E quem lhe dá esta CERTEZA ABSOLUTA do arrependimento?

Primeiro que tudo: como disse S. Paulo, não somos capazes nem de um
pensamento bom, sem a graça de Deus (2ª Coríntios III-5). O arrependimento é,
portanto, uma graça divina.

Esta graça, Deus não a nega ao coração bem disposto. Aquele que procura seguir
sempre o bom caminho, aperfeiçoar-se em pensamentos, palavras e obras,
portar-se santamente na Igreja de Deus, a qualquer falta, embora mínima que
cometa, vê surgir espontaneamente, inquietadoramente, o arrependimento no seu
coração. Arrependimento, porque caiu numa falta, a que o seu bom espírito não
estava habituado; arrependimento mandado misericordiosamente por Deus, que
quer logo perseguir com a sua graça, fazer soerguer-se o seu servo fiel que teve a
infelicidade de cair na tentação.

Mas o indivíduo que começa a recair muito frequentemente no pecado grave,


sem fazer o esforço necessário para dele se emendar, vai pouco a pouco se
tornando menos apto a receber a graça do arrependimento. À proporção que ele
vai abusando das graças de Deus, o arrependimento vai escasseando e, depois de
um certo tempo, pode desaparecer por completo. É o endurecimento do pecador,
cuja consciência já emudeceu ou só faz ouvir mui fracamente a sua voz.
cuja consciência já emudeceu ou só faz ouvir mui fracamente a sua voz.

Além disto, para ser verdadeiro, o arrependimento tem que incluir um propósito
firme de deixar o pecado, custe o que custar, e não por um dia ou dois, mas por
todo o resto da vida. Ora, há certos pecados que não podem ser deixados sem
uma renúncia heroica. É o caso, por exemplo, das amizades pecaminosas, que
prendem o coração; do vício da impureza, que tão frequentemente envolve as
criaturas, do vício do roubo da embriaguez. Às vezes é também o ódio que se
enraizou no coração e ao qual o cristão nem sempre renuncia facilmente. Há
casos, portanto, em que Deus exige do cristão um sacrifício doloroso: Se o teu
olho te escandaliza, lança-o fora: melhor te é entrar no reino de Deus sem um
olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46).

Garantir que sempre se terá o arrependimento, seria garantir que nunca se


abusará da graça de Deus e que também sempre se tomará a resolução heroica,
por mais que ela nos custe, sejam quais forem as tentações que se nos depararem
no futuro; e seria sempre uma certeza baseada na presunção, no
desconhecimento da nossa inata fragilidade humana.

E é o caso ainda de perguntar: há sempre a certeza de que é sincera a contrição?

Muitas vezes o cristão se julga arrependido e de fato não está. Há no fundo do


seu coração ainda um resto de apego ao pecado e só Deus, que conhece
perfeitissimamente a alma nas suas mais íntimas profundezas, é que bem pode
saber se o arrependimento é deveras sincero. Porque a sinceridade do
arrependimento não está propriamente na comoção que se sente em determinado
momento; pode haver até lágrimas e soluços sem haver arrependimento sincero,
o qual consiste na firmeza da vontade em detestar o pecado de tal modo que não
se queira, por hipótese alguma, cometê-lo jamais. É por isto que podemos ter
dúvida sobre se estamos ou não na graça de Deus, sem que isto envolva
absolutamente dúvida sobre o poder reparador da morte de Cristo, o qual bem
sabemos ser infinito, mas dúvida, sim, sobre as disposições da nossa própria
alma, as quais também são necessárias para a justificação. Bem-aventurado
homem que sempre está com temor (Provérbios XXVIII-14). Às vezes a falta de
arrependimento é tão evidente que não é somente Deus que a percebe, qualquer
observador imparcial pode percebê-la também; só a alma se ilude a si própria,
tendo-se na conta de contrita, sem o estar de fato. Quantas vezes no
confessionário acontece que o penitente vem confessar-se na suposição de que
está contrito; e o confessor percebe claramente, pelas próprias declarações do
penitente, que ele não possui a contrição verdadeira! Diz-se arrependido, mas
não quer tomar as providências necessárias para fugir às ocasiões do pecado;
adquiriu bens ilicitamente, mas sente repugnância em fazer a restituição; está
empolgado pela paixão, mas não quer afastar-se de vez da criatura que desta
paixão é causadora; diz perdoar, mas não quer nem ver a pessoa que o ofendeu
etc, etc.

Se uma criatura nestas condições estiver no Protestantismo, está completamente


atolada. Em vez de encontrar alguém que a advirta do perigo de condenação em
que se encontra, vai deparar-se com um pastor a sugestioná-la de que já está
salva, uma vez que tem a fé em Cristo e o arrependimento; a ensiná-la a sentir a
“experiência da salvação”, ou seja, a doce sensação de que Cristo já a salvou; a
decantar as belezas de uma religião tão agradável, tão consoladora que já nos faz
gozar neste mundo a certeza absoluta da recompensa celeste...

Tranquilidade da firme esperança.

108. Se a Igreja Católica não acena aos seus adeptos com uma CERTEZA
ABSOLUTA da salvação, é por uma razão muito simples: porque se trata de um
assunto que, segundo os desígnios de Deus, não depende somente de Cristo,
depende também de cada um de nós: Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS
MANDAMENTOS (Mateus XIX-17). Se vós viverdes segundo a carne, morrereis; mas
se vós pelo espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis (Romanos VIII-
13). Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus; mas sim
o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse entrará no reino dos
Céus (Mateus VII-21). Temos CERTEZA DA SALVAÇÃO, sim, mas uma CERTEZA
CONDICIONADA: se cooperamos com a graça, nos salvaremos com TODA CERTEZA.
Porque, como disse o Grande Doutor S. Agostinho: “Deus nos criou sem nós,
mas sem nós não nos pode salvar”.

Isto, porém, não impede absolutamente a paz e a tranquilidade das nossas almas;
porque, se nas várias vicissitudes da nossa vida, só pudéssemos ter paz quando
soubéssemos com plena certeza qual o RESULTADO FINAL das nossas empresas, das
nossas aspirações, então esta paz seria sempre impossível ou seria preciso que
Deus nos desse primeiro o dom da profecia. Para tudo isto há um remédio: a
doce e humilde confiança em Deus que é o Pai das Misericórdias. Se para tantos
e tantos empreendimentos, cujo resultado de nós não depende, havemos de ter
plena confiança na Divina Providência, quanto mais no que diz respeito ao
negócio de nossa salvação; porque isto é um assunto cujo resultado depende de
nós: somos nós que com a graça de Deus construiremos a nossa sorte na
eternidade. Deus é infinitamente bom, é Pai, nada quer mais do que a nossa
salvação, deseja-se mais do que nós mesmos; se por nosso turno nos queremos
salvar, e trabalhamos para isto com a ajuda divina que nunca nos falta quando a
pedimos, se detestamos de todo o coração o pecado, fiquemos tranquilos e
peçamos a Deus que nos conserve nestas santas disposições; porque neste caso
nos salvaremos com toda certeza. Esta é a nossa FIRME ESPERANÇA.

Diante da realidade.

109. Não se trata aqui de saber se a certeza absoluta de salvação adquirida já


nesta vida seria ou não mais agradável para nós; o que interessa à Sabedoria e à
Providência de Deus é o que vem a ser para nós mais útil e proveitoso. Se não
temos segurança absoluta neste sentido, isto nos conserva mais humildes, mais
desconfiados de nossas próprias forças, mais necessitados de implorar o socorro
divino, mais ativos e vigilantes no serviço de Deus, porque o soldado, tendo
certeza absoluta da vitória, perderia muito de seu estímulo para a luta contra o
inimigo.

Nem se trata de uma religião procurar atrair adeptos prometendo uma segurança
absoluta, porém imaginária e sem fundamento, assim como os candidatos caçam
votos, fazendo promessas ilusórias, às vésperas das eleições.

Trata-se de encarar a realidade, tal qual nos é apresentada pelos textos da


Escritura, os quais não nos mostram os que creem em Cristo como imutáveis,
mas ao contrário como sujeitos a perder a fé ou a recair na escravidão do pecado,
o que é confirmado pela experiência pessoal da nossa própria fraqueza: Vigiai e
orai, para que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a
carne é fraca (Mateus XXVI-41).

E se S. Paulo nos ensina que não há condenação para os que estão em Jesus
Cristo, os quais não andam segundo a carne (Romanos VIII-1), em vez de
querermos antecipar em nosso favor a sentença definitiva que só pode ser dada
depois da nossa morte pelo Supremo Juiz, todo o nosso empenho deve ser viver
EM CRISTO, não só pela verdadeira fé (e verdadeira fé consiste em sujeitarmos o
nosso modo de ver aos ensinos de Cristo e não em torcê-los com a torquês do
livre exame, para que se acomodem ao nosso modo de ver e ao nosso
pensamento), não só pela verdadeira fé, como dizíamos, mas também pela
prática da caridade, da castidade e das demais virtudes, evitando as obras da
carne. Deus não nos faltará jamais com ajuda de sua graça para nos conservar no
bom caminho, cooperemos com a sua graça até o fim, porque só no fim é que
nos poderemos julgar definitivamente possuidores do prêmio eterno da glória
celeste: Sê fiel até a morte, e eu te darei a coroa da vida (Apocalipse II-10).
Capítulo Sexto
A justificação pela fé sem as obras da lei
Dois textos de S. Paulo.

110. Dizem os protestantes que S. Paulo nos ensina a salvação pela fé sem as
obras, nos dois textos seguintes.

Sabemos que o homem não se justifica pelas OBRAS DA LEI, sendo pela fé de Jesus
Cristo (Gálatas II-16).

Concluímos, pois, que o homem se justifica pela fé SEM AS OBRAS DA LEI (Romanos
III-28).

Toda a confusão dos protestantes reside precisamente nisto: se S. Paulo aí fala


em OBRAS DA LEI, não se refere à lei de Deus, expressa nos 10 mandamentos, os
quais fazem parte integrante da lei de Cristo, e seria na realidade um escândalo e
uma aberração Paulo mostrar a inutilidade da lei de Cristo para a justificação do
homem, dizer que a observância da lei de Cristo não torna ninguém justo diante
de Deus. S. Paulo se refere à LEI MOSAICA, a qual foi abolida depois da morte do
Redentor, logo que começou a ser pregado o Evangelho. Fala das OBRAS DA LEI
MOSAICA, as quais, como observa Cornely, nenhum católico jamais incluiu entre
as disposições necessárias para a justificação.

Lei é um termo usado tanto para significar lei civil, como lei divina. Trata-se
aqui, é claro, da lei divina.

Neste sentido de lei divina, isto é, lei emanada de Deus, lei que é preciso
observar para ganhar a salvação, pode-se tomar esta palavra em 3 sentidos: lei
natural, lei mosaica, lei de Cristo.

Lei natural.

111. Lei natural é aquela a que está sujeito todo homem, mesmo que não tenha
tido nenhum conhecimento da revelação feita por Deus, nem daquela que foi
transmitida aos judeus por intermédio de Moisés, nem da revelação que nos veio
por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Todo homem, mesmo que não professe nenhuma religião tem, contudo, a voz de
sua consciência que lhe diz que não deve matar, nem furtar, nem levantar falso
testemunho, nem desrespeitar pai e mãe, nem cometer adultério, nem atraiçoar o
próximo etc. E esta voz da consciência o acusa e enche de remorsos, quando ele
falta a estes preceitos naturais. Além disto, independentemente de qualquer
doutrinação religiosa, a própria razão nos demonstra a existência de Deus, de um
Ser Supremo que fez o Universo, pois todo efeito supõe uma causa capaz de
produzi-lo.

Antes de Cristo, os gentios, que não conheciam a lei de Moisés, estavam sob este
regime da lei natural, como estão ainda hoje os pagãos que nunca tiveram
conhecimento de Jesus Cristo. De todos estes, tanto se pode dizer que têm a lei
de Deus impressa nos seus corações pala voz da consciência, como se pode dizer
também que estão sem lei, desde que se tome a palavra — lei — no sentido mais
rigoroso do termo, ou seja, lei escrita nos livros ou nos monumentos, lei
promulgada externamente por um legislador. É neste último sentido que S. Paulo
assim escreve: Todos os que SEM LEI pecaram, sem lei perecerão (Romanos II-
12). Porém um pouco mais adiante, o próprio S. Paulo toma a palavra — lei —
num sentido mais largo: Quando os gentios que não têm lei, fazem naturalmente
as coisas que são da lei, esses tais, não tendo semelhante lei, a si mesmos
servem de lei, os quais mostram a obra da LEI ESCRITA NOS SEUS CORAÇÕES, dando
testemunho a eles a sua mesma consciência e os pensamentos de dentro que
umas vezes os acusam, e outras os defendem, no dia em que Deus, segundo meu
o Evangelho, há de julgar as coisas ocultas dos homens por Jesus Cristo
(Romanos II-14 a 16). Fazem naturalmente as coisas que são da lei, quer dizer:
fazem sem ter nenhum conhecimento da doutrina revelada, pelo que sabem, de si
mesmos, sem revelação divina.

Os pagãos mostravam ter conhecimento da lei natural e dela falavam


abertamente. Assim é que Cícero, na sua Oração Pro Milone fala “na lei não
escrita, mas inata... que nós recebemos da própria natureza”. E numa tragédia de
Sófocles, o personagem central Antígono se recusa a desobedecer aos “decretos
divinos, que não foram escritos e que são imutáveis, não é de hoje que eles
existem, eles são eternos.”

Lei mosaica.
Lei mosaica.

112. Aos judeus, antes da vinda de Cristo, Deus impôs pela revelação a sua lei.
Aquelas obrigações da lei natural (não matarás, não furtarás, honrarás pai e mãe,
não levantarás falso testemunho, não adulterarás etc.) Deus as impõe claramente
nos 10 mandamentos.

Mas, além disto, há muitas outras determinações que os judeus tinham que
observar, porque lhes foram impostas por Deus. Não vamos aqui citar todas estas
prescrições, porque seria muito longo, mas daremos alguns exemplos.

A lei foi dada por intermédio de Moisés. Mas já antes de Moisés, desde o tempo
de Abraão, Deus havia preceituado a circuncisão ao seu povo: ... Eis aqui o meu
pacto que haveis de guardar entre mim e vós, e a tua posteridade depois de ti:
todos os machos dentre vós serão circuncidados, e vós circuncidareis a carne do
vosso prepúcio, para que seja o sinal do concerto que há entre mim e vós
(Gênesis XVII-9 a 11). O macho que não tiver sido circuncidado na carne do
seu prepúcio, será aquela alma apagada do seu povo, porque tornou írrito o
meu pacto (Gênesis XVII-14).

Havia, na lei mosaica, a proibição de comer certos animais considerados


imundos: Não comais o que é imundo. Estes são os animais que deveis comer: o
boi, e a ovelha, e a cabra, o veado e a corça, o búfalo, a cabra montês, o
unicórnio, o orige, o camelopardo.

Comereis de todo o animal que tem a unha fendida em duas partes e que remói.
Não deveis, porém, comer dos que, sim, remoem, mas não tem unha fendida
como são o camelo, a lebre, o querogrilo; estes, porque remoem e não tem a
unha fendida, serão imundos para vós.

O porco também será para vós imundo, porque, ainda que tem unha fendida,
não remói. Não comereis da carne destes animais, nem tocareis nos seus
cadáveres.

De todos os animais que vivem nas águas comereis estes: comei os que têm
barbatanas e escamas; mas não comais daqueles que não têm barbatanas nem
escamas, porque são imundos.

Comei de todas as aves que são limpas; mas não comereis das imundas, quais
são a águia, e o grifo, e o esmerilhão, o ixião, e o abutre, e o milhano, segundo
seu gênero; e todo o gênero de corvos, e o avestruz, e a coruja, e a gaivota, e o
açor, segundo o seu gênero, a cegonha, e o cisne, e o íbis, e o mérgulo, o
porfirião, e o bufo, o onocrótalo, e o caradrio, cada um no seu gênero, a poupa
também e o morcego. E tudo o que anda de rastos e tem asas será imundo e não
se comerá (Deuteronômio XIV-3 a 19).

Havia a proibição de comer o sangue dos animais: Qualquer homem da casa de


Israel e dos estrangeiros que peregrinam entre eles, se comer sangue, obstinarei
eu o meu rosto contra a sua alma e exterminá-la-ei do seu povo, porque a vida
do animal está no sangue. (Levítico XVII-10 e 11). Qualquer homem dos filhos
de Israel e dos estrangeiros que moram entre vós que tomar, em caça ou laço,
fera ou ave daquelas é lícito comer, derrame o seu sangue e cubra-o com terra
(Levítico XVII-13).

Eram proibidas as vestes com certas misturas de tecidos: Não te vestirás de coisa
que seja tecida de lã e de linho (Deuteronômio XXII-11).

Havia determinações especiais sobre a purificação da mulher que dá à luz


(Levítico cap. XII).

Havia a obrigação de celebrar com ritos especiais as solenidades dos Pães


Ázimos, das Semanas e dos Tabernáculos (Deuteronômio XVI-1 a 17).

São exemplos de prescrições, dentre muitas, que havia para os judeus, as quais
não vigoram mais, agora estamos sob a

Lei de Cristo.

113. Vindo Cristo ao mundo, promulgou a sua lei, que veio substituir e
aperfeiçoar a lei mosaica. Ele exige igualmente a observância dos 10
mandamentos: Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus
XIX-17), os quais, portanto, estão de pé na Nova Lei, embora não estejam mais
em vigor aquelas penas que existiam na Lei Antiga, segundo a qual deviam ser
apedrejados o filho contumaz e rebelde (Deuteronômio XXI-18 a 21), a esposa
que não foi encontrada virgem (Deuteronômio XXII-20 e 21), aqueles que
cometiam adultério (Deuteronômio XXII-22) etc. O que não exclui naturalmente
as penas impostas pela justiça de Deus na outra vida.
A respeito do matrimônio, Cristo se mostra mais rigoroso do que a Lei Antiga,
ensinando a unidade e indissolubilidade do casamento (Marcos X-11 e 12),
quando na Lei Antiga havia o direito de repudiar o homem à mulher que não for
agradável a seus olhos por causa dalguma fealdade (Deuteronômio XXIV-1) e
casar com outra.

Prescrevendo a prática dos mandamentos, o Divino Mestre insiste na sua parte


mais importante: o amor de Deus e o amor do próximo, sem deixar de tornar
mais rigorosa a obrigação da castidade (Mateus V-27 e 28).

Além dos mandamentos, Cristo impõe outros preceitos: há os sacramentos da


Nova Lei e assim em vez da circuncisão é obrigatório o Batismo: Quem não
renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus (João
III-5). Outra lei nos impõe Jesus Cristo nestas palavras: Se não comerdes a carne
do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós (João VI-
54).

Em suma Cristo é não só o Salvador, o Mestre da verdade, mas também um


Legislador que nos veio apontar, pela sua lei santa e sublime, o caminho da
salvação.

Sempre o Decálogo.

114. Já demos uma ideia da distinção entre a lei natural, a lei mosaica e a lei
cristã. Mas o que não pode passar despercebido nesta exposição é que de uma
forma ou de outra, ou seja na lei natural, ou no judaísmo, ou na lei de Cristo, ou
mais ou menos rigorosos, ou mais ou menos explícitos, os 10 mandamentos
sempre estão de pé. É a lei de Deus eterna que impera no coração do homem,
seja qual for a época, religião ou raça a que pertença, seja maior ou menor o seu
conhecimento da vontade divina.

Obras da lei; de qual lei?

115. Durante muitos e muitos séculos, quando na linguagem bíblica se falava na


LEI, não se podia entender senão a lei de Moisés.

Na lei de Cristo ninguém pensava, por uma razão muito simples: Jesus Cristo
não havia aparecido ainda e não havia, portanto, ensinado a sua lei.
não havia aparecido ainda e não havia, portanto, ensinado a sua lei.

Na lei natural, também não: porque tendo uma lei escrita, expressa com as
próprias palavras de Deus, dada com tanta pompa e solenidade no monte Sinai,
incluindo, além dos preceitos da lei natural, muitíssimos outros preceitos, não
era certamente na lei natural que os judeus pensavam, quando se falava na LEI.

Os apóstolos e Evangelistas conservam este modo de falar, que era o usual


naquele tempo, pois vinha sendo usado desde muitos séculos. Sabem muito bem
que existe uma lei de Cristo. Assim diz S. Paulo: Levai as cargas uns dos outros,
e desta maneira cumprireis a LEI DE CRISTO (Gálatas VI-2). Mas, quando dizem
simplesmente — a lei — entendem a lei de Moisés: A LEI foi dada por Moisés; a
graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo (João I-17). A palavra — lei —
continua a designar também no Novo Testamento os 5 primeiros livros da
Bíblia, em contraposição com outros livros sagrados, precisamente porque é
naqueles que vêm circunstanciadamente descritas as prescrições da lei mosaica:
Não tendes lido na LEI que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o
sábado e ficam sem pecados? (Mateus XII-5). Depois da lição da LEI e dos
profetas, mandaram-lhes dizer os chefes da sinagoga (Atos XIII-15). Sirvo eu a
meu Pai e Deus, crendo todas as coisas que estão escritas na LEI e nos profetas
(Atos XXIV-14).

Quando o Evangelho fala em — doutor da lei (Mateus XXII-35; Lucas V-17) —


isto não significa um homem entendido na lei civil, na lei natural ou na lei de
Cristo, mas um homem que é bom conhecedor da lei de Moisés.

Assim sendo, chamamos a atenção do leitor para o seguinte trecho de S. Paulo


na sua 1ª Epístola aos Coríntios: E me fiz para os judeus como judeu, para
ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se eu estivera debaixo
da lei (NÃO ME ACHANDO EU DEBAIXO DA LEI), por ganhar aqueles que estavam
debaixo da lei; para os que estavam sem lei, como se eu estivera sem lei (ainda
que não estava sem a lei de Deus, mas ESTANDO NA LEI DE CRISTO), por ganhar os
que estavam sem lei (1ª Coríntios IX-20 e 21).

Ora, aí diz o Apóstolo que não está debaixo da lei; porque, quando ele diz
simplesmente — a lei — entende a lei de Moisés. Do fato de não estar debaixo
da lei, não se segue que não esteja sujeito a lei nenhuma, pois ele diz
abertamente estar sujeito à lei de Cristo, portanto, à lei de Deus.
Do mesmo modo, quando o Apóstolo diz que o homem não é justificado pelas
obras da lei, entende-se que as obras da lei de Moisés não servem mais para
tornar o homem um justo diante de Deus. A lei de Moisés foi abolida. Mas daí
não se segue que o homem não se torne justo pelas obras de outra lei: da lei
cristã, por exemplo. Muito ao contrário, se S. Paulo diz que a fé em Cristo é que
justifica o homem, a fé em Cristo, como provamos no capítulo quarto, nos obriga
a obedecer à sua lei, pois Cristo também foi um Legislador e nos impôs
mandamentos, cuja observância é indispensável para se conquistar a vida eterna.
E a estas obras que nascem da obediência à Lei de Cristo, S. Paulo não chama —
obras da lei — chama BOAS OBRAS: Esta é uma verdade infalível e quero que isto
afirmes, para que procurem avantajar-se em BOAS OBRAS os que creem em Deus
(Tito III-8). E aprendam também os nossos a serem os primeiros em BOAS OBRAS
para as coisas que são necessárias, para que não sejam infrutuosos (Tito III-
14). Somos feitura dEle mesmo, criados em Jesus Cristo para BOAS OBRAS, que
Deus preparou, para caminharmos nelas (Efésios II-10).

S. Tiago e S. Paulo.

116. Somente à luz da distinção entre estas duas noções, é que se podem
conciliar o ensino de S. Tiago e o de S. Paulo, CONCILIAÇÃO esta IMPRESCINDÍVEL,
pois não pode haver contradição nas Escrituras. Um fala em OBRAS; o outro, em
OBRAS DA LEI, o que já vem a ser duas coisas diferentes.

Dizendo: Não vedes como pelas OBRAS é justificado o homem, e não pela fé
somente? (Tiago II-24), S. Tiago nos mostra claramente que a fé não basta para a
salvação, sendo necessárias também AS BOAS OBRAS, em cumprimento da lei de
Cristo.

Dizendo: O homem é justificado pela fé, sem AS OBRAS DA LEI (Romanos III-28;
Gálatas II-16), S. Paulo nos mostra que para o homem tornar-se justo diante de
Deus, o caminho a seguir é a fé em Cristo, a fiel submissão a seus divinos
ensinamentos, não sendo mais obrigatórios aqueles ritos, purificações e
observâncias da lei mosaica, porque esta não está mais em vigor.

Desprezando completamente o ensino de S. Tiago, que é tão infalível como o de


S. Paulo, porque também faz parte da Bíblia, Lutero e Calvino se aproveitaram
desses textos em que o Apóstolo das Gentes nos diz que o homem é justificado
pela fé em Cristo, sem as obras da lei, para afirmar que S. Paulo nos ensina que
estamos completamente livres da obrigação de obedecer aos mandamentos, à lei
de Deus, estamos livres de todas as leis, pois Cristo não é legislador, não nos
impôs nenhum preceito, veio apenas oferecer-nos a salvação pela fé (!!).

Pelo que foi exposto até aqui, o leitor já percebe claramente a adulteração que se
faz assim das palavras de S. Paulo. Mais ainda o perceberá, estudando ambas as
frases no seu respectivo contexto. Vale a pena o trabalho, porque conseguiremos
mais uma vez desfazer as confusões que fazem os nossos queridos irmãos
separados, completamente perdidos naquele intricado estilo do Apóstolo
S. Paulo.
1º — Na Epístola aos Gálatas
A questão dos judaizantes.

117. Vamos citar o trecho todo da Epístola aos Gálatas: Nós somos JUDEUS por
natureza e não pecadores dentre os gentios, MAS como sabemos que o homem
não se justifica pelas obras da lei, senão pela fé de Jesus Cristo, por isso
também nós cremos em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo,
e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei não será justificada toda
a carne (Gálatas II-15 e 16).

Estas palavras se prendem à questão dos judaizantes, assunto sobre o qual versa
TODA a Epístola aos Gálatas. Temos, portanto, que fazer o histórico desta
questão.

Depois da morte de Jesus Cristo, que em vida obedeceu à lei mosaica, ficou uma
dúvida entre os cristãos, que no princípio tinham sido recrutados entre os judeus:
estariam eles obrigados ainda a observar a lei de Moisés? A S. Pedro, como
chefe da Igreja, é que cabia resolver a questão. Por isto Deus o instruiu com uma
visão especial: viu o céu aberto e que descendo um vaso, como uma grande
toalha suspensa pelos quatro cantos, era feito baixar do céu à terra, no qual
havia de todos os quadrúpedes, e dos répteis da terra, e das aves do céu. E foi
dirigida a ele uma voz, que lhe disse: Levanta-te, Pedro; mata e come. E disse
Pedro: Não, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum, nem imunda. E a
voz lhe tornou segunda vez a dizer: Ao que Deus purificou, não chames tu
comum (Atos X-11 a 15). Estava ainda a imaginar no que quereria dizer esta
visão, quando lhe batem à porta os enviados de Cornélio, um gentio, um
incircunciso, que o mandava chamar à sua casa. Indo Pedro à casa de Cornélio e
fazendo a sua pregação diante de Cornélio e dos seus, desceu o Espírito Santo
sobre todos os que ouviram a palavra de Deus. E se espantaram os fiéis que
eram da circuncisão, os quais tinham vindo com Pedro, de verem que a graça
do Espírito Santo foi também derramada sobre os gentios (Atos X-45). E
S. Pedro mandou que eles fossem batizados em nome do Senhor Jesus Cristo
(Atos X-48). Estava evidente que Deus, para justificar o homem, para dar-lhe a
graça do Espírito Santo, não exigia absolutamente a observância da lei de
Moisés.
Mas aconteceu que vindo alguns da Judeia, ensinavam assim aos irmãos: Pois
se vos não circuncidais segundo o rito de Moisés, não podeis ser salvos. E
tendo-se movido uma disputa não mui pequena de Paulo e Barnabé contra eles,
sem os convencer, resolveram que fossem Paulo e Barnabé e alguns dos outros,
aos Apóstolos e aos presbíteros de Jerusalém, sobre esta questão (Atos XV-1 e
2).

Reunidos os Apóstolos e presbíteros no Concílio de Jerusalém, quando está mais


acesa a discussão sobre o assunto, depois de se fazer sobre ele um grande exame
(Atos XV-7), Pedro levanta-se e mata a questão. Deus não fez diferença alguma
entre judeus e os gentios, dando também a estes últimos o Espírito Santo. E com
a palavra decisiva de Pedro, acabou-se a discussão: ENTÃO TODA A ASSEMBLEIA SE
CALOU (Atos XV-12). Falam Paulo e Barnabé contando quão grandes milagres e
prodígios fizera Deus por intervenção deles nos gentios (Atos XV-12).

Levanta-se no fim S. Tiago, para mostrar como a decisão de S. Paulo concordava


com o que tinham anunciado os profetas e para fazer também uma proposta;
proposta que é aprovada, porque pareceu bem aos Apóstolos e aos presbíteros,
com toda a Igreja (Atos XV-22).

A proposta de S. Tiago é a seguinte:

1º Que se mande aos cristãos que se abstenham de comer das carnes sacrificadas
aos ídolos.

Era costume entre os gentios separar para os sacerdotes uma parte dos animais
que foram sacrificados aos ídolos. Esta carne era vendida nos mercados e às
vezes com elas se faziam banquetes. Aos cristãos convertidos do gentilismo se
manda que se abstenham de tais banquetes, a fim de não escandalizarem os
judeus, para quem tais carnes eram abominação e também pelo perigo de
recaírem na idolatria ou de parecerem aos idólatras como coniventes com o seu
culto.

2º Mande-se que se abstenham de fornicação, porque os gentios pensavam


erradamente que a simples fornicação (sem adultério) não era pecado, e parece
até que juntavam a fornicação a esses banquetes feitos com carnes dos
sacrifícios; é, pelo menos, o que se insinua em Números XXV-1 e 2: Neste
tempo estava Israel em Setim, e o povo caiu em fornicação com as filhas de
Moab, as quais os chamaram para os seus sacrifícios; e eles comeram e
adoraram os deuses delas. É claro que a fornicação é proibida de qualquer
maneira na lei cristã.

3º Mande-se que não comam nem o sangue, nem os animais sufocados.

Os antigos, mesmo os gentios, tinham horror a este ato de comer o sangue;


parecia-lhes isto uma demonstração de selvageria, à imitação dos cães que
lambem o sangue dos animais.

Depois, com o tempo, feita a verdadeira fusão entre os judeus e os gentios no


seio da Igreja, desaparecidas aquelas ideias antigas, esta proibição caiu em
desuso, uma vez que cessava o motivo pelo qual havia sido feita, isto é, evitar a
aversão mútua entre os gentios e os judeus. É interessante notar neste ponto
como os protestantes, que só admitem aquilo que está na Bíblia, deveriam ainda
hoje obedecer a esta lei e no entanto comem a carne dos animais sufocados,
como é a carne de boi que se vendem nos nossos açougues, e comem o sangue
de animais. Deveriam fazer como fazem ainda hoje os judeus: matar as galinhas
por um processo todo especial e deixar escorrer todo o seu sangue; pois a Bíblia
não fala na revogação desta lei, pelos sucessores dos Apóstolos, quando esta lei
não foi mais julgada necessária.

Fora as restrições propostas por S. Tiago, ficou de pé o princípio que a lei de


Moisés não obrigava mais: os cristãos não estavam mais obrigados a
circuncidar-se, nem àquelas purificações e cerimônias da Lei Antiga, nem a
abster-se de todos aqueles alimentos considerados imundos na legislação
mosaica, como a carne de porco, etc.

Acontecia, porém, que para os judeus nascidos e criados entre aqueles costumes
da lei mosaica, embora a lei já estivesse morta, para eles não se considerava
grande mal que a cumprissem, enterrando-a com honras. Cumpriam uma coisa
que não lhes era imposta, não porque se considerassem obrigados a isto, mas por
uma questão de hábito ou por um motivo qualquer de conveniência. Isto fez o
próprio S. Paulo, o qual vimos, há pouco, dizer: E me fiz para os judeus, como
judeu, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivera
debaixo da lei (não me achando eu debaixo da lei) por ganhar aqueles que
estavam debaixo da lei (1ª Coríntios IX-20 e 21). Assim procedeu S. Paulo, por
exemplo, no caso de Timóteo, como vem narrado nos Atos (cap. XVI-1 a 3).
Paulo sabia muito bem que a circuncisão não era mais obrigatória, mas querendo
utilizar em prol da Igreja os bons serviços de Timóteo, que era filho de pai
gentio com mãe judia, tomando o discípulo, o circuncidou por causa dos judeus
que havia naqueles lugares (Atos XVI-3); assim Timóteo teria mais prestígio
para conquistar os judeus ao reino de Cristo, porque podiam os judeus não lhe
dar muita autoridade, sendo um incircunciso a serviço do Evangelho. Outro caso,
em que S. Paulo obedece a prescrições da lei mosaica, mesmo sabendo-se não
sujeito a ela, se lê nos Atos, capítulos XXI. S. Paulo chega a Jerusalém. Os
anciãos o advertem: Bem vês, irmãos, quantos milhares de judeus são os que têm
crido e todos são zeladores da lei. E têm ouvido de ti que ensinas aos judeus que
estão entre os gentios que deixem a Moisés, dizendo que eles não devem
circuncidar a seus filhos, nem andar segundo o seu rito (Atos XXI-20 e 21).
Com o pensamento de conquistar as graças dos judeus, S. Paulo concorda em
entrar no templo de Jerusalém, juntamente com quatro varões que têm voto
sobre si (Atos XXI-23) e submeter-se com eles a uma cerimônia judaica, embora
sabendo que a lei de Moisés não estava mais em vigor: Então Paulo, depois de
tomar consigo aqueles varões, purificado com eles, no seguinte dia entrou no
templo, fazendo saber o cumprimento dos dias da purificação, até que se fizesse
a oferenda por cada um deles (Atos XXI-26).

Apesar do que já foi decidido no Concílio de Jerusalém, obstinam-se alguns


judeus convertidos na sua tarefa de induzir os gentios a professar o judaísmo
juntamente com a Religião Cristã, ensinando que eles não podiam salvar-se sem
a observância da lei mosaica.

A questão vai tomando assim um aspecto mais grave. Que os judeus já


acostumados a observar a lei mosaica, embora estivessem agora livres da lei,
continuassem temporariamente a observá-la, para sepultar com honras esta lei
que já estava morta, não era tão grande mal. Mas querer obrigar os gentios, que a
esta lei nunca estiveram sujeitos, que não eram da raça judaica, a se
circuncidarem, a fazerem profissão de judaísmo juntamente com a de
Cristianismo, era um erro muito grave. Equivalia a ensinar que o homem não
pode justificar-se diante de Deus sem as obras da lei mosaica, quando a Religião
Cristã ensinava que o judaísmo está abolido e não se deve admitir outra religião,
a não ser a fé cristã. Assim, se a lei para os judeus estava morta, para os gentios
ia tornar-se mortífera. Querer obrigar os gentios à observância da lei, como
condição para salvar-se, era o erro dos HEREGES JUDAIZANTES.
E o pior é que invocavam a autoridade dos Apóstolos que, uma vez ou outra,
obedeciam à lei de Moisés, embora soubessem não ser obrigados a isto. Os
Apóstolos estavam assim num dilema. Se se mostravam muito intransigentes
com os judeus, que já estavam tão habituados a observar a lei mosaica, ofendiam
os judeus e os afastavam de si. Se condescendiam com eles, davam margem a
que os judaizantes apontassem o seu exemplo para ensinar que a observância da
lei mosaica era necessária para a salvação e a prova é que os Apóstolos também
a observavam. Foi isto que deu origem em Antioquia ao

Incidente entre S. Paulo e S. Pedro.

118. S. Pedro em Antioquia estava convivendo com os gentios, comendo de


todos os alimentos que eles comiam, mesmo dos que tinham sido proibidos aos
judeus, quando chegaram os judeus que tinham ido falar com S. Tiago. Depois
da chegada deles, S. Pedro começou a retrair-se, a afastar-se dos gentios,
temendo ofender aos que eram circuncidados (Gálatas II-12). No dilema em que
se havia colocado, S. Pedro achou que, tendo-se encarregado especialmente da
pregação aos judeus, enquanto S. Paulo o era da pregação entre os gentios,
cabia-lhe em primeiro lugar evitar o desgosto da parte dos judeus. Não previu,
porém, as consequências do seu retraimento. Sendo o chefe da Igreja, tendo tanta
autoridade que o próprio Barnabé, apesar de companheiro de S. Paulo, apesar de
ser um dos campeões na luta contra os judaizantes (Atos XV-2), começou a
seguir-lhe o exemplo, a sua atitude bem podia ser explorada pelos partidários da
circuncisão obrigatória. S. Paulo resolveu então adverti-lo do mal que estava
fazendo com isto: eu lhe resisti na cara, [12] porque era repreensível (Gálatas
II-11) e reclamar contra aquela simulação (Gálatas II-13). A verdade é que
simulação maior do que esta fez o próprio S. Paulo, entrando no templo de
Jerusalém para submeter-se a uma purificação e apresentando-se como uma
espécie de padrinho para os quatro nazareus (Atos XXI-26), o que, aliás, não deu
resultado, porque os judeus findaram sempre revoltando-se contra ele; maior,
porque a atitude de S. Pedro foi apenas negativa: retraiu-se do convívio com os
gentios. O que agravava a situação era a exploração que os judaizantes podiam
fazer do caso, perigo este que foi previsto por S. Paulo, antes que S. Pedro o
percebesse.

S. Pedro recebeu humildemente a advertência de S. Paulo, achou que ele tinha


razão e encerrou-se o incidente. A respeito disto diz S. Gregório Magno: “Calou-
se Pedro, para que aquele que era o primeiro em culminância do apostolado,
fosse também o primeiro na humildade” (Homilia 18 in Ezechielem). E
S. Agostinho assim comenta: “Pedro aceitou com santa piedosa humildade a
observação que utilmente lhe fizera Paulo, inspirado pela liberdade do amor,
deixando assim aos pósteros o raro exemplo de não se dedignarem em ser
corrigidos pelos inferiores, onde quer que se desviassem do reto caminho;
exemplo mais raro e mais santo que o deixado por Paulo aos inferiores que, por
defender a verdade evangélica, ousassem resistir confiadamente, salvando-se,
porém, a caridade... Em Paulo louvemos a justa liberdade; em Pedro, a santa
humildade” (Epístola 19 ad Hieronymum).

Notas (pular)

[12] Resisti-lhe NA CARA — é uma expressão dura e grosseira para a nossa linguagem de hoje; e o leitor
inexperiente pode até ficar com uma ideia infeliz, pensando que S. Paulo DEU NA CARA de S. Pedro. Mas o
sentido da expressão grega aí empregada: KATÀ PRÓSOPON é este: EM PRESENÇA. S. Paulo quer significar que
não se opôs a S. Pedro por trás dos bastidores, mas o fez abertamente, em sua presença, ou em outros
termos LANÇOU-LHE EM ROSTO a falta que estava cometendo com a sua atitude.

As versões protestantes de Ferreira de Almeida e da Sociedade Bíblica do Brasil não fazem por menos:
usam a expressão do Pe Pereira e do Pe Matos Soares, tão estranha para os nossos hábitos de hoje: resisti-
lhe NA CARA.

Entretanto esta mesma expressão KATÀ PRÓSOPON aparece também em outras passagens e é traduzida de
maneira suave.

Veja-se em Ferreira de Almeida: A tua salvação, a qual tu preparaste PERANTE A FACE de todos os povos
(Lucas II-30 e 31). Jesus, a quem vós entregastes e PERANTE A FACE de Pilatos negastes (Atos III-13).

Veja-se a versão da Sociedade Bíblica do Brasil: A tua salvação, a qual preparaste ANTE A FACE de todos os
povos (Lucas II-30 e 31). Jesus, a quem vós entregastes e negastes PERANTE Pilatos (Atos III-13).

Ora, estas expressões PERANTE A FACE, ANTE A FACE, PERANTE correspondem exatamente à mesma expressão
grega KATÀ PRÓSOPON, que é usada no incidente entre S. Paulo e S. Pedro.

Quer dizer que os tradutores da Bíblia não foram tão delicados com S. Pedro como o foram com Pôncio
Pilatos...

Monsenhor José Basílio traz a versão cortês e ao mesmo tempo correta: resisti-lhe EM FACE — porque
S. Paulo nunca se referiria a S. Pedro com um tom de inocência. (voltar)

A luta contra os judaizantes na Epístola aos Gálatas.

119. Continuando na sua obra dissolvente, os judaizantes procuram induzir os


Gálatas à profissão de judaísmo. E como S. Paulo se lhes opõe vivamente, eles
procuram diminuir a autoridade do Apóstolo, fazendo ver que ele não era como
os outros, não tinha convivido com o Mestre, e assim não tinha o mesmo valor
que os outros Apóstolos.

É contra eles que S. Paulo escreve sua Epístola aos Gálatas a qual, do princípio
ao fim, se refere a esta questão. Logo no primeiro versículo vai S. Paulo
defendendo a sua autoridade que os adversários procuram diminuir: Paulo,
Apóstolo, não pelos homens, nem por algum homem, mas por Jesus Cristo e por
Deus Padre, que O ressuscitou dentre os mortos (Gálatas I-1). E logo depois da
sua saudação de costume, ele começa: Eu me espanto de que, deixando aquele
que vos chamou à graça de Cristo, passáveis assim tão depressa a outro
Evangelho; porque não há outro, se não é que há alguns que vos perturbam e
querem transtornar o Evangelho de Cristo. Mas ainda quando nós mesmos, ou
um anjo do céu vos anuncie um Evangelho diferente do que nós vos temos
anunciado, seja anátema (Gálatas I-6 a 8).

Este Evangelho diferente, de que fala S. Paulo, é a doutrina daqueles que querem
obrigar os cristãos convertidos dentre os gentios a serem circuncidados; e um
dos argumentos de que usa para mostrar como estão errados, é o seguinte: Ele
esteve conferindo a sua doutrina com os outros Apóstolos e levou consigo a Tito,
mas nem Tito foi impelido a circuncidar-se: Comuniquei com eles o Evangelho
que prego entre os gentios, e particularmente com aqueles que pareciam ser de
maior consideração, por temor de não correr em vão, ou de haver corrido. Mas
nem ainda Tito, que estava comigo, sendo gentio, foi compelido a que SE
CIRCUNCIDASSE (Gálatas II-2 e 3).

Basta ler com atenção a Epístola para se ver como o que S. Paulo está
condenando aí não é a doutrina católica de que a observância dos mandamentos,
ou seja, a caridade para com Deus e com o próximo, seja necessária para a
salvação. Esta é também a doutrina de Jesus, como provamos no capítulo 4º, e,
consequentemente, a doutrina de S. Paulo.

O que S. Paulo condena é a heresia daqueles que, mesmo depois do que foi
decidido pelos Apóstolos no Concílio de Jerusalém, ainda ensinam que para o
homem ser um justo perante Deus, é necessária a observância daquelas
cerimônias e prescrições da lei mosaica, a começar pela circuncisão.
Vejamos estas passagens da nossa Epístola aos Gálatas: Olhai que eu, Paulo, vos
digo que se vos fazeis CIRCUNCIDAR, Cristo vos não aproveitará nada. E de novo
protesto a todo homem que se CIRCUNCIDA que está obrigado a guardar TODA A LEI.
Vazios estais de Cristo os que vos justificais pela LEI: decaístes da graça
(Gálatas V-2 a 4).

Todos os que querem agradar na carne, este vos obrigam a que vos CIRCUNCIDEIS,
só por não padecerem eles a perseguição da cruz de Cristo. Porque esses
mesmos que SE CIRCUNCIDAM não guardam a lei; mas querem que vós vos
CIRCUNCIDEIS, para se gloriarem na vossa carne (Gálatas VI-12 e 13).

E a conclusão a que chega S. Paulo é que agora na religião de Cristo não há mais
nenhuma distinção entre os que são circuncidados e os que não são, entre os
judeus e os gentios: Não há JUDEU NEM GREGO, não há servo, nem livre, não há
macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Jesus Cristo (Gálatas III-28).

S. Paulo continua a considerar a prática dos 10 mandamentos como necessária à


salvação, é o que se vê claramente na sua enumeração das obras da carne
(Gálatas V-19 a 21) entre as quais ele inclui a impureza (pecado contra o 6º
mandamento), a idolatria (contra o 1º), os homicídios (contra o 5º), as contendas,
os zelos, as iras, as brigas que são contra a caridade para com o próximo, e finda
dizendo: os que tais coisas cometem não possuirão o reino de Deus (Gálatas V-
21).

O pensamento paulino e a doutrina católica.

120. Finalmente vamos provar a identidade do pensamento de S. Paulo com a


doutrina da Igreja. Já mostramos no capítulo 2º, que segundo a doutrina católica,
para a nossa salvação, são necessárias três coisas: uma é a FÉ, pois quem não crer
será condenado. Outra são as nossas OBRAS, pela GUARDA DOS MANDAMENTOS.
Outra, por fim, é a GRAÇA DE DEUS, que tanto é necessária para termos fé, como
também é necessária para se fazer qualquer obra boa meritória para a vida
eterna, pois sem a graça de Cristo nada podemos fazer.

Vejamos agora este trecho de S. Paulo nesta Epístola aos Gálatas. Em Jesus
Cristo nem a circuncisão vale alguma coisa, nem o prepúcio; mas sim a FÉ que
obra por caridade (Gálatas V-6). Sempre a mesma preocupação de mostrar que
a circuncisão já não tem valor; o que tem valor é a fé, mas não a fé morta, a fé
sem as obras e sim a fé de que opera pela caridade.

Vejamos agora mais este outro versículo desta mesma Epístola aos Gálatas: Em
Jesus Cristo nem a circuncisão vale alguma coisa, nem a incircuncisão valem
nada, mas o ser uma NOVA CRIATURA (Gálatas VI-15). S. Paulo, que, no versículo
há pouco citado, mostrou o valor da FÉ, mas fé que opera pela caridade, agora
mostra o valor da graça. A nova criatura de que ele fala é o homem revestido da
graça, o homem elevado a uma grandeza sobrenatural e que assim foi objeto de
uma nova criação espiritual feita por Deus. Esta graça nos vem pelos
sacramentos, a começar pelo Batismo que produz em nós uma verdadeira
renovação espiritual: Todos os que fostes batizados em Cristo, revestiste-vos de
Cristo (Gálatas III-27).

Agora confrontemos estes dois versículos em que S. Paulo nos diz que o que tem
valor diante de Deus é a fé, o que tem valor diante de Deus é a graça que faz do
homem uma nova criatura, com este versículo também de S. Paulo, na 1ª
Epístola aos Coríntios: A circuncisão nada vale, e o prepúcio nada vale; senão a
GUARDA DOS MANDAMENTOS (1ª Coríntios VII-19).

Assim se completam, segundo o pensamento de S. Paulo, os três elementos


indispensáveis para a salvação, de acordo com a doutrina católica: a fé, a graça e
a guarda dos mandamentos.

Isto não impede o próprio S. Paulo de resumir o problema da nossa salvação


numa só palavra: o homem é justificado pela fé em Cristo. A fé em Cristo é o
médico que nos aponta a necessidade da GRAÇA que nos vem pelos sacramentos,
pois a fé é aceitar toda a doutrina de Cristo e Cristo disse: Quem não renascer da
água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus (João III-5). Se não
comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida
em vós (João VI-54). Cristo nos mostra como nos vem o perdão dos pecados:
Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós
os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).

A fé em Cristo é o médico que nos aponta a necessidade da GUARDA DOS


MANDAMENTOS, pois a fé é aceitar toda a doutrina de Cristo, e Cristo disse: Se tu
queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17).
2º — Na Epístola aos Romanos
Uma trela de Lutero.

121. Passamos agora ao versículo da Epístola aos Romanos:


Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei
(Romanos III-28).

Antes de fazermos o comentário sobre este versículo, queremos relembrar um


pequeno episódio da vida de Lutero. Lutero fez a tradução da Bíblia para o
alemão, aliás numa linguagem clássica e elegante, que exerceu profunda
influência sobre a língua e literatura alemãs, pois ele era de fato um grande
escritor. Mas, na sua tradução, esteve longe de mostrar-se consciencioso. Fez
maliciosas alterações na Bíblia, levado pelo seu sectarismo. Os nomes com que o
povo designava os sacerdotes católicos e as suas vestes, Lutero na Bíblia os
aplicou aos sacerdotes idólatras. Usou no Antigo Testamento a palavra — Igreja
— para designar os lugares em que se adoravam os ídolos, e no Novo
Testamento substituiu a palavra Igreja, quando designava a Igreja de Cristo, pela
palavra — comunidade.

Onde a Bíblia traz a palavra JUSTO, ele tomou como norma substituí-la pela
palavra PIO, explicando que PIO quer dizer aquele que tem fé, isto para favorecer
à sua teoria de que ninguém pode ser justo, apenas podemos ter uma justiça
exteriormente imputada, atribuída a nós por Deus que nos considera justos,
embora realmente não o sejamos.

Onde se lê: A lei obra ira (Romanos IV-15), ele acrescentou a palavra SOMENTE:
A lei obra somente ira.

Neste versículo de que ora tratamos, Lutero, para ajustá-lo à sua doutrina,
acrescentou também a palavra SOMENTE e assim traduziu: Concluímos, pois, que
o homem é justificado sem as obras da lei, SOMENTE pela fé.

Um católico reclamou contra o acréscimo desta palavra SOMENTE que não estava
no texto. E Lutero assim respondeu numa carta dirigida a Link: “Se o nosso
papista quiser importunar-nos por causa da palavra SOMENTE, responde-lhe logo:
assim quer o Doutor Martinho Lutero que diz: papista e burro são a mesma
coisa. Assim quero, assim mando, ponha-se a vontade em vez da razão.”
(Weimar XXX 2 Abt 635). E a frase de Lutero: Sic volo, sic jubeo, sit pro
ratione voluntas — assim quero, assim mando, ponha-se a vontade em vez da
razão — que, aliás, já era tomada de um escritor pagão, ficou célebre para
indicar que uma pessoa se obstina numa opinião ou numa atitude, mesmo
sabendo que está errada, como se diz também em português: É de pau, porque eu
quero; é de pau, e bem bonito; é de pau, e tenho dito.

A argumentação de S. Paulo.

122. Mas voltemos ao nosso versículo: Concluímos, pois, que o homem é


justificado pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28).

Por esta palavra CONCLUÍMOS, estamos logo vendo que S. Paulo fez um argumento
e chegou a uma conclusão.

S. Paulo, como é natural, quer mostrar a necessidade de se abraçar a Religião de


Cristo. O seu argumento para chegar a tal conclusão é o seguinte:

No tempo em que fala S. Paulo, o mundo inteiro está completamente fora do


bom caminho, do caminho da salvação.

Aqueles que viviam sob a LEI NATURAL caíram lamentavelmente nos erros mais
deploráveis e nos mais horrendos pecados. É o que, depois de fazer as
costumeiras saudações, demonstra o Apóstolo, do versículo 18º até o fim do
capítulo 1º, descrevendo a depravação em que estavam mergulhados os gentios.

S. Paulo acusa-os por causa da idolatria: mudaram a glória do Deus


incorruptível em semelhança de figura de homem corruptível, e de aves, e de
quadrúpedes, e de serpentes (Romanos I-23); adoraram e serviram à criatura
antes que ao Criador, que é bendito por todos os séculos (Romanos I-25). E
depois de acusá-los de pecados vergonhosos que são, não só contra a castidade,
mas também contra a natureza, os descreve como sujeitos a inúmeras perversões:
cheios de toda a iniquidade, de malícia, de fornicação, de avareza, de maldade,
cheios de inveja, de homicídios, de contendas, de engano, de malignidade,
mexeriqueiros, murmuradores, aborrecidos de Deus, contumeliosos, soberbos,
altivos, inventores de males, desobedientes a seus pais, insipientes, imodestos,
sem benevolência, sem palavra, sem misericórdia, os quais tendo conhecido a
justiça de Deus, não compreenderam que os que fazem semelhantes coisas são
dignos de morte; e não somente os que estas coisas fazem, senão também os que
consentem aos que a fazem (Romanos I-29 a 32).

O capítulo 2º é endereçado aos judeus que estavam sob a LEI MOSAICA. Antes de
estudá-lo, porém, precisamos abrir

Um parêntesis.

123. Para bem entendermos a argumentação de S. Paulo, precisamos fazer um


confronto entre o pensamento paulino e a mentalidade dos judeus. Estes estavam
muito envaidecidos, julgando-se superiores aos gentios por causa da LEI, que lhes
fora dada por Deus e também muito confiados em suas próprias forças para a
prática da virtude. Mas não sabiam estes judeus de uma coisa muito importante:
é que a lei nada adianta como remédio do pecado, se Deus não der a sua graça,
sem a qual não é possível observá-la. A lei é na verdade, santa; e o mandamento
é santo, e justo, e bom (Romanos VII-12), porque é a expressão da vontade de
Deus. Mas a lei, por si só, não resolve o problema do homem, porque o que a lei
nos traz é o conhecimento do que é pecado e do que não é: Pela lei é que vem o
conhecimento do pecado (Romanos III-20); se a lei que foi dada pudesse
VIVIFICAR, a justiça, na verdade, seria pela lei (Gálatas III-21). O problema do
homem não é somente saber o que é pecado e o que não é, o seu maior problema
é este: quem o vivificará na luta contra o mal? Quem lhe dá forças para isto é a
graça de Deus. A lei é espiritual, mas eu sou carnal (Romanos VII-14). Eu me
deleito na lei de Deus, segundo o homem interior; mas sinto nos meus membros
outra lei que repugna à lei do meu espírito e que me faz cativo na lei do pecado,
que está nos meus membros. Infeliz homem eu, quem me livrará do corpo desta
morte? A graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor (Romanos VII-22 a 25).

A graça de Deus tinham-na os judeus e os gentios e tinham suficiente para a


salvação, pois Deus quer que todos os homens se salvem (1ª Timóteo II-4). E
não sabiam eles que esta graça que Deus lhes concedia era graça de Cristo (veja-
se Atos XV-10 e 11), que Deus lhes dava por antecipação, em virtude dos
futuros merecimentos do Salvador.
Mas apesar de ter sido oferecida a todos esta graça, apesar de terem podido, com
auxílio desta graça, os gentios observar a lei natural, e os judeus, a lei mosaica;
na realidade estiveram muitíssimo longe de observá-las como deviam. E a
conclusão natural disto é que sejam substituídas a lei natural e a lei mosaica, que
pela ingratidão e malícia dos homens vieram a dar um grande fracasso, sejam
substituídas pela fé em Cristo, pela Religião de Cristo, que nos vem trazer a
graça em muito maior abundância: Onde abundou o pecado, superabundou a
graça (Romanos V-20). De forma que, segundo os desígnios altíssimos de Deus,
a lei mosaica serviu para mostrar aos homens a necessidade imensa em que o
mundo se achava de receber a Cristo, a sua doutrina e a sua graça. E é neste
sentido que diz S. Paulo: A lei nos serviu de PEDAGOGO que nos conduziu a
Cristo, para sermos justificados pela fé. Mas depois que veio a fé, já não
estamos debaixo do pedagogo (Gálatas III-24 e 25).

Reatando o fio da argumentação.

124. Fechado o parêntesis, voltamos à argumentação feita nos 3 primeiros


capítulos da Epístola aos Romanos. S. Paulo quer demonstrar como não é mais
suficiente nem a lei natural, nem a lei mosaica, uma vez que tanto sob o regime
de uma como de outra, os homens pecaram de maneira mais desastrosa. Já
mostrou, no 1º capítulo, como os gentios, que estavam sob a lei natural, caíram
nos mais abomináveis pecados.

No capítulo 2º chega a vez dos judeus. Estão eles muito orgulhosos de sua lei,
falando com bastante desprezo a respeito dos gentios que são pecadores, e no
entanto são eles, judeus, pecadores da mesma forma: Assim diz o 1º versículo:
És inescusável tu, ó homem qualquer que julgas; porque no mesmo em que
julgas a outro, a ti mesmo te condenas, porque fazes essas mesmas coisas que
julgas (Romanos II-1).

S. Paulo se baseia neste princípio de que, seja qual for a lei sob a qual o homem
se encontre, ou a lei natural, ou lei mosaica, ou lei de Cristo, o que é fato é que
não são justos diante de Deus aqueles que ouvem a lei, ou que leem as palavras
da lei, mas os que cumprem o que a lei manda: Não são justos diante de Deus os
que ouvem a lei; mas os que fazem o que manda a lei, serão justificados
(Romanos II-13) porque Deus há de retribuir a cada um segundo as suas obras
(Romanos II-6) e não há para com Deus acepção de pessoas (Romanos II-11).
Basta este princípio estabelecido por S. Paulo para nos mostrar que erram os
protestantes atribuindo ao Apóstolo a doutrina de que o homem se justifica pela
fé somente.

Estabelecido o princípio de que são justos os que cumprem a lei, não os que a
ouvem, S. Paulo tira a conclusão de que os judeus já não são justos, nem
agradáveis a Deus, estão fora do caminho da salvação. Ele fala ao judeu de seu
tempo: Se tu que tens o sobrenome de judeu e repousas sobre a lei, e te glorias
em Deus, e sabes a sua vontade, e distingues o que é mais proveitoso, instruído
pela lei, tu mesmo que presumes ser o guia dos cegos, o farol daqueles que estão
em trevas, o doutor dos ignorantes, o mestre das crianças, que tens a regra da
ciência e da verdade na lei; tu, pois, que a outro ensinas, não te ensinas a ti
mesmo; tu que pregas que se não deve furtar, furtas; tu que dizes que não se
deve cometer adultério, o cometes; tu que abominas os ídolos, sacrilegamente os
adoras; tu que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei
(Romanos II-17 a 24).

Depois de mostrar o fracasso de ambos os lados, da parte dos gentios e dos


judeus, depois de resolver uma objeção sobre as vantagens da circuncisão até
aquele tempo, S. Paulo vai enfeixar, no capítulo 3º, o seu argumento: Já temos
provado que judeus e gentios estão todos debaixo do pecado, assim como está
escrito: Não há, pois, nenhum justo; não há quem entenda, não há quem busque
a Deus. Todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis, não há quem faça bem,
nem sequer um. A garganta deles é um sepulcro aberto; com as suas línguas
fabricavam enganos; um veneno de áspides se encobre debaixo dos lábios deles,
cuja boca está cheia de maldição e de amargura; os pés deles são velozes para
derramar sangue. A dor e a infelicidade se acham nos caminhos deles, e não
conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante dos olhos deles
(Romanos III-9 a 18).

Alguns protestantes de hoje ainda não compreendem esse texto porque se


mostram apegados ao erro de Lutero, o qual enxergava a prova de que a natureza
do homem se depravada completamente pelo pecado, de tal modo que não possa
haver nenhum homem justo. Aí não se diz que não pode haver justos na Terra,
mas sim que o mundo tinha degenerado de tal forma, que os justos praticamente
haviam desaparecido, nos tempos que antecederam a vinda de Cristo. Não há
nenhum — explica S. Tomás que é um modo de falar por hipérbole, figura pela
qual se procura exagerar para encarecer. Dessa figura usamos frequentemente
dizendo — não vejo nada — quando o que vemos é muito pouca coisa. Uma
hipérbole usou S. João quando disse: Muitas outras, porém, há ainda que fez
Jesus; as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que NEM NO MUNDO TODO
PODERIAM CABER os livros que delas se houvessem de escrever (João XXI-25) e os
judeus, quando disseram a respeito de Jesus: eis aí vai após ele todo o mundo
(João XII-19): todo o mundo, isto é, muita gente.

Que podem existir justos na terra, que havia um ou outro naquele tempo, isto se
mostra em outros textos da Escritura: E José, seu esposo, como era justo...
(Mateus I-19). Para serdes filhos de vosso Pai que está nos céus, o qual faz
nascer o sol sobre bons e maus, e vir chuva sobre JUSTOS e injustos (Mateus V-
45). Eu não vim a chamar os JUSTOS, mas os pecadores (Mateus IX-13). O que
recebe um JUSTO na qualidade de justo receberá a recompensa de justo (Mateus
X-41). Herodes temia a João, sabendo que ele era varão JUSTO e santo (Marcos
VI-20). Haverá maior júbilo no céu sobre um pecador que fizer penitência que
sobre noventa e nove JUSTOS que não hão de mister penitência (Lucas XV-7).
Havia, então, em Jerusalém um homem chamado Simeão; e este homem JUSTO e
timorato esperava a consolação de Israel (Lucas II-25). O centurião Cornélio,
homem JUSTO e temente a Deus... (Atos X-22).

O caso de Cornélio é típico: era um gentio, não era circuncidado, nem observava
a lei de Moisés, ainda não conhecia a Religião de Cristo e já é chamado justo. O
que mostra que S. Paulo fala de um modo geral. Em regra geral os gentios e
judeus, ou seja, todos os homens, não eram justos diante de Deus, mas esta regra
geral tinha exceções. No meio da depravação geral, alguns cooperavam com a
graça de Deus e a Ele eram agradáveis.

Falando de maneira geral, a Humanidade toda está, ao tempo em que fala o


Apóstolo S. Paulo, no caminho do vício e da depravação. Nestas circunstâncias
todos pecaram e todos estão necessitando de um socorro, de uma intervenção
especial de Deus, que redunde na glória divina: Todos pecaram e necessitam da
glória de Deus (Romanos III-23). Se todos pecaram, se todos estavam naquele
estado de corrução e miséria, a justificação, a reconciliação que Cristo operou na
cruz, não foi merecida pelas obras dos homens, foi realizada gratuitamente por
mera bondade divina: tendo sido justificados GRATUITAMENTE por sua graça, pela
redenção que tem em Jesus Cristo (Romanos III-24).

E desde que pecaram demasiadamente, tanto os judeus como os gentios, é


preciso que se estabeleça uma nova ordem de coisas; não se exige mais
obediência à lei mosaica, ela está morta, Deus quer que se abrace a Religião de
Cristo, Deus impõe a fé em Jesus Cristo, sem distinção alguma entre gentios e
judeus: Agora SEM A LEI se tem manifestado a justiça de Deus, testificada pela lei
e pelos profetas, e a justiça de Deus é infundida pela fé de Jesus Cristo em todos
e sobre todos os que creem nEle, porque NÃO HÁ NISTO DISTINÇÃO ALGUMA
(Romanos III-21 e 22).

E chegamos então ao texto apresentado pelos protestantes. Mas nada melhor do


que fazê-lo acompanhar das palavras que o seguem, para perfeitamente
conhecer-lhe o sentido:

Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé SEM AS OBRAS DA LEI.


Porventura Deus só o É DOS JUDEUS? Não no é Ele também dos gentios? Sim, por
certo, Ele o é também dos gentios; porque na verdade não há senão um Deus,
que justifica pela fé os circuncidados e que também pela fé JUSTIFICA OS
INCIRCUNCIDADOS (Romanos III-28 a 30).

S. Paulo fala aos Romanos, que podem vir a ser trabalhados pelos judaizantes (se
é que já não o estão sendo) no sentido de se julgarem obrigados a cumprir a lei
de Moisés para poderem salvar-se. Fala a cristãos novos que podem pela leitura
da Bíblia, do Antigo Testamento, ficar com a ideia de que a circuncisão, a
proibição de certas comidas, todas aquelas purificações e cerimônias ordenadas
por Deus na Lei Antiga, ainda são obrigatórias. Faz-lhes ver então que em vista
do estado geral do mundo, chegou agora o momento de Deus estabelecer um
novo caminho para o homem se tornar um justo. A Lei Antiga vai desaparecer
para dar lugar à fé em Cristo. Mas a fé em Cristo acarreta, é claro, a obrigação de
obedecer à nova lei, à lei de Cristo, na qual se preceituam os 10 mandamentos
até com maior rigor do que entre os judeus (em compensação estamos livres
daquela escravidão de tantos preceitos, de tantas restrições, como estavam os
judeus na lei mosaica). A fé em Cristo conduz à recepção dos sacramentos que
Cristo apontar como necessários à salvação. A fé em Cristo leva à obediência a
todos os preceitos que por Jesus Cristo nos são impostos na doutrina do
Evangelho.

Não é assim a argumentação de S. Paulo.


125. A interpretação protestante que quer ver neste texto — o homem é
justificado pela fé sem as obras da lei — uma prova de que as nossas obras, a
observância dos mandamentos não contribuem para a justificação do homem,
está completamente em desacordo com a argumentação apresentada por
S. Paulo. S. Paulo apresenta a fé em Cristo, a Religião de Cristo, como remédio
contra o pecado. Para prová-lo, deplora aqueles crimes cometidos pelos pagãos,
principalmente a idolatria que é contra o 1º mandamento, os pecados da
impureza que são os contra o 6º, os homicídios que são contra o 5º, a
desobediência aos pais que é contra o 4º. S. Paulo, o que mais deplora nos judeus
é a falta de obediência ao 7º, ao 6º e ao 1º mandamento: Tu que pregas que se
não deve furtar, furtas; tu que dizes que não se deve cometer adultério, e
cometes; tu que abominas os ídolos, sacrilegamente os adoras (Romanos II-21 e
22). E se destes crimes cometidos pelos gentios e pelos judeus, tira a conclusão
de que eles não estão justificados diante de Deus, o que se segue daí é que a
observância dos 10 mandamentos é necessária para a justificação do homem. Se
ele apresenta, portanto, a fé em Cristo como realizadora da justificação do
homem, é claro que não está dispensado o homem de observar estes
mandamentos para viver como justo diante de Deus; está mostrando a fé em
Cristo como o caminho para melhor observá-los. O remédio para a depravação
não seria de forma alguma Deus desobrigar o homem da prática dos 10
mandamentos; isto seria levá-lo a uma depravação ainda maior, a saber:
antigamente se fazia o mal, desobedecendo a Deus; agora se faria o mal, sem
medo algum de desagradar-lhe, porque Ele, dando-se por vencido, teria desistido
de exigir do homem a prática do bem, exigindo somente a fé, e não mais a
observância do Decálogo, como meio para obter-se a salvação. Não seria um
remédio para o pecado; seria piorar horrivelmente a situação moral do mundo.

A fé em Cristo é o remédio para o pecado, porque, embora Cristo exija a


observância dos 10 mandamentos com maior perfeição do que antigamente
(Sede vós, logo, perfeitos, como também vosso Pai Celestial é perfeito —
Mateus V-48), Ele nos orienta admiravelmente para a verdadeira santificação,
ensinando-nos a não confiar nas nossas próprias forças e a implorar
continuamente o auxílio da sua graça (Sem mim não podeis fazer nada — João
XV-5); Ele, cheio de graça, de cuja plenitude todos nós recebemos, nos veio
distribuir esta vida da graça mais abundantemente: Eu vim para elas terem vida,
e para a terem em maior abundância (João X-10).

É neste sentido que o homem é justificado, que a Humanidade toma o caminho


É neste sentido que o homem é justificado, que a Humanidade toma o caminho
da justiça, da santificação, pela fé em Cristo e sem as obras da lei, isto é, sem
mais obrigação daquelas cerimônias e prescrições do Antigo Testamento, que
serviram apenas de preparação para a justiça cristã que nos foi trazida pelo
Evangelho.
Capítulo Sétimo
A graça dada “de graça”, segundo o ensino de
S. Paulo
Graça atual e graça santificante.

126. Segundo a doutrina católica, o homem, para salvar-se, precisa da graça


atual e da graça santificante. Qual a diferença entre graça santificante e graça
atual?

Graça atual é o AUXÍLIO DE DEUS, pelo qual Ele ilumina a inteligência e ajuda a
vontade do homem, para que este possa vencer as tentações ou praticar as
virtudes necessárias para a conquista do Céu. Ela pode visitar o homem, como
uma boa inspiração e ser rejeitada, como também ser aceita e produzir o seu bom
efeito; neste último caso a tentação é vencida ou a virtude é praticada. É a GRAÇA
ATUAL, que se refere S. Paulo quando diz, falando a respeito do Espírito Santo: o
Espírito Santo AJUDA também a nossa fraqueza (Romanos VIII-26).

Graça santificante é o ESTADO DA ALMA que, pelo fato de estar livre do pecado
original e perdoada de todos os pecados mortais que porventura tenha cometido,
é vista com agrado aos olhos de Deus. Com a graça santificante, o homem se
torna um justo, filho adotivo de Deus, templo do Espírito Santo, herdeiro da vida
eterna. Já não é Deus visitando-o, auxiliando-o, fortalecendo-o; é mais do que
isto: é Deus habitando no seu coração. Assim S. Paulo, falando ainda sobre o
Espírito Santo, chama-o: Espírito que HABITA em vós (Romanos VIII-11). E
Nosso Senhor disse no Evangelho: Se algum me ama, guardará a minha
palavra, e meu Pai o amará; e nós viremos a ele e faremos nele morada (João
XIV-23).

O homem que está neste feliz estado pode perdê-lo, bastando, para isto, que
cometa um pecado mortal; depois de perdido o estado de graça, pode ser
recuperado e isto acontece quando lhe são perdoados os pecados mortais
cometidos.

Ambas são necessárias.


127. Conforme o ensino da Igreja, o homem não pode, por suas próprias forças
naturais, cumprir a lei de Deus, nem fazer nenhum ato meritório para a vida
eterna; para a salvação, portanto, necessita continuamente do AUXÍLIO DE DEUS,
ou seja, da GRAÇA ATUAL: Não que sejamos capazes, de nós mesmos, de ter algum
pensamento, como de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus (2ª
Coríntios III-5).

Além disso, para salvar-se, precisa estar na GRAÇA SANTIFICANTE no momento de


sua morte: é a veste nupcial, sem a qual ninguém pode ser admitido no banquete
da bem-aventurança celeste. A graça santificante é quem nos faz filhos adotivos
de Deus, e portanto, herdeiros da vida eterna; os que não estiverem na categoria
de filhos não poderão herdá-la.

Finalmente, para fazer qualquer ato merecedor de um prêmio na vida eterna, é


preciso que o homem esteja na GRAÇA SANTIFICANTE. A alma que não possui este
estado de graça é ramo que não está enxertado na divina videira que é Cristo;
não pode produzir frutos para a eterna bem-aventurança (João XV-4 e 5). Isto é
uma verdade tremenda, que encerra séria advertência para aqueles que,
afastando-se dos sacramentos da Confissão e da Comunhão, (e aqui nos
dirigimos especialmente aos católicos negligentes em aproveitar-se dos tesouros
da divina misericórdia que a sua Religião lhes oferece), afastando-se dos
sacramentos, ficam por longo tempo em estado de pecado mortal: além do
perigo de se condenarem eternamente, em consequência da uma morte repentina,
tão fácil acontecer, perdem também todo o fruto de suas boas ações que
nenhuma recompensa terão na eternidade. Podem estas boas ações feitas assim
por um homem em estado de pecado mover o coração de Deus a lhe conceder
mais depressa a graça do arrependimento ou a não lhe faltar com ela no
momento mais crítico, mas são infrutuosas para o Céu.

O princípio do mérito não pode ser merecido.

128. O princípio do mérito é, portanto, A GRAÇA SANTIFICANTE. Antes de alcançá-


la, não pode o homem ter nenhum MERECIMENTO.

Ora, não é na graça santificante que o homem nasce. Nasce com o pecado
original que consiste precisamente nisto: na privação da graça santificante. Tem
que haver, portanto, um momento na sua vida, em que ele passa do estado do
pecado (ou seja pecado original só, ou seja pecado original e mais os pecados
pecado (ou seja pecado original só, ou seja pecado original e mais os pecados
mortais que ele já cometeu) para o estado de graça santificante.

Esta passagem se dá SEM MERECIMENTO algum de sua parte, não pode MERECÊ-LA
COM AS SUAS OBRAS, dá-se GRATUITAMENTE, por mera misericórdia de Deus, e a
razão é muito simples: a graça santificante é um DOM SOBRENATURAL, e enquanto
o homem não for elevado a um estado sobrenatural, não pode merecer este dom
que supera a sua própria natureza.

A graça nos torna participantes da natureza divina (2ª Pedro I-4), já nesta terra,
para melhor ainda nos tornarmos participantes da natureza divina lá na glória do
Céu. É uma altura a que não podemos chegar por nossas próprias forças; é
preciso, portanto, que Deus mesmo nos coloque nela.

E quando se dá esta passagem do estado de pecado para o de graça santificante?


Dá-se a primeira vez na nossa vida, quando recebemos o Batismo, que apaga na
alma o pecado original, com o qual fomos concebidos, bem como perdoa todos
os pecados cometidos até aquela hora, desde que seja recebido com as devidas
disposições.

Dá-se outras vezes na vida, quando a alma que, tendo cometido pecado mortal,
perdeu a graça santificante, recebe o perdão dos pecados cometidos. Para isto é
que foi instituída a Confissão ou o Sacramento da Penitência (João XX-23). O
perdão é dado por pura misericórdia, “de graça”, não por merecimento das obras
humanas, mas o que nos conforta é o que a Escritura nos diz sobre a misericórdia
de Deus que é muita bondade para perdoar (Isaías LV-7). Ele é misericordioso
e clemente, sofredor e de muita compaixão (Êxodo XXXIV-6). Não quebrará a
cana rachada, nem apagará a torcida que ainda fumega (Isaías XLII-3), diz o
profeta Isaías a respeito de Jesus. Ele é o primeiro, portanto, a sair em busca do
pecador para lhe oferecer a sua graça, como Bom Pastor que se esforça por
reabilitar a ovelha perdida.

Esforço e merecimento.

129. Aqui naturalmente o leitor pede a palavra para fazer uma pergunta: O Sr.
disse que a graça santificante, a gente recebe “de graça”. Se eu fui batizado,
quando não tinha ainda o uso da razão, estou perfeitamente de acordo: recebi a
graça santificante “de graça”, pois nada fiz para recebê-la. Mas, se já recebi o
Batismo depois de grande, como é que esta graça santificante foi recebida “de
graça”, se precisei, para isto, instruir-me com os principais conhecimentos da fé,
arrepender-me de meus pecados, procurar o Batismo etc? Se eu já me batizei e
depois caí no pecado, preciso fazer exame de consciência, arrepender-me
sinceramente, fazer um firme propósito, confessar-me etc. Como é que posso
dizer nestes casos que recebi “de graça” a justificação, se precisei fazer esforços
para consegui-la?

— Você está apenas confundindo duas coisas bem diversas. Esforço que se faz
para conseguir uma coisa nem sempre é o mesmo que MERECIMENTO. Quantas
vezes Você faz os seus esforços precisamente para isto: para conseguir uma
coisa “de graça”? Suponhamos que um amigo lhe telefone: Venha aqui agora
mesmo, e eu lhe darei um anel de ouro cravejado de brilhantes! Você vai com
sacrifício, abandonando seus afazeres, dispõe-se a dar muitas passadas, pode até
fazer despesas com a condução e no fim de tudo recebe o anel “de graça”. Não
foi a caminhada que Você fez que lhe deu merecimento para adquirir o anel;
Você o recebeu sem ter merecido, uma vez que não havia pago um preço
equivalente, nem feito ação alguma, para a qual fosse o anel um prêmio
adequado; a caminhada foi apenas uma providência necessária para entrar em
posse do objeto.

Diga-se o mesmo do homem carregado de crimes e condenado à pena de morte,


a quem o rei manda dizer: “Venha a meu palácio, ajoelhe-se aos pés de meu
ministro, confesse seus erros e eu assinarei o decreto, libertando-o da morte”.
Ainda mesmo que ele precise andar algumas léguas para isto, o perdão lhe foi
concedido sempre “de graça”, sem merecimento seu e por pura misericórdia;
pois o que ele merecia era a morte, e não o perdão.

Assim também Deus pode exigir algumas condições, algumas DISPOSIÇÕES


nossas, para conceder a sua graça, mas não são estas disposições que estão na
altura de merecê-la.

Ações com valor divino.

130. Mas se a graça, o pecador não pode MERECÊ-LA, como é que, depois de
receber a graça santificante, pode MERECER a glória do Céu? Não é o mesmo
homem fraco, mortal, limitado, imperfeito, como são todos os homens?
— Sim, continua fraco, mortal, imperfeito, limitado, mas já não é o mesmo
homem, enquanto perseverar na graça santificante. Se Você visse o seu amigo,
inerte, morto, estirado na sala, e depois Deus o ressuscitasse e Você o passasse a
ver rindo, conversando, trabalhando, exercendo toda a sua atividade, Você diria
que este de agora é o mesmo homem? É o que se dá na vida espiritual: quem não
está na graça santificante está morto pelo pecado para a vida sobrenatural; o
morto não pode merecer; o morto nada pode fazer por si, para sair do estado de
morte em que se encontra; é preciso que Deus o ressuscite, o crie
espiritualmente, faça dele uma NOVA CRIATURA (2ª Coríntios V-17), um HOMEM
NOVO (Efésios IV-24), para que possa andar, operar e produzir alguma coisa na
vida da graça: Ele é quem vos deu a VIDA, quando vós estáveis MORTOS pelos
vossos delitos e pecados (Efésios II-1).

Uma vez que esteja a alma com a graça santificante, sendo uma habitação do
Espírito Santo, as suas boas obras feitas com reta intenção, as quais são efeito,
portanto, não só do livre arbítrio, mas também da graça do Espírito Santo, são
ações sobrenaturalizadas, ações divinizadas pela graça. As boas obras feitas pela
alma que se tornou participante da natureza divina, tomam assim um valor
divino e já merecem, não uma recompensa natural, mas a recompensa da vida
eterna, dada por justiça, pois o prometido é devido e Deus assim o prometeu:
Irão estes para o suplício eterno, e os JUSTOS, PARA A VIDA ETERNA (Mateus XXV-
46). Não precisamos mais citar aqueles textos em que a vida eterna nos aparece
como uma RECOMPENSA (Mateus XIX-29), um GALARDÃO (Mateus V-11 e 12),
uma COROA DE JUSTIÇA (2ª Timóteo IV-8), um TESOURO ACUMULADO NO CÉU
(Mateus VI-19 e 20), uma PAGA SEGUNDO AS OBRAS (Mateus XVI-27), e em que
Nosso Senhor nos fala num verdadeiro e real MERECIMENTO (Lucas VI-32 a 35).

À proporção que a alma santificada pelo Divino Espírito vai fazendo boas obras
e praticando atos de virtude, vai crescendo na graça (2ª Pedro III-18), e
aumentando em si esta graça divina, vai aumentando também o seu prêmio no
Céu, pois Deus há de retribuir a cada um segundo as suas obras (Romanos II-
6).

A vocação para a fé.

131. Fica, portanto, esclarecido, que o merecimento das nossas obras só se


começa a contar desde o momento em que começamos a possuir a GRAÇA
SANTIFICANTE.

Se é assim, é claro que a nossa passagem do estado de infidelidade ou de


descrença para a FÉ, se opera também sem merecimento de nossa parte. Já vimos
que a Igreja condenou a doutrina dos semipelagianos, os quais afirmavam que o
primeiro movimento do homem para a fé, o impulso inicial que o leva a crer, é
obra exclusiva do nosso livre arbítrio, quando a Igreja afirma que este primeiro
movimento para a fé é obra da graça de Deus. Assim a VOCAÇÃO PARA A FÉ, a
graça atual que vai tocar o coração do homem que ainda não crê, é um dom de
Deus, concedido gratuitamente, sem merecimento das obras humanas. Deus,
quando chama o homem para a fé, não o faz porque ele o tenha merecido pelas
suas obras, pois a fé é também um dom sobrenatural. Ele o faz por pura bondade
e benevolência, podendo chamar até mesmo os maiores pecadores. E é sobre este
ponto que S. Paulo fala a Timóteo: Trabalha comigo no Evangelho, segundo a
virtude de Deus, que nos livrou e CHAMOU COM A SUA SANTA VOCAÇÃO, NÃO SEGUNDO
AS NOSSAS OBRAS, mas segundo o seu propósito e GRAÇA que nos foi dada em Jesus
Cristo antes de todos os séculos (2ª Timóteo I-8 e 9).

É também à GRAÇA DA VOCAÇÃO PARA A FÉ, que se refere S. Paulo quando diz: E se
isto foi por graça, não foi já PELAS OBRAS; doutra sorte a graça já não será graça
(Romanos XI-6). Senão, vejamos.

S. Paulo termina o capítulo 10º referindo-se à incredulidade e rebeldia com que


os judeus rejeitaram o Evangelho e citando as palavras de Isaías: Todo o dia abri
as minhas mãos a um povo incrédulo e rebelde (Romanos X-21).

E, logo no começo do capítulo XI, ele afirma que não se segue daí que o povo de
Israel esteja completamente rejeitado. No meio de tantos judeus obstinados e
endurecidos, Deus reservou alguns para lhes dar a GRAÇA DA VOCAÇÃO PARA A FÉ.
E um exemplo está nele próprio, S. Paulo, que é judeu e, no entanto foi
convertido à Religião Cristã: eu também sou Israelita, do sangue de Abraão, da
tribo de Benjamin (Romanos XI-1).

E S. Paulo faz uma comparação com o que aconteceu ao profeta Elias, nos
tenebrosos tempos do rei Acab e de sua mulher Jezabel, quando parecia que o
povo judaico na totalidade tinha abandonado a Deus e a sua lei: Porventura não
sabeis vós o que a Escritura refere de Elias, de que modo pede ele justiça a
Deus contra Israel? Senhor, mataram os teus profetas, derribaram os teus
altares; e eu fiquei sozinho e eles me procuraram tirar a vida (Romanos XI-2 e
3).

Naqueles tempos difíceis, em que o povo de Israel estava mergulhado na


idolatria, Deus concedeu uma graça especialíssima a 7 mil homens, preservando-
os de caírem na adoração a deuses falsos: Mas que lhe disse a resposta de Deus?
Eu reservei para mim sete mil homens que não dobraram os joelhos diante de
Baal (Romanos XI-4). Um fato semelhante foi o que aconteceu agora depois da
vinda de Cristo. Os judeus rejeitaram a Cristo obstinados na sua incredulidade,
soberba e dureza de coração. Mas não foi total esta rebeldia. Deus salvou alguns
judeus, livrando-os de cair naquele estado de obstinação e incredulidade, dando-
lhes A GRAÇA DA VOCAÇÃO PARA A FÉ, chamando para o Cristianismo muitos deles,
entre os quais o Apóstolo S. Paulo: Do mesmo modo, pois, ainda neste tempo,
segundo a eleição da sua graça, salvou Deus a um pequeno número que ele
reservou para si (Romanos XI-5).

E por que foi que esses judeus receberam a graça da conversão? Foi porque
tivessem sido melhores do que os outros? Foi porque tivessem merecido a
conversão, por meio de suas obras? Não; se esta conversão foi uma GRAÇA, é
porque Deus não indagou quais eram as obras praticadas por esses judeus para
concedê-la, Deus os chamou por pura bondade e misericórdia: E se isto foi por
graça, não foi já pelas obras; doutra sorte a graça já não será graça (Romanos
XI-6).

Os protestantes veem este texto em que S. Paulo diz que a graça da conversão
não foi merecida pelas obras, mas foi dada “de graça” e daí tiram a conclusão de
que nossa SALVAÇÃO, a nossa ENTRADA PARA O CÉU é dada também “de graça”, o
que já é bem diferente. Toda a sua confusão reside nessa palavra SALVOU: Deus
os salvou. Mas, como já explicamos no capítulo 5º (nº 88), Deus salvou esses
poucos judeus, quer dizer: salvou-os da apostasia, pôs esses homens no caminho
da salvação. S. Paulo aí não está garantindo que todos os judeus que se
converteram ao Cristianismo infalivelmente conseguirão o Céu; se querem ir
para o Céu, terão que FAZER FORÇA, ajudados pela graça, está claro, como tinha
que fazer força o próprio S. Paulo, que era um deles: Castigo o meu corpo e o
reduzo à servidão, para que não suceda que, havendo pregado aos outros,
venha eu mesmo a SER REPROVADO (1ª Coríntios IX-27). Porque, segundo S. Paulo,
a entrada no Céu para ver a Deus face a face não é dada “de graça”, ela tem um
preço; este preço se chama SANTIDADE e santidade inclui não só a fé, mas também
as boas obras: Segui a paz com todos, e a SANTIDADE, SEM A QUAL NINGUÉM VERÁ A
DEUS (Hebreus XII-14).

Para acalmar alguns leitores porventura escrupulosos, temos que esclarecer que
o estado de graça já é santidade, pode ser o primeiro grau, o abecê da santidade,
mas é santidade sempre; é o estado da alma que goza da amizade de Deus,
embora nem sempre seja o grau elevado da união com Deus que se encontrou
naqueles que mais propriamente nós chamamos: os santos.

Na Epístola a Tito.

132. Outra confusão bem semelhante é a que fazem os protestantes com o


trecho da Epístola a Tito, capítulo 3º, versículos 3 a 8. S. Paulo fala aí
evidentemente na PASSAGEM DO ESTADO DE PECADO PARA O DE GRAÇA SANTIFICANTE e
diz que esta transição não foi merecida pelas obras, foi efeito da misericórdia de
Deus. E daí concluem os protestantes que a salvação, a passagem desta vida para
o Céu não depende das nossas obras, o que é muito diferente.

Vejamos as palavras do Apóstolo.

Primeiramente ele descreve a corrução a que estavam sujeitos os cristãos antes


de se converterem ao Cristianismo. Estavam num deplorável ESTADO DE PECADO:
Também nós algum tempo éramos insensatos, incrédulos, metidos no erro,
escravos de várias paixões e deleites, vivendo em malícia e em inveja, dignos de
ódio, aborrecendo-nos uns aos outros (Tito III-3).

Ora, o Evangelho estava sendo pregado havia pouco tempo. Inúmeros daqueles
cristãos ouviram a pregação do Evangelho, quando já tinham mais de 7 anos, e
foram batizados como adultos. Assim foi o Batismo que neles realizou esta
passagem do estado de corrução em que se encontravam para o estado de graça
santificante, pois, como dissemos, o Batismo apaga o pecado original e perdoa
todos os pecados cometidos antes de se receber este Sacramento, desde que haja
disposições necessárias. Esta graça do Batismo não foi merecida pelas obras de
cada um, pois, se estavam no estado do pecado, não podiam MERECER a graça de
Deus, como já explicamos. É a esta transformação gratuita, por pura bondade de
Deus, e não pelas obras, a transformação de pagãos em cristãos, de pecadores em
criaturas justificadas pela graça, que S. Paulo se refere: Mas quando apareceu a
bondade do Salvador nosso Deus e o seu amor para com os homens, não por
obras de justiça QUE TIVÉSSEMOS FEITO nós outros, mas segundo a sua
misericórdia, NOS SALVOU PELO BATISMO DE REGENERAÇÃO E RENOVAÇÃO DO ESPÍRITO
SANTO, [13] o qual Ele difundiu sobre nós abundantemente por Jesus Cristo,
nosso Salvador, para que, justificados pela sua graça, sejamos herdeiros
segundo a esperança da vida eterna (Tito III-4 a 7)

É interessante notar que o Apóstolo não diz — herdeiros com a certeza da vida
eterna — mas — herdeiros segundo a ESPERANÇA da vida eterna, para no
versículo seguinte exortar às BOAS OBRAS: Esta é uma verdade infalível e quero
que isto afirmes, para que procurem avantajar-se em BOAS OBRAS os que creem
em Deus (Tito III-8).

Está evidente, portanto, que aquele NÃO POR OBRAS DE JUSTIÇA QUE TIVÉSSEMOS
FEITO, se refere a obras de justiça que tivessem feito os cristãos quando se
encontravam em estado de pecado, e isto está de acordo com a nossa doutrina
católica: estas obras feitas no estado de pecado, não têm MERECIMENTO para os
bens da vida eterna, não vogam para a salvação, pois só vogam as obras feitas no
estado de graça santificante.

Notas (pular)

[13] Mais adiante (nº 280) ao falarmos sobre o Batismo, faremos mais um comentário deste texto. (voltar)

Na Epístola aos Efésios.

133. Sobre a PASSAGEM DO ESTADO DE PECADO PARA O DE GRAÇA SANTIFICANTE fala


também um versículo da Epístola aos Efésios, muito citado pelos protestantes. É
a ressurreição espiritual dos que estavam mortos pelo pecado.

Vejamos as palavras de S. Paulo, referindo-se a Cristo: Ele é quem vos deu a


VIDA, quando vós estáveis MORTOS PELOS VOSSOS DELITOS E PECADOS, em que noutro
tempo andastes segundo o costume deste mundo, segundo o príncipe das
potestades deste ar, o príncipe daqueles espíritos que agora exercitam o seu
poder sobre os filhos da infidelidade, entre os quais vivemos também TODOS NÓS
em outro tempo SEGUNDO OS DESEJOS DA NOSSA CARNE, FAZENDO A VONTADE DA CARNE E
DOS SEUS PENSAMENTOS, E ÉRAMOS POR NATUREZA FILHOS DA IRA, como também os
outros (Efésios II-1 a 3).
Tendo descrito o estado deplorável em que se encontravam antes da conversão
os Efésios, a quem escreve, S. Paulo mostra que DESTA DEPRAVAÇÃO, DESTE
HORRENDO E MISERÁVEL PECADO agora eles ESTÃO SALVOS (pois este é o sentido da
palavra SALVOS empregado pelo Apóstolo, conforme já provamos no nº 88) e
passa a frisar que esta transformação foi realizada pela graça mediante a fé, pois
iluminados pela fé que os arrancou das trevas do paganismo, vieram depois a
alcançar a graça santificante. Esta transformação não veio como prêmio ou
consequência das OBRAS, pois, antes de se converterem, que faziam eles? Obras
más, como faziam os outros. Não foi porque estivessem realizado melhores
obras do que os não-convertidos, que eles se converteram. Não veio deles, pois a
VOCAÇÃO PARA A FÉ é um DOM DE DEUS.

Assim não podem gloriar-se de sua superioridade moral sobre os gentios, porque
sua conversão da gentilidade para o Cristianismo, sua passagem de vida de
pecado para o estado de graça foi uma dádiva, um benefício de Deus.

Ninguém pode gloriar-se de suas virtudes, pois a virtude não é possível sem a
graça, e a graça não é dada em prêmio das obras: a graça é dada “de graça”: Mas
Deus, que é rico em misericórdia, pela sua extrema caridade com que nos amou,
ainda QUANDO ESTÁVAMOS MORTOS PELOS PECADOS, nos DEU VIDA juntamente EM CRISTO
(POR CUJA GRAÇA SOIS SALVOS) e com Ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos
Céus com Jesus Cristo, para mostrar nos séculos futuros as abundantes riquezas
da sua graça, pela sua bondade sobre nós outros em Jesus Cristo. Porque PELA
GRAÇA é que SOIS SALVOS, MEDIANTE A FÉ, e isto não vem de vós, porque é UM DOM DE
DEUS; não vem das nossas obras, para que ninguém se glorie. (Efésios II-4 a 9).

Uma vez recebida a graça santificante, a alma que estava morta pelo pecado
torna-se uma NOVA CRIATURA, uma criação de Deus, criação maravilhosa, superior
a toda a criação maravilhosa, superior a toda criação material, agora pode
produzir frutos para a vida eterna, pois foi sobrenaturalmente criada, justamente
para isto, para caminhar pela estrada das boas obras. E assim termina S. Paulo:
Porque somos FEITURA DELE MESMO, CRIADOS em Jesus Cristo, para BOAS OBRAS que
Deus preparou, para caminharmos nelas (Efésios II-10).

Deus prepara as boas obras, pois Ele pela sua Providência é quem encaminha os
nossos passos: se nos faz viver em tal época e em tal localidade, conviver com
estas e aquelas pessoas, das quais uma necessita de nossa ajuda material, outra
nos rouba o sossego, outra nos faz um benefício etc, Deus assim nos vai
oferecendo ocasião para a esmola, para a paciência, para a gratidão. Deus
prepara as nossas obras também oferecendo-nos sempre o auxílio de sua graça,
sem a qual não podemos praticá-las. Mas daí não se segue absolutamente que
sejam obras exclusivas de Deus: uma vez que somos livres, e está no nosso
poder fazer o mal ou fazer o bem, Deus prepara as boas obras a fim de nelas
caminharmos LIVREMENTE para o Céu. O Filho do Homem há de vir na glória de
seu Pai com os seus anjos; e então dará a cada um a PAGA segundo as suas OBRAS
(Mateus XVI-27). Todos os que se acham nos sepulcros ouvirão a voz do Filho
de Deus; e os que OBRARAM BEM sairão para a ressurreição da vida; mas os que
OBRARAM MAL sairão ressuscitados para a condenação (João V-28 e 29).

Na Epístola aos Romanos.

134. Também à PASSAGEM DO ESTADO DE PECADO PARA O ESTADO DE GRAÇA


SANTIFICANTE se refere S. Paulo no seguinte trecho: Ao que obra, não se lhe conta
o jornal por graça, mas por dívida, mas ao que não obra e crê nAquele que
JUSTIFICA O ÍMPIO, a sua fé lhe é imputada a justiça, segundo decreto da graça de
Deus. Como também Davi declara a bem-aventurança do homem a quem Deus
atribui justiça sem obras: Bem-aventurados aqueles CUJA INIQUIDADE FORAM
PERDOADAS e cujos pecados têm sido cobertos (Romanos IV-4 a 7). S. Paulo se
refere à justificação do ímpio, ou seja, ao momento em que o homem ímpio
passa a tornar-se um justo diante de Deus. Isto não é conquistado pelas suas
obras, mas por um DECRETO DA GRAÇA DE DEUS. Exigem-se, apenas, algumas
disposições da alma em que S. Paulo resume na palavra FÉ, porque a fé é a base,
é o ponto de partida para aquelas disposições preparatórias. É claro, por
exemplo, que Deus não vai perdoar o pecador que não está contrito e
arrependido, mas este arrependimento já deve nascer da fé; o arrependimento
que não nascesse da fé, que fosse baseado nalgum motivo natural e humano e
não sobrenatural (p. ex. o ímpio se arrepende apenas porque perdeu a saúde, o
dinheiro ou a liberdade) não seria suficiente para a justificação.

— Mas, podem objetar os protestantes, S. Paulo aí não fala nem no Batismo que,
segundo os católicos, é necessário para receber a graça santificante pela primeira
vez, nem na Confissão Sacramental que, conforme o ensino da Igreja, é
necessária para recuperar a graça santificante que já se perdeu. Fala somente na
fé.
— É fácil explicar porque S. Paulo aí não fala no Batismo, nem na Confissão.
S. Paulo aí está falando no homem, seja ele qual for e em qualquer época, em
que ele viva. A prova é que acabara de falar em Abraão, que foi justificado
quando não havia Confissão, nem Batismo; mais ainda, foi justificado antes que
Deus ordenasse a circuncisão (Romanos IV-10) e daí tira S. Paulo um argumento
contra os judaizantes, os quais pensavam que para haver justificação tinha que
haver necessariamente a circuncisão, não sabiam separar uma da outra.

Já foi abolida a circuncisão outrora prescrita por Deus; agora em seu lugar Cristo
prescreve o Batismo. Aquele que conhece a doutrina de Cristo, a fé o impele a
receber o Batismo (João III-5) se ainda não recebeu, ou a receber a absolvição
sacramental, porque também assim o estabeleceu Cristo (João XX-23). E a
própria Igreja ensina que os pagãos que nenhum conhecimento têm da Religião
Cristã podem justificar-se sem o Batismo e sem a Confissão Sacramental, pois
tudo isto neles pode ser suprido pelo ato de caridade perfeita; e este ato de puro
amor a Deus ou de caridade perfeita tem que nascer da fé: Sem fé é impossível
agradar a Deus, porquanto é necessário que o que se chega a Deus creia que há
Deus e que é remunerador dos que O buscam (Hebreus XI-6). A fé é sempre o
PRIMEIRO PASSO para o homem que cometeu pecados (e é o assunto de que trata
S. Paulo: JUSTIFICAÇÃO DO ÍMPIO) se aproximar de Deus e conseguir a regeneração.

Falando sobre o homem, em geral, seja ele qual for, desde Adão até o último
homem a existir sobre a terra e não só sobre os homens que existem agora depois
de Cristo haver pregado a sua doutrina (e por isto cita o que já no seu tempo
dizia o Profeta Davi), ele não podia falar no Batismo, nem na Confissão.
Apresenta uma fórmula geral: a fé. A fé ditará a cada um aquilo que é necessário
para alcançar a justificação.

Dadas estas explicações, vamos agora apresentar o exemplo de um homem a


quem Deus atribuiu JUSTIÇA SEM OBRAS, a quem Deus concedeu a justificação, não
como quem paga um salário por dívida, mas por um decreto da sua graça em
vista da fé nAquele que justifica o ímpio, tal qual como escreveu S. Paulo.

Este foi o bom ladrão que morreu juntamente com Cristo no Calvário. Era um
criminoso, seu passado tinha sido deplorável. Mas a graça divina toca o seu
coração. Ele é iluminado pela fé: apesar de ver Cristo tão humilhado no suplício
da cruz, nEle enxerga o Rei Divino, cujo reino não é deste mundo. Da fé nasce a
esperança de alcançar a sua complacência: Senhor, lembra-te de mim, quando
entrares no teu reino (Lucas XXIII-42). Da fé nasce a caridade, o amor a Cristo
pelo qual defende o Divino Mestre contra as blasfêmias do seu companheiro,
não temendo proclamar abertamente, perante os algozes, a inocência do
Salvador, quando os próprios Apóstolos não tiveram coragem de vir assim
proclamá-la; da fé nasce o reconhecimento de seus erros, o arrependimento
sincero de todos os seus crimes: Nem ainda tu temes a Deus, estando no mesmo
suplício? E nós outros o estamos na verdade justamente, porque recebemos o
castigo que merecem as nossas obras; mas este nenhum mal fez (Lucas XXIII-
40 e 41). Diante de tais disposições que havia no coração de um homem que
tinha sido um ímpio, Cristo não indagou quais eram as suas obras passadas para
lhe dar a justificação, Cristo não lhe disse que só se tornaria justo se praticasse
tais e tais obras, tornou-o um justo imediatamente, fê-lo de um pecador um
santo: Em verdade te digo que hoje serás comigo no paraíso (Lucas XXIII-43).

Que se conclui daí? Simplesmente que a graça santificante não nos é dada como
prêmio das obras, mas como benefício de Deus, embora se exijam certas
disposições para recebê-la: “Nós somos justificados neste sentido de que nada do
que precede a justificação, nem a fé, nem as obras, podem merecer a graça da
justificação” (Concílio de Trento VI-8).

Uma vez justificado, uma vez tornado um justo, o bom ladrão, se queria ir para o
Céu tinha que evitar o pecado mortal, observar a lei divina; aliás o seu
arrependimento, para ser sincero, teve que incluir a intenção de nunca mais
roubar, de levar outra vida, de proceder como um verdadeiro discípulo de Cristo,
se por acaso o livrassem daquele suplício e ele tivesse ainda mais uns dias, ou
meses, ou anos de vida. A intenção das obras estava, portanto, incluída no seu
arrependimento.

Mais ainda: ele teve, pelo menos, três horas de vida, pois quando o Mestre tão
bondosamente lhe perdoou, era, então, quase a hora sexta (Lucas XXIII-44). À
hora nona, Cristo ainda estava falando (Marcos XV-34). Ora, Cristo foi dos três
crucificados o primeiro a exalar o último suspiro: Vieram, pois, os soldados e
quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com Ele fora crucificado.
Tendo vindo depois a Jesus, como viram que estava já morto, não Lhe
quebraram as pernas (João XIX-32 e 33). Pelo menos durante três horas, o bom
ladrão, ajudado pela graça, perseverou nas suas boas disposições, aceitando com
resignação as suas dores, por ele mesmo consideradas bem merecidas; isto
influiu na sua salvação porque, se depois de justificado por Cristo, caísse no
desespero, não poderia salvar-se. Foi precisamente prevendo na sua ciência
infinita que, uma vez recebido o perdão e tornado um justo, ele passaria a agir
como um justo, que Cristo lhe disse: Hoje serás comigo no paraíso (Lucas
XXIII-43).

Nós, católicos, vemos algumas vezes estes casos especialíssimos da misericórdia


divina em que um pecador se arrepende e se converte nos últimos momentos.
Deus lhe dá a graça santificante e, como não há mais tempo para que este
pecador tornado justo Lhe mostre sua submissão pela observância da lei de
Cristo e pelas boas obras, Deus se contenta com a intenção, em que está, de
praticar os mandamentos e fazer o bem, pois Deus não é como nós que só vemos
as obras, Ele conhece perfeitissimamente os mais profundos segredos dos
corações.

Mas tirar daí a conclusão de que as nossas obras são inúteis para a salvação seria
um grande absurdo. Bem como seria a maior das loucuras querer deixar o
arrependimento para o instante final, porque muitos morrem repentinamente,
sem ter tempo para arrepender-se e mesmo porque sendo o arrependimento uma
graça de Deus, arrisca-se quase infalivelmente a não recebê-la, quem por malícia
e covardia, só por livrar-se de servir a Deus durante a sua vida, pretendesse
deixar a conversão para os momentos finais da existência. Como diz um piedoso
autor, a Escritura só dala de um caso de conversão na hora da morte, o do bom
ladrão: fala de um, para jamais cairmos no desespero; fala de um só para não nos
iludirmos, caindo na temeridade. Porque a regra geral, com muitos poucas
exceções, é esta: Talis vita, finis ita. Assim como é a vida do homem, assim é
também o seu fim.

Depois da justificação

135. Já vimos, pelos textos estudados, que S. Paulo absolutamente não ensina a
SALVAÇÃO SEM AS OBRAS. Ensina, sim, que quando estamos mortos pelo pecado e
somos ressuscitados, recebendo a vida da graça, isto se dá não por merecimento
das nossas obras e o motivo é muito claro: os mortos não podem merecer. Uma
vez recebida a VIDA DA GRAÇA, se esta graça nos tornasse impecáveis, ou se Deus
naquele mesmo segundos nos chamasse para a eternidade, então poderíamos
dizer que a salvação era obra exclusiva de Deus, nela não influiriam as nossas
obras. Mas, depois de justificados pela graça, continuamos a viver.
E continuamos homens livres, sujeitos a fraquezas, assaltados pelas tentações,
combatidos pela concupiscência. Não nos falta a graça de Deus para nos ajudar,
mas a graça não nos violenta a liberdade. Podemos cooperar com ela,
conservando-nos na amizade de Deus, como podemos a ela ser rebeldes pelo
pecado mortal; e se este se torna muito frequente, vem a degeneração do vício
que é como uma segunda natureza. Depois de recebida a graça santificante, é
que nossa alma, ramo enxertado na videira que é Cristo, pode produzir frutos
para a vida eterna, mas tanto pode abundar em boas obras, como pode tornar-se
infrutuosa. Está nas nossas mãos com a graça de Deus, conservar ou não o
tesouro com que Deus enriqueceu a nossa alma. É esta a nossa parte, a nossa
função, a influência das nossas obras, do nosso esforço, da nossa oração, da
nossa vigilância, pela qual, sem desconhecer a ação de Deus, que é muito maior
do que a nossa, nós contribuímos também para a nossa própria salvação.

Deus fez tão bem feito o seu plano que, embora o cristão se salve a si mesmo,
ele não pode de modo algum orgulhar-se de sua salvação. Só salva a si mesmo,
depois que Deus o pôs em condições de fazê-lo; mais ainda, só salva a si mesmo,
com a ajuda constante de Deus. E considerando a ação de Deus e a sua, na obra
da salvação, vê que a ação de Deus é tão maior, tão mais eficiente, tão mais
importante e persistente do que a sua, que seria ridícula qualquer tentativa de
presunção. Se os protestantes gostam de pintar aqueles que acham que além da
fé e da graça, as suas obras são necessárias para a salvação, como sendo criaturas
inevitavelmente presumidas, vaidosas, que se gloriam em si mesmas:

1º é porque querem disfarçar a má impressão causada pela doutrina de que — só


a fé é que salva, e nossas obras não influem nem direta nem indiretamente na
salvação — doutrina esta que, tal como é enunciada, se mostra perigosa e
indecente, não podendo, fora do Protestantismo, convencer a ninguém.

2º é porque não têm ou fingem não ter uma noção exata do que é a verdadeira
santidade, a qual é conseguida por meio da ação maravilhosa do Espírito Santo
sobre as almas dóceis à sua graça, pois o Espírito Santo, à proporção que vai
enriquecendo a alma com as mais belas virtudes, a vai tornando cada vez mais
humilde, mais convicta e sua fraqueza e insuficiência.

3º é também porque fazem uma ideia parcial e incompleta do verdadeiro


mecanismo da salvação, o qual vamos tentar descrever por meio de

Uma alegoria.
Uma alegoria.

136. Suponhamos um homem que vive aqui na terra, sabendo, portanto, que um
dia há de morrer. De vez em quando vem à sua procura o Rei dos Céus, que
sempre está lhe propondo uma ótima ideia: deixar esta terra e ir para o Céu, um
lugar maravilhoso, onde se tem a vida eterna. Afinal um dia se resolver a aceitar
a proposta. Quer ir para o reino deslumbrante de imensas riquezas, onde se vive
eternamente a verdadeira vida, a vida bem-aventurada.

— Que devo fazer para chegar até o Céu? — pergunta ele.

— Bem, diz-lhe o Rei dos Céus, o Céu é lá em cima, Você não pode chegar até
lá, se continua a caminhar aqui com seus pés fincados na terra. Tem que subir,
tem que tomar um avião.

— A empresa já se está tornando mais difícil. Onde hei de ir conseguir este


avião?

— É muito fácil. Você dá comigo algumas passadas e um pouco mais adiante, eu


lhe darei um belo avião de presente, para que Você possa subir aos Céus. Não
lhe custa nada; porque este avião eu já o paguei e por muito bom preço. E há
também uma coisa: Você é quem vai dirigi-lo.

Paremos aqui um pouco a nossa alegoria para explicar logo os seus símbolos. O
homem que vive aqui na terra simboliza aquele que se acha em estado de pecado
mortal. Enquanto ele está aqui na terra, isto é, enquanto está em pecado, o fim
que o está aguardando é a morte que no caso representa a morte da alma, ou seja,
a condenação eterna. Aqueles primeiros encontros com o Rei dos Céus
simbolizam a GRAÇA ATUAL que procura iluminar, comover e atrair a alma do
pecador. O dia em que se resolve a seguir a sua viagem é o dia em que se resolve
a seguir a Cristo para ganhara o Céu. O avião que ele deve tomar é a GRAÇA
SANTIFICANTE, que o eleva a uma grandeza sobrenatural, que faz o homem subir,
altear-se acima da sua própria natureza, e só assim com a graça santificante é
que o homem está em marcha para o Céu; enquanto não a possui, ele está na
terra, ou melhor, no lodo, está em pecado, e não está fazendo nada para a
conquista da vida eterna. As poucas passadas que o homem dá até alcançar o
avião representam as disposições necessárias para o homem receber a graça
como são a fé, o arrependimento, a esperança etc, unidas ao Batismo, se é um
adulto que o recebe, ou à absolvição sacramental, se já foi batizado em criança.
Ele vai dirigir, porque desde que é livre, ele próprio é que deve encaminhar-se
para o Céu. Se é uma criança que o recebe, não precisa dar passada alguma para
alcançar o avião; graças ao interesse dos pais dela, o Rei dos Céus a coloca na
GRAÇA SANTIFICANTE e Ele mesmo vai dirigindo, até que um dia a criança desperte
à luz da razão e nesta hora a direção lhe é confiada. Se o Rei dos Céus a chama
para o seu reino antes disto: eis aí uma pessoa que alcançou o Céu sem as obras,
justamente como querem os protestantes. O avião da GRAÇA SANTIFICANTE nos é
dado gratuitamente, porque já foi pago por Cristo na Cruz, o qual por sua morte
redentora, mereceu para nós toda a graça que nos é necessária para a salvação.

Mas continuemos com a nossa história.

O Rei dos Céus dá ao homem todas as instruções necessárias para bem conduzir-
se na viagem. Avisa-o de que esta não deixará de ter as suas dificuldades.
Exigirá uma vigilância contínua, muita força de vontade para não afastar-se do
roteiro e para enfrentar as tempestades que não faltarão pelo caminho. Mas não
deve desanimar, porque o Rei dos Céus irá com ele, dando-lhe instruções
durante toda a viagem, ajudando-o em todo o seu percurso. Estará ao seu lado
para atendê-lo com gosto, sempre que necessitar de alguma coisa. Dar-lhe-á a
alimentação necessária para não desfalecer em meio da sua empresa. Mas é
preciso obedecer-lhe, do contrário pode suceder um lamentável desastre. Dadas
estas explicações, levantam voo.

O homem a caminho do Céu, vai seguindo o seu roteiro, mas nem sempre está
firme na direção. Comete algumas falhas, que fazem pequenas avarias no avião.
Amedronta-se às vezes com as tempestades, mas junto dele está sempre o Rei
dos Céus, instruindo-o, aconselhando-o, ajudando-o, fortalecendo-o. No entanto,
apesar de toda a assistência de seu guia e protetor, o homem nem sempre se
porta com a firmeza e perfeição desejadas. E em dada ocasião, comete uma falta
grave, porque teima em desobedecer ao seu guia e zás... o avião se desarranja e
despenca daquelas alturas. Só não morre o aviador, porque o Rei dos Céus lhe
fornece um PARAQUEDAS. Está novamente na terra e novamente sujeito à morte.
Mas está unicamente por culpa sua.

Volta assim ao princípio a nossa história: O Rei dos Céus o convida a subir outra
vez. Tem que dar com ele algumas passadas e (maravilhosa bondade do Rei dos
Céus!), outro belo avião é oferecido de presente, porque já foi pago por Ele na
cruz, uma vez que as riquezas de sua morte redentora são infinitas. Para encurtar
cruz, uma vez que as riquezas de sua morte redentora são infinitas. Para encurtar
a história, raros são os que fazem a viagem para o Céu no primeiro avião que
tomaram (a não ser as criancinhas que vão ao Céu sem o uso da razão). Muitos
são os que despencam de lá de cima repetidas vezes. O nosso herói, p. ex., já
perdeu a conta das vezes em que caiu e voltou para a terra.

Paremos mais uma vez para dar a explicação.

As instruções que dá o Rei dos Céus para a viagem são os ensinos de sua
doutrina, de sua lei que nos apontam o exato roteiro para o Céu. As tempestades
que aparecem no caminho são AS TENTAÇÕES que ameaçam fazer desaparecer da
alma do cristão a graça santificante. O Rei dos Céus sempre ao seu lado,
ajudando-o, iluminando-o, fortalecendo-o é ainda A GRAÇA ATUAL, da qual precisa
o cristão constantemente, para manter-se no seu estado de união com Deus. O
alimento que lhe dá o Rei dos Céus é a SANTÍSSIMA EUCARISTIA, sem a qual não
tereis vida em vós (João VI-54). As pequenas avarias são os PECADOS VENIAIS.
Mas a falha grave que provoca o lastimável desastre é o PECADO MORTAL, que faz
desaparecer em nós a graça santificante e nos torna novamente mortos pelo
pecado, fora do caminho da salvação. O paraquedas é a MISERICÓRDIA DIVINA que
dá tempo e espaço ao pecador para regenerar-se, porque Deus não quer a morte
do pecador, e sem, que ele se converta e viva (Ezequiel XXXIII-11). As
passadas que ele dá para conseguir novamente um meio de subir para o Céu são
o exame de consciência, a contrição e a confissão pelos quais recebe outra vez a
graça santificante, no Sacramento da Penitência.

Agora finalizemos a alegoria.

Afinal, depois de muitas vicissitudes, o Rei dos Céus dá por terminada a viagem.

Bem, — diz ao homem — Você trabalhou e se esforçou para chegar até aqui;
também mostrou que confiava na minha palavra. Ora, acontece que aqui na casa
de meu Pai há muitas moradas (João XIV-2). Aqui se tem que fazer justiça:
Cada um receberá a sua recompensa particular segundo seu trabalho (1ª
Coríntios III-8). Nem todos aqui têm o mesmo grau de felicidade, da mesma
forma que há diferença de estrela a estrela na claridade (1ª Coríntios XV-41).
Você, portanto, vai ter o grau de felicidade que lhe cabe, de acordo com o tempo
que passou em viagem (pois o que Você passou na terra não se conta) e de
acordo com o grau de boa vontade, de amor, de obediência, de confiança que
mostrou para comigo.

É nesta ocasião que o homem lhe diz:

— O Sr. Diz que o lugar que vou ter no Céu é um prêmio pelo que fiz. Eu me
acanho até de ouvir fala nisto. Que é que fiz, em comparação com o que o Sr. fez
comigo? Como eu poderia subir até aqui, se o Sr. não me desse “de graça”
aquele avião que para mim tão generosamente adquiriu por alto preço? Como eu
poderia chegar até o Céu, se o Sr. não estivesse sempre ao meu lado, indicando-
me o caminho, ajudando-me e confortando-me a todos os instantes? Como eu
poderia sair vitorioso nesta empresa, se todas as vezes que por minha culpa fiz
despedaçar-se o avião, o Sr. não me protegesse com o paraquedas de sua
misericórdia e não me desse, mais uma vez gratuitamente, outro avião para
subir? O meu lugar nos Céus pode ser prêmio de meus esforços, como o Sr. diz
com tanta bondade, porém mais, muitíssimo mais do que isto, deve ele ser
considerado um grande benefício do Sr. para comigo.

Não é preciso mais explicar a significação do resto. É assim o prêmio do Céu. É


como se a criancinha de 3 anos que escreveu a carta, com sua Mamãe a sustentar
por cima a sua mãozinha, ainda recebesse um belo prêmio pela carta enviada,
que de um certo modo é também obra sua. Afinal algum merecimento teve,
porque não emperrou e se prontificou a colaborar.

Compreenderam agora os nossos prezados amigos protestantes? É por isto que


S. Paulo, depois de dizer que o estipêndio, o salário, o preço do pecado é a
morte, quando nós esperávamos que ele dissesse que, por sua vez, o prêmio, o
estipêndio, a recompensa da virtude é a vida eterna, termina a frase de uma
maneira imprevista; ele nos diz que a graça, o dom gratuito de Deus é a vida
eterna em Nosso Senhor Jesus Cristo: O estipêndio do pecado é a morte; mas A
GRAÇA DE DEUS é a vida perdurável em Nosso Senhor Jesus Cristo (Romanos VI-
23).

A vida eterna, o prêmio do Céu, que está acima da nossa natureza, é uma dádiva
que Deus oferece àquele que estava submerso no pecado e que passa, pela
misericórdia divina, a revestir-se da graça santificante, gozando da amizade de
Deus. E já é vida eterna esta graça que habita no coração do homem, mas a vida
eterna que precisa ainda ser mantida pela fidelidade, pela cooperação deste
mesmo homem.
Por maior que seja a nossa cooperação, se bem consideramos toda a história da
salvação de uma alma, desde o começo até o fim, em última análise o prêmio do
Céu é sempre um benefício de Deus, pois Ele nos ajudou em toda a altura.

O fato de dizermos que as nossa obras influem na salvação não nos impede de
considerar a salvação um dom de Deus, dom que Ele misericordiosamente
oferece a todos; nem tira o valor do sacrifício oferecido por Jesus Cristo na cruz,
pois daí é que nos vieram os meios, que nunca teríamos, de nos elevarmos acima
de nós mesmos, a fim de conquistar o Céu. Toda a graça que os homens
recebem, desde a queda de Adão até hoje, é graça de Cristo adquirida pelo seu
sangue no Calvário; e por isto toda a glória dos salvos, dos santos, dos eleitos
reverte em louvor e glória do próprio Cristo, o qual se fez para nós sabedoria e
justiça e santificação e redenção (1ª Coríntios I-30) e sem o qual nada
poderíamos fazer.

E o fato de termos que dizer, em vista do nosso nada, da nossa insuficiência:


Somos uns servos inúteis (Lucas XVII-10) não impede a Deus de nos oferecer a
sua coroa de justiça: Bem está, servo BOM e FIEL; já que foste fiel nas coisas
pequenas, dar-te-ei a intendência das grandes; ENTRA NO GOZO DE TEU SENHOR
(Mateus XXV-23).
Capítulo Oitavo
O equilíbrio da doutrina santificadora
Os três elementos.

137. Desde o começo deste livro vem sendo focalizado, à luz dos textos
bíblicos, o problema da nossa salvação eterna e por isso vem tendo o leitor sob
suas vistas muitas e muitas passagens das Sagradas Letras. Agora, se quiser
sinceramente chegar a uma conclusão ditada pela VISÃO EM CONJUNTO de todos
esses ensinos da palavra de Deus, tem que concordar numa coisa: tem razão a
Igreja Católica, quando ensina que a FÉ, a GRAÇA DE DEUS e as nossas OBRAS são
três elementos indispensáveis para a nossa salvação.

A Igreja conta 20 séculos de existência e já tem lutado com heresias múltiplas e


diversas; já está bem acostumada a ver como a tendência dos hereges é ter uma
VISÃO PARCIAL do assunto, dar importância a um elemento e não a outro, e assim
muitas vezes querer fazer a salvação mais fácil do que é na realidade, tendência
que não é de estranhar naqueles que querem interpretar a seu modo os
ensinamentos do Evangelho.
A Fé
Necessidade da fé.

138. A fé é necessária, como se vê por todos aqueles textos em que Jesus nos
mostra que quem crê nEle se salva, quem não crê condena-se.

Jesus não é apenas um filósofo que nos tenha vindo ensinar a sua doutrina
sublime. É muito mais do que isto: é o próprio Filho de Deus, igual ao Pai;
nenhuma de suas palavras pode ser rejeitada, nem torcida no seu sentido, nem
relegada ao esquecimento. Por isto erram aqueles que, como os espiritistas em
geral, dão muito realce à doutrina de caridade e de amor ao próximo que Jesus
nos apresenta (no que fazem muito bem), mas não dão nenhuma importância à
fé, começando logo por negar a divindade de Cristo (no que fazem muito mal).
Nisto há um contrassenso, porque a fé é a base de toda a virtude cristã, e o amor
do próximo que não nasce da verdadeira fé, pode chamar-se filantropia, mas não
é a verdadeira caridade.

E nesta luta contra as heresias é interessante observar que até aos próprios
protestantes que falam tanto em fé e que pretendem resumir só na fé a nossa
contribuição para a salvação eterna, a eles próprios, nós, católicos, somos
obrigados a lembrar: que A FÉ É NECESSÁRIA PARA A SALVAÇÃO. Porque os
protestantes adulteram a noção de fé: fazem dela apenas uma convicção cega de
que já estão salvos pela morte de Cristo, quando, como provamos, a fé é aceitar
toda a doutrina do Mestre. Diante das inúmeras divergências (e sobre pontos da
maior importância) que há no Protestantismo, chega-se a conclusão de que entre
os “evangélicos” a fé não consiste em aceitar a doutrina de Jesus; consiste em
DISCUTIR sobre esta doutrina, como se discute sobre questões de história, filosofia
ou literatura. E, enquanto a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo é quem ensina a
seus adeptos a legítima doutrina, pois tem autoridade para isto, uma vez que é a
coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15), no Protestantismo, desde o
princípio, tem sido o contrário: são os fiéis que ensinam a doutrina às Igrejas,
pois são os adeptos mais atilados, mais sabichões que discordam de suas
comunidades e vão fundando outras Igrejas, às quais passam a indicar o que elas
devem crer. E assim sucessivamente. Por isto é que as seitas são tão numerosas e
tão variadas.
A crença vem do coração.

139. Mas me dirão os protestantes:


— O Senhor está enganado. Há, de fato, divergências entre nós. Mas não
negamos que se deve CRER em tudo o que Jesus ensinou e a prova é que vivemos
a citar as palavras da Bíblia. Apenas ensinamos que a fé que salva não é mera
credulidade. Não é um ato da inteligência, porque, se fosse assim, seriam os
sábios, seriam os mais inteligentes que mais poderiam ter fé. A fé que salva é
aquela que parte do âmago do nosso coração. É a CONFIANÇA em nosso Salvador
Jesus Cristo e no seu Sacrifício Redentor.

— Eis aí precisamente o erro de Vocês. Querem salientar, como condição para


nos salvarmos, o papel o papel da CONFIANÇA que é apenas uma consequência da
nossa fé, no sentido de CRENÇA, e procuram obscurecer, relegar para um plano
secundário o valor desta mesma CRENÇA. Por isto, Vocês se esforçam por
desfigurá-la primeiro, para poder desprezá-la.

Quem lhes disse que a nossa CRENÇA em Jesus Cristo, na Bíblia e nos seus
ensinamentos é MERA CREDULIDADE? Credulidade é acreditar numa coisa sem o
mínimo de fundamento, é dar alguém crédito a uma afirmativa, por ingenuidade,
por ser tolo demais. A nossa crença em Deus, em Jesus, no seu Evangelho não é
desta natureza, e sim baseada nos mais sólidos argumentos capazes de convencer
a razão mais exigente. Crer na veracidade dos Evangelhos não é mera
credulidade é crer num fato que nos é provado com todo o rigor de uma
demonstração histórica.

Daí, porém, não se segue que a fé seja um ato puramente da inteligência: tanto
pode ter uma FÉ PROFUNDA o mais sábio, o mais erudito dos teólogos, como o
mais rude camponês. E são precisamente os simples, os rudes e os pequeninos
que se mostram mais esclarecidos na FÉ, do que os sabichões, do que os
intelectuais, o que não impede que estes possam ter também a sua crença:
Graças te dou, Pai, Senhor do Céu e da terra, porque escondeste estas coisas
aos sábios e entendidos, e as REVELASTE AOS PEQUENINOS. Sim, porque assim foi do
teu agrado (Lucas X-21).

Não é pelo simples fato de se empregar, por vezes, uma palavra mais difícil, de
se chamar a FÉ = CRENÇA no conceito dos católicos com o nome de FÉ
INTELECTUAL, e a FÉ = CONFIANÇA no conceito dos protestantes com o nome de FÉ
FIDUCIAL, que a CRENÇA se torna um ato só para intelectuais.

A fé é um ato da inteligência que ACREDITA na palavra de Deus, sendo movida


pela VONTADE que se dispõe a crer, e ajudada desde o início pela GRAÇA DIVINA.

Se ela também procede da vontade, é porque tem as suas raízes profundas no


coração humano.

Diante de textos como este: O que crê no Filho tem a vida eterna (João III-36) e
alguns outros, os protestantes ainda poderão teimar, querendo fazer prevalecer a
sua hipótese sem fundamento, de que aí não se trata de CRENÇA e sim de uma
cega CONFIANÇA.

Mas nada melhor para compreender um texto da Escritura do que compará-lo


com outro.

E podemos apresentar-lhes um texto que não só prova que a fé que encaminha o


homem para a salvação é a crença (sendo, portanto a confiança já uma
consequência desta crença, pois da fé nasce a esperança), mas também que esta
crença procede do CORAÇÃO humano, onde tem as suas raízes: Se confessares
com a tua boca ao Senhor Jesus e CRERES NO TEU CORAÇÃO que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, SERÁS SALVO. Porque COM O CORAÇÃO SE CRÊ para alcançar a
justiça; mas com a boca se faz a confissão para conseguir a salvação (Romanos
X-9 e 10).

Primeiro que tudo, ninguém pode daí deduzir que basta crer que Jesus
Ressuscitou dentre os mortos para só por isto ser salvo. Neste caso cairia
também toda a doutrina, tanto católica, como protestante, de que é preciso crer
que Jesus é o nosso salvador. Mas é este o sistema da Bíblia: ensina-nos a
verdade parceladamente, pedacinho por pedacinho. S. Paulo não vai aí nesta
simples frase expor minuciosamente todos os artigos de fé; seria escrever um
livro e não uma frase. Apresentar dez ou vinte artigos, mas no final das contas,
não apresentá-los todos, seria pior ainda do que apresentar um só. Por isto tomou
como exemplo a Ressurreição, que é um ponto básico para a DEMONSTRAÇÃO de
todas as outras verdades da fé: Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé (1ª
Coríntios XV-17). S. Paulo, é claro, não podia fazer uma redução naquilo que
devemos crer, quando o mesmo Cristo que disse aos Apóstolos, no dia em que os
enviou a pregar: Ide, pois, e ensinai todas as gentes (...) ensinando-as a observar
TODAS AS COISAS que vos tenho mandado (Mateus XXVIII-19 e 20), disse-lhe,
também: pregai o Evangelho a toda a criatura. O que crer e for batizado será
salvo; o que, porém, não crer será condenado (Marcos XVI-15 e 16).

Esclarecido isto, para que os protestantes não queiram tirar daí conclusões
absurdas, como FAZEM MUITOS, o que se deduz claramente da frase é que a fé
salvadora é a crença, e a crença nasce no nosso coração.

Também aos discípulos de Emaús que não ACREDITAVAM que Cristo havia
ressuscitado, Nosso Senhor lhes diz: ó estultos e TARDOS DE CORAÇÃO para CRER
tudo o que anunciaram os profetas! (Lucas XXIV-25). Tratava-se de DAR
CRÉDITO às profecias e ficar certos da ressurreição do Mestre; mas o coração dele
era duro e ronceiro demais para chegarem até a convicção de que Jesus havia de
fato ressuscitado.

E a prova de que a fé se processa na inteligência, mas nasce do coração, nós a


temos nos judeus do tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo: mesmo depois de
tantos milagres, mesmo depois da própria ressurreição do mestre, NÃO
ACREDITARAM. É que o seu coração estava endurecido e cheio de maldade.

Não faltam hereges nos dias de hoje que, apesar de se dizerem cristãos, ainda
mesmo que tivessem presenciado, se fora possível, todos os milagres de Lurdes e
Fátima, verificados desde o principio até os nossos dias, mesmo assim NÃO
ACREDITARIAM na Igreja Católica, tal é o ódio, a má vontade, a obstinação, a
teimosia que anda lá pelo seu coração.

O que é fato, portanto, é que o ponto de partida para a salvação é o ato pelo qual
o homem se dispõe, com a graça de Deus, a ACREDITAR tudo o que o Divino
Mestre ensinou e que Ele depois encarregou a sua Igreja de transmitir a todos os
povos.

Como é perigoso menosprezar a crença!

140. Mas os protestantes, pondo a CRENÇA em segundo plano e reduzindo a fé


salvadora apenas à CONFIANÇA de que Jesus nos salva, chegam a uma incrível
situação de balbúrdia e de anarquia.

Mesmo quando torcem miseravelmente, ridiculamente os mais claros textos da


Mesmo quando torcem miseravelmente, ridiculamente os mais claros textos da
Bíblia, já não sentem remorso de injuriar assim a palavra de Deus; acham que
não perdem com isto o direito à recompensa do Céu: eles têm a confiança de que
se salvam, e é quanto basta...

Além disto, são muitos os protestantes que se mostram ou fingem mostrar-se


satisfeitos com esta confusão tremenda de doutrinas, as mais diversas, que se
nota no seio da Reforma e que dizem que assim mesmo está certo: a palavra de
Deus deve ser sujeita à discussão e cada um se manifesta sobre ela de acordo
com o seu modo de ver pessoal.

Na América do Norte e na velha Europa, onde a árvore do Protestantismo já


amadureceu bastante para produzir seus verdadeiros frutos, são muitos os
protestantes que foram progredindo de negação em negação, até rejeitarem não
só a divindade, mas até a infalibilidade do próprio Cristo e a divina autoridade
das Escrituras. Com a Bíblia na mão, mas ao mesmo tempo depositando na razão
humana uma confiança ilimitada no interpretá-la, o Protestantismo leva
naturalmente ao Racionalismo.

Tudo isto tem sido resultado deste erro de falsear a noção de fé salvadora.

Não é isto o que quer o Divino Mestre; quer que os homens se santifiquem, mas
se santifiquem NA VERDADE, só podendo haver verdade, onde existe a unidade da
fé: SANTIFICA-OS NA VERDADE. A tua palavra é a verdade. Assim como tu me
enviaste ao mundo, também eu os enviarei ao mundo. E eu me santifico a mim
mesmo por eles, para que também eles sejam SANTIFICADOS NA VERDADE. E eu não
rogo somente por eles, mas rogo também por aqueles que hão de crer em mim
por meio da sua palavra; para que ELES SEJAM TODOS UM, como tu, Pai, o és em
mim e eu em ti (João XVII-17 a 21).

E é aí que nós percebemos claramente a legitimidade, a firmeza da Igreja,


sempre zelosa e intransigente em conservar o DEPÓSITO (2ª Timóteo I-14) da fé,
guiada nisto pelo Divino Espírito Santo, mostrando-se inabalável em sustentar
todas as verdades, todos os dogmas que ela vem ensinando desde o tempo dos
Apóstolos e sem admitir os quais não pode haver salvação.
A Graça
Necessidade da graça.

141. Firmada em vários textos bíblicos, os quais podem resumir-se nesta palavra
de Jesus: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5), a Igreja nos ensina a
necessidade da GRAÇA para a salvação. Necessidade absoluta, porque ninguém
pode entrar no Céu sem a graça santificante; é preciso possuir a vida
sobrenatural da GRAÇA, para entrar na VIDA sobrenatural da GLÓRIA CELESTE. E para
praticar a virtude, é necessária a ajuda constante da GRAÇA ATUAL, a qual Deus
sempre nos oferece, porque quer salvar a todos.

A ninguém, que esteja de boa fé, é negada a possibilidade de conseguir a graça


santificante: embora sejam os sacramentos do Batismo e da Penitência os meios
ordinários para adquiri-la ou recuperá-la, até os próprios pagãos que nunca
tiveram conhecimento de Cristo, dela podem ser revestidos, desde que, crendo
em Deus Remunerador, tenham também as disposições necessárias para recebê-
la. E para conseguirem ou conservarem esta GRAÇA SANTIFICANTE, Deus lhes dá
também a GRAÇA ATUAL suficiente, pois Deus quer a salvação de todos, de
ninguém exigindo o que é impossível. Não há, portanto, no ensino da Igreja,
nenhum vestígio da revoltante doutrina de que Deus predestina certas almas para
o inferno, doutrina esta que é ensinada por muitos protestantes.

E sobre este assunto da influência da graça na salvação, nós, católicos, que


contra os protestantes sustentamos a necessidade da fé, no legítimo sentido da
palavra, nós que sustentamos a necessidade das nossas obras, que uns têm
negado de fato e abertamente, e outros apenas fingem negar, nós temos ainda
que defender contra MUITOS PROTESTANTES a necessidade da graça, que, antes de
tudo, é um DOM SOBRENATURAL. Já dissemos que, no 5º século, a Igreja teve que
condenar a heresia dos pelagianos, os quais afirmam poder o homem salvar-se
por suas próprias forças naturais, sem o auxílio sobrenatural da graça. Pois bem,
muitos protestantes, indo ao extremo oposto com relação aos demais, têm
renovado lamentavelmente o erro de Pelágio. São os Socinianos, Unitários e
Protestantes Liberais que usam este nome GRAÇA, mas adulteram de tal forma a
sua noção, que na realidade a negam por completo. São protestantes que negam
a divindade de Cristo, considerando-O como um simples homem. Para eles a
graça consiste apenas em Cristo nos instruir com sua doutrina sublime e nos
confortar com seu maravilhoso exemplo. Deste modo, na doutrina deles, a graça
deixa de ser um dom sobrenatural, uma força interior, para ser apenas um
estímulo externo que tanto vem de Cristo como poderia vir de outro homem
qualquer que nos ensinasse uma bela doutrina e nos edificasse com um notável
exemplo de virtude.

Quantos estragos tem feito o livre exame na doutrina do Evangelho!


As Obras
A fé sem obras é morta.

142. A necessidade das nossas obras para a salvação é tão lógica e tão evidente,
que os próprios protestantes que os próprios protestantes tiveram que retroceder
neste ponto. A doutrina de salvação só pela fé, que pregaram os Primeiros
Reformadores, era tão perigosa e subversiva, que para cristãos logo se mostrou
insustentável. Aquilo já não era Cristianismo, era a confiança cega de que Jesus
tudo perdoa conduzindo logicamente o homem ao mais desenfreado
materialismo.

Quando viram os protestantes a devastação tremenda que essas ideias produziam


no seio do povo, com a propaganda do desprezo pelas boas obras como meio
para obter a salvação, perceberam claramente que não era possível prosseguir
com tais ensinos.

Mas toda a sua tática tem consistido em recuar até a doutrina católica nesta
matéria, mas recuar conservando mais ou menos a mesma linguagem que
usavam antigamente, recuar sem querer que se perceba que estão recuando.

Já vimos que a antiga fórmula: só a FÉ é necessária para a salvação foi


substituída pela outra: só a FÉ E O ARREPENDIMENTO são necessários para a
salvação.

Entrando neste terreno, exigindo agora o arrependimento como indispensável


para a conquista da vida eterna, entraram na doutrina católica da necessidade das
obras para a salvação. Já tivemos ocasião de demonstrá-lo (nº 54).

Quaisquer fórmulas que inventem dentro deste novo sistema, por mais manhosas
que elas sejam, mostram desde logo, depois de um pouco de reflexão, que são
fórmulas católicas disfarçadas com a máscara de protestantes. Exigir
ARREPENDIMENTO é exigir as OBRAS para a salvação; não há para onde correr.

Vejamos, por exemplo, este modo de argumentar:

— Os católicos afirmam que o homem se salva pela FÉ COM AS OBRAS, ajudados


pela GRAÇA DE DEUS. Nós, protestantes, achamos que esta doutrina está errada. O
que salva o homem é só a fé, e não as obras. O que acontece é que a fé é
manifestada pelas obras. Aquele que peca, que não ama a Deus, que não faz o
bem que devia fazer está mostrando que NÃO TEM FÉ. Portanto, é só a fé que
salva.

— Ouçam, caros amigos. Dois indivíduos estavam discutindo: um deles possuía


um automóvel e garantia que o seu carro podia andar sem gasolina. O outro
apostava que não. Mas acontece que, aproveitando um descuido de seu
antagonista, o primeiro colocou a gasolina no seu automóvel e o fez andar.
Ganhou a aposta? Provou que tinha razão? Absolutamente não; porque o outro,
como é natural, podia muito bem proceder à verificação no automóvel e,
certificando-se de que este agora estava COM GASOLINA, podia muito bem
desmascarar o seu opositor.

É o que se dá entre nós.

Como começou o Protestantismo? Afirmando que a FÉ salva sem as obras e


dizendo que esta fé consiste apenas em aceitar Jesus como nosso ÚNICO E
SUFICIENTE SALVADOR, COMO NOSSO SALVADOR PESSOAL. É a confiança de que Jesus
nos salva, isto independentemente de obras, de arrependimento da nossa parte.

Já fizemos a refutação desta doutrina. Mostramos com muitos textos da Bíblia


(nº 65 a 69) que esta noção de fé não é exata, que fé é ACREDITAR nas verdades
eternas, ACREDITAR na palavra de Deus. Fizemos ver que esta fé é o PONTO DE
PARTIDA para a salvação, porque a aceitação da doutrina de Jesus inclui
necessariamente a aceitação de SUA MORAL, o reconhecimento dos DEVERES
impostos por Cristo e que, portanto, a fé que salva é a fé coerente, a fé que não
entra em contradição com as obras, a fé que não está morta, mas OPERA PELA
CARIDADE (Gálatas V-6), sendo a caridade o amor de Deus sobre todas as coisas e
amor ao próximo como a nós mesmos. Mostramos que se trata de uma promessa
de vida eterna, e se Deus promete o Céu àquele que tem fé, é esta mesma fé que
o leva a aceitar na própria Bíblia as condições em que esta promessa será
cumprida (nº 80 a 84): sem praticar a virtude, sem observar os mandamentos,
sem receber os sacramentos que Cristo instituiu para a nossa salvação, esta não
pode ser alcançada.

Em todo este sistema de argumentação, estávamos considerando a FÉ como uma


virtude especial, distinta das demais virtudes, como distinta das nossas obras, do
nosso modo de proceder. Acaso estávamos errados em considerá-la assim? Não
é a própria Bíblia que distingue a fé das outras virtudes, quando nos diz: Agora,
pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três virtudes; porém a
maior delas é a caridade (1ª Coríntios XIII-13)? Não é o próprio S. Paulo que
nos diz: Se tiver toda a fé, até o ponto de transportar montes E NÃO TIVER
CARIDADE, não sou nada (1ª Coríntios XIII-2)? Não é a própria Bíblia que nos diz
que também os demônios CREEM (Tiago II-19)?

É, portanto, neste sentido, considerando a fé como uma virtude distinta das


outras, que nós dizemos que a fé sozinha não pode salvar, ela não salva sem as
obras, as quais também são necessárias; e dizemos isto, apoiados no ensino
claríssimo da Bíblia: não vedes como PELAS OBRAS É JUSTIFICADO O HOMEM, E NÃO
PELA FÉ SOMENTE? (Tiago II-24). Aqui não há meio de subterfúgio: S. Tiago não
diz que o homem é salvo pela fé, mas esta só se pode conhecer nas obras etc.
etc., como Vocês estão dizendo; mas que o homem é salvo PELAS OBRAS, e não
somente pela fé.

Ora, que acontece com quem quer discutir e argumentar com CLAREZA E COM
LEALDADE, porque quer realmente defender a VERDADE ou chegar ao conhecimento
dela? Quem é sincero na argumentação procura, antes de tudo, explicar, de modo
que não deixe margem para nenhuma dúvida, em que sentido está tomando as
palavras que emprega na sua exposição. A questão é sobre a FÉ, não é assim? A
obrigação de quem vai sustentar uma tese sobre a fé, é dizer bem claramente o
que é que entende por esta palavra FÉ.

Ora, quando perguntamos a Vocês o que é que entendem por fé, Vocês recorrem
àquele velho conceito dos primeiros tempos do Protestantismo: FÉ É ACEITAR A
JESUS CRISTO COMO NOSSO ÚNICO E SUFICIENTE SALVADOR, COMO NOSSO SALVADOR
PESSOAL.

Agora perguntamos: a fé tomada neste sentido ESTÁ INCLUINDO A OBEDIÊNCIA À LEI


DE DEUS? ESTÁ INCLUINDO A BOAS OBRAS, OS ATOS DAS DEMAIS VIRTUDES?

Não, não está. A fé aí está reduzida apenas a confiança que tenho em que Jesus
salva.

Esta definição não exclui o pecado. A prova é que de acordo com esta noção de
fé os Primeiros Reformadores ensinavam que o pecador se salva sem
fé os Primeiros Reformadores ensinavam que o pecador se salva sem
arrependimento. “Sê pecador e peca fortemente, mas confia e rejubila-te mais
fortemente ainda no Cristo vencedor do pecado, da morte e do mundo”, dizia
Lutero na sua carta a Melanchton, em 1521, este mesmo Lutero que dizia que “a
contrição que se prepara pelo exame e recapitulação e detestação dos pecados,
pelos quais alguém relembra os seus anos na amargura de sua alma, ponderando
a gravidade, multidão e fealdade dos pecados, a perda da eterna felicidade e
aquisição da condenação eterna, esta contrição faz hipócrita o homem e até mais
pecador” (Lutero. Edição Weimar VII-13).

Esta definição de maneira alguma supõe que a fé se manifesta pelas obras. Pois,
em que sentido se toma aí a expressão: Jesus é o nosso Único e Suficiente
Salvador? Não no reto sentido de que o resgate foi feito por Jesus e só Ele o
podia fazer, e o fez da maneira mais completa e satisfatória para nos alcançar e
merecer a graça. Mas é empregada maliciosamente no sentido de que, tendo
Cristo feito tudo por nós, o homem não precisa fazer mais nada; não lhe resta,
portanto, salvar-se a si mesmo pela prática da virtude, pois só Cristo é quem nos
salva sem a nossa cooperação. Ou, em outros termos, a cooperação do homem
consiste apenas em CONFIAR. Confiando, a salvação lhe é dada de graça.

Seria, por conseguinte, um contrassenso, uma verdadeira contradição, que o


homem, a fim de DEMONSTRAR que Cristo é o seu Único e Suficiente Salvador,
neste mal sentido da expressão, tivesse agora que esforçar-se, obedecendo à lei
divina, praticando atos de virtude etc. assim estaria procurando salvar-se a si
mesmo, para demonstrar que não se salva a si mesmo, que Jesus é o seu Único e
Suficiente Salvador.

Agora acontece que, enquanto Vocês, protestantes, continuam a sustentar esta


mesma definição — Crer é aceitar a Jesus como nosso Único e Suficiente
Salvador, como nosso Salvador Pessoal — quando a gente menos espera,
surgem Vocês mesmos dizendo que a fé se manifesta pelas OBRAS, que aquele
que peca, que não ama a Deus, que não faz o bem que devia fazer está
mostrando que NÃO TEM FÉ.

Isto quer dizer que de repente passaram a tomar a palavra fé noutro sentido bem
diferente. Fazem como o homem que às escondidas meteu gasolina no
automóvel.
Bem, fé neste sentido de que todo aquele que peca está mostrando que não tem
fé, quer dizer adesão total a Cristo, COM INTEIRA OBEDIÊNCIA A TUDO QUANTO CRISTO
ENSINOU. É não só na nossa mente, mas também no nosso modo de agir, a
aceitação de Cristo, não só como Salvador, mas também como nosso Mestre,
nosso Legislador e como o Rei que domina toda a nossa vida.

Se é neste sentido que Vocês querem tomar a palavra FÉ, então nós, católicos,
não temos nenhum receio ou dúvida em dizer que BASTA A FÉ para a salvação,
porque não BRIGAMOS POR MERAS QUESTÕES DE PALAVRAS; o que no interessa são as
realidades da vida cristã. Mas há uma coisa: aí já não se trata de FÉ SEM AS OBRAS,
trata-se de FÉ COM AS OBRAS, porque as obras já estão incluídas neste conceito de
fé. Trata-se de fé com A OBSERVÂNCIA DOS MANDAMENTOS DE CRISTO.

Fica, sempre, de pé que a fé sem as obras não salva, porque a fé sem as obras é
morta (Tiago II-26).

A salvação depende das obras.

143. Dirão, porém, os protestantes:


— Não nos revoltamos contra os católicos, quando dizem que o homem não
pode salvar-se sem obedecer aos mandamentos de Cristo, que o são também de
Deus. Não concordamos é com o dizerem que a salvação DEPENDE DAS NOSSAS
OBRAS. Ora, isto é o mesmo que dizer que nós nos salvamos a nós mesmos,
quando nosso Único Salvador é Jesus Cristo.

— Dizemos que a salvação depende de nossas obras. E onde está o erro ou a


heresia desta afirmação? Não estamos afirmando com isto que ela depende
SOMENTE de nossas obras, mas sim que ela depende TAMBÉM de nossas obras.
Sabemos muito bem que sem a graça de Cristo não nos podemos salvar, mas a
graça de Cristo não nos salva sem a nossa cooperação. A salvação depende de
uma coisa e de outra.

Toda a repugnância de Vocês em aceitar esta ideia baseava-se principalmente


naqueles dois textos de S. Paulo: O homem é justificado pela fé sem as obras da
lei (Romanos III-28) e no outro da Epístola aos Efésios: Pela graça é que sois
salvos mediante a fé, e isto não vem de vós, porque é um dom de Deus, não vem
das nossas obras (Efésios II-8 e 9). Já explicamos convenientemente esses textos
(capítulo 6º e nº 133). Desde que Vocês agora sabem que o primeiro exprime
apenas que para nos salvar, não estamos mais obrigados a obedecer à lei de
Moisés, como estavam os Judeus antes de Cristo; e o segundo, que a graça da
conversão ao Cristianismo, que foi a chave da salvação, não foi concedida por
causa de obras que tivessem sido feitas anteriormente a ela, não há mais motivo
para tanta repugnância a esta proposição: A SALVAÇÃO DEPENDE TAMBÉM DAS
NOSSAS OBRAS.

Quando um homem perguntou a Nosso Senhor o que devia fazer para obter a
vida eterna, que foi que o Senhor lhe respondeu? Se tu queres entrar na vida,
GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17). Eis aí claramente a salvação
DEPENDENDO DAS OBRAS.

Quando Nosso Senhor diz: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos
está preparado desde o princípio do mundo, PORQUE tive fome e destes-me de
comer etc. etc. Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno... PORQUE tive
fome e não me deste de comer etc. etc. (Mateus XXV-34 e 35, 41e 42) que está
dizendo Nosso Senhor, senão que a salvação ou a condenação DEPENDEM da nossa
caridade ou falta de caridade?

Quando Nosso Senhor diz: Pelas tuas palavras serás justificado e pelas tuas
palavras serás condenado (Mateus XII-37), que nos está dizendo, senão que
tenhamos cuidado com as nossas palavras, porque do nosso modo de falar
DEPENDE a nossa salvação ou a nossa condenação?

Não nos podemos salvar sem o perdão, a misericórdia, a benignidade de Deus.


Quando Nosso Senhor diz: Perdoais e sereis perdoados (Lucas VI-37), bem-
aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia (Mateus
V-7), não julgueis e não sereis julgados (Lucas VI-37), que nos está ensinando
senão que do nosso perdão e benignidade para como próximo DEPENDE a
misericórdia com que o Senhor nos há de julgar?

É a própria Bíblia, Palavra de Deus Eterna e Infalível, portanto, a nos ensinar


que a salvação TAMBÉM DEPENDE DAS NOSSAS OBRAS.

Quanto à expressão: SALVAR-SE O HOMEM A SI MESMO, pode ser errônea ou pode ser
admissível, de acordo com o sentido em que seja ela empregada. Se dizemos que
o homem salva a si mesmo, no sentido de que ele o faz sozinho, por seu próprio
esforço e boa vontade, independentemente da graça de Deus, que Cristo nos
mereceu na cruz, seria um erro desde o começo condenado pela Igreja: o
pelagianismo.

Mas o próprio Protestantismo reconhece que existe, na nossa salvação, a parte de


Deus e a nossa. Temos que cooperar com a graça, sem isto não nos salvamos,
pois Cristo não nos salva violentando a nossa liberdade, nós cooperamos
livremente. Se cooperamos com a graça, estamos salvando a nós mesmos. Se
não cooperamos, é a nós mesmos que estamos condenando, a condenação será
por nossa culpa. Mas o protestante só se convence se ler na Bíblia empregada
esta expressão: SALVAR-SE O HOMEM A SI MESMO. Neste caso, leia o trecho da 1ª
Epístola de S. Paulo a Timóteo: OLHA POR TI e pela instrução dos outros,
PERSEVERA nestas coisas, porque, fazendo isto, TE SALVARÁS tanto A TI MESMO, como
aos que te ouvem (1ª Timóteo IV-16).

É inútil querer iludir os mais rudes, apelando para o texto grego, porque aí é o
verbo SÓZO, o mesmo verbo grego que S. Paulo emprega, quando diz que Jesus
pode SALVAR perpetuamente aqueles que por Ele mesmo se chegam a Deus
(Hebreus VII-25), que se lê nas palavras do Anjo, quando anunciou a Maria,
referindo-se a Jesus: Ele SALVARÁ o seu povo dos pecados deles (Mateus I-21) ou,
se não quisermos sair desta mesma 1ª Epístola a Timóteo, é o mesmo que o
Apóstolo das Gentes empregou no 1º capítulo: Jesus Cristo veio a este mundo
para SALVAR os pecadores, dos quais o primeiro sou eu (1ª Timóteo I-15). É o
verbo empregado frequentemente no Novo Testamento para exprimir a salvação
eterna.

Se quisermos outro exemplo do mesmo Apóstolo S. Paulo, vejamos este: OBRAI A


VOSSA SALVAÇÃO com receio e com tremor (Filipenses II-12). Ferreira de Almeida
diz, num português mais moderno: OPERAI a vossa salvação com temor e tremor
(Filipenses II-12). E a versão da Sociedade Bíblica do Brasil: EFETUAI a vossa
salvação com temor e tremor (Filipenses II-12).

Outra vez dizemos: Não adianta querer impressionar os incautos com


despropositadas alusões ao texto grego, porque na frase OBRAI a vossa salvação,
o verbo OBRAR corresponde ao verbo grego: KATERGÁZOMAI.

Vejamos o dicionário de Bailly:


KATERGÁZOMAI = executar, efetuar, cumprir, acabar, procurar para si, obter,
elaborar, trabalhar.

Ainda mesmo que se quisesse escolher a significação ACABAR, não se alteraria o


sentido: cabe-nos ACABAR a obra que Deus começou, mas que Ele não quer
realizar sem nós. O fato de S. Paulo referir-se logo em seguida à ação de Deus na
salvação de nossa alma: Deus é o que obra em vós o querer e o perfazer,
segundo o seu beneplácito (Filipenses II-13) não exclui a nossa parte no obter da
salvação, exprime apenas que nada podemos querer, nada podemos fazer sem o
auxílio, a moção de Deus, a nossa ação é entrelaçada com a ação divina.

Nas seguintes frases: eu não aprovo o que FAÇO (Romanos VII-15) o querer bem
eu o acho em mim, mas não acho o meio de o FAZER perfeitamente (Romanos
VII-18) a ira do homem não CUMPRE a justiça de Deus (Tiago I-20) o que aqui é
para nós duma tribulação momentânea e ligeira, PRODUZ em nós... um peso
eterno de glória (2ª Coríntios IV-17), os verbos FAZER, CUMPRIR e PRODUZIR
correspondem no grego ao mesmo verbo KATERGÁZOMAI.

Os dois textos, em que vemos expressa na Bíblia a ideia de que Jesus é o ÚNICO
SALVADOR, não excluem absolutamente a outra ideia de que, uma vez recebidos
de Cristo os meios INDISPENSÁVEIS para a salvação e suposto que sem Cristo a
salvação não pode ser realizada, o homem, como criatura livre que é, tenha, por
sua vez, que salva-se a si mesmo.

Para usarmos uma comparação: o náufrago que só encontrou UM HOMEM capaz de


lhe fornecer embarcação e bússola e mantimentos tem neste homem o seu único
Salvador, embora precise salvar-se a si mesmo, guiando a embarcação para
chegar em terra.

Um dos textos é o dos Atos: não há salvação em nenhum outro, PORQUE do céu
abaixo NENHUM OUTRO NOME FOI DADO aos homens PELO QUAL nós devamos ser
salvos (Atos IV-12). O homem que foi batizado em nome de Jesus, que recebeu
o perdão de seus pecados em nome de Jesus, e que em nome de Jesus vai
recebendo a graça, em virtude dos merecimentos infinitos do Redentor, uma vez
que o Batismo, o perdão dos pecados e a graça são necessários para a salvação, é
claro que é em nome de Jesus que está sendo salvo. Mas isto não impede que ele,
para salvar-se, TENHA QUE CUMPRIR com os mandamentos (e os cumpre
livremente, portanto tem que salvar-se a si mesmo) e só os pode cumprir ajudado
pela graça de Jesus. Até mesmo, portanto, quando está cooperando com a graça,
a sua salvação está sendo realizada com Jesus, por meio de Jesus, e, portanto, e
nome de Jesus e não em seu próprio nome.

O segundo texto é o de S. Paulo a Timóteo: SÓ HÁ UM MEDIADOR entre Deus e os


homens, que é Jesus Cristo homem (1ª Timóteo II-5). Dizendo que o homem
salva a si mesmo, neste sentido de que tem que cooperar livremente com a graça
NAS SUAS AÇÕES, NO SEU MODO DE PROCEDER, não se está negando absolutamente
que Jesus Cristo foi o Único Mediador que reconciliou os homens com Deus e
que nos alcançou a graça, sem a qual ninguém pode salvar-se.

A gratuidade da salvação.

144. Outro ponto, em que os protestantes ensinam uma doutrina católica, porém
disfarçada com a máscara protestante, é a gratuidade da nossa salvação.

Os Primeiros Reformadores ensinavam que A SALVAÇÃO É DADA DE GRAÇA, neste


sentido de que o HOMEM NÃO PRECISA OBSERVAR OS MANDAMENTOS PARA ALCANÇAR A
SALVAÇÃO. Diziam eles que esta observância dos mandamentos é impossível ao
homem. Ele se salva pela confiança de que Jesus perdoa os seus pecados.

A Igreja Católica não pode admitir que a salvação seja dada DE GRAÇA neste
sentido. Isto é uma doutrina escandalosa, de péssimas consequências e que
destrói a lei de Deus.

Que a salvação do homem seja dada gratuitamente no sentido de que o perdão de


seus pecados, a sua justificação no ponto inicial, isto é, a sua passagem do estado
de pecador afastado de Deus para o estado de justo com a graça santificante seja
dada ao homem gratuitamente por pura benevolência de Deus, porque o homem
nunca poderia merecer este DOM SOBRENATURAL, isto admitimos. Mas que a
salvação seja dada DISPENSANDO o homem de obedecer a Deus pelas suas obras,
isto é que não.

Verificado o seu erro, compreendendo agora que o homem não pode salvar-se
SEM A OBSERVÂNCIA DOS MANDAMENTOS DE CRISTO e querendo ainda continuar
pregando, como pregavam antigamente, que a salvação é dada TODA DE GRAÇA,
que fazem os protestantes? Um arranjo contraditório.

O Artigo 4º da Confissão de Fé dos Batistas em New Hampshire (1833) diz:


O Artigo 4º da Confissão de Fé dos Batistas em New Hampshire (1833) diz:

“Cremos que A SALVAÇÃO de pecadores É INTEIRAMENTE DE GRAÇA”.

E o Artigo 6º:

“Cremos que a salvação é concedida GRATUITAMENTE a todos, segundo o


Evangelho; que é o dever imediato de todos ACEITÁ-LA por meio de uma fé
sincera, ardente e OBEDIENTE”.

Vejamos uma história, para melhor apreciarmos a ironia de desconchavo desta


explicação:

Um homem tinha mil palácios abarrotados de riquezas e tinha mil vizinhos.

Disse a eles: Tenho riquezas fabulosas que chegam para Vocês todos. Cada um
de Vocês vai ter um palácio riquíssimo. E vou dar, a todos e a cada um, este
palácio INTEIRAMENTE DE GRAÇA. Vocês aceitam?

— Aceitamos, sim, responderam todos. Isto é uma verdadeira maravilha. Quem


é que não aceita uma pechincha desta? Um palácio cheio de riquezas e dado
inteiramente de graça!

— Pois bem, meus amigos, diz o homem riquíssimo. Já que Você todos estão
dispostos a aceitar a minha oferta, tenho que explicar uma coisa; tenho que
ensinar-lhes qual é o modo de ACEITÁ-LA. Aceitar não é só abrir a boca e dizer:
Aceitamos. Para aceitar o palácio, Vocês têm que ser sempre SUBMISSOS,
OBEDIENTES à minha vontade por todo o resto da vida, só fazer e dizer o que eu
mandar, mesmo que isto lhes custe sacrifícios. Se não fazem assim, perdem o
direito ao palácio.

Qual é o comentário que naturalmente farão aqueles homens?

— Sim, o Sr. tem todo o direito. Pode dar o palácio sob as condições que quiser.
Mas há uma coisa: se o Sr. exige, em troca do palácio, esta total obediência,
então não diga que o palácio foi dado INTEIRAMENTE DE GRAÇA.

Quando dizem os protestantes que é nosso dever aceitar a salvação e só a


aceitamos “por meio de uma fé sincera, ardente e OBEDIENTE”, estão
reconhecendo a verdade da doutrina católica de que NÃO BASTA A FÉ para a
salvação, é preciso uma FÉ OBEDIENTE; em outros termos, é necessário prestar
obediência a tudo o que Cristo ordenou e prescreveu, a tudo o que nos impõe a
lei de Cristo, a lei de Deus. Aí não é salvação só PELA FÉ; é salvação pela FÉ E
PELAS OBRAS, pois as obras já foram incluídas jeitosamente na fé, por meio desta
palavra OBEDIENTE.

Mas, se ensinam os protestantes esta doutrina que é legítima, então não digam
que a salvação é conseguida inteiramente de graça.

Em que parte da Bíblia viram os protestantes (que dizem só ensinar o que está na
Bíblia) que A SALVAÇÃO, isto é, A NOSSA ENTRADA LÁ NO CÉU nos é dada
INTEIRAMENTE DE GRAÇA?

Será, porventura, este texto: todos PECARAM e necessitam da glória de Deus,


TENDO SIDO JUSTIFICADOS GRATUITAMENTE por sua graça, pela redenção que tem em
Jesus Cristo (Romanos III-23 e 24)?

O que há de mais comum é a mesma palavra na Bíblia tomar aqui e acolá um


sentido diferente; por isto perguntamos: a palavra JUSTIFICADOS aí significa
SALVOS, PRONTOS PARA ENTRAR NO CÉU? Não; porque, se S. Paulo acabara de
descrever o miserável estado moral em que se encontrava a humanidade antes de
Cristo, tanto entre os gentios, como entre os judeus e, para resumir tudo isto, diz
que TODOS PECARAM e logo depois acrescenta que são justificados por meio da
Redenção operada por Jesus Cristo — aí justificados não quer dizer salvos, pois
S. Paulo não quer dizer absolutamente que TODOS os homens estão salvos, nem
muito menos que todos aqueles que pecaram outrora foram para o Céu; S. Paulo
aí se refere à reconciliação COLETIVA da humanidade com Deus, a qual Jesus
Cristo deixou para realizar justamente quando a Humanidade, depois de ter
pecado tanto, mostrou, e bem claro, que de modo algum merecia esta
reconciliação, a qual, portanto, foi realizada generosamente, espontaneamente,
GRATUITAMENTE.

SALVAÇÃO INTEIRAMENTE DE GRAÇA, onde é que está isto na doutrina do


Evangelho?

Que estreita é a porta e que apertado o caminho que guia para a vida e que
poucos são os que acertam com ele! (Mateus VII-14). É esta a salvação dada
INTEIRAMENTE DE GRAÇA?

Se o teu olho te escandaliza, lança-o fora: melhor te é entrar no reino de Deus


sem um olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46).
Isto é oferecer a salvação GRATUITAMENTE a todos?

Filhinhos, quão difícil coisa é entrarem no reino de Deus os que confiam nas
riquezas! Mais fácil é passar um camelo pelo fundo duma agulha do que entrar
no reino de Deus um rico (Marcos X-24 e 25). O que ama o pai e a mãe mais do
que a mim não é digno de mim (Mateus X-37). Se vos não converterdes e vos
não fizerdes como meninos, não haveis de entrar no reino dos Céus (Mateus
XVIII-3). Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita do que a dos escribas
e a dos fariseus, não entrareis no reino dos Céus (Mateus V-20). Chama-se a
isto salvação dada INTEIRAMENTE DE GRAÇA?

Não há motivo para desânimo ou desespero. Se a salvação exige renúncias e


sacrifícios, mais nuns e noutros menos, é também verdade certíssima que Deus,
sendo justo e bom e sábio, não exige de ninguém o impossível: Deus é fiel, o
qual não permitirá que vos sejais tentados mais do que podem as vossas forças
(1ª Coríntios X-13). A cada sacrifício que se exige de nós acompanha também a
graça necessária para levá-lo a efeito e a graça BEM CORRESPONDIDA eleva a
criatura a um poder sobre-humano, como se viu nos mártires, como se tem visto
em todos os santos. E mesmo quando a alma fraqueja e não corresponde bem à
graça divina, ainda resta a misericórdia do Bom Pastor, que corre a buscar a
ovelha perdida até que a ache (Lucas XV-4), ainda nos vale a benignidade do
nosso Salvador que não quebrará a cana rachada, nem apagará a torcida que
ainda fumega (Isaías XLII-3).

E depois de tantas vicissitudes, de tantas provas da divina misericórdia, a visão


beatífica, que está acima da nossa natureza, vem a ser em última análise uma
graça, um benefício de Deus.

Mas pintar a salvação, a conquista do Céu, como sendo dada INTEIRAMENTE DE


GRAÇA, neste sentido de que o homem não precisa também fazer jus a ela pelo
seu próprio ESFORÇO PESSOAL (ajudado, é claro, pela graça divina) — isto é
desvirtuar completamente os ensinos do Evangelho.

O salvo pratica a virtude para ser salvo.


145. Finalmente aparecem os protestantes com esta sutil distinção: O homem
não pratica a virtude, não pratica as boas obras PARA SER SALVO. Mas sim, PORQUE
JÁ ESTÁ SALVO, PRATICA A VIRTUDE E AS BOAS OBRAS. As boas obras são uma
consequência da salvação.

— Não vemos oposição entre uma coisa e outra: O homem pratica a virtude e as
boas obras PORQUE ESTÁ SALVO; e também pratica a virtude e as boas obras PARA
SER SALVO.

— Não estou entendo nada, dirá o leitor. Não parece haver aí uma contradição?

— Contradição nenhuma.

Como já tivemos ocasião de explicar (nº 88), a Bíblia toma a palavra SALVO em
dois sentidos. Às vezes se chama SALVO aquele que ESTÁ NO CAMINHO DA
SALVAÇÃO, porque está com a graça santificante. A criatura que tem a felicidade
de se encontrar em estado de graça, a qualquer instante em que falecer
permanecendo nesta situação, está com a salvação garantida.

Enquanto estamos aqui na terra, esta situação do homem SALVO, ou seja,


HERDEIRO DO CÉU, ainda pode perder-se pelo pecado mortal, por uma razão muito
simples: a alma é livre e sendo tentada, ainda pode pecar gravemente. E o
pecado, quando tiver sido consumado, GERA A MORTE (Tiago I-15).

Mas aquele que morreu em estado de graça, este está SALVO definitivamente, não
pode mais perder este estado de salvação. E é neste sentido que diz a escritura:
Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse é que SERÁ SALVO (Mateus X-22).

Assim, ambas as proposições são verdadeiras. O homem pratica a virtude e as


boas obras, porque ESTÁ SALVO, isto é, porque está na graça santificante, está na
amizade de Deus e por isto tem a caridade, o amor de Deus e do próximo em seu
coração, e eis aí a fonte para todas as boas obras. Além disto, já tivemos ocasião
de explicar (nº 25 e 33) que as nossas obras só TÊM VALOR para o Céu, só são
merecedoras da recompensa, na visão beatífica, se forem feitas em estado de
graça, ou em outras palavras, se forem feitas quando estamos SALVOS.

O homem pratica a virtude e as boas obras para SER SALVO, porque ele sabe muito
bem que só conquistará o Céu, se morrer neste estado de graça. Por isto continua
sempre a praticar a virtude, a fazer as boas obras para se manter neste feliz
estado. Sabe que pode morrer a qualquer momento e quer comparecer diante do
Juiz Supremo, no dia de sua morte, com a veste nupcial da graça, para que possa
ter o direito de ser admitido no banquete celeste.

O protestante toma a palavra SALVO somente no sentido de SALVO


DEFINITIVAMENTE, de herdeiro do Céu que não pode mais por consideração alguma
perder o direito à divina herança. Apresenta também o cristão felicíssimo,
convencidíssimo já nesta vida de que TERÁ O CÉU COM TODA A CERTEZA. E nos vem
dizer que só porque o homem já está salvo, já está com a herança no bolso, é que
pratica a virtude e as boas obras.

Mas isto não convence a ninguém: a ideia de que já está salva com toda a
certeza, sem perigo nenhum de perder-se, não seria para pessoa alguma um
incentivo às renúncias e aos sacrifícios exigidos pela virtude e pelas boas obras.
Muito pelo contrário... porque nós conhecemos muito bem como é a nossa pobre
natureza humana.

Nossos adversários.

146. A esta altura do livro, o leitor que nos vem acompanhando desde o
princípio, já pode fazer uma boa ideia do que é a nossa luta, a luta da Igreja
Católica contra o Protestantismo.

Temos, pela nossa frente, adversários matreiros, que não encaram abertamente a
verdade, que recorrem frequentemente a escapatórias e subterfúgios.

Começou o Protestantismo com uma doutrina de salvação só pela fé, muitíssimo


errada e de péssimas consequências. Após 400 anos de polêmicas com os
católicos e de estudos sobre o assunto, os protestantes vão compreendendo no
confronto dos diversos textos da Bíblia e na observação dos péssimos resultados
que logicamente resultariam de suas teorias, que aquelas doutrinas que se
pretendiam basear em certas passagens da Escritura são claramente refutadas em
outras. Mas conservam-se ainda apegados às mesmas fórmulas antigas, porque
não querem dar o braço a torcer. As Confissões de Fé protestantes se têm
sucedido umas às outras e nunca chegam a um acordo, a uma solução definitiva,
porque a primeira de todas as suas normas tem sido esta: TUDO, MENOS CONCORDAR
COM A IGREJA ROMANA.
E enquanto, ao apresentar as suas doutrinas, se preocupam demasiadamente com
esta ideia de combate à Igreja Católica, se esquecem de uma verdade
importantíssima: a doutrina do Evangelho, pregada por Nosso Senhor, não foi
ensinada neste mundo para COMBATER a esposa de Cristo, a Igreja que o Divino
Mestre instruiu, foi ensinada para SANTIFICAR O HOMEM.

É assim que se santificam as almas?

147. Uma vez que a Bíblia é tão clara em nos mostrar a necessidade da
cooperação do homem para ganhar o Céu, em nos ensinar quais as virtudes que
ele deve praticar para fazer a vontade de Deus e assim tornar-se um herdeiro seu,
na vida eterna, não se compreende de forma alguma qual a VANTAGEM PARA A
SANTIFICAÇÃO DAS ALMAS, que encontram os protestantes em ensinar ao povo
simples e rude, estas doutrinas tão perigosas, tão fáceis de fazer mergulhar o
homem no relaxamento e que, ao mesmo tempo, conforme acabamos de provar,
são inexatas, diante dos próprios ensinos da Bíblia: o homem se torna justo não
pelas suas obras, mas pela confiança de que Cristo o salva — a salvação não
depende das nossas obras — uma vez que Cristo é o nosso Único Salvador, o
homem não tem que pensar em salvar-se a si mesmo — a salvação é dada
inteiramente de graça.

Existem, na obra da salvação, a parte de Deus E A NOSSA. A nossa não só consiste


em crer em Jesus (João III-18), mas também em observar os mandamentos
(Mateus XIX-17), em praticar boas obras (Mateus XXV-34 a 36; 41 a 43), em
saber perdoar ao nosso próximo (Mateus VI-15), em adquirir a santidade, sem a
qual ninguém verá a Deus (Hebreus XII-14), etc. etc.; em suma, consistem em
mantermos em nós a amizade divina, não só pela fé, mas também pela prática de
todas as virtudes. Esta nossa parte é feita por nós livremente. O homem não pode
fazer sozinho, por isto precisa PEDIR continuamente a Deus A GRAÇA que o ajude.
Por isto, ao mesmo tempo em que a Igreja exorta insistentemente o homem a
fazer a sua parte, a cooperar com a graça, exorta-o também a pedir a Deus
ardentemente a graça de que está necessitado.

A Igreja Católica que todo dia brada ao homem que se santifique a si próprio, é a
mesma que ensina a rezar: Alma de Cristo, SANTIFICAI-ME. A Igreja Católica que
exorta o homem a que salve a sua alma, a que se resigne no sofrimento, é a
mesma que lhe ensina esta súplica: Corpo de Cristo, SALVAI-ME; Paixão de Cristo,
CONFORTAI-ME. A Igreja Católica que nos manda empregar todos os meios para
reprimir os ímpetos da cólera e as tentações do orgulho, é esta mesma Igreja que
põe nos nossos lábios este apelo: Jesus, manso e humilde de coração, FAZEI MEU
CORAÇÃO SEMELHANTE AO VOSSO. Ela exorta o homem a que ame a Jesus de todo o
seu coração e ao mesmo tempo o ensina a dizer: Doce Coração de Jesus que
tanto nos amais, FAZEI QUE EU VOS AME cada vez mais. O católico que tomou o
firme propósito de tudo fazer casto, ele mesmo vai pedir a Deus: Senhor, DAI-ME
A VIRTUDE DA CASTIDADE. É o pensamento de S. Agostinho: “Senhor, ordenas a
castidade; dá-nos aquilo que ordenas e ordena o que quiseres!”

Uma coisa não pode existir sem a outra: nem o homem pode praticar a virtude,
se Deus não lhe dá a graça; nem Deus vai dar a virtude aquele que não se esforça
por consegui-la.

Este, sim, é o verdadeiro caminho da santificação!

Mas que vantagem há, para a santificação das almas, em se ensinar ao povo que
a nossa parte na salvação consiste apenas em CRER em Jesus, se outras virtudes
também são claramente exigidas DA NOSSA PARTE pelo evangelho?

Se, por acaso, em virtude de sua controvérsia com os católicos, os protestantes


chegaram à conclusão de que a fé que salva não é uma simples confiança de que
Jesus nos salva, mas sim uma FÉ OBEDIENTE, fé que não só inclui a crença nas
verdades reveladas por Jesus, mas também a integral obediência a Cristo (e
obediência não está apenas na nossa intenção, obediência está nos nossos
pensamentos, palavras e obras), se chegaram a esta conclusão, neste caso,
expliquem bem claramente a seus adeptos esta fé salvadora em que consiste.
Não se ponham a usar fórmulas antigas, que se vê claramente que são errôneas;
não se ponham a dizer que a fé salvadora consiste apenas em ACEITAR A CRISTO
COMO NOSSO ÚNICO E SUFICIENTE SALVADOR, COMO NOSSO SALVADOR PESSOAL. E se,
porventura, os seus adeptos lhes perguntarem qual a diferença entre a doutrina
protestante e a doutrina católica sobre este ponto da NECESSIDADE DA FÉ E DAS
OBRAS para a salvação, saibam dizer com toda lealdade que esta diferença não
existe ou, se houver, é apenas diferença de nomes. Não continuem a lançar
invectivas contra os católicos e a apresentá-los como contrários à Bíblia, pelo
fato de ensinarem os católicos aquilo que a própria Bíblia nos declara
abertamente, isto é, que PELAS OBRAS É JUSTIFICADO O HOMEM, E NÃO PELA FÉ SOMENTE
(Tiago II-24), quando eles próprios, protestantes, exigindo para a salvação uma
FÉ OBEDIENTE,estão exigindo também AS OBRAS para a salvação. Isto é o que
devem fazer os protestantes, se é que o seu ideal é realmente SANTIFICAR OS
HOMENS, e não apenas extravasar todo o seu ódio contra a Igreja Católica.

Que vantagem há, para a santificação das almas, em chamar a atenção


EXCLUSIVAMENTE para a parte realizada por Cristo na nossa salvação, ou seja, o
sacrifício no Calvário, como se em vez de empregar todo o empenho em realizar
a NOSSA PARTE, quiséssemos limitar esta nossa parte à CONFIANÇA NO QUE CRISTO
FEZ POR NÓS?

Antes da tragédia do Calvário, muitos se salvaram PELA GRAÇA DO NOSSO SENHOR


JESUS CRISTO. Isto foi dito claramente por S. Pedro (Atos XV-11). Não foi à custa
de ouvirem longos sermões ou de fazerem profundas meditações sobre o
sacrifício de Jesus Cristo na Cruz, que eles alcançaram a salvação. Este sacrifício
não se tinha realizado ainda.

Se eram judeus e tinham a fé no Messias Prometido, era um conhecimento vago,


não conheciam nem de longe toda a extensão da obra redentora do Mestre, nem
faziam uma ideia exata do verdadeiro caráter do Messias, que esperavam fosse
um Rei temporal, um Rei poderoso na terra. Se eram pagãos (e os pagãos
podiam salvar-se seguindo a lei escrita nos seus corações — Romanos II-15),
nenhum conhecimento tinham do Redentor, nem explícito, nem vago.

Como se salvaram então? De uma maneira muito simples: receberam a graça e


cooperaram com ela. De Deus, por antecipação, receberam A GRAÇA DE CRISTO,
cujo preço ainda havia de ser pago no Calvário, sentiram o toque que movia e
animava os seus corações, não sabiam esta graça donde vinha, nem qual era a
sua natureza, nem que nome tinha, mas foram fiéis a ela e se salvaram.

Que queremos dizer com isto? Que é inútil a meditação na Paixão de Jesus
Cristo? Absolutamente não! Mil vezes não! Ela é de uma utilidade incalculável.
Mas é útil esta meditação precisamente para isto: PARA NOS ESTIMULAR E AJUDAR A
COOPERAR COM A GRAÇA.

O Crucifixo é o nosso grande livro.

Vendo o amor imenso de Jesus Cristo por nós, o qual Ele manifestou em toda a
sua vida e sobretudo na sua Paixão Dolorosa, nós somos incitados a retribuir-
Lhe com o nosso amor (porque amor só com amor se paga); temos que a amar a
Deus, porque Ele foi o primeiro que nos amou a nós e enviou a seu Filho como
vítima de propiciação pelos nossos pecados (1ª João IV-10). Vendo os exemplos
admiráveis de virtude que Cristo nos deixou em toda a sua vida e sobretudo na
sua Paixão: a obediência a seu Eterno Pai até a morte e morte de cruz (Filipenses
II-8), a completa resignação no sofrimento, porque foi levado como uma ovelha
ao matadouro (Isaías LIII-7), a sua generosidade em perdoar aos próprios
inimigos (Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem — Lucas XXIII-34)
etc. etc., nós nos estimulamos à sua imitação: Cristo padeceu também por nós,
deixando-vos exemplo para que sigais as suas pisadas (1ª Pedro II-21), porque
nós somos herdeiros verdadeiramente de Deus e co-herdeiros de Cristo: SE É
que todavia PADECEMOS com Ele, para que sejamos também com Ele glorificados
(Romanos VIII-17). Por isto dizia S. Paulo: Cumpro na minha carne o que resta
a padecer a Jesus Cristo pelo seu corpo que é a Igreja (Colossenses I-24).

Se S. Paulo dizia: julguei não saber coisa alguma entre vós, senão a Jesus
Cristo, e este crucificado (1ª Coríntios II-2) não era senão para tornar-se UM
PERFEITO IMITADOR DO DIVINO MESTRE, como ele diz nesta mesma Epístola: Rogo-
vos, pois, que sejais meus imitadores, COMO TAMBÉM EU O SOU DE CRISTO (1ª
Coríntios IV-16), não era senão para identificar-se plenamente com Jesus na sua
vida: Não sou eu já o que vivo; mas Cristo é que vive em mim (Gálatas II-20).
Mas isto, ele não conseguiu por uma transformação súbita e automática, e sim à
custa de renúncias e sacrifícios: Castigo o meu corpo e o reduzo a servidão,
para que não suceda que, havendo pregado aos outros, venha eu mesmo a ser
reprovado (1ª Coríntios IX-27), porque os que são de Cristo crucificaram a sua
própria carne com os seus vícios e concupiscências (Gálatas V-24).

Vemos no Calvário uma fonte imensa de GRAÇAS, as quais nós podemos ir


buscar, para nossa ajuda, por meio das orações, dos sacramentos e do Santo
Sacrifício da Missa. Temos, portanto, riquezas abundantíssimas de graças, que
os judeus e pagãos não tiveram ou que eles não sabiam adquirir como nós
adquirimos. Mas a todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido; e
ao que muito lhe confiaram, mais conta lhe tomarão (Lucas XII-48). Será para
nós um motivo evidente de condenação, se por acaso não nos esforçarmos por
seguir o árduo caminho da vida eterna, o sermos comparados no dia de juízo,
com pagãos de qualquer época da História, que, sem terem tido o maravilhoso
conhecimento de Cristo, de sua Redenção, no entanto ao receberem a graça
suficiente que é dada a todos, mas recebendo-a em muito menor proporção do
que nós, souberam, no entanto, corresponder a esta mesma graça e praticar a
virtude que nós não praticamos.

A consideração do Calvário tem, portanto, que ser um incentivo para CADA VEZ
MELHOR COOPERARMOS COM A GRAÇA DE DEUS. Como também será um remédio
para não nos deixarmos dominar pelo desânimo, pois nos infunde a firme
convicção de alcançarmos o perdão divino, SE É QUE NOS ACHAMOS SINCERAMENTE
ARREPENDIDOS e empregamos os meios que Cristo dispôs para isto.

Porém, meditar insistentemente no Calvário e na misericórdia imensa de Cristo


aí manifestada, exclusivamente para NOS ESCORARMOS NA PARTE JÁ REALIZADA POR
CRISTO e esquecermos A NOSSA, QUE AGORA NOS COMPETE REALIZAR, é querermos
obrigar o Divino Salvador a exclamar, como o salmista: Que proveito há no meu
sangue? (Salmos XIX-10).

Apresentar continuamente ao povo o sofrimento redentor de Jesus, para insistir


nestas proposições, tão fáceis de serem pessimamente interpretadas:

Cristo já pagou por todos nós — ou, pior ainda, como ensinou Lutero (Weimar I-
52): “Cristo já observou a Lei, para que não tenhamos mais o dever de observá-
la” — Cristo já sofreu por nós na Cruz os tormentos do inferno, para que não
tenhamos mais que passar por ele — etc. etc.;

Querendo concluir daí que a nossa salvação é TOTALMENTE realizada por Cristo,
cabendo-nos apenas confiar nEle e mais nada;

É ministrar ao povo uma doutrina que não só é contrária à moral rigorosa do


Evangelho, mas também em vez de santificá-lo, vai induzi-lo a negligenciar
completamente A SUA PARTE na conquista do Céu.

Não podia haver mais fina cilada do demônio do que esta: levar o homem a
descuidar-se da sua salvação, baseado numa piedosa e entusiástica, porém mal
fundada confiança no Divino Salvador Jesus Cristo, o qual morreu por nós para
nos adquirir meios abundantes que nos ajudem a realizarmos nós mesmos a
nossa salvação, a qual sem a sua graça nunca poderia ser realizada, e não para
ficarmos com a ideia de que Ele já nos salvou e, por conseguinte, nada mais nos
resta fazer.
Finalmente, nós sabemos como são as criaturas humanas: livres para fazer o bem
e o mal, combatidas por tentações e fortemente inclinadas para o pecado e, além
disto, FORTEMENTE INCLINADAS À PRESUNÇÃO, A SE DESCULPAREM A SI MESMAS, A SE
JULGAREM SANTAS, QUANDO NÃO O SÃO DE MANEIRA ALGUMA. Onde é que aprenderam
os protestantes que o melhor meio de santificar essas criaturas é sugestioná-las
de que já estão salvas, já sentem em si a experiência da salvação e que não
poderão perder-se jamais, quando não sabem eles absolutamente quais dessas
criaturas permanecerão fiéis à voz da consciência (se é que já o são), quando
sabem muito bem que inúmeras delas irão pecar, e muito?

Eis aí, portanto, um grande erro do Protestantismo. Preocupado em demasia com


a sua polêmica contra a Igreja, deixou introduzir-se a anarquia na doutrina, com
a sua falsa ideia de que a fé salvadora era somente a fé-confiança. E com esta
mesma falsa noção, deixa também uma confusão tremenda no espírito do crente,
a respeito do que é preciso fazer para salvar-se, desviando a atenção do ponto
mais importante nesta matéria: a necessidade de sua COOPERAÇÃO com a graça,
cooperação esta que não é só confiança de ser salvo, mas ESFORÇO CONSTANTE
para santificar-se, obedecer à lei, submeter-se totalmente a Cristo.

É precisamente em pregar, de uma maneira clara e insofismável, a necessidade


deste esforço pessoal, deste espírito de renúncia, desta cooperação pela oração e
pela vigilância: vigilância que se estende a todos os pensamentos, palavras e
obras, e oração que vai pedir a Deus continuamente o auxílio da graça, sem a
qual nada se pode fazer no plano sobrenatural, graça, porém, que Deus não nega
àqueles que sinceramente desejam alcançá-la — é aí precisamente que se vê o
PODER SANTIFICADOR da doutrina da Igreja. Num país onde há muitos milhões de
católicos, não se pode deixar de encontrar um grande número de católicos que
não se santifiquem. É um assunto que depende da liberdade humana. Os erros
provenientes da livre vontade do homem, não há religião alguma que os possa
evitar. Os protestantes que puseram na cabeça a ideia de que a Igreja não é mais
as dos tempos primitivos, se para proclamar esta diversidade, querem basear-se
no exemplo de maus católicos, dos que são católicos somente no nome, dos que
erram em desobediência a esta mesma Igreja, estão completamente enganados.
Também naqueles primeiros tempos, em que os cristãos eram em muito menor
número e recebiam, muitos deles, carismas especiais e em que reinava o fervor
característico de qualquer associação nascente, também naqueles tempos
lavravam, mesmo no seio da Cristandade, erros, fraquezas e desordens contra os
quais surge a severa repreensão na própria Bíblia: Examine-se pois, a si mesmo o
homem e assim coma deste pão e beba deste cálix. Porque todo aquele que come
e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação, não discernindo o
corpo do Senhor. ESTA É A RAZÃO porque ENTRE VÓS há muitos enfermos e sem
forças e muitos que dormem (1ª Coríntios XI-28 a 30). Se vós, porém, vos
mordeis e vos devorais uns aos outros, vede não vos consumais uns aos outros
(Gálatas V-15). Donde vêm as guerras e contendas ENTRE VÓS? Não vêm elas
deste princípio? Das vossas concupiscências que combatem em vossos
membros? (Tiago IV-1)... para que não suceda que, quando eu vier outra vez,
me humilhe Deus ENTRE VÓS e que chore a muitos daqueles que antes pecaram e
não fizeram penitência da imundice e fornicação e desonestidade que
cometeram (2ª Coríntios XII-21). Temos ouvido que andam alguns ENTRE VÓS
inquietos, que nada fazem senão indagar o que lhes não importa (2ª
Tessalonicenses III-11). Tenho contra ti que deixaste a tua primeira caridade.
Lembra-te, pois, donde caíste e arrepende-te e faze as primeiras obras; e se não,
eu virei a ti e moverei o teu candieiro do seu lugar, se não fizeres penitência
(Apocalipse II-4 a 5). Eu sei as tuas obras; que tens a reputação de que vives, e
estás morto (Apocalipse III-1). Sei as tuas obras; que não és nem frio nem
quente. Oxalá que tu foras ou frio ou quente! Mas porque tu és morno e nem és
frio nem quente, começar-te-ei a vomitar da minha boca (Apocalipse III-15 e
16).

Uma mãe, por melhor educadora que seja, não está livre de ter surpresas
desagradáveis partidas de filhos rebeldes; por isto a Igreja terá sempre o
desgosto de ver no seu seio muitos que não seguem fielmente a sua doutrina.
Não os despreza, não lhes mete os pés; porque ela, como o Divino Mestre, está
neste mundo para socorrer não os justos e sadios, e sim os enfermos e pecadores.
E onde há homens, sempre há erros de procedimento.

Mas desde que a doutrina católica seja fielmente seguida, assimilada e VIVIDA,
percebe-se claramente a que culminância de virtude e de perfeição podem
elevar-se as almas, o que se vê nos GRANDES SANTOS, que só existem na Igreja
Católica. Não são fantasmas, nem personagens inventadas pela imaginação de
romancistas. Foram criaturas de carne e osso, como todos nós, mas que a Igreja
formou e educou com a graça de Cristo e deixaram o seu rastro de luz na
História da Humanidade. É um pobrezinho de Assis, perfumando a terra inteira
com seu ardente amor a Deus e seu desprendimento e espírito de pobreza; é um
S. Antônio de Pádua, eletrizando as massas com sua santidade, sua eloquência e
seus milagres; é um S. Francisco Xavier, o gigante das Missões, alma abrasada
de amor, conquistando para Cristo centenas de milhares de pagãos no Japão e na
Índia; é um S. Luís de Gonzaga, lírio de pureza, que ficou como um exemplo
maravilhoso para a juventude; é um S. Vicente de Paulo, tornando-se, aos olhos
de todos, a personificação da caridade; é uma Santa Gema Galgâni, uma Santa
Rosa de Lima, uma Santa Teresinha do Menino Jesus; são muitas e muitas almas
que foram sublimes no amor divino e heroicas no sofrimento. A enumeração
seria demasiado longa. É esta a mais rica contribuição da Igreja Católica para a
galeria de heróis, de que se orgulha a Humanidade. Alimentam os protestantes a
ideia errônea de que, desde que o homem se convence de que tem de lutar e
esforçar-se para salvar a sua alma, a santificação não pode ser alcançada. A
grande quantidade de santos admiráveis que a Igreja Católica tem produzido é o
mais formal desmentido a este estranho preconceito. O que há, sim, é que o
esforço do homem não deve provir da ideia de salvar-se sozinho pelas suas
próprias forças, mas de colaborar generosamente com a ação de Deus que é
quem trabalha as almas, na sua obra da santificação.

Enquanto os protestantes vivem a apontar a Igreja como ocupada exclusivamente


com ritos e cerimônias (como se os ritos e cerimônias fossem incompatíveis com
a purificação interna), em todas as épocas e em todos os países, é uma legião
imensa de criaturas de ambos os sexos que, desde a adolescência, se consagram
inteiramente a Deus, abandonando o doce aconchego do lar, renunciando os
prazeres do matrimônio e as amizades do mundo pelo voto de castidade
perpétua, para servir ao Senhor, seja na vida contemplativa dos claustros; seja
nos hospitais, nos colégios, nos leprosários, nos manicômios, nos orfanatos; seja
entre as agruras das terras de Missões ou entre as vicissitudes da vida paroquial.
Serenamente, calmamente, muitas vezes desconhecidas completamente do
mundo, se imolam numa vida de disciplina, de silêncio, de oração, de
obediência, de serviço ao bem do próximo.

Enquanto os protestantes ingenuamente nos vivem convidando a entrar no


Protestantismo, para termos “um contato mais íntimo e pessoal com Jesus
Cristo”, é precisamente na Igreja Católica que este contato se verifica. É em
torno de Jesus, REALMENTE PRESENTE na Santíssima Eucaristia, centro da nossa
vida litúrgica, que gira a espiritualidade católica, desde a criancinha com todo o
ardor de sua alma infantil se prepara para receber a Primeira Comunhão, até o
moribundo que, no seu leito de dores, recebe o Sagrado Viático, aprovisionando-
se para a jornada derradeira. O momento mais sublime para o católico é sempre
aquele em que, purificado até nos mais íntimos pensamentos, recebe no seu peito
o Divino Mestre, na Santíssima Eucaristia, preparando-se assim para comparecer
um dia, na hora de sua morte, diante do Juiz Supremo, a quem nada é oculto e
que vai julgá-lo minuciosamente segundo todos os seus pensamentos, palavras e
obras. Sabe que neste exame justíssimo serão considerados um por um todos os
seus pecados, mas também por outro lado o esforço que despendeu para retratá-
los e emendar-se deles, de acordo com os meios que lhe ministrou a divina
misericórdia, bem como todos os atos de virtude que praticou, se é que morreu
na graça e amizade de Deus. Está decretado aos homens que morram uma só vez
e que depois disto SE SIGA O JUÍZO (Hebreus IX-27). Importa que TODOS NÓS
compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o
galardão segundo o que tem feito, ou bom ou mau, estando no próprio corpo (2ª
Coríntios V-10).

A vida, portanto, se lhe apresenta como uma luta contínua contra o mundo,
contra o demônio, contra si mesmo, uma busca incessante da perfeição, para um
dia lá em cima receber a coroa da bem-aventurança. O estímulo para a virtude é
muito diferente daquele que possa sentir o protestante que desde o princípio de
sua conversão, já se julga com essa coroa na cabeça; já se tem na conta de
completamente purificado e se considera um privilegiado que não vai submeter-
se a nenhum julgamento, porque isto de julgamento de Deus fica somente para
os que não são protestantes...

Sacramentalismo.

148. Ainda suposto que os protestantes resolvessem ensinar, com todo o


equilíbrio, como a Igreja ensina, A VERDADEIRA DOUTRINA DA SANTIFICAÇÃO PELA FÉ,
PELAS GRAÇAS E PELAS OBRAS, mesmo assim faltariam ao protestantismo outros
meios ordinários de santificação: os SANTOS SACRAMENTOS, que a Bíblia nos
aponta como veículos da graça.

— Já vem o Sr. com esta antipática doutrina: o sacramentalismo!

— Que é que o amigo chama sacramentalismo? É a graça ser conferida por meio
de um rito, de uma cerimônia, não é assim? Neste caso a doutrina do
sacramentalismo existe na Bíblia. Mais adiante neste livro, Você encontrará um
sacramentalismo existe na Bíblia. Mais adiante neste livro, Você encontrará um
capítulo inteiro sobre o Batismo, outro sobre a Confissão, outro sobre a
Eucaristia. São sacramentos que necessitam de um estudo especial, porque são
os mais necessários para a salvação.

Mas, se quiser ver ainda na Bíblia mais outros exemplos do que Você chama
sacramentalismo, leia por obséquio o seguinte:

Então PUNHAM AS MÃOS sobre eles, e recebiam o Espírito Santo (Atos VIII-17);

Não desprezes A GRAÇA que há em ti, que te foi dada por profecia PELA IMPOSIÇÃO
DAS MÃOS DO PRESBITÉRIO (1ª Timóteo IV-14).

Está entre vós algum enfermo? Chame os presbíteros da Igreja e estes façam
oração sobre ele, UNGINDO-O COM ÓLEO EM NOME DO SENHOR; e a oração da fé
salvará o enfermo e o Senhor o aliviará; E SE ESTIVER EM ALGUNS PECADOS, SER-LHE-
ÃO PERDOADOS (Tiago V-14 e 15).

É isto que Você chama sacramentalismo. É ou não é? Tanto é, que Você sabe
muito bem a que sacramentos da Igreja a sua e nossa Santa Bíblia aí se está
referindo.

Conclusão.

149. Agora já percebemos todo o equilíbrio da doutrina ensinada pela Igreja


Católica.

Sustenta a necessidade da FÉ, mas FÉ na legítima significação do termo, fé que


precisa primeiro aderir à VERDADE para guiar o homem pelo legítimo CAMINHO e
assim fazê-lo chegar à verdadeira VIDA.

Sustenta a necessidade da GRAÇA, sem a qual nada podemos no plano da salvação


e é ai que se salienta todo o valor do sacrifício expiatório de Cristo, que nos
alcançou esta GRAÇA, sem a qual estaríamos irremediavelmente perdidos.

Não suprime, nem subestima, nem esconde com doutrinas mascaradas a


necessidade das nossas OBRAS, da nossa cooperação com a graça, embora seja
esta cooperação também ajudada pela graça divina.

E assim, sem cair na doutrina escandalosa dos Primeiros Reformadores (o


E assim, sem cair na doutrina escandalosa dos Primeiros Reformadores (o
homem salvo com pecados e tudo e sem arrependimento), sem cair também no
sonho de muitos protestantes atuais (uma Igreja constituída somente de pessoas
confirmadas em graça);

Sendo não só depositária da doutrina que recebeu da boca dos Apóstolos e, por
isto, única orientadora infalível na exegese da Bíblia, mas também profunda
conhecedora do que é nosso coração humano, a nossa natureza frágil e decaída;

Só A IGREJA é que vem ensinando desde os tempos de Cristo e continua a ensinar,


através dos séculos, A VERDADEIRA DOUTRINA DA SALVAÇÃO.
Segunda Parte
A minha Igreja
Capítulo Nono
A Igreja, sua pedra fundamental e seu governo

A primazia de S. Pedro
A enumeração dos Apóstolos.

150. Desde que Nosso Senhor Jesus Cristo iniciou a pregação do Evangelho, foi
logo cuidando em organizar a sua Igreja. E o primeiro passo para esta
organização foi a escolha de 12 Apóstolos. Ora, um fato que não se pode negar é
a primazia exercida por S. Pedro neste colégio apostólico.

Inúmeros atestados disto nos dá o Novo Testamento; um deles, por exemplo, é a


enumeração completa dos Apóstolos, a qual é apresentada quatro vezes; em
S. Mateus (X-2 a 4), em S. Marcos (III-16 a 19), em S. Lucas (VI-13 a 16) e nos
Atos dos Apóstolos (I-13).

S. MATEUS
Pedro e André; Tiago de Zebedeu e João; Filipe e Bartolomeu; Tomé e
Mateus; Tiago de Alfeu e Tadeu; Simão Cananeu e Judas Iscariotes.
S. MARCOS
Pedro e Tiago de Zebedeu e João e André e Filipe e Bartolomeu e Mateus e
Tomé e Tiago de Alfeu e Tadeu e Simão Cananeu e Judas Iscariotes.
S. LUCAS
Pedro e André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago
de Alfeu e Simão, o Zelador e Judas de Tiago e Judas Iscariotes.
ATOS
Pedro e João; Tiago e André; Filipe e Tomé; Bartolomeu e Mateus; Tiago
de Alfeu e Simão, o Zelador e Judaqs de Tiago.

Nestas enumerações logo se observa que dois Apóstolos não mudam de lugar: o
primeiro é sempre de Pedro, o último é sempre de Judas Iscariotes, o indigno
traidor; se este não vem mencionado nos Atos, é porque no tempo de que fala a
história já havia morrido.
Excetuando apenas Filipe que é sempre nomeado em 5º lugar, e Tiago de Alfeu
que é sempre posto no 9º, todos os outros Apóstolos mudam de colocação.

Em segundo lugar: ora vem André; ora vem Tiago, filho de Zebedeu; ora vem
João.

Em terceiro lugar: ora João, ora Tiago de Zebedeu.

Em quarto lugar: ora João, ora André.

É evidente a preocupação de por Pedro sempre em primeiro lugar.

Pedro, o primeiro dos Apóstolos.

151. O melhor, porém, é que S. Mateus, ao enumerar os Apóstolos, diz assim:


Ora os nomes dos doze Apóstolos são estes: o PRIMEIRO SIMÃO, que se chama
Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e
Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão
Cananeu e Judas Iscariotes que foi o que O entregou (Mateus X-2 a 4).

A palavra grega PRÓTOS, aí traduzida por PRIMEIRO, tal como acontece em


português, tanto pode significar o primeiro numericamente, como pode significar
o primeiro na dignidade, na excelência, nas honras, na qualidade.

Assim, quando Cristo diz aos Apóstolos: O que entre vós quiser ser o PRIMEIRO,
esse seja vosso servo (Mateus XX-27), aí não se refere a primeiro na
enumeração, mas sim a primeiro como superior dos outros; e a palavra grega
correspondente a esta palavra — primeiro — é PRÓTOS.

Um dos escribas perguntou a Jesus qual era o PRIMEIRO de todos os mandamentos


(Marcos XII-28). É claro que ele está perguntando, não qual é o primeiro na
ordem, mas qual é o mais importante. E a prova é que Jesus lhe diz qual é o
primeiro mandamento, e depois qual é o segundo; e acrescenta: Nenhum outro
mandamento há que seja MAIOR do que este (Marcos XII-31). Ora, qual é a
palavra grega que corresponde a PRIMEIRO em todo este trecho: o escriba
perguntou qual era o PRIMEIRO mandamento e Jesus lhe respondeu que de todos o
PRIMEIRO mandamento era este etc. etc.? É sempre a palavra PRÓTOS.
Na parábola do filho pródigo, o pai diz aos seus servos: Tirai depressa o seu
PRIMEIRO vestido e vesti-lho, e metei-lhe um anel no dedo, e os sapatos nos pés
(Lucas XV-22). Ora, é claro que aí não se trata da roupa mais velha, da primeira
(no tempo) que o filho usou, mas sim da mais nobre, da mais rica, da mais
excelente. E como é que o grego designa o PRIMEIRO vestido? É com a palavra
PRÓTOS.

Lê-se nos Atos dos Apóstolos: Naqueles lugares havia umas terras do PRÍNCIPE
da ilha, chamado Públio, o qual, hospedando-nos em sua casa, três dias nos
tratou bem (Atos XXVIII-7). Esta palavra — príncipe — é a tradução da palavra
grega PRÓTOS. O primeiro da ilha era Públio, não porque os habitantes da ilha
fossem numerados como os sentenciados, os condutores de bonde ou os meninos
de colégio, mas porque ele era a PRINCIPAL FIGURA entre os ilhéus.

Nos Atos ainda se lê: Os judeus concitaram a algumas mulheres devotas e


nobres e os PRINCIPAIS da cidade (Atos XIII-50) e os príncipes dos sacerdotes e
os PRINCIPAIS dos judeus acudiram a ele contra Paulo (Atos XXV-2) passados
três dias convocou Paulo os PRINCIPAIS dos judeus (Atos XXVIII-17). Em todos
estes casos a palavra PRINCIPAIS é tradução da palavra grega PRÓTOS.

De tudo isto se conclui que a palavra PRIMEIRO (no grego PRÓTOS) é


frequentemente usada no Novo Testamento para exprimir o primeiro na
dignidade, na posição mais elevada, na excelência, embora possa significar
também o primeiro numericamente. Tal qual como acontece na nossa língua.
Um professor tanto pode dizer: este é meu PRIMEIRO aluno — e logo se entende
que é o aluno melhor da classe, como numerar os seus discípulos numa fila e ir
chamando-os a dar lição: venha o primeiro; venha o segundo; venha o terceiro,
etc.

É o caso agora de se perguntar: quando S. Mateus diz que Pedro é o PRIMEIRO


apóstolo, quer dizer primeiro na dignidade ou primeiro numericamente?

Para que fosse primeiro numericamente, era preciso que ele fosse nomeado
também o segundo, o terceiro, o quarto, etc. E, no entanto, S. Mateus chama
S. Pedro de primeiro e dos outros não diz nada. E nas quatro enumerações os
outros variam de colocação, enquanto S. Pedro ocupa invariavelmente o
primeiro lugar, vem sempre à cabeça da lista.
Isto é muito significativo e por aí se verifica como são forçadas, artificiais e
improcedentes as alegações dos protestantes procurando explicar porque Pedro
aí é chamado o PRIMEIRO dos Apóstolos.

Dizem uns: é chamado PRIMEIRO, quer dizer, o primeiro cronologicamente a


receber o convite do Mestre para segui-Lo. Neste caso, se S. Mateus que apenas
quis informar QUAIS ERAM OS 12 (Ora os nomes dos doze Apóstolos são estes etc.
— Mateus X-2) os considerasse a todos iguais, para chamar de PRIMEIRO a Pedro,
precisava avisar previamente que ia enumerá-los pela ordem de entrada ao
serviço de Cristo, como faria qualquer bom escritor que não quisesse mostrar em
Pedro uma primazia.

Além disto, S. Mateus só podia dizer que Pedro era o primeiro a ter sido
chamado pelo Mestre, se Pedro tivesse sido chamado SOZINHO EM PRIMEIRO LUGAR.
Ora, o que os Evangelhos nos ensinam é que S. Pedro e S. André foram
chamados na mesmíssima ocasião: E passando ao longo do mar da Galileia, viu
a Simão e a André, seu irmão, que lançavam as suas redes ao mar (porque eram
pescadores). E disse-lhes Jesus: Vinde após mim e eu vos farei pescadores de
homens. E no mesmo ponto, deixadas as redes, O seguiram (Marcos I-16 a 18).

Aliás, dos dois foi André o primeiro a ter contato e conhecimento com o Mestre.
S. João Batista estava com dois discípulos seus, quando passou Jesus. E vendo a
Jesus que ia passando, disse: Eis ali o cordeiro de Deus. Então os dois
discípulos, quando isto lhe ouviram dizer, foram logo seguindo a Jesus. E Jesus,
olhando para trás e vendo que iam após Ele, disse-lhes: Que bucais vós?
Disseram-Lhe eles: Rabi (que quer dizer mestre), onde assistes tu? Respondeu-
lhes Jesus: Vinde e vede. Foram eles e viram onde assistia e ficaram lá aquele
dia: era então quase a hora décima. E ANDRÉ, irmão de Simão Pedro, era um
dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que tinham seguido Jesus. Este
encontrou primeiro a seu irmão Simão e lhe disse: Temos achado ao Messias
(que quer dizer o Cristo). E levou-o a Jesus (João I-36 a 42).

Se S. Mateus quisesse referir-se à anterioridade na vocação, não teria dito no


singular: O Primeiro Pedro, mas no plural: Os primeiros Pedro e André.

Dizem outros protestantes que Pedro é chamado o primeiro por ser o mais velho.
É uma afirmação meramente gratuita, porque não há nenhuma passagem da
Bíblia que nos assevere ter sido Pedro o mais velho de todos. E se buscamos fora
da Bíblia alguma informação a respeito, encontramo-la em S. Epifânio (Haereses
51; nº 17) que nos diz justamente o contrário, isto é, que André era mais velho
do que Pedro. É um autor do 4º século (n. 315 — m. 403), porém, em todo caso,
muito mais apto do que os protestantes de hoje ou do século XVI, para nos
transmitir uma informação dos mais antigos. Além disto, se a enumeração dos
Apóstolos fosse feita pelo critério da idade, S. João Evangelista deveria estar lá
no fim, pois era o mais moço de todos. Foi o Apóstolo que sobreviveu por
longos anos aos seus companheiros, tendo escrito o Apocalipse lá pelos últimos
anos do 1º século.

Dizem outros que S. Pedro figura como primeiro por ter sido o discípulo
predileto do Mestre. Mas, de acordo com este critério, o primeiro lugar caberia a
S. João: Voltando Pedro viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava,
que ao tempo da ceia estivera até reclinado sobre o seu peito (João XXI-20). E
sobre este discípulo que Jesus amava, S. João mesmo se declara ao findar o seu
Evangelho: Este é aquele discípulo que dá testemunho destas coisas e que as
escreveu (João XXI-24).

Por tudo isto que fica dito, já há autores protestantes como Olshausen, Meyer, de
Wette que estão de acordo em afirmar que aquele PRIMEIRO significa o primeiro
na dignidade e não só o primeiro na ordem. Reconhecem assim a primazia de
Pedro, porque não há outro jeito diante desta afirmação tão clara de S. Mateus.

Pedro fala pelo colégio apostólico.

152. Mas não é só pelo fato de ser chamado o PRIMEIRO por S. Mateus, que a
primazia de Pedro se nos apresenta na Bíblia.

Vemos sempre S. Pedro falar em nome dos demais Apóstolos, do mesmo modo
que é muito comum, num grupo de homens, ter a palavra aquele que, sendo o
chefe ou o mais graduado, pode falar em nome de todos.

Depois de anunciar, no capítulo 6º, que daria a sua carne para comer, o que deu
motivo a muitos discípulos não quererem mais andar com Ele, Jesus fez uma
pergunta aos 12 Apóstolos. Por isso disse Jesus aos doze: Quereis vós outros
também retirar-vos? (João VI-68). Não foi preciso que todos respondessem;
Pedro respondeu por todos eles: E respondeu-Lhe Simão Pedro: Senhor, para
quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna; E NÓS TEMOS crido e
conhecido que tu és o Cristo, Filho de Deus (João VI-69 e 70). É como se diz na
linguagem moderna: os Apóstolos falaram por intermédio de seu LÍDER.

Quando Jesus perguntou aos Apóstolos o que pensavam a respeito do Filho do


Homem: E vós quem dizeis que sou eu? (Mateus XVI-15), foi outra vez o líder
que falou em nome de todos eles: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo (Mateus
XVI-16).

Quando Jesus disse: Não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem;
mas o que sai da boca, isso é o que faz imundo o homem (Mateus XV-11), foi
S. Pedro quem pediu em nome dos Apóstolos a explicação desta parábola. E
respondendo Pedro, Lhe disse: EXPLICA-NOS essa parábola (Mateus XV-15). E
Nosso Senhor, em resposta, não se dirigiu somente a Pedro, mas a todos eles,
porque em nome de todos é que Pedro tinha falado: Também vós OUTROS estais
ainda sem inteligência? (Mateus XV-16).

Quando Jesus afirmou: Mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha
do que um rico entrar no reino dos céus (Mateus XIX-24), os discípulos,
ouvidas estas palavras, conceberam grade espanto, dizendo: Quem poderá logo
salvar-se? Porém Jesus, olhando para eles, disse: Aos homens isto é impossível,
mas a Deus tudo é possível (Mateus XIX-25 e 26). Nesta ocasião, Pedro falou
mais uma vez em nome de todos: Eis aqui estamos nós que deixamos tudo e te
seguimos; que galardão será o nosso? (Mateus XIX-27). E Jesus, respondendo
não a Pedro em particular, mas a todos os Apóstolos, respondendo a pergunta de
Pedro que por eles tinha falado, disse: Em verdade vos afirmo, que vós, quando
no dia da regeneração estiver o Filho do Homem sentado no trono da sua
glória, vós, torno a dizer, que me seguistes, também estareis sentados sobre doze
tronos, e julgareis as doze tribos de Israel (Mateus XIX-28).

A posição de Pedro se mostra sempre assim, como a de líder, de chefe, de


intérprete dos sentimentos dos seus companheiros.

Pedro e os que com ele estavam.

153. Mais de uma vez se observa na Bíblia o seguinte: estando o chefe


acompanhado de seus subordinados, emprega-se somente o nome do chefe,
omitindo-se o nome dos outros: E soube Saul que DAVI tinha aparecido E A GENTE
QUE O ACOMPANHAVA (1º Reis XXII-6). Mas Jesus se retirou COM OS SEUS DISCÍPULOS
para a parte do mar (Marcos III-7). Então houve no céu uma grande batalha:
MIGUEL E OS SEUS ANJOS pelejavam contra o dragão (Apocalipse XII-7).

O mesmo se usa com S. Pedro com relação aos demais Apóstolos, falando-se só
nele e não nos outros: E levantando-se muito de madrugada, saiu e foi a um
lugar deserto, e foram-nO seguindo SIMÃO E OS QUE COM ELE ESTAVAM (Marcos I-35
e 36). Entretanto PEDRO E OS QUE COM ELE ESTAVAM se tinham deixado oprimir do
sono (Lucas IX-32). Ide, e dizei a SEUS DISCÍPULOS E A PEDRO que Ele vai adiante
esperar-vos em Galileia (Marcos XVI-7). Porém PEDRO, EM COMPANHIA DOS ONZE,
posto em pé, levantou a sua vós (Atos II-14). Mas dando PEDRO a sua resposta E
OS APÓSTOLOS, disseram: Importa obedecer mais a Deus do que aos homens
(Atos V-29).

Atenções especiais a S. Pedro.

154. Jesus mostrou sempre para com S. Pedro uma atenção toda especial. Já não
falamos aqui na mudança de seu nome e nas grandes prerrogativas de pedra
fundamental da Igreja e seu Pastor Universal, que vão ser assunto dos artigos
seguintes.

Não só quando se deu a ressurreição da filha de Jairo (e não permitiu que O


acompanhasse nenhum, senão PEDRO e Tiago e João, irmão de Tiago — Marcos
V-37), como também no monte Tabor, onde foi glorificado na sua transfiguração
(toma Jesus a PEDRO e a Tiago e a João, seu irmão, e os leva à parte de um alto
monte e transfigurou-se diante deles — Mateus XVII-1 e 2), como no jardim de
Getsêmani (e tendo tomado consigo a PEDRO e aos dois filhos de Zebedeu,
começou a entristecer-se e angustiar-se — Mateus XXVI-37), Jesus levou
somente os 3 discípulos: Pedro, Tiago e João; e os Evangelistas, ao narrarem tais
fatos, invariavelmente nomeiam a Pedro em primeiro lugar.

Na borda do lago de Genesaré, Jesus viu duas barcas, mas deu preferência a
barca de Pedro para daí doutrinar as multidões: E entrando em uma destas
barcas, QUE ERA A DE SIMÃO, lhe rogou que o apartasse um pouco da terra. E
estando sentado, ENSINAVA AO POVO DESDE A BARCA (Lucas V-3). Depois deu ordem
a Simão, para que conduzisse a barca mais para o alto mar. Disse a Simão: Faze-
te mais ao largo (Lucas V-4). A pesca feita nessa ocasião é maravilhosa. E
Pedro, espantado com o prodígio, lança-se aos pés de Jesus: Retira-te de mim,
Senhor, que sou um homem pecador (Lucas V-8), porque o espanto o tinha
assombrado a ele e a todos os que se achavam com ele, de ver a pesca de peixes
que haviam feito (Lucas V-9). Mas, apesar de estarem ali presentes Tiago e João,
Jesus diz diretamente a Pedro que ele vai tornar-se pescador de homens: Mas
Jesus disse a Simão: Não tenhas medo; desta hora em diante SERÁS PESCADOR DE
HOMENS (Lucas V-10).

É claro que ninguém vai concluir daí que Tiago e João e os demais Apóstolos
não tenham sido também pescadores de homens. Mas, se o próprio Jesus
compara aquela pesca maravilhosa com a pesca espiritual que vai ser realizada
pela Igreja, não será de forma alguma forçar o sentido desta bela passagem do
Evangelho, ver em tudo que aconteceu naquela hora, um símbolo da Igreja que
havia de ser empenhada na conquista de almas. É da barca de Pedro, isto é, da
Igreja, que Jesus ensinará ao povo, pois daqui a pouco veremos Jesus dizer que
vai construir a sua Igreja sobre a pedra que é Pedro (Mateus XVI-18), Jesus
manda a Pedro que leve a barca até o alto mar, o que simboliza a Igreja sob a
direção de Pedro em luta contra os perigos e as tempestades, mas sempre firme,
porque as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18). A
pesca maravilhosa, conforme insinuou o próprio Cristo, simboliza a conversão
das almas para o reino de Deus. E se a Pedro somente, na presença dos outros,
Cristo diz que será pescador de homens, é que os outros hão de pescar homens
sob seu governo, sob a sua direção, pois a Pedro individualmente é que Jesus
dirá: Apascenta os meus cordeiros... Apascenta as minhas ovelhas (João XXI-
15, 16, 17).

Quando apareceram os cobradores de imposto das dracmas, Jesus mandou a


Pedro que procurasse pagá-lo por Ele, Jesus, e por si próprio, sem mencionar os
demais Apóstolos. Isto significa a especial união que há entre Cristo e Pedro,
bem como que Pedro representa os seus companheiros. Disse Cristo a Pedro: Vai
ao mar e lança o anzol; e o primeiro peixe que subir, toma-o; abrindo-lhe a
boca, acharás dentro um estáter, tira-o e dá-lho POR MIM E POR TI (Mateus XVII-
26). Aí termina o capítulo XVII de S. Mateus. A distinção dada a Pedro nesta
ocasião é tão evidente, que não passou despercebida aos outros Apóstolos. E o
capítulo XVIII começa assim: Naquela hora, chegaram-se a Jesus os seus
discípulos, dizendo: Quem julgas tu que é MAIOR no reino dos Céus? (Mateus
XVIII-1).

Depois da ascensão.
Depois da ascensão.

155. Depois da subida de Jesus para o Céu, os Apóstolos haviam de reunir-se


para receber o Espírito Santo. Mas era preciso procurar um substituto para Judas,
que se havia enforcado. Quem tomou a iniciativa dessa substituição?
Naturalmente o chefe dos Apóstolos, que era S. Pedro. Naqueles dias,
levantando-se Pedro no meio dos irmãos (e montava a multidão dos que ali se
achavam juntos a quase cento e vinte pessoas) disse: Varões irmãos, é
necessário que se cumpra a Escritura que o Espírito Santo predisse por boca de
Davi acerca de Judas... Porque escrito está no livro dos Salmos: Fique deserta a
habitação deles e não haja quem habite nela; e receba outro o seu bispado
(Atos I-15 e 16; 20). É como o presidente de uma associação providenciando
para a eleição de um membro da diretoria.

Com a vinda do Divino Espírito Santo, todos receberam o dom das línguas e isto
chamou logo a atenção dos judeus. Era preciso dirigir a palavra à multidão que
se encontrava em Jerusalém. Se os Apóstolos não tivessem um chefe, como se
saberia quem haveria de dirigir a palavra, se todos estavam bem capacitados para
isto, com as luzes do Espírito Santo? Entretanto, não houve nenhuma dúvida.
Naquela hora soleníssima em que ia iniciar-se a propagação da Igreja, PEDRO, em
companhia dos onze, posto em pé, levantou a sua voz e lhe falou assim: Varões
da Judeia e todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório e com
ouvidos atentos percebei as minhas palavras (Atos II-14). Depois de Pedro falar,
ninguém lhes falou. E no fim do discurso, os ouvintes ficaram compungidos no
seu coração e disseram a Pedro e aos mais Apóstolos: Que faremos nós, varões
irmãos? (Atos II-37). A pergunta é feita aos doze, mas é Pedro quem manda,
quem orienta, quem esclarece: PEDRO então lhes respondeu: Fazei penitência e
cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão de vossos
pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo (Atos II-38). É Pedro assim que
dá início com esta primeira pregação, e de uma maneira brilhante, à obra
vastíssima de conquista das almas, que a Igreja havia de exercer através dos
séculos: e ficaram agregadas naquele dia perto de três mil pessoas (Atos II-41).

Pouco tempo depois, foram Pedro e João ao templo de Jerusalém, e Pedro curou
o homem coxo que mendigava à porta do templo chamada Especiosa. Se
houvesse perfeita igualdade entre os Apóstolos, como querem os protestantes,
era natural que João desta vez tomasse a palavra. Mas foi ainda Pedro quem
falou e fez uma nova pescaria espiritual: Muitos daqueles que tinham ouvido a
pregação creram nela e chegou o seu número a cinco mil pessoas (Atos IV-4).

Tendo Pedro assim esta parte preponderante na pregação, como a pregação dos
Apóstolos nos princípios da Igreja devia ser prestigiada pelos milagres, é nos
milagres também que Pedro se sobressai: E cada vez se aumentava mais a
multidão dos homens e mulheres que criam no Senhor; de maneira que traziam
os doentes para as ruas e os punham em leitos e enxergões, a fim de que, ao
passar PEDRO, cobrisse sequer a sua sombra alguns deles e ficassem livres das
suas enfermidades. Assim mesmo concorriam enxames deles das cidades
vizinhas a Jerusalém, trazendo os seus enfermos e os vexados dos espíritos
imundos; os quais todos eram curados (Atos V-14 a 16).

E a ação de Pedro foi considerada de tanta importância para a Igreja que, quando
ele foi preso, caindo assim em perigo de morte, pois Tiago já tinha sido
sacrificado à fúria de Herodes, logo a Igreja em peso se pôs a orar
continuamente por ele: E Pedro estava guardado na prisão a bom recado.
Entretanto pela Igreja se fazia sem cessar oração a Deus por ele (Atos XII-5).

Foi como chefe da Cristandade, que S. Pedro começou a visitar as várias Igrejas:
Tinha então paz a Igreja por toda a Judeia e Galileia e Samaria; e se propagava
caminhando no temor do Senhor e estava cheia da consolação do Espírito
Santo. Aconteceu, pois, que andando PEDRO VISITANDO A TODOS, chegou aos santos
que habitavam em Lida (Atos IX-31 e 32). Era o que se pode chamar UMA VISITA
PASTORAL a todas as comunidades cristãs.

Bem se mostra ainda a preeminência de Pedro no episódio de Ananias que com


sua mulher Safira, vendeu um campo e com fraude usurpou certa porção do
preço do campo, consentindo-o sua mulher; e levando uma parte, a pôs AOS PÉS
DOS APÓSTOLOS (Atos V-2). Aos pés dos Apóstolos tinham levado a sua oferta e,
no entanto, quem falou por eles foi S. Pedro: E disse Pedro: Ananias, por que
tentou Satanás o teu coração, para que tu mentisses ao Espírito Santo e
reservasses parte do preço do campo? (Atos V-3).

Da mesma forma, quando Pedro e João foram a Samaria, e Simão, o Mago, lhes
ofereceu dinheiro para conseguir o poder de impor as mãos fazendo receber o
Espírito Santo, João nada disse, porque a Pedro, como chefe, é que competia
decidir. Mas Pedro lhe disse: O teu dinheiro pereça contigo, uma vez que tu te
persuadiste que o dom de Deus se podia adquirir com dinheiro. Tu não tens
parte nem sorte alguma que pretender neste mistério, porque o teu coração não
é reto diante de Deus (Atos VIII-20 e 21).

A atuação no concílio de Jerusalém.

156. Foi S. Pedro que recebeu um aviso do Céu (Atos X-9 a 16) para atender ao
chamado de Cornélio, fazer sua pregação a ele e a toda sua família e vê-los
receber o Espírito Santo. Este privilégio lhe foi concedido por duas razões:
primeiro porque competia a ele, como chefe da Igreja ser o primeiro a anunciar o
Evangelho aos gentios, como tinha sido o primeiro a anunciá-lo aos judeus, no
dia de Pentecostes; segundo porque devia ser orientado para decidir, como chefe
da Igreja, a questão dos judaizantes que haveria de ser proposta no Concílio de
Jerusalém. Aí a sua atuação foi decisiva. Coube-lhe, uma vez que era chefe, a
primeira palavra. Sua decisão resolveu a controvérsia, porque, depois que ele
falou, se acabou qualquer discussão: ENTÃO TODA A ASSEMBLEIA SE CALOU (Atos XV-
12). Se Tiago falou depois, foi para apoiar a palavra do chefe: Simão tem
contado como Deus primeiro visitou aos gentios, para tomar deles um povo
para o seu nome. E com isto CONCORDAM as palavras dos profetas (Atos XV-14 e
15). E foi dentro da solução já apresentada por S. Pedro que S. Tiago fez a sua
proposta sobre o sacrificado aos ídolos, o sangue e as carnes sufocadas, etc.
(Atos XV-20), proposta esta que foi aceita por todos; e foi em nome de todos os
Apóstolos e presbíteros que a decisão foi tomada: Os Apóstolos e os Presbíteros
irmãos, àqueles irmãos convertidos, etc. (Atos XV-23). Se pelo simples fato de
um sócio, embora graduado, numa reunião qualquer, fazer uma proposta e ser
aceita por todos, já se torna o presidente daquela sessão, então tem razão os
protestantes em teimar que S. Tiago foi o presidente do Concílio de Jerusalém...

Mais provas nas epístolas.

157. São inúmeros, portanto, os indícios da primazia de S. Pedro que nós


encontramos nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos. Mas, como acontece
com toda pessoa que tem má vontade em aceitar aquilo que a gente prova,
mesmo com abundância de argumentos, os protestantes se mostram INSACIÁVEIS e
notam que não é com a mesma frequência que as Epístolas trazem provas da
prioridade de S. Pedro. Mas isto se explica facilmente: Os Evangelhos e os Atos
são livros históricos; procuram contar mais ou menos, com relação aos fatos
principais, tudo quanto se passou e aí aparece frequentemente a figura do líder
ou do chefe. Porém, as Epístolas são CARTAS diversas escritas de acordo com as
necessidades do momento, para corrigir determinados abusos, ou para combater
certas heresias; são escritos doutrinários que visam, sobretudo, instruir os
homens quanto à fé em Jesus Cristo; é natural que não precisem estar aludindo à
autoridade de Pedro; para ensinar-lhes a doutrina do Evangelho, qualquer
Apóstolo, por mais humilde que fosse, estava otimamente capacitado, uma vez
que todos para isso haviam recebido em abundância o Espírito Santo.
Suponhamos, por exemplo, uma nação: é natural que os seus historiadores façam
alusão frequentemente ao nome de seu chefe: rei ou presidente da República.
Mas pessoas que escrevem cartas, mesmo que sejam pessoas da alta roda, podem
muito bem não precisar fazer referências ao chefe da nação.

Embora não falem com tanta frequência sobre S. Pedro, as Epístolas se


encarregam de aumentar a coleção de argumentos que já temos nos Evangelhos e
nos Atos, sobre a sua primazia.

Por exemplo: por onde é que sabemos que Nosso Senhor deu a S. Pedro uma
distinção toda especial, depois da ressurreição, reservando uma aparição
especialmente para ele, para só depois aparecer aos demais Apóstolos? Sabemos
isto por S. Lucas (XXIV-34) e também por S. Paulo que no-lo disse com
destaque em uma de suas Epístolas: Desde o princípio eu vos ensinei o mesmo
que havia aprendido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as
Escrituras: e que foi sepultado e que ressurgiu ao terceiro dia, segundo as
mesmas Escrituras; e que foi visto POR CEFAS E, DEPOIS DISTO, PELOS ONZE (1ª
Coríntios XV-3 a 5).

Já apontamos, como uma das amostras da importância de S. Pedro, o fato de se


nomear Pedro e não os outros, quando se fala sobre todos os Apóstolos ou sobre
um grupo deles. S. Paulo faz o mesmo: Acaso não temos nós poder para levar
por toda a parte uma mulher irmã, assim como também os outros Apóstolos, e
os irmãos do Senhor e CEFAS? (1ª Coríntios IX-5).

Para conhecer ainda a grande consideração do Apóstolo S. Paulo para com


S. Pedro, basta observar o que aquele diz em Gálatas I-18. S. Paulo mostra que
não teve contato com nenhum dos Apóstolos para aprender deles a sua doutrina,
mas revela que fez uma viagem a Jerusalém exclusivamente para ver a Pedro,
demorando-se quinze dias em sua companhia. Não precisava aprender dele a
doutrina do Evangelho, pois Jesus Cristo já o havia iluminado, mas precisava
honrar o Príncipe dos Apóstolos e acertar com ele os planos para o seu futuro
apostolado. Indo a Jerusalém, para ver a Pedro, naturalmente viu também a
Tiago que era bispo daquela cidade: Parti para a Arábia e voltei outra vez a
Damasco; dali no fim de três anos, vim a Jerusalém POR VER A PEDRO E FIQUEI COM
ELE QUINZE DIAS (Gálatas I-17 e 18).

O próprio incidente entre S. Pedro e S. Paulo, a que já nos referimos (nº 118),
tão invocado pelos protestantes para tentar diminuir a autoridade de Pedro,
serve, ao contrário, para fazer salientar esta mesma autoridade. Se S. Paulo
resistiu a S. Pedro, não foi desobedecendo a nenhuma ordem emanada do chefe,
nem também discordando da sua doutrina, pois S. Pedro NADA HAVIA ORDENADO,
NADA HAVIA DITO; e a doutrina de ambos era a mesma sobre o assunto, como o era
em tudo o mais. S. Pedro limitara-se apenas a retrair-se do convívio dos gentios,
para não chocar os judeus que tinham acabado de chegar. S. Paulo viu que este
retraimento iria dar mal resultado. Teve que chamar-lhe a atenção para este
perigo. Segue-se daí que S. Pedro não tivesse a primazia entre os Apóstolos ou
não fosse o chefe da Igreja? Quando o Papai ou a Mamãe ou um Superior estão
seguindo um caminho que não está muito certo, quem há de tomar coragem e
adverti-los, em falta de outra pessoa que possa fazê-lo, senão os próprios filhos
ou inferiores?

Mas por que este simples fato de retrair-se daqueles com quem tivera
convivência se tornou uma QUESTÃO TÃO AGUDA, a ponto de S. Paulo ver aí um
grave prejuízo para a Igreja?

Uma pessoa que não tenha grande valor nem posição muito elevada, ninguém
está prestando atenção nem ninguém se está incomodando porque esta pessoa
conviva ou deixe de conviver com A ou B. Mas com Pedro foi diferente: bastou
que ele se retraísse do convívio com os gentios, para arrastar muita gente com
seu exemplo, inclusive o próprio Barnabé, no momento tão ligado a S. Paulo e
que tanto já se havia sobressaído na luta contra os judaizantes. E é interessante
notar como S. Paulo acusa a S. Pedro de estar, pelo simples fato de retrair-se da
convivência com os gentios, OBRIGANDO-OS a judaizar: Se tu, sendo judeu, vives
como os gentios, e não como os judeus, por que OBRIGAS tu os gentios a judaizar?
(Gálatas II-14). Se S. Pedro obrigava, não com palavras, pois ele nada disse
sobre este assunto; estava obrigando indiretamente, porque era grande o peso de
seu exemplo, de sua autoridade, como chefe que era, da Igreja [14].

Muitas provas demos, até agora, da primazia de São Pedro. Tudo isto, porém,
Muitas provas demos, até agora, da primazia de São Pedro. Tudo isto, porém,
não é nada em comparação com o que vai dizer, com suas palavras eternas e
infalíveis, o próprio Divino Mestre; vamos, portanto, analisar a primazia de
Pedro na sua genuína fonte, isto é, nas prerrogativas que lhe foram concedidas
diretamente pelo próprio Jesus.

Notas (pular)

[14] Os protestantes costumam alegar contra o primado de Pedro a palavra de S. Paulo na Epístola aos
Gálatas, na qual diz que Tiago e Cefas e João PARECIAM SER AS COLUNAS (Gálatas II-9) da Igreja; ora, dizem
eles, se pareciam é porque não eram as colunas da Igreja.

— Para se ter uma ideia exata do pensamento de S. Paulo é preciso examinar o texto original grego, ver
qual é a palavra que aí corresponde ao nosso verbo PARECER. Então se verá que o verbo correspondente no
grego DOKÉO tem um sentido mais amplo, pois DOKÉO pode equivaler ao nosso PARECER, mas pode ter
também outro sentido.

DOKÉO = parecer, ter a aparência de.

DOKÉO = ser considerado como, ser reputado como.

Podem-se ver os bons dicionários de Bailly e de Zorell.

Na nossa própria língua, quando se diz: Aquele rapaz me parece muito competente — não se quer dizer que
ele não o seja, mas se quer dizer apenas: Eu o reputo, eu o considero muito competente.

Podemos mostrar em outras duas passagens no Novo Testamento o verbo DOKÉO empregado nesta segunda
acepção, e não na primeira, de mera aparência. Assim se lê em S. Lucas que houve uma disputa entre os
Apóstolos: Excitou-se também entre eles a questão sobre qual deles SE devia REPUTAR o maior (Lucas XXII-
24). Ora, é claro que cada Apóstolo não queria apenas PARECER o maior, queria SER REPUTADO, SER
CONSIDERADO por todos como o maior. E, no entanto, no texto grego aquele verbo REPUTAR-SE OU SER
REPUTADO é expresso pelo verbo DOKÉO: TÍS (qual) AUTÓN (deles) DOKÉI (é considerado) ÉINAI (ser) MÉIZON
(maior).

Também há outra palavra de Cristo em S. Marcos que diz assim: Vós sabeis que os que TÊM AUTORIDADE
entre os povos, esses são os que os dominam, e que os seus príncipes têm poder sobre eles (Marcos X-42).
Ora, é claro que Jesus aí não fala de homens que PARECEM reinar, mas os que reinam realmente e dominam e
têm poder. No entanto, o texto grego traz o verbo DOKÉO: HOI DOKÓUNTES (aqueles que são considerados)
ÁRCHEIN (imperar) TÓN ETHNÓN (sobre os povos) KATAKYRIÉUOUSIN (dominam) AUTÓN (sobre eles).

O próprio contexto da Epístola aos Gálatas mostra claramente que S. Paulo está provando que tem
autoridade também para ensinar aos fiéis e para combater os judaizantes, porque, diz ele, Tiago, Cefas e
João que ERAM CONSIDERADOS as colunas da Igreja conheceram a graça que se me havia dado, deram as
destras a mim e a Barnabé em sinal de companhia, para que nós fôssemos aos gentios, e eles à circuncisão
(Gálatas II-9). Sutilmente Paulo está insinuando que também ele e Barnabé são colunas da Igreja. Diminuir
a autoridade de Tiago, Cefas e João seria no caso diminuir também a própria.

De tudo isto se tiram duas conclusões. Uma é que a tradução do Padre Pereira não foi muito feliz. A Bíblia
do Pe Matos Soares e a edição do Novo Testamento de Mons. Dr. José Basílio Pereira trazem uma versão
mais fiel: Tiago e Cefas e João que ERAM CONSIDERADOS as colunas... deram as mãos a mim e a Barnabé
(Gálatas II-9). A outra é que nem sempre se pode ter uma ideia exata do que diz a Bíblia sem se conhecer
perfeitamente o hebraico e o grego, línguas originais em que foi escrita e por isto está sempre sujeita a
algum engano uma pessoa que se limita a estudar o texto que possui em língua vernácula.

Outra objeção que também nada prova, diante dos textos tão evidentes que demonstram a preponderância
de S. Pedro, é a que tiram os protestantes do seguinte versículo dos Atos: Os Apóstolos, porém, que se
achavam em Jerusalém, tendo ouvido que a Samaria recebera a palavra de Deus, MANDARAM-LHES lá a
PEDRO e a João (Atos VIII-14). Ora, dizem os protestantes, se mandaram a Pedro, é porque Pedro não era o
chefe.

— Primeiro que tudo, existe aí uma confusão com o verbo MANDAR, que em português tem dois sentidos:

MANDAR = ordenar, impor, preceituar.

MANDAR = enviar, remeter.

O verbo correspondente no grego é neste versículo, APOSTÉLLO que sempre quer dizer ENVIAR e nunca
ORDENAR.

Os apóstolos se reúnem e ENVIAM a Pedro e João a Samaria. Segue-se daí que Pedro não seja o chefe deles?
Absolutamente não. Porque é muito comum numa associação ou numa assembleia qualquer, ficar assentado
que deve ser enviado, para exercer determinada missão, um grupo de dois ou mais membros e em vista da
importância de tal missão, deliberar-se também que o presidente faça parte desta representação enviada. Se
o presidente acede, ele vai à testa da mesma. Foi o que se deu precisamente no nosso caso. S. Lucas nos
Atos dos Apóstolos já nos dá tantas provas da supremacia de S. Pedro, que não precisava estar usando
amplas explicações para salvaguardar esta supremacia.

Também na própria Bíblia se lê que tendo ouvido os filhos de Israel... congregaram-se todos em Silo para
marcharem e pelejarem contra eles. E, entretanto lhes ENVIARAM à terra da Galaad a Fineias, filho do
sacerdote Eleazar e DEZ DOS PRÍNCIPES com ele, cada um de sua tribo (Josué XXII-11, 12 e 13).

Igualmente o historiador Flávio Josefo narra que os judeus enviaram a Nero o sumo Sacerdote Ismael com
os “dez primeiros” de sua gente (Ant. jud. XX, VIII, 11 § 194). (voltar)
Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja
Simão recebe um novo nome.

158. Um dia Nosso Senhor teve ocasião de frisar o contraste entre o homem
sábio que EDIFICOU a sua casa sobre a ROCHA; e veio a chuva e transbordaram os
rios e assopraram os ventos e combateram aquela casa, e ela não caiu porque
estava FUNDADA sobre ROCHA (Mateus VII-24 e 25) e o homem sem consideração
que edificou a sua casa sobre areia; e veio a chuva e transbordaram os rios e
assopraram os ventos e combateram aquela casa, e ela caiu e foi grande a sua
ruína (Mateus VII-26 e 27).

Ora, Nosso Senhor mesmo nos ensina que a sua obra, fundando e organizando a
Igreja, é semelhante à obra de um homem que levanta um edifício: EDIFICAREI a
minha Igreja (Mateus XVI-18).

Foi por isto que Ele, logo quando viu a Pedro pela primeira vez, depois de olhar
para o seu futuro Apóstolo de uma maneira tão significativa e profunda, que o
Evangelista registrou este olhar, lhe mudou o nome de Simão para Cefas. E
Jesus, depois de OLHAR para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jona; tu serás
chamado Cefas, que quer dizer Pedro (João I-42).

Se Jesus fosse um simples homem, não deixaria de causar estranheza o fato de


um homem ver a outro pela primeira vez e ir imediatamente mudando o seu
nome. Mas Jesus era Deus. Conhecia perfeitamente todos os segredos das almas
e todos os acontecimentos do futuro. Sabia muito bem o que fazer. E também
não fazia nenhuma ação inútil, nem sem significação.

Nem era a primeira vez, na Bíblia, que Deus mudava o nome de uma pessoa,
antes de lhe confiar uma missão importante. O mesmo acontecera com Abraão.
A princípio ele se chamava Abrão que quer dizer pai excelso, ou que pensa em
coisas excelsas. Deus lhe mudou o nome para Abraão, isto é, pai de uma excelsa
multidão, ou pai de muitos excelsos: Daqui em diante não te chamarás mais
Abrão; mas chamar-te-ás Abraão, PORQUE EU TE TENHO DESTINADO PARA PAI DE
MUITAS GENTES. E farei crescer a tua posteridade infinitamente e te farei chefe das
nações e de ti sairão reis (Gênesis XVII-5 e 6). “O nome de Abraão, observa
S. João Crisóstomo, é como a coluna em que Deus inscreve para a eternidade a
promessa da posteridade e de uma prole fiel e eleita”.

Ora, na língua que Nosso Senhor falava, ou seja, o aramaico ou sírio-caldaico, a


mesma palavra KEPHA com que Nosso Senhor designou a Simão, tanto quer dizer
Pedro, como quer dizer pedra, sem sofrer a menor alteração. O mesmo acontece
na língua francesa em que PIERRE serve para designar um homem chamado
Pedro, como serve também para designar pedra. Um caso semelhante acontece
na nossa língua, em que um homem pode ser conhecido por Rocha (Sr. Rocha,
Dr. Rocha) e a mesma palavra Rocha quer dizer pedra.

Por isto, tanto o Evangelista podia ter dito: tu serás chamado Cefas que quer
dizer Pedro, como ter dito: tu serás chamado Cefas que quer dizer pedra; porque
Cefas significava uma coisa e outra. Preferiu dizer que Cefas significava Pedro,
para mostrar a que nome próprio de pessoa correspondia o nome imposto a
Simão.

Jesus não explicou na mesma hora qual o motivo por que fazia aquela mudança
de nome; era cedo ainda para isto, deixou para explicá-lo solenemente mais
tarde, como verdadeiro prêmio de uma bela profissão de fé.

Pedro, pedra fundamental da Igreja.

159. Um dia Jesus faz aos seus discípulos uma pergunta: quer saber o que é que
dizem os homens a respeito dEle: Quem dizem os homens que é o Filho do
Homem? (Mateus XVI-13). E eles responderam: Uns dizem que é João Batista,
mas outro que Elias, e outros que Jeremias ou algum dos profetas (Mateus XVI-
14). Mas Jesus lhes perguntou: E vós quem dizeis que sou eu? (Mateus XVI-16).
A questão foi, portanto, apresentada por Jesus de propósito, de ânimo pensado, a
fim de provocar a confissão de Pedro. Os outros Apóstolos calam e hesitam, com
receio de dizer alguma coisa que não seja bem expressiva, que não seja
inteiramente exata. Pedro, porém, o mais fervoroso, o mais decidido, o mais
ilustrado por Deus, antes que alguém dê uma resposta fraca e inadequada e
falando com a convicção de que se reveste o bom aluno quando sabe muito bem
qual a resposta que quer o seu mestre, responde por todos eles: Tu és o Cristo,
Filho de Deus vivo (Mateus XVI-16). Tu és o Cristo, ou seja, és o Messias
Prometido. És mais que isto: é o Filho de Deus vivo, Segunda Pessoa igual ao
Pai, Filho de Deus por natureza.

Cristo gostou imensamente da resposta de Pedro, a qual era um sinal de que


Deus iluminava de maneira toda particular aquele espírito simples e bem
formado de rude pescador. E já que Pedro disse tão brilhantemente quem é
Cristo, qual é a sua missão, qual é a sua grandeza, Jesus Cristo vai dizer, em
retribuição, quem é Pedro, qual o seu cargo, quais são as suas prerrogativas.
Pedro é a pedra sobre a qual Jesus vai construir a sua Igreja; vai ter nesta Igreja o
supremo poder, pois Cristo lhe dará as chaves do Reino dos Céus, com plenos
poderes para ligar e desligar.

Desde que, como dissemos, na língua que Jesus falava, a mesma palavra KEPHA
quer dizer Pedro e quer dizer pedra, percebe-se perfeitamente o trocadilho usado
por Nosso Senhor: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja,
trocadilho este que se exprime exatamente na língua francesa:

Tu és PIERRE et sur cette Pierre je bâtirai mon Église.

O siríaco é uma língua irmã do sírio-caldaico ou aramaico, que Jesus falou, de


modo que diz o comentador M. J. Lagrange: “As versões siríacas têm muito
grande importância para a exegese do Novo Testamento, porque de um certo
modo nos fornecem a expressão primitiva dos catequistas e sobretudo das
palavras de Nosso Senhor”. Pois bem, as versões siríacas, tanto a chamada
Peshitta que é usada oficialmente pelos cristãos sírios, católicos e acatólicos,
como a chamada Cureton pelo nome daquele que a descobriu e divulgou, trazem
a mesma forma para as duas palavras: Pedro e pedra; pois no siríaco (língua,
repetimos, muito semelhante àquela que Jesus falou) KIPHA é Pedro e KIPHA é
pedra. Na versão persa e na etiópica também é exatamente a mesma palavra para
designar Pedro e para designar pedra, mostrando-se, assim, o trocadilho tão
perfeitamente como se mostra no francês.

Embora a nossa língua não exprima com tanta perfeição, como o francês, o
trocadilho usado por Nosso Senhor, todavia quem lê o texto português o percebe
logo facilmente, pois entre nós até as crianças sabem que Pedro quer dizer —
pedra. Também no grego o substantivo apelativo PÉTROS quer dizer pedra. Veja-
se no dicionário de Bailly que assinala pedra, rochedo (Pierre, rocher) como os
dois únicos significados desta palavra. Se o intérprete grego chamou a Pedro
PETROS e não PETRA, é porque no grego os nomes próprios masculinos terminam
em regra geral em as, es, is, os, us.

O que se deu na língua falada por Nosso Senhor foi o que se teria dado na nossa
língua. Por exemplo, se um homem tivesse imposto a outro o nome de Rocha,
para depois dizer-lhe abertamente: Tu és ROCHA e sobre esta ROCHA é que vou
edificar a associação que quero instituir. Sendo que nos lábios de Nosso Senhor
o trocadilho ainda foi mais perfeito, porque em sírio-caldaico ou aramaico a
palavra KEPHA é sempre masculina, ou signifique Pedro, ou signifique Pedra: Tu
és KEPHA e sobre ESTE KEPHA edificarei a minha Igreja.

É natural a luta dos hereges para tentar desfazer o valor deste texto, de suma
importância para se conhecer qual é a verdadeira Igreja, porque, como diz o
teólogo acatólico Palmer: “A doutrina a respeito do primado do Bispo de Roma
sobre a Igreja Universal é o eixo, em torno do qual giram todas as controvérsias
entre a Igreja Romana e as demais Igrejas, porque se Cristo Nosso Senhor
instituiu um primado ex-ofício de algum Bispo na Igreja Católica, primado este
que deva perdurar, e se este primado o herdou o Bispo de Roma, daí se segue
que a Igreja Universal se reduz a uma só Igreja, de obediência romana; e os
concílios, doutrina e tradição desta Igreja, são revestidos de autoridade para todo
o mundo cristão” (p. 7 de Romano Pontífice c. 1).

Nada mais compreensível, portanto, do que o esforço dos protestantes,


procurando violentar o texto, querendo afirmar que aquelas palavras se referem a
todos os Apóstolos, pelo fato de ter falado Pedro em nome de todos eles; — ou
que se referem à fé, e não a Pedro; — ou que aquela pedra, de que aí se trata não
é Pedro, mas o próprio Cristo.

Mas Nosso Senhor faz tudo sempre bem feito. Ele tomou tantas precauções para
mostrar que se referia diretamente e exclusivamente à pessoa de Pedro, que,
como observa o Cardeal Mazzella, “os notários, quando fazem documentos
públicos e querem designar uma certa e determinada pessoa, não usam de mais
minúcias do que usou Jesus Cristo”.

Bem-aventurado ÉS SIMÃO, FILHO DE JOÃO (Mateus XVI-17). Cristo lhe dá o nome


de nascimento e lhe acrescenta o nome do pai, para não se confundir com outros;

porque não foi a carne e sangue quem TO revelou, mas sim meu Pai que está nos
Céus — fala numa revelação oculta feita diretamente a Pedro;
Cristo vai fazer também a Pedro uma revelação e continua insistentemente
tratando por TU, insistentemente mostrando que fala só a Pedro: Também eu TE
digo que TU ÉS Pedro (Mateus XVI-18) — para que ainda não se confunda com
nenhum outro, acrescenta-lhe o nome especial que deu a Simão e vai explicar o
motivo porque lhe impôs este nome;

e sobre ESTA PEDRA edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não


prevalecerão contra ela — a palavra ESTA mostra claramente que Ele se refere a
um termo usado anteriormente, que no caso é o termo Pedro que quer dizer:
Pedra (Pedro e pedra eram a mesmíssima palavra na língua que Jesus estava
falando);

e continua Cristo dirigindo-se exclusivamente a Pedro, como se prova pelo


contínuo emprego de TU: E eu TE darei as chaves do reino dos Céus; e tudo o que
LIGARES sobre a terra será ligado também nos Céus, e tudo o que DESATARES sobre
a terra será desatado também nos Céus (Mateus XVI-19).

Os protestantes passaram muito tempo sustentando que na frase — sobre esta


pedra edificarei a minha Igreja — esta pedra se referia a Cristo e não a Pedro.
Depois é que muitos deles resolveram desistir dessa interpretação, por eles
mesmos considerada antigramatical e por demais torcida e ilógica.

No meio de um discurso que se refere, todo ele, a Pedro (Bem-aventurado és...


Eu te digo... Tu és Pedro... Eu te darei... Tudo quanto ligares) aquela expressão
— sobre esta pedra — só podia referir-se a Simão, que por Cristo foi chamado
especialmente KEPHA, isto é, pedra. Do contrário Cristo estaria ludibriando a
S. Pedro; deu-lhe o nome de pedra, mas Pedro não o seria. Cristo o teria
chamado pedra só para levá-lo na troça; na hora de explicar por que motivo lhe
dera este nome, teria dito que a pedra era só Ele, Cristo e ninguém mais.

Além disto, para justificar a sua interpretação, os protestantes são obrigados a


inventar uma hipótese que não consta absolutamente no texto, ou seja, que Jesus
dizendo — esta pedra — APONTOU COM O DEDO PARA SI PRÓPRIO. Além da falta de
nexo, de ligação entre as palavras: Eu te digo que TU és Pedro — e as outras:
sobre esta pedra que sou eu (é claro que devia ser: que és tu) edificarei a minha
Igreja; como provam os protestantes, os quais admitem só o que está na Bíblia,
que Cristo apontou com o dedo para si próprio?
Respondem eles: Isto não é preciso provar, porque também Cristo disse:
Desfazei este templo e eu o levantarei em três dias (João II-19), certamente
apontou para si próprio e o Evangelista não o diz.

— Sim, o Evangelista não disse que Cristo apontou para si próprio, porém fez
ainda melhor: explicou bem claramente a que templo se referia Jesus: Mas Ele
falava do templo de seu corpo (João II-21). Se Cristo dizendo — sobre esta
pedra — se referisse a si próprio, S. Mateus deveria explicá-lo claramente,
porque dentro daquelas palavras, todas dirigidas exclusivamente a S. Pedro, não
haveria ninguém de bom senso que fosse capaz de decifrar semelhante enigma.

Um texto que não vem ao caso.

160. Para confirmar a sua forçadíssima interpretação, surgem vitoriosamente os


protestantes com um texto de S. Paulo: E esta pedra era Cristo (1ª Coríntios X-
4).

Eis aí um GRANDESSÍSSIMO TRUQUE, que não honra absolutamente a quem o


inventou, porque isto é nada mais nada menos do que fazer uma ideia baixa da
inteligência de seus ouvintes ou de seus leitores. Tratando-se, como se trata, de
uma discussão a respeito da frase — sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
— e aparecendo alguém com a solução: esta pedra aí é Cristo, porque o disse
S. Paulo — a pessoa que ouça esta explicação pelo rádio ou a encontre num livro
qualquer e não tenha à mão o texto completo de S. Paulo (porque o protestante
tem o cuidado de não lho apresentar), que é que fica pensando? É que S. Paulo
está dizendo aos Coríntios mais ou menos o seguinte: Vocês não se lembram
daquele texto de S. Mateus: sobre esta pedra edificarei a minha Igreja? Pois bem,
aquela pedra era Cristo.

Mas vá ver o texto de S. Paulo. Dará uma bonita gargalhada, vendo a que ponto
chega um protestante, quando está incomodado com uma palavra muito clara de
Jesus. A mesma gargalhada que dá a professora, quando vai começando a contar
uma história: Era uma vez um rei; este rei chamava-se Salomão;

e o meninozinho interrompe: Não professora; o rei chamava-se Alexandre; e


muito sério, muito entusiasmado, mostra à professora um livro no qual ele prova,
com letras de forma, que Alexandre era o nome do rei.

— Sim, meu filhinho, esse rei de que fala o seu livro se chamava Alexandre, não
— Sim, meu filhinho, esse rei de que fala o seu livro se chamava Alexandre, não
há dúvida, mas a história que eu ia contar não é a mesma que está no seu livro,
daí a diferença.

É justamente o caso da frase: E esta pedra era Cristo (1ª Coríntios X-4). A
história que S. Paulo estava contando era muito diferente.

Vejamos o texto todo de S. Paulo. Ele faz uma alegoria mostrando que aquilo
que aconteceu com os judeus no deserto, sobretudo na passagem do Mar
Vermelho (todos passaram o mar — 1ª Coríntios X-1) era figura dos mistérios
do Cristianismo: estas coisas foram feitas em FIGURA de nós outros (1ª Coríntios
X-6).

A passagem do Mar Vermelho, pela qual se salvaram os judeus das garras do


exército do Faraó, simbolizava o Batismo, em que ficam submergidos nos
nossos pecados, assim como ali os egípcios ficaram submersos (todos foram
batizados debaixo da conduta de Moisés na nuvem e no mar — 1ª Coríntios X-
2); Moisés neste caso representa aquele que ministra o batismo. A nuvem
miraculosa que os iluminava representava o Espírito Santo. O maná recebido do
céu era uma figura da SSma Eucaristia (Todos comeram dum mesmo manjar
espiritual — 1ª Coríntios X-3). A pedra, donde brotou a água era Cristo,
golpeado pelos judeus na sua cruz, mas donde jorram as águas da graça: Se
alguém tem sede, venha a mim e beba (João VII-37). O que beber da água que
eu hei de dar, nunca jamais terá sede, mas a água que eu lhe der virá a ser nele
uma fonte d’água que salte para a vida eterna (João IV-13 e 14). Da crença dos
rabinos, de que o rochedo donde jorrou a água seguira os judeus no deserto, para
dessedentá-los, S. Paulo se aproveita para dizer que a graça de Cristo já os
seguia, confortando-os e fortalecendo-os, pois toda graça recebida pelos homens
depois do pecado de Adão, já era graça de Cristo, que havia de ser merecida por
Cristo na cruz: E todos beberam duma mesma bebida espiritual, porque todos
bebiam da pedra misteriosa que os seguia E ESTA PEDRA ERA CRISTO (1ª Coríntios
X-4).

Desta alegoria se serve S. Paulo para fazer uma exortação. Apesar de terem
recebido tão grandes favores do Céu, nem todos os judeus souberam
corresponder à graça e por isto muitos foram castigados: de muitos deles Deus se
não agradou, pelo que foram prostrados no deserto (1ª Coríntios X-5). Assim
também os cristãos, que tão excelsos benefícios receberam do Céu, maiores
ainda do que os recebidos pelos judeus, os quais eram apenas figura dos
mistérios cristãos, devem ter cuidado em não abusar das graças divinas: Mas
estas coisas foram feitas em figura de nós outros, porque não sejamos cobiçosos
de coisas más, como também eles as cobiçaram (1ª Coríntios X-6).

E seguem as exortações de S. Paulo: Nem vos forçais idólatras como alguns


deles (1ª Coríntios X-7) nem forniquemos, como alguns deles fornicaram e
morreram em um dia vinte e três mil; nem tentemos a Cristo, como alguns deles
O tentaram e pereceram pelas mordeduras das serpentes, nem murmureis, como
murmuraram alguns deles e foram mortos pelo exterminador (1ª Coríntios X-8 a
10). E S. Paulo termina a sua exortação dizendo: Todas estas coisas, porém, lhes
aconteciam em figura, mas foram escritas para ESCARMENTO de nós outros (1ª
Coríntios X-11) para logo, em seguida, acrescentar: Aquele, pois, que crê estar
em pé veja não caia (1ª Coríntios X-12).

Não pode haver prova mais clara, digamos entre parêntesis, para mostrar que
S. Paulo não adotava a teoria protestante de que aquele que crê em Cristo está
salvo infalivelmente, não se pode perder jamais.

Porém, voltando ao nosso assunto: que relação tem toda esta história com o
cargo de chefe da Igreja confiado a S. Pedro? Eis aí uma das “maravilhas” da
interpretação protestante. Cristo chamou a Pedro pedra fundamental da Igreja,
constituindo-o, portanto, chefe da mesma. Tudo ia muito bem, até o momento
em que S. Paulo se lembrou de dizer que aquela pedra, donde jorrou água no
deserto, era uma FIGURA, uma REPRESENTAÇÃO de Cristo. Desde esse momento
S. Pedro tinha que ser destituído de seu cargo, não podia mais ser considerado a
pedra fundamental da Igreja que Cristo edificou.

O argumento é verdadeiramente infantil. Se fosse um meninozinho de escola que


assim argumentasse, se perdoaria facilmente, seriam coisas de menino. Mas um
intérprete das Sagradas Letras, cheio de sabença e de erudição, que quer
demonstrar que a Igreja errou durante 20 séculos e ainda erra hoje na
interpretação deste texto, com franqueza, isto é simplesmente imperdoável.

Cristo é a pedra e Pedro é a pedra.

161. Mas, dirão os protestantes, o Sr. não brinque conosco, porque nós
apresentamos textos em que se demonstra que a pedra fundamental da Igreja é o
próprio Cristo. E lá vão os textos:

O próprio S. Pedro disse, referindo-se a Cristo: Esta é a PEDRA que foi reprovada
por vós, arquitetos, que foi posta pela PRIMEIRA FUNDAMENTAL do ângulo (Atos IV-
11). E o mesmo S. Pedro diz na sua 1ª Epístola, também se referindo a Jesus:
Chegai-vos para Ele como para a PEDRA VIVA que os homens tinham, sim,
rejeitado, mas que Deus escolheu e honrou; também SOBRE ELA vós mesmos,
como pedras vivas, SEDE EDIFICADOS em casa espiritual, em sacerdócio santo,
para oferecer sacrifícios espirituais, que sejam aceitos a Deus por Jesus Cristo.
Por cuja causa se acha na Escritura: Eis aí ponho eu em Sião a principal PEDRA
DO ÂNGULO, escolhida, preciosa; e O QUE CRER NELA NÃO SERÁ CONFUNDIDO (1ª Pedro
II-4 a 6). S. Pedro não faz mais que repetir o que dissera Jesus: Nunca lestes nas
Escrituras: A PEDRA que fora rejeitada pelos que edificavam, essa foi posta por
cabeça do ângulo? Pelo Senhor foi feito isto, e é coisa maravilhosa nos nossos
olhos (Mateus XXI-42). E S. Paulo diz na sua Epístola aos Efésios: Sois
cidadãos dos santos e domésticos de Deus EDIFICADOS sobre o fundamento dos
Apóstolos e dos Profetas, SENDO O MESMO JESUS CRISTO A PRINCIPAL PEDRA ANGULAR
(Efésios II-19 e 20).

— Estes textos servem, não há dúvidas, para armar efeito. Mas quem tenha
alguma noção do que é realmente interpretação da Bíblia, da qual NENHUM TEXTO
PODE SER DESPREZADO, nota logo a anormalidade que há em tudo isto: como é que,
em vez de dar uma explicação correta, lógica, legítima e convincente de um
texto tão claro (Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja), o
intérprete vai buscar outras passagens da Bíblia para tentar destruir este texto? A
gente estuda um versículo à luz de outras passagens bíblicas PARA MELHOR
EXPLICÁ-LO, e não para deixá-lo sem explicação.

Estas citações e mais outras que arranjassem os protestantes não conseguem


destruir a palavra de Cristo dita a S. Pedro, pois uma passagem da Bíblia não
destrói a outra, serve, sim, para melhor ilustrá-la. Cristo chamando a Pedro pedra
da Igreja quis chamar a Pedro o SUSTENTÁCULO DESTA IGREJA. Isto não impede de
ser Cristo também o SUSTENTÁCULO DA MESMA IGREJA, pois Pedro, sendo homem,
fraco, imperfeito, limitado como todos os homens, precisava por sua vez de um
APOIO também, e só Deus, ou por outras palavras, só Jesus Cristo que era Deus,
jamais criatura alguma poderia sustentá-lo. Cristo sustenta Pedro e Pedro
sustenta a Igreja; logo, Cristo também sustenta a Igreja.
A própria metáfora usada por Cristo obriga a esta conclusão. A gente costuma
dizer e Ele também disse que um edifício está sólido quando está construído
sobre a rocha. Mas esta própria rocha necessita de um ponto de apoio: tem que
está encravada na TERRA FIRME; se pusermos esta rocha sustentada por cordas
bambas, tudo se desmorona.

Fundando a sua Igreja, Cristo fundou uma sociedade que devia ser constituída
por homens, e homens de todas as raças, de todas as condições sociais, de todos
os graus de cultura e também de todos os tempos. Ora, nós sabemos como são os
homens, como divergem, como discutem, como têm temperamentos diversos e
diversos modos de ver as coisas também. Vemos pelas escrituras, por exemplo,
que entre o próprio Paulo e Barnabé houve divergência e findaram separando-se:
E houve TAL DESAVENÇA entre eles, que se separaram um do outro; e assim
Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para o Chipre; e Paulo, tendo
escolhido a Silas, partiu, encomendado pelos irmãos à graça de Deus (Atos XV-
39 e 40). É uma pequena amostra do que pode acontecer mesmo entre pessoas
muito santas e que professam a mesma fé, a mesma doutrina. A Igreja havia de
ser uma grande família, um grande reino, um grande povo; ora, para haver união
num povo, num reino, numa família, é preciso que haja UM CHEFE, a quem todos
atendam, a quem todos obedeçam e em torno do qual se unam, nos bons e nos
maus momentos. Se cada um tem o direito de opinar, de agir, como bem
entende, nasce a desunião, a desagregação, a anarquia e tudo vai de água abaixo,
pois a união é que faz a força, ou para usarmos as palavras do próprio Jesus:
Todo o reino dividido contra si mesmo será desolado, e toda a cidade ou casa
dividida contra si mesma não subsistirá (Mateus XII-25). Não podemos ter
melhor exemplo da falta que faz um chefe do que o próprio Protestantismo. Não
têm todos à mão a mesma Bíblia? Não consideram todos a Jesus Cristo como seu
chefe? E, entretanto, a balbúrdia que há entre os protestantes é verdadeiramente
infernal. É pena que não tenhamos espaço para reproduzir aqui todos os
desaforos com que se brindavam reciprocamente os Primeiros Reformadores, e
tudo quanto as seitas protestantes têm dito, com tão notável acrimônia, uma das
outras. Isto daria muitos e grossos volumes. E o Protestantismo só tem quatro
séculos. O simples enunciado das palavras de Cristo: Tu és Pedro e sobre esta
pedra edificarei A MINHA IGREJA (Mateus XVI-18) contém já em si abertamente a
mais formal condenação do Protestantismo. Cristo não disse AS MINHAS IGREJAS,
mas a minha Igreja, porque a sua Igreja é UMA SÓ [15]. Uma Igreja firme,
sustentada pela rocha, havia de ser necessariamente uma Igreja que não se
dividisse em centenas de igrejinhas, distribuindo reciprocamente a pecha de
heréticas e ensinando as mais desencontradas doutrinas, como é o que acontece
entre as seitas protestantes. Todos os nossos irmãos separados dizem que o seu
chefe é Jesus Cristo, mas quando Este lhes fala pelas Escrituras, cada um julga
com pleno direito de torcer a seu modo, de falsear as palavras do Mestre, por
mais claras que elas sejam, e não há ninguém entre eles que tenha autoridade
bastante para coibir semelhantes abusos, porque o Protestantismo nasceu
precisamente disto: da revolta contra qualquer autoridade religiosa. A discussão
estava animada no Concílio de Jerusalém, Pedro falou e logo se calou toda a
assembleia. No Protestantismo a algazarra é cada vez maior, porque falta um
Pedro para decidir as suas questões. E mesmo que Jesus Cristo baixasse à terra,
em pessoa, visivelmente, para exercer esta função, seria inútil: o livre exame se
encarregaria de deturpar novamente as suas palavras, como tantas e tantas vezes
já tem deturpado aquelas que Ele proferiu outrora na palestina.

Jesus bem conhecia os homens e sabia a que desagregação chegaria a sua única
Igreja, se todos fossem independentes e não tivessem um chefe. Não é que Deus
precise das criaturas para fazer as suas obras, absolutamente não! Mas Ele
sempre quis dar às criaturas a honra de associá-las à sua ação neste mundo. Não
costuma multiplicar os milagres, quando um efeito pode ser conseguido por
meios humanos; e se já pode ser considerada um grande milagre na História esta
unidade maravilhosa que vem mantendo universalmente, através de 20 séculos, a
Igreja Católica, sempre congregada em torno de um homem sustentado por
Cristo, uma série incalculável de milagres (quase diríamos: um milagre para
cada pessoa) seria a Igreja de Cristo manter a sua unidade, cada um agindo,
pensando, interpretando a Bíblia como melhor lhe parecesse.

Quando dizemos, portanto, que Cristo fez de S. Pedro e seus sucessores o


sustentáculo da Igreja, não queremos dizer que o Papa se torna um Deus, nem
um super-homem. Continua a ser um homem fraco, imperfeito, sujeito ao
pecado, como são todos os homens, mas um homem destinado a exercer uma
missão importantíssima na Igreja de Deus, sobre a qual vela muito
particularmente a Divina Providência, pois Deus não faria uma obra que lhe é
muito cara, para relegá-la ao abandono; se Deus sustenta o Papa a fim de que
conserve sempre nos momentos decisivos a fé legítima, é porque este é o único
meio, dentro dos planos divinos, de conservar a Igreja una e fiel à sua missão
[16]. E se para tão alto cargo Cristo escolheu a Pedro, um rude pescador, que O
havia de negar, que, ao lado de uma vontade firme e de uma fé ardorosa, dava
provas também às vezes de fraqueza e de ignorância, é porque as coisas fracas
do mundo escolheu Deus para confundir os fortes; e as coisas vis e desprezíveis
do mundo escolheu Deus, e aquelas que não são, para destruir as que são (1ª
Coríntios I-27 e 28).

Cristo fazendo de Pedro o sustentáculo da Igreja, isto não destrói a outra


verdade: e é que Cristo é numa ordem ainda mais elevada, o sustentáculo desta
mesma Igreja. Tudo quanto de bom, de grande, de honroso possuem as criaturas,
Deus possui de uma maneira eminente; toda prerrogativa das criaturas é
participação das perfeições de Deus.

Por conseguinte, a argumentação dos protestantes neste ponto, se mostra por


demasiado estreita e ingênua.

Vejamos, por exemplo: Nós sabemos por S. Mateus (Mateus V-1 e 2) que Jesus
disse a seus discípulos: VÓS SOIS A LUZ DO MUNDO (Mateus V-14). Ora, segundo o
modo protestante de argumentar, apesar de Nosso Senhor falar claramente, eles
hão de dizer: Não, não é exato; os discípulos de Cristo não podem ser a luz do
mundo. Veja-se, por exemplo, em S. João: E outra vez lhes falou Jesus, dizendo:
EU SOU A LUZ DO MUNDO (João VIII-12). Logo, dirão triunfalmente os protestantes,
está provado que quem é a luz do mundo não são os seus discípulos, é o próprio
Cristo.

— Mas isto é uma verdadeira infantilidade, se os discípulos de Cristo iluminam


o mundo com sua doutrina, quem foi que os iluminou, quem lhes ensinou esta
doutrina luminosa? Não foi o próprio Cristo? Iluminados por Cristo, iluminam o
mundo. E assim não há nenhuma contradição em dizer-se que eles são a luz do
mundo e dizer-se que Cristo é a luz do mundo.

Honrarás a teu pai e a tua mãe (Êxodo XX-12; Mateus XIX-19). Ouve a teu pai
que te gerou; e não desprezes a tua mãe quando for velha (Provérbios XXIII-
22). Maldito o que não honra a seu pai e a sua mãe (Deuteronômio XXVII-16).
Que diria do filho que dissesse a seu progenitor: não te reconheço como meu
pai? Iria certamente de encontro ao mandamento divino. Entretanto, Nosso
Senhor disse no Evangelho: A NINGUÉM CHAMEIS PAI vosso sobre a terra; porque
um só é o Pai que está nos Céus (Mateus XXIII-9). Que quer dizer Nosso
Senhor com isto? Quer dizer que não devemos pensar como os pagãos e os
ateus, que encaram o pai terreno como único autor de seus dias, como se este pai
terreno que os criou, que os alimentou, que lhes deu a educação fosse a única
Providência com que contam aqui na terra. O nosso pai terreno nos gerou, mas a
geração só foi possível, porque Deus criou do nada a nossa alma. Os bens que
recebemos dos pais nos vieram de Deus, por intermédio deles. Assim é Deus
quem tem em sumo grau e por excelência o privilégio da paternidade; é dEle que
toda paternidade toma o nome nos Céus e na terra (Efésios III-15), como diz
S. Paulo. O que não impede os pais terrenos de terem direito ao carinho, às
homenagens, à submissão e à obediência de seus filhos.

S. Paulo diz a Timóteo que só Deus possui a imortalidade: O Rei dos reis e o
Senhor dos senhores, Aquele que, só, possui a imortalidade (1ª Timóteo VI-15 e
16). Os Adventistas do 7º dia querem basear-se neste texto para afirmar que a
alma humana não é imortal, ensinando que a alma fica adormecida, até a
segunda vinda de Cristo. Basta ler a parábola de Lázaro e do mau rico para se
ver que eles não tem razão: Ora, sucedeu morrer este mendigo que foi levado
pelos anjos ao seio de Abraão. E morreu também o rico e foi sepultado no
inferno (Lucas XVI-22). E segue a história com um diálogo entre eles. Trata-se
de uma parábola, é verdade, mas Nosso Senhor nunca ensinou parábolas para
lançar confusão nos espíritos e sim para ensinar com precisão a doutrina
verdadeira. O que é certo, portanto, é que do fato de se dizer que só Deus possui
a imortalidade não se segue que a nossa alma, nem que os anjos não sejam
imortais. Só Deus possui a imortalidade por si mesmo, por uma exigência de sua
própria natureza divina. A alma e os anjos possuem a imortalidade,
simplesmente porque Deus quis fazê-los imortais; quis fazê-los também
participar da imortalidade, que é um de seus divinos atributos.

Um dia, um homem disse a Jesus: Bom mestre, que devo eu fazer para alcançar
a vida eterna? (Marcos X-17). Nosso Senhor, numa velada queixa àquele
homem que O tinha na conta de mestre, mas ainda não cria na sua divindade, lhe
falou assim: Por que me chamas tu bom? NINGUÉM É BOM senão só DEUS (Marcos
X-18). Segue-se daí que nenhum homem pode ser chamado bom? Não se segue;
porque a própria Bíblia se encarrega de chamar bons a alguns homens: Vosso
Pai que está nos Céus, o qual fez nascer o seu sol sobre BONS e maus (Mateus V-
45). O homem BOM do bom tesouro tira boas coisas (Mateus XII-35). Muito bem,
servo BOM e fiel (Mateus XXV-21). Um varão, por nome José, que era senador,
varão BOM e justo (Lucas XIII-50). De Barnabé se diz nos Atos: Era varão BOM e
cheio do Espírito Santo (Atos XI-24).

Há contradição aí? Absolutamente não; quando se diz: este homem é bom, a


palavra não tem sentido tão elevado, tão perfeito, tão absoluto, como quando se
diz: Deus é bom. Deus é bom, quer dizer, Deus é a fonte de toda a bondade, é a
própria bondade em si mesmo. Um homem é bom, porque participa, como
criatura, da bondade de Deus; tem a bondade que já foi o próprio Senhor quem
lhe deu.

S. Paulo diz que só Deus é sábio: A Deus que, só, é sábio, a Ele por meio de
Jesus Cristo seja tributada honra a glória por todos os séculos dos séculos
(Romanos XVI-27). Assim termina S. Paulo a sua Epístola aos Romanos.
Entretanto, oito versículos atrás, ele tinha dito aos fiéis: Quero que vós sejais
SÁBIOS no bem (Romanos XVI-19). Os homens podem ser sábios; e, no entanto,
só Deus é sábio, porque toda sabedoria vem de Deus.

Ainda mais; diz S. Paulo: A Deus só, seja HONRA e GLÓRIA pelos séculos dos
séculos (1ª Timóteo I-17). Entretanto, o próprio S. Paulo diz na Epístola aos
Romanos: A GLÓRIA e a HONRA e a paz será dada a todo obrador do bem, ao
Judeu primeiramente e ao Grego (Romanos II-10). Que se conclui daí? Que a
honra e a glória que recebem os santos, aqueles que nos deram belos exemplos
de virtude, revertem-se, em última análise, em honra e glória a Deus, sem cuja
graça não teriam conseguido a virtude. Daí se vê, diga-se de passagem, como é
estreita a mentalidade dos protestantes, os quais acham que a honra por nós
prestada a Maria SSma, sublime exemplo de santidade e mãe de Jesus Cristo que
é Deus, e aos santos que também realizaram maravilhas em matéria de virtude
simplesmente porque Deus os enriqueceu com a sua graça, rouba alguma coisa à
honra e à glória que prestamos a Deus, fonte de toda virtude, de toda bondade,
de toda perfeição. Como se elogiar e exaltar os quadros belíssimos que vemos
numa exposição de arte roubasse alguma coisa ou não fosse antes uma exaltação
ao grande artista que os produziu. E a virtude dos santos é, afinal, de contas,
obra da graça de Deus; e, se exigiu a cooperação humana, foi esta própria graça
que os ajudou a cooperar.

Pelo que vimos, a Bíblia nos diz que só Deus é pai, só Deus possui a
imortalidade, só Deus é bom, só Deus é sábio, só a Ele deve ser tributada honra e
glória. Isto não impede a própria Bíblia de chamar a um homem de pai, de
ensinar a imortalidade da alma, de chamar bons e sábios os homens, de dizer que
alguns deles merecem honra e glória.
alguns deles merecem honra e glória.

Assim também, se Cristo disse a Pedro (e só a Pedro, não a Tiago, nem a João,
nem a Paulo) que ele era a pedra sobre a qual ia fundar a sua Igreja, isto não
obsta a que o próprio Cristo seja apontado, num sentido ainda mais elevado,
como a pedra angular desta mesma Igreja. Ninguém seria tão louco a ponto de
pensar que um homem pudesse sustentar e manter a Igreja Universal sempre
firme, sempre una, sempre livre de cair na heresia, sem o auxílio e proteção
especialíssima de Deus; e este auxílio, Cristo prometeu que o daria até o fim do
mundo. E dizer que a Igreja não pode ter um chefe aqui na terra pelo fato de
dizer a Bíblia que Cristo é a cabeça da Igreja; porque um corpo não pode ter
duas cabeças, seria o mesmo disparate que dizer que não podemos ter um pai
humano aqui na terra pelo fato de ser Deus o nosso Pai, porque uma pessoa não
pode ter dois pais ao mesmo tempo.

Existem na Bíblia várias metáforas, várias comparações. Não se pode


absolutamente estabelecer um nexo sistemático, uma ligação entre todas elas.
Seria cair no grave erro de querer materializar por demais as ideias. A metáfora é
um meio, não um fim; serve para realçar, fazer compreender melhor a ideia que
se tem em vista naquele momento. Depois, noutra ocasião, se usa outra metáfora
que se considera mais oportuna, porém sem compromisso algum de relacioná-la
com as metáforas usadas anteriormente. Seria ridículo, por exemplo, se alguém
se pusesse a dizer: Não é certo que Cristo é a pedra angular que sustenta o
edifício da Igreja? Como é que ele diz: Eu sou a porta (João X-9)? Nosso
Senhor não nos compara com os ramos da árvore (Eu sou a videira e vós outros
as varas — João XV-5)? Como é que nos considera também como árvores (toda
a árvore boa dá bons frutos, e a má árvore dá maus frutos — Mateus VII-17)?
Nosso Senhor não é o pastor (Eu sou o bom pastor — João X-11)? Como é que
ao mesmo tempo é chamado um cordeiro (Eis aqui o cordeiro de Deus — João
I-29)? São diversas metáforas, usadas de acordo com a ideia que se quer
salientar precisamente naquela ocasião. Foi justamente o que se deu com esta
metáfora: pedra.

Davi, nos seus Salmos, aplica este nome de pedra ao Messias Prometido: A
PEDRA que desprezaram os edificadores, esta foi posta por cabeça do ângulo.
Pelo Senhor foi feito isto, e é coisa admirável nos nossos olhos (Salmos CXVII-
22 e 23). O profeta Isaías fala do mesmo modo a respeito do Messias: Eis aqui
estou eu que vou a lançar nos fundamentos de Sião uma PEDRA, uma pedra
aprovada, ANGULAR, preciosa (Isaías XXVIII-16). Ora, Nosso Senhor mostra no
Evangelho que nEle se cumprem estas palavras. A ideia que se quer frisar aí é a
seguinte: pelos escribas e fariseus, que eram os edificadores da sinagoga, Cristo
foi rejeitado, como se não passasse de uma pedra inútil, um homem sem valor;
entretanto, esta pedra, por eles considerada inútil, era a pedra escolhida de Deus,
a pedra fortíssima que havia de desempenhar um papel de ligação entre as duas
paredes, ou as duas partes do edifício, ou seja, os Judeus e os Gentios, outrora
tão separados em matéria de religião, pois o Cristianismo agora vai ligar e unir a
todos os povos, num só povo de Deus.

Aproveitando-se desta mesma ideia, S. Paulo, na sua Epístola aos Efésios mostra
que eles fazem parte de um edifício, a Igreja de Deus, a qual assenta sobre o
fundamento que são os Apóstolos e Profetas [17]. Note-se que fundamento e
pedra fundamental são duas metáforas diversas. Fundamento são os alicerces, os
quais podem ser postos sobre a rocha os sobre a areia movediça. Assim Nosso
Senhor diz daquele que quis fazer bem firme a sua casa que ele cavou
profundamente e pôs o FUNDAMENTO sobre uma rocha (Lucas VI-48). Os alicerces
da Igreja foram lançados pela doutrina pregada pelos Apóstolos e pelos Profetas,
mas a firmeza de tudo isto está em Cristo, a pedra angular que uniu judeus e
gentios e que é a fonte de toda força, de toda vitalidade da Igreja. Se os
Apóstolos pregam, é a própria doutrina que Cristo lhes ensinou; se são
dispenseiros dos mistérios de Deus (1ª Coríntios IV-1), é a graça de Cristo que
vivifica a toda a Igreja nestes mistérios. Dentro desta ordem de considerações
(Cristo, pedra angular rejeitada; Cristo, fonte de toda a firmeza da Igreja) é que
S. Pedro chama também a Cristo A PEDRA VIVA que os homens tinham, sim,
rejeitado (1ª Pedro II-4), sobre a qual os fiéis devem ser edificados.

Mas no trecho de S. Paulo que já vimos: E esta pedra era Cristo (1ª Coríntios X-
4) a metáfora era inteiramente outra. S. Paulo quer salientar a ideia de que
Cristo, como a pedra que saciou os judeus no deserto é a fonte donde jorram as
águas da graça, e que esta graça já existia para os judeus, como um efeito
antecipado da Paixão do Salvador e por isto diz S. Paulo: bebiam da pedra (1ª
Coríntios X-4). Ninguém vai beber de uma pedra que está servindo de esteio a
um edifício. É uma comparação inteiramente de outro gênero.

Já S. João, no Apocalipse, querendo salientar apenas a apostolicidade da Igreja,


ou seja, a ideia de que os Apóstolos pregando a doutrina que Cristo lhes ensinou,
transmitindo os poderes que Cristo lhes deu, lançaram as bases para a
propagação e difusão da Igreja, S. João, depois de comparar a Igreja gloriosa nos
Céus com uma cidade (vi a cidade santa, a Jerusalém nova, que da parte de
Deus descia do Céu, adornada como uma esposa ataviada para seu esposo —
Apocalipse XXI-2) afirma simplesmente que os fundamentos desta cidade são os
12 Apóstolos: E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles os doze
nomes dos doze Apóstolos do cordeiro (Apocalipse XXI-14). Não fala em
Cristo, porque quer frisar somente o trabalho dos Apóstolos dando início à
Igreja, mas daí não se segue absolutamente que a base de tudo não seja o próprio
Cristo.

No trecho que estamos analisando (Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a
minha Igreja) a ideia que Nosso Senhor quer fazer sobressair é outra. Não se
está tratando deste assunto: Cristo rejeitado pelos Judeus e tornando-se a base de
toda a Igreja de Deus. Nem deste: Cristo, uma pedra viva donde jorram as águas
da graça, da qual também participaram os judeus. Nem deste: a glória que terá
nos Céus a Igreja que aqui na terra teve como fundamento os 12 Apóstolos que a
propagaram. Trata-se do seguinte: Pedro fez uma bela profissão de fé; Cristo em
retribuição quer salientar a missão importante que vai confiar a Pedro. Não é
obrigado mais a usar aquela metáfora da pedra angular; nem fala mesmo em
pedra angular. Compara a Igreja a um edifício, mas este edifício vai ser
construído por Ele, Cristo, que será o arquiteto (EDIFICAREI), portanto não está
pensando neste momento em apresentar-se como pedra, pois é claro que não é o
arquiteto que vai servir de pedra para sustentar o edifício; Ele é de opinião, como
já antes tinha manifestado, que edifício sólido é aquele que é construído sobre a
rocha; Pedro é que vai ser a rocha em que vai ser levantado o edifício da Igreja.
E assim como da pedra fundamental de um edifício é que vem a sua UNIDADE, a
sua COESÃO, a sua ESTABILIDADE, o NÃO ESFACELAR-SE e DESMORONAR-SE, a Pedro,
como chefe da Igreja, é que cabe manter esta coesão, esta unidade. Por isto,
Pedro precisará ter autoridade para mandar; de plenos poderes para governar esta
Igreja. Cristo lhos dá, entregando-lhe as chaves do Reino dos Céus e dizendo:
Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos Céus, e tudo o que
desatares sobre a terra será desatado também nos Céus (Mateus XVI-19). Por
isto, Pedro precisará de uma proteção especial de Cristo; esta não faltará até o
fim do mundo: As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja.

E, como já explicamos, dentro desta mesma metáfora não se defende


absolutamente a ideia de que só em Pedro reside toda a segurança da Igreja,
porque se Pedro é a Pedra, sobre a qual a Igreja se firma, por outro lado, a
providência Divina, ou em outros termos, a ação contínua do Espírito Santo
prometido por Cristo (eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador, para
que fique eternamente convosco — João XIV-16) pode ser considerada a TERRA
FIRME em que a pedra está encravada e que, portanto, sustentando a pedra,
sustenta todo o edifício.

Para que tanto barulho, tanto torcimento de textos, tanto suor, tanto artifício a
fim de provar que Pedro não pode ser a pedra da Igreja, se é o próprio Cristo
quem o diz com palavras tão claras? Cristo sustenta a sua Igreja e quis associar
um homem a esta missão de sustentá-la. Quem O impedia de assim proceder?

O grande segredo, a grande maravilha da Providência é que Deus realiza seus


planos servindo-se dos homens que são LIVRES e no entanto, nenhum deles usa de
sua liberdade para fazer uma surpresa a Deus, pois Deus prevê
perfeitissimamente todas as ações livres de todos os homens. Apesar da
liberdade humana e mesmo contando com ela, Deus encaminha todos os
acontecimentos. Desde que quis colocar um homem como sustentáculo da Santa
Igreja, Ele que tudo pode, tudo prevê e dirige, bem sabe quais os homens que
sucessivamente irá suscitando para exercerem esta missão [18], bem sabe como
há de guiar todas as ocorrências de tal modo que a Igreja encontre sempre nesse
homem, fortalecido pela proteção divina, a base de sua própria firmeza e
estabilidade. Não há nenhuma contradição, portanto, em Cristo=pedra e
Pedro=pedra. Cada um é pedra da Igreja, à sua maneira, maneira tão diversa
como Deus é diverso do homem. Pedro sustenta a Igreja, porque tem as
promessas de Cristo garantindo sustentá-lo. E, no final de tudo, toda a firmeza da
Igreja vem de Cristo.

Notas (pular)

[15] Bem que diz o nosso povo: para tudo há gente neste mundo! Ainda há protestantes que, quando lhes
mostramos Cristo dizendo A MINHA IGREJA, pretendem justificar a multiplicidade das seitas, observando-nos
que as Igrejas de Cristo são muitas, pois se diz no Apocalipse: Aquele que tem ouvidos ouça o que o
Espírito diz às IGREJAS (Apocalipse II-7). Mas isto é simplesmente o cúmulo!

A Bíblia chama IGREJA a Religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja Universal que é uma só.
Ora é chamada simplesmente A IGREJA (1ª Coríntios XII-28; Efésios I-22, III-10, V-23 e 25, 27, 29 e 32;
Colossenses I-8 e 24), ora é chamada A IGREJA DE DEUS (Atos XX-28; 1ª Coríntios XV-9; Gálatas I-13; 1ª
Timóteo III-15).
A Bíblia chama também IGREJA a casa, o templo onde se reúnem os fiéis de certa localidade: é coisa
indecente para uma mulher o falar na IGREJA (1ª Coríntios XIV-35).

E chama igualmente de IGREJA o conjunto dos fiéis de uma determinada região: a igreja de Deus que está
em Corinto (1ª Coríntios I-2) igreja dos Tessalonicenses (1ª Tessalonicenses I-1), igrejas da Galácia
(Gálatas I-2), igrejas da Macedônia (2ª Coríntios VIII-1) igreja dos Laodicenses (Colossenses IV-16). E
S. Paulo, escrevendo a Filemon, chega a dirigir-se à Igreja que está em tua casa (Filemon verso 2º).

O mesmo se dá em nossa língua com a palavra POVO — pois tanto dizemos: o Brasil é um grande povo —
como vamos repartindo o sentido da palavra pelos Estados: povo de Pernambuco, povo do Ceará, povo do
Rio Grande do Sul, mais ainda, pelas cidades: povo do Recife, povo de Olinda; até chegar a dizer: o povo
da minha casa.

É neste último sentido (de assembleia local) que o Espírito Santo transmite por intermédio de S. João, no
Apocalipse, a sua mensagem, que, como o Apóstolo mesmo indica, é dirigida às sete Igrejas que há na
Ásia, a Éfeso, e a Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardes, e a Filadélfia, e a Laodiceia (Apocalipse
I-11).

Querer prevalecer-se disto para tentar provar que também na Igreja primitiva havia muitas seitas, como se
aquelas assembleias locais fossem como outras tantas seitas protestantes, a discutir entre si, umas batizando
as crianças, outras só os adultos; umas descansando no sábado e outras no domingo; umas admitindo
sacramentos e outras não, umas acreditando no inferno e outras o negando; umas garantindo que o crente,
quando morre, vai direto para o Céu, outras asseverando, ao contrário, que ele fica adormecido
completamente até o dia do juízo final etc. etc., é querer caluniar e apresentar como sumamente anarquizada
a Igreja primitiva, tão sabiamente instruída e unificada pela doutrinação dos Apóstolos. (voltar)

[16] Como bem explica a Pastoral Coletiva de 1871, dos bispos suíços, a qual foi explicitamente aprovada
pelo Papa Pio IX: “O Papa não é infalível nem como homem, nem como sábio, nem como sacerdote, nem
como bispo, nem como príncipe temporal, nem como juiz, nem como legislador. Não é infalível e
impecável na sua vida e procedimento, nas suas vistas políticas, nas suas relações com os príncipes, nem
mesmo no governo da Igreja. É única e exclusivamente infalível quando, como Doutor supremo da Igreja,
pronuncia em matéria de fé ou de costumes uma decisão que deve ser aceita e tida como obrigatória por
todos os fiéis”. (voltar)

[17] Muito preocupados com a ideia, que puseram na cabeça, de que a Bíblia não podia chamar fundamento
da Igreja senão ao próprio Cristo, alguns protestantes, diante desta frase de S. Paulo: sois cidadãos dos
santos e domésticos de Deus, edificados sobre o FUNDAMENTO dos Apóstolos e dos Profetas, sendo o mesmo
Jesus Cristo a principal pedra angular (Efésios II-20), querem interpretá-la não deste modo: sois edificados
sobre o FUNDAMENTO QUE SÃO OS APÓSTOLOS E OS PROFETAS, sendo Jesus Cristo a principal pedra angular —
mas deste: sois edificados sobre o FUNDAMENTO DOS APÓSTOLOS E DOS PROFETAS, O QUAL FUNDAMENTO DOS
APÓSTOLOS E DOS PROFETAS é Jesus Cristo, a pedra angular. Em português já se está percebendo como se
tortura o texto para chegar a esta conclusão. E, se vamos examinar o texto original grego, vemos
perfeitamente que esta interpretação não é exata. FUNDAMENTO no grego está em dativo (EPÍ TÓ THEMELÍO) e
Jesus Cristo vem em genitivo (CHRISTÓU IESÓU). A frase — sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra
angular (ÓNTOS AKROGONIÁIOU AUTÓU CHRISTÓU IESÓU) vem expressa no texto grego por um genitivo
absoluto, que equivale ao ablativo absoluto do latim; esta frase é, portanto, independente da outra. Se o
Apóstolo diz o MESMO JESUS CRISTO, é porque vinha falando de Jesus Cristo nos versículos imediatamente
anteriores (Efésios II-13 a 18).

Compreendam bem os protestantes o que queremos dizer: Não negamos absolutamente que Jesus Cristo
seja o fundamento dos Apóstolos e dos Profetas. Apenas estamos dizendo que S. Paulo aí no trecho não se
está referindo a isto: está dizendo que a Igreja é como um edifício que tem como FUNDAMENTO os Apóstolos
e os Profetas, sendo Jesus Cristo a principal pedra angular. (voltar)

[18] Quando dizemos isto, não afirmamos absolutamente que todos os Papas foram santos. Alguns houve
(poucos, mas houve sempre) que até se fizeram célebres pela sua vida irregular. Mas infalibilidade é uma
coisa e impecabilidade é outra bem diversa. O próprio exemplo da Bíblia, em que Cristo escolhe Pedro para
esteio da sua Igreja, mesmo sabendo que o Apóstolo haveria de fraquejar e negá-Lo, nos mostra muito bem
que não são as fraquezas íntimas do homem, como tal, que o impedem de exercer a sua missão unificadora.
A Providência Divina, preservando A FÉ na verdadeira Igreja, consiste em que Deus não permite
absolutamente que a cátedra de Pedro seja ocupada por um herege que leve esta mesma Igreja a afogar-se
no erro, ao passo que as outras sedes episcopais não gozam de tal privilégio: algumas delas foram de fato
ocupadas por bispos hereges que fizeram grande mal à Igreja, sem, no entanto, quebrarem a sua unidade,
uma vez que a sede de Roma estava sempre firme, a sustentar a verdadeira doutrina. (voltar)

Conforta a teus irmãos

162. A prova de que Cristo quis associar S. Pedro a esta sua missão de ser a
PEDRA, a fortaleza, o sustentáculo da Igreja, está nas suas próprias palavras que se
leem em S. Lucas: Simão, Simão, eis aí VOS pediu Satanás com instancia para
VOS joeirar como trigo; mas eu roguei por TI, para que a TUA fé não falte; e TU,
em fim, depois de convertido, conforta a TEUS irmãos (Lucas XXII-31 e 32). Um
leitor que só conheça o português, pode até querer criticar o tradutor, acusando-o
de ter misturado, no mesmo trecho, os dois tratamentos: TU e VÓS. Mas o
português aí é tradução do latim, como o latim já é por sua vez tradução do
grego. E tanto no grego, como no latim, os dois empregos são separados: só se
emprega VÓS para mais de uma pessoa; e TU para uma pessoa somente.

Quando Nosso Senhor diz: eis aí vos pediu Satanás... para vos joeirar como
trigo (Lucas XXII-31), está-se referindo a todos os Apóstolos. Aliás era a eles
todos que o Mestre vinha falando naquela ocasião: Não há de ser, porém, assim
entre VÓS OUTROS (Lucas XXII-26). VÓS OUTROS sois os que haveis permanecido
comigo nas minhas tentações (Lucas XXII-28) eu preparo o reino para VÓS
OUTROS (Lucas XXII-29).

Se Nosso Senhor diz: Simão, Simão, eis aí VOS pediu Satanás com instância para
VOS joeirar como trigo (Lucas XXII-31) é porque o final do período vai referir-se
a Simão em particular, e porque Nosso Senhor quer frisar que S. Pedro está
também entre estes que Satanás pediu para tentar com violência; aliás, é o mais
visado por Satanás, por ser o discípulo principal.

Que quer dizer joeirar? Joeirar o trigo é agitá-lo sobre o crivo, sobre a peneira,
para a palha voar e ficarem somente os grãos. É uma metáfora que serve para
exprimir a tentação que vem acompanhada de agitação do espírito, tentação que
serve para provar os verdadeiros servos de Deus que são os grãos, para distingui-
los da palha, sem valor, que logo desaparece. Assim como se lê no 1º capítulo do
livro de Jó, que Satanás sugeriu a Deus as aflições e angústias destinadas a por
em prova a virtude de Jó, assim também Cristo revela que Satanás instou para
que lhe fosse permitido tentar fortemente os Apóstolos, nos transes dolorosos da
Paixão. E de fato, todos os Apóstolos passaram por tentação muito forte
naquelas circunstâncias, como se vê pelas palavras de Jesus: A todos vós serei
esta noite uma ocasião de escândalo. Está, pois, escrito: Ferirei o pastor, e as
ovelhas do rebanho se porão em desarranjo (Mateus XXVI-31).

Ora, apesar de serem todos tentados, apesar de ser geral o perigo, Cristo orou
especialmente por Pedro, para que a fé não lhe faltasse e ele servisse para
robustecer os demais Apóstolos: Mas eu roguei por TI, para que a TUA fé não
falte; e TU, em fim, depois de convertido, CONFORTA A TEUS IRMÃOS (Lucas XXII-31
e 32). O que mostra que S. Pedro era o chefe, o Apóstolo principal, que havia de
fortalecer os outros e no qual os outros haveriam de encontrar apoio.

— Mas, dirão os protestantes, S. Pedro se mostrou fraco e negou o Mestre.

— Se S. Pedro se mostrou fraco e negou o Mestre, e no entanto estava com a


missão de confortar e robustecer os outros Apóstolos, isto ajuda ainda mais a
demonstração da nossa tese. É mais uma prova de que ele, e não outro, era o
chefe de todos; é sinal de que todos não eram iguais.

Se Jesus fosse um simples homem, sujeito, portanto, a enganar-se, se Jesus não


previsse todos os acontecimentos, então alguém poderia dizer que o seu plano
teria fracassado; teria imaginado pôr S. Pedro como o apoio dos Apóstolos e
S. Pedro teria sido o mais fraco de todos. Mas Jesus era Deus, bem sabia que
Pedro iria negá-Lo. Mais ainda: profetizou-o abertamente. O próprio S. Lucas,
trazendo-nos este texto em que Jesus encarrega a S. Pedro de confortar os
Apóstolos, logo em seguida nos mostra Jesus profetizando a tríplice negação:
Declaro-te, Pedro, que não cantará hoje o galo, sem que tu por três vezes não
hajas negado que me conheces (Lucas XXII-34).

Cristo orou por Pedro, para que a fé não faltasse a ele; e a oração de Cristo não
foi inútil. Pedro não pecou contra a fé. A fé em Cristo, Messias Prometido e na
sua divindade estava firme no espírito de Pedro, que pecou por mentira, por
simulação, por cobardia. A criada de palácio afirmou que ele era um dos
discípulos de Cristo; e ele não teve a coragem de sustentar que sim; disse que
não, que nem conhecia a Jesus (mas estava convicto, é mais do que evidente, de
que era discípulo de Cristo e de que O conhecia). Feita a terceira negação,
imediatamente cantou o galo. E Pedro se lembrou da palavra que lhe havia dito
Jesus: Antes de cantar o galo, três vezes me negarás. E tendo saído para fora,
chorou amargamente (Mateus XXVI-74 e 75).

Foi uma conversão rápida e decisiva, que mostrou o bom espírito de Pedro e que
marcaria uma nova fase da sua vida; daí por diante mais fervor, mais humildade,
menos confiança em si mesmo. Mas tudo isto não ressalta admiravelmente a
autoridade de Pedro? Se João, o Apóstolo amado, um dos principais discípulos
de Jesus (Pedro, Tiago e João é uma sequência bem conhecida nos Evangelhos),
João que se portou irrepreensivelmente durante a Paixão e estaria firme ao pé da
cruz, não recebeu a incumbência de fortalecer os outros, é porque tal
incumbência competia ao chefe; e o chefe, convertido logo após o seu erro,
estava apto para dar aos outros Apóstolos o robustecimento, o conforto que lhes
era necessário.

Cristo reza especialmente por Pedro PARA QUE A FÉ NÃO LHE FALTE; porque não
faltando a fé a Pedro, não faltará àqueles que lhe devem obediência e que nele se
apoiam como no seu chefe. É o que sempre sucederá à Igreja, na luta incessante
contra as heresias. Por isto diz S. Francisco de Sales: “O jardineiro, quando vê
secas e mirradas as suas plantas, não irriga todos os ramos, mas só a raiz, para
que da raiz vá a umidade invadir a todos e cada um dos ramos; assim o Senhor,
depois que plantou a árvore da Igreja, orou por aquele que era Cabeça e Raiz,
para que não faltasse a água, isto é, a fé, que devia fortalecer os outros, de modo
que sob o influxo da cabeça a fé sempre subsistisse na Igreja.”

Ninguém pode pôr outro fundamento.

163. Finalmente vamos examinar outro texto que os protestantes apresentam,


com ares de vitória, tentando destruir a própria palavra de Cristo de que Pedro é
a pedra sobre a qual é edificada a Igreja: Ninguém pode pôr outro FUNDAMENTO
senão o que foi posto, que é JESUS CRISTO (1ª Coríntios III-11).
Eis aí o tipo de objeção protestante. A frase é separada do seu contexto, e assim
serve exclusivamente para impressionar o ouvinte. Mas o efeito é fugaz e
passageiro. Basta examinar-se o contexto para se ver logo que a frase foi dita
NOUTRO SENTIDO. A objeção é, portanto, irmãzinha daquela outra que já vimos: E
a pedra era Cristo (1ª Coríntios X-4).

Querem ver Vocês, caros amigos protestantes, como a frase de S. Paulo não vem
absolutamente ao caso? Digam-nos uma coisa: De que assunto estamos tratando?
Trata-se do seguinte: compara-se a organização da Igreja com a construção de
um edifício (Edificarei a minha Igreja). Está-se discutindo se Pedro pode ou não
ser chamado pedra fundamental deste edifício e Vocês, protestantes, servem-se
do texto de 1ª Coríntios III-11 para provar que o FUNDAMENTO deste edifício que é
a Igreja só pode ser Jesus Cristo, não é assim?

Pois bem, é bastante ver o versículo anterior a este da objeção, para qualquer
pessoa se inteirar do absurdo que Vocês estão insinuando. No versículo anterior
disse S. Paulo: Segundo a graça de Deus que me foi dada, LANCEI O FUNDAMENTO,
COMO SÁBIO ARQUITETO, mas outro edifica sobre ele, porém veja cada um como
edifica sobre ele (1ª Coríntios III-10). Desde que estamos tratando do EDIFÍCIO DA
IGREJA, querem então Vocês dizer que S. Paulo foi o sábio arquiteto que
construiu este edifício e que colocou (LANCEI) Jesus Cristo como fundamento do
mesmo? S. Paulo não podia ter lançado as bases deste edifício da Igreja
Universal, porque, quando a Igreja foi fundada, S. Paulo era simplesmente um
judeu ainda não convertido, que depois se fez um perseguidor desta mesma
Igreja, para por fim tornar-se um brilhante e excelente Apóstolo de Jesus Cristo.
Dizer que foi S. Paulo que, como sábio arquiteto, colocou Jesus Cristo como
fundamento do edifício da Igreja seria atribuir a S. Paulo um poder superior ao
do próprio Cristo, o qual não passaria de um instrumento nas mãos do Apóstolo
das Gentes.

É sempre a mania de querer encadear todas as metáforas usadas na Bíblia, como


se elas tivessem que obedecer a um plano sistemático e de querer fazer sempre
um JOGO DE PALAVRAS, como se a mesma palavra só pudesse ter forçosamente um
sentido em todas as frases onde ela é empregada.

De que assunto fala aí S. Paulo? Foi ele quem primeiro pregou o Evangelho aos
Coríntios. Sabe-se o carinho ou, por assim dizer, o SANTO CIÚME que nutria
S. Paulo a respeito das comunidades que ele tinha convertido para Cristo.
Precisamente a estes mesmos Coríntios, ele dirá no capítulo seguinte: Ainda que
tenhais dez mil aios em Cristo, não teríeis, todavia, muitos pais: pois eu sou o
que vos gerei em Jesus Cristo pelo Evangelho (1ª Coríntios IV-15). Ele tinha
como norma não pregar o Evangelho naquelas igrejas que tinham sido fundadas
por outros: Tenho anunciado este Evangelho, não onde se havia feito já menção
de Cristo, por não edificar sobre FUNDAMENTO de outro (Romanos XV-20).

Ao ver que não só chegou lá em Corinto um propagador do Evangelho, chamado


Apolo, pregando com eloquência (o que era ótimo), mas também (o que era
mau) se estabeleciam divisões e contendas entre os Coríntios, S. Paulo fica
bastante incomodado. Porque dizendo um: Eu certamente sou de Paulo; e outro:
Eu, de Apolo; não se está vendo nisto que sois homens? (1ª Coríntios III-4).
S. Paulo mostra que não há motivo para tais partidarismos e rivalidades: Que é
logo Apolo? E que é Paulo? São uns ministros dAquele a quem crestes e
segundo o que o Senhor deu a cada um (1ª Coríntios III-4 e 5). Não há razão de
ser para estas diferenças, porque a base de toda a pregação é uma só: Jesus
Cristo.

Está se vendo bem claramente que a metáfora usada por Jesus não é a mesma
que a usada por S. Paulo.

Jesus apresenta-se como arquiteto de um grande edifício, o qual vai ser sólido,
porque Ele resolveu construí-lo sobre a rocha que é Pedro. Ele, arquiteto, garante
que este edifício resistirá a todas as tempestades. E este edifício é a IGREJA
UNIVERSAL.

S. Paulo está-se referindo ao APOSTOLADO EXERCIDO ENTRE OS CORÍNTIOS. Primeiro


comparou-o com um plantio: Eu plantei; Apolo regou; mas Deus é o que deu o
crescimento (1ª Coríntios III-6). Depois, comparou-o com um edifício, do qual
ele, Paulo, como arquiteto, lançou as bases ou o fundamento, outros também
estão acabando de construí-lo com partes douro, de prata, de pedras preciosas,
de madeira, de feno, de palha (1ª Coríntios III-12), o fogo da justiça de Deus se
encarregará de mostrar o que tem valor e o que não tem na construção deste
edifício; mas, ponha cada um o que quiser, ele só pode ser construído, isto é, o
apostolado entre os Coríntios só pode ser exercido na base que Paulo já colocou;
e esta base, este fundamento é Jesus Cristo, é a doutrina do Divino Mestre.

Então, pelo fato de dizer S. Paulo que a base de sua pregação é a doutrina de
Jesus Cristo, fica o mesmo Jesus Cristo proibido de dizer que o esteio em que se
firma a sua Igreja e que lhe dá coesão e unidade é a instituição que ele pôs nesta
Igreja, isto é, o primado de Pedro e seus sucessores? Ao contrário: se a base de
tudo é a doutrina de Cristo, então nenhuma palavra do mestre deve ser torcida
nem desprezada, nem mesmo esta que tanto desagrada aos protestantes: Tu és
Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (Mateus XVI-18).

Os sucessores de Pedro.

164. Cristo chamou Pedro a pedra sobre a qual é construída a sua Igreja. Ora, se
a pedra sobre a qual se constrói um edifício tem por finalidade dar-lhe solidez (e
é por isto que Jesus Cristo logo acrescenta: e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18), é claro que ela deve durar tanto
tempo quanto durar o edifício. Se a pedra que sustenta desaparece, a casa está
sujeita à ruína.

Deste modo, a função confiada a S. Pedro não podia de forma alguma limitar-se
a este Apóstolo. Como poderia ele por sua atuação passageira e transitória, como
é a vida de qualquer homem, sustentar a Igreja de tal modo que ela
permanecesse firme e estável durante milhares e milhares de anos? Se Jesus que
ia confiar a 12 Apóstolos, iluminados e robustecidos abundantemente pelo
Espírito Santo, a propagação da Igreja, achou necessário colocar a Pedro como
traço de união entre eles, com maioria de razão precisaria a Igreja desta fonte de
coesão quando não houvesse mais aqueles carismas extraordinários dos
primeiros tempos e quando a Igreja estivesse espalhada por todo o mundo, para
homens de todas as raças, de todos os graus de cultura, de todas as condições
sociais. Se todos os Apóstolos haviam de ter sucessores, porque a Igreja havia de
prolongar-se até o fim do mundo (eu estou convosco todos os dias, até a
consumação do século — Mateus XXVIII-20), também S. Pedro, chefe da
Igreja, havia de ter quem ficasse em seu lugar, continuando a sua missão.

Seu sucessor imediato foi Lino, um nome que não é estranho àqueles que leem a
Bíblia, pois vem mencionado na 2ª Epístola a Timóteo: Saúdam-te Êubulo e
Prudente e LINO e Cláudia e todos os irmãos (2ª Timóteo IV-21).

Temos em abono desta afirmativa uma autoridade valiosíssima: o historiador


Eusébio de Cesareia (nascido em 265), que foi chamado o Herôdoto cristão, o
Pai da História Eclesiástica e que fez pacientes estudos à base de documentos
antigos, muitos dos quais ele livrou de caírem no esquecimento, pois os
reproduziu na íntegra. No seu livro Chrónicon, Eusébio fala na viagem de Pedro
a Roma, onde Pedro “prega o Evangelho, perseverando 25 anos como bispo da
mesma cidade.” E mais adiante diz: “Depois de Pedro, o primeiro a governar a
igreja romana foi Lino” Chrónicon L. IIº (Migne XIX. 539, 543). Em outro livro
seu, a História Eclesiástica, ele diz a mesma coisa abertamente: “Depois do
martírio de Paulo e de Pedro, Lino foi o primeiro a receber o episcopado da
igreja romana” (História Eclesiástica 3,2). Afirma ainda Eusébio no mesmo livro
(3, 15) que Lino, depois de 12 anos de administração, morreu no segundo ano do
império de Tito. Fala também nos outros sucessores de Pedro, segundo a ordem
cronológica, de modo que, segundo o testemunho de Eusébio, a ordem dos
sucessores de Pedro foi esta: Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo, Alexandre,
Sisto, Telésforo, Higino, Pio, Aniceto, Sotero e Eleutério (Em apêndice, no final
deste livro, damos o catálogo de todos os papas, desde S. Pedro até os nossos
dias).

Que Eusébio se baseia em outros documentos mais antigos, se vê claramente por


duas razões:

1º O próprio Eusébio cita o testemunho de Hegesipo, que depois de visitar a


igreja de Corinto, tendo conversado com Primo, bispo daquela cidade, partiu
para Roma e aí organizou o catálogo dos bispos romanos até Aniceto,
acrescentando que depois da morte de Aniceto, sucedeu a este Sotero e depois
Eleutério. E a conclusão que chega Hegesipo de suas viagens a várias igrejas é a
seguinte, segundo suas próprias palavras: “Em cada uma das sucessões dos
Bispos e por todas as partes permanecem as mesmas coisas que foram pregadas
por intermédio dos profetas e pelo Senhor”. A respeito deste mesmo Hegesipo,
dirá mais tarde S. Jerônimo: “Afirma ter vindo a Roma sob Aniceto, que foi o
décimo bispo depois de Pedro”. Ora, o governo de Aniceto foi em meados do
século segundo.

2º Temos outro testemunho anterior ao de Eusébio e também de grande valor. É


o de S. Irineu, bispo de Lião, escritor do século 2º, discípulo de S. Policarpo, que
o foi de S. João Apóstolo. S. Irineu diz que os Apóstolos “Pedro e Paulo, tendo
fundado e instruído a igreja de Roma, transmitiram o episcopado a Lino e lhe
sucedeu Anacleto e depois deste, Clemente tem em terceiro lugar o episcopado
que vem dos Apóstolos.” (Adversus Haereses III-3 Migne VII-849). Falando nos
outros sucessores, S. Irineu os cita com os mesmos nomes e na mesma ordem
que citou Eusébio, terminando a lista com Eleutério em 12º lugar.

Depois de S. Irineu e Eusébio chovem os testemunhos da antiguidade.

Não estamos neste livro fazendo um estudo histórico; o nosso principal objetivo
é mostrar a legítima interpretação de vários textos da Bíblia. Apresentamos,
porém, estes testemunhos para mostrar que, se a existência, na Igreja, de um
chefe com plenos poderes, a quem todos devem acatar, seguir e obedecer, é uma
consequência lógica das palavras de Cristo a S. Pedro, desde os inícios da Igreja.
S. Pedro sempre teve sucessores no cargo elevadíssimo que lhe foi confiado.
E as portas do inferno não prevalecerão contra ela
Profecia e promessa.

165. Depois das palavras de Cristo mostrando que a sua Igreja se apoia sobre
Pedro, alguém poderia perguntar como pode uma tão vasta instituição firmar-se
num só homem. Mas quem está falando é Cristo que prevê e dirige todos os
acontecimentos e que é depositário de todo o poder: Tem-se-me dado todo o
poder no Céu e na Terra (Mateus XXVIII-18) “Jesus trata aqui a S. Pedro como
seu Pai havia tratado a Jeremias, quando disse que o tornaria como uma cidade
fortificada, e como uma coluna de ferro, e como um muro de bronze (Jeremias I-
18)” observa S. João Crisóstomo, acrescentando que há aí apenas uma diferença:
Jeremias teria que lutar com um só povo e Pedro “seria forte contra o mundo
inteiro”. Pedro continuaria vivo na presença de seus sucessores. E as palavras do
Mestre são uma profecia do que vai acontecer com a Igreja, sempre em luta com
as portas do inferno, isto é, com os poderes infernais e sempre vitoriosa contra
elas.

Entre os orientais se designava com o nome de PORTAS a cidade e principalmente


o poder que nela se exercia, não só porque nas portas estava a segurança da
cidade, a qual, tomadas as portas, ficava abertamente à mercê do inimigo, como
também porque era nas portas das cidades que os magistrados exerciam o seu
poder. E até os nossos dias o poder imperial dos turcos tem sido designado com
o nome de Sublime Porta.

Este emprego de PORTAS = CIDADE, PORTAS = CIDADELAS, SITUAÇÃO FORTIFICADA, nós


o vemos frequentemente na Bíblia: A tua descendência possuirá AS PORTAS de
seus inimigos (Gênesis XXII-17). És nossa irmã, cresce em milhares de
milhares, e a tua posteridade possua AS PORTAS de seus inimigos (Gênesis XXIV-
60). Quando forem achados na tua cidade, dentro dalguma das tuas PORTAS que
o Senhor te tiver dado, homem ou mulher que cometam o mal... (Deuteronômio
XVII-2). O Senhor escolheu novas guerras e Ele mesmo derribou AS PORTAS dos
inimigos (Juízes V-8). Saíram os filhos de Benjamim com ímpeto das PORTAS de
Gábaa e, vindo a seu encontro, fizeram tão grande mortandade que derrubaram
dezoito mil guerreiros (Juízes XX-25). Ama o Senhor as PORTAS de Sião (Salmos
LXXXVI-2).
E assim, na palavra do Mestre, se mostra o combate entre a cidade do diabo e o
edifício construído por Jesus sobre a pedra, que é Pedro.

Portas do hádes = poder das trevas.

166. A palavra INFERNO aí no texto é expressa no grego pelo termo HÁDES, que é
equivalente à palavra hebraica XeOL, muito usada no Antigo Testamento para
exprimir a região dos mortos. Daí concluem alguns que a expressão PORTAS do
inferno, ou seja, PORTAS DO HÁDES designa a MORTE. Jesus neste caso estaria
dizendo que a morte não prevaleceria contra a Igreja, isto é, a Igreja não
morreria, seria perene, seria imortal.

Que dizer desta interpretação?

— Temos que dizer simplesmente que esta significação da palavra HÁDES não
cabe aí no texto.

Realmente a Igreja será perene, será imortal e Jesus o diz aí no texto; mas o texto
exprime muito mais do que isto: se ela será perene, é porque sairá sempre
vitoriosa contra o poder das trevas, pois aí não se trata de HÁDES = morte, mas
sim de HÁDES = inferno, no sentido de região onde imperam os demônios.

Não há dúvida que esta palavra HÁDES aparece muito frequentemente na versão
dos Setenta, que também (é claro) a palavra XeOL a ela correspondente aparece
frequentemente no texto hebraico para exprimir vagamente no ANTIGO
TESTAMENTO a região dos mortos. Mas não é o Antigo Testamento que vai
resolver a nossa questão.

Senão, vejamos:

Antes de Cristo entrar no Céu, ninguém entrou lá. Portanto, antes de Cristo, no
Antigo Testamento, não podia haver este conceito que há hoje entre os cristãos:
há uns que morrem e vão ser recompensados no Céu, vendo a Deus face a face;
há outros que morrem e serão castigados eternamente no inferno. Dois lugares,
portanto, completamente opostos. Havia o conceito, muitas vezes expresso na
Bíblia, de que a pessoa depois da vida terrena, iria para a vasta região dos
mortos.
Esta região é apresentada como sendo LÁ EM BAIXO, ou seja, num lugar profundo,
e é por isto que S. Jerônimo traduz o XeOL de hebraico (que é o mesmo HÁDES
do grego) pela palavra latina INFERNUS, inferno em português. Inferno, isto é, um
lugar que está em baixo, um lugar situado nas regiões inferiores. É natural,
portanto, que o leitor de hoje se espante ao ver, na Bíblia, Jacó dizendo, ao
receber a notícia da pretensa morte de José, seu filho querido: Chorando
descerei para meu filho ao INFERNO (Gênesis XXXVII-35). Aos seus ouvidos,
acostumados a tomar a palavra INFERNO no sentido de lugar dos réprobos, parece
que Jacó está dizendo que José está na casa do diabo e ele quer ir para lá também
encontrar-se com ele; quando Jacó quer dizer simplesmente que irá encontrar-se
com seu filho na vasta região dos mortos [19].

Nos primeiros livros da Bíblia (desde Gênesis até os livros dos Reis) não se fala
na região dos mortos senão de um modo vago, de um modo geral, sem se
distinguir aí um lugar bom ou um lugar ruim; e a respeito de uma pessoa que
morreu se diz apenas que foi reunir-se a seus pais (Gênesis XV-15;
Deuteronômio XXXI-16) ou que foi reunir-se ao seu povo (Gênesis XXV-17;
XXXV-29; XLIX-32; Números XX-24; Deuteronômio XXXII-50); não se
especificam diversos lugares na região dos mortos.

Os livros poéticos de Jó e dos Salmos continuam a falar vagamente neste HÁDES,


nesta região dos mortos, a qual é considerada uma terra tenebrosa e coberta da
escuridão da morte (Jó X-21), a terra do esquecimento (Salmos LXXXVII-13),
um lugar profundíssimo, pois se diz a respeito de Deus: Ele é mais elevado do
que o Céu e que farás tu? é mais profundo do que o INFERNO e como O
conhecerás? (Jó XI-8), lugar do qual não se volta: aquele que descer aos
INFERNOS não subirá, nem tornará mais à sua casa, nem o lugar onde estava o
conhecerá jamais (Jó VII-9 e 10), onde há casa estabelecida para todo vivente
(Jó XXX-23), onde os ímpios cessaram de tumultos e ali acharam descanso os
cansados de forças (Jó III-17).

É sempre uma maneira geral de encarar a vida de além-túmulo, sem discriminar


propriamente a ideia de castigo ou de recompensa, sendo digna de nota esta
última citação, na qual se fala nos ímpios, mas não se revela a sua punição,
apenas se diz que ali deixaram de provocar barulho.

Entretanto o Salmista já descerra uma pontinha do véu que encobre os mistérios


do além, manifestando a esperança de que Deus não o deixará para sempre no
HÁDES:Deus na verdade resgatará a minha alma do poder do INFERNO, quando
me tomar (Salmos XLVIII-16) [20].

À medida que se aproximam dos tempos de Jesus Cristo, os judeus vão tendo
uma notícia mais circunstanciada, vão fazendo uma ideia mais exata a respeito
da vida futura.

Já para diante os livros proféticos começam a dar uma ideia mais clara dos
castigos reservados aos ímpios nesta região dos mortos: Verão os cadáveres dos
homens que prevaricaram contra mim, o seu BICHO NÃO MORRERÁ e O SEU FOGO NÃO
SE EXTINGUIRÁ (Isaías LXVI-24). Toda esta multidão dos que dormem no pó da
terra acordarão, uns para a vida eterna, e outros para UM OPRÓBRIO QUE ELES
TERÃO SEMPRE DIANTE DOS OLHOS (Daniel XII-2).

Os livros escritos em época ainda mais próxima de Jesus Cristo [21], além desta
ideia do castigo dos ímpios (Humilha profundamente o teu espírito, porque a
vingança da carne do ímpio será o fogo e o bicho — Eclesiástico VII-19),
acrescentam a ideia de felicidade além-túmulo, para os bons e justos, mesmo
antes da ressurreição da carne: O justo, ainda que for colhido de uma apressada
morte, estará EM REFRIGÉRIO... Porque a sua alma era agradável a Deus, por isso
Ele se apressou a tirá-lo do meio das iniquidades (Sabedoria IV-7 e 14). Aquele
que teme ao Senhor será feliz no fim e será abençoado no dia da sua morte
(Eclesiástico I-13). As almas dos justos estão na mão de Deus e não os tocará o
tormento da morte. Pareceu aos olhos dos insensatos que morriam, e o seu
trânsito foi reputado por aflição, e a jornada que fazem, separando-se de nós,
extermínio; mas eles estão EM PAZ. E se eles sofreram tormentos diante dos
homens, A SUA ESPERANÇA ESTÁ CHEIA DE IMORTALIDADE (Sabedoria III-1 a 4).

E o 2º Livro de Macabeus já fala de sacrifícios oferecidos a Deus em sufrágio de


alguns que haviam bravamente morrido em combate, mas em cujo poder foram
encontrados certos objetos consagrados aos ídolos, os quais eles conservavam,
digamos entre parêntesis, ou por superstição ou por apego ao seu valor material.
E acrescenta: É logo um santo e saudável pensamento orar pelos mortos, para
que sejam livres dos seus pecados (2º Macabeus XII-46).

Não precisam os nossos amigos protestantes fazer caretas porque citamos o livro
dos Macabeus ou porque citamos a Sabedoria e o Eclesiástico. Apenas estamos
fazendo uma demonstração da evolução que houve entre os judeus a respeito da
ideia da vida futura. Considerem ou não os protestantes estes últimos livros
ideia da vida futura. Considerem ou não os protestantes estes últimos livros
inspirados, pouco importa; o seu testemunho é sempre valiosíssimo para
demonstrar as ideias que vigoravam entre os judeus, nas derradeiras épocas
anteriores a Cristo. Judas Macabeu, que constituía com seus combatentes uma
parte seleta e fiel do povo judaico em luta contra os inimigos da Pátria, não teria
pensado naquele sufrágio pelos mortos, se não houvesse entre os judeus a crença
na existência de um lugar de purificação no outro mundo.

Como observa Vigouroux: “Os judeus desta época distinguiam três classes de
mortos, que habitavam todos o HÁDES: justos como Jeremias estavam num estado
feliz e podiam socorrer os vivos por suas preces [22]; outros justos, como os
soldados de Judas Macabeu, culpados de faltas leves que não os impediriam de
tomar parte na ressurreição gloriosa; enfim criminosos que mereceram a pena do
fogo... Vê-se que as crenças expressas no Antigo Testamento relativas à morada
do mortos se desenvolveram de uma maneira sensível, à medida que se
aproximaram os tempos messiânicos. Os antigos hebreus não entreviam no
inferno quase senão o seu lado temível, porque a seus olhos a morte era sempre o
castigo do pecado. Os judeus dos últimos tempos, melhor instruídos sobre as
normas da justiça de Deus, aprenderam que, mesmo antes da ressurreição, havia
uma diferença profunda entre o estado dos maus e o dos santos” (Dictionnaire de
La Bible. D-F. col 1795).

Passemos agora ao Novo Testamento.

Quando Nosso Senhor apareceu, já tinham os judeus, como vimos, a ideia de três
lugares diferentes no HÁDES ou região dos mortos, chamada na Vulgata INFERNO:
um bom para os justos, um de eterna perdição para os maus, e outro em que as
almas estavam sujeitas à purificação. E uma prova de que admitiam este último,
nós vemos, por exemplo, no cuidado que teve Nosso Senhor em dizer aos Judeus
que todo o que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, perdoar-se-
lhe-á; porém o que a disser contra o Espírito Santo, não se lhe perdoará, nem
neste mundo, NEM NO OUTRO (Mateus XII-32). Outro indício nós temos na alusão
que faz S. Paulo àqueles que se batizam PELOS MORTOS (1ª Coríntios XV-29).
Sobre este assunto, falaremos um pouco mais adiante (nº 221).

Com esta ideia a respeito das sortes diferentes que têm as almas no HÁDES, já os
judeus podem compreender a parábola do rico e do pobre Lázaro (Lucas XVI-19
a 31). A parábola se reporta a um fato que aconteceu ou que se imagina que
aconteceu no passado, portanto numa época em que os bem-aventurados não
tinham ido ainda para o Céu. O mau rico está no HÁDES, na região dos mortos,
porém está no lugar ruim, de eterna perdição, pois não só está no meio dos
tormentos, mas para ele não há alívio nem remédio de forma alguma.

De longe se avista a Abraão que está no bom lugar e vê a Lázaro no seu seio
(Lucas XVI-23). Faz então a súplica que não é atendida, porque entre o lugar
que está Abraão e o lugar que está o mau rico não há passagem, não se pode ir
de um para outro, o que não impede que houvesse no HÁDES outro lugar, cujos
moradores, culpados de faltas menos graves do que as do mau rico, pudessem
após a necessária purificação passar para o bom lugar, onde se achavam Abraão
e Lázaro.

Porque o fim que teve Nosso Senhor ao propor esta parábola, não foi ensinar
quantos lugares existem no outro mundo; mas sim mostrar a transformação
extraordinária, a completa mudança de sorte que vão ter nas regiões de além-
túmulo o mau que passou a sua vida engolfado nos prazeres e o justo que aqui na
terra conheceu acerbamente as agruras da existência. E temos que dizer aqui
também entre parêntesis: os protestantes se revoltam contra a Igreja, quando esta
ensina que as crianças mortas sem batismo vão para o LIMBO, porque, dizem, esta
palavra não se encontra na Bíblia. Pois vejam aí na parábola onde é que fica o
limbo: o lugar havia de ter um nome e SEIO DE ABRAÃO não podemos chamá-lo,
porque Abraão já não se encontra nele, e sim no Céu, para onde foi após a
Ascensão do Senhor. É a este bom lugar do HÁDES que desce a alma de Jesus
após a morte, para esperar a ressurreição que se verificaria na manhã do
domingo e assim nEle se cumpre a profecia de Davi que é relembrada em Atos
II-27: Não deixarás a minha alma no INFERNO, nem permitirás que o teu santo
experimente corrupção. Inferno aí como sempre = HÁDES = região dos mortos.
Mas aí num bom lugar desta região. Muitos protestantes, interpretando a Bíblia
pela própria cabeça, se têm atrapalhado com este texto, garantindo que Jesus
desceu mesmo ao inferno dos réprobos, o que é inconcebível.

A esta noção que já possuíam os judeus sobre as variadas regiões do HÁDES, o


Novo Testamento vem acrescentar uma nova ideia. Os ímpios estão no mau
lugar do HÁDES, mas este é também O MESMO LUGAR DO DIABO e dos seus anjos:
Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está aparelhado para o
DIABO e para SEUS ANJOS (Mateus XXV-41). Não é de admirar que estejam assim
associados os réprobos e os demônios no mesmo lugar de suplício uma vez que
pertencem à mesma família: Vós sois FILHOS DO DIABO e quereis cumprir os
desejos de vosso pai... Quando ele diz a mentira, fala do que lhe é próprio,
porque é mentiroso e pai da mentira (João VIII-44). Aquele que comete o
pecado é FILHO DO DIABO, porque o diabo peca desde o princípio (1ª João III-8).

E assim se foi progredindo no conhecimento do HÁDES, esta vasta região dos


mortos.

Mas acontece que depois da Ascensão do Senhor, o significado de HÁDES teve


que sofrer uma substancial alteração.

Depois que Jesus entrou no Céu, na bem-aventurança, subiram do bom lugar do


HÁDES para o Céu todos os justos devidamente purificados que houve desde o
princípio do mundo até aquela data. E os que estivessem nas mesmas condições
daí por diante iriam para o Céu e não para o HÁDES.

De modo que HÁDES continua a designar o lugar de todos os mortos que não
estão na bem-aventurança. Mas a diferença é muito grande: antes de Cristo,
todos os mortos sem exceção estavam neste caso. Não havia nenhum no Céu.
Hoje o HÁDES já não é o lugar de todos os mortos. Por conseguinte, se Jesus
tivesse dito: — As portas do HÁDES não prevalecerão contra a Igreja — naqueles
tempos de Isaque, de Jacó, de Josué, de Jó, etc., ainda se podia entender que
HÁDES aí significava A MORTE, pois se tinha apenas uma vaga ideia de que o HÁDES
era o lugar de todos os mortos, não se fazia nem uma ideia bem clara da
diferença entre bons e maus nesta vasta região.

Mas Jesus veio a dizer isto NA ERA CRISTÃ. Mais ainda, está falando da luta que a
Igreja terá com o HÁDES, ATRAVÉS DOS SÉCULOS e até o fim do mundo.

Se perguntarmos a um protestante (que em geral não admite nem o limbo nem o


purgatório): quem está neste HÁDES para combater a Igreja? ele terá que
responder: Homem, neste HÁDES só EXISTE O INFERNO, no sentido rigoroso da
palavra. São os réprobos e os demônios. É daí que vem o combate da Igreja.
Terá que reconhecer, portanto, com um de seus corifeus, Zuínglio, que “por
inferno aí se deve entender toda a força contrária e satânica, todo ímpeto do
inimigo” (in Mateus 16-18. Opera VI.1. Schuler et Schulthess 1836 pág. 322). E
é interessante notar que a versão protestante de Ferreira de Almeida, a qual em
outros lugares não traz a palavra INFERNO como tradução do HÁDES, mas sim a
palavra HÁDES mesmo em português (Atos II-27; Lucas XVI-23), neste passo,
sem nenhuma hesitação apresenta a palavra INFERNO: E as portas do INFERNO não
prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18).

Um católico sabe que no HÁDES, ou seja, na região dos mortos que fica lá em
baixo, dos mortos que não estão na bem aventurança, está o inferno, onde são
atormentados os demônios e os réprobos, está também o purgatório, onde
estacionam as almas salvas que ainda precisam purificar-se para entrar no Céu, e
está o limbo, onde se encontram as crianças que morreram sem batismo. Mas
sabe por outro lado que o combate contra a Igreja não pode absolutamente partir
das almas do purgatório que, ao contrário, só podem ajudar a Igreja no que
estiver a seu alcance, pois são almas justas e precisam de nossas preces para que
Deus lhes dê um refrigério nos seus padecimentos. Nem pode partir das
criancinhas inocentes que morreram sem batismo, as quais quase que podemos
garantir de antemão: nada sabem do que se passa neste mundo. A luta, portanto,
de HÁDES contra a Igreja só pode provir das profundas do inferno, ou seja, de
satanás e seus anjos e dos réprobos que estão sob o seu poder.

É inútil, por conseguinte, apresentar textos e mais textos do Antigo Testamento


para nos explicar que a ideia do HÁDES se identifica com a ideia de MORTE. A
ideia de HÁDES é hoje muito diferente.

Além disto, esta interpretação supõe que Cristo considera aí a MORTE como uma
entidade que está ocupada em destruir coletivamente reinos, instituições,
impérios e nações e que procura também levar de vencida a Igreja, como
instituição. Mas onde é que na Bíblia se encontra este conceito? A morte sempre
se apresenta como o desaparecimento do INDIVÍDUO daqui da face da terra. É
temida, é um castigo do pecado, a ela se submeteu por nosso amor o próprio
Cristo, que dela se serviu como de meio para realizar a sua obra redentora: para
destruir PELA SUA MORTE ao que tinha o império da morte, isto é, ao DIABO e para
livrar aqueles que pelo temor da morte estavam em escravidão toda a vida
(Hebreus II-14 e 15). Por aqueles que estão bem integrados no reino de Deus,
praticando a virtude, ela deixa de ser encarada como uma inimiga, antes muitas
vezes é desejada ardentemente, pois é considerada uma libertação: Pois me vejo
em aperto por duas partes: TENDO DESEJO DE SER DESATADO DA CARNE e estar com
Cristo, que é sem comparação muito melhor; mas o permanecer em carne é
necessário por amor de vós (Filipenses I-23 e 24), diz aos fiéis o Apóstolo
S. Paulo, porque, segundo o mesmo Apóstolo, sabemos que se a nossa casa
terrestre desta morada for desfeita (é claro que é ao nosso corpo que ele se
refere) temos de Deus um edifício, casa não feita por mãos humanas, que durará
para sempre nos Céus. E por isto também gememos, DESEJANDO ser revestidos da
nossa habitação que é do Céu (2ª Coríntios V-1 e 2). Ansiosos, QUEREMOS MAIS
ausentar-nos do corpo e estar presentes ao Senhor (2ª Coríntios V-8). É PRECIOSA
aos olhos do Senhor a MORTE dos seus santos (Salmos CXV-15). Bem-
aventurados os mortos que morrem no Senhor (Apocalipse XIV-13).

Luta, sim, tremenda e sem tréguas, é a que a Bíblia nos apresenta entre a Igreja,
o reino de Deus e o demônio, o inferno, as potestades diabólicas: A cizânia são
os maus filhos e o inimigo que a semeou é o DIABO (Mateus XIII-38 e 39). Vem o
DIABO e tira a palavra do coração deles, para que não se salvem crendo (Lucas
VIII-12). Se pelo dedo de Deus, lanço os DEMÔNIOS, é certo que chegou a vós o
reino de Deus (Lucas XI-20). Eis aí vos pediu SATANÁS com a instância para vos
joeirar como trigo (Lucas XXII-31). Revesti-vos da armadura de Deus, para
que possais estar firmes contra as ciladas do DIABO; porque nós não temos que
lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os PRINCIPADOS E POTESTADES,
contra os GOVERNADORES DESTAS TREVAS DO MUNDO, contra os ESPÍRITOS DE MALÍCIA
espalhados por esses ares... embraçando sobretudo o escudo da fé, com que
possais apagar todos os dardos inflamados do MAIS QUE MALIGNO (Efésios VI-11 e
12; 16). Sede logo sujeitos a Deus e resisti ao DIABO, e ele fugirá de vós (Tiago
IV-7) O DIABO, vosso ADVERSÁRIO, anda ao derredor de vós, como um leão que
ruge, buscando a quem possa tragar; resisti-lhe fortes na fé, sabendo que OS
VOSSOS IRMÃOS QUE ESTÃO ESPALHADOS PELO MUNDO SOFREM A MESMA TRIBULAÇÃO (1ª
Pedro V-8 e 9). Para destruir as obras do DIABO é que o filho de Deus veio ao
mundo (1ª João III-8).

A luta, portanto, a que Jesus se refere, é a luta contra as potestades infernais.


PORTAS DO HÁDES equivale ao que Jesus chamou em outra ocasião O PODER DAS
TREVAS (Lucas XXII-53). É a luta da Igreja contra os satânicos perseguidores que
procuram oprimi-la pela força e afogá-la no sangue dos seus adeptos; é a luta
contra a cizânia, os maus filhos que o demônio, com suas tentações, procura
introduzir no meio do trigo, no meio dos filhos fiéis; é a luta contra todas as
heresias de todos os tempos, que procuram disseminar o erro, instigadas pelo
demônio, que é o pai da mentira (João VIII-44).

Notas (pular)
[19] Ferreira de Almeida teve medo de traduzir assim e traduziu: com choro hei de descer ao meu filho até
a SEPULTURA (Gênesis XXXVII-35). A tradução é incorreta, pois, segundo a suposição de Jacó, uma fera
havia devorado o filho dele. E a tradução da Sociedade Bíblica do Brasil diz: com choro hei de descer para
meu filho ao SHEOL (Gênesis XXXVII-35). Não existe esta palavra em português; o leitor a procura no
dicionário e não a encontra. De modo que, de qualquer forma quem quer compreender perfeitamente a
Bíblia sem ter um certo preparo sobre a linguagem e a literatura dos hebreus, está sempre arriscando a sair
apanhando. (voltar)

[20] Outra passagem em que o Salmista levanta mais uma pontinha do véu, é aquela em que ele diz: O
poder é de Deus; e a ti, Senhor, é a misericórdia; porque tu RETRIBUIRÁS A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS
(Salmos LXI-12 e 13). No tempo em que foi escrita esta frase, os judeus certamente, não lhe mediam todo o
alcance, porque pensavam muito em justiça feita já neste mundo. Mas com a revelação do Novo
Testamento (Mateus XVI-27; Romanos II-5 a 8) é que se vê claramente que se trata sobretudo de uma
justiça a ser exercida após a morte, na vida futura, e aí se compreende melhor a profunda significação de
tais palavras. (voltar)

[21] Todos os anteriores à era cristã, o Eclesiástico é do século 2º; a Sabedoria e o 2º livro dos Macabeus
são do 2º ou do 1º século. (voltar)

[22] Refere-se a 2º Macabeus XV-12 a 14. (voltar)

A Igreja de Cristo é a Igreja Católica.

167. Agora perguntamos: Quando Cristo diz: edificarei A MINHA IGREJA e as


portas do inferno não prevalecerão contra ELA (Mateus XVI-18) a que Igreja se
refere? Não é ao Protestantismo, nem a nenhuma Igreja protestante em
particular, porque as Igrejas protestantes só começaram a existir no século XVI.

Refere-se, sem dúvida alguma, à Igreja Católica; é fácil demonstrá-lo.

Logo nos inícios da Igreja, os seguidores de Cristo foram designados com o


nome de cristãos. Assim podiam distinguir-se dos filósofos pagãos e dos judeus
ou seguidores da sinagoga. Este nome de cristãos, como se sabe, já vem da
própria Bíblia, e tal denominação começou em Antioquia: em Antioquia foram
primeiro os discípulos denominados CRISTÃOS (Atos XI-26). Então Agripa disse a
Paulo: Por pouco me não persuades a fazer-me CRISTÃO (Atos XXVI-28) se ele,
porém, padece como CRISTÃO, não se envergonhe (1ª Pedro IV-16).

Aconteceu, porém, que, logo que a Igreja começou a propagar-se, começaram a


aparecer os hereges, seguindo doutrinas diversas daquela que tinha sido recebida
dos Apóstolos, mas tomando o nome de cristãos, pois também criam em Cristo e
dEle se diziam discípulos. Era preciso, portanto, um novo nome para designar a
verdadeira Igreja, distinguindo-a dos hereges. E desde tempos antiquíssimos,
desde os tempos dos Apóstolos, a Igreja começou a ser designada como IGREJA
CATÓLICA, isto é, Universal, a Igreja que está espalhada por toda a parte, para
diferençá-la dos hereges, pertencentes a igrejinhas isoladas que existiam aqui e
acolá. Assim é que já S. Inácio Mártir, que foi contemporâneo dos Apóstolos,
pois nasceu mais ou menos no ano 35 da era cristã e, segundo Eusébio de
Cesareia no seu Chrónicon, foi bispo de Antioquia entre os anos 70 a 107, já
S. Inácio nos fala abertamente da Igreja Católica, na sua Epístola aos
Esmirnenses: “Onde comparecer o Bispo, aí está a multidão, do mesmo modo
que, onde estiver Cristo Jesus, aí está a IGREJA CATÓLICA” (Epístola aos
Esmirnenses c. 8,2).

Outro contemporâneo dos Apóstolos foi S. Policarpo, bispo de Esmirna, que


nasceu no ano de 69 e foi discípulo de S. João Evangelista. Quando S. Policarpo
recebeu a palma do martírio, a Igreja de Esmirna escreveu uma carta que é assim
endereçada: “A Igreja de Deus que peregrina em Esmirna à Igreja de Deus que
peregrina em Filomélio e a todas as paróquias da IGREJA Santa e CATÓLICA em
todo o mundo”. Nessa mesma Epístola se fala de uma oração feita por
S. Policarpo, na qual ele “fez menção de todos quantos em sua vida tiveram trato
com ele, pequenos e grandes, ilustres e humildes, e especialmente de toda a
IGREJA CATÓLICA, espalhada por toda a terra” (c.8).

O Fragmento Muratoriano que é uma lista, feita no 2º século, dos livros do


Cânon do Novo Testamento, fala em livros apócrifos que “não podem ser
recebidos na IGREJA CATÓLICA”.

S. Clemente de Alexandria (também do século 2º) responde à objeção dos infiéis


que perguntam: “como se pode crer, se há tanta divergência de heresias, e assim
a própria verdade nos distrai e fatiga, pois outros estabelecem outros dogmas?”
Depois de mostrar vários sinais pelos quais se distingue das heresias a verdadeira
Igreja, assim conclui S. Clemente: “Não só pela essência, mas também pela
opinião, pelo princípio, pela excelência, só há uma Igreja antiga e é a IGREJA
CATÓLICA. Das heresias, umas se chamam pelo nome de um homem, como as que
são chamadas por Valentino, Marcião e Basílides; pelo lugar donde vieram,
como os Peráticos; outras, do povo, como a heresia dos Frígios; outras, de
alguma operação, como os Encratistas; outras, de seus próprios ensinos, como os
Docetas e Hematistas.” (Stromata 1.7.c.15). Digamos de passagem: o mesmo
argumento podemos formular hoje contra os protestantes. Há uma só Igreja que
vem do princípio: é a Igreja Católica. As seitas protestantes, umas são chamadas
pelos nomes dos homens que as fundaram, ou cujas opiniões seguem, como:
Luteranos (de Lutero), Calvinistas (de Calvino), Zuinglianos (de Zuínglio),
Arminianos (de Armínio), Svedenborgianos (de Svedenborg), Socinianos (de
Socin), Russelitas (de Russel), Valdenses (de Valdo), Menonitas (de Menno);

outras, do lugar donde vieram: Igreja Livre Evangélica Sueca, Irmãos de


Plymouth;

outras, de um povo: Anglicanos (da Inglaterra), Irmãos Moravos (da Morávia);

outras, do modo pelo qual se governam, como os Presbiterianos, os


Congregacionalistas;

outras, de alguma doutrina que professam, como os Batistas [23] (que rebatizam
os que foram batizados em criança ou por infusão), os Adventistas (que
anunciam a próxima vinda ou advento do Senhor), os Pentecostais (que
pretendem receber os mesmos carismas do dia de Pentecostes), os Ubiqüitários
(que dizem que o corpo de Cristo está em toda a parte), os Universalistas (que
dizem que a predestinação e a salvação são universais);

outras, de algum apelido que foi imposto aos seus adeptos, como os Metodistas,
porque os estudantes reunidos em Oxford por Carlos Wesley, para iniciar a seita,
levavam uma vida bastante metódica, ou como os Quacres, de uma palavra
inglesa que quer dizer TREMEDORES, designação que lhes veio por causa da
palavra dita pelo fundador Jorge Fox diante do juiz Bennet: “Treme, diante da
palavra de Deus”.

No século 3º, Firmiliano, bispo de Capadócia, diz assim: “Há uma só esposa de
Cristo, que é a IGREJA CATÓLICA” (Ep. de Firmiliano nº 14).

Na história do martírio de S. Piônio (morto em 251) se lê que Polemon o


interroga:

— Como és chamado?

— Cristão.

— De que igreja?

— Católica. (Ruinart. Acta martyrum pág. 122 nº 9)


— Católica. (Ruinart. Acta martyrum pág. 122 nº 9)

S. Frutuoso, martirizado no ano de 259, diz: “É necessário que eu tenha em


mente a IGREJA CATÓLICA, difundida desde o Oriente até o Ocidente” (Ruinart.
Acta martyrum pág. 192 nº 3).

Lactâncio, convertido ao Cristianismo no ano de 300, diz: “Só a IGREJA CATÓLICA


é que conserva o verdadeiro culto. Esta é a fonte da verdade; este o domicílio da
fé, o templo de Deus, no qual se alguém não entrar, do qual se alguém não sair,
está privado da esperança de vida e salvação eterna” (livro 4º cap. 3º).

S. Paciano de Barcelona (morto no ano de 392) escreve na sua epístola a


Simprônio: “Como, depois dos Apóstolos, apareceram as heresias e com nomes
diversos procuraram cindir e dilacerar em partes aquela que é a rainha, a pomba
de Deus, não exigia um sobrenome o povo apostólico, para que se distinguisse a
unidade do povo que não se corrompeu pelo erro?... Portanto, entrando por acaso
hoje numa cidade populosa e encontrando marcionistas, apolinarianos,
catafrígios, novacianos e outros deste gênero, que se chamam cristãos, com que
sobrenome eu reconheceria a congregação de meu povo, se não se chamasse
CATÓLICA?” (Epístola a Simprônio nº 3). E mais adiante, na mesma epístola:
“Cristão é o meu nome; CATÓLICO, o sobrenome” (ibidem nº 4).

S. Cirilo de Jerusalém (do mesmo século 4º) assim instruiu os catecúmenos: “Se
algum dia peregrinares pelas cidades, não indagues simplesmente onde está a
casa do Senhor, porque também as outras seitas de ímpios e as heresias querem
coonestar com o nome de casas do Senhor as suas espeluncas; nem perguntes
simplesmente onde está a igreja, mas onde está a igreja CATÓLICA; este é o nome
próprio desta santa mãe de todos nós, que também é esposa de Nosso Senhor
Jesus Cristo” (Instrução Catequética c.18; nº 26).

S. Agostinho (do século 5º) dizia: “Deve ser seguida por nós aquela religião
cristã, a comunhão daquela Igreja que é CATÓLICA, e CATÓLICA é chamada não só
pelos seus, mas também por todos os inimigos” (Verdadeira Religião c.7; nº 12).

E quando o Concílio de Constantinopla, no ano de 381, colocou, no seu símbolo


estas palavras: “Cremos na Igreja Una, Santa, CATÓLICA e Apostólica”, isto não
constituía novidade alguma, pois já desde tempos antiquíssimos, se vinha
recitando no Credo ou Símbolo dos Apóstolos: Creio na Santa Igreja CATÓLICA.
Notas (pular)

[23] A respeito da origem do nome BATISTA, ouçamos o que o reverendo Davi Gomes, pastor batista
conhecido em todo o Brasil, pois é fundador e diretor da Escola Bíblica do Ar, nos informa à pág. 147 do
seu livro “Perguntas e Respostas”, editado em 1955: “Durante a idade média surgiu um grupo de religiosos
que exigiam o batismo dos crentes, mesmo que tivessem sido aspergidos na infância. Por esta causa, foram
chamados pelos seus inimigos de anabatistas ou rebatizadores. Com o correr dos tempos o prefixo ANA
caiu e ficou o nome batista, que designa uma seita religiosa que só aceita como membros pessoas que
voluntariamente aceitam Jesus como Salvador e sejam batizados em nome da Trindade e por imersão, por
ordem de uma igreja biblicamente organizada”. Completando a exposição do Pastor Davi Gomes: a seita
dos Anabatistas foi iniciada por Nicolau Storch e Tomás Münzer no ano de 1521; foi a primeira cisão que
se verificou no seio do Protestantismo, iniciando-se aí a longa história da multiplicidade das seitas
protestantes. (voltar)

Onde está a promessa de Cristo?

168. Vemos, portanto, na história do Cristianismo, o contraste evidente entre


aquela Igreja que veio desde o princípio e logo se espalhou por toda a parte (Ide,
pois, e ensinai todas as gentes — Mateus XXVIII-19) e que desde o começo foi
chamada CATÓLICA, segundo o que acabamos de demonstrar, e as outras heresias
que foram aparecendo no decorrer dos séculos, discordando deste ou daquele
ponto, inventadas por um homem qualquer, mas todas levadas de vencida pela
Igreja, pois ou desapareceram por completo ou ficaram tão reduzidas em número
de adeptos que logo mergulharam no esquecimento: como são ebionistas,
marcionistas, apolinarianos, sabelianos, arianos, monofisistas, nestorianos,
pelagianos, monotelitas, etc., etc. Nenhuma conseguiu quebrar-lhe a unidade,
nem fazê-la afastar-se de sua doutrina ensinada desde o princípio.

Chega esta Igreja ao século XVI. Aparece então Martinho Lutero, pretendendo
afirmar que esta Igreja está completamente afogada no erro e é preciso fazer uma
reforma doutrinária. A doutrina que ele apresenta é aquela “beleza” que já vimos
no capítulo 3º, uma monstruosidade que aberra contra toda a lógica. Surgem
outros Reformadores, às centenas, cada um apresentando uma doutrina diferente.
Se querem, quase todos, basear-se na salvação pela fé sem as obras, já
demonstramos cabalmente que essa teoria vai de encontro a palavras claras da
própria Bíblia. Se negam o primado de Pedro, a eficácia do Batismo, a presença
real de Cristo na Eucaristia, o poder de perdoar pecados concedido aos
Apóstolos, estamos demonstrando neste Livro que todas estas negações são
contrárias a ensinos evidentes da Sagrada Escritura. Aliás, os protestantes negam
estes pontos da doutrina católica, não porque um estudo consciencioso da Bíblia
os leve a tal conclusão, mas sim porque são forçados pela necessidade; não há
os leve a tal conclusão, mas sim porque são forçados pela necessidade; não há
outro jeito senão negá-los, uma vez que vindo do século XVI, não têm eles a
sucessão apostólica; transmissão de poderes desde os tempos de Cristo é coisa
que de forma alguma pode haver agora entre eles, se querem continuar
ostentando uma completa independência da Igreja Católica.

Queremos aqui apenas fazer uma pergunta aos protestantes: como é que Cristo
deixou durante tantos séculos a sua Igreja mergulhada completamente no erro, e
só no século XVI fez aparecerem os “inspirados” e “esclarecidos” doutrinadores
da verdade? Onde está a Providência Divina com relação à obra de Deus que é a
sua Igreja? Se tal desastre se tivesse verificado, então teria falhado
completamente a promessa de Cristo: E as portas do inferno não prevalecerão
CONTRA ELA (Mateus XVI-18).
Eu te darei as chaves do Reino dos Céus;
e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também
nos Céus,
e tudo o que desatares sobre a terra será desatado
também nos Céus.
A entrega das chaves.

169. Depois de chamar a Pedro de pedra fundamental de sua Igreja, depois de


prometer que esta Igreja estaria sempre firme, sempre vitoriosa na luta contra os
poderes do inferno, Jesus Cristo passa a falar nos plenos poderes que confere ao
principal Apóstolo sobre esta mesma Igreja. A Pedro, só a ele, mais a ninguém,
Cristo declara solenemente que lhe vai entregar as chaves do reino dos Céus.
Esta expressão — reino dos Céus — tanto pode significar, no Evangelho, a corte
celestial, como pode designar a Igreja: é o que veremos daqui a pouco (nº 179).

Aqui se trata evidentemente de poderes a serem exercidos na Igreja, porque é


sobre a Igreja que Cristo acabou de falar (edificarei a minha IGREJA) e sobre a
Igreja daqui da terra, que Ele continuará falando (Tudo o que ligares sobre A
TERRA etc.). E trata-se de plenos poderes, porque esta metáfora — entregar as
chaves — era usada entre os povos antigos, principalmente entre os orientais,
como símbolo de poder. Se um superior entregava a seu súdito as chaves de uma
fortaleza ou de uma cidade, isto significava o poder que ele havia de exercer
naquela cidade ou naquela fortaleza. Se era o inferior que entregava as chaves ao
seu superior, queria indicar com isto que dele dependia e a ele estava sujeito. A
razão de ser desta cerimônia é que antigamente a defesa da cidade estava
principalmente nas suas portas. Aquele que tinha as chaves da cidade, que
tomava as suas portas, a possuía virtualmente em suas mãos.

Ainda hoje, mesmo entre nós, aquele que vende uma casa confere solenemente o
pleno domínio de propriedade sobre esta casa, quando faz a entrega das chaves.
O mesmo acontece quando uma casa é alugada: entregar as chaves é transmitir o
domínio útil sobre a mesma; o locatário desde este momento tem a casa à sua
disposição. Do mesmo modo a Igreja está sobre o domínio de Pedro, que recebe
plenos poderes sobre ela.
plenos poderes sobre ela.

Os protestantes, querendo diminuir o alcance destas palavras de Jesus, afirmam


que S. Pedro recebeu as chaves do reino dos Céus, porque ele foi o primeiro a
abrir o reino dos Céus pela pregação no dia de Pentecostes. Mas é a própria
Bíblia que se encarrega de desautorizar a mesquinhez desta interpretação.
Porque o que vemos na própria Bíblia é a posse das chaves significando um
pleno domínio por parte daquele que as recebe.

No livro de Isaías se lê que Deus manda dizer a Sobna, prefeito do templo: E te


deitarei fora do teu posto e te deporei do teu ministério. E acontecerá isto
naquele dia: Chamarei ao meu servo Eliacim, filho de Helcias, e vesti-lo-ei da
tua túnica e confortá-lo-ei com o teu cinto e POREI NA SUA MÃO O TEU PODER; E SERÁ
COMO PAI PARA OS HABITANTES DE JERUSALÉM E PARA A CASA DE JUDÁ. E POREI A CHAVE DA
CASA DE DAVI SOBRE OS SEUS OMBROS; E ELE ABRIRÁ E NÃO HAVERÁ QUEM FECHE; E
FECHARÁ E NÃO HAVERÁ QUEM ABRA. E fincá-lo-ei como estaca em lugar firme; e ele
será como um trono de glória para a casa de seu pai. E deixarão pendentes dele
toda a glória da casa de seu pai, diversas castas de vasos, todo o vaso
pequenino, desde os vasos de beber até todo o instrumento músico (Isaías XXII-
19 a 24).

Também no Apocalipse se põem nos lábios de Cristo estas palavras em que se


exprime o seu supremo poder sobre a morte e o inferno: Eu sou o primeiro e o
último, e o que vivo e fui morto; mas eis aqui estou eu vivo por séculos dos
séculos e tenho AS CHAVES da morte e do inferno (Apocalipse I-17 e 18). Este
mesmo poder supremo de Cristo é expresso em outra passagem do mesmo livro:
Isto diz o Santo e o Verdadeiro, que tem A CHAVE de Davi, que ABRE E NINGUÉM
FECHA, QUE FECHA E NINGUÉM ABRE (Apocalipse III-7).

Ligar e desligar.

170. E dentro da própria Bíblia, não é preciso ir tão longe para demonstrar que
as chaves significam pleno domínio, poder e autoridade, quando é o próprio
Jesus Cristo que nos vem ilustrar esta interpretação com as palavras que se
seguem no contexto: Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos
Céus; e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos Céus
(Mateus XVI-19).
É um poder amplo e universal: TUDO, estende-se a todas as pessoas, a todas as
coisas que digam respeito à natureza da Igreja. QUE LIGARES: é claro que não se
trata de amarrar com cordas, nem com cadarços, nem com laços de fita, mas sim
de ligar moralmente e o que moralmente nos liga e nos amarra é a obrigação.
Trata-se aí, portanto, de impor leis, de instituir obrigações. S. Pedro recebe o
poder de legislar na Igreja de Cristo e como a lei tem a sua sanção, o poder de
legislar inclui naturalmente o poder de admoestar e de punir. Ele pode excluir do
Reino dos Céus, ou da Igreja, aqueles que cometeram certos crimes, porque as
chaves deste reino estão em suas mãos.

E o que ele fizer no governo da Igreja será ratificado nos Céus. As palavras ligar
e desligar tinham entre os rabinos o sentido de proibir e permitir, declarar ilícita
ou lícita alguma coisa. Encontram-se no Talmud frases como esta: “Os escribas
diziam: na Judeia se trabalha até o meio-dia na véspera de Páscoa; na Galileia
não se trabalha. No que concerne à noite (precedente) a escola de Chammai o
liga aos galileus; enquanto a escola de Hillel o desliga até o nascer do sol”
(Strack-Billerbeck pág. 739-740).

Alguns protestantes se pegam somente com esta segunda acepção: cabe a Pedro
somente declarar lícita ou ilícita uma coisa. Mas ainda mesmo dado e não
concedido que ligar e desligar só tivesse entre os rabinos esta significação, vê-se
pelas próprias palavras de Cristo quão grande é o poder conferido a S. Pedro:
não se trata de declarar lícito ou ilícito aqui na terra aquilo que já foi como tal
declarado nos Céus. Mas do inverso. Pedro pode declarar lícita ou ilícita
qualquer coisa aqui na terra, que isto será confirmado no próprio Céu, onde
passará a ser considerado lícito ou ilícito.

— Mas, dirão os protestantes, assim está o chefe da Igreja com o direito de


acabar com aquilo que é da própria lei natural ou de preceito divino.

— Não há motivo para receio neste ponto. Quando há 2 poderes, um maior, o


outro menor, se houvesse nalgum caso contradição entre os dois poderes, o
maior prevaleceria. É o que se dá, por exemplo, com a obediência a nossos pais:
devemos obedecer a Deus, devemos obedecer aos pais. Mas, se os pais ordenam
alguma coisa que é proibida por Deus, cessa o dever de obediência filial. É claro,
portanto, que o poder de S. Pedro e de seus sucessores não se estendem àquilo
que é contrário ao direito divino.
Do chefe de repartição, do presidente de uma sociedade qualquer que nada
decide, nada resolve, se diz vulgarmente que ele não ata nem desata. Não foi
para fazer essa figura de papelão, para exercer um papel meramente figurativo,
que Cristo fez de S. Pedro e seus sucessores a PEDRA que havia de sustentar a sua
Igreja. Para exercer esta missão era preciso que S. Pedro tivesse plenos poderes
no governo eclesiástico [24]. Por isto lhe são entregues as chaves do Reino dos
Céus. E é por isto também que Cristo lhe diz:

Notas (pular)

[24] A fim de lançarem uma cortina de fumaça sobre este texto de S. Mateus, os protestantes se põem a
querer dar exemplos destes casos de LIGAR e DESLIGAR, mas fornecem exemplos que nada têm que ver com o
caso, e assim se estabelece a confusão, que é precisamente o que lhes interessa. Dizem: Pedro pregou no dia
de Pentecostes e, depois da pregação, perguntaram os ouvintes o QUE DEVIAM FAZER. A resposta de Pedro foi
que deviam arrepender-se e ser batizados (Atos II-38). Pedro é chamado à casa de Cornélio, prega aí o
Evangelho, Cornélio e os presentes se convertem e aí se abre o reino dos Céus para os gentios (Atos cap.
10º). Filipe, um simples diácono, prega em Samaria e aí muitos se convertem (Atos VIII-5 a 8 e 12); abriu-
se, portanto, o reino dos Céus para os samaritanos. E assim por diante. Desses exemplos, os protestantes
poderão apresentar milhares, se quiserem, desde os tempos de Cristo até os dias de hoje. Mas isto nada tem
que ver com o poder de ligar e desligar. Trata-se aí, sim, da missão de PREGAR, de ENSINAR: Ide, pois, e
ENSINAI todas as gentes (Mateus XXVIII-19) PREGAI o Evangelho a toda criatura (Marcos XVI-15), missão
esta que os Apóstolos receberam, mas podiam também confiar e de fato confiaram a outras pessoas idôneas,
para que os ajudassem nesta obra evangelizadora. Ainda hoje são muitos os que pregam o Evangelho; uns,
porque receberam a missão da Igreja Verdadeira que Cristo fundou; outros, porque por sua própria cabeça
entendem que devem pregá-lo, quando ninguém os autorizou para isto. Mas o que não sabíamos é que pelo
simples fato de pregar o Evangelho, pregação esta EM QUE NADA PODE SER ALTERADO DO QUE JESUS ENSINOU,
nada fica, portanto, ao nosso arbítrio, pelo simples fato de informar a alguém que precisa ARREPENDER-SE E
SER BATIZADO, como Cristo ordenou, por este simples fato uma pessoa possa dizer: Vejam que poder é o
meu! Tudo o que eu ligo na terra, é ligado nos Céus; o que eu desligo na terra é desligado nos Céus.

Apresentam Ananias, um simples discípulo, com o poder de LIGAR e DESLIGAR, porque foi ele encarregado
de introduzir a Saulo na Igreja (Atos IX-10 e 11; 17 e 18; XXII-12 a 16). Mas era outra coisa que não
sabíamos: que pelo simples fato de ter recebido DIRETAMENTE de Jesus UMA MISSÃO TODA ESPECIAL com
relação a Saulo, a de curá-lo da cegueira e ministrar-lhe o Batismo, por este simples fato Ananias pudesse
dizer: Vejam que poder é o meu! TUDO o que eu ligo na terra, é ligado nos Céus; o que eu desligo na terra é
desligado nos Céus!

Para ser maior a confusão, no meio destes exemplos fora de propósito, os protestantes apresentam três
exemplos legítimos: Pedro condena o proceder de Simão Mago, que queria por dinheiro adquirir o poder de
dar o Espírito Santo (Atos VIII-18 a 24), Pedro repreende severamente a Ananias e Safira, que haviam sido
réus de hipocrisia (Atos V-1 a 10), Paulo reprova energicamente a Elimas, o Mago, que procura dificultar a
conversão do procônsul (Atos XIII-8 a 12) e nestes dois últimos casos, Deus se encarregou de mostrar
visivelmente com um castigo do Céu como ratificava a sentença dos Apóstolos. Mas que provam estes
exemplos senão que havia de fato uma AUTORIDADE para governar, repreender e castigar, que Deus
reconhecia na pessoa de seus Apóstolos? É precisamente esta autoridade que negam os protestantes que
dizem que a Igreja Cristã se regia democraticamente e os fiéis é que tudo decidiam. (voltar)
Apascenta os meus cordeiros; Apascenta as minhas
ovelhas
O pastor do grande rebanho.

171. Cristo que orou ao Pai para que seus seguidores fossem todos UM, como tu,
Pai, o és em mim e eu em ti (João XVII-21) e que um dia profetizou a realização
de seu ideal na Igreja, que Ele havia de fundar: haverá UM REBANHO E UM PASTOR
(João X-16), antes de subir aos Céus, resolveu entregar a um homem a missão de
pastorear o seu rebanho.

Depois do que pacientemente expusemos (nº 161) sobre as prerrogativas dos


homens e os atributos de Deus, ninguém vai mais ter o espírito tão estreito que
chegue a dizer: Cristo não é o nosso Bom Pastor (João X-11)? Como é que um
homem vai ser o pastor de toda a sua Igreja? É o caso de dizer: Deus não é o Pai
dos Céus que cuida de todos nós, de quem todos somos filhos, a quem devemos
toda a submissão? Isto não o impede de nos dar aqui na terra um pai que também
cuida de nós e a quem devemos respeito, amor, sujeição e obediência.

Qual foi o homem, a quem Cristo constituiu pastor de todo o seu rebanho? Foi
S. Pedro, o mesmo S. Pedro que o Divino Mestre chamou a pedra, sobre a qual
ia edificar a sua Igreja.

O amor de Pedro.

172. Vejamos como tudo se passou.


Estavam reunidos alguns Apóstolos com outros discípulos, quando lhes apareceu
Jesus: Depois tornou Jesus a mostrar-se a seus discípulos junto do mar de
Tiberíades; e mostrou-se-lhes desta sorte: Estavam juntos Simão Pedro e Tomé
chamado Dídimo, e Natanael que era de Caná de Galileia, e os filhos de
Zebedeu, e outros dois de seus discípulos (João XXI-1 e 2). É diante destes
Apóstolos e discípulos, que Jesus faz uma pergunta a Pedro. Tendo eles, pois,
jantado, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, tu amas-me mais
do que estes? (João XXI-15).
Nota-se outra vez em Jesus a preocupação de identificar perfeitamente a
S. Pedro, para que não se confunda com outro, pois o chama pelo nome de
nascimento, acrescentando-lhe o nome do pai: Simão, filho de João. É a Pedro
exclusivamente que se dirige.

A pergunta que lhe faz Jesus é bem significativa e, ao mesmo tempo,


embaraçosa para S. Pedro. Significativa, porque Jesus mostra muito bem que lhe
vai dar uma missão à parte, superior à de seus companheiros, uma vez que para
isto se exige que Pedro o ame mais do que os outros. Embaraçosa para S. Pedro
que acabara de colher uma amarga experiência de sua presunção: julgara-se
superior aos outros Apóstolos na firmeza e dedicação ao Mestre: Ainda quando
todos se escandalizarem a teu respeito, eu nunca me escandalizarei (Mateus
XXVI-33). E o resultado de tal presunção havia sido bastante funesto. S. Pedro
agora não ousa dizer que ama a Jesus Cristo mais do que os seus companheiros,
porque já aprendeu, de sua própria fraqueza, do fracasso de sua negação, a não
se julgar superior a ninguém. Sua resposta é firme, sincera e ao mesmo tempo
modesta: Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo (João XXI-15).

Alguns protestantes, querendo diminuir a significação das palavras ditas a


S. Pedro nesta passagem do Evangelho, interpretam assim as palavras de Jesus:
Perguntando a Pedro — amas-me mais do que estes? — Nosso Senhor lhe
perguntou apenas se o amor que Pedro tinha a Cristo era maior do que o amor
que Pedro tinha aos outros Apóstolos e companheiros: amas-me mais do que
amas a estes?

Outros vão mais além. Como a palavra ESTES, tanto no grego (TÓUTON), como no
latim (HIS) é expressa por uma forma que é igual para o masculino, o feminino e
o neutro, dizem que aí se trata do gênero neutro, isto é, Cristo perguntou a Pedro
se tinha mais amor a Ele, Cristo, do que àquelas coisas que ali estavam: como
eram as barcas, as redes, os peixes etc. Interpretação verdadeiramente ridícula,
que bem mostra até que ponto pode chegar o partidarismo dos protestantes em
matéria de exegese.

Nenhuma das duas interpretações tem fundamento. Se Cristo tivesse perguntado


a S. Pedro se ele amava ao Mestre mais do que aos outros discípulos, ou se
amava ao Mestre mais do que as redes e barcas e pescados, S. Pedro não teria
hesitado um só instante, nem de maneira alguma em responder. Ele bem sabia o
que se passava no seu coração; sabia perfeitamente que o seu amor ao Mestre
superava todos os outros amores. Nem os seus colegas podiam ficar ofendidos
com a resposta afirmativa, pois é nossa obrigação amar a Deus, Fonte de todo o
Bem, e amá-Lo de todo o coração e sobre todas as coisas. A hesitação de
S. Pedro nascia precisamente disto: Cristo lhe perguntava se o seu amor era
maior do que o amor que tinham os outros; Pedro não sabia bem o que ia pelo
coração alheio, nem devia julgar-se superior a ninguém (a tríplice negação o
havia ensinado nesse ponto), por isto limita-se a dizer: Sim, Senhor, tu sabes que
eu te amo (João XXI-15). Não havia motivo algum para Cristo duvidar do amor
e da afeição que Pedro Lhe dedicava, a ponto de pensar que Pedro amasse aos
próprios companheiros mais do que a Ele. Primeiro que tudo, isto demonstraria
uma preocupação, um ciúme que não condizem bem com a pessoa de Cristo.
Além disto, Pedro já havia dado ao Divino Mestre, mais do que qualquer outro,
provas especiais de amor e de terna afeição.

Basta ver a sinceridade, a veemência com que ele disse: Senhor, para quem
havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna (João XIII-6) e foi este
mesmo amor que o levou a dizer, diante da ameaça de Jesus de que não teria
parte com Ele: Senhor, não somente os meus pés, mas também as mãos e a
cabeça (João XIII-9).

Se algumas vezes teve os seus erros, foram estes ocasionados de uma certa
forma pelo amor extraordinário que tinha a Jesus. Há em todos estes erros o sinal
do amor.

Não tendo ainda uma compreensão exata dos desígnios e dos planos de Deus
com respeito à salvação dos pecadores, seu amor terno e por demais humano
para com o Mestre não podia conformar-se com a ideia de que Jesus tinha que ir
a Jerusalém e padecer muitas coisas dos anciãos e dos escribas e dos príncipes
dos sacerdotes e ser morto (Mateus XVI-21), o que lhe mereceu a repreensão de
Jesus: Tira-te de diante de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque
não tens gosto das coisas que são de Deus, mas das que são dos homens
(Mateus XVI-23). Era preciso uma repreensão muito forte, para Pedro
compreender o erro daquela afeição demasiadamente humana, que era também
muito forte; era preciso uma advertência enérgica para que Pedro olhasse o amor
a Cristo pelo lado mais sobrenatural, adorando, acima de tudo, os sapientíssimos
desígnios de Deus.

Um parêntesis sobre Pedro e satanás.


Um parêntesis sobre Pedro e satanás.

173. Aqui vamos abrir um parêntesis para comentar uma divertida observação
protestante.

Vivendo a catar na Bíblia tudo quanto é pretexto para destruir as prerrogativas


concedidas por Jesus a S. Pedro, os protestantes veem aí ingenuamente uma
prova de que S. Pedro não podia ser chefe da Igreja e assim formulam o seu
“formidável” argumento: Cristo chamou de Satanás a Pedro; ora, Satanás não
podia ser chefe da Igreja; logo Pedro não podia ser chefe da Igreja.

O argumento é tão “formidável” que não prova coisa alguma. Por este mesmo
modo de argumentar podia-se provar que S. Pedro não foi Apóstolo de Cristo:
Cristo chamou de Satanás a Pedro; ora, Satanás não podia ser Apóstolo de
Cristo; logo, Pedro não podia ser Apóstolo. Podia-se provar até que Pedro não
era nem cristão: Pedro foi chamado por Satanás; ora, Satanás não é cristão; logo,
Pedro não é cristão.

Há uma semelhança entre Pedro e Satanás: Pedro é pescador de homens (Lucas


V-10) e Satanás o é também, com uma diferença apenas e esta é muito grande.
Pedro era pescador de homens, para o Céu, para a vida eterna; Satanás era
pescador de homens, para levá-los ao inferno e à eterna perdição.

Assim como a mãe extremosa chama a seus filhinhos queridos de diabinhos,


porque eles a tentam várias vezes ao dia, Cristo quis mostrara Pedro que, na sua
inexperiência, na sua ignorância, estava naquela hora fazendo, como se fosse um
menino sem juízo, um papel próprio de Satanás: estava querendo induzi-Lo a
que não sofresse humilhações da parte dos chefes da sinagoga, quando não sabia
Pedro que tudo isto era necessário para a nossa própria salvação.

Ainda o amor de Pedro.

174. Mas prossigamos. Foi também pelo amor ao Mestre que ele feriu a um
servo do pontífice e lhe cortou a orelha direita (João XVIII-10). Ele enganou-se
COMO QUALQUER UM DE NÓS TERIA SE ENGANADO, pois o mestre havia dito: Agora
quem tem bolsa tome-a e também alforje; e o que não tem, venda a sua túnica e
COMPRE ESPADA, porque vos digo que é necessário que se veja cumprido em mim
ainda isto que está escrito: E foi repudiado pelos iníquos. Porque as coisas que
dizem respeito a mim vão já a ter o seu cumprimento. Mas eles responderam:
Senhor, EIS AQUI ESTÃO DUAS ESPADAS. E Jesus lhes disse: BASTA (Lucas XXII-36 a
38). A sua interpretação das palavras do Mestre não foi exata. Mas a intenção foi
boa, e a ação, ditada pelo amor: quis defender o Mestre querido. Jesus mesmo
permitiu esta reação, porque servia para que, curando o soldado ferido, tivesse
ocasião de dar uma cabal demonstração de amor aos inimigos e de que era
livremente que ele se entregava.

Foi pelo amor que Pedro caiu na presunção: Eu darei a minha vida por ti (João
XIII-37). Repugnava-lhe a ideia de ter que negar o seu Mestre. Era amor, porém,
que precisava ser acompanhado de humildade; e por isto não foi suficiente para
vencer a tentação no momento preciso. A prova de que havia muito amor a Jesus
no seu coração foram as lágrimas copiosas que ele derramou logo após o cantar
do galo: E tendo saído para fora, chorou Pedro amargamente (Lucas XXII-62).

E mais uma prova de seu amor ao Mestre, Pedro tinha dado nesta mesma
aparição de Jesus, sobre a qual estamos falando e que se realizava à margem do
mar de Tiberíades. Logo que viu que Jesus ali estava, Pedro não esperou que a
barca chegasse em terra, lançou-se ao mar, ansioso por se encontrar com o
Mestre: Então aquele discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor.
Simão Pedro, quando ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a sua túnica
(porque estava nu) e lançou-se ao mar. E os outros discípulos vieram na barca
(João XXI-7 e 8). O amor se descobre nestas pequeninas coisas.

Enganou-se Pedro algumas vezes; mostrou ignorância, o que é natural porque


era um rude pescador e não havia recebido ainda a abundância das luzes do
Espírito Santo no Pentecostes; mas o que é fato é que assim como se sobressaiu
entre os discípulos pela sua fé decidida, assim também se salientou pelo seu
amor ardoroso. E é por isto que Jesus lhe diz, a ele especialmente, depois de
exigir-lhe uma confissão de seu amor: Apascenta os meus cordeiros (João XXI-
15).

A cena se repete ainda duas vezes: Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de
João, tu amas-me? Ele Lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo.
Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe terceira vez:
Simão, filho de João, tu amas-me? Ficou Pedro triste, porque terceira vez
perguntara: Tu amas-me? e respondeu-Lhe: Senhor, tu conheces tudo; tu sabes
que eu te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas (João XXI-16 e
17).

O verbo apascentar.

175. Vê-se, pelo texto grego, que tendo Jesus dito a Pedro três vezes APASCENTA,
este verbo apascentar é expresso de duas formas: BÓSKO e POIMÁINO. É a missão
do pastor em toda a extensão da palavra, pois enquanto BÓSKO é empregado mais
para significar a ação de nutrir, oferecer alimento, o verbo POIMÁINO é
frequentemente empregado na Escritura para significar a ideia não só de instruir
com palavras (E vos darei pastores segundo o meu coração, os quais
APASCENTARÃO com a ciência e a doutrina — Jeremias III-15), mas também de
governar e governar com autoridade e por isto é aplicada a Deus e também aos
reis. Vejamos alguns exemplos.

No livro 2º dos Reis se aplica este verbo a Davi, que ia ser rei de Israel: E vieram
todas as tribos de Israel ter com Davi em Hebron, dizendo: Aqui nos tens, que
somos teus ossos e tua carne. E ainda ontem e antes de ontem, quando Saul era
rei sobre nós, era tu o que conduzias e fazias voltar a Israel; e o Senhor te disse:
Tu APASCENTARÁS o meu povo de Israel, e tu serás o condutor de Israel (2º Reis V-
1 e 2).

A respeito do mesmo Davi se lê em Ezequiel: Eu salvarei o meu rebanho e ele


não servirá mais de presa, e eu julgarei entre ovelhas e ovelhas. E suscitarei
sobre elas um único Pastor que as APASCENTE, meu servo Davi; ele mesmo as
APASCENTARÁ, e este mesmo terá o lugar de seu pastor. Eu, porém, o Senhor, serei
para eles o seu Deus, e meu servo Davi será no meio delas como o seu príncipe
(Ezequiel XXXIV-22 a 24).

No livro de Isaías se lê a respeito de Deus: Eis aí virá o Senhor Deus com


fortaleza e o seu braço dominará; eia aí virá com Ele a sua paga e diante dEle a
sua obra. Ele APASCENTARÁ, como pastor, o seu rebanho, ajuntará pela força do
seu braço os cordeiros e os tomará no seu seio, Ele mesmo levará sobre si as
ovelhas que estiverem prenhes (Isaías XL-10 e 11).

Em Miqueias se lê na profecia sobre o Messias: E tu, Belém Efrata, tu és


pequenina entre os milhares de Judá; mas de ti é que me há de sair Aquele que
há de reinar em Israel... E Ele estará firme e APASCENTARÁ o seu rebanho na
fortaleza do Senhor (Miqueias V-2 e 4).
Em todos estes exemplos acima citados, o verbo APASCENTAR é expresso no texto
grego (versão dos Setenta), pelo verbo POIMÁINO, o mesmo verbo que é aplicado
a S. Pedro (João XXI-16).

Cristo confere, portanto, a Pedro, a missão não só de instruir, mas também de


governar o seu rebanho, como um rei governa o seu povo.

O pastor dos pastores.

176. Mas, dirão os protestantes, os Apóstolos também não são pastores?


— Não há dúvida; mas foi somente a Pedro que Cristo confiou a missão de reger
e pastorear, não alguns de seus cordeiros, algumas de suas ovelhas, mas OS SEUS
CORDEIROS, AS SUAS OVELHAS sem restrição alguma. Os seus cordeiros, as suas
ovelhas — quer dizer todos os que pertencem ao rebanho de Cristo, todas as suas
ovelhas e cordeiros e aí se incluem os próprios Apóstolos, que são também
ovelhas do Divino Salvador: A todos vós serei eu esta noite uma ocasião de
escândalo, pois está escrito: Eu ferirei o pastor e AS OVELHAS se porão em
desarranjo (Marcos XIV-27).

O artigo que precede a esses nomes (os meus cordeiros; as minhas ovelhas) vem
também no texto grego.

Quando o protestante pede a Deus: Senhor, protegei OS MEUS FILHOS, não está
pedindo a Deus que proteja TODOS OS SEUS FILHOS? Ou está pedindo apenas que
proteja alguns? Quando o protestante diz ao seu criado: Tome conta DOS MEUS
CANÁRIOS, vai ficar satisfeito se o criado que se descuidou de alguns, vem
apresentar, como desculpa, que o seu patrão não falou em TODOS OS CANÁRIOS?
Quando diz ao seu filho: Estude AS SUAS LIÇÕES, está mandando que estude TODAS
as suas lições ou que estude somente algumas? Quando diz: AS MINHAS PALAVRAS
são sinceras, quer dizer que todas elas são sinceras ou que somente algumas o
são? Como é que então que só diante deste texto vem alegar que Cristo não
disse: TODOS OS MEUS CORDEIROS, TODAS AS MINHAS OVELHAS?

Todos os Apóstolos eram pastores. Mas por que somente a Pedro, Cristo fez
especialmente Pastor DO SEU REBANHO (e seu rebanho é toda a Cristandade), a este
mesmo Pedro que Ele declarou seria a pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja,
a este mesmo Pedro pelo qual orou especialmente, para que ele confortasse os
seus irmãos (Lucas XXII-32)? É porque Pedro, sendo o chefe visível da Igreja,
havia de ser naturalmente aqui na terra o pastor dos pastores.

Não foi uma reintegração no apostolado.

177. Procurando diminuir o valor demonstrativo destes textos (Apascenta os


meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas), os protestantes se lembraram de
forjar a seguinte explicação: Pedro havia negado seu mestre; tinha, portanto,
perdido o direito de ser Apóstolo de Cristo, pois não se pode negar o Mestre e
ser seu Apóstolo ao mesmo tempo. Dizendo-lhe especialmente: Apascenta os
meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas, Cristo está apenas restituindo a
Pedro o cargo de Apóstolo que ele havia perdido.

— Antes de tudo, a argumentação dos protestantes se baseia num falso suposto:


o de que Pedro, só pelo simples fato de sua negação foi destituído do seu cargo
de Apóstolo. É claro que, se ele continuasse a negar o Mestre por todo o resto da
vida, não poderia ser Apóstolo, pois para ser Apóstolo, haveria de confessar o
Cristo. Mas a sua conversão foi pronta, sincera e imediata. Depois da queda,
Pedro, profundamente humilde, está mais do que nunca indicado para Apóstolo.
Por isto diz S. Ambrósio: “Ensina-nos, ó Pedro, de que te aproveitaram tuas
lágrimas? mas tu ensinaste imediatamente, pois tu que antes de chorar, caíste;
depois de chorar, te levantaste para reger os outros, tu que antes não tinhas
regido a ti mesmo”.

Mas, supondo mesmo que fosse como dizem os protestantes, que a negação o
tivesse despojado da sua dignidade de Apóstolo, o que é certo é que na hora em
que Cristo lhe disse: Apascenta os meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas
(João XXI-15, 16 e 17), a dignidade de Apóstolo, Pedro já a teria recuperado.
Não só Cristo lhe fez uma aparição especial depois da ressurreição, mas também
ANTES daquela cena da margem do lago das Tiberíades, já aparecera a Pedro e
aos demais Apóstolos, quando estavam trancados numa casa em Jerusalém, com
exceção apenas de S. Tomé, e tinha dito a todos eles, portanto também a
S. Pedro: ASSIM COMO O PAI ME ENVIOU A MIM, TAMBÉM EU VOS ENVIO A VÓS (João XX-
21). Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-22 e
23). E S. João acrescenta: Porém Tomé, UM DOS DOZE, que se chama Dídimo, não
estava com eles quando veio Jesus (João XX-24).
Que quer dizer Apóstolo, senão enviado? Aqueles doze foram os enviados de
Jesus. E aí já aparecem recebendo (S. Pedro com eles) a prerrogativa de perdoar
os pecados e reter. Logo, Cristo não pensou absolutamente em fazer a Pedro a
restituição de apostolado, pois Apóstolo, Pedro já era e continuava sendo,
quando Cristo lhe disse: Apascenta os meus cordeiros; apascenta as minhas
ovelhas. Ele quis, não há dúvida, levá-lo a fazer com a tríplice confissão de amor
uma reparação pública pela sua tríplice negação. Mas desta tríplice confissão de
amor se serviu imediatamente, como base, para conceder a Pedro uma
prerrogativa que não concedeu aos demais Apóstolos: a de ser Pastor de todo o
seu rebanho.
A disputa sobre o maior
Origem da disputa.

178. Os protestantes objetam o seguinte: Depois que Cristo disse: Tu és Pedro e


sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, os Apóstolos ainda aparecem
disputando sobre qual deles é o maior no Reino dos Céus. Ora, isto é um sinal de
que não tinham entendido as palavras de Cristo no sentido de que Pedro era o
chefe, portanto o maior de todos. Além disto, quando perguntaram qual era o
maior no Reino dos Céus, se na verdade fosse Pedro o chefe da Igreja, Cristo
deveria responder: É Pedro e não outro o maior no Reino dos Céus. Mas qual foi
a resposta de Cristo? Foi esta: Na verdade vos digo que, se vos não converterdes
e vos não fizerdes como meninos, não haveis de entrar no Reino dos Céus. Todo
aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, esse será maior no Reino
dos Céus (Mateus XVIII-3 e 4). É uma prova, portanto, de que Cristo não tinha
nem a Pedro, nem a ninguém na conta de chefe, nem de maior, mas eram todos
iguais.

— O fato de surgir entre os Apóstolos aquela disputa sobre quem era o maior,
foi justamente uma prova de que Jesus Cristo estava distinguindo a Pedro com a
primazia. Se Cristo os considerasse a todos iguais, em ninguém se teria
despertado a preocupação de saber quem era o maior, nem quem era o menor. E
o Evangelho de S. Mateus nos mostra claramente a sequência lógica dos
acontecimentos. No capítulo XVI se mostra, como vimos, Jesus chamando a
Pedro de pedra de sua Igreja, dando-lhe as chaves do Reino dos Céus, o poder de
ligar e desligar. Porém imediatamente S. Mateus nos mostra Jesus fazendo a
Pedro uma repreensão bem severa diante de todos: Tira-te de diante de mim,
Satanás, que me serves de escândalo; porque não tens gosto pelas coisas que
são de Deus, mas das que são dos homens (Mateus XVI-23). Isto, como é
natural, serviu para amortecer bastante o efeito que teriam produzido aquelas
prerrogativas especialmente à pessoa de Pedro. No capítulo seguinte se mostra
Jesus levando para o monte Tabor, para a sua transfiguração, a 3 Apóstolos
somente: Pedro, Tiago e João. Era um grande privilégio concedido agora a três
de uma vez. Este mesmo capítulo XVII no fim nos mostra o episódio do imposto
das dracmas, em que Cristo dá uma distinção especialíssima a S. Pedro,
mandando-lhe que pesque, para poder adquirir um estáter e pagar o imposto em
nome do Mestre e em seu próprio nome. Todos esses fatos reunidos despertaram
o ciúme, a emulação entre os Apóstolos e a sua pergunta a Cristo: Quem é maior
no reino dos Céus? (Mateus XVIII-1) vem no texto grego acompanhada da
partícula ARA que quer dizer PORTANTO: Quem é PORTANTO maior no Reino dos
Céus? É uma consequência da distinção feita naquela hora a S. Pedro e da
discussão que se suscitou entre eles.

Ainda mesmo que eles tenham a certeza de que Pedro é o primeiro, sabe-se
muito bem como são os homens, quando estão interessados num assunto, quando
estão “torcendo” para que alguma coisa não se verifique. Cheios de ciúme, de
ambição de conseguir o primeiro lugar, os Apóstolos só se conformarão quando
ouvirem o Mestre desenganá-los com uma aberta declaração do assunto e por
isto vêm perguntar: Quem julgas tu que é maior no Reino dos Céus? (Mateus
XVIII-1), para se desiludirem de uma vez e tirarem a limpo toda a questão.

Mas Jesus lhes responde com a máxima habilidade.

Primeiro que tudo, os Apóstolos não sabiam bem o que estavam perguntando,
porque não conheciam exatamente o que vinha a ser esse Reino dos Céus.

Tinham sobre o mesmo uma ideia confusa, pois estavam imbuídos daquela
mesma concepção que predominava entre os judeus, ou seja, a ideia de um reino
messiânico a realizar-se aqui na terra, com predomínio de Israel sobre os outros
povos. Esta ideia, os Apóstolos conservaram até mesmo depois da ressurreição e
só perderam este preconceito, quando os iluminou o Espírito Santo, no dia de
Pentecostes. Por isto os vemos ainda perguntando, quando o Mestre, prestes a
subir para o Céu, lhes ordena que não saiam de Jerusalém para poder receber o
Paráclito: Senhor, dar-se-á caso que restituas o reino a Israel? (Atos I-6).

O Reino dos Céus.

179. Uma coisa é evidente nos Evangelhos: a expressão Reino dos Céus é
tomada em dois sentidos diversos, embora afins. Ora designa a Igreja, ora
designa o reino celestial da eterna bem-aventurança, onde se reúnem os anjos e
os santos.

Vejamos por exemplo: O Reino dos Céus é semelhante a uma rede lançada no
mar, que toda a casta de peixes colhe e, depois de estar cheia, a tiram os
homens para fora e, sentados na praia, escolhem os bons para os vasos e deitam
fora os maus. Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus
dentre os justos e lançá-los-ão na fornalha de fogo (Mateus XIII-47 a 50). Pelo
que aí se vê, o Reino dos Céus vem significar a Igreja, a qual tem bons e maus,
porque mesmo dentre os que creem em Cristo e em todos os seus ensinamentos,
nem todos cumprem a lei divina e têm o espírito de Cristo, como deviam; no fim
do mundo é quando se fará a separação e só os bons é que irão para o Reino dos
Céus, tomado este no sentido da bem-aventurança celeste.

Do mesmo modo: O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa
semente no seu campo; e, enquanto dormiam os homens, veio o inimigo e
semeou cizânia no meio do trigo e foi-se. E tendo crescido a erva e dado fruto,
apareceu também então a cizânia (Mateus XIII-24 a 26). No tempo da ceifa,
direi aos segadores: Colhei primeiramente a cizânia e atai-a em molhos para a
queimar; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro (Mateus XIII-30). No fim do
mundo, portanto, se fará a depuração.

O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e


semeou no seu campo; o qual grão é na verdade o mais pequeno de todas as
sementes, mas depois de ter crescido é maior que todas as hortaliças e se faz
árvore, de sorte que as aves do céu vêm a fazer ninhos nos seus ramos (Mateus
XIII-31 e 32). Aí se trata evidentemente da Igreja, pequenina a princípio,
reduzida a 12 Apóstolos, poucos discípulos e algumas mulheres, e depois
desenvolvendo-se até estender os seus ramos pelo mundo inteiro.

Em outras ocasiões, porém, Jesus falando do Reino dos Céus fala a respeito da
eterna bem-aventurança. Assim, quando diz: Se a vossa justiça não for maior e
mais perfeita do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus
(Mateus V-20) ou quando diz: Em verdade vos digo que um rico
dificultosamente entrará no Reino dos Céus (Mateus XIX-23), Jesus aí não se
refere à Igreja: é fácil a um homem que não seja mais virtuoso que os fariseus,
ou que seja rico entrar na Igreja e ser aí um mau peixe ou uma cizânia no meio
do trigo; difícil, sim, será que entre no Céu. Do mesmo modo, quando Cristo diz:
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus
(Mateus V-3) Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente e que
se sentarão à mesa com Abraão e Isaque e Jacó no Reino dos Céus, mas que os
filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores (Mateus VIII-11), a
referência à bem-aventurança celeste é bem evidente.
Levantando os ânimos.

180. Ali estavam os Apóstolos a perguntar quem era o maior no Reino dos Céus
(existente aqui na terra), fosse qual fosse a ideia que eles tinham desse reino.
Mas estavam desunidos, cheios de ambição de glória e de mando, num estado de
espírito que só podia ser amplamente desastroso para a Igreja. Que seria da
Igreja, se os Apóstolos, seus futuros propagadores, as colunas em que ia firmar-
se, estavam assim rosnando entre si, divididos pelo ciúme e pela discórdia? Jesus
podia ter-lhes dito: O maior, o chefe de Vocês é Simão Pedro. Mas isto não
resolveria o caso, não serviria para arrancar-lhes o veneno da rivalidade que
havia em seus corações. Preferiu levantar-lhes o espírito, falando-lhes do Reino
dos Céus noutro sentido, não o reino, a Igreja aqui na terra, mas o prêmio eterno
de Deus lá no Céu, o qual eles não conseguirão de forma alguma se continuarem
com esta soberba, se não se tornarem simples e humildes e desinteressados de
honras e de grandezas, como são as crianças: Na verdade vos digo que, se vos
não converterdes e vos não fizerdes como meninos, não haveis de entrar no
Reino dos Céus (Mateus XVIII-3). E em lugar de se estarem preocupados com
os primeiros lugares aqui na terra, a preocupação que deviam ter era a de
alcançar o primeiro lugar no Céu, mas isto só conseguirão à custa de humildade
e quanto mais humildes forem, melhor lugar alcançarão: Todo aquele, pois, que
se fizer pequeno como este menino, esse será o maior no Reino dos Céus
(Mateus XVIII-4). Vê-se, portanto, que Nosso Senhor mudou de assunto,
procurando habilmente elevá-los a uma consideração mais alta, para dar-lhes
uma lição de cordura, de humildade e desprendimento e concitá-los a acabarem
com aquela discussão tão antipática e desastrosa.

Cristo aí toma o Reino dos Céus, como sinônimo do Céu; quando dizemos que
Pedro ou o Papa tem a chave do Reino dos Céus, é o maior no Reino dos Céus,
aqui entendemos a Igreja. É claro que um cristão dos mais humildes, mais
obscuros, pode alcançar no Céu um lugar maior do que o do Papa. E não
negamos a possibilidade de alguns Papas não terem nem entrado no Céu. Isto é
outro assunto. O que não impediu a Cristo de deixar um pastor universal para a
sua Igreja, pois a Igreja é uma sociedade bem organizada e toda sociedade bem
organizada tem um chefe. E outro não é na Igreja de Deus senão aquele que é o
sucessor de Pedro, a quem foi dito: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a
minha Igreja... E eu te darei as chaves do Reino dos Céus (Mateus XVI-18 e
19).
A questão dos doze tronos
Outra objeção do mesmo gênero.

181. Mas os Apóstolos ainda não se emendaram completamente com a lição do


Mestre. A ideia de competição surgiu novamente entre eles. E surge, por
consequência, uma nova objeção dos protestantes. Objetam com as palavras de
Cristo: Sabeis que os príncipes das gentes dominam os seus vassalos e que os
que são maiores exercitam o seu poder sobre eles. Não será assim entre vós
outros; mas entre vós todo o que quiser ser maior, esse seja o que vos sirva; e o
que entre vós quiser ser o primeiro, esse seja o vosso servo (Mateus XX-25 a
27).

Logo, dizem eles, Cristo destruiu completamente a ideia de que entre os


Apóstolos houvesse alguém que dominasse os outros.

— Vejamos, porém, como tudo se passou.

No capítulo anterior, S. Mateus nos mostra S. Pedro dizendo ao Mestre: Eis aqui
estamos nós que deixamos tudo e te seguimos: que galardão, pois, será o nosso?
(Mateus XIX-27).

A resposta de Jesus é esta: Em verdade vos afirmo que vós, quando no dia da
regeneração estiver o Filho do Homem sentado no trono da sua glória, vós,
torno a dizer, que me seguistes, também estareis sentados sobre doze tronos, e
julgareis as doze tribos de Israel (Mateus XIX-28).

Uma observação fora de propósito.

182. Para mostrar como os protestantes vivem catando a torto e a direito


passagens da Bíblia, para ver se tapam o sol com uma peneira, ou no caso, se
obscurecem a primazia de S. Pedro sobre os demais Apóstolos, basta dizer que
há alguns deles (e até ilustrados!) que diante deste texto se põem a dizer: Estão
vendo? Cristo aí não fala num trono mais elevado para S. Pedro, fala de 12
tronos; logo, todos os Apóstolos eram iguais! A objeção é verdadeiramente
infantil, porque está argumentando com aquilo que vai acontecer DEPOIS QUE O
MUNDO SE ACABAR. Nesse tempo não haverá mais Papa governando a Igreja, pois
é um governo que se exerce AQUI NA TERRA, para que a Igreja cumpra fielmente a
sua missão, de acordo com o estabelecido pelo seu Divino Fundador Jesus
Cristo. O grau maior ou menor de glória é devido à virtude de cada um; se os
Apóstolos estarão assim tão elevados, não é pelo simples fato de terem sido
escolhidos para Apóstolos. Pois houve um que foi escolhido para Apóstolo e no
entanto fracassou: Judas Iscariotes, o qual não terá o direito a trono algum. Se os
Apóstolos conseguirão esses tronos, é porque os terão merecido pelas suas
virtudes. E são duas as coisas diferentes: a virtude de uma pessoa e o cargo que
esta pessoa exerce. Quais os que brilharão mais nos seus respectivos tronos, isto
fica para vermos no dia em que se vai cumprir exatissimamente a justiça de
Deus.

A proposta da mãe dos filhos de Zebedeu.

183. Mas voltemos à nossa exposição. Cristo tinha prometido 12 tronos no Céu
aos 12 Apóstolos para julgar as tribos de Israel. Isto chegou ao conhecimento de
Salomé, a mãe de João e Tiago, a qual não se contentou com a certeza de que
seus 2 filhos teriam um trono cada um. Ela não fazia uma ideia muito clara sobre
que espécie de trono seria este. Mas queria algo mais para os seus filhos: que
esses 2 tronos fossem os primeiros, os principais, um à direita, outro à esquerda
do Mestre.

A mulher não veio fazer este pedido contra a vontade dos filhos; ao contrário,
eles estavam perfeitamente de acordo com a proposta materna. E a prova é que
Jesus interrogará daqui a pouco a João e a Tiago, e eles se mostrarão
interessados nesta pretensão. É bem interessante notar que tal ambição existe
precisamente em Tiago e João, quando sabemos que Pedro, Tiago e João eram
os discípulos principais, os discípulos privilegiados do Salvador. Eles se aliam a
fim de deixar Pedro para trás, sinal de que já sabiam ou, pelo menos,
desconfiavam que Pedro gozava da primazia. E tomando conta um do trono à
direita e outro, do trono à esquerda, para Pedro não sobraria senão um lugar de
menos relevo.

Diante da petição da mãe dos 2 Apóstolos, Jesus lhes diz, não só a ela, mas
também aos filhos que esposavam aquela ideia: Não sabeis o que pedis (Mateus
XX-22). “Pedis o triunfo antes da luta, antes da vitória; além disto o meu reino
não é terreno e pomposo, como pensais, e sim espiritual e eterno, conquistado à
custa de sacrifícios e de atos heroicos de virtude; pedis honras, quando antes
devíeis pedir a graça necessária para poderdes suportar os trabalhos e
sofrimentos que deverão ser arrostados por causa do meu nome”, assim
parafraseia um douto comentarista.

Para conseguir estes lugares, é preciso passar pelo martírio. Por isto o Mestre
pergunta: Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber? (Mateus XX-22).

Isto é uma prova de que se trata aqui, não de um lugar na Igreja, mas de um
lugar privilegiado para os Apóstolos na glória celeste, pois seria absurdo dizer
que para ter um lugar de honra no governo da Igreja, governo que é exercido
aqui na terra, seja preciso morrer, ser martirizado primeiro. Nem será preciso
gastar muita tinta para provar que — beber o cálice — aí equivale a passar por
amarguras, sofrer e morrer. Basta relembrar a palavra de Cristo, no Horto das
Oliveiras, ao iniciar sua paixão: Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice
(Mateus XXVI-39). E Cristo no nosso caso está falando em beber-se o mesmo
cálice que Ele bebeu.

Tiago e João dizem: Podemos (Mateus XX-22), isto é, estamos preparados para
morrer por ti. Nosso Senhor lhes responde: Haveis de beber meu cálice (Mateus
XX-23). Realmente S. Tiago foi o primeiro Apóstolo martirizado, conforme se lê
em Atos: E neste mesmo tempo enviou o rei Herodes tropas para maltratar a
alguns da Igreja. E matou à espada a Tiago, irmão de João (Atos XII-1 e 2).
S. João foi mandado lançar por Domiciano na caldeira de óleo fervendo, mas
dela saiu ileso, tornando-se um “mártir vivo” pelo resto da vida, como diz
S. Jerônimo.

Mas continua Nosso Senhor: Pelo que toca a terdes assento à minha mão direita
ou à esquerda, não me pertence a mim o dar-vo-lo; mas isso é para aqueles
para quem está preparado por meu Pai (Mateus XX-23).

E o Evangelho diz em continuação: E quando os dez ouviram isto, indignaram-


se contra os dois irmãos (Mateus XX-24).

A exortação do mestre.

184. Eis aí novamente a desunião, a falta de caridade reinando entre os


Apóstolos e tudo motivado pela cobiça, pelo desejo de suplantar os outros. Era
mais uma vez a crise da discórdia ameaçando a Igreja. Tornava-se necessário
repreender vivamente os Apóstolos e outra vez recomendar-lhes a humildade
cristã, a simplicidade, o desprendimento. Vamos então repetir as palavras de
Jesus na sua íntegra, uma vez que há no fim um pequeno trecho que os
protestantes manhosamente ocultam, porque é suficiente para destruir
completamente a sua objeção. São estas as palavras de Jesus: Sabeis que os
príncipes das gentes dominam os seus vassalos e que os que são maiores
exercitam o seu poder sobre eles. Não será assim entre vós outros, mas entre vós
todo o que quiser ser o maior, esse seja o que vos sirva; e o que entre vós quiser
ser o primeiro, esse seja o vosso servo, ASSIM COMO O FILHO DO HOMEM NÃO VEIO
PARA SER SERVIDO, MAS PARA SERVIR e para dar a sua vida em redenção por muitos
(Mateus XX-25 a 28).

Jesus repreende os seus discípulos por aquela competição sobre qual há de ser o
maior no Reino dos Céus, quando os cristãos não devem ser como os pagãos,
que têm ambição de mando e procuram ser grandes só para dominar os outros
com soberba. Devem seguir o exemplo. Ninguém tinha mais autoridade, mais
poder do que Ele; e no entanto Ele veio ao mundo fazer o papel de servo, não
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pela redenção de muitos.
Esta humildade, entretanto, diminuía em alguma coisa a qualidade de chefe que
tinha Jesus? Que não diminuía, se vê claramente na cerimônia do Lava-pés:
Jesus, ao realizar a ceia da véspera de sua Paixão, lavou os pés de seus
discípulos e depois lhes disse: Sabeis o que vos fiz? Vós chamais-me de MESTRE E
SENHOR, e dizeis bem PORQUE O SOU. Se eu, logo, sendo vosso Senhor e Mestre, vos
lavei os pés, deveis vós também lavar-vos os pés uns aos outros, porque eu dei-
vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais vós também (João XIII-12
a 15). Cristo recomenda a humildade a todos, mas esta humildade não despoja da
autoridade aquele que dela estiver revestido, assim como não destruía a
autoridade do próprio Cristo.

E a prova de que das palavras do Mestre, dirigidas aos seus discípulos por
ocasião da questão dos doze tronos, não se segue absolutamente que todos sejam
iguais, é que S. Lucas traz estas mesmas palavras e pela frase que se lê em
S. Lucas se mostra claramente que há um que é o maior, um que governa entre
eles: Porém Jesus lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles e os que
têm sobre eles autoridade chamam-se benfeitores. Não há de ser, porém, assim
entre vós outros; mas O QUE ENTRE VÓS É O MAIOR faça-se como o mais pequeno e O
QUE GOVERNA seja como o que serve.Porque qual é o maior, o que está sentado à
mesa ou o que serve? Não é maior o que está sentado à mesa? Pois eu estou no
meio de vós outros assim como o que serve (Lucas XXII-25 a 27).

Por que é que os protestantes, para entender bem o sentido de um texto, não o
comparam com os textos paralelos? Isto é um cuidado elementar que deve ter
quem queira SINCERAMENTE penetrar o verdadeiro sentido das palavras do Mestre.
Querer argumentar somente com um texto, desprezando intencionalmente outros
que o esclarecem, só pode resultar nisto mesmo: atribuir-se a Nosso Senhor uma
intenção que Ele jamais teve. A sua intenção não foi dizer que não havia
primazia em nenhum dos Apóstolos. Foi, sim, combater o espírito de ambição
reinante entre os seus discípulos, fazendo-lhes ver que aquele que quiser ser o
primeiro no Céu, tem que ser o primeiro na humildade, porque a humildade é o
caminho do Céu: Todo o que se exalta será humilhado, e todo o que se humilha
será exaltado (Lucas XIV-11). E aquele que governa, para bem fazê-lo, há de ser
humilde, como foi humilde o Mestre a quem foi dado todo o poder no céu e na
terra (Mateus XXVIII-18), mas que não deixou, por isto, de ser um vivo
exemplo de humildade: Aprendei de mim que sou manso e HUMILDE de coração
(Mateus XI-29).

S. Pedro seguiu os conselhos do mestre.

185. S. Pedro, iluminado pelo Espírito Santo quando assumiu o governo da


Igreja, no dia de Pentecostes e já antes preparado psicologicamente pelo pecado
da negação, o qual ele havia de deplorar e carpir por todo o resto da vida, estava
apto para assimilar perfeitamente a doutrina do Mestre: devia governar com
humildade, pois o que governa, o que é o maior deve ser o mais humilde. Não
têm, portanto, razão de ser as alegações daqueles que acham não ter sido
S. Pedro o chefe da Igreja, porque não veem um TOM AUTORITÁRIO nas suas
palavras, o que se explica pela extraordinária modéstia do Apóstolo, que seguiu
com toda a perfeição os conselhos de Jesus.

Se S. Pedro diz na sua 1ª Epístola: Esta é, pois, a rogativa que eu faço aos
presbíteros que há entre vós, eu PRESBÍTERO como eles e testemunha das penas
que padeceu Cristo (1ª Pedro V-1), daí não se pode tirar um argumento para
negar que fosse Pedro o chefe da Igreja, como fazem os protestantes que dizem:
Ele aí está-se dizendo um presbítero como os outros; logo, não é o chefe. É um
desses argumentos que não provam nada, porque provam demais: com esta
mesma maneira de argumentar se poderia provar também que Pedro não era
Apóstolo, pois um Apóstolo era evidentemente mais do que um simples
presbítero. A raciocinar deste jeito, quando ouvíssemos um general
modestamente dizer aos seus soldados: “Eu que sou como vós um soldado da
Pátria, apelo para a vossa boa vontade” etc, etc, teríamos o direito de dizer:
“Estão vendo? Eu não disse? Ele não é general, não é nem mesmo um oficial,
porque ele mesmo se declara um soldado.” Raciocínio evidentemente falho,
porque a maior dignidade inclui atribuições da menor; quem é general é também
soldado; quem era Apóstolo, máxime quem era o chefe dos Apóstolos tinha
exclusivamente todos os direitos, todos os poderes, todos os privilégios de um
simples presbítero.

O silêncio de S. Marcos.

186. Outra consequência da extrema humildade e modéstia de S. Pedro foi o


silêncio de S. Marcos sobre tudo o que servia de glória para o Apóstolo.

S. Marcos narra a confissão de S. Pedro e não traz, como S. Mateus, as palavras


seguintes que lhe disse Jesus: Tu és Pedro e sobre esta pedra etc. Então lhes
disse Jesus: E vós outros quem dizeis que sou eu? Respondendo Pedro, Lhe
disse: Tu és o Cristo. E Jesus lhes proibiu com ameaças que a ninguém
dissessem isto dEle (Marcos VIII-29 e 30). E no entanto S. Marcos narra a
repreensão severa que Pedro recebeu logo em seguida: Tira-te de diante de mim,
Satanás, que não tens gosto das coisas de Deus, mas sim das dos homens
(Marcos VIII-33). E o mesmo S. Marcos narra bem circunstanciadamente a
negação de S. Pedro (Marcos XIV-29 a 31; 66 a 72), bem como fala na censura a
ele feita porque dormia no Getsêmani (Marcos XIV-37).

Ora, S. Marcos fez o seu Evangelho de acordo com o que ouviu da pregação de
Pedro. Devia, portanto, dizem os protestantes, ser o primeiro a narrar este
episódio.

— Mas, afinal, aonde se quer chegar com semelhante argumentação? Quer-se


provar com isto que S. Mateus mentiu ou inventou? Quem estava mais apto para
contar tudo quanto se passou sem faltar coisa alguma: S. Mateus, que foi
testemunha ocular do fato ou S. Marcos e S. Lucas, que não foram testemunhas?
Então uma passagem de S. Mateus precisa de ser repetida por S. Marcos ou por
outro Evangelista, para ser palavra de Deus? Tudo quanto está na Escritura não
merece a nossa fé? Porque uma passagem do Evangelho não nos agrada, vamos
exigir que a Bíblia a repita para nela acreditarmos?

Há muitos pontos importantes da vida e da doutrina de Cristo que vêm narrados


por um só Evangelista.

S. João é o único evangelista a nos narrar o milagre das bodas de Caná (II-1 a
11), a entrevista de Jesus com Nicodemus (III-1 a 11), seu encontro com a
Samaritana (IV-4 a 42); as curas: do filho do régulo de Cafarnaum (IV-43 a 54),
do paralítico da piscina (V-1 a 16) e do cego de nascença (IX-1 a 41), o episódio
da adúltera (VIII-1 a 11), a parábola do Bom Pastor (X-1 a 16), a ressurreição de
Lázaro (XI-1 a 45), a cerimônia do Lava-pés (XIII-1 a 20).

S. Lucas é o único evangelista a nos narrar: a anunciação a Maria e Encarnação


do Verbo (I-26 a 28), a adoração dos pastores (II-8 a 20), a purificação (II-22 a
38), o episódio de Jesus perdido no templo (II-41 a 50), a parábola do Bom
Samaritano (X-30 a 37), o episódio de Jesus, Maria e Marta em Betânia (X-38 a
42), a cura da mulher encurvada (XIII-10 a 17); as parábolas: da torre a ser
edificada (XIV-28 a 30), da guerra a ser empreendida (XIV-31 1 33), da dracma
perdida (XV-8 a 10), do filho pródigo (XV-11 a 32), do ecônomo infiel (XVI-1 a
12), de Lázaro e o mau rico (XVI-19 a 31); a cura dos 10 leprosos (XVII-12 a
19), a parábola do fariseu e do publicano (XVIII-9 a 14), a visita a Zaqueu (XIX-
1 a 10).

Só em S. Mateus se encontra: a adoração dos magos (II-1 a 12), a fuga para o


Egito e a volta (II-13 a 23) as parábolas da cizânia (XIII-24 a 30) e do devedor
insolvente (XVIII-23 a 35) e a descrição do juízo final (XXV-31 a 46).

Não é, portanto, o fato de um trecho qualquer dos Evangelhos ser consignado em


um só evangelista que lhe diminui o valor demonstrativo.

Agora chamamos a atenção para o seguinte: dos 4 evangelistas, S. Marcos,


discípulo e companheiro de S. Pedro e que fez o Evangelho de acordo com sua
pregação, é o único a não nos fornecer um argumento a favor do primado
daquele Apóstolo.
S. Mateus nos traz este trecho já por nós analisado: Tu és Pedro e sobre esta
pedra edificarei a minha Igreja... Eu te darei as chaves do Reino dos Céus. Tudo
que ligares sobre a terra etc. (Mateus XVI-18 e 19).

S. Lucas nos fornece um trecho precioso que também já analisamos: Simão,


Simão, eis aí vos pediu Satanás com instância para vos joeirar como trigo; mas
eu roguei por TI, para que A TUA FÉ não falte; e TU enfim, depois de convertido,
CONFORTA A TEUS IRMÃOS (Lucas XXII-31 e 32).

S. João nos apresenta Jesus confiando a Pedro, só a Pedro, o governo do seu


rebanho: Apascenta os meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas (João XXI-
15, 16 e 17).

E no entanto S. Marcos não traz nada que sirva para engrandecer S. Pedro, mas
se mostra sempre explícito e minucioso em narrar tudo o que para ele servia de
humilhação.

Qual a razão deste fenômeno?

Não somos nós que vamos apontá-la. É uma autoridade antiquíssima, o


historiador Eusébio de Cesareia, na sua Demonstração Evangélica (III-V, 92),
que nos diz ser a razão de tudo isto a humildade de S. Pedro que nas suas
catequeses costumava sempre relembrar o que mais contribuía para humilhá-lo,
passando em silêncio aquilo que mais lhe servia de exaltação e de louvor; e o
Evangelho de S. Marcos, calcado sobre a catequese de Pedro, tinha que trazer a
marca desta humildade profunda.

De modo que S. Pedro não era só entre os Apóstolos aquele que tinha a fé mais
firme e mais esclarecida (não foi a carne e sangue quem to revelou, mas sim meu
Pai que está nos Céus — Mateus XVI-17); não era somente aquele que O amava
mais do que os outros (Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes? —
João XXI-15); era também o que mais se sobressaía pela sua modéstia, portanto,
segundo o modo de pensar do Divino Mestre, indicado por isto para ser o chefe
da Igreja, pois o que entre vós É O MAIOR faça-se como o mais pequeno (Lucas
XXII-26), impondo-se não só por ser o depositário das chaves do reino dos
Céus, mas também pelo exemplo notável de sua profunda humildade.
Dize-o à Igreja
Uma interpretação pelo método confuso.

187. Já vimos que Cristo deu especialmente a S. Pedro o poder de ligar e


desligar.

Tentando destruir o efeito destas palavras de Jesus Cristo ditas diretamente ao


chefe dos Apóstolos, os protestantes pertencentes às seitas de tipo
congregacionalista, costumam fazer o seguinte argumento: Isto não prova que
Pedro seja o chefe da Igreja. Porque este mesmo poder de ligar e desligar foi
também concedido aos Apóstolos: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-
ão eles perdoados; e aos que vós retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-
23); e foi concedido também a toda a Igreja, como se vê pelas palavras
seguintes: Se teu irmão pecar contra ti, vai e corrige-o entre ti e ele só; se te
ouvir, ganhado terás a teu irmão; mas se te não ouvir, toma ainda contigo uma
ou duas pessoas, para que por boca de duas ou três testemunhas fique tudo
confirmado. E se os não ouvir, DIZE-O À IGREJA; e se não ouvir a Igreja tem-no
por um gentil ou publicano. Em verdade vos digo que tudo o que vós desatardes
sobre a terra será desatado também no Céu (Mateus XVIII-15 a 18). Isto quer
dizer que não há chefes na Igreja; todos são iguais.

— Vamos responder a isto.

Quanto à distinção que há entre o poder de ligar e desligar e o poder de perdoar


pecados e reter, veremos mais adiante (nº 288). Isto não diz respeito diretamente
à nossa questão, uma vez que reconhecemos que os Apóstolos tinham um e outro
poder.

Queremos, antes de tudo, chamar a atenção para 2 anormalidades que facilmente


o leitor poderá perceber nesta manhosa argumentação. Todo mundo vê logo
nestas palavras — Tudo o que ligares sobre a terra, será ligado também nos
Céus, tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos Céus —
que Jesus aí está dando plenos poderes no governo da Igreja. Então é o caso de
perguntar: será Jesus Cristo tão confuso, tão desordenado assim, que dê plenos
poderes a um só, depois dê plenos poderes a 12, e dê também plenos poderes ao
grosso da multidão? Que se diria do rei que desse plenos poderes ao general para
governar o exército, desse também aos oficiais os mesmos plenos poderes e
desse do mesmo modo plenos poderes a toda a tropa? Daí nasceria naturalmente
uma grande balbúrdia. Numa sociedade onde um particularmente e ao mesmo
tempo todos em conjunto têm o supremo domínio, não pode haver nenhuma
organização e entra facilmente a anarquia. Num exército, numa família, numa
sociedade, pode-se admitir que vários mandem, mas tem que haver certa
graduação, certa hierarquia entre os poderes. Manda o Presidente da República;
manda o governador; manda o prefeito, mas nem todos mandam da mesma
forma, nem com o mesmo grau de autoridade. Do contrário se estabelece a
desordem e a confusão.

Os dois tratamentos: tu e vós.

188. Outra coisa que logo nos chama a atenção é esta mistura de TU e VÓS: dize-
o à Igreja (TU); tudo quanto ligardes (VÓS).

Isto necessita naturalmente de uma explicação. Quando Jesus diz: Tudo o que
vós ligardes sobre a terra será ligado também no Céu, e tudo o que vós
desatardes sobre a terra será desatado também no Céu, (Mateus XVIII-18); este
vós a quem se refere? Refere-se exclusivamente aos Apóstolos, pois
exclusivamente aos Apóstolos é que Jesus estava falando naquele momento.

Isto se vê desde o começo deste capítulo. Jesus está na intimidade de seus


Apóstolos, que O procuraram pra resolver uma dissensão que lavra entre eles, ou
seja, a disputa sobre qual seja o maior: Naquela hora chegaram-se a Jesus os
seus discípulos, dizendo: quem julgas tu que é maior no Reino dos Céus?
(Mateus XVIII-1).

Falando diretamente aos Apóstolos, Jesus lhe apresenta uma criança como
modelo de simplicidade e de desprendimento: Na verdade vos digo que, se vos
não converterdes e vos não fizerdes como meninos, não haveis de entrar no
Reino dos Céus. Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, esse
será o maior no Reino dos Céus. E o que receber em meu nome um menino, tal
como este, a mim é que recebe (Mateus XVIII-3 a 5).

Falando sobre as crianças e sempre no seu propósito de desviar a atenção dos


Apóstolos daquela desagradável controvérsia, Nosso Senhor passou a falar sobre
o perigo de escandalizá-las: O que escandalizar, porém, a um destes pequeninos
que creem em mim, melhor lhe fora que se pendurasse ao pescoço uma mó de
atafona, e que o lançassem no fundo do mar. Ai do mundo por causa dos
escândalos, porque é necessário que sucedam escândalos, mas ai daquele
homem por quem vem o escândalo (Mateus XVIII-6 e 7).

Ora, vemos nos Evangelhos que Jesus às vezes está tratando por vós aos seus
ouvintes e interrompe este tratamento por TU, dirigindo-se ao homem, qualquer
que ele seja, ao cristão em geral: Tu, ó cristão; tu, ó homem.

Eu VOS digo que se a VOSSA justiça não for maior e mais perfeita que a dos
escribas e a dos fariseus, não ENTRAREIS no Reino dos Céus. OUVISTES que foi dito
aos antigos: Não matarás, e quem matar será réu no juízo. Pois eu digo-VOS que
todo o que se ira contra seu irmão será réu no juízo e o que disser a seu irmão:
Raca, será réu no conselho; e o que lhe disser: És um tolo, será réu do fogo do
inferno. E aqui o tratamento passa a ser TU: Portanto se TU estás fazendo a TUA
oferta diante do altar e te lembrar aí que TEU irmão tem contra TI alguma coisa,
deixa ali a TUA oferta diante do altar e VAI-TE reconciliar primeiro com TEU irmão
e depois virás fazer a TUA oferta... Dois versículos mais adiante, dirige-se
novamente aos seus ouvintes: OUVISTES que foi dito aos antigos: Não adulterarás.
Eu, porém, digo-vos que todo o que olhar para uma mulher cobiçando-a, já no
seu coração adulterou com ela. E volta ao tratamento de TU: E se O TEU olho TE
serve de escândalo, ARRANCA-O e LANÇA-O fora de TI, porque melhor TE é que se
perca um de TEUS membros do que todo o TEU corpo seja lançado no inferno
(Mateus V-20 a 29).

Vemos aí perfeitamente a transição de VÓS para TU e vice-versa; VÓS se dirige


àqueles que estão presentes ao sermão, TU indica uma doutrina geral para
qualquer cristão, seja ele qual for.

O mesmo faz Nosso Senhor aqui no capítulo XVIII. Continuando a falar sobre o
escândalo, fala agora ao cristão em geral, tratando-o por TU: Ora, se TUA mão ou
TEU pé te escandaliza, corta-o e lança-o fora de TI; melhor TE é entrar na vida
manco ou aleijado do que, tendo duas mãos ou dois pés, ser lançado no fogo
eterno. E se o TEU olho TE escandaliza, tira-o e lança-o fora de TI: melhor TE é
entrar na vida com um só olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo do
inferno (Mateus XVIII-8 e 9).
Passa depois a dirigir-se diretamente aos Apóstolos, tratando-os por vós: VEDE
não DESPREZEIS algum destes pequeninos; porque eu vos declaro que os seus
anjos nos Céus incessantemente estão vendo a face de meu Pai que está nos
Céus. Porque o Filho do Homem veio a salvar o que havia perecido. Que vos
parece? Se tiver alguém cem ovelhas e se desgarrar uma delas, porventura não
deixa as noventa e nove nos montes, e vai buscar aquela que se extraviou? E se
acontecer achá-la, digo-vos em verdade que maior contentamento recebe ele
por esta do que pelas noventa e nove que não se extraviaram. Assim não é a
vontade de vosso Pai que está nos Céus, que pereça um destes pequeninos
(Mateus XVIII-10 a 14).

Já que falou sobre o escândalo, Nosso Senhor passa a indicar um remédio contra
ele. É a correção fraterna, que deve ser feita em secreto, diretamente com a
pessoa com que se tem qualquer diferença. No caso de não dar resultado,
recorre-se à Igreja. Jesus aí volta ao tratamento de TU, falando ao cristão em
geral: Portanto se TEU irmão pecar contra TI, vai e corrige-o entre TI e ele só; se
TE ouvir, ganhado terás a TEU irmão; mas, se TE não ouvir, toma ainda CONTIGO
uma ou duas pessoas, para que por boca de duas ou três testemunhas fique tudo
confirmado. E se os não ouvir, DIZE-O À IGREJA; e se não ouvir a Igreja, tem-no
por um gentio ou um publicano (Mateus XVIII-15 a 17).

Autoridade da Igreja.

189. Jesus aí se refere à autoridade da Igreja para resolver questões entre os seus
súditos. A que Igreja se refere? Àquela mesma a que se referiu no capítulo XVI.
É à instituição que Ele vai fundar: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei A
MINHA IGREJA (Mateus XVI-18). Para que os Apóstolos façam uma ideia do que
vai ser esta Igreja, Ele faz uma comparação com a sinagoga, que funcionava para
os judeus. Esta tinha um tribunal, o Sanedrim, o qual era composto de
autoridades investidas do poder de julgar; os julgamentos não eram feitos
tumultuariamente pela multidão, mas sim pelos juízes. Assim como para a
sinagoga aquele que dela era expulso era tido como um GENTIO OU UM PUBLICANO,
o mesmo equivalentemente acontecerá com aquele que for eliminado da Igreja.

Mas como foi a Igreja que Cristo fundou? Foi como uma multidão que tudo
resolve por si, sem ter chefe, sem ter quem a governe? Não, A Igreja fundada por
Cristo tem as suas autoridades legitimamente constituídas. Existe a Igreja
docente e a discente, os que ensinam e os que aprendem: Ide pois, e ENSINAI todas
as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
ENSINANDO-AS a observar todas as coisas que vos tenho mandado (Mateus
XXVIII-19 a 20). Nesta Igreja há uns que forma encarregados de governá-la:
Atendei por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui
bispos PARA GOVERNARDES A IGREJA DE DEUS, que Ele adquiriu pelo seu próprio
sangue (Atos XX-28). Nesta Igreja há pastores, enquanto outros são
apascentados: APASCENTAI o rebanho de Deus que está entre vós (1ª Pedro V-2).
Tem esta Igreja seus enviados, com missão especial, a que é preciso atender, do
modo que se atende ao próprio Cristo: O que a vós ouve, a mim ouve; e o que a
vós despreza, a mim despreza e quem a mim despreza, despreza Àquele que me
enviou (Lucas X-16).

É a estes, constituídos como dirigentes da Igreja, que compete decidir as


questões. E por isto Cristo se volta novamente para os Apóstolos, falando-lhes
diretamente e tratando-os outra vez por vós: Em verdade vos digo que tudo o que
vós ligardes sobre a terra será ligado também no Céu e tudo o que vós
desatardes sobre a terra será desatado também no Céu (Mateus XVIII-18).

São os Apóstolos a voz autorizada que fala em nome da Igreja. Assim como
acontece num país em que os seus dirigentes decidem por todo o povo: a Bélgica
entrou em aliança com a Holanda e Luxemburgo; a França declarou guerra à
Alemanha, o Brasil fez um pacto comercial com a Inglaterra, o Japão e os
Estados Unidos assinaram um acordo etc, assim também as decisões dos
Apóstolos ou de seus sucessores são decisões da Igreja. É muito comum entre
nós, se ouvir a opinião de um Bispo sobre um assunto qualquer, dizer-se: Vamos
ouvir a palavra da Igreja. Por isto diz o teólogo protestante Cameron: “Igreja aí
se entende: aqueles que na Igreja presidem com autoridade. Assim como se diz
do corpo humano que ele vê, quando só veem os olhos, assim se diz da Igreja
que ela ouve, quando ouviram aqueles que são como que os ouvidos da Igreja”.

Trata-se aqui de um poder judiciário e tanto entre os judeus, com cuja sinagoga
Jesus está fazendo uma comparação, como em qualquer reino ou sociedade bem
organizada, os julgamentos são feitos, não pela multidão que muitas vezes não
raciocina, nem tem a necessária serenidade, mas por aqueles que tem
competência, autoridade, ciência, imparcialidade para julgar. Podem os juízes
pedir a opinião da massa, o modo de ver do povo, se assim acharem conveniente,
mas não é à massa que compete julgar.
Segundo a interpretação protestante, havendo qualquer divergência entre os fiéis
que não pôde ser resolvida pela admoestação secreta, pois é o assunto de que se
trata neste trecho, se deveria declarar publicamente perante a igreja local reunida
em sessão (note-se bem que Jesus Cristo ensinou simplesmente isto: dize-o à
Igreja — e não: dize-o à igreja reunida em sessão) para o caso ser julgado pela
assembleia. Ora, isto vai de encontro evidentemente ao objetivo que visa Cristo
com o seus ensino. Ele acabara do falar sobre o escândalo. Mostrou como
remédio a correção fraterna. Em caso de falhar esta, o escândalo deve ser
remediado com a decisão da Igreja. Ora, segundo a interpretação protestante, a
solução proposta viria aumentar e desenvolver o escândalo. Dize-o à Igreja. Mas
a Igreja considerada como a reunião de todos os fiéis, é composta também de
crianças, as quais tanto insistiu Cristo não deveriam ser escandalizadas; delas
fazem parte mocinhas e pessoas simples, às quais não convém o conhecimento
de certas questões escabrosas. Se teu irmão pecar contra ti... dize-o à Igreja.
Trata-se aí de uma queixa feita contra um irmão na fé, e a queixa feita
publicamente redundaria muitas vezes em falta de caridade, em humilhação
pública, pois no meio da multidão bem podem aparecer alguns espíritos críticos
e galhofeiros.

Havendo, portanto, divergências íntimas entre marido e mulher, por questões de


leviandades, de adultério ou de incompreensão da parte de um ou de outro,
questões entre patrões e empregados, entre patroas e criadas, por causa de roubo,
de injustiça ou de crueldade, questões entre amigos, dos quais um nem sempre
procedeu com lealdade, brigas entre namorados, desavenças entre comerciantes
e seus fregueses, entre mestres e seus discípulos, entre companheiros de uma
mesma associação, profissão ou classe, trata-se muitas vezes de questões
complicadas ou, para usar a linguagem popular moderna, de “sujeiras” que não
devem ser discutidas perante os pequenos ou, pelo menos, de coisas íntimas que
ninguém gostaria de ver tratadas e julgadas pela multidão. Esta, muitas vezes,
poderia dividir-se em duas correntes opostas, servindo isto somente para
generalizar um conflito que dantes era somente de 2 pessoas. O direito
concedido a qualquer pessoa de apresentar queixas perante a assembleia de fiéis,
iria contra a caridade e a prudência, roubando a fama do próximo, contra o qual
se faz a reclamação, tornando notório um crime que bem se podia conservar
oculto.

Qualquer seita protestante que adotasse continuamente este sistema, veria logo
seus adeptos desejarem ardentemente que tais questões fossem decididas não
seus adeptos desejarem ardentemente que tais questões fossem decididas não
pelo povo o qual, composto de pessoas de modos de ver muito diversos, não
resolveria coisa alguma, mas diretamente, discretamente, pelos seus próprios
pastores que se supõe teriam mais capacidade para julgar.

É por isto que Nosso Senhor, depois de dizer a qualquer cristão DIZE-O À IGREJA,
volta-se para os Apóstolos, fazendo-lhes ver que lhes vem do próprio Céu o seu
poder de julgar: Em verdade vos digo que tudo o que vós ligardes sobre a terra
será ligado também no Céu e tudo o que vós desatardes sobre a terra será
desatado também no Céu (Mateus XVIII-18).

Os fatos nas escrituras.

190. E a prova disto é que este julgamento de questões ou de crimes feito na


Igreja de Cristo por votação ou por aclamação da assembleia de fiéis, sem haver
entre eles um chefe que decida, pois no caso a congregação é que decidiria, é
coisa que nunca se viu nas Escrituras. Aí sempre aparece o poder judiciário
exercido por um Apóstolo ou, pelo menos, por um juiz autorizado.

Já vimos, por exemplo, que no episódio de Ananias, o qual vendeu um campo e


com fraude usurpou certa porção do preço do campo, consentindo-o sua
mulher; e levando uma parte, a pôs aos pés dos Apóstolos (Atos V-1 e 2),
S. Pedro não submeteu o caso à votação da Igreja, nem mesmo à votação dos
Apóstolos, mas proferiu, ele próprio, sua sentença de condenação: Ananias, por
que tentou Satanás o teu coração, para que tu mentisses ao Espírito Santo e
reservasses parte do preço do campo?... Sabe que não mentisse aos homens,
mas a Deus (Atos V-4 e 5).

O mesmo aconteceu no caso da condenação de Simão, o Mago; S. Pedro não


submeteu o caso à apreciação da assembleia dos fiéis, nem ao menos pediu o
parecer de S. João que com ele se achava, mas proferiu logo a sentença: O teu
dinheiro pereça contigo... Faze, pois, penitência desta tua maldade (Atos VIII-
20 e 22).

No caso do incestuoso de Corinto, se s. Paulo censura os Coríntios não é porque


não o julgaram, é porque, havendo ali aquele escândalo, eles nem se
incomodavam com isto, nem se mostravam constrangidos ou escandalizados,
providenciando para que FOSSE TIRADO o incestuoso do meio, tirado, é claro, pela
autoridade competente, como era o próprio S. Paulo: É fama constante que entre
vós há fornicação e tal fornicação qual nem ainda entre os gentios, tanto que
chega a haver quem abusa da mulher de seu pai. E andais ainda inchados; e
NEM AO MENOS HAVEIS MOSTRADO PENA, PARA QUE SEJA TIRADO dentre vós o que fez tal
maldade (1ª Coríntios V-1 e 2) [25]. Acontece muitas vezes numa sociedade que
os seus membros, embora não tenham por si mesmos o direito de expulsar, pelo
menos se mostram contrafeitos, desejando que os maus elementos sejam
eliminados. Foi isto o que faltou nos Coríntios. Se S. Paulo reconhecesse neles o
direito de decretar a expulsão, os teria censurado porque não o expulsaram ou
teria ordenado que o expulsassem. Mas S. Paulo é quem, mesmo ausente, com
toda a sua autoridade de Apóstolo, lavra, ele próprio a condenação: EU na
verdade, ainda que ausente com o corpo, mas presente com o espírito, JÁ TENHO
JULGADO como presente aquele que assim se portou: em nome de Nosso Senhor
Jesus Cristo, congregados vós e o meu espírito, com o poder de Nosso Senhor
Jesus Cristo, SEJA O TAL ENTREGUE A SATANÁS PARA MORTIFICAÇÃO DA CARNE, a fim de
que a sua alma seja salva no dia de Nosso Senhor Jesus Cristo (1ª Coríntios V-3
a 5).

Já no capítulo anterior, S. Paulo se apresenta a si mesmo pessoalmente com o


direito de castigar: Que quereis? Irei a vós outros COM VARA ou com caridade e
espírito de mansidão? (1ª Coríntios IV-21).

E no capítulo seguinte se mostra incomodado, porque os cristãos estão levando


suas demandas para serem decididas pelos juízes pagãos. A igreja de Corinto
tinha sido fundada havia muito pouco tempo; ainda não havia nela um bispo que
a regesse, nem um pastor que a dirigisse. “Ainda não tinha sido constituído um
reitor da Igreja”, como observa S. Ambrósio. Ora, se a doutrina de Cristo fosse
esta: que as questões devessem ser resolvidas por uma assembleia sem chefe,
resolvidas “democraticamente” por todos, como dizem alguns protestantes, qual
o conselho que daria S. Paulo? Que os Coríntios se reunissem e resolvessem,
eles mesmos, estas questões. Mas o que S. Paulo ordena é outra coisa: é que eles
constituam um homem sábio para decidir estes casos: É possível que não haja
entre vós UM HOMEM SÁBIO que possa julgar entre seus irmãos? (1ª Coríntios VI-
5). Porque é uma coisa que entra pelos olhos: a difícil missão de julgar exige
certas qualidades especiais, exige competência, serenidade, espírito de justiça; é
preciso que se escolha um homem sábio para isto. E ironicamente S. Paulo lhes
faz ver que era muito melhor que eles escolhessem os menores, os membros
menos importantes para julgar, do que se sujeitarem a ver suas questões
decididas pelos pagãos: Se tiverdes diferenças por coisas do século, estabelecei
aos que são de menor estimação na Igreja para julgá-las (1ª Coríntios VI-4).

No fim de sua 2ª Epístola aos Coríntios, S. Paulo os adverte para que não
continuem a cometer os mesmos erros e os ameaça de ser duro para com eles,
usando com rigor a sua autoridade:

Temo que talvez, quando eu vier, vos não ache quais eu quero e que vós que me
acheis qual não quereis; que por desgraça não haja entre vós contendas,
invejas, rixas, dissensões, detrações, mexericos, altivezas, parcialidades; para
que não suceda que, quando eu vier outra vez, me humilhe Deus entre vós e que
chore a muitos daqueles que antes pecaram e não fizeram penitência da
imundícia e fornicação e desonestidade que cometeram. Eu me disponho a vos ir
ver pela terceira vez. Na boca de duas ou três testemunhas estará toda a
palavra. Assim como já o disse dantes achando-me presente, assim o digo
também agora estando ausente que, se eu for outra vez NÃO PERDOAREI AOS QUE
ANTES PECARAM NEM A TODOS OS DEMAIS (2ª Coríntios XII-20 e 21; XIII-1 e 2). E
mais adiante no versículo 10º: Eu vos escrevo isto ausente para que, estando
presente, não empregue COM RIGOR A AUTORIDADE QUE DEUS ME DEU para edificação
e não para destruição (2ª Coríntios XIII-10).

É uma autoridade exercida pessoalmente por S. Paulo que julga e pune, e não
pela multidão; dela usou ele condenado a Himeneu e Alexandre: Conservando a
fé e a boa consciência, a qual porque alguns repeliram, naufragaram na fé:
deste número é Himeneu e Alexandre, os quais EU ENTREGUEI a Satanás, para que
aprendam a não blasfemar (1ª Timóteo I-19 e 20).

Esta mesma autoridade, vemo-la em Timóteo, a quem compete receber as


queixas contra os presbíteros, para tomar as devidas providências. É a Timóteo
que cabe repreender os que pecam e S. Paulo recomenda que ele faça
repreensões públicas que sirvam de escarmento para os fiéis, o que é sinal de que
os fiéis não se apresentam como juízes, mas como súditos, debaixo da autoridade
do bispo de Éfeso: NÃO RECEBAS acusação contra o presbítero, senão com duas ou
três testemunhas. Aos que pecarem, REPREENDE-OS diante de todos, para que
também os OUTROS TENHAM MEDO (1ª Timóteo V-19 e 20).

Está, portanto, mais do que provado, pela observação do contexto, pela lógica e
pela praxe dos Apóstolos que nas suas palavras DIZE-O À IGREJA, Cristo se refere à
Igreja docente, àqueles que dirigem a Igreja e sobre ela tem autoridade, portanto
aos Apóstolos, a estes é que Ele disse (pois a eles é que estava falando naquele
momento): Tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado também no Céu, e
tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado também no Céu (Mateus
XVIII-18). Por isto observa com razão S. Jerônimo que Cristo “deu tal poder aos
Apóstolos, para que saibam os que são por eles condenados que a sentença
humana deles é corroborada pela sentença divina”.

Notas (pular)

[25] Ferreira de Almeida traduz assim: e nem ao menos vos entristecestes POR NÃO TER SIDO DENTRE VÓS
TIRADO quem cometeu tal ação (1ª Coríntios V-2). (voltar)

Os versículos seguintes.

191. Mas os protestantes insistem e dizem que se trata aí de poderes concedidos


aos fiéis, porque Jesus em seguida diz: Ainda vos digo mais que, se dois de vós
se unirem entre si sobre a terra, seja qual for a coisa que eles pedirem, meu Pai
que está nos Céus lha fará, porque onde se acham dois ou três congregados em
meu nome, aí estou eu no meio deles (Mateus XVIII-19 e 20).

Primeiro que tudo, estamos diante de um destes célebres, argumentos


protestantes que não provam nada, porque provam demais. Se se tratasse do
mesmo assunto de julgamento dos que caíram em faltas, então nesse caso Cristo
estaria dizendo que 2 ou 3 fiéis, sem intervenção de seus chefes, pastores ou
prelados, terão também o poder de julgar. E assim aquele que fosse condenado
pela assembleia, se houvesse no meio desta assembleia 2 ou 3 vencidos, poderia
depois promover novo julgamento feito por estas 2 ou 3 pessoas e este
julgamento também seria válido, o que daria numa confusão tremenda. Quer
dizer então que 2 ou 3 pessoas, sem ser revestidas de autoridade alguma, tem o
direito de expulsar alguém de sua igreja? Isto é demais.

Há evidentemente aí uma mudança de assunto.

Jesus diz: AINDA vos digo MAIS etc (Mateus XVIII-19). Este AINDA MAIS é
expresso no grego pela partícula PÁLIN, a qual indica muitas vezes na Bíblia a
transição para outro assunto.
Assim se lê em S. Mateus: Eu vos digo que todo o que repudiar a sua mulher, a
não ser por causa de fornicação, a faz ser adúltera; e o que tomar a repudiada
comete adultério. IGUALMENTE ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás
falso, mas cumprirás ao Senhor os teus juramentos (Mateus V-32 e 33). Ora,
este IGUALMENTE é expresso no grego pela partícula PÁLIN. E aí houve
evidentemente mudança de assunto.

Em S. Lucas se lê que Jesus dizia: A que é semelhante o reino de Deus e a que o


compararei eu? É semelhante ao grão de mostarda que um homem tomou e
semeou na sua horta e que cresceu até se fazer uma grande árvore; e as aves do
céu repousaram nos seus ramos. E disse OUTRA VEZ: A que direi que o reino de
Deus é semelhante? Semelhante é ao fermento que tomou uma mulher e o
escondeu dentro de três medidas de farinha, até que ficasse levedada toda a
massa (Lucas XIII-18 A 21). Ora, este OUTRA VEZ corresponde no grego à
partícula PÁLIN; e aí se vê claramente a transição de uma para outra parábola.

O texto em questão, a Bíblia de Ferreira de Almeida o traz assim: TAMBÉM vos


digo que se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que
pedirem etc (Mateus XVIII-19). Assim se exprime mais claramente o sentido da
palavra PÁLIN, que equivale no caso à palavra portuguesa OUTROSSIM, pela qual
significamos que vamos tratar de outro assunto, embora este não deixe de ter
alguma relação com o assunto anterior.

Qual a relação que há, portanto, entre o poder de ligar e desligar concedido aos
Apóstolos e a promessa da presença de Cristo junto àqueles que se congregarem
em seu nome? É a seguinte: Jesus acabara de fazer uma comparação da Igreja
com a sinagoga. Existia nesta o Sanhedrim, composto de juízes autorizados para
decidir as questões, podendo até expulsar alguns da sinagoga. Jesus mostra que
na Igreja existirá também este poder e, para falar em termos que os Apóstolos
compreendam, diz que aqueles que forem condenados pelas autoridades da
Igreja, serão tidos como GENTIOS e PUBLICANOS. É evidente a comparação com o
que se passava nos tribunais judaicos.

Ora, havia também entre os rabinos a doutrina de que Deus assistia


particularmente a 2 ou mais pessoas reunidas em nome dEle, como se vê por
estas palavras do rabi Hananiah Ben Teradyon: “Quando dois estão assentados e
ocupados com a Lei, a Glória está no meio deles” (Aboth III-2). Esta doutrina,
eles a baseavam em Malaquias: Falaram os que temem ao Senhor cada um com
o seu próximo; e o Senhor se pôs atento e os ouviu (Malaquias III-16).

Jesus mostra que, assim como aos rabinos era concedida uma certa assistência de
Deus nas suas reuniões mesmo de 2, aos Apóstolos se promete, além da
ratificação de suas sentenças, uma assistência especial de Cristo nas suas
reuniões, ainda que sejam de 2 ou 3 (se dois de vós se unirem entre si sobre a
terra — Mateus XVIII-19), mesmo porque há um princípio ainda mais amplo:
onde se acham dois ou três congregados em meu nome, aí estou eu no meio
deles (Mateus XVIII-20). E supõe-se que se 2 Apóstolos se reúnem, é para tratar
da glória de Deus, é em nome de Jesus e neste caso tem sempre a complacência
divina.

Esta promessa de Cristo equivale a uma afirmação de sua própria divindade.


Cristo é Deus, pois Ele promete estar sempre presente onde Deus prometia
outrora o conforto de sua presença. E se havia esta promessa de assistência
divina para os judeus, quando ocupados sinceramente com as coisas de Deus,
com maioria de razão haverá para aqueles que pertencem à verdadeira Igreja, à
qual Cristo prometeu assistência especial.
O poder concedido aos Apóstolos
Harmonia entre os poderes.

192. Descartados os protestantes congregacionalistas, que põem a direção da


Igreja na assembleia dos fiéis, surgem em cena os protestantes chamados
episcopalianos. Dirão eles naturalmente:

Pelo que o Sr. disse, se vê claramente que o Sr. concorda em que o poder de ligar
e desligar foi concedido, não só a Pedro, mas a todos os Apóstolos também.
Logo, o governo da Igreja não está somente nas mãos de Pedro, está nas mãos de
todos os Apóstolos.

— É claro que a Igreja não haveria de ser sempre um pequenino rebanho (Lucas
XII-32), mas tinha que tornar-se universal, espalhar-se por toda a terra (Ide, pois,
e ensinai todas as gentes — Mateus XXVIII-19); não era possível a um homem
governar SOZINHO esta Igreja espalhada por todo o mundo, assim como não é
possível ao Presidente da República governar SOZINHO o país; ele tem que ser
auxiliado também neste ofício pelos governadores; e como o governador não
pode sozinho dirigir todo o Estado, tem que ser auxiliado, na sua administração,
pelos prefeitos. Mas daí não se segue que o poder de um prefeito é igual ao de
um governador, nem que o poder de um governador é igual ao do Presidente da
República. O mesmo se dá no exército. Embora a direção geral do exército esteja
nas mãos do general comandante, ele tem que ser auxiliado nesta direção pelos
oficiais, também revestidos de autoridade.

Qual o maior poder, o de Pedro ou o dos outros Apóstolos? Eis aí um ponto que
os próprios Evangelhos se encarregam de esclarecer.

Primeiro Jesus, num momento EM QUE OS OUTROS APÓSTOLOS TAMBÉM ESTAVAM


PRESENTES, disse a Pedro, somente a Pedro estas palavras: Tudo o que ligardes
sobre a terra será ligado também nos Céus, e tudo o que desatares sobre a terra
será desatado também nos Céus (Mateus XVI-19). Se Jesus não tencionasse dar
a Pedro um poder todo especial, teria imediatamente acrescentado que o mesmo
poder dado a Pedro era concedido também aos outros Apóstolos. No entanto, só
falou a Pedro.
Depois noutra ocasião, Jesus disse a todos os Apóstolos, ESTANDO, PORTANTO,
PEDRO INCLUÍDO ENTRE ELES: Tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado
também no Céu, e tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado
também no Céu (Mateus XVIII-18). A nenhum Apóstolo, fora S. Pedro, estas
palavras foram ditas individualmente. Todos os outros receberam em conjunto.

Além disto, antes de dar a Pedro o poder de ligar e desligar, Cristo disse a Pedro,
somente a ele, e mais a nenhum dos Apóstolos, que ele era a PEDRA sobre a qual
se ia edificar a Igreja. Mais ainda: a metáfora de ligar e desligar é distinta da
metáfora das chaves; pois às chaves compete abrir e fechar e não propriamente
amarrar e desamarrar. E a Pedro, somente a ele, mais a nenhum dos Apóstolos
foi que Cristo disse: Eu te darei as chaves do Reino dos Céus (Mateus XVI-19).
Como já provamos (nº 169), dar as chaves significa dar todo poder e domínio
sobre uma casa ou sobre uma cidade.

Finalmente, depois da ressurreição, antes de subir para o Céu, tendo que deixar
alguém tomando conta do seu rebanho, foi a Pedro, somente a Pedro, e mais a
nenhum dos Apóstolos, que Cristo confiou esta vasta missão: Apascenta os meus
cordeiros; apascenta as minhas ovelhas (João XXI-15, 16 e 17).

Cristo não era desorganizado nem confuso, nem capaz de cair em contradições.
Nem era inconstante a ponto de dar a um homem todo o poder sobre a Igreja,
para retirar-lhe depois e concedê-lo a 12 outras pessoas. Se deixasse a Igreja
entregue a 12 homens para que a governassem como bem entendessem (12
homens estes que haviam de ser substituídos por um número ainda maior por
causa da enorme expansão da Igreja) daí resultaria uma extraordinária confusão.
Portanto, se disse aos Apóstolos que lhes cabia o direito de ligar e desligar, é
porque os queria fazer subordinadamente participantes daquele poder que foi
conferido solenemente a S. Pedro, é porque só gozavam eles deste direito em
união com aquele que foi constituído, só ele entre os Apóstolos, a pedra
fundamental da Igreja, o depositário das chaves do Reino dos Céus e o Pastor do
rebanho universal.
Os mandamentos da Igreja
O mandamento do Concílio de Jerusalém.

193. Tendo Pedro e os Apóstolos o poder de ligar e desligar e, por


consequência, o poder de estabelecer leis que ligam a vontade dos homens, leis
estas ratificadas pelo próprio Céu, daí se segue que a Igreja tem o direito de
estabelecer seus mandamentos que obrigam os cristãos em consciência. Não é
preciso que o objeto da lei seja em si já ordenado ou proibido por Deus. Se a
Igreja ordena ou proíbe, isto já se torna ordenado ou proibido por Deus. Tudo o
que ligares sobre a terra será ligado também nos Céus (Mateus XVI-18).

Assim vemos nos Atos que os Apóstolos, juntamente com Pedro e com os
presbíteros de Jerusalém (era portanto a voz da Igreja na palavra de seus
dirigentes), mesmo sabendo que a lei de Moisés não obrigava mais, acham que é
necessário impor alguns encargos aos cristãos: que vos abstenhais do que tiver
sido sacrificado aos ídolos, e do sangue, e das carnes sufocadas e da fornicação
(Atos XV-29).

Quanto à fornicação, era já proibida pela lei de Deus; quanto ao comer carnes
sacrificadas aos ídolos, só no caso em que isto viesse a dar num escândalo ou
numa cooperação com a idolatria. Mas, se a lei de Moisés já não estava mais em
vigor, é claro que Deus não proibia comer o sangue, nem comer as carnes
sufocadas. E no entanto é a Igreja, pela voz de Pedro, dos Apóstolos e de alguns
presbíteros que decreta essa proibição, porque a considera conveniente naquelas
circunstâncias. Mais adiante, quando as circunstâncias mudam, é a própria Igreja
que dispensará desse preceito.

Não é de admirar, portanto, que a Igreja, em vista dos poderes que lhe foram
outorgados pelo próprio Cristo, a Igreja representada pelo seu chefe ou pelo
próprio Cristo, a Igreja representada pelo seu chefe ou pelos seus chefes,
estabeleça leis que são necessárias para que ela cumpra fielmente a sua missão
de encaminhar as almas para Deus aqui na terra.

Mas surgem protestantes ferozes e agressivos que declamam, muito


entusiasmados, afirmando que a Igreja estabeleceu os seus mandamentos em
contraposição com os mandamentos da lei de Deus (!). Vamos, portanto,
contraposição com os mandamentos da lei de Deus (!). Vamos, portanto,
examinar os mandamentos da Igreja para ver se realmente encontramos entre
eles algum que seja contrário à lei divina.

Primeiro mandamento: ouvir a Missa.

194. O primeiro mandamento da Igreja nos obriga a ouvir missa inteira nos
domingos e festas de guarda.

Ora, santificação do dia do Senhor é um preceito da lei divina, exarado no 3º


mandamento do Decálogo. Aos judeus havia sido ordenada a observância do
sábado. Mas é claro que o ESPÍRITO DA LEI era que se consagrasse a Deus um dia
na semana, reservando-o para o descanso.

Para os judeus, o sábado tinha um significado especial: era o dia em que Deus
terminara a criação, desde que os períodos em que Deus fez o mundo são
simbolizados por 7 dias, representando assim uma semana. Mas para cristãos, o
primeiro dia da semana tomou uma significação muito maior: foi no primeiro dia
da semana que se realizou o grande acontecimento da Ressurreição de Jesus
Cristo, quando se consumou a sua grande vitória sobre a morte e sobre todos os
inimigos. E a Ressurreição do Senhor é um ponto básico para a nossa fé, como
ensina S. Paulo (1ª Coríntios XV-14). Foi igualmente num domingo que o
Espírito Santo desceu visivelmente sobre os Apóstolos, acontecimento também
de suma importância para o estabelecimento do reino de Deus sobre a terra. E se
o sábado simbolizava o término da obra criadora de Deus, o domingo simboliza,
por sua vez, o começo da criação, o primeiro dia, e a criação é atribuída de modo
especial a Deus Pai. Ficou assim o domingo como um dia, por excelência, da
SSma Trindade, portanto o dia de Deus. A Igreja com o seu poder de ligar e
desligar, desligou os fiéis da obrigação do sábado para os ligar à obrigação do
domingo. A lei de Deus foi respeitada, pois o que Deus queria na sua lei era que
houvesse um dia consagrado a Ele; e o fato de ser esse dia um sábado ou um
domingo já se havia tornado uma questão de menor importância: o sábado era
prescrito aos judeus na lei de Moisés, mas a lei mosaica (exceto naquilo que
pertence à lei natural) já tinha sido abolida.

Estão, aliás, de acordo conosco a grande maioria das seitas protestantes, embora
afirmem só admitir aquilo que consta explicitamente da Bíblia.
Ora, sendo o domingo um dia consagrado a Deus e sendo o Santo Sacrifício da
Missa o ato, por excelência, do nosso culto (sobre a Missa falaremos depois nos
nos{} 345 a 348) e não sendo justo que a Igreja deixasse que os seus fiéis
ficassem completamente desobrigados deste ato supremo do culto de adoração a
Deus, obrigou-os a ouvir a Santa Missa todos os domingos. Foi, portanto, uma
maneira de acentuar ainda mais o caráter de DIA DO SENHOR que possui o
domingo. Longe de ser uma contradição à lei de Deus, ao contrário foi um
reforço para o cumprimento da lei divina. Unem-se os fiéis no dia consagrado ao
Senhor e em seu templo para orar, ouvir a palavra de Deus, adorar a Jesus
Sacramentado no Santo Sacrifício da Missa. E isto obriga sob pecado, porque o
Mestre disse: Tudo o que ligardes sobre a terra será ligado também nos Céus
(Mateus XVI-19).

Por este mesmo princípio a Igreja obriga também os fiéis ao seu culto em certos
dias do ano, em que se comemoram grandes festividades religiosas. São 9
apenas, atualmente, os dias santos obrigatórios para a Igreja Universal. E alguns
deles, como por exemplo: o Nascimento de Cristo, a 25 de dezembro, e a
Adoração dos Magos, a 6 de janeiro, os protestantes se unem conosco para
comemorá-los. Se algumas destas festas, como são 2 consagradas a Maria SSma
e uma a S. Pedro, não agradam aos protestantes, isto já é outra questão, mas não
é isto que tira à Igreja o poder de ligar os fiéis com suas sábias leis, poder que
lhe foi outorgado pelo próprio Cristo.

Segundo mandamento: a participação da Eucaristia.

195. O segundo mandamento se refere à obrigação de participar da Ceia


Eucarística, obrigação esta que nos foi imposta pelo próprio Cristo: Em verdade,
em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o
seu sangue, não tereis vida em vós (João VI-54). Sobre a presença real de Jesus
na Eucaristia (nos{} 298 a 322) e sobre a comunhão sob uma só espécie (nº 307)
falaremos mais adiante.

Durante muitos séculos a Igreja não precisou impor esta obrigação, porque os
fiéis eram solícitos em aproximar-se da mesa eucarística. Vendo, depois, que
muitos se descuidavam e andavam afastados da mesa divina por muito longo
espaço de tempo, ela resolveu estabelecer um mínimo, marcando também a
época própria para isto: Comungar ao menos uma vez cada ano, pela Páscoa da
Ressurreição.
Ressurreição.

A Igreja está aí apenas urgindo o cumprimento de uma obrigação que já havia


sido imposta pelo próprio Divino Mestre: a obrigação de comungar.

Terceiro mandamento: a confissão anual.

196. Mas o cristão só pode aproximar-se da mesa divina estando com a


consciência bem purificada: Todo aquele que comer este pão ou beber o cálice
do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se,
pois, a si mesmo o homem, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque
todo aquele que o come e bebe indignamente, come e bebe para si a
condenação, não discernindo o corpo do Senhor (1ª Coríntios XI-27 a 29).

A obrigação de comungar acarreta, portanto, a necessidade da confissão. É o


terceiro mandamento da Igreja. Sobre o sacramento da Confissão falaremos mais
adiante (capítulo 12º).

Queremos aqui apenas observar que basta a obrigação imposta por este
mandamento para mostrar como é inexata a ideia que os protestantes fazem
sobre a Igreja, a qual eles imaginam como interessada exclusivamente em ritos e
exterioridades.

Em nada insiste mais a Igreja na sua pregação aos fiéis do que na necessidade de
purificarem o seu coração, de servirem a Deus de corpo e alma, de evitarem o
pecado, até mesmo nos mínimos pensamentos. E, não contente com isto, OBRIGA
sob pena de pecado a todos os fiéis que tenham o uso da razão a fazerem pelo
menos anualmente, a purificação de sua alma pela confissão dos pecados, a qual
só é válida (portanto a obrigação só é cumprida) quando há o sincero
arrependimento e o firme propósito de emenda para todo o resto da vida. Se se
trata de alguém que durante o ano não cometeu nenhum pecado, nada mais fácil
do que dizer ao confessor que está isento de culpa e que vai apenas pedir os seus
conselhos e a sua benção. Se se trata, porém, de um cristão que pecou
gravemente durante o ano, chegada a Páscoa, é chegado o tempo, em que a
Igreja está urgindo a obrigação de se aproximar dos sacramentos e em que ele
não pode mais adiar a sua volta total para Deus, sem mostrar-se ao mesmo
tempo um filho desobediente da Santa Igreja, porque o prazo de tolerância já se
vai extinguir: ao menos uma vez a cada ano.
Se há católicos que não cumprem com este dever ou que se confessam sem a
contrição verdadeira, a culpa é deles, são eles que merecem a censura, e não a
Igreja. Esta exige, portanto, mais, neste ponto de purificação interna do
indivíduo do que o Protestantismo, o qual se limita a exortar pela pregação,
ficando cada um a orientar-se a si mesmo, como juiz em causa própria, sem a
ajuda e direção do confessor.

Os católicos todos e supomos também que todos os protestantes (porque aquela


tese de Lutero de purificação meramente externa, somente pela não imputação
dos pecados é uma tese superada mesmo dentro do Protestantismo) estão de
acordo em que o Céu não se alcança a não ser pela purificação INTERNA da alma.
A diferença que há é que nós, católicos, nos temos na conta de pecadores,
sabemos que todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2), que temos
durante toda a vida que nos penitenciar de nossos pecados e que havemos de nos
esforçar continuamente, ora para manter, ora para recuperar a nossa purificação.
E os protestantes em geral se têm na conta de completamente e sempiternamente
purificados, santos e imaculados pelo simples fato de terem aceitado a Cristo
como Salvador, a grande maioria deles com a ideia de que é impossível
perderem-se. E foi a sua Religião que lhes incutiu esta ideia.

Quarto mandamento: o jejum.

197. O 4º mandamento: jejuar e abster-se de carne quando a Santa Igreja manda


— é o que mais intriga os protestantes. Sua repugnância a este preceito nasce
principalmente da sua teoria de salvação só pela fé e da ideia errônea de que os
nossos atos de virtudes, as nossas penitências não têm merecimento diante de
Deus; só pela fé é que merecemos o Céu. Mas esta teoria já foi por nós refutada
na primeira parte deste livro.

A necessidade da penitência é inculcada no Evangelho pelas próprias palavras de


Nosso Senhor que disse, referindo-se ao castigo sofrido por alguns galileus, os
quais Pilatos mandara matar, misturando o sangue deles com o sangue dos
sacrifícios que haviam oferecido: Vós cuidais que aqueles galileus eram maiores
pecadores que todos os outros da Galileia, por haverem padecido tão cruel
morte? Não eram, eu vo-lo declaro; mas, se vós outros não FIZERDES PENITÊNCIA,
todos assim mesmo haveis de acabar (Lucas XIII-2 e 3).
O Evangelho está cheio de exortações à penitência. S. João Batista assim exorta
os seus ouvintes: FAZEI PENITÊNCIA, porque está próximo o Reino dos Céus
(Mateus III-2). E diz aos escribas e fariseus: Fazei, pois, dignos frutos de
PENITÊNCIA (Mateus III-8).

Jesus começa a sua pregação com as mesmas palavras: Desde então começou
Jesus a pregar e a dizer: FAZEI PENITÊNCIA, porque está próximo o Reino dos Céus
(Mateus IV-17). Veio Jesus para Galileia, pregando o Evangelho do reino de
Deus e dizendo: Pois que o tempo está cumprido e se apropinquou o reino de
Deus, FAZEI PENITÊNCIA e crede no Evangelho (Marcos I-14 e 15).

Em outras ocasiões disse Jesus: Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores
à PENITÊNCIA (Lucas V-32). Haverá maior júbilo no Céu sobre um pecador que
FIZER PENITÊNCIA que sobre noventa e nove justos que não hão de mister
penitência (Lucas XV-7).

Esta é também a pregação dos Apóstolos: E saindo eles, pregavam aos povos
que FIZESSEM PENITÊNCIA (Marcos I-12).

S. Paulo, pregando no Areópago diz: Deus, dissimulando por certo os tempos


desta ignorância, denuncia agora aos homens que todos em todo o lugar FAÇAM
PENITÊNCIA (Atos XVIII-30). E no seu discurso perante o rei Agripa, diz: Preguei
primeiramente aos de Damasco, e depois em Jerusalém e por toda a terra de
Judeia e aos gentios, que FIZESSEM PENITÊNCIA e se convertessem a Deus, fazendo
DIGNAS OBRAS de PENITÊNCIA (Atos XXVI-20).

Os protestantes objetam que a expressão FAZER PENITÊNCIA corresponde no grego


ao verbo METANOÉO que significa mudar de ânimo, de resolução, arrepender-se,
converter-se, e que no próprio latim e no português PENITÊNCIA quer dizer
arrependimento. Penitenciar-se é arrepender-se.

— Não há dúvida que a palavra quer dizer isto; mas daí não se segue que
signifique isto EXCLUSIVAMENTE. Segundo o sentido em que é empregada na
Bíblia, não exclui aqueles atos que nascem naturalmente deste sentimento
interno de contrição. E é por isto que nós vimos nos textos anteriormente citados
a referência a OBRAS DE PENITÊNCIA (Atos XXVI-20), a FRUTOS DE PENITÊNCIA
(Mateus III-8).
É claro que a base desta penitência é o arrependimento dos pecados, o qual deve
existir no fundo do coração e sem o qual o sacrifício externo perderia a sua
principal finalidade. Mas a ideia de penitência é ligada também na Bíblia à ideia
de atos de mortificação corporal que são como o fruto, a consequência, a
manifestação exterior deste arrependimento. Assim se lê no livro de Jó: Por isso
me repreendo a mim mesmo e FAÇO PENITÊNCIA NO PÓ E NA CINZA (Jó XLII-6). No 2º
livro de Esdras se descreve deste modo a penitência do povo: E no dia vinte e
quatro deste mês se ajuntaram os filhos de Israel EM JEJUM e VESTIDOS DE SACOS e
COBERTOS DE TERRA (2º Esdras IX-1). Lê-se no livro do Profeta Joel: Agora, pois,
diz o Senhor: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, EM JEJUM, e em
lágrimas e em gemidos (Joel II-12). E no livro do Profeta Jonas: E creram os
ninivitas em Deus; e ordenaram um PÚBLICO JEJUM e VESTIRAM-SE DE SACO desde o
maior até o menor... E viu Deus as OBRAS que eles fizeram, como se converteram
do seu caminho; e compadeceu-se deles para lhes não fazer o mal que tinha
resolvido fazer-lhes e com efeito lho não fez (Jonas III-5 e 10).

Jesus não condena estas manifestações externas de penitência, ao contrário as


considera como louváveis, pois é assim que descreve o bom resultado que teriam
as suas pregações, se fossem feitas em Tiro e Sidônia: Ai de ti, Corozaim; ai de
ti, Betsaida; que se em Tiro e Sidônia se tivessem obrado as maravilhas que se
obraram em vós; há muito tempo que elas TERIAM FEITO PENITÊNCIA, COBRINDO-SE DE
CILÍCIO E DE CINZA (Lucas X-13). E notem os protestantes que também neste trecho
o verbo FAZER PENITÊNCIA corresponde ao verbo grego METANOÉO.

E S. Paulo diz: CASTIGO O MEU CORPO e o reduzo à servidão, para que não suceda
que, havendo pregado aos outros, venha eu mesmo a ser reprovado (1ª Coríntios
IX-27), o que bem mostra que a penitência corporal tem também uma função
preservativa, a fim de que a carne não prevaleça contra o espírito, sendo útil
também aos justos e não somente aos pecadores.

Jesus mesmo jejuou quarenta dias e quarenta noites no deserto: Então foi levado
Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E tendo JEJUADO
quarenta dias e quarenta noites, teve fome (Mateus IV-1 e 2). Não foi para fazer
penitência por pecados próprios, que não os tinha, nem para preservar-se de cair
em pecado, uma vez que era impecável; nem para pedir luzes especiais a Deus,
pois era o Verbo e tinha ciência infinita, nem para oferecer o seu jejum pela
salvação do mundo, neste caso o teria remido naqueles dias, pois bastava um
simples suspiro seu, infinitamente meritório, para remir todo o gênero humano.
Foi apenas para nos dar o exemplo a nós, pecadores. E Ele próprio estabeleceu
normas para os seus discípulos, quando jejuassem: E quando JEJUAIS não vos
ponhais tristes como os hipócritas, porque eles desfiguram os seus rostos para
fazer ver, aos homens, que jejuam (Mateus VI-16).

É um erro, portanto, considerar o jejum como antibíblico ou como uma ofensa


ao sacrifício feito por Cristo na cruz, pois ele é reconhecido, recomendado pelo
próprio Cristo que dele nos deu exemplo.

S. Paulo nos diz na 2ª Epístola aos Coríntios: Em todas as coisas nos portemos
como ministros de Deus na muita paciência... nos trabalhos, nas vigílias, nos
JEJUNS (2ª Coríntios VI-4 e 5). E os Atos nos mostram o jejum sendo posto em
prática por Paulo e Barnabé e pelos primeiros cristãos (Atos XIV-22; XIII-2 e 3).

Acusar a Igreja de crueldade para com os fiéis (aliás fiéis de 21 a 60 anos) seria
desconhecer as minúcias da própria lei do jejum, tão benigna que há algumas
pessoas sóbrias que jejuam diariamente sem o saber. E mesmo assim, ela
dispensa a todas as pessoas fracas e doentes de acordo com o princípio: As leis
da Igreja não obrigam com grave incômodo. Outros zombam da Igreja, porque
acham o jejum benigno demais, o que também é injusto: a Igreja, legislando para
todos, estabelece um mínimo de penitência a ser executado; mas não condena,
antes louva a quem queira fazer um jejum mais rigoroso, no caso em que tenha a
necessária resistência física e isto não prejudique à saúde. Se alguém é forte e
quer jejuar abstendo-se de qualquer alimento ou bebida até o meio-dia, ou, mais
ainda, como fazem os judeus e os maometanos não comendo nada até o por do
sol, ou quer jejuar a pão e água, faça-o, se pode, porque nisto não há
desobediência à Igreja; trata-se de fazer ainda mais do que ela ordena, o que
acarreta, se for feito com reta intenção, um merecimento ainda maior.

Ainda o quarto mandamento: a abstinência de carne.

198. À lei do jejum se acrescenta a de abstinência de carne em certos dias.


Trata-se de tomar por penitência uma alimentação mais fraca.

Aqui entram os protestantes com a sua chicana, trazendo um texto que


absolutamente não vem ao caso. Dizem que a Igreja está neste ponto em
contradição ao ensino de Jesus: Não é o que entra pela boca o que faz imundo o
homem, mas o que sai pela boca, isso é o que faz imundo o homem (Mateus XV-
11).

Para bem compreender o sentido deste texto, é preciso que vejamos por que
motivo disse Jesus estas palavras.

Além da Lei, ou seja, os 5 livros de Moisés, havia entre os judeus as sentenças


dos rabinos, as quais foram aumentando através dos séculos. Eram leis ditadas
pelos rabinos e não constavam da lei de Deus. Uma destas leis era que ninguém
devia comer sem lavar as mãos, isto era um “pecado”, pois as mãos não lavadas
eram mãos impuras ou comuns; era preciso purificá-las. Achavam eles que
tinham que lavar as mãos antes e depois da comida e mesmo durante a comida,
antes de cada novo prato. Lavando as mãos, deviam ter cuidado para que a mão
já lavada não tocasse depois na mão que não tinha sido lavada ainda, pois neste
caso ficaria novamente impura. A água que lavava devia ser pura, sem ter
servido para outros usos. Era preciso lavar as mãos até o punho; e lavá-las duas
vezes, porque a primeira água em contato com as mãos tinha ficado impura; uma
vez que havia perigo de ficarem algumas gotas “impuras” aderentes à mão, era
preciso que a água passasse outra vez. Estas e outras recomendações assim
minuciosas se podem ver no livro de Strack-Billerbeck (págs. 698-705).

Enquanto davam a máxima importância a estas cerimônias e exterioridades, e


ficavam altamente escandalizados quando alguém não as observava, os fariseus
não davam importância alguma aos grandes mandamentos, que eram emanados
do próprio Deus e não tinham nenhum escrúpulo em ter o seu coração cheio de
ódio e de maldade, e de se entregar à calúnia e à maledicência. Isto mostra o
triste estado a que tinham chegado os judeus no tempo de Nosso Senhor Jesus
Cristo, pois se preocupavam somente com exterioridades, com purificações
corporais, não cuidando da verdadeira purificação que Deus exige de nós, que é
a purificação do espírito e do coração. Contra este farisaísmo ilógico e repelente,
Nosso Senhor várias vezes se insurge no Evangelho.

Ora, não sendo estas purificações por ocasião da comida prescritas por Deus e
sabendo-se que os judeus não as faziam com o verdadeiro espírito de fé e
devoção interior, mas por mera ostentação, Nosso Senhor não se submetia a tais
ritos que considerava inúteis e provavelmente instruiu os Apóstolos neste
sentido.

O caso chamou a atenção dos escribas e fariseus que vêm indignados perguntar a
Jesus: Por que violam os teus discípulos a tradição dos antigos? Pois não lavam
as suas mãos quando comem pão (Mateus XV-2).

Nosso Senhor lhes responde que, se estão assim escandalizados pelos fato de não
obedecerem os Apóstolos a uma prescrição dos homens, por que então vão eles
de encontro abertamente às leis de Deus? E vós também por que transgredis o
mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus disse: Honra a teu pai
e a tua mãe; e: o que amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe morra de morte. Porém
vós outros dizeis: Qualquer que disser a seu pai ou a sua mãe: Toda a oferta
que eu faço a Deus te aproveitará a ti; pois é certo que o tal não honrará a seu
pai ou a sua mãe; assim é que vós tendes feito vão o mandamento de Deus pela
vossa tradição. Hipócritas, bem profetizou de vós outros Isaías, quando diz:
Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em
vão, pois, me honram, ensinando doutrinas e mandamentos que vêm dos
homens. E chamando a si as turbas, lhes disse: Ouvi e entendei. Não é o que
entra pela boca o que faz imundo o homem; mas o que sai pela boca, isso é o
que faz imundo o homem (Mateus XV-3 a 11).

Os Apóstolos não compreendem bem o que significam estas palavras. Nosso


Senhor então lhes explica: Não compreendeis que tudo o que entra pela boca
desce ao ventre e se lança depois num lugar escusos? Mas as coisas que saem
da boca vêm do coração e estas são as que fazem o homem imundo; porque do
coração é que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as
fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias. Estas coisas são as
que fazem imundo o homem; O COMER, PORÉM, COM AS MÃOS POR LAVAR, isso não faz
imundo o homem (Mateus XV-17 a 20).

O que se vê evidentemente aí é que Nosso Senhor está reprovando o erro dos


judeus que EM QUALQUER REFEIÇÃO que faziam, achavam que era um pecado
comer SEM PRIMEIRO LAVAREM AS MÃOS.

O comer em si não é pecado, nem havendo purificação de mãos, nem não


havendo; nem é o que entra no homem para depois sair de maneira abjeta, que
torna o homem puro ou impuro. Pecado, sim, é aquilo que procede do homem
que não tem o coração puro, como são os maus pensamentos, os homicídios, os
adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias, coisas
estas a que os fariseus não davam importância que deviam dar. Pecado é
desobedecer também às autoridades que foram por Deus legitimamente
constituídas. Quando o católico come carne nos dias proibidos pela Igreja não é
o simples fato do comer, não é o fato de ser a comida esta ou aquela, que faz
com que aquilo seja pecado. É o fato de desobedecer à Igreja que tem nos seus
chefes o poder de ligar e desligar (Mateus XVI-19; XVIII-18) e a quem se deve
ouvir sob pena de ser considerado pagão ou publicano (Mateus XVIII-17).

Nosso Senhor não está ensinando aí que nunca se peca pela comida; pois neste
caso estaria ensinando que Adão e Eva não pecaram comendo o fruto proibido;
ou estaria criticando a lei de Moisés, dada por Deus, segundo a qual havia muitas
espécies de animais que não era lícito comer; ou estaria ensinando que não é
pecado a gente comer a galinha do vizinho ou a criança comer guloseimas
quando seus pais não o permitem.

Comer em si não é pecado; comer sem lavar as mãos também não o é; comer,
porém, aquilo que é proibido (e Cristo deu à Igreja o poder de proibir) isto, sim,
é um pecado, mas um pecado de desobediência, que sendo desobediência à
Igreja, o é também a Deus: Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também
nos Céus (Mateus XVI-19).

Quinto mandamento: pagar dízimos.

199. Finalmente os nossos Catecismos trazem o 5º mandamento estabelecido


nestes termos: Pagar dízimos segundo o costume.

Não há mais na Igreja a oferta dos dízimos, a qual desapareceu há muitos


séculos. Nem se trata de um preceito atingido individualmente a todos os
cristãos, muitos dos quais podem estar em situação de miséria.

Trata-se apenas disto: a Igreja lembra aos fiéis a obrigação que eles têm de
contribuir para as despesas do culto para a honesta sustentação de seus ministros.
As múltiplas obrigações dos sacerdotes exigem que eles estejam dedicados de
corpo e alma ao serviço das almas; têm que dispor de alguns recursos, como
humanos que são, para vestir, para alimentar-se, para apresentar-se
convenientemente perante a sociedade e mesmo para fazer as suas caridades. O
modo de prover os fiéis a estas necessidades pode variar de um país para outro.
A praxe, entre nós, é que os católicos, quando batizam um filho, quando
celebram suas festas de casamento, ou fazem os funerais e ofícios religiosos para
os seus defuntos reservam uma espórtula para a honesta sustentação do
sacerdote. Os protestantes gostam de explorar esta situação, ditada pelas
sacerdote. Os protestantes gostam de explorar esta situação, ditada pelas
contingências da vida humana, procurando impressionar as pessoas rudes,
incutindo-lhes no espírito que a Igreja vende os sacramentos, vende a salvação
etc.

Entretanto, este princípio da honesta sustentação dos ministros do altar, é


estabelecida pela própria Bíblia: Porventura NÃO TEMOS NÓS DIREITO DE COMER E DE
BEBER? Acaso não temos nós poder para levar por toda a parte uma mulher
irmã, assim como também os outros Apóstolos, e os irmãos do Senhor e de
Cefas? Ou eu só e Barnabé não temos o poder de fazer isto? QUEM JAMAIS VAI À
GUERRA À SUA CUSTA? QUEM PLANTA UMA VINHA E NÃO COME DO SEU FRUTO? QUEM
APASCENTA UM REBANHO E NÃO COME DO LEITE DO REBANHO? Porventura digo eu isto
como homem? Ou não diz também a lei? Porque escrito está na lei de Moisés:
Não atarás a boca ao boi que debulha... SE NÓS VOS SEMEAMOS AS COISAS ESPIRITUAIS,
É PORVENTURA MUITO SE RECOLHERMOS AS TEMPORALIDADES QUE VOS PERTENCEM A VÓS?
(1ª Coríntios IX-4 a 9, 11).

E diz o mesmo S. Paulo a Timóteo: Os presbíteros que governam bem sejam


honrados com estipêndio dobrado, principalmente os que trabalham em pregar
e ensinar. Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha e: O
que trabalha é digno da sua paga (1ª Timóteo V-17 e 18).

Por tudo isto fica provado que os 5 mandamentos da Igreja não são senão sábias
determinações baseadas naquilo que foi ensinado, prescrito, preceituado no
Novo Testamento.

Uma organização divina.

200. Temos ouvido discursos inflamados de protestantes, nos quais eles


observam com muita ênfase que para nos salvar devemos seguir a Cristo e não a
organizações humanas. Estamos perfeitamente de acordo. Organizações
humanas são as seitas protestantes que foram, todas elas, fundadas pelos
homens.

Mas havemos de seguir a uma ORGANIZAÇÃO DIVINA e esta organização é a Igreja


fundada por Cristo (edificarei A MINHA IGREJA — Mateus XVI-18), esta Igreja que
é esposa de Cristo (vós, maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo
amou a Igreja — Efésios V-25), de modo que dizia S. Cipriano no século 3º:
“Não pode ter Deus como Pai, aquele que não tem a Igreja como mãe”; esta
Igreja que, como diz Cristo, havemos de ouvir, sob pena de sermos considerados
gentios ou publicanos, esta Igreja que em todos os tempos, desde os primórdios
do Cristianismo até os dias de hoje, sempre foi chamada A IGREJA CATÓLICA; esta
Igreja Una e Indivisa que continua, através dos séculos, levando de vencida
todas as heresias, mesmo as mais manhosas, ou as mais agressivas, porque as
portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18); esta Igreja que
tem como chefe o sucessor de Pedro, porque Cristo a construiu sobre O PRIMEIRO
(Mateus X-2) dos Apóstolos: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja (Mateus XVI-18).
Capítulo Décimo
Cristo enviou os Apóstolos a pregar

Dificuldades para a exata interpretação da Bíblia


Dois pontos de apoio: Escritura e Tradição.

201. Deus ensinou aos homens a verdade religiosa por meio de Nosso Senhor
Jesus Cristo, que veio completar, de maneira maravilhosa, as revelações divinas
feitas por intermédio dos Profetas no Antigo Testamento: Deus, tendo falado
muitas vezes e de muitos modos noutro tempo a nossos pais pelos Profetas,
ultimamente nestes dias nos falou pelo Filho, ao qual constituiu herdeiro de
tudo, por quem fez também os séculos (Hebreus I-1 e 2).

Essa doutrina verdadeira emanada de Deus, Ele quer que chegue ao


conhecimento de todos: Deus quer que todos os homens se salvem e que
CHEGUEM A TER O CONHECIMENTO DA VERDADE (1ª Timóteo II-4).

Como é que todos os homens podem ser devidamente instruídos nas verdades
reveladas por Deus? Para isto Cristo instituiu a sua Igreja encarregada de ensinar
a todos os povos e vela sempre para que ela não se deixe corromper pelo erro, na
sua luta contínua contra as heresias, ficando sempre de pé a divina promessa de
que as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18); porque
a Igreja tem que ser sempre a coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-
15).

Em que se firma a Igreja para sustentar a doutrina que nos apresenta? Não há
dúvida que um de seus pontos de apoio é a Bíblia Sagrada, escrita sob inspiração
do Espírito Santo, de modo que tudo o que a mesma ensina é a palavra de Deus a
nós revelada.

Mas a Bíblia é um livro de muito difícil interpretação, muito sujeito a ser torcido
e adulterado por aqueles que ensinam doutrinas falsas, procurando coonestá-las
com a palavra de Deus.

Mesmo antes do Protestantismo, tão fértil em extravagâncias em matéria


doutrinária, como adiante veremos, mesmo desde os princípios do Cristianismo
tem aparecido teorias tão esquisitas que nos deixam boquiabertos e que se
baseavam em má interpretação da Bíblia. S. Agostinho refuta os maniqueus que
das palavras de Cristo: Eu sou a luz do mundo (João VIII-12) deduziram ser
Cristo este sol material que nós vemos no espaço e que nos aquece e dá vida às
plantas (!). O mesmo S. Agostinho nos fala de uns hereges chamados Hermianos
e Seleucianos, os quais afirmavam que se deve batizar com fogo e não com água,
baseados na falsa interpretação das palavras de S. João Batista, com relação a
Cristo: Eu na verdade vos batizo em água... Ele vos batizará no Espírito Santo e
EM FOGO (Mateus III-11) texto este de que se servem os protestantes as seita dos
Quacres, para, desprezando outras passagens da Bíblia, afirmarem que o batismo
de água não é necessário nem obrigatório.

Juliano, o Apóstata, abusa da parábola do ecônomo infiel (Lucas XVI-1 a 9) que,


aliás, é de sutil interpretação, para acusar impiamente a Cristo de estar ensinando
a trampolinagem e desonestidade nos negócios, quando o intuito do Divino
Mestre é exortar aos filhos da luz a que usem de tanto ardor e atividade na
prática da virtude como usam os filhos das trevas em defesa de seus interesses e
na prática do mal.

Em todos os tempos, os hereges se têm procurado apoiar nas Escrituras


(pessimamente interpretadas) para sustentar os seus erros, e nós sabemos como
nos nossos dias os espiritistas se servem do ensino de Cristo de que o homem
precisa renascer e renascer da água e do Espírito para entrar no reino de Deus
(João III-3 e 5), palavras em que Cristo nos fala de um RENASCIMENTO ESPIRITUAL
pelo Batismo e querem com isto ensinar um renascimento material, pela
reincarnação.

Pode a Bíblia ficar à mercê das mais loucas e grosseiras e absurdas


interpretações? De que serviria Deus deixar a sua palavra consignada num
grande livro, se os homens tivessem plena liberdade de falseá-la ou estivessem
completamente desorientados para penetrar-lhe o verdadeiro sentido? Ou a
Igreja SABE qual é a verdadeira doutrina de Deus que está contida na Bíblia, de
modo que possa orientar os fiéis neste sentido, mostrando onde está a
interpretação legítima e onde está a interpretação capciosa e falsificadora, ou
então não passa de uma inutilidade esta Igreja que Cristo fundou e à qual
mandou ensinar a todos os povos: Ide, pois, e ensinai todas as gentes (Mateus
XXVIII-19).
Daí não se segue que a Igreja tenha que decidir, uma por uma, todas as questões
que possam surgir a respeito das palavras da Escritura. A Bíblia é um livro
maravilhoso e variadíssimo que contém ensinamentos de inegável necessidade
para a nossa instrução, como tudo o que se refere à natureza de Deus e da nossa
alma, a doutrina de Jesus sobre a salvação, os meios necessários para obtê-la, as
nossas obrigações, enfim tudo o que nos é imprescindível saber a respeito da
Religião Verdadeira que o Verbo de Deus desceu do Céu para nos ensinar. Uma
vez bem orientado para colher da Bíblia fielmente interpretada os pontos
essenciais da sua doutrina, ainda resta ao homem neste livro de sabedoria
imensa, que é a Bíblia, uma boa quantidade de pequenas questões que fica aos
eruditos, aos especialistas, aos grandes mestres discutir e analisar livremente.
Maria, irmã de Marta era a mesma Maria Madalena ou era outra? O batismo
administrado pelos Apóstolos durante a vida de Cristo (João IV-2) era o mesmo
batismo de Cristo, pelo qual se recebe o dom do Espírito Santo (Atos II-38) ou
era um batismo de penitência igual ao do Precursor? O bom ladrão blasfemou a
princípio e depois converteu-se (Mateus XXVII-44) ou se portou
convenientemente desde o começo e o blasfemador foi só o seu companheiro
(Lucas XXIII-39 e 40) empregando a Bíblia no texto de S. Mateus, por
sinédoque, o plural pelo singular?

Estas e muitas outras pequenas questões a Igreja deixa discutir à vontade, porque
são minúcias que não atingem diretamente a doutrina de Jesus.

Mas perguntarão os protestantes: Se a Bíblia, como dizem os católicos, é tão


difícil de interpretar, como sabe que a interpretação dela é verdadeira? Qual o
elemento que possui a Igreja, a pedra de toque para conferir se é legítima ou
errônea uma interpretação?

— Vocês, protestantes, perguntam isto precisamente porque estão visivelmente


desorientados neste ponto. Vocês se baseiam só no seu próprio raciocínio, no seu
modo de ver as coisas, quando querem interpretar a Bíblia e por isto se perdem
inteiramente, porque cada um raciocina à sua maneira e os modos de ver são
diversos de indivíduo para indivíduo. É que Vocês só começaram a interpretar a
Bíblia do século XVI para cá. Mas a Igreja vem do princípio, vem do tempo dos
Apóstolos. Estes eram homens iluminados especialmente pelo Espírito Santo e
escolhidos por Deus para propagar a sua doutrina. Jesus vela sempre
carinhosamente sobre a sua Igreja, por Ele fundada e um dos sentimentos que
sempre lhe inspirou foi o cuidado extremo em não se afastar, por consideração
alguma, da doutrina recebida da boca dos Apóstolos. Ela é ferrenhamente
apegada à sua TRADIÇÃO e era já o que os Apóstolos recomendavam no seu
tempo: E assim, irmãos, estai firmes e CONSERVAI AS TRADIÇÕES que aprendestes, ou
DE PALAVRA ou por carta nossa (2ª Tessalonicenses II-14) Nós vos intimamos, em
nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que andar
desordenadamente e não segundo A TRADIÇÃO que ele e os mais receberam de nós
outros (2ª Tessalonicenses III-6) GUARDA A FORMA DAS SÃS PALAVRAS QUE ME TENS
OUVIDO na fé e no amor em Jesus Cristo. GUARDA O BOM DEPÓSITO pelo Espírito
Santo que habita em nós outros (2ª Timóteo I-13 e 14). Eu vos louvo, pois,
irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim e guardais AS MINHAS INSTRUÇÕES
COMO EU VO-LAS ENSINEI (1ª Coríntios XI-2).

Se os judeus tinham lá as suas tradições errôneas, contrárias à lei de Deus, isto


não é conosco, é lá com eles; não é de admirar, porque Deus não disse aos
judeus como disse à sua Igreja: Eu estou convosco todos os dias, até a
consumação do século (Mateus XXVIII-20); Deus permitiu mesmo o fracasso da
religião judaica, para que o mundo sentisse a necessidade absoluta de Cristo e da
sua Igreja. O fracasso desta é que, como Ele prometeu, não permitirá nunca.

Instruída desde o início pelos Apóstolos e sempre solicita em conservar o BOM


DEPÓSITO que lhe foi confiado, a Igreja tem um ponto de referência valiosíssimo
para julgar do valor ou não de uma interpretação que lhe é apresentada. A Bíblia
é infalível; o ensino dos Apóstolos também o era. Não pode haver contradição
entre ambos. Se os Apóstolos ensinaram a existência da SSma Trindade, a
divindade de Jesus Cristo, a divindade e personalidade do Espírito Santo, a
presença real de Jesus Cristo na SSma Eucaristia, a existência do inferno, a
necessidade do batismo de água, a indissolubilidade do matrimônio etc, etc, etc,
e aparecem novos “intérpretes” negando estas doutrinas, a Igreja podia e pode
condenar tais interpretações, baseando-se neste princípio: Não, não pode ser;
Vocês estão errados, porque não foi esta a doutrina que recebemos dos
Apóstolos e que sempre temos ensinado desde o começo.

A ação da providência na interpretação das escrituras.

202. A assistência toda especial de que Jesus Cristo tem cercado a Igreja
Católica, desde a sua fundação, se estende também à Bíblia, que é a palavra de
Deus. E, no decorrer dos séculos, Deus tem suscitado homens profundamente
sábios e santos que se têm entregue, com carinho e proficiência, ao trabalho de
nos desvendar, pela sua aguda inteligência, os segredos da Bíblia, mantendo em
torno dela uma interpretação segura, tais como foram S. Irineu, S. Hipólito,
S. Ambrósio, S. Jerônimo, S. Agostinho, S. João Crisóstomo, S. Cirilo de
Jerusalém, S. Gregório Nisseno, S. Gregório Nazianzeno, S. Basílio, S. Hilário,
S. Cirilo de Alexandria, S. Gregório Magno, S. Beda, S. Isidoro de Sevilha,
S. Tomás de Aquino e muitos outros, para só falarmos em grandes homens que
viveram antes de aparecer a heresia protestante.

Foram mestres autorizados que iluminaram a Igreja com a sabedoria de seus


escritos. E o fato de tantos homens santos e sábios aceitarem a interpretação
católica, defendê-la nos seus livros, é sinal de que não existe na Igreja
adulteração da palavra de Deus, mas sim um sincero amor à verdade. Esta
interpretação abalizada que vem desde o princípio, sempre firme em rejeitar e
combater as heresias é o que se chama a interpretação tradicional. Tradicional,
sim, porque a verdade é uma só; a Bíblia não muda, não ensina uma doutrina
neste século para ensinar outra alguns séculos mais tarde. Pode-se, com o
decorrer dos tempos, progredir muito e muito no conhecimento das imensas
riquezas que a Bíblia nos apresenta, mas a mensagem de Deus feita aos homens,
tem, em suas linhas gerais, que ser a mesma, porque é a todos os homens, de
qualquer época e de qualquer raça ou condição, que Deus endereça a sua
palavra.

A aventura de Martinho Lutero.

203. O que aconteceu, porém, com Martinho Lutero é que ele apareceu no
século XVI com uma doutrina que completamente se afastava da interpretação
tradicional, apareceu sustentando uma tese monstruosa, imoral e absurda.
Espírito doentio, completamente perturbado com o drama que se passava no seu
íntimo, o drama do homem que luta com as suas paixões, Lutero sustenta que o
homem não é livre, está com a natureza totalmente depravada, tudo o que faz é
necessariamente pecado e neste estado de desespero só tem um remédio: confiar
em Cristo, para que o Salvador tome a si os pecados dele. É o meio de salvar-se
SEM ARREPENDIMENTO, porque o arrependimento não adianta: “torna o homem
ainda mais hipócrita e mais pecador.” O homem pode pecar à vontade; não
precisa arrepender-se dos pecados, para salvar-se; nem pode arrepender-se, pois
se arrepende só quem é livre: confie em Cristo e será salvo.

Tudo isto já expusemos no Cap. 3º.

Esta doutrina, em completo desacordo não só com a moral puríssima do


Cristianismo que move o homem a santificar-se, vencendo-se a si mesmo,
ajudado pela graça divina, mas com as próprias religiões pagãs, nas quais nunca
se perdeu a noção de liberdade e responsabilidade humana, não podia de modo
algum nem de longe ter apoio nos Santos Padres, na interpretação tradicional da
Igreja.

Para justificar a sua novidade, Martinho Lutero se apresenta como inspirado por
Deus: “Tenho certeza de que os meus dogmas vêm do céu” (Weimar X, 2 Abt.
pág. 184) e estabelece o princípio de que todo homem, todo cristão tem o pleno
direito, não só de ler a Bíblia, mas de interpretá-la com suas próprias luzes, de
acordo com a inspiração que vem do alto: “A todos os cristãos e a cada um em
particular pertence conhecer e julgar a doutrina. Anátema a quem lhes tocar um
fio deste direito” (Weimar X, 2 Abt. pág. 217). Assim estaria ele justificando o
fato de ter aparecido com uma interpretação inteiramente diversa daquela que
sempre a Igreja ensinara até então.

Mais tarde ele lamentará, num momento de sinceridade, ter-se afastado assim do
ensino dos Santos Padres: “Ninguém é capaz de imaginar quanto custa e que
suplício é para um homem ensinar e crer uma doutrina que não admitem os
Padres da Igreja. Que agitações no seu coração ao pensar que tantos homens
excelentes, esclarecidos, doutos e, por assim dizer, a maior e melhor parte do
mundo cristão acreditaram e ensinaram tal e tal artigo e com eles tantas almas
santas, os Ambrósios, os Jerônimos, os Agostinhos! Parece-nos ouvi-los em
gritos de angústias repetir em coro: A Igreja! A Igreja! E a alma se confrange de
dor suprema! Oh! É, na verdade, uma prova rude... separar-se de tantos
personagens santos... romper com a própria Igreja e NÃO TER FÉ NEM CONFIANÇA
NOS PRÓPRIOS ENSINAMENTOS... Não posso negar a angústia e a perturbação que me
causam muitas vezes estes pensamentos” (Erlangen XLVI-226-229; LX, 82).

Este remorso e esta sensação de insegurança que sentia o próprio Lutero, tão
inteligente e ao mesmo tempo tão presumido, nos dão bem uma ideia da
temeridade em que havia incorrido, rompendo tão abertamente com aquilo que
os grandes mestres durante 1.500 anos haviam ensinado em matéria de
interpretação das Sagradas Letras. Mas um largo caminho para a presunção se
interpretação das Sagradas Letras. Mas um largo caminho para a presunção se
abriu com a revolta luterana. E o que vemos hoje é uma multidão de homens,
mesmo dentre os mais rudes e ignorantes tomarem da Bíblia para dizerem, sem
mais nem menos, que está “evidentemente errada” a doutrina dos grandes
doutores e especialistas do assunto que sempre constituíram a glória da Igreja.
Não querem saber de orientação da Igreja Católica na exegese do Livro Sagrado;
para eles o meio de chegar até nós a mensagem divina não é indagar o que a
Igreja do Deus Vivo sempre nos ensinou e nos ensina. É tomar a Bíblia e
diretamente interpretá-la cada um, de acordo com a sua própria capacidade. A
ideia pode, à primeira vista, fascinar alguns espíritos ciosos de liberdade
(liberdade mal entendida, pois não temos liberdade para formular a doutrina
religiosa a nosso modo) alguns espíritos cheios de ódio e de prevenção contra a
Religião Católica e portanto indispostos a aceitar os seus ensinamentos, mas bem
analisada se vê claramente que é ideia de um louco.

A mensagem de Deus é para todos.

204. Se não é a Igreja quem nos ensina a doutrina de Cristo, mas vamos dizer a
todos, sem exceção: “Aqui está a Bíblia; leia e interprete Você mesmo; assim
Você aprende diretamente a doutrina revelada”, topamos logo adiante de uma
grande dificuldade. Muitos dirão: “Meu filho, se para aprender a doutrina é
preciso saber ler, neste caso estou perdido, porque sou analfabeto.”

Os protestantes em geral se mostram bastantes zelosos em abrir escolas aqui e


acolá e em espalhar Bíblias muito baratas para que todos a leiam e assim tenham
a palavra de Deus diante de seus olhos. Suponhamos mesmo que graças a seus
esforços não haja dentro de alguns anos alguns no mundo nenhuma pessoa
analfabeta, pelo menos de certa idade em diante. Está muitíssimo difícil, mas
vamos fazer esta suposição para agradar aos protestantes. Isto porventura resolve
o caso de milhões e milhões de pessoas que durante estes 2.000 anos já existiram
e que se viram privadas de aprender a doutrina de Cristo pelo sistema
protestante? Quantos analfabetos já houve desde o 1º século da era cristã até os
dias de hoje? Além disto, nós sabemos que a arte tipográfica só veio a ser
aperfeiçoada por Gutenberg e no século XV; e a indústria do papel, introduzida
na Europa no século Xº, só veio a ter pleno desenvolvimento no século XIV.
Durante muitos séculos os livros eram caríssimos: 1º porque eram feitos de
papiro ou pergaminho; 2º porque eram todos escritos ou COPIADOS À MÃO. Um
livro volumoso representava o trabalho paciente de um copista durante vários
meses e, às vezes, durante vários anos. No tempo da invenção de Gutenberg,
uma Bíblia manuscrita custava 500 florins, o que era naquele tempo soma bem
considerável; já em 1462, sete anos mais tarde, uma Bíblia impressa era vendida
por 30. Durante muito tempo, portanto, foi impossível que todos os que
soubessem ler conseguissem a sua Bíblia; não havia Bíblias nem para a décima
parte e custavam uma fortuna.

Hoje está tudo muito mais fácil e mais simples neste sentido, não há dúvida
alguma. Porém os protestantes mostram que souberam herdar neste ponto o
velho egoísmo de Lutero; eles fazem as suas teorias, estabelecem os seus
sistemas de ensino, como se o Cristianismo só tivesse começado a existir no
século XVI, depois que surgiram os novos “profetas” Lutero e Calvino. Não. O
Cristianismo vem do 1º século da nossa era. E tem que vir também dessa época o
MEIO que Jesus deixou para os homens aprenderem a sua doutrina e para ficar
esta ao alcance de todos, porque Deus quer que todos os homens cheguem ao
conhecimento da verdade. Se este meio por Ele estabelecido fosse apenas
espalhar Bíblias e mandar cada um ler e interpretar como pode, neste caso Ele
deveria ter logo ensinado aos seus Apóstolos e aos propagadores de sua Religião
como se devia fabricar o papel, e qual o meio melhor de imprimir (o que só veio
a ser descoberto por Gutenberg em 1455) e deveria ter também deixado logo esta
ordem: Quem quiser aprender a minha doutrina, entre primeiro numa escola para
aprender o á-bê-cê!

A Bíblia não foi escrita em português.

205. Mas será o fato de imprimir-se a Bíblia e de se colocar a mesma na mão de


todos que vai resolver a questão? Entre os que sabem ler há uma enorme
graduação: desde os que nós chamamos semianalfabetos, os quais mal sabem
assinar o nome e mal sabem interpretar fielmente as histórias singelas que traz
uma Cartilha Infantil, até homens cultos e letrados que fizeram seu curso
ginasial e superior e depois disto continuaram a enriquecer com proveitosas
leituras sua própria erudição. Mas, por mais competente que seja um homem
para bem interpretar o sentido de um texto escrito em português, é preciso notar
que a Bíblia não foi escrita nesta língua, mas em grego e em hebraico e que num
ou noutro caso, reflete o modo de falar usado pelo menos há 2.000 na Palestina,
onde se falava uma língua oriental bem diversa da nossa. Ora, nós sabemos que
nem sempre a palavra de uma língua encontra um perfeito sinônimo em outra;
para bem penetrarmos, por nós mesmos, o sentido da Bíblia, é indispensável um
bom conhecimento do hebraico e sobretudo, do grego, que é o que mais nos
interessa no Novo Testamento. Vê-se frequentemente que os pastores
protestantes, ao explicar certas passagens da Bíblia, fazem alusão ao texto grego,
porque, dizem, é preciso recorrer a ele, a fim de lhes penetrar o verdadeiro
sentido. Não há aí uma implícita condenação do livre-exame? Se para entender
bem certos trechos das Escrituras, é preciso recorrer ao grego, e O GREGO, BEM
POUCAS PESSOAS O SABEM, como é então que se diz, a todas as pessoas a quem se
entrega a Bíblia, que elas tem capacidade para interpretá-la?

Pode-se cair em erros gravíssimos pelo fato de não se atentar bem na índole das
línguas orientais e sobretudo daquela que usou Jesus porque era a que se falava
na Palestina no seu tempo (língua, por exemplo, na qual, em lugar de se
responder — SIM — se respondia: Tu o disseste. Eu te conjuro, pelo Deus Vivo,
que nos digas se tu és o Cristo, Filho de Deus. Respondeu-lhe Jesus: Tu o
disseste — Mateus XXVI-63 e 64, e em que Jesus muitas vezes, em lugar de
dizer Eu, dizia: O Filho do Homem; língua em que palavras tão simples como
INFERNO, IRMÃOS, ADORAR, CONHECER etc, podem ter exatamente o mesmo sentido
que tem no nosso idioma, ou podem assumir de uma hora para outra um sentido
diferente) [26]; é o que mostraremos no último capítulo, quando veremos que
interpretando mal uma frase de S. Mateus, precisamente por causa da
diversidade de índole entre as línguas orientais antigas e o português, alguns
protestantes caem no erro de ver ali um argumento contra a virgindade perpétua
de Maria SSma (nº 399).

Notas (pular)

[26] Sobre o sentido de INFERNO, IRMÃOS e ADORAR vejam-se os nos 166, 382 e 400. CONHECER na Bíblia
tanto pode significar ter relações carnais (Lucas I-34), como pode incluir a ideia de fidelidade e submissão
(1ª João II-3 e 4). (voltar)

Entendes o que estás lendo? (Atos VIII-30)

206. Mesmo que não houvesse dificuldade quanto à língua e que todos tivessem
grandes conhecimentos do grego e do hebraico para ler a Bíblia, conhecendo
perfeitamente até onde as palavras em português exprimem exatamente o sentido
do texto original, ainda assim não estaria resolvida a toda a questão. A Bíblia é,
por sua natureza, um livro de interpretação dificílima. Algumas de suas
passagens são tão claras e tão singelas que qualquer criança é capaz de entendê-
las; isto não se pode negar. Outras, porém, tão árduas e tão intrincadas que os
maiores sábios e os mais eruditos quebram a cabeça para decifrá-las. Não
venham os protestantes querendo negar isto e afirmar que tudo na Bíblia é muito
simples e muito fácil, porque é a própria Bíblia que nos declara que há nela
muitas coisas difíceis de entender.

S. Pedro fala a respeito das epístolas de S. Paulo nas quais HÁ ALGUMAS COISAS
DIFÍCEIS DE ENTENDER, as quais adulteram os indoutos e inconstantes (2ª Pedro III-
16). Nos Atos dos Apóstolos se lê que Filipe encontrou o eunuco a ler o Profeta
Isaías e lhe perguntou: Crês porventura que ENTENDES o que estás lendo? (Atos
VIII-30). E o eunuco lhe responde: E como o poderei eu ENTENDER, se não houver
alguém que mo explique? (Atos VIII-31). Esta mesma palavra, nós poderemos
ouvi-la de inúmeros protestantes, os quais tantas e tantas vezes nós vemos pelos
seus programas de rádio fazendo as mais banais interrogações sobre textos bem
simples e bem claros da Bíblia, sinal de que muito mais se perturbarão diante de
outros textos muito mais difíceis e complicados. Um protestante pergunta o
sentido da Bíblia ao seu pastor (sinal de que não sabe por si mesmo interpretá-la;
e tem o pastor a certeza de que o sabe?); o católico também o pede ao sacerdote.
Mas a diferença é muito grande no resultado: o pastor segue o livre exame,
interpreta a Bíblia pela sua própria cabeça, muitas vezes não tem firmeza naquilo
que ensina, pode até mudar de opinião de um dia para outro e ser desmentido por
outro pastor protestante que segue orientação diversa. O padre católico expõe, ao
contrário, a interpretação tradicional que vem desde o princípio, desde os tempos
dos Apóstolos e que se firma na experiência multissecular que tem a Igreja do
seu trato com as Escrituras.

Mesmo após a ressurreição do Mestre, são os próprios Apóstolos que, depois de


tudo passado, ainda não entendem bem o sentido das Escrituras e é preciso que
Jesus lhes explique. Então lhes abriu o entendimento para alcançarem o sentido
das Escrituras (Lucas XXIV-45). Para que se mostrassem seguros na sua
interpretação, foi preciso que o Espírito Santo os iluminasse profusamente no dia
de Pentecostes. A Bíblia, portanto, está muito longe de ser este livro assim tão
claro, como querem os protestantes, que se põe na mão de todos, para que todos
o interpretem por si mesmos e de acordo com as suas próprias luzes.
A diversidade de gêneros.

207. Uma das dificuldades que encontramos na Bíblia reside na sua imensa
variedade. Livro escrito em várias épocas e composto por muitas pessoas
diversas (conservando, apesar da inspiração vinda de Deus, o estilo e as
características de cada uma) a Bíblia abrange todos os gêneros literários e
acrescenta outros gêneros próprios. Ora é a linguagem clara e prática daquele
que legisla ou a linguagem simples e precisa do historiador. Ora é o estilo
epistolar, umas vezes mais chão, outras vezes mais elevado. Ora a linguagem
imaginosa e ardente do poeta, seja poesia lírica, como na maioria dos Salmos,
seja poesia mística, como no Cântico dos Cânticos, seja poesia didática, como
nos livros de máximas, os Provérbios por exemplo. E, além dos gêneros em uso
na literatura profana, a Bíblia tem ainda o estilo profético e apocalíptico do qual
faz parte necessariamente a obscuridade, estilo enigmático, simbólico e
alegórico. Um pobre homem que não tenha grande cultura literária, que está
acostumado a tudo quanto lê tomar ao pé da letra, no sentido material da palavra,
se perde completamente na leitura da Bíblia.

A doutrina no Novo Testamento.

208. Mas dirão os protestantes: Esta grande diversidade de gêneros se observa


sobretudo no Antigo Testamento. No Novo, fora o Apocalipse que apresenta as
dificuldades do estilo profético e alegórico, vemos o estilo histórico nos
Evangelhos e nos Atos, e o estilo epistolar nos demais livros. Assim, mesmo que
se deixe o Apocalipse para os grandes entendidos no assunto, temos os
Evangelhos, os Atos, as Epístolas para daí extrairmos a doutrina de Jesus.

— Pois, a dificuldade reside precisamente nisto: é que o Novo Testamento foi


escrito em gênero histórico e gênero epistolar e daí temos que extrair toda uma
doutrina.

Os Evangelhos e os Atos e as Epístolas não foram escritos com a ideia


preconcebida de expor metodicamente a doutrina de Jesus. Neste caso teriam
exposto esta doutrina de uma maneira ordenada, como quem faz um catecismo
ou um compêndio de teologia: primeiro um assunto, depois outro etc.

A preocupação dos Evangelistas é narrar a vida de Jesus, mais ou menos de


acordo com a ordem cronológica, assim como a preocupação de S. Lucas nos
Atos é narrar os primeiros acontecimentos da vida da Igreja. As Epístolas são
escritas de acordo com os assuntos especiais que merecem a atenção das pessoas
a quem se dirigem. A doutrina vem toda esparsa aqui e acolá e para entender
bem um texto é preciso compará-lo com todos os textos paralelos que os
completam e explicam. Jesus Cristo não ensinou toda a sua doutrina de uma vez,
mas a foi revelando aos poucos, de acordo com as circunstâncias; é preciso
muito método, MUITA HONESTIDADE, muito conhecimento das Escrituras para saber
coordenar, sistematizar os seus ensinos, fazendo um corpo de doutrina de tudo o
que Ele afirmou.

E nem tudo o que ensina a Bíblia se aplica a todos os casos; cada palavra tem a
sua aplicação especial; é preciso bastante sabedoria e iluminação do Espírito
Santo para dar a cada texto a aplicação adequada.

A interpretação tem que ser total e não parcial.

209. Interpretar a Bíblia não é valer-se de uns textos, querer basear-se neles para
formular uma determinada doutrina e sacrificar muitos outros, como quem abre
no seio da floresta um caminho próprio, derrubando e queimando árvores.
Temos que acertar o caminho, mas deixando intacta a floresta.

Por isto, quando nos firmamos em certos textos e nos apresentam na Bíblia
outros que são, ou pelo menos, parecem CONTRÁRIOS ao nosso ponto de vista,
cabe-nos a obrigação de explicá-los TODOS, de modo que se conciliem e
harmonizem, sem falsear, nem torcer, nem adulterar nenhum deles.

A tarefa é árdua, mesmo para as mais agudas inteligências.

Tanto na interpretação da Bíblia como no estudo de qualquer ciência, podem


aparecer estes casos em que o estudioso precisa de uma argúcia especial para
conciliar duas coisas que parecem inconciliáveis. Mas enquanto, no estudo das
ciências, o homem pode suspender o seu julgamento, dizer simplesmente: “É
uma questão discutida; a ciência ainda não resolveu este problema, vou
continuar estudando, pode ser que mais tarde eu encontre a solução exata e se eu
morrer e não a descobrir, outros descobrirão depois”, no estudo da Bíblia não é
assim: a Bíblia versa sobre problemas que nos dizem respeito mui de perto, e
que exigem pronta e imediata solução; trata-se da salvação de nossa alma e nós
podemos morrer a cada instante. A criança, o adolescente, o jovem têm também
podemos morrer a cada instante. A criança, o adolescente, o jovem têm também
a necessidade de possuir uma certeza absoluta a respeito de todos os pontos do
verdadeiro ensino de Jesus, não podem ficar esperando para chegar a uma
conclusão depois de vários anos de vigílias e de estudos. O mesmo se diga de
tantos homens que vivem atarefados dia e noite para conseguirem o pão de cada
dia; precisam de alguém que lhes ensine a verdade religiosa, mas com absoluta
firmeza e autoridade, não como quem expõe apenas teorias e opiniões próprias,
porque não têm tempo para tomar esta sobrecarga de estar comparando os textos
da Bíblia, uns com os outros, para daí extrair a legítima doutrina.

Prodígios e carismas.

210. É precisamente pelo fato de vir a doutrina inserta em livros históricos e


epistolares, que se torna difícil na Bíblia separar a doutrina, que permanece,
daquilo que é transitório, sendo próprio exclusivamente dos inícios da Igreja.

A Igreja esteve, nos primeiros dias, em condições especiais e extraordinárias,


que eram necessárias para o seu desenvolvimento. Os carismas, os milagres não
podiam ser frequentes nos tempos posteriores como no início da Igreja. Quando
esta precisava propagar-se rapidamente, eles serviam de prova da sua origem
divina. Depois de propagada a Igreja, tais manifestações extraordinárias teriam
que aparecer com mais raridade, do contrário desapareceria o merecimento da fé.
Viciados a ver milagres a toda hora, a todo instante, os fiéis podiam incorrer na
censura de Jesus: Vós, se não vedes milagres e prodígios, não credes (João IV-
48), quando a perfeição da fé se traduz por estas palavras: Bem-aventurados os
que não viram e creram (João XX-29). A doutrina revelada tem que ficar
intacta; as verdades que Jesus nos ensinou, ou diretamente ou por intermédio dos
seus Apóstolos, têm que permanecer de pé; mas a Igreja dos nossos dias não
pode funcionar da mesma maneira que a Igreja primitiva, pois as circunstâncias
são diversas.

E é neste ponto que os protestantes têm caído em erros verdadeiramente infantis


e às vezes até lamentavelmente ridículos. No seu empenho de demonstrar que a
Igreja Católica muito se afastou da Igreja primitiva e na ânsia de se mostrarem
perfeitos imitadores dos primeiros cristãos, não recuam nem diante de
verdadeiras palhaçadas. Que são as ridicularias tantas vezes praticadas pelos
Pentecostais senão uma consequência desses enganos fatais, a que está sujeito o
livre exame? Não há dúvida que o Espírito Santo desceu visivelmente sobre os
livre exame? Não há dúvida que o Espírito Santo desceu visivelmente sobre os
Apóstolos e sua presença se mostrou de maneira extraordinária pelo dom das
línguas. Não há dúvida que naqueles primeiros dias houve até simples fiéis que
receberam o Espírito Santo com estas manifestações prodigiosas que chamavam
a atenção de todos para a divindade da Igreja, a qual então se começava a
propagar. Mas, porque a Bíblia faz menção desses fatos, segue-se daí que
exatamente o mesmo deva acontecer em todos os tempos?

Ora, o caso é que os Pentecostais querem mostrar serem cristãos legítimos,


cristãos iguais aos dos primeiros tempos da Igreja. Têm, portanto, que receber o
Espírito Santo com o dom das línguas; têm que falar línguas estranhas e para isto
se põem a articular sons sem sentido e palavras desconexas. E em algumas de
suas reuniões, o “Espírito Santo” se tem manifestado através de risos, choros,
gritos e ataques. As outras seitas muitas vezes se têm rebelado contra eles,
chamando-os de feiticeiros etc. Mas que podem elas fazer? Estão os Pentecostais
apenas “interpretando” a Bíblia pelo livre exame e querendo voltar exatamente à
Igreja primitiva, o que é de fato o ideal que se propuseram as seitas protestantes

O celibato na Igreja primitiva e na atual.

211. Outro erro infantil e este agora comum a quase todas as seitas evangélicas
é o seu engano a respeito do celibato eclesiástico. Ninguém que tenha uma
noção, embora vaga, do que é a doutrina do Cristianismo, doutrina de vitória
sobre si mesmo, de domínio do espírito sobre a matéria, de desprendimento do
mundo e das criaturas, ninguém em boa lógica vai negar quão meritório seja aos
olhos de Deus o gesto daquele que, para melhor servir ao mesmo Deus, se Lhe
consagra totalmente de corpo e alma, pelo voto de virgindade. A Igreja é a
primeira a reconhecer que legítimo, honroso e santo é o estado do matrimônio,
estado em que forçosamente se coloca a maioria. Mas, se no meio dos cristãos há
alguns que, por vocação especial de Deus, se querem dedicar inteiramente a Ele
pelo voto de perfeita castidade, este estado sem dúvida alguma é mais santo e
mais perfeito ainda. Nosso Senhor faz abertamente no Evangelho uma alusão a
este estado especial: Nem todos são capazes desta resolução, mas somente
aqueles a quem isto foi dado. Porque há uns castrados que nasceram assim do
ventre de sua mãe; e há outros castrados, a quem outros homens fizeram tais; e
há outros castrados que a si mesmos se castraram por amor do Reino dos Céus.
O que é capaz de compreender isto, compreenda-o (Mateus XIX-11 e 12). É
claro que Nosso Senhor não fala, aí no terceiro caso, de uma mutilação física,
como entendeu mal Orígenes; é uma operação do espírito pela qual alguém com
generosidade e sacrifício se vota ao serviço divino, renunciando os prazeres da
carne. Nem todos são capazes deste sacrifício; é um dom de Deus, mas um dom
que é dado “àqueles que o pedem, que o desejam e que se esforçam por adquiri-
lo”, como observa S. Jerônimo [27]. O que aos homens é impossível, é possível
a Deus, explicará Nosso Senhor neste mesmo capítulo do Evangelho (Mateus
XIX-26). O que o homem não é capaz de fazer por suas próprias forças, poderá
fazê-lo com o auxílio especial da graça divina, de modo que disse S. Paulo: Tudo
posso naquele que me conforta (Filipenses IV-13). Deus não nega este dom da
castidade perfeita àqueles que o pedem de todo o coração, que empregam todos
os meios para consegui-lo e depois conservá-lo, principalmente quando,
distinguidos com uma VERDADEIRA VOCAÇÃO, precisam deste dom para melhor se
dedicarem ao serviço do Reino dos Céus.

S. Paulo, na 1ª Epístola aos Coríntios, fala também abertamente a respeito da


superioridade do estado de continência perfeita sobre o de matrimônio. O que
está sem mulher está cuidadoso das coisas que são do Senhor, de como há de
agradar a Deus; mas o que está com mulher está cuidadoso das coisas que são
do mundo, de como há de dar gosto a sua mulher e anda dividido. E a mulher
solteira e a virgem cuida nas coisas que são do Senhor, para ser santa no corpo
e no espírito, mas a que é casada cuida das coisas que são do mundo, de como
agradará ao marido. Na verdade digo-vos isto para proveito vosso; não para
vos ilaquear, mas somente para o que é honesto e que vos facilite a orar ao
Senhor sem embaraço (1ª Coríntios VII-32 a 35).

Jesus Cristo, modelo da mais elevada perfeição humana, foi castíssimo. Se o


estado de matrimônio fosse mais perfeito que o de virgindade, como querem
muitos protestantes, Ele estaria, com relação a muitos outros homens, em
situação de inferioridade.

Castíssimos foram também sua Mãe, Maria SSma e S. José; alguns protestantes
ousam negá-lo, mas sobre isto falaremos no capítulo final. Castíssimo foi
também o seu precursor S. João Batista e se dentre os apóstolos a sua predileção
era para S. João Evangelista, a causa disto era a sua virgindade, de modo que diz
S. Jerônimo: “O Apóstolo João, um dos discípulos do Senhor que, segundo nos
refere a tradição, foi o mais moço entre os Apóstolos, aquele que a fé cristã tinha
encontrado virgem e virgem permaneceu, por isto é mais amado pelo Senhor e
descansa sua cabeça sobre o peito de Jesus; e aquilo que Pedro que tinha tido
mulher não ousa interrogar, pede a ele que interrogue... Quando estavam na
barca e pescavam no lago Genesaré, Jesus estava na praia e os Apóstolos não
sabiam a quem viam; só o virgem reconhece o Virgem e diz a Pedro: É o
Senhor.” (Contra Jovinianum – Livro nº 26).

Quanto aos outros Apóstolos que eram casados quando foram chamados pelo
Mestre, tudo indica que eles deixaram as suas esposas para seguir a nova
vocação. Porque, quando Nosso Senhor lhes disse: Todo o que deixar por amor
do meu nome a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou A MULHER,
ou os filhos, ou as fazendas, receberá cento por um e possuirá a vida eterna
(Mateus XIX-29), S. Pedro Lhe havia dito naquela mesma hora: Eis aqui
estamos nós, que deixamos TUDO e te seguimos (Mateus XIX-27).

Não há, em todo o Novo Testamento, o mínimo vestígio de que os Apóstolos


continuassem a viver com suas esposas, depois que começaram a seguir o
Divino Mestre; delas se desligaram, é o que nos refere a tradição.

O texto em que querem basear-se os protestantes para afirmar o contrário vem


muito desastradamente fora de propósito. Argumentam eles com o seguinte
versículo de S. Paulo: Acaso não temos nós poder para levar por toda a parte
UMA MULHER IRMÃ, assim como também os outros Apóstolos e os irmãos do Senhor
e Cefas? (1ª Coríntios IX-5). Ora, dizem eles, esta palavra MULHER corresponde
no texto grego à palavra GYNÉ, a qual significa mulher casada. Assim os
Apóstolos levavam consigo uma mulher casada. Mas não se pode conceber que
uma mulher casada deixasse em casa seu marido para acompanhar um Apóstolo
por toda a parte; logo, se trata de uma mulher casada com o próprio Apóstolo.

— Primeiro que tudo, é necessário que se observe o contexto. S. Paulo aí neste


capítulo não está tratando absolutamente do problema da castidade, mas sim do
direito à subsistência, da capacidade de prover às coisas materiais necessárias à
vida, por isto tinham os Apóstolos o direito de levar consigo UMA MULHER IRMÃ
para cuidar desses problemas materiais de alimentação, hospedagem etc. Assim
é que no versículo anterior havia dito: Porventura não temos nós direito de
comer e de beber? (1ª Coríntios IX-4) e um versículo mais adiante Quem jamais
vai à guerra à sua custa? Quem planta uma vinha e não come do seu fruto?
Quem apascenta um rebanho e não come do leite do rebanho? (1ª Coríntios IX-
7).
S. Paulo aí está falando em seu nome e no de Barnabé. Ora, sabe-se muito bem
que S. Paulo era SOLTEIRO, praticava e aconselhava o celibato: Digo também aos
SOLTEIROS e às viúvas que lhes é bom se permanecerem assim, como também eu.
Mas se não têm dom de continência, casem-se (1ª Coríntios VII-8 e 9).

Pois bem, se S. Paulo que era reconhecidamente solteiro falava no direito que
tinha de levar para toda parte UMA MULHER IRMÃ, aí se trata de uma mulher que
honestamente vá ajudá-lo prestando serviços domésticos, mas não que vá servir-
lhe dormindo no mesmo leito; assim S. Paulo estaria dizendo que lhe cabia o
direito de escolher uma mulher dentre as cristãs, dentre as irmãs na fé e levá-la
como concubina nas suas viagens, o que seria o maior absurdo. Se S. Paulo
quisesse referir-se a este assunto, como afirmam os protestantes, teria que dizer
assim: Não tenho eu o direito de casar-me e levar para toda parte a minha
esposa? porque é claro que precisava casar-se primeiro para andar com uma
esposa por toda parte. Não seria UMA MULHER IRMÃ qualquer; seria a mulher dele e
ninguém mais.

E toda esta argumentação protestante se baseia num ponto inteiramente falso. A


alusão ao grego é, neste caso, descabida, porque não é verdade que GYNÉ em
grego signifique necessariamente mulher casada. GYNÉ tem exatamente o mesmo
sentido que tem a palavra MULHER português. É claro que quando se diz em
português: a mulher de Francisco; Francisco repudiou sua mulher — aí a palavra
MULHER significa esposa. Mas daí não se segue que MULHER só pode ser casada.
Se eu digo: Chegou aqui uma mulher; o homem e a mulher são obras de Deus;
procure uma mulher e se case — é claro que aí não tem o mesmo sentido.

Se a Bíblia diz: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, TUA MULHER
(Mateus I-20) Herodes... o meteu no cárcere por causa de Herodias, MULHER DE
SEU IRMÃO (Mateus XIV-3), a palavra GYNÉ, tal qual a palavra MULHER em
português, significa esposa. Mas, quando diz: Iam-se batizando homens e
MULHERES em nome de Jesus Cristo (Atos VIII-12) toda MULHER que faça oração
ou que profetiza não tendo coberta a cabeça desonra a sua cabeça (1ª Coríntios
XI-5) é coisa indecente para uma MULHER o falar na igreja (1ª Coríntios XIV-35)
orem também as MULHERES em traje honesto, ataviando-se com modéstia e
sobriedade (1ª Timóteo II-9) tinham os cabelos como os cabelos das MULHERES
(Apocalipse IX-8), em todos estes casos se emprega no texto grego da Bíblia a
palavra GYNÉ, mas aí sem nenhuma consideração ao estado civil: casada, solteira
ou viúva.
São exemplos estes do Novo Testamento.

O Antigo Testamento também está cheio deles. Repare o leitor nos seguintes
textos, em que aparece a palavra MULHER no sentido geral, mesmo que não seja
casada: O homem ou MULHER, em cuja cabeça ou barba brotar a lepra serão
reconhecidos pelo sacerdote (Levítico XIII-29) a MULHER não se vestirá de
homem (Deuteronômio XXII-5) eu vi em Tamnata uma MULHER das filhas dos
filisteus; rogo-vos que ma deis por esposa (Juízes XIV-2) se um homem ou uma
MULHER entrar sem ser chamado na câmara do rei, no mesmo ponto sem recurso
é morto (Ester IV-11) a MULHER de engraçada compostura alcançará glória
(Provérbios XI-16). No texto grego do Antigo Testamento, ou seja, na versão
dos Setenta, o termo correspondente é sempre GYNÉ.

Não era preciso citarmos tantos textos da Bíblia (fazemo-lo apenas porque os
protestantes são em geral muito teimosos) bastava um bom dicionário para
resolver esta questão. Veja-se o Dicionário de Bailly: GYNÉ: 1º Mulher, por
oposição a homem, sem consideração de idade, nem de condição, casada ou não;
2º Mulher, esposa; 3º Mulher mortal, por oposição a deusa.

Portanto, quando diz o Apóstolo UMA MULHER IRMÃ não está fazendo a menor
referência ao estado civil. E é mostrar completo desconhecimento do grego
afirmar que a palavra correspondente nesta língua, significa forçosamente
mulher casada [28]. É claro que S. Paulo aí pode referir-se, primeiro que tudo, a
mulheres viúvas e de idade já avançada, postas a serviço da Igreja, conforme se
lê na Epístola a Timóteo: A viúva seja eleita, não tendo menos de sessenta anos,
a qual não haja tido mais dum marido (1ª Timóteo V-9).

Os Apóstolos praticaram a continência perfeita depois que começaram a seguir o


Mestre. Mas acontece que para a propagação do Evangelho, propagação que
logo se tornou prodigiosamente rápida, os Apóstolos precisavam de muitos
outros que participassem com eles dos poderes do sacerdócio: bispos ou
presbíteros e diáconos. Donde haviam de ser tirados estes novos ministros de
Deus? Ou dos judeus, ou dos gentios. Tanto entre os gentios, como entre os
judeus, salvo raríssimas exceções, ninguém tinha ideia desta nova concepção das
vantagens da virgindade, a qual veio justamente com as palavras acima citadas
de Nosso Senhor Jesus Cristo e de S. Paulo. Se os próprios protestantes, apesar
de cristãos, apesar de falarem tanto em espiritualidade, fazem tantas caretas
quando se lhes fala em virgindade para homens, que se dirá dos pagãos e dos
judeus, quando estes últimos até a indissolubilidade do matrimônio, pregada por
Nosso Senhor, queriam achar demasiado pesada? Estes bispos ou presbíteros
haviam de ser, na maioria dos casos, tirados dentre os homens já respeitáveis
pela sua idade, que se haviam convertido ao Cristianismo, muitos deles, na
velhice ou na idade madura, quando, portanto, já eram casados. Impor a lei do
celibato, obrigar todos estes casados a abandonar suas próprias esposas não era
conveniente NAQUELAS CIRCUNSTÂNCIAS; as ideias cristãs não tinham amadurecido
ainda entre os homens, para que se firmasse a lei do celibato eclesiástico. Tinha
que haver, portanto, bispos ou presbíteros e diáconos casados.

Entretanto a Bíblia, por boca de S. Paulo, mostrando mais uma vez a importância
da castidade para os ministros de Deus, faz uma restrição muito interessante;
entre as qualidades exigidas para ser bispo, S. Paulo apresenta esta: que se tenha
casado uma só vez. Não é que sejam proibidas pelo Cristianismo as segundas
núpcias; mas elas denotam um decréscimo de perfeição, um certo apego às
coisas carnais, o que não era decente para aqueles que estavam destinados a tão
altas funções. Assim como a viúva escolhida para o catálogo oficial daquelas
que haviam de prestar maiores serviços à Igreja devia estar entre as que não
houvessem tido mais de um marido (1ª Timóteo V-9), portanto que se tivessem
casado uma só vez, assim também exige S. Paulo o mesmo dos bispos: Importa,
logo, que o bispo seja irrepreensível, ESPOSO DUMA SÓ MULHER, sóbrio, prudente,
concertado, modesto, amador da hospitalidade, capaz de ensinar (1ª Timóteo
III-2). S. Paulo aí não está dizendo que o bispo deve ter uma mulher só e não
duas; pois isto não é novidade, uma vez que qualquer cristão está também neste
caso: a nenhum homem é lícito ter duas esposas. Nem se está limitando a dizer
que o bispo deve evitar o adultério; neste caso não teria usado esta expressão
ESPOSO DUMA SÓ MULHER; teria dito que o bispo deve ser inteiramente resguardado
de fornicação, de adultério ou de amizades ilícitas etc. S. Paulo está mostrando
apenas como as segundas núpcias não condizem bem com a dignidade de um
bispo, nem mesmo a de diácono, como ele dirá alguns versículos mais adiante
(1ª Timóteo III-12).

Os protestantes se valem desse texto para clamar: Estão vendo? A Igreja está
contra a Bíblia! A Igreja exige que seus padres e bispos sejam celibatários e
S. Paulo manda que os próprios bispos sejam casados.

— Mas isto é, antes de tudo, torcer o sentido das palavras de S. Paulo que não só
não ordenou que os bispos se casassem, mas até aconselhou o estado de
virgindade ou de continência perfeita às próprias pessoas do século: Digo
também aos solteiros e às viúvas que lhes é bom se permanecerem assim, como
também eu (1ª Coríntios VII-8); se fosse uma ordem para casar, por que motivo
então S. Paulo permaneceu celibatário? deveria ele ser o primeiro a dar o
exemplo.

E é também, como já explicamos, mostrar um completo desconhecimento da


diversidade de circunstâncias entre a Igreja primitiva e a Igreja atual. Nesta
diversidade, a Igreja atual leva manifestamente vantagem, porque pode agora,
com a difusão das ideias cristãs, manter uma sábia e santa lei que seria pesada
demais, que dificultaria, pela falta de sacerdotes, a propagação do Cristianismo,
nos tempos primitivos [29].

Notas (pular)

[27] É o que diz também o teólogo protestante Leibnitz: “Estejam certos os clérigos e religiosos de que,
para guardar a continência, quase mais nada é necessário além de evitar a ociosidade e as ocasiões perigosas
e ter uma vontade firme, graça esta que Deus não nega àquele que a pede com fervoroso empenho”
(Systema Theologicum nº 66). (voltar)

[28] Se o texto grego traz literalmente ADELPHÉN GYNAIKA (uma irmã mulher ou uma mulher irmã) cabe ao
intérprete da Bíblia explicar o que significa MULHER e o que significa IRMÃ aí no caso. O que não nos é lícito
de maneira alguma é alterar o texto sagrado. Por isto se mostra infiel e sectária a seguinte tradução que vem
na edição publicada em 1954 pela Sociedade Bíblica do Brasil: Porventura não temos o direito de levar
conosco UMA CRENTE COMO ESPOSA, como também, os outros apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefas? (1ª
Coríntios IX-5). Não só infiel e sectária, mas também desastrada. Tal qual como está redigida, a frase soa
mal aos nossos ouvidos; parece dar a entender que os Apóstolos, ao fazerem as suas viagens, tinham o
direito de lançar mão de uma crente qualquer e levá-la como esposa... (voltar)

[29] E quanto à alusão à passagem de S. Paulo que fala em alguns que apostatarão da fé, dando ouvidos a
espíritos de erro e a doutrinas de demônios... que PROIBIRÃO CASAREM-SE (1ª Timóteo IV-1 e 3) não vem
absolutamente ao caso. A Igreja não proíbe a ninguém casar-se. Apenas só aceita para sacerdote quem tenha
feito DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE o voto de castidade perfeita, voto que ela só permite que se faça
depois dos 21 anos de idade. A Igreja não obriga ninguém a ser padre; ao contrário lança a pena de
excomunhão sobre aquele que de qualquer modo obriga uma pessoa a abraçar o estado clerical ou a vida
religiosa. Aqueles que vão espontaneamente receber as ordens sacras é porque julgam, depois de maduro
exame, ter recebido esse dom de Deus de que fala Jesus Cristo no Evangelho (nem todos são capazes desta
resolução, mas somente aqueles a quem isto foi dado — Mateus XIX-11) e S. Paulo na sua Epístola aos
Coríntios (cada um tem de Deus seu próprio dom: uns na verdade duma sorte e outros doutra — 1ª
Coríntios VII-7).

S. Paulo aí na 1ª Epístola a Timóteo se refere a heresias que vão assolar os primitivos tempos da Igreja,
principalmente a partir do século 2º, como a dos encratistas que condenam o matrimônio e apontam como
ações absolutamente ilícitas o comer carne e o beber vinho, e a dos marcionistas, os quais tendo a carne
como má e fonte do pecado e achando que o casamento é um mal, porque multiplica neste mundo a
existência da carne, proíbem o casamento e a procriação a seus adeptos. Se S. Paulo diz que estas heresias
aparecerão NOS ÚLTIMOS TEMPOS, daí não se segue que seja coisa para o fim do mundo. O Apóstolo se
reporta a um oráculo revelado pelo Espírito a um profeta e na linguagem profética os tempos messiânicos
são chamados os ÚLTIMOS TEMPOS (veja-se Atos II-15 a 17). Os primeiros tempos da Igreja já são chamados
na Bíblia a última hora, os últimos tempos (1ª João II-18; Judas versos 17 e 18). E mesmo seria ridículo que
S. Paulo estivesse fazendo recomendações especiais a Timóteo (propondo isto aos irmãos serás um bom
ministro de Cristo — 1ª Timóteo IV-6) sobre erros que só houvessem de aparecer lá para o fim do mundo.
(voltar)

Os católicos já estão evangelizados.

212. Se se quiser bem apreciar outro caso em que demonstram os protestantes


uma extrema ingenuidade na confusão que fazem entre a Igreja dos primeiros
dias e a de hoje, basta ver o modo como se faz a pregação de suas seitas.

É claro que nos primeiros dias da Igreja, quando o mundo inteiro, à exceção dos
judeus, se achava mergulhado no paganismo, e os próprios judeus, na sua grande
maioria, tinham rejeitado a Nosso Senhor Jesus Cristo, a pregação dos Apóstolos
e dos primeiros evangelizadores consistia em levar ao mundo o conhecimento e
a fé em Jesus, que os gentios não conheciam e em quem os judeus não
acreditavam. A insistência mesma com que se fala em crer em Jesus para salvar-
se, está adaptada àqueles tempos. Tinham aparecido muitos sábios, muitos
filósofos pregando várias doutrinas; mas Jesus não era um sábio como muitos
outros que a gente ouve, aprova e segue, se quiser; Jesus é o Filho de Deus.
Quem nEle se recusa a crer, não pode salvar-se; quem nEle crê com toda a alma,
está salvo, está no caminho da salvação, pois quem nEle crê de verdade, com fé
firme, lógica e coerente, observa fielmente a sua lei, pratica perfeitamente tudo
quanto Ele manda.

Esta pregação sobre Jesus Cristo, sua vida, suas perfeições, seus diversos
atributos, já a Igreja vem fazendo há 20 séculos e já, vinha fazendo, havia 15
séculos, quando o Protestantismo apareceu sobre a face da terra. E a Igreja que
tem sustentado contra os hereges a tese de que Jesus Cristo é Deus,
Consubstancial ao Pai, tendo as duas naturezas divina e humana; que tem
ensinado que Ele é o nosso Salvador que morreu por todos os homens e que é o
autor da salvação eterna PARA TODOS OS QUE LHE OBEDECEM (Hebreus V-9); ela
vem ensinando a sua lei, vem batizando como Ele ordenou, para que os homens
se tornem cristãos. E na sua liturgia, com cuidado especial, vai distribuindo o
ano em várias festas religiosas, para que os fiéis saboreiem, a um por um, nas
suas diversas particularidades, os mistérios da vida de Jesus: seu nascimento (a
25 de dezembro), sua circuncisão (a 1º de janeiro), a adoração dos Magos (a 6 de
janeiro), seu primeiro milagre em Caná de Galileia (2º domingo depois da
Epifania), sua tentação no deserto (1º domingo da Quaresma), sua transfiguração
(2º idem), sua entrada triunfal em Jerusalém (domingo de Ramos), sua paixão e
morte, sua ressurreição, sua ascensão aos Céus, sua presença no SSmo
Sacramento do Altar. Jesus ora é apresentado como o Bom Pastor (2º domingo
da Páscoa), ora como um Rei (Festa de Cristo-Rei, no último domingo de
outubro) etc, etc. Cada domingo se toma um trecho especial de seu Evangelho
para explicar ao povo.

Pois bem, pelo simples fato de que no princípio se pregou a um mundo que não
cria em Jesus e não cria, antes de tudo, porque não o conhecia, hoje a pregação
dos protestantes tem que ser obrigatoriamente assim: vai-se falar em Jesus, como
se o mundo nunca houvesse ouvido falar neste nome e quase todas as pregações
dos protestantes terminam com este apelo que para nós, católicos, se mostra
perfeitamente irrisório: Queres conhecer a Jesus? Queres crer em Jesus? Aceitas
a Jesus, como teu Salvador?

Esta linguagem dá a entender que só entrando no Protestantismo é que se


conhece a Jesus, é que se crê nEle, é que se aceita Jesus como Salvador.

No entanto, esta CRENÇA em Jesus consiste em tomar a Bíblia nas mãos e ficar
com a liberdade de crer em Jesus da maneira que bem se entender. Se nos vier na
gana dizer que Jesus não é Deus, é um simples homem e por isto podia errar,
também está valendo, também isto é protestantismo e é livre interpretação da
Bíblia, porque o essencial para se crer em Jesus é... não se pertencer à Igreja
Católica. Se dissermos que para a salvação basta crer, não é preciso obedecer à
lei de Jesus, se dissermos que o homem não é livre e nossos pecados é Deus
quem os faz, se dissermos que Cristo não morreu por todos, mas só pelos
predestinados para o Céu, pois há alguns predestinados para o inferno... se
dissermos que não há SSma Trindade, que não há inferno, que os ímpios
desaparecerão completamente pois serão aniquilados, se dissermos que é mentira
que Jesus Cristo nos dê a sua carne para comer etc, etc, estamos crendo em Jesus
Cristo pelo sistema do livre exame, o qual consiste em ouvirmos as suas
palavras, dando-lhes o sentido que melhor nos aprouver. Só depois de ficarmos
com a liberdade de abusarmos da Bíblia para tentar justificar todas as heresias é
que atingimos a verdadeira fé... porque o que é contra a fé é somente aceitarmos
o que A IGREJA CRISTÃ E CATÓLICA, fundada por Jesus Cristo, vem ensinando desde
20 séculos.

Foi em reação contra este verdadeiro despropósito, que os habitantes de


Barbalha (Estado do Ceará) puseram à entrada de sua cidade um grande letreiro
com estes dizeres: ALTO LÁ, SRS. PROTESTANTES! BARBALHA DE S. ANTÔNIO JÁ ESTÁ
EVANGELIZADA! Assim como quem diz: O Jesus que Vocês nos vêm pregar já é
nosso velho conhecido: já a Igreja nos ensinou a ver nEle nosso Deus, Rei,
Pastor e Mestre; nosso Irmão, Amigo e Salvador.

Nem tudo está na Bíblia.

213. É precisamente porque foi escrito no gênero histórico e no epistolar, como


quem narra a vida de uma pessoa, ou os primeiros passos de uma instituição ou
como quem trata, em carta, de assuntos de urgência, que o Novo Testamento,
sem deixar de ser uma luminosa mensagem que nos aponta o caminho real da
salvação, focalizando a vida e os ensinamentos de Jesus e a constituição da
Igreja, ainda não é uma exposição minuciosa e completa de tudo o que nos é
necessário saber, no interesse mesmo da nossa própria alma.

Vamos dar um exemplo.

Sabemos que há uns pecados maiores do que outros; e que há pecados mortais e
veniais. O que me entregou a ti tem MAIOR PECADO (João XIX-11), disse Jesus a
Pilatos. Até de uma palavra inútil, havemos de prestar contas a Deus: De toda a
palavra OCIOSA que falarem os homens, darão conta dela no dia do juízo (Mateus
XII-36). E é claro que aquele que proferiu uma palavra inútil, porém não
ofensiva, não vai ser condenado ao inferno como está arriscado a sê-lo quem diz
uma palavra de calúnia ou de blasfêmia. Ninguém nega que nos é muito
importante saber quais são os pecados graves e os pecados leves. Mas a Bíblia
dá-nos indicações gerais, é certo (1ª Coríntios VI-9 e 10; Apocalipse XXII-15),
mas não nos faz uma exposição completa neste sentido.

Escritos os Evangelhos, não com a intenção de expor minuciosamente a


doutrina, ponto por ponto, mas principalmente de relatar a vida de Jesus (e
relatando a sua vida, vão relatando espaçadamente a sua doutrina), não nos
transmitem tudo quanto ensinou Jesus. S. João escreveu o último Evangelho
muitos anos depois dos três primeiros evangelistas. E no fim de tudo confessa
que está muito longe de ter escrito todos os acontecimentos da vida do Divino
Mestre: Muitas outras coisas, porém, há ainda, que fez Jesus, as quais, se se
escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os
livros que delas se houvessem de escrever (João XXI-25).

Os Atos nos mostram Jesus dando instruções especiais aos Apóstolos nos dias
que mediaram entre a ressurreição e a subida para os Céus: aparecendo-lhes POR
QUARENTA DIAS E FALANDO-LHES DO REINO DE DEUS (Atos I-3). Quais foram essas
instruções, a Bíblia não nos revela; mas com elas estavam os Apóstolos
completando os seus conhecimentos para ensinar ORALMENTE aos fiéis: Ide, pois,
e ensinai todas as gentes (Mateus XXVIII-19). Com elas estava Jesus Cristo
instruindo os seus Apóstolos sobre o modo como deviam reger a Igreja e exercer
nela o papel de dispenseiros dos mistérios de Deus (1ª Coríntios IV-1).

O que é fato é que os Atos nos mostram os Apóstolos impondo as mãos sobre
uns que já haviam sido batizados, a fim de que eles recebessem o Espírito Santo:
Pedro e João, os quais, como chegaram, fizeram orações por eles, a fim de
receberem o Espírito Santo; porque Ele ainda não tinha descido sobre nenhum;
mas somente tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus; então punham as
mãos sobre eles e recebiam o Espírito Santo (Atos VIII-14 a 17). E S. Paulo
falando, na Epístola aos Hebreus, dos rudimentos da fé que se ensinavam aos
primeiros cristãos, depois de referir-se à doutrina dos batismos (batismos no
plural, ou porque se explicava a doutrina sobre o batismo de água, o de sangue e
o de desejo, como querem S. Agostinho e S. Tomás, ou porque se ensinava a
distinção entre o batismo de João e o batismo de Cristo), se refere imediatamente
à imposição das mãos: Deixando os rudimentos dos que começam a crer em
Cristo; passemos a coisas mais perfeitas, não lançando de novo o fundamento
da penitência das obras mortas, e da fé em Deus, da doutrina sobre os batismos,
também do IMPOSIÇÃO DAS MÃOS, e da ressurreição dos mortos e do juízo eterno
(Hebreus VI-1 e 2). S. Tiago fala na unção feita sobre os enfermos pelos
presbíteros, acompanhada de oração, cerimônia esta que tem eficácia espiritual,
pois se o enfermo estiver em alguns pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tiago V-
15). Ora, esta imposição das mãos (Sacramento da Confirmação), esta unção
com óleo (Sacramento da Extrema-Unção) não podiam assim conferir a graça
sem serem instituídas e ordenadas por Nosso Senhor Jesus Cristo. Entretanto, os
Evangelhos não nos dizem com que palavras nem em que ocasião; os Atos é que
nos vêm dizer de modo geral, os Atos declarando que Jesus se manifestou aos
seus Apóstolos várias vezes depois da sua paixão, aparecendo-lhes por
quarenta dias e FALANDO-LHES DO REINO DE DEUS (Atos I-3).

Mesmo aquilo que está escrito explicitamente no Evangelho necessita de um


comentário para explicá-lo, porque o evangelista refere as palavras de Jesus, mas
não se encarrega, ele mesmo, de nos dizer quando Jesus está dando UM PRECEITO
para ser por todos observado ou apenas UM CONSELHO dirigido àqueles que
querem seguir na maior perfeição. É que o evangelista se mostra sempre como
um historiador (narra o que aconteceu, o que disse Jesus) e não como um teólogo
que nos vai explicar em que sentido se entendem aquelas palavras. Da mesma
forma que Jesus disse: Não queirais julgar, para que não sejais julgados
(Mateus VII-1), disse também: não resistais ao que aos fizer mal; mas, se
alguém te ferir na tua face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quer
demandar-te em juízo e tirar-te a tua túnica, larga-lhe também a capa (Mateus
V-39 e 40). A primeira citação pode ser tomada como um preceito para todos no
sentido de que não se deve fazer juízo temerário, nem andar fazendo cálculos
sobre as intenções do próximo. Mas no segundo caso se tratará também de um
preceito para todos? Sendo um preceito, não vão ficar os cristãos completamente
indefesos e sempre à mercê dos perversos e dos inimigos? Não é antes um
conselho de perfeição? É o que o Evangelho por si mesmo não nos explica.

Jesus disse: ABSOLUTAMENTE não jureis nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem
pela terra, que é o assento de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade
do grande Rei (Mateus V-34 e 35). Que quer dizer Nosso Senhor com este
ABSOLUTAMENTE? Que não devemos jurar nunca, nem mesmo quando somos
convidados a jurar em coisas sérias perante os tribunais — ou que absolutamente
não devemos jurar, salvo o caso de real necessidade? S. Paulo não invocou mais
de uma vez nas suas epístolas o testemunho de Deus? (Romanos I-9; Filipenses
I-8). O Evangelho nos indica as palavras de Jesus, mas não nos fornece a sua
verdadeira interpretação. E isto é um dos mil assuntos que dão margem aos
protestantes para discutirem acerbamente entre si, pois os Quacres, por exemplo,
não juram por consideração alguma e há outros protestantes que juram perante
os tribunais, quando os juízes a isto os obrigam.

A Bíblia ensina claramente a existência do pecado original, dizendo que todos


morrem porque TODOS PECARAM (Romanos V-12) e é claro que não se trata aí de
pecado pessoal, pois os que não pecam, as criancinhas também morrem. O
Antigo Testamento já havia insinuado esta mesma doutrina, pois Davi nasce de
um matrimônio legítimo e entretanto diz: Eu fui concebido em iniquidades e em
pecados me concebeu minha mãe (Salmos L-7)

Mas este pecado original EM NÓS, em que consiste? E inútil procurar na Bíblia
uma solução para este problema; não há nenhum texto seu que ponha em pratos
limpos esta questão. Alguns protestantes aventuram-se por sua conta própria a
imaginar que este pecado original seja a concupiscência, ou a nossa inclinação
para o mal. Mas estão realmente certos disto? É preciso não esquecer que a
concupiscência ou inclinação para o mal não desaparece, nem mesmo nas
criaturas mais santas e amantes de Cristo. A santidade não consiste em suprimi-
la, mas em resistir-lhe sempre heroicamente. Se o pecado original é esta
concupiscência, que pecado é este que pode coexistir até com o mais alto grau de
santidade? Se o pecado original é esta concupiscência, então é ineficaz a ação do
Cordeiro de Deus QUE TIRA O PECADO DO MUNDO (João I-29). Pois como poderia
conceber-se que Ele não conseguisse tirar de nós o PECADO que trazemos do
berço?

Aí finda naturalmente, sobre o assunto, toda a ciência do protestante que não


quer ter outra fonte de informações além da própria Bíblia.

Mas, dirão os protestantes, quer o Sr. dizer então que não é completo o ensino da
Bíblia a respeito da nossa fé e da nossa salvação? Afinal É COMPLETO OU NÃO É?

— Sim; é completo o ensino da Bíblia, não há dúvida alguma, porque, desde que
a Bíblia nos traz muitos e riquíssimos ensinamentos sobre o assunto e entre estes
ensinamentos está também a existência da Igreja, a sua infalibilidade (as portas
do inferno não prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18) OU DIRETA OU
INDIRETAMENTE a Bíblia resolve todos os problemas que dizem respeito à
verdadeira doutrina e à salvação da nossa alma. Se, por exemplo, ficamos em
dúvida se um seguidor de Cristo pode ou não pertencer à maçonaria, não há
necessidade de nos dividirmos em duas facções, como já aconteceu uma vez
com os Presbiterianos no Brasil. A Bíblia não fala em maçons, mas resolve este
problema, quando diz que se deve ouvir a verdadeira Igreja fundada por Jesus
Cristo: e se não ouvir A IGREJA, tem-no por um gentio ou um publicano (Mateus
XVIII-18). Se temos dúvida sobre algum ponto importante na doutrina da
salvação e não sabemos como interpretar a Bíblia, não há motivo para nos
dividirmos em seitas diversas, como acontece com os protestantes; há quem
tenha a missão de nos esclarecer, é a Igreja de Deus Vivo, coluna e firmamento
da verdade (1ª Timóteo III-15).

Por tudo isto que até aqui expusemos, se vê claramente que está completamente
errado o modo de pensar dos protestantes quando assim dizem: Não precisamos
de saber o que a Igreja Católica nos ensina, nem o que ela sempre nos ensinou
desde o princípio. Temos a Bíblia e SÓ NA BÍBLIA é que cada um deve ir buscar
diretamente, vendo com seus próprios olhos, a verdadeira doutrina.

— Não há dúvida: a verdadeira doutrina está na Bíblia, mas sendo um livro de


interpretação muito difícil, sendo um livro que ainda não nos diz tudo quanto
necessitamos saber, sua leitura exige uma sadia orientação pois muitos, em vez
de extrair dela a verdade pura e simples, a têm interpretado erradamente e com
ela têm ensinado lamentáveis despropósitos e heresias porque
Com o livre exame,
o intérprete é capaz de todos os absurdos e
extravagâncias
Fraquezas da inteligência e da vaidade humana.

214. Vamos supor que a Bíblia não apresente dificuldade alguma e seja um livro
muito claro e singelo do princípio até o fim. Façamos de conta mesmo que a
Bíblia foi escrita em português, escrita no século XX e toda ela numa linguagem
que qualquer criança entende.

Mesmo assim, não estaria livre de ser horrivelmente deturpada. É a experiência


que nós temos com os próprios protestantes: não há texto da Bíblia, por mais
claro, por mais simples que seja, que eles não consigam adulterar.

O homem possui duas faculdades espirituais: a inteligência e a vontade. O mal


em que pode cair a inteligência é o erro. O mal em que pode cair a vontade é o
pecado.

A fraqueza do homem na sua vontade, a facilidade com que ele se deixa vencer e
escravizar pelo pecado é um fenômeno que nos entra pelos olhos. O estado
miserabilíssimo em que estava o mundo, não só entre os pagãos, como entre os
judeus, no que diz respeito à moral, até que Nosso Senhor trouxe com o
Cristianismo a abundância da graça divina, é uma prova evidente disto. E mesmo
depois do Cristianismo, depois de criado um ambiente mais puro e mais sadio,
ainda recebendo-se auxílios e luzes especialíssimas de Deus, a nossa experiência
própria nos está sempre mostrando como continua a ser frágil a vontade humana
diante da tentação e como é inclinada ao mal por sua natureza.

Pois bem, talvez os homens se recusem a percebê-lo, porque é mais fácil indicar
onde está o pecado do que mostrar onde está o erro, mas o que é certo é que esta
mesma lamentável fraqueza se manifesta também na nossa inteligência. Por que
Deus demorou tanto tempo para fazer brilhar no mundo as luzes da Revelação,
trazidas por Nosso Senhor Jesus Cristo? Quis mostrar primeiro até que ponto é
louca a inteligência do homem, quando entregue a si própria. À exceção dos
judeus, todos os povos estavam à mercê de sua própria razão. E o resultado é que
judeus, todos os povos estavam à mercê de sua própria razão. E o resultado é que
caíram nos erros mais grosseiros, a começar pela idolatria. “Não há nenhum
absurdo, por maior que seja, que um filósofo não tenha defendido” dizia Cícero;
e os filósofos eram considerados a nata da Humanidade em matéria de
inteligência e sabedoria.

Veio Jesus, trouxe a luz da fé, e a razão humana encontrou o seu verdadeiro
caminho na submissão completa aos ensinos de Jesus, transmitidos a todos os
povos por intermédio da Igreja.

Leia-se a História e se verá A IGREJA CATÓLICA, a única Igreja que vem dos
tempos apostólicos, apresentar-se como a propagadora do verdadeiro ensino do
Cristianismo, sem que a este título pudessem aspirar os hereges que sempre
houve e haverá sempre (porque é necessário que até haja heresias, para que
também os que são provados fiquem manifestos entre vós — 1ª Coríntios XI-19;
assim como é necessário que sucedam escândalos, mas ai daquele por quem vem
o escândalo — Mateus XVIII-7) e que se apresentavam aqui e acolá como meras
oposições que a Igreja sempre levou e levará de vencida.

O fato de que nestes 20 séculos os maiores gênios, os mais autorizados


intérpretes da Bíblia se têm submetido humildemente ao ensino tradicional da
Igreja é não somente uma prova de que não há nada neste ensino que repugne à
mais genuína e esclarecida interpretação do Livro Sagrado, como também uma
demonstração de como reconhecem esses sábios quão facilmente a razão
humana pode errar e cair em desatinos e ilusões, principalmente quando se trata
de assunto tão difícil e delicado como este: os mistérios de Deus, em si mesmo, e
nas suas relações com a alma humana.

É que reconhecem que a verdadeira fé é um cativeiro: (reduzindo a cativeiro


todo o entendimento para que obedeça a Cristo — 2ª Coríntios X-5). Mas um
doce cativeiro que nos liberta de dúvidas atrozes, que nos traz a segurança, que
nos livra do erro, da mentira e da heresia, porque só na verdade é que se encontra
a liberdade legítima: E a verdade vos livrará (João VIII-32).

Entretanto Lutero, fazendo jus ao título de maior heresiarca de todos os tempos,


arvora a bandeira da independência completa da razão humana. Cada um é livre
em organizar os seus artigos de fé, os pontos em que há de crer, interpretando,
como melhor lhe pareça, as palavras da Bíblia. Sem o freio que a Igreja lhe
impõe para que não se desmande, está agora a inteligência humana com plena
liberdade para todos os erros, todos os desvarios.
liberdade para todos os erros, todos os desvarios.

— Mas, dirão os protestantes, não estamos desenfreados; não, senhor. O nosso


freio é a própria Bíblia. Temos liberdade, sim, mas liberdade para interpretar
aquilo que está escrito nos Livros Sagrados. Somos escravos, portanto, da
palavra de Deus.

— Aí é onde está exatamente o engano. Nós sabemos como os homens, apesar


de fracos e confusos na sua inteligência, são perseguidos pelo demônio da
vaidade. Quantos desde o princípio do mundo têm caído nos erros mais
extravagantes, têm defendido as mais ridículas teorias, somente porque querem
conseguir a glória de ter descoberto alguma coisa, de se terem mostrado mais
perspicazes do que os outros, sustentando uma teoria nova, uma teoria sua,
aparecendo com uma “bela” doutrina, na qual ninguém antes deles, havia
pensado! Não é preciso ser muito versado nas teorias dos filósofos de todos os
tempos para ter a experiência disto. Todo homem gosta de filosofar; e quantas
vezes entre as nossas relações de amizade, nas palestras com os nossos amigos,
se estabelecem discussões e nós ficamos boquiabertos ao ver homens que em
outros pontos se mostravam até bem inteligentes, sustentarem obstinadamente as
ideias mais absurdas, só pelo gosto de se mostrarem originais! Se isto acontece
com os inteligentes e com os que são perfeitamente normais, que se dirá com os
rudes e com os desequilibrados? e também estes são autorizados pelo
Protestantismo a fazer por si próprios a interpretação da Bíblia.

O livre exame é um verdadeiro achado para aqueles que dotados de uma certa
dialética (no mau sentido da palavra, ou seja, a facilidade de impressionar os
outros com especiosos sofismas), gostam de se apresentar como doutrinadores,
como líderes religiosos, envaidecidos de ver muitos homens aderirem às suas
ideias e contentes com a perspectiva de deixarem o nome célebre na História de
qualquer maneira, ao menos, como fundadores de mais um arremedo de Religião
sobre a face da terra.

E aferrados a esta ideia de torcer os textos da Bíblia para os acomodarem às suas


próprias teorias, não recuam diante de nenhum sofisma, de nenhuma
extravagância, por mais absurda que ela seja. De modo que os desvarios da razão
neste ponto são muito mais sérios e lamentáveis do que aqueles que se
verificavam no tempo do paganismo: os absurdos dos pagãos eram erros da
nossa fraca razão humana entregue à sua própria sorte, sem as luzes da
Revelação; os absurdos que se têm originado do livre exame são erros do
Revelação; os absurdos que se têm originado do livre exame são erros do
homem que criminosamente abusa da Bíblia, da palavra de Deus, para tentar
justificá-los.

Não é uma acusação no ar que estamos fazendo, vamos provar isto com fatos
concretos. O Protestantismo tem abusado da Bíblia para sustentar os maiores
absurdos. E não se trata apenas de enganos dos protestantezinhos humildes e
semianalfabetos que andam por aqui e por acolá fazendo exegese bíblica; são
exemplos que vêm do alto, de seus “grandes mestres”, que foram também
grandes sofistas, como Lutero e Calvino.

Má doutrina e pior explicação.

215. Lutero, como vimos, sustentou a teoria de que o homem não é livre, porque
só quem é livre é Deus. Deus é quem faz todas as ações do homem, boas ou más.
E a gente deve considerá-Lo tão justo quando castiga os inocentes, como quando
recompensa os culpados (!). Deus assim vai encaminhando, por sua vontade
inexorável, uns para o Céu e outros para a condenação eterna. Ora, esta doutrina
completamente ilógica e blasfema vai de encontro claramente ao ensino da
Bíblia: Deus quer que todos os homens se salvem (1ª Timóteo II-4). Deus não
quer a morte do ímpio, mas sim que o ímpio se converta do seu caminho e viva
(Ezequiel XXXIII-11).

Apresentam-se a Lutero estes textos que da maneira mais clara e insofismável


denunciam o erro de sua doutrina, que aliás já é uma aberração contra toda a
lógica. Ou Deus é bom e justo ou então não é Deus.

Apresentam-se também a Calvino que ensinou abertamente a predestinação de


uns para o Céu e de outros para o inferno.

Vamos esperar agora a interpretação que eles vão dar a estes textos, curiosos,
como estamos, de ver como se saem desta embrulhada.

A resposta de Lutero (também esposada por Calvino) é esta: São duas coisas
diferentes: a vontade de Deus revelada: e a vontade de Deus oculta. O que Ele
mostra, na sua palavra, na Bíblia, é que quer a salvação de todos. O que, porém,
Ele quer ocultamente, a sua vontade que não podemos perscrutar, é que uns se
salvem e outros se condenem (nº 49).
Não podia ser mais desastrada a explicação, nem encerrar mais clamorosa
blasfêmia. Estávamos espantados de ver como é que se considerava a Deus tão
cruel, destinando a uns para o inferno de qualquer maneira. A explicação que
nos fornecem é esta: dizer-nos que Deus, além de cruel, é também mentiroso.
Diz-nos uma coisa, porém faz outra bem diferente.

E chama-se a isto interpretar a Bíblia!

Um professor tinha entre seus alunos um que, quando interrogado, se saía


frequentemente com os maiores disparates. Um dia perguntou-lhe a razão deste
procedimento, por que motivo não se calava, não era melhor do que dizer uma
grande asneira? O menino então explicou a razão: É que minha mãe me disse
que eu nunca ficasse calado, sempre respondesse alguma coisa. Desta raça eram
Lutero e Calvino e são também todos os protestantes: ou certa, ou duvidosa, ou
completamente absurda, têm sempre uma interpretação da Bíblia para nos
apresentar!

Jesus ludibriando?

216. Calvino, como Lutero, como quase todos os protestantes, ensinava que o
homem se salva só pela fé. Apresenta-se diante de Calvino o trecho do
Evangelho em que um moço pergunta a Jesus: Bom Mestre, que obras boas devo
eu fazer para alcançar a vida eterna? (Mateus XIX-16). A resposta de Jesus foi
esta: Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17).

Vejamos como Calvino se vai sair desta dificuldade.

A explicação que ele dá é a seguinte:

O caminho para o Céu não pode ser a observância dos mandamentos, porque
esta é impossível, mas só a fé. Por isto, vendo diante de si aquele homem tão
iludido com a ideia de conquistar o Céu por meio das obras, Jesus ensina que o
caminho é este mesmo das obras, para que ele aprenda depois, pelo
conhecimento da sua própria fraqueza, a buscar o verdadeiro caminho na fé.

Segundo Calvino, Jesus teria feito como nós, se agíssemos da seguinte maneira:

Estamos numa esquina. Alguém nos vem perguntar o caminho para ir a tal lugar,
ao palácio do governador, por exemplo. Notamos que esta pessoa está
ao palácio do governador, por exemplo. Notamos que esta pessoa está
convencida de que o caminho é aquele da direita, mas é um caminho
impraticável. É impossível chegar lá seguindo aquela direção. Em vez de
ensinarmos o caminho certo, que é o da esquerda, nós lhe ensinamos de acordo
com o que ela pensa, para que aprenda, pelas cabeçadas que der, a acertar com o
verdadeiro caminho.

Eis aqui as palavras de Calvino: “Para que se faça um melhor juízo da natureza
da resposta, é preciso notar a forma da pergunta. O moço não pergunta
simplesmente de que modo ou por que caminho chegará à vida, mas que boas
obras há de fazer para adquiri-la. Portanto sonha com méritos, aos quais a vida
eterna seja dada como débita compensação, por isto ajustadamente Cristo o
desterra para a observância da lei, já que o moço está certo de ser este o caminho
da vida... A resposta de Cristo foi uma resposta de acordo com a lei, porque a um
jovem que interroga sobre a justiça das obras, era preciso ensinar que ninguém
pode ser considerado justo se não cumprir com a lei (o que é impossível) para
que, convicto de sua fraqueza, ele procurasse o subsídio da fé” (Calvino. Ópera.
Baum, Cunitz et E. Reuss. Brunswick vol. 45, págs. 537 e 538). E o mais
espantoso é que Calvino declara abertamente que reconhece que o moço “não
veio insidiosamente, como era costume dos escribas, mas sim com o desejo de
aprender e assim atesta, não só pelas palavras, mas também pela genuflexão, que
reverencia a Cristo, como a um mestre digno de confiança” (Ibidem pág. 537).

Bem considerada, a explicação de Calvino, por mais manhoso que seja o seu
modo de expor, é verdadeiramente ímpia e altamente ofensiva a Jesus.

Nós mesmos ficaríamos envergonhados de nossa má ação, se ensinássemos


propositadamente um caminho errado ou impraticável a uma pessoa que nos
viesse pedir uma informação. Como é que Jesus que é o Caminho, a Verdade e a
Vida (João XIV-6), quando uma pessoa SINCERAMENTE vem fazer uma pergunta a
respeito do assunto primordial que Ele veio trazer a este mundo, ou seja, a
salvação da nossa alma, em vez de dar uma resposta certa, adequada,
tranquilizadora, que dissipe as ideias errôneas que porventura tenha esta pessoa
desejosa de esclarecimento, ao contrário aponta um caminho IMPOSSÍVEL? Era
preciso que o Divino Mestre quisesse ludibriar o seu consulente!

Só depois que apareceu o Protestantismo, é que semelhante absurdo pôde vir à


cabeça de um intérprete da Sagrada Bíblia!
Outra proeza de Calvino.

217. Pregando Calvino a salvação só pela fé, põe-se diante dele a palavra de
Jesus a seus Apóstolos: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).

Todo o mundo percebe claramente que Jesus, nos últimos dias de sua
peregrinação aqui na terra, estando prestes a subir para o Céu, começou a
transmitir aos Apóstolos poderes especiais para cumprirem a sua alta missão,
quando estivessem privados da presença do Mestre. Na última ceia, depois de
fazer aquela ação maravilhosa tomando o pão e dizendo: Isto é o meu corpo,
acrescentou: Fazei isto em memória de mim (Lucas XXII-19). Ele que havia
pregado o Evangelho, disse aos Apóstolos: Pregai o Evangelho a toda a criatura
(Marcos XVI-15). Ele que tinha sido o Mestre da verdade, disse: Ide, pois, e
ensinai todas as gentes (Mateus XXVIII-19). Ele que havia absolvido os
pecados do paralítico (Lucas V-20) e de Maria Madalena (Lucas VII-48) deu
também aos Apóstolos o poder para perdoar os pecados e para retê-los. Se a fé
por si basta para salvar, como é que Cristo dá aos Apóstolos o poder de perdoar
ou reter o perdão? Como se sai desta Calvino? Com o maior cinismo deste
mundo: perdoar pecados quer dizer PREGAR O EVANGELHO (!!!).

Não se espante o nosso caro leitor; nem pense que estamos brincando; é esta de
fato a interpretação que dá Calvino, a qual se lê claramente nas suas obras
(Calvino. Ópera. Baum, Cunitz et E. Reuss Brunswick. vol. 47. cols. 440 e 441).
Isto é simplesmente incrível, porque não há homem nenhum de bom senso que,
diante destas palavras: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23),
possa nem de longe conceber a ideia de que poderá alegar que aí se trata da
missão de realizar a pregação do Evangelho.

Além disto, todos nós estamos vendo aí que foram dois os poderes concedidos
aos Apóstolos: o de perdoar e o de reter; é o exercício de uma ação judicial:
perdoar a uns e adiar o perdão para outros. Quando Nosso Senhor manda pregar
o Evangelho, trata-se de uma só função, pois Ele não mandou pregar o
Evangelho a uns e ocultá-lo a outros. Se PERDOAR OS PECADOS quer dizer PREGAR O
EVANGELHO, então a ordem não é nunca para reter e sim para perdoar os pecados
a todos sem exceção: Pregai o Evangelho A TODA A CRIATURA (Marcos XVI-15). E
mais: quando Nosso Senhor mandou pregar o Evangelho, não usou de meios
termos, nem de enigmas, nem de obscuridades; disse abertamente: Pregai o
Evangelho; Ide, ensinai. Que necessidade tinha Ele de falar na pregação do
Evangelho em termos tão enigmáticos que durante 1.500 anos ninguém foi capaz
de decifrar essa charada e só Calvino a veio matar no século XVI?

Uma dos socinianos.

218. Um dos expedientes mais comuns usado pelos hereges para fazerem cair
por terra as mais categóricas afirmações das Escrituras, é inventar-se um SENTIDO
FIGURADO para os lugares em que a Bíblia nos fala em sentido literal e próprio.
Deste processo usam os protestantes para negar a presença real de Jesus Cristo
na Hóstia Consagrada, tão claramente enunciada nestas palavras: Isto é o meu
corpo. É um assunto que depois veremos (nos 318 a 322); não é dele que vamos
aqui falar.

Queremos chamar aqui a atenção para outra doutrina importantíssima no


Cristianismo: a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, negada por muitos
protestantes. Os Socinianos, p. ex., no seu Catecismo de Rakow, para mostrar
que Jesus Cristo é simplesmente homem, apresentam estes textos da Escritura:
Só há um Mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo HOMEM (1ª
Timóteo II-5). Como a morte veio por um homem, também por um HOMEM deve
vir a ressurreição dos mortos (1ª Coríntios XV-21). E argumentam com o
próprio Jesus que sempre se intitulou O FILHO DO HOMEM. Vê-se claramente nesta
argumentação a lábia protestante, porque se dizemos que Jesus Cristo é
VERDADEIRO DEUS E VERDADEIRO HOMEM, a Escritura O pode chamar homem
quantas vezes quiser, pois de fato Ele é homem também. E a própria Escritura
nos diz abertamente que Ele é Deus: No princípio era o Verbo; e o Verbo estava
com Deus; e o Verbo ERA DEUS... E o Verbo se fez carne e habitou entre nós
(João I-1 e 14). Como é que os Socinianos se desembaraçam deste texto? De
uma maneira muito fácil: é só torcê-lo para o sentido figurado. Verbo quer dizer
palavra. Jesus Cristo nos veio trazer a palavra de Deus. A palavra de Deus está,
portanto, encarnada em Jesus Cristo. Ele é a palavra de Deus que se fez carne e
habitou entre nós.

Mas é o caso de se perguntar: Não houve também, antes de Cristo, tantos


profetas brilhantes que anunciaram aos homens a palavra de Deus? Por que
motivo nenhum deles foi chamado o Verbo que era Deus feito carne e habitando
entre nós (João I-1 e 14), ou o Autor da vida (Atos III-15), ou o Rei dos reis e o
Senhor dos senhores? (Apocalipse XIX-16).

A explicação sociniana é evidentemente falha e absurda. Mas há porventura


algum absurdo diante do qual recue um homem interessado em defender uma
doutrina sua, quando tem a seu favor a carta branca do livre exame?

Um “intérprete” bastante esperto...

219. Agora vamos apreciar uma estúpida e, ao mesmo tempo, divertida


interpretação de um dos textos da Bíblia, feita por João de Leiden, um dos
líderes protestantes da Holanda, no século XVI.

Já falamos há pouco na frase de S. Paulo de que o bispo deve ser ESPOSO DUMA SÓ
MULHER e já expusemos o seu verdadeiro significado (nº 211). João de Leiden
toma a frase noutro sentido: que o bispo deve ter uma mulher e não duas ou três
e daí conclui que os fiéis neste caso podem ter várias mulheres.

Começou a pôr em prática a poligamia, pretendendo assim basear-se na própria


Bíblia.

Os luteranos não concordaram com semelhante teoria. E daí surgiu uma


conferência realizada entre os luteranos Antônio Corvinus e João Kymaeus, de
um lado e João de Leiden e Krechting do outro, a respeito destas e de outras
doutrinas dos anabatistas.

Nós podemos bem apreciar o diálogo que houve sobre o assunto entre os
luteranos e João de Leiden, porque vem narrado nas próprias obras de Lutero
(Vitemberga II pág. 455).

O diálogo serve para mostrar não só a interpretação bíblica de João de Leiden,


mas também a ideia que faziam os luteranos sobre o matrimônio.

“João de Leiden — S. Paulo disse que o bispo deve ser marido de uma mulher.
Ora, se o bispo devia ter uma só mulher, no tempo dos Apóstolos, isto é sinal de
que os leigos naquele tempo bem podiam possuir duas ou três mulheres,
conforme desejassem.
Luteranos — Nós consideramos o matrimônio como assunto policial. Como as
leis civis do matrimônio não são as do tempo dos Apóstolos e proíbem a
multiplicidade das esposas, responderás perante Deus e os homens por esta
inovação.

João de Leiden — Tenho a firme confiança de que aquilo que permitiram os


antigos não pode levar à perdição; e antes seguir aos antigos do que a Vocês,
tanto mais que o escutá-los importaria num erro evidente e numa inovação
anticristã.

Luteranos — Mais favorece a Escritura nossa opinião do que a tua, porquanto


diz: O homem deixará pai e mãe e se unirá à esposa. Não diz a Bíblia: unir-se-á
às esposas, mas sim à esposa. E S. Paulo diz: cada qual viva com sua mulher e
não diz: com suas mulheres.

João de Leiden — S. Paulo não alude a todas as mulheres de um indivíduo, mas


sim a cada uma de suas esposas em particular. A primeira é minha mulher: ligo-
me com ela. A segunda é minha mulher também: igualmente ligo-me com ela. E
assim por diante! Fica de pé a Escritura que não contraria a nossa doutrina. Para
que afinal tantas palavras? Não será preferível ter diversas mulheres a ter
diversas amásias?”

O leitor não poderá deixar de exclamar: Mas isto é o cúmulo! E por aí fica vendo
que com o livre exame se faz da Santa Bíblia o que bem se entende. Não há
limites para a cegueira e o fanatismo de um homem que quer torcer o texto
sagrado, para defender uma doutrina sua, por mais horrorosa que ela seja.

O grande crime de todas as religiões...

220. Vamos dar mais um eloquente exemplo, neste vasto campo do livre exame,
aberto às maiores loucuras doutrinárias. Nós sabemos que a base de todas as
religiões é a imortalidade da alma. Não só Jesus Cristo nos ensina esta grande
verdade, mas também ela é, assim como a existência de um Ser Supremo, um
princípio ditado pela própria razão humana. Todos os povos, mesmo os pagãos e
ainda incluindo-se nestes os mais selvagens, alimentaram sempre esta ideia de
que todo homem, bom ou mau, subsiste depois da morte, assim como todos
tiveram a ideia de que existe um Ser Superior que fez o Universo. Podiam errar
sobre a natureza deste Ser, podiam materializar demais esta vida futura, mas tais
ideias da existência de Deus e da nossa sobrevivência além-túmulo estavam
arraigadas no espírito de todos, o que era providencial, pois são elas a base de
toda moralidade, de toda virtude.

Pois bem, aparece uma fanática seita protestante, os Testemunhas de Jeová,


chamados também Estudantes da Bíblia e esta seita se revolta acerbamente, não
só contra a Igreja Católica, mas contra todas as religiões do mundo por este
grande crime de ensinar que a alma é imortal (!!!), porque esta doutrina da
imortalidade da alma é uma doutrina diabólica, foi introduzida no mundo pelo
demônio (!!!) e isto eles pretendem provar com palavras da própria Bíblia (!!!).

Para chegarem a esta conclusão superlativamente fantástica, precisarão apenas


de lançar um equívoco, adulterando o sentido da palavra MORTE. Todos nós,
quando falamos em morte, entendemos com isto que a alma se separa do corpo.
O corpo se dissolve na sepultura, isto é morte, mas a morte não impede que a
alma sobreviva. Os Testemunhas de Jeová entendem por morte não só a
dissolução do corpo, mas também o completo desaparecimento da alma.

E partindo desta falsa noção, assim argumentam:

Deus disse ao homem que este havia de morrer: Não comas do fruto da árvore
da ciência do bem e do mal, porque em qualquer dia que comerdes dele
MORRERÁS DE MORTE (Gênesis II-17). Mas, enquanto Deus disse que o homem
havia de morrer, o demônio ensinou perfeitamente o o contrário: Bem podeis
estar seguros que NÃO MORREREIS DE MORTE (Gênesis III-4). Logo, concluem os
Testemunhas de Jeová, as religiões ensinando a imortalidade da alma, dizendo,
portanto, que o homem é, por sua natureza, imortal, propagam uma doutrina do
diabo, enquanto aqueles que negam esta imortalidade da alma seguem uma
doutrina de Deus.

Isto não é extravagância de um ou outro homem; é doutrina de uma seita que,


fazendo uma furiosa propaganda, tem aumentado consideravelmente o número
de seus adeptos. Afirmam os Testemunhas de Jeová ter impresso, no período de
30 anos, de 1919 a 1949, mais de 500 milhões de exemplares de livros em 88
línguas diversas. No ano de 1947 havia cerca de 3.000 grupos locais e mais de
200.000 propagandistas.

E é assim que com o livre exame se vão propagando pelo mundo inteiro os
“ensinos da Bíblia”!
“ensinos da Bíblia”!

Batismo de defuntos por procuração.

221. A que extravagâncias se pode chegar com a má interpretação de um texto


bíblico, é o que igualmente nos mostra o caso do batismo dos defuntos feito
pelos Mormões [30].

S. Paulo na sua 1ª Epístola aos Coríntios, falando a respeito da ressurreição dos


mortos, usa, entre outros, o seguinte argumento: Doutra sorte, que farão os que
SE BATIZAM PELOS MORTOS, se absolutamente os mortos não ressuscitam? pois por
que até SE BATIZAM POR ELES? (1ª Coríntios XV-29).

O texto é, na verdade, de interpretação difícil, pois em nenhuma outra parte da


Bíblia se fala mais neste BATIZAR-SE PELOS MORTOS, para que se possa chegar a
uma conclusão. Já se têm imaginado cerca de 40 interpretações diversas. A mais
provável parece ser a seguinte:

O verbo BAPTIZO em grego nem sempre na Bíblia se refere só ao batismo de


Cristo ou ao batismo de João. E assim se lê em S. Lucas que o fariseu em cuja
casa Jesus foi jantar começou a discorrer lá consigo mesmo o motivo por que
não tinha LAVADO Ele antes de comer (Lucas XI-38). E o verbo LAVAR aí é
expresso, tanto no grego como no latim da Vulgata, pelo verbo BAPTIZO. Sabemos
por S. Mateus que este lavar-se antes da comida consistia apenas em lavar as
mãos: Por que violam os teus discípulos a tradição dos antigos? pois não LAVAM
AS MÃOS quando comem pão (Mateus XV-2). E assim se destrói, digamos entre
parêntesis, o argumento dos Batistas, os quais dizem que o batismo só pode ser
por imersão, pois o verbo BAPTIZO forçosamente quer dizer imergir. A purificação
antes da comida se exprime assim no grego pelo verbo BAPTIZO e seria ridículo
pretender que todos os judeus, antes de suas refeições, se encaminhavam até o
rio para dar o seu mergulho... Mas fechemos este parêntesis e voltemos ao texto
de S. Paulo aos Coríntios. Sabemos pelo livro dos Macabeus (2º Macabeus XII-
43 a 46) o qual, se os protestantes não quiserem aceitar como livro inspirado,
têm que admitir ao menos como livro de valor histórico, que estava em uso entre
os judeus a prece pelos mortos. Bem como sabemos que eram muito usuais entre
eles as purificações feitas com água, de que são exemplo o batismo de João,
estas próprias purificações antes da comida etc, etc. Havia certamente entre os
Coríntios o costume de fazer algumas cerimônias, algumas preces acompanhadas
de purificações com água (e é isto o que S. Paulo chama batizar-se) e oferecidas
na intenção dos mortos. S. Paulo no texto fazendo alusão a estas cerimônias, não
mostra aprová-las nem desaprová-las. Apenas se serve deste costume para
argumentar: se eles se purificam assim na intenção dos falecidos, é sinal de que
creem na ressurreição dos mortos.

Esta é, entre outras, uma explicação do texto.

Mas (para que se veja até onde pode ir este biblismo descontrolado do livre
exame) os Mormões viram este texto e dele se aproveitaram para deduzir o
seguinte: Vê-se aí pelas palavras de S. Paulo que uma pessoa se pode batizar em
lugar de um morto (!). Ora, todos os batismos ministrados desde o princípio do
Cristianismo até que chegou José Smith, fundador da “verdadeira religião”, que
é a seita dos Mormões (e José Smith a estabeleceu no ano de 1830), todos esses
batismos estão nulos (!!!). Neste caso quem disser pode batizar-se em lugar de
qualquer parente ou amigo que tenha falecido, mesmo que seja há muito tempo.

Logo começou a aparecer uma quantidade imensa de pessoas que têm aceitado
gostosamente tão boa oportunidade de salvar os falecidos que estavam
completamente enrascados no outro mundo, pagando pelo crime de terem vivido
em épocas anteriores à do Sr. José Smith. E assim se provou mais uma vez a tese
de que não tem limites a credulidade humana.

Notas (pular)

[30] Depois de havermos mostrado uma meia dúzia de extravagantes interpretações feitas por protestantes,
o leitor nos vai permitir acrescentar este comentário sobre uma esquisita doutrina dos Mormões, os quais,
conforme explicaremos mais adiante (em nota ao nº 234) não os consideramos, ou, pelo menos, não os
consideramos todos como sendo protestantes. No entanto, nem neste assunto de batismo dos defuntos, os
protestantes estão de todo inocentes, porque esta doutrina é também admitida pela seita chamada Igreja
Neo-apostólica, conforme nos informa Crivelli no seu livro El mundo protestante, Sectas pág. 70. (voltar)

Quando os humildes podem mais que os sabichões.

222. Depois destes exemplos por nós apresentados, parece-nos ouvir muitos
protestantes dizerem: Concordo em que esses processos não são bons para a
interpretação da Bíblia, mas que tenho eu a ver com esses processos? Não os
ponho em prática; não vivo torcendo os textos bíblicos; minhas interpretações
são todas lógicas e razoáveis.
— Minhas interpretações são todas lógicas e razoáveis — assim falavam e falam
também esses que tão evidentemente abusaram e abusam de sofismas, na
exegese bíblica; assim falam também os outros protestantes de cujas opiniões
Vocês discordam, porque sustentam doutrinas contrárias às que Vocês ensinam e
os quais Vocês combatem igualmente com textos das mesmas Escrituras. Quem
interpreta a Bíblia, mesmo da pior maneira possível e concorda em dizer que a
sua interpretação está errada? E em regra geral aqueles que fazem as
interpretações mais absurdas são precisamente os que se mostram mais fanáticos
e ferrenhos em defendê-las, suprindo com furor e obstinação o que lhes falta em
competência e amor à verdade.

O que queremos frisar apenas com estes exemplos, que aos olhos de qualquer
observador sereno e imparcial se apresentam como aberração de toda lógica e
como um desrespeito evidente ao texto sagrado, é que dentro do sistema do livre
exame não há freio algum para conter os erros mais clamorosos nem os mais
ridículos disparates, porque não há texto algum da Bíblia, por mais simples, por
mais claro, por mais evidente que seja, que um homem não consiga adulterar, à
custa de truques e manhosos artifícios e não há teoria, por mais ímpia, por mais
absurda, por mais escandalosa, que pelo mesmo processo não se intente justificar
com palavras da Bíblia Sagrada. Porque ter em mãos o livro divino é uma coisa;
interpretá-lo com sabedoria, competência e honestidade, penetrar-lhe o
verdadeiro sentido é outra coisa bem diferente, pois é um dom de Deus, uma
graça do Espírito Santo.

E Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes (1ª Pedro V-5).
Aqueles que modestamente desconfiam de suas próprias luzes e se submetem ao
ensino tradicional da Igreja, à proporção que progridem no conhecimento das
Sagradas Letras, não só nelas descobrem novas riquezas, mas vão percebendo
cada vez mais como a orientação católica é firme, razoável e segura; ao passo
que aqueles presumidos que, confiados por demais em seu próprio talento,
julgam poder abrir caminhos novos fora daquele velho caminho que nos vem
sendo traçado desde o princípio pela Igreja Infalível, cada dia mais se perdem
nas suas intermináveis discussões entre si e cada dia mais obscurecem a sua
própria razão, defendendo as ideias mais absurdas, como se foram as mais belas
doutrinas deste mundo.
Divergências no seio do Protestantismo
Nova Babel.

223. Juntem-se todos estes fatores que até agora temos analisado:
1º a Bíblia é um livro de difícil interpretação;

2ª a doutrina cristã está toda esparsa no Novo Testamento, de modo que é


preciso muita cautela e honestidade para não firmar-se alguém em certos
versículos, esquecendo ou desprezando outros que os completam, que lhes
“servem de contrapeso”, segundo a expressão já citada do protestante Vinet (nº
55);

3º a Bíblia, por si só, não resolve minuciosamente todas as questões que, no


decorrer dos tempos, possam surgir sobre a Religião;

4º a fraqueza da nossa inteligência é tal que facilmente a ignorância, a cegueira,


a má-fé, o fanatismo, o amor das novidades levam o homem a errar, a fazer
interpretações forçadas, violentas, absurdas, mesmo diante dos textos mais claros
e evidentes.

Juntem-se todos estes fatores, como íamos dizendo, e o resultado já se pode


esperar: múltiplas, profundas e escandalosas divergências entre os partidários do
livre exame. No Protestantismo se discute a respeito de tudo; não há firmeza em
coisa alguma.

Não é sem razão que se tem comparado com a construção da torre de Babel, a
pretensão protestante de querer apresentar ao mundo uma interpretação da Bíblia
que sirva para desmentir, destruir, desmoralizar a segura interpretação
apresentada pela Igreja Católica, que é a obra de Deus, sempre assistida pelo
Divino Mestre.

Narra o Gênesis que, ao conceberem os homens a ideia de erguer uma torre que
chegasse até o Céu, havia um só povo e uma só linguagem de todos (Gênesis XI-
6). Começada a construção, Deus lhes confundiu as línguas, de modo que se
desentenderam por completo. O mesmo tem acontecido no Protestantismo, cuja
história logo se inicia com intermináveis discussões entre os seus propagadores
que não se entendiam de forma alguma, continuaram sempre a não se entender e
cada vez se vão entendendo menos. Enquanto na Igreja continuou sempre
existindo um só povo e uma só linguagem de todos.

Católicos à fina força.

224. A desunião entre os protestantes começa logo pelo fato de uns se


mostrarem orgulhosos deste nome, e outros que são também protestantes da
gema não quererem ser chamados assim de forma alguma.

Há alguns até que, depois de 4 séculos de separação da Igreja Católica, depois de


procurarem por todos os meios lançar o ridículo sobre ela, acharam agora que
deviam ser chamados CATÓLICOS, como se vê por esta declaração dos Bispos e
Arcebispos da Igreja Anglicana da Irlanda, feita a 10 de abril de 1902:

“Os Arcebispos e Bispos chamam a atenção dos membros da Igreja sobre o


abuso do termo CATÓLICO, com o qual se designam como autonomasticamente
aqueles cristãos que reconhecem a supremacia do Bispo de Roma. Os membros
da Igreja Católica Romana são comumente chamados CATÓLICOS e os membros
da nossa Igreja e de outras que professam toda a doutrina da Santa Igreja
Católica tal corno foi definida nos antigos Credos, são chamados ACATÓLICOS.
Ora, isto não é uma mera questão de nomes e palavras. O caráter católico do
Evangelho de Jesus Cristo e da Igreja que Ele fundou é o que distingue o
Cristianismo de todos os outros sistemas religiosos. A Igreja de Cristo é
universal, isto é, Católica em todo o sentido da palavra; sua missão é para todos
os seus membros, que pertencem a todas as nações, raças, povos e línguas.

Se nós renunciamos a nosso título de membros da Igreja Católica e o


concedemos somente àqueles que aceitam a autoridade de um Bispo particular,
renunciamos a um ponto importante daquela doutrina que foi entregue aos
Santos.

De tanta transcendência foi sempre isto considerado, que já desde a Primitiva


Igreja a denominação A SANTA IGREJA CATÓLICA foi incluída entre os artigos de fé
por aqueles que redigiram nossos Credos. Ser acatólico é estar fora do Corpo de
Cristo e ser considerado como não-católico é equivalente a ser tido como não-
cristão. Concedemos que estes termos são empregados muitas vezes sem lhes
prestar atenção, sem lhes dar seu próprio significado e importância, porém não
consentimos que nós sejamos considerados como estranhos na Igreja de Deus.”

Esta “descoberta” feita por protestantes agora no século XX é sumamente


honrosa para nós. Eles confirmam com isto o que já afirmamos no capítulo 9º (nº
167), isto é, que a Igreja verdadeira de Jesus Cristo sempre foi chamada A IGREJA
CATÓLICA. Eles se separaram desta Igreja; ensinam doutrinas contrárias à que a
mesma sempre ensinou desde o princípio. Não podem, por isto, ser considerados
como membros da Igreja Católica, porque a Igreja sempre foi UNA e nunca
dividida em agremiações diversas. Se negam a obediência ao Papa, que é o
legítimo sucessor de S. Pedro, não podem pertencer à Igreja de Jesus Cristo, o
qual fundou UMA SÓ IGREJA, e apresentou como sinal característico da mesma a
união à cátedra de Pedro: TU ÉS PEDRO E SOBRE ESTA PEDRA EDIFICAREI A MINHA IGREJA
(Mateus XVI-18). Se Ele diz A MINHA IGREJA é porque é uma só, não são duas:
uma Romana e outra Anglicana.

Se querem ser chamados católicos, aceitem tudo quanto a Igreja Católica ensina,
porque quando os antigos diziam na sua profissão de fé: CREIO NA SANTA IGREJA
CATÓLICA, não queriam significar com isto somente que existia uma Igreja com
este nome, mas que esta Igreja recebia sua total adesão, porque é infalível.

Chamamos aqui PROTESTANTES todos aqueles que admitem a autoridade da Bíblia


como livro sagrado (embora discutam sobre o verdadeiro significado de sua
inspiração) e adotam a teoria do livre exame. Desde que há o livre exame e cada
um interpreta a Bíblia como bem lhe parece, já não se pode distinguir por esta ou
por aquela doutrina quem é protestante e quem o deixa de ser, pois assim já se
estaria negando ao protestante a liberdade na interpretação da sua Bíblia.

E se alguém, por hipótese, na sua doutrina, no seu modo de ver a Bíblia,


coincidisse em tudo com o que a Igreja ensina, menos em admitir uma Igreja
infalível e em reconhecer a autoridade do Papa, sucessor de S. Pedro, já seria
protestante, porque já estaria pondo em uso o livre exame. Vemos que sob o
regime do livre exame, salvo a obediência ao Papa, que seria formal adesão ao
Catolicismo, é muito difícil encontrar um ponto da doutrina da Igreja que não
ache um ou outro protestante para defender e dar uma penada a seu favor, bem
como é raro encontrar um dogma do Cristianismo, mesmo dos mais importantes,
que não tenha no seio da Reforma os seus opositores, porque não há nenhuma
segurança nas interpretações protestantes.
É o que veremos analisando vários pontos doutrinários. Não será, portanto, pela
coincidência de muitos de seus ensinos com a doutrina da Igreja que uma seita
deixe de ser considerada protestante.

A Santíssima Trindade.

225. A doutrina de um Deus em três pessoas com uma só natureza é admitida


pela maioria das seitas protestantes, as quais neste ponto seguem a interpretação
da Igreja Católica. Mas a simples leitura da Bíblia infelizmente não é suficiente
para convencer a todos os protestantes de que há um só Deus em três pessoas
distintas. Desde o princípio do Protestantismo, embora a doutrina católica sobre
este ponto fosse defendida pelos maiores chefes da Reforma: Lutero, Calvino,
Zuínglio, Melanchton etc, logo apareceram autores protestantes negando a SSma
Trindade, como Conrado in Gassen, Hetzer chamado por Harnack o mais
notável dos Anabatistas, João Denk, Kautz, Cláudio de Saboia, Campanus, Noris
bispo anabatista, Jorge Blandrata, Valentino Gentilis e outros. O mais célebre de
todos foi Miguel Servet, que os calvinistas de Genebra condenaram a ser
queimado na fogueira precisamente por sua teoria antitrinitária. E não tardou o
dogma da Trindade a ser negado por várias seitas protestantes, como os
Socinianos, os Unitários, os Cristadelfos e os Testemunhas de Jeová. E assim
desde cedo se abriu caminho para os Protestantes Liberais, que também o
rejeitam. Estes últimos são protestantes de ideias avançadas que podem surgir de
qualquer seita, por causa do livre exame e que existem em grande número no
seio dos Luteranos, dos Calvinistas e dos Anglicanos, assim como podem não
pertencer a seita alguma.

Negam também a SSma Trindade os Svedenborgianos. Para Svedenborg: “Não


há senão uma só pessoa no Ser Supremo, o Senhor Deus do Antigo Testamento.
Esta pessoa se fez homem em Jesus Cristo. A virtude emanada deste Deus-
Homem é o Espírito Santo que vivifica, regenera, transforma e consagra o fiel.
Assim o profeta admite bem uma trindade na soberana essência, a saber, o Pai, o
Filho, o Espírito Santo, mas há aí três objetos dum só sujeito, isto é, três
atributos duma só pessoa divina.”

A divindade de Jesus Cristo

226. Como se vê acima, os Svedenborgianos negam a Trindade, sem negar que


Jesus Cristo seja Deus. Mas a negação do dogma da SSma Trindade vem em
geral acompanhada da negação da divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É
porque lendo a Bíblia lá a seu modo não veem em Jesus Cristo senão um simples
homem, ou no máximo, uma simples criatura, embora criatura superior, que
esses protestantes negam a existência de 3 pessoas em Deus. São, portanto, os
mesmos: Socinianos, Unitários, Protestantes Liberais etc.

O fundador da seita dos Unitários, Teófilo Lindsey, chegou a publicar um livro


intitulado “Conversações sobre a idolatria cristã”, em que se insurge contra o
culto de adoração prestado a Jesus Cristo, culto que ele tacha de idolatria.

É impressionante ver o vulto que a teoria da negação da divindade de Jesus


Cristo começou logo a tomar entre os protestantes. Entre os Luteranos, passou a
ser ensinada na maioria das faculdades teológicas da Alemanha e é bem
expressivo o seguinte fato citado por Goyau: em 1893, Langen, pastor
protestante em Kalsruhe, negou publicamente a divindade de Jesus Cristo; ele
havia tomado parte no sínodo geral de Baden; e 99 teólogos protestantes
badenses logo lhe manifestaram publicamente sua aprovação.

Entre os Calvinistas, da mesma forma. Já em 1816 a Companhia dos Pastores em


Genebra aconselhava aos pregadores muita reserva e prudência com relação a
esta questão da divindade de Jesus Cristo e censurava os que se mostravam
muito zelosos na pregação desta doutrina. E é bem significativo o fato de se
imprimirem entre os Calvinistas 3 espécies de catecismo, para que os fregueses
possam escolher a seu gosto: um negando a divindade de Jesus, outro afirmando
a mesma, outro declarando ser “muito fora de propósito e muito absurdo”
ventilar esta questão.

A Igreja Anglicana contém em si uma enorme variedade de crenças, desde os


Ritualistas que procuram aproximar-se o mais possível dos ritos e ensinos da
Igreja Católica, passando pelos Moderados ou Evangélicos que procuram, uns
mais, outros menos, ficar fiéis às doutrinas da Igreja Oficial da Inglaterra,
diferentes em muitos pontos da doutrina da Igreja Romana, até os da Moderna
Igreja ou Liberais, de ideias bastante avançadas e nesta última classe é que mais
se encontram aqueles que negam a divindade de Jesus Cristo.

Entre os protestantes que negam assim que Jesus Cristo seja Deus, há duas
opiniões diversas: uma que O considera como simples homem: são estes de que
acima falamos; outra dos que O consideram como um anjo: são os Testemunhas
de Jeová, os quais identificam o Verbo, de que fala S. João no Evangelho, com o
Anjo Miguel, a mais elevada das criaturas, da qual Deus se serviu para criar
todos os outros seres e que se transformou em homem (Jesus Cristo) e veio
morrer por nós, voltando a ser depois da Ressurreição o mesmo Verbo-Miguel
exaltado (Deus também o exaltou — Filipenses II-9), elevado a uma categoria
superior, e por isto depois de ressuscitado usou um corpo só aparente.

Entre os próprios protestantes que admitem a divindade de Jesus Cristo, também


há uma divergência.

A Igreja ensina, no Símbolo Atanasiano, que Jesus Cristo é “perfeito Deus e


perfeito homem”, como foi definido no Concílio de Calcedônia: “um só e o
mesmo Jesus Cristo, em duas naturezas sem confusão, sem mudança, sem
divisão, sem separação, nunca se suprimindo, por causa da união, a diferença das
naturezas.” E o 3º Concílio de Constantinopla fala em Jesus Cristo “perfeito na
divindade e o mesmo perfeito na humanidade... consubstancial ao Pai segundo a
divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade.”

Mas há protestantes modernos que sustentam a teoria chamada QUENÓTICA. Este


nome se deriva do verbo grego KENÓO que quer dizer aniquilar, esvaziar.
Baseando-se nos seguintes textos: Jesus Cristo que, sendo rico, se fez POBRE por
vosso amor (2ª Coríntios VIII-9) Ele se ANIQUILOU A SI MESMO, tomando a natureza
de servo, fazendo-se semelhante aos homens (Filipenses II-7), estes protestantes
acham que o Verbo na sua Encarnação se despojou dos divinos atributos,
principalmente de seu infinito poder e de sua onisciência para melhor assumir as
nossas próprias enfermidades e assim só depois da ressurreição é que veio a ter
consciência de sua divindade. É a escola quenótica de Thomasius e Gess na
Alemanha; Godet e Pressensé na Suíça e na França; Goodwin e Howard Crosby
na América do Norte.

Há outros, como Martensen, Gore, Dorner etc, que seguem um Quenoticismo


mitigado, afirmando que pelo menos habitualmente o Verbo suspendia o
exercício dos atributos divinos, principalmente do poder e da onisciência, de
modo que chegou a perder algumas vezes a consciência de sua natureza divina.

Isto mostra que até os dogmas admitidos pela Igreja estão sujeitos a empalidecer
e a desfigurar-se nas mãos dos hereges.
Em que consiste a salvação.

227. Todas as doutrinas da Igreja têm íntima relação e nexo lógico entre si. A
divindade de Jesus Cristo tem relação muito íntima com a doutrina da salvação.
O Verbo se fez carne, Jesus era Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, para
poder sofrer por nós e ao mesmo tempo oferecer a Deus uma expiação de valor
infinito, a qual sendo Ele um simples homem ou pelo menos sendo um anjo, mas
em todo caso simples criatura, não podia oferecer. E para ser completamente
satisfatória a reparação, tinha que ser de valor infinito, porque o pecado, sendo
ofensa a Deus Infinitamente Bom e Digno de todo o amor, é ofensa infinita por
sua natureza.

Lutero, Calvino, Zuínglio e Melanchton criam na divindade de Cristo, porque


sabiam que negá-la era arrancar a Jesus o título de Salvador. Mas, se eles
pregavam o livre exame, não podiam impor aos outros a sua mesma crença. E o
resultado é que, com o direito de negar a divindade de Cristo, os protestantes
ficaram também com o direito de destruir toda a noção cristã sobre a salvação.

Para os Socinianos, os Unitários e os Protestantes Liberais, Cristo nos salvou


somente pela sua magnífica pregação, ensinando-nos o verdadeiro caminho de
Deus, e pelo exemplo extraordinário de suas grandes virtudes. Não reconhecem
nenhum valor expiatório na morte de Cristo.

De modo que os protestantes que tanto falam em Jesus Cristo e na sua morte
redentora, como se isto valesse como arma contra a Igreja Católica, têm que
reconhecer que há no seu seio muitos adeptos espalhando no mundo doutrinas
que consistem em despojar a Jesus Cristo de sua divindade e de sua missão
salvadora, ao contrário da Igreja Católica que sempre ensinou contra os hereges
que Jesus Cristo é Deus e que Ele ofereceu ao Eterno Pai um superabundante
resgate para a nossa salvação.

A graça.

228. Negando a divindade de Cristo, o valor expiatório do sacrifício da cruz,


caem estes Socinianos, Unitários e Protestantes Liberais num verdadeiro
naturalismo, negando a verdadeira noção da graça, que para eles deixa de ser um
dom sobrenatural, deixa de ser mesmo uma força interior que ajuda o homem,
para ser apenas um estímulo externo, o estímulo que nos vem quando ouvimos
sábias palavras de exortação ou quando somos edificados por um belo exemplo
de virtude. E foi apenas este estímulo que Jesus veio trazer ao mundo, segundo
eles, de modo que a salvação é operada pelo homem entregue às suas forças
naturais. O contraste é bem chocante com a maioria dos protestantes que vão ao
extremo oposto, considerando a salvação como efeito exclusivo da GRAÇA, não
influindo nela de forma alguma as obras de cada um.

A fé e as obras.

229. Lutero e os Primeiros Reformadores ensinavam a salvação SÓ PELA FÉ, nela


não influindo as boas obras; ensinavam que para a justificação o arrependimento
não era necessário.

Os Luteranos de hoje e muitas outras seitas protestantes continuam a ensinar a


salvação só pela fé, mas, ao contrário de Lutero, exigem também o
arrependimento.

Entretanto, esta teoria da salvação SEM AS OBRAS tem tido, entre os protestantes,
muitos opositores.

O primeiro a discordar de Lutero neste ponto foi o seu contemporâneo e amigo


Melanchton que, embora a princípio sustentasse os princípios luteranos de
negação do livre arbítrio e de justificação só pela fé, depois seguiu doutrina bem
diversa. Na segunda edição de seus “Lugares comuns de Teologia”, feita em
1535, Melanchton afirma bem claramente a liberdade humana e ensina que as
causas que produzem a justificação são 3: “o Verbo, o Espírito Santo e a vontade
do homem, não porém ociosa, mas lutando contra a própria enfermidade.” E em
1536, no Comentário sobre o Evangelho de S. João diz que as boas obras são
condição necessária para a justificação. Esta doutrina foi chamada SINERGISMO
(SYN=COM; ÉRGA=OBRAS) doutrina da justificação pela fé juntamente com as
obras, que ele ensinou até o fim de sua vida.

Discordam igualmente os Quacres, pois segundo as palavras de Barclay, um dos


teólogos do quacrismo: “Não podemos excluir da justificação as boas obras,
porque embora não sejamos justificados POR CAUSA delas, contudo somos
justificados NELAS e assim são necessárias como causa SINE QUA NON.”
(Theologiae vere christianae apologia Londres 1729 I pág. 167) [31].
Discordam também os Arminianos, pois o Arminianismo foi um movimento que
surgiu no seio da Reforma como uma séria reação contra a tese calvinista da
predestinação de uns para o Céu e de outros para o inferno; para argumentarem
com lógica contra este sistema, os arminianos tiveram que admitir o livre
arbítrio, a tese de que a graça não violenta a liberdade e A NECESSIDADE DAS BOAS
OBRAS PARA A SALVAÇÃO.

Outros que discordam são os Socinianos, segundo os quais a justificação é o ato


pelo qual Deus na sua misericórdia absolve do pecado o homem que crê em
Jesus Cristo e observa os seus mandamentos, sendo a fé justificante uma
obediência a Deus em todos os seus preceitos, mas os Socinianos já não
admitem, como os Quacres e os legítimos Arminianos, o influxo sobrenatural da
graça.

Discordam também os Svedenborgianos, que igualmente ensinam a necessidade


das boas obras, pois Svedenborg se mostrou, nos seus escritos, um ferrenho e
pertinaz adversário da justificação só pela fé.

Outros opositores, embora não o queiram dizer abertamente, são os Adventistas


do 7º Dia, que têm tomado assim uma posição sui generis. Pregam a justificação
pela fé mais ou menos no mesmo estilo das outras seitas reformadas, mas
também apresentam a observância dos mandamentos como condição
indispensável para a salvação. No final da lição 11ª do Curso por
Correspondência da Voz da Profecia intitulada: O Fim do Conflito — a Paz para
todo o sempre — assim se faz um apelo ao aluno: “Uma vez que só haverá duas
classes de pessoas por ocasião da volta de Cristo: os que Lhe forem obedientes,
que serão redimidos, e os desobedientes que sofrerão a condenação, está
disposto a seguir, cada dia, os mandamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo para
que naquele dia, esteja figurando entre os redimidos?”

Na Lição 15ª intitulada Os Três Passos para o Céu, ensina a Voz da Profecia:
“Não se poderia pregar uma doutrina que mais desonre a Deus do que a de que o
sacrifício propiciatório de Cristo haja livrado a humanidade de guardar a lei
moral de Deus... O crente não pode permanecer justificado, se voluntária e
persistentemente viola qualquer um dos Dez Mandamentos.” E na Lição 16ª
intitulada Existe uma Norma Segura de Justiça? — “A suposta fé em Jesus sem a
obediência aos preceitos divinos, não salvará a ninguém.”
Mesmo entre os que admitem a justificação só pela fé, há divergências. Uma é se
aquele que crê em Cristo é logo salvo definitivamente com certeza absoluta, ou
ainda pode perder-se. Enquanto os Batistas, por exemplo, defendem a tese da
salvação IMEDIATA, adquirida pelo crente, entre os dez artigos formulados pelo
bispo metodista J. H. Vincent e que resumem a doutrina comumente aceita pelos
metodistas a respeito da graça, figura este, que é o Art. 10º: “Creio que todos os
que perseveram até o fim e só estes serão salvos no Céu eternamente.” Entre os
protestantes que admitem a possibilidade de perder-se ainda aquele que crê
estão, portanto, os Metodistas. “Podemos extinguir o Espírito e cair da graça,
mas o nosso divino destino é o perfeito amor e a santidade na vida” — diz o
folheto EM QUE CREEM OS METODISTAS, editado pela Junta Geral da Educação Cristã
da Igreja Metodista do Brasil.

A outra divergência é sobre o próprio conceito da palavra FÉ: para os Glassitas e


Sandomianos, a fé é simples adesão às verdades reveladas; para muitos outros, a
fé é a confiança, a firme convicção de que já se está salvo pelo sangue
purificador de Jesus Cristo.

Notas (pular)

[31] Vê-se ai bem claramente a manha do protestante que, mesmo quando concorda com a Igreja Católica,
não quer dar o braço a torcer. O próprio Jesus, na descrição do juízo final, nos apresenta a salvação
concedida POR CAUSA das boas obras (Mateus XXV-34 e 35); e como já explicamos (nº 33), a doutrina
católica é que, se estas boas obras podem merecer a vida eterna, não é senão porque são sobrenaturalizadas
pela graça de Deus: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). (voltar)

A imortalidade da alma.

230. Mas não é somente sobre estes dogmas referentes a Deus e a Jesus Cristo, à
graça e à justificação que os protestantes discutem entre si. E também sobre
outro ponto de suma importância, sobre uma verdade que era admitida, até
mesmo, por todos os povos pagãos: a imortalidade da nossa alma.

Há alguns protestantes que negam ser a nossa alma imortal por sua natureza; não
admitem que ela, depois da morte, continue a viver e operar separada do seu
corpo. Não negam a imortalidade da alma, é verdade, da mesma forma que a
negam os materialistas os quais, não crendo na existência de Deus, nem na
possibilidade da ressurreição da carne, acham que toda e qualquer pessoa, depois
da morte, desaparece por completo. Para esses protestantes a coisa é diferente: os
da morte, desaparece por completo. Para esses protestantes a coisa é diferente: os
maus, os que não se salvam vão afinal um dia desaparecer por completo, não
terão uma duração eterna, porque serão aniquilados. Mas os que se salvam, estes
receberão de Deus o privilégio da imortalidade, de modo que estas almas
humanas, que por sua natureza não são imortais, vão adquirir a imortalidade,
porque Jesus as vai ressuscitar para viverem eternamente. Esta doutrina já era
ensinada pelos Socinianos, os quais procuram argumentar dizendo que a vida
eterna era desconhecida no Antigo Testamento e que antes de Cristo havia
somente uma vaga esperança de felicidade eterna, mas sem haver nenhuma
promessa positiva neste sentido. Esta promessa, Cristo a veio trazer para os que
creem nEle e assim O vão imitar na sua ressurreição, enquanto os que não creem
são juntamente com os demônios votados ao aniquilamento.

Juntam-se aos Socinianos para negar que todo homem tem alma imortal e para
afirmar que a imortalidade da alma é apenas um dom concedido por Deus
somente àqueles a quem Ele quer recompensar, duas seitas protestantes
modernas e muito propagadas: os Testemunhas de Jeová e os Adventistas do
Sétimo Dia, que assim entram em viva discussão com outras seitas sobre mais
um ponto fundamental e que nos interessa mui de perto.

Tanto os Testemunhas de Jeová como os Adventistas ensinam que atualmente


não há nenhuma criatura humana, nem no Céu, nem no Inferno, nem no
Purgatório, mas todas as almas ficam até o dia de juízo em estado de completa
inatividade e inconsciência. (Tal erro, aliás, não é novidade no Protestantismo; já
havia sido ensinado no princípio por muitos Anabatistas). A diferença que há
entre as duas doutrinas é que, para os Adventistas do Sétimo Dia os maus serão
despertados do seu estado de inconsciência para serem julgados e condenados ao
fogo que os destruirá, os aniquilará, juntamente com Satanás que também será
destruído; para os Testemunhas de Jeová os maus que são em geral os
religionistas que creem na SSma Trindade e na imortalidade da alma (!!!)
despertando de sua inconsciência terão facilidade de alcançar a salvação,
principalmente porque Satanás estará preso; os que, porém, se mostrarem
incorrigíveis serão aniquilados na batalha final de Harmagedon.

Quanto aos salvos, tanto na doutrina dos Testemunhas de Jeová, como na dos
Adventistas do Sétimo Dia, no fim do mundo é que receberão o dom da
imortalidade e vão ser felizes eternamente, sob os novos céus e na nova terra que
Deus há de formar, onde não haverá mais dor, nem lágrimas, nem morte, nem
sofrimento, nem enfermidade. E assim entramos noutro assunto em que estas
duas seitas diferem bastante das outras seitas reformadas: em vez de admitirem
uma felicidade eterna, lá no CÉU, com a visão beatífica, em que seremos como os
anjos de Deus (Mateus XXII-30), eles anunciam A VIDA ETERNA, numa terra nova,
transformada em jardim de delícias para o homem. Sendo que os Testemunhas
de Jeová abrem exceção neste ponto para 144.000 eleitos que serão ressuscitados
como verdadeiros anjos; os outros salvos serão felizes eternamente na terra, tal
qual como ensinam para todos os salvos os Adventistas.

A existência do inferno. A predestinação.

231. É claro que esta teoria do aniquilamento acarreta necessariamente a


negação da existência do inferno, tantas vezes ensinada claramente por Jesus
Cristo no Evangelho. Mas há uma tendência acentuada em muita gente para não
querer aceitar esta doutrina da eternidade das penas; e com o livre exame, com a
facilidade que ele traz de torcer os textos bíblicos, não poderia deixar de haver
seitas protestantes que negassem a existência do inferno, por maior que seja a
clareza da Bíblia neste particular (veja-se por exemplo: Marcos IX-42 a 47).

Assim não são somente os Socinianos, Testemunhas de Jeová e Adventistas do


7º Dia, adversários da tese da imortalidade da alma, que negam a existência do
inferno. É negada também pelos Universalistas, os quais aceitam a imortalidade
da alma, mas afirmam que, no final das contas, todos irão para o Céu, havendo
um castigo no fogo, porém castigo que tem o seu fim, e depois finalmente todos
conseguirão a felicidade eterna.

É a doutrina do Evangelho falseada para assim acomodar-se aos desejos


humanos. O inferno é por eles transformado num purgatório, mas purgatório
mesmo para os maus, ímpios e perversos. Acompanham aos Universalistas neste
ponto, admitindo a regeneração dos maus depois da morte, muitos
Congregacionalistas, alguns Anglicanos e os Protestantes Liberais em geral.

Diante desta acesa disputa entre os seus colegas protestantes, os Valdenses [32]
se põem do lado de fora e não querem intrometer-se na. questão. Deixam aos
seus adeptos a liberdade para escolherem uma das 3 doutrinas a respeito do
castigo dos maus: ou o fogo eterno; ou o aniquilamento; ou um castigo
temporário, indo todos depois para o Céu.

Não se pense, porém, que o grosso dos protestantes, os que admitem um


Não se pense, porém, que o grosso dos protestantes, os que admitem um
verdadeiro Céu e um verdadeiro inferno, estejam livres de discutirem entre si.
Há entre eles uma acerba controvérsia a respeito da predestinação.

É a célebre discussão entre Calvinistas e Arminianos.

Os Calvinistas ensinam que Deus por um decreto irrevogável e inflexível de sua


vontade, destina uns para a felicidade eterna e outros para a eterna condenação.
Esta doutrina vem atingir também o conceito de salvação, pois afirma que Cristo
não morreu por todos, mas só pelos eleitos, pelos predestinados; em sua eleição
Deus não leva em conta nem a fé, nem a conversão, mas procede unicamente
segundo seu livre arbítrio e prazer.

A esta doutrina se opõe o protestante holandês Armínio, afirmando que “Deus


pelo mesmo decreto quer que sejam felizes em Cristo todos os que nEle creem, e
que perseverem na fé até o fim e só condenará aos não-convertidos e não-
crentes... que Cristo morreu por todos e que os crentes só são eleitos enquanto
gozaram do perdão dos pecados... que nenhum homem tem a fé salvadora em si
mesmo ou por sua livre vontade se vive em pecado, mas é necessário nascer de
novo para Deus em Cristo por meio do Espírito Santo e renovar-se no
entendimento e na vontade, uma vez que sem a graça o homem não pode resistir
ao pecado, como também pode resistir à graça.”

Como se vê, a questão se prende a outra também discutida entre os protestantes,


isto é, se o homem é livre ou não é; os primeiros chefes reformadores Lutero,
Calvino, Zuínglio etc, que negavam o livre arbítrio eram partidários da
predestinação de uns para o Céu e outros para o inferno; ao passo que é nas
fileiras dos que admitem a liberdade humana, que se vão recrutar os Arminianos,
o que não impede que destas fileiras surjam também partidários da teoria
calvinista. A divisão existe em várias seitas protestantes neste assunto de
predestinação, como por exemplo há Metodistas Calvinistas (que seguem a
Whitefield) e há Metodistas Arminianos (que seguem a Wesley). Entre os
Batistas há também esta divisão: Batistas Calvinistas e Batistas Arminianos. Os
Presbiterianos seguem a doutrina de Calvino, mas alguns deles também
discordam de sua seita neste particular. No meio desta barafunda surgem, como
vimos, os Universalistas para afirmar que todos são predestinados para o Céu.

Notas (pular)
[32] Temos toda razão em incluir entre as seitas protestantes os Valdenses, fundados por Pedro Valdo, no
século XIII, porque eles solenemente aderiram ao Protestantismo, no ano de 1532, quando aceitaram as
doutrinas calvinistas, passando a considerar-se como uma seita reformada; depois rejeitaram o
predestinacionismo de Calvino e passaram a adotar a Confissão de Augsburgo, sempre, portanto, na
doutrina protestante. Agora que estão enquadrados no Protestantismo, os Valdenses já não têm exatamente
a mesma doutrina primitiva; já não admitem 7 sacramentos, como admitiam outrora, nem consideram mais
a prática da pobreza como necessária para a salvação, etc. (voltar)

O purgatório.

232. A existência do purgatório, que foi a princípio admitida por Martinho


Lutero para ser depois negada pelo mesmo e sobre a qual Melanchton sempre
permaneceu indeciso, embora seja negada hoje pela grande maioria dos
protestantes, encontra defensores em alguns Metodistas modernos, os quais
afirmam haver, depois da morte, um estado intermediário de purificação, não
para os fiéis, mas para aqueles que nunca ouviram falar de Cristo.

Vão mais adiante alguns Luteranos, admitindo o purgatório mesmo para os fiéis
e estão baseados em que, como diz o protestante alemão Dr. Karl von Hase: “a
maior parte dos moribundos são bons demais para o inferno, porém ruins demais
para o céu” (Handbuch der protest. Polemik 385). Discordam da doutrina de que
o castigo no purgatório seja verdadeiro fogo, o que, aliás, embora seja a opinião
comum dos teólogos católicos, contudo não é de fé definida; discordam também
da ideia de que possam estas almas que se estão purificando no outro mundo ser
ajudadas pelas nossas orações e sufrágios. Já pensam de maneira diferente
muitos membros da Igreja Protestante Episcopaliana, os quais não só admitem a
existência do purgatório, mas possuem uma associação especial destinada a
fomentar “a oração de intercessão para os moribundos e para o descanso das
almas dos sócios e de todos os fiéis defuntos” e assim se mostram inteiramente
de acordo com a doutrina católica.

Sacramentos.

233. A Igreja chama Sacramento “um sinal sensível instituído por Nosso Senhor
Jesus Cristo para significar e conferir a graça”. Conferir, é claro, no sentido de
dar, transmitir. Esta graça pode ser a graça primeira como no Batismo e na
Penitência; ou um aumento de graça como nos outros: Eucaristia, Confirmação,
Extrema-Unção, Ordem e Matrimônio.

Entre os protestantes reina uma grande confusão sobre este assunto.


Entre os protestantes reina uma grande confusão sobre este assunto.

Hoje já há protestantes que admitem os 7 Sacramentos exatamente como a Igreja


ensina e dando-lhes o mesmo significado: são muitos Ritualistas na Inglaterra.

Fora destes, os protestantes admitem um número menor de sacramentos,


variando as opiniões a respeito deste número, como veremos.

Mas antes disto já há discussão, no Protestantismo, a respeito da NOÇÃO de


sacramento. Os Luteranos, por exemplo, admitem a doutrina católica de que o
Sacramento confere a graça. Vejamos o que diz nas páginas 48 e 49, o Breve
Guia do Cristão, publicado pelo Sínodo Evangélico Luterano do Brasil, em
1953: “Sacramento quer dizer função ou ato sagrado, instituído por Deus, no
qual, mediante determinados meios externos, ligados com a Palavra de Deus
(água no Batismo e pão e vinho na Santa Ceia) nos oferece, dá e sela a sua graça
adquirida por Cristo. Os Sacramentos são portanto meios da graça, mediante os
quais Deus nos oferece a sua graça e a remissão dos pecados, adquiridas por
Cristo ao realizar a nossa redenção e no-las apropria.” Insurgem-se contra esta
noção muitos outros protestantes (entre os quais os Batistas) afirmando que os
chamados comumente sacramentos, como p. ex. o Batismo e a Ceia, não
conferem graça alguma, a graça o crente já tem pela fé; servem, apenas, como
um testemunho desta mesma fé.

Mesmo, porém, que se considerem os Sacramentos como MEROS RITOS RELIGIOSOS


CRISTÃOS QUE VÊM DOS TEMPOS DE CRISTO, há grande diversidade entre os
protestantes.

Os Anglicanos admitem como RITOS, com cerimônias e orações especiais, a


Confirmação, a Ordem, o Matrimônio, a Unção dos enfermos, além do Batismo
e da Ceia que eles chamam SACRAMENTOS.

Os Svedenborgianos admitem o Rito da Confirmação; pois administram o


batismo às crianças e depois lhes impõem as mãos, quando chegam ao uso da
razão. Isto coincide com a primeira participação da Ceia do Senhor.

Os Irmãos Primitivos, chamados também Tunkers, de uma palavra alemã que


quer dizer MERGULHADORES, administram a Confirmação logo após o Batismo: o
batizando se ajoelha dentro d’água, é mergulhado 3 vezes e imediatamente o
ministro lhe impõe as mãos e faz preces por ele.
Os Luteranos Legítimos [33], além do Batismo e da Ceia, que consideram como
sacramentos, admitem ritos religiosos da Confirmação, da Ordem e da
Confissão. A respeito desta última, os Luteranos admitem duas espécies de
confissões: a geral e a privada. Na Confissão geral, os fiéis recitam uma fórmula
em conjunto e o ministro, autorizado pela congregação, OS ABSOLVE. Vejamos o
que diz o catecismo luterano Breve Guia do Cristão na página 56: “Que é
absolvição? Declarar o pecador penitente livre do pecado, dizendo-lhe: Eu te
perdoo todos os teus pecados! A absolvição é pronunciada pelo ministro de
Cristo, chamado e autorizado pela congregação cristã para tal fim. Deus delegou
esse poder à congregação cristã e esta o delega ao seu pastor, a fim de o exercer
publicamente por ela, para que na Igreja de Deus tudo se faça com ordem e
decência.” Além da confissão geral, admitem também a confissão privada,
secreta, auricular, que faz o fiel ao seu pastor, mas confissão esta facultativa e
não obrigatória: “O crente luterano pode ser confortado, procurando seu pastor
particularmente e expondo-lhe o seu caso de consciência, para que na qualidade
de ministro de Cristo o absolva individualmente, para maior conforto seu”
(Breve Guia do Cristão pág. 57).

Os Pentecostais admitem só o Batismo e a Ceia; mas fazem distinção entre o


batismo de água e o Batismo do Espírito Santo, sendo este último evidenciado
pela glossolalia ou dom de falar línguas estranhas, como fizeram os Apóstolos
no dia da Pentecostes (embora na realidade chamem DOM DE LÍNGUAS a simples
capacidade de emitir sons incompreensíveis); este batismo costuma vir
acompanhado de extravagâncias e crises nervosas e neste ponto os Pentecostais
são justamente condenados e ridicularizados pelas outras seitas.

Os Menonitas celebram duas vezes por ano a Ceia do Senhor, fazendo-a


preceder do Lavatório dos pés, o qual consideram obrigatório e admitem, além
do Batismo, a unção com óleo aos enfermos que a peçam com fé. Admite
também a unção com óleo aos enfermos, a Igreja Irmã ou Dunkers Progressivos,
fundada na Convenção de Dayton Ohio, em 1883, a qual afirma que todo cristão
tem como dever e privilégio observar os mandamentos de Nosso Senhor Jesus
Cristo, entre os quais se acham o Batismo dos crentes, com a imersão trina e
una; a Confirmação, a Ceia do Senhor, a comunhão do pão e do vinho, o
Lavatório dos pés dos santos; a Unção com óleo aos enfermos.

Os Irvingianos admitem o Batismo, a Ceia e a Ordem.


Notas (pular)

[33] Chamamos Luteranos Legítimos os que conservam mais fielmente a doutrina do seu mestre, porque o
luteranismo, como todas as grandes seitas protestantes, está bastante subdividido e há, portanto, grande
divergência entre as próprias seitas que se denominam Luteranas. (voltar)

O Batismo. A pregação.

234. Enquanto há tantas seitas protestantes que assim admitem outras


cerimônias, outros ritos além do Batismo e da Ceia, há um grande número de
seitas que não admitem, fora destes dois, nenhum rito religioso.

E há também seitas protestantes que não admitem nenhum rito: nem Batismo,
nem Ceia, nem coisa alguma. São os Quacres e os Salvacionistas ou Exército de
Salvação, por exemplo. Alegam os Quacres que com aquela palavra de S. João
Batista de que ele batizava em água, mas Jesus Cristo havia de batizar no
Espírito Santo e no fogo, se mostra a abolição do batismo de água; que o tempo
das figuras já passou; e que a profissão de fé em Cristo e a santidade de vida são
melhores sinais de cristianismo do que qualquer ablução exterior. Aliás, esta
seita se distingue perfeitamente de todas as outras seitas protestantes pela
ausência completa, não só de qualquer rito, mas de qualquer demonstração
exterior nas suas reuniões. Não há nenhuma cerimônia. Não há pregadores
escalados, uma vez que não há, entre eles o ministério da pregação. Os Quacres
acusam a pregação de se ter tornado uma ciência, uma arte, um ofício como
outro qualquer; aprende-se a pregar como se aprende a advogar, a fazer
discursos acadêmicos, a representar no teatro; isto serve para satisfazer à
vaidade, e muitas vezes tais doutores se encarregam mesmo de desmentir seus
próprios discursos com sua maneira de proceder; o resultado é que se produz nas
almas a frieza, a secura, a esterilidade e a morte, quando a palavra evangélica
deve ser antes de tudo a espontânea expansão da inspiração divina. Esta é a
linguagem dos Quacres sobre os pregadores, a qual podemos confrontar com o
que fazem as outras seitas protestantes. Como remédio a estes males que
denunciam, o que fazem os Quacres? Dão o direito a qualquer fiel, velho ou
moço, sábio ou ignorante, homem ou mulher, de pregar e glorificar publicamente
a Deus na assembleia cristã, desde que receba a inspiração divina. Reúnem-se
todos, concentram-se no mais absoluto silêncio e esperam que surja A LUZ
INTERIOR, o toque do Espírito Santo, a inspiração do Céu; aí então o que a recebeu
toma a palavra para edificação de seus irmãos. Não aparecendo esta moção, se
conservam em silêncio até o fim. E assim, em vez de todos aqueles
inconvenientes que enxergam na pregação, se sujeitam a outro muito maior do
que todos eles reunidos: a liberdade de cada um dizer os maiores disparates,
atribuindo-os ridiculamente à inspiração do Divino Espírito Santo.

Mas, voltando ao Batismo, mesmo os protestantes que o admitem discutem em


muitos pontos.

É velha a discussão que há entre eles sobre o batismo das crianças, ou seja, se
devem as crianças ser batizadas ou só os adultos; a discussão já vem dos tempos
de Lutero e de Calvino e perdura até o dia de hoje.

Aparecida a Reforma, surge a seita dos Anabatistas que em vista da teoria


protestante da justificação só pela fé, condena o batismo dos meninos como
ilógico, ilícito e sem valor, porque o menino não tendo o uso da razão não tem a
fé, portanto não tem as disposições necessárias para o batismo. Além disto, não
admitindo a transmissão do pecado original tal qual como admite a Igreja
Católica, não veem motivo para batizar as crianças. Mas contra os Anabatistas se
insurgem Lutero, dizendo que o Batismo é para todos; Zuínglio, segundo o qual
o Batismo não é necessário para a salvação, nem para remissão do pecado
original, mas é preciso ministrá-lo a todos, porque é a circuncisão nova,
indispensável como era a antiga, pois é por meio dela que o homem se introduz
no seio do povo de Deus; Calvino, afirmando que o filho dos fiéis já é
santificado desde o nascimento pois Deus prometeu abençoar a raça dos fiéis,
mas é preciso conferir o sacramento ao menino, porque Deus o quer, o rito
exterior introduzirá o menino na Igreja, confirmará a fé dos pais, tornará o
pequeno mais caro à comunidade cristã, e assegurará sua educação religiosa.

E ainda continua acesa a discussão. Só batizam os adultos, por exemplo: os


Batistas, os Menonitas, os Pentecostais, os Adventistas do 7º Dia. Batizam
também as crianças: os Luteranos Legítimos, os Metodistas, os Irmãos Unidos
em Cristo, os Svedenborgianos, os Presbiterianos e os Anglicanos em geral.

Outra discussão que há entre os protestantes é no que diz respeito à validade do


Batismo por infusão. Uns dizem que só é válido o batismo por imersão, como
por exemplo: os Batistas, os Adventistas do Sétimo Dia, os Pentecostais. Dentre
os partidários da imersão alguns até exigem 3 imersões, como a seita dos Irmãos
Primitivos.
Outros, porém, discordam, admitindo a validade do batismo por infusão, como
os Menonitas e os Luteranos por exemplo. Os Metodistas batizam as crianças
por infusão, deixando aos adultos escolher a forma em que querem ser batizados.

Uma terceira discussão que há entre os protestantes é se se devem rebatizar os


que já foram batizados em outras seitas cristãs.

E como nota extravagante nesta matéria de batismo, está o batismo dos defuntos
por procuração de que já falamos (nº 221), o qual é posto em prática, não só
pelos Mormões [34], mas também pela Igreja Neo-apostólica.

Notas (pular)

[34] Não temos os Mormões na conta de protestantes, uma vez que a sua primeira confissão de fé, redigida
pelo fundador José Smith, reza assim: “Cremos que a Bíblia é a palavra de Deus em tudo o que se conforma
com o original inspirado e também que é palavra de Deus o Livro de Mórmon.” Ora, isto é contrário ao
espírito do Protestantismo, o qual não admite outra regra de fé além da Bíblia. Se, porém houver Mormões
que recusem reconhecer esta autoridade absoluta no Livro de Mórmon, já não há motivo mais para
deixarem de ser considerados protestantes. Fazem a interpretação da Bíblia como o fazem as seitas
reformadas. Dizendo que o batismo por procuração é igualmente praticado pela Igreja Neo-apostólica,
mostramos que este erro existe também dentro do Protestantismo.

Quanto aos Adventistas do 7º Dia, não vemos motivo para que não sejam considerados como protestantes,
uma vez que eles ensinam bem claramente que “para chegar a conhecer com segurança a verdade devemos
provar todo conceito pelas Escrituras” (lição 6ª do Curso por Correspondência da Voz da Profecia). Se eles
prestam muita atenção ao que escreveu a Sra. Helena G. White, o mesmo se dá com outras seitas
protestantes que têm também os seus mentores e que prestam muita atenção ao que lhes ensinaram Lutero,
Calvino, Svedenborg, Jorge Fox, Campbell etc. (voltar)

A Eucaristia.

235. Logo nos inícios da Reforma houve, no seio dela, uma acerba discussão a
respeito da presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Defendia esta presença
real Martinho Lutero, embora discordando também da doutrina católica sobre a
transubstanciação. Em vez de admitir com os católicos que a substância do pão
se converte na substância do corpo de Cristo, ensinava a permanência das 2
substâncias, ou seja, a consubstanciação. Bem como limitava esta presença só ao
momento da comunhão, uma vez que não admitia o Santo Sacrifício da Missa.
Contra ele se insurgiu, entre outros, Zuínglio afirmando que na Eucaristia não há
mais que pão e vinho e ela vem a ser um memorial da Paixão de Jesus e nada
mais. Calvino procurou colocar-se no meio termo entre um e outro, afirmando
que Cristo está presente na Eucaristia, não realmente, mas virtualmente, isto é,
no momento da comunhão desce do verdadeiro corpo de Cristo que está no Céu
uma certa força espiritual para aqueles que comungam.

Entre os Anglicanos: uns seguem a teoria calvinista; outros, a teoria luterana;


outros vão mais além, se aproximam muito mais da doutrina católica, porque
admitem a presença real de Jesus Cristo como os Luteranos, porém não só no
momento da comunhão, pois conservam a Eucaristia para levá-la aos enfermos,
para adorá-la e para dar a bênção do SSmo, só não admitindo a teoria da
transubstanciação, a qual eles rejeitam (ou então não falam neste assunto); há
outros enfim que admitem totalmente a doutrina católica sobre a presença real de
Jesus Cristo na Eucaristia, inclusive a teoria da transubstanciação. É que há no
seio do Anglicanismo, um movimento de acentuada aproximação com o
Catolicismo, movimento este iniciado pelos Puseístas e intensificado pelos
Ritualistas. Os Ritualistas são protestantes; são homens que surgem do seio do
Protestantismo, da seita anglicana; praticam o livre exame, pois não se
submetem em alguns pontos ao ensino tradicional da Igreja, rejeitam alguns
dogmas católicos, não reconhecem a jurisdição do Romano Pontífice e há
mesmo divergência entre eles. Mas, cansados de ver tanta controvérsia, tanta
confusão nas seitas protestantes que proliferam na Inglaterra e isto devido à
impotência dos Bispos anglicanos para reprimirem os erros, diante disto,
espontaneamente, levados por um certo amor à unidade, vão admitindo não só
muitas doutrinas, mas também muitos ritos da Igreja Católica, de modo que
admitem a Missa, tal qual a concebe o Catolicismo, como verdadeiro e real
sacrifício, continuação do sacrifício da Cruz e até com todas as cerimônias e
paramentos que a Igreja usa. Como se vê, a variedade é muito grande no seio do
Protestantismo.

A grande maioria das seitas não admite a doutrina de Lutero, nem a de Calvino,
mas a de Zuínglio; consideram a Ceia uma mera distribuição de pão e de vinho,
para lembrar a Paixão do Senhor (!) e nada mais.

Mas, ainda mesmo entre estes que assim opinam, não deixa de haver uma
pequena discordância: discutem os protestantes se esta “Ceia do Senhor” deve
ser administrada só aos adeptos de sua seita, ou se também se devem admitir os
de outra denominação, tornando-se assim não só uma lembrança da Paixão do
Salvador, mas também um meio de confraternização entre as várias igrejas
cristãs. Os Batistas são da primeira opinião, por exemplo; ao passo que os
cristãs. Os Batistas são da primeira opinião, por exemplo; ao passo que os
Presbiterianos são da segunda. A seita dos Irmãos se divide em dois ramos: os
Irmãos Abertos, que aceitam também os outros protestantes na sua ceia; e os
Irmãos Fechados, que não os admitem.

O Matrimônio.

236. Há controvérsia entre os protestantes a respeito da indissolubilidade do


matrimônio. Há uns que seguem neste ponto a doutrina católica, não admitindo o
divórcio em hipótese alguma, como são por exemplo os Quacres e os
Irvingianos. Outros admitem o divórcio, mas só em caso de adultério, como os
Menonitas. Outros, em caso de adultério e em caso de abandono voluntário que
não possa ser remediado nem pela Igreja, nem pelas autoridades civis, como
ensinam muitos Presbiterianos. Outros, mesmo em alguns casos fora destes,
como são, por exemplo, muitos Anglicanos.

Sábado e Domingo. Adventismo.

237. Divergem os protestantes também sobre o dia de descanso. Uns descansam


no sábado e outros no domingo. Fazem questão cerrada da observância do
sábado, tomando-a como um dos pontos capitais de sua doutrina os Adventistas
do 7º Dia, combatidos neste particular pela grande maioria das outras seitas
protestantes.

Dizemos um dos pontos capitais, porque o outro, que os Adventistas pregam


com muita insistência é A PRÓXIMA vinda do Senhor, ou seja, o próximo fim do
mundo. Nisto são também contestados pelos outros protestantes que alegam, e
com razão, o texto de S. Marcos: A respeito, porém, deste dia ou desta hora,
ninguém sabe quando há de ser, nem os anjos no céu, nem o Filho, mas só o Pai
(Marcos XIII-32). Aliás, os Adventistas do 7º Dia nasceram de um tremendo
fracasso: o de William Miller que, fazendo os seus cálculos, baseado numa
errônea interpretação do livro de Daniel (capítulos 2º e 8º) anunciou aos quatro
ventos nos Estados Unidos que o mundo se acabaria infalivelmente no intervalo
entre 27 de março de 1843 e 21 de março de 1844. Houve uma ansiosa
expectativa, porque a propaganda tinha sido tremenda; muitos até caíram na
imprudência de abandonar o cultivo dos campos: outros deram todos os seus
bens aos “infiéis” (isto é, aos que não acreditavam), a fim de ficarem mais livres
para seguirem o Esposo. E veio a decepção acabrunhadora, porque se esgotou o
prazo, passou o dia 21 de março de 1844 e o mundo continuou a marchar da
mesma forma. Então Snow, um dos discípulos de Miller, observa, no meio da
geral consternação, que havia um engano nas contagens de seu mestre: o fim do
mundo seria com toda certeza no dia 22 de outubro do mesmo ano. Subiram os
Adventistas para os montes naquele dia com suas vestimentas de festa para o
encontro com Jesus, mas desta vez foi mais uma nova e espetacular decepção.
Não desanimaram os adeptos de Miller; passaram a pregar que o fim do mundo
está bem próximo, mas sem se saber precisar quando será; e como se vê, HÁ MAIS
DE UM SÉCULO que o estão anunciando para muito breve. E enquanto há entre os
Adventistas esta ansiosa expectativa em torno do fim do mundo, os
Svedenborgianos pensam de modo muito diferente: acham que o juízo final já se
realizou no ano de 1757, tendo sido presenciado pelo próprio Svedenborg...

Mas, voltando à questão do sábado, o próprio nome de Adventistas do 7º Dia


mostra que entre os mesmos Adventistas ou seja, pregadores da proximidade do
fim do mundo, há uns que são do 1º Dia ou que descansam no domingo. Em
outras seitas também há partidários do sábado; entre os Batistas, por exemplo: há
Batistas do 7º Dia que descansam no sábado, ao contrário da maioria dos
Batistas, que têm o domingo como dia de descanso.

Dentre os protestantes que são partidários da observância do sábado, surgiu uma


seita bastante original: a dos Sabatistas da Reforma Completa, os quais se
julgam obrigados a observar muitas outras coisas que eram preceituadas na lei de
Moisés, por isto não comem a carne de porco, nem a banha que dele procede,
nem aqueles animais que eram considerados impuros para os judeus, não comem
o sangue nem os animais sufocados, não rapam a barba etc. Os outros
protestantes se revoltam contra este regresso à lei mosaica. Nada podem fazer,
porém. Tudo isto faz parte do livre exame. Estas proibições, eles as mostram na
Bíblia... E a Bíblia cada um interpreta a seu modo...

O culto dos santos.

238. É rejeitado em geral pelas seitas protestantes, menos pelos Ritualistas que
o admitem. Mesmo fora dos Ritualistas têm aparecido protestantes ilustres como
Grotius e Leibnitz (veja-se nº 374) que se têm mostrado favoráveis à intercessão
dos santos.
A respeito da devoção a Maria SSma, apesar de encontrar tão grande oposição
em geral, por parte dos protestantes, surgem, entre eles, preciosas confissões dos
que sabem reconhecer as vantagens deste culto. Assim diz o luterano Karl von
Hase: “Nosso Juízo seria mesquinho se tivéssemos em pouca estima esta
devoção que no tempo dos bárbaros estendeu seus luminosos raios sobre o sexo
feminino, apresentando à mulher um ideal sublime e amável e recordando às
virgens e às mães o honrar e imitar a Maria de alguma maneira... Não negamos
que o Filho Divino é honrado também em sua Mãe, honra preciosa, tanto em sua
singeleza bíblica, como em sua glorificação na arte” (Handbook to the
Controversy with Rome, tradução de A. V. Streane. Londres 1909).

T. B. Thompson, ministro da seita dos Irmãos Plymutistas, escreve em um artigo


da revista Truth and Light (Verdade e Luz): “O amor e a veneração à Virgem
Maria constituem um capítulo importante no culto católico. Não tenho
dificuldade alguma em aprovar a atitude da Igreja Católica para com a Mãe de
Jesus. Além disto, não se pode deixar de reconhecer que o culto da Virgem
Maria dulcificou o coração do mundo para com a mulher, contribuiu eficazmente
para dar à mulher o posto de honra que ora ocupa e colocou toda a Igreja à
sombra da santidade do lar. No respeito inculcado a Maria, a Igreja Católica
Romana nos apresenta a mais bela, a mais delicada homenagem prestada à graça,
à doçura e à beleza maternais.”

Entre as associações existentes na Igreja Protestante Episcopaliana, fundada nos


Estados Unidos em separação da Igreja Anglicana, está uma que tem por título:
“O Rosário de Nossa Senhora e de S. Domingos” e que se destina a propagar a
devoção a Maria SSma e difundir entre os fiéis a recitação do Rosário.

Virgindade de Maria SSma.

239. Já que falamos em Maria SSma, surge também a questão de sua virgindade.
E neste ponto vemos que os protestantes divergem entre si quanto ao interpretar
a palavra de Isaías, citada por S. Mateus: Eis que uma VIRGEM conceberá e DARÁ À
LUZ um filho e será chamado o seu nome Emanuel (Isaías VII-14), bem como a
expressão irmãos do Senhor (1ª Coríntios IX-5).

Que Maria SSma foi virgem antes do parto, quer-nos parecer que todos estão de
acordo.
Que Maria SSma foi virgem na hora do parto, uns afirmam e outros negam. O
nascimento virginal de Jesus Cristo, negado por muitos protestantes, é
considerado questão aberta, questão discutida, por exemplo, pela Igreja
Anglicana.

Mesmo entre os que admitem o nascimento virginal de Jesus há outra


controvérsia: se Maria SSma foi perpetuamente virgem. Os protestantes se
dividem em 3 correntes:

uns negam abertamente, dizendo que aqueles irmãos de Jesus de que fala a
Bíblia são outros tantos filhos que Maria SSma teria tido;

outros dizem que nada se sabe a respeito, que é assunto controvertido;

outros finalmente abraçam sem nenhuma hesitação a doutrina católica de que


Maria SSma foi perpetuamente virgem.

E valiosa neste sentido a opinião do Dr. João Pearson, bispo anglicano de


Chester (no seu livro: Exposition of the Creed. Londres 1692 art. 3º pág. 172):
“A questão não é a de saber se Jesus teve irmãos, mas sim se a mãe de Jesus
Cristo, Maria teve outros filhos além de Jesus. Na língua hebraica a palavra
IRMÃOS compreende não só a relação de verdadeira fraternidade, mas também a
de consanguinidade, ainda a mais remota. Por conseguinte, tendo a Virgem
Bem-aventurada consanguíneos remotos, estes eram chamados irmãos do
Senhor... Que Maria se conservasse sempre virgem, se infere necessariamente do
privilégio eminentíssimo e sem igual de ser Mãe de Deus; da honra e reverência
devida a tal Filho e que Maria sempre Lhe tributou; do respeito ao Espírito Santo
que descera sobre ela, do poder do Altíssimo que a cobriu com a sua sombra; e
finalmente da piedade singular de seu esposo José.”

Outro testemunho insuspeito é o do Dr. Bull, também bispo anglicano (On the
due praise and honor of the Virgin — Londres. 1851 vol. IIº pág. 588) “Da
dignidade da Beatíssima Virgem se segue necessariamente que ela permaneceu
sempre virgem, como constantemente sustentou e defende a Igreja Católica.
Seria indecoroso imaginar que aquele vaso tão puro, consagrado especialmente
para santuário da Divindade, pudesse depois ser profanado por um homem.”

As imagens.
As imagens.

240. É bem conhecido o horror que têm em geral os protestantes às imagens


sagradas, por eles consideradas como ídolos abomináveis. Mas não conservam
os Luteranos nas suas igrejas a imagem de Jesus Crucificado? Não estão cheias
de imagens as igrejas anglicanas?

O pecado original.

241. Lutero afirmava que o pecado original consiste na depravação total da


natureza humana, principalmente na veemente concupiscência que é invencível,
pois na opinião dele não existe o livre arbítrio; em consequência desta total
depravação, todos os atos do homem são necessariamente pecados e pecados
mortais; só deixando de condenar-nos, só se tornando veniais, quando nos é
imputada a justiça de Cristo.

Já não esposam integralmente estas ideias os Luteranos de hoje, os quais


admitem a transmissão do pecado original: “somos por nascimento inimigos de
Deus” (Breve Guia do Cristão pág. 32), exageram também a depravação da
nossa natureza: “No atual estado de pecadores nenhum homem é capaz de
cumprir os mandamentos de Deus... Apenas o crente pode fazer boas obras”
(Breve Guia do Cristão págs. 22 e 34) Mas não admitem, como Lutero, uma
depravação total, absoluta, irremediável, de modo que a justificação fosse apenas
uma não-imputação meramente externa: “O Espírito Santo nos ilumina, tira a
nossa cegueira natural, nos vivifica e nos torna amigos de Deus... É ainda o
Espírito Santo quem nos conserva a fé e nos dá a força para a santificação da
nossa vida” (Breve Guia do Cristão págs. 33 e 34).

Muitas seitas falam igualmente na transmissão do pecado original, sendo muito


comum entre os protestantes a tendência para identificá-lo com a
concupiscência. Há outras seitas, porém, que se abstêm de falar sobre este
assunto, não se dando ao trabalho de explicar em que sentido todos pecaram em
Adão (Romanos V-12 e 19).

E num chocante contraste com a doutrina de Lutero, os protestantes Liberais


chegam ao extremo oposto, afirmando que o pecado original consistiu apenas no
mau exemplo que Adão e Eva deixaram para os seus descendentes. Mais longe
ainda vão os Svedenborgianos, que negam mais radicalmente o pecado original,
ensinando que a narrativa do Gênesis sobre Adão e Eva não é real, mas
ensinando que a narrativa do Gênesis sobre Adão e Eva não é real, mas
simplesmente alegórica, pois Adão não foi o primeiro homem, apenas Adão e
Eva são tomados como símbolos para representar a primeira Igreja que existiu
no mundo e que foi a Igreja do antigo Testamento antes do dilúvio.

Natureza e organização da Igreja.

242. Entre os protestantes há muitos que não pertencem a seita alguma, porque
achando, conforme a doutrina da Reforma, que o homem se salva
exclusivamente pela fé em Cristo e pelo arrependimento, sem precisar para isto
de nenhum sacramento nem rito religioso, não reconhecendo nem mesmo a
necessidade do Batismo e admitindo a liberdade de cada um interpretar a sua
Bíblia dizem, como consequência lógica de tais princípios, que a Igreja fundada
por Cristo é uma IGREJA INVISÍVEL, que consta de fiéis, os quais Deus é quem os
conhece. Outros, ao contrário, admitem uma IGREJA VISÍVEL; e é de ver como em
geral, apesar das teorias da Reforma, as seitas se organizam como verdadeiras
sociedades, admitindo e expulsando membros, recebendo pagamentos de
dízimos etc. Outros, enfim, fazem uma distinção entre a Igreja visível constituída
por aqueles que externamente professam a fé cristã, e a Igreja invisível que é o
conjunto dos santos e dos eleitos.

Entre aqueles mesmos que admitem a Igreja como sociedade visível, há muita
diversidade no que diz respeito ao seu governo e organização.

Os Anglicanos têm como seu chefe o Rei ou a Rainha da Inglaterra. Os


Luteranos também tomam como chefe o rei ou o príncipe, quando a Igreja está
unida ao Estado; em caso contrário são governados pelo Sínodo. Os
Presbiterianos são governados pela reunião dos presbíteros. Os
Congregacionalistas põem o poder em cada congregação dos fiéis, a qual é
considerada independente. Há protestantes Episcopalianos que reconhecem a
autoridade de bispos, superiores aos pastores comuns; outros que admitem
bispos, só com o poder de ordenar, como os Irmãos Moravos; outros que têm
somente pastores; outros até, como os Testemunhas de Jeová, vivem chateando
os demais protestantes com certos textos da Bíblia (este por exemplo: O meu
povo veio a ser um rebanho perdido; os pastores deles os enganaram —
Jeremias L-6) ou com o capítulo 34 de Ezequiel, e tentando provar com isto que
o título de pastores é condenado por Deus. Pelo que dissemos dos Quacres já se
vê que eles não admitem pastores. Algumas seitas, entretanto, têm não só
pastores, mas também pastoras, pois concedem também às mulheres o direito de
pregar nos seus templos, como a Igreja de Santidade dos Peregrinos e a seita
denominada Coluna de Fogo.

A Bíblia e sua inspiração.

243. Ora por um, ora por outro, vários livros da Bíblia, como veremos mais
adiante (nº 255) têm sido rejeitados por alguns chefes da Reforma; e entre eles se
contam por exemplo: a Epístola aos Hebreus, a 2ª e a 3ª de João, a 2ª de Pedro, a
Epístola de S. Tiago, a de S. Judas e o Apocalipse. Muitos Protestantes Liberais
rejeitam a autenticidade do Evangelho de S. João.

E enquanto à inspiração da Bíblia, as opiniões também são diversas.

Muitos protestantes antigos ensinavam que o Espírito Santo ditou a Bíblia


palavra por palavra, (e até quanto à pontuação, diziam alguns), de modo que os
escritores sacros não foram mais que A PENA de que se serviu o Espírito Santo.
Muitas seitas protestantes de hoje continuam com esta teoria, como, por
exemplo, os Luteranos Legítimos: “Deus Espírito Santo inspirou aos escritores
da Bíblia toda e cada uma das palavras que se acham neste livro... O verdadeiro
autor da Bíblia é portanto, o próprio Deus, o qual fez dos santos escritores seus
instrumentos, como o professor que dita as palavras que o aluno deve escrever
no seu ditado” (Breve Guia do Cristão págs. 4 e 5). E há sociedades missionárias
protestantes, como o Companheirismo Latino-americano de Oração e a Missão
da América Central, que incluem no seu Credo: a inspiração VERBAL da Sagrada
Escritura.

Outros protestantes, como os Puseístas, seguem nesta matéria de inspiração a


doutrina católica, segundo a qual (para resumi-la em poucas palavras), os livros
inspirados são infalíveis em todas as suas partes, porque têm a Deus como
AUTOR. Para isto não é preciso dizer que Deus ditou as palavras, uma por uma,
mas sim que Ele moveu a vontade e iluminou a inteligência do escritor sacro de
tal maneira que este escrevesse tudo aquilo e só aquilo que Deus quis que ele
escrevesse. Nisto Deus se serviu do escritor como de um instrumento inteligente
e livre, de modo que não obsta à inspiração que o escritor tenha feito
investigações sobre o assunto, já induzido a isto por Deus, como fez S. Lucas,
por exemplo (Lucas I-3); nem também que inspirado por Deus na sua
inteligência, ele conserve, ao passar o preto no branco, as características de seu
próprio estilo e o cunho de seu talento pessoal.

Há outros protestantes (como p. ex., os teólogos C. Gore e W. Sanday) que já


falam de modo diverso. Dizem eles que a inspiração foi pessoal e não do texto;
isto é, os escritores sacros eram inspirados, no sentido de que eram homens
privilegiados, aptos para inspirar aos outros a emoção religiosa. Mas os seus
livros nem todos são inspirados do mesmo modo e no mesmo grau. Neles há
coisas divinas e humanas, encontram-se até alguns erros, mas do conjunto dos
ensinamentos expostos na Escritura se pode tirar tudo o que é necessário para a
salvação e seguindo-a nas coisas ESPIRITUAIS não podemos errar.

Outros, como os Protestantes Liberais, vão mais longe ainda: afirmam que a
inspiração da Bíblia é semelhante à inspiração que atribuímos aos oradores e aos
poetas. Os livros sacros devem ser, dizem eles, sujeitos à crítica, pois contêm
coisas verdadeiras e falsas, fatos históricos e mitos. E como infelizmente não
admitem a divindade de Cristo, afirmam os Protestantes Liberais que Cristo
errou em várias coisas, mas ensinou os grandes princípios da paternidade de
Deus e da fraternidade humana e daí decorrem todos os nossos deveres para com
Deus e os homens e que é preciso observar para conseguir a salvação.

Completamente desorientados...

244. Como se vê, a Bíblia é uma só, todos os protestantes dela se consideram
fiéis seguidores, mas as suas interpretações são as mais desencontradas. Na sua
ânsia de dar lições à Igreja Católica em matéria de exegese bíblica, eles se
mostram, sim, completamente desorientados nesta matéria. E as divergências
entre eles são tantas e tão profundas que demandariam um grosso volume, não o
simples capítulo de um livro para descrevê-las.
A grande chaga do Protestantismo
Lágrimas e lamentações dos reformados.

245. Estas profundas divergências que reinam no seio do Protestantismo, mal


irremediável pois as seitas se multiplicam cada vez mais, são como uma
maldição que sobre ele pesa, desde o seu aparecimento.

Já os primeiros Reformadores não ocultavam a vergonha e a decepção que lhes


causavam suas próprias discordâncias. Lutero se queixava de que havia “quase
tantos sistemas quantas cabeças de pregadores”. Calvino escrevia numa carta a
Melanchton: “É de grande importância que não passe aos séculos vindouros
nenhuma suspeita sobre as divisões que existem entre nós, porque é ridículo,
acima de quanto se possa imaginar, que depois de ter rompido com todo o
mundo, nós estejamos em tão pouco acordo desde o início da Reforma.” O
mesmo Melanchton dizia: “O rio Elba com todas as suas águas não nos
forneceria lágrimas suficientes para chorar as desgraças da Reforma dividida.”

Atualmente, depois de 4 séculos de sempre crescente anarquia e confusão na


doutrina reformada, os protestantes modernos continuam a lamentar
profundamente as suas divisões. “A multiplicidade de igrejas, diz Bertrand, é
uma dor e um escândalo.”

O Bispo anglicano de Bombaim (em artigo publicado na International Review of


Missions, de janeiro de 1928) diz: “Nós deveríamos poder dizer aos pagãos: aqui
está a Igreja de Cristo; porém nossas divisões dão um desmentido. O
Protestantismo professa opiniões contraditórias e as que são falsas deveriam ser
rechaçadas, não só por amor à união, como por respeito à verdade. Em Lausanne
os delegados não ousaram tomar sobre si a responsabilidade de dizer em nome
de suas seitas: Estávamos no erro. De uma conferência deste gênero não poderá
nunca surgir a união das Igrejas.”

O protestante R. Roberts escreve (na Review of the churches, de abril de 1925):


“Pela sua acentuada tendência individualista, o movimento protestante teve uma
tendência cissípara (reprodução mediante a cisão do próprio organismo); a sua
história é uma história de contínuas divisões e subdivisões, a ponto de o número
das seitas se ter tornado e ser ainda escândalo e objeto de mofa para todos.”
das seitas se ter tornado e ser ainda escândalo e objeto de mofa para todos.”

Uma revista protestante Student Volunter Bulletin, em seu número de março de


1930, afirma: “A situação fragmentária de nossas Igrejas é para muitos o
argumento final de que o Protestantismo não pode dar-lhes a paz e unidade que
eles buscam para as suas almas. Não é exagerado afirmar que para o latino
acostumado à unidade de Religião e de governo o escândalo da multidão de
seitas é fatal.”

Browning (no livro New Days in Latin America, pág. 176) diz: “Quando os
católicos nos apontam as 50 e mais seitas que se esforçam por introduzir o
Evangelho na América Latina, o protestante não pode fazer outra coisa senão
calar e admitir a força do argumento.”

E o Arcebispo anglicano de Cantuária (na revista The Month, de julho de 1932):


“Todos deviam reconhecer sua culpabilidade na divisão do corpo de Cristo,
divisão esta que é contrária à vontade de Deus.”

Vivem assim os protestantes profundamente desgostados de suas eternas


controvérsias e sonhando com uma unidade impossível, pois cada protestante
espera que todos os outros abandonem suas próprias opiniões para abraçar a
dele; e, enquanto isto, têm que reconhecer a verdade daquilo que nos disse a
Sabedoria Eterna: Todo o reino dividido contra si mesmo será desolado, e toda a
cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá (Mateus XII-25).

Desculpas muito frágeis.

246. Mas, como acontece a toda pessoa sobre que vem a cair de cheio um labéu
vergonhoso, a qual procura sempre agarrar-se a alguma desculpa, mesmo que
seja muito frágil, não faltam protestantes que recorrem a pálidas e, às vezes,
ridículas explicações, quando se fala neste mal incurável da desunião dos
“evangélicos”.

A mais célebre é a distinção entre pontos fundamentais e pontos não


fundamentais da doutrina. Nós, protestantes, dizem eles, podemos discutir sobre
pontos de somenos importância, mas todos estamos de acordo sobre as doutrinas
fundamentais do Cristianismo.

A simples exposição que fizemos, há pouco, das divisões que existem no


Protestantismo mostra perfeitamente que esta alegação não é verdadeira: é sobre
Protestantismo mostra perfeitamente que esta alegação não é verdadeira: é sobre
todos os pontos, mesmo sobre pontos importantíssimos, que os protestantes
entram em discussão. Existe ou não a Santíssima Trindade? Jesus Cristo era
Deus ou um simples homem? A morte de Cristo foi expiatória ou a salvação
consistiu apenas no seu bom exemplo? O homem é justificado só pela fé ou
também pelas suas obras? A nossa alma é imortal ou não? Existe inferno ou não
existe? Jesus Cristo está realmente presente na Eucaristia ou não? É ou não
necessário o Batismo? Em que consistem a graça, o pecado original, a
predestinação? Há ou não certeza absoluta da salvação?

Tudo isto é controvertido entre os protestantes; seria inútil, portanto, querer


convencer-nos de que eles divergem somente sobre matéria de muito pouca
relevância.

Outra desculpa que nos apresentam é tão ingênua, que serve apenas para divertir
e provocar o riso. Dizem eles: Também na Igreja Católica não existe unidade,
pois se vê grande variedade entre os padres católicos: há Padres Seculares,
Jesuítas, Franciscanos, Capuchinhos, Dominicanos, Beneditinos, Carmelitas,
Salesianos, Cartuxos etc.

— Esta é boa! Confundir a variedade das funções exercidas pelos padres


católicos, dos quais uns se dedicam mais ao paroquiato, outros ao ensino, outros
à pregação, outros às missões, outros à vida contemplativa etc, com as divisões
que há entre os protestantes sobre A DOUTRINA DO EVANGELHO!

Juntem-se os membros de todas as ordens religiosas existentes no Brasil, na


China, na África, nos Estados Unidos, na Europa, em toda a parte, com barba ou
sem barba, com o hábito preto, branco, cinzento ou marrom, juntem-se os
católicos do mundo inteiro, façam-se-lhes perguntas sobre a doutrina em que
eles creem firmemente: quantas pessoas há em Deus, se existe inferno, se a alma
é imortal, quantos são os Sacramentos, se Jesus é Deus, se Ele está realmente
presente na Hóstia Consagrada, etc, etc, etc; e veja-se se a resposta de todos não
é UMA SÓ!

Outros, enfim, querendo mesmo encarregar-se de mostrar até onde chega, em


matéria de religião, a cegueira partidária, se apresentam (ou fingem apresentar-
se) envaidecidos, embelezados com esta grande diversidade que se vê no
Protestantismo, o qual então aparece aos seus olhos com um LINDO E VASTO
JARDIM, ONDE SE ENCONTRAM AS MAIS VARIADAS FLORES (!!!). Mas se esquecem de
uma coisa muito importante: é que, consideradas atentamente as diferenças
doutrinárias existentes no Protestantismo, todo protestante é forçado a
reconhecer que existem aí muitos erros e heresias. Duas coisas diametralmente
opostas não podem nunca ser verdadeiras ao mesmo tempo. Se Jesus Cristo é
Deus, é uma heresia dizer que Ele é um simples homem; se não passa de um
homem, é uma heresia dizer que Ele é Deus. Se existe o inferno, é uma heresia
negá-lo; se não existe, é uma heresia proclamar a sua existência. Se Jesus está
realmente presente na Eucaristia, é uma heresia negar a sua presença; e se não
está, é uma heresia afirmá-la. E assim por diante. Juntar um punhado de heresias
e querer fazer delas umas flores belas e perfumadas que enchem de encanto o
jardim da Igreja, é o que bem se pode chamar uma comparação muito
disparatada e muito cínica.

Vergonha e desmoralização.

247. O que é fato, sim, é que desta enorme desagregação do Protestantismo


nascem 3 conclusões muito claras, que ninguém poderá negar: a primeira é que
daí resulta UMA GRANDE VERGONHA E DESMORALIZAÇÃO PARA A RELIGIÃO CRISTÃ.

Topamos frequentemente com homens indiferentes em matéria de religião, os


quais alegam nada saberem de certo sobre este assunto, porque, dizem eles, há
um grande número de religiões no mundo e todas pretendem ser a religião
verdadeira. Pode-se argumentar mostrando a imensa, a clara, a indiscutível
superioridade da Religião pregada por Cristo sobre todas as religiões pagãs que
já existiram no mundo.

Mas o que não se pode evitar é a pergunta desconcertante que vem depois. E
como posso eu saber qual é a religião de Cristo, se são inúmeras as religiões
cristãs existentes e todas pretendem ser a verdadeira religião do Rabi da
Galileia?

Não há dúvida que Jesus Cristo deixou sinais evidentes para que se conheça a
sua verdadeira Igreja; a quem tenha o sincero amor da verdade, a demonstração
cabal pode ser feita em face da Bíblia e da história do Cristianismo. Mas agora
perguntamos: Quem é responsável por esta deplorável confusão que lavra no
espírito daqueles que não se decidiram por uma religião, pelo fato de se
assombrarem com o número excessivo de denominações existentes? É a Igreja
Católica que sempre foi UNA e INDIVISÍVEL, ou é o Protestantismo que dando com
o seu livre exame a cada um o direito de formular doutrinas novas, à vontade,
interpretando a Bíblia, como bem entende, encheu o mundo de novos credos que
se dizem cristãos? Se este homem de quem falamos, cita 50 e poucas religiões
cristãs que conhece, podemos estar certos de que 50 são seitas protestantes. Se
mostra conhecer o nome de cento e poucas, de duzentas e poucas ou de trezentas
e poucas; vá-se verificar e se veja se deste número de denominações citadas, as
100, as 200 ou as 300 não são divisões existentes no seio do Protestantismo!

Pior ainda é a confusão lançada pelas seitas protestantes nas terras de infiéis,
onde ainda predomina o paganismo, confusão a que víamos há pouco referir-se o
bispo anglicano de Bombaim. A Igreja Católica sempre se entregou ao trabalho
das Missões, procurando levar aos pagãos o conhecimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Foi ela que, evangelizando os bárbaros, tornou cristãs todas as
nações da Europa. Antes de existir o Protestantismo que só apareceu no século
XVI, a doutrina que os cristãos apresentavam aos povos pagãos se impunha pela
sua unidade, pela sua firmeza, pela sua estabilidade; era em toda a parte um só
Deus Uno e Trino, um só Batismo, um só Credo, uma só Religião.

O Protestantismo que durante 3 séculos quase nada fez neste assunto, começou,
a partir do século XIX, a interessar-se vivamente pelas Missões, mandando
também inúmeros emissários para conquistar os pagãos de todas as partes do
mundo. Mas desgraçadamente a religião que eles apresentam é um Cristianismo
dividido, sujeito a discussões sobre todos os pontos. Chega o missionário de uma
seita e batiza as crianças; chega depois um de outra e afirma que aquele batismo
não teve valor, porque é preciso ministrá-lo só aos adultos; chega um terceiro e
diz que o batismo não é necessário para ninguém. Um ensina a existência do
inferno; outro diz que é mentira: o inferno não existe, é uma mera ilusão. Um
manda descansar no sábado; outro manda descansar no domingo. Um prega a
divindade de Jesus Cristo; outro a nega peremptoriamente. Um tem como ponto
central de suas pregações o próximo fim do mundo; outro vem depois e assevera
que esta proximidade do último dia é uma mera hipótese sem fundamento. E
assim por diante. E no meio desta baralhada tremenda, cada qual se esforça por
demonstrar que a seita dos outros é falsa e que a verdadeira é a sua, porque o que
vão levar aos pagãos não é o ensino da Igreja de Jesus Cristo, tal qual veio desde
o começo, desde os tempos do Salvador; o que vão levar-lhes é, por causa do
livre exame, a sua interpretação pessoal a respeito do Evangelho. E os pagãos
livre exame, a sua interpretação pessoal a respeito do Evangelho. E os pagãos
ficam a pensar, com bastante razão, se não era muito melhor que, antes de
procurar atrair os outros para a sua doutrina, os cristãos primeiro chegassem a
um acordo entre si e descobrissem, no meio de tantas opiniões, tão diversas, tão
desencontradas, onde é que se acha a verdadeira doutrina do Evangelho...

Fracasso do livre exame.

248. A segunda conclusão, a que os protestantes não podem fugir, é diante de


suas intermináveis e variadas discussões, a do fracasso completo do livre exame.

Todos os protestantes reconhecem muito bem que a Igreja Católica vem dos
tempos de Jesus Cristo. Quando querem fazer um estudo sereno e imparcial da
história da Igreja, pondo de lado qualquer sentimento de má-fé ou de ódio
rancoroso, têm que reconhecer, como reconheceu sinceramente o historiador
protestante Gibbon, que a doutrina atual da Igreja é a mesma dos 4 primeiros
séculos do Cristianismo: “Foi-me impossível resistir ao peso da evidência
histórica que mostra como em todo o período dos quatro primeiros séculos da
Igreja já eram admitidos, em teoria e em prática, os pontos principais das
doutrinas do Papado” (E. Gibbon. Memoirs of my life and writings — na
Miscellaneous Words of E. Gibbon. Londres 1837 pág. 28). Ou como outro
também insuspeito e também historiador protestante, o célebre Harnack que diz
o seguinte: “É possível estabelecer com provas impressionantes que a concepção
católica da Igreja nascente é historicamente a verdadeira; isto é, Cristianismo,
Catolicismo e Romanismo foram uma identidade histórica perfeita”
(Theologische Literaturzeitimg, número de 19 de janeiro de 1909).

Não é nem podia ser muito vasta a literatura cristã dos 3 primeiros séculos,
porque a Igreja então estava perseguida, oculta, refugiada nas catacumbas; não é
vasta, sim, porém, é mais do que suficiente para se mostrar a identidade da
doutrina católica com o ensino da Igreja nos tempos primitivos. E nos séculos 4º
e 5º aí já aparecem as obras de S. Jerônimo, S. Ambrósio, S. Agostinho, S. João
Crisóstomo, etc, e é tal a documentação que possuímos a este respeito que os
protestantes, mesmo os mais ferrenhos e obstinados, são obrigados a admitir a
igualdade entre a doutrina ensinada por estes grandes doutores e a doutrina atual
da Igreja. Daí por diante a documentação é sempre crescente, e a doutrina
sempre inalterada.

Mas, admitindo que a Igreja, durante tantos séculos, durante mais de mil anos
Mas, admitindo que a Igreja, durante tantos séculos, durante mais de mil anos
conservou fielmente sua doutrina, mesmo assim os protestantes aparecem no
século XVI para mostrar que esta doutrina está completamente errada.

Mostrar como? Mostrar pela interpretação da Bíblia. É claro que para fazerem
esta demonstração, a sua interpretação devia ser muito firme, muito segura, não
devia deixar margem a nenhuma dúvida. Mas, quando pedimos que nos apontem
a verdadeira interpretação, o que eles nos apontam é esta balbúrdia infernal. Não
chegam a um acordo em coisa alguma. Cada um tem uma interpretação
diferente. E são muito raros os pontos de doutrina ensinados pela Igreja que não
sejam também apoiados por protestantes. Se a Igreja ensina a necessidade das
boas obras para a salvação, há protestantes que dizem: Estamos com a Igreja; a
salvação não se realiza só pela fé. Se a Igreja admite 7 sacramentos, há
protestantes que dizem: Estamos com a Igreja, admitimos também 7
sacramentos. Se a Igreja crê na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, há
protestantes que também o creem. Se a Igreja batiza as crianças, se batiza por
infusão, se descansa no domingo, há protestantes que também dizem: Estamos
com a Igreja; batizamos as crianças, batizamos por infusão, também
descansamos no domingo. Se a Igreja ensina a SSma Trindade, a divindade de
Jesus Cristo, o valor expiatório de sua morte, a imortalidade da alma, a
existência do inferno, a indissolubilidade do matrimônio, a necessidade do
batismo etc; aparecem protestantes que, com a Bíblia nas mãos, querem negar
tudo isto, porque acham que não viram nada disto na Bíblia, mas há outros
muitos protestantes que também com a Bíblia nas mãos afirmam: Estamos com a
Igreja em todos estes pontos. Se na frase: Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja muitos protestantes quiseram dizer que a pedra de que
fala este texto era Cristo e não Pedro, logo surgem outros intérpretes protestantes
como Weiss, Keil, Mansel, Bloonfield, Marsh, Thompson, Alford, Kuinoel e
outros que rejeitam esta interpretação como forçada, contorcida, antigramatical,
baseada em preconceitos teológicos.

Se é verdadeira a interpretação que os protestantes nos vêm ensinar, onde está a


sua firmeza? Por que caem eles em tantas contradições? Como podem
convencer-nos a abandonar a interpretação dos Santos Padres, o ensino
tradicional da Igreja, a qual sempre esteve bem segura do que afirma, se eles, os
partidários do livre exame, vivem numa eterna discussão, sustentando as teorias
mais desencontradas?

A prática do livre exame, portanto, lançando assim tanta anarquia e confusão


A prática do livre exame, portanto, lançando assim tanta anarquia e confusão
sobre a interpretação do texto sagrado, veio a dar apenas num tremendo fracasso,
não servindo senão para demonstrar a fraqueza da inteligência humana.

Falsidade do Protestantismo.

249. A terceira conclusão a que nos leva fatalmente o espetáculo das divisões e
subdivisões do Protestantismo é que este é evidentemente falso.

Falso perante a lógica. “Varias, logo não és a verdade, porque a verdade é uma
só” bem lhe podia dizer Bossuet, num argumento esmagador e ao mesmo tempo
muito simples, pois qualquer pessoa o percebe. Onde há contradição não existe a
verdade, porque uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo.

Falso perante a Bíblia, porque Jesus Cristo fundou uma só Igreja: (A MINHA
IGREJA, disse Ele) não um amontoado de seitas pregando doutrinas, as mais
disparatadas. E se o Protestantismo tem a pretensão de se apresentar no mundo
como a cópia fiel da primitiva Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, são os
próprios fatos que se encarregam de desmenti-lo, porque é uma das
características da verdadeira Igreja de Jesus Cristo, da legítima Religião Cristã,
que nos é apresentada no Novo Testamento, a sua UNIDADE.

Jesus Cristo mesmo que não veio à terra ensinar a verdadeira doutrina para
deixá-la inteiramente ao sabor das opiniões de cada um, mas sim para ser
seguida por todos, Jesus mesmo predisse que sua Igreja seria una: Tenho também
outras ovelhas que não são deste aprisco e importa que eu as traga; e elas
ouvirão a minha voz e HAVERÁ UM REBANHO e UM PASTOR (João X-16). Quem realiza
esta profecia do Divino Mestre? São as centenas de seitas protestantes,
ensinando doutrinas tão diversas ou é a Igreja Católica que constitui no mundo
inteiro UM SÓ REBANHO, professando a mesma fé, recebendo os mesmos
sacramentos, sob a obediência daquele pastor, que é sucessor de S. Pedro, a
quem o Mestre disse: Apascenta AS MINHAS OVELHAS (João XXI-17)?

Na sua oração sacerdotal, proferida antes de ser entregue aos judeus no Horto
das Oliveiras, Jesus disse estas palavras: E eu não rogo somente por eles, mas
rogo também por AQUELES QUE HÃO DE CRER em mim por meio da sua palavra;
para que eles sejam todos UM como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti; para que
também eles sejam UM em nós e CREIA O MUNDO QUE TU ME ENVIASTE (João XVII-20
e 21).

Cristo aí ora não só pelos Apóstolos, aos quais já se havia referido nos versículos
anteriores, mas também pela sua Igreja, por aqueles que haviam de ser seus
verdadeiros discípulos, aceitando integralmente a doutrina cristã, crendo em
Jesus POR MEIO DA SUA PALAVRA, deles, Apóstolos;

Cristo pede para eles uma UNIDADE perfeitíssima, a qual é compara da com a
UNIDADE DE DEUS, aquela que existe entre o Pai e o Filho, os quais nunca entram
em discussão, está bem visto;

esta UNIDADE deve servir para melhor mostrar ao mundo a verdade da doutrina de
Jesus: PARA QUE CREIA O MUNDO QUE TU ME ENVIASTE (João XVII-21), porque é claro
que se os discípulos de Jesus se põem a discutir uns com os outros, a sustentar as
teorias mais diversas, a dizer uns que Ele é Deus, outros que não é, etc, etc,
assim não pode brilhar aos olhos do mundo a verdade da doutrina de Jesus,
porque a verdade é uma só.

Sabemos, por outro lado, que a oração de Cristo é sempre eficaz. Ele não ora,
para não ser atendido. Se no Horto das Oliveiras sua oração não surtiu efeito, é
que Ele não pediu de uma maneira absoluta, mas sob uma condição: Pai meu, SE
É POSSÍVEL, passe de mim este cálix, todavia NÃO SE FAÇA NISTO A MINHA VONTADE, MAS
SIM A TUA (Mateus XXVI-39) e pediu sabendo que não seria escutado, mas
somente para exprimir nesta frase toda a angústia que lhe ia na alma naquele
momento e para nos dar o exemplo de total submissão aos desígnios de Deus,
mesmo nos momentos mais críticos e dolorosos da nossa vida. Mas, sempre que
Cristo pede de uma maneira absoluta, se pode garantir de olhos fechados: foi
atendido pela sua reverência (Hebreus V-7), porque, se foi dito aos simples
fiéis: Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á (Mateus VII-
7) (se se pede, é claro, aquilo que é útil e proveitoso e se pede com as devidas
disposições , Cristo não poderia deixar de ser atendido: 1º porque ninguém sabe
melhor do que Ele aquilo que é útil e proveitoso, para pedir; 2º ninguém pode ter
melhores disposições do que Ele tinha nas suas orações infinitamente meritórias.
E o que Ele pedia era evidentemente da mais alta conveniência e utilidade: a
unidade de sua Igreja, tão útil, tão necessária que a maior aflição que pesa sobre
os protestantes é a infelicidade de não possuí-la.

Se a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo, então a oração de Cristo pelos


seus seguidores teve uma grande eficácia. Porque a Igreja é UNA no tempo e no
espaço; vem conservando em todas as épocas e em todas as partes do mundo a
sua mesma doutrina, os seus mesmos ensinamentos. É um verdadeiro prodígio,
uma prova de que Deus está com ela (Eu estou convosco todos os dias até à
consumação do século — Mateus XXVIII-20) esta unidade assim conservada
entre homens de raças e costumes tão diversos, quando sabemos que ela possui
muito mais adeptos do que todas as seitas protestantes reunidas, e vemos este
tremendo esfacelamento, esta enorme desagregação do Protestantismo, desde os
primeiros anos da Reforma.

Se a Igreja de Cristo é o Protestantismo, então a oração do Mestre fracassou por


completo: pediu ao Pai que os seus seguidores fossem UM, e o resultado foi esta
confusão inqualificável que lavra entre as seitas protestantes.

Nem venham os protestantes dizer que, quando Cristo pediu que os seus
seguidores fossem UM, se referia apenas ao amor, à união fraternal que deve
existir entre eles. Cristo naquele versículo não emprega nenhum termo que
venha a significar só o amor recíproco, tal qual fizera claramente em outras
ocasiões. Fala numa unidade perfeita como a que existe entre o Pai e o Filho.
Além disto, como já vimos (nº 246) todo protestante, se estiver convicto de sua
própria doutrina (e se não estiver convicto, não tem a mínima sombra de fé) tem
que reconhecer, por causa dos grandes contrastes e contradições, que há, dentro
do Protestantismo, indubitavelmente, muitas heresias. Devemos tratar a todos
com caridade, amar até os inimigos, é verdade; mas fazer união com os hereges,
aliar-nos, andar de cama e mesa com eles, isto nos é proibido pela própria Bíblia,
não podemos ser UM com eles: FOGE DO HOMEM HEREGE, depois da primeira e da
segunda correção, sabendo que o que é tal, está pervertido e peca, sendo
condenado pelo seu próprio juízo (Tito III-10 e 11).

Já no tempo dos Apóstolos, a Igreja está em luta contra os hereges e é bem


enérgico e categórico o modo como S. João, o Apóstolo que pregava tão
insistentemente a caridade, previne os fiéis contra uns sedutores que apareceram
dizendo crer em Cristo, mas negando a sua realidade divina e humana e os
exorta à fidelidade à doutrina recebida dos Apóstolos: Muitos impostores se têm
levantado no mundo que não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal
é impostor e Anticristo... Todo o que se aparta e não permanece na doutrina de
Cristo, não tem a Deus; o que permanece na doutrina, este tem assim ao Padre
como ao Filho. Se algum vem a vós e não traz esta doutrina, não no recebais em
vossa casa, nem lhe digais Deus te salve; porque o que lhe diz Deus te salve
comunica com suas malignas obras (2ª João, versos 7, 9 a 11).

Por conseguinte, a unidade pedida por Cristo não é a aliança entre várias
heresias.

A profecia de Caifás.

250. Tratando os judeus de matar a Cristo, com medo de que os romanos se


apoderassem de seu país, Caifás concorda plenamente com a ideia: Vós não
sabeis nada, nem considerais que vos convém que morra um homem pelo povo e
que não pereça toda a nação (João XI-49 e 50). O Evangelista S. João nos
mostra que Caifás dizia estas palavras inspirado por Deus, embora não
compreendesse o sentido em que eram exatas. Jesus ia mesmo morrer para bem
de muitos, mas não no sentido em que Caifás imaginava: uma morte para salvar
politicamente a nação dos judeus, e sim uma morte para reunir NUM CORPO os
filhos de Deus que estavam dispersos: Ora, ele não disse isto de si mesmo; mas
como era pontífice daquele ano, profetou que Jesus tinha de morrer pela nação,
e não somente pela nação, mas também para Ele unir NUM CORPO os filhos de
Deus, que estavam dispersos (João XI-51 e 52).

Aí se mostra mais uma vez a unidade da Igreja, a qual Jesus Cristo apresentara
como UM REBANHO (João X-16) e agora aparece nas palavras de S. João
Evangelista como formando UM CORPO e não corpos diversos, igrejas diversas.

Será que as Igrejas protestantes, com doutrinas e organizações tão diversas,


formam UM CORPO?

Uma só fé.

251. S. Paulo, na Epístola aos Efésios, exorta os fiéis a conservar a maior união
(a unidade do espírito no vínculo da paz), do mesmo modo que eles têm um só
Deus, UMA SÓ FÉ, um só batismo: Assim vos rogo eu, o prisioneiro do Senhor,
que andeis como convém à vocação com que haveis sido chamados...
trabalhando cuidadosamente por conservar a unidade de espírito pelo vínculo
da paz; sendo UM MESMO CORPO e UM MESMO ESPÍRITO como fostes chamados em
uma esperança da vossa vocação, ASSIM COMO NÃO HÁ SENÃO UM SENHOR, UMA FÉ,
UM BATISMO (Efésios IV-1, 3 a 5).

Mais adiante mostra que se os Apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e


doutores instruem os fiéis é para que todos cheguemos à UNIDADE DA FÉ e ao
conhecimento do Filho de Deus, a estado de varão perfeito, segundo a medida
da idade completa de Cristo, para que não sejamos já MENINOS FLUTUANTES, NEM
NOS DEIXEMOS LEVAR EM RODA DE TODO O VENTO DE DOUTRINA pela malignidade dos
homens, pela astúcia com que induzem ao erro (Efésios IV-13 e 14).

Ora, se vê por aí que o Apóstolo exorta os cristãos a serem unidos pela caridade,
da mesma forma que são unidos pela fé. Qualquer pessoa hoje que fosse
aconselhar aos protestantes que sejam unidos uns com os outros DA MESMA FORMA
QUE SÃO UNIDOS PELA FÉ, estaria aconselhando apenas a máxima discórdia e
desunião, porque é justamente em matéria de fé, em matéria de doutrina que eles
são mais desunidos. E agora vinte séculos depois que os Apóstolos começaram a
anunciar o Evangelho, eles estão bem longe de ter atingido a idade perfeita,
vivem COMO MENINOS FLUTUANDO A TODO VENTO DE DOUTRINA, pois as teorias mais
desencontradas acham acolhimento no meio das seitas protestantes. A expressão
de São Paulo lhes cabe como uma perfeita carapuça, pois se baseiam
INFANTILMENTE na Bíblia para ensinarem as doutrinas mais extravagantes. E deles
nunca se pode dizer o que a Bíblia dizia dos primeiros cristãos: perseveravam na
doutrina dos Apóstolos (Atos II-42), porque a doutrina dos Apóstolos nunca foi
esta salada, esta barafunda de teorias, as mais disparatadas, antes era um ensino
firme, que não admitia a mínima divergência: Ainda quando nós mesmo ou um
anjo do Céu vos anuncie um Evangelho diferente do que nós vos temos
anunciado, seja anátema (Gálatas I-8). Os protestantes se mostram assim
inteiramente contrários ao ensino de S. Paulo: Rogo-vos, pelo nome de Nosso
Senhor Jesus Cristo que TODOS DIGAIS UMA MESMA COISA, e que NÃO HAJA entre vós
CISMAS; antes sejais perfeitos EM UM MESMO SENTIMENTO E EM UM MESMO PARECER (1ª
Coríntios I-10), pois ensinam coisas muito diferentes uns dos outros; cismas
entre eles são tantos quantas são as suas inumeráveis seitas; e um mesmo parecer
é coisa que nunca se viu no Protestantismo, desde o tempo em que Martinho
Lutero era vivo até os dias de hoje.

E se a Bíblia nos mostra S. Paulo tão zangado porque vê os Coríntios divididos


em grupinhos, de acordo com as suas simpatias: Eu na verdade sou de Paulo e
eu de Apolo, pois eu de Cefas (1ª Coríntios I-12) — note-se bem que Paulo e
Apolo e Cefas ensinavam exatamente a mesma doutrina — e diante disto
pergunta indignado: Está dividido Cristo? (1ª Coríntios I-13) — que diria se ele
chegasse hoje e visse estes cristãos que se julgam perfeitos imitadores da Igreja
Primitiva dizerem: Eu sou Luterano; eu sou Calvinista; eu sou Batista; eu sou
Pentecostal; eu sou Adventista; eu sou Presbiteriano; etc, pregando todos eles as
mais diversas doutrinas; qual não seria a sua indignação! Sim, Paulo, está-se
abusando demais do nome de Cristo para acobertar as maiores heresias; e o
Cristo do Protestantismo já não está mais dividido, está pulverizado.

O Protestantismo é, portanto, falso, porque longe de ter a unidade característica


da verdadeira Igreja de Cristo, é cheio de contradições naquilo que ensinam as
suas diversas seitas. E é inútil que no meio de toda esta confusão uma seita em
particular nos queira convencer de que as outras seitas estão erradas, ela, sim, é
que está certa: 1º porque todas as outras dizem igualmente o mesmo; 2º porque
todas as seitas estão sujeitas a subdivisões, o que é uma consequência fatal do
livre exame; 3º porque todas elas ensinam uma doutrina que no seu conjunto só
começou a ser propagada no mundo depois do século XVI e não é possível
imaginar-se que Cristo tenha deixado durante mais de mil anos sua Igreja
inteiramente inexistente, desconhecida no mundo, para só aparecer do século
XVI em diante e aparecer assim irreconhecível no meio de centenas de seitas
que ensinam as doutrinas mais diversas e querem todas elas à fina força ostentar
o título de única portadora da verdadeira mensagem do Evangelho.
A Bíblia não autoriza o livre exame
Examinai as Escrituras.

252. Se Deus quer que todos os homens cheguem a ter o conhecimento da


verdade (1ª Timóteo II-4) e a verdade é uma só, diante do que já vimos sobre o
funesto resultado produzido pela teoria de Lutero de que cada um deve tomar a
Bíblia para interpretá-la como bem entende, já pode o leitor avaliar que a Bíblia
de forma alguma não autoriza nem pode autorizar este sistema de fazer cada um
a Religião a seu modo, pela sua própria cabeça. Era até dispensável a análise dos
textos que os protestantes ingenuamente apresentam para querer justificar esta
ideia louca do livre exame.

Mas, como nossos irmãos separados não são homens para quem poucas palavras
bastem, será difícil encontrar um protestante que, mesmo diante dos fatos
alegados (e contra fatos não há argumentos), não tente provar com textos das
Escrituras extraordinariamente ESPICHADOS (para que a conclusão seja maior do
que as premissas), que o livre exame é mandado por Deus e aconselhado pela
própria Bíblia.

Analisemos este texto, por exemplo: Examinai as Escrituras, pois julgais ter
nelas a vida eterna; e elas são as que dão testemunho de mim, mas vós não
quereis vir a mim para terdes vida (João V-39 e 40). AÍ veem os protestantes
uma ordem para todos os cristãos compulsarem a Bíblia a fim de organizar
individualmente a sua crença.

É preciso ver entretanto a quem, em que ocasião e por que motivo Jesus disse
estas palavras, porque é velho costume dos protestantes, desde os tempos de
Lutero, separar uma frase do seu contexto, para lhe dar um sentido que
absolutamente não lhe compete.

A simples observação deste final: mas vós não quereis vir a mim para terdes
vida mostra claramente que foi a INCRÉDULOS, a homens que não queriam de
forma alguma aceitar a doutrina de Cristo, não a todos os cristãos, como querem
os protestantes, que Jesus dirigiu aquelas palavras. Senão, vejamos.
Observa-se, pela leitura de todo este capítulo 5º de S. João, que se trata de Jesus
em luta contra os judeus obstinados. O capítulo começa com o milagre feito pelo
Mestre na piscina probática (versos 1 a 9). Chega aos judeus a notícia do milagre
realizado em dia de sábado e eles começam por causa disto a perseguição contra
Jesus: Por esta causa perseguiam os judeus a Jesus, por Ele fazer estas coisas
em dia de sábado (João V-16). Jesus lhes mostra que pode curar em dia de
sábado, porque é igual ao Pai e por isto os judeus procuram matá-Lo: Mas Jesus
lhes respondeu: Meu Pai até agora não cessa de obrar, e eu obro também
incessantemente. Por isso, pois, procuravam os judeus com maior ânsia matá-
Lo; porque não somente quebrantava o sábado, mas também dizia que Deus era
seu Pai, fazendo-se igual a Deus (João V-17 e 18).

O Divino Mestre então reafirma longamente a sua divindade (versos 19 a 30) e


apela para 3 testemunhos a seu favor. Um é o testemunho de João Batista (versos
32 a 35). Depois diz que tem um testemunho ainda maior do que o do Precursor:
são as suas próprias obras, são os seus grandes milagres. Da mesma forma que
Ele dirá aos judeus mais tarde: Se eu não faço as obras de meu Pai, não me
creiais; porém se eu as faço, e quando não queirais crer em mim, crede as
minhas obras, para que conheçais e creiais que o Pai está em mim e eu no Pai
(João X-37 e 38), assim também Ele diz agora: As obras que meu Pai me deu
que cumprisse, as mesmas obras que eu faço dão por mim testemunho de que
meu Pai é quem me enviou (João V-36).

Finalmente, como último argumento, já que eles não querem acreditar no


testemunho de João Batista, nem no valor demonstrativo dos milagres de Jesus,
eles que são entendidos nas Escrituras leiam estas mesmas Escrituras e vejam se
as profecias do Antigo Testamento (sim, é a estas predições do Velho
Testamento que Cristo se refere, porquanto nenhum livro do Novo estava ainda
escrito) leiam as profecias do Antigo Testamento e vejam se estas predições a
respeito do Salvador Prometido não têm cabal e perfeito cumprimento em Jesus
Cristo: Examinai as Escrituras [35] já, que não credes em João, nem em minhas
obras, mas credes nas Escrituras e julgais ter nelas a vida eterna: elas mesmas
são as que dão testemunho de mim.

É um argumento ad hominem, isto é, bem apropriado para aqueles que o ouvem,


é o mesmo argumento que a Igreja Católica pode aplicar aos protestantes:
Examinai as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna e elas são as que
dão testemunho de mim (Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei A MINHA
IGREJA, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18.
Se não ouvir A IGREJA tem-no por um gentio ou publicano — Mateus XVIII-17. A
IGREJA de Deus Vivo, coluna e firmamento da verdade — 1ª Timóteo III-15. Não
há senão um Senhor, UMA FÉ, um batismo — Efésios IV-5).

Trata-se, portanto, de um ARGUMENTO dirigido aos judeus que já conheciam as


Escrituras e nelas se julgavam muito entendidos, mas se recusavam a aceitar a
divindade de Jesus, argumento empregado, aliás, num tempo em que a Igreja
ainda não estava definitivamente constituída; e não de um preceito ou de uma
ordem para que todos os cristãos, mesmo os que são rudes e incapazes, saquem
de uma Bíblia e procurem interpretá-la pela sua própria cabeça.

Notas (pular)

[35] A palavra do texto grego é EREUNÁTE que tanto pode ser traduzida EXAMINAI como EXAMINAIS. Não se
sabe a intenção do Autor Sagrado. No latim da Vulgata, a palavra correspondente SCRUTÁMINI também pode
ser traduzida tanto por EXAMINAI como por EXAMINAIS. Não se sabe, portanto, nem ao menos, se S. Jerônimo
na sua versão tinha em mente o indicativo presente ou o imperativo.

Mas isto em nada altera o sentido:

EXAMINAI — Examinem Vocês as Escrituras, uma vez que julgam ter nelas a vida eterna; estas próprias
Escrituras dão testemunho de mim nas suas profecias. E no entanto Vocês não querem vir a mim para ter a
vida.

EXAMINAIS — Vocês vivem examinando as Escrituras, porque julgam ter nelas a vida eterna; pois bem,
estas Escrituras dão testemunho de mim, nas suas profecias; e no entanto Vocês não querem vir a mim para
ter a vida.

As versões protestantes de Ferreira de Almeida e da Sociedade Bíblica do Brasil preferem o indicativo:


EXAMINAIS.

Achamos, por isto, muito interessante que o Pe Pereira tivesse traduzido EXAMINAI. Porque, para evitar
teima com qualquer protestante que quisesse a pulso fazer valer a versão do imperativo, nós argumentamos
mesmo com o imperativo. (voltar)

A Escritura é útil.

253. Os protestantes alegam também o texto de S. Paulo a Timóteo: Toda a


Escritura divinamente inspirada É ÚTIL para ensinar, para repreender, para
corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito,
estando preparado para toda a boa obra (2ª Timóteo III-16 e 17).
Querer ver aí uma justificativa para o livre exame é falsear completamente o
pensamento de S. Paulo.

Ninguém nega a imensa, a extraordinária utilidade da palavra de Deus, mas do


fato de ser ela útil, digamos mesmo utilíssima, se segue que todos tenham
capacidade para interpretá-la?

Há muitas coisas bastante úteis neste mundo que precisam ser bem manejadas
para cumprirem a sua finalidade, e nas mãos de quem não sabe lidar com elas
podem tornar-se não só inúteis, mas até perigosas. A espingarda é utilíssima para
o caçador, mas se este não tem pontaria e em vez de alvejar a caça se põe a
alvejar os seus companheiros, de que lhe serve a espingarda? Utilíssimo, não há
dúvida, é um automóvel; mas se um homem não sabe guiá-lo, sai sem direção e
sem freio, derrubando muros, querendo subir pelas calçadas, atropelando aqui e
acolá os transeuntes, pondo em perigo não só a própria vida, mas também a dos
outros, de que lhe serve o automóvel? De grande utilidade é o jornal numa
localidade; mas, se o seu redator se põe a levantar calúnias, a difundir notícias
sem fundamento e a escrever disparates, de que serve este jornal?

A Bíblia é um tesouro de valor inestimável, é a palavra de Deus eterna e


infalível, mas os protestantes têm mostrado muito bem que não sabem manuseá-
la; pois vivem entre si numa eterna discussão a respeito da SSma Trindade, da
divindade de Jesus Cristo, da imortalidade da alma, da existência do inferno, do
Batismo, da Eucaristia etc, etc, a Bíblia tem servido na mão deles para encher o
mundo de seitas e religiões diversas. Isto sem falar naqueles que vão buscar na
Bíblia argumentos para defender a poligamia, como João de Leiden e José
Smith, ou veem na frase: Sois deuses (Salmos LXXXI-6; João X-34) a prova de
que existem muitos deuses e deusas (!!), dos quais os principais são o Padre, o
Filho e o Espírito Santo, como já têm ensinado muitos daqueles que pertencem à
seita dos Mormões.

A quem é que S. Paulo está aconselhando aí o manejar frequentemente as


Escrituras? Não é a um cristão qualquer, mas a Timóteo, bispo da Santa Igreja
em Éfeso, um verdadeiro homem de Deus: Tu, ó homem de Deus (1ª Timóteo
VI-11), um ministro de Jesus Cristo (1ª Timóteo IV-6) que recebeu a imposição
das mãos do presbitério (1ª Timóteo IV-14), a quem S. Paulo instruiu
verbalmente: Guarda o forma das sãs palavras que me tens ouvido (2ª Timóteo
I-13), a Timóteo que tem autoridade sobre os fiéis não só para pregar, mas
também para repreender, para corrigir: Aos que pecarem, repreende-os diante de
todos (1ª Timóteo V-20); Eu te esconjuro... que pregues a palavra, que instes a
tempo e fora de tempo, que repreendas, rogues, admoestes com toda a paciência
e doutrina (2ª Timóteo IV-1 e 2) — e é por isto que S. Paulo diz que toda a
Escritura divinamente inspirada É ÚTIL para ENSINAR, para REPREENDER, para
CORRIGIR, para INSTRUIR na justiça.

Não há nenhuma ligação, portanto, entre este texto de S. Paulo a Timóteo e o


desastroso livre exame que ensinou Martinho Lutero aos seus seguidores.

Os judeus de Beréia.

254. Outro texto que os protestantes costumam apresentar é o que se refere à


pregação de S. Paulo feita aos judeus de Beréia.

Paulo tinha pregado aos judeus de Tessalônica, dos quais alguns se haviam
convertido (Atos XVII-4), porém muitos outros se revoltaram, amotinando a
cidade. Depois foi Paulo pregar aos judeus de Beréia, os quais, narram os Atos,
eram mais generosos do que aqueles que se acham em Tessalônica, pois
receberam a palavra com ansioso desejo, indagando todos os dias nas
Escrituras se estas coisas eram assim; de sorte que foram muitos deles os que
creram, e dos gentios muitas mulheres nobres e não poucos homens (Atos XVII-
11 e 12).

A fértil imaginação dos protestantes vê logo aí nesta cena a prática do livre


exame. S. Paulo pregando e os bereenses examinando nas Escrituras se é
verdade o que ele diz; assim se estará recomendando o sistema protestante: cada
qual com sua Bíblia para examiná-la e formular, por si próprio, sua doutrina,
mesmo que seja contrária à doutrina da Igreja.

Esquecem-se apenas de uma coisa: quando aqueles ouvintes de Beréia faziam tal
estudo nas Escrituras para conferir se era verdadeira ou não a doutrina de
S. Paulo, eles ainda não eram cristãos, não eram convertidos, eram judeus.
Judeus de boa vontade que, vendo como S. Paulo aludia frequentemente às
profecias do Velho Testamento a fim de demonstrar o seu perfeito cumprimento
na pessoa de Jesus Cristo, não fizeram como a maioria dos judeus de
Tessalônica, os quais logo se revoltaram contra a pregação paulina, mas com
muito gosto foram estudar nas Escrituras para chegar a uma conclusão a respeito
dos sermões que o Apóstolo lhes fazia. O resultado de tal investigação é que
foram muitos deles os que creram (Atos XVII-12). Aí não há absolutamente o
livre exame para o crente; trata-se apenas do estudo que está fazendo o que ainda
não crê, para saber se deve abraçar ou não a Religião Cristã.

Como os judeus de Beréia continuaram a agir depois de sua conversão é o que a


Escritura não nos diz. Suponhamos, porém, que diante de todas as pregações de
S. Paulo, eles, depois de crentes, se pusessem de Bíblia na mão, cada um de
acordo com seu modo de ver, com sua pouca ou muita inteligência a discutir
com S. Paulo a respeito dos ensinamentos que lhes eram ministrados.
Concordam os protestantes com esta atitude? Não era esta anarquia uma
desobediência a Cristo que mandou crer o que os Apóstolos ensinavam? Ide por
todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura, o que crer e for batizado
será salvo; o que, porém, não crer será condenado (Marcos XVI-15 e 16)? Pois
a licença para esta desobediência é que seria o livre exame.

E àqueles cristãos judaizantes que podiam mostrar, com a Bíblia na mão,


inúmeros textos em que Deus manda observar a lei de Moisés, o que é que dizia
S. Paulo? Que eles podiam interpretar a Bíblia como bem entendessem? Não.
Não havia nenhum texto da Bíblia que dissesse que a lei de Moisés tinha sido
abolida; nem também o próprio Cristo o dissera em parte alguma. Mas a Igreja,
magistério vivo e infalível, tinha definido, no Concílio de Jerusalém, certa de
que esta era a mente de Cristo, que a lei de Moisés não obrigava mais. E o que
S. Paulo dizia aos judaizantes era isto: Ainda quando nós mesmos ou um anjo do
Céu vos anuncie um Evangelho diferente do que nós vos temos anunciado, seja
anátema (Gálatas I-8).

Examinai tudo.

255. Finalmente vamos apreciar até onde se pode chegar com um versículo
separado do seu contexto.

Lê-se isto em S. Paulo: Examinai, porém, tudo; abraçai o que é bom (1ª
Tessalonicenses V-21). Os protestantes se lançam avidamente sobre este texto
para daí tirarem a seguinte conclusão: se S. Paulo manda EXAMINAR TUDO, os fiéis
têm o direito de examinar os ensinos da Igreja, para então abraçarem o que é
bom. E o meio que eles têm para examinarem os ensinos da Igreja é a Bíblia, a
palavra de Deus infalível. Logo, aí se prega o livre exame.

— Primeiro que tudo: que eram os ensinos da Igreja Cristã nos seus primeiros
dias, senão a pregação dos Apóstolos e, por consequência, os ensinos do próprio
S. Paulo? Quer dizer que S. Paulo está dando aos fiéis o direito de submeterem
os ensinamentos dele ao seu próprio julgamento para só depois disto, depois de
os submeterem à crítica, abraçarem o que ele diz? Será este o mesmo S. Paulo
que afirma que ainda aparecendo um anjo do Céu a pregar um evangelho
diferente do que ele prega, este próprio anjo é anátema (Gálatas I-8)? Será este o
mesmo S. Paulo que considera a fé um cativeiro da nossa inteligência: reduzindo
a cativeiro todo o entendimento para que obedeça a Cristo (2ª Coríntios X-5)?
Será este o mesmo S. Paulo que falando a estes mesmos Tessalonicenses e
exatamente nesta Epístola, afirma que a sua palavra é a própria palavra de Deus;
ouvindo-nos, recebestes de nós outros a palavra de Deus, vós a recebestes, não
como palavra de homens, mas (segundo é verdade) como palavra de Deus (1ª
Tessalonicenses II-13)? Será este o mesmo S. Paulo que ordena a estes mesmos
Tessalonicenses: Estai firmes e conservai as tradições que aprendestes, ou de
palavra, ou por carta nossa (2ª Tessalonicenses II-14)?

Se S. Paulo diz: Examinai, porém, TUDO; abraçai o que é bom no sentido em que
o tomam os protestantes, então adeus autoridade da própria Bíblia, porque se
TUDO deve ser examinado, entra neste rol o próprio Livro Sagrado, para só se
abraçar nele o que se julgar BOM para ser aceito. E não é isto exatamente o que
têm feito muitos protestantes? Lutero pregou a doutrina de que o homem se
justifica só pela fé; mas a Epístola de S. Tiago ensina que o homem se justifica
também pelas obras (Tiago II-24). Que fez Lutero? Como achou lá, pelo seu
modo de ver que não era BOM o ensino de S. Tiago, desprezou, pôs de lado a
Epístola, meteu-lhe os pés, chamando-a com escárnio UMA VERDADEIRA EPÍSTOLA
DE PALHA (Erlangen LXIII-15). São suas palavras textuais. Rejeitava também a
epístola aos Hebreus, a de S. Judas e o Apocalipse, pois dizia não achar nestes
livros o espírito evangélico e apostólico, punha-os em último lugar na sua
versão, considerando-os como não canônicos. Alguns de seus partidários
aumentaram a lista dos livros rejeitados com a 2ª Epístola de S. Pedro, a 2ª e a 3ª
de S. João. Calvino rejeitava a 2ª e a 3ª de S. João. Já Zuínglio implicava com o
Apocalipse, que ele negava fosse um livro canônico. Svedenborg, porém,
pensava de modo diferente: para ele o cânon do Novo Testamento continha
apenas os Evangelhos e o Apocalipse. Nos outros livros, ele não encontrou o
sentido místico e angélico que, afirmava, deve haver em todos os versículos da
Bíblia. Entre os que negam a divindade de Cristo, principalmente entre os
Protestantes Liberais, são muitos os que rejeitam o Evangelho de S. João. E
depois que apareceu o Protestantismo, começaram a aparecer os críticos que, de
vez em quando, diante de um texto qualquer que eles estranham ou que não lhes
agrada, se põem logo a afirmar que aquele texto não é da Bíblia, mas foi depois
acrescentado. Como se vê, a própria autoridade da Bíblia cai fragorosamente
diante da interpretação protestante sobre este: EXAMINAI TUDO.

Mas o leitor já deve ter percebido uma coisa neste versículo: Examinai, PORÉM,
tudo; abraçai o que é bom. O trecho tem um PORÉM. E este PORÉM deve ser
levado em conta, ou seja, a frase deve ser estudada no seu verdadeiro contexto:
Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai, porém, tudo;
abraçai o que é bom (1ª Tessalonicenses V-19 a 21).

S. Paulo aí se refere àqueles dons e carismas que existiam como manifestações


extraordinárias nos primeiros tempos da Igreja e dos quais nos fala na sua 1ª
Epístola aos Coríntios: A cada um é dada a manifestação do Espírito para
proveito; porque a um pelo Espírito é dada a palavra de sabedoria; a outro,
porém, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro a fé pelo mesmo
Espírito; a outro a graça de curar as doenças em um mesmo Espírito; a outro a
operação de milagres; a outro A PROFECIA; a outro o discernimento dos espíritos;
a outro a variedade de línguas; a outro a interpretação das palavras. Mas todas
estas coias obra só um e mesmo Espírito, repartindo a cada um como quer (1ª
Coríntios XII-7 a 11).

Não extingais o Espírito. É uma metonímia empregando a causa pelo efeito, pois
é claro que ao Espírito Santo ninguém pode extinguir: não extingais os dons do
Espírito Santo. Se alguém tem estes dons e carismas, estas luzes e impulsos do
Espírito Santo, deve ter todo o cuidado para não perdê-los pela incredulidade,
pelas obras da carne, pelo amor das coisas mundanas, pelo espírito de malícia,
pois o Espírito Santo é como uma lâmpada que abrasa e alumia e estas faltas
podem apagar a sua luz dentro de nós. Não desprezeis as profecias. Examinai,
porém, tudo; abraçai o que é bom. Entre estes dons, como vimos há pouco,
estava o da profecia. Mas acontece que ao lado dos profetas verdadeiramente
iluminados pelo Divino Espírito, apareciam também profetas falsos, profetas
loucos e desautorizados, que queriam apenas satisfazer à própria vaidade, pois
nenhum dom tinham recebido de Deus. O fato de aparecerem tais pseudoprofetas
não é motivo para se DESPREZAREM completamente as profecias. Apenas os fiéis
devem estar de sobreaviso quando falam os profetas, para examinar se são coisas
boas as que eles ensinam; e um dos critérios mais seguros para ver se tais
discursos são bons e legítimos ê ver se estão de acordo COM OS ENSINOS RECEBIDOS
DA BOCA DOS APÓSTOLOS. Também na Epístola aos Coríntios, S. Paulo se mostra
preocupado com esta discriminação entre os bons e os maus profetas e aponta
como um meio prático para distingui-los fazer que um profeta seja julgado pelos
outros profetas que são, segundo é de supor, os mais entendidos no assunto: Pelo
que toca, porém, aos profetas, falem também só dois ou três, e OS MAIS julguem o
que ouvirem (1ª Coríntios XIV-29).

Trata-se, portanto, aqui no caso, de examinar se são bons ou não os profetas que
aparecem nas reuniões cristãs, os quais podem ser realmente impulsionados pelo
Espírito de Deus e podem ser, ao contrário, meros impostores. Não se trata
absolutamente de examinar a doutrina ensinada pela Igreja, a doutrina que lhes
ministravam os Apóstolos, pois quanto a esta não havia dúvida alguma; a
palavra deles era palavra de Deus.

No Antigo Testamento já se ensinavam alguns mistérios ou coisas que excedem


a nossa capacidade de compreensão. Na revelação trazida por Jesus Cristo no
Novo Testamento, aumenta consideravelmente o número destes mistérios; há
nela muitas coisas difíceis e às vezes, mais do que isto, impossíveis de
compreender. Como pode ser um só Deus e ao mesmo tempo três Pessoas?
Como pode uma pessoa ser Deus e homem ao mesmo tempo? Como pode Jesus
Cristo dar-nos a comer a sua carne (João VI-53)? Quais as profundas relações
existentes entre A GRAÇA de Deus e a LIBERDADE do homem? entre a justiça de
Deus e a sua misericórdia? Etc, etc. Não podia nunca S. Paulo mandar aos fiéis
que examinassem de acordo com a sua razão, com o seu modo de ver e o seu
entendimento, os ensinos da Igreja que estão, muitos deles, bem acima da nossa
inteligência.

E se já na Antiga Lei, quando a doutrina não versava estas questões assim tão
complicadas, Deus dizia pela Sagrada Escritura: Os lábios do sacerdote serão os
guardas da ciência e da sua boca é que os mais buscarão a inteligência da lei,
porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos (Malaquias II-7) e Jesus ainda dizia
aos judeus, antes de enviar os Apóstolos para exercer o ministério da pregação:
Sobre a cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus: OBSERVAI,
pois, e fazei tudo quanto eles aos disserem, porém, não obreis segundo a prática
de suas ações, porque dizem e não fazem (Mateus XXIII-2 e 3) — com maioria
da razão na Nova Lei tem que haver pessoas idôneas para ensinar a verdade,
com autoridade e firmeza: O que a vós ouve, a mim ouve; e o que a vós
despreza, a mim despreza; e quem a mim despreza, despreza Aquele que me
enviou (Lucas X-16).

É o que veremos mais minuciosamente no artigo seguinte:


Abraçamos a Fé, não pelo livre exame, mas pela humilde
submissão à Igreja
A posição católica e a protestante.

256. Chegamos assim ao final da controvérsia: livre exame ou sujeição à


autoridade da Igreja?

Para melhor coordenarmos as nossas ideias e apreciarmos como Jesus Cristo e a


Escritura Sagrada resolvem esta questão, será bom relembrarmos os dois pontos
de vista: o católico e o protestante.

Os protestantes são de opinião que a única regra de fé é a Bíblia. Os fiéis tomam


contato com ela, leem-na porque ela é a palavra de Deus infalível e lendo-a, não
precisam mais de ouvir a ninguém para conhecer a verdadeira doutrina do
Evangelho. Desde que têm em casa a palavra de Deus, não precisam de
submeter-se ao ensino da Igreja, uma vez que eles mesmos podem interpretar o
texto sagrado. Para isto convém pedir as luzes do Espírito Santo.

Segundo os católicos, a Bíblia é, sem dúvida alguma, regra de fé, porque é a


palavra de Deus; mas nem sempre é fácil acertar com o verdadeiro sentido
daquilo que ela nos ensina: há outra regra de fé, que é o ensino da Igreja. Não há
nem pode haver contradição entre uma e outra; ambas são infalíveis: se a Bíblia
é a palavra de Deus escrita, a Igreja é uma obra de Deus que a deixou neste
mundo especialmente para este fim: para ensinar a verdade, portanto Deus zela
por ela de modo especial para que atravesse todos os séculos sempre preservada
do erro. Passará o Céu e a terra, mas não passarão as palavras de Cristo (Mateus
XXIV-35), o qual garantiu que as portas do inferno não prevalecerão contra ela
(Mateus XVI-18). Portanto, no meio da confusão que resulta das diversas e
contraditórias interpretações que há em torno da Bíblia, o católico tem que
seguir a verdadeira interpretação que é aquela que a Igreja lhe ensina,
orientando-o nesta matéria. E, para que uma verdade seja de fé, não é necessário
que esteja explicitamente ensinada na Bíblia, a qual não se apresenta como uma
exposição completa e sistemática da doutrina, com o fim de resolver, por si só,
todas as questões de teologia, nem também afirma em parte alguma que SÓ SEJA
VERDADE AQUILO QUE NELA SE CONTÉM [36]. Não estar explicitamente na Bíblia e
ser contrário ao ensino da Bíblia são duas coisas muito diferentes. Os próprios
protestantes têm como verdade certíssima e fé que tais e tais livros são
inspirados e fazem parte da Escritura; ora, isto não consta do texto sagrado, o
qual não faz a enumeração dos livros canônicos. Entretanto, é este um ponto
fundamental para a Religião Cristã e é nisto que se baseia todo o Protestantismo.
E toda a sua indignação contra a Igreja Católica porque esta ensina algumas
coisas de que a Bíblia não fala diretamente, eles bem a poderiam guardar para
todos os erros, dentro do Protestantismo, que são aberta e escandalosamente
contrários ao ensino bíblico.

O que não está explicitamente na Bíblia pode ser uma conclusão lógica daquilo
que o livro sagrado nos ensina ou pode estar contido no DEPÓSITO DA FÉ, que a
Igreja recebeu desde o princípio pela pregação dos Apóstolos e guarda com
muita firmeza e segurança, apesar de todas as oposições da heresia.

De modo que, segundo os católicos, o meio de propagar-se a doutrina é a


pregação daquilo que ensina o magistério vivo e infalível da Igreja; segundo os
protestantes, é a difusão da Bíblia, posta nas mãos de todos, para que a possam
ler e interpretar.

E assim o protestante, por mais rude e ignorante que seja, é sempre um intérprete
da Bíblia, que sozinho ou ajudado pelo seu pastor e pelos seus companheiros de
denominação, vai tomar a si a grande tarefa de organizar, no meio de todos
aqueles textos esparsos da Bíblia, o seu Credo, a doutrina que deve professar.
Nada aceita como definitivo em matéria de doutrina, quer ver pelos seus
próprios olhos, e decidir pelo seu próprio julgamento (livre exame) na Bíblia e
só na Bíblia qual é a verdadeira doutrina.

O católico, mesmo que SEJA O MAIS SÁBIO E ERUDITO INTÉRPRETE DA BÍBLIA, se


submete ao ensino da Igreja, certo e confiante de que esta não pode errar; discute
livremente e tem opiniões próprias naquilo que não é de fé definida, que,
portanto, a Igreja deixa à sua liberdade; acha que é verdade infalível não só
aquilo que está na Bíblia, mas também aquilo que a Igreja ensina instruída desde
o princípio pela pregação dos Apóstolos e não se considera mais do que um
soldado deste imenso e incalculável exército de cristãos que, desde 2.000 anos,
têm passado neste mundo, submissos disciplinadamente em matéria de fé a esta
Igreja que Deus pôs aqui na terra para ser a coluna e firmamento da verdade (1ª
Timóteo III-15).
O católico e o protestante creem na Bíblia e querem seguir a doutrina de Jesus; a
diferença que há entre um e outro está em matéria de confiança. Confiança na
Igreja, a qual não tem o protestante, pois vê na Igreja apenas uma sociedade que,
sendo dirigida por homens (e homens sempre estão sujeitos a erros) não pode, a
seu ver, apresentar-se assim com esta firmeza absoluta. Confiança na Igreja, a
qual possui o católico que desde os primeiros séculos vem dizendo: Creio na
Santa Igreja Católica, na qual ele não vê só uma sociedade dirigida por homens,
mas também sempre encaminhada por Deus que a fundou, garantida pela
perpétua assistência que Jesus lhe prometeu. Todo homem está sujeito a erro, até
mesmo o Papa; mas Deus não permite que um homem consiga induzir a Igreja a
cair em erro, por meio de uma definição ex-cátedra, pois as portas do inferno
não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18); e o Papa é, como sucessor de
S. Pedro, a pedra sobre a qual repousa, segundo os desígnios divinos, a solidez
da Igreja.

A desconfiança na Igreja aumenta sempre que se veem homens, desde os tempos


de Judas e de S. Pedro (dos quais um fracassou definitivamente e o outro se
ergueu logo após a sua queda) apesar de elevados a altos cargos, pagarem o seu
tributo à fraqueza e à miséria humanas, mas aumenta sem motivo, porque uma
coisa é a fragilidade do homem que é livre e inclinado ao pecado por sua
natureza, e outra coisa é a firmeza da Igreja que é obra de Deus edificada sobre
uma rocha inexpugnável. Esta desconfiança para com a Igreja aumentou, sem
razão de ser, em alguns espíritos, depois que Lutero e Calvino propagaram no
mundo, com o livre exame, um sistema de interpretação da Bíblia faccioso e sem
escrúpulos: separar as palavras do contexto, para dar-lhes outro sentido, apegar-
se a uns textos desprezando outros, inventar um sentido figurado onde a palavra
se toma ao pé da letra, torcer as palavras da Bíblia por meio de sofismas para
dar-lhes um sentido bem diverso etc. Esperamos que ao terminar o nosso livro,
possa o leitor fazer um confronto mais seguro entre a serena e desapaixonada
interpretação católica (a qual vem desde o princípio) e os processos comumente
usados na inovadora interpretação protestante.

Como dizíamos, a diferença entre o católico e o protestante está em matéria de


confiança. Confiança em si mesmo, em seu próprio raciocínio, em sua própria
capacidade e inteligência, a qual o protestante tem MUITA, e é por isto que vive
metido numa eterna divergência e discussão. Confiança em si mesmo, que o
católico tem MUITO POUCA, pois vendo como a razão humana até nos grandes
sábios e filósofos, tem sido tão sujeita a ilusões, absurdos e desatinos, acha que
nesta matéria de fé, nesta perscrutação dos MISTÉRIOS de Deus e da sua Religião,
o que resolve não são propriamente as discussões em que cada um dos
contendores se julga bem firme, bem seguro na sua própria interpretação, por
mais extravagante que ela seja; o que resolve é a humilde e confiante aceitação
por parte da nossa inteligência, é a nossa submissão a Deus e àqueles que por
Deus são realmente autorizados para nos exporem a sua doutrina: Em verdade
vos digo que todo o que não receber o reino de Deus COMO PEQUENINO não
entrará nele (Marcos X-15).

Notas (pular)

[36] Os argumentos que usam os protestantes tentando prová-lo são argumentos infantis. Toda a Escritura
divinamente inspirada É ÚTIL para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça (2ª
Timóteo III-16). A conclusão que querem tirar os protestantes é muito maior do que as premissas, pois do
fato de SER ÚTIL a Escritura, não se segue que deva ser usada com exclusividade. Como bem observa
Tanquerey, de acordo com tal sistema de argumentação, assim se poderia raciocinar: O ar puro é útil para
conservação de uma boa saúde; logo, o ar basta, não se precisa de alimentação.

Apelam também para as palavras de Moisés aos judeus, quando lhes anunciou a LEI ANTIGA: Vós não
ajuntareis, nem tirareis nada às palavras que eu vos digo: guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus
que vos intimo (Deuteronômio IV-2). É o caso de perguntar: estas palavras são dirigidas SÓ AOS JUDEUS ou
também aos cristãos? Se são dirigidas só aos judeus, nada temos que ver com elas. Se são também para os
cristãos, por que é que os protestantes não observam TODA A LEI MOSAICA E SÓ A LEI MOSAICA?

Alegam o texto de S. Paulo aos Gálatas: Ainda quando nós mesmos ou um anjo do céu aos anuncie um
Evangelho DIFERENTE do que nós vos temos anunciado, seja anátema (Gálatas I-8). Até aqui não há nenhum
argumento, pois S. Paulo condena quem anunciar um Evangelho DIFERENTE do seu. Mas é que as versões
protestantes trazem assim: ainda que nós ou um anjo do Céu vos pregasse um Evangelho ALÉM DO que aos
pregamos, seja anátema (Gálatas I-8 — Versão da Sociedade Bíblica do Brasil) Ferreira de Almeida diz:
OUTRO evangelho ALÉM DO que já aos tenho anunciado. E daí concluem os protestantes que está proibido
ensinar qualquer coisa além do que Paulo pregou.

Acontece, porém, que o texto do Pe Pereira é que manifesta o verdadeiro pensamento de S. Paulo. Primeiro
que tudo, a partícula grega que aí se traduziu por ALÉM DE — é a preposição PARÁ com acusativo, a qual
também significa CONTRA. Vejam-se estes textos em que aparece a mesma preposição no grego: Este, pois,
CONTRA a lei persuade aos homens que sirvam a Deus (Atos XVIII-13) mudaram o uso natural em outro
uso que é CONTRA a natureza (Romanos I-26) ele creu em esperança CONTRA a esperança (Romanos IV-18)
rogo-vos, porém, irmãos, que não percais de vista aqueles que causam dissensões e escândalos CONTRA a
doutrina que vós tendes aprendido (Romanos XVI-17). Confiram-se as versões protestantes. Além disto,
que é que S. Paulo quer dizer? Que, se chegasse um anjo do Céu anunciando uma coisa que ele, Paulo, não
tinha ensinado ainda, este anjo está condenado? Não, porque assim S. Paulo se estaria apresentando como
um legítimo sabe-tudo, que tem maiores conhecimentos que todos os anjos do Céu. O que S. Paulo quer
dizer é que está tão certo do Evangelho que pregou, que, se por hipótese absurda, chegasse um anjo do Céu
pregando um Evangelho contrário ao seu, este anjo seria anátema. Depois que S. Paulo escreveu a Epístola
aos Gálatas, apareceram outros livros do Novo Testamento, o Apocalipse de S. João por exemplo,
revelando muitas coisas que ele não havia ensinado, e não se concebe que S. Paulo estivesse condenando a
própria Bíblia. E vê-se claramente pelo contexto que S. Paulo se revolta contra os que pregam um
Evangelho DIFERENTE do que ele pregou, pois diz imediatamente antes: Eu me espanto de que, deixando
aquele que vos chamou à graça de Cristo, passásseis assim tão depressa a OUTRO Evangelho; porque NÃO
HÁ OUTRO, se não é que há alguns que vos perturbam e querem, TRANSTORNAR o Evangelho de Cristo (Gálatas
I-6 e 7). (voltar)

A última palavra.

257. Assim delineados os dois campos diversos: livre exame ou humilde


sujeição à Igreja Católica, já tivemos ocasião de mostrar no decorrer de todo este
capítulo como o livre exame feito por todos os cristãos num livro tão difícil
como é a Bíblia, não só em teoria já se apresenta como impraticável, mas
também na prática tem produzido os mais funestos resultados. Cada um se aferra
à sua própria opinião. E o efeito é esta confusão inqualificável que reina na
Religião Protestante: uma escandalosa multiplicidade de seitas, professando as
doutrinas mais diversas, ressuscitando todas as antigas heresias e lançando
lamentavelmente o descrédito sobre o Cristianismo.

Resta-nos agora a última palavra sobre o assunto e quem no-la vai dar é o
próprio Jesus Cristo ordenando o que se deve fazer na aquisição da fé; é a
própria Escritura Sagrada descrevendo, como palavra de Deus infalível, de que
modo funcionava a Igreja Primitiva.

É claro que os protestantes querem seguir a Religião nos moldes em que Jesus
Cristo a organizou; ou não é verdade? É claro que todos os protestantes bradam
que querem reconduzir o Cristianismo à pureza de seus primeiros dias.

Agora vamos investigar esta questão: Como Jesus Cristo organizou a sua Igreja?
Fez dela um rebanho de homens todos munidos da Bíblia, da palavra de Deus
escrita e procurando cada um interpretá-la segundo a sua maior ou menor
capacidade; ou fez um rebanho de homens todos aceitando humildemente,
integralmente a doutrina que lhes apresentavam os pregadores devidamente
autorizados que Ele, Jesus, enviou para a evangelização do mundo? Como
recebiam e conservavam a fé os cristãos primitivos, de que nos falam as
Epístolas e os Atos dos Apóstolos? Era cada um com a Bíblia na mão a tê-la para
interpretá-la; ou cada um ouvindo a pregação dos Apóstolos e aceitando
totalmente o ensino que a Igreja, por meio dos apóstolos, lhes ministrava? É o
que veremos em seguida.
que veremos em seguida.

Que escreveu Jesus Cristo?

258. Antes de tudo, se Jesus Cristo quisesse organizar a sua Igreja de acordo
com o sistema protestante: cada fiel com sua Bíblia para assim receber
diretamente a palavra de Deus, qual deveria ter sido o seu primeiro cuidado?

Escrever o seu Evangelho. Escreveria primeiro (e que belo e sábio livro não
poderia ter redigido!), entregaria o seu livro aos Apóstolos e mandaria propagá-
lo.

Entretanto, Jesus não escreveu livro nenhum; não escreveu nenhuma carta, nem
uma palavra sequer. A única ocasião em que o Evangelho nos apresenta Jesus
escrevendo é no episódio do julgamento da adúltera: Jesus, abaixando-se, pôs-se
a escrever com o dedo na terra (João VIII-6). Escreveu na terra com o dedo;
aquilo se apagou bem depressa e, por maior que seja a nossa curiosidade a este
respeito, não podemos satisfazê-la.

Nada melhor para os intérpretes da Bíblia que seriam, na hipótese, todos os


cristãos, do que um livro escrito pelo próprio punho da Sabedoria Infinita.

Nenhuma ordem para escrever.

259. Se fosse a palavra escrita o meio de propagação do Cristianismo e sua


única regra de fé, Jesus, não tendo escrito livro algum, deveria pelo menos dar
uma ordem aos Apóstolos para que escrevessem. Nenhum mandamento fez
Jesus Cristo neste sentido.

Os Apóstolos é que espontaneamente, sem a isto serem obrigados pelo Divino


Mestre, tomaram por um ou por outro motivo, a iniciativa de escrever, iniciativa
que foi tomada também por homens que não eram Apóstolos, como os 2
evangelistas Marcos e Lucas. Nem todos os Apóstolos escreveram, mas somente
5 (6 com S. Paulo): S. Mateus, S. João, S. Paulo, S. Pedro, S. Judas e S. Tiago. E
é digno de nota quão pouco escreveu S. Pedro que, vemos pelos Atos, teve parte
tão saliente na pregação do Evangelho, como o PRIMEIRO (Mateus X-2) que era
dos Apóstolos.

Nenhum dos livros da Bíblia foi redigido com esta intenção de pôr nas mãos de
Nenhum dos livros da Bíblia foi redigido com esta intenção de pôr nas mãos de
todos os fiéis uma exposição completa da doutrina, para que a lessem e
interpretassem; mas todos foram escritos ocasionalmente, sob o influxo de uma
circunstância qualquer.

S. Mateus, antes de partir para longe a fazer a sua evangelização, quer deixar por
escrito aos judeus, seus compatriotas, o Evangelho escrito na língua deles, a fim
de suprir assim a sua ausência; é o que nos afirma o historiador Eusébio de
Cesareia. S. Marcos, que era companheiro de S. Pedro, resolve consignar em
escrito a catequese do Apóstolo, para que seus ouvintes possam gravá-la melhor.
S. Lucas se dirige no começo do seu Evangelho a um cristão excelente, Teófilo,
a quem quer melhor instruir e confirmar na fé: Pois que foram na verdade
muitos os que empreenderam pôr em ordem a narração das coisas que entre nós
se viram cumpridas... pareceu-me também a mim, EXCELENTÍSSIMO TEÓFILO, depois
de me haver diligentemente informado de como todas elas passaram desde o
princípio, dar-te por escrito a série delas, para que conheças a verdade
daquelas coisas em que tens sido instruído (Lucas I-1 e 3). S. João já escreve o
seu Evangelho muito depois dos outros, com o fim de mostrar que Jesus é o
Cristo, Filho de Deus (João XX-31), porque as heresias, principalmente a de
Cerinto, já começam a perturbar o povo cristão, como se nota claramente na sua
1ª Epístola (IV-1 a 6). As Epístolas foram todas escritas eventualmente, de
acordo com as necessidades do momento.

Pregai o Evangelho.

260. Como mandou Jesus Cristo propagar a sua Religião? Mandou que os
Apóstolos saíssem pelo mundo afora espalhando Bíblias, para que os fiéis as
lessem e interpretassem?

Absolutamente não. Jesus ordenou aos Apóstolos que pregassem, que


ensinassem a doutrina cristã. E para isto é que os havia escolhido, ministrando-
lhes conhecimentos especiais que aos outros não eram concedidos: A vós outros
vos é dado saber os mistérios do reino dos Céus, mas a eles não lhes é
concedido (Mateus XIII-11). Para isto os tinha feito iluminar com a abundância
das luzes do Espírito Santo: Recebereis a virtude do Espírito Santo, que descerá
sobre vós e me sereis testemunhas em Jerusalém, e em toda a Judeia e Samaria,
e até às extremidades da terra (Atos I-8).
E mandou-os pregar, não como quem vai expor uma doutrina que os fiéis
examinam e aceitam se quiserem, mas pregar com absoluta firmeza e autoridade.
Assim como dissera que quem crê nEle se salva, quem não crê se condena, o
mesmo disse a respeito dos Apóstolos: Ide por todo o mundo; pregai o
Evangelho a toda a criatura; o que crer e for batizado será salvo; o que, porém,
não crer, será condenado (Marcos XVI-15 e 16).

Duas observações temos a fazer a respeito deste trecho.

Uma é sobre o sentido da palavre EVANGELHO. Já estamos bem acostumados a ver


o padre católico ou o pastor protestante tomar um pequeno trecho dos
Evangelhos de S. Mateus, de S. Marcos, de S. Lucas ou de S. João e depois
explicá-lo ao povo. Esta ação nós costumamos chamar a pregação do Evangelho.
Por isto, quando lemos esta frase de Jesus dita aos seus Apóstolos: Pregai o
Evangelho a toda a criatura podemos talvez cair na ingenuidade de pensar que
cada Apóstolo estava munido de um livro chamado o Evangelho para lê-lo e
explicá-lo aos fiéis. Mas no momento em que Jesus disse aquelas palavras
nenhum livro do Novo Testamento estava ainda escrito. Chama-se Evangelho,
primeiro que tudo, a doutrina que Jesus nos ensinou, pois Evangelho quer dizer
boa nova e foi uma boa nova de fato a doutrina de salvação que Ele nos veio
revelar. Ora, os 4 primeiros livros do Novo Testamento, simplesmente porque
narrando a vida de Jesus traziam também (e ainda mais diretamente do que os
outros) a sua doutrina, por isto tomaram o nome de Evangelho. Logo que Jesus
começou a sua pregação, começou a chamar Evangelho a doutrina que ensinava:
Veio Jesus para Galileia, pregando o Evangelho do reino de Deus e dizendo:
Pois que o tempo está cumprido e se apropinquou o reino de Deus, fazei
penitência e crede no EVANGELHO (Marcos I-14 e 15). Pregar o Evangelho é
pregar a doutrina de Jesus, mesmo que não se leia, nem se tenha à mão nenhum
livro do Novo Testamento, como de fato não tinham os Apóstolos naqueles
primeiros anos de sua pregação.

A outra observação será um esclarecimento para muitas pessoas que


naturalmente dirão: Não posso conceber isto. Como Jesus manda uns homens
pregar e obriga os ouvintes a acreditarem na palavra deles sob pena de irem para
o inferno? Se são homens, não podem errar? E os Apóstolos não tinham errado
tanto durante a vida do Divino Mestre? Mesmo que eles não pudessem errar,
como podiam os ouvintes estar certos desta sua inerrância?
— Os Apóstolos erraram muito, mostraram rudeza e ignorância até o momento
em que receberam a abundância das luzes do Espírito Santo no dia de
Pentecostes. Dessa hora em diante, a coisa mudou por completo. Eles se
tornaram pessoalmente infalíveis, iluminados como eram pelo Espírito de Deus.
Isto era necessário, porque tinham de sair pelo mundo, cada qual por seu lado,
lançando as bases doutrinárias da verdadeira Igreja, a qual havia de firmar-se
perpetuamente na sua pregação e é por isto que S. Paulo diz que os fiéis são
edificados sobre o FUNDAMENTO DOS APÓSTOLOS e dos profetas, sendo o mesmo
Jesus Cristo a principal pedra angular (Efésios II-20); sim, porque de Jesus
Cristo é que os Apóstolos haviam recebido a sua doutrina; e era em Jesus Cristo
que as profecias se tinham realizado.

Como veem os protestantes, embora fossem HOMENS os Apóstolos, tinha que


haver neles pessoalmente uma INFALIBILIDADE, porque do contrário desapareceria
toda a firmeza doutrinária da Igreja. Entregar ao povo uma palavra escrita
infalível e não fazer infalíveis pessoalmente os Apóstolos não resolveria a
questão: surgiria sempre o problema daqueles que por ignorância não entendem
esta palavra e assim, sem querer, deixam de interpretá-la convenientemente, ou
que por malícia a adulteram com sofismas para acomodá-la a seus pontos de
vista pessoais e assim é mesmo de propósito que a interpretam mal.

O livro é, como já se disse, um mestre mudo; ele ensina, é mestre; mas, quando
não entendemos bem o que nele nos é ensinado, o mestre-livro não fala para nos
explicar o seu verdadeiro sentido. Máxime, é claro, tratando-se de um livro de
tão difícil interpretação, como é a Bíblia. Já o filósofo Platão que viveu 5 séculos
antes de Cristo e que, portanto, é insuspeito para nos dar uma opinião a respeito
da controvérsia existente entre os católicos e os protestantes, dizia a respeito da
insuficiência do livro para nos ministrar um ensino completo: “Interroga cem
vezes o livro; ele dará sempre a mesma resposta, adulterado do mesmo modo
pelos ignorantes e pelos sofistas, não só pela petulância destes como pela
estupidez daqueles, nem se livrará de tais injúrias, A NÃO SER QUE O AUTOR DO
LIVRO APAREÇA E DE VIVA VOZ DETERMINE O VERDADEIRO SENTIDO” (Fedro, nº 60). Até
parece que Platão conheceu os protestantes, mas não era preciso; sempre foi
assim em todos os tempos; porque, por exemplo, em todas as nações se fazem
leis, porém, por mais claras e compreensíveis que elas sejam, nunca se deu a
qualquer pessoa o direito de interpretá-las.

De modo que os Apóstolos eram infalíveis e por isto se podia exigir que os fiéis
neles acreditassem. Mas como podiam os fiéis ter a evidência de que era certa a
neles acreditassem. Mas como podiam os fiéis ter a evidência de que era certa a
doutrina pregada pelos Apóstolos?

Muito simples. Como Jesus Cristo provava que era do Céu a sua doutrina? Pelos
milagres que fazia. Assim também os Apóstolos. Realizavam eles tantos
prodígios, a Igreja nos primeiros dias aparecia com tantos carismas, com tantas
manifestações extraordinárias (lembremos, por exemplo, a palavra de S. Paulo:
as línguas são para sinal, não aos fiéis, mas aos infiéis — 1ª Coríntios XIV-22)
que aqueles que não acreditassem eram da mesma raça dos judeus obstinados, os
quais rejeitaram a Cristo, apesar de seus grandes milagres, apesar de sua
estrondosa Ressurreição: mostravam assim tanta teimosia, tanta dureza de
coração que bem mereciam a condenação eterna.

O ensino da Igreja nos nossos dias.

261. Dirá o protestante: Concordo com tudo isto. Mas e agora? Os pregadores
da Igreja Católica, como provam que é infalível a sua doutrina? Acaso também
há para eles uma descida extraordinária do Espírito Santo, como houve outrora
no dia de Pentecostes? Que milagres realizam para provar que é verdadeira a
doutrina católica?

— Uma vez propagada A IGREJA pelos 12 Apóstolos e evidenciado perante todos


que ela era obra de Deus e verdadeira a sua doutrina, não era mais preciso que
cada pregador fosse pessoalmente infalível ou tivesse recebido o Espírito Santo
com a mesma profusão com que a receberam os Apóstolos no dia de
Pentecostes, nem era mais preciso que a pregação cristã continuasse até o fim do
mundo acompanhando-se de milagres para poder convencer. Milagres que se
dessem continuamente e em todos os tempos já deixariam de ser milagres
(porque milagre é por sua natureza um fato extraordinário) e assim já deixariam
de impressionar e comover. A Ressurreição de Jesus, todos os milagres por Ele
realizados bem como todos os prodígios efetuados pelos Apóstolos continuam a
ser para nós um motivo que nos impele à fé, porque, se não os vemos com os
nossos próprios olhos, pelo menos são fatos históricos comprovados, dos quais
não podemos duvidar.

O que era necessário depois da época dos Apóstolos era que os pregadores
ensinassem exatamente a doutrina da Igreja Cristã que, como vimos, logo nos
inícios de sua existência se começou a chamar também IGREJA CATÓLICA (nº 167).
O que era necessário era que a Igreja fosse fiel em conservar até o fim a mesma
doutrina apostólica, porque esta doutrina já estava evidentemente demonstrada
como sendo a própria doutrina de Deus.

Para a Igreja conservar fielmente, integralmente a doutrina recebida, era preciso,


isto sim, que Deus velasse sobre ela com uma especialíssima proteção.

Cristo não prometeu a cada um dos fiéis a assistência do Espírito Santo para bem
entenderem as Sagradas Letras, daí extraindo a verdadeira doutrina; o
Protestantismo quer que seja assim, mas é o próprio Protestantismo que se
encarrega de desmenti-lo, pois todos os protestantes se julgam iluminados pelo
Espírito Santo na leitura da Bíblia, mas as suas interpretações são as mais
diversas e as mais disparatadas, o que é sinal de que o Espírito Santo não
intervém de forma alguma nessas interpretações privadas, pois o Espírito Santo
não é espírito de contradição.

Quando Jesus Cristo promete o Espírito Santo aos simples fiéis (O que crê em
mim, como diz a Escritura, do seu ventre correrão rios de água viva: Isto,
porém, dizia Ele falando do Espírito que haviam de receber os que cressem nEle
— João VII-38 e 39) refere-se a um dom especial de SANTIFICAÇÃO que haviam de
receber aqueles que recebessem convenientemente o Batismo (Fazei penitência,
e cada um de vós seja BATIZADO em nome de Jesus Cristo para remissão dos
pecados; e recebereis O DOM DO ESPÍRITO SANTO — Atos II-38). A alma
santificada pelo Batismo torna-se um templo do Espírito Santo (1ª Coríntios VI-
19), enquanto não O expulsar pelo pecado mortal.

Mas esta presença do Espírito Santo na alma pela graça é uma coisa; e a
assistência do Espírito Santo para ENSINAR, no meio de tantos erros, a verdadeira
doutrina, é outra coisa bem diversa. Não foi aos simples fiéis que Jesus Cristo
disse: Ide, ensinai. A sua função é aprender. E se quer o fiel conservar-se neste
estado de graça, é preciso que se mostre submisso à Igreja, aos legítimos
enviados de Cristo, a quem Este disse: O que a vós ouve, a mim ouve; e o que a
vós despreza, a mim despreza (Lucas X-16) pois se não ouvir a Igreja, tem-no
por um gentio ou um publicano (Mateus XVIII-17) [37].

Uma assistência especial para ENSINAR verdadeira doutrina é prometida por


Cristo, sim, aos Apóstolos e seus sucessores, pois Jesus promete velar
especialmente ATÉ O FIM DO MUNDO pela sua Igreja, isto é, por aqueles que a
dirigem, que nela têm o poder de instruir e encaminhar e santificar os fiéis: Ide,
pois, e ENSINAI todas as gentes, batizando-as em nome do Padre, do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho mandado.
E estai certos de que EU ESTOU CONVOSCO TODOS OS DIAS, ATÉ A CONSUMAÇÃO DO
SÉCULO (Mateus XXVIII-19 e 20).

Será inútil querer fazer confusão a respeito destas palavras: CONSUMAÇÃO DO


SÉCULO, as quais significam fim do mundo. Consumação quer dizer fim; e século
(no grego AIÓN) quer dizer mundo: Não vos conformeis com este SÉCULO
(Romanos XII-2). Os filhos deste SÉCULO são mais sábios na sua geração que os
filhos da luz (Lucas XVI-8). Os filhos deste SÉCULO casam homens com
mulheres, e mulheres com homens; mas os que forem julgados dignos daquele
SÉCULO e da ressurreição dos mortos, nem os homens desposarão mulheres; nem
as mulheres, homens; porque não poderão jamais morrer (Lucas XX-34 a 36).
Falamos da sabedoria; não, porém, da sabedoria deste SÉCULO, nem da dos
príncipes deste SÉCULO que são destruídos (1ª Coríntios II-6).

A expressão que corresponde no grego a esta CONSUMAÇÃO DO SÉCULO é SYNTÉLEIA


TÓU AIÓNOS, a qual fora desta frase que ora comentamos, só aparece quatro vezes
no Novo Testamento e em todas elas indica o fim do mundo. Referindo-se à
mistura do trigo e da cizânia que serão separados no juízo final, Jesus Cristo diz:
o inimigo que a semeou é o diabo; o tempo da ceifa é o FIM DO MUNDO; e os
segadores são os anjos (Mateus XIII-39). Assim, como é colhida a cizânia e
queimada no fogo, assim acontecerá no FIM DO MUNDO (Mateus XIII-40). Assim
será no FIM DO MUNDO: sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos
(Mateus XIII-49). E em outra ocasião estando Ele assentado no monte das
Oliveiras, se chegaram a Ele seus discípulos à puridade, perguntando-Lhe:
Dize-vos quando sucederão estas coisas? e que sinal haverá da tua vinda e da
CONSUMAÇÃO DO SÉCULO? (Mateus XXIV-3).

Nestes quatro trechos acima citados, as expressões FIM DO MUNDO e CONSUMAÇÃO


DO SÉCULO são tradução do grego SYNTÉLEIA TÓU AIÓNOS — expressão que não
aparece mais no Novo Testamento. E no nosso caso, o contexto mostra muito
bem que se trata de uma assistência prometida até o fim do mundo; pois Jesus
manda ENSINAR TODAS AS GENTES. Os Apóstolos haveriam de morrer dentro de
alguns anos e eram apenas doze homens; a missão de espalhar o Evangelho por
toda a terra, para que todos os homens cheguem a ter o conhecimento da
verdade (1ª Timóteo II-4) não podia ser realizada somente por eles, tanto mais
que muitos povos não tinham sido descobertos ainda, os da América por
exemplo; havia esta obra de ser continuada pelos seus sucessores. E é para esta
obra de ENSINAR que Jesus promete a sua assistência até o fim do mundo. Ele
promete assim velar especialmente pela IGREJA DOCENTE, para que ela cumpra
com proficiência a missão altíssima que lhe foi confiada.

E a constância, a firmeza com que a Igreja Católica vem conservando a sua


doutrina através de 20 séculos, apesar de lutar contra heresias tão diversas, a
admirável vitalidade que mostra a Igreja entre homens de raças, de línguas, de
condições, de tempos, de costumes tão diferentes, mantendo sempre todos
entrelaçados pela UNIDADE DA FÉ, tudo isto se nos apresenta como um verdadeiro
milagre, evidenciando nela uma proteção especialíssima de Deus, num contraste
impressionante com a tremenda anarquia doutrinária que se nota no seio do
Protestantismo, com 15 séculos a menos de existência.

Assim a história da Igreja Católica é, toda ela, um grande milagre, pois foi um
milagre a sua rápida propagação, foi um milagre a constância extraordinária dos
mártires, como o é também o modo como ela supera todas as oposições, todas as
heresias, todas as crises internas e externas.

E, por falar em milagres, um dos meios pelos quais se tem manifestado a


assistência especial de Cristo à sua Igreja, são os milagres que em todos os
tempos nela se têm verificado. Não há dúvida que eles não podem ser frequentes
como eram nos tempos primitivos. Não há dúvida que há o milagre verdadeiro e
o milagre só aparente; e a Igreja, com a sua larga experiência, se mostra sempre
muito cautelosa, muito desconfiada nesta matéria. Mas que se dão no seio da
Igreja muitos milagres autênticos e indiscutíveis, não há dúvida alguma.
Nenhum santo pode ser canonizado, sem que se provem pelo menos 5 milagres
autênticos, averiguados, depois de exame rigorosíssimo, com toda a precisão
científica. E para não falarmos em Fátima, que é mais recente, embora não
menos gloriosa, LURDES na França, onde se têm aboletado os médicos mais
obstinados e mais incrédulos, desejosos mesmo de desmentir os milagres e que
findam sempre confessando não haver explicação natural para aqueles prodígios,
LURDES, onde tantos protestantes têm encontrado afinal a verdadeira fé, é uma
prova de que Deus continua a prestigiar a sua legítima Igreja, a Igreja Católica
com a prova dos milagres. E neste particular a posição dos protestantes é
realmente muito esquerda: sabem que os milagres são possíveis, que Jesus Cristo
recorreu frequentemente a eles para mostrar a divindade de sua Religião; sabem
muito bem quanto seria útil e conveniente como uma amostra ao mundo de hoje,
tão batido pela irreligiosidade e pela descrença, a realização de prodígios do
Céu, para prestigiar a verdadeira doutrina de Jesus, porque a Bíblia não diz em
parte alguma que Deus esteja proibido de fazer milagres nos tempos atuais. No
entanto, ao passo que em favor da sua NOVA DOUTRINA que começaram a pregar
no século XVI, não apresentam um só milagre sequer, se veem forçados a negar
obstinadamente uma grande quantidade de milagres historicamente
comprovados, patentes aos olhos de todos, que militam em confirmação da
Igreja Católica. Toda a sua segurança repousa apenas na interpretação pessoal
que dão aos textos da Bíblia; interpretação bem diversa daquela que desde 15
séculos os mais sábios intérpretes vinham dando, quando eles apareceram;
interpretação que nada tem de segura, porque eles próprios são os primeiros a
discuti-la em todos os pontos.

De maneira que vemos, pelo modo como Jesus organizou a sua Igreja e mandou
propagá-la, que Ele não a fundou como uma Sociedade Bíblica, encarregada de
imprimir e espalhar Bíblias por toda a parte, para cada um ler e interpretar à sua
vontade. Nosso Senhor fez dela uma sociedade em que há uns que ensinam e são
os Apóstolos e seus sucessores (Ide, pois, e ensinai todas os gentes) e outros que
aprendem. E este ensino é dado pela pregação oral, pregação feita, aliás, somente
por aqueles que estão legitimamente autorizados para isto, por aqueles que são
de fato ENVIADOS para este fim: Como invocarão, pois, Aquele em quem não
creram? Ou como crerão àquele que não ouviram? E como ouvirão sem
pregador? Porém como pregarão eles, se não forem enviados? ... Logo a fé é
pelo OUVIDO; e o ouvido pela palavra de Cristo (Romanos X-14 e 15; 17).

E esta pregação, este ensino não são feitos apenas como um esclarecimento para
o fiel melhor se orientar na sua interpretação privada da Bíblia, ficando este fiel
com a liberdade de organizar a doutrina à sua vontade. São feitos com absoluta
autoridade, de modo que os fiéis são obrigados a crer naquilo que lhes é
ensinado pela verdadeira Igreja: O que crer e for batizado será salvo; o que,
porém, não crer será condenado (Marcos XVI-16).

Notas (pular)

[37] Os protestantes querem também apresentar como promessa da inspiração do Espírito Santo aos fiéis, as
seguintes palavras de Jesus: Quando vier, porém, aquele Espírito de verdade, Ele vos ensinará TODAS AS
VERDADES (João XVI-13). Mas estas palavras foram ditas aos Apóstolos numa longa palestra que Jesus teve
com eles, na intimidade e que vai de João XIII-31 até o final do Capítulo XVII do mesmo Evangelista.
Querer cada nova-seita de hoje ser tão iluminado pelo Espírito Santo como eram os Apóstolos que tinham
por missão lançar as bases para a propagação da Igreja, quando a promessa foi feita exclusivamente a estes
últimos, é realmente uma pretensão muito grande. (voltar)

A pregação católica e a protestante.

262. Aí se vê a profunda diferença que existe entre a pregação católica e a


pregação protestante.

O pregador católico pode dizer aos seus ouvintes: Eu prego a palavra de Deus e
quem não crer está no caminho da condenação, porque a doutrina que prego não
é minha, não venho aqui expor uma opinião, uma interpretação pessoal, venho
expor a doutrina da verdadeira Igreja, a qual VEM DO PRINCÍPIO, vem DO TEMPO DOS
APÓSTOLOS, a qual sempre foi a mesma, porque a Igreja nunca mudou nem
mudará, a qual é a mesma aqui e na Europa, e nos Estados Unidos, e na África, e
na China e em toda a parte, porque a doutrina de Deus é UMA SÓ.

Ora, um pastor protestante já não pode falar aos seus fiéis com igual firmeza.
Como pode obrigar os outros a crer o que ele ensina, se é partidário do livre
exame e sobe ao púlpito para expor os seus PONTOS DE VISTA PESSOAIS sobre a
Sagrada Escritura, diante de fiéis que são autorizados pela sua própria Religião a
terem lá os seus pontos de vista pessoais também? Como pode obrigar os fiéis a
crer no que ele diz, se há também muitos outros pastores protestantes que
ensinam doutrinas bem diversas da sua?

Utilidade da Escritura.

263. A fé vem pelo ouvido. A base de sua pregação é o ensino oral. Mas daí não
se segue que a Escritura seja inútil. Toda a Escritura divinamente inspirada É
ÚTIL (2ª Timóteo III-16). Não há dúvida alguma, é utilíssima. Sem o Novo
Testamento, como poderia a Igreja Católica mostrar aos hereges de todos os
tempos, e especialmente aos protestantes, a sua instituição divina, as bases em
que se firma a sua autoridade? A Bíblia é um imenso tesouro de sabedoria, onde
a Igreja sempre foi buscar, na palavra de Deus escrita, termos precisos e bem
adequados para ilustrar a pregação das verdades eternas. Ela serve para
consolidar o ensino tradicional da Igreja.
Mas dizer-se que ela é indispensável a todo cristão, no sentido de que cada um
PARA TER A VERDADEIRA FÉ, precisa ter, nas suas mãos, o Livro Sagrado, para dele
se improvisar em SÁBIO E ENTUSIASMADO INTÉRPRETE isto já é uma coisa muito
diversa. A própria história da Igreja e da Humanidade desautoriza esta pretensão.

Os ensinos de Jesus e de seus Apóstolos estão encerrados no Novo Testamento.

Pois bem, quando a Igreja foi fundada, no dia de Pentecostes, nenhum livro do
Novo Testamento estava ainda escrito. Pelo menos, 8 ou 9 anos se passaram
nesta situação: havia Igreja, os fiéis tinham a verdadeira fé, eram legítimos
seguidores de Jesus Cristo, sem existir ainda nenhum livro da Bíblia que
expusesse a doutrina cristã, porque o Evangelho de S. Mateus, o primeiro a ser
escrito, foi composto entre os anos de 42 a 50, quando o início da Igreja, no dia
de Pentecostes, foi no ano de 33. O Evangelho de S. João que encerra tantas
coisas omitidas pelos outros foi composto numa data que também não se sabe
precisar, mas que está entre os anos de 70 a 100. Mais de um século decorreu
para que se organizasse num livro a coleção de todos os textos sagrados [38].
Quinze séculos se passaram, conforme já observamos, em que a difusão da
Bíblia era sobremaneira difícil, pelo seu preço muito elevado, porque a imprensa
só foi descoberta no século XV. E ainda hoje são inúmeros aqueles que aceitam
a verdadeira fé e a professam e ganham o Céu, não pela leitura da Bíblia, mas
unicamente ouvindo a pregação, simplesmente porque não sabem ler.

Por isto não é de admirar que os protestantes, que dizem só admitir aquilo que
está na Bíblia, não apresentem nenhum texto da mesma que obrigue os cristãos a
lê-la ou que lhes dê o direito de interpretá-la, pois aquela palavra Examinai as
Escrituras, conforme já explicamos, foi dirigida a JUDEUS INCRÉDULOS, como
último recurso porque eles não quiseram acreditar na pregação de Jesus Cristo,
nem nos milagres extraordinários que a acompanhavam.

E estes mesmos protestantes que querem reproduzir exatamente a Igreja


Primitiva, não nos mostram em nenhum texto da Bíblia os cristãos, os já
convertidos (porque os judeus de Beréia que aparecem nos Atos consultando as
Escrituras, não se tinham convertido ainda) fazendo girar toda a sua Religião em
torno da Bíblia no sentido de estarem todos interessados em como hão de
interpretá-la, como também não mostram os Apóstolos insistindo com os fiéis
para que não deixem de ler a Escritura Sagrada, a fim de aí apreciarem e
compreenderem diretamente a palavra de Deus.
A Bíblia nos mostra, sim, os Apóstolos recomendando sempre, insistentemente,
que os fiéis não se afastem do ensino oral, daquilo que tinham OUVIDO na
pregação e nas explicações da doutrina: Ponho-vos, pois, presente, irmãos, o
Evangelho que vos preguei, o qual também vós recebestes e nele ainda
perseverais, pelo qual é certo que sois salvos, se todavia o conservais COMO EU
VO-LO PREGUEI, salvo se em vão o crestes (1ª Coríntios XV-1 e 2). Eu vos louvo,
irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim e guardais AS MINHAS INSTRUÇÕES
COMO EU VO-LAS ENSINEI (1ª Coríntios XI-2). O que não só aprendestes, mas
recebestes, E OUVISTES E VISTES em mim, isto também praticai; e o Deus de paz
será convosco (Filipenses IV-9). Já sabeis QUE PRECEITOS VOS TENHO DADO, por
autoridade do Senhor Jesus (1ª Tessalonicenses IV-2). Guarda a forma das sãs
palavras que me TENS OUVIDO na fé e no amor em Jesus Cristo (2ª Timóteo I-13).
Guardando o que OUVISTES DA MINHA BOCA diante de muitas testemunhas, entrega-
o a homens fiéis QUE SEJAM CAPAZES DE INSTRUIR TAMBÉM A OUTROS (2ª Timóteo II-2).
Estai firmes e conservai as TRADIÇÕES que aprendestes, ou DE PALAVRA, ou por
carta nossa (2ª Tessalonicenses II-14). Nós vos intimamos, em nome de Nosso
Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que andar
desordenadamente e não segundo A TRADIÇÃO que ele e os mais receberam de nós
outros (2ª Tessalonicenses III-6). Quem conhece a Deus OUVE-NOS; o que não é
de Deus não nos OUVE: NISTO CONHECEMOS O ESPÍRITO DA VERDADE E O ESPÍRITO DO
ERRO (1ª João IV-6).

E ainda mais: é necessário este apego ao ensino oral dos Apóstolos, porque já
aparece na Bíblia o grito de alarme contra os que se metem a interpretar as
epístolas de S. Paulo, bem como as outras Escrituras, sem ter a capacidade, nem
a firmeza de fé necessária para isto: E tende por salvação a larga paciência de
nosso Senhor; assim como também nosso irmão caríssimo Paulo vos escreveu
segundo a sabedoria que lhe foi dada, como também em todas as suas cartas,
falando nelas disto, nas quais há algumas coisas difíceis de entender, as quais
adulteram OS INDOUTOS e INCONSTANTES, como também AS OUTRAS ESCRITURAS, PARA
RUÍNA DE SI MESMOS. Vós, pois, irmãos, estando já de antemão advertidos,
guardai-vos, para que não caiais da vossa própria firmeza, levados do erro
destes insensatos (2ª Pedro III-15 a 77). Não podia ser mais clara a condenação
do Protestantismo e do seu LIVRE EXAME.

O que os Apóstolos insistentemente recomendam é a fidelidade à Igreja,


representada por aqueles que devidamente autorizados pregam a sua doutrina,
porque a Igreja é, segundo o ensino de S. Paulo,

Notas (pular)

[38] Quando apresentamos estes argumentos, os protestantes respondem que, mesmo quando os cristãos não
tinham em mãos os livros do Novo Testamento, tinham os do Antigo, os quais dão testemunho de Jesus.
Ora, em que sentido o Antigo Testamento dá testemunho de Jesus? Apontando, pelas profecias, o Messias
Prometido, profecias estas que se cumpriram no Divino Mestre. Mas para o cristão basta saber que Jesus é o
Messias Prometido? Não lhe ó necessário conhecer também a doutrina que Jesus ensinou? E onde, no
Antigo Testamento poderão encontrar esta doutrina? Onde poderão instruir-se sobre a SSma Trindade, o
Batismo, a Ceia Eucarística, os novos mandamentos de Jesus, a organização da Igreja etc, etc? O Antigo
Testamento usado com exclusividade, como meio de instrução, serviria até para atrapalhar, pois traz um
grande número de prescrições da Lei Mosaica que na Nova Lei já estão abolidas. A doutrina cristã se
aprende no Novo Testamento e não no Antigo; querem os protestantes negar esta verdade tão evidente?
(voltar)

Coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15).

264. Eis aí uma palavra que é e será sempre misteriosa e incompreensível para
os protestantes. Se a verdade é sólida, inquebrantável, invencível em si mesma,
se a verdade em última análise é o próprio Deus, como precisa ela de uma coluna
para FIRMAR-SE?

Mas a verdade pode ser considerada de duas maneiras: enquanto existe em si


mesma e enquanto É CONHECIDA POR NÓS. Em si mesma, ela não precisa de
nenhum apoio, mas para que chegue ao nosso conhecimento, ao conhecimento
de todos, é preciso haver quem a defenda, quem a SUSTENTE. Por isto é muito
comum ouvir-se alguém dizer no meio de uma discussão: eu SUSTENTO a verdade,
enquanto o que Você sustenta é mentira. S. Paulo, vendo já desde os primeiros
tempos a luta dos hereges, daqueles que começam a perturbar os cristãos,
introduzindo, no seio deles, a peçonha do erro, nos mostra qual é neste ponto o
verdadeiro papel da Igreja, que deve ser a coluna da verdade, sustentando-a com
firmeza, apesar de toda a grita, de toda a oposição dos adversários. Se é verdade
a existência de três Pessoas em Deus, a divindade de Jesus Cristo, a imortalidade
da alma, a existência do inferno, a indissolubilidade do matrimônio, a presença
real de Jesus Cristo na Eucaristia, a necessidade do Batismo, o valor expiatório
da morte de Cristo, a necessidade da graça para a salvação etc, etc, a missão da
Igreja é SUSTENTAR a verdade com firmeza, com autoridade, com absoluta
segurança, reclame quem reclamar, doa a quem doer, discorde quem quiser
discordar. Se o Protestantismo concede aos seus adeptos a liberdade de dar aos
textos da Bíblia a interpretação que julgarem mais conveniente, então renuncia
inteiramente a esta missão de sustentar a verdade; deixa a cada um a
incumbência de SUSTENTAR o que bem entende. Todos sabemos que a verdade
existe; mas no seio do Protestantismo, eles lá não podem saber o que é verdade,
nem o que não é; pois a confusão aí é muito grande.

E é preciso notar que se os protestantes, no meio de seus erros (eles próprios têm
que confessar que há erros no Protestantismo, pois onde existe a contradição
existe o erro: a verdade é uma só) se os protestantes, no meio de seus erros,
ainda sustentam, numa dosagem maior ou menor, algumas grandes verdades,
têm que reconhecer que isto devem exclusivamente à Igreja Católica, donde se
separaram, à Igreja Católica que pela sua FIRMEZA soube manter intactos os seus
princípios na luta contínua contra os hereges de todos os tempos. Não fosse o
ensino constante da Igreja, e a confusão entre eles ainda seria muito maior.

No meio de tantos protestantes que, levados pelo seu ódio rancoroso contra a
Igreja Católica vivem a ensinar aos seus irmãos na fé (!!!) que o Papa é o
Anticristo ou a besta do Apocalipse, que a Igreja não é mais do que a meretriz de
Babilônia de que fala a Escritura Sagrada (Apocalipse XVII-5) e assim se
servem, do modo mais ridículo, da palavra de Deus para tentar impressionar os
rudes e ignorantes, prevenindo-os contra a mais numerosa Igreja Cristã e a única
que vem dos tempos apostólicos, sempre aparece um ou outro que fala com mais
lógica e mais serenidade. E é assim que na Revista Inter Ocean, de Chicago
apareceu um artigo do ministro metodista Dr. Charles Bayard Mitchell que diz,
entre outras coisas, o seguinte:

“Agrada-me a Igreja Católica, porque permanece inabalável em seu


reconhecimento da divindade de Jesus Cristo. Nem um só dos que dirigem seus
destinos admite discussão sobre este grande dogma. Agrada-me, porque protege
a pureza do lar e proclama a santidade do matrimônio. Dou graças a Deus pelo
fato de protestar esta Igreja em termos inequívocos contra os divórcios, baldão
da nossa cultura americana. Dou graças a Deus de uma maneira especial pela
atitude que a Igreja tem assumido contra a anarquia brutal e o utópico
socialismo. Deito-me tranquilo, porque temos em nosso meio a Igreja Católica.”
(O artigo foi transcrito no Mensageiro de Bilbao, número de 72 de dezembro de
1929).
Esta inquebrantável firmeza de princípios, característica da verdadeira Igreja de
Jesus Cristo (a qual foi posta no mundo para ensinar a verdade e dela se sente
segura e certíssima desde o começo e por isto não pode transigir com o erro) não
pode jamais ser conseguida sob o regime do livre exame. E foi por isto que
Nosso Senhor Jesus Cristo, em vez de mandar espalhar Bíblias para cada um
interpretar à vontade, mandou que os Apóstolos e seus sucessores saíssem pelo
mundo a ensinar (Ide, pois, e ensinai todas as gentes — Mateus XXVIII-19) e
garantiu que a Igreja nunca seria vencida pelos tiranos, nem maculada pelo erro
(E as portas do inferno não prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18), porque
ela deveria ser em todos os tempos a guia segura para todos os homens, a coluna
e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15).
Capítulo Décimo Primeiro
Cristo enviou os Apóstolos a batizar
A lei da solidariedade humana.

265. Quando dizemos que a missão da Igreja, a missão do sacerdote é SALVAR as


almas, os protestantes põem os dedos nos ouvidos e bradam, indignados:
Ouvistes a blasfêmia? Dizer que a Igreja salva, que o padre salva, quando quem
salva é Jesus Cristo, O ÚNICO SALVADOR!!

Esta indignação nasce apenas de uma confusão de ideias. Primeiro que tudo,
podem eles tachar de blasfemas as palavras da própria Bíblia? No entanto a
Bíblia atribui a HOMENS a missão de salvar os outros. Vejamos o que diz S. Paulo
a Timóteo: Olha por ti e pela instrução dos outros; persevera nestas coisas;
porque, fazendo isto, te SALVARÁS tanto a ti mesmo, como AOS QUE TE OUVEM (1ª
Timóteo IV-16). E na 1ª Epístola aos Coríntios: Fiz-me tudo para todos, por
SALVAR a todos (1ª Coríntios IX-22).

É claro que quando a Bíblia diz que Cristo nos salvou, porque é o Único
Salvador; e esta mesma Bíblia diz que um homem salva os outros, a palavra
SALVAR num e noutro caso não tem exatamente o mesmo sentido. Quando diz
que Cristo nos salvou, se refere ao RESGATE indispensável para a nossa salvação,
oferecido só por Cristo, porque só Ele é que o podia oferecer; refere-se a Cristo
como a fonte única donde procedem todas as GRAÇAS que são necessárias para a
salvação da Humanidade, não só as que nos são concedidas hoje, após a sua
morte, mas também as que foram recebidas por todos os homens e em todos os
tempos. Quando diz que um homem salva os outros, refere-se ao trabalho deste
homem, ao seu esforço, à sua cooperação para que os outros venham a
aproveitar do sangue regenerador de Jesus Cristo, porque Jesus Cristo morreu
por todos, mas nem todos se salvam: há umas tantas condições a observar para
que a cada um em particular sejam aplicados os frutos da Redenção.

Para darmos um exemplo: a mesma diferença de sentido que se dá com esta


palavra SALVAR, se dá também com os termos pelos quais expressamos a nossa
PROCEDÊNCIA. Somos criaturas de Deus. Mas tanto dizemos: Devo a Deus a minha
existência, como dizemos: Tenho que respeitar a meus pais, porque DEVO A ELES
A MINHA EXISTÊNCIA. Mas tem a frase num e noutro caso a mesma significação?
Devo a Deus a minha existência, porque Ele criou a minha alma, tirou-a do nada,
e isto é um ato de poder infinito, que, portanto, nenhuma criatura é capaz de
realizar. Devo a meus pais a minha existência, porque embora sejam eles simples
criaturas como eu, Deus não quis dispensar A COOPERAÇÃO DELES pela geração,
para que se realizasse o ato criador.

E assim em tudo na vida, Deus está agindo sempre em mim por intermédio das
CRIATURAS, por meio das CAUSAS SEGUNDAS. Uma vez nascido, precisei de
alimentação, de cuidados especiais com a minha saúde. A PROVIDÊNCIA DIVINA
zelou por mim, para que nada me faltasse, mas zelou por intermédio da ação de
meus pais que se entregaram a cuidados, labutas, suores e sacrifícios para que eu
tivesse à minha disposição tudo quanto me era necessário. A educação que tanto
está influindo no meu comportamento e nas minhas qualidades morais, me veio
igualmente por intermédio de meus pais que a fizeram a seu modo. Se precisei
instruir-me, a ciência não me veio diretamente de Deus: veio por intermédio dos
mestres que me transmitiram aquilo que sabiam, porque já o tinham recebido de
outros. E ainda hoje quando estou um homem feito, livre e independente, se
preciso de um emprego, se quero curar-me de uma doenças, se me faltam
recursos para empreender uma viagem etc., etc., nada disto me vem diretamente
do Céu; é a Providência que age na minha vida através de um amigo, de um
médico, de um protetor, de um profissional etc., e pode até às vezes servir-se de
meus próprios inimigos para me fazer benefícios. É a lei da solidariedade
humana: todos precisamos uns dos outros.

Na antiga e na nova lei.

266. Isto acontece na nossa vida material; e Deus quis que também fossem
assim no que diz respeito aos bens da nossa alma. Vemos, em toda a história do
Antigo Testamento, que as graças especiais concedidas a seu povo escolhido,
Deus as mandava, por exemplo, por intermédio dos Profetas; eram homens
fracos e imperfeitos, como demonstraram muitas vezes, mas era deles que Deus
se servia para guiar, dirigir, advertir, iluminar o seu povo.

Na Nova Lei, a narrativa dos Evangelhos nos mostra muito bem que Deus,
escolhendo os seus Apóstolos, dando-lhes uma missão especial, concedendo-lhes
extraordinários poderes, não quis absolutamente agir de maneira diversa: são
maiores as riquezas celestiais distribuídas aos cristãos, mas o sistema de
distribuição é sempre o mesmo. Porque se na Nova Lei Deus nos concede
GRAÇAS MUITO MAIORES do que na Antiga, Ele confia a homens uma COOPERAÇÃO
TAMBÉM MUITO MAIOR na distribuição da superabundante graça divina e na
economia da salvação.

Pregar e batizar.

267. Já vimos, no capítulo anterior, que Deus confiou aos Apóstolos e seus
sucessores a missão de PREGAR, como tinha confiado aos Profetas. O homem faz
o seu discurso, de acordo com a sua inteligência e capacidade, com o seu talento
e jeitão pessoal; Deus se serve destas palavras do homem para transmitir aos
outros os seus ensinamentos divinos. A palavra do homem, ensinando a legítima
doutrina, se torna neste caso a própria palavra de Deus.

Mas aos Apóstolos e seus sucessores Jesus não deu somente a incumbência de
pregar. Mandou-os também BATIZAR: Ide, pois, e ensinai todas as gentes,
BATIZANDO-AS em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo (Mateus XXVIII-
19).

Qual é o efeito do Batismo?

O Batismo põe a alma na graça santificante. Nascemos todos nós SEM A GRAÇA
SANTIFICANTE; nisto é que consiste o pecado original, que é justamente a privação
desta graça, na qual foram criados por Deus nossos primeiros pais, no Paraíso
Terrestre, mas não foram fiéis a Deus e a perderam para eles e os seus
descendentes. É por isto que se administra o Batismo às crianças. Para entrar no
reino de Deus, onde se goza uma felicidade sobrenatural (isto é, que está acima
da nossa natureza) é preciso levar também o dom sobrenatural da graça.

O batismo das crianças.

268. Desde o tempo dos Apóstolos, a Igreja vem batizando as crianças, como
nos atesta o grande escritor Orígenes, do século 3º, que diz o seguinte: “A Igreja
recebeu dos Apóstolos a tradição de dar o Batismo também às crianças. Sabiam
eles, a quem foram confiados os segredos dos mistérios divinos que existe em
todos a genuína mancha do pecado, a qual tem que ser lavada pela água e pelo
Espírito Santo” (In Rom. 15; nº 9). S. Cipriano, em nome do concílio de Cartago
(do ano de 253) escreve ao bispo Fido, o qual era de opinião que os meninos não
deviam ser batizados, com menos de 8 dias de nascidos: “Neste ponto ninguém
está de acordo com a tua opinião, antes todos ao contrário fomos de parecer que
a nenhum homem NASCIDO se há de negar a misericórdia e a graça de Deus”.
Como veremos mais adiante, Nosso Senhor, na sua entrevista com Nicodemos,
fala da necessidade do Batismo para todos, de um modo geral, sem abrir nenhum
exceção para as crianças.

Os protestantes que são contrários ao batismo das crianças apresentam por


prova, como se fosse isto um grande argumento, que A BÍBLIA NÃO FALA EM
BATISMO DE CRIANÇAS. O argumento é muito fraco, porque é meramente negativo.
Estão assim protestantes que dizem só ADMITIR O QUE ESTÁ NA BÍBLIA atribuindo à
mesma uma doutrina que ela absolutamente não ensina, pois a Bíblia não diz em
nenhuma parte QUE NÃO SE DEVAM BATIZAR AS CRIANÇAS [39]. Isto não está escrito
na Bíblia. Eles vão apenas observar, pela narração dos fatos na Escritura, se
aparece algum caso de batismo de crianças; se não aparecer, então vão concluir,
sem mais nem menos, que as crianças não podem nem devem ser batizadas.
Segundo este mesmo critério, alguém poderia dizer: Aquele pastor não acredita
na SSma Trindade, pois já ouvi 50 sermões seus e não o ouvi falar sobre este
mistério.

Ora, só no PENÚLTIMO VERSÍCULO DO ÚLTIMO CAPÍTULO do Evangelho (de S. Mateus)


é que aparece Jesus dando aos Apóstolos a ordem de batizar. Se o Evangelho
fala de batismo realizado pelos Apóstolos durante a vida de Cristo, não se sabe
ao certo se era simplesmente um batismo de penitência igual ao do Precursor ou
já o batismo cristão, e mesmo o texto não esclarece se batizavam também as
crianças ou somente os adultos: Não era Jesus o que batizava, mas seus
discípulos (João IV-2). Os Evangelhos falam, sim, no batismo de João, e este era
por natureza reservado aos adultos, porque tinha como finalidade excitar ao
arrependimento; mas isto nada tem que ver com o nosso batismo, o batismo
cristão que, como veremos (nº 275), é perfeitamente distinto do batismo
preparatório de João e muito superior a ele.

Das Epístolas nenhuma é um tratado especial sobre o Batismo. O Apocalipse,


muito menos.

E se nos Atos dos Apóstolos, que foram escritos NÃO COM O FIM DE EXPOR
DIRETAMENTE A DOUTRINA, mas com a preocupação apenas de narrar aquilo que se
passou nos primeiros anos da Igreja, se contam batismos de adultos, não de
crianças, é o que há de mais natural. Quando começou a ser ministrado no
mundo o batismo instituído por Cristo? Justamente quando a Igreja começou a
existir. O mundo inteiro estava necessitando de ser batizado e só se podia
começar pelos adultos. Como podia haver o costume de cada pai e mãe levar o
seu filhinho ao Batismo, logo após o nascimento, se eles próprios não eram
batizados ainda e a Religião Cristã ainda não estava suficientemente propagada?

Além disto, podem os protestantes garantir que a Bíblia não narra batismo das
crianças? Os Atos narram que o carcereiro convertido porque viu o terremoto e a
abertura das portas da prisão, foi batizado com toda a sua família. E
imediatamente foi batizado ele e TODA SUA FAMÍLIA (Atos XVI-33). Antes disto, já
tinha sido batizada a família de Lídia, vendedora de púrpura na cidade de
Tiatirenos; E tendo sido batizada ela e A SUA FAMÍLIA, fez esta deprecação (Atos
XVI-15). S. Paulo afirma que batizou a família de Estéfanas: E batizei também a
FAMÍLIA de Estéfanas (1ª Coríntios I-16). Como podem os protestantes JURAR que
nas famílias do carcereiro, de Lídia e de Estéfanas, não havia nenhuma criança?

Sendo uma questão sobre a qual a Bíblia não se pronuncia explicitamente (não
sendo de espantar, portanto, que os “evangélicos” tanto discutam sobre o
assunto) qual era a solução mais natural, senão indagar como é que a Igreja
fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo vem fazendo desde o princípio? Será
que, não contentes com afirmar que a Igreja caiu no erro desde vários séculos e
que falhou, por conseguinte, a promessa de Cristo, querem dizer também que a
Igreja está errada desde o começo?

Isto mostra muito bem como é necessário acrescentar aos ensinos da Bíblia o
testemunho da Tradição.

Para receber a GRAÇA SANTIFICANTE pelo Batismo, é claro que não precisam as
crianças ter a fé nem nenhuma disposição, porque de nada disto são capazes.
Recebido o Batismo, tornam-se em virtude do sacramento, um TEMPLO DO
ESPÍRITO SANTO.

— Como pode ser isto? Dirão os protestantes. Uma criança que de nada tem
conhecimento ser já a habilitação do Espírito Santo!
— Como pode ser? Da mesma forma que João Batista foi santificado, foi livre
do pecado original, tornou-se um templo do Espírito Santo, por especial
privilégio, quando ainda estava no ventre materno. O anjo diz a Zacarias,
anunciando o nascimento do Precursor: Ele será grande diante do Senhor e não
beberá vinho nem outra bebida que possa embriagar, e JÁ DESDE O VENTRE DE SUA
MÃE SERÁ CHEIO DO ESPÍRITO SANTO (Lucas I-15). O que as outras crianças mais
tarde conseguirão pelo Batismo, S. João Batista já o consegue, em maior
abundância e por uma intervenção extraordinária de Deus, antes mesmo de seu
abençoado nascimento.

Notas (pular)

[39] Não vem ao caso absolutamente a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: Deixai os meninos e não
embaraceis que eles venham a mim; porque destes tais é o reino dos Céus (Mateus XIX-14), a qual
apresentam alguns protestantes, querendo alegar, com isto, que os meninos não precisam ser batizados, uma
vez que o Céu já pertence a eles.

Nosso Senhor disse isto da mesma forma que disse: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque DELES É
O REINO DOS CÉUS... Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça, porque DELES É O
REINO DOS CÉUS (Mateus V-3 e 10), ensinando com isto que são felizes os que têm o verdadeiro espírito de
pobreza, os que sendo pobres abraçam de coração, amam e estimam o seu próprio estado, bem como são
felizes aqueles que, batalhando por uma causa justa, apesar disto recebem perseguições, porque o Céu os
está esperando, como a grande recompensa que lhes está reservada. Que diria o protestante daquele que
ensinasse o seguinte: Quem é pobre de espírito, assim como também quem é injustamente perseguido, não
precisa CRER EM JESUS, nem precisa ARREPENDER-SE DOS PECADOS, para conquistar o Céu, pois já tem o Céu
garantido? O que Nosso Senhor quis dizer apenas foi que estas virtudes são, entre as outras, as que melhor
conduzem à bem-aventurança celeste.

O mesmo se diga do caso das crianças. Não é o simples fato de ser criança que a leva para o Céu; pode
haver, até, por exceção da regra alguma criança má, que não mereça de forma alguma. Nosso Senhor,
dizendo TÓN TOIÓUTON, como está no texto grego (e o Pe Pereira traduziu muito bem: DESTES TAIS, isto é,
daqueles que são como meninos, que lhes são semelhantes) está apenas exaltando o valor da criança que é
um modelo para os grandes, um espelho das virtudes que se devem praticar para ganhar o Céu, pela sua
candura, simplicidade, amor à verdade, castidade, desprendimento e rápido esquecimento das injúrias; é
preciso que os grandes se tornem por virtude aquilo que as crianças já são por natureza. E por isto mesmo
Nosso Senhor havia dito no capítulo anterior: Na verdade vos digo que, se vos não converterdes e VÓS NÃO
FIZERDES COMO MENINOS, NÃO HAVEIS DE ENTRAR NO REINO DOS CÉUS (Mateus XVIII-3). (voltar)

A regeneração do adulto.

269. Passemos agora a considerar o batismo recebido pelo adulto. Seu efeito é o
mesmo: DAR-LHE A GRAÇA SANTIFICANTE. Para isto é necessário não só apagar nele
o pecado original, mas também dar-lhe a remissão dos pecados ATUAIS, isto é,
dos que ele cometeu pessoalmente, depois que lhe despontou o uso da razão. E
assim, enquanto na criança não se exigia nenhuma preparação para recepção do
Batismo, uma vez que a criança disto não era capaz, agora no caso do adulto é
bem diferente. Para que o Batismo surta o seu efeito, não só é necessário o
CONSENTIMENTO VOLUNTÁRIO do adulto, mas também que ele tenha a FÉ em Cristo,
bem como o ARREPENDIMENTO de todos os seus pecados.

E assim pondo ou a criança ou o adulto no estado de graça santificante, o


Batismo produz a regeneração espiritual que faz do homem um membro vivo do
corpo místico de Cristo. É o Batismo quem nos introduz na Igreja.

— Como o Sr. prova, dirá o protestante, que o Batismo regenera espiritualmente


o homem, dá-lhe a remissão dos pecados e lhe confere a graça santificante?

— É o que veremos daqui a pouco, neste mesmo capítulo (n$^{\text{os}}$ 274


a 281) pelas próprias palavras de Jesus Cristo e pelo próprio ensino da Bíblia.

Mas o Batismo se recebe só uma vez, e o homem está sujeito a perder a graça
santificante pelo pecado mortal. Como remediar agora a esta situação? Para isto
Jesus Cristo conferiu claramente aos Apóstolos o PODER DE PERDOAR OS PECADOS E
RETÊ-LOS. É o que veremos no capítulo seguinte.

Assim Jesus Cristo associou os Apóstolos e seus sucessores não só à obra de


difusão do seu reino, pela pregação, mas também à própria REMISSÃO DOS PECADOS
pelos sacramentos do Batismo e da Penitência.

A fé e os sacramentos.

270. Antes, porém, de entrarmos na demonstração desta tese sobre os efeitos do


Batismo, achamos conveniente esclarecer certos pontos que fazem muita
confusão na cabeça dos protestantes.

Dizem eles: A Bíblia está cheia de textos que nos ensinam que A JUSTIFICAÇÃO DO
HOMEM VEM PELA FÉ; que É JUSTIFICADO TODO AQUELE QUE CRÊ; que ÀQUELE QUE CRÊ É
CONCEDIDA A REMISSÃO DOS PECADOS, como se vê, por exemplo, neste trecho dos
Atos dos Apóstolos, em que nos fala S. Pedro: A Este (Jesus) dão testemunho
todos os profetas de que TODOS OS QUE CREEM NELE RECEBEM PERDÃO DOS PECADOS
por meio do seu nome (Atos X-43).
Portanto, não é por meio dos sacramentos, e sim pela fé que se recebe o perdão
dos pecados; logo, não é o Batismo, não é a Confissão que me justifica e
regenera; é minha fé e nada mais.

— Esta confusão que vocês fazem, caríssimos amigos protestantes, já foi


suficientemente esclarecida, quando expusemos o verdadeiro sentido da salvação
pela fé. Todo mal de Vocês é não tomar a palavra FÉ no seu verdadeiro sentido.

Fé não é convencer-me de que já estou salvo pelo sangue de Jesus; eu posso


estar convencido de que já estou salvo pelo sangue de Jesus e ser um indivíduo
mau, desonesto e desagradável aos olhos de Deus; e o resultado é que, iludido
por esta falsa fé, terei que ouvir a palavra do Justo Juiz: Eu nunca vos conheci;
apartai-vos de mim, os que obrais a iniquidade (Mateus VII-23).

Fé é ACEITAR TODA A DOUTRINA DE JESUS, pois Ele nos diz: Se eu vos digo A
VERDADE, por que me não CREDES? (João VIII-46). A fé que salva é submissão de
toda a nossa vida, de todo o nosso ser AOS ENSINOS DE JESUS: A fé sem as obras é
morta (Tiago II-26); Cristo é o autor da salvação eterna para TODOS OS QUE LHE
OBEDECEM (Hebreus V-9).

Se Jesus me diz que para a salvação é indispensável a observância dos


mandamentos (Mateus XIX-17) e eu vou teimar com Ele, achando que, para
salvar-me esta observância não é necessária, estou tendo fé em Jesus?

Pois, é o mesmo que se dá com relação aos SACRAMENTOS. Se Jesus me diz, como
veremos, que é no Batismo que se produz a regeneração espiritual do homem e
eu quero teimar com Ele afirmando que o Batismo não produz este efeito, que
este efeito se produz exclusivamente pela fé, eu estou tendo fé em Jesus? Não;
estou tendo fé apenas em minha teimosia.

Se Jesus me diz que o PERDÃO DOS PECADOS é concedido por intermédio de


HOMENS, a quem Ele deu o poder de perdoar e reter, e eu teimo com Ele,
afirmando que este perdão não é dado por intermédio de homens, mas vem dEle
diretamente, estou tendo fé em Jesus? Não estou absolutamente; estou apenas
mostrando a repugnância em aceitar um ponto que, como mostraremos no
capítulo seguinte, foi claramente estabelecido e afirmado pelo Divino Mestre.

Portanto, é a mesma fé em Cristo que me obriga a observar os mandamentos de


Deus, a sua lei justa e sábia, é esta mesma fé que me impele a receber os
sacramentos, os quais Cristo apontou como necessários para a salvação. Se fui
batizado em criança, recebendo a regeneração espiritual logo ao nascer, isto foi
um efeito da FÉ; não minha, porque eu não a podia ter; mas de meus pais que,
pela sua fé em Cristo, logo providenciaram para que os frutos da Redenção me
fossem aplicados, para que eu não ficasse privado do direito de participar da
VISÃO BEATÍFICA. Se eu cresci, cheguei ao uso da razão e não sou batizado ainda, é
a minha fé em Cristo que me impele a procurar o Batismo, para nele receber,
contrito e arrependido, a remissão de meus pecados. Se depois do Batismo tenho
a infelicidade de perder a graça santificante pelo pecado mortal, é a mesma fé
que me impele ao tribunal da Penitência, a buscar aí o perdão nas mãos daqueles
que por Jesus foram autorizados para isto. A fé é assim, duma e doutra forma, o
ponto de partida da justificação. Não há, portanto, esta incompatibilidade entre A
JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ e A JUSTIFICAÇÃO PELOS SACRAMENTOS, como querem ver os
protestantes. A fé é o ponto de partida, mas partindo-se da VERDADEIRA FÉ se tem
que passar em via de regra pelos sacramentos para se chegar à justificação. É por
isto que S. Paulo, escrevendo aos Gálatas, lhes faz ver que se a fé os justificou, é
porque a fé os levou ao Batismo: Todos vós sois filhos de Deus pela fé que é em
Jesus Cristo, PORQUE todos os que fostes BATIZADOS em Cristo REVESTISTES-VOS DE
CRISTO (Gálatas III-26 e 27).

Os sacramentos e o sacrifício da cruz.

271. Outra confusão semelhante a esta fazem os protestantes com relação à


morte de Cristo no Calvário. Dizem eles: Se é o Batismo que regenera, se é na
Confissão que se me perdoa, então vou buscar a regeneração num rito religioso,
já não é a morte de Cristo que me está remindo. Ora, está claro na Bíblia que
quem me purifica dos pecados é o sangue de Cristo: O SANGUE de Jesus Cristo,
seu Filho, nos purifica de TODO O PECADO (1ª João I-7).

— Muito bem, caros amigos. Agora perguntamos: O sangue de Cristo nos


purifica INCONDICIONALMENTE ou sob certas condições?

Se nos purifica incondicionalmente, então todos os pecados são invariavelmente


perdoados; todos os homens, mesmo os mais perversos, irão para o Céu, porque
a purificação que vem da cruz é destinada a todos os homens: Ele é a
propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também
pelos de TODO O MUNDO (1ª João II-2), como diz o mesmo S. João cinco versículos
adiante. Se nos purifica incondicionalmente, então não se exige como condição
nem mesmo o arrependimento, e eis aí a licença antecipada para todos os crimes,
todos os erros, todas as prevaricações. Neste caso, se encontrarmos um homem a
praticar as maiores misérias, as mais revoltantes monstruosidades e lhe
dissermos: Não faça uma coisa destas; isto é um pecado muito grande, ele
poderá responder: Não, não faz mal; O SANGUE DE JESUS ME PURIFICA DE TODO O
PECADO.

Se, porém, o sangue de Cristo nos purifica SOB CERTAS CONDIÇÕES, quem, senão o
próprio Cristo que foi quem nos salvou, quem derramou o seu sangue por nós e
que não só nos remiu, mas nos ensinou o verdadeiro caminho da salvação, por
meio da sua doutrina; quem, senão Ele é que pode indicar sob que condições a
sua morte redentora nos purifica? Temos nós o direito de alterar estas condições
a nosso gosto, para tornar a salvação mais fácil do que é na realidade, ou para
consegui-la por meios que nos são mais agradáveis?

Se Cristo condicionou o recebimento da graça santificante que Ele mereceu para


nós na Cruz à recepção do Batismo, isto é sinal de que esta graça nos vem DA
SUA MORTE SALVADORA, mas nos vem POR MEIO DO BATISMO, QUE ELE PRÓPRIO
INSTITUIU. É, portanto, da morte de Cristo que o Batismo tira a sua eficácia: Vós
não sabeis que todos os que FOMOS BATIZADOS em Jesus Cristo, fomos batizados NA
SUA MORTE? (Romanos VI-3).

Se, depois que recebemos o Batismo, Cristo condicionou a remissão dos nossos
pecados e a consequente recepção da graça santificante ao poder das chaves, ao
poder que tem seus autorizados ministros de perdoar e reter, isto é sinal de que
este perdão nos vem DA MORTE SALVADORA DE CRISTO, mas vem por intermédio de
seus ministros no sacramento da Penitência, que também Ele próprio instituiu.

O fato de conceder-nos Jesus Cristo A GRAÇA SANTIFICANTE por meio dos


sacramentos, não Lhe rouba de forma alguma o seu título de ÚNICO SALVADOR.

É o que podemos ilustrar com várias comparações. Uma delas nos é insinuada
pela própria Bíblia. Assim fala S. Paulo a respeito da sua missão e da de Apolo e
de Pedro: Os homens devem-nos considerar como uns ministros de Cristo e
como uns DISPENSEIROS DOS MISTÉRIOS DE DEUS (1ª Coríntios IV-1). E diz a Tito,
falando a respeito da missão do Bispo: Convém que o Bispo seja sem crime,
como DISPENSEIRO que é de Deus (Tito I-7) [40]. Ora, esta palavra DISPENSEIRO é a
tradução da palavra grega OIKONÓMOS, donde se deriva a palavra portuguesa
ECÔNOMO e que é formada de ÓIKOS que quer dizer CASA; e o verbo NÉMO que quer
dizer APASCENTAR, DIRIGIR, ADMINISTRAR. OIKONÓMOS quer dizer: “dispenseiro,
aquele a quem toda a casa, e principalmente a parte financeira, é entregue para
ser administrada” (Dicionário Zorell). Esta mesma palavra (no grego OIKONÓMOS;
em português DISPENSEIRO) aparece por exemplo em Lucas XII-42: Quem crês
que é o DISPENSEIRO fiel e prudente que pôs o senhor sobre a sua família, para
dar a cada um a seu tempo a ração de trigo? Com a mesma palavra OIKONÓMOS é
designado o feitor, ou administrador dos bens de seu patrão, de que nos fala
Jesus na parábola que se lê em Lucas XVI-1 a 9.

O fato de S. Paulo comparar os ministros de Cristo com os dispenseiros, os


administradores ou feitores que dirigem e distribuem, não os seus próprios bens,
mas os bens de seu patrão, pois os chama DISPENSEIROS DOS MISTÉRIOS DE DEUS —
é bem expressivo para nos indicar que S. Paulo estava longe de admitir esta
teoria protestante do individualismo, isto é, cada um recebendo a graça de Deus
diretamente e sem intermediários.

Mas vamos à comparação. Suponhamos que os súditos de um rei riquíssimo


chegam famintos ao seu palácio e pedem que lhes distribuam algo das suas
riquezas. O rei, porém, lhes diz: Vão aos meus dispenseiros; eles têm ordem
minha para dar a Vocês o que precisarem. Vão eles lá e recebem. Perguntamos:
no final das contas, de quem receberam? A quem devem agradecer? Devem
agradecer ao rei, porque foi do rei que receberam; embora, no fim de tudo, os
dispenseiros mereçam também do rei algum lucro e recompensa, se cumpriram
exatamente o seu dever.

Assim também, Deus, na sua infinita sabedoria, quis associar alguns homens à
distribuição das riquezas de sua graça, o que não impede que esta graça venha de
Deus. Vem de Deus e pelos modos que o próprio Deus estabeleceu para
distribuí-la, como bem Lhe apraz.

Vamos a outra comparação. O sol está brilhando nas alturas, espargindo luz e
calor para todos. Eu me encontro, porém, numa casa hermeticamente fechada e
por conseguinte em plenas trevas, sem receber os influxos do astro-rei. Mas eis
que alguém abre uma janela e logo a minha casa se ilumina, começa a encher-se
de beleza, animação e vida. De onde me vem, quem me dá esta animação e esta
luz? A janela? Não. Aquele que a abriu? Também não. Quem me dá é o sol. A
janela foi apenas um meio para que a luz chegasse a mim. Assim também,
nascemos nas trevas do pecado original, sem a luz, sem o calor sobrenatural da
GRAÇA SANTIFICANTE. O Batismo é a janela que se abre, para que a graça
santificante ilumine e encha de vida a nossa alma. E se nos pomos outra vez nas
trevas do pecado, pode-se abrir outra janelas que é o sacramento da Penitência.
Assim como, já iluminados pela graça podemos abrir ainda mais a nossa alma
aos influxos de Jesus Salvador por intermédio dos outros sacramentos (que se
chamam sacramentos de vivos, pois se recebem em estado de graça) e por meio
do Santo Sacrifício da Missa.

Uma coisa, portanto, é a Redenção operada por Cristo (isto é o sol); outra coisa é
a aplicação a nós dos efeitos da Redenção (isto é quando a ação do sol chega até
nós). A aplicação dos méritos de Cristo é realizada nos sacramentos e na Santa
Missa; não, a nossa Redenção, porque esta já foi operada, de uma vez para
sempre, no Sacrifício da Cruz.

Se queremos outra comparação vejamos o músico com o seu instrumento (um


violino, por exemplo), o cirurgião com o seu bisturi, o escritor com a sua pena,
ou, para nos adaptarmos aos tempos modernos, com a sua máquina de escrever.
Se realizam obras maravilhosas e merecem os nossos aplausos, atribuímos estes
efeitos ao instrumentos de que usam ou a eles que o sabem utilizar com
perfeição? Assim também Deus se serve de sacramentos como de uma CAUSA
INSTRUMENTAL, não que Deus só nos pudesse conferir a graça santificante por
meio deles, mas porque resolveu conferi-la ordinariamente assim por este modo.

Ou, para usarmos uma comparação mais conhecida, se recebemos em nossa casa
a água canalizada, devemos esta água à fonte donde ela procede ou aos canais
por onde ela nos chega? Está bem visto que é a fonte e não o encanamento que
nos lava o corpo e mata a nossa sede. Assim Cristo Redentor é a fonte
inesgotável de todas as graças; os sacramentos, que o próprio Cristo instituiu,
são os canais por onde a graça santificante nos é distribuída.

Fica, portanto, esclarecido que não há nenhuma contradição entre a justificação


EM VIRTUDE DA MORTE SALVADORA DE CRISTO e a justificação POR MEIO DOS
SACRAMENTOS por Ele mesmo instituídos. E é por isto que veremos daqui a pouco
S. Pedro dizer-nos que o Batismo nos salva (1ª Pedro III-21).
Notas (pular)

[40] Já S. Pedro aponta também os fiéis como DISPENSEIROS, mas não diz: dispenseiros de Deus ou
dispenseiros dos mistérios de Deus, e sim dispenseiros das diferentes graças que Deus dá: Cada um,
segundo a graça que recebeu, comunique-a aos outros, como BONS DISPENSEIROS das diferentes graças, que
Deus dá (1ª Pedro IV-10). O texto grego diz: HÓS (como) KALÓI (bons) OIKONÓMOI (dispenseiros) POIKÍLES
(da multiforme — O adjetivo PÓIKILOS significa variegado, de diversas cores, complexo, que se reveste de
muitos aspectos) CHÁRITOS (graça) THEÓU (de Deus). A graça pode ser tomada sob diversos aspectos. Ora se
toma como graça habitual ou santificante, é a habitação do Espírito Santo na alma que está limpa de pecado
mortal. Ora se toma como graça atual, ou seja, qualquer benefício que se recebe de Deus: um bom conselho,
uma boa palavra, um exemplo de virtude etc. Neste último sentido todos os fiéis têm a missão de ser
também distribuidores das graças divinas, contribuindo, quanto podem, para o bem de seu próximo. Por isto
o Apóstolo logo acrescenta: Se algum fala, seja como palavra de Deus; se algum ministra, seja conforme a
virtude que Deus dá, para que em todas as coisas seja Deus honrado por Jesus Cristo (1ª Pedro IV-11).
(voltar)

Como se suprem a fé e os sacramentos.

272. Uma terceira dificuldade que perturba a cabeça dos protestantes é a


seguinte: A salvação deve estar ao alcance de todos. Ora, se o Batismo e a
Confissão são necessários, neste caso a salvação vai depender de outros homens;
vai depender de circunstâncias exteriores que podem muito bem não se verificar.
Por exemplo: posso ter nascido num país pagão onde ninguém conhece o
Batismo; posso estar num lugar onde não encontre de forma alguma um
sacerdote para me absolver. Ao passo que na teoria da salvação pela FÉ EM
CRISTO a coisa é diferente: a fé se realiza no meu íntimo, sem precisar de
ninguém que venha ministrar-me um rito religioso.

— Perdão, prezados amigos; vê-se aí perfeitamente um engano. A fé em Cristo,


necessária para a salvação, também depende de circunstâncias exteriores que
podem não verificar-se. Fé em Cristo é a aceitação da verdade por Ele revelada.
Mas suponhamos que a sua revelação, o conhecimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo não chegou até mim. Se eu, por exemplo, nasci e tenho vivido num país
onde ninguém me fala em Batismo, é também porque nesse lugar ninguém
jamais me falou em Jesus Cristo e em sua doutrina. Ainda não foi possível aos
missionários da Religião de Cristo penetrar tintim por tintim em todos os
recantos da terra; ainda há lugares, no meio das selvas, completamente
desligados de qualquer contato com o resto do mundo. A China e o Japão
passaram muitos e muitos anos tornando praticamente impossível a entrada de
missionários. Já houve no mundo, por muitos séculos, povos pagãos de cuja
existência os homens cristãos não tinham nenhum conhecimento.
existência os homens cristãos não tinham nenhum conhecimento.

Admitimos também nós, católicos, como Vocês, que a fé em Cristo é necessária


para a salvação.

Mas não tenham receio que não ensinamos, como tantos de Vocês, protestantes,
pertencentes à escola calvinista, que há uns irremediavelmente perdidos, porque
são predestinados por Deus para o inferno. A fé em Cristo PODE SER SUPRIDA. Um
pagão que nunca ouviu falar sobre Cristo, mas sabe pela sua razão que existe um
Deus, Senhor Supremo de todas as coisas (embora erre talvez por ignorância
sobre a verdadeira natureza deste Deus) e vendo, pela sua consciência, o que é o
bem e o que é o mal, está sempre disposto, para não desagradar a este Deus, a
seguir a voz divina que lhe fala ao coração por intermédio da sua consciência,
está amando a Deus acima de tudo e por conseguinte recebe a graça santificante:
Se algum me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e nós viremos
a ele e faremos nele morada (João XIV-23). Deus quer salvação de todos e de
ninguém exige o impossível; o que este pagão tem para oferecer a Deus é apenas
a retidão de sua consciência. Se ele tivesse conhecimento de Cristo e de sua
doutrina, creria de todo o coração, porque tem um coração reto. Tem, portanto,
uma FÉ IMPLÍCITA EM CRISTO. Pode salvar-se; ao passo que muitos que vivem com
o nome de Jesus nos lábios podem perder-se, se morrerem sem esta consciência
reta: Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus; mas
sim o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus (Mateus VII-21). O
mesmo se dá, exatamente, com relação ao Batismo e à Penitência. Esse pagão
que tenha assim um coração puro, uma alma reta e leal, se conhecesse o valor do
Batismo, o procuraria receber e se soubesse que era necessário confessar os seus
pecados, para ganhar o Céu, o faria de muito bom grado. Da mesma forma que é
suprida a fé, os SACRAMENTOS também podem ser supridos.

— Mas insistirá talvez o protestante: Isto acontece com o pagão que nenhum
conhecimento tem da fé. Está certo. Mas suponhamos que se trata de um cristão.
Tendo conhecimento da doutrina católica, está convicto de que a Confissão é
necessária para ele salvar-se. Mas está às portas da morte; ou mesmo está
desejoso de sair do estado de pecado em que se encontra e não há meios, de
forma alguma, de encontrar um padre católico. Vai ficar dependendo do
aparecimento de um homem para poder regenerar-se? Como pode colocar-se no
caminho da salvação?
— Exatamente da mesma forma que o pagão: pelo AMOR A DEUS; pela Contrição
Perfeita, ou seja, o arrependimento sincero de seus pecados, mas arrependimento
não ditado pelo temor do inferno e sim pelo pesar de ter ofendido a Deus,
sumamente digno de todo amor. Mas como se trata agora de um cristão, de um
homem que conhece a doutrina de Cristo, esse amor, esta contrição só se
concebem havendo no seu íntimo a resolução decidida de submeter-se a tudo o
que Cristo determinou. Ora, Cristo submeteu os nossos pecados ao poder das
chaves; logo, ele tem que incluir no seu arrependimento o voto de confessar-se
logo que seja possível.

Mesmo isolado numa ilha deserta, o homem pode, portanto, alcançar a sua
salvação. E não há perigo de se acusar a Igreja de querer lançar a pulso no
inferno uma pessoa que REALMENTE esteja com o coração contrito e com boa
vontade de submeter-se a Cristo.

Ex ópere operato.

273. Finalmente costumam dizer os protestantes: Com a sua doutrina de que os


sacramentos produzem efeito EX ÓPERE OPERATO, a Igreja atribui a salvação não à
fé ou às disposições do indivíduo, mas a um rito religioso, como se a salvação
nos fosse concedida POR PASSES DE MÁGICA.

— Primeiro que tudo, será que Vocês, protestantes, fazem uma ideia clara do
que seja esta expressão EX ÓPERE OPERATO? Ou estão falando somente de oitiva?

EX ÓPERE OPERATO, quer dizer, em virtude do próprio ato realizado. Esta


expressão se contrapõe à outra: EX ÓPERE OPERANTIS, isto é, em virtude daquele
que realiza o ato.

Quando dizemos que os sacramentos produzem o seu efeito EX ÓPERE OPERATO,


queremos significar com isto, que o efeito dos sacramentos não depende da fé
nem da santidade do ministro que os confere. Ainda mesmo que aquele que tem
poder para administrar o sacramento, no momento em que o faz, não tenha a
verdadeira fé ou esteja em estado de pecado mortal, o sacramento é válido,
porque o seu valor está no próprio ato que se realiza (ex ópere operato) e não na
fé ou na probidade do ministro (como seria ex ópere operantis). Não deve haver
receio por parte dos fiéis, uma vez que o ministro do sacramento não dá do que é
seu, mas o sacramento tira a sua eficiência do Sacrifício de Jesus Cristo na Cruz.
É claro, porém, que A GRAÇA SANTIFICANTE OU O AUMENTO DE GRAÇA SANTIFICANTE
que são efeitos dos sacramentos DEPENDEM da fé, da contrição, das boas
disposições daquele que os recebe; se alguém os recebe sem a fé ou sem o
arrependimento sincero de seus pecados, está cometendo um pecado de
sacrilégio e não está recebendo a graça.

Na criança que recebe o Batismo não se exige a fé, é claro, porque a criança não
é capaz de tê-la; não se exige o arrependimento, porque ela nem pecou, nem
ainda está em idade de sentir contrição. E no entanto É DE URGENTE NECESSIDADE
MINISTRAR-LHE O BATISMO, porque a criança nasceu em estado de pecado, isto é,
privada da graça santificante, precisa receber o Batismo para ter o direito à VISÃO
BEATÍFICA, precisa recebê-lo quanto antes, porque está sujeita a morrer a qualquer
momento. Se morrer sem o Batismo, não irá sofrer tormento nenhum por causa
disto no outro mundo, uma vez que não pecou; vai ser, talvez mesmo, feliz de
uma felicidade natural sem ver a Deus, como por exemplo, uma pessoa pode ser
feliz aqui na terra, com um conhecimento indireto de Deus, mas não terá a
felicidade tão grande, tão sublime como têm aqueles que vão ver a Deus face a
face. Nisto não há injustiça, porque fica assim privada de um dom SOBRENATURAL,
que está muito acima de sua natureza, pois não é natural ao homem ver a Deus
diretamente. O que, porém, não está direito é por nossa negligência permitirmos
que um ser humano se prive desta felicidade muito maior e deixe assim de
aumentar o número dos habitantes do Céu.

E quanto à alegação de alguns protestantes de que Cristo disse que é preciso


primeiro a pessoa crer para depois ser batizada, veremos daqui a pouco (nº 286)
que é inteiramente falsa.

Não há, portanto, passes de mágica na administração dos sacramentos: no


ADULTO que os recebe sempre se exigem a FÉ e a CONTRIÇÃO, para que estes
sacramentos produzam a graça; e a graça recebida é maior ou menor de acordo
com as disposições de cada um. Se da criança sem uso da razão nada se exige, é
porque nada ela é capaz de fazer e entretanto já é capaz de receber o dom de
Deus, como se viu no caso de S. João Batista.

Renascer da água e do Espírito Santo.

274. Dadas estas explicações, que tiveram por fim remover alguns preconceitos
que há entre os protestantes a respeito da doutrina católica sobre os sacramentos
e dar-lhes uma ideia mais clara sobre o assunto, passamos agora à demonstração
da nossa tese. Vamos provar pela própria Bíblia que:

1º — o Batismo é NECESSÁRIO para a salvação;

2º — é necessário, não simplesmente porque Cristo o ordenou, mas também


porque pelo Batismo é que recebemos, pela primeira vez, a remissão dos
pecados, produzindo-se assim a nossa REGENERAÇÃO ESPIRITUAL; desta forma, o
Batismo não é um mero sinal exterior da nossa fé;

3º — esta regeneração espiritual pelo batismo se opera porque nele recebemos o


DOM DO ESPÍRITO SANTO. Este dom do Espírito Santo que nos regenera é a GRAÇA
SANTIFICANTE, que é o próprio Espírito Santo habitando na nossa alma.

Que o Batismo é necessário para a entrada no reino dos Céus para ganhar a vida
eterna, se vê claramente pelas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua
entrevista com Nicodemos.

Vindo Nicodemos uma noite visitar a Jesus, Este lhe diz as seguintes palavras:
Na verdade, na verdade te digo que não pode VER O REINO DE DEUS senão aquele
que renascer de novo (João III-3).

A palavra grega que a Vulgata aí traduz pela expressão DE NOVO é ÁNOTHEN, a


qual pode ter dois sentidos:

ÁNOTHEN = de cima, do alto, do Céu.

ÁNOTHEN = de novo, outra vez.

De forma que a frase pode ter pelo texto grego 2 traduções:

Se alguém não nascer DO ALTO, não pode ver o reino de Deus.

Se alguém não nascer OUTRA VEZ, não pode ver o reino de Deus.

Isto não atinge absolutamente a nossa questão. Desde que, como católicos e
protestantes estamos de acordo em afirmar contra os espiritistas, aí se trata de
um NASCIMENTO ESPIRITUAL em contraposição com o NASCIMENTO TERRENO, que
vem por intermédio de nossos pais, tanto faz Cristo dizer que é preciso que nós
nasçamos DO ALTO, isto é, nasçamos da graça de Deus, para ganharmos o Céu;
como dizer que é necessário nascermos DE NOVO, isto é, já nascemos
materialmente pela geração humana, é preciso que haja agora outro nascimento:
o nascimento espiritual pela graça.

O fato, porém, é que Nicodemos não estava na altura de perceber o verdadeiro


pensamento do Mestre. Tomou a sua afirmação num sentido muito material:
Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no
ventre de sua mãe e nascer outra vez? (João III-4).

Jesus lhe mostra então que se trata de um nascimento, não de pai e mãe
humanos, como é o nascimento terreno, mas sim de um nascimento espiritual
pelo Batismo, em que entram também pai e mãe, mas a mãe é a água, escolhida
para significar a purificação interior que se produzirá no cristão, e o pai é o
Espírito Santo que fecunda esta água com seu poder santificador: Em verdade,
em verdade te digo que quem não renascer da ÁGUA e do Espírito Santo não pode
entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne, é carne; e o que é nascido
do espírito é espírito (João III-5 e 6).

Para o nascimento espiritual de que fala Jesus, não é preciso que voltemos ao
ventre materno; é preciso, sim, que sejamos lavados pela água do Batismo.

É de notar que o texto grego traz somente a palavra Espírito — renascer de água
e de Espírito — mas não há dúvida alguma de que aí se trata do Espírito Santo,
pois a regeneração, a renovação do indivíduo, o seu renascimento espiritual é,
em outros textos da Bíblia, atribuído claramente ao Espírito Santo: regeneração
e renovação do ESPÍRITO SANTO (Tito III-5) vós, porém, não viveis segundo a
carne, mas segundo o espírito, se é que o ESPÍRITO DE DEUS habita em vós
(Romanos VIII-9) o que despreza isto, não despreza a um homem, senão a Deus
que pôs também o seu ESPÍRITO SANTO em nós outros (1ª Tessalonicenses IV-8)
foram feitos participantes do ESPÍRITO SANTO (Hebreus VI-4) os vossos membros
são templo do ESPÍRITO SANTO (1ª Coríntios VI-19).

E muitas vezes na Bíblia o Espírito Santo é designado simplesmente pela palavra


Espírito: Todas estas coisas obra só e um mesmo ESPÍRITO, repartindo a cada um
como quer (1ª Coríntios XII-11) o qual também nos selou e deu em nossos
corações a prenda do ESPÍRITO (2ª Coríntios I-22) o mesmo ESPÍRITO dá
testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus (Romanos VIII-16)
ainda o ESPÍRITO não fora dado, por não ter sido ainda glorificado Jesus (João
VII-39).

Usando esta expressão: RENASCER DA ÁGUA E DO ESPÍRITO SANTO, Jesus fala de


modo a não se confundir o seu batismo com o batismo de João.

O batismo de João e o de Cristo.

275. Antes de iniciar Jesus a sua pregação, aparece S. João Batista, profeta e
mais do que profeta, porque é o Precursor, aquele que aponta com o dedo o
próprio Cordeiro de Deus, e é o maior dos homens, dentre todos os da Lei
Antiga: Mas que saístes a ver? Um profeta? Certamente vos digo e ainda mais
do que profeta; porque este é de quem está escrito: Eis aí envio eu o meu anjo
ante a tua face, que aparelhará o teu caminho diante de ti. Na verdade vos digo
que entre os nascidos de mulheres não se levantou outro maior que João Batista
(Mateus XI-9 a 11).

Sendo o Precursor do Divino Mestre, S. João Batista, não só pelo exemplo


admirável de suas virtudes e pela enérgica pregação, mas também pelo seu
batismo de água prepara os homens para bem aproveitarem do exemplo, da
pregação e do batismo de Jesus. Vinha a ele Jerusalém e toda a Judeia e toda a
terra da comarca do Jordão; e confessando os seus pecados, eram por ele
batizados no Jordão (Mateus III-5 e 6).

Qual era o efeito do batismo de João?

O batismo de João não comunicava, em virtude do próprio ato realizado, a graça


santificante, ou seja, a presença inefável do Espírito Santo na alma; mas era uma
cerimônia que excitava à contrição, à dor dos pecados, ao arrependimento.
“Incapaz de purificar diretamente as almas, preparava os caminhos para a
remissão dos pecados”, como diz S. João Crisóstomo.

S. João Batista mostra mesmo, de uma maneira muito clara, a profunda diferença
que há entre o seu batismo e o de Cristo, pois diz a MUITOS DOS FARISEUS E DOS
SADUCEUS (Mateus III-7) que vinham ao seu batismo: Eu na verdade vos batizo
em água para vos trazer à penitência; porém o que há de vir depois de mim é
mais poderoso do que eu, e eu não sou digno de Lhe ministrar o calçado; Ele
vos batizará no Espírito Santo e em fogo (Mateus III-11). A quem não
conhecesse outras passagens da Escritura em que se nos mostra claramente que o
batismo de Cristo é ministrado também COM ÁGUA, como era o de João, poderia
parecer à primeira vista que S. João aí está dizendo que ele batizava com água,
mas o batismo de Jesus seria com fogo. Mas é evidente que S. João Batista está
falando em sentido figurado: fogo aí está tendo o valor de um símbolo. E S. João
está usando de uma figura de retórica chamada HENDÍADIS, que consiste em usar a
coordenação em vez da subordinação, ou seja, dizer: batizar no Espírito Santo e
em fogo — em vez de dizer: batizar no Espírito Santo QUE É FOGO. O Espírito
Santo é comparado com o fogo porque os efeitos que Ele produz nas almas se
assemelham aos efeitos produzidos pelo fogo material nos corpos: pois o fogo
ilumina, abrasa, purifica, transforma em si as coisas materiais; assim também o
Espírito Santo ilumina a alma com suas divinas luzes, abrasa-se no amor de
Deus, purifica-a de seus pecados e a diviniza de um certo modo, tornando-a cada
vez mais semelhante a si.

Com o contraste estabelecido entre o seu batismo e o de Jesus, S. João faz ver
quanto o batismo de Cristo era superior ao seu. A diferença já não era mais como
a diferença, por exemplo, da água para o vinho, porém infinitamente maior: era
como a da água para o Divino Espírito Santo. O batismo de Cristo, lavando com
água, ia infundir a graça do Espírito Santo nas almas; o seu lavava com água e
nada mais.

Sentido próprio e sentido figurado.

276. Aqui entram os protestantes com o seu jogo, trazendo uma interpretação
muito fora de propósito. Dizem eles: O Sr. não disse que S. João Batista usou a
palavra FOGO em sentido figurado e empregou uma figura de retórica chamada
Hendíadis? Assim também, quando Jesus disse: Quem não renascer da água e
do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus (João III-5), tomou a
palavra ÁGUA num sentido figurado e usou a Hendíadis; Ele quer dizer: Quem
não renascer DA ÁGUA QUE É O ESPÍRITO SANTO não pode entrar no reino de Deus.
Assim como o Espírito Santo é comparado com o fogo, porque purifica, é
também na Bíblia comparado com a água, à qual compete igualmente a missão
de purificar. Vejamos, por exemplo, este texto: O que crê em mim, como diz a
Escritura, do seu ventre correrão rios d’água viva. Isto, porém, dizia Ele,
falando do ESPÍRITO que haviam de receber os que cressem nEle (João VII-38 e
39). Logo, Jesus não está falando do Batismo na sua doutrinação a Nicodemos:
está falando apenas do Espírito Santo, que é a água espiritual que nos purifica.

— Esta interpretação é claramente errônea, porque é contrária a uma regra


importantíssima de exegese, não só do texto sagrado, mas de qualquer livro,
mesmo profano: Nunca se deve procurar um sentido figurado, para eliminar o
sentido próprio, numa frase onde ESTE SENTIDO PRÓPRIO CABE PERFEITAMENTE. Com
este sistema de ver um sentido figurado numa frase que comporta claramente o
sentido literal, se pode ir muito longe. Deste modo, quando os protestantes
quiserem provar pelas Escrituras que Jesus é Deus, é nosso Salvador, que
multiplicou os pães, que ressuscitou no terceiro dia etc., etc., os seus adversários
poderão dizer: Sim, é Deus, é nosso Salvador, multiplicou os pães, ressuscitou
ao terceiro dia, mas tudo isto num sentido figurado. Na frase de S. João Batista
não havia outra alternativa senão tomar a apalavra FOGO no sentido figurado, pois
se sabe muito bem que o batismo pelo qual os homens se tornam cristãos, nunca
foi ministrado com fogo. Mas aqui no nosso caso, ao contrário temos vários
textos da Bíblia que nos OBRIGAM a tomar a palavra ÁGUA no seu sentido próprio:

1º — porque o batismo de Cristo se ministra é com ÁGUA, mas água no sentido


próprio: água do rio, água das fontes etc. Quando Filipe se encontrou com o
eunuco no caminho de Jerusalém a Gaza e o instruiu sobre as verdades de fé —
narram os Atos dos Apóstolos: E continuando eles o seu caminho, chegaram a
um lugar onde havia ÁGUA; e disse o eunuco: Eis aqui está ÁGUA; que embaraço
há para que eu não seja batizado? E disse Filipe: Se crês de todo o coração,
bem podes. E ele respondendo disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus.
E mandou parar o coche; e desceram os dois à ÁGUA, Filipe e o eunuco, e o
batizou (Atos VIII-36 a 38).

E quando S. Pedro instruiu a Cornélio e aos que com ele estavam e os viu
receber o Espírito Santo, disse: Porventura pode alguém impedir a ÁGUA, para
que não sejam BATIZADOS estes que receberam o Espírito Santo, assim também
como nós? (Atos X-47).

Nem é preciso gastar muitas palavras nesta matéria, porque todos os protestantes
estão de acordo com isto: todos os protestantes que usam o batismo, batizam COM
ÁGUA.

2º — porque é neste batismo de Cristo, ministrado COM ÁGUA que se opera o


RENASCIMENTO ESPIRITUAL DO HOMEM, pois o Batismo traz A REMISSÃO DOS PECADOS e
o DOM DO ESPÍRITO SANTO.

Isto se prova claramente nos Atos dos Apóstolos.

S. Pedro acabou de fazer a sua pregação no dia de Pentecostes. Os ouvintes


CRERAM na sua pregação e o sinal é que ficaram compungidos no seu coração e
disseram a Pedro e aos mais Apóstolos: Que faremos nós, varões irmãos? (Atos
II-37).

Aí se vê bem descrita QUAL É A FÉ QUE SALVA, segundo a doutrina de Jesus. Não é


a fé daquele que diz assim: Aceitei Jesus como meu Salvador, portanto já estou
salvo. A fé que salva é a daquele que, uma vez que crê sinceramente, ESTÁ
PRONTO A SUBMETER-SE OBEDIENTEMENTE A TUDO QUANTO PRECEITUOU JESUS, vai
investigar tudo o que tem a fazer, segundo a doutrina cristã, para cumpri-lo
fielmente: Que faremos nós, varões irmãos? (Atos II-37).

Já que creram e aceitaram a palavra de Deus, que lhes cabe fazer nesse
momento? É o que S. Pedro lhes vai explicar.

São adultos que ainda não foram batizados, porque agora é que se está
começando a pregar a Religião Cristã: é o dia da sua inauguração solene. Ora, o
Batismo não só apaga o pecado original que já trazemos do berço, mas todos os
pecados que porventura tenhamos cometido até o momento em que nos
batizamos. Mas, para que estes pecados atuais sejam perdoados, é preciso que
haja naquele que recebe o Batismo, não só a fé em Cristo, mas também o sincero
arrependimento, o que tem de incluir, está bem visto, um firme propósito de
emenda. Aqueles homens já têm a fé, pois receberam a sua palavra (Atos II-41).
S. Pedro agora lhes faz ver que é necessário: 1º — arrependerem-se de seus
pecados; 2º — receber CADA UM o Batismo, para então obter A REMISSÃO DOS
PECADOS; recebendo o Batismo, receberão O DOM DO ESPÍRITO SANTO, pois se trata
não de um simples batismo de água como o de João, que apenas excita ao
arrependimento, mas do batismo de Cristo que batiza no Espírito Santo.

Vejamos as palavras de S. Pedro em resposta aos seus ouvintes: Pedro então lhes
respondeu: Fazei penitência, e CADA UM DE VÓS SEJA BATIZADO em nome de Jesus
Cristo PARA REMISSÃO DE VOSSOS PECADOS; e recebereis O DOM DO ESPÍRITO SANTO
(Atos II-38).
Não é preciso mais explicar que a palavra PENITÊNCIA em português também
significa ARREPENDIMENTO, assim como existe o verbo — penitenciar-se — que
quer dizer arrepender-se. A palavra grega que corresponde aí à expressão FAZEI
PENITÊNCIA é o verbo METANOÉO que na Bíblia tem o significado de mudar de vida,
arrepender-se das faltas, converter-se inteiramente para Deus, o que não exclui a
penitência corporal como fruto desta conversão, como já vimos (nº 197).

Agora apreciemos a

Lógica protestante.

277. Os protestantes têm na sua Bíblia de Ferreira de Almeida a seguinte


tradução deste texto:

Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para


perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo (Atos II-38) [41].

Ora, vemos aí 2 condições a cumprir, para atingir uma finalidade:

1º — Arrependei-vos
para perdão dos pecados
2º — cada um de vós seja batizado

Ou esta finalidade é atingida com as 2 condições ao mesmo tempo (como é de


fato no caso) ou com uma só: mas nesta última hipótese teria que referir-se
necessariamente à mais próxima que é a 2ª (cada um de vós seja batizado). Se eu
digo, a alguém, por exemplo: Sente-se e leia este livro para distrair-se, pode esta
finalidade não exigir a 1ª condição, porque ele pode distrair-se mesmo estando
de pé; mas supõe pelo menos a 2ª condição que é a mais próxima: precisa ler o
livro para poder distrair-se.

Ora o que acontece com os protestantes? Tomam este texto: Arrependei-vos e


cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados
e ensinam que o ARREPENDIMENTO DOS PECADOS é CONDIÇÃO sine qua non [42] para
se obter o perdão (e tem que dizer isto, do contrário estarão ensinando uma
doutrina ímpia, imoral e escandalosa como ensinou Lutero, dizendo que o
homem pode pecar à vontade, não precisa do arrependimento, mas lhe basta a FÉ
para salvar-se), porém quanto ao Batismo não admitem que seja condição para
perdão dos pecados, dizem que o Batismo não é necessário para regeneração do
homem, é um mero sinal exterior da fé. Se ARREPENDEI-VOS que é a 1ª condição e
que está mais distanciada é exigida, quanto mais a 2ª que é mais próxima: CADA
UM DE VÓS SEJA BATIZADO!

Eis aí um exemplo das torturas que sofrem os textos bíblicos nas mãos dos
protestantes, os quais não têm nenhum remorso de rasgá-los assim ao meio para
os acomodarem às suas teorias.

E é inútil procurar fazer EMBROMAÇÃO com o texto grego, para iludir aqueles que
de grego não entendem patavina.

Vejamos dois textos em que vem esta expressão: PARA PERDÃO DOS PECADOS.

No que ora comentamos — Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado para


perdão dos pecados (Atos II-37), PARA PERDÃO DOS PECADOS é expresso no texto
grego pelas seguintes palavras: EIS (PARA) ÁPHESIN (PERDÃO) TÓN (DOS) HAMARTÓN
(PECADOS) HYMÓN (VOSSOS). Vemos apenas que Ferreira de Almeida suprimiu a
palavra vossos que está no texto original.

Comparemos agora com outro texto da Bíblia, usando a mesma tradução de


Ferreira de Almeida. São as palavras de Jesus na última ceia: Isto é o meu
sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos PARA
REMISSÃO DOS PECADOS (Mateus XXVI-28). PARA REMISSÃO DOS PECADOS é aí
expresso assim no texto grego: EIS (PARA) ÁPHESIN (REMISSÃO) HAMARTIÓN (DE
PECADOS).

As mesmas palavras gregas EIS ÁPHESIN HAMARTIÓN vêm no texto em que S. Pedro
diz que cada um seja batizado para remissão dos pecados e naquele em que Jesus
diz que derrama o seu sangue para remissão dos pecados. Acaso não ensinam os
protestantes que Cristo nos salvou dos pecados derramando o seu sangue? A
remissão dos pecados não era a finalidade a atingir com a sua morte? Assim
também Cristo nos salva pelo Batismo; a finalidade a atingir com o Batismo é a
nossa remissão.

Há contradição nisto? Absolutamente não.

Cristo nos salvou derramando o seu sangue; e assim foi A CAUSA EFICIENTE, A
CAUSA PRINCIPALda nossa Redenção, do perdão dos nossos pecados; é a fonte
donde procede a nossa salvação.

O Batismo, sacramento instituído e preceituado por Cristo, o Batismo, que é


conferido em nome de Jesus, isto é, em virtude dos méritos de sua Paixão e
Morte, é a CONDIÇÃO IMPOSTA pelo próprio Cristo, é o MEIO, a CAUSA INSTRUMENTAL,
pela qual, conforme Ele assim o quis e determinou, a sua Redenção nos é
aplicada.

Notas (pular)

[41] O texto da Sociedade Bíblica do Brasil é o mesmo, acrescentando apenas a palavra vosso: Arrependei-
vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão de vossos pecados, e
recebereis o dom do Espírito Santo (Atos II-38). (voltar)

[42] N.d.r.: condição “sem a qual não pode ser”, essencial. (voltar)

O dom do Espírito Santo.

278. Finalmente o texto de S. Pedro, além de dizer que recebemos a remissão


dos pecados, diz que no Batismo se recebe o dom do Espírito Santo.

Que dom é este, se o Espírito Santo tem muitos dons?

Trata-se aí de um genitivo epexegético, ou seja, que vale como um aposto, isto é,


o dom do Espírito Santo é o próprio Espírito Santo; assim como dizemos: Fulano
tem o dom da eloquência, quer dizer, tem a própria eloquência; ou como
dizemos: Vou receber o presente DE UMA CASA, quer dizer, vou receber uma casa
mesmo. Aquele que receber convenientemente o Batismo recebe a graça
santificante e com esta se torna um templo do Espírito Santo: Os vossos
membros são templo do Espírito Santo (1ª Coríntios VI-19).

Portanto, está evidentemente demonstrado que quando Nosso Senhor diz: Quem
não renascer da ÁGUA e do ESPÍRITO SANTO não pode entrar no reino de Deus
(João III-5) não está usando com a palavra ÁGUA nenhuma figura de retórica.
Está-se referindo ao batismo QUE SE MINISTRA COM ÁGUA E NO QUAL SE RECEBE O
ESPÍRITO SANTO, e sem o qual não se pode entrar no Céu, no reino de Deus, pois
no Céu ninguém entra sem ter obtido a remissão dos pecados; e é pelo Batismo
que aqueles que não são batizados ainda recebem a remissão dos pecados, pelo
menos do pecado original se outro não houver além deste, como acontece, por
exemplo, no caso das crianças.

Conversão e regeneração de Saulo.

279. Outra prova muito clara de que no Batismo se opera A REMISSÃO DOS
PECADOS, é o que se deu na conversão de S. Paulo.

Jesus aparece a Saulo que ia respirando ainda ameaças e morte contra os


discípulos do Senhor (Atos IX-1). Saulo crê imediatamente. E o Senhor lhe
ordena: Levanta-te e entra na cidade, e aí se te dirá o que te convém fazer (Atos
IX-7).

Levado para Damasco pelos companheiros, pois a visão o tinha cegado, Saulo
esteve ali três dias sem ver, e não comeu nem bebeu (Atos IX-9).

Agora é o caso de perguntar: nesses três dias de espera, Saulo que já crê em
Jesus de todo o coração, está, em virtude da sua fé, purificado de seus pecados
ou precisa, PARA ISTO, receber o Batismo? É o que veremos.

Passados os três dias, lhe aparece Ananias, por ordem divina. Restitui-lhe a
vista; mostra-lhe a missão que lhe está reservada e diz: E agora para que te
demoras? Levanta-te e RECEBE O BATISMO e LAVA OS TEUS PECADOS, depois de
invocar o seu nome (Atos XXII-16).

É um adulto que vai ser batizado. Precisa, primeiro, preparar-se pelos


sentimentos de fé e contrição, e por isto Ananias lhe diz que deve invocar o
nome do Senhor. Depois é a água purificadora do Batismo que deve LAVAR os
seus pecados. Não se podiam exprimir de maneira mais clara a necessidade, os
efeitos e o simbolismo deste sacramento da Nova Lei, que é o Batismo.

Mas haverá sobre a face da terra algum homem tão teimoso, tão cheio de má
vontade, tão falto de compreensão, que ainda se lembre de objetar que aí são
duas ordens diversas: Recebe o batismo — é uma; e lava os teus pecados — é
outra; e que, portanto, não é o Batismo que lava os pecados? É possível; porque,
quando um homem cisma para torcer os textos da Bíblia, tudo pode acontecer.

Por isto o leitor nos perdoará que nos detenhamos mais um pouquinho com este
teimoso.
teimoso.

— Amigo, será que Você nunca percebeu que é comum, quando se usam 2
imperativos, não se tratar de 2 ordens diversas, mas o primeiro imperativo
exprimir o modo de realizar o segundo?

Suponhamos que Você espera em casa uma visita. E vê que o seu filhinho está
enlameado, porque andou brincando o dia todo no quintal. E Você lhe diz:
Menino, vai tomar o teu banho e limpa-te desta tua imundície. São duas ordens
que Você está dando ou uma só? Não está Você ordenando apenas que ele,
TOMANDO O BANHO, se limpe da imundície em que se encontra? Assim também
Saulo, ouvindo estas palavras: Recebe o teu Batismo e lava os teus pecados —
recebeu apenas uma ordem: a de, RECEBENDO O BATISMO, lavar as manchas que os
pecados tinham deixado em sua alma.

Banho de água.

280. A tese já está suficientemente provada. Vamos porém, acrescentar outros


textos bíblicos irrecusáveis, em confirmação da mesma.

S. Paulo na sua Epístola a Tito, fala do estado sumamente infeliz em que


estavam os cristãos, antes de se converterem: Também nós algum tempo éramos
insensatos, incrédulos, metidos no erro, escravos de várias paixões e deleites,
vivendo em malícia e em inveja, dignos de ódio, aborrecendo-nos uns aos outros
(Tito III-3).

Depois mostra que por pura misericórdia de Deus, foram regenerados pelo
batismo do Espírito Santo para que, justificados pela graça, se tornassem
herdeiros segundo a esperança da vida eterna: Mas quando apareceu a bondade
do Salvador nosso Deus e o seu amor para com os homens, não por obras de
justiça que tivéssemos feito nós outros, mas segundo a sua misericórdia nos
salvou pelo BATISMO DE REGENERAÇÃO E RENOVAÇÃO DE ESPÍRITO SANTO, o qual Ele
difundiu sobre nós abundantemente por Jesus Cristo, nosso Salvador, para que,
justificados, ela sua graça, sejamos herdeiros segundo a esperança da vida
eterna (Tito III-4 a 7).

Aqui dirão os protestantes:


— A palavra grega que Pe Pereira traduz por BATISMO é LOUTRÓN que quer dizer
banho, lavamento, lavacro. Como prova o Sr. Que S. Paulo, falando aí num
banho de regeneração e renovação do Espírito Santo, não está tomando a palavra
BANHO num sentido figurado?

— Primeiro que tudo, a palavra BATISMO também quer dizer banho, lavamento,
lavacro. E se S. Paulo fala aí num BANHO que caracterizou a conversão dos fiéis,
a sua passagem do estado lamentável de outrora para a regeneração cristã, é
claro que é ao Batismo que ele se refere.

Vocês, protestantes, só se convenceriam se S. Paulo aí tivesse dito BANHO DE


ÁGUA (que seria em grego LOUTRÓN HYDATOS), não é verdade?

Pois bem, vamos provar que aí se trata de banho de água. Provamo-lo com outro
texto de S. Paulo, em que ele usa exatamente estes termos BANHO DE ÁGUA
(LOUTRÓN TÓU HYDATOS) para significar a purificação, a santificação que se opera
nas almas: Vós, maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo amou a
Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem outro defeito algum semelhante,
mas santa e imaculada (Efésios V-25 a 27).

O que o Pe Pereira traduziu por BATISMO DE ÁGUA é aí no grego exatamente


LOUTRÓN TÓU HYDATOS (Banho da água). Como se vê, S. Paulo se serve da palavra
LOUTRÓN para designar o Batismo, pois diz que com este BANHO DA ÁGUA Cristo
purifica a sua Igreja.

Para mostrar que a purificação espiritual não se opera só pela água, mas sim pela
água unida às palavras ditas em nome de Jesus Cristo Salvador Nosso, palavras
estas que dão à água toda a sua eficácia, S. Paulo acrescenta PELA PALAVRA DA
VIDA, a palavra que vivifica o Batismo.

Os protestantes gostam de apresentar, com ares de vitória, o seguinte texto de Jó


para provar que o Batismo não purifica a nossa alma, porque a água não purifica
espiritualmente a ninguém: Ainda que me lavasse como com ÁGUA de neve e
brilhasse as minhas mãos como as mais limpas, contudo me cobrirás de
imundícias, e os meus próprios vestidos me abominarão (Jó IX-30 e 31).

As palavras de Jó foram ditas vários séculos antes que Jesus instituísse o


Batismo. Porém mesmo agora nós as subscreveríamos perfeitamente, ou melhor,
diríamos ainda mais do que Jó: Podemos ajuntar a água toda dos rios, dos mares
e das fontes e derramar sobre uma pessoa, não é isto que a vai purificar de seus
pecados. Indiscutivelmente certo. Quando dizemos esta frase, estamos
considerando apenas o efeito da água. Mas junte-se a um pouco d’água A
PALAVRA DA VIDA, seja esta água ministrada com as palavras que Cristo ordenou
se dissessem, aí a coisa muda completamente de figura. A regeneração espiritual
se realiza em virtude dos méritos infinitos de Cristo, que foi quem mandou
batizar.

O batismo nos salva.

281. Finalmente S. Pedro, na sua 1ª Epístola, falando do Batismo, mostra que


ele nos SALVA, assim como foram salvos no dilúvio aqueles que estavam na arca
de Noé; e nos salva, não com a simples purificação do corpo, mas com o
arrependimento, com a mudança de vida, salva pelo poder de Jesus Ressuscitado
que venceu a morte para que fossemos herdeiros da vida eterna: Nos dias de Noé
esperavam a paciência de Deus, enquanto se fabricava a arca, na qual poucas
pessoas, isto é, somente oito se SALVARAM NO MEIO DA ÁGUA; o que era figura do
BATISMO d’agora que também vos SALVA, não a purificação das imundícias da
carne, mas a promessa de boa consciência para com Deus, pela ressurreição de
Jesus Cristo que está à direita de Deus, depois de haver absorvido a morte para
que FÔSSEMOS HERDEIROS DA VIDA ETERNA (1ª Pedro III-20 a 22) [43].

Se o Batismo salva, é porque não é mero sinal exterior da fé, é porque por meio
dele nos revestimos da graça: Todos os que fostes batizados em Cristo
revestistes-vos de Cristo (Gálatas III-27).

Bem poderíamos terminar aqui este capítulo. Mas os protestantes são férteis em
levantar objeções e temos que nos entreter ainda um pouquinho com eles. Antes,
porém, diremos uma palavrinha sobre

Notas (pular)

[43] A versão da Sociedade Bíblica do Brasil traz assim: arca, na qual poucas pessoas, isto é, oito almas, se
salvaram através das águas. Esta ÁGUA, FIGURANDO O BATISMO, AGORA VOS SALVA, não a purificação da
imundícia da carne, mas a questão a respeito de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de
Jesus Cristo (1ª Pedro III-20 e 21).

Ferreira de Almeida assim traduz: arca, na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela ÁGUA, que
também como uma verdadeira figura, AGORA VOS SALVA, BATISMO não do despojamento da imundícia da
carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo (1ª Pedro
III-20 e 21).

Mas isto em nada altera o sentido.

Tanto faz dizer que a água do dilúvio, por onde oito se salvaram, era figura do Batismo, O QUAL agora nos
salva — como dizer que a água do dilúvio, por onde oito se salvaram, era figura do Batismo, e esta mesma
água agora NOS SALVA. Salva-nos, não porque lave as imundícies do corpo, mas porque nos leva a uma boa
consciência para com Deus. (voltar)

O batismo de imersão.

282. Há 3 modos de realizar o rito do Batismo: por aspersão, sacudindo, ou


melhor, salpicando água sobre o que vai ser batizado; por infusão, derramando-
lhe água sobre a cabeça, com uma concha, por exemplo; por imersão. Fazendo-o
mergulhar dentro d’água.

Jamais a Igreja Católica teve a menor dúvida sobre a VALIDADE do batismo


conferido sob qualquer uma destas três formas, assunto que é motivo de
discussão entre as várias seitas protestantes.

Na prática, o que é que determina a Igreja sobre o modo de administrar o


Batismo? Vejamos o que diz o Ritual Romano: “Embora o Batismo possa ser
feito ou por infusão da água, ou por imersão, ou por aspersão, contudo o
primeiro ou o segundo modo, que estão mais em uso, sejam conservados de
acordo com o costume das Igrejas”.

Pelo que se vê, a Igreja não quer que se faça o batismo por aspersão (não que
considere inválido, mas pelo perigo da água não atingir convenientemente o
batizando). E quanto aos outros 2: infusão ou imersão, manda que se siga o
costume de cada lugar.

O batismo de João foi por imersão. E era este o modo mais usual de se
administrar o Batismo no tempo dos Apóstolos; dizemos — o mais usual —
porque, como veremos daqui a pouco, não se pode absolutamente provar que
fosse o único.

Referindo-se às cerimônias do Batismo, tal qual eram usadas no seu tempo, ou


melhor, referindo-se ao modo pelo qual ele e os seus destinatários foram
batizados, S. Paulo na Epístola aos Romanos tira daí um belo simbolismo: NÓS
FOMOS SEPULTADOS com Ele para morrer ao pecado pelo Batismo, para que, como
Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Padre, assim também nós andemos
em novidade de vida; porque se nós fomos PLANTADOS juntamente com Ele à
semelhança da sua morte, sê-lo-emos também igualmente na conformidade da
sua ressurreição (Romanos VI-4 e 5).

Porém agora vem outra questão bem diferente: Era usual no tempo dos
Apóstolos o batismo por imersão. Está certo. Mas, se fosse este batismo feito por
infusão ou por aspersão, seria válido? Do fato de S. Paulo tirar um simbolismo
do batismo por imersão, não se segue que o batismo ministrado de outra forma
não seja válido também.

É uma destas questões que a Bíblia não resolve, porque dela não trata
diretamente, e eis aí o motivo por que os protestantes que tudo querem resolver
só pela Bíblia se dividem nesta matéria: uns dizem que sim, outros dizem que
não. A Igreja está segura neste ponto, porque a doutrina que recebeu dos
Apóstolos, a doutrina nela ensinada desde o começo, é que o batismo não precisa
ser por imersão para surtir o seu efeito.

Temos neste ponto um documento antiquíssimo, que é do tempo dos próprios


Apóstolos. É o DIDAQUÉ ou Doutrina dos 12 Apóstolos, de autor desconhecido, o
mais antigo livro cristão não-canônico, pois foi escrito no século 1º, sendo
provavelmente anterior ao ano 70.

O DIDAQUÉ diz exatamente o seguinte:

“Batizai no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo em água viva. Se não tens
água viva, batiza com outra água, se não podes fazê-lo com água fria, faze-o
com a cálida. Se não tiveres uma nem outra, DERRAMA ÁGUA na cabeça três vezes
no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Que a imersão não seja necessária para a validade do Batismo, isto é bastante
lógico, porque se Jesus quer que se batize a todos os povos (Ensinai todas as
gentes, batizando-as — Mateus XXVIII-19), se o Batismo é necessário para
todos e se para ele Cristo escolheu a água, não só pelo seu simbolismo, mas
porque a água é uma coisa fácil de se encontrar em qualquer parte, não se pode
conceber que Cristo exigisse obrigatoriamente a imersão, quando nem sempre é
fácil encontrar nas imediações um rio ou piscina onde o Batismo possa ser
administrado por meio de um mergulho. Em alguns lugares até, os rios ficam
congelados durante todo o inverno. Em vista destas dificuldades, se vê logo que
não se pode provar pela Bíblia que os Apóstolos só usaram a imersão; antes com
grande probabilidade se pode dizer que eles usaram também a infusão ou
aspersão.

No dia de Pentecostes, por exemplo, se converteram e foram batizados perto de


3.000 pessoas. E os que receberam a sua palavra foram batizados; e ficaram
agregadas naquele dia perto de três mil pessoas (Atos II-41). Não havia água
fluente em Jerusalém, a não ser o rio Siloé que ficava distante da cidade, a qual
era abastecida por águas das cisternas. E as piscinas públicas estavam em mãos
de autoridades que eram hostis aos Apóstolos e não as cederiam para isto. Pouco
tempo depois se converteram 5.000 pessoas (Atos IV-4). Não era nada provável
que ali em Jerusalém tantas pessoas ao mesmo tempo pudessem ser batizadas
por imersão; foi por aspersão, ou por infusão, no máximo, que os Apóstolos as
batizaram.

S. Paulo batizou o carcereiro e sua família à meia-noite, quando ainda estava


prisioneiro (Atos XVI-33) e não é de crer também que nessas circunstâncias o
batismo tivesse sido por imersão.

Nos primeiros séculos da Igreja, esteve comumente em uso o batismo por


imersão; assim é que a partir do século IV eram construídos perto das igrejas os
batistérios nos quais estavam as piscinas, onde desciam as pessoas para ser
batizadas. Mas sempre esteve em uso, como atesta o historiador Eusébio, o
batismo por infusão para os doentes que não podiam imergir, e que era chamado
batismo dos clínicos.

Até o século XIII o batismo por imersão era o mais usado, porém do século XIV
em diante começou a tornar-se geral no Ocidente o uso do batismo por infusão
por ser mais simples e mais prático, enquanto no Oriente a imersão ainda é
comumente empregada.

Toda a questão, porém, gira em torno desta pergunta: É válido ou não é o


batismo por infusão? Se é válido, se a pessoa, recebendo o batismo por infusão,
recebe do mesmo modo o Espírito Santo, a graça santificante, a remissão dos
pecados, que isto é que é o principal, se não há nenhuma palavra da Bíblia QUE
TORNE OBRIGATÓRIO O EMPREGO DA IMERSÃO NO BATISMO, então já não é a maior ou
menor quantidade de água que importa no caso, o que importa é o efeito
produzido na alma do batizando.

E se no batismo por infusão o sepultamento do neófito é apresentado de uma


maneira mais imperfeita, porque ele fica debaixo apenas de um pouco d’água,
contudo ainda se conserva um belo simbolismo: a água lava e purifica o corpo, o
que é sinal daquele ato que ali mesmo se realiza: a purificação da nossa alma.

Alegação incrível.

283. Antes de finalizar, vejamos agora quatro objeções protestantes.


A primeira é esta: Jesus foi batizado. Se o Batismo fosse para apagar pecado, por
que motivo então havia de ser batizado Jesus, em quem nenhum pecado podia
existir?

— Vê-se aí a mentalidade do protestante: quando os textos da Bíblia são muito


claros contra ele, procura armar confusões na sua própria cabeça.

Já explicamos bem claramente que há uma diferença profunda entre o batismo


de João e o de Cristo; e que o batismo de João não purificava interiormente, NÃO
APAGAVA NENHUM PECADO; tinha apenas por fim excitar à contrição e ao
arrependimento. Ora, Jesus recebeu o batismo de João. Não foi, portanto, em
busca de apagar pecados. Bem como, não sendo pecador, não tinha de que se
arrepender e é precisamente por isto que S. João não quer batizá-Lo; Ele não
estava no caso de ser batizado.

Bastava esta consideração da recusa de João Batista, para nenhum protestante


alegar como objeção este batismo de Jesus.

Jesus se põe no meio dos pecadores, sem que o seja, porque quer praticar um ato
de humildade; e isto é do agrado de seu Eterno Pai. E convém cumprir toda a
justiça (Mateus III-15): em prêmio deste ato de humildade, tão agradável aos
Céus, Jesus é glorificado: Este é meu Filho amado, no qual tenho posto toda a
minha complacência (Mateus III-17). E assim se Lhe faz justiça.

Mas que há entre este ato de humildade do Mestre que quis tomar a si todas as
nossas enfermidades, à exceção do pecado, que quis passar no meio dos outros,
como um pecador e por isto recebeu o batismo de João QUE NÃO ERA UM
SACRAMENTO, com a doutrina de que o SACRAMENTO DO BATISMO POR ELE INSTITUÍDO
MAIS TARDE apaga realmente o pecado?

Exceção não destrói a regra.

284. A outra objeção se refere ao que aconteceu com Cornélio. Quando ouviam
a pregação de Pedro, Cornélio e os que com ele se encontravam receberam o
Espírito Santo visivelmente, pondo-se a falar diversas línguas e engrandecer a
Deus (Atos X-46). Depois disto então Pedro manda batizá-los. Ora, dizem os
protestantes, está-se vendo por aí que primeiro se recebe o Espírito Santo,
primeiro a alma é regenerada, depois então se recebe o Batismo como sinal desta
regeneração. Logo, esta regeneração não é produzida pelo Batismo.

— Todo o mundo está vendo logo que aí se trata de um FATO EXTRAORDINÁRIO,


que se realizou porque HAVIA RAZÕES ESPECIAIS para isto. Era, portanto, a exceção
da regra. Não é honesto abandonar a regra, para se argumentar com a exceção.

A regra é esta e já tinha sido dada por S. Pedro àquelas 3.000 pessoas que, no
início da Igreja, creram com sua pregação: Fazei penitência e cada um de vós
seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados; e
recebereis o dom do Espírito Santo (Atos II-38).

Esta é a ordem, a doutrina estabelecida por Deus a respeito dos adultos: 1º —


crer e arrepender-se; 2º ser batizado em nome de Jesus Cristo para obter então A
REMISSÃO DOS PECADOS, recebendo o dom do Espírito Santo.

Mas Deus é dono e senhor absoluto de seus dons; não está escravizado à ordem
por Ele próprio estabelecida.

Ali no caso havia uma razão toda especial para alterar esta ordem de coisas,
porque Deus queria dar aos judeus de uma maneira extraordinária ou, como
diríamos na linguagem de hoje, DE UMA MANEIRA ESPETACULAR, uma demonstração
de que já não considerava como obrigatória nem necessária a circuncisão e de
que ao reino de Deus eram chamados também os gentios. Por isto quis o Divino
Espírito Santo baixar sobre gentios, sobre incircuncisos, visivelmente, com o
dom das línguas, de modo que não deixasse margem a nenhuma dúvida. Para
esta demonstração é escolhido entre outros, Cornélio, homem justo e temente a
Deus (Atos X-22).

Ora, os judeus eram tão aferrados às suas próprias ideias e tinham tamanha
aversão aos gentios que, se o Espírito Santo baixasse visivelmente sobre
Cornélio e os seus, só depois que Pedro os batizasse, ainda seriam capazes, na
sua ignorância e teimosia, de censurar a Pedro, dizendo que ele não deveria ter
feito isto, não deveria tê-los batizado para receberem o Espírito Santo, porque
não eram circuncidados etc. Por isto, antes mesmo que Pedro os mandasse
batizar, o Espírito Santo desce sobre eles de maneira miraculosa, com assombro
de todos os presentes e agora Pedro se aproveita do fato para falar de uma
maneira que não admite réplica: Porventura pode alguém impedir a água, para
que não sejam batizados estes, que receberam o Espírito Santo, assim como
também nós? (Atos X-47).

Tão categórica era a ordem de Jesus de batizar a todos, que não se tratara do
caso de dispensar o Batismo. Mesmo assim, era necessário batizá-los: Cristo o
ordenou; e o Batismo não serve só para regenerar a alma e dar-lhe o Espírito
Santo; serve também para introduzir o batizando na verdadeira Igreja de Nosso
Senhor Jesus Cristo.

Se os protestantes querem argumentar com este caso EXTRAORDINÁRIO, acontecido


com Cornélio, e não com o que, segundo a palavra de Pedro, devia acontecer
com toda a Igreja (pois aquelas três mil pessoas no dia de Pentecostes
representavam a Igreja em peso) por que é então que não se servem deste caso
para argumentar que o Espírito Santo só desce sobre os fiéis VISIVELMENTE, com
manifestações externas, ficando eles a falar diversas línguas (Atos XI-46)? Se
querem argumentar com a exceção e não com a regra, por que motivo não se
servem do que aconteceu com o Apóstolo das Gentes (Gálatas I-72) para tentar
provar que recebemos o Evangelho diretamente por revelação de Nosso Senhor
Jesus Cristo? porque não se servem do que aconteceu com S. João Batista (Lucas
I-15) para ensinar que somos santificados pelo Espírito Santo já no ventre de
nossa mãe?

O caso de Cornélio era excepcional, tão excepcional que nem para o próprio
S. Paulo, cuja conversão foi também acompanhada de circunstâncias
maravilhosas, para o próprio S. Paulo não se abriu uma exceção daquelas: RECEBE
O BATISMO E LAVA-TE DE TEUS PECADOS (Atos XXII-16).
E uma exceção não serve para destruir, serve apenas para confirmar a regra [44].

Notas (pular)

[44] Outro caso também alegado pelos protestantes é o do bom ladrão, que alcançou a salvação sem
precisar do batismo de água. Mas se querem fazer valer este exemplo contra a doutrina da Igreja, é sinal
apenas de que não conhecem esta doutrina. Pois, segundo o que a Igreja ensina, o Batismo pode ser suprido
pelo amor a Deus, naqueles que não podem receber o Sacramento ou não têm conhecimento suficiente para
pedi-lo e tal foi precisamente o caso do bom ladrão. Veja-se o que dissemos sobre o Batismo de desejo no
nº 22. (voltar)

Imperativo com particípio presente.

285. Nosso Senhor disse aos Apóstolos: Ide, pois, e ensinai todas as gentes,
BATIZANDO-AS em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo (Mateus XXVIII-
19).

Ora, ENSINAI no grego MATHETÉUSATE que quer dizer FAZEI DISCÍPULOS. É como se
houvesse em português o verbo — discipulizar (tornar discípulo) e Nosso
Senhor dissesse: Ide e discipulizai a todos os povos.

Aí entram os protestantes com uma terceira objeção: Se Nosso Senhor diz: Ide,
FAZEI DISCÍPULOS A TODOS OS POVOS BATIZANDO-OS — quer dizer que o Batismo
serve só para isto: para um homem se tornar discípulo de Cristo; não serve para
perdoar pecados, nem para transmitir o Espírito Santo.

— Em primeiro lugar, não repugna que o Batismo sirva para uma coisa e para
outra, assim como também não repugna que o menino, ao ser matriculado numa
escola, receba de graça um belo fardamento para usá-lo, a fim de honrar a
mesma escola: a graça santificante é este belo uniforme de gala, de que a alma se
reveste ao receber o Batismo, o qual não deixa de ser uma matrícula na escola
divina de Jesus. Depois... por mais lindo, engenhoso e erudito que pareça este
sistema de recorrer ao texto grego a fim de forçar uma interpretação própria,
desprezando outras passagens tão claras da Bíblia, tudo isto se desmorona
facilmente diante de uma simples regra de gramática.

Tanto no grego, como no latim, como em português, como em muitas outras


línguas do mundo, é muito comum o particípio presente usado depois do
imperativo ter força também de imperativo: Ide, fazei discípulos a todos os
povos, BATIZANDO-OS em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo — não é
nada mais do que: Ide, fazei discípulos a todos os povos; BATIZAI-OS em nome do
Padre e do Filho e do Espírito Santo.

Varnos dar um exemplo para ilustrá-lo.

Vocês, protestantes, chegam a uma localidade e conquistam prosélitos. Nesse


meio encontram algumas senhoras que se dispõem a ensinar às crianças e dão-
lhes esta ordem: Ide, fazei discípulos estes meninos, fornecendo-lhes o
necessário para sua saúde e vestuário e tratando-os com muito carinho.

Ao cabo de algum tempo, Vocês chamam as professoras e indagam como vão os


meninos, se já sabem ler alguma coisa, se já conhecem a tabuada etc. Elas,
porém, respondem: Não lhes demos nenhuma aula, por isto eles não sabem nada,
porém temos fornecido o necessário para a sua saúde e vestuário e os temos
tratado com muito carinho. Como os Srs. nos disseram que os fizéssemos
discípulos FORNECENDO-LHES O NECESSÁRIO, achamos que fornecendo-lhes o que
era necessário já os estávamos ensinando e fazendo discípulos.

É quando Vocês dizem: Não, senhoras; estão completamente erradas. Quando


dizemos: Ensinai, fazei discípulos os meninos, fornecendo-lhes o necessário etc.,
estamos dando 2 ordens: Ensinai, fazei discípulos — é uma; fornecei o
necessário — é outra.

É o caso também da palavra de Cristo aos seus Apóstolos: Ide, fazei discípulos a
todos os povos — é uma ordem; batizai-os em nome do Padre e do Filho e do
Espírito Santo — já é outra. Não existe um nexo lógico de subordinação entre a
segunda e a primeira.

O resultado da pregação.

286. Finalmente vem o texto de S. Marcos: O que CRER e FOR BATIZADO será
salvo; o que, porém, não crer será condenado (Marcos XVI-16).

Estão vendo? dizem os protestantes. Nosso Senhor fala primeiro em CRER, para
depois falar em SER BATIZADO. Logo, para ser batizado é preciso crer primeiro,
portanto a criança que ainda não é capaz de crer não pode receber o Batismo.
Portanto, o Batismo é um mero sinal da fé.
— Aí não se prova nem uma coisa, nem outra. É sempre a tal história da frase
separada do seu contexto.

O que é que disse o Divino Mestre? Disse o seguinte: IDE POR TODO O MUNDO,
PREGAI O EVANGELHO A TODA A CRIATURA. O que crer e for batizado será salvo; o
que, porém, não crer será condenado. E estes sinais seguirão aos que crerem:
expulsarão os demônios em meu nome; falarão novas línguas; manusearão as
serpentes e se beberem alguma potagem mortífera, não lhes fará mal; porão as
mãos sobre os enfermos e sararão (Marcos XVI-15 a 18). Nosso Senhor está
falando a respeito da pregação do Evangelho que vai ser feita pelos Apóstolos,
está-se referindo especialmente à pregação feita naqueles primeiros dias da
Igreja, pois se sabe muito bem que hoje não se verifica mais este fenômeno: de
todos os que crerem com a pregação ficarem com o dom de expulsar demônios,
manusear serpentes, imunizar-se contra venenos, curar os enfermos com a
simples imposição das mãos etc. Esta pregação dos primeiros dias a quem vai ser
feita? É evidente que vai ser feita A ADULTOS, como toda e qualquer pregação,
pois a crianças sem uso da razão não se fazem discursos. É claro também que vai
ser feita A ADULTOS TODOS PAGÃOS, porque agora é que vai iniciar-se a propagação
do Cristianismo, agora é que vai começar a se pôr em prática o batismo cristão.
Se alguns foram batizados por João, tiveram que receber depois o batismo de
Cristo: E ele (Paulo) lhes disse: Em que batismo logo fostes vós batizados? Eles
disseram: No batismo de João. Então disse Paulo: João batizou ao povo com
batismo de penitência, dizendo que cressem nAquele que havia de vir depois
dele, isto é, em Jesus. Ouvido isto, FORAM BATIZADOS EM NOME DO SENHOR JESUS
(Atos XIX-3 a 5).

Saindo por toda a parte a fazer a pregação diante de multidões e multidões de


pagãos, qual será o resultado? Uns hão de crer. É referindo-se a estes que Nosso
Senhor diz: O que crer e FOR BATIZADO será salvo (Marcos XVI-16). O texto, em
vez de ser a favor dos protestantes é positivamente contra eles, pois Jesus ensina
que para a salvação não basta crer, é preciso também receber o Batismo, o que
concorda muito bem com a instrução que deu S. Pedro no dia de Pentecostes:
seus ouvintes creram na pregação, mas, se queriam obter a remissão dos pecados
e receber o dom do Espírito Santo, tinham que arrepender-se e cada um ser
batizado.

Outros não haviam de crer. Para estes Jesus não fala em batismo por uma razão
muito simples: aqueles que não cressem não pediriam o Batismo.
Se, portanto, Jesus neste texto de S. Marcos fala primeiro em FÉ para depois falar
em BATISMO, daí não se segue que esteja dizendo que as crianças não podem ser
batizadas, nem que o Batismo não confere a graça santificante. Está falando a
respeito de ADULTOS, e de adultos pagãos, e é exatamente isto o que a Igreja
ensina: precisam crer primeiro e ter uma noção da doutrina cristã, arrepender-se
de seus pecados para depois receberem o Batismo. E se Jesus se refere aí no caso
exclusivamente a ADULTOS, porque o assunto de que está falando é nada mais,
nada menos do que o resultado da pregação do Evangelho e esta pregação só aos
ADULTOS pode ser feita.

Mas, quando Jesus conversava com Nicodemos, falava diretamente sobre o


Batismo e seus efeitos, e aí não faz nenhuma distinção entre adultos e crianças:
Quem não renascer da água e do Espírito Santo (quem não renascer, isto é,
qualquer pessoa, seja um adulto, seja uma criança) não pode entrar no reino de
Deus (João III-5).

A que se reduz o Batismo.

287. Já vimos, em todo o decurso da Primeira Parte sobre A Salvação pela Fé,
quantos textos tão claros sobre a necessidade das OBRAS para a salvação, são
desprezados, são esquecidos, são sacrificados pelos protestantes para
sustentarem a sua tese da salvação só pela fé. Agora entramos noutro aspecto da
questão e passamos a ver como os protestantes, querendo artificialmente, por
paus e por pedras, sustentar esta tese da salvação só pela fé, queimam e
sacrificam tantos textos bem claros sobre a necessidade dos SACRAMENTOS
instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para obtermos a salvação.

E se ali nós vimos como os protestantes adulteram a noção de fé, aqui passamos
a ver como os SACRAMENTOS são desfigurados nas mãos dos protestantes. O
Batismo, por exemplo, a que está reduzido na teoria de muitos “evangélicos”! Já
vimos como S. João Batista estabelecia o contraste entre o seu batismo e o
batismo de Cristo que lhe era muito superior. O seu apenas excitava à contrição;
o de Cristo santificará no Espírito Santo. Mas, segundo a doutrina de muitos
protestantes, o batismo de Cristo em nada é superior ao de João. O batismo de
João, pelo menos, conduzia ao arrependimento, e assim se não produzia
diretamente a REMISSÃO DOS PECADOS, contribuía indiretamente para ela. O
batismo de Cristo, apresentado como mero sinal da fé é um banho e nada mais:
não purifica, não transforma a alma, não a santifica, não lhe infunde a graça
interior, porque segundo a hipótese destes “evangélicos” aquele que o recebe não
precisa dele para isto, pois já está regenerado, já recebeu o Espírito Santo.

— Precisa, sim; dirá o protestante, porque o cristão tem que obedecer a Cristo
que o ordenou.

— Aí é que está justamente o espantoso! Cristo faz questão cerrada de que todos
os povos recebam o Batismo. E no entanto Ele que foi sempre tão lógico, tão
sábio, tão rico em seus ensinamentos, havendo tantas maneiras tão belas, tão
eloquentes de alguém dar sinal da sua fé, foi escolher para isto um simples
BANHO CORPORAL, que, na hipótese, não produz na alma nenhum efeito! Banhos
corporais, purificações do corpo com água fazem todos os dias, fazem a qualquer
momento todos os homens, bons e perversos, crentes e descrentes, cristãos e
pagãos. A praia está cheia de criaturas que tomam banhos, sem que isto implique
de forma alguma numa demonstração de fé. Por que haveria um simples banho
corporal, que não realiza nenhuma transformação na alma, que não lhe confere
nenhuma graça, de ser dado EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO? Se
os protestantes ensinam em geral que Jesus Cristo foi inimigo de ritos e
cerimônias, como iria o Divino Mestre fazer tanta questão de um rito que seria
perfeitamente dispensável numa pessoa que pela hipótese já está regenerada e
justificada pelo Espírito Santo?

Tão lógico é isto que há muitos protestantes, como por exemplo, os Quacres, os
Salvacionistas ou Exército da Salvação, os Protestantes Liberais que desprezam
completamente o Batismo, como desnecessário. Desfigurando o Batismo para
tentar salientar um papel exclusivo da FÉ na economia da nossa salvação, os
protestantes levam logicamente à supressão do Batismo; e, o que é mais
interessante, findam também destruindo a própria FÉ.

A FÉ não nos obriga a aceitar tudo quanto nos diz a Bíblia? Pois bem, neste caso
é preciso por no seu verdadeiro lugar o Santo Batismo instituído por Cristo, que
não é um mero batismo de água para excitar à penitência, mas batismo no
Espírito Santo que é fogo (Mateus III-11);

Batismo que lava os pecados (Atos XXII-16);

Batismo que nos salva, assim como nos dias de Noé oito pessoas se salvaram no
Batismo que nos salva, assim como nos dias de Noé oito pessoas se salvaram no
meio da água (1ª Pedro III-20 a 22);

Batismo que não é um simples banho corporal, mas o banho da água pela
palavra da vida que santifica a Igreja, purificando-a, tornando-a santa e
imaculada (Efésios V-26 e 27), banho de regeneração e renovação do Espírito
Santo, para que, justificados pela graça, sejamos herdeiros, segundo a esperança
da vida eterna (Tito III-5 e 7);

Batismo que é preciso receber para remissão dos pecados e para se alcançar o
dom do Espírito Santo (Atos II-38);

e é por isto que Jesus Cristo disse: Quem não renascer da ÁGUA, E DO ESPÍRITO
SANTO não pode entrar no reino de Deus (João III-5).
Capítulo Décimo Segundo
Cristo deu aos Apóstolos o poder de perdoar pecados
O poder das chaves

288. Já vimos que Jesus Cristo entregou a S. Pedro as chaves do Reino dos Céus
(Mateus XVI-19), o que é o mesmo que dizer, deu-lhe plenos poderes sobre a
Igreja. Imediatamente, para dar-lhe uma explicação de como se entediam estes
plenos poderes, acrescentou: Tudo o que ligares sobre a terra será ligado
também nos Céus e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também
nos Céus (Mateus XVI-19). Ficavam assim S. Pedro e os seus sucessores com a
autoridade conferida pelo próprio Cristo para ligar a todos os membros da Igreja
por meio de leis e obrigações a eles impostas, ou para desligá-los, dispensando-
os de tudo aquilo que não fosse de direito natural e divino; ficavam com o poder
de admitir membros na Igreja ou de excluí-los pela excomunhão, de governá-la
fazendo as nomeações necessárias, exercendo a missão de julgar as questões, de
impor penalidades e castigos, enfim de obrigar os fiéis à obediência, sendo suas
ordens confirmadas pelo próprio Céu.

Mais adiante (Mateus XVIII-19) Cristo associou também os Apóstolos aos


poderes concedidos a S. Pedro, dando-lhes igualmente o poder de ligar e
desligar, ou seja, de governar os fiéis, impondo-lhes obrigações, exigindo-lhes
obediência, mas sob a dependência de Pedro, está bem visto, pois Pedro foi
declarado, só ele, e mais nenhum Apóstolo, A PEDRA sobre a qual Cristo edificava
a sua Igreja e pedra onde se firmavam, pela proteção divina, a unidade e a
solidez desta mesma Igreja.

Mas o que ninguém, nem protestante, nem católico, se atreveria a concluir destas
palavras de Cristo dando a Pedro e aos Apóstolos e consequentemente aos seus
sucessores o poder de TUDO LIGAR E DESLIGAR no governo da Igreja, era que o
Divino Mestre pretendesse dar-lhes com isto um poder tão sublime e tão
profundo: o poder de perdoar pecados. Dirigir, administrar, impor leis,
estabelecer penas e castigos, expulsar mesmo da Igreja — tudo isto se prende a
um governo, por assim dizer, externo. Perdoar pecados é um poder exercido
diretamente sobre o âmago da consciência de cada um.
Foi preciso então que Jesus Cristo noutra ocasião declarasse abertamente que
transmitia aos Apóstolos também este poder sobre o foro íntimo das
consciências. E Cristo fala de uma maneira clara e decisiva que não deixa
margem a nenhuma dúvida, pois diz sem nenhum rodeio que os Apóstolos ficam
com a autorização de perdoar pecados ou retê-los, podendo conceder
imediatamente ou negar, deixar para outra ocasião a desejada absolvição dos
pecados: Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-
ão eles perdoados; aos que os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-22 e
23). Esta palavra de Cristo mostra a sua confirmação divina à sentença proferida
pelos Apóstolos e equivale a dizer: Se perdoardes, eu também perdoo; se
retiverdes, eu também retenho, tal qual como Ele antes havia dito: Tudo o que
vós ligardes sobre a terra será ligado TAMBÉM NO CÉU; e tudo o que vós
desatardes sobre a terra será desatado TAMBÉM NO CÉU (Mateus XVIII-18).

Desde esse momento se viu que o poder de LIGAR E DESLIGAR que receberam
Pedro e os demais Apóstolos, ia muito mais longe do que a princípio se poderia
imaginar. Era também a respeito dos próprios pecados, das culpas íntimas de
cada um dos cristãos, que os Apóstolos e seus sucessores recebiam poderes de
ligar e desligar: podendo DESLIGÁ-LOS destes pecados ou deixá-los ainda presos,
LIGADOS pelos mesmos, até que recebessem a absolvição. E assim se começou a
ver que o poder concedido a Pedro e do qual os demais Apóstolos também
participavam, se estendia até ao mais íntimo das consciências: era não só o poder
de governar, mas igualmente o de conceder ou não conceder o perdão dos
pecados.

Não se trata de questões disciplinares.

289. Para os protestantes que pregam a salvação só pela fé, que dizem que basta
o homem CRER em Jesus, para alcançar o perdão dos pecados se estiver
arrependido, que dizem que a graça vem do Céu diretamente, sem ser por
intermédio de pessoa alguma, eis aí um texto do Evangelho realmente
incompreensível, intrigante, inexplicável. Se para salvar-me basta CRER e ajuntar
à crença o arrependimento, por que motivo então haveria o Divino Mestre de
conceder a HOMENS este poder de perdoar ou deixar de perdoar os meus pecados?

As explicações que eles inventam são evidentemente falhas e ridículas, diante de


palavras tão claras como são as do Divino Mestre.
Já tivemos ocasião de comentar (nº 217) a explicação dada por Calvino. Quando
Cristo dá aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados ou retê-los, os está
mandando PREGAR O EVANGELHO (!!!). Nunca ninguém em tempo algum, antes de
aparecer o Protestantismo, teve coragem de afirmar semelhante despropósito,
porque não pode haver nenhum homem de bom senso que, diante destas
palavras: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos
que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos, possa convencer-se de que é à
pregação do Evangelho, a qual deve ser feita a toda criatura, que Jesus aí se está
referindo.

Os próprios protestantes hoje se acanham de aparecer em público trazendo uma


interpretação tão ridícula. E por isto se limitam a dizer que Cristo naquelas
palavras se refere a QUESTÕES DISCIPLINARES; e que aquele poder foi concedido a
TODA A IGREJA. Alegações que são ambas evidentemente falsas.

Vamos à primeira.

Cristo usou esta expressão: PERDOAR OS PECADOS. Será que PECADO e QUESTÃO
DISCIPLINAR são sinônimos?

Questões disciplinares são divergências que surgem entre os membros de uma


Igreja ou dificuldades na administração da mesma e que vão ser solucionadas
por aquele ou por aqueles que para isto tenham autoridade. Mas PENSAMENTOS de
inveja, de juízo temerário ou contrários à virtude da castidade, furtos feitos
ocultamente de que ninguém chegou a saber, sentimentos ÍNTIMOS de revoltas
contra Deus, dúvidas contra a fé, afeição desordenada que nasce no coração para
com uma pessoa que já é casada, desejos de vingança, sentimentos de aversão ou
de ódio enraizado contra o próximo são pecados? Sim, são pecados. São
questões disciplinares? Absolutamente não.

Jesus disse ao paralítico: Os teus pecados te são PERDOADOS (Lucas V-20). Jesus
disse igualmente à mulher pecadora: PERDOADOS te são teus PECADOS (Lucas VII-
48). Jesus diz neste passo do Evangelho: Aos que vós PERDOARDES OS PECADOS, ser-
lhe-ão eles PERDOADOS (João XX-23); em todos os três casos sem exceção a
palavra PERDOAR é expressa no grego pelo verbo APHÍEMI; a palavra OS PECADOS é
expressa no grego pelo mesmo substantivo HAMARTÍAI (com o artigo: HAI
hamartíai, TÀS hamartías). Tudo é enunciado do mesmo modo com as mesmas
palavras. Agora perguntamos: Quando Jesus perdoou os pecados ao paralítico e
à mulher arrependida, provocando em ambos os casos escândalo da parte dos
judeus (Quem pode PERDOAR PECADOS, senão só Deus? — Lucas V-21. Quem é
este que até PERDOA PECADOS? — Lucas VII-49), tratava-se apenas de questões
disciplinares ou tratava-se também do perdão para os pecados de pensamento, ou
de sentimento, ou de ações ocultas que eles tivessem cometido? É claro que se
tratava de toda e qualquer espécie de pecado. Logo, é o mesmo poder que é
concedido nesta passagem do Evangelho. Jesus tudo pode, e age como bem Lhe
apraz; tanto pode perdoar diretamente (e assim o fez na sua vida pública) como
pode, prestes a subir para o Céu, delegar a alguns homens o poder de perdoar em
seu nome.

O texto de S. João é tão claro, que o leitor fica até com a curiosidade de saber
por que cargas d’água ou por meio de que ginástica mental chega o protestante a
procurar convencer-se a si mesmo de que quando Jesus DÁ O PODER DE PERDOAR
OS PECADOS E RETÊ-LOS está falando apenas em questões disciplinares.

O seu sofisma é o seguinte rodeio: Poder de perdoar pecados é o mesmo poder


de ligar e desligar. Ora, quando Jesus fala no poder de ligar e desligar em
Mateus XVII-15 a 18, refere-se a questões disciplinares. Logo, aqui se trata
também de questões disciplinares.

Este raciocínio baseia-se logo num falso fundamento. Não é exato que o poder
de LIGAR e DESLIGAR e o poder de PERDOAR PECADOS e RETER sejam sinônimos, de
modo que se possa empregar indiferentemente uma expressão pela outra. A
prova é que, como dissemos, quando Cristo deu aos Apóstolos o poder de ligar e
desligar, ninguém podia imaginar que Ele com estas palavras tivesse intenção de
dar aos Apóstolos um poder tão grande como o de PERDOAR PECADOS E RETER; foi
preciso que Cristo depois o dissesse claramente. Com estas simples palavras
LIGAR e DESLIGAR, a Igreja não podia nunca provar que os seus ministros tinham
poder de perdoar pecados, porque alguém poderia logo dizer: Ligar quer dizer
impor uma obrigação; desligar quer dizer desembaraçar alguém de alguma
obrigação que sobre ele pesava. Mas isto nunca foi sinônimo de perdoar ou
deixar de perdoar pecados. Quando Cristo, portanto, deu claramente, sem
nenhum rodeio, aos Apóstolos, o PODER DE PERDOAR PECADOS E RETER, aí então é
que se viu com esta NOVA PALAVRA DO MESTRE que o poder de ligar e desligar,
ALÉM DE OUTRAS COISAS, significava também o poder de perdoar ou deixar de
perdoar os pecados. Viu-se então a semelhança entre LIGAR E DESLIGAR e a outra
alternativa PERDOAR E RETER, mas isto não os torna sinônimos: ver-se-á neste caso
que LIGAR E DESLIGAR é um poder ainda mais amplo porque, p. ex., o confessor
pode ter o poder de perdoar ou reter, sem ter o poder de fazer leis, de impor ao
fiel novas obrigações.

À argumentação protestante neste caso falta, não só a lógica, mas também a


sinceridade. Em vez de comentar, de enfrentar diretamente as palavras de Jesus
que foram tão claras, tão simples, tão categóricas: Aos que vós perdoardes os
pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão
eles retidos, procuram eles lançar a confusão, chamando o leitor para Mateus
XVIII-15 a 18 que não vem absolutamente ao caso, pois TRATA DE ASSUNTO
DIVERSO. Como o poder de LIGAR e DESLIGAR envolve o poder de perdoar os
pecados e retê-los, E MAIS ALGUMA COISA (isto é, governo externo, poder de
legislar, de decidir questões disciplinares etc), nem sempre quando se fala em
LIGAR E DESLIGAR se está falando em perdoar ou deixar de perdoar pecados. É
precisamente o que se dá com o texto de Mateus XVIII-15 a 18, que passamos a
transcrever:

SE TEU IRMÃO PECAR contra ti, vai e corrige-o entre ti e ele só: se te ouvir, ganhado
terás a teu irmão; mas se te não ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas,
para que por boca de duas ou três testemunhas fique tudo confirmado. E se os
não ouvir, dize-o à Igreja; e se não ouvir a Igreja, tem-no por um gentio ou um
publicano. Em verdade vos digo que tudo o que vós ligardes sobre a terra será
ligado também no Céu, e tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado
também no Céu (Mateus XVIII-15 a 18).

O texto grego da edição de Nestle não traz a expressão: CONTRA TI. Mas isto não
influi no caso. Suprimamos mesmo o CONTRA TI. SE TEU IRMÃO PECAR — vê-se
bem por estas palavras que se trata de alguém que vem fazer uma queixa CONTRA
OUTRO que não está procedendo bem. Ao passo que quando Nosso Senhor diz:
Aos que vós perdoardes os pecados ser-lhe-ão eles perdoados; e aos que vós os
retiverdes, ser-lhe-ão eles retidos, não se trata absolutamente de alguém que
vem fazer queixa contra outro, mas de alguém que precisa do perdão PARA OS
PECADOS PRÓPRIOS. O caso é, portanto, bem diferente. Para que então procurar
embrulhar o leitor, envolvendo conjuntamente dois textos que não tratam
exatamente do mesmo assunto?

Não há meio, portanto, para o protestante escapar à clareza meridiana do texto:


trata-se de PERDOAR OS PECADOS e pecado é tudo aquilo em que se desagrada a
Deus, mesmo ações e sentimentos ocultos; não se trata apenas de questões
disciplinares [45].

Notas (pular)

[45] Dizer que Jesus dá aí aos Apóstolos o poder de perdoar ou reter as ofensas QUE FOSSEM COMETIDAS
CONTRA ELES, Apóstolos, seria torcer as palavras do Mestre, para dar-lhes uma interpretação completamente
contrária à doutrina do Evangelho. Torcer as palavras do Mestre, porque Jesus não disse: Àqueles a quem
perdoardes os PECADOS COMETIDOS CONTRA VÓS, lhes serão perdoados — mas pura e simplesmente: Àqueles
a quem perdoardes os PECADOS. E seria uma interpretação contrária à moral evangélica, porque nem aos
Apóstolos, nem a cristão nenhum, Nosso Senhor dá o direito de perdoar ou deixar de perdoar as ofensas
pessoais cometidas contra eles. Aí a obrigação é sempre de perdoar. Depois da parábola do devedor
insolvente, que foi castigado porque não perdoou ao seu próximo, diz o Divino Mestre: Assim também vos
há de fazer meu Pai Celestial, SE NÃO PERDOARDES do íntimo dos vossos corações CADA UM a seu irmão
(Mateus XVIII-35). S. Pedro pergunta se há de perdoar a seu irmão sete vezes, ao que o Salvador responde:
Não te digo que até sete vezes, mas que até setenta vezes sete (Mateus XVIII-22) o que equivale a dizer que
não há limites para este perdão. Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai pelos que
vos perseguem e caluniam, para serdes filhos de vosso Pai que está nos Céus (Mateus V-44 e 45). Esta é a
doutrina do Evangelho. Não seria Jesus, que a ensinou, que viria depois dizer: As ofensas que os outros
fizeram contra vós, se as perdoardes, ficam perdoadas; e se as retiverdes, isto é, se não as perdoardes, não
ficam perdoadas. Como se quisesse assim dar um direito de escolha entre a caridade que perdoa, e o ódio
que resolve negar o perdão. Não seria para ISTO, que Jesus haveria de soprar sobre os seus Apóstolos,
dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo (João XX-22). (voltar)

Não é um poder concedido a toda a Igreja.

290. Os protestantes têm todo interesse em negar que este poder de perdoar os
pecados tenha sido concedido aos Apóstolos, a ALGUNS HOMENS somente, que o
transmitissem aos seus sucessores. Isto é para eles uma questão de vida ou de
morte, por uma razão muito simples: o Protestantismo vem do século XVI; a
única seita protestante que é anterior a esta época é a seita dos Valdenses que,
tendo aparecido no século XIII, depois aderiu ao Protestantismo. Se Cristo
fundou a sua Igreja à base de poderes concedidos a homens que por sua vez os
passassem a outros, então, a Igreja Verdadeira de Cristo tem que existir desde o
tempo de Cristo, desde o tempo dos Apóstolos para conservar em si, por
sucessão apostólica, os poderes por Cristo concedidos. Ora, a Igreja Católica é a
única a remontar até esse tempo.

Compreende-se, por isto, muito bem, a tenacidade com que os protestantes


querem negar que Cristo tenha dado só a ALGUNS HOMENS, só aos Apóstolos, o
poder de perdoar pecados. E, no entanto é isto o que nos demonstra claramente o
texto sagrado. Vejamo-lo na sua íntegra:

Chegada, porém, que foi a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da
semana e ESTANDO FECHADAS AS PORTAS DA CASA ONDE OS DISCÍPULOS SE ACHAVAM
JUNTOS por medo que tinham dos judeus: veio Jesus e pôs-se em pé no meio deles
e disse-lhes: Paz seja convosco. E, dito isto, mostrou-lhes as mão e o lado.
Alegraram-se, pois, os discípulos de terem visto o Senhor. E Ele lhes disse
segunda vez: Paz seja convosco. ASSIM COMO O PAI ME ENVIOU A MIM, TAMBÉM EU VOS
ENVIO A VÓS. Tendo dito estas palavras, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei
o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos. PORÉM TOMÉ, UM
DOS DOZE, que se chama Dídimo, NÃO ESTAVA COM ELES QUANDO VEIO JESUS (João
XX-19 a 23).

A simples leitura deste trecho mostra com toda clareza que não se trata aí de um
poder concedido a toda a Igreja, mas só a alguns homens, aos Apóstolos.

É fora de dúvida que Cristo aí não está falando a toda a Igreja, pois o que Cristo
queria dizer a toda a Igreja dizia-o em público, em campo aberto, diante de todo
o povo, com fez, por exemplo, no sermão da montanha, que ocupa os capítulos
5º, 6º e 7º de S. Mateus. Cristo está falando a homens que estão TRANCADOS
DENTRO DE UMA CASA COM MEDO DOS JUDEUS; e como é que dentro de uma casa
trancada, os protestantes acham lugar para colocar a Igreja inteira?

Àqueles a quem vai dar o poder de perdoar os pecados, Jesus mostra que lhes vai
conferir uma missão especial, semelhante à missão dEle, Jesus, que não só
pregou o Evangelho, mas também com escândalo injustificado de algumas
pessoas, perdoou pecados: Assim como o Pai me enviou a mim, também eu VOS
ENVIO a vós (João XX-21). É aos seus ENVIADOS que Jesus vai dar o poder de
perdoar os pecados; logo, não é a toda a Igreja, pois Jesus não ENVIOU todos os
fiéis; enviou, sim, os Apóstolos, para a evangelização do mundo. Se queremos
ver quais são os ENVIADOS de Jesus, vejamos o que diz o final do Evangelho de
S. Mateus:

Partiram, pois, os ONZE DISCÍPULOS para Galileia, para cima de um monte onde
Jesus lhes havia ordenado que se achassem. E vendo-o, O adoraram, ainda que
alguns tiveram sua dúvida. E chegando Jesus, lhes falou dizendo: Tem-se me
dado todo o poder no céu e na terra; IDE, pois, E ENSINAI TODAS AS GENTES,
BATIZANDO-ASem nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a
observar todas as coisas que vos tenho mandado. E estai certos de que estou
convosco todos os dias até à consumação do século (Mateus XXVIII-16 a 20).

A própria palavra APÓSTOLO tem exatamente este sentido: ENVIADO, QUE SE MANDA
PARA LONGE e designava, na língua grega donde se origina, ora homens, ora
barcos mercantes que para longe eram enviados.

Os poderes especiais, Cristo sempre os concedeu a ALGUNS HOMENS, ou seja, aos


Apóstolos e não a toda a Igreja. Foi somente aos Apóstolos que Jesus mandou
assim ensinar a todos os povos. Foi somente aos Apóstolos que Ele, por ocasião
de sua Última Ceia, deu ordem para celebrar a Eucaristia: Fazei isto em memória
de mim (Lucas XXII-19). Foi a Pedro individualmente que Cristo deu o poder de
LIGAR E DESLIGAR (Mateus XVI-19) e como já demonstramos claramente (nº 188)
foi aos Apóstolos e não a toda a Igreja que Jesus estendeu este poder (Mateus
XVIII-18).

São aqueles poucos homens, portanto, que Jesus ENVIA com poderes especiais,
assim como o Pai O enviou. Seus poderes, eles tem que transmitir a outros e
assim sucessivamente, porque a Igreja tem que perdurar gozando da presença de
Cristo através de seus representantes até a consumação do século. Mas a base da
organização da Igreja é sempre a mesma. Uns ENSINAM a doutrina, e outros a
ouvem, a aprendem. Uns CELEBRAM a Eucaristia; outros apenas a recebem. Uns
LIGAM E DESLIGAM; outros são ligados ou desligados. Uns PERDOAM; outros são
perdoados: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados
(João XX-23).

Para mostrar ainda mais que se trata de um poder especialíssimo, concedido a


alguns homens, Jesus usa uma cerimônia toda especial: SOPRA SOBRE ELES. E seria
sumamente ridículo pretender que Jesus ali naquela casa fechada SOPROU SOBRE
TODA A IGREJA, soprou sobre os seus inúmeros membros que dali estavam
ausentes.

O poder que Jesus confere é um poder de julgar. Trata-se de perdoar ou reter os


pecados conforme o caso. E o papel de Juízes nunca foi confiado a qualquer
pessoa, nem à multidão. É preciso receber para isto um dom especial e é por isto
que Jesus, tendo soprado sobre eles, disse: Recebei o Espírito Santo (João XX-
22).
Afinal, para mostrar claramente, sem deixar nenhuma dúvida, que é aos
Apóstolos que se refere a sua narrativa, que é a eles que tem em vista, nesta
passagem do Evangelho, S. João tem o cuidado de logo acrescentar: Porém
TOMÉ, UM DOS DOZE, que se chama Dídimo, NÃO ESTAVA COM ELES quando veio Jesus
(João XX-24). Portanto, quando o Evangelista diz que ali naquela casa os
DISCÍPULOS SE ACHAVAM JUNTOS (João XX-22) — também no grego com o artigo HOI
MATHETÁI; os discípulos; e não era possível estarem juntos ali naquela casa
fechada todos os que seguiam a doutrina de Jesus — está focalizando somente os
Apóstolos, porque é muito comum nos Evangelhos dar-se aos Apóstolos a
denominação de DISCÍPULOS: Então convocados os seus DOZE DISCÍPULOS, deu-lhes
Jesus poder sobre os espíritos imundos (Mateus X-1). Chegada, pois, a tarde,
pôs-se Jesus à mesa com os seus DOZE DISCÍPULOS (Mateus XXVI-20). Partiram,
pois, os ONZE DISCÍPULOS para a Galileia, para cima de um monte (Mateus
XXVIII-16). Ide, dizei a SEUS DISCÍPULOS e a Pedro que Ele vai adiante de vós
esperar-vos em Galileia (Marcos XVI-7). Entrou Ele e os SEUS DISCÍPULOS em
uma barca (Lucas VIII-22). Onde está o aposento que tu me dás, para eu nele
comer a Páscoa com os MEUS DISCÍPULOS?... E chegada que foi a hora, pôs-se
Jesus à mesa e com Ele os doze Apóstolos (Lucas XXII-11 e 14). E foi também
convidado Jesus com SEUS DISCÍPULOS para o noivado (João II-2). Lançou água
numa bacia e começou a lavar os pés AOS DISCÍPULOS (João XIII-5). Havia um
horto, no qual entrou Ele e SEUS DISCÍPULOS (João XVIII-1).

Todo este conjunto de circunstâncias demonstra com evidência que não se trata
absolutamente de um poder concedido a toda a Igreja. O texto de S. João que é o
único Evangelista a narrar o episódio, não deixa a menor dúvida.

Mas os protestantes, na sua ânsia de demonstrar à fina força que Jesus aí falou a
toda a Igreja, vão procurar um texto de S. Lucas, para provar que ali havia outras
pessoas além dos Apóstolos, como se o fato de haver ali na casa mais outras
pessoas além dos Apóstolos fosse suficiente para demonstrar que naquela casa
fechada Jesus falou a toda a Igreja. S. Lucas usa esta expressão: OS ONZE E OS QUE
COM ELES ESTAVAM, a respeito dos que estavam na casa quando Jesus apareceu, o
que de modo nenhum indica a presença de TODA A IGREJA, antes mostra que
aqueles que por casualidade ou por permanência se encontravam juntamente
com os Apóstolos naquela casa eram em tão reduzido número ou tinham tão
pequena significação no caso, que os Apóstolos é que merecem a principal
menção: OS ONZE e os que com eles estavam.
Vejamos, porém, todo o texto do 3º Evangelho.

S. Lucas narra a aparição de Jesus aos dois homens que se encaminhavam para
Emaús (Lucas XXIV-13 a 32) e diz que, logo que Jesus desapareceu e eles
chegaram à conclusão de que tinham visto realmente o Divino Mestre,
levantando-se na mesma hora, voltaram para Jerusalém e acharam juntos os
ONZE E OS QUE COM ELES ESTAVAM (Lucas XXIV-33). Quando estavam os 2
contando o que tinham visto, apresentou-se Jesus no meio deles e disse-lhes:
Paz seja convosco; sou eu, não temais (Lucas XXIV-36).

Agora perguntamos: Quando Jesus chegou e encontrou ali os Apóstolos, os


viajantes de Emaús e mais algumas pessoas, foi imediatamente dando o poder de
perdoar pecados? Não. Os Apóstolos ficaram muito assombrados com a
presença do Mestre; Este mostrou-lhes as mãos e pés; depois mandou que
pusessem alguma coisa para comer; comeu à vista deles e afinal deu-lhes
explicações sobre as Escrituras. É o que S. Lucas nos narra nos versículos
seguintes:

E disse-lhes: Paz seja convosco; sou eu, não temais. Mas eles, achando-se
perturbados e espantados, cuidavam que viam algum espírito. E Jesus lhes
disse: Por que estais vós turbados e que pensamentos são esses que vos sobem
aos corações? Olhai para as minhas mãos e pés, porque sou eu mesmo: apalpai
e vede; que um espírito não tem carne, nem ossos, como vós vedes que eu tenho.
E em dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e pés. Mas não crendo eles ainda e
estando com admiração transportados de gosto, lhes disse: Tendes aqui alguma
coisa que se coma? E eles Lhe puseram diante uma posta de peixe assado e um
favo de mel. E tendo comido Jesus à vista deles, tomando os sobejos, lhos deu.
Depois disse-lhes: Isto que vós estais vendo é o que queriam dizer as palavras
que eu vos dizia, quando ainda estava convosco, que era necessário que se
cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés e nos Profetas e
nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento, para alcançarem o sentido das
Escrituras (Lucas XXIV-36 a 45).

Este primeiro contato de Jesus Ressuscitado com seus Apóstolos, que S. Lucas
narrou assim tão circunstanciadamente, S. João narra apenas com muito poucas
palavras: Veio Jesus e pôs-se em pé no meio deles e disse-lhes: Paz seja
convosco. E dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Alegraram-se, pois, os
discípulos de terem visto o Senhor (João XX-19 e 20).
Depois daquele primeiro contato, daquela refeição, daquela aula sobre as
Escrituras, Jesus FAZENDO UMA NOVA SAUDAÇÃO, da qual já não fala S. Lucas,
passa a conferir aos Apóstolos o poder de perdoar pecados, mesmo porque antes,
naqueles momentos de assombro e perturbação, a ocasião não era oportuna: E
Ele lhes disse SEGUNDA VEZ: Paz seja convosco. Assim como o Pai me enviou a
mim, também eu vos envio a vós. Tendo dito estas palavras assoprou sobre eles
e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-
lhes-ão eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos
(João XX-21 a 23).

Estavam neste instante ali presentes outros que não eram Apóstolos? Não o
sabemos. Mas, estivessem ou não ali outras pessoas além dos Apóstolos, não é
isto o que faz com que este poder de perdoar pecados seja a eles concedido.
Quando assistimos a uma colação de grau, só por isto nos tornamos doutores?
Quando o Bispo ordena um ou mais sacerdotes, também ali na igreja estão
presentes muitas pessoas; mas segue-se daí, do fato de estarem presentes àquele
ato, que ficam com os mesmos poderes que recebe o neo-sacerdote, que todos os
homens, senhoras e crianças que estavam assistindo ao ato, se tornam padres
também? O Bispo se dirige exclusivamente aos ordinandos, realiza somente
sobre eles as suas cerimônias e é claro que são somente eles que recebem os
poderes. Assim Cristo não precisou mandar saírem da casa, ou, pelo menos, da
sala aqueles que não eram Apóstolos, pois Ele próprio tomou precauções para
demonstrar que não era a todos que o poder de perdoar pecados era concedido:
fala só aos SEUS ENVIADOS; sopra sobre aqueles a quem quer conceder os poderes,
restringindo assim os indivíduos a quem estes poderes são outorgados. S. João
que é o único a narrar o ocorrido, dá a entender claramente que o fato se refere
aos Apóstolos: Porém Tomé, UM DOS DOZE, que se chama Dídimo, NÃO ESTAVA COM
ELES quando veio Jesus (João XX-26).

Mas, ainda mesmo que os protestantes quisessem teimar por paus e por pedras
que, além dos Apóstolos, mais alguns seguidores do Mestre receberam também
o poder de perdoar os pecados e reter, o que, aliás, eles não poderão provar
nunca pelo relato da Bíblia, daí não se segue que o poder tenha sido dado a toda
a Igreja: teria sido sempre concedido A ALGUNS HOMENS, a quem Deus quis
especialmente conferir tal poder, e entre estes ALGUNS HOMENS figurariam sempre
em primeira plana os Apóstolos.

Além disso, todo este empenho e força que fazem os protestantes em querer
demonstrar que o poder foi concedido A TODA A IGREJA, supõe que eles pudessem
provar que se trata aí apenas de QUESTÕES DISCIPLINARES. Assentado, porém, como
está, com toda evidência, que aí se trata realmente do poder de PERDOAR OU RETER
OS PECADOS, tal poder concedido a toda a Igreja se torna verdadeiramente
inconcebível. Poder concedido a toda a Igreja, mas como? Coletivamente, no
sentido de que quem vai decidir se os pecados de cada um devem ser ou não
perdoados é a assembleia dos fiéis, que vai por os diversos e inúmeros casos em
votação? É impraticável, uma vez que se trata dos pecados de todos; seria uma
interminável tarefa, bem como seria submeter cada fiel a um suplício
inominável: o de ver os seus pecados íntimos discutidos e julgados
tumultuariamente pela multidão. Individualmente, no sentido de que qualquer
membro da Igreja, isto é, qualquer pessoa batizada, mesmo uma criança de 8
anos ou uma pessoa rude e ignorante que muito pouco conhecimento tem da
doutrina, ficaria pessoalmente com este poder de perdoar ou reter os pecados de
qualquer fiel? Seria absurdo, porque o poder de julgar supõe sempre
competência, capacidade, critério seguro de julgamento.

Não há para onde correr: ou se aceitam as palavras do Divino Mestre ou não se


aceitam, porque elas são tão claras e elucidativas, que não podem ser
desvirtuadas com artifícios e subterfúgios.

A necessidade da confissão.

291. Dando aos seus Apóstolos, aos seus ENVIADOS, o poder de perdoar pecados
e reter, Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu um tribunal onde estes seus
autorizados ministros vão funcionar como JUÍZES para proferir uma sentença:
conceder ou adiar a absolvição.

Ora, como bem observa Billot, em todo tribunal o juiz, antes de proferir a
sentença, precisa de ter conhecimento de duas coisas: uma é a matéria, o assunto,
o fato sobre o qual se vai proferir a sentença; a outra é a causa, o motivo, pelo
qual deve ser proferida a sentença favorável ou desfavorável.

A matéria de que aqui se trata são os PECADOS do penitente que devem ser
perdoados ou retidos. E cada pecado mortal constitui em si um assunto à parte
para ser submetido ao tribunal da Penitência, porque o fiel não pode ser
absolvido de um pecado mortal sem ser ao mesmo tempo perdoado de todos os
outros. Ou recebe o perdão de todos os pecados mortais ou de nenhum; todos,
por conseguinte, têm que ser submetidos a julgamento, pois o fim a atingir é pôr
a alma novamente na graça santificante. E em qualquer tribunal o juiz não julga
de acordo com o que conhece fora do tribunal, mas de acordo com aquilo que é
ALEGADO, REVELADO, EXPOSTO NO PROCESSO. Alegado pelo acusador, pelas
testemunhas, mas aqui o acusador, a testemunha tem que ser o próprio penitente.
Não se trata de um tribunal em que se vão julgar as queixas ou acusações que se
fazem contra outrem, mas sim onde o penitente vem em busca do perdão para os
seus PECADOS PRÓPRIOS, num assunto íntimo que só a ele e a Deus interessa
diretamente; ele, portanto, tem que ser o próprio acusador e testemunha.

A CAUSA, O MOTIVO pelo qual se concede ou não o perdão dos pecados é no caso o
ARREPENDIMENTO do penitente.

Quando vê Jesus Cristo dando a ALGUNS HOMENS a autorização para perdoar ou


reter os pecados, é bem possível que o protestante fique horrorizado com a ideia
de que Jesus Cristo esteja colocando nas mãos de homens o perdão de nossos
pecados, ficando estes homens com o direito de perdoar, se quiserem; ou se não
quiserem, negar o perdão. Mas não é disto que se trata. Reter os pecados não é
NEGAR a absolvição para sempre; a Igreja sabe muito bem que Deus quer que
todos os homens se salvem (1ª Timóteo II-4) e que Ele não quer a morte do
ímpio, mas sim que o ímpio se converta do seu caminho e viva (Ezequiel
XXXIII-11). A ordem que têm todos os confessores é a de dar a absolvição
sempre que o penitente dá provas cabais de seu arrependimento e firme
propósito de emenda. Reter os pecados é ADIAR a absolvição para outro momento
mais oportuno, quando o penitente não dá mostras sinceras e claras de estar bem
disposto ou precisa tomar uma séria providência ou submeter-se ainda a alguma
prova, para se mostrar verdadeiramente digno da absolvição.

Facilmente o cristão se ilude a si mesmo, julgando-se no caso de receber o


perdão de Deus, mas não estando ainda em condições de receber esta graça.
Vem alguém confessar-se, mas conserva ainda no coração o ódio, o rancor, o
desejo de vingança contra o seu próximo. Ou está apegado aos seus vícios e não
quer tomar uma séria resolução de deixá-los, custe o que custar; como por
exemplo, afastar-se de uma criatura que lhe serve de ocasião para o pecado; ou
abandonar de vez os processos pecaminosos de limitação da natalidade. Ou
roubou e é preciso restituir; e o confessor acha necessário, como uma amostra
sincera de arrependimento, que faça a restituição primeiro, para depois ser
absolvido. Ou persiste em dúvidas ou negações contra as verdades da fé; e é
absolvido. Ou persiste em dúvidas ou negações contra as verdades da fé; e é
preciso primeiro que seja convencido, esclarecido sobre estes pontos ou chegue,
pelo menos, à boa vontade de crer, para se por no caminho do verdadeiro
penitente. Etc, etc.

São casos inúmeros que podem aparecer, em que o penitente necessita ser
advertido das providências que deve tomar, do caminho que deve seguir, a fim
de bem se dispor para receber o perdão divino. E para tudo isto é necessário que
o penitente não só confesse as suas faltas, mas também revele sinceramente os
sentimentos de que está imbuído.

Daí a necessidade da CONFISSÃO.

Não há dúvida nenhuma que o perdão é dado por Deus. O sacerdote é apenas um
instrumento nas suas mãos divinas. A absolvição que ele dá está condicionada ao
sincero arrependimento do penitente; não existindo este arrependimento, a
absolvição é inválida, não surte o seu efeito.

Mas aqui, como sempre, Deus quis agir por intermédio das causas segundas. O
penitente precisa ter em si as disposições necessárias para o perdão divino. E
este perdão divino, Deus manda buscá-lo através de ministros e dispenseiros dos
mistérios de Deus (1ª Coríntios IV-1): Aos que vós perdoardes os pecados, ser-
lhes-ão eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos
(João XX-23). Tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado também no
Céu; e tudo o que vós desatardes sobre a terra, será desatado também no Céu
(Mateus XVIII-18).

Vantagens da confissão.

292. Os protestantes, pretendendo, na sistemática oposição que fazem à Igreja,


apresentar como mais BONITO, mais HONROSO, mais DECENTE receber-se a graça
santificante diretamente de Deus, sem intermediários, não só vão de encontro ao
estabelecido pelo próprio Jesus, mas também apresentam um método de
santificação muito menos eficaz e menos consentâneo com a natureza humana,
do que a Igreja Católica.

O pastor protestante prega para todos, exorta todos ao arrependimento e cada um


que se arranje a resolver o seu caso pessoal por si mesmo, sujeito facilmente a
ilusões nesta matéria, pois ninguém é bom juiz em causa própria.
ilusões nesta matéria, pois ninguém é bom juiz em causa própria.

Estas ilusões, o próprio Protestantismo se encarrega quase sempre de fomentar:


incentivando em todos a autossugestão de que já estão salvos porque creem em
Cristo, de que já não podem mais perder-se, de que o problema da salvação já
está facilmente resolvido.

Na Igreja Católica o fiel encontra o tribunal instituído pelo próprio Cristo, onde
há sempre um ministro de Deus para lhe fazer, além da pregação geral que fez
para todos, a exortação adequada para o SEU CASO PARTICULAR; para adverti-lo,
quando quer iludir-se a si mesmo, julgando-se com o sincero arrependimento,
com o firme propósito, com a fé legítima, e no entanto não os possui na
realidade; para indicar-lhe, como verdadeiro médico das almas, os métodos mais
apropriados de ir corrigindo seus próprios vícios, defeitos e fraquezas, assim
como os médicos do corpo servem para nos orientar, prevenir, indicar o
verdadeiro caminho a seguir nas nossas enfermidades.

Bem consentâneo com a natureza humana é o emprego da confissão, pois basta


fazê-la humilde, sincera e bem feita para sentir o bálsamo de paz e consolação
que se derrama suavemente sobre a nossa alma pecadora. E é de notar como a
confissão está em uso na Igreja desde os seus primeiros dias e hoje a ciência
moderna, a ciência do século XX, vem exaltar o seu efeito altamente benéfico
sobre as enfermidades da alma, mesmo consideradas sob o ponto de vista
puramente humano, como não se cansam de proclamar aqueles que são
entendidos em psicanálise.

É natural, portanto, que até os próprios autores protestantes reconheçam, uma


vez por outra, as vantagens da confissão.

Era protestante Madame de Stael e no entanto escreveu: “Oh! que não daria eu
para ajoelhar-me num confessionário católico!”

Era protestante Naville e no entanto disse numa tese defendida perante a


Academia de Genebra em 1839: “Quem não lançou olhares de inveja ao tribunal
da Penitência? Quem não desejou, nas amarguras do remorso, nas incertezas do
perdão divino, ouvir uns lábios que, com o poder de Cristo, lhe dissessem: Vai
em paz; teus pecados estão perdoados?”

Era protestante Leibnitz e entretanto no seu Sistema Teológico (Paris 1819 pág.
Era protestante Leibnitz e entretanto no seu Sistema Teológico (Paris 1819 pág.
270) assim se refere à confissão: “Que toda esta instituição é digna da sabedoria
Divina, não se pode negar; mais ainda, isto é de certo louvável e maravilhoso na
Religião Cristã, merecendo admiração dos próprios chineses e japoneses; pois a
necessidade de confessar-se afasta do pecado a muitos, principalmente aos que
ainda não estão endurecidos; e oferece grande consolação aos que caíram, de tal
modo que eu julgo ser um confessor piedoso, grave e prudente um grande
instrumento de Deus para a salvação das almas; o seu conselho é proveitoso para
moderar os afetos, repreender nossos vícios, evitar as ocasiões de pecado,
restituir o furtado, reparar o dano, dissipar as dúvidas, reanimar a alma aflita,
finalmente extirpar ou, pelo menos, mitigar todos os males da alma.”

Não nos poderemos demorar neste assunto, porque a finalidade desta obra é
principalmente a interpretação dos textos da Escritura. Isto é dito aqui de
passagem; mas estas declarações feitas por protestantes falam eloquentemente
sobre as vantagens da confissão, que eles não podem sentir em toda a sua
extensão, mas podem muito bem calcular.

E voltando à Bíblia, veremos que a ideia de confessar os pecados não é de modo


algum estranha ao próprio texto sagrado.

A Confissão na lei antiga.

293. O Sacramento da Penitência foi instituído por Cristo após a sua


ressurreição, naquelas palavras, aqui já comentadas, em que deu aos Apóstolos o
poder de perdoar pecados. Porém muito antes disto, \texttt{a confissão dos
pecados} já nos era apresentada na Bíblia como uma manifestação de penitência
e de conversão do pecador:

Quando um homem ou uma mulher tiverem cometido algum dos pecados em que
de ordinário caem os homens, e tiverem violado por negligência o mandamento
do Senhor, e tiverem delinquido, CONFESSARÃO O SEU PECADO e restituirão o mesmo
capital e darão de mais uma quinta parte àquele contra quem tiverem pecado
(Números V-6 e 7).

E no dia vinte quatro deste mês se ajuntaram os filhos de Israel em jejum e


vestidos de sacos e cobertos de terra. E os da linhagem dos filhos de Israel
foram separados de todos os estrangeiros; e eles se presentaram e CONFESSAVAM
OS SEUS PECADOS e as iniquidades de seus pais (2º Esdras IX-1 e 2).

Aquele que esconde as suas maldades não será bem sucedido; aquele, porém,
que as CONFESSAR e se retirar delas alcançará misericórdia (Provérbios XXVIII-
13).

E daqueles que vinham ao batismo de João diz o Evangelho de S. Mateus: Vinha


a ele Jerusalém e toda a Judeia e toda a terra da comarca do Jordão; e
CONFESSANDO SEUS PECADOS, eram por ele batizados no Jordão (Mateus III-5 e 6).

Apresentamos estes textos, não como uma prova da Confissão Sacramental, a


qual só foi instituída depois; mas para mostrar, pelo ensino mesmo da Bíblia,
que a confissão dos próprios atos é um ato natural de humildade, de penitência
que nasce espontaneamente do coração do pecador verdadeiramente contristado
por suas faltas e sinceramente compungido.

Na 1ª Epístola de S. João.

294. S. João, na sua 1ª Epístola, diz o seguinte: Se nós CONFESSARMOS os nossos


pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar esses nossos pecados e para nos
purificar de toda a iniquidade (1ª João I-9).

O texto de S. João condiciona o perdão dos pecados à confissão dos mesmos;


logo, não bastam a fé e o arrependimento, como dizem os protestantes; é preciso
também CONFESSAR OS PECADOS.

— Sim, seja, dizem os protestantes. Mas S. João aí não diz que a confissão deva
ser feita ao sacerdote. Logo, pode tratar-se da confissão feita diretamente a Deus,
como nós, protestantes, fazemos.

— S. João não diz explicitamente que a confissão deva ser feita ao ministro de
Deus, como também não diz que a confissão deva ser feita COM VERDADEIRO
ARREPENDIMENTO, o que, entretanto, também é indispensável, como reconhecem
os próprios protestantes. Não se pode exigir de S. João que exponha num
simples versículo toda a doutrina sobre o Sacramento da Penitência, todas as
condições para se obter a remissão dos pecados. A Bíblia fala sempre assim num
ESTILO ABREVIADO. O que, porém, não pode deixar de chamar a nossa atenção é
que o texto grego traz as mesmas palavras (verbo APHÍEMI = perdoar; TÀS
HAMARTÍAS = os pecados) ou se trate do poder de perdoar pecados concedido aos
Apóstolos (João XX-23) ou neste versículo em que se trata do perdão dos
pecados dado por Jesus, se confessarmos estes mesmos pecados; o que é sinal de
que os Apóstolos receberam a delegação para transmitir o perdão de Cristo.

E aí no texto há uma palavrinha que nos mostra muito bem que é à CONFISSÃO
SACRAMENTAL que S. João se refere. Ele diz que, se confessarmos os nossos
pecados, Deus será FIEL para nos perdoar.

Ora, a palavra FIEL pode ser atribuída às criaturas e pode ser atribuída a Deus,
mas não exatamente com o mesmo sentido.

Chamamos FIEL um servo que merece confiança, porque sabe cumprir


exatamente as suas obrigações: Muito bem, servo bom e FIEL; já que foste FIEL
nas coisas pequenas, dar-te-ei a intendência das grandes (Mateus XXV-21); um
amigo que é incapaz de trair: O amigo FIEL é uma proteção, e quem o achou,
achou um tesouro (Eclesiástico VI-14), como também chamamos fiel aquele que
crê: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e mete-
a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas FIEL (João XX-27).

Quando, porém, chamamos a Deus de FIEL, queremos indicar com isto que Ele
cumpre com a sua palavra, cumpre com aquilo que prometeu: FIEL é o Senhor em
todas as suas palavras (Salmos CXLIV-13). E o mesmo Deus de paz vos
santifique em tudo, para que todo o vosso espírito e a alma e o corpo se
conservem sem repreensão para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. FIEL é o
que vos chamou, o qual também o cumprirá (1ª Tessalonicenses V-23 e 24).
Conservemos firme a profissão da nossa esperança, porque FIEL é o que fez a
promessa (Hebreus X-23) .

Ora, a Bíblia consigna a promessa do perdão feita pela palavra de Deus no


Antigo Testamento, àquele que não oculta, mas confessa os seus pecados:
Aquele que esconde as suas maldades não será bem sucedido; aquele, porém,
que as CONFESSAR e se retirar delas, alcançará misericórdia (Provérbios XXVIII-
13).

Na Nova Lei, está de pé esta promessa divina feita na Lei Antiga? Sim, está de
pé, mas sob um ASPECTO NOVO.
Nós sabemos que caiu a Lei Antiga; e Cristo veio trazer aos homens uma nova
economia da salvação diversa em muitos pontos daquela que nos é apresentada
no Velho Testamento. Muitos preceitos que vigoravam antes de Cristo, a
respeito da alimentação, do culto, do regime do povo eleito não vigoram mais;
em compensação Cristo trouxe preceitos novos. Hoje um dos pontos essenciais
para se receber o perdão dos pecados e obter a salvação é a FÉ na doutrina de
Jesus; antigamente isto não era exigido por uma razão muito simples: Cristo
ainda não fora revelado, nem havia aparecido como Homem-Deus, 2ª Pessoa da
Santíssima Trindade, nem tinha sido ainda revelada a sua doutrina. A
circuncisão que era obrigatória, foi abolida; passou a ser obrigatório o Batismo.
As cerimônias do Antigo Testamento dão lugar a outros ritos, entre os quais, por
exemplo, a Ceia Eucarística. E assim por diante.

Cristo aparece, então, como um Legislador, com plenos poderes (Tem-se-me


dado todo o poder no Céu e na terra — Mateus XXVIII-18) para estabelecer
novos caminhos a fim de se alcançar a salvação.

E assim, nesta renovação que Ele trouxe à terra para as relações entre Deus e os
homens, estabeleceu que o perdão dos pecados estivesse subordinado ao poder
de ligar e desligar que têm os Apóstolos e os que deles recebessem esta missão:
Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós
os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23). O exercício deste poder
judiciário-sacramental acarreta forçosamente, como demonstramos, a
necessidade da confissão dos pecados feita a estes legítimos ministros e
representantes de Deus.

E assim está de pé a promessa divina de perdão para aquele que não ocultar, mas
CONFESSAR os seus pecados, mas a confissão deve ser feita àqueles a quem Jesus
Cristo delegou poderes para perdoar os pecados ou retê-los. Esta é a nova ordem
por Cristo estabelecida. E é claro que é DENTRO DESTA NOVA ORDEM DE COISAS que
S. João faz alusão à promessa divina: Se nós CONFESSARMOS os nossos pecados,
Ele é fiel e justo para nos perdoar esses nossos pecados (1ª João I-9).

Na sua ânsia de destruir o efeito daquelas palavras de Cristo conferindo aos


Apóstolos o poder de perdoar e reter os pecados, os protestantes costumam
recorrer a inúmeros textos do Antigo Testamento, para provar com eles que o
perdão vem de Deus sem intermediários ou que a confissão deve ser feita
diretamente a Ele, como se o Antigo Testamento em peso pudesse ANULAR uma
palavra de Jesus que tinha em si todo o poder para firmar, na era do
Cristianismo, um novo plano de salvação bem diverso daquele que vigorava para
os judeus ou para os homens anteriores a Cristo no Velho Testamento.

Na Epístola de S. Tiago.

295. S. Tiago, na sua Epístola, diz o seguinte: Confessai, pois, os vossos


pecados UNS AOS OUTROS e orai uns pelos outros, PARA SERDES SALVOS (Tiago V-16)
[46] é empregado na Bíblia também neste sentido, de cura espiritual, pode-se
atestar pela seguinte passagem: O coração deste povo se fez pesado e os seus
ouvidos se fizeram tardos, e eles fecharam os seus olhos; para não suceder que
vejam com os olhos e ouçam com os ouvidos e entendam no coração e se
convertam e eu os SARE (Mateus XIII-15). As mesmas expressões aparecem em
João XII-40; Atos XXVIII-27. E na 1ª Epístola de S. Pedro, falando-se a respeito
de Cristo: O qual foi o mesmo que levou os nossos pecados em seu corpo sobre o
madeiro para que, mortos aos pecados, vivamos à justiça; por cujas chagas
fostes vós SARADOS (1ª Pedro II-24). Nestes exemplos acima citados o verbo SARAR
corresponde ao verbo IÁOMAI, e aí se trata evidentemente de cura da alma.
Enquanto S. Jerônimo na Vulgata traduziu assim: PARA SERDES SALVOS; Ferreira
de Almeida traduz: PARA QUE SAREIS; a versão da Sociedade Bíblica do Brasil:
PARA SERDES CURADOS. Daí nasce naturalmente a questão: S. Tiago fala da cura
espiritual ou da corporal? Nada melhor do que o contexto para esclarecer este
caso. No versículo anterior, S. Tiago aponta como efeito da unção do óleo: E SE
ESTIVER EM ALGUNS PECADOS, SER-LHES-ÃO PERDOADOS (Tiago V-15). E logo em
seguida, após ilustrar com o exemplo de Elias o quanto pode a oração do justo, o
Apóstolo acrescenta: Meus irmãos, se algum dentre vós se extraviar da verdade,
e algum outro o meter a caminho, deve saber que aquele que fizer CONVERTER a
um pecador do erro do seu descaminho, salvará a sua alma da morte e cobrirá a
multidão dos pecados (Tiago V-19 e 20). É, portanto, a cura da alma, sobretudo,
que o Apóstolo tem em vista.}. Os protestantes se lançam avidamente sobre este
texto, tentando provar com ele que a confissão não deve ser feita ao ministro de
Deus, ao sacerdote, mas deve ser uma confissão pública feita reciprocamente.

Mas esta objeção serve muito bem para mostrar como está sujeito a erros e
enganos quem não tenha um profundo conhecimento das LÍNGUAS em que os
livros da Bíblia foram escritos. Vemos a tradução portuguesa, mas a expressão
em português nem sempre tem exatamente o mesmo sentido que apresenta no
texto original. Daí as ratas tremendas em que de vez em quando caem esses
homens, que sem a preparação adequada (a qual haveria de ser muito longa e
profunda) se arvoram da noite para o dia em entusiasmados intérpretes da Bíblia.

Em português quando dizemos UNS AOS OUTROS se entende logo que há uma ação
recíproca: Eles se descompuseram \texttt{uns aos outros} — quer dizer: houve
descomposturas de parte a parte.

Mas no grego a palavra ALLÉLOIS que aí é traduzida por uns outros não implica
necessariamente este sentido de reciprocidade. Assim é que esta mesma palavra
aparece sem este sentido na Epístola aos Efésios: Enchei-vos do Espirito Santo...
dando sempre graças ao Deus e Pai por tudo, em nome de Nosso Senhor Jesus
Cristo, SUBMETIDOS UNS AOS OUTROS no temor de Cristo. As mulheres sejam sujeitas
a seus maridos como ao Senhor... Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor,
porque isto é justo... Servos, obedecei a vossos senhores temporais com temor e
tremor, na sinceridade de nosso coração como a Cristo (Efésios V-18, 20 a 22;
VI-1 e 5).

S. Paulo aí fala da submissão que deve haver de \texttt{uns para com outros} e
ele mesmo vai especificando qual seja: das mulheres para com os maridos, dos
filhos para com os pais, dos servos para com seus senhores temporais. E no
entanto empregou a expressão UNS AOS OUTROS: SUBMETIDOS UNS AOS OUTROS (V-
21). Seria ridículo e absurdo dizer que esta SUBMISSÃO É RECÍPROCA, isto é, os
filhos devem ser submissos aos pais, e os pais aos filhos; as mulheres devem ser
sujeitas aos maridos, e os maridos às mulheres; os criados, obedientes aos
patrões e vice-versa.

Logo, a expressão UNS AOS OUTROS (no grego: ALLÉLOIS) usada por S. Tiago na
frase: Confessai-vos UNS AOS OUTROS, não indica necessariamente que a confissão
deve ser recíproca: pode indicar que uns se devem confessar a outros, ou seja, os
fiéis aos sacerdotes.

E pelo contexto se vê claramente que se pode muito bem tomar a frase no


sentido de uma confissão sacramental, de uma confissão feita ao sacerdote, pois
S. Tiago está falando a respeito do doente em estado grave que manda chamar o
\texttt{presbítero} para ministrar-lhe a Extrema-Unção: Está entre vós algum
enfermo? chame os presbíteros da Igreja e estes façam oração sobre ele,
ungindo-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o enfermo e o
Senhor o aliviará; e se estiver em alguns pecados, ser-lhe-ão perdoados.
Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para
serdes salvos (Tiago V-14 a 16).

Notas (pular)

[46] PARA SERDES SALVOS — é expresso no grego pelo verbo IÁOMAI que significa CURAR, SARAR, tanto no
sentido de curar o corpo, como no sentido de curar a alma, isto é, salvá-la, livrá-la do pecado. Que o verbo
\texttt{iáomai (voltar)

Um trecho dos Atos e a Confissão auricular.

296. Os Atos nos narram um fato que causou profunda impressão entre os
cristãos: Alguns dos exorcistas judeus que andavam de terra em terra, tentaram
invocar o nome do Senhor Jesus sobre os que se achavam possessos dos
malignos espíritos dizendo: Eu vos esconjuro por Jesus, a quem Paulo prega. E
os que faziam isto eram uns sete filhos de certo judeu, príncipe dos sacerdotes,
chamado Ceva. Mas o espírito maligno, respondendo, lhes disse: Eu conheço a
Jesus e sei quem é Paulo, mas vós quem sois? E o homem, no qual estava um
espírito maligníssimo, saltando sobre eles e apoderando-se de ambos,
prevaleceu contra eles, de tal maneira que nus e feridos fugiram daquela casa
(Atos XIX-13 a 16).

Com o grande temor causado por este fato, muitos dos cristãos vinham confessar
e declarar seus próprios pecados. E muitos dos que HAVIAM CRIDO vinham
CONFESSANDO E DENUNCIANDO as suas obras (Atos XIX-18).

Este trecho nos mostra a confissão em uso entre os primeiros cristãos. MUITOS
DOS QUE HAVIAM CRIDO equivale a dizer: MUITOS CRISTÃOS, porque é comum na
Bíblia designar os convertidos à Igreja de Cristo com esta expressão: OS QUE
HAVIAM CRIDO, OS QUE CRERAM, OS QUE CRIAM: E querendo ele ir a Acaia, havendo-o
animado a isso os irmãos, escreveram aos discípulos que o recebessem. Ele,
tendo ali chegado, foi de muito proveito para AQUELES QUE HAVIAM CRIDO (Atos
XVIII-27). HAVENDO CRIDO NELE, fostes selados com o Espírito Santo que fora
prometido (Efésios I-13). Nós que TEMOS CRIDO havemos de entrar naquele
descanso (Hebreus IV-3). Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus são os
que TÊM CRIDO (Atos XXI-20). Foram muitos dentre eles OS QUE CRERAM (Atos
XVII-12). Acerca DAQUELES QUE CRERAM DENTRE OS GENTIOS, nós temos escrito
ordenando que se abstenham do que for sacrificado aos ídolos (Atos XXI-25).
Vós sois testemunhas, e Deus, de quão santa e justa e sem querela foi a nossa
mansão com vós outros QUE CRESTES (1ª Tessalonicenses II-10) palavra de Deus,
o qual obra em vós, OS QUE CRESTES (1ª Tessalonicenses II-13). Alguns deles
CRERAM e se agregaram a Paulo e a Silas (Atos XVII-4). Da multidão dos QUE
CRIAM o coração era um e a alma uma (Atos IV-32). Todos os QUE CRIAM estavam
unidos (Atos II-44).

Mas os protestantes se põem a dizer: Está-se vendo aí pela Bíblia que a confissão
deve ser pública e não como faz a Igreja, isto é, a confissão auricular, feita
secretamente ao sacerdote. Não há nenhum vestígio de confissão auricular na
Bíblia.

— Querem os protestantes simplesmente armar confusão.

Não está escrito na Bíblia, e com palavras tão claras, que Jesus Cristo deu aos
seus Apóstolos, aos seus ENVIADOS, o poder de perdoar os pecados e reter? É a
estes ministros de Cristo, por Ele devidamente autorizados, que outros homens
têm que confessar os pecados para obter o perdão. Se confessam estes pecados
publicamente, manifestando-os diante de todos e publicamente pedem perdão ao
legítimo ministro do Senhor ou confessam estes pecados secretamente e
secretamente pedem o perdão ao mesmo autorizado ministro, isto não influi no
caso, não é esta ou aquela maneira de fazer a confissão que TIRA aos ministros de
Cristo um poder que pelo próprio Cristo lhes foi concedido.

Instituindo o sacramento da Penitência em forma de julgamento, no qual se


profere uma sentença de absolvição ou não-absolvição dos pecados, o que supõe,
conforme demonstramos, a confissão do penitente, Cristo NÃO ESTABELECEU
NENHUMA LEI DETERMINANDO QUE ESTA CONFISSÃO DEVA SER PÚBLICA.

A confissão pública é louvável, pois revela um ato mais profundo de humildade


do pecador, o qual quer mesmo humilhar-se heroicamente diante da multidão.
Mas para ser usada com exclusividade, em todos os casos, seria impraticável.
Daí se originariam muitos escândalos para o povo, com a revelação de coisas
ocultas que serviriam apenas para estarrecer os ouvintes. E nem sempre se
encontraria no seio de toda a assembleia a serenidade, a compaixão e a
misericórdia com que o confessor deve tratar o penitente e com que o trataria o
próprio Jesus Cristo. Se com a confissão secreta e auricular muitos penitentes se
apresentam um pouco nervosos e emocionados diante do confessionário (embora
apresentam um pouco nervosos e emocionados diante do confessionário (embora
sejam estes em via de regra os que saem de lá com maior consolação e alívio), se
há alguns ainda que ocultam às vezes pecados com acanhamento, qual não seria
o pavor de confessar-se diante da multidão e quantos não ocultariam os seus
pecados! Como imaginar que a mulher fosse confessar um pecado de adultério
diante de todos e de seu próprio marido e vice-versa; um criado fosse revelar
perante todos, inclusive o seu patrão, que cometeu um roubo no exercício de seu
emprego? E assim por diante. O sacramento da reconciliação se tornaria neste
caso uma fonte de contínuas discussões, complicações e desavenças.

Do fato de narrarem os Atos um caso em que os penitentes espontaneamente


confessaram suas faltas perante todos, não se segue que este sistema fosse o
único empregado na Igreja primitiva. O mal dos protestantes é querer ver à fina
força naqueles 28 capítulos dos Atos dos Apóstolos, dos quais os últimos 16 são
dedicados exclusivamente às viagens de S. Paulo, não só todo um tratado
teológico sobre a constituição da Igreja e a administração dos sacramentos, como
também a narração de tudo quanto aconteceu com os 13 Apóstolos (os onze e
mais S. Matias e S. Paulo), de tudo quanto eles disseram ou fizeram em toda a
sua vida. S. Lucas é um HISTORIADOR que narra aí nos Atos os fatos de maior
importância e que mais chamaram a atenção nos inícios da Igreja. Se, por
exemplo, esta ou aquela pessoa procurou particularmente qualquer um dos
Apóstolos para obter o perdão de suas próprias culpas, isto é um assunto que só
interessaria a estas próprias pessoas e que não teria a repercussão necessária para
merecer uma menção especial feita pelo historiador. E naqueles tempos de
admirável fervor, de carismas e graças extraordinárias, foi grande decerto o
número de cristãos que não chegaram mais a cometer nenhum pecado grave após
o Batismo e por isto não tiveram necessidade da confissão.

Seja como for, a notícia desta confissão que nos trazem os Atos dos Apóstolos,
nos mostra, pelo menos, que, ou pública ou privada, a confissão estava em uso
entre os primeiros cristãos; e isto já está em contraste com o sistema dos
protestantes em geral que não a fazem nem pública, nem privada, nem de forma
alguma, pois acham que basta crer em Cristo e arrepender-se para o homem estar
prontinho para voar para os Céus; mas, se basta crer em Cristo e arrepender-se
para obter o perdão dos pecados, então Cristo fez um ato inútil, ridículo e
disparatado, quando colocou nas mãos dos Apóstolos o poder de perdoar
pecados E RETÊ-LOS, porque tudo quanto ligassem ou desatassem aqui na terra,
seria também ligado ou desatado nos Céus. Poder exercido sobre quem, se
pessoa alguma teria necessidade de recorrer a eles?

A Confissão e o Padre Nosso.

297. Finalmente dizem os protestantes: Nosso Senhor nos ensinou a rezar assim
no Padre-Nosso: Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também
perdoamos aos nossos devedores (Mateus VI-12) ou como diz o Evangelho de
S. Lucas: Perdoa-nos os nossos pecados, pois que também perdoamos a todo o
que nos deve (Lucas XI-4). Logo, não é do sacerdote que nos vem o perdão; ele
nos vem diretamente de Deus.

— Não há dúvida que o perdão é dado por Deus, nas mãos de quem o sacerdote
não passa de um instrumento, como já dissemos. Deus é a fonte donde nos vem
este perdão; o Sacramento da Penitência é o MEIO pelo qual este perdão chega até
nós. É natural, portanto, que eu vá suplicar o perdão na sua fonte que é o próprio
Deus.

Mas do fato de pedi-lo a Deus, não se segue que ele me venha diretamente do
Céu. Porque também no mesmo Padre-Nosso, Jesus me ensina a pedir a Deus: O
pão nosso de cada dia nos dá hoje (Lucas XI-3). E daí não se segue que este
pão, este sustento material me venha diretamente do Céu; tenho que empregar os
meios necessários para consegui-lo, o que não impede que este pão venha de
Deus através das causas segundas. O mesmo acontece com o perdão dos
pecados; Deus é quem me concede este perdão, mas tenho de empregar para isto
os MEIOS ESTABELECIDOS PELO PRÓPRIO DEUS.

Além disto, se Nosso Senhor me ensina a pedir a Deus o perdão dos pecados, é
porque este perdão não depende só de mim e do sacerdote, depende também de
Deus. Não poderei ser perdoado SEM O ARREPENDIMENTO. Este arrependimento não
é possível, se o próprio Deus não me dá a graça necessária para arrepender-me:
Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). Não que sejamos capazes de nós
mesmos de ter algum pensamento como de nós mesmos; mas a nossa capacidade
vem de Deus (2ª Coríntios III-5). Às vezes vem o toque da graça suficiente para
o arrependimento; mas o pecador, no seu egoísmo, no seu apego ao pecado, na
sua falta de generosidade, rejeita esta graça e aí se torna preciso, para a sua
salvação, que Deus o toque com uma graça, uma inspiração ainda maior. Esta
graça é a Deus e não ao sacerdote que ele há de pedir.

Pedindo a Deus que me perdoe os pecados, estou também pedindo a Ele que não
Pedindo a Deus que me perdoe os pecados, estou também pedindo a Ele que não
me falte com o sacerdote, com o seu ministro autorizado durante a minha vida e
principalmente na hora da minha morte (quantas vezes chega o sacerdote num
momento tão oportuno que todos exclamam: foi mandado por Deus!); e se por
acaso me faltar o sacerdote, não me falte Deus com o tempo necessário (pois a
morte colhe às vezes de surpresa o pecador) e com a graça, suficiente e eficaz
para fazer um Ato de Contrição Perfeita que poderá então suprir, com o voto ou
desejo da confissão, a ação sacramental do ministro do Senhor. Tudo isto é
efeito da Providência, da misericórdia e da bondade de Deus.

É inútil caros amigos protestantes: por maior que seja a má vontade de Vocês em
interpretar este texto do Evangelho que tão profundamente lhes desagrada, por
mais que recorram a pretextos e subterfúgios, não se podem apagar da Bíblia
nem desviar do seu verdadeiro sentido estas palavras insofismáveis, estas
palavras tão claras e decisivas de Jesus Cristo, ditas aos seus Apóstolos: Aos que
vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós os
retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).
Capítulo Décimo Terceiro
Cristo deu aos Apóstolos o poder de consagrar

A promessa da Eucaristia
O capítulo 6º de S. João.

298. Se foi sublime e extraordinário o poder de perdoar pecados e retê-los, que


aos Apóstolos foi concedido, mais assombroso ainda foi o poder que Cristo lhes
deu com estas simples palavras: Fazei isto em memória de mim (Lucas XXII-
19), porque nesse momento receberam os Apóstolos ordem, autorização e
capacidade para fazer aquilo mesmo que se acabara de realizar na Última Ceia,
isto é, a conversão do pão e do vinho no CORPO e no SANGUE de Nosso Senhor
Jesus Cristo.

Mas, para mostrar este poder dos Apóstolos em toda a sua grandeza e realidade,
temos que provar, pelas palavras da Bíblia, A PRESENÇA REAL DE JESUS CRISTO NA
EUCARISTIA, ou seja, sob as aparências do pão e do vinho. A tarefa não é difícil,
pois a Bíblia mais uma vez é muito clara nesta matéria.

Este dogma tão belo da nossa Santa Religião se prova:

1º — pelo capítulo 6º de S. João, em que Jesus prometeu que daria seu próprio
Corpo e Sangue para ser nosso alimento e bebida;

2º — pela narração da Última Ceia, a qual vem nos 3 primeiros Evangelistas e


na 1ª Epístola de S. Paulo aos Coríntios, narração esta em que vem afirmada em
termos bem claros a presença real de Jesus Cristo no mistério eucarístico,
confirmada ainda por outras palavras também muito claras de S. Paulo na
mesma Epístola.

O Capítulo 6º de S. João, de que agora nos vamos ocupar, é dividido em quatro


partes, todas elas relacionadas entre si:

A 1ª (versículos 1º a 25) nos mostra Jesus dando à multidão, e de uma forma


prodigiosa, o ALIMENTO CORPORAL: é o milagre da multiplicação dos pães. Depois
deste milagre, a multidão, interesseira, quer fazê-Lo rei, porque vê nEle uma
fonte de prosperidade material, um homem ideal para governar o seu povo, uma
vez que tem poderes para multiplicar o alimento. Mas Jesus se retira. E o povo
passa a procurá-Lo ansiosamente.

Na 2ª parte (versículos 26 a 47) Jesus procura elevar a mentalidade daqueles


homens que vão atrás dEle em busca do alimento corporal, mas que devem
buscar, acima de tudo, o ALIMENTO ESPIRITUAL, o pão que nutre a alma, e este pão
é Ele próprio, Jesus Cristo. Para Ele nos alimentar, é imprescindível a FÉ na sua
palavra; e a fé é um dom de Deus.

Na 3ª parte (versículos 48 a 59) passa então abertamente a falar sobre a


Eucaristia, explicando de que modo Ele é o nosso pão, o nosso alimento. Ele é o
nosso alimento, porque DÁ A COMER O SEU PRÓPRIO CORPO e A BEBER O SEU PRÓPRIO
SANGUE. E isto é necessário para conservarmos a vida da graça, assim como o
alimento material é necessário para a conservação da vida do corpo.

Na 4ª parte (versículos 60 a 72) se mostra a reação produzida entre os judeus por


aquelas palavras tão estranhas e inesperadas de Jesus; terminando tudo isto com
a bela profissão de fé feita por S. Pedro, em seu nome e no dos outros Apóstolos.

A multiplicação dos pães.

299. É muito comum nos Evangelhos Jesus Cristo recorrer a símbolos, a coisas
materiais, para dar uma ideia, uma noção mais concreta das coisas espirituais
que Ele veio instituir ou ensinar. É assim que comparou a pregação da palavra de
Deus com a ação do semeador que lança a sua semente aqui e acolá, podendo ou
não produzir fruto, de acordo com a natureza do terreno em que se planta (Lucas
VIII-5 a 15), bem como o desenvolvimento prodigioso da Igreja com o notável
crescimento do grão de mostarda (Mateus XIII-31 e 32). E assim por diante. E
acontecia muitas vezes que Ele se aproveitava de um fato, para fazer dali a figura
de um acontecimento de ordem espiritual. Como por exemplo: depois da pesca
miraculosa, disse a S. Pedro que daquela hora em diante faria dele um pescador
de homens (Lucas V-3 a 10). E do fato de vir a Samaritana abastecer-se de água
no poço de Jacó, Jesus se aproveitou para lhe falar de uma água espiritual, a
água da graça, que Ele lhe podia dar, água que jorra para a vida eterna e que
mata a sede para sempre (João IV-7 a 74).
Assim também, Jesus se serviu do milagre da multiplicação dos pães para fazer
aos judeus a revelação de uma multiplicação muito mais importante: a
multiplicação do PÃO EUCARÍSTICO que é o seu próprio Corpo e Sangue, alimento
este que não é destinado a manter a vida do corpo (vida que se acaba), mas que
dá a graça, penhor da vida eterna e assim confere uma vida que não tem mais
fim. A multiplicação dos pães é assim uma FIGURA da distribuição eucarística do
corpo de Cristo. A fim de melhor preparar o ânimo de seus discípulos para a
revelação deste grande mistério, que supõe um poder infinito da parte de Jesus, a
multiplicação dos pães se faz de maneira bem prodigiosa, alimentando com 5
pães e 2 peixes uma grande multidão de perto de 5.000 pessoas. Da palavra de
Jesus, por mais espantosa que seja, não há motivo agora para duvidar: Ele tudo
pode.

Até mesmo o tempo em que se realiza o prodígio, é escolhido a dedo para


simbolizar o mistério eucarístico. S. João se encarrega de chamar a atenção para
a época em que Jesus multiplicou os pães. Estava perto A PÁSCOA, dia da festa dos
judeus (João VI-3). Seria por ocasião de uma PÁSCOA mais tarde que Jesus iria
instituir a Eucaristia na Última Ceia; e daí por diante A PÁSCOA DOS CRISTÃOS,
onde se recebe realmente o próprio Cordeiro Imaculado, iria substituir a Páscoa
dos judeus, em que se matava um cordeiro para prefigurar e simbolizar a Grande
Vítima do Calvário, Nosso Senhor Jesus Cristo.

À procura do Mestre.

300. Uma vez realizado o milagre, os judeus aumentam extraordinariamente o


seu entusiasmo pelo Divino Mestre.

Muitos prodígios assombrosos de outro gênero fizera Jesus em presença da


multidão; trouxera-lhe também belíssimos ensinamentos com a sua maravilhosa
doutrina; mas aqui era alguma coisa que falava mais eloquentemente ao coração
do povo: matara-lhe a fome no deserto. E aqueles homens, com as ideias que
alimentavam a respeito do Messias, o qual, pensavam eles, viria trazer aos
judeus, ao povo eleito, uma era de grande opulência, veem naquela abundância
de alimento o sinal de que a época da grandeza messiânica já é chegada, uma vez
que se encontram diante de um Jesus tão poderoso. Na sua ambição dos bens da
terra, querem logo proclamá-Lo rei: E entendendo Jesus que O viriam arrebatar
para O fazerem rei, tornou-se a retirar para o monte, Ele só (João VI-15).
Não querendo mais largar a Jesus, vão muitos encontrá-Lo no dia seguinte em
Cafarnaum, mas o Mestre sabe muito bem que as intenções daqueles homens
estão muito longe de ser puras e desinteressadas: Em verdade, em verdade vos
digo que vós me buscais, não porque vistes os milagres, mas porque comestes
dos pães e ficastes fartos (João VI-26). Se ao menos os judeus O buscassem pelo
fato de estarem encantados com os milagres que Ele fazia, era muito bom,
porque estes milagres constituíam uma prova da missão divina de Jesus e Ele
mesmo dirá mais tarde: Quando não queirais crer em mim, crede as minhas
obras (João X-38) — o pior, porém, é que todo aquele afã e fervor em procurar o
Divino Mestre vinha precisamente disto: da ganância e da ambição. Comeram e
ficaram fartos, por isto não querem mais largar o Divino Salvador.

Jesus, porém, não pode aceitar como seus discípulos homens que O busquem
assim guiados, acima de tudo, pela ambição: Jesus quer, para segui-Lo, almas
fiéis, dispostas a crer de todo o coração na sua palavra, a aceitar a sua doutrina, a
sua moral, por mais espantosa ou por mais árdua que ela seja.

A natural depuração.

301. Que vai fazer então o Divino Mestre? Vai mandar embora, expulsar de seu
rebanho aqueles que O seguem sem a verdadeira fé, sem a sinceridade do
coração, com intuitos tão carnais e interesseiros? Não será preciso o Mestre
cometer um ato tão inamistoso. Bastará anunciar, dentro da própria doutrina que
Ele veio trazer à terra, uma coisa bastante ESPANTOSA, para se proceder
naturalmente, automaticamente, a depuração entre aqueles que O seguem: os que
não têm o verdadeiro dom da fé não dão crédito a Jesus, quando Ele lhes ensina
qualquer coisa de inaudito.

E aproveitando a lembrança ainda tão viva daquela multiplicação dos pães que
se realizara no dia anterior, Jesus procura levantar o ânimo daqueles homens
para uma grande revelação, para uma multiplicação do pão muito mais
assombrosa, que Ele lhes vai anunciar: Trabalhai, não pela COMIDA que perece,
mas pela que dura até à vida eterna, A QUAL O FILHO DO HOMEM VOS DARÁ, porque
Ele é o em que Deus Padre imprimiu o seu selo (João VI-27).

Os judeus estão aqui por demais interessados em conseguir o alimento corporal,


mas Jesus lhes mostra que tem uma COMIDA para lhes dar, porém uma comida
que não perece, um alimento que fortifica para a VIDA ETERNA. Esta comida que
Ele promete é, como dirá mais adiante neste mesmo capítulo (versos 51 a 59), o
seu próprio Corpo na Santíssima Eucaristia. Deus Pai imprimiu em Jesus o seu
selo; este selo quer dizer os milagres estupendos que fez Jesus e que são A
MARCA, O SINAL de sua divina missão.

Falando nessa comida que dura eternamente, que dá a vida eterna, Jesus manda
que seus ouvintes TRABALHEM para consegui-la. Os judeus, sempre
materializando o que ouvem, entendem que é uma comida para prolongar a
nossa vida material aqui na terra; e ansiosos por adquirir esse alimento mágico
que assim a seu entender os livraria da morte corporal, perguntam qual é o
trabalho, o que é que têm a fazer PARA CONSEGUIR ESTA COMIDA. Uma vez que é
uma comida dada por Deus com um privilégio especial de imortalidade,
certamente para isto terão que fazer também as obras de Deus, as obras que Deus
mandar e que são do seu agrado. Que obras são estas? É o que indagam de Jesus,
porque estão prontos a fazê-las para conseguir um pão tão precioso: Que faremos
para obrarmos as obras de Deus? (João VI-28).

Trata-se aqui de Judeus que conheciam a lei de Moisés, que sabiam quais eram
as obras da Lei, o que é que Deus exigia nos seus mandamentos e nas suas
prescrições; vê-se claramente pelo contexto, pelo assunto de que aqui se trata,
que não é a estas obras ordenadas ao homem pela Lei que eles se referem, mas
sim às obras necessárias para adquirir, como prêmio ou como salário, aquela
comida de imortalidade, de que falou Jesus.

Ora, este alimento da imortalidade é a Sagrada Eucaristia. Não é preciso muito


trabalho para consegui-lo; o trabalho que se precisa ter é CRER em Jesus que nos
revelou um mistério tão assombroso: A OBRA DE DEUS É ESTA que creiais nAquele
que Ele enviou (João VI-29).

O trabalho a fazer é ACEITAR, humildemente, de todo o coração, a palavra de


Jesus. Parece muito simples; mas quando Jesus revelar em que consiste esta
comida, muitos não crerão na sua palavra e se afastarão dEle para sempre,
porque os seus corações não mereceram receber o DOM DA FÉ.

Jesus e o maná do deserto.

302. Uma vez dito pelo Divino Mestre que vai dar o sobrenatural alimento e que
a condição para consegui-lo é CRER nEle, os judeus pedem um sinal para que
nEle se creia e recordam o caso de Moisés, que deu aos israelitas um pão
maravilhoso, um pão do céu, o maná no deserto, mas isto era um prodígio
visível. Jesus então passa a explicar-lhes que este pão da vida é Ele mesmo: EU
SOU O PÃO DA VIDA: o que vem a mim não terá jamais fome, e o que crê em mim
não terá jamais sede (João VI-35).

Uma ponta do véu já está levantada: o alimento é o próprio Jesus. Ele o diz em
termos gerais, sem especificar ainda DE QUE MODO vai ser este alimento. Mas os
judeus, que não eram firmes na fé, que não tinham nenhuma ideia da divindade
de Jesus e que tinham pensado num alimento fonte de imortalidade para o corpo,
já começam a não perceber coisa alguma: Murmuravam, pois, dEle os judeus,
porque dissera: Eu sou o pão que desci do Céu. E diziam: porventura não é este
Jesus o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, logo, diz Ele:
Desci do Céu? (João VI-41 e 42).

O dom da fé.

303. A crise da fé começa a esboçar-se. Eles que pareciam tão dispostos a fazer
todas as obras de Deus necessárias para conseguir o alimento da vida eterna,
começam agora a ficar embaraçados com a única obra exigida e que é CRER nas
palavras de Jesus. Pois isto é o que é mais necessário: isto é o que hão de
trabalhar para adquirir e que hão de pedir com todo ardor, com todo empenho,
porque a fé é um dom do Pai Eterno: Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me
enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia (João VI-44). E a esta
ideia de que a fé é um dom de Deus, Jesus ajunta a promessa de recompensa
eterna para aqueles que nEle creem, promessa que, como já temos dito mais de
uma vez, supõe que se trata de uma fé viva, FÉ QUE OPERA PELA CARIDADE, como
disse S. Paulo (Gálatas V-6), FÉ QUE NOS LEVA A TORNAR-NOS, PELA TOTAL
SUBMISSÃO A CRISTO, DIGNOS DE SUAS DIVINAS PROMESSAS: Todo o que o Pai me dá
virá a mim; e o que vem a mim, não no lançarei fora; porque eu desci do Céu,
não para fazer a minha vontade, mas a vontade dAquele que me enviou. E esta é
a vontade daquele Pai que me enviou: que nenhum perca eu de todos aqueles
que Ele me deu, mas que o ressuscite no último dia. E a vontade de meu Pai que
me enviou é esta: que todo o que vê o Filho e crê nEle tenha a vida eterna; e eu
o ressuscitarei no último dia (João VI-37 a 40). Em verdade, em verdade vos
digo: o que crê em mim tem a vida eterna (João VI-47).
Versículos 48 a 50.

304. Preparados os ânimos de seus ouvintes, dito de modo geral que Ele é o
alimento do mundo, mandado pelo Pai Eterno e descido do Céu, enaltecida a fé
como virtude básica e fundamental, prometida a divina recompensa para os que
creem, Jesus passa a fazer a grande revelação da Eucaristia, a qual é sobretudo
um grande MISTÉRIO DE FÉ.

Até aqui Ele se dissera O PÃO DA VIDA. Agora começa a usar de termos mais
concretos, afirmando que este pão é para ser comido: Eu sou o pão da vida.
Vossos pais COMERAM o maná no deserto e morreram. Aqui está o pão que desceu
do Céu, para que todo o que dEle COMER não morra (João VI-48 a 50).

Jesus aí não só usou abertamente a palavra COMER, mas também fez a


comparação com o maná do deserto que foi COMIDO REALMENTE, não em sentido
figurado. O maná foi comido pelos antepassados; o pão que Ele vai dar há de ser
COMIDO pelos vindouros, mas este tem um efeito muito superior, porque dá a vida
eterna.

Versículos 51 e 52.

305. Eu sou o pão vivo que desci do Céu. Se qualquer COMER deste pão viverá
eternamente; e o pão que eu DAREI é A MINHA CARNE, para ser a vida do mundo
(João VI-51 e 52).

Jesus Cristo continua a apresentar-se como o pão vivo que se deve COMER. E
falando mais abertamente ainda, de modo que exclui qualquer metáfora, Ele diz
que o pão, isto é, o alimento que vai dar é a sua carne para ser a vida do mundo e
emprega o futuro: O PÃO QUE EU DAREI, logo não têm razão os protestantes em
dizer que Ele aí se refere à FÉ, que se há de comer a Cristo pela fé. A fé, muitos
já a tinham naquele momento, como demonstrou S. Pedro fazendo em seu nome
e no nome dos demais Apóstolos sua bela profissão de fé (João VI-69 e 70). Este
PÃO DIVINO, Cristo ainda vai dar na última Ceia.

E aqui, do mesmo modo que na Última Ceia, Ele salienta perfeitamente a íntima
relação que há entre o Calvário e a Eucaristia. O pão que Ele promete é para dar
VIDA aos homens, pois, como dirá dois versículos mais adiante: Se não comerdes
a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis VIDA em vós
(João VI-54). Ou, como dirá um pouco mais além: O que come deste pão VIVERÁ
ETERNAMENTE (João VI-59). Esta carne que Ele nos dá individualmente na
Eucaristia para sustentar a nossa vida espiritual, Ele a entregou por todos nós no
Augusto Sacrifício da Cruz, para dar ao mundo a vida sobrenatural da graça.

Esta mesma relação entre a Eucaristia e o Sacrifício da Cruz, de que a Eucaristia


é um prolongamento e um memorial, Ele o salientará na Última Ceia, quando
instituir o Santíssimo Sacramento: Este é o meu corpo que SE DÁ POR VÓS. Este
cálix é o novo Testamento em meu sangue QUE SERÁ DERRAMADO POR VÓS (Lucas
XXII-19 e 20).

Versículo 53.

306. Disputavam, pois, entre si os judeus dizendo: Como pode Este dar-nos a
comer a sua carne? (João VI-53).

A revelação feita por Jesus não pode deixar de causar espanto aos judeus ali
presentes. Era realmente assombroso e inaudito um homem afirmar que daria a
sua própria carne para comer, alimentando e vivificando assim a quem o
quisesse.

Ninguém toma aí as palavras de Jesus em sentido figurado; Ele fala muito claro.
E se por acaso o Mestre falou em sentido figurado e seus ouvintes entenderam
mal, estaria Ele agora na obrigação de explicar que se tratava apenas de uma
metáfora. Pois o Mestre veio à terra para ENSINAR A VERDADE e não para lançar a
confusão nos espíritos com palavras misteriosas. Quando seus ouvintes
entendiam mal ou tomavam ao pé da letra uma palavra que era dita somente em
sentido metafórico, Ele se encarregava de explicar e esclarecer. Assim aconteceu
com Nicodemos. Quando o Mestre lhe diz: Na verdade, na verdade te digo que
não pode ver o reino de Deus senão aquele que renascer de novo (João III-3),
Nicodemos toma a frase de Jesus ao pé da letra: Como pode um homem nascer,
sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer
outra vez? (João III-4). Mas Jesus logo lhe explica que se trata de um
NASCIMENTO ESPIRITUAL, e não de um nascimento material, como Nicodemos o
tinha entendido: Em verdade, em verdade te digo que quem não renascer da
água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da
carne é carne; e o que é nascido do espírito é espírito. Não te maravilhes de eu
te dizer: Importa-vos nascer outra vez. O espírito assopra onde quer e tu ouves
a sua voz; mas não sabes donde ele vem nem para onde vai; assim é todo aquele
que é nascido do espírito (João III-5 a 8).

Quando Jesus disse aos seus Apóstolos: Vede e guardai-vos do FERMENTO dos
fariseus e dos saduceus (Mateus XVI-6), os Apóstolos, ouvindo falar em
fermento, pensaram que era de pão que o Mestre estava falando: É que não
trouxemos pão (Mateus XVI-7). Jesus se encarrega logo de esclarecer que falava
em sentido figurado, não era ao fermento material que se estava referindo: E,
entendendo-o, Jesus disse-lhes: Homens de pouca fé, porque estais
considerando lá convosco que não tendes pão?... Por que não compreendeis que
não é pelo pão que eu vos disse: Guardai-vos do fermento dos fariseus e dos
saduceus? Então entenderam que não havia dito que se guardassem do fermento
dos pães, senão da DOUTRINA dos fariseus e saduceus (Mateus XVI-8, 11 e 12).

Quando Jesus quis transmitir aos seus Apóstolos a notícia da morte de Lázaro,
usou de uma metáfora: Nosso amigo Lázaro DORME; mas eu vou despertá-lo do
SONO (João XI-11). Os apóstolos tomam o dito ao pé da letra: Senhor, se ele
dorme, estará são (João XI-12). Mas Jesus logo desfaz o engano dos seus
discípulos: Mas Jesus tinha falado de sua morte, e eles entenderam que falava
do dormir do sono. Disse-lhes, pois, Jesus então abertamente: Lázaro é morto
(João XI-13 e 14).

Assim fazia Jesus e assim faz qualquer bom mestre que está interessado em
ensinar a verdade; se por ignorância os ouvintes interpretam mal, ele tem que
entrar em explicações para desfazer o equívoco.

Quando acontecia, porém, que em vez de tratar-se de um equívoco da parte de


seus ouvintes, tratava-se apenas de MÁ VONTADE em não quererem aceitar o que
Ele dizia, Jesus insistia na sua afirmativa, para mostrar que não havia dúvida
alguma, era assim mesmo como Ele estava dizendo e não de outra maneira.

Por exemplo: Como Jesus disse: Se alguém guardar a minha palavra, não verá a
morte eternamente (João VIII-51), os judeus que não queriam admitir a
divindade do Mestre, Lhe objetaram: Abraão morreu e os profetas morreram e
tu dizes: Se alguém guardar a minha palavra, não provará o morte eternamente.
Acaso és tu maior do que nosso pai Abraão que morreu? e do que os profetas
que também morreram? (João VIII-52 e 53). Jesus responde: Vosso pai Abraão
desejou ansiosamente ver o meu dia; viu-o e ficou cheio de gozo (João VIII-56).
Os judeus não se conformam com isto: Tu ainda não tens cinquenta anos e viste
a Abraão? (João VIII-57). Mas Jesus continua a reafirmar a sua divindade, a sua
superioridade sobre Abraão: Em verdade, em verdade vos digo que antes que
Abraão fosse feito, sou eu (João VIII-58). Era assim que o Divino Mestre insistia
diante da incredulidade.

Agora no nosso caso, Jesus afirmou que daria a sua carne para comer. Os judeus
acharam aquilo por demais estranho e fabuloso; não quiseram acreditar. Se se
tratar de um equívoco, o Mestre o esclarecerá. Se, porém, se tratar apenas de má
vontade em aceitar o que Jesus disse CLARAMENTE, Ele o continuará afirmando.
Pois foi exatamente isto o que fez o Divino Mestre. Não disse: Meus amigos, há
aqui um engano, falei de modo figurado. Mas insistiu 5 vezes, nos 5 versículos
seguintes, dizendo que DARIA REALMENTE A SUA CARNE PARA COMER, O SEU SANGUE
PARA BEBER.

Senão, vejamos.

Versículo 54.

307. E Jesus lhes disse: Em verdade, em verdade vos digo: Se não COMERDES A
CARNEdo Filho do Homem e BEBERDES O SEU SANGUE, não tereis vida em vós (João
VI-54).

Os judeus perguntaram COMO ERA POSSÍVEL Jesus dar a sua carne para comer.
Jesus não responde à sua pergunta: como é possível? — mas continua frisando e
reafirmando a realidade. Trata-se de um mistério que Ele está revelando. No
mistério, no que é incompreensível, nunca se saberá o COMO, sabe-se apenas se a
coisa EXISTE OU NÃO EXISTE. E Ele, pelos seus milagres, inclusive o da
multiplicação dos pães que tinha feito tão recentemente, já havia dado provas
suficientes de que era um enviado de Deus e de que, portanto, mereciam todo
crédito as suas inspiradas palavras. Tinha, por conseguinte, o direito de exigir FÉ
da parte de seus ouvintes, mesmo quando revelava aquilo que a nossa fraca e
limitada inteligência não é capaz de entender.

Os judeus perguntaram COMO ERA POSSÍVEL Jesus dar a sua carne para comer.
Jesus responde com uma lei, um preceito: não só é possível, mas também será
OBRIGATÓRIO comer esta carne.

Os cristãos têm o dever de receber a Cristo na Eucaristia, porque só assim é que


se fortalecem espiritualmente e mantêm A VIDA DA GRAÇA. Ora, quem impõe uma
lei usa sempre de termos claros e decisivos, não recorre a metáforas difíceis,
nem impossíveis de compreender. Os protestantes dizem que aí se trata da fé em
Jesus. Se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue —
aí quer dizer: se não crerdes em Jesus. Mas, se é assim como dizem os
protestantes, eis aí uma lei enunciada no verdadeiro estilo e sistema da CHARADA
INDECIFRÁVEL. Onde é que os protestantes viram, seja na Bíblia, seja em qualquer
livro mesmo profano, seja na linguagem corrente de qualquer país do mundo,
usar-se esta metáfora: para se dizer que alguém CRÊ em outro, dizer-se que este
alguém COME A CARNE OU BEBE O SANGUE deste outro?

Na ânsia de TORCER o texto bíblico para o seu lado, os protestantes não só


remexeram toda a Bíblia, mas andaram catando numa quantidade enorme de
livros profanos, para ver se encontravam esta estranha figura de retórica: dizer-se
— comer a carne de alguém — em vez de dizer-se — crer em alguém.
Encontraram, sim, expressões como estas: nutrir o espírito de tais ideias, beber
tais ideias em Fulano etc. Mas COMER A CARNE e BEBER O SANGUE, nunca. É o que
confessa o protestante Tittman, referindo-se aos que não querem ver aí uma
referência à Eucaristia: “Apelam para o modo de falar de escritores profanos que
tenham usado as palavras COMER e BEBER a respeito de alguém que se imbuiu da
doutrina de outrem, para admiti-la e prová-la. Ora, é certíssimo que escritores
gregos e latinos tenham usado as palavras COMER e BEBER neste sentido; mas que
eles deste modo tenham usado as fórmulas COMER A CARNE e BEBER O SANGUE de
alguém, isto não se pode mostrar nem com um só exemplo que seja”
(Meletemata sacra. Leipzig 1816 pág. 247).

Existe, sim, na Bíblia, a expressão COMER A CARNE de alguém, mas no sentido de


caluniar, perseguir, injuriar, maltratar, metáfora esta usual entre os orientais: Por
que me perseguis como Deus e VOS FARTAIS DAS MINHAS CARNES? (Jó XIX-22).
Enquanto se chegam a mim os daninhos para COMER AS MINHAS CARNES, estes meus
inimigos que me angustiam, eles mesmos se debilitaram e caíram (Salmos
XXVI-2). Eles COMERAM A CARNE do meu povo e lhes arrancaram de cima a pele,
e lhes quebraram os ossos, e os partiram como para os fazer cozer num
caldeirão e como carne que se quer fazer ferver dentro duma panela (Miqueias
III-3). Se vós, porém, vos mordeis e VOS DEVORAIS uns aos outros, vede não vos
consumais uns aos outros (Gálatas V-15).

Os caluniadores, os maldizentes, os perseguidores são equiparados assim aos


cães que mordem, ou às feras que devoram a carne de outros animais. No nosso
caso em que Jesus diz: Se não COMERDES A CARNE do Filho do Homem... não
tereis vida em vós — a metáfora teria uma aplicação evidentemente absurda: Se
não perseguirdes, se não maltratardes, se não caluniardes o Filho do Homem,
não tereis a vida em vós.

Além disto, se se trata, como dizem os protestantes, de comer a Jesus pela fé


(isto é: comer a Jesus quer dizer crer nEle) por que motivo então o Divino
Mestre haveria de fazer uma distinção entre duas ações diversas: comer a carne e
beber o sangue? Não se está vendo aí uma alusão muito clara à Última Ceia, em
que Ele fez duas ações diversas: Isto é o meu corpo; Este é o cálice do meu
sangue?

É impossível fugir à evidência do texto. Aí se mostra clarissimamente a presença


de Jesus na Santíssima Eucaristia, bem como a obrigação de recebê-Lo neste
augusto mistério do altar.

Mas a respeito deste assunto: comer a carne e beber o sangue — surge agora
uma questão. Jesus dizendo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem E
BEBERDES O SEU SANGUE, não tereis a vida em vós — não estará exigindo a
comunhão sob as duas espécies? Ele diz: E BEBERDES.

— Aqui entramos na questão da diferença entre o modo de expressar-se usual


outrora entre os hebreus e o nosso modo de nos expressarmos, hoje, de acordo
com a índole da nossa língua.

O texto original grego diz realmente assim: Se não comerdes a carne do Filho
do Homem E BEBERDES O SEU SANGUE; a Vulgata de S. Jerônimo (texto latino) o
traduz ao pé da letra, e o Pe Pereira traduz ao pé da letra o texto da Vulgata.

Mas tanto o Pe Matos Soares, como o Mons. José Basílio Pereira, tanto Ferreira
de Almeida, como a Sociedade Bíblica do Brasil traduzem: Se não comerdes a
carne do Filho do Homem e NÃO beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós.
Porque é uso do hebraico nestas construções (e o grego do Novo Testamento
está cheio de hebraísmos, pois reflete o modo de falar dos hebreus) colocar a
negativa só uma vez. Assim é que o texto grego traz: Aquele que não toma a sua
cruz e SEGUE após mim, não é digno de mim (Mateus X-38). É como se lê
também no latim da Vulgata. Mas nenhum tradutor dos acima mencionados,
inclusive o Pe Pereira, o traduz ao pé da letra. Eles acrescentam um NÃO: Aquele
que não toma a sua cruz E NÃO SEGUE após mim, não é digno de mim (Mateus X-
38), à exceção do Mons. José Basílio que faz outra construção: Quem não toma
a sua cruz SEGUINDO-ME, não é digno de mim (Mateus X-38). Traduzirem ao pé da
letra poderia dar margem a uma má interpretação.

O mesmo aconteceu com o nosso texto de S. João. Os outros tradutores não


quiseram, como o Pe Pereira, traduzir ao pé da letra, porque, se escrevessem: Se
não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis
vida em vós — poderiam dar margem à seguinte interpretação: Se não comerdes
a carne do Filho do homem PORÉM BEBERDES seu sangue, não tereis vida em vós
— o que seria uma interpretação completamente arbitrária e sem sentido diante
do contexto.

Sentimos necessidade de dar esta explicação, para que o leitor não fique
porventura atrapalhado, vendo numa edição da Bíblia E BEBERDES, e noutra E NÃO
BEBERDES e se ponha a pensar que se trata de uma divergência muito séria. Não
há divergência nenhuma. A primeira expressão mostra apenas o modo de falar
próprio dos hebreus; a segunda, o modo de falar da nossa própria língua.

Mas há outro ponto ainda em que se mostram duas maneiras diversas de


expressão entre os hebreus e os ocidentais: há um hebraísmo bem conhecido na
Bíblia; é o emprego de E em vez de OU.

Vejamos, por exemplo, o livro dos Provérbios, no versículo em que fala do


castigo a ser recebido pelo filho rebelde: Aquele que amaldiçoa a seu pai E a sua
mãe, apagar-se-lhe-á a sua candeia no meio das trevas (Provérbios XX-20). É
claro que o Autor Sagrado quer dizer: Aquele que amaldiçoa a seu pai OU a sua
mãe — pois para merecer o castigo não é preciso que o filho amaldiçoe a ambos;
amaldiçoar só o pai ou a mãe, já é um crime bastante grave para ser duramente
castigado. Entretanto, o texto original hebraico, o latim da Vulgata, as traduções
do Pe Pereira e do Pe Matos Soares trazem a partícula E. Ferreira de Almeida e a
versão da Sociedade Bíblica do Brasil trazem a partícula OU, o que serve apenas
para confirmar o que dissemos: que aquele E do original vale por um OU.
Uma frase semelhante se encontra em Êxodo XXI-15, pois no TEXTO ORIGINAL
HEBRAICO se lê assim: Quem ferir seu pai E mãe, morra de morte. Todos os
tradutores trazem: pai OU mãe, para evitar que a frase seja interpretada
absurdamente.

Tanto no TEXTO ORIGINAL HEBRAICO como no latim da Vulgata está escrito: Se


alguém confiar a seu próximo um jumento, ou um boi, ou uma ovelha E outro
qualquer animal etc. (Êxodo XXII-10). Os tradutores de língua portuguesa põem
unanimemente OU em vez de E, pois é um caso evidente do hebraísmo E = OU.
Igualmente tanto no TEXTO ORIGINAL HEBRAICO como no latim da Vulgata, se lê a
respeito dos sacerdotes de Israel: Não desposarão viúva E repudiada (Ezequiel
XLIV-22), quando o que se quer exprimir é: não desposarão viúva NEM
repudiada — e assim escrevem todos os tradutores em língua portuguesa para
evitar confusão. Também se poderia dizer: não desposarão viúva OU repudiada.

Nem se diga que é só no hebraico que isto se verifica. Também o grego bíblico
reflete este modo de falar dos orientais. A palavra que disse S. Pedro ao
paralítico: Não tenho prata NEM ouro (Atos III-6) vem tanto no original grego,
como no latim da Vulgata com a partícula E (no grego KAI; no latim ET) e
traduzida ao pé da letra, como está no original, seria: Não tenho prata E ouro,
quando S. Pedro quer dizer: Não tenho prata ou ouro.

Ora, o que é decisivo nas questões de exegese não é a tradução que temos nas
nossas mãos; é o texto original.

Podemos muito bem afirmar que aquele E da frase: Se não comerdes E beberdes
— equivale a um OU.

Ou digamos: Se não comerdes a carne do Filho do Homem OU beberdes o seu


sangue;

ou digamos: Se não comerdes a carne do Filho do Homem OU NÃO beberdes o


seu sangue;

ou digamos: Se não comerdes a carne do Filho do Homem NEM beberdes o seu


sangue;

cabe perfeitamente na frase este sentido: Se não fizerdes uma coisa nem outra,
isto é, se não comerdes a minha carne nem beberdes o meu sangue, se acontecer
que não comais a minha carne E acontecer também que não bebais o meu sangue,
não tereis vida em vós.

Aqui muito naturalmente hão de perguntar:

— E em que é que o Sr. se baseia para afirmar que este E equivale a um OU?

— O leitor já deverá ter percebido que não costumamos afirmar coisa alguma
sem uma base, sem um argumento sólido. E nada melhor para esclarecer uma
frase da Escritura do que outra frase da mesma Escritura.

A prova do que afirmamos, nós a temos em S. Paulo que diz: Todo aquele que
comer este pão OU beber o cálix do Senhor indignamente, será réu do corpo e do
sangue do Senhor (1ª Coríntios XI-27). Este OU está no original grego. Dizendo
comer este pão OU BEBER o cálix do Senhor indignamente, S. Paulo está dando a
entender que se possa comungar duma forma ou de outra, e o crime será igual,
no caso em que se comungue indignamente. Mais ainda, a palavra de S. Paulo
vem confirmar o que ensina a doutrina católica: que tanto no pão eucarístico,
como no cálice consagrado estão o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de
Jesus Cristo, pois basta alguém comungar indignamente sob qualquer uma das
duas espécies para ser réu ao mesmo tempo DO CORPO E DO SANGUE DO SENHOR (1ª
Coríntios XI-27).

Outra prova do que afirmamos, nós a temos aí mesmo no contexto, ou seja, nas
próprias palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, exatamente neste capítulo 6º de
S. João, pois o Divino Mestre faz promessas de VIDA ETERNA, mesmo para aquele
que comungar sob uma só espécie, o que é sinal de que Ele não exige dos fiéis a
comunhão sob as duas espécies. Pois, como bem observa o Concílio de Trento, o
mesmo Jesus que disse: Se não comerdes o carne do Filho do Homem e
beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós (João VI-54) é o mesmo que
disse: SE QUALQUER COMER DESTE PÃO, VIVERÁ ETERNAMENTE (João VI-52). O mesmo
Jesus que disse: O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna (João VI-55) é o mesmo que disse: O pão que eu darei é a minha CARNE,
para ser a vida do mundo (João VI-52). O mesmo Jesus que disse: O que come a
minha carne e bebe o meu sangue, esse fica em mim, e eu nele (João VI-57) é o
mesmo que disse: Assim como o Pai que é vivo, me enviou e eu vivo pelo Pai,
assim o que ME COME A MIM, esse mesmo também viverá por mim... O QUE COME
DESTE PÃO VIVERÁ ETERNAMENTE (João VI-58 e 59) [47].

Estas palavras, que são do capítulo 6º de S. João, foram ditas a todos, no


discurso de Cafarnaum, portanto são preceitos e ensinos que se dirigem a todos
os fiéis. O mesmo já não acontece com as palavras: Bebei dele todos (Mateus
XXVI-27) as quais disse Jesus na Última Ceia, quando se achava
EXCLUSIVAMENTE com os seus Apóstolos que seriam, eles e aqueles a quem
fossem transmitidos os mesmos poderes, encarregados de celebrar o grandioso
mistério dos altares, no Santo Sacrifício da Missa.

É imprescindível conservar as 2 espécies na celebração da Santa Missa, porque é


o memorial da Sagrada Paixão e Morte e aí se mostram o Corpo e o Sangue
misticamente separados, sob as espécies do pão e do vinho, para melhor
representar o sofrimento e a morte do Redentor, em que o sangue derramado se
separou do seu corpo. Mas, quando se trata simplesmente da comunhão de um
fiel, este já recebe a Cristo inteiro com a sua graça, ao receber o corpo deste
mesmo Cristo, o qual é corpo vivo e não corpo cadavérico e, portanto, inclui
também o sangue.

Não há dúvida que, quando se trata de comida material, é melhor comer carne e
beber vinho do que somente comer carne. E os protestantes que opinam que ali
na ceia estão somente pão e vinho, podem achar muito mais interessante, além
de comer o pão, beber também o vinho.

Para o católico é diferente. Ele crê que Jesus Cristo está realmente presente na
Hóstia Consagrada. Trata-se de um alimento espiritual que vem fortificar a sua
alma. O efeito é o mesmo, ou receba a Eucaristia sob as 2 espécies ou sob uma
só, porque a graça ele a receberá da mesma forma, de acordo com as suas
próprias disposições.

No princípio se usou a comunhão sob as duas espécies para todos os fiéis. Mas
depois, quando a Igreja cresceu extraordinariamente e começou a propagar-se
por toda a parte, foi obrigada a limitar à espécie do pão a comunhão dos fiéis,
por gravíssimas razões de ordem prática:

havia frequentemente o perigo de se derramarem no chão algumas gotas do


Preciosíssimo Sangue;
havia dificuldade de conservar-se o Santíssimo sob a espécie do vinho que
azeda facilmente e de levá-lo aos enfermos;
ou se teria de conseguir uma grande quantidade de cálices sagrados, um
para cada pessoa (e quando a comunhão fosse às centenas ou aos milhares,
como muitas vezes tem sido?) ou beberiam todos no mesmo cálice, com
perigo de contágio e com visível repugnância de muitos;
em algumas regiões, onde não se planta a vinha, nem sempre seria fácil
obter-se o vinho suficiente para consagrar e satisfazer à imensa multidão de
fiéis que procurassem comungar.

Desde que sob a espécie do pão se recebe TODO O CRISTO e sem nenhuma quebra
A SUA GRAÇA, a alma se une intimamente com Ele e faz jus a suas divinas
promessas, diante de tais circunstâncias não havia necessidade de ministrar-se a
comunhão a todos sob as duas espécies.

Notas (pular)

[47] É possível que aqui o protestante se lembre de dizer: O Sr. não disse que as leis devem ser feitas em
linguagem clara? No entanto, vemos o Sr. debater uma questão a respeito dos termos em que está redigida a
lei e falar em hebraísmos etc.

— É natural que, se a lei foi enunciada em aramaico, tenha que ser expressa segundo a índole própria desta
língua. O legislador não ó obrigado a tomar em conta pequenas dificuldades que possam surgir de sua
tradução em várias outras línguas. E esta dificuldade no nosso caso praticamente não é nenhuma:
compreende-se muito bem aí no texto que Jesus exige que se receba a Santíssima Eucaristia, e se houvesse
dúvida sobre se deve ser recebida sob as duas espécies, bastariam, como vimos, as palavras do contexto
para resolver esta dúvida: é bastante comer o Pão Celeste, que é a carne de Jesus, para fazer jus às
promessas de vida eterna. Quanto à interpretação protestante (comer a carne de Cristo, e beber o sangue de
Cristo = crer em Cristo), isto sim, é que em hebraico, em aramaico, em grego, em latim, em português e em
qualquer língua do mundo é um enigma que ninguém seria capaz de decifrar; pois jamais em lugar algum
do mundo comer carne, beber sangue foram sinônimos de TER FÉ. E uma lei não se enuncia por enigmas,
muito menos por enigmas indecifráveis. (voltar)

Versículo 55.

308. O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o
ressuscitarei no último dia (João VI-55).

Continua Jesus insistindo na ideia de COMER alguém A SUA CARNE e BEBER O SEU
SANGUE, o que, como vimos, não pode nunca ser sinônimo de CRER EM CRISTO,
como querem os protestantes. E o texto grego nos mostra que a insistência de
Jesus é feita agora com um termo muito mais enérgico. Até agora (versículos 52
e 54), Jesus falou em COMER e o verbo correspondente no grego é PHAGÉIN. Agora
neste versículo 55 e nos seguintes (57, 58 e 59) o texto grego passa a usar um
verbo mais forte: TRÓGO — que não só quer dizer COMER mas também mastigar,
quebrar com os dentes os alimentos mais duros, tragar, devorar.

Versículo 56.

309. Porque a minha carne VERDADEIRAMENTE é comida, e o meu sangue


VERDADEIRAMENTE é bebida (João VI-56).

Prossegue a insistência de Jesus na ideia de se comer a sua carne e se beber o seu


sangue; e para mostrar mais uma vez que não se trata de uma metáfora, de uma
comparação ou figura de retórica, Ele faz ver que sua carne é uma comida DE
VERDADE, realmente, propriamente, literalmente comida. O seu sangue é de fato
uma bebida.

Aqui os protestantes procuram, como sempre, lançar a confusão, tentando fugir


ao peso desta palavra VERDADEIRAMENTE, que é o que há de mais decisivo para
firmar o sentido literal.

Dizem eles: Também afirmou Jesus: Eu sou a VIDEIRA VERDADEIRA E MEU PAI É O
AGRICULTOR (João XV-1) e no entanto não deixa de ser isto uma metáfora.

— É comum nas metáforas, quando se quer fazer a comparação com alguma


coisa, especificar também a QUALIDADE desta mesma coisa. Assim por exemplo:
um homem ou uma criança para exprimir que é forte e resistente costuma dizer:
Eu sou MADEIRA, mas como às vezes há também madeiras fracas, que apodrecem
bem depressa, então se julga no direito de acrescentar: Eu sou madeira QUE O
CUPIM NÃO RÓI. Uma coisa é dizer-nos alguém: Você é um rei; e outra, dizer:
Você é um rei DE COMÉDIA.

Jesus quer-se comparar com a VIDEIRA, mas acontece que há VIDEIRAS falsas que
parecem apresentar frutos belos e valiosos e no entanto só produzem uvas
amargas e de nenhum valor para a fabricação do vinho. O historiador Flávio
Josefo (livro II Da guerra cap. V) atesta isto das videiras de Sodoma, muito belas
na aparência, mas que não valiam coisa alguma. Uma referência a esta vinha de
Sodoma se vê, por exemplo, no Deuteronômio, em que se comparam com ela os
judeus rebeldes e endurecidos: A sua vinha é da vinha de Sodoma e dos
subúrbios de Gomorra; as suas uvas são uvas de fel e os seus cachos
amargosíssimos. O seu vinho é fel de dragões e veneno de áspides incurável
(Deuteronômio XXXII-32 e 33).

A ingratidão dos filhos de Israel é comparada com a vinha que não produz
frutos: O meu amado teve uma vinha plantada num alto fertilíssimo... esperava
que desse uvas e veio a produzir labruscas (Isaías V-1 e 2). Eu te plantei como
vinha escolhida, toda semente da verdade. Como, pois, te me hás tornado em
mal, vinha estrangeira? (Jeremias II-21).

Há, portanto, a falsa videira que não produz o verdadeiro fruto e sim um fruto
belo na aparência, porém enganoso, ou então é estéril, não produzindo fruto
algum, mas dando somente folhas. E há também a videira verdadeira que produz
uva em abundância, para daí se extrair um saboroso vinho. Jesus, querendo
comparar-se com a videira, faz salientar que se trata da verdadeira videira,
daquela que produz bons frutos e que, portanto, é a única digna deste nome.

O caso, por conseguinte, é bem diferente desta passagem do Evangelho, em que


os judeus estão espantados com a revelação de que o Mestre dará a sua carne
para comer, e o Mestre está frisando que sua carne é VERDADEIRAMENTE comida.

Quando um homem diz: “Eu sou uma videira”, todo o mundo está vendo logo
que se trata de uma metáfora, pois um homem não pode ser árvore, nem produzir
uvas. Quando, porém, se diz que uma CARNE vai servir de comida, nada mais
natural do que o sentido literal e próprio, pois desde o princípio do mundo se
come carne. O espanto dos judeus estava em como podia Jesus dar a sua própria
carne para servir de alimento, e alimento que dá a vida eterna. Dizendo: minha
carne VERDADEIRAMENTE é comida, Jesus está observando aos judeus que não se
espantem com isto, nem tomem noutro sentido as suas palavras, porque Ele vai
dar a sua carne DE VERDADE para ser comida por nós.

Versículo 57.

310. O que come a minha carne e bebe o meu sangue, esse fica em mim e eu
nele (João VI-57).

Continuando ainda a repisar a mesma ideia — COMER A CARNE E BEBER O SANGUE


— Jesus passa a exprimir o efeito da comunhão dignamente recebida: efeito
espiritual de uma perfeita união com Ele, Cristo. No Batismo, o Divino Mestre
escolheu a água para melhor significar a purificação espiritual realizada por
aquele sacramento, porque a água é para o corpo um elemento purificador.
Agora mostra que vai ocultar-se sob a forma de alimento, para melhor exprimir
como É PERFEITA a sua união com o comungante. Assim como o alimento do
corpo, a bebida material se unem intimamente conosco e se transformam em nós,
em nosso próprio sangue, assim também Cristo se une de maneira perfeitíssima
com aquele que recebe este alimento espiritual que é a Santíssima Eucaristia.
Cristo permanece na alma e a alma permanece em Cristo pela graça santificante.
Esta mesma promessa, Deus faz àquele que verdadeiramente O ama, porque
aquele que O ama de verdade guarda a sua palavra, obedece fielmente a Ele que,
como vimos no anterior versículo 54, fez da comunhão um preceito: Se algum
me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará; e nós viremos a ele e
faremos nele morada (João XIV-23). O que guarda os meus mandamentos está
em Deus e Deus nele; e nisto sabemos que Ele permanece em nós, pelo Espírito
que nos deu (1ª João III-24). Deus é caridade; e assim aquele que permanece na
caridade permanece em Deus e Deus nele (1ª João IV-16).

Destas palavras já se deduz o seguinte: Cristo por si não nos abandona nunca.
Porém, como somos livres, precisamos guardar os mandamentos, permanecer na
caridade, para conservarmos nossa união com Cristo e assim não expulsá-Lo
pelo pecado mortal: Permanecei em mim e eu permanecerei em vós... O que
permanece em mim e o em que permaneço, esse dá muito fruto; porque vós sem
mim não podeis fazer nada. Se alguém não permanecer em mim será lançado
fora como a vara e secará e enfeixá-lo-ão e lançá-lo-ão no fogo e ai arderá
(João XV-4, 5 e 6).

Mas, se dEle nos afastarmos por nossa culpa, ainda podemos conseguir, com o
verdadeiro arrependimento e a confissão, o perdão dos nossos pecados e assim
nos habilitaremos a fazer pela comunhão uma nova união com Éle: Se nos
confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar esses nossos
pecados (1ª João I-9), pois ser enfeixado e lançado no fogo é o castigo daquele
que chega ao fim da vida sem a sua união íntima com Cristo; aquele, porém, que
perseverar até o fim, esse é que será salvo (Mateus X-22).

Versículo 58.
311. Assim como o Pai que é vivo me enviou e eu vivo pelo Pai, assim o que me
come a mim esse mesmo também viverá por mim (João VI-58).

Jesus diz que vive pelo Pai e quem O receber no Sacramento viverá também por
Ele, Jesus. A preposição POR é aí tradução do grego DIÁ que pode ter neste caso 2
sentidos:

DIÁ = para, em função de, com o pensamento em.

DIÁ = por meio de, por virtude de.

A frase de Jesus pode ser perfeitamente tomada nos 2 sentidos:

Eu vivo para o Pai, em função dEle, com o pensamento nEle, para servir a Ele,
assim a alma verdadeiramente eucarística viverá também PARA MIM, totalmente a
mim consagrada.

Ou então: o Pai me gerou desde toda a eternidade, dEle vem a minha vida; assim
a alma que comunga sinceramente tem a vida sobrenatural da graça e de mim é
que ela a recebe.

Versículo 59.

312. Aqui está o pão que desceu do Céu. Não como vossos pais que comeram o
maná e morreram. O que come deste pão viverá eternamente (João VI-59).

Aqui encerra Jesus a sua explicação. Tinha dito que era o pão vivo descido do
Céu. E acabou de mostrar de que modo se tornaria este pão, este alimento do
mundo. Tanto no grego, como em latim como em português e em muitas línguas
do mundo, a palavra PÃO tem 2 sentidos: o de uma certa espécie de alimento feito
com o trigo, p. ex. o pão que tomamos com o café e o de alimento em geral,
como quando se diz: Trabalhar para ganhar o pão.

Jesus na Eucaristia é pão, porque é nosso alimento com sua carne e sangue que
nos vivificam e fortalecem, e é pão, porque se apresenta sob as aparências do
pão comum feito de trigo, sendo na realidade o PÃO CELESTE.

Versículos 60 e 61.
313. O versículo 60 serve apenas para situar o sermão de Jesus: Estas coisas
disse Jesus, quando em Cafarnaum ensinava na sinagoga (João VI-60).

O versículo 61, porém, vem mais uma vez acentuar o verdadeiro sentido das
palavras do Divino Mestre: Muitos, pois, de seus discípulos, ouvindo isto,
disseram: Duro é este discurso, e quem no pode ouvir? (João VI-61).

Aquelas palavras de Jesus que falou tão abertamente e tão repetidas vezes em
que se havia de comer a sua carne e beber o seu sangue, foram tomadas pelos
judeus no sentido literal. Viram que Jesus não estava usando nenhuma figura de
retórica. E se, no princípio do sermão, se tinham espantado quando Jesus
afirmou que descera do Céu: Porventura não é este Jesus o filho de José, cujo
pai e mãe nós conhecemos? Como, logo, diz Ele: Desci do Céu? (João VI-42) —
é ainda maior o seu espanto, quando Jesus lhes diz tão claramente que vai dar a
comer da sua própria carne e a beber do seu próprio sangue. Já tinham eles
horror à simples ação de ingerir o sangue dos animais, o que aliás era proibido
pela lei mosaica. E agora se põem a imaginar um modo brutal e grosseiro de
Jesus dar a sua própria carne para comer: ou tirar-se-Lhe em vida alguns pedaços
do corpo e pô-los nos açougues para vender ou para distribuir, a fim de que
aquele que comesse de tal carne não morresse jamais; ou então, depois de morto
Jesus, retalhar-se o seu cadáver, para que dali se comesse. Tudo isto lhes causava
a mais viva repugnância e se lhes apresentava como evidentemente impraticável.
E por isto se recusam a crer.

Não admira que os judeus, na sua ignorância, no seu desconhecimento dos


mistérios grandiosos do Cristianismo, tivessem dito aquelas palavras, recusando-
se a acreditar no ensino do Divino Mestre.

O que causa mais admiração é que os protestantes, pelo menos os que admitem
que Jesus Cristo É DEUS e sendo Deus TEM UM PODER INFINITO (e o que é infinito
tem que exceder, é claro, tudo quanto nós, finitos e limitados, somos capazes de
imaginar), os protestantes que veem depois claramente pelo relato do que se
passou na Última Ceia, DE QUE MODO JESUS IA DAR SEU PRÓPRIO CORPO PARA COMER E
SEU PRÓPRIO SANGUE PARA BEBER, esses mesmos protestantes que tanto afirmam
CRER EM JESUS, façam justamente o contrário de milhões e milhões de católicos
que têm existido em todas as épocas, desde os primeiros tempos da Igreja até os
dias de hoje, dos mais rudes até os mais geniais e que dizem: Sim, Jesus; CREIO
FIRMEMENTE que vos recebo na Hóstia Consagrada — e se ponham a dizer como
os judeus de outrora, diante do dogma da Eucaristia: Duro é este discurso, quem
no pode ouvir? (João VI-61).

Isto vem confirmar precisamente o que disse Jesus neste capítulo e como
preparação à grande revelação que estava prestes a fazer, isto é, que a fé é um
dom de Deus; temos, portanto, que nos esforçar para consegui-lo: Ninguém pode
vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer (João VI-44). É claro que
estamos aqui diante de um grande mistério. Mas todo mistério, POR MAIOR QUE
SEJA, é sempre uma GRANDE REALIDADE nos lábios de Jesus.

Os protestantes querem compreender primeiro para depois acreditar, mas isto é


impossível, desde que se trata de um MISTÉRIO. Nesta ânsia de compreender, são
assaltados pelos maiores pensamentos de dúvida, por exemplo: como pode um
corpo, sendo corpo, multiplicar-se para tantas pessoas e estar naquela Hóstia
pequenina?

— Prezado amigo: sem milagre algum, dentro das próprias leis da natureza,
sabemos hoje de muitas coisas assombrosíssimas que, se tivessem sido ditas aos
antigos, teriam provocado exclamações como estas: Isto é absurdo; não posso
admitir isto; não, nesta não acredito! — e que no entanto são pura realidade.
Quer ver?

A ciência de hoje nos diz que o ÁTOMO, isto é, uma parte mínima de um corpo
qualquer, tão minúscula que não pode ser vista a olho nu, contém em si uma
quantidade imensa de partículas chamadas elétrons, todas em contínuo
movimento em torno de um núcleo. Dentro de um pequenino corpo do tamanho
de uma cabeça de alfinete giram e se agitam trilhões de eléctrons. Fosse Você
dizer isto aos antigos!

Vemos hoje, pelo rádio, não só o som das palavras proferidas pelos artistas e
locutores, mas também a sua VISÃO, a sua imagem se multiplicar para milhões de
ouvintes e de espectadores, na própria casa destes e todos receberem isto da
mesma forma, com a mesma perfeição. Fosse Você dizer aos antigos!

Se isto se produz tão naturalmente pelas simples forças da natureza, por que
então se julga impossível o PODER INFINITO DE JESUS (para a qual não há
impossível) tornar presente a substância de seu corpo numa Hóstia pequenina e
multiplicá-lo para que todos recebam a Sua graça? É claro que não estamos
dizendo que uma coisa é igual à outra; queremos apenas frisar o seguinte: como
é que diante do INCOMPREENSÍVEL podemos saber onde chega ou não chega o
absurdo? Para sabermos que não existe ali o absurdo, basta um atestado apenas:
A PALAVRA INFALÍVEL DE DEUS.

Na ânsia de compreender, os protestantes se põem a dizer: E a hóstia não se


corrompe quando a recebemos? E se se envenenar o vinho, o sangue de Cristo
vai envenenar o sacerdote? E mil outras considerações desta natureza.

— A substância que está ali é Cristo. Mas ficam os acidentes do pão e do vinho
como a cor, o gosto, o tamanho etc, fazendo materialmente os mesmos efeitos
que faria a substância do pão ou do vinho, se ali estivesse. Quando estes
acidentes se corrompem, ali não estão mais as APARÊNCIAS do pão ou do vinho,
cessa, portanto, a presença real de Jesus Cristo; fica na alma A SUA GRAÇA. Se o
vinho consagrado envenenasse o sacerdote, isto seria produzido por estes
acidentes. E é claro que se Cristo suspendesse a ação destes acidentes (dando,
por exemplo, à Hóstia ou ao vinho consagrado outro sabor) estaria fazendo
milagres visíveis a cada instante e isto tiraria o valor da nossa fé.

Agora falamos aos protestantes que admitem a divindade de Cristo e que são
unanimidade em muitas seitas reformadas.

Suponham Vocês que, ao apresentarem as passagens bíblicas, tão claras, em que


se prova que Jesus Cristo era Deus e era homem, uma pessoa se ponha a
embaraçar-se com mil pensamentos audaciosos e indiscretos: Como é que Deus
vai passar nove meses no ventre de uma mulher? Jesus comeu, foi sujeito,
portanto, a naturais necessidades do nosso organismo, não será indecente
imaginar-se isto de Deus? Jesus dormiu; como um Deus podia dormir? Jesus foi
surrado na sua Paixão, como é que Deus vai ser surrado pelas suas criaturas? E
assim por diante. Agora perguntamos: TEM FÉ a pessoa que assim se pega com
estas dúvidas por não querer admitir a divindade de Cristo? Cristo é Deus e
homem, isto é um mistério; a nossa razão não pode jamais penetrar este abismo
insondável. Mas a Bíblia o ensina e ela é infalível; cumpre-nos CRER e nada mais;
e aí é que está o merecimento da nossa fé.

Pois bem, o mesmo exatamente se dá com o protestante que, diante de palavras


tão claras da Bíblia que nos provam a PRESENÇA REAL de Jesus Cristo sob as
espécies do pão e do vinho, se põe a alimentar a dúvida no seu espírito com mil
pensamentos perturbadores. É justamente por isto, porque o protestante se recusa
a sujeitar humildemente a sua razão à exegese da Igreja, coluna e firmamento da
verdade (1ª Timóteo III-15), que há tantos protestantes que negam a divindade
de Cristo; que há no Protestantismo, ora nesta ou naquela seita, a negação de
tantos dogmas importantes da Revelação Cristã, como a Santíssima Trindade, o
inferno, a sobrenaturalidade da graça, a vontade que Deus tem de salvar a todos
etc.

A razão humana é falaz, irrequieta e imperfeita; levando o homem pelo livre


exame a sujeitar os ensinos da Bíblia às impressões de seu próprio entendimento,
o Protestantismo torna-se fatalmente o caminho para a negação e para a
descrença. E é por isto que o racionalismo, a indiferença religiosa e a
incredulidade tanto aumentaram no mundo, depois que apareceu a Reforma.

Mas voltemos ao comentário sobre o Capítulo 6º de S. João.

Diante daquelas duas dúvidas que assaltam os seus ouvintes: 1º — Como é que
Ele desceu do Céu, se é o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? (João
VI-42); 2º — Como pode Este dar-nos a comer a sua carne? (João VI-53), Jesus
vai dar duas explicações. Mas não vai deter-se em esclarecimentos muito longos.
Como nos dirá S. João quatro versículos mais adiante, Jesus conhecia bem o
coração dos seus ouvintes, sabia que muitos deles tinham má vontade, não
queriam crer; e com essa gente de má vontade é inútil perder tempo com longas
explicações. Ainda que o Mestre lhes falasse anos inteiros, não os convenceria,
pois, se os seus grandes milagres não os convenceram, que dirá suas palavras?

Versículos 62 e 63.

314. Porém Jesus, conhecendo em si mesmo que seus discípulos murmuravam


por isso, disse-lhes: Isto escandaliza-vos? Pois que será, se vós virdes subir o
Filho do Homem, onde Ele primeiro estava? (João VI-62 e 63). Esta explicação
responde a ambas as dúvidas.

Jesus era Deus, e sendo Deus sempre esteve nos Céus; com o prodígio da
Ascensão em que O verão subir ao reino de seu Eterno Pai, poderão os homens
mais facilmente saber que foi dos Céus que Ele desceu à terra. É a resposta à
primeira dúvida.

Subindo aos Céus, o que a nossa carne mortal não consegue fazer, Jesus
Subindo aos Céus, o que a nossa carne mortal não consegue fazer, Jesus
mostrará as maravilhas do seu corpo glorioso, o qual tem dotes especiais
surpreendentes que não tem o nosso corpo aqui na terra, e assim poderá também
multiplicar-se para nos servir de alimento. É a resposta à segunda dúvida, a qual
vai ter ainda outra explicação no versículo seguinte.

Versículo 64.

315. O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que
eu vos disse são espírito e vida (João VI-64).

Diante destas palavras, os protestantes que não querem acreditar que Jesus na
Eucaristia nos dá realmente a sua carne para comer, se põem a observar: Estão
vendo? Jesus mostra que não ia dar realmente sua carne, mas que estava falando
num sentido figurado, pois diz que a CARNE PARA NADA APROVEITA, e acrescenta
que suas palavras são espírito e vida, isto é, que devem ser tomadas num sentido
espiritual e simbólico.

— Mas é o caso de dizer: Meçam bem as palavras, vejam bem o que estão
dizendo, caros amigos protestantes. Então porque Jesus diz que A CARNE PARA
NADA APROVEITA, Vocês concluem daí que NÃO É DE SUA CARNE que Ele está
falando? Quer dizer então que A CARNE JESUS NÃO SERVE PARA NADA?

Mas isto é um absurdo e uma blasfêmia. A carne de Jesus serviu para muita
coisa, porque SERVIU para a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade operar a
nossa Redenção: E o Verbo se fez CARNE e habitou entre nós (João I-14).

Como se vê pelo contexto, igualmente como no versículo anterior, Jesus está


esclarecendo as dúvidas que assaltaram o espírito de seus ouvintes, dúvidas que
Ele conheceu em si mesmo, como vimos há pouco S. João dizer (João VI-62),
mas esclarecendo noutro sentido bem diverso daquele que imaginam os
protestantes. Os ouvintes, como é muito natural, como nós todos, se lá
estivéssemos também imaginaríamos diante daquelas palavras tão realistas do
Mestre, se puseram a imaginar Jesus retalhando a sua carne em pedaços para ser
fornecida a todos, como é fornecida a carne de boi nos açougues ou então
retalhando-se, após a sua morte, o seu cadáver para ser por todos comido.

Ora, Jesus faz ver que isto nada adiantaria: esta carne assim retalhada de seu
corpo em vida ou retirada de seu cadáver seria uma carne SEM O ESPÍRITO DE JESUS,
uma carne morta e isto não traria nenhuma vantagem, desde que se considerem
os ensinos do Mestre: seus ensinamentos são para O APERFEIÇOAMENTO DO
ESPÍRITO, sua doutrina é para nossa REGENERAÇÃO e PROGRESSO ESPIRITUAL, suas
palavras são ESPÍRITO E VIDA, e vida eterna, vida sobrenatural, vida da graça; e um
pedaço de carne do seu corpo que se comesse assim como se come um pedaço
de carne de boi ou de carneiro, serviria somente para um momentâneo proveito
do corpo e não para o ESPÍRITO; não serviria nunca para ser a comida que Ele
havia prometido: a comida que DURA ATÉ À VIDA ETERNA (João VI-27).

Ele está falando, ainda esta vez, da Santíssima Eucaristia, onde nos dá a sua
CARNE juntamente com sua ALMA e sua DIVINDADE. Isto, sim, é que vivifica a nossa
alma; é isto o que o Mestre quer: ESPÍRITO e VIDA, ou seja, o homem cada vez
mais espiritualizado e vivendo, quanto é possível, da própria vida de Deus:
Assim como o Pai, que é vivo, me enviou e eu vivo pelo Pai, assim o que me
come a mim, esse mesmo também VIVERÁ por mim (João VI-58).

Versículos 65 a 68.

316. Mas há alguns de vós outros que não creem. Porque bem sabia Jesus
desde o princípio quem eram os que não criam e quem O havia de entregar. E
dizia: Por isso eu vos tenho dito que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai
lhe não for concedido. Desde então se tornaram atrás muitos de seus discípulos
e já não andavam com Ele. Por isso disse Jesus aos doze: Quereis vós outros
também retirar-vos? (João VI-65 a 68).

Tudo isto vem confirmar o que dissemos no nº 301: Quando os judeus vieram
em busca de Jesus, exclusivamente à procura de vantagens materiais, o Redentor
que lia perfeitamente nos corações, sabia muito bem que a grande maioria
daqueles que O buscavam, aparentemente com tanto fervor, não tinham,
entretanto, A VERDADEIRA FÉ.

Advertiu-os claramente de que era preciso crer nEle, mas esta fé é um dom de
Deus, uma dádiva do nosso Pai Celeste (se alguém a não possui, peça a Deus
ardentemente) e para mostrar realmente que eles não tinham a crença verdadeira,
aproveitou a oportunidade para revelar um dos grandes mistérios da fé, ou seja, a
Eucaristia: Jesus dando sua própria carne para comer. E o resultado foi o que se
viu: acharam aquilo por demais assombroso; recusaram-se a acreditar. Mais
ainda: abandonaram o Divino Mestre, não quiseram mais andar com Ele. E
Jesus, sem se deter em longas explicações assim como quem diz: quem quiser
ser meu discípulo, tem que acreditar de qualquer maneira na minha palavra, por
mais espantoso que seja o que eu revelo, pois eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida, e meus milagres aí estão para demonstrá-lo, Jesus volta-se para seus
Apóstolos e pergunta: Quereis vós outros também retirar-vos? (João VI-68).

O que ninguém pode negar, o que salta aos olhos na leitura deste capítulo é que
aqueles muitos discípulos que Jesus perdeu para sempre, se retiraram por causa
de uma COISA ESPANTOSA, de uma coisa INCOMPREENSÍVEL que eles não quiseram
acreditar. Acaso poderão os protestantes negar isto?

Ora, segundo dizem os protestantes, Jesus falou em sentido figurado: comer a


carne de Jesus, beber o seu sangue quer dizer crer em Jesus (?!). E, segundo os
protestantes, crer em Jesus vem a ser isto: ter confiança de que Jesus nos salva,
convencer-nos de que, sendo Jesus nosso Salvador, a nossa salvação está
garantida.

Mas isto é o que há de mais suave e mais fácil! Para acreditar que existe um
inferno eterno para os maus, ainda há quem faça muita dificuldade; mas ter
confiança de que se vai para o Céu, isto é uma coisa que se tem muito
facilmente. É tão fácil, que há muita gente que tem esta confiança sem estar
absolutamente no caso de possuí-la, como são muitos pecadores que não se
arrependem sinceramente, não querem seriamente abandonar os seus pecados e
no entanto alimentam no seu espírito uma presunção de se salvar sem
merecimento, querendo à fina força apoiar-se na misericórdia de Deus, quando
Deus nunca prometeu salvar o pecador que não esteja sinceramente contrito e
arrependido. Ter confiança de que se vai para o Céu porque Cristo é nosso
Salvador e sofreu por nós é o que há de mais agradável e consolador.

De modo que, segundo a interpretação protestante, Cristo disse apenas isto: que
era preciso crer, isto é, confiar nEle como em nosso Salvador, para se ganhar a
vida eterna. Mas apresentou esta ideia de fé oculta misteriosamente numa
metáfora: em lugar de falar em CRER, falou em COMER A CARNE DE CRISTO, BEBER O
SANGUE DE CRISTO. Então os judeus ali presentes fizeram um bicho de sete
cabeças, pensando que Cristo estava falando realmente em comer-se sua própria
carne, beber-se o seu próprio sangue. Acharam que isto era demais, era muito
duro de se acreditar: Duro é este discurso, e quem no pode ouvir? (João VI-61).
Resolveram então afastar-se completamente de Jesus, não segui-Lo mais. E
Jesus SEM MAIS NEM MENOS OS DEIXOU IR EMBORA e, voltando-se para os Apóstolos,
perguntou se eles não queriam ir também.

Mas isto é simplesmente inconcebível. Cristo é o Mestre que veio ensinar a


todos. E neste mesmo capítulo disse claramente ter chegado o tempo em que
serão todos ensinados de Deus (João VI-45). É claro que o interesse de todo
profeta, de todo pregador da verdade é atrair a si os homens, e nunca afastá-los
de si, máxime tratando-se de Jesus que era Deus, e, sendo assim, era
INFINITAMENTE BOM, e portanto queria salvar a todos. Como se concebe então, que
Jesus, que tantas vezes no Evangelho (inclusive neste 6º capítulo de S. João)
falou tão claramente em CRER nEle para alcançar a vida eterna, substituísse de
uma hora para outra esta palavra CRER por uma metáfora incompreensível, isto é,
COMER A SUA CARNE E BEBER O SEU SANGUE, afastando de si desta maneira tão
numerosos discípulos?

É mais do que evidente que, se fosse como dizem os protestantes, o Mestre não
permitiria que eles se apartassem: Não, meus amigos, não estou falando em dar
minha carne realmente para comer; estou apenas fazendo uma comparação;
estou dizendo somente que CREIAM em mim, e crer em mim é o que há de mais
simples: é confiar na salvação. A não ser que Cristo fosse um homem tão mau,
tão perverso que resolvesse de propósito apresentar a ideia de CRER que seria no
caso uma ideia muito simples, sob a metáfora indecifrável de COMER A SUA CARNE
E BEBER O SEU SANGUE, somente para fazer uma confusão tremenda na cabeça
daqueles discípulos e assim afastá-los definitivamente do seu rebanho. Mas esta
hipótese é uma verdadeira aberração contra tudo o que sabemos a respeito da
Sabedoria, da Bondade, da Misericórdia, do Espírito de Justiça de Jesus.
Nenhum homem em perfeito juízo faria isto; muito menos o Salvador do mundo.

Vê-se claramente que as coisas se passaram de modo bem diverso. Cristo falou
abertamente em que se havia de COMER A SUA CARNE E BEBER O SEU SANGUE. Não
era exatamente da mesma forma como eles pensavam no seu modo grosseiro de
interpretar o que ouviam. Mas Cristo viu que, ainda mesmo que explicasse o
MODO como havia de dar a sua carne e o seu sangue (isto é, multiplicando a sua
presença na Hóstia e no Cálice Consagrado), eles haveriam de continuar da
mesma forma recusando-se a acreditar, tal qual como acontece com os
protestantes de hoje que, após 2.000 anos de pregação do mistério eucarístico,
após ver o exemplo desse número incalculável de membros da Igreja Católica
que em todas as épocas da História, têm humildemente curvado a sua razão
diante deste grande MISTÉRIO DE FÉ, apesar de terem nas mãos a Bíblia, que, como
vimos e ainda veremos, fala sobre este assunto em linguagem tão clara, apesar
de tudo isto, ainda se recusam a acreditar na presença real de Jesus Cristo na
Eucaristia. Cristo viu que era inútil dar-lhes mais explicações porque na sua
ciência infinita sabia desde o princípio quem eram os que não criam (João VI-
65).

Por isso limitou-se a dar uma explicação ligeira, fazendo-lhes ver que a carne de
que ali lhes falava era uma carne vivificada pelo seu espírito, unida à sua
Divindade.

Não se tratava, com efeito, de COMPREENDER uma coisa, como o aluno na aula
pergunta ao professor o que não entendeu, e o professor tem obrigação de
explicar tintim por tintim. Tratava-se de ACREDITAR NO QUE É INCOMPREENSÍVEL
(incompreensível, isto é, para nós, diante da nossa limitada e fraca inteligência,
pois a verdade do mistério é em si luminosa e inteligível e Deus a compreende
perfeitamente, na sua ciência infinita) e aí é que está precisamente o grande
mérito da nossa fé. E Cristo tinha o direito de exigir que se cresse no que Ele
dizia, uma vez que com inúmeros milagres Ele provara realmente que era Deus,
como dizia de si mesmo. Se aqueles judeus não queriam acreditar, era porque o
Seu coração estava cheio de má vontade e assim não podiam receber do Pai
Celestial o dom da fé. Por isto Jesus os deixou ir embora.

Versículos 69 e 70.

317. Finalmente termina o capítulo com a belíssima profissão de fé, proferida


pelo Apóstolo S. Pedro.

E respondeu-Lhe Simão Pedro: Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens
palavras de vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, Filho
de Deus (João VI-69 e 70).

O texto grego traz assim: tu és o Santo de Deus.

Diante da pergunta do Mestre sobre se querem também retirar-se, estão os


Apóstolos num desses momentos que decidem para toda a vida. E S. Pedro, seu
chefe, fala em nome de todos eles: ficarão todos com Jesus, porque Jesus é quem
tem palavras de vida eterna, isto é, palavras que vivificam e vivificam
eternamente, se a isto não pusermos obstáculos, palavras que nos prometem e
realmente nos dão a vida eterna, se a elas nos conservarmos fiéis.

E falando em nome dos Apóstolos, S. Pedro dá também um grande exemplo a


toda a Igreja, da qual seria o primeiro chefe. Diante das palavras do Mestre,
ainda mesmo que elas nos ensinem o que há de mais incompreensível e
impenetrável, a nossa atitude de verdadeiros cristãos há de ser esta: aceitar
reverentemente o que Ele nos diz. Não vemos, não compreendemos, não somos
capazes de imaginar; mas Jesus afirmou a sua presença real na Santíssima
Eucaristia e é quanto nos basta.
A Instituição
Ceia legal e Ceia Eucarística.

318. Os judeus, gemendo sob a escravidão do Egito, não achavam meio de


libertar-se, porque o rei Faraó se obstinava em não querer autorizar a sua partida.
Muitas pragas tremendas já haviam caído sobre os egípcios, porém debalde. O
remédio decisivo foi, então, a matança dos primogênitos, na PASSAGEM do anjo
exterminador.

Para que os judeus, porém, não fossem envolvidos com os egípcios nesta terrível
punição divina, deveriam imolar um cordeiro e tingir com o sangue as portas de
suas casas. Tudo isto era figura da Redenção operada por Jesus Cristo, Cordeiro
Imaculado, que havia de libertar o mundo da escravidão do demônio, remindo
com o seu sangue a Humanidade inteira.

Mas o cordeiro, cujo sangue havia de salvar os judeus, devia também SER COMIDO
por eles, numa ceia que obedecia a um rito estabelecido por Deus. Era assim
mais uma vez a figura do Cordeiro Imaculado, Jesus, que não só nos havia de
remir, mas também nos devia servir de alimento espiritual na Santíssima
Eucaristia.

Eis aqui as determinações dadas por Deus no Egito, falando a Moisés e a Arão:
Falai a todo o ajuntamento dos filhos de Israel e dizei-lhes: Ao décimo dia deste
mês cada um tome um cordeiro para a sua família e casa... Este cordeiro será
sem defeito, será macho e será dum ano. Podereis também tomar um cabrito que
tenha as mesmas qualidades. E o guardareis até o dia quatorze deste mês, e todo
a multidão dos filhos de Israel o imolará à tarde; e tomarão do seu sangue e pô-
lo-ão sobre as duas umbreiras e sobre a verga das portas das casas onde eles o
hão de comer; e esta mesma noite comerão eles a carne do cordeiro assada no
fogo e pães asmos com alfaces bravas... Eis aqui, porém, como o haveis de
comer: cingireis os vossos rins, e tereis sapatos nos pés e bordões nas mãos, e
comereis à pressa, porque é a Páscoa, isto é, a Passagem do Senhor (Êxodo
XII-3, 5 a 8, 11).

Fazendo esta determinação, Deus mandou também que todos os anos


festejassem os judeus aquele acontecimento, e assim na grande festa da PÁSCOA
celebravam a sua ceia, comendo o cordeiro no mesmo estilo em que o haviam
comido os judeus de outrora: Este dia será para vós um dia memorável e vós o
celebrareis de geração em geração com um culto perpétuo, como uma festa
solene em honra do Senhor (Êxodo XII-14).

A festa durava sete dias, em que não se comia pão fermentado, porém pão
ázimo: Comereis pães asmos sete dias; desde o primeiro dia não se achará
fermento em vossas casas (Êxodo XII-15).

A estas prescrições do Êxodo, a tradição judaica ajuntou um certo ritual pelo


qual se celebrava a Ceia da Páscoa.

Como podemos nós saber o rito que se empregava no tempo em que Nosso
Senhor celebrou a Páscoa com seus discípulos?

Sabemos, porque este rito é descrito no livro dos judeus chamado Mischna.
Mischna é a parte principal do Talmud. Uma vez destruído o templo de
Jerusalém, vendo os judeus que haviam desaparecido como nação, sentiram a
necessidade de recolher num livro as suas tradições. E assim aparece o Mischna
em meados do século segundo, consignando por escrito aquelas velhas sentenças
e usos judaicos que se transmitiam de pais a filhos.

O Mischna, entre os seus 63 capítulos, traz um (que é precisamente o 14º)


intitulado Pesachim, que descreve o modo de celebrar-se a Ceia Legal, a Ceia da
Páscoa. Segundo a descrição do Mischna, reuniam-se ao cair da noite, todos os
membros da família, cujo número variava entre 10 a 20 pessoas, e a cerimônia
era presidida pelo chefe da casa, observando-se o seguinte ritual:

1º — O chefe da família tomava um copo de vinho misturado com pouco d’água,


rendia graças com estas palavras: BENDITO SEJA O SENHOR QUE CRIOU O FRUTO DA
VINHA. E distribuía o vinho com os presentes.

2º — Vinha então a bacia com água e a toalha para se fazer a purificação das
mãos, como costumavam fazer os judeus nas suas refeições.

3º — Punha-se a mesa, onde estavam os diversos alimentos:

a carne assada do cordeiro para rememorar o cordeiro imolado que no Egito


livrara os judeus da exterminação dos primogênitos;
livrara os judeus da exterminação dos primogênitos;

ervas amargas, para relembrar as amarguras que no Egito haviam passado;

o pão sem fermento ou pão ázimo, sem fermento para indicar simbolicamente a
pressa com que tinham saído do Egito, sem ter nem ao menos o tempo de
fermentar o pão;

o charoseth, que era uma salada de diversas frutas, como maçãs, figos, limões
cozinhados no vinagre.

4º — Distribuía-se um segundo copo de vinho; e o mais moço dos convivas


pedia ao chefe da família a explicação destes ritos. Este levantava, aos olhos de
todos, os alimentos e explicava em tom solene a sua significação, terminando
com estas palavras: “É por estes prodígios que havemos de louvar e exaltar
Aquele que mudou nossas lágrimas em alegria, nossas trevas em luz; é a Ele só
que havemos de cantar: Aleluia!” Cantavam então todos o salmo 112 e a
primeira parte do salmo 113. O salmo 112 começa assim: Aleluia. Louvai, ó
meninos, ao Senhor; louvai o nome do Senhor. Seja bendito o nome do Senhor
desde agora para sempre. Desde o nascimento do sol até o seu ocaso é digno de
louvor o nome do Senhor (Salmos CXII-1 a 3). E assim por diante. No meio
destes cânticos bebiam o vinho que havia sido distribuído.

5º — O chefe da família tomava o pão ázimo, o partia, benzia e distribuía. Para


que todos se lembrassem que era um pão de penúria, comia-se apenas um pedaço
misturado com as ervas amargas e ensopado no charoseth. E aqui se explica,
digamos entre parêntesis, aquela palavra de Jesus, a respeito de Judas: É aquele
a quem eu der o PÃO MOLHADO (João XIII-26).

6º — Comia-se depois o cordeiro, que era repartido para todos, devendo


desaparecer por inteiro.

7º — O chefe da família distribuía então um terceiro copo, o CÁLIX DA BÊNÇÃO,


depois do qual, cantavam novamente, continuando com a 2ª parte do salmo 113:
Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá a glória, para fazeres
resplendecer a tua misericórdia e a tua verdade, para que nunca digam as
nações: Onde está o seu Deus? (Salmos CXIII — 2ª parte — vers. 1 e 2) etc,
continuando com os salmos 114 e 115 e terminando com o Salmo 116: Aleluia.
Louvai, todas as gentes, ao Senhor; louvai-O todos os povos; porque sobre nós
foi confirmada a sua misericórdia, e a verdade do Senhor permanece
eternamente (Salmos CXVI).

É uma alusão a este hino final que fazem S. Mateus e S. Marcos, quando dizem
que Jesus e seus Apóstolos CANTADO O HINO saíram para o monte das Oliveiras
(Mateus XXVI-30; Marcos XIV-26).

Estava traçado pela Providência que Cristo fosse imolado para nossa Redenção,
precisamente no tempo em que os judeus celebravam a sua Páscoa. Assim se
ajuntavam o símbolo e a realidade. Naquela festa em que os judeus, como todos
os anos, IMOLAVAM o cordeiro, que era uma figura da imolação de Cristo para
salvação da nossa alma, naquela mesma festa se daria a morte do Salvador.

E como a ceia anual do cordeiro era também uma figura da ceia eucarística,
Jesus reúne numa só ocasião as 2 coisas: faz ali no Cenáculo a ÚLTIMA CEIA
LEGAL, cumprindo a Lei Antiga juntamente com seus discípulos (era a Velha
Aliança que chegava ao seu fim) e celebra também A PRIMEIRA CEIA EUCARÍSTICA,
dando início ao Novo Testamento, o qual é selado não com sangue de novilhos,
como fora o Antigo (Êxodo XXIV-8), mas com o próprio sangue do Redentor.

Enquanto S. Mateus e S. Marcos se põem logo diretamente a descrever a


consagração do pão e do vinho, S. Lucas é o único Evangelista que se detém um
pouco mais a descrever algumas passagens da ceia judaica. Assim é ele o único a
falar na primeira distribuição do vinho que o chefe da família benzia (dizendo,
como vimos, aquelas palavras: Bendito seja o Senhor que criou o fruto da
vinha):

E chegada que foi a hora, pôs-se Jesus à mesa e com ele os doze Apóstolos e
disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa antes da
minha Paixão, porque vos declaro que a não tornarei mais a comer até que ela
se cumpra no reino de Deus. E depois de TOMAR O CÁLIX, DEU GRAÇAS e disse:
TOMAI-O E DISTRIBUÍ-O ENTRE VÓS; porque vos declaro que não tornarei a beber do
fruto da vide, enquanto não chegar o reino de Deus (Lucas XXII-14 a 18).

Em seguida é que passa a descrever a consagração do pão:

Também depois de tomar o pão deu graças e partiu-o e deu-lho, dizendo: Este é
o meu corpo que se dá por vós: fazei isto em memória de mim (Lucas XXII-19).

E finalmente descreve a consagração do vinho, mas com o cuidado de


acrescentar que Jesus distribuiu o vinho consagrado DEPOIS DE CEAR, isto é, depois
que comeu do cordeiro pascoal:

Tomou também da mesma sorte o cálix, DEPOIS DE CEAR, dizendo: Este cálix é o
novo testamento em meu sangue, que será derramado por vós (Lucas XXII-20).

Este ou Isto?

319. Uma vez que tanto no grego como no latim é neutro o termo
correspondente à palavra portuguesa CORPO (grego TO SÓMA; latim CORPUS), a
frase pode ser traduzida em português de duas formas:

Este é o meu corpo;


Isto é o meu corpo.

Pe Antônio Pereira de Figueiredo, como acabamos de ver, e a versão da


Sociedade Bíblica do Brasil trazem a primeira forma. Ferreira de Almeida,
Pe Matos Soares e Mons. José Basílio Pereira trazem a segunda.

Mas isto em nada altera o sentido. Tanto faz alguém tomar um livro e apresentar
aos outros dizendo: Esta é a Bíblia, como fazê-lo dizendo: Isto é a Bíblia. Todos
entendem perfeitamente que se trata aí do livro sagrado.

A clareza e simplicidade das narrativas.

320. A mesma narrativa que faz S. Lucas da ceia eucarística, fazem também
S. Mateus, S. Marcos e S. Paulo. O único Evangelista que não a refere é S. João,
o qual em compensação traz, no seu capítulo 6º por nós há pouco estudado as
palavras de Jesus em que prometeu a Eucaristia. Tudo isto demonstra a
importância máxima que dão os autores sagrados ao mistério eucarístico; e
embora haja pequena diferença de palavras, todos são firmes e categóricos em
apresentá-lo como SENDO realmente O CORPO e O SANGUE de Jesus Cristo.

S. MATEUS CAP. XXVI


26 Estando eles, porém, ceando, tomou Jesus o pão e o benzeu, e partiu-o e
deu-o a seus discípulos e disse: Tomai e comei; ESTE É O MEU CORPO.
27 E tomando o cálix, deu graças e deu-lho dizendo: Bebei dele todos;
28 Porque ESTE É O MEU SANGUE do novo testamento, QUE SERÁ DERRAMADO POR

MUITOS, para remissão dos pecados.

S. MARCOS CAP. XIV


22 E quando eles estavam comendo, tomou Jesus o pão; e, depois de o

benzer, partiu-o e deu-lho, e disse: Tomai, ESTE É O MEU CORPO.


23 E tendo tomado o cálix, depois que deu graças, lho deu; e todos beberam

dele.
24 E Jesus lhes disse: ESTE É O MEU SANGUE do novo testamento, QUE SERÁ

DERRAMADO POR MUITOS.

S. LUCAS CAP. XXII


19 Também depois de tomar o pão deu graças e partiu-o e deu-lho, dizendo:

ESTE É O MEU CORPO QUE SE DÁ POR VÓS; fazei isto em memória de mim.
20 Tomou também da mesma sorte o cálix, depois de cear, dizendo: ESTE

CÁLIX é o novo testamento EM MEU SANGUE, QUE SERÁ DERRAMADO POR VÓS.

1ª CORÍNTIOS CAP. XI
23 ... O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão.
24 E dando graças, o partiu e disse: Recebei e comei: ESTE É O MEU CORPO

QUE SERÁ ENTREGUE POR AMOR DE VÓS; fazei isto em memória de mim.
25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálix,

dizendo: ESTE CÁLIX é o novo testamento NO MEU SANGUE; fazei isto em


memória de mim, todas as vezes que o beberdes.

Se Cristo quis fazer realmente a transubstanciação como a Igreja ensina, isto é,


mudar a substância do pão na substância do próprio corpo, e a do vinho no seu
próprio sangue, Ele não podia ter usado de palavras mais simples, nem mais
claras, nem mais categóricas para exprimi-lo, do que, ao tomar o pão, dizer: Isto
é o meu corpo — ou — Este é o meu corpo, o que vem a dar na mesma coisa; e
depois, ao apanhar o cálice com o vinho, dizer: Este é o meu sangue do Novo
Testamento, que será derramado por muitos (Mateus XXVI-28; Marcos XIV-
24). S. Lucas e S. Paulo trazem uma variante que em nada modifica o sentido:
Este cálix é o novo testamento EM MEU SANGUE (Lucas XXII-20; 1ª Coríntios XI-
25).

Ao contrário, se Jesus quis dizer apenas, como ensinam a maioria dos


protestantes, que aquele pão simbolizava o seu corpo, aquele vinho representava
o seu sangue, não podia ter usado de palavras mais infelizes, nem mais
impróprias. Sim, porque neste caso estaria na obrigação de dizer:

Isto representa o meu corpo; isto representa o meu sangue;

ou Isto simboliza o meu corpo; isto simboliza o meu sangue;

ou, pelo menos, Este pão é o meu corpo; este vinho é o meu sangue.

Mas não foi assim que Ele falou. O Cardeal Wiseman, protestante convertido ao
Catolicismo, provou que na língua que Nosso Senhor falou, o aramaico, da
mesma família da siríaca, Ele dispunha de QUARENTA maneiras diversas para
dizer que aquilo era apenas um sinal ou figura ou representação ou símbolo do
seu corpo. (Horae syriacae. Roma 1828. 3 segs).

E por que estaria Ele na obrigação de dizer claramente: Isto representa o meu
corpo — ou coisa semelhante, se fosse esta a sua intenção?

— Primeiro que tudo, estava diante de homens rudes e ignorantes, cuja tendência
era por si para tomar as palavras sempre EM SENTIDO LITERAL, mesmo quando o
Mestre falava em sentido metafórico. Já tivemos ocasião de ver (nº 306) o caso
do fermento dos fariseus e dos saduceus (Mateus XVI-6); a expressão: Nosso
amigo Lázaro DORME; mas vou despertá-lo do sono (João XI-11).

Além disto, os Apóstolos não estavam diante de um homem qualquer mas do


próprio Filho de Deus, o qual eles tinham visto fazer os maiores milagres, como
por exemplo, a multiplicação dos pães no deserto, o andar sobre as águas do
mar, a ressurreição da filha de Jairo, do filho da viúva e a de Lázaro etc, etc. A
estes homens, que eram os que mais criam no poder do Mestre, ou pelo menos,
os que mais de perto viviam acompanhando e vendo seus grandes prodígios,
Nosso Senhor sempre reclamava que a fé que eles tinham ainda era pouca: Por
que temeis, homens de POUCA FÉ? (Mateus VIII-26); Homem de POUCA FÉ, por que
duvidaste? (Mateus XIV-31); Homens de POUCA FÉ, por que estais considerando
lá convosco que não tendes pão? (Mateus XVI-8).
Se fosse um simples homem que tomasse um pedaço de pão e dissesse: Isto é o
meu corpo — todo o mundo tomaria isto como uma pilhéria, como uma mentira
dita apenas para fazer graça, porque todos estão vendo que um pedaço de pão
não poderia nunca ser a figura ou a representação de seu corpo.

Com Jesus o caso era diferente, não só porque Jesus nunca disse pilhérias, mas
também porque Ele era Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, cujo
poder é infinito e que, segundo a feliz expressão de S. Agostinho, “pode fazer
muito mais coisas do que as que o homem pode compreender”.

Os Apóstolos não sentiram nenhum espanto, não esboçaram nenhum gesto de


incredulidade diante do que estavam vendo e que era, na realidade, assombroso,
porque já andavam esperando esta grande maravilha. Como acabamos de ver no
Capítulo 6º de S. João, o Mestre já lhes dissera abertamente, claramente (tão
claramente que muitos discípulos se aborreceram com isto e não quiseram mais
segui-Lo) que DARIA A SUA PRÓPRIA CARNE PARA COMER E O SEU PRÓPRIO SANGUE PARA
BEBER (João VI-54 a 58). Em vez de ficarem estupefactos e sem ação diante do
que o Divino Mestre acabara de realizar, estão os Apóstolos, ao contrário, com a
solução do enigma que os poderia vir preocupando; agora, sim, já sabem DE QUE
MANEIRA poderão comer a carne e beber o sangue de Jesus; é em virtude do poder
infinito do Salvador que chega ao ponto de mudar o pão comum no seu próprio
corpo, e o vinho no seu próprio sangue.

E as palavras de Jesus são de um realismo que não deixa margem a nenhuma


dúvida: ESTE É O MEU CORPO QUE SERÁ ENTREGUE POR VÓS (1ª Coríntios XI-24). ESTE
É O MEU SANGUE DO NOVO TESTAMENTO, QUE SERÁ DERRAMADO POR MUITOS PARA REMISSÃO
DOS PECADOS (Mateus XXVI-28).

Falando desta maneira, Ele não só mostrou a relação íntima que há entre a
Eucaristia e o sacrifício do Calvário, mas também quis impedir toda e qualquer
possibilidade de sofisma, de cavilação a respeito de que sentido Ele estaria
dando a estas palavras O MEU CORPO, O MEU SANGUE. Quando Cristo diz O MEU
CORPO, refere-se a seu corpo DE VERDADE: aquele mesmo que será entregue por
nós. Quando diz O MEU SANGUE, refere-se realmente ao seu próprio sangue, que
será derramado para remissão de nossas culpas.

E é preciso notar que Ele nos deixou a Eucaristia em testamento, às vésperas de


sua morte: Este cálix é o NOVO TESTAMENTO em meu sangue, que será derramado
por vós (Lucas XXII-20). S. Paulo na Epístola aos Hebreus, depois de chamar a
Cristo mediador dum novo testamento (Hebreus IX-15) diz: onde há um
testamento, é necessário que intervenha a morte do testador (Hebreus IX-16).

Ora, num testamento devem-se empregar palavras claras e simples, não há lugar
para metáforas insólitas e incompreensíveis; sua linguagem deve ser límpida,
singela e insofismável.

E daí se vê o grande contraste entre a fé católica e a cavilação protestante, como


tantas vezes já tem sido apontado.

Cristo disse: ISTO É O MEU CORPO. Os católicos dizem: Creio que ISTO É O CORPO DE
CRISTO. Os protestantes dizem: Creio que ISTO REPRESENTA O CORPO DE CRISTO.

Cristo disse: ISTO É O MEU SANGUE. Os católicos dizem: Creio que ISTO É O SANGUE
DE CRISTO. Os protestantes dizem: Creio que ISTO REPRESENTA O SANGUE DE CRISTO.

Quem é que está com a razão?

Cristo falou medindo toda a sua responsabilidade.

321. Tão claras, tão decisivas, tão categóricas são as palavras de Jesus, que não
somente a Igreja Católica jamais teve dúvidas sobre a presença real dEle mesmo
na Eucaristia, mas também se passaram mil anos sem que entre os CRISTÃOS,
incluídos neste número os próprios hereges, surgisse pessoa alguma que ousasse
negar diretamente este dogma. Não há dúvida que, desde o seu começo a Igreja
foi perseguida pelas heresias, que procuravam dar interpretações errôneas às
passagens das Escrituras. Isto é velho, é constante e sempre será assim na
história da Igreja. Pois bem, até o século XI, apareciam hereges que negavam a
Eucaristia só indiretamente, como por exemplo os docetas que não admitiam que
Cristo tivesse tido em vida um CORPO REAL e diziam que Ele tivera somente uma
aparência de corpo. Como consequência desta doutrina, não podiam também
admitir que na Hóstia Consagrada estivesse realmente o corpo de Jesus; a razão
era muito simples: eles eram de opinião que este corpo nunca existira. Por isto
diz S. Inácio Mártir (escritor e S. Padre, note-se bem, CONTEMPORÂNEO DOS
APÓSTOLOS), falando a respeito dos docetas: “Eles se abstêm da Eucaristia e da
oração, porque não reconhecem que a Eucaristia É A CARNE de nosso Salvador
Jesus Cristo, A QUAL PADECEU POR NOSSOS PECADOS e A QUAL O PAI RESSUSCITOU na
sua benignidade” (Epístola aos Esmirnenses 7, 1).

Os Arianos, negando a divindade de Cristo, era natural que não vissem na Hóstia
o seu Deus, como viam os católicos.

Mas hereges que diretamente se negassem a crer na presença de Jesus na


Eucaristia, isto só veio a aparecer depois de muitos séculos.

No século IX aparece um escritor Escoto Erígena, amigo de novidades, que fala


sobre a Eucaristia de uma maneira verdadeiramente confusa, de modo que nunca
se veio a saber o seu verdadeiro pensamento e por isto mesmo não faz escola.

Só no século XI aparece Berengário negando a doutrina católica sobre a


Eucaristia, mas este mesmo findou retratando-se.

No século XII é que aparecem os Petrobrussianos ensinando que Cristo


realmente deu o seu corpo e o seu sangue na Última Ceia, mas negando que os
sacerdotes tivessem o poder de consagrar; e no século XIII aparecem os
Valdenses e Albigenses negando a presença real. Na esteira destes Valdenses e
Albigenses seguiram os protestantes no século XVI, sendo que o seu fundador
Martinho Lutero admitia a presença real, porque achava o texto do Evangelho
muito majestoso, como ele diz na sua Epístola aos cristãos de Estrasburgo [48],
embora queira Lutero explicar esta presença de modo diverso da Igreja Católica,
não por transubstanciação, mas por consubstanciação. E entre os protestantes,
como já vimos (nº 325), é grande a diversidade de opiniões sobre esta matéria,
havendo até quem aceite totalmente a doutrina católica sobre este ponto, como
se dá entre os Ritualistas.

Ora, estamos diante de 4 fatos que não se podem contestar:

1º — Jesus, sendo Deus, tinha completo e perfeito conhecimento de tudo o que


ia acontecer para o futuro;

2º — Ele prometeu claramente que as portas do inferno NÃO PREVALECERIAM


CONTRA A SUA IGREJA;

3º — a Igreja Católica inteira em peso, desde o tempo dos Apóstolos sempre


creu e crê ainda hoje, e também creram, durante muitos séculos, até os próprios
hereges na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, CONFIADOS TODOS, a Santa
Igreja e os próprios cristãos dela separados, nas palavras do Mestre que disse:
Isto É o meu corpo, Isto É o meu sangue;

4º — se não é verdade esta presença real, então durante muitos séculos todos os
cristãos caíram na idolatria, adorando a Hóstia Consagrada.

Que se conclui daí?

Que, se Cristo queria dizer somente: Isto representa o meu corpo; Ele que previa
o futuro estava na obrigação de dizer: Isto representa o meu corpo, ou qualquer
outra expressão que significasse ser aquilo apenas um símbolo, para evitar que A
SUA IGREJA, para evitar que os CRISTÃOS em peso caíssem na idolatria, pois é claro
que, se Jesus veio fundar uma Religião, não foi para que ela continuasse a fazer
exatamente o que fazia o paganismo, sendo a idolatria tão abominável aos olhos
de Deus.

Mas o que Ele disse foi da maneira mais categórica: Isto É o meu corpo; Isto É o
meu sangue.

E Cristo não era homem que falasse sem medir toda a responsabilidade de suas
palavras.

Notas (pular)

[48] Diz aí Lutero: “Confesso que o Dr. Karlstadt ou qualquer outro me teria prestado um grande serviço,
se, há cinco anos, tivesse provado que no Sacramento só havia pão e vinho. Naquela ocasião tive grandes
vexames e eu lutei e torci por encontrar uma saída, pois vi que com isso podia dar o maior golpe contra o
Papado. Também havia dois que eram mais hábeis do que o Dr. Karlstadt e que não martirizavam tanto as
palavras segundo seu próprio parecer. Mas estou preso, não encontro saída. O texto é tão majestoso que
com palavras não se deixa tirar da mente” (De Wette II-576 e segs.). (voltar)

Sentido literal e sentido metafórico.

322. Vamos ver agora como é que os protestantes negadores da presença real se
portam diante das palavras tão claras do Divino Mestre.

Dizem eles:

Muitas e muitas vezes na Bíblia se emprega o verbo SER em frases que são
tomadas em sentido figurado: Eu SOU a videira: vós outros, as varas (João XV-
5). Eu SOU o caminho (João XIV-6). Eu SOU a luz do mundo (João VIII-12). Eu
SOU a porta das ovelhas (João X-7). Vós SOIS o sal da terra (Mateus V-13). Eis
ali o cordeiro de Deus (João I-36). Jesus chamou a Herodes de raposa (Lucas
XIII-32). S. Paulo disse que Cristo é a cabeça de toda a Igreja (Efésios V-23) e
disse aos Coríntios: Os vossos membros SÃO templo do Espírito Santo (1ª
Coríntios VI-19). No Apocalipse se põem nos lábios de Cristo estas palavras: Eu
SOU o alfa e o omega (Apocalipse XXII-13) e também se diz dEle: Eis aqui o
leão da tribo de Judá (Apocalipse V-5). E assim por diante.

Quer isto dizer que Jesus é fisicamente uma videira, um caminho, uma luz, uma
porta, um cordeiro, uma cabeça, duas letras do alfabeto ou um leão? Quer dizer
que sejamos materialmente luz, sal, templo? ou que Herodes tenha sido no
sentido próprio uma raposa? Não. Pois é o que se dá com as palavras da Ceia;
elas devem ser tomadas em sentido figurado.

— Há nesta argumentação um verdadeiro TRUQUE. Todas estas frases e uma


infinidade de outras que igualmente se pudessem alegar (pois é comum chamar-
se aos homens de rato, lesma, gavião, tigre, burro, timbu etc.) nada têm que ver
com o caso. Pois o que é que querem provar os protestantes? Simplesmente isto:
que nas frases: Isto É o meu corpo, isto É o meu sangue — o verbo SER tem o
significado de REPRESENTAR, SIMBOLIZAR; e portanto as palavras do Mestre querem
dizer: Isto REPRESENTA (ou SIMBOLIZA) o meu corpo; isto REPRESENTA (ou
SIMBOLIZA) o meu sangue.

Ora, em todas as frases acima citadas, o verbo ser conserva o seu verdadeiro
significado, exprimindo uma afirmação segura, uma realidade. Jesus não diz que
Ele representa ou simboliza o caminho, mas que É realmente o caminho. Afirma
que É na realidade para nós o que é a videira para os seus ramos. Ele É realmente
a luz que espanca as trevas, o cordeiro imolado por nós, a cabeça donde parte a
vida para a Igreja, o princípio e o fim de todas as coisas, o leão pela sua
fortaleza. Os seus discípulos não irão simbolizar ou representar, serão realmente
para o mundo o que o sal é para a comida que está sujeita a apodrecer. E
Herodes não simbolizava ou representava apenas uma raposa, ERA realmente
uma raposa pela sua astúcia. O que acontece nestas frases é que o sentido
figurado não está no verbo SER (isto é, SER = SIMBOLIZAR, REPRESENTAR); o sentido
figurado está na palavra que se segue ao verbo SER. Jesus é o caminho, a porta,
porque só se pode ir por Ele. É a luz pela sua doutrina, é o cordeiro pela sua
mansidão etc, etc.

Para se argumentar com estas frases, o que é preciso provar agora é que nas
afirmações de Jesus: Isto É o meu CORPO; isto É o meu SANGUE; estas palavras O
MEU CORPO, O MEU SANGUE são tomadas em sentido figurado; aí, sim, haverá a
semelhança com as frases citadas na argumentação.

Mas acontece que Jesus FECHOU COMPLETAMENTE o caminho para este sentido
figurado. As palavras O MEU CORPO, O MEU SANGUE só podem ser tomadas em
sentido próprio, pois Ele mesmo se encarregou de dizer claramente: Este é O MEU
CORPO que SERÁ ENTREGUE POR AMOR DE VÓS (1ª Coríntios XI-24). Este é O MEU
SANGUE do novo testamento QUE SERÁ DERRAMADO POR MUITOS PARA REMISSÃO DOS
PECADOS (Mateus XXVI-28). Ora, não foi pão, foi o seu próprio corpo no sentido
exato, material da palavra, que Jesus entregou por nosso amor na sua Paixão; e
não foi o vinho, mas o seu próprio sangue, que Ele derramou por nós, para nos
dar a salvação. Não há margem, portanto, para o sentido figurado.

Um argumento completamente louco e sem sentido é o que empregam os


protestantes, quando dizem: S. Lucas e S. Paulo trazem assim as palavras da
consagração vinho: Este cálix É o novo testamento em meu sangue (Lucas XXII-
20; 1ª Coríntios XI-25). Ora, Jesus emprega aí uma metáfora com a palavra
CÁLICE; logo, a frase tem um sentido metafórico.

— É muito usual empregar-se esta figura (o continente pelo conteúdo) dizendo-


se: beber um COPO d’água, tomar um CÁLICE às refeições etc. Mas do fato de se
empregar esta figura, completamente compreensível, não se segue que a frase
toda tome um sentido metafórico. Por exemplo, se alguém diz à mesa: Este copo
aqui É guaraná; este outro copo É vinho; este outro copo É champanha, não se
segue daí que as palavras guaraná, vinho, champanha se tomem também neste
sentido figurado.

Jesus disse: Este cálix é o novo testamento EM MEU SANGUE (Lucas XXII-20; 1ª
Coríntios XI-25). Como provam agora os protestantes que a palavra sangue está
tomada em sentido figurado? Como provam que na frase: Este é o meu CORPO, a
palavra corpo está em sentido metafórico?

Mas dirão os protestantes:


— O Sr. quer frases em que o verbo SER tem o sentido de simbolizar, representar.
Pois bem, nós podemos dar exemplos, tirados não só da nossa linguagem
comum, mas também da própria Bíblia:

1º — É muito comum dizer-se, diante de um retrato ou de uma estátua: Este É


Napoleão, este É César, este É Hitler. Ora, aí evidentemente o verbo SER tem o
sentido de REPRESENTAR, as frases equivalem a: Isto representa Napoleão, isto
representa César, isto representa Hitler.

2º — Na própria Bíblia se encontram também exemplos: As sete vacas formosas


e as sete espigas gradas SÃO sete anos de abundância (Gênesis XLI-26). Os dez
cornos deste mesmo reino SERÃO dez reis (Daniel VII-24). A semente É a palavra
de Deus (Lucas VIII-11). Esta pedra ERA Cristo (1ª Coríntios X-4). Ora, nestas
frases se vê claramente o verbo SER com o sentido de simbolizar e representar:
As vacas formosas REPRESENTAM sete anos de abundância. Os dez cornos
SIMBOLIZAM dez reis. A semente REPRESENTA a palavra de Deus. Esta pedra
REPRESENTAVA ou SIMBOLIZAVA Cristo.

É isto justamente o que Jesus quis dizer: Isto representa ou simboliza o meu
corpo. Isto representa ou simboliza o meu sangue.

— Não há verbo que mais exprima a realidade de uma coisa do que o verbo ser:
uma coisa ou É ou NÃO É. É deste verbo que nos servimos quando queremos
asseverar com a maior firmeza. Se em alguns casos especiais o verbo SER aparece
com o sentido de representar ou simbolizar, isto não me dá o direito de em
qualquer momento interpretar o verbo SER neste sentido. Assim cairiam por terra
as mais seguras afirmações.

A seguir este método, qualquer herege poderia diante de afirmações como estas:
Jesus É o Cristo, Filho de Deus (João XX-31), Ele É a propiciação pelos nossos
pecados (1ª João II-2) dizer: “Não; Jesus representa, simboliza o Filho de Deus;
simboliza, representa a propiciação pelos nossos pecados. E provo-o com frases
em que o verbo SER significa representar”.

Tem que haver, portanto, regras, sinais para se conhecer quando é que o verbo
SER significa simbolizar e quando é o que o verbo SER significa SER mesmo de
verdade.

Vejamos estas regras.


Vejamos estas regras.

Emprega-se o verbo SER no sentido de representar, quando o objeto é feito


especialmente, é por sua natureza destinado a este fim: simbolizar ou representar
alguma pessoa ou alguma coisa. É claro que uma estátua, um retrato são feitos
exclusivamente para esta finalidade: representar a pessoa. É muito natural,
portanto, que diante da estátua ou do retrato de Napoleão, de César ou de Hitler,
estátua ou retrato que reproduz fielmente as suas feições, alguém diga: Este é
Napoleão ou — Este é César ou — Este é Hitler. Todos entendem perfeitamente
esta linguagem. Basta, porém, que a estátua esteja mal feita, reproduza algumas,
porém não todas as feições da pessoa em apreço para logo se protestar, dizendo:
Não, este não é Napoleão. Não; este não é César. Este não é Hitler.

Ora, um pão ou um pedaço de pão não foi feito para isto: foi feito para se comer,
não para representar ou simbolizar alguém. Não reproduz as feições de quem
quer que seja. Se alguém tomasse um pedaço de pão e dissesse: Este é César ou
este é Hitler, se tomaria esta palavra apenas como uma troça e nada mais. E
Jesus nunca troçou. Se Ele toma um pedaço de pão e podendo dizer: Isto
representa, isto simboliza o meu corpo, isto é uma figura de meu corpo, diz
abertamente: Isto É o meu corpo, Ele que, sabiam os Apóstolos, tinha e tem um
poder infinito; é porque queria dizer que na realidade aquilo ERA o seu corpo.

Emprega-se o verbo SER no sentido de representar, simbolizar, quando se está


explicando a significação de cada uma das personagens ou coisas que fazem
parte de uma parábola, de uma história simbólica, de uma alegoria ou de um
sonho. Porque estas personagens ou coisas foram imaginadas, inventadas ou
escolhidas precisamente para isto: para que cada uma delas REPRESENTASSE ou
SIMBOLIZASSE outra pessoa ou outra coisa.

É o caso, portanto, do sonho do Faraó. Deus lhe mandou aquele sonho para que
tudo aquilo que ali se via tivesse uma significação especial, fosse um símbolo
adequado. Por isto José, ao explicá-lo, diz: As sete vacas formosas e as sete
espigas gradas são sete anos de abundância (Gênesis XLI-26) — isto é,
representam, simbolizam.

É o caso do sonho de Daniel, relatado em todo o capítulo VII do livro do mesmo


nome; aquele que lhe explica o sonho dá a significação dos dez cornos.

É o caso da parábola do semeador, uma história que Nosso Senhor imaginou


para daí tirar um ensino moral. Tudo ali tem a função de um símbolo. E
explicando a parábola, Ele diz: A semente É a palavra de Deus (Lucas VIII-11).
Todos percebem claramente que Ele não quer dizer que é a semente que se
planta no chão que é a palavra de Deus, mas que NA SUA HISTÓRIA, NA SUA
PARÁBOLA, a semente É a palavra de Deus, isto é, simboliza-a, representa-a,
porque foi imaginada toda a história precisamente para isto: para concretizar o
mecanismo da pregação.

É o caso, finalmente, da alegoria empregada por S. Paulo, como já tivemos


ocasião de explicar (nº 160). Daquilo que aconteceu com os judeus no deserto,
S. Paulo tira uma alegoria, na qual cada elemento da história passada com os
judeus é figura ou representação de alguma coisa. Assim a passagem do Mar
Vermelho, Moisés, a nuvem, o maná, cada qual é um símbolo. E nesta
distribuição a pedra ERA Cristo, isto é, simbolizava ou representava Cristo.

Ora, Jesus na Última Ceia não contou nenhuma parábola, nenhuma história, não
fez nenhuma alegoria cuja significação estivesse explicando. Simplesmente
tomou o pão e disse: Isto É o meu corpo, Ele que tinha meios no seu poder
infinito para mudar o pão no seu próprio corpo. Tomou o cálice e disse: Isto É o
meu sangue, Ele que, sendo Deus, tinha o poder de realizar os maiores prodígios,
e portanto podia converter o vinho em seu próprio sangue.

Além disto, há uma grande diferença entre as frases: As sete vacas formosas são
sete anos de abundância, os dez cornos serão dez reis, a semente é a palavra de
Deus, esta pedra era Cristo — e estas outras: Isto é o meu corpo ou Este é o meu
corpo.

É que aquelas frases têm um sujeito de sentido claro e determinado. Uma vez
que o verbo SER aí identifica noções tão disparatadas como VACAS e ANOS, CHIFRES
e REIS, SEMENTE e PALAVRA, PEDRA e CRISTO, a gente logo percebe que se trata de
um símbolo, de uma representação.

Mas na frase: Isto é o meu corpo ou Este é o meu corpo, o sujeito da oração ISTO
ou ESTE não tem nenhum sentido determinado. Pode significar qualquer coisa.
Quem vai determinar o seu sentido é justamente a palavra que se segue ao verbo
SER: Isto é O MEU CORPO — ou — Este é O MEU CORPO.

E para tomar aí o verbo SER no sentido de representar, não encontram nenhuma


brecha os protestantes, porque o próprio Divino Mestre tinha dito
clarissimamente diante dos judeus estupefactos: A minha carne VERDADEIRAMENTE
é comida; e o meu sangue VERDADEIRAMENTE é bebida (João VI-56).

O memorial da Paixão.

323. Mas insistem os protestantes:


— Jesus disse, referindo-se à sua Ceia e ordenando aos seus discípulos que
também a fizessem: Fazei isto em MEMÓRIA de mim (Lucas XXII-19). Ora,
celebra-se a MEMÓRIA de uma pessoa que está ausente, não de uma pessoa que
está presente. Logo, Cristo não está presente na Hóstia, e a Eucaristia não passa
de um memorial.

— Que a Eucaristia é um memorial, que é realizada em memória de Cristo, não


temos nenhuma dúvida. Que seja EXCLUSIVAMENTE um memorial, é falso; neste
ponto estão enganados redondamente os protestantes.

O que é que comemoramos na Eucaristia? A paixão e a morte de Jesus Cristo:


Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálix, ANUNCIAREIS A MORTE
DO SENHOR, até que Ele venha (1ª Coríntios XI-26). É, portanto, o grande
acontecimento da morte redentora de Cristo, que rememoramos na Eucaristia.
Isto não obsta a que esta recordação seja feita com o próprio Cristo
invisivelmente presente em nossos altares. Ao contrário, esta comemoração se
faz muito mais naturalmente, de maneira mais viva e com muito menos esforço
do que se faz entre os protestantes. Vemos no altar realmente presente o Corpo
de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou melhor, o discernimos pelos olhos da nossa fé.
Vemos igualmente no altar, pelos olhos da nossa fé, o seu Preciosíssimo Sangue.
E logo nos lembramos do Sacrifício do Calvário, onde este mesmo sangue se
separou deste mesmo corpo, porque foi derramado por nós. Ao passo que é
preciso muito esforço para que eu, pelo simples fato de comer um pedaço de pão
(que é pão e nada mais) e beber um pouco de vinho (que é vinho e nada mais),
me lembre da Paixão de Jesus Cristo. Os judeus, imolando o cordeiro na sua
festa de Páscoa, faziam uma representação mais viva da Paixão do Redentor do
que fazem os protestantes comendo pão e bebendo vinho.

E quem foi que disse que só se pode COMEMORAR um fato, estando ausente o seu
personagem principal, o autor deste feito? D. Pedro Iº proclamou a 7 de
setembro de 1822 a independência do Brasil, que foi a nossa libertação. Não
podiam muitos brasileiros nos anos seguintes fazer grandes festas em
comemoração do acontecimento, COM A PRESENÇA DO PRÓPRIO D. PEDRO Iº,
louvando-o, enaltecendo-o e dando-lhe graças pelo que fez outrora? Não se
podia fazer isto indefinidamente, porque D. Pedro Iº havia de morrer, ou havia,
antes disto, de retirar-se do Brasil. Mas com Jesus é diferente: Ele foi para os
Céus, mas tem poder sem limites para se tomar realmente presente nos nossos
altares, quantas vezes quiser, na Santa Missa, em que comemoramos a sua
Paixão e Morte Redentora.

A Eucaristia é, portanto, símbolo e ao mesmo tempo realidade. A memória da


paixão do Mestre nos vem através da realidade sacramental.

Disposições para bem comungar.

324. E a prova de que a Eucaristia não é apenas uma simples recordação, mas
contém o próprio corpo e sangue de Jesus Cristo, está nas palavras de S. Paulo,
ao indicar as disposições com que o cristão há de recebê-la. Tem que ser com a
alma contrita, com a consciência limpa, porque, se assim não fizer, será culpado
de crime contra o corpo e o sangue do Salvador, como tendo maltratado este
corpo, conculcado, profanado este sangue: Todo aquele que comer este pão ou
beber o cálix do Senhor indignamente SERÁ RÉU DO CORPO E DO SANGUE DO SENHOR.
EXAMINE, POIS, A SI MESMO O HOMEM, e assim coma deste pão e beba deste cálix.
Porque todo aquele que o come e bebe indignamente, come e bebe para si a
condenação, NÃO DISCERNINDO O CORPO DO SENHOR (1ª Coríntios XI-27 a 29).

Não se podia pintar com cores mais vivas o sacrilégio daquele que, com o
pecado mortal na sua alma, ousa aproximar-se da mesa eucarística para receber o
próprio Jesus. Mas, se na Eucaristia está somente pão e vinho, que crime haveria
para o pecador que não está contrito, em comer pão e beber vinho? Se a
Eucaristia é uma recordação da paixão de Cristo e nada mais, que crime haverá
para aquele que se acha em estado de pecado, em lembrar-se daquela morte
redentora? Ao contrário, em vez de ser um crime, seria uma lembrança salutar
para melhor convertê-lo, excitá-lo à confiança e aproximá-lo de Deus. Nisto não
haveria nunca uma ofensa ao próprio corpo e sangue de Jesus.

A imagem de Jesus Crucificado, que possuímos nas nossas igrejas, em que se


representa o Divino Salvador em sua agonia, todo coberto de chagas e
ensanguentado, traz imediatamente àquele que a contempla uma lembrança viva
da Paixão do Redentor, excitando a contrição em muitas almas; e no entanto,
segundo a mentalidade dos protestantes, não merece nenhuma veneração da
nossa parte. Como é, então, que um simples pedaço de pão e um pouco de vinho,
servindo apenas de SÍMBOLOS da Paixão do Senhor (porque nem imagens
poderiam ser), hão de ser considerados tão sagrados, tão sublimes, que quem os
recebe com respeito e acatamento, mas com a alma ainda manchada pelo pecado,
se toma ipso facto um réu do corpo e do sangue do Salvador?

A palavra DISCERNIR, que vem neste trecho de S. Paulo, corresponde no texto


grego ao verbo DIAKRÍNO que quer dizer distinguir, separar, discriminar. Aquele
que recebe indignamente a Eucaristia não distingue o CORPO DO SENHOR do pão
vulgar. O pão vulgar, qualquer pessoa o pode receber em estado de pecado. Não,
porém, o CORPO DO SENHOR.

É, portanto, mais um TEXTO CLARÍSSIMO a ajuntar-se àqueles outros versículos que


já vimos no Capítulo VI de S. João (João VI-52 a 58) e às palavras tão formais,
tão decisivas do Divino Mestre na sua última Ceia.

A segunda vinda de Cristo.

325. Diante deste texto tão evidente, se percebe como é fraca e insustentável a
objeção tirada pelos protestantes desta mesma 1ª Epístola aos Coríntios: Todas
as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálix, anunciareis a morte do
Senhor, até que ELE VENHA (1ª Coríntios XI-25). Logo, dizem os protestantes,
Jesus não vem aos altares católicos; virá, sim, ao mundo no último dia.

— Sabemos pelas Escrituras que Jesus virá no último dia VISIVELMENTE aos olhos
de todos, os que creram e os que não creram e com grande poder e majestade
(Lucas XXI-27), para julgar a todos os homens. Quando fala nesta segunda
vinda de Cristo, a Bíblia não precisa usar de todas as minúcias, diz simplesmente
A VINDA DO SENHOR, JESUS VIRÁ e todos entendem de que vinda ela está falando, é
a vinda visível aos olhos de todo o mundo, a vinda à Humanidade toda reunida
no final que tempos: Nós outros que vivemos, que temos ficado aqui para a VINDA
DO SENHOR, não preveniremos aqueles que dormiram (1ª Tessalonicenses IV-14)
está reservada a coroa de justiça que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia;
e não só a mim, senão também àqueles que amam a sua VINDA (2ª Timóteo IV-8).
Permanecei nEle para que, quando Ele aparecer, tenhamos confiança e não
sejamos confundidos por Ele na sua VINDA (1ª João II-28). Este Jesus que,
separando-se de vós, foi assunto aos Céus, assim VIRÁ, do mesmo modo que O
haveis visto ir ao Céu (Atos I-11).

Jesus Cristo VIRÁ — é uma frase muito simples e curta que exprime, de modo
que todos entendem, a sua segunda vinda a esta terra, no dia do juízo final. Mas
que se segue daí? Segue-se que Jesus não está presente aqui na terra? Ele está
presente, porque é Deus, é a Segunda Pessoa da SSma Trindade, e Deus está em
toda a parte. Segue-se daí que Ele não VENHA misticamente à alma do justo? Não;
porque disse Jesus: Se algum me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o
amará; e NÓS VIREMOS a ele e faremos nele morada (João XIV-23). Segue-se daí
que Ele esteja proibido de aparecer a alguma pessoa? Não; porque Ele apareceu
a Saulo, depois da Ceia Larga, depois de sua subida aos Céus: Eu sou Jesus, a
quem tu persegues (Atos XXVI-15). Logo, esta segunda VINDA não impede
absolutamente a sua presença eucarística.

As palavras — anunciareis a morte do Senhor até que ELE VENHA — exprimem,


apenas, que a Eucaristia perdurará até o fim dos séculos, quando se dará a vinda
do Senhor com todo seu esplendor e majestade e daí por diante os verdadeiros
seguidores de Cristo não precisarão mais da Eucaristia, porque terão outra
maneira celestial e mais perfeita de se unirem perpetuamente com Ele.

Teria Cristo comungado?

326. Para armar efeito, os protestantes aparecem ainda com a seguinte objeção:
Jesus Cristo participou da última Ceia. Ora, seria absurdo que Jesus Cristo
tivesse comido seu próprio corpo e bebido o seu próprio sangue. Não se concebe
que uma pessoa coma a si mesma. Logo, ali não estava o corpo nem o sangue de
Jesus, mas apenas um símbolo.

— Primeiro que tudo, NÃO HÁ NENHUMA PASSAGEM DA ESCRITURA PELA QUAL SE


PROVE QUE JESUS TENHA COMUNGADO, NEM SOB A ESPÉCIE DO PÃO NEM SOB A ESPÉCIE
DO VINHO.

E uma coisa é dizer que Jesus participou da Última Ceia; outra coisa muito
diferente é dizer que Jesus COMUNGOU na Última Ceia. Porque, como já dissemos,
houve ali 2 ceias: a legal e a eucarística; como provam os protestantes que Jesus
participou da ceia eucarística? Apresentam esta palavra do Mestre: Não beberei
jamais deste fruto da vide, até chegar aquele dia em que o beba novo no reino
de Deus (Marcos XIV-25). Logo, dizem eles, Jesus participou do cálice da
Eucaristia.

Mas, como já dissemos (nº 318), faziam-se na Ceia Legal, pelo menos 3
distribuições de vinho, a primeira no começo de tudo e acompanhada destas
palavras: Bendito seja o Senhor que criou o FRUTO DA VINHA.

S. Lucas apresenta estas palavras: Não tornarei a beber do fruto da vide,


enquanto não chegar o reino de Deus (Lucas XXII-18) como ditas por Jesus
ANTES DA CONSAGRAÇÃO DO PÃO E DO VINHO, que ele descreve nos dois versículos
seguintes (19 e 20). E estas palavras são uma alusão muito clara à fórmula com
que se benzia o primeiro cálice distribuído na ceia judaica: Bendito seja o
Senhor que criou o FRUTO DA VINHA. Portanto aí se prova que Jesus bebeu o vinho
com seus discípulos, naquela ceia pascoal, mas não que tenha bebido do vinho
consagrado.

É verdade que os outros dois evangelistas S. Mateus e S. Marcos põem estas


palavras: Não beberei mais deste fruto da vide etc, depois da consagração do pão
e do vinho.

Mas é preciso notar o seguinte:

1º — Os Evangelistas nem sempre costumam seguir exatamente a ordem


cronológica. E não é preciso ir muito longe para provar isto. Aí mesmo na
descrição da Última Ceia, S. Lucas põe depois da consagração do pão e do vinho
estas palavras de Cristo: Eis aí a mão de quem me há de entregar, está à mesa
comigo (Lucas XXII-21) ao passo que S. Mateus e S. Marcos as colocam antes
(Mateus XXVI-23; Marcos XIV-18). Há contradição nisto? Não. Apenas a
ordem cronológica não é seguida. E agora perguntamos: Quem está mais
autorizado a nos dizer em que ocasião Jesus disse: Não beberei mais do fruto da
vide, ou seja, se foi antes ou depois da ceia eucarística — S. Lucas, que é o único
a relatar de uma certa maneira as 2 ceias, ou S. Mateus e S. Marcos que falam
exclusivamente da ceia eucarística?
2º — Ainda mesmo supondo que Jesus tenha dito estas palavras depois de tudo,
quando terminou a Ceia, imaginemos agora que também Ele só participou da
ceia legal, só bebeu o vinho antes da consagração. Não podia Ele no fim de tudo
ter dito: Não beberei mais do fruto da vide referindo-se à ceia pascoal, que de
fato Ele não celebraria mais com os seus discípulos? As palavras de Jesus são
uma simples palavra de despedida, às vésperas de sua morte.

O outro argumento apresentado é também muito fraco, ou melhor, é um


argumento nulo. S. Lucas, ao descrever a consagração do cálice, diz que Jesus
tomou também da mesma sorte o cálix DEPOIS DE CEAR, dizendo: Este cálix é o
novo testamento em meu sangue (Lucas XXII-20). O mesmo diz S. Paulo: Por
semelhante modo, DEPOIS DE HAVER CEADO, tomou também o cálix dizendo: Este
cálix é o novo testamento no meu sangue (1ª Coríntios XI-25). Ora, dizem os
protestantes, se na consagração do vinho se diz que Jesus a fez DEPOIS DE HAVER
CEADO é sinal que Ele participou do pão consagrado. Logo, Jesus tomou a
Eucaristia.

— Mas as palavras DEPOIS DE CEAR indicam apenas que Jesus participou da ceia
legal, comendo o cordeiro, pois também descrevendo a consagração do pão, o
Evangelho nos diz que nesta hora JÁ ESTAVAM CEANDO. ESTANDO eles, porém,
CEANDO, tomou Jesus o pão e o benzeu e partiu-o e deu-o a seus discípulos e
disse: Tomai, e comei; este é o meu corpo (Mateus XXVI-26) E QUANDO ELES
ESTAVAM COMENDO, tomou Jesus e pão e depois de o benzer partiu-o e deu-lho e
disse: Tomai, este é o meu corpo (Marcos XIV-22). S. Lucas mostra primeiro
uma distribuição do cálice entre os discípulos (XXII-17) para depois mostrar a
consagração do vinho (XXII-19), sinal, portanto de que já estavam CEANDO (ceia
legal), quando se deu a consagração.

S. Lucas e S. Paulo, frisando que a consagração do vinho foi feita por Jesus
DEPOIS DE HAVER CEADO, quererão, quando muito, significar que, enquanto a
consagração do pão foi feita no decorrer da ceia legal ou comum, a consagração
do vinho foi feita depois de tudo. Jesus CEOU, sim, com seus discípulos, mas o
que se sabe ao certo é que Ele participou da ceia legal; de que Ele tenha
participado da ceia eucarística, não há nenhum indício na Bíblia.

Quanto ao outro argumento que apresentam é também fraquíssimo. Diz


S. Marcos: E tendo tomado o cálix, depois que deu graças, lho deu e TODOS
BEBERAM DELE (Marcos XIV-23). Ora, dizem os protestantes, TODOS beberam; logo
também Jesus bebeu.

— Mas daí se segue apenas que TODOS OS DISCÍPULOS beberam, não que Jesus
bebeu, pois S. Marcos acabara de dizer que Jesus dera o cálice a seus discípulos
DEU-LHO (no grego: ÉDOKEN AUTÓIS = deu a eles).

S. Mateus nos mostra Jesus dizendo aos seus discípulos, a respeito do cálice:
BEBEI DELE TODOS (Mateus XXVI-27), assim como também dissera a respeito do
pão consagrado: TOMAI E COMEI (Mateus XXVI-26). Jesus nunca disse: Bebamos
dele todos; nem: tomemos e comamos. É sempre uma ordem para que seus
discípulos comam e bebam o alimento e bebida eucarística.

TODOS BEBERAM DELE (Marcos XIV-23) refere-se evidentemente aos discípulos, a


quem Jesus ofereceu o cálice, dizendo: BEBEI DELE TODOS (Mateus XXVI-27),
estes mesmos discípulos que tinham recebido ordem: TOMAI E COMEI (Mateus
XXVI-26).

Um inexperiente leitor da Bíblia que só conheça o texto em português ainda


pode atrapalhar-se, pois se diz em vários textos sobre a Ceia que Jesus TOMOU o
pão, TOMOU o cálice, antes de dar a seus discípulos.

E o verbo TOMAR tem dois sentidos em português:

TOMAR = agarrar, segurar, suspender: tomou o livro e leu.

TOMAR = engolir, beber, absorver: tomar água, tomar a refeição.

Mas pelo texto grego se vê claramente que se trata do primeiro sentido, pois
invariavelmente em todos estes versículos sobre a ceia o verbo TOMAR
corresponde ao verbo grego LAMBÁNO que nunca significa comer ou beber, mas
sempre tomar entre as mãos, segurar, recolher, apoderar-se de alguma coisa etc.

Nada há de certo, de positivo, portanto, quanto a Jesus ter participado da


comunhão na Última Ceia.

Mas suponhamos mesmo que Jesus tenha recebido a Eucaristia e sob as duas
espécies. Não há motivo para tamanho espanto e escarcéu a respeito disto. A
Eucaristia é um mistério; é o efeito de um poder infinito que assombra a nossa
razão. E não é o fato de Jesus ter participado ou não da ceia eucarística que vai
aumentar ou diminuir o mistério.
aumentar ou diminuir o mistério.

Todo o mal dos protestantes no caso é querer materializar por demais as coisas,
exatamente como faziam os judeus de outrora, quando o Mestre lhes disse que
daria a sua carne para comer e o seu sangue para beber. Querem argumentar
como se se tratasse de nutrir-se do corpo de Cristo MATERIALMENTE, assim como
se devora a carne de porco ou de cabrito ou como se engole a carne que é
comprada nos açougues. De fato, se se tratasse de uma nutrição assim material,
Jesus não poderia comer TODO O SEU CORPO, mas (mesmo dentro desta hipótese
grosseira) já não seria impossível que comesse uma boa parte. Não é impossível
que um homem esteja com fome e chegue a comer uma boa parte de seu braço
ou de sua perna, ou chegue a beber uma boa parte de seu próprio sangue. Isto se
se tratasse de uma refeição carnal. Mas aqui se trata de alimentar-se do corpo de
Cristo, não MATERIALMENTE, como quem come pedaços de carne ou bebe um
bocado de sangue, mas de uma maneira ESPIRITUAL E SACRAMENTAL.

Não há absurdo, portanto, em que assim como milhões e milhões de pessoas


podem abrir a boca e receber aquele pão celeste ou beber aquele Sangue
Preciosíssimo, o próprio Cristo também o fizesse.

A única objeção que se poderia fazer era que Cristo não necessitava deste
alimento. Mas onde é que se prova que Cristo só fez aquilo que para si era
necessário? Tinha, por acaso, necessidade de receber o batismo de penitência
ministrado por João? Mas não quis ser batizado por ele, para dar o exemplo aos
seus contemporâneos? Tinha Ele, porventura, necessidade de jejuar quarenta
dias e quarenta noites? Entretanto Jesus jejuou, para nos dar o exemplo: Jesus
começou a FAZER e a ensinar (Atos I-1).

Recebendo sacramentalmente o seu próprio corpo e o seu próprio sangue, Jesus


não teria com isto um aumento de graça santificante, mas uma certa consolação
por sentir naquela comunhão os efeitos de união íntima com as almas que este
grande sacramento iria produzir, e assim se alegraria com o bem imenso que na
Eucaristia iria produzir em muitos corações, pois coisa mais bem-aventurada é
dar que receber (Atos XX-35).

Assim pensa, entre outros, S. Tomás que, apesar de não ver no Evangelho
nenhuma prova de que Jesus tivesse comungado, tão longe estava de ver nisto
um absurdo, que achava (apenas como uma opinião pessoal) que Cristo haveria
de ter comungado. É esta a opinião também de S. Jerônimo, de S. Agostinho e
de S. João Crisóstomo, contrária à opinião de S. Hilário e de outros exegetas.
Não se vê nenhuma prova; mas uns acham que sim, porque opinam que o Mestre
se adiantaria a dar o exemplo; outros acham que não, porque não veem nenhuma
necessidade disto.

Não é de admirar que os protestantes queiram ver aí um absurdo; para os


protestantes tudo, na presença real, é um ABSURDO; para nós, católicos, tudo na
Eucaristia é MISTÉRIO INEFÁVEL.

O Pão Celestial.

327. Finalmente alegam os protestantes que a Eucaristia é chamada PÃO. O PÃO


que partimos não é a participação do corpo do Senhor? (1ª Coríntios X-16).
Todo aquele que comer este PÃO ou beber o cálix do Senhor indignamente será
réu do corpo e do sangue do Senhor (1ª Coríntios XI-27). Todas os vezes que
comerdes este PÃO e beberdes este cálix, anunciareis a morte do Senhor até que
Ele venha (1ª Coríntios XI-26).

— Primeiro que tudo, a palavra PÃO, conforme já tivemos ocasião de explicar (nº
312), não só designa um alimento especial feito com trigo ou centeio etc, mas é
também um termo genérico para designar qualquer alimento. Pedimos a Deus: O
PÃO nosso de cada dia nos dá hoje (Lucas XI-3) e é claro que não nos queremos
alimentar de pão somente. Nosso Senhor vai fazer refeição em casa de um dos
principais fariseus (Lucas XIV-1) e o texto original diz que Ele foi lá comer PÃO
(PHAGÉIN ÁRTON). Nesta mesma refeição, um dos convivas diz a Jesus: Bem-
aventurado o que comer o PÃO no reino de Deus (Lucas XIV-15). S. Paulo diz:
Nem comemos de graça o PÃO de algum (2ª Tessalonicenses III-8). Jesus diz à
cananeia: Não é bom tomar o PÃO dos filhos e lançá-lo aos cães (Mateus XV-
26). Diz a Escritura: O que come o PÃO comigo levantará contra mim o
calcanhar (João XIII-18). Vê-se claramente nestes textos a palavra PÃO no
sentido geral de alimento.

Também nós, católicos, dizemos na liturgia O PÃO SANTO DA VIDA ETERNA, O PÃO
ANGÉLICO, sem duvidarmos absolutamente que ali esteja Jesus Cristo realmente
presente. E é bem significativo o cuidado que tem S. Paulo na sua epístola em
dizer: comer o pão e beber o cálice. Ele não diz: comer o pão e beber o vinho.
Porque PÃO todos entendem que é um alimento qualquer. O pão eucarístico
deixou de ser pão no sentido específico, (pão de trigo), mas continuou a ser pão
no sentido genérico, porque é o nosso ALIMENTO espiritual.

Mas, ainda que se dissesse: comer o pão e beber o vinho, mesmo assim não
ficava provado que Jesus não estivesse ali realmente presente. Porque é costume
na linguagem das Escrituras, quando uma coisa se muda em outra, conservar,
ainda mesmo depois de mudada, o nome antigo. Por exemplo: Quando Arão
diante de Faraó converteu em cobra a sua vara e depois compareceram os sábios
e mágicos que transformaram suas varas em dragões, mesmo depois de
transformadas, a Bíblia continua a chamá-las VARAS: E lançaram cada um deles
a sua vara, as quais se converteram em dragões, mas a VARA de Arão devorou AS
VARAS deles (Êxodo VII-12). E o cego de nascença, mesmo depois de curado,
ainda é chamado CEGO: Perguntaram, pois, ainda ao CEGO: Tu que dizes daquele
que te abriu os olhos? (João IX-17).

O fruto da vinha.

328. Por aí se vê ainda que as palavras de Jesus: Não beberei mais deste fruto
da vinha, as quais, já vimos, podem perfeitamente referir-se apenas à ceia
pascoal, ainda mesmo que se referissem à ceia eucarística, não indicariam com
isto que o sangue de Jesus não estava ali no cálice. Dar-se-ia, neste caso, a
designação daquilo que era dantes. E mesmo, assim como Jesus que é Deus, que
é a 2ª Pessoa da Santíssima Trindade é chamado fruto do ventre de Maria SSma
simplesmente porque esta contribuiu, como mãe, para formação de seu corpo
(bento é o FRUTO do teu ventre — Lucas I-42), assim também Jesus Eucarístico
bem pode ser chamado o fruto da vinha, porque é da vinha que se produz a
Eucaristia; a vinha contribui com os acidentes — a cor, o gosto, o sabor, a
aparência etc, sob os quais se oculta Jesus, em uma das espécies, no Santíssimo
Sacramento.

Bagatelas.

329. Por isto tinha razão Lutero, quando classificava da seguinte maneira os
argumentos dos outros protestantes contra a presença real de Jesus Cristo na
Eucaristia: “São bagatelas, zombarias, argumentos frívolos e que não valem
nada, razões tolas e pueris.”
Realmente, se não se quer acreditar no mistério, isto é outra coisa. Mas que este
mistério eucarístico, diante do qual se têm curvado todas as gerações católicas,
incluindo homens de todos os graus de intelectualidade, desde os mais rudes até
os geniais como S. Tomás de Aquino, que este mistério está ensinado na Bíblia,
de maneira bem clara, bem decisiva e insofismável, não há dúvida alguma.
A Missa e a Cruz
A Ordem dada aos Apóstolos.

330. Realizando aquela ceia eucarística, Jesus ordenou aos seus Apóstolos que a
repetissem e realizassem no decorrer de sua vida: FAZEI ISTO em memória de mim
(Lucas XXII-19). Não quis somente que houvesse este rito durante a vida dos
Apóstolos, mas que se celebrasse perpetuamente até o fim do mundo: Todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes este cálix anunciareis a morte do
Senhor, ATÉ QUE ELE VENHA (1ª Coríntios XI-26). E mesmo, como provaremos no
capítulo seguinte, os Apóstolos haviam de ter e de fato providenciaram
SUCESSORES para continuar a sua missão.

Ora, como já provamos, o que Jesus realizou naquela ceia eucarística não foi
uma cerimônia banal de comer pão e beber vinho. Mudou o pão no seu próprio
corpo e o vinho no seu próprio sangue. Daí se vê o poder extraordinário que foi
concedido aos Apóstolos e seus sucessores, ou seja, aos Apóstolos e àqueles a
quem eles transmitissem os seus poderes.

Mas ainda há outro ponto muito interessante a considerar na ceia eucarística. É


que ela foi também um verdadeiro e real sacrifício. E assim a ordem: Fazei isto
em memória de mim inclui a determinação de renovar este sacrifício
perpetuamente.

Por que motivo seja necessária esta renovação, o que tanto intriga os
protestantes, nós explicaremos claramente daqui a pouco (nos 336 a 338).

Antes, porém, para bem esclarecer o assunto, temos que dar uma noção geral do
que seja SACRIFÍCIO.

Noção de sacrifício.

331. Tratamos aqui do SACRIFÍCIO LITÚRGICO. Porque é claro que qualquer pessoa
pode oferecer a Deus um sacrifício, no sentido de um ato interno, pelo qual se
priva de alguma coisa ou faz uma mortificação de seus desejos, de suas paixões,
de suas inclinações; e ninguém pode desconhecer quanto isto é agradável aos
olhos de Deus, mas não é desses sacrifícios que vamos falar.

Trata-se aqui de um ato externo da Religião, de um ato do culto público. E este é


privativo dos sacerdotes que para isto foram constituídos: Faze também chegar a
ti Arão, teu irmão, com seus filhos, SEPARADOS DO MEIO DOS FILHOS DE ISRAEL, para
que eles exerçam diante de mim as funções do SACERDÓCIO: Arão, Nadab, Abiu,
Eleazar e Itamar (Êxodo XXVIII-1). A ti, Osias, não é que pertence o queimar
incenso ao Senhor, mas aos sacerdotes, isto é, aos filhos de Arão que foram
consagrados para este ministério (2º Paralipômenos XXVI-18). Todo o pontífice
assunto dentre os homens é constituído a favor dos homens naquelas coisas que
tocam a Deus, para que ofereça dons e SACRIFÍCIOS pelos pecados... E nenhum
usurpa para si esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Arão
(Hebreus V-1 e 5).

Em que consiste este SACRIFÍCIO LITÚRGICO?

É um ato de culto externo e público, em que o sacerdote em nome do povo


oferece a Deus (e isto se chama OBLAÇÃO) uma coisa sensível. Oferecida a Deus,
ela se torna assim uma coisa sagrada, porque é consagrada ao Senhor. O fim
deste oferecimento é manifestar o homem a sua dependência com relação a
Deus, os sentimentos de seu coração para com Ele, unir-se mais estreitamente à
Divindade, aplacar a sua ira, granjear os divinos favores. É um PRESENTE que se
faz a Deus, renunciando à propriedade de alguma coisa numa homenagem em
que se procura conquistar para nós a benevolência divina.

O que é que se oferecia a Deus? Às vezes se ofereciam os produtos agrícolas. E


aí temos os sacrifícios incruentos, ou seja, sem haver morte nem ferimentos.

Lemos no Gênesis que Caim ofereceu ao Senhor os seus dons dos frutos da terra
(Gênesis IV-3). Vemos determinações sobre estes sacrifícios incruentos, por
exemplo, no livro do Levítico: Quando qualquer pessoa fizer ao Senhor alguma
oferta de sacrifício, a sua oblação será da FLOR DA FARINHA e derramará sobre
ela azeite e porá incenso e a levará aos sacerdotes, filhos de Arão e um deles
tomará um punhado da flor de farinha com azeite e todo o incenso e fa-la-á
queimar sobre o altar por memória, em suavíssimo cheiro para o Senhor. E o
que ficar do sacrifício será para Arão e para seus filhos e será uma coisa
santíssima das ofertas do Senhor. Mas, quando tu ofereceres um sacrifício de
coisa cozida no forno, serão pães asmos de flor de farinha amassados com
azeite e filhoses asmas untadas com azeite... Se, porém, fizerdes ao Senhor
oferta dos teus próprios frutos, que seja de espigas ainda verdes, torrá-las-ás ao
fogo e quebrá-las-ás à maneira de farro (Levítico II-1 a 4, 14).

Outras vezes se ofereciam sacrifícios ou de gado graúdo como bois, ou de gado


miúdo como bodes e carneiros. Matava-se a vítima. Faziam-se com o sangue do
animal aspersões sobre o altar. E se queimava o animal, ou totalmente (e neste
caso o sacrifício se chamava HOLOCAUSTO), ou parcialmente, reservando-se outra
parte para ser comida. O animal a ser sacrificado chamava-se HÓSTIA.

É importante observar que o comer a vítima sacrificada a Deus, que era,


portanto, uma coisa sagrada, trazia também consigo a ideia de uma maior união,
de uma certa comunhão com a Divindade.

Quatro finalidades dos sacrifícios.

332. Os sacrifícios eram oferecidos para quatro fins.


Um deles era a ADORAÇÃO e aí temos o sacrifício LATRÊUTICO. Era o holocausto o
que melhor exprimia esta adoração, pois a vítima se consumia inteiramente,
havendo para isto um fogo de muitas horas; Esta é a lei do holocausto: O
holocausto queimar-se-á no altar toda a noite até pela manhã; o fogo tomar-se-
á do mesmo altar; o sacerdote se vestirá de túnica e da roupa interior de linho e
tomará as cinzas que o fogo voraz fez e pondo-as junto ao altar, se despojará
dos seus primeiros vestidos e, vestido doutros, as levará para fora do campo e
fará que num lugar bem limpo se consuma inteiramente tudo (Levítico VI-9 a
11). Esta total destruição era um sinal de reconhecimento do domínio absoluto
de Deus sobre tudo e também sobre a vida e a morte.

Às vezes era a AÇÃO DE GRAÇAS: Se a oferta for por ação de graças, oferecer-se-
ão pães sem fermento amassados em azeite e tortas asmas untadas de azeite e
flor de farinha cozida e filhoses amassadas com mistura de azeite (Levítico VII-
12).

Outras vezes era a EXPIAÇÃO DOS PECADOS. E o Levítico traz várias determinações,
por exemplo, nos capítulos 4º, 5º e 6º sobre as diversas maneiras de oferecer
estes sacrifícios de acordo com os pecados e com as pessoas que os tivessem
cometido.
Finalmente o sacrifício podia também revestir-se do aspecto de uma SÚPLICA: Se
alguém oferecer uma hóstia por voto ou ESPONTANEAMENTE, também esta será
comida no mesmo dia (Levítico VII-16).

O valor dos sacrifícios antigos.

333. Mas que valor tinham diante de Deus um animal que se matava ou os
frutos da terra que se Lhe ofereciam?

Tinham valor, enquanto eram a manifestação externa do sentimento íntimo de


cada um. Para que os sacrifícios fossem agradáveis aos Céus na Lei Antiga, era
preciso que na realidade correspondessem à sinceridade das disposições do povo
que os oferecia a Deus. Daí vemos a crítica que faziam os profetas sobre estes
sacrifícios, quando eles não eram a expressão verdadeira de um sentimento
sincero. Não que eles fossem adversários do sacrifício, o qual era prescrito,
determinado, regulamentado pelo próprio Deus, mas reclamavam, quando os
viam serem oferecidos sem o VERDADEIRO ESPÍRITO com que se deviam oferecer, e
assim perderem todo o seu valor. É por isto que diz Samuel: Porventura quer o
Senhor os holocaustos e as vítimas e não quer que antes se obedeça à voz do
Senhor? A obediência é, pois, melhor do que as vítimas, e mais vale obedecer do
que oferecer a gordura dos carneiros (1º Reis XV-22). Assim falam também os
outros profetas: De que me serve a mim a multidão das vossas vítimas? diz o
Senhor. Já estou farto delas; não quero mais holocaustos de carneiros, nem
gordura de animais médios, nem sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de
bodes... Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante de meus olhos a malignidade de
vossos pensamentos, cessai de obrar perversamente, aprendei a fazer bem,
procurai o que é justo, socorrei ao oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a
viúva (Isaías I-11, 16 e 17). Eis aí farei eu vir calamidades sobre este povo, fruto
dos seus pensamentos; porque não ouviram as minhas palavras e rejeitaram a
minha lei... Os vossos holocaustos não me são aceitos, nem as vossas vítimas me
agradaram (Jeremias VI-19 e 20). Eu conheço as vossas muitas maldades e os
vossos fortes pecados: inimigos do justo, que aceitais dádivas e oprimis os
pobres na porta... Se vós me oferecerdes os vossos holocaustos e os vossos
presentes, eu os não aceitarei; e não porei os olhos nos sacrifícios das hóstias
pingues que me oferecerdes em cumprimento dos vossos votos (Amós V-12 e
22). Que oferecerei eu ao Senhor que seja digno dEle? encurvarei eu o joelho
diante do Deus excelso? oferecer-Lhe-ei porventura holocaustos e novilhos dum
ano? Pode-se acaso aplacar o Senhor sacrificando-se-Lhe mil carneiros ou
muitos milhares de bodes gordos?... Eu te mostrarei, ó homem, o que te é bom e
o que o Senhor requer de ti: é sem dúvida que obres segundo a justiça e que
ames a misericórdia, e que andes solícito com o teu Deus (Miqueias VI-6 a 8). A
mesma ideia se encontra nos Salmos: Não receberei de tua casa bezerros, nem
cabritos dos teus rebanhos, porque minhas são todas as feras das selvas e os
animais nos montes e os bois. Conheço todas as aves do céu e a formosura do
campo comigo está. Se tiver fome, não to direi a ti, porque minha é a redondeza
da terra e a sua plenidão. Porventura comerei carne de touros? ou beberei
sangue de cabritos? Oferece a Deus sacrifício de louvor e paga ao Altíssimo os
teus votos. E invoca-me no dia da tribulação: livrar-te-ei e honrar-me-ás
(Salmos XLIX-9 a 15).

Vê-se claramente aí que havia no sacrifício a ideia de um PRESENTE oferecido a


Deus. Aquele presente simbolizava a alma do homem oferecendo-se ao Seu
Criador; por isto se exigia, por exemplo, um animal SEM DEFEITO (Levítico I-10;
XIV-10; XXII-20), a fim de que melhor representasse a pureza de sentimentos
de quem o oferecia. É o que se dá também com os presentes que nos oferecem,
no nosso aniversário ou nas nossas grandes datas; embora a oferta seja pequena,
procura-se providenciar para que seja limpa e sem defeito, com o cuidado de
frisar bem que aquele presente, embora insignificante em si, vale pelo que ele
representa, isto é, o afeto sincero, a estima, a gratidão etc. Mas suponhamos que
nós tivéssemos o dom de conhecer perfeitamente aquilo que se passa no coração
dos outros; e víssemos que, embora nos oferecessem aqueles presentes, o
coração daquelas pessoas estava cheio de maldade e má vontade contra nós.
Aborreceríamos estes presentes, não é assim? É o que acontecia com Deus.
Conhecendo perfeitissimamente o coração dos homens, enchia-se de indignação
perante sacrifícios externos que eram, não a manifestação de um coração
sincero, de uma alma que realmente se entregava a Deus, através de suas ofertas,
mas sim a prova bem patente de uma detestável hipocrisia.

Os sacrifícios expiatórios.

334. A esta ideia de um PRESENTE oferecido a Deus, seja para manifestar um


sentimento profundo de ADORAÇÃO ou completa submissão a Ele, ou de AÇÃO DE
GRAÇAS pelos benefícios recebidos, ou o desejo de agradar-Lhe, de atrair a sua
benevolência a fim de Lhe PEDIR FAVORES, se acrescentava também outra
finalidade: nós vemos que havia sacrifícios na Lei Antiga que tinham como fim
A EXPIAÇÃO DOS PECADOS.

E uma pergunta logo nos ocorre: Será que aqueles sacrifícios produziam
realmente A COMPLETA EXPIAÇÃO PELOS PECADOS?

É claro que NÃO. O pecado é uma ofensa feita a Deus, mas uma ofensa infinita,
em vista da infinita distância que medeia entre Deus e a criatura. Porque nós
sabemos que a ofensa aumenta na proporção desta distância entre o ofendido e o
ofensor. Por maior que fosse o número de bois ou de bodes ou de cordeiros
imolados, por maior que fosse a contrição, a dor, o arrependimento daqueles que
os ofereciam, Deus não recebia uma REPARAÇÃO SUFICIENTE por um só pecado de
um só homem que fosse, quanto mais pelos muitos pecados de todos os homens:
É impossível que com sangue de touros e de bodes se tirem os pecados (Hebreus
X-4).

Quer dizer então que antes de Cristo ninguém era perdoado de seus pecados?
Não; não quer dizer isto. Deus perdoava, em atenção ao que ia realizar-se no
futuro; Deus aceitava aqueles sacrifícios, não que tivessem em si um valor
suficiente, mas porque eram figura e representação de UM SACRIFÍCIO
SUFICIENTÍSSIMO E PERFEITÍSSIMO que um dia havia de ser oferecido por Jesus Cristo
na cruz; sacrifício de um VALOR INFINITO, pela morte de um Homem-Deus cujos
atos eram de infinito valor; sacrifício em que se derramaria o sangue, não de um
bode ou de um touro, mas o sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Aí então se ofereceu um DESAGRAVO SUFICIENTE por todos os pecados
de todos os homens de todos os tempos. O que não quer dizer que estes pecados
ficassem ipso facto perdoados, mas sim que a Humanidade, coletivamente
falando, ficou reconciliada com Deus. Satisfeita a justiça divina que exigiu uma
satisfação condigna, abriu-se o caminho para a imensa misericórdia do Criador.
Desde que o pecador faça o que é necessário da sua parte, encontra Deus
disposto a perdoar-lhe os pecados, por maiores e por mais numerosos que eles
sejam, e isto em atenção ao sangue purificador de Jesus Cristo.

Neste Augusto Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo foi ao mesmo tempo SACERDOTE E
VÍTIMA.

S. Paulo faz então o confronto entre os sacrifícios da Lei Antiga e o sacrifício de


Cristo na Cruz.
Na Antiga Lei se oferecia o sangue de bodes, de bezerros etc, na Cruz Jesus
oferece ao seu próprio sangue; na Antiga Lei se ofereciam muitos sacrifícios e
sacrifícios insuficientes que não podiam purificar a consciência do que
sacrificava (Hebreus IX-9), Jesus com um ÚNICO SACRIFÍCIO alcançou uma
Redenção eterna; na Antiga Lei o sumo sacerdote entrava cada ano em um
tabernáculo construído por mãos de homens, Jesus Cristo, depois de operar a
nossa Redenção, entrou no Céu para ser lá o nosso Sumo e Eterno Sacerdote:
Estando Cristo já presente, pontífice dos bens vindouros, por outro mais
excelente e perfeito tabernáculo, não feito por mão de homem, isto é, não desta
criação, nem por sangue de bodes ou de bezerros, mas pelo seu próprio sangue
entrou uma só vez no santuário, havendo achado uma redenção eterna. Porque,
se o sangue dos bodes e dos touros e a cinza espalhada duma novilha, santifica
aos imundos para purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo que
pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo sem mácula a Deus, limpará a nossa
consciência das obras da morte, para servir ao Deus vivo? (Hebreus IX-11 a
14).

Na Antiga Lei, o sacrifício era oferecido por sacerdotes que, sendo também
pecadores, tinham que oferecer sacrifícios primeiro pelos seus pecados próprios,
depois pelos do povo; Cristo é o sacerdote santo, inocente, impoluto que se
ofereceu uma vez a si mesmo: UMA VEZ, por que os sacerdotes da Antiga Lei
eram em grande número e a morte não permitia que durassem para sempre;
Cristo, porém, permanece eternamente e tem um eterno sacerdócio: E na
verdade os outros foram feitos sacerdotes em maior número, porquanto a morte
não permitia que durassem; mas Este, porque permanece para sempre, possui
um sacerdócio eterno. E por isto pode salvar perpetuamente aos que por Ele
mesmo se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por nós. Porque tal
pontífice convinha que nós tivéssemos, santo, inocente, imaculado, segregado
dos pecadores e mais elevado que os Céus; que não tem necessidade, como os
outros sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiramente pelos
seus pecados, depois pelos do povo; porque isto o fez uma vez por todas
oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei constituiu sacerdotes a homens que têm
enfermidade; mas a palavra do juramento que é depois da lei, constitui ao Filho
perfeito eternamente (Hebreus VII-23 a 28).

Finalmente, como acabamos de ver, os sacrifícios antigos, sendo imolação de


animais (bois, cabritos, cordeiros etc.), os quais eram irracionais e não podiam
ter nenhum sentimento para com Deus, muitas e muitas vezes Lhe eram
desagradáveis, porquanto valiam apenas enquanto eram a expressão dos
sentimentos do povo que os oferecia. Na Cruz se oferece uma vítima que, sendo
perfeitíssima, Deus e Homem, vítima consciente, livre, inteligente, capaz de atos
de virtude e de amor de valor infinito, ela mesma oferecia a Deus a homenagem
que Lhe era mais agradável. Assim este sacrifício não podia de forma alguma
desmerecer aos olhos divinos: O Filho de Deus, entrando no mundo diz: Tu não
quiseste hóstia nem oblação; mas tu me formaste um corpo; os holocaustos pelo
pecado não te agradaram. Então disse eu: Eis aqui venho; no princípio do livro
está escrito de mim: Para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hebreus X-5 a 7).

Os protestantes se servem desta exposição do Apóstolo das gentes, em que ele


estabelece o contraste entre o sacrifício de Cristo e os SACRIFÍCIOS DA LEI ANTIGA,
para se lançarem contra o Santo Sacrifício da Missa, que, segundo nos ensina a
Igreja Católica e mais adiante iremos provar, é o Sacrifício da Nova Lei e não é
outro substancialmente senão o próprio sacrifício de Cristo feito outrora no
Calvário.

Dizem eles: Vê-se assim pelas palavras da Bíblia:

1º — que o sacrifício de Cristo foi SACRIFÍCIO ÚNICO, portanto não há 2 sacrifícios:


o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa;

2º — que o sacrifício de Cristo alcançou Redenção Eterna; logo, não tem


necessidade de ser renovado; querer renová-lo é fazer-lhe uma injúria, como se
ele não fosse suficientíssimo e perfeitíssimo;

3º — que nós temos na Nova Lei um ÚNICO SACERDOTE que é Cristo, e não muitos
sacerdotes que são fracos e pecadores, porque são homens, como vemos na
Igreja Católica:

4º — Cristo se ofereceu só uma vez, pois diz S. Paulo que Cristo NÃO ENTROU no
santuário para se oferecer muitas vezes a si mesmo (Hebreus IX-25) e que nós
somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, feita UMA VEZ
(Hebreus X-10). Logo, não é exato que Ele se ofereça milhares de vezes no
Sacrifício da Missa.

Vejamos uma por uma estas alegações protestantes.


Sacrifício único.

335. 1ª objeção: O sacrifício de Cristo foi SACRIFÍCIO ÚNICO, portanto não há 2


sacrifícios: o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa.

S. Paulo faz o confronto entre o sacrifício da Cruz e os sacrifícios da Antiga Lei,


em que eram oferecidas muitas e muitas vítimas. Um dia era um touro ou um
novilho; outro dia um bode; outro dia um cordeiro; outro dia mais outro touro ou
novilho etc. E assim por diante.

E assim muitas e muitas vítimas eram sacrificadas sem que se alcançasse A TOTAL
E SUFICIENTE EXPIAÇÃO pelos pecados dos homens.

Além disto, eram oferecidas por muitos sacerdotes, OS QUAIS AGIAM


INDEPENDENTEMENTE UNS DOS OUTROS, NUNCA UM SACERDOTE AGIA EM FUNÇÃO DE
OUTRO SACERDOTE.

Ora, o Sacrifício da Missa e o Sacrifício da Cruz são um ÚNICO E MESMO


SACRIFÍCIO, porque a vítima é uma só: NOSSO SENHOR JESUS CRISTO. O Corpo e o
Sangue de Jesus que estão no altar são o mesmo Corpo e Sangue de Jesus que
estavam lá no Calvário. Não se trata de uma vítima diferente.

O Sacerdote que oferece também é o mesmo, isto é, Nosso Senhor Jesus Cristo
que é o PRINCIPAL OFERENTE.

O homem que celebra a Santa Missa, o sacerdote católico é um representante,


um ministro de Cristo, que age apenas em nome de Cristo: Os homens devem-
nos considerar como uns MINISTROS DE CRISTO e como uns DISPENSEIROS dos
mistérios de Deus (1ª Coríntios IV-1). Nós fazemos o ofício de EMBAIXADORES em
nome de Cristo (2ª Coríntios V-20).

Quando alguém escreve um discurso e manda outro ler, quem é o AUTOR do


discurso, é quem o escreveu ou quem o lê? De certo que é quem o escreveu.
Quando o rei manda um embaixador assinar um tratado de paz, quem o está
assinando: é o embaixador em seu nome particular ou é o próprio rei? É claro
que é o rei. Quando o patrão manda o servo levar um presente a alguém, quem é
que está dando o presente? É o patrão.
Os ministros de Cristo receberam esta ordem: FAZEI ISTO em memória de mim
(Lucas XXII-19).

Quando o sacerdote batiza, diz: EU te batizo em nome do Pai e do Filho e do


Espírito Santo. Mas quem está batizando é Cristo, pois o batismo é realizado em
nome de Jesus Cristo (Atos II-38) que foi quem mandou batizar.

Quando o sacerdote absolve os pecados, diz EU te absolvo dos teus pecados em


nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Mas quem está perdoando é Cristo,
porque só Deus pode perdoar pecados; é Cristo, que foi quem lhe delegou este
poder: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos
que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).

Assim também, quando o sacerdote celebra a Santa Missa, não diz: Isto é o
corpo de Cristo ou Isto é o cálix do sangue de Cristo — mas Isto É O MEU CORPO,
isto é o cálix DO MEU SANGUE, porque ele está agindo apenas em nome de Cristo,
Sumo e Eterno Sacerdote. “O sacerdote no altar faz as vezes de Cristo e oferece
a Deus Pai um verdadeiro e pleno sacrifício” dizia S. Cipriano no século 3º
(Epístola 63). “Quando virdes o sacerdote oferecendo, não o consideres fazendo
isto, mas considera a mão de Cristo invisivelmente estendida” dizia S. João
Crisóstomo no século 4º (Homil. L-3 in Math). “O próprio Cristo que é o
oferente, Ele mesmo é a oblação e quis que este mistério fosse o quotidiano
sacrifício da Igreja” dizia S. Agostinho no século 5º (De Civitate Dei IX c. 20).
E esta dependência absoluta entre o sacerdote e Nosso Senhor Jesus Cristo, do
qual o sacerdote é um mero instrumento é que não havia entre os sacerdotes da
Lei Antiga: eram independentes uns dos outros.

A diferença que há entre o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa é esta: o


Sacrifício da Cruz foi cruento, com a morte física da vítima; o Sacrifício da
Missa é incruento e aí Cristo se mostra sob a forma de alimento. E se há esta
diferença é precisamente por isto: porque aquela imolação real e sangrenta de
Cristo só se deu UMA VEZ: Cristo foi UMA SÓ VEZ imolado para esgotar os pecados
de muitos (Hebreus IX-28). Enquanto a Ele morrer pelo pecado, Ele morreu UMA
SÓ VEZ (Romanos VI-10).

É claro que NÃO ABRIMOS CHAGAS EM CRISTO, NÃO O MATAMOS outra vez, quando se
celebra o Santo Sacrifício da Missa.
Se a imaginação do leitor não se aquietou ainda, procurando descobrir como o
Sacrifício da Missa, tantas vezes celebrado, pode ser um ÚNICO E MESMO
SACRIFÍCIO com aquele que foi realizado na cruz, ao contrário dos sacrifícios
antigos que eram muitos, vamos fazer uma comparação. Suponhamos que
houve, durante muito tempo em certo reino, um problema verdadeiramente
angustiante: como é que haviam de debelar uma doença muito propagada e
considerada incurável?

Vários sábios procuraram resolvê-lo: publicaram muitas obras sobre o assunto,


porém inutilmente. Eram paliativos, não davam a chave da solução do problema.

Apareceu, afinal, um GRANDE SÁBIO que resolveu a questão para sempre: fez uma
exposição diante do rei, demonstrando as causas da doença, estudando
profundamente o assunto e mostrando o meio certo e seguro de combatê-la e
evitá-la.

Suas palavras foram apanhadas pelos taquígrafos, depois publicadas em livro e


se foram tirando muitas e muitas edições. Cada vez que sai uma nova edição, É A
MESMA OBRA ou outra diferente? Claro que é a mesma, porque é o mesmo autor e
são as mesmas ideias. Pouco importa que as edições não sejam impressas com os
mesmos tipos, nem tenham a mesma capa.

Já, o mesmo não se dá com aquelas outras obras publicadas antes de se resolver
o problema: eram obras diversas, de diversos autores e nenhuma encontrou A
SOLUÇÃO DEFINITIVA. É o que se deu com os sacrifícios da Lei Antiga: vítimas
diversas, sacerdotes diversos. Ao passo que a Santa Missa é apenas a renovação
do Sacrifício do Calvário, sendo a mesma vítima e o mesmo sacerdote. De modo
que o padre que celebra não passa, no caso, de um humilde tipógrafo que vai
reeditar a grande OBRA DE CRISTO; não vai resolver um problema que por Cristo já
foi resolvido.

O Sacrifício da Missa e a redenção eterna.

336. E agora ocorre naturalmente a segunda objeção protestante: Por que


motivo, então, se renova o Sacrifício da Cruz? Este alcançou Redenção Eterna.
Querer renová-lo seria proclamar a sua insuficiência, quando o Sacrifício da
Cruz foi perfeitíssimo.

— Não há nenhuma dúvida que o Sacrifício da Cruz alcançou Eterna Redenção.


— Não há nenhuma dúvida que o Sacrifício da Cruz alcançou Eterna Redenção.
Mas não é para nos dar a Redenção, que o Sacrifício da Missa é celebrado.

Vejamos os efeitos da Redenção operada por Cristo.

Jesus Cristo, morrendo na cruz:

1º — Reconciliou-nos com Deus, oferecendo uma reparação suficiente pelo


ultraje feito a Deus por todos os pecados da Humanidade; quando se celebra a
Santa Missa, a Humanidade já está reconciliada com Deus; o nosso resgate já
está pago; não é para isto que se celebra a Santa Missa.

2º — Reconciliando-nos com Deus, restaurou a Humanidade no plano


sobrenatural, ficando os homens novamente com o poder de se fazerem filhos de
Deus (João I-12) pela graça santificante que nos faz participantes da natureza
divina (2ª Pedro I-4); mas não é para isto que a Missa é celebrada, pois já nos
encontramos neste plano sobrenatural.

3º — Abriu o Céu, que para os homens estava fechado; mas não é para abrir o
Céu que o Sacrifício da Missa é oferecido, pois o Céu já está aberto, desde a
morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que foi o primeiro homem a entrar nele, na
sua Ascensão gloriosa.

E no entanto a instituição do Sacrifício da Missa tem a sua finalidade.

Como explicamos há pouco, havia 2 espécies de sacrifícios: uns em que se


destruía completamente a vítima reduzindo a cinzas o animal sacrificado, como
eram os holocaustos; e outros em que se destruía uma parte da vítima e se
reservava para ser comida pelos sacerdotes e às vezes também pelo povo.

Não só entre os judeus, como entre os pagãos, o comer aquilo que tinha sido
sacrificado, oferecido a Deus, que se havia tornado assim uma coisa sagrada, era
considerado como uma participação, uma comunhão, um contato mais íntimo
com a divindade.

Daí é que vem a questão da carne sacrificada aos ídolos, a qual os Apóstolos
proibiram aos primeiros cristãos (Atos XV-29). Em si era uma carne como outra
qualquer, pois, como diz S. Paulo, sabemos que os ídolos não são nada no
mundo e que não há outro Deus senão um só (1ª Coríntios VIII-4). Mas, desde
que o comer estas carnes era considerado um meio de unir-se ao deus a quem
eram oferecidas, os cristãos deviam abster-se disto, para não parecer que
queriam entrar em comunhão também com as divindades pagãs.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo quis, não somente que o seu divino Sacrifício,
oferecido na cruz, tivesse o valor de perfeita expiação e servisse ao mesmo
tempo como o melhor dos holocaustos que porventura se pudesse oferecer, mas
ainda que todos pudessem participar de sua carne e de seu sangue, oferecidos a
Deus, entrando assim numa íntima comunhão não só com uma coisa sagrada, a
Deus oferecida, mas com o próprio Deus.

Por isto, quando Ele disse: A minha carne VERDADEIRAMENTE é comida; e o meu
sangue VERDADEIRAMENTE é bebida... Assim como o Pai, que é vivo, me enviou e eu
vivo pelo Pai, assim o que me COME A MIM, esse mesmo também viverá por mim
(João VI-56 e 58), ninguém podia no momento perceber todo o alcance de suas
divinas palavras, embora que todos tinham de aceitá-las, porque Ele já havia
provado a sua divindade.

Ele sabia que tinha RECURSOS INFINITOS no seu divino poder para realizar, na
Eucaristia, aquilo que nenhum homem no mundo seria capaz de imaginar: aquela
carne que foi oferecida na cruz, aquele sangue que ali foi derramado para a nossa
salvação, podiam ser ingeridos realmente pelos homens, iam tomar-se o alimento
da nossa alma, para robustecer em nós a vida da graça.

Mas, para receber com fruto este divino alimento, já uma condição é exigida,
antes de qualquer outra: A FÉ. Não esta fé protestante que se arroga o direito,
pelo livre exame, de interpretar as palavras de Cristo como bem entende e de ler
REPRESENTA, SIMBOLIZA onde o Mestre diz categoricamente: É. Mas a fé viva, que
não vacila, fé com que se aceita de coração aberto e de olhos fechados tudo o
que Jesus nos ensinou, por mais impenetrável que seja o mistério. E aí veem os
protestantes como A FÉ é importantíssima para podermos participar do Sacrifício
Regenerador do Divino Mestre. S. Paulo dizia, na Epístola aos Hebreus, falando
a respeito dos judeus com relação à Eucaristia, como adiante veremos: Nós
temos um ALTAR, do qual os ministros do tabernáculo não têm faculdade de
COMER (Hebreus XIII-10). O mesmo podemos nós dizer com referência aos
protestantes: Nós temos um ALTAR, do qual não podem COMER aqueles que não
têm fé no mistério eucarístico tão claramente ensinado pelo Divino Mestre nas
páginas do Evangelho. E é neste altar que se renova o Sacrifício de Jesus, para
que nos possamos alimentar espiritualmente da mesma vítima sacrificada no
Calvário.

A Missa, oração oficial da Igreja.

337. Há outro aspecto ainda em que o Sacrifício da Cruz precisa prolongar-se


no sacrifício da Missa.

Morrendo na cruz por nós, dando por nós o seu próprio sangue, Jesus mereceu
para nós A GRAÇA, em qualquer sentido em que se considere: ou Graça Habitual,
isto é, o estado de graça santificante, em que o homem fica na amizade de Deus
e com o direito de herdar o Céu; ou Graça Atual, isto é, tudo o que vem a ser um
favor, um auxílio ou proteção, uma boa inspiração ou bom pensamento, um
conforto que procede de Deus na ordem sobrenatural.

De modo que TODAS AS GRAÇAS, recebidas por TODOS OS HOMENS, desde o princípio
do mundo, após o pecado de Adão, foram, são e serão concedidas em virtude dos
merecimentos infinitos de Jesus Cristo, na sua Morte Redentora. Há no
Sacrifício da Cruz, portanto, um MAR IMENSO DE GRAÇAS para a humanidade. Mas
para nos banharmos no mar, não é o mar que vem à nossa casa, somos nós que
para ele nos encaminhamos.

Já, vimos que, quando não possuímos a graça santificante, o meio estabelecido
por Cristo para adquiri-la, para recebê-la, são os Sacramentos do Batismo e da
Penitência; é aí que recebemos o banho purificador no mar imenso de graças que
Jesus Cristo deixou à nossa disposição no Calvário.

Os outros sacramentos servem para aumentarmos em nós esta graça santificante,


porque ela é susceptível de aumento: Crescei na graça (2ª Pedro III-18), dizia o
Apóstolo S. Pedro. E acontece que, enquanto a Confirmação só se recebe uma
vez, a Extrema-Unção fica para o fim da nossa vida, a Ordem é privativa dos
ministros do altar, não é para todos os fiéis e o Matrimônio só se pode repetir na
hipótese de morrer o consorte; a Eucaristia é um sacramento que pode ser
recebido até todos os dias, pela comunhão do corpo de Nosso Senhor Jesus
Cristo, cuja presença a Santa Missa está continuamente renovando no altar.

Mas ainda não é aí que queremos chegar; pois este aspecto da renovação da
presença aqui na terra do corpo de Jesus, para participarmos do Sacrifício da
Cruz, comendo da própria vítima ali oferecida, foi o que acabamos de apresentar
Cruz, comendo da própria vítima ali oferecida, foi o que acabamos de apresentar
no número anterior.

O que queremos frisar agora é que o Sacrifício do Calvário não só é a fonte da


graça santificante, mas também de GRAÇAS ATUAIS. Os próprios protestantes
reconhecem que não é pelo simples fato de Jesus Cristo ter morrido na Cruz, que
nós recebemos infalivelmente todas as graças. Nem é possível um homem
receber todas as graças ao mesmo tempo. Portanto os próprios protestantes se
sentem na necessidade de fazer alguma coisa: REZAR, por exemplo, para alcançar
as graças de Deus. Muitas graças que o homem não alcançaria nunca se não
orasse, as alcança pela ORAÇÃO. Esta oração não é forçosamente limitada a um
simples PEDIDO, ela pode ser também ato de ADORAÇÃO a Deus, ou de AÇÃO DE
GRAÇAS pelos benefícios recebidos. E com esta adoração e ação de graças melhor
se conquista a benevolência de Deus para conosco; compreende-se como é justo
que Deus abra ainda mais os tesouros de sua riqueza infinita para aquele que
sabe ADORÁ-LO de todo o coração, reconhecendo o seu supremo domínio, que
sabe sinceramente AGRADECER-LHE os benefícios que já recebeu.

Ora, o que acontecia na Antiga Lei? Bem podia alguém orar a Deus, adorá-Lo,
mostrar-se-Lhe agradecido, ou fazer-Lhe súplicas, sem que fosse preciso
oferecer-Lhe um SACRIFÍCIO: sacrifícios de bois, de cabritos, de flor da farinha, de
frutos da terra etc.

Mas, quando se oferecia o sacrifício na Antiga Lei, era A ORAÇÃO OFICIAL E


PÚBLICA DO POVO DE DEUS, que aos seus sentimentos de adoração, ação de graças,
contrição ou aos seus pedidos acrescentava um PRESENTE, uma OBLAÇÃO, uma
OFERTA feita a Deus para melhor granjear a divina benevolência. E aí então se
fazia o sacrifício do boi, do bode ou dos frutos da terra etc.

Jesus, instituindo o Santo Sacrifício da Missa, quis dar também ao povo cristão
esta oportunidade de fazer uma oferta, uma oblação a Deus, juntando esta oferta
a suas próprias orações e sentimentos, de modo que a missa passou a ser A
ORAÇÃO PÚBLICA E OFICIAL DO POVO DE DEUS na Nova Lei, assim como os
sacrifícios antigos o eram para os judeus, antes da vinda do Redentor.

O que agora acontece, porém, é que não precisamos sair à cata de bodes ou
carneiros ou novilhos para oferecer a Deus um sacrifício, e este sumamente
agradável aos seus divinos olhos. Basta-nos um pouco de pão e de vinho. E
graças ao maravilhoso poder de Jesus Cristo, temos sobre os nossos altares O
PRÓPRIO CORPO E O PRÓPRIO SANGUE DO SALVADOR QUE FORAM OFERECIDOS NA CRUZ.
Este PRESENTE que ofertamos a Deus é infinitamente mais valioso do que aqueles
que os judeus ofereciam. Esta VÍTIMA que Lhe oferecemos é, ela mesma,
inteligente, consciente, livre, de merecimento infinito; faz, ela mesma, no altar A
MELHOR DE TODAS AS ADORAÇÕES, DE TODAS AS SÚPLICAS, DE TODAS AS AÇÕES DE
GRAÇAS e aí nós ajuntamos, dentro da nossa insuficiência, os nossos próprios
sentimentos. Falaremos daqui a pouco sobre a necessidade de acompanharmos o
Sacrifício da Missa com o nosso próprio sacrifício íntimo, com a nossa própria
oferta de todo o nosso ser. Se não o fizermos, pior será para nós. Mas não há
perigo de ser o nosso sacrifício (o sacrifício da Missa) desagradável aos olhos de
Deus, como às vezes acontecia com os sacrifícios antigos; não há perigo, porque
a vítima que oferecemos é o próprio Filho de Deus.

Jesus é a cabeça do corpo da Igreja (Colossenses I-18). Formamos com Ele um


todo inseparável. Na Missa Ele não só se oferece a si mesmo, mas dá também à
Igreja o gosto, a satisfação, o privilégio de oferecê-Lo ao Eterno Pai, bem como
de oferecer-se a si mesma juntamente com Ele. A nossa adoração sobe aos Céus
unida com a adoração infinitamente perfeita de Jesus; o nosso reconhecimento,
com a sua perfeitíssima ação de graças; a nossa contrição juntamente com o
poder expiador do seu sangue; a nossa súplica, com a súplica sumamente eficaz
do nosso Divino Redentor.

A propiciação na Santa Missa.

338. E aqui ocorre naturalmente uma pergunta: Compreendemos muito bem que
Jesus no Sacrifício da Missa ADORE a seu Eterno Pai, LHE DÊ GRAÇAS pelos
benefícios que nós recebemos, pelo próprio benefício da Redenção e FAÇA
SÚPLICAS por nós. Mas em que sentido o Sacrifício da Missa pode ser chamado
propiciatório, se a propiciação, a expiação pelos nossos pecados já foi oferecida
suficientemente no Sacrifício da Cruz?

— Há na nossa salvação, na expiação dos nossos pecados A PARTE DE CRISTO e A


NOSSA PARTE. Cristo na cruz ofereceu o resgate que nos reconciliou com o seu
Eterno Pai, abriu para nós o caminho da salvação, tornou Deus propício a nos
perdoar. Mas a remissão dos pecados exige também que façamos alguma coisa
por nossa vez. Não se trata de Cristo pagar por nós e ficarmos mergulhados no
pecado, sem fazer coisa alguma e mesmo assim alcançarmos a salvação. A
remissão dos pecados não é possível, por exemplo, sem o NOSSO ARREPENDIMENTO.
Este arrependimento exige muitas vezes de nós um sacrifício heroico, porque é
preciso uma resolução de deixar o pecado, custe o que custar, para que o
arrependimento seja verdadeiro. “Deus nos criou sem nós, mas não nos salva
sem nós”, como diz S. Agostinho. Por isto, cada um de nós tem que fazer de sua
parte o seu sacrifício íntimo, para tornar eficaz a nosso respeito o sacrifício de
Jesus. Por outro lado, este arrependimento só é possível com o auxílio da graça
de Deus: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). Todos recebem de Deus
a graça suficiente para a salvação. Mas quantos e quantos pecadores
desperdiçam horrivelmente as graças divinas, se afundam cada vez mais no
lodaçal do pecado, tornam cada vez mais difícil a sua conversão, precisam,
portanto, de uma graça cada vez maior e mais abundante! A conversão de um
pecador empedernido já se pode considerar um grande milagre da graça.

Estará Deus obrigado a conceder estas graças tão grandes, tão extraordinárias a
um pecador que não fez outra coisa, se assim se pode dizer, senão malbaratar as
graças celestes, recusando-se sempre a converter-se? É o caso parecido, por
exemplo, com o do homem rico que prometeu fornecer dinheiro a outro para
equilibrar-se na vida. Este vai sempre complicando-se, adquirindo dívidas e são
necessários novos fornecimentos, sempre maiores. Depois de um certo tempo,
está obrigado o fornecedor que jamais viu boa vontade nem esforço da parte de
seu protegido, a continuar fazendo os seus empréstimos ou as suas dádivas em
proporção cada vez maior? O mesmo acontece com Deus. E quanto mais o
homem se afunda no pecado, maior graça necessita para libertar-se.

Aí então entra a súplica infinitamente valiosa de Jesus no Sacrifício do altar.


Pedindo a Deus mesmo pelos pecadores mais endurecidos, suplicando ao Eterno
Pai que abra cada vez mais os tesouros da sua misericórdia para conversão
daqueles que se acham engolfados, na podridão do vício, a Igreja Lhe apresenta,
para aplacar a Sua justa cólera contra aqueles que tão loucamente desprezam os
benefícios da Redenção, o corpo e o sangue de Jesus que se levantam aos Céus
numa SÚPLICA, para que se distribuam sempre mais e mais entre os homens as
graças divinas que tiveram sua nascente no Calvário.

Jesus na cruz fez a sua parte; no altar vem ajudar-nos a fazer a nossa, porque a
nossa também só pode ser feita com a graça de Deus; e esta graça, cuja fonte
inesgotável é a sua própria Morte Redentora, Ele está sempre pedindo para nós,
mesmo quando a desprezamos e nos tomamos indignos de recebê-la [49].

Notas (pular)

[49] Muitos protestantes gostam de apresentar o seguinte versículo da Epístola aos Hebreus: Se nós
pecamos voluntariamente depois de ter recebido o conhecimento da verdade, JÁ NÃO RESTA MAIS HÓSTIA PELOS
PECADOS (Hebreus X-26), querendo provar com isto que a Missa não pode ser sacrifício propiciatório. Na
sua ânsia de destruir a Santa Missa e combater o Catolicismo, eles não medem bem as suas palavras, porque
com esta errada interpretação estão afirmando simplesmente isto: que Jesus não pode ser uma hóstia de
propiciação na Santa Missa, porque Ele não é mais hóstia de propiciação para aqueles que pecam
voluntariamente, depois de ter recebido o conhecimento da verdade. Como se o sacrifício da Cruz servisse
para nos dar o perdão SOMENTE UMA VEZ NA VIDA. Dado o primeiro perdão, se esgotaria a eficácia do
sacrifício expiatório de Cristo. Quem pecasse depois da conversão, depois de ter abraçado a verdade, estaria
para sempre irremediavelmente perdido... Junte-se esta afirmativa, que já é de si bem terrível, com aquela
outra, também deles, protestantes, de que não há distinção alguma entre pecado mortal e pecado venial, e
veja-se bem que DOUTRINA ESTA, CAPAZ DE LEVAR O MUNDO INTEIRO AO DESESPERO.

É preciso considerar a frase no seu respectivo contexto. S. Paulo que é um hebreu, falando na sua Epístola
também AOS HEBREUS, se refere àqueles que abraçam o Cristianismo e depois caem na apostasia voltando ao
judaísmo. Ele exorta os cristãos a permanecerem fiéis à sua fé NÃO ABANDONANDO A NOSSA CONGREGAÇÃO
COMO É COSTUME DALGUNS (Hebreus X-25), porque se assim procedem de caso pensado, de propósito,
deliberadamente, só poderão esperar a condenação, uma vez que no judaísmo não encontrarão mais a
remissão dos pecados. Antigamente, isto é, antes de Jesus Cristo morrer na cruz, havia na Religião Judaica
os sacrifícios que se ofereciam pelos pecados e estes vêm descritos no Livro do Levítico, capítulos IV a VII.
Tais sacrifícios ordenados por Deus serviam de fato para remissão dos pecados, não pelo seu valor em si,
mas porque prefiguravam o sacrifício redentor de Cristo e dele tiravam a sua eficácia. Agora, porém, após a
morte de Jesus, tudo isto passou, porque já não é mais o tempo das figuras e sim o da realidade; esses
sacrifícios judaicos não vigoram mais; não resta mais hóstia pelos pecados. Para os que rejeitam a Cristo,
ABANDONANDO A NOSSA CONGREGAÇÃO, ISTO É, A SUA VERDADEIRA IGREJA, não existe propiciação, mas sim,
conforme continua o Apóstolo, uma esperança terrível do juízo e o ardor dum fogo zeloso que há de
devorar aos adversários. Se algum quebranta a lei de Moisés, sendo-lhe provado com duas ou três
testemunhas, morre sem dele se ter comiseração alguma; pois, quanto maiores tormentos merece o que
pisar aos pés o Filho de Deus e tiver em conta de profano o sangue do Testamento em que foi santificado e
que ultrajar o espírito da graça? (Hebreus X-27 a 29).

Isto acontece com os que se afastam do Salvador, afastando-se por culpa própria (não de boa fé ou por
ignorância) de sua Verdadeira Igreja. Mas para os que estão unidos a Cristo pela fé legítima, ainda existe a
Vítima, a Hóstia de Propiciação pelos nossos pecados; é Jesus Cristo, o qual não morre porque é eterno,
vivendo sempre para interceder por nós (Hebreus VII-25). E o Sacrifício da Missa É O MESMO Sacrifício da
Cruz. (voltar)

Confusões protestantes sobre os sufrágios.

339. Entre as graças que a Igreja pede a Deus, apresentando-Lhe o Cordeiro


Imaculado sobre os nossos altares, entre as graças que Jesus na Santa Missa pede
ao seu Eterno Pai em nosso favor, inclui-se esta também: um alívio, um
refrigério para as almas que se encontram no purgatório, para aqueles que
morreram, mas não estão ainda totalmente purificados para entrar no Céu.

E aqui vêm os protestantes com uma série de confusões.

Uma delas é a seguinte: mostram-se escandalizados porque, dizem, assim a


Missa vai SALVAR pecadores no outro mundo; ora, isto é fazer injúria ao
Sacrifício da Cruz que não precisa ser renovado para nos dar suficiente salvação.
Jesus já nos SALVOU na sua cruz.

— O engano dos protestantes reside precisamente nisto: o sufrágio da Missa NÃO


VAI SALVAR o pecador. Só aproveita o Sacrifício da Missa àqueles que JÁ ESTÃO
SALVOS. Para aqueles que morreram em estado de pecado mortal, que foram
condenados à perdição eterna, a Missa não aproveita coisa alguma; podem-se
celebrar milhões de missas e eles serão sempre réprobos no inferno, porque a
sentença de Deus é irrevogável e definitiva.

A Missa vai levar o refrigério somente àqueles que morreram na graça de Deus
e, portanto, se salvaram.

Mesmo quando se explica isto, os protestantes caem noutro engano: imaginam


que nós ensinamos que a alma só sai do purgatório, se alguma missa for
celebrada por ela.

— Também não é exato isto. Todas as almas do purgatório têm a certeza de que
sairão de lá um dia e irão gozar de Deus eternamente. Têm, sim, que pagar à
Justiça Divina, até a completa purificação. E quando se celebra a Santa Missa,
esta vem trazer-lhes um alívio nas suas penas ou uma abreviação destes seus
padecimentos, juntando-se assim ao efeito da justiça divina o favor da divina
misericórdia, em atenção à súplica infinitamente valiosa de Jesus.

O purgatório.

340. Finalmente os protestantes se mostram admirados em pensar como é que


uma alma que já foi SALVA, que já foi PERDOADA, por quem Cristo já PAGOU, tem
ainda alguma coisa que pagar perante Deus, após a sua morte. Se já está salva,
tem que ir diretamente para o Céu.
— E aqui entra a questão da existência do purgatório, claramente afirmada na
Bíblia, no 2º Livro dos Macabeus: É, logo, um santo e saudável pensamento
orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados (2º Macabeus XII-
46). Acontece, porém, que os livros dos Macabeus estão no rol daqueles que os
protestantes excluem da sua Bíblia. Entretanto isto não impede que
demonstremos com algumas considerações, dentro dos textos bíblicos, como é
ilógica a negação feita pelos “evangélicos”, da existência de um lugar de
purificação no outro mundo.

Antes de tudo, o que a Bíblia nos ensina é que há em Deus, entre outros, dois
grandes atributos: A SUA MISERICÓRDIA E A SUA JUSTIÇA. Não se pode enaltecer a
primeira sacrificando a segunda. Deus que é rico em misericórdia (Efésios II-4)
é o mesmo JUSTO JUIZ (2ª Timóteo IV-8), a cujo tribunal havemos todos de
comparecer, para que cada um receba o galardão segundo o que tem feito, ou
bom ou mau, estando no próprio corpo (2ª Coríntios V-10).

O pecador, por maiores que sejam os seus delitos e por mais anos que tenha
vivido no pecado, se se arrepende sinceramente, encontra Deus pronto para lhe
perdoar, para fazê-lo um filho seu pela graça santificante e um dia também
herdeiro do seu reino, GOZANDO NO CÉU ETERNAMENTE, apesar de muitas e muitas
vezes ter feito atos que mereciam a condenação eterna. Este perdão, ele recebe
graças ao SACRIFÍCIO DE CRISTO na cruz, pois Cristo ofereceu aí uma satisfação
condigna pela ofensa infinita feita a Deus. Se esta condigna satisfação foi
oferecida, é porque A JUSTIÇA DE DEUS a exigiu, não estando nós em condições de
apresentá-la.

E assim se conciliaram A JUSTIÇA E A MISERICÓRDIA.

Mas o Sacrifício de Cristo não foi realizado para anular a JUSTIÇA DIVINA, e sim a
fim de abrir um caminho para o perdão, caminho este que estava fechado pela
impossibilidade, em que se encontrava o homem, de oferecer a Deus uma
reparação suficiente pelos seus pecados.

Por isto A JUSTIÇA DIVINA continua de pé. Até este próprio PERDÃO que Deus dá ao
homem, é concedido, de certo modo, segundo um critério de JUSTIÇA: só são
perdoados aqueles que, cooperando com a graça, se arrependem sinceramente e
fazem um firme propósito de emenda. Os que não se arrependem são
condenados.
Ora, tivemos ocasião de apresentar muitos textos da Bíblia (5 do Antigo e 5 do
Novo Testamento; veja-se nº 35) em que se diz claramente que Deus RETRIBUIRÁ
A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS. Isto o protestante não pode negar, porque é
um ensino insistente das Escrituras.

Daí já se segue que aqueles que entrarem no Céu terão uma glória maior ou
menor, de acordo com as suas obras, com sua vida, com seu grau de virtude,
com seu procedimento. É claro que aquele que viveu muitos e muitos anos no
pecado e se converteu pouco tempo antes de sua morte, não pode ter o mesmo
grau de felicidade como aquele que durante toda sua vida, entre sacrifícios,
mortificações e renúncias e vitórias sobre as tentações, serviu a Deus com toda a
fidelidade. É possível que os protestantes, contra toda lógica, contra toda noção
da justiça de Deus, achem que isto está muito certo, que o quinhão é o mesmo
para todos, baseando-se na sua estranha doutrina de que as nossas boas obras não
influem nem direta nem indiretamente na salvação, mas já refutamos
suficientemente esta teoria e basta esta afirmação tão insistente de que Deus
retribuirá a cada um segundo as suas obras para mostrar que esta teoria, além de
ilógica, é antibíblica.

Por outro lado, é claro que aqueles que recusando o perdão divino, não querendo
converter-se, entrarem no inferno, receberão o castigo maior ou menor na
proporção das más obras que fizeram, das iniquidades que cometeram.

Mas acontece também que muitos e muitos morrem, comparecem diante do


TRIBUNAL JUSTÍSSIMO DE DEUS e estão em tais condições que nem poderão ser
condenados ao inferno, uma vez que não se trata de almas em estado de pecado
mortal, impiamente afastadas de Deus; nem também estão suficientemente puros
para entrarem imediatamente na glória do Céu. A alegação protestante de que o
sangue de Cristo nos purifica de todo pecado, não vem ao caso, porque, segundo
confessam os próprios protestantes, para haver perdão é preciso haver
ARREPENDIMENTO. Os que negam isto ensinam uma doutrina imoral e absurda que
afundaria a Humanidade na mais grosseira corrupção. E há muitos pecados, dos
quais a alma, por exemplo, não se arrepende, não faz propósito de emenda, mas
que não são pecados graves, pelos quais Deus condene ao inferno, à perdição
eterna.

Os protestantes, rejeitando a distinção entre pecado mortal e pecado venial,


aberram contra toda a lógica e mais ainda supõem para eles mesmos dificílima a
salvação.
salvação.

A própria Bíblia nos fala de uns pecados MAIORES do que outros. Jesus diz a
Pilatos: O que me entregou a ti tem MAIOR pecado (João XIX-11). Ora, se entre
duas faltas tão graves, como eram a covardia de Pilatos e a traição de Judas, se
estabelece uma diferença, quanto mais entre aqueles pecados que são faltas
graves por sua natureza e aqueles que todo o mundo está vendo serem faltas
leves.

Nosso Senhor mesmo no Evangelho repreende os judeus que na sua cegueira, no


seu egoísmo, enxergam faltas leves nos outros, ao mesmo tempo que não
enxergam faltas muito graves em si próprios, dizendo que estes judeus veem um
argueiro no olho do próximo e não veem uma TRAVE no seu: Por que vês tu, pois,
a ARESTA no olho de teu irmão, e não vês a TRAVE no teu olho? (Mateus VII-3).
Em outra ocasião, depois de censurar os hipócritas escribas e fariseus, porque se
esforçam por observar preceitos pequeninos, e não cuidam de cumprir com os
grandes preceitos da lei de Deus, depois de dizer que eles deviam observar estes
últimos SEM OMITIR aqueles outros, Nosso Senhor acrescenta: Condutores cegos,
que coais um MOSQUITO e engolis um CAMELO (Mateus XXIII-24).

Portanto, segundo o ensino do Divino Mestre, pode haver diferença muito


grande de pecado para pecado, diferença tão grande como a que há de um
MOSQUITO para um CAMELO, de um ARGUEIRO para uma TRAVE.

A própria razão nos está indicando a diferença entre pecados mortais e pecados
veniais.

Toda mentira é pecado, porque faltar à verdade é ofender a Deus. Mas uma coisa
é a mentira inocente, de mera desculpa, para ocultar algum fato desagradável, e
outra coisa é a mentira que encera em si uma calúnia que vai manchar
miseravelmente a reputação do próximo. A censura feita aos outros é sempre um
pecado, porque é faltar com a caridade. Mas não se pode comparar a censura
bem fundamentada sobre falta leve, feita com moderação, e a censura maliciosa
sobre faltas graves de que não se tem certeza. Uma coisa é a raiva ligeira, a leve
impaciência, e outra coisa é o ódio que fervilha no coração, com desejos de
vingança. Não se pode comparar uma simples palavra dita por imprudência com
uma blasfêmia premeditada, nem o roubo de um cavalo com o furto de uma
caixa de fósforos. A mesma ação e o mesmo pecado podem variar no grau de
culpabilidade, conforme se tenham cometido com maior ou menor advertência
culpabilidade, conforme se tenham cometido com maior ou menor advertência
ou consentimento da vontade, que também admitem graus.

Não querer fazer distinção alguma entre pecados mortais e veniais é mostrar-nos
um Deus excessivamente rigoroso que condena o homem ao fogo eterno mesmo
por faltas muito leves, porque estas faltas, é certo que Deus não faz vista grossa
sobre elas, temos que prestar contas sobre as mesmas diante do tribunal
justíssimo de Deus, onde havemos de ser chamados à responsabilidade até por
uma palavra inútil: E digo-vos que de TODA A PALAVRA OCIOSA que falarem os
homens, darão conta dela no dia do juízo; porque pelas tuas palavras serás
justificado e pelas tuas palavras serás condenado (Mateus XII-36 e 37). Sede
vós, logo, perfeitos, como também vosso Pai celestial é perfeito (Mateus VI-48).
Não ver nenhuma diferença entre pecados graves e pecados leves, considerar
qualquer pecado como merecedor da condenação eterna, e ao mesmo tempo
exigir o arrependimento para se obter o perdão, arrependimento este que implica
necessariamente um sério propósito de emenda (do contrário não é
arrependimento sincero) é o mesmo que colocar-nos numa situação sumamente
angustiante, em que são raríssimos os que escapam aos tormentos do inferno.

Se é certíssimo, portanto, porque o diz a Escritura, que DEUS RETRIBUIRÁ A CADA


UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS, é certíssima também a existência do purgatório.

Além disto, não são somente os pecados veniais que não foram perdoados que
exigem um castigo da parte de Deus, castigo temporário, é claro, porque estes
pecados não implicam na condenação eterna. São os próprios pecados mortais
perdoados, porque vemos pela Sagrada Bíblia que Deus, mesmo depois de
absolver o pecado, exige ainda do pecador perdoado uma pena, uma expiação de
seu erro. Da pena eterna, ele se livra, está apto para gozar ainda da eterna
herança do Céu; antes, porém, tem que submeter-se a uma penitência. E assim
mais uma vez se conciliam A JUSTIÇA E A MISERICÓRDIA.

O protestante naturalmente pede exemplos disto. E os podemos dar.

No capítulo XIV do livro dos Números vemos Deus dizendo a Moisés: Até
quando murmurará de mim este povo? Até quando não me acreditará depois de
todos os prodígios que tenho feito diante deles? Eu, pois, os ferirei com peste e
os consumirei, e a ti far-te-ei príncipe duma gente grande e mais forte do que
esta é (Números XIV-11 e 12). Moisés intercede pelo povo: Perdoa, te suplico,
o pecado deste povo, segundo a grandeza da tua misericórdia, assim como tu
lhe foste propício desde a saída do Egito até este lugar (Números XIV-19).
Deus perdoa, de acordo com a súplica de Moisés, mas exige sempre um castigo,
embora menor: EU LHE PERDOAREI, conforme tu me pediste. Por minha vida, que
toda a terra será cheia da glória do Senhor. Mas entretanto TODOS OS HOMENS que
viram o resplendor da minha majestade e as maravilhas que fiz no Egito e no
deserto e que me tentaram dez vezes e que não obedeceram à minha voz NÃO
VERÃO A TERRA que eu prometi a seus pais com juramento; nenhum dos que
detraíram de mim a verá (Números XIV-20 a 23).

O próprio Moisés que num gesto de impaciência bateu duas vezes na pedra,
duvidando não do poder mas da bondade de Deus, achando que Deus falara
ironicamente e não iria atender àquele povo rebelde, recebe o castigo divino,
embora, é claro, seja perdoado de sua falta: E o Senhor disse a Moisés e a Arão:
Porque vós me não crestes para me santificardes diante dos filhos de Israel, não
introduzireis estes povos na terra que tenho para lhes dar (Números XX-12). E
assim morreu Moisés avistando a Terra Prometida, mas sem ter o gosto de nela
entrar (Deuteronômio XXXIV-1 a 5).

Davi, depois de cometido o seu grave pecado (2º Reis XI-2 a 17) recebe a
advertência de Natã. E reconhece o seu erro: Pequei contra o Senhor (2º Reis
XII-13). Natã lhe faz ver que Deus lhe perdoou, mas que nem por isto deixará de
lhe ser imposta uma pena: Também O SENHOR TRANSFERIU O TEU PECADO: não
morrerás. Todavia, como tu pelo que fizeste deste lugar a que os inimigos do
Senhor blasfemem, MORRERÁ CERTAMENTE O FILHO que te nasceu (2º Reis XII-13 e
14). E apesar da oração e do jejum rigoroso e do retiro de Davi, a sentença se
cumpriu.

Vemos nos profetas a exortação não só para o arrependimento, mas também para
as obras de penitência: Agora, pois, diz o Senhor: Convertei-vos a mim de todo o
vosso coração, EM JEJUM e em lágrimas e em gemidos (Joel II-12).

Por tudo isto se vê que o perdão dado por Deus não exclui necessariamente o
castigo infligido ao pecador. Este recebe uma pena sem comparação menor do
que merecia, pois, se mereceu um castigo eterno, receberá uma pena passageira;
aí se mostra ao mesmo tempo a bondade de Deus PERDOANDO, e a sua justiça
RETRIBUINDO A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS.
Nem se venha dizer que estes são exemplos do Antigo Testamento e que na
Nova Lei é diferente. O perdão dado por Deus aos antigos é perdão que nos é
concedido hoje, pois também antigamente ele era dado em virtude dos
merecimentos de Jesus Cristo que antecipadamente se levavam em conta em
benefício do pecador. A nossa responsabilidade perante Deus é ainda maior
depois da vinda de Cristo, pois muito maiores são as graças por nós recebidas: a
todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido (Lucas XII-48).
S. Paulo escreve sua epístola aos Colossenses que vai dirigida aos santos e fiéis
irmãos em Jesus Cristo que habitam em Colossos (Colossenses I-2) escolhidos
de Deus, santos e amados (Colossenses III-12), mas não deixa de adverti-los:
Servi a Cristo o Senhor; porque o que faz injustiça receberá o pago do que fez
injustamente, porque não há acepção de pessoas em Deus (Colossenses III-24 e
25).

Não se fala em purgatório sem que o protestante se lembre imediatamente do


trecho de Isaías que ele tanto vive a citar: Se os vossos pecados forem como a
escarlata, eles se tomarão brancos como a neve; e se forem roxos como o
carmesim, ficarão alvos como a branca lã (Isaías I-18) para tentar provar com
isto que os convertidos não precisam mais de purificação alguma. Mas é sempre
a mesma história da frase separada de seu contexto. Leia-se este primeiro
capítulo de Isaías desde o seu começo. Nos 15 versículos iniciais, Deus faz, por
intermédio do profeta, as mais amargas queixas sobre as ingratidões do seu
povo. Depois, exorta os ingratos israelitas A REALIZAREM ELES MESMO A SUA
PURIFICAÇÃO, A SUA EMENDA E REABILITAÇÃO. Eis o que diz Isaías: LAVAI-VOS,
PURIFICAI-VOS, TIRAI de diante de meus olhos a malignidade de vossos
pensamentos, CESSAI de obrar perversamente, APRENDEI a fazer o bem, PROCURAI o
que é justo, SOCORREI ao oprimido, FAZEI JUSTIÇA ao órfão, DEFENDEI a viúva (Isaías
I-16 e 17). Não é irremediável o caso de Israel; se os iníquos judeus deixam o
mau caminho e se esforçam pela sua reparação, podem chegar até a mais
completa purificação, podem passar da mais negra situação de pecado até à mais
límpida pureza d’alma: E vinde e argui-me, diz o Senhor: se os vossos pecados
forem como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; e se forem roxos
como o carmesim, ficarão alvos como a branca lã (Isaías I-18).

O mal dos protestantes é que, todas as vezes que se fala em justificação, eles,
tomando uma posição muito cômoda, pensam unicamente na ação
misericordiosa de Deus (como se Deus fizesse TUDO e a ação do homem fosse
apenas a de CONFIAR) quando esta ação purificadora é obra de Deus e do homem
ao mesmo tempo: Deus entra com a sua graça, mas é preciso que o homem entre
também com o seu esforço, a sua colaboração, o seu sacrifício. O que o profeta
Isaías nos mostra aí no trecho é o homem cooperando na purificação com as suas
OBRAS, e não apenas com a sua confiança. O mal dos protestantes é também
imaginar que o homem, uma vez tomado puro como a branca neve, não possa
mais chamuscar-se de escarlata outra vez, caindo em várias imperfeições porque
todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2).

Se Cristo expiou por nós na cruz, não foi para dispensar o homem de fazer
também a sua REPARAÇÃO por si mesmo, foi para melhor ajudar o homem a
realizá-la e para torná-la eficaz e meritória, porque é levada a efeito com a graça
de Cristo: RIME OS TEUS PECADOS COM ESMOLAS e as tuas iniquidades com obras de
misericórdia para com os pobres (Daniel IV-24) (Nas Bíblias protestantes
procure-se o versículo 27; assim o traz Ferreira de Almeida: DESFAZE OS TEUS
PECADOS PELA JUSTIÇA; e as TUAS INIQUIDADES USANDO DE MISERICÓRDIA para com os
pobres — Daniel IV-27). Perdoados lhe são seus muitos pecados, PORQUE AMOU
MUITO (Lucas VII-47). A caridade COBRE A MULTIDÃO DOS PECADOS (1ª Pedro IV-8).

Quando o homem, mesmo convertido, não realiza completamente esta reparação,


de molde a satisfazer à JUSTIÇA DE DEUS (a qual não desapareceu com a morte de
Cristo) tem que haver necessariamente a purificação no outro mundo.

O caso do bom ladrão, a quem Jesus disse: Hoje serás comigo no paraíso (Lucas
XXIII-43) não encerra em si nenhuma prova de que não exista purgatório.
Porque não dizemos que toda pessoa infalivelmente tenha que passar por ele.
Admitimos que haja muitas pessoas que dele se livram por morrerem totalmente
quites com a justiça divina, pelo fato de terem pago já neste mundo a sua dívida
pelos pecados. Este foi de certo, de acordo com os desígnios divinos, o caso do
bom ladrão. Os horrorosos suplícios da crucifixão eram um castigo de suas
culpas. E ele os aceitou com tanta boa vontade, com tão profundo e sincero
arrependimento, com uma dor tão viva em sua alma, que o Divino Mestre achou
que o purgatório para ele já havia sido cumprido aqui na terra. Cada um pode
livrar-se, ou em parte ou totalmente, dessas penas futuras com os sofrimentos
desta vida, principalmente quando os aceita com o ânimo heroico e penitente
com que soube padecer o bom ladrão.

E quanto à parábola do rico e do pobre Lázaro que, morrendo foi levado, sem
mais demora, ao seio de Abraão, desde que, como dissemos, há pessoas que não
mais demora, ao seio de Abraão, desde que, como dissemos, há pessoas que não
passam pelo purgatório por terem sofrido suficientemente neste mundo as penas
pelos seus pecados, Jesus que queria frisar na sua parábola a diferença de sorte
que vão ter eternamente o bom e o mau, especialmente o mau que viveu entre
delícias e o bom que viveu no maior sofrimento, Jesus escolheu precisamente
um caso destes, de pessoa que já sai daqui inteiramente quites por muito ter
sofrido, para melhor realçar o contraste. Escolher o caso de um que ainda tivesse
que sofrer no purgatório, por pouco tempo que fosse, seria estragar o efeito da
parábola. Nem também quis o Divino Mestre descrever nesta história como é
que se faz o julgamento de todos os homens; este julgamento varia muito de
acordo com as circunstâncias especiais de vida e com o grau de virtude de cada
pessoa. Quis apenas mostrar que tanto o gozo dos maus como o sofrimento dos
bons são passageiros e transitórios, não sendo nada em comparação com a
eternidade.

Encerramos, portanto, estas considerações com a conclusão de que o Sacrifício


da Missa, em lugar de diminuir o valor do Sacrifício da Cruz, é ao contrário o
próprio Sacrifício da Cruz, como uma Árvore da Vida, estendendo os seus ramos
ainda mais ao nosso alcance, para que melhor possamos aproveitar-nos dos seus
frutos. A remissão dos pecados não é possível sem a nossa cooperação, sem o
nosso arrependimento, e este arrependimento não é possível sem a graça de
Deus. Cristo que na cruz fez suficientissimamente o que era de sua parte,
oferecendo o preço do nosso resgate que nós mesmos nunca podíamos oferecer,
Cristo na Missa vem ajudar-nos a fazer a nossa, interpondo-se mais uma vez
entre Deus e os homens para nos conseguir a graça do arrependimento, mesmo
quando dela já nos tornamos indignos por nossas reiteradas ingratidões. E como,
uma vez perdoados, ainda nos resta uma dívida para com Deus, ainda estamos
sujeitos a uma pena temporal, na qual foi comutada a pena eterna; como nem
sempre recebemos o perdão de TODOS OS PECADOS aqui na terra, pois há pecados
leves de que nem sempre temos o necessário arrependimento, a súplica de Cristo
na Santa Missa vem alcançar também um alívio e refrigério ou mesmo uma
abreviação para aqueles que no outro mundo se estão purificando perante a
Justiça Divina, a fim de se tomarem aptos para alcançarem o prêmio eterno, a
eterna felicidade lá no Céu, onde não entra nada contaminado.

Cristo, único sacerdote.


341. Passamos à terceira objeção:
Nós temos na Nova Lei um ÚNICO SACERDOTE que é Cristo, e não muitos
sacerdotes que são fracos e pecadores, porque são homens, como vemos na
Igreja Católica.

— A Bíblia compara Cristo com o Sumo Sacerdote da Antiga Lei (Hebreus IX-6
e 7; 11 e 12) e diz que o seu sacerdócio permanece para sempre (Hebreus VII-
24). Mas, embora a Bíblia não use esta expressão ÚNICO SACERDOTE, vamos
aceitá-la sem discutir e assim encurtaremos o caminho para a resposta.

Temos que observar o mesmo que já dissemos a respeito da questão: Cristo =


pedra, Pedro = pedra (nº 161). A mesma palavra atribuída a Deus e atribuída aos
homens tem um sentido diverso. Atribuída a Deus, tem um sentido absoluto,
perfeitíssimo; atribuída aos homens, tem um sentido relativo, pois tudo quanto o
homem tem, tudo quanto o homem faz, é na dependência de Deus.

Cristo é o ÚNICO SACERDOTE, sacerdote com letra maiúscula, isto não impede que
haja sacerdotes com letra minúscula.

Deus é o único PAI (A NINGUÉM chameis PAI vosso sobre a terra; porque um só é
o vosso PAI que está nos Céus — Mateus XXIII-9) e no entanto a mesma Bíblia
nos manda honrar pai e mãe. Deus é quem tem a si a paternidade; os pais da terra
a recebem de Deus. Jesus é O ÚNICO MESTRE (Nem vos intituleis mestres; porque
UM SÓ é o vosso MESTRE, O CRISTO — Mateus XXIII-10). E no entanto os
Apóstolos e seus sucessores são mandados, como mestres, a ENSINAR a todos os
povos. São mestres também, mas não no sentido absoluto em que o é Cristo;
ensinam aos outros o que o próprio Cristo lhes ensinou. Só Deus é BOM (NINGUÉM
É BOM senão SÓ DEUS — Marcos X-18). E no entanto há pessoas boas, a própria
Bíblia dá o nome de BOM a homens como vimos (nº 161), mas a bondade destes
vem de Deus, por isto só Deus é bom no sentido absoluto. Ensina-nos S. Paulo
que só DEUS possui a imortalidade (1ª Timóteo VI-16) e no entanto a nossa alma
também é imortal, porque RECEBEU de Deus a imortalidade, a qual só Deus possui
por uma de exigência de sua própria natureza, o homem a possui por
participação, como um dom que lhe veio do Autor de todas as coisas. E assim
por diante.

Deste modo Cristo é o ÚNICO SACERDOTE, o que não impede que haja outros
sacerdotes, que são ministros de Cristo, que agem em nome de Cristo, que de
Cristo receberam os poderes de que estão revestidos.

A oblação constante de Cristo.

342. Finalmente chegamos à última objeção protestante. S. Paulo diz que Cristo
NÃO ENTROU no santuário do Céu para se oferecer MUITAS VEZES a si mesmo
(Hebreus IX-25) e que nós somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus
Cristo feita UMA VEZ (Hebreus X-10). Logo, Cristo não se oferece milhares de
vezes no Sacrifício da Missa, como querem os católicos.

— A oblação ou o oferecimento de si próprio a Deus sempre existiu na alma de


Jesus Cristo e era bastante por si só para remir o mundo inteiro. Bastava uma
oração, um ato de amor, um suspiro de Cristo para realizar a nossa Redenção,
pois qualquer ato de Cristo, que era Homem-Deus, tinha um valor infinito. E que
este oferecimento havia sempre na alma do Salvador, nós o sabemos não só pela
perfeição desta mesma alma, senão também pela própria Bíblia, que nos
apresenta o Filho de Deus, dizendo logo desde a sua entrada neste mundo: Não
quiseste hóstia nem oblação, mas tu me formaste um corpo; os holocaustos pelo
pecado não te agradam. Então disse eu: Eis aqui venho; no princípio deste livro
está escrito de mim; para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hebreus X-5 a 7).

Este oferecimento total de si mesmo ao Eterno Pai não só existiu em toda a vida
de Cristo, antes e depois da sua Paixão, como existe eternamente no Céu, onde a
alma de Cristo continua a gozar, como sempre gozou, da VISÃO BEATÍFICA. A
OBLAÇÃO é uma só, porém eterna, sem interrupção na alma de Cristo, oblação
total de si mesmo ao seu Pai Eterno.

Mas acontece que, embora bastasse esta oblação, num só instante que fosse, para
remir toda a Humanidade, Deus Pai, nos decretos insondáveis de sua JUSTIÇA,
exigiu que a redenção da Humanidade não fosse realizada sem o derramamento
de sangue, sem a morte de Jesus. Sem efusão de sangue não há remissão
(Hebreus IX-22). De modo que o preço do resgate da Humanidade só seria
oferecido a Deus, quando à oblação, que era permanente na alma de Cristo, se
juntasse um fato que era passageiro, que se daria UMA SÓ VEZ, isto é, quando
Cristo derramasse o seu sangue e morresse por amor de nós. No Calvário se
juntaram as duas coisas: a oblação de Cristo e a sua MORTE. Nesta hora se operou
a nossa Eterna Redenção, ficamos livres da escravidão do demônio, ficamos com
o direito à GRAÇA SOBRENATURAL, o Céu se abriu etc.

Mas daí não se segue que a oblação cessasse na alma de Cristo.

Os protestantes se atrapalham com os textos da Epístola aos Hebreus,


principalmente nos capítulos VII, VIII, IX e X, porque o fito que tem o Apóstolo
S. Paulo é o seguinte: demonstrar aos judeus convertidos a quem escreve, a
imensa superioridade do sacrifício de Cristo feito na cruz, sobre os da Lei
Antiga, na qual se faziam muitos e muitos sacrifícios, se imolavam muitos touros
e novilhos e bodes e carneiros, entravam em ação muitos sacerdotes e não se
conseguia resolver o problema da remissão dos pecados, porque é impossível
que com sangue de touros e de bodes se tirem os pecados (Hebreus X-4). Deus
aceitava aqueles sacrifícios, porque prefiguravam o único Sacrifício
completamente satisfatório, aquele que Jesus Cristo haveria de oferecer na cruz;
aí é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, feita uma
vez (Hebreus X-10).

S. Paulo refere-se então ao costume de entrar o Sumo Sacerdote, uma vez cada
ano, no Santo dos Santos, que estava fechado para simbolizar o Céu que também
estava fechado para nós, e entrava não sem sangue que oferecesse pelas suas
próprias ignorâncias e pelas do povo (Hebreus IX-7), mas com sangue alheio
(Hebreus IX-25), sangue de bodes ou de bezerros (Hebreus IX-12), ao passo que
Cristo entrou em santuário que era mais excelente e perfeito tabernáculo, não
feito por mão de homem, isto é, não desta criação (Hebreus IX-11), entrou no
Céu, do qual o Santo dos Santos era apenas um símbolo, com o seu próprio
sangue (Hebreus IX-12) e entrou uma só vez havendo achado uma redenção
eterna (Hebreus IX-12).

Mas, como a comparação que S. Paulo está fazendo é entre a chegada de Cristo
no Céu e a entrada do Sumo Sacerdote no Santo dos Santos, entrada esta que se
realizava todos os anos e que era feita para oferecimento de um sacrifício que
anualmente se repetia, S. Paulo, com receio de que os hebreus não entendessem
bem a comparação e ficassem pensando que o nosso Sumo Sacerdote Cristo
necessitasse estar sempre repetindo o seu Sacrifício no Céu, S. Paulo, não
contente com dizer que Cristo entrou no santuário celeste UMA SÓ VEZ (Hebreus
IX-12), acrescenta que Cristo não entrou naquele santuário para realizar aí
muitas vezes o seu Sacrifício Redentor, o qual aliás já tinha sido realizado na
cruz: E não entrou para oferecer muitas vezes a si mesmo, como o pontífice
cada ano entra no santuário com sangue alheio, doutra maneira Lhe seria
necessário padecer muitas vezes desde o princípio do mundo (Hebreus IX-25 e
26). O sacrifício redentor de Cristo foi UM SÓ, o da Cruz, e com este Ele ofereceu
condigna satisfação por todos os pecados passados, presentes e futuros.

Há alguns protestantes que aí fazem confusão, entendendo mal as palavras de


Cristo e tiram a conclusão de que o sacrifício de Cristo foi oferecido no Céu e
não na cruz. Não é isto o que S. Paulo quis dizer, quis apenas fazer uma
comparação da ENTRADA de Cristo no Céu feita UMA SÓ VEZ e definitivamente,
com a entrada que todos os anos precisava fazer o Sumo Sacerdote judaico no
segundo tabernáculo.

Que se conclui de tudo isto? Que a OBLAÇÃO REDENTORA só foi feita uma vez.
Cristo não oferece mais o seu corpo e o seu sangue PARA REMIR A HUMANIDADE,
porque a Humanidade já foi REMIDA no Sacrifício da Cruz. Mas segue-se daí que
Cristo não possa mais OFERECER SEU CORPO E O SEU SANGUE para alcançar certas e
determinadas graças para nós? Segue-se daí que Cristo não possa mais oferecer-
se a Deus Pai para adorá-Lo e render-Lhe graças?

Ora, a OBLAÇÃO que faz Cristo no Santo Sacrifício da Missa não é uma OBLAÇÃO
REDENTORA, neste sentido de que a Missa seja celebrada para remir a
Humanidade, como se esta não tivesse alcançado ainda a Redenção; a
Humanidade já está remida, o preço do resgate já foi pago, o Céu já está aberto,
a Humanidade já foi restaurada no plano sobrenatural.

Os protestantes nos advertem que a Eucaristia é realizada em comemoração do


Senhor, em memória de sua Paixão e Morte. Ora, quando se comemora um fato,
argumentam eles, este fato não se repete: quando comemoramos a
Independência do Brasil, não quer dizer que o Brasil se torne independente outra
vez.

Estamos perfeitamente de acordo. Nós comemoramos no Sacrifício da Missa A


MORTE de Cristo; e não matamos a Cristo outra vez, quando a Missa é celebrada.

Mas o Sacrifício da Missa é UMA REPRESENTAÇÃO DO DRAMA DO CALVÁRIO, em que


temos no altar o próprio Corpo e o próprio Sangue que Cristo ofereceu na Cruz.
Cristo na Missa faz o seu OFERECIMENTO, a sua OBLAÇÃO, não já para nos remir,
mas para suplicar a Deus muitas graças para nós, que Deus absolutamente não
está obrigado a nos conceder e para adorá-Lo e render-Lhe graças em nosso
lugar. Assim temos a felicidade de assistir pessoalmente ao Sacrifício da Cruz,
pois o Sacrifício da Missa é o mesmo Sacrifício do Calvário, embora levado a
efeito de maneira diversa, pois a Vítima é a mesma, e mesmo é o Sacerdote
Cristo que é o PRINCIPAL OFERENTE. E nós que assistimos à REPRESENTAÇÃO do
Sacrifício da Cruz, levamos uma vantagem sobre aqueles que assistiram no
Calvário à sua CRUENTA REALIZAÇÃO: é que a Missa é o próprio Sacrifício do
Gólgota desdobrado num banquete, em que nós podemos participar da própria
Vítima oferecida, alimentando-nos do seu próprio Corpo, que nos é dado como
nutrição especial para mantermos em nós a vida da graça.

Não há dúvida que Cristo podia ter providenciado de outro modo o aumento da
GRAÇA SANTIFICANTE e a nossa permanência nela, mas o modo como Ele quis fazer
e o fez, demonstra o seu imenso amor para conosco, eternizando a sua presença
na terra, unindo-se intimamente, na comunhão, com aqueles que creem na sua
palavra, no seu mistério eucarístico e dando-nos o privilégio de juntar a nossa
oblação, o oferecimento a Deus de todo o nosso ser, com aquela oblação, aquele
oferecimento que são eternos na sua Alma Puríssima de Redentor.

A nossa oblação.

343. E assim entramos noutro aspecto da doutrina do sacrifício. Deus se


aborrecia com os sacrifícios antigos, porque eles eram feitos como um SINAL dos
sentimentos que o povo tinha para com Deus, e muitas e muitas vezes este sinal
era falho e inexpressivo, não correspondia à realidade.

Na Nova Aliança, a Vítima oferecida é em si mesma agradabilíssima aos olhos


de Deus, porque é o seu próprio Divino Filho. Mas disto não se segue que
estejamos dispensados de juntar à oblação desta Vítima infinitamente preciosa, a
nossa própria oblação; ao sacrifício de Jesus, os nossos próprios sacrifícios
pessoais. Sem esta submissão íntima do nosso coração a Deus não nos salvamos.

E daí vêm as exortações da Bíblia a acompanharmos o sacrifício de Cristo com a


nossa própria consagração a Deus: Tendo um grande sacerdote sobre a casa de
Deus, cheguemo-nos a Ele com VERDADEIRO CORAÇÃO, revestidos duma COMPLETA
FÉ, tendo os CORAÇÕES PURIFICADOS de consciência má, e lavados os corpos com
água limpa, conservemos firme a profissão da NOSSA ESPERANÇA (porque fiel é o
que fez a promessa) e consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos à
CARIDADE e às BOAS OBRAS (Hebreus X-21 a 24).

O sacerdócio dos fiéis.

344. Desde que o papel do sacerdote é oferecer a Deus PRESENTES e SACRIFÍCIOS


em nome do povo, o cristão que faz suas ofertas a Deus, que a Deus oferece seus
SACRIFÍCIOS, está também de um certo modo exercendo um SACERDÓCIO. Por isto
nos diz S. Pedro, falando sobre Cristo: Chegai-vos para Ele, como para a pedra
viva que os homens tinham sim rejeitado, mas que Deus escolheu e honrou;
também sobre ela vós mesmos, como pedras vivas, sede edificados em casa
espiritual, em SACERDÓCIO SANTO, para oferecer SACRIFÍCIOS ESPIRITUAIS, que sejam
aceitos a Deus por Jesus Cristo... Vós sois A GERAÇÃO ESCOLHIDA, O SACERDÓCIO
REAL, A GENTE SANTA, o povo de aquisição, para que publiquei as grandezas
dAquele que das trevas vos chamou à sua maravilhosa luz (1ª Pedro II-4 e 5, 9).

Os mesmos protestantes que usam o argumento de que, sendo Cristo o ÚNICO


SACERDOTE, não há sacerdotes na Nova Lei, se servem agora deste texto para
querer com isto demonstrar que todos os fiéis SÃO SACERDOTES (!).

Entretanto S. Pedro fala aí de um sacerdócio, não no sentido próprio, em toda a


extensão da palavra, mas num sentido lato, assim como Cristo disse que a
Escritura chama DEUSES àqueles a quem a palavra de Deus não foi dirigida, e a
ESCRITURA não pode falhar (João X-35). Também se diz do bom médico, do bom
professor, que exercem um sacerdócio.

Uma coisa logo atrapalha aquele que só tem em mãos o texto em português (e é
um exemplo, entre muitos, que mostra como para entender bem a Bíblia é
preciso saber o grego e o hebraico, línguas originais em que foi escrita), é que
S. Pedro diz: Vós sois... o SACERDÓCIO REAL, mas a palavra REAL tem 2 sentidos
em português:

REAL = que existe de fato; que não é ideal, mas é efetivo, verdadeiro.

REAL = relativo ao rei; digno ou próprio de rei; magnificente, régio.

Ora, a palavra grega que aí corresponde a REAL (BASÍLEION) tem unicamente este
segundo sentido.

Quem lê o latim da Vulgata não tem perigo de fazer confusão, pois o texto não é
REALE SACERDOTIUM, mas REGALE SACERDOTIUM.

Que vem a ser um sacerdócio real, na expressão de S. Pedro? Equivale a UM


CORPO RÉGIO DE SACERDOTES; equivale a REINO SACERDOTAL. Pois S. Pedro, neste
versículo 9º de sua 1ª Epístola, faz apenas reproduzir, aplicando aos cristãos,
aquilo que já havia sido dito aos judeus no livro do Êxodo, no qual lemos o
seguinte: Se, portanto, ouvirdes a minha voz e observardes o pacto que eu fiz
convosco, sereis para mim a PORÇÃO ESCOLHIDA dentre todos os povos, porque
minha é toda a terra; e vós sereis o meu REINO SACERDOTAL e uma NAÇÃO SANTA
(Êxodo XIX-5 e 6).

Vê-se bem claramente o paralelismo entre as expressões usadas no Êxodo e as


palavras de S. Pedro:

Êxodo XIX-5 e 6 1ª Pedro II-9


porção escolhida geração escolhida
reino sacerdotal real sacerdócio
nação santa gente santa

Deus chamou aos judeus um REINO SACERDOTAL. Que se segue daí? Que entre os
judeus todos eram sacerdotes? Não. Porque este sacerdócio efetivo da lei judaica
era privativo dos descendentes Arão: Faze também chegar a ti Arão, teu irmão,
com seus filhos, SEPARADOS do meio dos filhos de Israel, para que eles exercitem
diante de mim as funções do SACERDÓCIO: Arão, Nadab, Abiu, Eleazar e Itamar
(Êxodo XXVIII-1). O livro dos Números nos mostra Moisés dizendo a Coré: Foi
acaso para isso que ele chamou para junto de si a ti e a todos teus irmãos, filhos
de Levi, A FIM DE USURPARDES para vós também o SACERDÓCIO e para toda a tua
tropa se sublevar contra o Senhor? (Números XVI-10 e 11). E, depois de
realizado o grande castigo, se diz que o sacerdote Eleazar tirou os turíbulos de
metal, nos quais tinham oferecido os que foram consumidos pelo incêndio e os
converteu em lâminas, pregando-os no altar, para que os filhos de Israel
tivessem ao depois em que escarmentar, a fim de que nenhum estrangeiro NEM
ALGUM QUE NÃO SEJA DA LINHAGEM DE ARÃO se chegue para oferecer incenso ao
Senhor e padeça a mesma pena que padeceu Coré e toda a sua tropa, conforme
o Senhor tinha dito a Moisés (Números XVI-39 e 40). O 2º livro dos
Paralipômenos nos narra o castigo sofrido pelo rei Osias, que queria oferecer
incenso sobre o altar dos perfumes. E entrou logo após ele o pontífice Azarias, e
com ele oitenta sacerdotes do Senhor, homens da maior firmeza e se opuseram
ao rei e disseram: A ti, Osias, não é que pertence o queimar incenso ao Senhor,
MAS AOS SACERDOTES, isto é, aos filhos de Arão, QUE FORAM CONSAGRADOS PARA ESTE
MINISTÉRIO; sai do santuário, não queiras fazer este desprezo, porque esta ação
não te será reputada em glória pelo Senhor Deus. E Osias, irado, tendo na mão
o turíbulo para oferecer incenso, ameaçou os sacerdotes. E no mesmo ponto lhe
nasceu lepra na testa... e ele mesmo, passado de medo, deu pressa a sair, porque
logo sentiu a praga com que o Senhor o tinha ferido (2º Paralipômenos XXVI-
17 a 20).

Uma NAÇÃO SACERDOTAL, portanto, não quer dizer uma nação em que todos são
sacerdotes, no sentido rigoroso da palavra, mas uma nação que é toda
consagrada a Deus, assim como os sacerdotes são a Ele consagrados, e é neste
sentido que S. Pedro chama um REAL SACERDÓCIO o povo cristão.

Esta perfeita igualdade entre todos os cristãos, a qual pretendem pregar os


protestantes, vai de encontro ao ensino bíblico que nos mostra Cristo separando
do meio do povo os seus Apóstolos, educando-os carinhosamente, revelando só
a eles os mistérios do reino de Deus (Mateus XIII-11), dando-lhes só a eles na
intimidade da Ceia Larga o poder de realizar o mistério eucarístico (Lucas XXII-
19), o qual provaremos daqui a pouco (nos 345 a 348) ser um real e verdadeiro
sacrifício, dando a eles em uma casa, de portas fechadas, o poder de perdoar
pecados (João XX-23), enviando-os só a eles a ENSINAR e a batizar (Mateus
XXVIII-19), fazendo deles uns ministros de Cristo e dispenseiros dos mistérios
de Deus (1ª Coríntios IV-1).

Vai de encontro a toda a história do Cristianismo, como bem observa D. Charue,


e ao próprio ensino desta mesma 1ª Epístola de S. Pedro que faz a distinção entre
pastores e ovelhas: Apascentai o rebanho de Deus que está entre vós... e quando
aparecer o Príncipe dos pastores, recebereis a coroa de glória que nunca se
poderá murchar (1ª Pedro V- 2 e 4).

Querer provar que os Apóstolos não eram os SACERDOTES de Nova Lei, não
formavam uma CLASSE SACERDOTAL distinta do povo, pelo simples fato de que a
Bíblia não lhes atribui a palavra SACERDOTES, é querer fazer uma interpretação da
Bíblia muito pouco inteligente, baseada apenas num JOGO DE PALAVRAS, é querer
ver na Bíblia somente palavras escritas materialmente e não o que elas exprimem
e significam. Se a Escritura os chama APÓSTOLOS ou enviados de Cristo, esta
palavra é bastante ampla para encerrar em si um grande número de
prerrogativas, pois designa aqueles a quem Cristo transmitiu os seus poderes: se
são Apóstolos são mestres, pastores, bispos, dirigentes da Igreja, e são também
sacerdotes.

A massa protestante, que, apesar de rude e ignorante, se põe a ler e interpretar,


por sua própria cabeça, as Sagradas Escrituras, se aferra de unhas e dentes a este
sistema absurdo de escravidão às palavras. E os pastores protestantes, aqueles
que têm ou, pelo menos, deveriam ter um pouco mais de cultura, em vez de
orientar os ignorantes nesta matéria, muitas vezes fomentam esta interpretação
puramente verbal, para se servirem disto como de uma arma contra a Igreja.

É inútil provar a certos protestantes que S. Pedro foi o chefe da Igreja e que o
Papa é o sucessor de S. Pedro; eles dirão que não obedecem ao Papa, porque esta
palavra PAPA não se encontra na Bíblia.

É inútil explicar a certos protestantes o que é que nós chamamos hoje um


SACRAMENTO, isto é, um sinal sensível, como é, por exemplo, a água, instituído
por Nosso Senhor Jesus Cristo, como foi por exemplo o Batismo (Ide, pois, e
ensinai todas as gentes, BATIZANDO-AS em nome do Padre e do Filho e do Espírito
Santo — Mateus XXVIII-19), para conferir a graça: Cada um de vós seja
BATIZADO em nome de Jesus Cristo PARA REMISSÃO DE VOSSOS PECADOS; e recebereis O
DOM DO ESPÍRITO SANTO (Atos II-38). Se o protestante tiver em mãos a Bíblia na
tradução do Pe Antônio Pereira de Figueiredo, fica convencido de que EXISTE
SACRAMENTO na Nova Lei; pois aí se lê a respeito do Matrimônio: Este
SACRAMENTO é grande; mas eu digo em Cristo e na Igreja (Efésios V-32).

Mas se tiver em mãos a Bíblia de Ferreira de Almeida, que não traz esta palavra
SACRAMENTO, fica convencido de que sacramento não existe.

Cristo mudou o pão no seu próprio corpo, o vinho no seu próprio sangue, como
já provamos. Ao cabo de vários séculos, alguém formou uma palavra que, dentro
da teoria filosófica sobre substância e acidentes [50], exprime exatamente o que
se passa, tanto na consagração do pão, como na do vinho. E passou-se a chamar
com o nome de TRANSUBSTANCIAÇÃO, a conversão realizada na Santa Missa,
exprimindo-se economicamente COM UMA SÓ PALAVRA, uma REALIDADE que já era
muito antiga, pois vinha dos tempos de Cristo, mas que antes precisava de
muitas palavras para ser expressa. Pois bem, os protestantes se insurgem contra o
dogma da Transubstanciação, porque ESTA PALAVRA NÃO ESTÁ NA BÍBLIA [51].
Como se do fato de alguém ter formado a palavra TRANSATLÂNTICO para exprimir
a ideia de navio grande que faz regularmente a travessia do Atlântico, se
seguisse que antes disto não havia estes navios. Ou como se do fato de alguém
ter inventado uma palavra só — CEFALALGIA — para exprimir a dor de cabeça, se
seguisse que a dor de cabeça só começou a existir desta data em diante.

Segundo estes métodos “importantíssimos” e “inteligentíssimos” de interpretar


as Santas Escrituras, ao perguntarmos aos protestantes se eles acreditam na
Santíssima TRINDADE, na ENCARNAÇÃO do Verbo, na ONISCIÊNCIA de Cristo, eles
são capazes de dizer que não acreditam em nada disto, porque estas PALAVRAS
não estão na Bíblia. E não sabemos como se arranjam eles, dentro deste sistema
tão “bonito” de interpretação, para provar a sua doutrina básica de que para a
salvação é preciso aceitar a Cristo como nosso Salvador PESSOAL, se esta palavra
PESSOAL, também não se encontra na Bíblia. Ou como conseguem convencer-se
de que existe no Cristianismo o LIVRE EXAME, de que a seita PRESBITERIANA ou
LUTERANA ou PENTECOSTAL etc, etc, é a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo, se estes
termos não se encontram nas Sagradas Escrituras.

Os Apóstolos eram SACERDOTES, sem ser necessário para isto que a Bíblia lhes
aplique este nome, assim como é certíssimo que a nossa alma é IMORTAL,
segundo reconhece a grande maioria dos protestantes, os quais entretanto leem a
Bíblia do princípio ao fim, sem que nem uma só vez encontrem esta palavra
IMORTAL aplicada à alma humana.

Este sacerdócio da Nova Lei, transmitido por Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote,
aos seus Apóstolos e por estes a outros a quem eles, para perpetuidade da Igreja,
acharam necessário transmiti-lo, é um sacerdócio verdadeiro e efetivo.

Mas os simples fiéis precisam convencer-se de que podem DE UMA CERTA FORMA,
por uma certa analogia, exercer também esta função de sacerdotes. Podem e
devem. Não é ofício do sacerdote oferecer em nome do povo PRESENTES E
SACRIFÍCIOS Deus? Pois bem, o fiel deve fazer doação de si mesmo, oferecer
SACRIFÍCIOS ESPIRITUAIS, como disse S. Pedro (1ª Pedro II-5). O sacrifício de Cristo
foi infinitamente precioso, mas não nos aproveitaremos dele, se não soubermos
fazer por nossa parte o SACRIFÍCIO das nossas paixões, das desordenadas
inclinações da nossa carne; é preciso trazer o corpo limpo, sem mancha de
pecado, para podermos, por nossa vez, como se fôssemos sacerdotes, oferecê-lo
a Deus como uma hóstia agradável aos seus olhos: Pela misericórdia de Deus
vos rogo, irmãos, que OFEREÇAIS VOSSOS CORPOS, como uma HÓSTIA VIVA, SANTA,
AGRADÁVEL A DEUS (Romanos XII-1). Alguns são chamados até a imolar esta
hóstia, numa semelhança ainda maior com Cristo, porque têm que sofrer o
martírio em defesa de sua fé.

Além da santidade de vida (Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova nas
minhas entranhas um espírito reto — Salmos L-72), outro sacrifício que os fiéis
podem oferecer é a prece. Por isto já o Salmista nos apresentava Deus a dizer:
Porventura comerei carnes de touros? ou beberei sangue de cabritos? Oferece a
Deus SACRIFÍCIO DE LOUVOR e paga ao Altíssimo os teus votos (Salmos XLIX-13 e
14). Senhor, abrirás os meus lábios e a minha boca anunciará o teu louvor
(Salmos L-77). E é nesta mesma linha de considerações que S. Paulo nos diz:
Ofereçamos, pois, por Ele, a Deus sem cessar SACRIFÍCIO DE LOUVOR, isto é, o
fruto dos lábios que confessam o seu nome (Hebreus XIII-15). E, como a oração
não basta sem a caridade, ele acrescenta: E não vos esqueçais de fazer bem e de
repartir dos vossos bens com os outros; porque com tais OFERENDAS é que Deus
se dá por obrigado (Hebreus XIII-16). E nem é preciso relembrar aqui a palavra
de Cristo: Quantas vezes vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim é que o fizestes (Mateus XXV-40).

Assim, enquanto Cristo, o Sumo e Eterno Sacerdote, se oferece a si mesmo, por


intermédio do padre católico que participa do sacerdócio de Cristo, como
ministro dEle e dispenseiro dos mistérios de Deus, também os fiéis, embora em
grau menos elevado, participam do sacerdócio, OFERECENDO suas lutas, suas
mortificações, seus sacrifícios, suas orações, suas caridades e sobretudo a
sinceridade do seu coração, para subir ao Céu, como a nossa contribuição
humana, juntamente com a contribuição divina, ou seja, aquela Hóstia pura,
santa e imaculada, que se oferece quotidianamente sobre o altar do sacrifício.

Notas (pular)

[50] Substância, no seu conceito filosófico, não é o mesmo que substância considerada na química ou
apresentada na nossa linguagem vulgar. Substância em filosofia é aquilo que faz com que uma coisa seja o
que é, e não outra coisa. Tomemos, por exemplo, um pedaço de pão. O que é que faz com que isto seja pão,
e não outra coisa? Não é a cor, porque ou mais torrado, tomando uma cor mais escura, ou menos torrado
tomando uma cor mais clara, é pão da mesma forma. Não é o cheiro: quando saiu logo do forno e estava
quente, tinha um cheirinho especial que perdeu depois, mas não deixou de ser pão por causa disto. Não é o
gosto: saboroso ou insípido, é pão sempre. Não é também a quantidade: a substância de pão está tão
perfeitamente num pedacinho, como num pão que os padeiros entendessem de fabricar com dois metros de
comprimento. O mesmo se diga da substância do vinho: pode ser tinto ou branco, pode ter sabores os mais
variados, pode ser uma gotinha só ou um barril inteiro, é vinho sempre da mesma forma. É o que se dá com
todas as substâncias. Portanto a cor, o cheiro, o gosto, a quantidade não são a substância: são o que se
chama em filosofia os acidentes. A substância é algo que não é perceptível aos nossos olhos, aos nossos
sentidos, ao passo que os acidentes o são.

O domínio de Deus sobre as substâncias é absoluto, porque não tem limites o seu poder. Nas bodas de
Caná, Jesus mudou a substância da água na do vinho, com um simples ato de sua vontade, mas aí mudou
também os acidentes. Na última Ceia fez muito mais: mudou a substância do pão na de sua carne
Sacratíssima, mudou a substância do vinho na de seu Sangue Precioso, permanecendo, porém, os acidentes
do pão e do vinho. Mistério de fé, que está acima de nossa razão, mas que, pela noção diversa de substância
e de acidentes, não encerra em si nenhum absurdo ou contradição. (voltar)

[51] Ou se admite a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, ou não se admite. Se se admite (e já a
provamos bem claramente pela Bíblia), não há outro meio, diante das palavras de Jesus, senão admitir a
transubstanciação, isto é, a substância do pão já não está mais ali, e sim o corpo do Salvador. Lutero se
orgulhava de defender a presença real ainda melhor do que os católicos tinham feito até então. Entretanto,
como bem observou Bossuet, Lutero se via por vezes embaraçado diante de seus adversários precisamente
porque não admitia a transubstanciação, e sim a consubstanciação, pois afirmava que ali na Eucaristia
permanecia a substância do pão e ali também estava a substância do corpo de Cristo. Seus opositores
observavam, então, que Jesus não disse: Neste pão está o meu corpo — mas sim — ISTO É o meu corpo.

Por aí se vê que não há meio termo. Se Jesus está presente na Hóstia Consagrada, está por
transubstanciação. Nosso Senhor, ao dizer: Lázaro, sai para fora (João XI-43), não precisou acrescentar:
“Acabei de fazer uma ressurreição”, para que nós proclamássemos que foi uma ressurreição que Ele
realizou. Assim também, na Última Ceia não foi preciso que Ele dissesse: “O que acabei de fazer foi uma
transubstanciação.” Dizendo ISTO É o meu corpo, exprimiu claramente que ali não estava mais a substância
do pão, mas sim a de seu Corpo Sacratíssimo, embora sob as aparências de pão. E isto é o que nós
chamamos TRANSUBSTANCIAÇÃO. (voltar)
A Missa é verdadeiro e real sacrifício
A profecia de Malaquias.

345. Resolvidas as objeções protestantes, provado que a Missa em nada vem


ofuscar a eficácia do Sacrifício da Cruz, passamos agora à demonstração da
nossa tese: A Missa é um verdadeiro e real Sacrifício.

Para haver Sacrifício, não é preciso haver MORTE, pois havia os sacrifícios
incruentos, em que se ofereciam a Deus os produtos agrícolas. Sem precisar
morrer mais que uma vez, Cristo toma as aparências dos produtos agrícolas, ou
no caso, do pão e do vinho, para então ser oferecido constantemente a Deus,
novamente como no Calvário, numa OBLAÇÃO PURA. É a expressão do Profeta
Malaquias.

Várias coisas a respeito do reino messiânico foram preditas pelos Profetas. E


uma delas é o Sacrifício da Missa que se havia de oferecer em toda a terra.

O Profeta Malaquias nos mostra Deus irritado com as negligências e as provas


de má vontade postas em prática pelos sacerdotes da Antiga Lei, ao oferecer os
seus sacrifícios: O filho honra a seu pai, e o servo reverencia a seu senhor; se
eu, pois, sou vosso pai, onde está a minha honra? e se eu sou vosso senhor, onde
está o temor que se me deve? diz o Senhor dos exércitos. Convosco falo, ó
sacerdotes que desprezais o meu nome e dissestes: Em que desprezamos nós o
teu nome? Vós ofereceis sobre o meu altar um pão imundo e dizeis: Em que te
profanamos nós? Nisso que dizeis: A mesa do Senhor está desprezada. Se vós
ofereceis uma hóstia cega para ser imolada, não é isto mau? e se ofereceis uma
que é coxa e doente, não é isto mau? Oferece estes animais ao teu governador, a
ver se eles lhe agradarão ou se ele te receberá com agrado, diz o Senhor dos
exércitos (Malaquias I-6 a 8).

Diante disto, Deus se mostra resolvido a rejeitar e abolir os sacrifícios antigos: O


meu afeto não está em vós, diz o Senhor dos EXÉRCITOS; NEM EU RECEBEREI ALGUM
DONATIVO DA VOSSA MÃO (Malaquias I-10).

E passa a anunciar um Sacrifício Novo, oferecido em toda a terra: Porque desde


o nascente do sol até o poente é o meu nome grande ao entre as gentes, e EM
TODO O LUGAR SE SACRIFICA E SE OFERECE AO MEU NOME UMA OBLAÇÃO PURA (Malaquias
I-11).

Desde o nascimento do sol até o poente é o meu nome grande entre as gentes.

A expressão — do nascente do sol até o poente — é usada nas Escrituras para


significar O MUNDO INTEIRO: O Deus dos deuses, o Senhor falou e convocou A
TERRA, desde o oriente do sol até o seu ocaso (Salmos XLIX-1). Para que saibam
os que há desde o nascimento do sol e os que habitam desde o seu ocaso, que o
não há fora de mim: eu sou o Senhor e não há outro (Isaías XLV-6). E os que
demoram da parte do ocidente temerão o nome do Senhor, e os que ficam da
banda donde nasce o sol respeitarão a sua glória (Isaías LIX-19).

A palavra GENTES (no hebraico HAGOIM) é sempre empregada na Bíblia para


significar os gentios, os outros povos que não são o povo Israelita.

E os profetas costumam apresentar como um sinal do reino do Messias, o ser


Deus cultuado por todos os povos: E sairá uma vara do tronco de Jessé, e uma
flor brotará da sua raiz. E descansará sobre ele o espírito do Senhor... A TERRA
ESTÁ CHEIA DA CIÊNCIA DO SENHOR, assim como as águas do mar que a cobrem
(Isaías XI-1, 2 e 9). As ilhas me estão esperando, e as naus do mar desde o
princípio para eu trazer de longe os teus filhos, com eles a sua prata e o seu
ouro, para ser consagrado ao nome do Senhor teu Deus, e ao Santo de Israel
que te glorificou (Isaías LX-9). E acontecerá isto: no último dos dias o monte da
casa do Senhor será preparado no alto dos montes e se elevará sobre os
outeiros; e OS POVOS CONCORRERÃO a ele. E AS NAÇÕES EM TURMAS se darão pressa
por lá chegar e dirão: Vinde, subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de
Jacó; e Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas;
porque A LEI SAIRÁ DE SIÃO, e A PALAVRA DO SENHOR, DE JERUSALÉM (Miqueias IV-1 e
2). Lembrar-se-ão e converter-se-ão ao Senhor todos os limites da terra, e
adorarão na sua presença todas as famílias das gentes (Salmos XXI-8), diz
Davi num salmo evidentemente messiânico, o Salmo XXI (2. Deus, Deus meu,
olha para mim. Por que me desamparaste? 17 e 18 Eles transpassaram as
minhas mãos e meus pés, contaram todos os meus ossos).

É, portanto, ao tempo messiânico que se está referindo Malaquias e assim


acrescenta: Em todo o lugar se sacrifica e se oferece ao meu nome uma oblação
pura (Malaquias I-11).

Esta OBLAÇÃO, a que ele se refere, não é tomada no sentido metafórico de oração
ou sacrifício espiritual ou esmola; ela vem SUBSTITUIR os sacrifícios dos
sacerdotes da Antiga Lei; e na Antiga Lei também já se ofereciam orações e
esmolas e sacrifícios espirituais. E além disto é expressa no hebraico pela
palavra MINCHAH, que mais de cento e cinquenta vezes é empregada na Bíblia
para indicar verdadeiro sacrifício no sentido litúrgico da palavra. Às vezes
exprime a ideia de sacrifício litúrgico, independentemente da consideração se é
incruento ou não; mais frequentemente, porém, indica o sacrifício incruento.

Por aí se vê claramente que Malaquias não fala do tempo para ele presente, mas
dos tempos da Nova Lei, pois no seu tempo, portanto antes de Cristo, havia
sacrifícios entre os gentios, mas sacrifícios completamente desagradáveis a
Deus, oferecidos aos ídolos: os coisas que sacrificam os gentios, as sacrificam
aos demônios, e não a Deus (1ª Coríntios X-20). Nem se trata de sacrifícios
oferecidos pelos judeus dispersos entre as outras nações. Estes judeus eram
poucos, não estavam espalhados em toda a terra, nem tinham prestígio nem
número suficiente para tornar o nome de Deus grande entre os gentios, quando
ao contrário se sabe que o mundo inteiro estava mergulhado na idolatria, antes
da vinda de Cristo. E além disto este sacrifício judaico era oferecido apenas no
templo de Jerusalém.

Malaquias refere-se, portanto, a um sacrifício novo, oferecido nos tempos


messiânicos. E não se refere diretamente ao Sacrifício da Cruz, pois este foi
oferecido EM UM SÓ LUGAR, uma só vez, no monte Calvário, ao passo que aqui se
trata de um sacrifício oferecido EM TODO O LUGAR, de modo que torne o nome do
Senhor engrandecido entre as gentes.

É fraquíssima a objeção protestante de que Malaquias fala no tempo presente: SE


SACRIFICA, SE OFERECE; portanto não se trataria de coisa futura. Pois é sabido como
os profetas perdem completamente nas suas predições a noção de tempo; eles
veem como presentes, ou como passadas, as coisas futuras. Assim diz Isaías a
respeito do nascimento do Messias: Porquanto já um pequenino SE ACHA NASCIDO
para nós, e um filho NOS FOI DADO a nós e FOI POSTO o principado sobre o seu
ombro (Isaías IX-6). E a respeito da Paixão do Senhor: Ele não TEM beleza nem
formosura e VIMO-LO e não TINHA parecença do que era; e por isso nós o
ESTRANHAMOS, feito um objeto de desprezo e o último dos homens, um varão de
dores e experimentado nos trabalhos; e o seu rosto SE ACHAVA como encoberto e
parecia desprezível; por onde nenhum caso FIZEMOS dEle. Verdadeiramente Ele
foi o que TOMOU sobre si as nossas fraquezas, e Ele mesmo CARREGOU com as
nossas dores; e nós O REPUTAMOS como um leproso, e ferido por Deus e
humilhado. Mas Ele FOI FERIDO pelas nossas iniquidades, FOI QUEBRANTADO pelos
nossos crimes; e o castigo que nos devia trazer a paz CAIU sobre Ele e nós FOMOS
SARADOS pelas suas pisaduras (Isaías LIII-2 a 5). Escreve Davi num salmo
profético sobre o Messias: DISSE o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha mão
direita (Salmos CIX-1).

Tanto mais que, como provamos, mostrando Deus o seu desagrado diante dos
próprios sacrifícios judaicos, oferecidos no seio do único povo que cultuava o
Deus verdadeiro, em nenhuma parte da terra, muito menos EM TODO LUGAR se
estava oferecendo a Deus naquele tempo um sacrifício puro e aceitável.

Portanto, ou a Bíblia falhou completamente nesta profecia (e a Bíblia não pode


falhar) ou então há UM SACRIFÍCIO oferecido a Deus em todo lugar e este sacrifício
não é outro senão o Sacrifício da Missa, em que novamente se levanta aos Céus,
realmente presente sob as espécies de pão e de vinho, aquela mesma Vítima
Adorável que se ofereceu no Calvário.

E a doutrina que recebeu a Igreja DESDE O TEMPO DOS APÓSTOLOS é que a Santa
Missa é um verdadeiro sacrifício e que a profecia de Malaquias a ela se refere,
pois é assim que fala sobre a Eucaristia o DIDAQUÉ ou Doutrina dos 12 Apóstolos,
livro antiquíssimo que pertence ao 1º século, sendo provavelmente anterior ao
ano 70:

“Reunidos cada dia do Senhor, parti o pão e dai graças, depois de haver
confessado vossos pecados, a fim de que o VOSSO SACRIFÍCIO seja puro. Todo
aquele, porém, que tiver contenda com seu companheiro, não se junte convosco
enquanto não se reconciliarem, para que não se profane o VOSSO SACRIFÍCIO.
Porque este é o sacrifício do qual disse o Senhor: Em todo lugar e em todo
tempo se me oferece um SACRIFÍCIO puro; porque eu sou rei grande e meu nome é
admirável entre as nações.” (Didaqué XIV-1 a 3).

O texto se refere evidentemente à Eucaristia, chamada o partir do pão, celebrada


no dia do Senhor, sem lhe faltar como preparação a confissão dos pecados;
chama-o repetidamente SACRIFÍCIO (HÉ THYSÍA, no original grego) e aplica-lhe com
toda clareza a profecia de Malaquias.

Se os protestantes creem na Bíblia e dizem querer professar o Cristianismo


primitivo, eles não podem recusar nem o texto de Malaquias, nem este
documento tão valioso que nos vem da mais remota antiguidade cristã.

A primeira Missa na Última Ceia.

346. As palavras de Cristo na instituição da Eucaristia nos mostram muito bem


que aquela Ceia teve o caráter de um verdadeiro sacrifício.

Já provamos que ali sob a espécie de PÃO estava realmente o corpo de Jesus; e
sob a espécie de VINHO, o seu preciosíssimo Sangue.

Agora é preciso notar também que Jesus, ao entregar o pão e o vinho


consagrados, frisa que este seu corpo É DADO, que este seu sangue É DERRAMADO
por nós. Mas em que sentido? No sentido de que o sangue que está no cálice é
derramado ali na ceia? ou no sentido de que será derramado na sua Paixão? No
sentido de que o corpo é entregue ali na ceia, ou no sentido de que na sua Paixão
sevá entregue?

Se examinarmos o texto original grego, veremos que o que ele exprime é o


seguinte: o sangue de Cristo é derramado também ali na Ceia.

Assim diz literalmente o texto grego do Evangelho de S. Lucas (XXII-20):


TÓUTO TÒ POTÉRION (Este o cálice) HÉ KAINÉ DIATHEKE (o Novo Testamento) EN TO
HÁIMATI MOU (no meu sangue) TÒ HYPÉR HYMON (o por vós) EKCHYNNÓMENON
(derramado).

Qualquer pessoa que tenha algum conhecimento de grego vê no texto que a


palavra DERRAMADO que está em nominativo, não se refere absolutamente a
SANGUE que está em dativo, mas a CÁLICE que está no nominativo (TÒ POTÉRION...
TÒ EKCHYNNÓMENON).

Aí existe uma figura muito conhecida: metonímia, empregando o continente pelo


conteúdo. Derramar o cálice é derramar aquilo que nele se contém.

O sangue é chamado cálice, porque está dentro dele. E o sangue que Cristo
derramou na cruz não foi derramado em cálice.
derramou na cruz não foi derramado em cálice.

Ao ver Cristo falar aí na Ceia em sangue derramado ninguém pode pensar, é


claro, que Cristo tenha derramado o seu sangue no chão. Mas é derramado numa
efusão mística e sacramental; pois aparece aos nossos olhos separado do seu
corpo como vai ser separado na cruz; aparece como tendo sido derramado e
como que recolhido no cálice.

Os outros Evangelistas S. Mateus e S. Marcos no texto grego trazem literalmente


assim:

Marcos XIV-24: Este é o meu sangue do Testamento, o DERRAMADO por muitos.

Mateus XXVI-28: Este com efeito é o meu sangue do Testamento, o por muitos
DERRAMADO para remissão de pecados.

É preciso notar que tanto em S. Lucas, como em S. Mateus e S. Marcos, o termo


DERRAMADO expresso pelo particípio presente passivo (EKCHYNNÓMENON) e no
grego o particípio presente não se refere a coisas futuras, mas só a presentes.
Além disto, o texto de S. Mateus e de S. Marcos são as palavras de Jesus ditas na
consagração do cálice e têm exatamente, portanto, o mesmo sentido que em
S. Lucas, o qual, falando do cálice derramado, fala de uma efusão de sangue
ATUAL, naquela hora, e não futura.

Já no texto da Vulgata, as palavras de Jesus vêm se referindo a um


derramamento de sangue que ainda se vai realizar:

Este cálix é o Novo Testamento em meu sangue, que SERÁ DERRAMADO por vós
(Lucas XXII-20)

Este é o meu sangue do Novo Testamento, que SERÁ DERRAMADO por muitos
(Marcos XIV-24).

Este é o meu sangue do Novo Testamento, que SERÁ DERRAMADO por muitos para
remissão de pecados (Mateus XXVI-28).

Quanto à consagração do pão, enquanto S. Mateus e S. Marcos dizem apenas:


Este é o meu corpo (Mateus XXVI-26; Marcos XIV-22), S. Lucas traz mais
algumas palavras.

No texto grego vem:


No texto grego vem:

Lucas XXII-19: Este é o meu corpo o por vós dado (DIDÓMENON).

Na Vulgata:

Lucas XXII-19: Este é o meu corpo que SE DÁ por vós.

Aí estão perfeitamente iguais os dois textos (grego e Vulgata), pois no grego está
o particípio presente passivo (DIDÓMENON) que traz sempre a ideia de uma ação
presente; e na Vulgata se diz no presente que o corpo de Cristo SE DÁ por nós
(naquele momento).

E a mesma Vulgata traz assim a consagração do pão narrada por S. Paulo:

1ª Coríntios XI-24: Este é o meu corpo que SERÁ ENTREGUE por amor de vós [52].

Como se vê, no texto grego, em todos os versículos que referem a consagração


do pão e do vinho, vem sempre a ideia de um ato que se realiza no presente: o
sangue é agora DERRAMADO; o corpo de Cristo SE DÁ presentemente. Ao passo que
na Vulgata, na consagração do vinho se traz a ideia de apresentação de uma
coisa que se vai realizar: o sangue irá ser derramado; na consagração do pão se
trazem as 2 ideias: em S. Mateus, o corpo de Cristo SE DÁ agora na Ceia; no texto
de S. Paulo o corpo ainda VAI SER ENTREGUE.

Dada a relação muito íntima que há entre o Sacrifício eucarístico e o Sacrifício


do Calvário que são um só e o mesmo sacrifício, sendo o primeiro uma viva
representação do segundo, não há contradição absolutamente entre as 2 maneiras
de ver: o corpo de Cristo que SE DÁ na Ceia, é o mesmo que SERÁ ENTREGUE na
Cruz; o sangue que ali no Cálice já se por apresenta como DERRAMADO é o mesmo
que SERÁ DERRAMADO nós na Paixão do Salvador.

Mas dirá alguém: Se o Sr. toma o texto da Vulgata que fala assim no futuro: SERÁ
DERRAMADO, SERÁ ENTREGUE, pode provar que Cristo está anunciando um
sacrifício futuro, o da Cruz; como pode provar, então, que o que se passou na
Ceia foi um verdadeiro e real sacrifício?

— Pode-se provar muito bem, ou as palavras de Cristo se tomem no sentido


presente ou no sentido futuro.
Tomemos, por exemplo, o senti futuro.

Primeiro que tudo, como já vimos, para haver SACRIFÍCIO não é necessário que
haja MORTE, nem derramamento REAL e FÍSICO de sangue, pois havia também
sacrifícios incruentos, de produtos agrícolas, dos frutos da terra, que não
deixavam de ser reais e verdadeiros sacrifícios.

Sabemos, por outro lado, que o SACRIFÍCIO só podia ser realizado pelos
sacerdotes. Porém, mesmo nos sacrifícios cruentos, não era necessário que o
sacerdote, ele próprio, matasse a vítima; a vítima podia ser abatida ou morta por
outros; o papel do sacerdote, ao realizar a ação do sacrifício, era fazer o
oferecimento, a oblação da vítima sacrificada. Se para haver SACRIFÍCIO fosse
necessário que o sacerdote matasse a vítima, então no sacrifício da Cruz, em que
Jesus é ao mesmo tempo Vítima e Sacerdote, seria preciso que Cristo se
suicidasse, se matasse a si mesmo. Ele foi morto pelos judeus, mas como
sacerdote, tinha feito a oblação de si mesmo.

Mas esta oblação de si mesmo a Deus, que Cristo fez no seu íntimo, ou melhor
que, como vimos, Cristo nunca deixou de fazer um só instante, desde que foi
concebido e continua a fazer eternamente nos Céus, Cristo quis fazê-la de uma
maneira RITUAL, expressando-a por palavras na sua Última Ceia. É aí que Ele
declara solenemente, já bem próximo à sua Paixão que seu sangue será
derramado POR VÓS (Lucas XXII-20), POR MUITOS (Marcos XIV-24), POR MUITOS
PARA REMISSÃO DE PECADOS (Mateus XXVI-26); que seu corpo SE DÁ POR VÓS (Lucas
XXII-19) — Ele não diz SE DÁ A VÓS, mas SE DÁ POR VÓS, a Deus, é claro — que
seu corpo POR VÓS será entregue (1ª Coríntios XI-24).

Estas palavras mostram evidentemente uma OBLAÇÃO.

Mas a oblação que se fazia nos sacrifícios não era de uma vítima distante ou de
uma vítima futura, mas sim daquela que estava presente ali no altar.

Aí é que entra em ação o poder infinito de Jesus. Para que a vítima estivesse ali
presente no altar, que era A MESA da Última Ceia, e presente NO ESTADO MESMO DE
VÍTIMA, é que Ele fez a consagração do pão e do vinho. Ali está, graças às
palavras da consagração, realmente presente o seu corpo, o mesmo corpo que se
oferecerá na Cruz. Ali está, graças às palavras da consagração, realmente
presente o seu sangue, o mesmo sangue que será derramado para nos remir. E se
mostram separados um do outro, para significar o ESTADO DE VÍTIMA, em que
estará Jesus na Cruz; no mesmo estado se encontram ali realmente presentes, na
mesa da Última Ceia. De modo que a Ceia é a representação viva do Sacrifício
do Calvário, é a oblação deste mesmo sacrifício; e é ao mesmo tempo um
verdadeiro sacrifício, sacrifício incruento, em que o seu corpo e o seu sangue se
apresentam sob as aparências de produtos vegetais, sob as espécies de pão e de
vinho.

— Mas dirá alguém: se Cristo ofereceu um sacrifício de seu corpo e de seu


sangue, por nós, na Última Ceia, quer dizer então que foi ali na Ceia que Ele nos
remiu.

— Não. Porque, conforme já temos explicado, embora bastasse um simples


suspiro de Jesus para nos remir, estava decretado por Deus que o preço do
resgate seria a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a sua morte na cruz.
Somente com esta Paixão e Morte é que a Humanidade se reconciliou com Deus,
o Céu se abriu para nós; e uma satisfação condigna e superabundante foi
apresentada a Deus pelos ultrajes presentes, passados e futuros.

Se tomamos as palavras SANGUE DERRAMADO, CORPO DADO, no sentido presente,


sangue derramado no cálice, corpo dado na Eucaristia por nós, continua sempre
de pé, e com maioria de razão, a noção de sacrifício, pois não só se mostra a
OBLAÇÃO, suficiente para haver sacrifício, mas também misticamente a ação do
sacerdote de derramar o sangue da vítima (Veja-se Levítico XVII-6).

De modo que Cristo realizou ali na Ceia um real e verdadeiro sacrifício. E não é
só isto; dizendo aos Apóstolos: FAZEI ISTO em memória de mim (Lucas XXII-19)
o que é o mesmo que dizer, em memória de minha Paixão e Morte (anunciareis
a morte do Senhor, até que Ele venha — 1ª Coríntios XI-26), Ele mandou que se
repetisse até o fim do mundo aquela oblação de seu corpo e de seu sangue,
aquela representação viva de sua Paixão e Morte, que ali se realizaram na Última
Ceia.

Notas (pular)

[52] Ferreira Almeida traz aqui: Isto é o meu corpo que É PARTIDO por vós (1ª Coríntios XI-24). Mas não é
esta a variante mais provável. O texto grego (edição de Nestle) assim traz: TÓUTO (isto) MÓU (de mim) ESTÍN
(é) TÒ SÓMA (o corpo) TÒ (o) HYPÉR (por) HYMÓN (vós). E aí têm os protestantes a versão da Sociedade
Bíblica do Brasil: Este é o meu corpo que é por vós (1ª Coríntios XI-24). A ser verdadeira a versão
apresentada por Ferreira de Almeida, quereria significar apenas isto, conforme a explicação do Cardeal
Franzelin: “Isto é o meu corpo que, em estado de alimento, sob as espécies de pão, é partido.”

Os protestantes querem censurar a Igreja, dizendo que ela não realiza a cerimônia de partir o pão
eucarístico, à semelhança do que fez Cristo na Última Ceia. Mas isto não é exato: não se celebra a Santa
Missa sem que o celebrante parta ao meio a Sagrada Hóstia, o que faz pouco depois do Pater Noster, entre a
consagração e a comunhão.

E, se a Eucaristia era chamada no primeiro século o PARTIR DO PÃO, é preciso notar que esta era uma
expressão empregada para designar qualquer refeição que se distribuía entre várias pessoas, e assim passou
a significar também a distribuição eucarística: PARTE O TEU PÃO ao que tem fome, e introduze em tua casa os
pobres e os peregrinos (Isaías LVIII-7). E não PARTIRÃO entre eles PÃO para consolar ao que chora sobre
um morto (Jeremias XVI-7). Os pequeninos pediram PÃO e não havia quem lho PARTISSE (Trenos IV-4)
[N.d.r.: Trenos = Lamentações de Jeremias].

É por isto que às vezes quando o Novo Testamento fala em partir do pão (Atos II-42 e 46) ficam os
exegetas a discutir se se trata da distribuição eucarística ou de uma refeição qualquer feita em comum.
(voltar)

Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

347. É na última Ceia, portanto, que se compreende ainda mais claramente o


fato de ser o Cristo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, o que está
dito no Salmo 109, evidentemente messiânico, pois Jesus Cristo o aplica a si
próprio (Mateus XXII-42 a 45) e vem confirmado na Epístola aos Hebreus.

De Melquisedeque se sabe apenas o que está escrito no livro do Gênesis:


Melquisedeque, rei de Salém, OFERECENDO PÃO E VINHO (porque era sacerdote do
Deus Altíssimo) abençoou a Abrão, dizendo: Bendito seja Abrão pelo Deus
Altíssimo, que criou o Céu e a terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, por cuja
proteção os inimigos estão nas tuas mãos. E Abrão lhe deu o dízimo de tudo
(Gênesis XIV-18 a 20).

Já não queremos entrar em discussão sobre se Melquisedeque, OFERECENDO PÃO E


VINHO, ofereceu ou não um real e verdadeiro sacrifício.

Nem também influi no caso o fato de falar a Epístola aos Hebreus sobre o
sacerdócio de Cristo segundo a ordem de Melquisedeque e não fazer menção da
Eucaristia a este respeito. Porque a própria Epístola declara que há outros
aspectos interessantes do sacerdócio de Cristo segundo a ordem de
Melquisedeque, sobre os quais ela não vai falar, porque os destinatários não têm
ainda a capacidade necessária para entender: Chamado por Deus pontífice
segundo a ordem de Melquisedeque. Do qual TEMOS MUITAS COISAS que dizer e
DIFÍCEIS DE DECLARAR, porque sois FRACOS PARA OUVIR. Porque devendo vós ser já
mestres pelo tempo, tendes ainda necessidade de que vos ensinem quais são os
elementos do princípio das palavras de Deus, E VOS TENDES TORNADO TAIS, QUE
HAVEIS MISTER LEITE E NÃO MANTIMENTO SÓLIDO (Hebreus V-10 a 12). Querendo
mostrar a superioridade do sacerdócio de Melquisedeque sobre o sacerdócio de
Arão, S. Paulo se baseia no argumento de que Abrão pagou dízimos a
Melquisedeque e por ele foi abençoado (Hebreus VII-4 a 10), não quer fazer
alusão a um sacrifício incruento que entre os hebreus era considerado como de
menor importância do que os sacrifícios cruentos, oferecidos também estes pelos
sacerdotes da linhagem de Arão.

O que é inegável é que Melquisedeque é figura de Cristo e do seu SACERDÓCIO,


não foi sem razão que o Espírito Santo o mostrou OFERECENDO O PÃO E O VINHO.

Oferecendo na última Ceia o seu corpo e o seu sangue sob as espécies de PÃO e
de VINHO e mais ainda ordenando aos Apóstolos e seus sucessores que fizessem o
mesmo que Ele fez, Cristo se mostra em toda a sua plenitude SACERDOTE
ETERNAMENTE SEGUNDO A ORDEM DE MELQUISEDEQUE (Salmos CIX-4), eternamente
no Céu onde está assentado à direita de Deus Padre (Disse o senhor ao meu
senhor: Senta-te à minha direita — Salmos CIX-1) e perpetuamente aqui na
terra, onde por intermédio dos sacerdotes da Nova Lei, Ele continua a apresentar
a sua oblação sob as espécies do PÃO e do VINHO.

Nós temos um altar.

348. A noção do sacrifício eucarístico se vê ainda claramente na Epístola aos


Hebreus.

S. Paulo aproveita o capítulo XIII, que é o último desta Epístola, para fazer
muitas exortações, das mais variadas: Não vos esqueçais da hospitalidade (vers.
2º); lembrai-vos dos presos (vers. 3º); seja por todos tratado com honra o
matrimônio e o leito sem mácula (vers. 4º); sejam os vossos costumes sem
avareza (vers. 5º); lembrai-vos dos vossos prelados (vers. 7º); ofereçamos, pois,
por Ele a Deus sem cessar sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que
confessam o seu nome (vers. 15); não vos esqueçais de fazer bem e de repartir
dos vossos bens com os outros (vers. 16); obedecei a vossos superiores (vers.
17); orai por nós (vers. 18).

Entre estas exortações está também a de se premunirem os hebreus convertidos


contra as doutrinas judaizantes; de não voltarem a práticas do judaísmo, não
comerem das carnes oferecidas nos sacrifícios judaicos: Não vos deixeis tirar do
caminho por doutrinas várias e estranhas. Porque é muito bom fortificar o
coração com a graça, não com VIANDAS QUE NÃO APROVEITARAM AOS QUE ANDARAM
NELAS (Hebreus XIII-9).

Não devem os judeus que abraçaram o Cristianismo voltar a tomar parte nos
banquetes do cordeiro pascoal ou das vítimas legais oferecidas nos sacrifícios
judaicos, porque o judaísmo já passou. E aqueles sacrifícios, como já provara
S. Paulo, não podiam purificar a consciência do que sacrificava, por meio
somente de manjares e de bebidas e de diversas abluções (Hebreus IX-9 e 10).

Nem devem os judeus convertidos ter inveja dos que participam de tais
banquetes, porque, acrescenta S. Paulo: nós temos um ALTAR, do qual os ministros
do tabernáculo não têm faculdade de COMER (Hebreus XIII-10).

A palavra ALTAR vem, no grego, expressa pelo termo THYSIASTÉRION — ou seja


SACRIFICATÓRIO, lugar destinado para o SACRIFÍCIO. Os cristãos têm um ALTAR, quê
é o altar da Eucaristia, isto se vê claramente também pelas palavras de S. Inácio
Mártir, que foi contemporâneo dos Apóstolos: “Procurai, portanto, usar da
Eucaristia UNA: uma, com efeito, é a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo e um o
cálix na unidade do seu sangue, um o ALTAR, assim como um é o Bispo com os
presbíteros e diáconos, meus conservos: a fim de que tudo o que fazeis, o façais
segundo Deus” (Filadelfos, 4). Aí no texto original de S. Inácio Mártir é a
mesma palavra grega que se vê no texto da Epístola aos Hebreus: THYSIASTÉRION.

Agora perguntamos: Onde está o ALTAR, sacrificatório ou lugar de sacrifício das


igrejas protestantes? Se querem seguir o Cristianismo primitivo, é preciso que
digam também com S. Paulo: Nós temos um ALTAR (Hebreus XIII-10).

Mas dirão os protestantes: O altar a que se refere aí a Bíblia é a cruz, onde Jesus
morreu; e comer é ter fé em Jesus, comer é participar dos frutos da Redenção.

— A interpretação é forçada e descabida.


Em primeiro lugar, esta mesma palavra ALTAR (THYSIASTÉRION no grego) aparece
frequentemente na Bíblia Sagrada e jamais designa à cruz de Cristo, sempre tem
a significação de altar litúrgico, altar em que os sacerdotes humanos oferecem
seus sacrifícios ou diante do qual fazem os fiéis as suas ofertas. Nesta Epístola
aos Hebreus é empregada duas vezes: uma neste texto que ora comentamos e a
outra no capítulo 7º: Mudado que seja o sacerdócio, é necessário que se faça
também mudança da lei, porque Aquele de quem isto se diz é doutra tribo, da
qual, nenhum serviu ao ALTAR (Hebreus VII-12 e 13).

O mesmo se pode verificar através de todo o Novo Testamento, em todas as


passagens em que aparece esta palavra ALTAR (no grego THYSIASTÉRION): Se tu
estás fazendo a tua oferta diante do ALTAR, e te lembrar aí que teu irmãos tem
contra ti alguma coisa... (Mateus V-23). Aquele, pois, que jura pelo ALTAR jura
por ele e por tudo quanto sobre ele está (Mateus XXIII-20) ... Zacarias, filho de
Baraquias, a quem vós destes a morte entre o templo e o ALTAR (Mateus XXIII-
35; cfr. Lucas XI-51). Apareceu a Zacarias um anjo do Senhor, posto em pé da
parte direita do ALTAR do incenso (Lucas I-11). Senhor, mataram os teus
profetas, derribaram os teus ALTARES (Romanos XI-3). Não sabeis... que os que
servem ao ALTAR participam justamente do ALTAR? (1ª Coríntios IX-13). Os que
comem as vítimas porventura não têm parte com o ALTAR? (1ª Coríntios X-18).
Não é assim que nosso pai Abraão foi justificado pelas obras, oferecendo a seu
filho Isaque sobre o ALTAR? (Tiago II-21). Vi debaixo do ALTAR os almas dos que
tinham sido mortos por causa da palavra de Deus (Apocalipse VI-9). Veio outro
anjo e parou diante do ALTAR, tendo um turíbulo de ouro (Apocalipse VIII-3).
Ouvi uma voz que saia dos quatro cantos do ALTAR de ouro (Apocalipse IX-13).
Mede o templo de Deus e o ALTAR, e os que nele fazem as suas adorações
(Apocalipse XI-1). Saiu mais do ALTAR outro anjo (Apocalipse XIV-18). Ouvi a
outro que dizia do ALTAR: Certamente, Senhor Deus Todo-Poderoso, verdadeiros
e justos são os teus juízos (Apocalipse XVI-7).

Desde que na Bíblia esta palavra ALTAR, NUNCA designa a cruz de Cristo e sim um
altar litúrgico, era preciso que houvesse no contexto um indício muito forte para
nos convencer de que a referência era feita agora à cruz de Nosso Senhor Jesus
Cristo no Calvário. Muito pelo contrário... pois a frase é esta: Nós temos um
ALTAR, do qual os ministros do tabernáculo não têm faculdade de COMER (Hebreus
XIII-10). Se S. Paulo acabou de advertir aos judeus cristãos que não devem
participar das COMIDAS que são próprias do judaísmo e, para afastá-los, para
consolá-los, relembra que nós temos um altar, do qual os ministros do
tabernáculo, isto é, aqueles que servem nas funções litúrgicas do judaísmo, não
podem COMER, é claro que se trata aí de COMER na realidade, e não de uma
metáfora. Para os judeus acostumados a ver que se COMIA realmente das vítimas
sacrificadas nos altares judaicos, a metáfora seria não só estranha, insólita,
desusada, mas também incompreensível. A referência é evidentemente feita à
Santíssima Eucaristia, sobre a qual nós lemos na Escritura: Tomai e COMEI; este é
o meu corpo (Mateus XXVI-26). Minha carne verdadeiramente é comida (João
VI-56). Todo aquele que COMER este pão ou beber o cálix do Senhor
indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor (1ª Coríntios XI-27).

Dirão os protestantes: Mas aí se está advertindo que havemos de fortificar o


coração com a graça (Hebreus XIII-9).

— Sim; mas quem foi que disse que a Eucaristia não foi instituída para nos
fortificar com a graça? Se não COMERDES a carne do Filho do Homem e beberdes
o seu sangue, NÃO TEREIS VIDA em vós (João VI-54).

Na Eucaristia se recebe a graça, e com especialidade, porque nela se recebe


Aquele que é o próprio Autor da Graça.

S. Paulo, portanto, está advertindo os judeus convertidos que ainda andavam


comendo da carne das vítimas dos sacrifícios legais, de que eles têm também um
ALTAR, donde podem COMER, para se fortificarem com a graça, e donde os
ministros do tabernáculo não podem; não há nenhum motivo para irem atrás
daquelas viandas que não aproveitaram aos que andaram nelas (Hebreus XIII-
9). Onde existe ALTAR, existe também SACRIFÍCIO. E o sacrifício cristão, do qual SE
COME, é a Eucaristia, o Santo Sacrifício da Missa.

O sacrifício dos cristãos e os sacrifícios pagãos.

349. Mas, se havia esta tendência entre os judeus convertidos para voltarem a
comungar das carnes sacrificadas no judaísmo, mais grave ainda era o perigo,
entre os cristãos que tinham vindo do paganismo, de voltarem a comer das
carnes sacrificadas aos ídolos. Se, por acaso, iam comprar a carne no mercado,
ou eram convidados a alguma refeição em casa particular de alguém, não era
preciso andar indagando se a carne era ou não sacrificada aos ídolos: De tudo o
que se vende no praça comei, sem perguntar nada por causa da consciência;
porque do Senhor é a terra e tudo quanto há nela. Se algum dos infiéis vos
convida e quereis ir, comei de tudo o que se vos põe diante, não perguntando
nada por causa da consciência (1ª Coríntios X-25 a 27).

Mas participar daqueles banquetes que os pagãos consideravam sagrados, porque


aí se comia das carnes sacrificadas nos seus altares e onde os pagãos comiam
com a intenção de entrar em comunhão com as divindades a quem sacrificavam,
isto não era lícito, porque era querer entrar em comunhão com os próprios
demônios: As coisas que sacrificam os gentios, os sacrificam aos demônios, e
não a Deus. E não quero que vós tenhais sociedade com os demônios (1ª
Coríntios X-20).

Ora, os cristãos deviam se lembrar de que na Eucaristia eles entravam em


comunhão com o próprio corpo e o próprio sangue de Cristo: O cálix de bênção
que bebemos não é a comunhão do sangue de Cristo? e o pão que partimos não
é a participação do corpo do Senhor? (1ª Coríntios X-16).

São palavras estas que nós podemos acrescentar àqueles outros argumentos que
já demos (nos 298 a 324) de que Jesus Cristo está realmente presente na SSma
Eucaristia. S. Paulo não diz que a Eucaristia simboliza, representa ou significa
uma participação com o corpo de Cristo, mas que É realmente esta participação;
nós PARTICIPAMOS do corpo de Cristo; não diz que ela representa, simboliza ou
significa uma comunhão com o sangue de Cristo, mas que É realmente esta
comunhão.

Portanto, não podem os cristãos comer das vítimas sacrificadas nos altares
pagãos e, ao mesmo tempo, comer da Eucaristia: Não podeis ser participantes
da mesa do Senhor e da mesa dos demônios (1ª Coríntios X-21).

Ora, nós vemos na Sagrada Escritura a palavra MESA ter o significado de ALTAR e
ser aplicada, tanto ao altar dos pagãos, como ao altar do Deus verdadeiro.

MESA = altar dos pagãos: Quanto a vós que deixastes o Senhor, que vos
esquecestes do meu santo nome, que pondes uma MESA à Fortuna, e derramais
libações sobre ela, eu vos farei passar por conta ao fio da espada (Isaías LXV-
11 e 12).

MESA = altar do Deus verdadeiro: Vós ofereceis sobre o meu altar um pão
imundo e dizeis: Em que te profanamos vós? Nisso que dizeis: A MESA do Senhor
está desprezada (Malaquias I-7). Mas os sacerdotes e levitas... estarão na minha
presença para me oferecerem a gordura e o sangue, diz o Senhor Deus. Eles
mesmos entrarão no meu santuário e eles se chegarão à minha MESA, para me
servirem e guardarem as minhas cerimônias (Ezequiel XLIV-15 e 16).

E aí se vê perfeitamente o raciocínio de S. Paulo.

Existe um altar dos cristãos e um altar dos pagãos; um é a mesa do Senhor e o


outro, a mesa dos demônios; numa o fiel participa do corpo de Cristo, comunga
do sangue de Cristo, noutra participa dos demônios, a quem são oferecidos os
sacrifícios do paganismo. Como é que se pode participar das duas coisas ao
mesmo tempo? O paralelismo em que o Apóstolo põe as 2 coisas tão diversas,
mostra evidentemente que ele considera A CARNE e O SANGUE de Cristo como
também oferecidos a Deus em sacrifício sobre o altar ou, como ele o diz, sobre a
mesa do Senhor.

Profunda significação eucarística.

350. Ao finalizarmos o capítulo sobre o Batismo, fizemos ver o esvaziamento


de sentido que a maioria dos protestantes realizaram com relação a este
Sacramento.

Fizeram dele um simples banho de água e nada mais e acham que Cristo fez de
um simples banho um testemunho de fé. O mesmo se dá com respeito à
Eucaristia. Fizeram dela um simples lanche. Come-se pão e bebe-se vinho. E
assim se comemora a Paixão do Salvador!

No entanto, as palavras da Bíblia são claríssimas para dar à Eucaristia uma


significação muito mais profunda.

É aí que Cristo põe em prática o seu poder infinito, para nos mostrar as finezas
de um amor sem limites. E é aí também que Ele mostra a sua imensa sabedoria,
conciliando coisas que à primeira vista podiam parecer inconciliáveis.

Realizou na Cruz, dando a sua vida por nós, um Sacrifício Único que não se
repete, porque a sua morte, a sua imolação real e sangrenta, só se deu UMA VEZ; e
no entanto este Sacrifício se renova todos os dias, a cada instante, numa
representação viva de sua Paixão, numa imolação mística, de modo que todos
nós podemos assistir ao seu Sacrifício da Cruz, como se estivéssemos presentes
no Calvário.

Não era praxe entre os judeus que o povo comesse as carnes das vítimas
oferecidas em EXPIAÇÃO. Cristo, porém, renova representativamente o seu
sacrifício expiatório da Cruz, para que ele se desdobre num imenso banquete, em
que podemos comungar, participar realmente, para nosso alimento espiritual, da
própria Vítima que se ofereceu na Cruz, Vítima que o seu poder infinito nos traz
outra vez realmente presente sobre os nossos altares.

A nossa Redenção foi completa no Calvário; mas com esta Redenção adquirimos
riquezas que na Missa Ele vem distribuir.

Na Cruz fez A SUA PARTE na obra redentora; não contente com isto, na Missa nos
vem ajudar a fazermos A NOSSA, implorando para os vivos a graça do
arrependimento, mesmo quando depois de tanto abuso dos divinos favores, dela
nos tornamos indignos, e para os mortos um alívio e refrigério nas penas que
ainda têm que sofrer perante a Justiça Divina.

Subiu aos Céus para voltar no fim do mundo; e entretanto ficou entre nós oculto
sob os véus sacramentais, visível apenas aos olhos da nossa fé, esta fé que é a
base de todo o Cristianismo e que atinge o seu ponto culminante na humildade e
cega submissão com que aceitamos o mistério eucarístico.

Só Ele é quem podia OFERECER-SE para remir a Humanidade; e no entanto dá-nos,


depois da Redenção, o privilégio de nos oferecermos a Deus juntamente com
Ele, apresentando-Lhe as nossas lágrimas, as nossas dores, os nossos sacrifícios,
a nossa vida, em união com aquele Corpo e Sangue Preciosíssimo que foram
oferecidos na Cruz. E assim desde o nascente do sol até o poente... em todo o
lugar sobe aos Céus uma oblação pura, tornando o nome de Deus grande entre
as gentes (Malaquias I-11).
Capítulo Décimo Quarto
Os Apóstolos tiveram sucessores
A Missão dos Apóstolos exigia sucessores.

351. Basta considerar a missão de que Jesus encarregou os seus Apóstolos, os


poderes de que o Divino Mestre os revestiu, ao constituir a sua Igreja, para logo
se chegar à evidência de que os Apóstolos haveriam de ter sucessores.

Já vimos que Cristo fez de Pedro a pedra sobre a qual a sua Igreja ia ser
construída. Um homem que em si não é nada, mas que sustentado por Deus, pela
Providência com que Cristo vela pela sua instituição deixada neste mundo, pode
muito, pode arrostar vitoriosamente todas as tempestades, havia de ser a garantia
de unidade para a Igreja de Deus. Mas, se esta Igreja havia de durar até o fim dos
séculos, a pedra em que ele se sustenta havia de durar também. Pedro tem que
continuar atuando sobre a Igreja na pessoa de seus sucessores, e os tem havido
sem interrupção desde Lino, que foi o seu sucessor imediato, até os dias de hoje.
Ninguém pode negar que sem o Papa, sem a proteção especialíssima com que
Cristo tem sustentado o Papado, por Ele mesmo instituído, não se teria mantido a
unidade da Igreja.

Cristo mandou aos Apóstolos que ENSINASSEM a verdadeira doutrina. Constituiu


mestra desta doutrina legítima a Igreja, coluna e firmamento da verdade (1ª
Timóteo III-15). Mortos os apóstolos, haveriam de ser substituídos na sua
missão de ensinar, por homens fiéis, que fossem capazes de instruir também a
outros (2ª Timóteo II-12); fiéis à doutrina da Igreja e nela verdadeiramente
preparados, para que esta doutrina não sofresse alteração. Dar a qualquer homem
o direito de sacar de uma Bíblia e sair ensinando aos outros a sua interpretação
pessoal, quando há tantas interpretações diferentes, quando tantos são os
falsificadores da palavra de Deus (2ª Coríntios II-7), quando são tantos os
indoutos e inconstantes que adulteram as Escrituras para ruína de si mesmos (2ª
Pedro III-16), seria introduzir na Igreja de Cristo a mesma anarquia doutrinária
que se observa no Protestantismo. Por isso dizia São Paulo, na sua Epístola aos
Romanos: como pregarão eles, se não forem enviados (Romanos X -15).

Foi aos Apóstolos que Cristo deu a ordem de batizar. Mas o batismo é necessário
para os homens de todos os tempos, pois quem não nascer da água e do Espírito
não pode entrar no reino de Deus (João III-5); é no Batismo que pela vez
primeira se recebe a graça santificante com a remissão dos pecados (pelo menos
do pecado original, com que todos nascemos) e o dom do Espírito Santo (Atos
II-38). É o Batismo que nos introduz, como membros, na Igreja de Jesus Cristo.
Portanto, os Apóstolos haveriam de transmitir a outrem o poder de batizar.

Foi aos Apóstolos que Cristo deu o poder de perdoar pecados e retê-los (João
XX-23). Mas não seriam somente os contemporâneos dos Apóstolos que
haveriam de ter este direito de receber a remissão dos pecados cometidos após o
Batismo. Nesta base do poder das chaves, Cristo instituiu na Igreja o meio
ordinário para obtermos o perdão de nossos pecados. E, se os primeiros cristãos
precisavam recorrer ao poder das chaves, é claro que, depois de mortos os
Apóstolos, outros necessitariam de recorrer também.

Aos apóstolos é que foi dado, no recesso do Cenáculo, o poder de realizar o


mistério eucarístico, mudando o pão e o vinho no corpo e no sangue de Jesus e
oferecendo a oblação da Nova Lei, predita por Malaquias. Mas a Eucaristia
havia de perdurar até o fim do mundo: anunciareis a morte do Senhor, até que
ele venha (1ª Coríntios XI-26). E nenhum cristão podia, por si mesmo, julgar-se
com o poder de fazer aquilo que fora ordenado exclusivamente aos Apóstolos na
Última Ceia: Fazei isto em memória de mim (Lucas XXII-19).

Cristo fala aos Apóstolos e seus sucessores.

352. Na hora solene em que Jesus Cristo envia os seus Apóstolos, dirige-se
somente aos onze (Partiram, pois, os onze discípulos para Galileia, para cima
de um monte, onde Jesus lhes havia ordenado que se achassem — Mateus
XXVIII-16), mas falando a eles, está falando também aos seus sucessores,
porque os encarrega de uma missão que onze pessoas apenas não estão
absolutamente em condições de realizar (tanto mais que os Apóstolos já são,
quase todos, homens maduros e morrerão dentro de alguns anos), a missão de
ensinar a todos os povos: Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as
coisas que vos tenho mandado (Mateus XXVIII-19 e 20). Por mais que
andassem os Apóstolos naquela época de tão escassos meios de transporte, não
poderiam sozinhos ENSINAR e BATIZAR TODOS OS POVOS. S. Lucas nos Atos
igualmente nos mostra Jesus falando exclusivamente aos Apóstolos, dando
preceitos pelo Espírito Santo aos APÓSTOLOS que elegeu (Atos I-2), anunciando-
lhes que dentro de poucos dias receberiam a abundância do Espírito Santo: vós
sereis batizados no Espírito Santo não muito depois destes dias (Atos I-5) e
acrescentando: recebereis a virtude do Espírito Santo que descerá sobre vós e
me sereis testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e Samaria e ATÉ ÀS
EXTREMIDADES DA TERRA (Atos I-8). Ir até os confins da terra era impossível àqueles
homens. E mesmo a difusão do Evangelho por todo o mundo haveria de durar
muitos séculos, sendo a sua consumação um prenúncio do fim: E será pregado
este Evangelho do Reino por todo o mundo, em testemunho a todas as gentes; e
ENTÃO CHEGARÁ O FIM (Mateus XXIV-14). Só ao cabo de muitos séculos se
descobriria a América para começar então a evangelização desta parte do
mundo.

É por isto que, enviando os seus Apóstolos, a ensinar e batizar todos os povos, a
ensinar a estes tudo aquilo que lhes fora transmitido, Jesus declara que estará
com eles, Apóstolos, ATÉ O FIM DO MUNDO: E estai certos de que estou convosco
todos os dias até a consumação do século (Mateus XXVIII-20). Com eles como,
se não estariam vivos até o fim do mundo? Com eles, sim, porque os Apóstolos
teriam outros que continuassem a sua missão e assim permaneceriam atuando na
pessoa de seus sucessores.

O argumento dos fatos.

353. Vejamos agora o que nos diz a Bíblia sobre a questão de fato: os Apóstolos
deixarem realmente sucessores? É claro que sim.

É verdade que a Bíblia não nos conta coisa alguma da atuação de muitos dos
Apóstolos, depois que se separaram para a conquista do mundo. Que nos diz o
Livro Sagrado sobre o apostolado exercido por S. Filipe, S. Bartolomeu,
S. Tomé, S. Mateus, S. Simão Cananeu ou S. Matias? Nada. De S. Judas Tadeu
conhecemos apenas pela Bíblia uma pequenina Epístola, com capítulo único.

Os Atos nos mostram até o fim do capítulo 12 a atuação dos apóstolos e, de


modo especial, de Pedro, Tiago e João nos dias iniciais da Igreja, para do
capítulo 13 em diante dedicar-se exclusivamente às viagens e ao apostolado de
S. Paulo. Pescamos mais alguma coisa sobre a organização da Igreja e as
atividades dos Apóstolos, nas 21 Epístolas, das quais 14 e as mais extensas são
de S. Paulo.

Mas pelo que aí vemos, nos Atos e nas Epístolas, já sabemos o suficiente para
chegarmos à evidência de que os Apóstolos foram logo tratando de arregimentar
homens escolhidos que os ajudassem no apostolado e que lhes sucedessem na
sua obra, quando morressem. E é claro que só podia ser assim, desde que se
considere o modo como Jesus, revestindo os Apóstolos de poderes especiais,
organizou a sua Igreja, a qual havia de durar até a consumação do século.

A eleição de S. Matias.

354. Depois da ascensão de Jesus, o primeiro cuidado de S. Pedro, o chefe da


Igreja, é providenciar para que Judas seja substituído (Atos I-15 a 22). Podia
muito bem escolher este substituto, como observa S. João Crisóstomo; mas não
quis fazê-lo, para dar um exemplo de modéstia no governar a Igreja, para mais
ainda honrar o novo Apóstolo, que haveria de ser escolhido assim com o
sufrágio e a simpatia do povo e para melhor conhecer a vontade de Deus, que se
manifestaria pela eleição e pela sorte. Não é o fato de consultar o Superior a
opinião de seus subalternos, sobre qual seja o mais digno, quando quer fazer
uma nomeação, não é este fato que mostra estar o Superior privado de fazer a
nomeação por si mesmo.

A escolha recai sobre Matias.

E assim já vai um que não foi escolhido, que não foi designado por Jesus Cristo,
tomar, de igual para igual, a sua cadeira com os demais Apóstolos e receber com
eles o Divino Espírito Santo.

Agiu mal S. Pedro em promover esta substituição? Desagradou a Cristo neste


particular? Absolutamente não, uma vez que do próprio Cristo, havia ele
recebido plenos poderes para governar a Igreja: Eu te darei as chaves do reino
dos Céus; e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos Céus, e
tudo o que desatardes sobre a terra será desatado também nos Céus (Mateus
XVI-19). Estes mesmos plenos poderes, esta mesma autorização de atar e
desatar como bem entendessem, possuíam os demais Apóstolos (Mateus XVIII-
18), mas sob a dependência de Pedro, pedra fundamental da Igreja (Mateus XVI-
18) e Pastor de todo o rebanho de Cristo (João XXI-15, 16 e 17).
Com estas amplas faculdades no governo e na organização da Igreja, bem
podiam os Apóstolos transmitir aos outros, ou no todo ou em parte, como bem
lhes aprouvesse, os seus poderes sacerdotais e o seu poder de governar, assim
como não só podiam, mas deviam providenciar para que tais poderes não
faltassem em sucessores seus, após sua morte.

No exercício de sua missão, necessitavam, logo desde o princípio, de que os


ajudasse. E, como é bem lógico e compreensível, acharam que não era
conveniente chamar uns homens e transmitir-lhes os seus próprios poderes
integralmente, torná-los iguais a eles em tudo no governo da Igreja. Daí
nasceriam muitas confusões. E precisavam para usarmos a linguagem de hoje,
CONTROLAR INTEIRAMENTE, eles próprios, pelo menos no princípio, a organização
da Igreja nascente.

Por isto os seus próprios poderes, eles os transmitiam EM PARTE, mais a uns,
menos a outros. Sim, não se espante o leitor; mais a uns, menos a outros; porque
estabeleceram os Apóstolos uma certa hierarquia, na qual o lugar mais modesto
é ocupado pelos

Diáconos.

355. Os Atos nos narram que, crescendo o número dos discípulos (Atos VI-1),
resolveram os Apóstolos escolher a homens que os ajudassem e para isto
pediram ao povo que lhes indicasse sete varões de boa reputação, cheios do
Espírito Santo e de sabedoria (Atos VI-3). E assim são escolhidos os primeiros
diáconos, entre os quais estão Estevão e Filipe. Não se trata apenas de homens
destinados a servir às mesas, mas de ministros sagrados, com alguns poderes
espirituais, pois nós vemos os Apóstolos ordená-los, impor as mãos sobre eles: A
estes apresentaram diante dos Apóstolos, e orando puseram as mãos sobre eles
(Atos VI-6). Houve no texto uma certa negligência gramatical, mudando-se de
repente o sujeito da oração. Os fiéis apresentaram sete varões aos Apóstolos e os
Apóstolos orando puseram as mãos sobre eles. Pois se vê por um versículo
anterior (o 3º) que os Apóstolos apenas pediram que os fiéis os indicassem; eles,
os Apóstolos, então se encarregaram de conferir-lhes a missão: Irmãos, escolhei
dentre vós a sete varões, de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria, aos quais ENCARREGUEMOS desta obra (Atos VI-3).
A imposição das mãos já era usada no Antigo Testamento como sinal de
consagração ao ministério ou de transmissão de poderes. Assim é que vemos
Moisés transmitir, a mandado de Deus, uma parte de seus poderes a Josué, por
meio da imposição das mãos: E o senhor lhe disse: Lança mão de Josué, filho de
Nun, varão no qual reside o Espírito e IMPÕE-LHE AS MÃOS, o qual se apresentará
diante do sacerdote Eleazar e de toda a multidão, e tu lhe darás os preceitos à
vista de todos e UMA PARTE DA TUA GLÓRIA, para que toda a congregação dos filhos
de Israel o ouça (Números XXVII-18 a 20). E o Deuteronômio afirma que Josué
ficou cheio de espírito de sabedoria em virtude da imposição das mãos feita por
Moisés: E Josué, pois, filho de Nun, foi cheio do espírito de sabedoria, porque
Moisés lhe tinha imposto as suas mãos (Deuteronômio XXXIV-9)

Embora os Atos não chamem diretamente de diáconos àqueles varões se vê


claramente, pelo texto grego, que é de diáconos que se trata. Os gregos
murmuram (Atos VI-1) porque suas viúvas são desprezadas no serviço de cada
dia (serviço, no texto grego = DIACONÍA). Os sete terão a seu cargo (Atos VI-2)
servir às mesas (servir, no texto grego = DIACONÉIN).

Nós vemos logo em seguida (cap. VII dos Atos) Estevão pregar a palavra de
Deus, diante dos juízes, cheio do Espírito Santo e como faria qualquer Apóstolo.
Vemos mais adiante Filipe batizar o eunuco: E desceram os dois à água, Filipe e
o eunuco, e o batizou (Atos VIII-38). E vemos o mesmo Filipe pregar o
Evangelho em uma cidade de Samaria (Atos VIII-5).

Presbíteros ou bispos.

356. Numa ordem mais elevada da hierarquia estão os presbíteros. No início da


Igreja eram chamados indiferentemente presbíteros ou bispos. De acordo com a
etimologia destas palavras, presbítero é uma alusão à idade e quer dizer mais
velho, maior na idade; bispo é uma alusão ao cargo, à função e quer dizer:
vigilante, que inspeciona, que dirige.

São homens que os Apóstolos já começam a associar a si no governo da Igreja e,


desde que são escolhidos pelos Apóstolos, são considerados escolhidos pelo
Espírito Santo. É assim que São Paulo, falando aos presbíteros em Éfeso diz:
Atendei por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu
BISPOS para GOVERNARDES a Igreja de Deus, que Ele adquiriu pelo preço de seu
próprio sangue (Atos XX-28). GOVERNAR aí no texto grego é expresso pelo
verbo POIMÁINO = apascentar.

E continua São Paulo: Eu sei que, depois da minha despedida, hão de entrar a
vós certos lobos arrebatadores, que não hão de perdoar ao rebanho; e que
dentre vós mesmos hão de sair homens que hão de publicar doutrinas perversas,
com o intento de levarem após si muitos discípulos. Por cuja causa VIGIAI (Atos
XX-29 a 31).

Estes presbíteros eram designados para cada Igreja ou cidade onde havia
cristãos, eram escolhidos pelos Apóstolos ou por seus delegados, não eram
forçosamente apontados por eleição do povo, o que mostra que a escolha de
Matias e dos diáconos foi feita por eleição dos irmãos porque os Apóstolos
espontaneamente quiseram fazer deste modo. Assim é que lemos nos Atos que
Paulo e Barnabé, tendo-lhes ORDENADO em cada Igreja SEUS PRESBÍTEROS e feito
orações com jejuns os deixaram encomendados ao Senhor, em quem tinham
crido (Atos XIV-22) [53].

Uma vez que tenham sua Igreja, sua cidade para cuidar, devem apascentar
desveladamente o seu rebanho: Esta é, pois, a rogativa que eu faço aos
presbíteros... Apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado
dele, não por força, mas espontaneamente segundo Deus, nem por amor de
lucro vergonhoso, mas de boa vontade; não como que quereis ter domínio sobre
a clerezia, mas feitos exemplares do rebanho com uma virtude sincera (1ª Pedro
V-1 a 4).

Sua missão é entre outras, presidir e ensinar: Os presbíteros que governam bem
sejam honrados com estipêndio dobrado, principalmente os que trabalham em
pregar e ensinar (1ª Timóteo V-17).

Cabe-lhes também a administração dos sacramentos. E assim é que vemos


S. Tiago dizer que os enfermos mandem chamar os presbíteros, a fim de
ministrar-lhes a Extrema Unção: Está dentre vós algum enfermo? Chame os
PRESBÍTEROS da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em
nome do Senhor (Tiago V-14). Trata-se aí evidentemente de um sacramento; a
unção é feita em nome do Senhor, isto é, porque Jesus assim ordenou, assim
como o batismo é ministrado em nome de Jesus Cristo (Atos II-38). Não vem ao
caso que o óleo tenha por si uma virtude terapêutica; precisamente por isto é que
é escolhido o óleo como sinal sensível para indicar o efeito deste sacramento,
assim como a água já tem materialmente o dom de lavar, de purificar e por isso
mesmo foi escolhida para significar e representar a purificação espiritual operada
pelo Batismo. E o fato é que, como o Batismo é ministrado para remissão dos
pecados (Atos II-38), também o é, embora noutro gênero, a Extrema Unção: e se
estiver em alguns pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tiago V-15), pois se dá aí
mais um retoque na purificação espiritual do indivíduo, curando as indisposições
deixadas na alma pelo pecado e se supre a confissão, no caso em que não é
possível realizá-la, desde que haja no paciente as necessárias disposições.

É claro que ninguém vai concluir que o único sacramento ministrado pelos
presbíteros era a Extrema Unção; a Bíblia em nenhuma parte se propõe
diretamente a nos ensinar como era a organização da Igreja primitiva, nem quais
eram, uma por uma, as atribuições dos presbíteros; apenas colhemos
parceladamente aqui e acolá o que nos dizem os Atos, na sua narração dos
primeiros dias da Igreja e das viagens de S, Paulo e o que dizem as Epístolas
ocasionalmente nas suas exortações. Assim é que vemos pela 1ª Epístola de
S. Paulo a Timóteo os presbíteros associados também à cerimônia da ordenação,
como faz ainda hoje a Igreja Católica na ordenação de seus sacerdotes em que
todos os presbíteros presentes impõem também as mãos sobre o ordinando: Não
desprezes a graça que há em ti, que te foi dada por profecia pela IMPOSIÇÃO DAS
MÃOS DO PRESBITÉRIO (1ª Timóteo IV-14). Esta imposição feita por S. Paulo:
Admoesto que tornes a acender o fogo da graça de Deus, que recebeste pela
IMPOSIÇÃO DAS MINHAS MÃOS (2ª Timóteo I-6).

Que estes presbíteros ou bispos formam uma classe distinta da dos diáconos, não
há dúvida alguma. S. Paulo, ao começar a Epístola aos Filipenses, os distingue
perfeitamente: Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo a todos os santos em
Jesus Cristo que se acham em Filipos, com os BISPOS e DIÁCONOS (Filipenses I-1).
E na 1ª Epístola a Timóteo fala separadamente nas qualidades que devem ter os
bispos (1ª Timóteo III-2 a 7) e os diáconos (1ª Timóteo III-8 a 10).

Notas (pular)

[53] Ferreira de Almeida traz: E havendo-lhes, por comum consentimento, eleito anciãos em cada igreja
(Atos XIV-22). Mas esta expressão POR COMUM CONSENTIMENTO não está absolutamente no texto grego. A
versão da Sociedade Bíblica do Brasil diz assim: Tendo feito eleger para eles presbíteros em cada igreja
(Atos XIV-22). A tradução também não é exata. O verbo empregado no texto grego é CHEIROTONÉO que
significa escolher com a mão estendida ou simplesmente escolher (Vejam-se Dicionários Bailly e Zorell)
Zorell mostra que facilmente se esqueceu a ideia de mão estendida para ficar somente na ideia de escolher,
de modo que o escritor Filon, por exemplo, (Do prêmio e pena c.9) usa esta expressão: BASILÉUS (rei) HYPÓ
THEÓU (por Deus) CHEIROTONETHÉIS (escolhido).

Se houve mão estendida no caso foi só a de Paulo e Barnabé: CHEIROTONÉSANTES (tendo escolhido) AUTÓIS
(para eles) KAT’EKKLESÍAN (para cada Igreja) PRESBYTÉROUS (presbíteros). Se o Pe Pereira também não traz a
tradução exata, é que por sua vez se afastou um pouco da Vulgata, que nos apresenta o verdadeiro sentido
do texto grego: Cum constituíssent (tendo constituído) illis (para eles) per singulas ecclesias (em cada uma
das igrejas) presbyteros (presbíteros). (voltar)

Os apóstolos.

357. Não há dúvida também que num plano ainda mais elevado do que os
presbíteros, igualmente chamados bispos, estão os Apóstolos. É claro que a
direção suprema da Igreja estava nas mãos dos Apóstolos, e os presbíteros a eles
estão sujeitos. Se, como veremos daqui a pouco, já o próprio Timóteo tinha
autoridade e mando sobre os presbíteros, com maioria de razão tinham os
Apóstolos. E embora sejam os Apóstolos também pastores da Igreja, eles
formam uma classe superior à dos outros pastores comuns: E ele mesmo fez a
uns certamente APÓSTOLOS, e a outros profetas, e a outros evangelizadores e a
outros PASTORES e doutores (Efésios IV-11).

Do fato de S. Pedro dizer: Esta é, pois, a rogativa que eu faço aos presbíteros
que há entre vós, eu PRESBÍTERO COMO ELES (1ª Pedro V-1), não se segue que os
presbíteros estivessem no mesmo plano de S. Pedro. S. Pedro podia muito bem
chamar-se presbítero e por uma dupla razão: presbítero no sentido etimológico
da palavra, porque já era um ancião, um homem provecto na idade; e presbítero,
porque era também sacerdote e pastor de almas. Da mesma forma ele poderia ter
dito: Esta é a rogativa que faço aos cristãos eu, cristão como eles — sem que daí
se concluísse que os cristãos tinham uma autoridade igual à de S. Pedro.

E, como estamos falando sobre S. Pedro, é preciso relembrar que já provamos


sobejamente no capítulo 9º que ele exercia a primazia sobre os outros Apóstolos,
a qual lhe foi dada diretamente por Jesus Cristo que o fez pedra fundamental da
Igreja, Pastor de todo o seu rebanho, confiando-lhe as chaves do reino dos Céus,
com o poder de ligar e desligar que a ele foi dado primeiro pessoalmente, para
depois ser dado aos demais Apóstolos em conjunto.

Assim vemos claramente estabelecida a hierarquia nos primeiros dias da Igreja e


assim constituída:
assim constituída:

1º — Pedro, o PRIMEIRO dos Apóstolos e chefe da Igreja;

2º — Os Apóstolos

3º — Os presbíteros, também chamados bispos;

4º — Os diáconos

Ora, temos que distinguir nos Apóstolos duas espécies de prerrogativas. Umas
eram os carismas especiais que receberam, carismas estes que foram necessários
para aqueles tempos de fundação e consolidação da Igreja. Receberam em
abundância o Espírito Santo com o dom das línguas e se tornaram pessoalmente
infalíveis, pois haveriam de lançar as bases da propagação da doutrina cristã. Os
cristãos haveriam de ser edificados sobre o fundamento dos Apóstolos e dos
profetas (Efésios II-20). Receberam, outrossim, o dom dos milagres, os quais
eram necessários para prestigiar a sua pregação e acelerar inicialmente a difusão
do Cristianismo. De S. Pedro se conta nos Atos que fazia tantos milagres que
traziam os doentes para as ruas e os punham em leitos e enxergões a fim de que,
ao passar Pedro, cobrisse sequer a sua sombra alguns deles e ficassem livres
das suas enfermidades. Assim mesmo concorriam enxames deles das cidades
vizinhas a Jerusalém, trazendo os seus enfermos e os vexados dos espíritos
imundos; os quais eram curados (Atos V-15 e 16). De S. Paulo, por sua vez, se
narra nos Atos: Deus fazia milagres não quaisquer por mão de Paulo; chegando
estes a tal extremo que até sendo aplicados aos enfermos os lençóis e aventais
que tinham tocado no corpo de Paulo, não só fugiam deles as doenças, mas
também os espíritos malignos se retiravam (Atos XIX-11 e 12).

Vê-se, desde logo, que esses dons extraordinários, necessários a princípio, não
continuariam a existir em toda a história da Igreja. Inúmeros pregadores
espalhados por toda a parte com o dom da infalibilidade seria um carisma
desnecessário, porque bastaria que se seguisse fielmente a doutrina da Igreja
recebida dos Apóstolos, pois a Igreja é a coluna e firmamento da verdade (1ª
Timóteo III-15). Frequência de milagres eternamente para confirmar a pregação
seria contraproducente, pois seria tirar todo o merecimento da nossa fé.

Mas há outro elemento a considerar nos Apóstolos: é o seu poder exercido sobre
a Igreja, o seu direito e dever de governá-la. Espalhavam-se presbíteros para
a Igreja, o seu direito e dever de governá-la. Espalhavam-se presbíteros para
apascentar o rebanho de Cristo em todas as cidades. E estes presbíteros
necessitavam também de que houvesse uma categoria superior que os
escolhesse, que os ordenasse, que vigiasse sobre eles, sobre seu comportamento
e especialmente sobre a doutrina que estavam propagando. Tal necessidade
haveria de existir sempre na Igreja, do contrário se esfacelaria a sua unidade. E
era precisamente neste ponto que os Apóstolos necessitavam de quem ficasse no
seu lugar, e exatamente no mesmo plano em que eles se haviam colocado no
governo da Igreja.

Homens destinados a um plano superior ao dos presbíteros.

358. Por isto os Apóstolos foram logo escolhendo alguns homens, de especiais
qualidades, que haveriam de ficar em seu lugar, com autoridade também sobre
os demais presbíteros. E já em vida dos próprios Apóstolos.

Como já dissemos, a Bíblia só nos conta mais detidamente a vida e as atividades


de S. Paulo. Mas é o bastante para vermos como já começam a trabalhar com
S. Paulo homens que são mais do que simples presbíteros e que já se vão
adestrando para ocupar a posição dos próprios Apóstolos, após a morte destes.

Um deles é Barnabé, aliás escolhido para a sua missão especial pelo Espírito
Santo: separai-me a Saulo e Barnabé para a obra a que eu os hei destinado
(Atos XIII-2). Os Atos dão a ambos o nome de apóstolos: Os Apóstolos Barnabé
e Paulo (Atos XVI -13) e mostram a ambos escolhendo os presbíteros para cada
Igreja: Tendo-lhes ordenado em cada igreja seus presbíteros, e feito orações
com jejuns, os deixaram encomendados ao Senhor em quem tinham crido (Atos
XIV-22).

Outro é Tito, a quem S. Paulo já deixa em Creta encarregado de uma supervisão


sobre algumas igrejas e também de escolher os presbíteros: Eu pelo motivo que
vou a dizer é que te deixei em Creta, para que regulasses o que falta e
ESTABELECESSES PRESBÍTEROS nas cidades, como também, eu to mandei (Tito I-5).

Vê-se aí já uma certa autoridade de Tito sobre os presbíteros. E, se S. Paulo o


encarrega de escolhê-los, isto é sinal de que está errada a doutrina de muitos
protestantes de que todos são iguais na igreja, de que a igreja é regida
democraticamente e os fiéis é que escolhem e nomeiam os seus pastores. Se para
a eleição de S. Matias, S. Pedro consultou a multidão (Atos I-16), se para a
escolha dos diáconos os Apóstolos houveram por bem pedir a opinião dos fiéis
(Atos VI-3), o fizeram espontaneamente, mas daí não se segue que o direito de
escolha era do povo e não deles. Aqui já se mostra Tito encarregado de
estabelecer presbíteros e logo em seguida (Tito I-6 a 9) instruído a respeito das
qualidades que devem ter estes presbíteros ou bispos, o que prova que ele é que
tinha a responsabilidade da escolha.

Outro, afinal, que, como se vê bem claramente, S. Paulo está preparando para
assumir o apostolado no mesmo plano do Apóstolo quando ele morrer, é
Timóteo. S. Paulo o diz abertamente: Tu, porém, vigia; trabalha em todas as
coisas; faze a obra dum evangelista; cumpre com o teu ministério; sê sóbrio,
porque, quanto a mim, estou a ponto de ser sacrificado e o tempo da minha
morte se avizinha (2ª Timóteo IV-5 e 6). Não havia já tantos presbíteros
espalhados pelas igrejas? Por que tantas recomendações especiais a Timóteo,
baseadas no fato de que a morte dele, Paulo, já se apresenta iminente?

O fato de 3 das 14 Epístolas de S. Paulo serem assim escritas cheias de


conselhos, avisos e instruções a estes dois ilustres auxiliares (2ª Timóteo e 1 a
Tito) é já por si bastante expressivo, assim como diz bem alto da importância do
papel exercido por Timóteo no seio da Igreja, o fato de serem as Epístolas aos
Filipenses, aos Colossenses e aos Tessalonicenses enviadas em nome de Paulo e
de Timóteo. Veja-se o 1º versículo de cada uma das Epístolas.

Do mesmo modo que Tito foi colocado por S. Paulo na ilha de Creta, Timóteo
foi colocado em Éfeso e também com o encargo da supervisão, pois é
encarregado de vigiar para que não se preguem, não se ensinem coisas inúteis
aos fiéis: Roguei que ficasses em Éfeso quando me parti para Macedônia, para
que admoestasses alguns, que não ensinassem de outra maneira nem se
ocupassem em fábulas e genealogias intermináveis, as quais antes ocasionam
questões que edificação de Deus, que se funda na fé. (1ª Timóteo I-3 e 4).

E Timóteo já tem evidentemente AUTORIDADE SOBRE OS PRÓPRIOS PRESBÍTEROS,


autoridade, portanto, maior do que a deles: Não recebas acusação contra o
presbítero senão com duas ou três testemunhas. Aos que pecarem, repreende-os
diante de todos, para que também s outros tenham medo (1ª Timóteo V-19 e 20).
E é admoestado a não fazer ordenações sem refletir primeiro, de modo que ele é
encarregado de ordenar: A ninguém imponhas ligeiramente as mãos e não te
faças participante dos pecados doutrem (1ª Timóteo V- 22). É encarregado de
escolher, preparar e distribuir outros pregadores do Evangelho e mestres da
doutrina: Guardando o que ouvistes DA MINHA BOCA diante de muitas testemunhas,
entrega-o a homens fiéis, que sejam CAPAZES DE INSTRUIR TAMBÉM A OUTROS (2ª
Timóteo II-2). Não basta, portanto, entregar-lhes as Epístolas ou o Evangelho; é
preciso instruí-los oralmente sobre aquilo que o próprio Timóteo OUVIU DA BOCA
DE PAULO.

É claro, por conseguinte, que se já em vida dos Apóstolos havia assim quem
tivesse autoridade sobre os presbíteros, com maioria de razão depois da morte
deles teria de haver necessariamente os homens escolhidos que tomassem o seu
posto, exercendo vigilância e autoridade não só sobre os fiéis, mas também sobre
os presbíteros que os apascentavam. Isto era indispensável para o bom regime da
Igreja, que havia de perpetuar-se até o fim dos séculos.

O termo bispos.

359. O que aconteceu é que com a morte dos Apóstolos era preciso distinguir
com designações diversas as 2 classes de presbíteros, ou seja, uma, dos
presbíteros comuns e outra, dos presbíteros de ordem superior, que tinham poder
e autoridade sobre os demais. Estes últimos, para melhor diferenciá-los,
passaram a ser designados com o nome de bispos. E assim se vê a perfeita
igualdade que há entre a hierarquia no tempo dos Apóstolos e a hierarquia como
tem havido em toda a história do Cristianismo e como existe ainda hoje na Igreja
Católica, havendo apenas uma pequena diferença de nomes:

No tempo dos Apóstolos Na Igreja através dos séculos


1º — S. Pedro, chefe da Igreja; 1º — O Papa, sucessor de S. Pedro;
2º — Os Bispos que passaram a ocupar o lugar dos Apóstolos na
2º — Os Apóstolos;
hierarquia;
3º — Presbíteros, também chamados
3º — Os Presbíteros;
Bispos;
4º — Diáconos. 4º — Os Diáconos.

Esta distinção entre bispos e presbíteros não é nova, vigora na Igreja desde
tempos antiquíssimos, pois nós a vemos frequentemente nas obras de S. Inácio
Mártir, bispo de Antioquia, que pertence ao 1º século da era cristã, à era
apostólica.
Já vimos na tese sobre a Eucaristia a palavra de S. Inácio Mártir: “Procurai usar
da Eucaristia una... assim como um é o BISPO com os PRESBÍTEROS e DIÁCONOS,
meus conservos” (Filadelfos, IV). Logo no início desta Epístola aos Filadelfos
diz que a Igreja de Filadélfia “é regozijo eterno e permanente, mormente quando
está unida com seu BISPO, com os PRESBÍTEROS que o rodeiam e com os DIÁCONOS
que foram constituídos segundo o sentir de Jesus Cristo”. Na Epístola aos
Tralianos, advertindo contra os hereges diz: “Alerta, pois, contra os tais! E assim
será para que não vos deixeis envolver e vos mantenhais inseparáveis de Jesus
Cristo, de vosso bispo e das instruções dos Apóstolos. O que está dentro do altar
é puro, mas o que está fora do altar não é puro. Quero dizer, o que faz algumas
coisa fora do BISPO, do PRESBÍTERO e dos DIÁCONOS, esse não está puro na sua
consciência” (Tralianos, VII). E na mesma Epístola aos Tralianos: “Todos haveis
de respeitar os DIÁCONOS, como a Jesus Cristo. O mesmo digo do BISPO que é a
figura do Pai, e dos PRESBÍTEROS que representam o senado de Deus e o Colégio
Apostólico” (Tralianos III-1).

Querer dizer que a Igreja Católica está errada ou que não é mais a Igreja
primitiva, porque hoje, como tem acontecido já desde o 1º século, se faz
distinção entre as palavras BISPOS e PRESBÍTEROS e no tempo dos Apóstolos não se
fazia, é querer brigar unicamente por causa de uma questão de nomes. A seguir
este critério tão “inteligente” no modo de interpretar a Bíblia, estes nossos
grandes exegetas deverão neste caso (se a questão é apenas de nomes) colocar
Nosso Senhor Jesus Cristo em segundo plano na hierarquia da Igreja e abaixo
dos Apóstolos, porque Jesus Cristo é chamado BISPO por São Pedro: O qual foi o
mesmo que levou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro, para que,
mortos aos pecados, vivamos à justiça; por cujas chagas fostes vós sarados;
porque vós éreis como ovelhas desgarradas; mas agora vos haveis convertido
ao pastor e BISPO das vossas almas (1ª Pedro II-24 e 25).

Diante do que fica exposto nós já podemos conhecer qual é a

Verdadeira Igreja de Cristo.

360. Jesus Cristo fundou uma Igreja e prometeu que ela jamais seria dominada
pelo erro: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a MINHA IGREJA e AS PORTAS DO
INFERNO NÃO PREVALECERÃO CONTRA ELA (Mateus XVI-8). Esta Igreja não pode errar,
porque é a COLUNA E FIRMAMENTO DA VERDADE (1ª Timóteo III-15). Tem a ampará-la
sempre a assistência divina: Estai certos de que eu estou convosco todos os dias,
até a consumação do século (Mateus XXVIII-20).

Esta Igreja de Jesus Cristo foi fundada à base de poderes especiais concedidos
aos Apóstolos, os únicos que Nosso Senhor enviou para governá-la, propagá-la
pelo mundo, pregando e administrando os sacramentos. Estes Apóstolos
escolheram homens a quem pela imposição das mãos transmitiram seus poderes
e logo se estabeleceu a hierarquia: APÓSTOLOS, PRESBÍTEROS e DIÁCONOS e, depois
da morte dos Apóstolos: BISPOS, PRESBÍTEROS e DIÁCONOS.

Portanto, a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo tem necessariamente que vir do


tempo dos Apóstolos, porque só assim é que pode ser detentora dos poderes
conferidos por Cristo [54]. Organizando a Igreja, desta maneira, o Divino
Mestre, fechou inteiramente o caminho para os hereges que haviam de aparecer,
inúmeros, em toda a história da Igreja, os quais haviam de apoderar-se da Bíblia,
dando-lhes a interpretação que bem lhes parecesse e gritando aos quatro ventos:
Eis aqui a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo! — lançando no seio do povo cristão
uma confusão tremenda, porque os outros hereges, seus adversários, também não
deixariam de dizer o mesmo.

Ora, a única Igreja que vem do tempo dos Apóstolos é a Igreja Católica, porque
como já provamos (nº 167), desde o tempo dos Apóstolos a Igreja de Jesus
Cristo, tem sido denominada a Igreja Católica e a sua doutrina tem sido
conservada invariável através dos séculos. Logo, a única Igreja Verdadeira de
Jesus Cristo é a Igreja Católica.

Notas (pular)

[54] Interessados, como é natural, em destruir esta ideia de transmissão de poderes por sucessão apostólica,
os protestantes começam a imaginar perigos de interromper-se esta sucessão e querem com isto
impressionar os católicos. Mas se esquecem de uma coisa muito importante. Até o século XV, em que foi
descoberta a imprensa, a Bíblia era copiada À MÃO. Desde o tempo em que o Pentateuco foi escrito até os
dias de hoje, a Sagrada Escritura nos tem sido transmitida por uma sucessão de... copistas, até o século XV,
de... tipógrafos daí para cá. O que nós chamamos, por exemplo, o texto original grego do Novo Testamento
é fruto de uma exaustiva e paciente comparação de vários códices que têm pequenas diferenças,
escolhendo-se ali a versão mais provável. Mas vai-se desprezar a Bíblia por causa disto? Não. Deus vela
especialmente pela Sagrada Escritura, fazendo com que nela não se introduza erro substancial. Com a
mesma solicitude vela também Jesus Cristo sobre a Igreja, que é igualmente obra de Deus e o Divino
Mestre especialmente prometeu a ela a sua assistência. Essas dúvidas importunas revelam apenas falta de fé
na ação contínua da Divina Providência. E uma grave injúria fazem os protestantes a Nosso Senhor Jesus
Cristo, imaginando-O capaz de faltar com a sua palavra. (voltar)
Duas correntes.

361. Este argumento de que a Igreja de Cristo deve ser Apostólica, isto é, deve
provir do tempo dos Apóstolos é como aquele outro argumento de que a Igreja
deve ser UNA, porque a verdade é uma só: pesa como uma terrível mão de ferro
sobre o Protestantismo.

Há sobre esta matéria duas correntes no seio da Reforma. Uma é a daqueles que
reconhecem esta necessidade da sucessão apostólica para que a Igreja tenha os
seus poderes e seja a Igreja verdadeira de Jesus Cristo. São por exemplo, muitos
Anglicanos, que reconhecem que a Igreja Católica é a verdadeira, pois vem dos
tempos de Cristo; pretendem, porém, que a Igreja Anglicana e a Igreja Greco-
Cismática também o sejam, formando assim 3 ramos do Cristianismo.
Esquecem-se, portanto, de que a Igreja também deve ser UNA e de que Cristo
construiu a sua Igreja sobre a rocha de Pedro.

A grande maioria dos protestantes, porém, não se conformam com este


reconhecimento de que seja legítima a Igreja Católica. E como sabem muito bem
que as suas Igrejas não vêm absolutamente do tempo dos Apóstolos, afirmam
que basta que a Igreja tenha a mesma doutrina de Cristo e dos Apóstolos para ser
a Igreja Verdadeira, não precisa remontar aos tempos apostólicos. Para isto então
precisam provar que Cristo NÃO DEU AOS APÓSTOLOS PODERES ESPIRITUAIS SOBRE
SEUS SEMELHANTES, NEM SOBRE O CORPO DE CRISTO, OU REAL NA EUCARISTIA, OU
MÍSTICO, ISTO É, A SUA IGREJA.

Os protestantes em apuros.

362. Começa então a devastação. Pedro não foi a pedra da Igreja... O Batismo é
apenas um banho em testemunho de fé... Os Apóstolos não tinham o poder de
perdoar pecados e retê-los... A Ceia do Senhor consiste apenas em comer pão e
beber vinho, recordando a morte de Cristo e nada mais. Em toda a extensão dos
5 capítulos anteriores nós tivemos ocasião de ver como precisam os protestantes
torcer ou desprezar os mais claros textos da Bíblia para chegar a estas
conclusões. Aí já mostram que não estão mais de acordo com a doutrina de
Cristo e dos Apóstolos, mas suas teses têm que ser mantidas a todo custo...
porque o Protestantismo começou no século XVI.
A esta devastação não escapa a própria Igreja. O Protestantismo aparece no
século XVI divergindo inteiramente da doutrina da Igreja que vem do tempo dos
Apóstolos, a Igreja Católica: esta, portanto, tem que ser destituída, aos olhos dos
protestantes, da sua missão de coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-
15), não tem o direito de ensinar a doutrina. A doutrina, cada cristão vai
encontrá-la na Bíblia. Mas quem lhes abre o entendimento para bem entendê-la?
O Divino Espírito Santo. Este inspira a cada um o sentido das Escrituras... E,
digamos entre parênteses, já tivemos ocasião de ver (nos 225 a 243) como Ele
inspira a cada um de maneira diferente...

Para salvar-se, o cristão não precisa pertencer à Igreja, basta a FÉ EM CRISTO.

Mas esta doutrina exposta aqui não chega a convencer um católico de que é
preciso aderir ao Protestantismo. Poderá dizer: Sou católico; se para salvar-me
basta crer em Cristo, então eu me salvo também na Igreja Católica. E, se na
Bíblia, posso interpretá-la como quiser, por que não poderei seguir também a
interpretação que me dá a Igreja Católica, a qual já vem do tempo dos Apóstolos,
interpretação esta que tem em seu abono um longo estudo de homens eminentes,
como foram os Santos Padres, durante muitos séculos?

Para excluir da salvação os católicos, é preciso fazer uma nova devastação. É a


própria noção de fé que vai ser arrasada. Por isto continuam os protestantes: Para
salvar-me, basta a fé em Cristo. Mas em que consiste esta fé? Consiste
simplesmente nisto: em ACEITAR A CRISTO COMO MEU ÚNICO SALVADOR, COMO MEU
SALVADOR PESSOAL.

Dizendo que é preciso aceitar a Cristo como Único Salvador, querem os


protestantes lançar uma velada acusação aos católicos, como se estes, pelo fato
de terem devoção à Maria SSma e aos santos, os estivessem considerando como
seus salvadores, mas todo católico sabe muito bem que isto não é exato. Não é
pelo fato de pedirem para mim a Deus, pelos méritos de Jesus Cristo, um favor
qualquer, como, segundo os protestantes, os próprios cristãos aqui na terra
podem pedir uns para os outros, que Maria SSma e os santos se tornam meus
salvadores.

Mas o católico tem que ser excluído necessariamente da salvação, porque,


segundo a doutrina de muitos protestantes, é preciso crer em Cristo COMO MEU
SALVADOR PESSOAL, ou seja, é preciso crer que JÁ ESTOU SALVO POR JESUS COM TODA
CERTEZA DESDE ESTE MUNDO, SEM DEPENDER ISTO DAS MINHAS OBRAS; e o católico não
tem esta certeza; logo, não tem fé em Cristo.

Absoluta falta de lógica.

363. Esta doutrina protestante foi assim COMPLETAMENTE ARRANJADA, e por isto,
em muitos pontos, aberra contra toda lógica.

Vejamos as inconsequências deste sistema:

1ª — Se Nosso Senhor organizou a sua Igreja na base deste individualismo, isto


é, baseando-se a si mesmo cada cristão, não havendo homens com poderes
espirituais sobre seus semelhantes, nem mesmo o poder de ensinar, porque cada
um já tem a sua Bíblia e daí aprende doutrina iluminado pelo Espírito Santo, que
motivo haveria então para os Apóstolos organizarem na Igreja esta hierarquia de
APÓSTOLOS, PRESBÍTEROS e DIÁCONOS, transmitindo poderes com a imposição das
mãos? Por que motivo deixaram os que já creram e, portanto, já estão “salvos”
como ovelhas dirigidas por um pastor humano?

Nós vemos que em grande número de seitas protestantes os fiéis contribuem com
uma boa percentagem de TODOS OS SEUS RENDIMENTOS para prover a despesas da
Igreja e sustentar o seu pastor. Mas os que já creem precisam de pastores para
quê? Não é para administrar sacramentos, porque eles mesmos confessam que
não tem poderes para isto. Se o Batismo não passa de um simples banho que se
toma EM TESTEMUNHO DE FÉ, um banho qualquer pessoa pode dar; e para se dar um
testemunho de fé perante os fiéis, não é preciso que um pastor esteja presente. Se
a Ceia do Senhor consiste apenas em comer pão e beber vinho em memória da
Paixão de Cristo, em casa cada um pode fazer isto com a sua família. Se o
Matrimônio não é sacramento, e o casamento que vale é o casamento civil, para
este ser realizado, não é necessária a presença do pastor. Sustenta-se o pastor
para quê? Para fazer discursos e conferências sobre a Bíblia? Não há necessidade
disto: cada qual tem em sua casa a sua Bíblia e tem igualmente a assistência do
Divino Espírito Santo, para ajudá-lo em sua interpretação... Que adianta expor o
pastor A SUA OPINIÃO PESSOAL sobre os textos da Bíblia, se os fiéis têm todo o
direito de ter também a sua opinião pessoal e podem julgar-se mais entendidos e
mais iluminados pelo Espírito Santo do que o próprio pastor? Discursos e
conferências sobre a Bíblia tem o direito de fazer então qualquer fiel, desde que
se julgue inteirado do assunto. De modo que os fiéis sustentam o pastor
exclusivamente para isto: para lhes estar repetindo aquilo que já sabem de cor e
salteado, ou de que já estão plenamente convencidos, isto é, que todos estão
salvos, que todos irão diretamente para o Céu, uma vez que já aceitaram a
Cristo, como seu Único Salvador Pessoal e para o homem salvar-se basta apenas
isto em matéria de fé e nada mais. Se o pastor é para converter os infiéis, isto
pode ser feito também pelos simples membros da Igreja, os quais, aliás, desde
que entram no Protestantismo, ficam todos cheios de zelo para adquirir adeptos e
espalhando a Bíblia, perguntando à pessoa que a aceitou, se aceita também a
Cristo como Salvador, já puseram aquela alma no caminho da salvação, e com a
certeza de não perder-se jamais...

Os protestantes usam PASTORES, porque viram pela Bíblia que os primeiros


cristãos também os tinham. Mas, segundo a ideologia protestante do
INDIVIDUALISMO, tais pastores são completamente desnecessários, o que é sinal de
que a ideologia protestante não é a mesma dos primeiros cristãos.

Entre os católicos é diferente. Eles têm que prover, desta ou daquela forma, a
honesta sustentação de seus sacerdotes, porque o sacerdote tem que se dedicar de
corpo e alma ao seu ministério. Ele tem a missão de ENSINAR a grandes e
pequenos a doutrina da Igreja Infalível, porque não basta aceitar a Cristo como
Salvador, para alcançar a salvação, é preciso CRER TUDO O QUE JESUS ENSINOU. Ele
tem a missão de perdoar os pecados, em nome de Cristo, e é preciso que esteja
sempre à disposição dos fiéis que queiram vir fazer a sua confissão e receber a
absolvição dos pecados, podendo a qualquer hora do dia ou da noite ser chamado
a atender, mesmo com léguas de distância, os moribundos que queiram
confessar-se e receber a Extrema Unção. É ele quem tem o poder de realizar o
mistério eucarístico, de ministrar os sacramentos, cabe-lhe preparar o processado
para a celebração do Matrimônio, etc., etc.

Esta organização de OVELHAS e PASTORES que as apascentam é inteiramente alheia


ao espírito do Protestantismo, em geral, em que cada um basta a si mesmo para
salvar-se, e salvar-se definitivamente desde este mundo.

2ª — Preocupados, com a sua definição de fé salvadora, em apontar os católicos


como afastados do caminho da salvação, os protestantes findam concedendo aos
seus adeptos a liberdade de rejeitarem (caso assim o queiram) todos os dogmas
do Cristianismo, excetuando-se apenas este: “Jesus é o meu Salvador”. Admitir-
do Cristianismo, excetuando-se apenas este: “Jesus é o meu Salvador”. Admitir-
se isto é o quanto basta para se salvarem.

Se queremos ver os protestantes interpretarem as Escrituras com lógica e critério


e honestidade, basta apreciá-los a comentar aquelas passagens que constituem
assunto específico entre católicos e protestantes, em que não há nenhuma
controvérsia entre o Protestantismo e a Igreja Romana. Verá o leitor que
maravilha, quando eles discorrem sobre o nascimento, os milagres, as parábolas,
os fatos da Paixão e Morte do nosso Divino Salvador. Chame-os, porém, a
examinar aquelas passagens em que o Divino Mestre concedeu poderes e
atribuições especiais aos seus Apóstolos: o primado de Pedro (Mateus XVI-18),
o Batismo e seus efeitos (Atos II-38), poder de perdoar pecados (João XX-23), a
presença real de Jesus na Eucaristia (Lucas XXII-19 e 20) etc. Os homens se
transformam por completo. Não há texto, por mais claro, que os convença. Não
recuam diante de nenhum sofisma, nem se acanham dos mais ridículos
argumentos. Um emperro sem fim, porque se trata aí de uma questão de vida e
de morte para o Protestantismo.

E o pior é que depois de ter torcido e retorcido textos claríssimos da Bíblia em


que se mostra a transmissão destes poderes, fica o protestante COM A CONSCIÊNCIA
MAIS TRANQUILA DESTE MUNDO. Porque se põe a pensar consigo mesmo: Creio em
Jesus Cristo e quem crê em Jesus já está salvo. Ora, crer em Jesus não é, como
pensam os católicos, acreditar em tudo o que Jesus disse, e exatamente no
sentido em que Ele o disse. Crer em Jesus é aceitá-Lo, com toda a confiança,
como ao meu Salvador Pessoal, como Aquele que me salva com toda certeza a
mim, Fulano de tal. Tenho esta fé em Cristo, portanto irei direitinho para o Céu,
quando morrer. Quanto a interpretar as palavras da Bíblia desta ou daquela
maneira, pouco importa; é um direito que me assiste, o direito de livre exame.

E é assim, graças à falsificação da noção de fé, que um herege se ilude a si


mesmo, julgando poder conciliar as duas coisas: adulterar manhosamente as
Escrituras e, ainda por cima, ser premiado, eternamente lá no Reino dos Céus.

3ª — A teoria dos protestantes sobre a fé salvadora torna a sua pregação


completamente ineficaz e irrisória para o mundo mau e perverso de hoje. Não
falamos sem conhecimento de causa, podemos dar uma informação segura sobre
o assunto, pois temos ouvido um sem-número de pregações de protestantes,
feitas nas estações de rádio, e de seitas diversas. São pregações endereçadas,
portanto, exclusivamente a seus adeptos iniciados, mas a todos os homens, aos
portanto, exclusivamente a seus adeptos iniciados, mas a todos os homens, aos
“infiéis” também, àqueles que não aceitam a sua doutrina. Podem modificar de
agora por diante seu sistema de pregação, mas até agora se têm limitado a
apresentar a salvação como dada “de graça” e de maneira definitiva, para aquele
que crê.

Sobre a observância dos mandamentos, como condição indispensável para se


obter a vida eterna, o que foi ensinado tão claramente por Jesus (Se tu queres
entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS — Mateus XIX-17) não se fala
absolutamente, seria dar razão à Igreja Católica que ensina a necessidade das
obras para a salvação.

Diz-se apenas que é preciso, além de crer, arrepender-se dos pecados, mas em
geral nada se explica sobre as qualidades essenciais deste arrependimento, não se
informa que este arrependimento só é possível com uma emenda sincera de vida
e que esta emenda exige renúncia, mortificação e sacrifício. Acentuar isto seria
também estar falando na necessidade das obras, do sacrifício pessoal para a
salvação, como ensina a Igreja Romana.

O que se prega, sim, com a maior insistência é a fórmula: ARREPENDE-TE DE TEUS


PECADOS E ACEITA AGORA MESMO A JESUS COMO TEU SALVADOR ÚNICO E PESSOAL E
ESTÁS SALVO. SALVO DEFINITIVAMENTE, SEM PERIGO ALGUM DE PERDER-TE, conforme
ensinam quase todas as seitas. E como, segundo a mentalidade protestante,
aceitar a Cristo como Salvador é convencer-se alguém de que está salvo por
Jesus, segue-se que a salvação pregada pelo Protestantismo é uma salvação
adquirida por autossugestão.

Os grandes santos, de que se orgulha a Igreja Católica, os católicos sinceros de


todos os tempos que por toda sua vida lutaram, vigiaram, despenderam esforços
continuamente para praticar a virtude e vencer as tentações, SEM CONFIAR EM SI
MESMOS, buscando não só a graça santificante nos sacramentos, mas também
IMPLORANDO INCESSANTEMENTE O AUXÍLIO DA GRAÇA ATUAL DE DEUS, porque estavam
convencidos de que só tinham de sim mesmos matéria e fragilidade, e NÃO
PODERIAM FAZER NADA SEM A GRAÇA DIVINA, mesmo assim se condenaram, foram
para o inferno, não alcançaram a salvação. Por quê? Que é que lhes faltou?
Faltou, segundo a doutrina protestante, terem tido já aqui na terra a CERTEZA
ABSOLUTA de que estavam salvos, definitivamente salvos, infalivelmente salvos
desde este mundo; certeza absoluta, aliás, que eles não tinham, não porque
duvidassem do poder de Deus ou da sua vontade de os salvar, mas porque
humildemente temiam por sua própria fraqueza e receavam estragar, eles
próprios, o plano divino, uma vez que Deus respeita sempre a nossa liberdade.

Para os protestantes, o que bota para a frente em matéria de salvação, o que


resolve todos os males morais do mundo, é o indivíduo sugestionar-se de que já
está salvo por Jesus... Graças a esta convicção, se torna uma nova criatura
completamente regenerada e liberta do pecado...

Ora, é interessante observar como pode ser desmoralizada facilmente esta teoria
sobre a fé salvadora, a qual, como tivemos ocasião de provar (nos 60 a 69;
nº 139), não tem nenhum fundamento bíblico. É extremamente perigoso
apresentarem-se assim os protestantes como homens que foram automaticamente
salvos, santificados e regenerados por Jesus para sempre, sem perigo jamais de
perder-se, porque basta que se apontem, dentro do próprio Protestantismo,
elementos maus que não só pecam, mas vivem ainda habitualmente no pecado,
sem nenhuma amostra de arrependimento, para que se desmorone
completamente toda esta doutrina. Expulsá-los da seita, como tantas vezes se faz
entre os protestantes, não é o suficiente, para se esconder o fracasso; pois como
se expulsam da religião aqueles que já estão “salvos”?...

— Entre os católicos também há maus elementos, dirão os protestantes.

— Não há dúvida alguma, porque o reino dos Céus é semelhante a um homem


que semeou boa semente no seu campo; e enquanto dormiam os homens, veio o
seu inimigo e semeou depois cizânia no meio do trigo e foi-se (Mateus XIII-24 e
25). Só no tempo da ceifa, isto é, na consumação do século, é que se fará a
depuração, a completa separação entre a cizânia e o trigo. Mas, quando o
católico broma e se torna mau, isto não desmente a doutrina da Igreja, porque
esta nunca se apresentou como uma congregação constituída só de puros e
perfeitos, nem jamais garantiu a quem quer que seja que lhe era impossível a
entrada no inferno. Tudo depende do uso da liberdade de cada um; aquele,
porém, que perseverar até o fim, esse é que será salvo (Mateus X-22).

Já tivemos ocasião de assistir a um fato muito instrutivo nesta matéria. Um


protestante, desses líderes sabichões que estão prontos a responder a todas as
consultas de seus “irmãos na fé” pregava esta doutrina de que aquele que aceitou
a Cristo como seu Salvador Pessoal está salvo, não se pode perder jamais,
quando alguém lhe fez esta pergunta: Diga-me uma coisa. Um homem que crê
quando alguém lhe fez esta pergunta: Diga-me uma coisa. Um homem que crê
em Jesus, já o aceitou como seu Salvador Único e Pessoal; mas depois disto,
vencido pelo demônio, vive se entregando a toda sorte de trapaças, traições,
mentiras e falsidades. Este homem se salva?

Por mais incrível que pareça o líder protestante respondeu: Veja lá o que está
escrito no Evangelho de S. João, capítulo 3º, versículo 36: O que crê no Filho
tem a vida eterna. Como vivia pregando que aquele que crê em Jesus está salvo
PARA SEMPRE, não podia dizer, como era lógico e natural, que o tal homem, se não
se arrepender-se, se não se emendasse, não poderia salvar-se de forma alguma.
Por outro lado, não podia afirmar que era impossível que surgisse tal caso: aí
está a experiência de cada dia para nos mostrar como pode qualquer homem
mudar de sentimentos e perverter-se de uma hora para outra e por fim perseverar
no mal. Preferiu colocar no Céu o homem falso, trapaceiro, traidor e mentiroso,
contanto que ficasse de pé a sua doutrina. É assim que se sustentam de oitiva
certas teorias, sem nenhuma consideração a fatos inegáveis, como são a
inconstância do coração humano e a nossa natural inclinação para o mal, que a
graça não destrói, porque para resistir a ela o homem conserva sempre a sua
liberdade.

Além disto, onde é que está o poder mágico regenerador que tem esta convicção
de que já se está salvo, de que não se pode ir para o inferno, se esta convicção de
que já se está salvo, de que não se pode ir para o inferno, se esta convicção pode
existir até mesmo num homem mau e perverso e que não tem nenhum
arrependimento de seus crimes? Pode muito bem existir um homem que não dê
crédito a muitos dos mistérios da nossa Santa Religião, que Jesus nos ensinou e
que viva cometendo continuamente pecados e misérias de toda sorte, sem
nenhuma contrição, nem nenhum propósito de emenda e que, no entanto,
conserve firme esta convicção: “Sei que sou pecador, vivo pecando e não
deixarei de pecar; mas estou certo de que irei para o Céu, pois Cristo é o meu
Salvador; Ele pagou por mim, o seu sangue me purifica de todo pecado”.
Segundo a ideologia protestante, este homem já possui a fé; só lhe falta ter agora
o arrependimento. A essência do Cristianismo consiste, para eles, nesta
convicção de que se vai para o Céu, estribada EXCLUSIVAMENTE no sacrifício de
Jesus e não na doutrina que Ele nos ensinou, a qual nos indica uma das tantas
condições para conquistar a bem-aventurança. Segundo a doutrina católica, o
caso deste homem não passa de um pecado gravíssimo: a presunção de se salvar
sem merecimento, sendo a sua convicção de que já está salvo, mais um perigoso
incentivo par o crime.

Jesus morreu por nós, pagou por nós, não há dúvida alguma, neste sentido de
que reconciliou a Humanidade com Deus, e nos mereceu a sua graça, a qual não
alcançaríamos se Ele não tivesse imolado, a qual nos é indispensável para
conquistar o Céu; mas a salvação não pode ser conseguida senão por aquele que
por sua vez procura cooperar com a graça.

Os protestantes não creem em Jesus Cristo.

364. Mas deixemos os protestantes com a sua extravagante concepção a respeito


da fé salvadora.

E em nome do bom senso, que nos ensina claramente que não se pode ter FÉ
numa pessoa sem acreditar naquilo que ela diz, em nome da própria doutrina de
Cristo, o qual exige que se acredite nas suas palavras (Se eu vos digo a verdade,
por que me não credes? — João VIII-46), temos que estabelecer este princípio
indiscutível: NÃO TÊM FÉ EM JESUS CRISTO AQUELES QUE NÃO ACREDITAM NA SUA
PALAVRA.

Ora, segundo o que nestes 6 capítulos últimos temos sobejamente demonstrado:

1º — Cristo disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei A MINHA IGREJA, E AS


PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO CONTRA ELA (Mateus XVI-18). E os
protestantes negam que Pedro seja a pedra fundamental da Igreja e aparecem no
século XVI, apresentando uma doutrina nova contrária à que a Igreja fundada
por Cristo, a Igreja Católica ensinava até então e ensina ainda hoje, sob o
pretexto de que nesta Igreja se tinham introduzido erros durante muitos séculos,
portanto afirmam claramente que as portas do inferno prevaleceram contra ela. E
quando são convidados a apresentar a doutrina verdadeira, eles próprios se
desmoralizam, apresentando seitas inúmeras que ensinam as teorias mais
diversas.

2º — Cristo nos fala em um renascer da ÁGUA e do Espírito Santo (João III-5)


indispensável para se entrar no reino de Deus;

a grande maioria dos protestantes veem no Batismo, água somente e não um


renascimento espiritual.
3º — Cristo deu claramente aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados e retê-
los (João XX-23); os protestantes o negam abertamente.

4º — Cristo afirmou da maneira mais clara e insofismável a sua presença real na


Eucaristia, tanto no Capítulo 6º de S. João (João VI-52 a 58), como na Última
Ceia. Os protestantes se recusam a ACREDITAR, exatamente como os judeus de
outrora: Duro é este discurso, e quem no pode ouvir? (João VI-61).

Logo, os protestantes não têm fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Reduzem a salvação à fé, só à fé, à fé sem as obras. E nem mesmo esta fé eles
sabem ter.

A minha Igreja.

365. Caro leitor, Cristo fundou uma IGREJA. Ela tem que ser UNA, porque a
verdade é uma só. Tem que vir dos tempos de Cristo, porque as portas do
inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18). Sem querer falar na sua
santidade, no caráter santificador de sua doutrina, que tem elevado tantas almas
aos mais altos cumes da perfeição, sem querer falar na sua catolicidade, no seu
caráter universal, pelo qual em todas as épocas vem cumprindo a sua missão de
ensinar a todos os povos, só a Igreja Católica reúne estas 2 condições: só ela é ao
mesmo tempo UNA e APOSTÓLICA. Que ela é una, está patente aos olhos de todos,
pois é de todos conhecida a firmeza de sua doutrina no Universo inteiro. Que
vem dos tempos de Cristo, ninguém duvida, os próprios protestantes
unanimemente o reconhecem, pois todas as outras Igrejas apareceram muito
depois e foram fundadas pelos homens.

Foi, portanto, esta Igreja Católica que Cristo chamou A MINHA IGREJA (Mateus
XVI-18).

Se você quer ser um verdadeiro seguidor de Nosso Senhor Jesus Cristo; é esta
mesma Igreja Católica que igualmente deverá chamar assim: A MINHA IGREJA.
Terceira Parte
Jesus, único mediador
Capítulo Décimo Quinto
O culto dos santos
Por que só a Bíblia?

366. Assegurando à SUA IGREJA que as portas do inferno não prevaleceriam


contra ela, Jesus estava garantindo que ela jamais seria invadida pelo erro,
porque seria de fato uma grande vitória do poder das trevas, se conseguisse
transformar a Igreja de Deus Vivo de mestra infalível da verdade em
propagadora do erro, ainda que fosse num só ponto de sua doutrina. As heresias
de todos os tempos foram sempre fomentadas pelas potestades infernais, para ver
se conseguiam realizar este ideal satânico. E entre as heresias que têm lutado
contra a Igreja ocupa um lugar muito importante o Protestantismo.

Na ânsia de justificar a sua atitude, aparecendo no século XVI, a ensinar uma


doutrina muitíssimo diversa daquela que a Igreja vinha ensinando desde muitos
séculos, esforçam-se os protestantes por demonstrar que essa Igreja errou, ou
melhor, encheu-se de erros, o que é o mesmo que dizer, esforçam-se por
demonstrar que falhou miseravelmente A PROMESSA DE JESUS.

Nesta pretensa demonstração, eles recorrem a argumentos que não poderiam


deixar de ser falhos e improcedentes.

Um deles é o seguinte: A Igreja está errada em tais e tais pontos que ela ensina,
porque SÃO COISAS QUE NÃO ESTÃO NA BÍBLIA.

Este argumento é falso, porquanto se baseia numa falsa suposição: a de que a


Bíblia tenha sido escrita para ser a nossa única regra de fé.

Cristo disse aos Apóstolos: PREGAI O EVANGELHO A TODA CRIATURA (Marcos XVI-15),
não disse que o meio para conhecerem os homens a verdade religiosa era só e
exclusivamente a leitura da Bíblia. Mandou-lhes ENSINAR A TODAS AS GENTES,
prometeu-lhes a sua assistência neste ensino. E a ideia que fazem os protestantes
é esta: Os Apóstolos pensaram assim: Cristo nos mandou ensinar, quer dizer que
nós pregamos enquanto estamos nesta terra. E também escrevemos o Novo
Testamento e o deixamos, para que cada um aprenda a doutrina cristã, após a
nossa morte.

Mas esta ideia é errônea. O Novo Testamento não foi escrito segundo este plano.
Começa logo por não ter sido escrito só pelos Apóstolos: Marcos que escreveu o
2º Evangelho e Lucas que escreveu o 3º e os Atos dos Apóstolos, não haviam
recebido a missão de ensinar a todos os povos. E vários Apóstolos, como S.
Tomé, S. Filipe, S. Bartolomeu, S. André, S. Simão Cananeu, que foram para
bem longe, pregar a povos de línguas diversas, aos quais não seria fácil
manusear o grego do Novo Testamento, no entanto NENHUM LIVRO DA BÍBLIA
DEIXARAM ESCRITO. Não foi composto o Novo Testamento com a preocupação de
ensinar a doutrina e toda a doutrina; neste caso deveria ter seguido o método
adequado, apresentando ordenadamente a matéria ponto por ponto e em
linguagem clara e acessível a todos, a fim de que não se deixasse margem
alguma para a dúvida; não teria tantos trechos de interpretação bem difícil.
Conforme já explicamos (nº 259), foram escritos os seus livros ocasionalmente,
de acordo com as necessidades do momento. Deus os inspirou e de certo são eles
a palavra escrita infalível que CONSOLIDA o ensino da Igreja e que lhe serve de
orientação proveitosíssima neste ensino; são também os documentos, pelos quais
a Igreja prova contra os hereges a sua legitimidade, a sua origem divina. Mas
não há nenhuma palavra de Jesus, o qual deixou a Igreja com a missão de
ENSINAR e num tempo em que não havia sido escrito nenhum livro do Novo
Testamento, não há nenhum texto sagrado que nos indique que só devemos
aceitar o ensino da Igreja, se ele estiver contido EXPLICITAMENTE na Bíblia. Antes,
o que ela ensina, está também implicitamente recomendado pela Escritura
Sagrada que a apresenta como COLUNA E FIRMAMENTO DA VERDADE (1ª Timóteo III-
15) e como detentora das divinas promessas. E muitas discussões, hesitações e
controvérsias que há entre os próprios protestantes, por exemplo, a respeito do
Batismo, do pecado original, do número dos sacramentos etc., nascem
precisamente disto: a Bíblia não oferece elementos suficientes para se
resolverem definitivamente estas questões; e os protestantes, surgindo no século
XVI e rejeitando toda a tradição, querem resolvê-las exclusivamente pelos dados
da Bíblia, ao passo que a Igreja Católica, vindo dos tempos apostólicos, está
firme e segura na sua doutrina, porque sabe, pela tradição, qual foi o verdadeiro
ensino que os Apóstolos legaram à Cristandade.

As decisões dos concílios.


367. Queremos chamar a atenção também para um TRUQUE muito usual entre os
protestantes, com o qual aqueles que conhecem mais um pouquinho de história
da Igreja procuram enganar os incautos e inexperientes.

Quando vê AS SUAS DOUTRINAS serem negadas pelos hereges ou serem mal


interpretadas, ou aparecem questões sobre os verdadeiros termos em que devem
ser propostas e defendidas, a Igreja Católica nos seus concílios ecumênicos, isto
é, universais, faz as solenes definições para esclarecer, eliminando qualquer
dúvida, a fim de que Se preserve A UNIDADE DA FÉ. Aproveitam-se disto os
protestantes para dizerem que nesta ocasião foi a doutrina INTRODUZIDA na Igreja,
o que é inteiramente falso. Foi o que se deu, para dar um exemplo, com o dogma
da presença real de Cristo na Eucaristia. Está clarissimamente ensinado na
Bíblia, sempre foi admitido pelos católicos, era um dogma que fazia parte da
vida dos cristãos, que comungavam, ouviam A Santa Missa, etc. Até o século XI
nunca foi negado diretamente, nem mesmo pelos hereges. Quando aparecem
seitas heréticas combatendo este dogma, a Igreja solenemente o define, como o
fez no 4º Concílio de Latrão, em 1215. Dizer que só aí é que a doutrina foi
introduzida na Igreja é uma enorme falsidade histórica; como é também inexato
pensar que só é de fé para nós, católicos, o que é definido nos Concílios, pois é
de fé para nós tudo quanto ensina a Bíblia, e a Igreja não vai definir os ensinos
da Bíblia versículo por versículo.

Usos e questões disciplinares.

368. Outra observação que temos a fazer é a seguinte: Uma coisa é a DOUTRINA;
e outra são as questões disciplinares, os usos e costumes e devoções que podem
variar de um século para outro, conservando-se inalterada a parte doutrinária. A
Igreja é autônoma, tem o direito de impor leis que não sejam contrárias às leis
divinas, tem o direito de governar-se a si mesma: Tudo o que ligares sobre a
terra será ligado também nos Céus, e tudo o que desatares sobre a terra será
desatado também nos Céus (Mateus XVI-19), foi dito por Jesus Cristo a Pedro, o
chefe da Igreja. E o mesmo poder de ligar e desligar foi também concedido ao
colégio apostólico (Mateus XVIII-18). Estes poderes persistem no sucessor de
Pedro e naqueles que ocupam o lugar dos Apóstolos aqui na terra, como
legítimos continuadores de sua missão.

A Igreja vai durar até o fim do mundo, em circunstâncias as mais diversas, no


meio das mais diversas raças. Tem que conservar intacto, inalterado o depósito
da fé, da sua DOUTRINA. Mas as leis disciplinares, pelas quais internamente se
governa têm que variar de acordo com as circunstâncias. Os métodos de ensino,
as devoções especiais, os meios de apostolado vão sendo pouco a pouco
inspirados pelo Divino Espírito Santo que vela sempre sobre ela.

Querer, portanto, que por todos os séculos a Igreja tenha que restringir- se a
fazer exclusivamente o que fizeram os Apóstolos, naqueles primeiros dias de sua
história, dias, aliás, extraordinários, em que havia certos dons e carismas que
seriam limitados àqueles primórdios, seria evidentemente um absurdo.

Põem-se então muitos protestantes a “demonstrar” que a Igreja Católica não é


mais a Igreja de Cristo, porque em tal época impôs a obrigação do jejum na
Quaresma, ou em tal época os padres começaram a usar vestuário diferente dos
seculares, ou começaram a usar tonsura na cabeça, porque em tal época se
começou a recitar o Rosário, a fazer procissão com o Santíssimo Sacramento ou
a usar campainhas na celebração da Missa ou a acender velas nas igrejas, ou a
canonizar os santos ou a usar o latim como língua litúrgica — e nada disto havia
no tempo dos apóstolos... os Pentecostais acham que a Igreja Católica não é a
mesma Igreja de Cristo, porque nela os fiéis não recebem mais o Espírito Santo
com o DOM DAS LÍNGUAS, como acontecia algumas vezes nos tempos primitivos...
E uma das provas mais evidentes que os protestantes veem de que a Igreja não é
mais a Igreja de Cristo é o celibato eclesiástico. Já tivemos oportunidade de falar
sobre este assunto (nº 211). Permitia-se no tempo dos apóstolos que os
presbíteros, também chamados bispos, fossem casados e já explicamos por quê.
Nestas circunstâncias, S. Paulo recomenda que só seja escolhido para bispo um
homem que tenha sido esposo duma só mulher (1ª Timóteo III-2), não servindo
para o cargo aqueles que já andaram às voltas com muitas mulheres. E S. Paulo,
note-se bem, afirma claramente que pratica o celibato e além disto o aconselha
(1ª Coríntios VII-7 e 8), bem como ensina A DOUTRINA das vantagens da
continência perfeita sobre o estado de matrimônio (1ª Coríntios VII-25 a 35).
Isto era doutrina do próprio Jesus, que alude àqueles que sacrificam seus
instintos carnais POR AMOR DO REINO DOS CÉUS (Mateus XIX-12). Pois bem,
quando a Igreja resolveu só aceitar para sacerdotes aqueles que espontaneamente
queiram fazer o voto de castidade perfeita, deixou por isto de ser a Igreja
Verdadeira de Jesus Cristo?... Agora repare bem o leitor A LÓGICA PROTESTANTE.
Os Apóstolos proibiram aos cristãos comer do sangue e das carnes sufocadas
(Atos XV-29). Tinham os cristãos que fazer como faziam os judeus: matar o
animal, fazer escorrer todo o sengue para depois comer. NA BÍBLIA NÃO CONSTA A
REVOGAÇÃO DESTE DECRETO. Mais tarde a Igreja, com o seu poder de ligar e
desligar, uma vez que não havia mais as razões pelas quais esta proibição tinha
sido feita, resolveu revogar tal MEDIDA DISCIPLINAR imposta pelos Apóstolos. E no
entanto os protestantes que acham que a Igreja tem que se limitar a fazer
exclusivamente o que está na Bíblia, que só admitem aquilo que se vê em letra
de forma no Livro Sagrado, comem a carne dos animais com o sangue, comem
as carnes sufocadas, sem nenhum remorso, autorizados exclusivamente pela
Igreja!

E durma-se com um barulho destes!

O desafio.

369. Caros amigos protestantes:


Vocês querem provar que a Igreja Católica se deixou contaminar pelo erro e que
é falsa a promessa de Jesus Cristo de que as portas do inferno não prevaleceriam
contra ela. Sentem absoluta necessidade disto, porque precisam justificar a sua
inegável posição de HEREGES, surgidos no século XVI, afastados da Igreja
fundada por Cristo, a Igreja Católica, e combatendo doutrinas que a mesma
vinha e vem ensinando desde muitos séculos, em toda a história do Cristianismo.
Não é assim? Pois bem, argumentem com a DOUTRINA. Provem que a Igreja
ensina DOUTRINAS CONTRÁRIAS ÀS DOUTRINAS ENSINADAS NA SAGRADA ESCRITURA.

Dirão os protestantes:

Pois bem, está aceito o desafio. Vamos argumentar com a DOUTRINA da Igreja e
mostrar que ela é contrária à doutrina do Evangelho. A Igreja presta culto aos
anjos e aos santos, os considera como MEDIADORES entre Deus e os homens, pois
faz orações aos anjos e aos santos, para que intercedam por nós. Ora, isto é
doutrina condenada pela Bíblia que diz assim: SÓ HÁ UM MEDIADOR ENTRE DEUS E OS
HOMENS, QUE É JESUS CRISTO HOMEM (1ª Timóteo II-5). Além disto, S. Paulo na sua
Epístola aos Colossenses previne os fiéis contra o culto dos anjos (Colossenses
II-18). E o Apocalipse nos narra duas vezes que S. João quis adorar o anjo, mas
o anjo expressamente se recusou dizendo: Vê não faças tal: eu sou servo contigo
e com teus irmãos que têm o testemunho de Jesus. ADORA A DEUS (Apocalipse
XIX-10; cf. XXII-9). Logo, só Deus deve ser cultuado; só Jesus é Mediador e,
portanto, é contrário às Escrituras o culto dos anjos e dos santos. E, não contente
com isto, a Igreja presta culto às imagens, adora-as, praticando uma idolatria que
é tão insistentemente condenada pela Bíblia, a qual também proíbe fazer
imagens e prestar-lhes culto, mesmo que não seja de adoração: Não farás para ti
imagem de escultura... Não as adorarás, NEM LHES DARÁS CULTO (Êxodo XX-4 e
5). Logo, a Igreja está em completo desacordo com a Bíblia.

— Primeiro responderemos às objeções sobre o culto dos anjos; depois


falaremos sobre Jesus Mediador, o que requer uma exposição um pouco mais
extensa. E no capítulo seguinte falaremos então sobre o culto das imagens.

E verão Vocês, protestantes, como estão completamente enganados em todos


estes pontos.

Na Epístola aos Colossenses.

370. Na Epístola aos Colossenses, S. Paulo está prevenindo os destinatários da


sua carta contra certos VISIONÁRIOS que ensinam doutrinas errôneas, alegando tê-
las aprendido VENDO anjos, a quem cultuam. Vejamos o texto: Ninguém vos
desencaminhe, afetando parecer humilde e dar culto aos anjos QUE NUNCA VIU no
estado de viador, inchado vãmente no sentido de sua carne, e sem estar unido
com a cabeça, da qual todo o corpo, fornido e organizado pelas suas ligaduras e
juntas, cresce em aumento de Deus (Colossenses II-18 e 19).

O texto grego que usamos (edição de Nestle) diz assim: Ninguém vos seduza,
querendo, com a mortificação e o culto dos anjos, perscrutando o que VIU; sendo
que há certos códices que trazem: perscrutando o que NÃO VIU; o que, por mais
estranho que pareça, não altera o sentido:

Perscrutando o que NÃO VIU — quer dizer que estes homens de fato não
receberam visão alguma;

Perscrutando o que VIU — quer dizer que estes homens alegam ter visto alguma
coisa (quando de fato não viram nada).

Trata-se apenas de hereges que sustentam teorias condenáveis e, para justificá-


las, alegam que fazem mortificações e com isto conseguem ter visões de anjos,
que os favorecem com revelações, quando na realidade não viram coisa alguma.
S. Paulo mostra que estes estão inchados na sua soberba, na sua presunção e
estão separados do corpo místico da Igreja, cuja cabeça é Cristo.

Concluir destas advertências feitas pelos Apóstolos contra certos e determinados


hereges, visionários e enganadores, que não nos seja lícito fazer uma súplica aos
anjos, é querer identificar duas coisas que nada têm que ver, uma com a outra.

Adora a Deus!

371. Vejamos agora o episódio que se passou entre S. João Evangelista e o anjo
que lhe fez as revelações. S. João quis ADORAR o anjo, e o anjo se recusou
dizendo: Não faças tal... adora a Deus!

Primeiramente, temos que prevenir o leitor de que, como explicaremos mais


adiante (nº 382) a palavra ADORAR é frequentemente empregada nas Escrituras
para significar, não a adoração que se deve exclusivamente a Deus, mas um ato
de saudação, em que uma pessoa se prostra em terra para reverenciar a outra,
como era costume entre os orientais. S. João não iria cometer um ato de idolatria
ou de adoração indébita, porque era um Apóstolo, iluminado pelo Espírito Santo.
Quis apenas expressar ao anjo a sua profunda reverência.

— Pois é; diz o protestante. Quis expressar ao anjo a sua profunda reverência,


quis PRESTAR-LHE CULTO e o anjo não permitiu.

— Quer dizer que os anjos não permitem aos homens que lhes expressem a sua
reverência para com eles? Como se explica então que, como narram as mesmas
Sagradas Escrituras, Lot viu dois anjos, fez-lhes a reverência, prostrou-se diante
deles e os anjos não fizeram nenhum sinal de protesto (Gênesis XIX-1 e 2)?
Josué viu um anjo em figura de homem, prostrou-se diante dele e o anjo não
reclamou coisa alguma. Lê-se, com efeito, no livro de Josué: Estando Josué no
campo da cidade de Jericó, levantou os olhos e viu um homem posto em pé
diante dele, que tinha uma espada nua e foi ter com ele e disse-lhe: Tu és dos
nossos ou dos inimigos? O qual lhe respondeu: Não, mas sou o PRÍNCIPE DO
EXÉRCITO DO SENHOR, e agora venho. Josué se lançou com o rosto em terra e
ADORANDO-O, disse: Que diz meu Senhor ao seu servo? Tira, lhe disse ele, o
calçado de teus pés, porque o lugar em que estás é santo. E Josué fez como se
lhe havia, mandado (Josué V-13 a 16). O mesmo aconteceu com Balaão: viu o
anjo, prostrou-se diante dele e fez a saudação que se chamava naquele tempo
adoração e o anjo aceitou esta homenagem, não protestou coisa alguma: No
mesmo ponto abriu o Senhor os olhos de Balaão, e ele viu o anjo parado no
caminho com a espada desembainhada e, prostrado por terra, O ADOROU. Ao
qual disse o anjo: Por que castigas tu terceira vez a tua jumenta? (Números
XXII-31 e 32). O anjo repreende a Balaão por ter castigado em demasia a
jumenta, mas não reclama por se ter prostrado diante dele.

Há, portanto, uma razão especial, pela qual o anjo que fez as revelações a
S. João Evangelista se recusa a receber as suas homenagens. E esta razão, o anjo
a declara abertamente. Quer mostrar com isto o apreço em que tem a S. João, a
quem está tratando de igual para igual, porque S. João é também um profeta,
pertence a uma classe privilegiada por Deus: Vê não faças tal: eu sou servo
contigo e COM TEUS IRMÃOS QUE TÊM O TESTEMUNHO DE JESUS. Adora a Deus; porque
O TESTEMUNHO DE JESUS É O ESPÍRITO DE PROFECIA (Apocalipse XIX-10).

E a prova de que o anjo, recusando aquela homenagem, não está absolutamente


censurando a S. João Evangelista de querer fazer uma coisa ilícita ou
pecaminosa, é que, no fim do Apocalipse, S. João nos narra que quis novamente
prostrar-se diante dele, e o anjo mais outra vez não quis consentir. Não se trata,
portanto, de uma teimosia em fazer o que não era direito, isto seria inconcebível
num Apóstolo; trata-se de uma insistência em prestar ao anjo uma homenagem
que ele merece, e insistência outra vez da parte do anjo em declinar desta
homenagem. E a razão que o anjo dá nesta segunda tentativa é igualmente a
mesma: S. João é um profeta. E eu, João, sou o que ouvi e o que vi estas coisas;
e depois de as ter ouvido e visto, me lancei aos pés do anjo que mas mostrava,
para O ADORAR; e ele me disse: Vê não faças tal, porque eu sou servo contigo e
com TEUS IRMÃOS, OS PROFETAS e com aqueles que guardam as palavras da
profecia deste livro. Adora a Deus (Apocalipse XXII-8 e 9).

O anjo está falando com um Apóstolo e Evangelista, com um Profeta, um Santo,


um homem de Deus, um Pregador do Evangelho, o Discípulo Virgem, predileto
de Jesus, não quer receber homenagem deste homem, a quem quer tratar como a
seu semelhante.

Só falta agora a caturrice do protestante alegar: Mas Balaão também era profeta.
A alegação vem fora de propósito: 1º — porque o anjo, assim como recusou a
homenagem do Apóstolo, bem poderia tê-la aceitado. Jacó é irmão de Esaú, em
nada lhe é inferior e no entanto se prostra 7 vezes diante dele, ao receber a sua
visita (Gênesis XXXIII-3); 2º — porque Balaão tinha sido colhido em falta
naquele mesmo momento, e nada mais natural do que fazer um ato de submissão
ao anjo e submeter-se a uma penitenciazinha; 3º — porque foi claramente
anunciada no Evangelho a maior dignidade, a superioridade dos personagens do
Novo Testamento, com relação aos do Antigo: Na verdade vos digo que entre os
nascidos de mulheres não se levantou outro maior que João Batista; mas o que é
menor no reino dos Céus é maior do que ele (Mateus XI-11).

Bons e maus trocadilhos.

372. Finalmente chegamos à expressão: ÚNICO MEDIADOR.


Os protestantes dizem enfaticamente: É um crime pedir aos santos que sejam
mediadores, que intercedam por nós, porque S. Paulo nos diz claramente que
Jesus é o ÚNICO MEDIADOR entre Deus e os homens (1ª Timóteo II-5).

— Eis aí um grandíssimo e notabilíssimo SOFISMA BASEADO NUM JOGO DE


PALAVRAS.

A coisa mais conhecida deste mundo é que muitas e muitas vezes uma palavra
pode ter mais de um sentido. Isto acontece com quase todas as palavras. Já
tivemos ocasião de mostrar ao leitor que S. Paulo, nesta 1ª Epístola a Timóteo,
diz a este seu amigo e companheiro que ele tem por missão SALVAR a si mesmo e
SALVAR aos outros (fazendo isto, te SALVARÁS tanto a ti mesmo, como AOS QUE TE
OUVEM — IV-16), quando todos sabem que Único Salvador é Jesus. É porque,
como já explicamos (nº 265), isto depende do sentido em que se tome a palavra:
SALVAR.

Às vezes até se observa na Escritura que numa pequenina frase a mesma palavra
toma 2 sentidos diversos, dando lugar a um trocadilho: Segue-me e deixa que os
MORTOS sepultem os seus MORTOS (Mateus VIII-22). Ora, um defunto não pode ir
ao enterro de outro defunto. A frase significa: Deixa que aqueles que estão
MORTOS ESPIRITUALMENTE sepultem os que estão CORPORALMENTE MORTOS. Outra
frase em que se mostra um trocadilho assim, é aquela de S. Paulo, que diz a
respeito de Deus com relação a Jesus Cristo: Àquele que não havia conhecido
PECADO, o fez PECADO por nós (2ª Coríntios V-21). Chamava-se pecado o ato mau
cometido pelo homem; e chamava-se também pecado a vítima que se oferecia a
Deus pelos pecados nos sacrifícios antigos: Eles comerão dos PECADOS do meu
povo (Oseias IV-8) e assim, segundo a frase de S. Paulo: Jesus não conhecia
pecado, era santo e inocente e por isto Deus o tornou pecado, isto é, vítima pelo
pecado para nos salvar.

A objeção dos protestantes é também um trocadilho, mas não como o de Jesus


ou o de Paulo que só diziam a verdade, que não eram capazes de enganar, mas
um trocadilho da pior espécie, feito manhosamente para iludir o povo rude e
inexperiente.

Não, caros amigos protestantes. Deixemo-nos de brigas e cavilações por uma


mera questão de nomes.

Os anjos e os santos SÃO MEDIADORES. E Jesus Cristo é o ÚNICO MEDIADOR. Não


existe aí nenhuma contradição; PORQUE TODA A QUESTÃO ESTÁ EM SABER EM QUE
SENTIDO JESUS CRISTO É O ÚNICO MEDIADOR E EM QUE SENTIDO OS ANJOS E OS SANTOS
SÃO MEDIADORES TAMBÉM.

Mediação e suas finalidades.

373. A palavra MEDIADOR (no grego MESÍTES) significa simplesmente isto:


INTERMEDIÁRIO.

Esta função de intermediário varia de acordo com a finalidade com que é


exercida.

Um homem pode ser mediador ou intermediário — PARA FAZER A


RECONCILIAÇÃO ENTRE DUAS PESSOAS;
pode ser mediador ou intermediário — PARA TRANSMITIR A MENSAGEM DE UMA
PESSOA PARA OUTRAS, servindo, por exemplo, de intérprete;
pode ser mediador ou intermediário — PARA JULGAR UMA QUESTÃO QUE HÁ
ENTRE DUAS PESSOAS OU DOIS GRUPOS, servindo de árbitro;
pode ser mediador ou intermediário — PARA PEDIR UMA COISA EM NOME DE
OUTRO.

Precisamos saber em que sentido Jesus é apresentado na Escritura como ÚNICO


MEDIADOR, porque a própria Escritura dá este nome também a Moisés. Desde que
no Antigo Testamento a lei divina foi entregue ao povo, servindo Moisés de
INTERMEDIÁRIO para transmitir a mensagem celeste (portanto no segundo sentido
que apontamos acima), Moisés neste sentido foi um MEDIADOR. E é por isto que
S. Paulo chama a Jesus MEDIADOR DUM NOVO TESTAMENTO (Hebreus IX-15; XII-24),
dando a entender claramente que Moisés o era do Antigo. E realmente faz o
contraste entre Moisés e Jesus, chegando à conclusão de que Jesus é MEDIADOR DE
UM MELHOR TESTAMENTO: ... Os quais servissem de modelo e sombra das coisas
celestiais, como foi respondido a Moisés, quando estava para acabar o
tabernáculo: Olha (disse), faze todas as coisas conforme o modelo que te foi
mostrado no monte. Mas agora AQUELE alcançou tanto melhor ministério, quanto
é MEDIADOR ainda de MELHOR TESTAMENTO, o qual está estabelecido em melhores
promessas (Hebreus VIII-5 e 6). Aí já a palavra MEDIADOR é tomada noutro
sentido, pois Jesus, sendo o ÚNICO MEDIADOR entre Deus e os homens, o é para
todos os homens, desde o princípio do mundo, homens do Antigo e do Novo
Testamento: não entrou para se oferecer muitas vezes a si mesmo... doutra
maneira, lhe seria necessário padecer muitas vezes desde o princípio do mundo
(Hebreus IX-25 e 26).

Moisés podia muito bem no seu tempo qualificar-se de mediador entre Deus e os
homens, mas mediador em um certo sentido, no de transmitir aos homens as
palavras de Deus: Então eu fui o que intervim como MEDIADOR ENTRE O SENHOR E
VÓS PARA VOS ANUNCIAR AS SUAS PALAVRAS (Deuteronômio V-5) [55]. Ora, se
tomamos a palavra MEDIADOR neste sentido, já todos os profetas são MEDIADORES,
porque servem de intermediários para transmitir aos homens os avisos e
ensinamentos divinos. E o próprio S. Paulo era também MEDIADOR, porque era
intermediário entre Deus e os homens. Que é um embaixador senão um
intermediário? Nós fazemos o ofício de embaixadores em nome de Cristo, como
que Deus vos admoesta por nós outros. Por Cristo vos rogamos que vos
reconcilieis com Deus (2ª Coríntios V-20).

A questão está, portanto, em saber EM QUE SENTIDO JESUS É O ÚNICO MEDIADOR, O


ÚNICO INTERMEDIÁRIO ENTRE DEUS E OS HOMENS. E para isto é indispensável
examinar o contexto da célebre frase de S. Paulo, porque o forte dos
protestantes, nesta matéria de sofismas, consiste em separar as palavras do seu
verdadeiro contexto.

Notas (pular)
[55] O texto hebraico diz: Eu estava então entre Javé e vós para vos fazer conhecer a sua palavra
(Deuteronômio V-5), mas isto em nada diminui o papel de mediador ou intermediário entre Deus e o seu
povo que exercia Moisés, transmitindo dAquele para este os divinos mandamentos. (voltar)

O contexto.

374. S. Paulo começa recomendando a Timóteo que se façam orações por todos
os homens: Eu te rogo, pois, antes de tudo, que SE FAÇAM SÚPLICAS, ORAÇÕES,
PETIÇÕES, ações de graças POR TODOS OS HOMENS, pelos reis e por todos os que
estão elevados em dignidade, para que vivamos uma vida sossegada e tranquila
em toda a sorte de piedade e de honestidade, porque isto é bom e agradável
diante de Deus, nosso Salvador (1ª Timóteo II-1 a 3). Repare bem o leitor:
S. Paulo quer que os cristãos INTERCEDAM A DEUS, FAZENDO SÚPLICAS, ORAÇÕES E
PETIÇÕES POR TODOS OS HOMENS e recomenda de modo especial que se reze por
aqueles que governam.

Aconselhando que se reze POR TODOS OS HOMENS e apresentando isto como


agradável aos olhos de Deus, S. Paulo dá o motivo:

Isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer que TODOS OS
HOMENS SE SALVEM que cheguem a ter o conhecimento da verdade (1ª Timóteo II-3
e 4).

Digamos, entre parênteses, que à primeira vista parece haver aí um contrassenso.


Devemos rezar por todos, porque Deus quer que todos se salvem. Mas se Deus
quer que todos se salvem, Ele que pode tudo e que tem todas as graças nas suas
mãos, que necessidade há de que rezemos?

Não há nenhum contrassenso, desde que se considerem os desígnios


sapientíssimos de Deus. Deus dá a todos a graça suficiente para a salvação. Se o
homem rejeita esta graça, está necessitando de graças maiores e mais
abundantes. Estas graças, Deus não está obrigado a conceder, mas quis, na sua
imensa sabedoria e benevolência, subordiná-las aos nossos pedidos e orações.
Rezemos, e graças maiores e mais abundantes cairão do Céu, tanto para nós,
como também para os outros. E será maior o número dos que se salvam.

Continuando a ilustrar a sua tese de que devemos rezar por todos os homens,
S. Paulo acrescenta uma nova razão: Porque SÓ HÁ UM DEUS E SÓ HÁ UM MEDIADOR
ENTREDEUS E OS HOMENS, que é Jesus Cristo homem, QUE SE DEU A SI MESMO PARA
REDENÇÃO DE TODOS (1ª Timóteo II-5 e 6).

Eis aí por que havemos de rezar por todos: somos todos irmãos, uma vez que há
um só Deus, Deus é o Pai de todos; somos todos irmãos, porque fomos todos
remidos pelo sangue de Jesus Cristo. Jesus não morreu só pelos cristãos ou só
pelos eleitos, como têm ensinado muitos protestantes, mas morreu por todos. Se
muitos não se salvam, a culpa é deles; pois a morte de Cristo alcançou a graça
suficiente para dar a salvação a todos, mesmo àqueles que, sem culpa sua, nunca
ouviram falar no Divino Salvador. De modo que S. Paulo mesmo se encarrega
de dizer em que sentido Ele chama Jesus ÚNICO MEDIADOR; é neste sentido de que
SE DEU A SI MESMO PARA REDENÇÃO DE TODOS (1ª Timóteo II-6).

Ora, isto é claramente o que ensina a Igreja Católica. Jesus é o único Salvador,
porque só Ele podia oferecer a Deus uma reparação suficiente pelos nossos
pecados e assim se pôs como UM MEDIADOR, como UM INTERMEDIÁRIO entre Deus e
os homens, a fim de operar a nossa reconciliação com Deus. Para efetuar esta
reconciliação, era preciso que Ele fosse homem e ao mesmo tempo Deus, pois
como diz S. Anselmo: “Os homens eram mortais e pecadores e Deus, com quem
haviam de reconciliar-se para serem salvos, era imortal e sem pecado. Era
preciso que O MEDIADOR ENTRE DEUS E OS HOMENS tivesse algo de igual a Deus e de
igual aos homens, porque sendo só igual a Deus estaria longe dos homens e
sendo igual aos homens estaria longe de Deus, e assim não seria MEDIADOR. De
modo que entre os mortais pecadores e o Justo Imortal, apareceu Aquele que era
mortal como os homens e justo como Deus.”

Se chamamos os santos MEDIADORES no sentido de que eles oram a Deus por nós,
então já é outro assunto, porque não dizemos absolutamente que Maria SSma,
nem que nenhum santo DEU A SUA VIDA PELA NOSSA REDENÇÃO. E a prova de que
S. Paulo chamando Cristo ÚNICO MEDIADOR, estava tomando esta palavra no
sentido de SALVADOR e não no de INTERCESSOR, é que exatamente neste mesmo
momento, neste mesmo trecho, ele estava aconselhando Timóteo a rezar por
todos os homens, portanto a INTERCEDER por eles; estava aconselhando que os
cristãos rezassem por todos os homens, portanto fossem INTERCESSORES perante
Deus em favor de todos eles. E se aqui na terra, podemos rezar pelos homens,
sem que isto seja uma injúria a Nosso Senhor Jesus Cristo, Único Salvador,
Único Mediador, por que motivo então os santos não podem rezar também por
eles lá na glória celeste? Se Jesus Cristo, como entendem os protestantes, quer
ser o Único Intercessor, não quer que ninguém reze pelos outros, então S. Paulo
estaria errado, pedindo aos fiéis que rezassem por todos os homens, S. Paulo
estaria errado recomendando-se tantas vezes às orações dos fiéis.

Com efeito pede aos Efésios que rezem por todos os fiéis e POR ELE: Tomai
outrossim o capacete da salvação e a espada do espírito (que é a palavra de
Deus) orando em todo o tempo... E ROGANDO POR TODOS OS SANTOS E POR MIM, para
que me seja dada no abrir da minha boca palavra com confiança, para fazer
conhecer o mistério do Evangelho (Efésios VI-17 a 19). Aos Romanos pede
também o auxílio das orações: Rogo-vos, pois, ó irmãos, por nosso Senhor Jesus
Cristo e pelo amor do Espírito Santo, que ME AJUDEIS COM AS VOSSAS ORAÇÕES POR
MIM A DEUS, para que eu seja livre dos infiéis que há na Judeia, e seja grata aos
santos de Jerusalém a oferenda do meu serviço (Romanos XV-30 e 31). Em
ambas as epístolas aos Tessalonicenses pede orações: Irmãos, ORAI POR NÓS (1ª
Tessalonicenses V-25). Irmãos, ORAI POR NÓS, para que a palavra de Deus se
propague e seja glorificada como também no é entre vós, e para que sejamos
livres de homens importunos e maus, porque a fé não é de todos (2ª
Tessalonicenses III-1 e 2). Aos Hebreus diz: ORAI POR NÓS, porque temos a
confiança de dizer que em nenhuma coisa nos acusa a consciência, desejando
em tudo portar-nos bem. E com mais instância vos rogo que façais isto para que
eu vos seja mais depressa restituído (Hebreus XIII-18 e 19). Aos Colossenses,
diz em seu nome e no de Timóteo, que oram sempre por eles: Graças damos ao
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, ORANDO SEMPRE POR VÓS (Colossenses I-
3).

Quando Pedro é encarcerado, a Igreja em peso se põe a orar por ele: E Pedro
estava guardado na prisão a bom recado. Entretanto PELA IGREJA se fazia sem
cessar ORAÇÃO A DEUS POR ELE (Atos XII-5).

Se Cristo é o único Mediador, neste sentido de que só Ele é que pode interceder
a Deus pelos homens, não se explicam absolutamente estas orações que devem
ser feitas de uns pelos outros.

Vendo estes exemplos das Escrituras, todos os protestantes costumam pedir


reciprocamente, dentro da sua seita, o auxílio das orações. E aí é que se mostra
toda a sua falta de lógica. Se eles pedem as orações dos outros, se S. Paulo dizia
aos fiéis que ainda estavam aqui na terra: ORAI POR NÓS (1ª Tessalonicenses V-25;
2ª Tessalonicenses III-1; Hebreus XIII-18), por que é, então, que não podemos
dizer: ORAI POR NÓS, àqueles que já se encontram na glória, na presença de Deus?
Era já o argumento que o grande Doutor da Igreja, S. Jerônimo empregava
contra o herege Vigilâncio: “Dizes no teu libelo que, enquanto vivemos,
podemos orar por nós reciprocamente; depois que morrermos, não há de ser
ouvida a oração de ninguém por outro, apesar de que os mártires não cessam de
pedir a vingança do seu sangue (Apocalipse VI-10). Se os Apóstolos e os
mártires, ainda quando estão em seu corpo, ainda quando devem estar solícitos a
respeito de si próprios, podem rezar pelos outros, quanto mais depois das coroas,
das vitórias e dos triunfos!... Depois que começaram a estar com Cristo, valerão
menos? Será que Paulo Apóstolo... não poderá nem tugir e mugir em favor
daqueles que em todo o mundo creram no Evangelho que ele pregou?... Tu
vigilando dormes e dormindo escreves” (Contra Vigilâncio nº 6).

A ciência dos santos na Visão Beatífica.

375. Diante deste argumento, os protestantes respondem: Depois de mortos é


diferente: eles não podem saber o que se passa na terra.

— Quer dizer então que a coisa mudou completamente de figura. Os santos não
podem rezar por nós e isto já não é pelo fato de ser Cristo o Único Mediador, é
pelo fato de não podermos ter comunicação com eles; a ligação está
interrompida. Mas esta afirmação é por sua vez completamente gratuita e quem
vai responder aos protestantes é outro protestante, o célebre escritor holandês
Grotius. Quando Calvino e Vossius alegam que não podem admitir o culto dos
santos, porque estes não podem ter conhecimento das nossas preces, Grotius
discorda inteiramente deles, dizendo: “Os profetas, enquanto estavam na terra,
tiveram conhecimento daquilo que se passava em lugares onde eles não estavam
presentes... Os anjos assistem a nossas assembleias e se empenham por tornar
agradáveis a Deus as nossas orações; é assim que não somente os cristãos, mas
também os judeus creram em todos os tempos. Depois destes exemplos, um
leitor sem preconceito deve crer que é mais razoável admitir nos mártires um
conhecimento das preces que nós lhes dirigimos, do que negá-lo.” (Grotius.
Votum pro pace).

É o caso de dizermos aos protestantes: Expliquem-se, por favor... A Escritura


não diz em parte alguma que aqueles que se encontram no Céu estão
completamente alheios ao que se passa na terra. Qual o argumento, a prova que
completamente alheios ao que se passa na terra. Qual o argumento, a prova que
vocês apresentam, para afirmar com tanta segurança que os santos não podem ter
conhecimento das nossas súplicas?

— É porque, dizem eles, os santos gozam diante de Deus de uma felicidade


imperturbável; ora, se soubessem o que se passa aqui na terra, já não seria mais
felicidade e sim uma série de preocupações. Além disto, era preciso que fossem
oniscientes, onipresentes, onipotentes (Maria SSma, sobretudo, que tem milhões
e milhões de devotos em toda a terra) para poderem estar atendendo a todas as
orações que se fazem a eles nos mais variados lugares da terra e a cada instante.

— Toda esta objeção se baseia, desde logo, numa frustrada tentativa para fazer
uma ideia exata daquilo que se passa com os bem-aventurados lá no Céu, quando
isto ESTÁ MUITO ACIMA DE TUDO QUANTO POSSAMOS IMAGINAR. A felicidade do Céu é
uma felicidade SOBRENATURAL, é a visão beatífica de Deus, da qual a nossa
natureza por si não é capaz, mas vai recebê-la por um dom especial do Criador.
É inútil fazer cálculos tirando conclusões daquilo que se passa aqui na terra,
dentro do nosso conhecimento natural. Uma pessoa aqui na terra não pode ter
conhecimento de tudo o que se passa no mundo; mas suponhamos que o tivesse;
não se seguiria daí que fosse onisciente, nem onipresente nem onipotente,
porque o próprio mundo é por sua natureza limitado; e este limitado
conhecimento não seria coisa alguma em comparação com A CIÊNCIA INFINITA que
só existe em Deus.

Ninguém pode tornar-se igual a Deus, mas uma criatura pode tornar-se mais ou
menos semelhante a Ele, participar mais ou menos das suas perfeições de
ciência, santidade, felicidade etc., e aí existe uma graduação infinita. Desde que
no céu esta penetração nas grandezas de Deus tem graus, porque nem todos têm
os mesmos merecimentos e na casa de meu Pai há muitas moradas (João XIV-
2), não há nenhum absurdo em dizer-se que Maria SSma, mesmo continuando
criatura e permanecendo limitada, tem maior semelhança com Deus, recebeu no
Céu maiores perfeições do que qualquer outra criatura humana.

E se no Céu a felicidade consiste em nos tornarmos em grau muito mais elevado


do que aqui na terra participantes da natureza divina (2ª Pedro I-4), a alegação
de que o conhecimento das coisas da terra acabaria com a felicidade não tem
nenhum fundamento. Deus não vê tudo o que se passa neste mundo e em todos
os mundos? Não vê praticar-se aqui na terra tanta coisa que não é do seu agrado?
Nem por isto sofre a mínima alteração a sua eterna, imensa, infinita,
imperturbável felicidade.

Os anjos também são imperturbavelmente felizes. Mas a Escritura no-los


apresenta interessados pelas coisas humanas. Jacó abençoa os filhos de José
dizendo: O ANJO QUE ME LIVROU DE TODOS OS MALES abençoe estes meninos (Gênesis
XLVIII-16). Nos Salmos se lê: O ANJO DO SENHOR ANDARÁ À RODA dos que O temem
e os LIVRARÁ (Salmos XXXIII-8). Mandou aos seus anjos acerca de ti, que TE
GUARDEM EM TODOS OS TEUS CAMINHOS (Salmos XC-11). No livro de Zacarias se
mostra a súplica do anjo pelo povo hebreu: E respondeu o ANJO do Senhor e
disse: Senhor dos exércitos, até quando diferirás tu o compadecer-te de
Jerusalém e das cidades de Judá, contra as quais te iraste? Este é já o ano
septuagésimo. Então o Senhor, dirigindo-se ao anjo que falava em mim, lhe
disse boas palavras, palavras de consolação (Zacarias I-12 e 13). No Novo
Testamento, Jesus diz claramente que as criancinhas têm os seus anjos: Vede não
desprezeis algum destes pequeninos; porque eu vos declaro que OS SEUS ANJOS
nos Céus incessantemente estão vendo a face de meu Pai que está no Céus
(Mateus XVIII-10). E S. Paulo, falando a Timóteo, invoca a presença dos anjos:
Eu te esconjuro diante de Deus e de Jesus Cristo e dos seus ANJOS escolhidos que
guardes estas coisas sem preocupação (1ª Timóteo V-21).

Está mais do que provado que os anjos sabem o que se passa na terra, eles veem
a Deus e em Deus veem todas as coisas e não é isto que os impede de serem
felizes. Assim também os santos. Por isto disse com razão o protestante Leibnitz:
“Como os espíritos bem-aventurados estão presentes a nossas vicissitudes muito
mais agora do que quando viviam na terra... e sua caridade e desejo de nos
socorrer são muito mais vivos, como, enfim, as suas preces são muito mais
eficazes de agora por diante; como vemos por outro lado tudo o que Deus
concedia às intercessões dos santos vivos, bem como a utilidade de ajuntar às
nossas preces as de nossos irmãos, não vejo por que motivo se haveria de
considerar um crime o invocar uma alma bem-aventurada ou um santo anjo”
(Leibnitz. Systema Theologicum).

Velha experiência.

376. E a quem é que os protestantes vêm dizer que os santos não sabem do que
se passa na terra e não têm conhecimento dos nossos pedidos? Logo a nós,
católicos, que conhecemos a fundo esta questão! Temos vinte séculos de
existência; desde o princípio, como veremos daqui a pouco, começamos a
invocar os santos. Não existe, nunca existiu nenhum dogma, nenhum ensino,
nenhuma determinação da Igreja no sentido de que as nossas orações só
pudessem ser feitas a Deus por intermédio dos santos. O próprio Concílio de
Trento, que teve que definir contra os protestantes a legitimidade da invocação
dos santos, apresenta-a, não como necessária ou imprescindível, mas como boa e
útil: “É BOM E ÚTIL invocá-los humildemente, para pedirmos benefícios a Deus
por meio de seu Filho Jesus Cristo Senhor Nosso, que é o nosso único Redentor
e Salvador, bem como recorrer a suas orações, auxílio e proteção” (Concílio de
Trento. Sessão XXV). É claro que, se os santos não nos ouvissem, não tivessem
nenhuma comunicação conosco, já o teríamos percebido, já teríamos desistido de
nos comunicar com eles há muito tempo. Mas a nossa experiência de 2.000 anos,
a nossa experiência de cada dia nos mostra precisamente o contrário. É muito
raro o católico que não tenha a relatar na sua vida graças extraordinárias,
algumas das quais, se não são autênticos milagres, pelo menos deles muito se
aproximam, favores chegados exatamente no tempo oportuno, tudo isto
alcançado não porque se tenha feito o pedido diretamente a Deus, mas porque se
encarregou Maria SSma ou outro santo qualquer de fazer a Deus este pedido em
nosso lugar. Os exemplos são incontáveis em todos os lugares e em todas as
épocas. É o caso de fazermos aos protestantes a mesma observação que Hamlet
fazia a Horácio, na tragédia de Shakespeare: “Há muito mais coisas no céu e na
terra do que pode calcular a tua vã filosofia!”

E dizer-se que há católicos que depois de receberem tais prodígios do Céu por
intermédio dos santos, ainda vão iludir-se com os sofismas arquitetados pelos
protestantes que pretendem substituir as realidades da vida cristã pelas
invencionices da sua própria cabeça!

A promessa sobre a eficácia da oração.

377. Finalmente os protestantes alegam estes textos:


Tudo o que pedirdes ao Pai EM MEU NOME, EU VO-LO FAREI, para que o Pai seja
glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, essa vos farei
(João XIV-13 e 14).
Se vós permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós,
PEDIREIS TUDO O QUE QUISERDES e SER-VOS-Á FEITO (João XV-7).

E Pedro estava guardado na prisão a bom recado. Entretanto pela Igreja se


fazia sem cessar oração A DEUS por ele (Atos XII-5).

E tudo quanto nós Lhe pedirmos, receberemos dEle, porque guardamos os seus
mandamentos e fazemos o que é do seu agrado (1ª João III-22).

E daí concluem:

1º — Logo, toda oração deve ser feita EM NOME DE JESUS e não em nome dos
santos, portanto estão errados os católicos;

2º — Toda oração deve ser feita diretamente a Deus ou a Jesus, porque é tudo
quanto basta para ser, com toda certeza, atendida.

— Veiamos a primeira parte. Que quer dizer a oração feita EM NOME DE JESUS?
Quer dizer apresentando a Deus os merecimentos infinitos de Jesus Cristo.
Quando pedimos aos santos que por sua vez peçam a Deus por nós, é claro que
eles sabem, melhor do que nós, que a sua súplica deve ser feita em nome de
Jesus, isto é, baseada nos merecimentos do Redentor, que se tornou na Cruz a
fonte de onde dimanam todas as graças. A súplica EM NOME DE JESUS tanto pode
ser feita por nós como por eles. Dizer que nós, católicos, oramos a Deus em
nome dos santos e não em nome de Jesus, como se dissessem que rezamos a
Deus alegando os merecimentos dos santos, com exclusão dos merecimentos de
Jesus, é criar um fantasma para combatê-lo, porque nós não fazemos isto.

Vejamos a segunda parte: toda oração deve ser feita diretamente a Deus ou a
Jesus, porque é quanto basta para ser infalivelmente atendida.

Antes de tudo, queremos observar que aquelas 2 primeiras citações (Tudo o que
pedirdes ao Pai em meu nome, eu vo-lo farei — João XIV-13. Pedireis tudo o
que quiserdes e ser-vos-á feito — João XV-7), são palavras de Jesus ditas aos
seus Apóstolos, na intimidade com eles, pois fazem parte de uma longa palestra
que com seus Apóstolos teve Jesus após a última Ceia, depois da saída de Judas,
e que se estende desde João XIII-31 até o fim do capítulo XVII do mesmo
Evangelho.
E no versículo anterior à primeira citação, Jesus tinha anunciado os grandes
prodígios que haviam de realizar os Apóstolos, prodígios de uma certa maneira
maiores do que os feitos pelo próprio Jesus. É verdade que nenhum deles faria
um milagre que se pudesse comparar com o da Ressurreição; mas já a
propagação do Evangelho pelos Apóstolos se faria de maneira mais prodigiosa
do que foi feita em vida de Cristo, não porque o Divino Mestre tivesse menos
poder ou menos habilidade, mas porque Ele iria para o Pai e de lá enviaria o
Espírito Santo, que seria encarregado mais especialmente da propagação da
Igreja, como Cristo foi encarregado de sofrer e morrer por nós e alcançar-nos a
Redenção; Cristo iria para o Pai e de lá auxiliaria os seus discípulos: Em
verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, esse fará também as
obras que eu faço e fará outras ainda maiores; porque eu vou para o Pai (João
XIV-12).

Mas vamos mesmo aceitar as palavras de Cristo: Tudo o que pedirdes ao Pai em
meu nome, eu vo-lo farei (João XIV-13), como sendo ditas igualmente a todos os
fiéis, porque em outra ocasião Cristo nos fez promessas, embora não tão
enfaticamente, de que as nossas orações seriam atendidas: Pedi e dar-se-vos-á;
buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todo o que pede recebe e o que
busca acha e a quem bate abrir-se-á... Pois, se vós outros, sendo maus, sabeis
dar boas dádivas a vossos filhos, quando mais vosso Pai que está nos Céus,
dará bens aos que lhos pedirem! (Mateus VII-7 e 8; 11).

Ora, acontece, conforme já explicamos (nº 82), que numas partes da Bíblia estão
as promessas e noutras partes estão as condições para que a promessa tenha o
seu efeito. A oração, para ser atendida, precisa revestir-se de umas tantas
condições: humildade, confiança, perseverança etc. Há orações bem feitas e
orações mal feitas. O católico, quando pede a Maria SSma ou a algum santo que
reze em seu lugar (e pede-o não porque só possa ser assim, ele poderia também
pedir diretamente a Deus) pede-o com este humilde pensamento de que Maria
SSma ou os santos sabem orar muito melhor do que ele. Deus não vai ficar
ofendido com este gesto de humildade. Nem Maria SSma e os santos se vão
aborrecer ou ficar incomodados, uma vez que estão no seio de Deus e sabem
assim, da melhor maneira, praticar a caridade para conosco.

Além disto, a própria frase da 1ª Epístola de S. João acima citada na objeção


protestante: Tudo quanto Lhe pedirmos, receberemos dEle, PORQUE GUARDAMOS OS
SEUS MANDAMENTOS E FAZEMOS O QUE É DO SEU AGRADO (1ª João III-22), nos mostra
muito bem a importância da santidade, do cumprimento exato da vontade divina,
para melhor se obterem as graças de Deus. Jesus podia dizer de si mesmo,
referindo-se ao seu Eterno Pai: Eu sempre faço o que é do seu agrado (João
VIII-29). S. João Evangelista, que escreveu aquela frase, ainda podia dizer o
mesmo, mas já não no mesmo grau como Jesus. E nós, pecadores, podemos
dizê-lo com a mesma exatidão e segurança? Não fazemos tantas coisas, grandes
e pequenas, que não são do agrado do Pai Celeste? É justo, portanto, que
peçamos aos santos que estão no Céu, os quais absolutamente não fazem mais
coisa alguma que possa cair no desagrado divino, que também nos ajudem,
fazendo a Deus os nossos pedidos, como se fossem para eles.

Prometendo atender às nossas orações, Deus não prometeu fazer milagres e


prodígios a torto e a direito para todo aquele que os pedisse. Seria transtornar
completamente as leis da natureza, e a natureza tem que seguir o seu curso. É
verdade que seria erro pensar, como o cego de nascença, que Deus não ouve a
pecadores (João IX-31), mas seria outro erro pensar que Deus em todos os casos
ouve exatamente da mesma forma, coroa com os mesmos prodígios a oração do
justo e a do pecador. Se os milagres e favores extraordinários não se dão a toda
hora, Deus os reserva quase sempre para os seus servos fiéis. A Escritura está
cheia de exemplos disto. Deus diz a Abimeleque: Entrega, pois, já desde agora
esta mulher a seu marido, porque ele é profeta e ROGARÁ POR TI e TU VIVERÁS; se,
porém, tu lha não quiseres restituir, sabe que morrerás de morte, tu e tudo o que
é teu (Gênesis XX-7), bem como diz aos amigos de Jó: Tomai, pois, sete touros
e sete carneiros; ide ao meu servo Jó e oferecei holocausto por vós; o MEU SERVO
JÓ, porém, ORARÁ POR VÓS; ADMITIREI PROPÍCIO A SUA FACE, PARA QUE SE VOS NÃO
IMPUTE ESTA ESTULTÍCIA, porque vós não falastes de mim o que era reto, como o
meu servo Jó (Jó XLII-8). Deus resolve exterminar o povo hebreu por causa da
sua rebeldia (Números XIV-12), mas Moisés intercede e o Senhor lhe diz: Eu lhe
perdoei, CONFORME TU ME PEDISTE (Números XIV-20). É claro que Deus podia
favorecer a Abimeleque, aos amigos de Jó, ao povo de Israel, sem que Abraão,
nem Jó, nem Moisés o pedissem; mas quis ser invocado pelos seus eleitos
primeiro, para depois conceder a graça. É por isto que os filhos de Israel pedem
a Samuel que rogue por eles: Não cesses de clamar por nós ao Senhor nosso
Deus, para que nos salve da mão dos filisteus (1º Reis VII-8).

Nem se venha dizer que se trata aí apenas de exemplos do Antigo Testamento e


que no Novo a coisa é muito diversa, que não há diferença de eficácia na oração
do justo e na do pecador, pois é exatamente no Novo Testamento que S. Tiago
nos vem dizer que PODE MUITO A ORAÇÃO DO JUSTO e o ilustra com o exemplo de
Elias: A ORAÇÃO DO JUSTO, SENDO FERVOROSA, PODE MUITO. Elias era um homem
semelhante a nós outros, sujeito a padecer; e fez oração para que não chovesse
sobre a terra e por três anos e seis meses não choveu. E orou de novo e o céu
deu chuva e a terra deu o seu fruto (Tiago V-16 a 18).

É muito natural, portanto, que nós, católicos, que não nos temos na conta de
justos, mas sim de pecadores, peçamos aos justos que estão no Céu, na mansão
de Deus, que orem a Deus por nós e em nosso lugar, porque a oração deles é
muito mais valiosa do que a nossa. E se nisto fazemos injúria a Deus que
prometeu de modo geral atender a nossas orações, então fazia injúria também o
Apóstolo S. Paulo, ao pedir aos outros que rezassem por ele, quando, na hipótese
protestante, ele sozinho pedindo era o suficiente para alcançar de Deus todas as
graças e na exata proporção em que as quisesse; e por conseguinte, dentro da
mesma mentalidade protestante, não tinha nada que andar pedindo aos outros um
reforço para as suas próprias orações.

Vem de longe a invocação dos santos.

378. A devoção aos santos é tão lógica e natural, que ela não surgiu por um
decreto ou ensino da Igreja, a qual nunca disse que a devoção a este ou àquele
santo, mesmo a Maria SSma, fosse condição sine qua non para a salvação, como
é o caso da fé, da observância dos mandamentos, da recepção dos sacramentos,
pelo menos em voto. Surgiu espontaneamente, como um expediente que os fiéis,
na sua intuição guiada pelo Espírito Santo, que está sempre orientando a Igreja,
logo consideraram vantajoso e utilíssimo; e surgiu desde os primeiros tempos da
Igreja, porque vem do tempo dos mártires. Naqueles três primeiros séculos de
tremendas perseguições, era natural a honra, o carinho, a admiração com que os
cristãos cercavam aqueles heróis que derramavam o seu sangue, davam a sua
vida pela fé. Chamavam o dia de sua morte DIES NATALIS, dia do nascimento,
porque era naquele dia que eles tinham começado em Cristo a verdadeira vida,
que não se perde jamais. Celebravam anualmente a data aniversária do martírio,
ficando a vida e os feitos admiráveis do mártir como um exemplo, um estímulo
que não havia de ser esquecido pelos cristãos. E logo espontaneamente estes se
encomendavam às suas orações.
É muito interessante notar nas inscrições feitas nas catacumbas daqueles
primeiros tempos da Igreja que, enquanto umas se referiam a mortos comuns,
por quem os fiéis faziam súplicas, numa confirmação de que existia entre eles a
crença no purgatório, como, por exemplo, há inscrições como estas:

Ó CRISTO, TEM PRESENTES A MARCELINO PECADOR E A JOVINO! QUE SEMPRE


VIVAIS EM DEUS (cemitério de S. Pedro);
DE AGÁCIO, SUBDIÁCONO PECADOR, TEM MISERICÓRDIA, Ó DEUS! (em
S. Hermes);
FLÁVIA PRIMA AMERÂNIA, FILHA DE AURELINO SÊNIO. O SENHOR REFRIGERE O
TEU ESPÍRITO, CARA POMBINHA (cemitério de S. Pânfilo);

outras inscrições eram, ao contrário, pedidos de orações feitos aos mortos, aos
mártires, aos heróis da fé:

ÁTICO, DORME EM PAZ, SEGURO DE TUA SALVAÇÃO E PEDE SOLÍCITO POR NOSSOS
PECADOS (Museu capitulino);
VICÊNCIA, PEDE EM CRISTO POR FEBE E POR SEU ESPOSO (cemitério de
S. Calixto);
SABÁCIO, DOCE ALMA, PEDE E ROGA PELOS IRMÃOS E COMPANHEIROS TEUS
(cemitério de Gordiano);
GENCIANO, FIEL, EM PAZ, QUE VIVEU 21 ANOS, 8 MESES, 16 DIAS. QUE EM TUAS
ORAÇÕES ROGUES POR NÓS, PORQUE TE SABEMOS EM CRISTO (Via Salária).

E às vezes se reuniam as 2 coisas: súplica aos mártires em favor de um falecido:

MÁRTIRES SANTOS, BONS, BENDITOS, AJUDAI A CIRÍACO (mosaico no cemitério


de S. Pânfilo);
SANTOS MÁRTIRES, TENDE EM MENTE MARIA (Corp. inscr. lat. V nº 1636).

Outras vezes o pedido de orações não era dirigido a um mártir, mas uma
criancinha inocente falecida:

PEDE POR TEUS PAIS, MATRONATA MATRONA. ELA VIVEU DOIS ANOS, CINQUENTA E
DOIS DIAS (museu de Latrão);
LUCÉRNIO, ANTES DO TEMPO VIESTE EM PAZ. TEM PRESENTES A NÓS, TEUS PAIS
(cemitério de Viale Margarita);
ANATÓLIO O FEZ AO FILHO BENEMERENTE QUE VIVEU SETE ANOS, SETE MESES E
VINTE DIAS. TEU ESPÍRITO DESCANSE BEM EM DEUS. PEDE POR TUA MÃE (cemitério
de Priscila)

As mais autênticas relações dos martírios nos mostram no 3º século, os fiéis, já


no momento do suplício, rogando ao mártir que não os esqueça, quando estiver
no reino da glória. S. Potamiana, em Alexandria, promete ao soldado Basílides
interceder em seu favor, quando estiver junto de Deus (Eusébio Hist. Eccl. L. VI
c. 2). Em Tiro, S. Teodósia suplica aos mártires que se lembrem dela, quando
tiverem recebido a recompensa. Em Tarragona, o bispo mártir S. Frutuoso é
cercado de toda a comunidade cristã e quando um cristão, na hora do suplício, se
aproxima dele para pedir que não o esqueça, o santo diz em voz alta, de modo
que todos ouçam: “Eu devo ter em mente toda a Igreja Católica espalhada do
Oriente ao Ocidente” (Acta Fructuosi c. 1, VII).

Transcorrido o tempo das perseguições, se passou naturalmente a cultuar a


memória daqueles que, embora não tivessem mais ocasião de mostrar o
heroísmo do martírio, contudo praticaram o heroísmo da santidade e da virtude,
num martírio por vezes mais lento e prolongado, se bem que menos vistoso.

Não é nosso propósito aqui fazer um histórico deste assunto do culto dos santos,
mas o que dissemos já é bastante para que se veja que ele provém dos primeiros
tempos da Igreja, sendo constante a sua prática, o seu uso desde os primeiros
séculos até os dias de hoje.

O Corpo Místico de Cristo.

379. E desde que este culto assuma as suas devidas proporções, nisto não há
nenhum crime da nossa parte, nem diminuição de glória para o Criador. Ao
contrário, ele nos excita à piedade e nos une mais intimamente com Deus. A
Igreja tem o cuidado de fazer a distinção entre o culto de LATRIA, ou de adoração
propriamente dita, que é devido unicamente a Deus, Nosso Senhor Supremo, a
quem devemos a homenagem de todo o nosso ser; e o culto de DULIA, ou de
veneração e de respeito que devemos aos santos, o qual, em lugar de roubar
alguma coisa a Deus, ao contrário reverte em maior glória para Ele.

Somos, todos, membros de um só corpo, cuja cabeça é Cristo: Vós outros, pois,
sois CORPO DE CRISTO e membros uns dos outros (1ª Coríntios XII-27). Cristo é a
cabeça do corpo da Igreja (Colossenses I-18). Todo ato de virtude sobrenatural
que o homem pratica é sob um certo aspecto, ato de Cristo, porque nada se pode
fazer sem a graça de Deus, a qual nos foi merecida por Cristo na cruz e é,
portanto, graça de Cristo; e por outro lado ato do homem, porque para haver
virtude, é preciso que haja a livre cooperação e esforço da criatura humana.
Membros de um só corpo, cuja cabeça é Cristo, corre de um certo modo nos que
estão em graça santificante, a mesma seiva, o mesmo sangue, a mesma graça que
havia em Cristo, e assim todo santo pode dizer, como dizia o Apóstolo S. Paulo:
Para mim o viver é Cristo (Filipenses I-21). Não sou eu já o que vivo; mas
Cristo é que vive em mim (Gálatas II-20). Rogo-vos, pois, que sejais meus
imitadores, como também eu o sou de Cristo (1ª Coríntios IV-16).

Além disto, se Cristo é a cabeça da Igreja, porque o cristão em estado de graça


está em íntima união com Ele, não se podem excluir deste número aqueles que
estão gozando da visão beatífica no Céu; estes são os que mais intimamente do
que nós aqui na terra, estão unidos a Cristo e para sempre, estes fazem parte da
Igreja de Cristo ainda melhor do que nós, porque são a própria Igreja que já
atingiu a sua meta final, a sua glorificação.

Ora, se a Bíblia nos diz que Cristo é a cabeça e nós somos os membros, aí se
salienta muito bem a solidariedade que há entre nós e Cristo, o qual se sente
perseguido, se nós o somos (Saulo, Saulo, por que ME persegues? — Atos IX-4),
se sente objeto de carinho, quando o recebemos (quantas vezes vós fizestes isto a
um destes irmãos mais pequeninos, A MIM é que o fizestes — Mateus XXV-40).

Logo, Cristo se sente honrado e venerado, quando são honrados e venerados os


seus santos. Nem se venha dizer que não podemos honrar e venerar os santos,
pois se podemos honrar e venerar as pessoas aqui na terra, se a própria Bíblia
nos diz que devemos HONRAR pai e mãe (Mateus XV-4) e que A GLÓRIA, A HONRA e
a paz seja dada a todo obrador do bem (Romanos II-10), por que motivo então
não podemos honrar e venerar os santos, que por Deus mesmo já estão sendo
honrados e glorificados nos Céus?

Cristo não pode de maneira alguma sentir-se ofendido, quando relembramos a


vida dos santos e a propomos para a nossa imitação. Imitar a Paulo, imitar aos
santos, é imitar a Cristo. E aí então o exemplo do Divino Mestre aparece sob um
novo aspecto, ainda mais interessante. Muitos costumam dizer: Sim, Cristo
sofreu pacientemente, e foi tão bom! mas Ele era Deus e eu sou um pecador de
carne e osso, não posso fazer tudo aquilo que Ele fez. Apresentando os santos
que foram uma cópia, quanto possível, fiel, das virtudes de Cristo, que
cooperando com A GRAÇA DE CRISTO, puderam dar a esta graça a oportunidade de
realizar neles verdadeiros prodígios de virtude, nós provamos não só que se deve
imitar a Cristo, mas que também um pecador de carne e osso pode fazê-lo. Sob
este aspecto a cópia se mostra de certo modo mais convincente do que o original;
porque o original poderia parecer-nos inatingível.

Pedimos aos santos que por sua vez peçam a Deus por nós. E a Igreja tem todo
cuidado em separar as 2 fórmulas de oração. A Deus, à SSma Trindade, a Jesus
Cristo dizemos: Tende piedade de nós. A Maria SSma, aos anjos e aos santos,
dizemos simplesmente: orai por nós. Se Cristo não se sente ofendido, como
reconhecem os próprios protestantes, quando pedimos aqui na terra uns as
orações dos outros, não se sentirá também ofendido, se por um ato de humildade,
convictos de que não sabemos orar com a perfeição como convém, pedirmos aos
santos que orem em nosso lugar e supliquem a Deus por nós.

Amamos aos Santos, sim, e quem nos proíbe amá-los? Não temos obrigação de
amar aqui na terra o próximo como a nós mesmos? (Mateus XIX-19) Os pais
amam muito aos seus filhos, e os bons filhos, a seus pais; os noivos e esposos
sinceros se amam muito, reciprocamente; há, entre os verdadeiros amigos, fortes
e doces laços de afeição e de estima; isto em si não impede nem prejudica o
amor de Deus, que deve estar acima de todos os amores. Por que motivo então
não podemos amar os santos? Será um amor ilícito e pecaminoso?

Entre os santos, amamos de maneira especial a Maria SSma. E se nos


perguntarem o motivo, a resposta de todos os católicos do mundo inteiro é uma
só: É porque é à mãe de Jesus e para ser a mãe de Jesus tinha que ser
espiritualmente a mais bela das criaturas. Por que motivo, então, os protestantes
imaginam um Jesus tão mesquinho de caráter, tão ciumento, tão ignorante, que
vai ficar ofendido, porque amamos muito a Maria SSma e a amamos
precisamente porque foi a sua mãe? Os protestantes agem com tanta lógica como
aqueles que julgassem que o melhor expediente para agradar ao rei fosse não
prestar nenhuma homenagem, não dar a mínima atenção, antes olhar com uma
certa antipatia e desprezo àquela que é nada mais nada menos que a própria mãe
do soberano.

Quando Jesus veio ao mundo, donde é que a Humanidade O recebeu, senão dos
braços da SSma Virgem? São inseparáveis, portanto, a glória da mãe e a do Filho,
a primeira é uma consequência inevitável da segunda.

Por isto, o próprio Lutero reconhecia que a Bíblia não precisava gastar muitas
palavras para exaltar a grandeza de Maria, para isto bastava simplesmente dizer,
como disse, que Maria era a mãe de Jesus (João II-1; Atos I-14) [56]. Tão
natural, tão espontânea é esta homenagem prestada à mãe de tão grande Filho,
que a Bíblia, em vez de condená-la, a profetiza como prestada por todas as
gerações. Assim profetizou Maria, na sua visita a S. Isabel: Eis aí de hoje em
diante me chamarão bem-aventurada todas os gerações (Lucas I-48). Quem é
que tem prestado a Maria esta homenagem de TODAS AS GERAÇÕES, senão a Igreja
Católica? Por certo que não são os protestantes: 1º — porque são do século XVI,
não representam todas as gerações; 2º — porque podem de hoje em diante mudar
de atitude, mas até agora a sua grande maioria não tem feito outra coisa, neste
sentido, senão protestar veementemente contra o carinho e a veneração com que
cercamos a excelsa mãe de Deus. E como é que os protestantes ousam apontar a
devoção a Maria, como uma das provas de que a Igreja se afastou da Bíblia, se
com ela a Igreja está cumprindo uma das profecias consignadas no Livro
Sagrado?

A devoção aos santos significa simplesmente que a mesma convivência que


temos com as pessoas daqui da terra, a quem amamos, honramos, pedimos
orações e enaltecemos, a mesma convivência queremos ter com Maria SSma e os
santos, que são membros da nossa Igreja e membros ainda mais poderosos e
mais elevados do que aqueles que nos cercam, porque estão mais perfeitamente
identificados com Cristo lá no Céu. Há algum crime nisto? Não nos diz S. Paulo
que a nossa conversação está nos Céus (Filipenses III-20)?

De modo que os protestantes estão completamente enganados. Querem provar


que falhou a promessa de Cristo, quando disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei A MINHA IGREJA; E AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO CONTRA ELA
(Mateus XVI-18). Querem provar que a Igreja não é a COLUNA E FIRMAMENTO DA
VERDADE (1ª Timóteo III-15). Alegam para isto que a Igreja mergulhou no erro; e
para demonstrá-lo apresentam a nossa devoção a Maria SSma e aos santos.
Procuram iludir os incautos com uma interpretação das palavras ÚNICO MEDIADOR,
interpretação esta que já demonstramos ser completamente errônea. E se põem a
balbuciar alguns argumentos infantis e extrabíblicos, para dizer que os santos
não têm nenhum conhecimento do que se passa neste mundo. Mas os fatos
contra os quais não há argumentos, mostram precisamente o contrário.

Logo, nem a Igreja caiu no erro; nem falhou a promessa de Cristo, o que aliás
nunca poderia acontecer, porque Cristo é infalível.

Notas

[56] Diz Lutero, falando a respeito da dignidade da Mãe de Deus: “Por isso lhe foram outorgados bens tão
grandes e preclaros, que excedem o maior alcance, pois daí lhe advém toda honra e beatitude de tal sorte
que, em todo o gênero humano, é a única pessoa superior a todas, que não tem outra igual, porque com o
Pai Celestial tem o mesmo Filho comum... Pelo que, em uma só palavra se encerra toda sua honra — ser
mãe de Deus — não podendo ninguém a seu respeito dizer mais, ainda que tivesse tantas línguas quantas
flores e ervas tem a terra, quantas estrelas tem o céu e quantos grãos de areia tem o mar” (Vitemberga IV-9
pág. 85). (voltar)
Capítulo Décimo Sexto
O culto das imagens

Observações preliminares
Utilidade das imagens.

380. Antes de tratarmos sobre a questão do culto das imagens, temos que
desfazer algumas confusões que há sobre o assunto na cabeça dos protestantes.

Notaremos, logo de início, que o culto das imagens NÃO É OBRIGATÓRIO neste
sentido de que alguém, para salvar-se, tenha que possuir imagens ou prestar-lhes
culto, nem também no sentido de que sem elas nós não nos pudéssemos dirigir
aos seus protótipos. A Igreja poderia, até, proibir o uso das imagens em alguma
região onde este culto estivesse sendo mal interpretado e não houvesse
possibilidade de ser bem compreendido.

O que é obrigatório, sim, é reconhecerem os católicos a legitimidade do culto


das sagradas imagens e que elas são dignas de todo o nosso respeito e veneração.

A Igreja mantém o culto das imagens, porque resulta grande utilidade deste
culto, que é legítimo, pois “a honra que se lhes tributa se refere aos protótipo por
elas representados, de modo que, por meio das imagens que beijamos e diante
das quais descobrimos a cabeça e nos curvamos, nós adoramos a Cristo e
veneramos os santos, dos quais elas nos apresentam uma semelhança” (Concílio
de Trento: sessão XXV). Não se entende absolutamente “que nelas haja alguma
divindade ou alguma virtude, pela qual devam ser cultuadas, nem que é a elas
que se deva pedir alguma coisa, nem que se deva por a confiança nas imagens,
como acontecia outrora com os gentios que colocavam a sua esperança em
ídolos” (Concílio de Trento: sessão XXV). O poder está em Deus que nos
concede muitas graças pela intercessão dos santos, graças estas que são todas
pedidas em nome de Jesus Cristo e alcançadas em virtude dos méritos de sua
Paixão Redentora.

Qual é então a grande utilidade das imagens?


Fala-se muito hoje em ENSINO INTUITIVO, ou seja, fazer a criança, a pessoa VER em
lugar de obrigá-la só a pensar e raciocinar. E um dos elementos mais eficazes
para o ensino intuitivo é o desenho, a gravura, a representação do objeto. Pois,
este ENSINO INTUITIVO, a Igreja o vem empregando desde os primeiros séculos.

A imagem é o livro do analfabeto.

O Protestantismo pode dispensar a imagem, porque é uma religião inventada só


para grandes sábios, para homens de grande cultura. Cada protestante pretende
ser, pelas suas próprias luzes, UM INTÉRPRETE, da Bíblia; para isto se requer
conhecimento do grego e do hebraico, bem como uma inteligência muito acima
do comum; porque há textos na Bíblia que qualquer criança entende, mas há
outros intrincadíssimos que desafiam os maiores gênios; interpretar um ou outro
texto aqui e acolá pode ser fácil e contradição não há na Bíblia, porque ela é
infalível, mas entender perfeitamente todos os textos e harmonizá-los, tendo em
mãos edições sem comentários que tanto estão difundidas no seio da Reforma,
isto é uma tarefa dificílima.

Todos os protestantes são, portanto, ou pelo menos, deveriam ser grandes


cabeças pensantes...

Mas a Igreja Católica, como o seu próprio nome indica, é uma Religião para
todos, pois Católica quer dizer Universal; não só para os sábios, mas também
para os rudes e os ignorantes. E um homem rude pode ouvir um sermão
maravilhoso sobre a Paixão de Jesus Cristo e não ficar tão comovido como ao
ver a Imagem de Cristo Crucificado, em que se pintam ao vivo os sofrimentos
que Cristo aceitou por nosso amor. Sua cabeça pode ser fraca ao guardar todas as
ideias belíssimas do orador, mas o seu coração é grande e bastante sensível para
se impressionar com a obra de arte que ele VÊ, que tem diante de seus olhos.

Padre Henrique van der Horst era vigário de Porto Calvo, em Alagoas, quando
um dia, ao entrar na sua matriz, encontrou uma camponesa debulhada em
lágrimas diante da imagem do Bom Jesus. Perguntando-lhe ele a razão de tantas
lágrimas, a matutinha exclamou: “Não está vendo o Sr. o que fizeram com Ele?
Quanta malvadeza! Como é que O fizeram ficar assim nesse estado?”

O vigário procurou aproveitar a ocasião para fazer-lhe uma exortação: “Fomos


nós que fizemos isto com os nossos pecados. Foi a Sra. também, fui eu, foram
todos os pecadores, porque Ele ficou assim para salvar a nossa alma.”
todos os pecadores, porque Ele ficou assim para salvar a nossa alma.”

Mas o sermão não foi bem entendido: “Eu não! Eu não fiz nada com Ele! Foram
os malvados que fizeram isto!”

A sua inteligência não pôde perceber todo o alcance das palavras do sacerdote;
mas o seu coração sabia expandir-se diante da imagem, na meditação dos
sofrimentos de Jesus.

E para não nos limitarmos a contar o que se passou com os outros, quem está
escrevendo estas linhas já teve ocasião de assistir a uma cena bem expressiva
nesta matéria. Era um lugarejo do interior de Pernambuco. Às quatro da tarde,
estávamos na igreja matriz, quando vimos três matutos (era um dia de feira)
deixarem à porta os seus sacos, cheios de mantimentos, porque regressavam para
casa, e começarem a percorrer o templo sagrado. Logo lhes chamaram a atenção
os quadros da Via Sacra, em que estão gravadas as cenas passadas com Jesus no
caminho do Gólgota.

Um dos visitantes, mais desembaraçado, ia procurando interpretar para os outros


as cenas que iam vendo. E entremeava as suas explicações com exclamações
como esta: “Está vendo? Ele era Deus e sofreu tanto! E nós? Nós não queremos
sofrer nada!”

Percebia-se claramente ali quanto a pintura é intuitiva para o analfabeto. Na sua


muda linguagem estava a Via Sacra fazendo o mais eloquente dos sermões.

Já S. Gregório Nazianzeno (do século IV) falava de uma mulher pecadora que se
converteu ao contemplar a imagem do mártir S. Polemon (Carmen de vita sua L
I. secção II. V. 800 segs.) e S. Gregório de Nissa (também do século IV)
declarava que jamais viu o quadro do sacrifício de Isaque, sem que as lágrimas
lhe viessem aos olhos, de modo que Basílio, bispo de Ancira, presente ao 2º
Concílio de Niceia, comentava: “Muitas vezes este Padre tinha lido a história e
não tinha chorado, mas, quando viu a pintura, chorou.” E outro Padre presente
ao mesmo Concílio acrescentava: “Se a pintura produz um tal efeito em um
mestre, como não será útil aos ignorantes e aos simples!”

Compreende-se, portanto, muito bem, que quando Sereno, bispo de Marselha,


temendo que se interpretasse mal o culto das imagens, quis proibi-las, o Papa
S. Gregório Magno (do século VI) que foi notável também pela sua grande
cultura, o tenha repreendido, dizendo: “Aquilo que para os letrados é a escrita, é
a pintura a ser vista pelos rudes, porque nela, mesmo os ignorantes veem o que
devem imitar; nela leem os que não conhecem as letras” (Epístolas LIX, 105).

E diz também o Cardeal Gibbons: “As imagens religiosas podem ser


consideradas como um catecismo para os rudes... Quando Agostinho, apóstolo
da Inglaterra, apareceu a primeira vez diante do rei Etelberto para pregar o
Evangelho, foram postas diante do pregador imagens de Cristo pendente da cruz
e outras imagens de Cristo Salvador e elas foram mais eloquentes para os olhos
dos ouvintes do que as palavras para os ouvidos.”

Para que é que se fazem as estátuas dos grandes homens e se põem aos olhos de
todos na praça pública? É para avivar sempre a sua memória e para que o
exemplo de sua vida fique sempre patente diante de todos.

É o que acontece com as imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Maria SSma
e dos santos nas nossas igrejas. Sem que ninguém precise fazer um sermão, elas
estão continuamente RELEMBRANDO seus protótipos, EVOCANDO A RECORDAÇÃO
daqueles que não devemos jamais esquecer, para copiarmos a santidade de suas
vidas.

E aqui entra o protestante com o seu espírito pirrônico: E quem pode garantir
que aquilo é o retrato fiel de Jesus, de Maria ou dos santos?

Para que a imagem produza o bom resultado de nos despertar a lembrança do


santo, não é necessário que seja A CÓPIA FIEL DAS FEIÇÕES do protótipo.

Estabeleceu-se na arte cristã de todos os tempos um sistema tradicional de


representar o Divino Redentor, sua Santa Mãe e os santos, de tal modo que sem
ser preciso colocar-se o nome no pedestal, o homem, mesmo rude, mesmo o
camponês, sabe que aquela imagem é de Jesus, aquela de Maria SSma., aquela de
S. José, ou de S. Pedro ou de S. Antônio, etc. Isto é o bastante para que evoque
imediatamente estas augustas pessoas, desperte a sua lembrança, excite
demonstrações de respeito, amor e veneração por elas.

A bandeira do país suscita imediatamente no indivíduo a lembrança de sua Pátria


querida. E para isto não é necessário que o brasileiro ou o alemão ou o japonês
veja naquela bandeira A CÓPIA FIEL de sua Pátria. É um símbolo convencional que
a representa, e é quanto basta para acender-lhe o entusiasmo patriótico.

O mesmo se dá com as imagens. Elas têm por fim excitar a devoção, alimentar a
piedade dos fiéis, fazendo-os imediatamente transportar o seu pensamento para
os protótipos que elas representam e provocando o desejo de imitá-los
sinceramente na sua vida.

Noção de ídolo e de imagem.

381. Quem vai entrar em discussão sobre uma questão qualquer (e


principalmente quem vai lançar contra outrem uma GRAVE ACUSAÇÃO) precisa ter
uma ideia bem clara sobre o significado dos termos que emprega nesta
controvérsia ou nesta acusação. Discutir sem a exata noção dos termos seria
obrigar os adversários a uma lamentável perda de tempo; acusar sem medir bem
o alcance das palavras, seria mais do que uma leviandade, uma falta de
consciência indigna de um verdadeiro cristão.

Ora, há protestantes (dizemos há protestantes, porque felizmente não são todos)


que levam o seu ódio à Igreja Católica ao ponto de acusá-la de IDOLATRIA que,
como a própria palavra está dizendo, consiste no culto de LATRIA (ou seja,
adoração no sentido rigoroso da palavra) prestada aos ÍDOLOS. É muito fácil
verificar se é exata ou não esta acusação.

Afinal, que vem a ser ídolo?

Ídolo é a figura representativa de um deus falso, à qual se presta culto. O Senhor


é grande e digno de louvores infinitos e terrível mais que todos os deuses,
porque todos os deuses das gentes são ÍDOLOS; mas o Senhor fez os Céus (1º
Paralipômenos XVI-25 e 26). Eles reputaram por deuses a todos os ÍDOLOS das
nações (Sabedoria XV-15).

Nós sabemos que, antes de Cristo, o mundo inteiro em peso caiu na idolatria, ou
seja, adoração de estátuas de Falsas divindades, as quais os homens
consideravam COMO SENDO O SEU SUPREMO SENHOR, mudando, como diz S. Paulo, a
glória de Deus incorrutível em semelhança de figura de homem corrutível e de
aves e quadrúpedes e de serpentes (Romanos I-23). A única exceção a essa geral
degenerescência da razão humana era o pequenino povo hebreu, o qual,
entretanto, de vez em quando, pelo menos em parte, caía também neste grave
pecado pela influência dos povos vizinhos, com os quais era obrigado a entrar
em contato.

Conhecemos pela História a quantidade enorme desses falsos deuses e deusas,


aos quais prestavam culto mesmo os povos mais civilizados, no
desconhecimento em que se encontravam da existência do Deus Único,
Espiritual e Eterno. Como eram entre os romanos, ou com outros nomes entre os
gregos: Júpiter, Apolo, Mercúrio, Marte, Netuno, Saturno entre os deuses; e
Juno, Vênus, Diana, Minerva, Vesta e Ceres entre as deusas. Como eram entre
os egípcios: Amon, Osíris, Hórus, Anúbis, Isis, etc. Como eram na
Mesopotâmia: Marduque, Assur, Samash, Sin, Istar, etc.

A Bíblia nos fala no nome de alguns desses ídolos adorados por povos vizinhos
dos hebreus: Baal, Astaroth, Astarte, Moloque, Camos. Os filhos de Israel,
ajuntando novos aos antigos pecados, fizeram o mal na presença do Senhor e
adoraram os ídolos, a BAAL e a ASTAROTH, e os deuses da Síria e de Sidônia e de
Moab (Juízes X-6). Salomão dava culto a ASTARTE, deusa dos sidônios, e a
MOLOQUE, ídolo dos amonitas (3º Reis XI-5). Edificou Salomão um templo a
CAMOS, ídolo dos moabitas (3º Reis XI-7).

Ora, 3 coisas verdadeiramente absurdas se notavam nesta IDOLATRIA ou adoração


dos ídolos.

A primeira é que se apresentavam como DEUSES, em contraposição com o ÚNICO E


VERDADEIRO DEUS.

A segunda é que esses deuses não correspondiam a nenhuma realidade. Nunca


existiu Júpiter, nem Baal, nem Vênus, etc, etc. Eram pura imaginação. É por isto
que diz S. Paulo: mudaram a verdade de Deus em MENTIRA (Romanos I-25).

Sendo o culto desses deuses inteiramente mentiroso, prestado a seres


completamente inexistentes e destinando-se assim a substituir a adoração do
verdadeiro Deus, a Bíblia o apresenta como sendo prestado ao próprio demônio,
PAI DA MENTIRA, que fomentava no mundo esse culto ilusório para afastar os
homens da verdadeira noção do Criador; os sacrifícios a eles oferecidos eram
endereçados aos demônios: Eles O irritavam adorando deuses estranhos e com
as suas abominações O provocaram à ira. Ofereceram sacrifícios, não a Deus,
mas aos DEMÔNIOS, aos deuses que eles desconheciam (Deuteronômio XXXII-16
e 17). Todos os deuses das gentes são DEMÔNIOS; mas o Senhor fez os Céus
(Salmos XCV-5). E serviram aos seus ídolos e lhes foi causa de tropeço. E
imolaram aos DEMÔNIOS os seus filhos e as suas filhas (Salmos CV-36 e 37). As
coisas que sacrificam os gentios, as sacrificam aos DEMÔNIOS, e não a Deus (1ª
Coríntios X-20).

A terceira é que, não correspondendo esses ídolos a nenhuma realidade, os


gentios que os adoravam, era daquelas estátuas em si mesmas que esperavam
todo poder, toda proteção, de modo que estavam convencidos de que se
desprendia daquele objeto material uma virtude, um poder mágico. E é assim
que Deus pelo profeta Isaías comenta com ironia o absurdo de um homem que
fabrica uma imagem e a considera COMO SENDO O SEU DEUS: O escultor estendeu a
sua régua sobre o pau, ele o formou com o cepilho, pô-lo em esquadria, e com o
compasso lhe deu as devidas proporções e fez dele uma imagem de varão, como
um homem bem apessoado que habita numa casa. Cortou cedros, tomou uma
azinheira e um carvalho que estivera entre as árvores dum bosque, plantou um
pinheiro, que criou a chuva. E esta árvore serviu aos homens para o fogão; ele
mesmo tomou parte das mencionadas árvores e com ela se aquentou e a
acendeu e cozeu um par de pães; e do mais que ficou FEZ ELE UM DEUS e o adorou,
fez uma estátua e prostrou-se diante dela. A metade deste pau queimou ele no
fogo e com a outra metade cozinhou as carnes que comeu; acabou de cozer as
suas viandas e fartou-se delas e aquentou-se e disse: Bom, aquentei-me, já vi
acesso o fogão. E do que ficou do mesmo pau FEZ ELE PARA SI UM DEUS e um ídolo,
diante do qual se prostra, e o adora e lhe roga, dizendo: LIVRA-ME, PORQUE TU ÉS O
MEU DEUS (Isaías XLIV-13 a 17).

Até aqui a noção de ídolo. Passemos agora à de imagem.

Imagem é um termo de significação muito ampla. Quer dizer a representação ou


semelhança expressa de um ser qualquer. Não é só qualquer estátua ou desenho
ou gravura; o sentido é tão vasto que quando nos lembramos de uma pessoa,
dizemos trazer a sua IMAGEM em nossa mente; ou quando o orador usa de belas
comparações, nós dizemos que ele emprega belas IMAGENS, ou seja, umas ideias
representando outras.

Mas, quando falamos, como agora é o caso, da questão do culto das imagens,
entendemos por esta palavra as imagens sagradas, ou de pintura ou de escultura,
que estão em uso na Igreja Católica.
São figuras representativas, NÃO DE FALSOS DEUSES, mas de Nosso Senhor Jesus
Cristo, de sua Mãe Maria Santíssima, dos anjos e dos santos.

A Igreja Católica, espalhando no mundo as ideias cristãs desde os primeiros


séculos, espalhou consequentemente a doutrina fundamental de que há um ÚNICO
E VERDADEIRO DEUS, ESPIRITUAL, INVISÍVEL, IMUTÁVEL E ETERNO, CRIADOR DE TODAS AS
COISAS.

Mas é claro que todos os grandes personagens da História e todos os fatos


relevantes para a Humanidade, têm fornecido assunto para as BELAS ARTES, como
o desenho, a pintura e a escultura; nada mais natural, portanto, do que OS
ARTISTAS CRISTÃOS procurarem expressar os grandes personagens da História do
Cristianismo, entre os quais avulta, é claro, Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-
Deus, figura central de toda a História da Humanidade. Com ele, têm que ser
lembrados os episódios sacrossantos da sua vida. Entre estes aparece, como um
dos mais belos assuntos para a arte cristã, o seu nascimento em Belém e aí já é
inseparável a sua Mãe Santíssima. Como também merecem a atenção dos artistas
os santos que ficam como um exemplo admirável para os homens pelo modo
como souberam realizar em si as virtudes cristãs e espelhar na sua vida os
ensinamentos de Jesus, bem como, segundo a nossa maneira de expressá-los, os
anjos que são os mensageiros de Deus.

Ora, sabe-se muito bem que a imagem, a representação, o símbolo valem, não
pelo que são materialmente em si, como seja um pedaço de pau ou de pano ou
um aglomerado de gesso, mas valem muito aos nossos olhos em virtude daquilo
que representam.

Portanto, querer confundir duas coisas tão diversas, como sejam:

o ídolo, isto é, a representação de uma falsa divindade, inventada pelos


demônios;

e a imagem, isto é, a representação de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Maria SSma


e dos anjos e santos;

sob o pretexto de que tudo não passa de pedaços de pau, ou de pano ou de gesso,
isto é o mesmo que dizer que:

o retrato de meu pai, ou de minha mãe ou de meu irmãos — e o retrato de um


o retrato de meu pai, ou de minha mãe ou de meu irmãos — e o retrato de um
cachorro vêm a ser a mesma coisa, porque tudo isto não passa de um pedaço de
papel, onde pousou o material fotográfico;

ou que a bandeira que simboliza a nossa querida Pátria — e o pano que serve
para a cozinheira enxugar os pratos vêm a ser a mesma coisa, porque tudo isto
vem a ser apenas um simples pedaço de pano.

As imagens valem por aquilo que representam. Por isto os ÍDOLOS eram
ABOMINÁVEIS, pois representavam os falsos deuses, que não passavam de
invenções diabólicas para a perdição dos homens. As nossas sagradas IMAGENS
são VENERADAS, porque representam REALIDADES que são dignas de todo o nosso
respeito e consideração.

E os protestantes que querem tachar de ÍDOLOS (ídolos, o que é o mesmo que


abominação aos olhos do Senhor) as nossas imagens sagradas são refutados por
outros seus companheiros de Reforma: porque há seitas, como os luteranos e
anglicanos que têm nas suas igrejas imagens iguais às que estão em uso na Igreja
Católica; se são ÍDOLOS abomináveis, por que os conservam nos seus templos?

Noção de adoração e latria.

382. Nem as nossas imagens são ídolos, como acabamos de ver, nem também o
culto que a elas prestamos é de latria ou de verdadeira adoração. É o que iremos
provar.

Sabemos todos, católicos e protestantes, que só DEVEMOS ADORAR A DEUS.

Mas o que não deixa de lançar uma certa confusão sobre o assunto é que a
palavra ADORAÇÃO pode ter vários sentidos: existe a adoração impropriamente
dita e a adoração propriamente dita.

ADORAR, por exemplo, pode significar: querer bem, ter muita estima. Um pai
pode dizer: Adoro os meus filhinhos. Um filho extremoso pode dizer: Adoro
minha santa mãe. E no entanto não estão cometendo nenhum ato de ofensa a
Deus, pois se adorar aí no caso quer dizer querer muito bem, então este pai tem
obrigação mesmo de ADORAR os seus filhinhos, isto é, querer muito bem a eles;
este filho tem obrigação de ADORAR a sua mãe, isto é, amá-la de todo o coração.
Deus mesmo quer que seja assim; o erro só haverá se estas pessoas puserem o
amor de seus filhinhos ou o amor de sua mãe acima do amor de Deus, que deve
ser superior a todos os outros amores.

É comum ouvir-se esta expressão: uma CRIATURA ADORÁVEL, que ao pé da letra


deveria indicar uma criatura digna de ser adorada, mas que, sem nenhuma
blasfêmia, exprime simplesmente isto: uma criatura que nos merece toda
simpatia, benevolência e estima.

Na linguagem bíblica, no latim e também no português antigo, a palavra ADORAR


tem igualmente o sentido de PROSTERNAR-SE, isto é, ajoelhar-se com os dois
joelhos e fazer uma inclinação de cabeça que pode ser mais ou menos profunda e
que pode ser profunda até o ponto de se fazer chegar a cabeça até o chão.
Existem vários sistemas de saudação entre os diversos povos, como seja entre
nós, por exemplo: tirar o chapéu, fazer uma inclinação de cabeça, dar um aperto
de mão, etc. Os orientais, muito mais pródigos e exagerados do que nós neste
assunto de cumprimentos, costumavam diante de personagens muito ilustres, que
mereciam grande respeito, levar a saudação até este ponto: a prosternação
completa, isto é, não só de joelhos, mas também com muito profunda inclinação
de cabeça. Daí não se segue que considerassem a pessoa que recebia tais
saudações como se fosse UMA DIVINDADE. Apenas o gesto significa isto: um
profundo respeito.

Quando dizemos que só A DEUS DEVEMOS ADORAR, não é tomando a palavra


ADORAR no sentido de prosternar-se, pois esta ADORAÇÃO IMPROPRIAMENTE DITA
aparece muito frequentemente na Bíblia, feita por pessoas dignas e servos de
Deus a outras criaturas e nunca foi intenção da Bíblia fazer propaganda de
idolatria: Levantando, porém, Jacó os seus olhos viu vir Esaú... E ele mesmo,
adiantando-se O ADOROU sete vezes prostrado por terra até chegar a seu irmão...
Chegou também Lia com seus meninos; e como que O ADORASSEM do mesmo
modo, em último lugar O ADORARAM José e Raquel (Gênesis XXXIII-1, 3 e 7). No
mesmo ponto abriu o Senhor os olhos de Balaão, e ele viu o anjo parado no
caminho com a espada desembainhada e prostrado por terra, O ADOROU
(Números XXII-31). Josué viu um anjo, em figura de homem e se lançou com o
rosto em terra e ADORANDO-O, disse: Que diz meu Senhor ao seu servo? (Josué V-
15). Tendo-se, pois, presentado ao rei esta mulher de Técua, deitou-se por terra
diante dele, e O ADOROU e disse: Salva-me, ó rei (2º Reis XIV-4). Joab,
prostrando-se por terra sobre o seu rosto, ADOROU e felicitou ao rei (2º Reis
XIV-22). Inclinou-se Betsabée profundamente e ADOROU o rei (3º Reis I-16).
Eliseu lhe disse: Toma o teu filho. Chegou-se ela e lançou-se a seus pés e O
ADOROU prostrada em terra; e tomou seu filho e saiu (4º Reis IV-36 e 37). E todo
o povo bendisse o Senhor Deus de seus pais; e se prostraram e ADORARAM a Deus
e depois AO REI (1º Paralipômenos XXIX-20).

Quando Cornélio, ao receber S. Pedro, prostrando-se aos seus pés O ADOROU


(Atos X-25) não praticou um ato pecaminoso de idolatria ou de culto divino
prestado à criatura, pois Cornélio era homem justo e temente a Deus (Atos X-
22). Pedro, porém, lhe disse: Levanta-te, que eu também sou homem (Atos X-
26). A extraordinária modéstia de S. Pedro (mais realçada ainda pelo cargo que
ocupava), a sua humildade profunda que conservou durante toda a vida, máxime
depois do pecado da negação, faziam com que o Apóstolo se sentisse
incomodado ao ver alguém diante dele desmanchar-se em saudações tão
rasgadas, quando ele, Pedro, era homem e também havia pecado.

Qual é, então, o conceito da verdadeira adoração, da adoração no sentido próprio


(que se expressa pelo termo técnico LATRIA) e que só a Deus é devida?

Latria ou ADORAÇÃO PROPRIAMENTE DITA é o ato pelo qual se tributa homenagem a


um ser, como ao Supremo Senhor de todas as coisas, ou em outras palavras,
como tendo o supremo domínio sobre nós.

É um erro, por exemplo, dizer: ajoelhar-se diante de alguém ou diante de alguma


coisa é adorar, é fazer ato de idolatria. Eu posso ajoelhar-me diante de meu pai,
de minha mãe ou de uma pessoa qualquer, para lhes pedir perdão de uma falta
que cometi; daí não se segue que eu lhes esteja prestando a adoração que só a
Deus é devida. Pois posso ajoelhar-me diante dessas pessoas, exclusivamente
por um ato de humildade, sem considerar a nenhuma delas, como sendo o
SUPREMO SENHOR DE TODAS AS COISAS. Nem mesmo, como vimos há pouco, o ato
de ajoelhar-se e curvar a cabeça até o chão indica o culto de latria, pois os
orientais faziam este gesto tão espetacular, simplesmente com a intenção de
manifestar o profundo respeito que lhes inspirava aquela criatura.

O católico, no grande dia da Sexta-feira Santa, dia em que se comemora a morte


de Nosso Senhor Jesus Cristo, pode ajoelhar-se com os 2 joelhos diante da cruz e
inclinar a cabeça; isto apenas significa o grande respeito, a especial veneração
que lhe merece a cruz do Divino Salvador, onde Ele remiu a humanidade; o seu
pensamento se volta para o Calvário, onde se deu outrora a expiação
infinitamente meritória de Cristo e quer com este ato homenagear a Cristo, que
nos salvou. Não é o fato de chamar-se esta cerimônia ADORAÇÃO DA CRUZ que
torna isto um ato de idolatria; a palavra ADORAÇÃO é aí empregada no sentido de
PROSTERNAÇÃO, assim como o verbo adorar é empregado muitas e muitas vezes na
Bíblia, como vimos, no sentido de dobrar os joelhos com profunda inclinação de
corpo: Jacó adorou a Esaú, Balaão adorou o anjo, Betsabée adorou o rei, o povo
adorou a Deus e depois ao rei, etc. Pode ser muito bronco e muito estúpido este
católico; porém mesmo assim sabe muito bem que não são aqueles dois pedaços
de madeira atravessados um no outro que constituem o seu DEUS, porque, como
diz na sua linguagem simples e ingênua o nosso povo: “Deus está no céu e na
terra e em todo lugar onde se chamar por Ele.”

Por aí se vê que a adoração propriamente dita, ou seja, o culto de latria é um ATO


INTERNO que se processa no nosso espírito, no nosso coração e ato pelo qual se
reconhece aquele Ser, como nosso Supremo Senhor, como nosso Deus, a quem
devemos a existência, a quem devemos tudo e de quem tudo esperamos.

Como somos criaturas compostas de alma e corpo, costumamos manifestar por


atos exteriores os nossos sentimentos internos. Esta adoração a Deus, podemos
manifestá-la de diversas formas, mas entre estes atos externos só há UM que por
si mesmo, indica diretamente, necessariamente o culto de latria: é o SACRIFÍCIO.
Imolava-se a vítima precisamente para isto: pra indicar com aquela vítima
sacrificada, a qual morria ou desaparecia, que o Ser cultuado é o Supremo
Senhor DA VIDA E DA MORTE. Por isto se explica muito bem que Paulo e Barnabé,
confundidos em Listra, respectivamente, com os deuses Mercúrio e Júpiter,
rasgassem as suas vestiduras e protestassem veementemente quando o sacerdote
de Júpiter, que estava à entrada da cidade, trazendo para ante as portas touros
e grinaldas, queria SACRIFICAR com o povo (Atos XIV-12).

Diante dos ÍDOLOS, ou seja, dos deuses falsos, qualquer ato externo de
homenagem que se fizesse, como seja, queimar incenso, ajoelhar-se, ou
simplesmente curvar a cabeça era um ATO PECAMINOSO, porque aqueles ídolos
eram apresentados como sendo DEUSES, como se tivesse qualquer um deles, ou
sozinho ou de parceria com outros, O SUPREMO DOMÍNIO DE TODAS AS COISAS. Quem
lhes prestava culto o prestava diretamente àquela estátua, que não correspondia a
nenhuma realidade e assim dava gosto ao demônio que se servia de tão
abomináveis invenções para afastar os homens do culto ao verdadeiro Deus,
trazendo todos os povos pagãos na mais grosseira idolatria.
Quando, porém, nós católicos que sabemos só existir um Deus, que é Espiritual e
Eterno, Supremo Senhor de todas as coisas e só a Ele prestamos o culto de latria,
cercamos de carinho e veneração as sagradas imagens de Jesus Cristo, sabemos
muito bem que não é aquela imagem, mas sim o seu protótipo, Jesus, que é o
Supremo Senhor do Universo, Autor da Vida e da morte. Diante da imagem de
Maria SSma. E dos santos, sabemos muito bem que nem aquela imagem, nem o
seu protótipo é o Supremo Senhor do Universo. Isto, porém, não nos impede de
mostrar-lhes o nosso amor, de fazer-lhes as nossas súplicas, diante destas
venerandas representações e imagens que tanto nos excitam ao fervor e à
devoção.

E quando afirmamos categoricamente que não estamos prestando a estas


imagens um culto de latria, é inútil que venham os protestantes teimar conosco,
querendo convencer-nos de que o nosso culto é de verdadeira adoração. Pois a
adoração é um sentimento interno, e os protestantes não podem saber melhor do
que nós mesmos (e Deus) aquilo que realmente se passa no nosso íntimo, no
interior do nosso coração.

A adoração em espírito e verdade.

383. E é precisamente porque a verdadeira adoração se processa NO NOSSO


ÍNTIMO,que Nosso Senhor disse estas palavras: A hora vem, e agora é, quando os
verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai EM ESPÍRITO E VERDADE: porque tais
quer também o Pai que sejam os que O adorem. Deus é espírito, e em espírito e
verdade é que O devem adorar os que O adoram (João IV-23 e 24).

Nosso Senhor se refere aí à transformação que vem trazer o Cristianismo,


substituindo-se àquela religião de meras exterioridades em que tinha caído o
judaísmo: Este povo honra-me com os lábios; mas seu coração está longe de
mim (Mateus XV-8). Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que dizimais a
hortelã e o endro e o cominho e haveis deixado as coisas que são mais
importantes da lei, A JUSTIÇA, e A MISERICÓRDIA e A FÉ: estas coisas eram as que vós
devíeis praticar sem que, entretanto, omitísseis aquelas outras (Mateus XXIII-
23). Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque alimpais o que está por
fora do copo e do prato, e por dentro estais cheios de rapinas e de imundícias
(Mateus XXIII-25).
Apesar de praticarem muitos atos exteriores de religiosidade, não praticavam os
judeus A VERDADEIRA ADORAÇÃO; esta consiste em que a nossa alma esteja
totalmente SUBMISSA a Deus: a nossa inteligência, pela fé na sua palavra infalível;
o nosso coração, pelo amor a Ele acima de todas as coisas; o nosso espírito, pela
resignação à sua vontade; toda a nossa vida, pela exata observância dos seus
mandamentos. Isto é que é realmente reconhecer a Deus como Supremo Senhor
nosso e Supremo Senhor de todas as coisas.

Verdadeiro adorador , em qualquer época, em qualquer país, é aquele que se


acha no estado de GRAÇA SANTIFICANTE, isto é, em situação de amizade com Deus,
com os seus pecado perdoados e com o firme propósito de jamais voltar a
cometê-los. Porque aquele que está no estado de pecado mortal não pode dizer,
em toda a extensão da palavra, que RECONHECE O SUPREMO DOMÍNIO DE DEUS sobre
a sua alma; se reconhece em teoria, não quer reconhecê-lo na prática, nas suas
ações, no seu modo de agir, antes se coloca sob a servidão do demônio, pois,
como disse a Sabedoria Eterna: Todo o que comete pecado é escravo do pecado
(João VIII-34). E é por isto que diz S. Paulo, a respeito daqueles que têm
contaminadas tanto a sua mente quanto a sua consciência: eles confessam que
conhecem a Deus, mas NEGAM-NO com as obras (Tito I-15 e 16).

A Igreja tem as belas cerimônias de sua liturgia, para a qual contribuem todas as
artes: arquitetura, pintura, escultura, música, eloquência, etc, todas a serviço do
sentimento religioso que ela procura infundir nos seus filhos fiéis. Aliás, o centro
de toda a liturgia é Jesus Cristo realmente presente na Hóstia Consagrada, que é
objeto da nossa adoração, do culto de latria, porque é a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade.

Mas ao mesmo tempo que nos emociona com as suas cerimônias, ela nos lembra
sempre que isto é um meio e não um fim; ela quer sobretudo chegar à
PURIFICAÇÃO DA ALMA e à sua TOTAL DEDICAÇÃO A DEUS. Esta purificação da alma
se opera com a confissão bem feita, a qual só É POSSÍVEL quando o cristão não só
está sinceramente arrependido de seus pecados, mas está sinceramente resolvido,
custe o que custar, a jamais voltar a cometê-los. Recuperando assim a GRAÇA
SANTIFICANTE que havia recebido no Batismo, o católico se habilita a ser um
VERDADEIRO ADORADOR numa total submissão a Deus, e quanto mais santo for
interiormente, tanto mais prefeita será a sua adoração. Por isto a Igreja OBRIGA os
fiéis a se confessarem ao menos uma vez cada ano; e insiste sempre pela prática
da confissão frequente e da comunhão, até mesmo quotidiana.
E nos meios eclesiásticos é considerado o povo MAIS CATÓLICO, não aquele em
que maior número de pessoas comparecem à igreja, mas aquele em que maior
número de pessoas, devidamente preparadas pela confissão bem feita, se
aproximam da mesa eucarística. Se nesse meio vai alguém que não o faz com a
devida sinceridade, não temos o poder de adivinhar o que se passa no coração
dos outros, mas já é um sinal de que os verdadeiros adoradores, Deus é que bem
os conhece e a adoração é uma coisa toda interna.

Os protestantes, no seu velho sistema de interpretar as passagens da Bíblia tendo,


antes de tudo, o pensamento de ver em cada uma delas um meio de censurar e
combater a Igreja Católica, tomam a palavra de Jesus no sentido de que está
condenado todo e qualquer culto externo (o que, aliás, eles próprios protestantes
na prática não o fazem, pois também se reúnem, oram em público e cantam
hinos, etc) e ficam muito anchos e satisfeitos com a ideia de que, tendo as
paredes de suas igrejas completamente nuas e não tendo cerimônias
impressionantes como o Catolicismo, são eles os únicos VERDADEIROS
ADORADORES a que se refere Jesus.

Mas é o caso de perguntar: será isto que resolve a questão? Se ADORAR é


reconhecer o supremo domínio de Deus, é reconhecer a Deus como Supremo
Senhor da nossa inteligência, do nosso coração, da nossa vida, suponhamos que
um protestante, com esta ampla autorização que tem, pelo LIVRE EXAME, de
interpretar a Bíblia como bem entende, se põe a TORCER a palavra de Deus, diante
de uma doutrina de Jesus, em que não quer acreditar. Será um verdadeiro
adorador? Não; porque não quer reconhecer a Deus, como Supremo Senhor de
sua inteligência; em vez de adorar a Deus, Verdade Infalível, adora o ídolo de
sua opinião própria. Nem venham os protestantes afirmar que ninguém no
Protestantismo TORCE as palavras da Bíblia. Eles próprios têm que reconhecer
que existe no seu seio quem o faça. Pois se há seitas que creem na Santíssima
Trindade e outras que a negam; se há seitas que admitem a divindade de Jesus e
outras que a rejeitam; se há seitas que admitem a existência do inferno, a
presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a necessidade das boas obras para a
salvação, a indissolubilidade do matrimônio, a imortalidade da alma, a
sobrenaturalidade da graça, etc, e há outras que negar estes pontos, é sinal de que
aí neste meio há gente TORCENDO o sentido da Bíblia, a não ser que Cristo tenha
falado de maneira duvidosa exclusivamente para isto: para a sua doutrina andar
sempre assim numa eterna discussão. Ora, isto é claramente inadmissível.
Suponhamos que mesmo com suas igrejas de paredes branqueadas e com a
ausência de cerimônias litúrgicas, haja um protestante que vive enganando os
outros em matéria de dinheiro, ou que vive escravizado a uma paixão carnal e
desonesta. Será um verdadeiro adorador? Não; porque S. Paulo é o primeiro a
nos dizer que há pecados que equivalem ao culto dos ídolos: Nenhum fornicário
ou imundo, ou avaro, O QUE É CULTO DE ÍDOLOS, não tem herança no reino de
Cristo e de Deus (Efésios V-5).

Não é nosso intuito com estas hipóteses humilhar nem ofender aos protestantes.
Absolutamente não! Há católicos errados e há protestantes errados; é a
consequência inevitável da fragilidade humana. Mas quererem alguns insinuar
que todo homem, abraçando uma seita chamada “evangélica” se torna ipso facto
uma criatura angélica e impecável, que no seio do Protestantismo só há puros e
perfeitos, que o cristão logo que se convence que já está salvo por Jesus, se torna
uma nova criatura, modelo de virtudes, isto é conversa para boi dormir. Nesta
canoa ninguém embarca. E quanto à Igreja Católica, ela mesma é que ensina os
seus filhos a rezar assim: pequei, Senhor, muitas vezes por pensamentos,
palavras e obras, por minha culpa, por minha culpa, por minha tão grande culpa!

O que queremos frisar aqui é simplesmente isto: que não é o fato de frequentar
igrejas lisas ou de não assistir a cerimônias litúrgicas, que faz de um homem UM
VERDADEIRO ADORADOR. E que a adoração é uma COISA INTERNA, é um sentimento
da alma e do coração, é o reconhecimento, no nosso íntimo, do supremo domínio
do Ser a quem nós adoramos. Não é o fato de nos ajoelharmos, de nos
curvarmos, de trazermos ofertas ou acendermos velas que constitui a adoração.

E o católico, por mais rude e ignorante que seja, sabe muito bem que não é
aquela imagem que está no altar, a qual não vê, não sente, não ouve, não fala,
não tem inteligência, nem sensibilidade, não é aquela imagem que tem o
supremo domínio sobre a sua alma, sobre a sua vida. Se os pagãos caíram neste
erro tão grosseiro, a respeito de seus ÍDOLOS, isto mostra apenas a
degenerescência em que tinha caído a razão humana antes da doutrinação de
Jesus Cristo, o que serviu para mostrar quanto era necessária a vinda do
Salvador.

Sabe muito bem o católico que não é aquela imagem que o ouve, bem que o
socorre; mas ela serve para ele erguer melhor o seu pensamento ao protótipo que
ela representa. E assim como ficaríamos alegres, se soubéssemos que alguém
ela representa. E assim como ficaríamos alegres, se soubéssemos que alguém
cercou de flores o nosso retrato ou quis diante dele render-nos carinhosa
homenagem, Jesus Cristo, a Virgem Maria e os santos só podem receber com
agrado as homenagens que lhes prestamos diante de suas sagradas e venerandas
imagens, que tão insistentemente estão avivando aos nossos olhos a sua memória
e a sua recordação.

Lei de Deus a que estamos sujeitos.

384. Finalmente, antes de examinarmos o texto da Bíblia que os protestantes


apresentam pretendendo demonstrar com ele que É CONTRÁRIO À LEI DE DEUS o
culto que os católicos prestam às imagens, precisamos relembrar o que já
dissemos nos nos 111 a 113, isto é, que a lei de Deus ou se entende LEI NATURAL
que todo homem traz na sua consciência, no seu coração, ou LEI MOSAICA dada
aos judeus, ou LEI CRISTÃ que nos é imposta por Nosso Senhor Jesus Cristo no
Novo Testamento.

A lei natural proíbe a IDOLATRIA. Mesmo independentemente da fé, a razão nos


diz que só existe UM DEUS, o qual fez todas as coisas e só a Ele é que podemos
adorar, isto é, RECONHECÊ-LO COMO SUPREMO SENHOR DE TODAS AS COISAS. Mas não
nos proíbe homenagear um homem ilustre através de sua estátua, desde que esta
veneração à estátua não consista em adorá-lo, como se fosse um deus. Logo, a
lei natural não proíbe o culto das imagens, como é praticado na Igreja Católica.

Quanto à lei mosaica, já sabemos (nº 117) que foi abolida (veja-se Atos XV-5 a
29).

Não se pode, por conseguinte, apresentar o uso do culto das imagens como
condenados por Deus, só pelo fato de que tenham sido proibidos no Antigo
Testamento, NA LEI DE MOISÉS. Como se prova que tudo o que era proibido aos
judeus no Antigo Testamento é proibido também a nós? A usar deste argumento,
deveriam os protestantes ensinar que nos é proibido comer carne de lebre, de
camelo ou de porco, bem como todos os peixes que não tenham barbatanas nem
escamas (Deuteronômio XIV-7, 8 a 10), que é proibido lavrar com boi e burro ao
mesmo tempo, ou vestir qualquer tecido de lã com linho (Deuteronômio XXII-
10 e 11), que é proibido ao filho bastardo entrar na congregação do Senhor até a
décima geração (Deuteronômio XXIII-2), que não é lícito semear o campo com
sementes diversas (Levítico XIX-19) ou rapar a barba (Levítico XIX-27), etc,
etc. Tudo isto está proibido pela Bíblia no Antigo Testamento, mas estas leis não
nos atingem.

A Lei Antiga está cheia também de preceitos que não vigoram mais, como a
circuncisão, bem como cerimônias especiais para a mulher que dá à luz (Levítico
XII-1 a 8), etc.

E é conhecida a luta de S. Paulo contra os judaizantes, que queriam à fina força


obrigar os cristãos a obedecer à lei de Moisés, que havia sido abolida.

Para provar, portanto, que a nós, cristãos, é proibido o culto das imagens, é
preciso provar que ele é proibido pela LEI DE CRISTO.

— Pois é precisamente o que vamos fazer, dirão os protestantes.

O culto das imagens é proibido nos 10 mandamentos. Ora, os dez mandamentos


fazem parte da lei de Cristo, porque Nosso Senhor disse ao moço do Evangelho:
Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17). Logo, o
culto das imagens é proibido pela lei de Cristo.

— É o caso de dizer: Deste versículo da Bíblia, que encerra a palavra infalível de


Jesus, vocês se lembram agora, porque querem acusar os católicos de transgredir
um mandamento; por que não se lembram dele, quando vivem a pregar que só a
fé, e não a observância dos mandamentos, é necessária para a salvação?

Sim, os 10 mandamentos estão de pé na lei cristã, não há dúvida alguma; não,


porém, na mesma forma ou com os mesmos termos em que vigoraram para os
judeus outrora, pois o Divino Mestre refundiu e aperfeiçoou os preceitos do
Decálogo. É o que demonstraremos daqui a pouco (nº 389). Antes, porém,
queremos ver como é que vocês, protestantes, nos provam que o uso e o culto
das imagens, tal qual se observam na Igreja Católica, são condenados pelo texto
dos 10 mandamentos.

Examinemos
O texto do Êxodo
que, para o nosso caso, não tem nenhuma diferença do texto do Deuteronômio
(V-7 a 9):

$^3$ Não terás DEUSES ESTRANGEIROS diante de mim. $^4$ Não farás para ti
IMAGENS DE ESCULTURA, NEM FIGURA ALGUMA DE TUDO O QUE HÁ EM CIMA NO CÉU E DO
QUE HÁ EM BAIXO NA TERRA, NEM DE COISA QUE HAJA NAS ÁGUAS DEBAIXO DA TERRA. $^5$
NÃO AS ADORARÁS NEM LHES DARÁS CULTO, porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus
forte e zeloso que vinga a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta
geração daqueles que me aborrecem (Êxodo XX-3 a 5).

Versículos 3º e 4º.

385. Vê-se claramente que estas imagens de que Deus fala no versículo 4º são
as imagens dos DEUSES ESTRANGEIROS, de que falou no versículo 3º. Se no
versículo 4º Deus diz que não façam imagem de escultura, NEM FIGURA DE COISA
ALGUMA QUE HAJA OU NO CÉU, OU NA TERRA OU NAS ÁGUAS, entende-se que Deus não
fala aí de qualquer espécie de desenho ou de pintura ou de escultura (assim
estaria proibindo até os termos em casa o retrato de nossos pais, ou qualquer
pintura decorativa representando flores ou peixes ou frutos, etc), mas sim de
ídolos, de figuras de deuses falsos. Estes ídolos tomavam aqui e acolá inúmeras
formas de pessoas, ou de animais, ou de astros do céu, ou de outras coisas. Tudo
era deus, exceto o próprio Deus, como disse Bossuet. Por isto Deus proíbe os
deuses estrangeiros, SEJA QUAL FOR A FORMA SOB A QUAL ELES SE APRESENTEM.

E a prova de que Deus aí não se refere a qualquer imagem, a qualquer pintura, a


qualquer semelhança, está no fato de que Deus mesmo mandou Moisés FAZER
uma serpente de metal (se há proibição de fazer qualquer figura ou semelhança
de tudo que há em cima no céu, e DO QUE HÁ EM BAIXO NA TERRA, a serpente é um
animal que há em baixo na terra): E o Senhor lhe disse: FAZE UMA SERPENTE DE
METAL e põe-na por sinal: todo o que sendo ferido olhar para ela, viverá. Fez,
pois, Moisés UMA SERPENTE DE METAL e pô-la por sinal e os que, estando feridos,
olhavam para ela, saravam (Números XXI-8 e 9).

Esta imagem de serpente em escultura era prefigurativa de Jesus pregado na


cruz: Como Moisés no deserto levantou a serpente, assim importa que seja
levantado o Filho do Homem, para todo o que crê nEle não pereça, mas tenha a
vida eterna (João III-14 e 15).

Deus mandou Moisés fazer também dois querubins de ouro (portanto IMAGENS de
anjos EM ESCULTURA) para cobrirem o propiciatório: Farás também DOIS QUERUBINS
DE OURO TRABALHADOS AO MARTELO, nas duas extremidades do oráculo. Um
querubim estará a um lado, outro ao outro. Cubram ambos os lados do
propiciatório com asas estendidas, e cobrindo o oráculo estarão olhando um
para o outro com os rostos virados para o propiciatório, com o qual se cobrirá
a arca (Êxodo XXV-18 a 20).

Salomão, quando construiu o templo, mandou também fazer, por sua própria
conta e risco, alguns querubins, bem como diversas figuras na parede: E pôs no
oráculo DOIS QUERUBINS de pau de oliveira, de dez côvados de altura... Cobriu
também de ouro os querubins; e fez esculpir todas as paredes do templo em roda
de entalhes e molduras, e nelas fez QUERUBINS E PALMAS e DIVERSAS FIGURAS, como
sobrepujando e saindo da parede (3º Reis VI-23, 28 e 29). Entre estas figuras
que havia no templo, estavam leões e bois que são animais que existem aqui em
baixo na terra: E entre as coroas e laçadas havia LEÕES e BOIS e querubins (3º
Reis VII-29).

Ora, isto não foi do desagrado de Deus, pois quando Salomão terminou o templo
e fez para lá a solene trasladação da arca, aconteceu que, logo que os sacerdotes
saíram do santuário, uma névoa encheu a casa do Senhor; e os sacerdotes não
podiam ter-se em pé nem fazer as funções do seu ministério por causa da névoa,
porque A GLÓRIA DO SENHOR TINHA ENCHIDO A CASA DO SENHOR. Então disse Salomão:
O Senhor disse que Ele habitaria numa névoa (3º Reis VIII-10 a 12).

Portanto, quando os protestantes dizem, procurando impressionar a gente


simples: Os católicos estão contra a Bíblia, porque a Bíblia proíbe FAZER IMAGENS
e eles fazem imagens de Jesus Cristo, de Maria SSma., dos anjos e dos santos,
trata-se de uma acusação muito fora de propósito. Deus proibiu aí no texto do
Êxodo fazer imagens dos DEUSES ESTRANGEIROS, pois é dos deuses estrangeiros
que Ele está falando. E a prova é que Ele mesmo mandou fazer outras imagens e
Deus não cai em contradição consigo mesmo. Nem se concebe que Deus, tendo
horror a quaisquer imagens, como querem os protestantes, fosse o primeiro a
mandar fabricá-las.
E basta ler com atenção o Pentateuco, se não quisermos falar em todo o Antigo
Testamento, para ver como a grande preocupação, se assim se pode dizer, de
Deus, era fazer com que aquele povo pequenino, como era o seu povo escolhido,
cercado, como estava, de tantos povos idólatras, pois o eram todas as nações do
mundo, não se deixasse contaminar pelo exemplo dos outros, adorando os
deuses estranhos: Lançai fora os DEUSES ESTRANHOS que estão no meio de nós
(Gênesis XXXV-2). Não fareis para vós DEUSES DE PRATA NEM DEUSES DE OURO
(Êxodo XX-23). O meu anjo caminhará adiante de ti e ele te introduzirá na
terra dos amorreus, dos heteus dos ferezeus, dos cananeus, dos heveus, dos
jebuseus, os quais eu destruirei. NÃO ADORARÁS OS SEUS DEUSES NEM LHES DARÁS
CULTO, não imitarás as suas obras, mas destruí-los-ás e quebrarás as suas
estátuas (Êxodo XXIII-23 e 24). Eu entregarei nas vossas mãos os habitantes da
terra e os expulsarei da vossa vista... Não habitem na tua terra, para que te não
façam pecar contra mim, servindo AOS SEUS DEUSES (Êxodo XXIII-31 e 33). Não
adores a DEUS ALHEIO. O Senhor tem por nome Zelador, Deus é zeloso (Êxodo
XXXIV-14). Não vos volteis para os ídolos, nem façais para vós DEUSES
FUNDIDOS. Eu sou o Senhor vosso Deus (Levítico XIX-4) até nos SEUS DEUSES
tinha exercitado a sua vingança (Números XXXIII-4). Não seguireis os DEUSES
ESTRANGEIROS de alguma das nações que estão à roda de vós (Deuteronômio VIII-
19). E lá servirás a DEUSES ESTRANHOS, ao pau e à pedra; e ver-te-ás na última
miséria, como o ludíbrio e a fábula de todos os povos, onde o Senhor te houver
levado (Deuteronômio XXVIII-36 e37). Eles O irritaram adorando DEUSES
ESTRANHOS e com a suas abominações O provocaram à ira (Deuteronômio
XXXII-16).

Versículo 5º.

386. Vejamos agora o versículo 5º: Não adorarás, nem LHES prestarás culto,
porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forte e zeloso que vinga a iniquidade
dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem
(Êxodo XX-5).

Já que o versículo 3º se refere aos deuses estrangeiros: NÃO TERÁS DEUSES


ESTRANGEIROS diante de mim (Êxodo XX-3);

já que o versículo 4º: Não farás para ti imagem de escultura, NEM FIGURA ALGUMA
DE TUDO O QUE HÁ EM CIMA NO CÉU E DO QUE HÁ EM BAIXO NA TERRA, NEM DE COISA QUE
HAJA NAS ÁGUAS DEBAIXO DA TERRA(Êxodo XX-4), como já provamos, se refere a
imagens de escultura ou figuras destes mesmos deuses estrangeiros;

está claro que a proibição de prestar culto, que lemos no versículo 5º: Não as
adorarás, nem LHES darás culto (Êxodo XX-5) se refere a imagens ou figuras
destes mesmo deuses pagãos. Bastam os pronomes AS, LHES para nos mostrar que
é àquelas imagens de que fala o versículo anterior que é proibido prestar culto.
No versículo anterior, Deus proibiu FAZER tais ídolos. Mas podia a acontecer que
os judeus, nas suas viagens ou recebendo visitas de gente de outros povos, se
deparassem com tais ídolos que eles, judeus, não tinham fabricado, mas que
foram feitos pelos outros. Ou podia acontecer que alguém, mesmo no seio do
povo israelita, teimasse em fazer tais ídolos. Neste caso era preciso que
soubessem os judeus que também lhes estava proibido, tanto o adorá-los, como o
prestar-lhes qualquer culto.

E a prova de que Deus se refere a estes ídolos, a estas representações de deuses


estranhos, está na razão que Deus lhes apresenta: Não as adorarás, nem lhes
darás culto, PORQUE EU SOU O SENHOR TEU DEUS (Êxodo XX-5). O que mostra
muito bem que, sendo Ele o único Deus dos israelitas, não quer entrar em pé de
igualdade com DEUSES ESTRANHOS, nem quer ser substituído por eles.

Os protestantes provariam que aí Deus está proibindo aos católicos fazer


imagens de Jesus Cristo, de Maria SSma e dos anjos e santos e reverenciá-las, se
conseguissem provar que estas imagens, venerandas e sagradas pelas pessoas
que representam, são imagens daqueles DEUSES ESTRANGEIROS, que eram pura
invenção do demônio, para afastar os homens do culto do Deus verdadeiro, culto
este que nós, católicos, Lhe prestamos, reconhecendo o Seu supremo domínio
sobre todas as coisas e reservando a Ele, só a Ele, o culto de LATRIA, ou seja, de
verdadeira adoração. Nós não substituímos o culto de Deus pelo de outros
deuses, nem pelo de nenhuma criatura.

Diante, portanto, da legítima interpretação do texto, não há aí nenhuma proibição


do culto das imagens, tal como é compreendido e praticado pela Igreja que
Cristo fundou, ou seja, a Igreja Católica.

A interpretação protestante.
387. Analisemos agora a interpretação que os protestantes dão ao texto.
Não é a interpretação verdadeira; mas ainda mesmo que o fosse, a proibição
contida neste texto do ANTIGO TESTAMENTO não nos atingiria, assim como eles
também não se sentem atingidos por ela. É o que iremos provar.

Os protestantes separam completamente os dois versículos:

Não terás deuses estrangeiros diante de mim (Êxodo XX-3) é uma ordem;

Não farás para ti IMAGEM DE ESCULTURA, NEM FIGURA ALGUMA DE TUDO O QUE HÁ EM
CIMA NO CÉU E DO QUE HÁ EM BAIXO NA TERRA, NEM COISA QUE HAJA NAS ÁGUAS debaixo
da terra (Êxodo XX-4) é outra ordem que nada tem que ver com o versículo
anterior.

Aqui o homem rude logo se atrapalha com o sentido da palavra IMAGEM; e desta
confusão se aproveita o protestante.

Hoje, quando falamos em IMAGEM, logo nos lembramos das imagens sagradas,
que vemos nas igrejas católicas. Era justamente o que não existia naquele tempo.
Não havia imagem de Jesus Cristo, nem da Virgem Maria, nem de S. Pedro ou
de S. Antônio ou de S. Francisco, etc, etc, por uma razão muito simples: nem
Jesus Cristo como homem, nem Maria SSma., nem nenhum desses santos existia
ainda. Havia, sim, os anjos, DOS QUAIS, como vimos, DEUS MESMO MANDOU FAZER
IMAGENS.

Imagem aí no texto se toma no sentido geral: representação de um ser,


mostrando-lhe a semelhança. Uma imagem de escultura é, por exemplo, a
estátua de um homem; é um animal qualquer: um cachorro, um elefante, um
carneiro feito de gesso ou de madeira ou de prata ou de ouro, etc.

Desde que acha o protestante que também para nós está proibido fazer qualquer
imagem de escultura, então estão proibidas todas as estátuas. São condenadas
pela lei de Deus... É preciso acabar com elas... São proibidos todos os animais
feitos por escultura. Entrando numa casa, onde encontra na sala um gato ou um
leão ou um boi fabricado em gesso ou em madeira ou em metal, o “evangélico”
deve protestar indignado, porque toda imagem de escultura é proibida por Deus.
Tem que acabar, portanto, a profissão de ESCULTOR, como sendo uma profissão
de homens rebeldes e pecadores, que vivem fazendo justamente aquilo que Deus
proíbe no seu mandamento.

Mas não são somente os escultores que entram na dança; entram também todos
OS PINTORES, DESENHISTAS, GRAVADORES e FOTÓGRAFOS, porque o texto não proíbe
somente qualquer imagem de escultura, mas proíbe qualquer FIGURA, seja de
criaturas humanas, seja de astros, seja de animais ou de plantas, seja lá do que
for, pois continua assim NEM FIGURA ALGUMA DE TUDO O QUE HÁ EM CIMA NO CÉU E DO
QUE HÁ EM BAIXO NA TERRA, NEM DE COISA QUE HAJA NAS ÁGUAS (Êxodo XX-4).

Entrando no ateliê de um pintor e encontrando-o a pintar uma figura humana, o


protestante terá que dizer: é proibido; não podes fazer isto.

E se ele disser: ao menos, deixe-me pintar um peixe ou outro animal qualquer,


uma planta; ao menos, uma flor.

— Não; nada disto é permitido. Não se pode fazer a figura de coisa alguma: nada
do que há em baixo na terra, nada do que há nas águas.

Os livros ilustrados, bem como as fotografias, as gravuras, os desenhos que


aparecem nas revistas ou jornais, bons ou maus são proibidos.

Ora, esta interpretação é evidentemente absurda.

Não foi assim; Deus só proibiu fazer figuras de DEUSES ESTRANGEIROS, fosse qual
fosse a forma sob a qual se apresentassem.

E mesmo que se quisesse dizer que Deus falava sobre qualquer imagem ou
figura em geral, ainda se podia conceber que houvesse esta proibição PARA OS
JUDEUS num tempo em que não havia ainda imprensa nem fotógrafos. Podia-se
ainda imaginar que Deus, diante do grande perigo em que estavam os judeus de
cair na idolatria pelo exemplo dos povos vizinhos, proibisse a este pequenino
povo a arte dos pintores e dos escultores, a fim de se evitar a ocasião de pecado.
Seria então UM PRECEITO POSITIVO SÓ PARA ELES E OCASIONADO PELAS
CIRCUNSTÂNCIAS. Mas querer fazer daí um preceito geral para todos os tempos,
mesmo para os povos cristãos e civilizados que não estão mais, pelo simples fato
de ver uma pintura ou uma estátua, em perigo de cair na idolatria, seria
evidentemente cair no ridículo.
O protestante, portanto, se não quer admitir que este versículo 4º se refere aos
DEUSES ESTRANGEIROS, mencionados no versículo precedente, fazendo parte,
portanto, da LEI NATURAL, como é em geral todo o decálogo, tem que admitir que
se trata de um preceito positivo só para os judeus. A não ser que queira
apresentar como abomináveis e condenadas por Deus todas as estátuas, todos os
objetos de adorno em forma de figuras humanas ou de animais, todos os
brinquedos de criança feitos no mesmo sistema, todas as pinturas, todas as
gravuras de livros, todas as fotografias...

Ainda o versículo 5º.

388. Mas dirá o protestante: Deus não proíbe somente fazer imagens. Proíbe
PRESTAR-LHES CULTOno versículo 5º: Não as adorarás, NEM LHES DARÁS CULTO
(Êxodo XX-5). E os católicos prestam culto às imagens.

— É o caso de perguntar: Se você é obrigado a admitir (para não cair no


ridículo) que o versículo 4º é endereçado SÓ AOS JUDEUS, como pode provar agora
que o versículo 5º, ou seja, a proibição de prestar culto às imagens, não é
também um preceito só para eles? Este versículo 5º está não só logicamente, mas
também GRAMATICALMENTE ligado ao versículo 4º. Um preceito que era SÓ PARA OS
JUDEUS não nos atinge a nós, cristãos.

Os dez mandamentos.

389. Os dez mandamentos sempre estiveram, estão e estarão de pé para todos os


homens, ou se achem estes sob a lei natural, ou sob a lei mosaica, ou sob a lei de
Cristo.

Mas assim como não vigoram da mesma forma sob a lei natural como à luz da
revelação (neste último caso são conhecidos com mais nitidez), assim também
não vigoram para nós, cristãos, exatamente da mesma forma em que vigoravam
para os judeus. Estão em vigor na forma em que nos são propostos no Evangelho
por Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o nosso Legislador e nosso Mestre.

Há, então, diferença entre os mandamentos de Deus, tais quais foram impostos
aos judeus e tais quais nos são ensinados por Jesus Cristo?

É claro que sim; pois o Divino Mestre refundiu e aperfeiçoou os preceitos do


É claro que sim; pois o Divino Mestre refundiu e aperfeiçoou os preceitos do
Decálogo.

Consideremos, por exemplo, a questão do descanso semanal. Era preceituado


com muito rigor na Lei Antiga. E os protestantes devem reconhecer, pela leitura
do Evangelho, como Jesus Cristo dá uma nova interpretação à lei do repouso no
dia do Senhor, lei que permanece, porém de maneira mais benigna, pois o
Mestre nos ensina que o preceito da caridade é superior a ela: Logo, é lícito FAZER
BEM nos dias de sábado (Mateus XII-12). O sábado foi feito em contemplação do
homem, e não o homem em contemplação do sábado (Marcos II-27).

Já o contrário se dá com o 5º mandamento [57] que dizia simplesmente: Não


matarás (Êxodo XX-13) e agora se tornou muito mais rigoroso. Na Lei Antiga
se permitia que se tivesse ódio aos inimigos, ódio aos gentios, pois Nosso
Senhor, como se vê pela parábola do Samaritano (Lucas X-29 a 37) é que veio
alargar a noção da palavra: O PRÓXIMO. Na Lei Nova de Nosso Senhor Jesus
Cristo não se proíbe só O MATAR, proíbe-se qualquer sentimento de ódio contra o
próximo, sendo o próximo qualquer pessoa: Ouvistes que FOI DITO AOS ANTIGOS:
NÃO MATARÁS e quem matar será réu no juízo. Pois eu digo-vos que todo o que SE
IRA contra seu irmão será réu no juízo (Mateus V-21 e 22). Tendes ouvido que
foi dito: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai pelos que
vos perseguem e caluniam para serdes filhos de vosso Pai que está nos Céus
(Mateus V-43 a 45).

O mesmo se dá com o preceito da castidade que se torna muito mais rígido. O


texto do Êxodo que citam os protestantes e que traz os mandamentos diz
simplesmente: não fornicarás (Êxodo XX-14). Fala somente sobre os pecados
de AÇÃO. Jesus nos mostra no Evangelho que são condenados até os pecados por
pensamento: ouvistes que FOI DITO AOS ANTIGOS: NÃO ADULTERARÁS. Eu, porém, digo-
vos que todo o que olhar para uma mulher cobiçando-a, já no seu coração
adulterou com ela (Mateus V-27 e 28).

O 4º mandamento é proposto no Êxodo com uma promessa que só vale para os


judeus, promessa de vida longa na terra que lhes era reservada, promessa esta
que não está vigorando, é claro, para nós, pois as promessas do Novo
Testamento são de vida eterna: Honrarás a teu pai e a tua mãe, PARA TERES UMA
DILATADA VIDA SOBRE A TERRA que o Senhor teu Deus te há de dar (Êxodo XX-12).

Agora perguntamos: Já que o assunto de que falamos é o 1º mandamento,


quando indagavam a Nosso Senhor Jesus Cristo, Legislador e Salvador nosso,
que nos veio trazer a sua lei, que veio aperfeiçoar a lei de Moisés, qual era o
primeiro e o mais importante mandamento da lei, Nosso Senhor respondia assim:
não terás deuses estrangeiros diante de mim. Não fará para ti imagem de
escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima no céu e do que há em
baixo na terra, nem de coisa que haja nas águas debaixo da terra. Não as
adorarás, nem lhes darás culto (Êxodo XX-3 a 5)? Não. Havia um preceito
muito mais importante do que esse. Não ter outros deuses, não cometer idolatria
ainda é muito pouco.

O moço a quem Jesus disse: Se tu queres entrar na vida, guarda os


mandamentos (Mateus XIX-17). Pergunta-lhe quais são estes mandamentos. O
Mestre, para identificá-los, diz: Não cometerás homicídio; não adulterarás; não
cometerás furto; não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe, e
amarás a teu próximo como a ti mesmo (Mateus XIX-18 e 19).

Às prescrições do capítulo XX do Êxodo, Jesus ajunta um precioso versículo do


Levítico (XIX-18): Amarás a teu próximo como a ti mesmo — que vai ter um
papel de relevância na Nova Lei, mas nenhuma alusão faz aos primeiros
mandamentos (e os mais importantes) referentes a Deus, não que estes
mandamentos fossem abolidos, mas porque na Nova Lei tomam redação melhor
e mais perfeita, não já do capítulo 20º do Êxodo, mas de outra parte do Antigo
Testamento (Deuteronômio VI-5).

Quando perguntavam a Nosso Senhor qual era o primeiro e o máximo


mandamento, ele respondia, como respondeu ao doutor da lei: Amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma e de todo o teu
entendimento. Este é o máximo e o primeiro mandamento. E o segundo
semelhante a este é: Amará a teu próximo como a ti mesmo (Mateus XXII-37 a
39).

Em outra ocasião, o Divino Mestre louva a outro doutor da lei que aponta como
O MEIO PARA ENTRAR NA POSSE DA VIDA ETERNA a observância destes grandes
mandamentos: E eis que se levantou um doutor da lei e Lhe disse para O tentar:
Mestre, que hei de eu fazer PARA ENTRAR NA POSSE DA VIDA ETERNA? Disse-lhe então
Jesus: Que é o que está escrito na lei? Como lês tu? Ele, respondendo, disse:
Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma e de
todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti
mesmo. E Jesus lhe disse: RESPONDESTE BEM; FAZE ISSO E VIVERÁS (Lucas X-25 a 28).

Ninguém pode deixar de ver a superioridade deste mandamento: amar a Deus de


todo o coração, de toda a alma, com todo o entendimento — sobre o outro: não
ter deuses estrangeiros, não fazer imagens de escultura, etc. Está-se vendo que
este último foi inculcado aos judeus a fim de chamar-lhes bem a atenção para
não caírem na idolatria, à maneira dos povos vizinhos, mas o mandamento do
amor a Deus sobre todas as coisas não só inclui a repulsa à idolatria, senão
também a submissão de todo o nosso ser, de toda a nossa alma, aos
ensinamentos de Deus.

Devo amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a mim mesmo. Se


cometo idolatria, se adoro deuses falsos, se adoro outro ser que não seja Deus,
estou pecando contra este mandamento, não O estou amando sobre todas as
coisas.

Mas, se eu amo a Jesus Cristo, a Maria SSma que foi sua Mãe, a qual eu
considero grande justamente por isto, porque foi a mãe de Jesus, se eu amo os
santos que foram em vida o bom cheiro de Cristo (2ª Coríntios II-15), que de tal
modo imitaram o Mestre que bem podiam dizer como S. Paulo: Não sou eu já o
que vivo; mas Cristo é que vive em mim (Gálatas II-20), se pelo amor que tenho
a Jesus Cristo, a Maria SSma e aos santos, trato com carinho, veneração e
respeito as imagens que os representam e simbolizam (imagens estas que valem
muito para mim, assim como o retrato de um pai, de uma mãe ou de um irmão
muito valem aos nossos olhos ou assim como a bandeira da nossa Pátria, mesmo
sendo um simples pedaço de pano, também tem grande valor para nós pelo que
ela simboliza), com esta veneração, respeito e acatamento que tenho às imagens
não estou de maneira alguma faltando ao AMOR A DEUS; ao contrário louvo a
Deus e O engrandeço pelas maravilhas que operou em seus servos e em seu
Divino Filho.

Se aos judeus na Lei Antiga num tempo em que, quando se falava em imagens
de escultura ninguém pensava em Jesus Cristo, nem em Maria SSma., nem nos
santos, mas só nos ídolos, nos deuses falsos que eram adorados como se fossem
o Supremo Senhor, se aos judeus no Antigo Testamento foi ou não proibido
cultuar imagens por causa da excessiva inclinação que tinham para a idolatria,
isto é lá com eles, não me interessa: Não sou judeu; não sou do Antigo
Testamento; nem sou tão estúpido que dê o mínimo valor à idolatria. Tenho que
seguir a lei de Cristo que está exposta no Novo Testamento, em substituição à
Lei Antiga que já foi abolida; e o Novo Testamento fala nos mandamentos de
Deus, mostra-nos quais são, mas NÃO CONTÉM NENHUM VERSÍCULO QUE PROÍBA FAZER
IMAGENS SAGRADAS NEM PRESTAR-LHES UM SIMPLES CULTO DE VENERAÇÃO.

Infelizmente os protestantes, em vez de lerem a Bíblia, como deveria ser, com o


pensamento exclusivo de conhecer a verdadeira doutrina de Jesus, a leem,
primeiro que tudo, com a preocupação de ver em cada versículo um meio de
fazer OPOSIÇÃO SISTEMÁTICA À IGREJA CATÓLICA, À QUAL VOTAM UM ÓDIO
INDISFARÇÁVEL. Já existe aí uma péssima preparação para chegar à verdade,
porque o ÓDIO CEGA.

E assim, em vez de ir buscar os mandamentos de Deus NOS ENSINOS DE JESUS


CRISTO, os vão buscar na Lei Antiga que foi dada aos judeus. E a imensa maioria
deles caem logo numa grande contradição: se vão buscar os mandamentos na
letra do Antigo Testamento para recriminar os católicos que têm imagens, por
que motivo então não observam O SÁBADO, como era preceituado na Lei Antiga?
E todos caem nesta consequência: se o mandamento divino proibia, como eles
querem, qualquer IMAGEM OU FIGURA, por que não saem pelo mundo a fora
bradando contra todas as estátuas, todos os quadros de pintura, todos os
desenhos, todas as fotografias?

Portanto, das duas uma:

Ou a proibição de fazer imagens e prestar-lhes culto, quem vem nos versículo 4º


e 5º do capítulo 20º do Êxodo, se refere só aos DEUSES ESTRANGEIROS e, por
conseguinte não nos atinge, a nós católicos, uma vez que as nossas imagens não
são imagens de DEUSES ESTRANGEIROS;

ou então é uma lei rigorosíssima, proibindo fazer qualquer imagem, qualquer


figura ou semelhança, seja lá do que for, qualquer estátua, pintura ou gravura, e
neste caso não pertence à LEI NATURAL, é uma lei positiva que faz parte apenas da
LEI MOSAICA e, portanto, também não nos atinge, porque não somos judeus
anteriores a Cristo, nem estamos sujeitos à LEI MOSAICA; e no Novo Testamento
não há nenhuma proibição do culto das imagens tal qual nós o fazemos.

Estamos, sim, obrigados a NÃO COMETER NENHUM ATO DE IDOLATRIA. Esta é uma lei
natural, escrita nos nossos corações; e uma lei cristã, constantemente pregada
pelos Apóstolos, como por exemplo: Nem os idólatras... hão de possuir o reino
de Deus (1ª Coríntios VI-9 e 10); Meus caríssimos, fugi da idolatria (1ª
Coríntios X-14).

Mas o nosso culto às imagens está muito longe de ser uma idolatria, porque 1º,
como já explicamos, as nossas imagens não são ídolos (ídolo é a representação
de um deus falso); 2º, não prestamos a elas o culto de adoração ou latria (pois
isto seria reconhecer-lhes o supremo domínio sobre todas as coisas), culto este
que só prestamos a Deus.

E, como já esclarecemos no princípio, este culto não é obrigatório no sentido de


que só se salva quem rezar diante das imagens, ou que só se possa fazer oração
diante delas. Mas a Igreja o conserva como um MÉTODO utilíssimo para instruir os
fiéis, para avivar sempre no espírito de todos, até mesmo dos mais rudes, a
lembrança das coisas celestiais e para melhor fomentar nos seus filhos o fervor, a
piedade e a devoção.

Notas (pular)

[57] O modo de dividir os mandamentos não é igual entre os católicos e a maioria dos protestantes. O que
chamamos 5º mandamento: Não matarás, eles chamam 6º, porque do primeiro mandamento eles fizeram 2.
Mas nisto, como em tudo o mais, não há uniformidade entre os protestantes, porque já os luteranos, por
exemplo, dividem os mandamentos, exatamente da maneira católica. Veja-se o Breve Guia do Cristão págs.
8 a 21. (voltar)
Liceidade e conveniência
A força das circunstâncias.

390. Finalmente dirão os protestantes: O culto das imagens não consta


absolutamente da Bíblia, por isto não o aceitamos. No Antigo Testamento não há
nenhum vestígio deste culto. Os querubins, de que fala a Bíblia, eram para
ADORNO do templo, não para ser cultuados. A serpente de bronze serviu para
curar os que estavam feridos pelas serpentes (Números XXI-8 e 9). Mas, quando
os filhos de Israel começaram a queimar incenso diante dela, o rei Ezequias a fez
em pedaços. E a Bíblia o louva por causa disto: Ele fez o que era bom na
presença do Senhor (4º Reis XVIII-3).

E no Novo Testamento não consta absolutamente, nem que Jesus, nem que os
Apóstolos, nem que nenhum cristão mandasse fazer imagens ou a elas
prestassem culto. Logo, o culto das imagens desagrada a Deus.

— Caros amigos: uma coisa é não se fazer um ato porque é pecado, porque
desagrada a Deus. E outra coisa muito diferente é não se fazer um ato porque EM
DETERMINADAS CIRCUNSTÂNCIAS NÃO É PRUDENTE, NEM CONVENIENTE e pode tornar-se
uma ocasião de pecado.

É preciso ver a situação em que estava o mundo DURANTE TODO O TEMPO ANTES DE
CRISTO. Todas as nações estavam mergulhadas na idolatria, adorando estátuas de
deuses falsos, como se fossem o verdadeiro Deus, e apenas um pequenino povo
adorava o Deus Único, Invisível e Eterno.

Este pequeno povo, que era o povo hebreu, estava completamente cercado de
nações idólatras e além disto tinham uma inclinação tremenda para a idolatria.
Basta dizer que, depois de ter Deus manifestado tão estrondosamente a sua
glória no monte Sinai, o povo vendo que Moisés tardava de descer do monte, se
ajuntou contra Arão e disse: levanta-te, faze-nos DEUSES que vão adiante de nós
porque não sabemos o que aconteceu a Moisés (Êxodo XXXII-1). E feito o
bezerro de ouro exclamava: Estes são, ó Israel, OS TEUS DEUSES que te tiraram da
terra do Egito (Êxodo XXXII-4).

Basta ler qualquer parte do Antigo Testamento, para ver a facilidade com que o
Basta ler qualquer parte do Antigo Testamento, para ver a facilidade com que o
povo caía na idolatria, à qual não escapou apesar de sua imensa sabedoria o
próprio rei Salomão.

Nestas circunstâncias, nesta situação tão delicada, Deus tinha um cuidado todo
especial em evitar qualquer coisa que, mesmo de longe, pudesse dar ocasião a
que os judeus se entregassem àquele culto dos ídolos, a que eram tão fortemente
inclinados. Por isto tinha que privar a este povo e, se assim se pode dizer, privar-
se a si mesmo de coisas que eram LÍCITAS, que eram JUSTÍSSIMAS, que eram
SANTAS, para evitar o perigo da idolatria.

Por exemplo: Nada mais justo, nada mais lícito, nada mais santo do que Deus
instruir os homens a respeito de sua própria natureza, revelar as suas grandezas e
perfeições. Era proibido Deus revelar aos judeus que havia nEle três pessoas
distintas: O Pai, o Filho e o Espírito Santo constituindo um só Deus Verdadeiro?
Absolutamente não. Mas não quis revelar o mistério da SSma. Trindade, que
durante tantos séculos ficou oculto à humanidade, simplesmente por isto: os
judeus não tinham capacidade para receber esta revelação e, ouvindo falar na
Trindade, iriam logo fazer confusão com o politeísmo das outras nações. Os
gentios adoravam a muitos deuses e eles ficariam também com a ideia de que
havia três deuses. Com a era do cristianismo, este viria renovar completamente a
face da terra, e o mundo já estaria em condições de ter notícia da Santíssima
Trindade, a qual foi revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Outro exemplo: Deus, quando se revelou no monte Horeb, podia ter-se


manifestado sob uma forma sensível, sob a aparência de alguma coisa material?
Sim, podia. Tanto podia, que se encarnou em Jesus Cristo homem e viveu aqui
na terra trinta e três anos. Tanto podia, que o Espírito Santo apareceu em forma
sensível: E desceu sobre Ele o Espírito Santo EM FORMA CORPÓREA, como uma
POMBA (Lucas III-22). E lhes apareceram repartidas como LÍNGUAS DE FOGO, que
repousou sobre cada um deles e foram todos cheios do Espírito Santo (Atos II-3
e 4).

Entretanto Deus, ao revelar-se no monte Horeb não tomou nenhuma forma


sensível para se manifestar e, se assim procedeu, não foi porque isto fosse ilícito,
mas para evitar aos judeus o perigo da idolatria: Vós não vistes figura alguma no
dia em que o Senhor vos falou em Horeb do meio do fogo, por não suceder que
enganados façais para vós alguma imagem de escultura ou alguma figura de
homem ou de mulher, nem semelhança de qualquer animal que há sobre a terra
ou das aves que voam debaixo do céu, ou dos répteis que se movem na terra ou
dos peixes que debaixo da terra moram nas águas; não seja que levantando os
olhos ao céu, vejas o sol e a lua e todos os astros do céu e, caindo no erro,
adores e dês culto a essas coisas, que o Senhor teu Deus criou para serviço de
todas as gentes que vivem debaixo do céu (Deuteronômio IV-15 a 19).

Hoje é muito comum colocar-se na rua as estátuas dos grandes homens, dos
grandes heróis da nossa Pátria e, em certos e determinados dias, prestar-se uma
homenagem à memória destes homens, cobrir de flores as suas estátuas, fazer-se
discursos, etc. Isto é muito lícito e muito natural, e nestas manifestações públicas
feitas a um homem perante a sua estátua, o que é o mesmo que dizer perante a
sua imagem tomam parte também os próprios protestantes, como cidadãos e
patriotas que são, porque sabem muito bem que nisto não há nada de mais, que
aí não há nenhuma idolatria.

Pois bem, esta mesma cena realizada outrora no seio do povo judaico, seria
completamente inconcebível. Terem os judeus, nas praças públicas, estátuas de
Abraão, de Isaque, de Jacó, de Moisés e prestar-lhes homenagens, cobri-las de
flores — não se consentiria de forma alguma. Por quê? Por que era ilícito? Se é
lícito hoje, também o podia ser naquele tempo. Isto não se consentiria, porque
seria uma grandíssima imprudência; o povo não estaria em condições de bem
compreender o sentido de tais homenagens e aquilo fatalmente iria dar numa
indébita adoração à criatura, pecado este de que o mundo estava cheio naquela
época.

Por isto se explica muito bem o fato de não ter havido entre judeus nem o culto
dos santos, nem o culto das imagens. O povo não tinha capacidade para
distinguir entre uma simples veneração e adoração propriamente dita.

Foi natural, portanto, o gesto de Ezequias. Se os judeus soubessem que aquela


serpente de metal era figura do Messias, Jesus Cristo Salvador Nosso, pendente
da sua cruz e queimassem incenso diante dela exclusivamente com o
pensamento de homenagear, através de seu símbolo, Aquele que havia de morrer
por nós para nos salvar do pecado, assim como a serpente de bronze curara a
muitos de seus ferimentos, Deus não se incomodaria com isto, porque Ele só
podia achar justa, santa e razoável uma homenagem prestada a seu Divino Filho.

Mas não era, nem podia ser com este pensamento que os judeus queimavam o
Mas não era, nem podia ser com este pensamento que os judeus queimavam o
seu incenso; aquilo, se já não era idolatria, estava arriscado a sê-lo. Por isto foi
preciso fazer desaparecer a serpente de metal, que aliás o próprio Deus tinha
mandado fazer.

Ora, não foi num dia que o paganismo idólatra deixou de dominar o mundo. A
substituição do paganismo pelo Cristianismo foi-se processando
progressivamente no decorrer de alguns séculos. E no tempo em que viviam os
Apóstolos a situação era praticamente a mesma que tinha existido antes de
Cristo: O mundo ainda estava mergulhado na idolatria. Aparecerem os
Apóstolos mandando fazer imagem de Jesus Cristo e reverenciá-las, seria a
maior das imprudências: Uma vez que, como explicamos, este culto não é
necessário para a salvação, mas apenas um método, um meio para instruir, para
excitar à devoção, a imagem naqueles tempos seria totalmente contraproducente.
Não só causaria repugnância aos judeus, mas iria fazer uma confusão tremenda
na cabeça dos pagãos, os quais não lhe saberiam compreender o verdadeiro
sentido e pensariam que, à semelhança deles, os cristãos também tinham seus
ídolos.

As imagens através dos séculos da era cristã.

391. O uso das imagens tinha que vir aparecendo, portanto, pouco a pouco, de
acordo com as circunstâncias. Daí se explica, por exemplo, que os primeiros
cristãos não tivessem imagens nas suas igrejas abertas ao público, que aliás não
eram numerosas naqueles tempos de tremenda perseguição, como foram os 3
primeiros séculos de nossa era. Não só as imagens e símbolos serviriam para
denunciá-los, como também podiam ser mal interpretados pelos pagãos que os
vissem, os quais poderiam pensar que os cristãos apenas tinham mudado de
ídolos. Daí também ser no princípio restrito o uso às imagens pintadas para
depois se passar às imagens de escultura.

Mas que as imagens, pelo menos de pintura, tenham sido usadas pelos cristãos
dos primeiros séculos, não há dúvida alguma.

Temos o testemunho valioso das catacumbas de Roma. Ali naqueles


subterrâneos, que eram lugares também de culto coletivo, longe das vistas dos
pagãos podiam os artistas cristãos entregar-se mais livremente à sua tarefa de
reproduzir os personagens e os mistérios do Cristianismo. E assim é comum nas
catacumbas encontrarem-se imagens em pintura do Bom Pastor, de Maria SSma e
de alguns santos (entre os quais predomina S. Pedro, que era muito conhecido
em Roma, onde se estabeleceu e sofreu o martírio). Algumas destas imagens dão
indícios de pertencerem ao 1º e ao 2º século; e outras em grande número são
pertencentes com toda certeza aos séculos 3º e 4º.

A Virgem Maria é quase sempre representada com seu Divino Filho nos braços,
e a sua imagem mais antiga conhecida remonta no máximo à metade do século
2º; encontra-se na Capela Grega das Catacumbas de Priscila. A Virgem aparece
juntamente com os três Magos. Há outra imagem muito célebre, que tudo indica
remontar a fins do século 2º, em que aparece a Virgem sentada com o Menino
nos braços, vendo-se ao seu lado o profeta Balaão apontando para uma estrela.
Outra figura de Maria, de cerca da metade do século 4º, apresenta-a como
orante, de braços estendidos diante de seu Divino Filho e se encontra no fundo
de um arcossólio no Cemitério Maior. Isso mostra não só o uso das imagens,
mas também o apreço que os cristãos sempre tiveram à mãe do Salvador.

As estátuas ou esculturas já são frequentes em sarcófagos do século 4º e do 5º; e


há nas catacumbas, pelo menos, 2 estátuas do Bom Pastor que parecem ser
anteriores à época de Constantino (portanto, no máximo, do século 3º).

Passando o testemunho das catacumbas para o dos livros, como autores que
testemunham a existência de imagens, temos no século 3º Tertuliano que fala no
Bom Pastor representado nos cálices (De pudicitia VII, 10) e o historiador
Eusébio de Cesareia, que diz ter visto imagens pintadas de Jesus Cristo, de
S. Pedro e de S. Paulo (História Eclesiástica VII, 18).

Uma vez conseguida a paz no tempo de Constantino (313), passando o


Cristianismo a usar da liberdade de culto no Império Romano, vai-se espalhando
por toda a parte o culto à cruz, principalmente depois que a rainha Helena, mãe
de Constantino, encontrou A VERDADEIRA CRUZ DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, a
qual, no meio das outras, demonstrou a sua autenticidade por meio de um
milagre; e à proporção que se vai extinguindo o paganismo e, portanto,
desaparecendo o perigo da confusão que poderia surgir entre os ídolos pagãos e
as venerandas imagens de Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e dos santos, vão
aumentando em toda a parte, pública e privadamente, o uso e o culto das
imagens.

Que do século 5º em diante já se começam a usar profusamente não só nas casas


Que do século 5º em diante já se começam a usar profusamente não só nas casas
particulares, mas também nas igrejas públicas, e não só imagens pintadas, mas
também esculturas, isto é um fato incontestável.

Quando aparece no século 8º a heresia dos iconoclastas ou quebradores de


imagens, fomentada pelos imperadores bizantinos, é logo condenada pelo 2º
Concílio de Niceia (que é Concílio Ecumênico, isto é, Universal) reunido em
787. E é de notar que este Concílio apela, em favor do culto das imagens, para A
TRADIÇÃO DA SANTA IGREJA CATÓLICA, ao mesmo tempo que acusa os iconoclastas
de quererem introduzir uma novidade, indo de encontro às tradições
eclesiásticas. Isto mostra como era antigo na Igreja este culto.

Se o Imperador Carlos Magno entendeu, por razões políticas, de fazer coro com
os imperadores bizantinos e isto produziu uma certa agitação no seio dos
francos, a Igreja fez cessar esta perturbação com outro Concílio Ecumênico, o 4º
Concílio de Constantinopla (869 e 870) em que reafirmou e redefiniu o que já
havia sido determinado no 2º Concílio de Niceia.

Do 2º Concílio de Niceia até os nossos dias, continuou cada vez mais propagado
na Igreja Católica o culto das imagens. Aí estão os documentos históricos, os
museus, as igrejas antiquíssimas da Europa para atestá-lo. E a prova é esta: Por
que os protestantes, aparecendo no século XVI, faziam tanta grita contra o culto
das imagens, provocando assim um novo pronunciamento no Concílio de Trento,
senão porque este culto continuava a existir na Igreja Católica?

O feitiço contra o feiticeiro.

392. De modo que os protestantes, quando dizem que o culto das imagens é uma
idolatria, quando dizem que, se há este culto é simplesmente porque o
paganismo invadiu a Igreja, mostram apenas que NÃO CREEM EM NOSSO SENHOR
JESUS CRISTO.

Jesus Cristo fundou a sua Igreja e prometeu que as portas do inferno não
prevaleceriam contra ela: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei A MINHA
IGREJA, E AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO CONTRA ELA (Mateus XVI-18).
Bem como, mandou seus Apóstolos propagar uma IGREJA UNIVERSAL: Ide, pois,
ensinai TODAS AS GENTES (Mateus XXVIII-19) e prometeu sua proteção, sua
assistência até o fim do mundo: E ESTAI CERTOS de que EU ESTOU convosco todos os
dias, até a consumação do século (Mateus XXVIII-20).

Como é que deixou esta Igreja Universal ficar durante mais de 1000 anos
praticando A IDOLATRIA, invadida por um grosseiro paganismo e só no século XVI
fez aparecer Calvino para remediar esta situação? Neste caso, então A PALAVRA
DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NÃO SERIA INFALÍVEL.

A Igreja é a amada esposa de Cristo (Efésios V-25). Não se pode lançar sobre ela
a gravíssima acusação de haver-se prostituído pela idolatria, sem ultrajar ao
mesmo tempo o seu Divino Esposo que, tendo poder infinito, tão explicitamente
prometeu velar sobre ela até a consumação do mundo.
Quarta Parte
Os irmãos de Jesus
Capítulo Décimo Sétimo
A Virgindade Perpétua de Maria Santíssima
O que pensavam os Santos Padres.

393. Maria SSma, a mãe de Jesus, foi perpetuamente virgem ou não foi? Maria
terá tido outros filhos além de Jesus? Teremos naturalmente que examinar todos
os textos da Bíblia que giram em torno desta questão. Antes disto, porém, temos
uma pergunta a fazer: Quem está mais autorizado a nos dar uma segura
informação a este respeito, a nos dizer o que se deve pensar sobre a virgindade
de Maria: a Igreja Católica, que vem dos tempos de Cristo, que recebeu,
portanto, na sua fonte, o ensino dos Apóstolos, ou os protestantes que só vieram
a aparecer no século XVI? a Igreja Católica, que jamais teve a mínima dúvida
sobre este assunto ou o Protestantismo em cujo seio, como vimos (nº 238), tem
aparecido sobre esta própria matéria, como sobre tantas outras, opiniões bastante
desencontradas?

O único fundamento em que se baseiam os adversários para duvidar da


virgindade de Maria SSma, é a interpretação que dão a certas passagens do
Evangelho. Mas este mesmo Evangelho que os protestantes hoje leem e
comentam, não era também lido, manuseado, estudado cuidadosamente pelos
Santos Padres? Se os protestantes veem tão claro nos Evangelhos que Maria
perdeu um dia a sua virgindade, seriam os Santos Padres tão cegos, tão loucos e
ignorantes que não o tivessem visto?

Quando aparece no século 5º um tal Helvídio “homem rústico e mal conhecedor


das primeiras letras”, como diz S. Jerônimo, querendo negar que Maria SSma
tivesse sido virgem depois do parto, S. Jerônimo, além do exame que faz dos
textos alegados, apresenta como argumento a unanimidade dos Santos Padres a
respeito da virgindade perpétua de Maria. E quando lhe alegam Tertuliano que
teria escrito alguma coisa neste sentido, admitindo que Maria não foi virgem
depois do parto, S. Jerônimo observa muito bem que, contra o testemunho dos
Santos Padres, o de Tertuliano nada vale, porque ele não foi um “homem da
Igreja”. De fato Tertuliano era cristão, era um grande escritor, mas afastou-se da
Igreja, abraçando a doutrina do montanismo.
Mais ainda: hoje, quando um pastor protestante tem a ousadia de falar de público
atacando a virgindade de Maria SSma, o povo católico se toma de indignação e o
obriga a calar-se. Os protestantes veem nisto apenas um sinal de ignorância, de
pieguice e de sentimentalismo.

Pois bem, esta mesma indignação aparece igualmente bem clara nos escritos dos
Santos Padres e de grandes escritores dos primeiros tempos da Igreja, o que é
sinal de que não se trata de ignorância, mas de bom senso.

S. Ambrósio diz assim: “Houve quem negasse que ela (Maria) tivesse
permanecido virgem. Desde muito tempo temos preferido não falar sobre ESTE
TÃO GRANDE SACRILÉGIO. Maria não broma; não broma aquela que é mestra da
virgindade; nem podia acontecer que aquela que em si tinha trazido Deus
resolvesse andar às voltas com um homem. Nem José, varão justo, cairia nesta
loucura de querer misturar-se com a mãe do Senhor em relação carnal” (De inst.
virgin. c 5, 6).

S. Hilário não só afirma que Maria permaneceu sempre virgem, mas também
observa que os que pensam de maneira diversa são “IRRELIGIOSOS E ALHEIOS À
DOUTRINA ESPIRITUAL” (Commentaria in Math. I, 3).

S. Epifânio exclama: “Donde é que surgiu esta PERVERSIDADE? Donde é que


irrompeu tamanha AUDÁCIA? Porventura o próprio nome não é suficiente
atestado? Quem houve jamais em tempo algum que ousasse proferir o nome de
Maria e espontaneamente não acrescentasse a palavra VIRGEM?... O nome de
virgem foi dado a Santa Maria, nem se mudará nunca, ela sempre permaneceu
ilibada” (Adversus haereses Panarium).

Genádio diz o seguinte: “Com fé íntegra se deve crer que a bem-aventurada


Maria, mãe de Cristo Deus, não só gerou como virgem, mas permaneceu virgem
depois do parto e não se há de concordar com a BLASFÊMIA de Helvídio que disse:
Virgem antes do parto, mas não virgem depois do parto” (Liber ecclesiasticorum
dogmatum 35).

E é com veemência que S. Jerônimo se lança contra este Helvídio que, embora
admitindo a virgindade de Maria antes do parto e no parto, afirmava que ela
tivera outros filhos depois. Apos citar os vários textos em que se baseia a sua
argumentação para provar que aqueles “irmãos” de Jesus não são filhos de
Maria, S. Jerônimo acrescenta: “Ó o mais imperito dos homens, não tinhas lido
estas coisas; e lançaste no pélago das Escrituras a tua raiva para injúria da
Virgem, a exemplo daquele que, segundo contam, sendo desconhecido do povo e
nada de bom podendo fazer, imaginou um crime para se tornar famoso:
incendiou o templo de Diana. E não tendo dado resultado o sacrilégio, ele
próprio saiu a público, afirmando aos gritos que fora ele o autor do incêndio. E
perguntando os magistrados de Éfeso por que motivo teria querido fazer isto,
respondeu: para que, se não por bem, ao menos por mal me tornasse de todos
conhecido. É, pelo menos, o que nos narra a história grega. Tu incendiaste o
templo do corpo do Senhor; contaminaste o santuário do Espírito Santo, do qual
pretendes ter saído uma quadra de irmãos e um montão de irmãs. Argumentas
com o que dizem os judeus: Porventura não é este o filho do oficial? Não se
chamava sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E suas
irmãs, não vivem elas TODAS entre nós? (Mateus XIII-55 e 56). TODOS só se diz
de uma multidão. Pergunto: quem te ensinou semelhante BLASFÊMIA? Quem é que
te levava em conta? Mas agora conseguiste o que querias; tu te tornaste famoso
no crime” (Adversus Helvidium).

Por aí se vê que o fato de indignar-se o povo cristão e católico, quando alguém


nega ou põe em dúvida a virgindade da mãe de Deus, não é sinal de ignorância
das Sagradas Letras, pois gente muito bem entendida nelas também mostrou a
mesma indignação e revolta contra tão ousada blasfêmia. E a virgindade
perpétua de Maria é doutrina comum e unânime dos Santos Padres.

Para não falarmos mais nos já citados:

Assim diz S. Efrém: “Ó Virgem Senhora, imaculada deípara, senhora minha


gloriosíssima, mais sublime que os Céus, muito mais pura que os esplendores,
raios e fulgores solares... vara de Arão que germina, apareceste como verdadeira
vara e a flor foi o teu filho verdadeiro, nosso Cristo Deus e Criador meu; tu
segundo a carne geraste Aquele que é Deus e Verbo, CONSERVANDO A VIRGINDADE
ANTES DO PARTO, VIRGEM DEPOIS DO PARTO, e fomos reconciliados com Deus, teu
Filho (Opera graeca. Apud Journel 745).

Referindo-se a Maria, diz S. Agostinho: “Virgem que concebe, virgem que dá à


luz, virgem grávida, virgem que traz o feto, virgem perpétua” (Sermones 186, 1,
1).
“Virgem concebeu, virgem deu à luz, virgem permaneceu” — é uma fórmula
usual referente a Maria SSma, empregada, não só nos escritos de S. Agostinho
(Sermones LI, 8; CXC, 2; CXCVI, 1) mas também nos de outros Santos Padres,
como S. Pedro Crisólogo (Sermones 117), S. Leão Magno (Sermones 2,2) por
exemplo.

Esta sempre foi desde o começo a doutrina firme e universal da Igreja. Nem se
venha dizer que esta opinião dos Santos Padres é motivada pelo fato de ser a
virgindade perpétua de Maria definida pela Igreja como dogma de fé, pois esta
definição só veio a dar-se no século 7º, no Concílio de Latrão, e todas estas
citações aqui apresentadas não ultrapassam o século 5º [58].

Portanto, está o leitor diante de 2 fatos: 1º Há muitos protestantes que leem a


Bíblia e querem apresentar como certo, certíssimo, que Maria SSma não
conservou a sua virgindade. 2º Os Santos Padres tinham também à mão a mesma
Bíblia e a seguiam fielmente e achavam que ela era infalível e já desde o
princípio vem afirmando como certo, certíssimo, muito antes que isto fosse
definido pela Igreja, que Maria SSma concebeu como virgem, deu à luz como
virgem e como virgem permaneceu até o fim de sua vida.

É o caso de dizer o leitor: Deve haver qualquer engano nesta afirmativa dos
protestantes, tanto mais que eles próprios já não estão de acordo entre si. Seria
interessante examinar atentamente se têm valor ou não as alegações protestantes,
comentando os textos bíblicos que eles nos apresentam.

— É o que vamos fazer, leitor amigo. E veremos se esses protestantes que se


mostram tão anchos com seu conhecimento superficial da Bíblia e que por isto
mesmo tacham de ignorantes os que afirmam a virgindade perpétua de Maria
SSma, veremos se eles conseguem realmente passar aos Santos Padres da Igreja
este atestado de burrice e ignorância.

Notas (pular)

[58] Isto vem confirmar o que dissemos há pouco (nº 367). Quando a Igreja define um dogma, não está,
como pensam os protestantes, inventando uma doutrina nova e impondo-a aos fiéis, mas tornando
oficialmente obrigatória uma doutrina que dentro da Igreja já está firme e consolidada pelo modo de sentir
comum dos pastores e dos fiéis, o que já é sinal de que aquilo é verdade, pois a Igreja em peso não pode cair
em erro. Se a Igreja se vê na necessidade de torná-la oficialmente obrigatória, é porque os hereges a estão
negando e combatendo, e é preciso delimitar bem os dois campos diversos: o da fé legítima e o da heresia.
Ou porque estão surgindo entre os próprios teólogos católicos alguns que, por sua opinião pessoal, não
estão exprimindo a doutrina católica no seu verdadeiro sentido e é preciso então que bem se esclareça o que
é doutrina da Igreja e o que é mera opinião pessoal condenável e sem fundamento. (voltar)

Noiva ou casada?

394. A Bíblia não nos diz com estas mesmas palavras que Maria SSma foi
virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Mas nos dá UM SINAL BEM
CLARO, BEM EVIDENTE DA VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA SANTÍSSIMA. É na cena da
anunciação do Anjo, narrada por S. Lucas.

Mas, antes de comentarmos esta cena e as palavras da Virgem nela proferidas,


temos que fazer o leitor ficar ao par de uma pequena controvérsia que existe
entre os intérpretes da Bíblia.

Narra-nos S. Lucas, descrevendo a anunciação, que foi enviado por Deus o anjo
Gabriel a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem DESPOSADA
com um varão que se chamava José, da casa de Davi; e o nome da virgem era
Maria (Lucas I-26 e 27).

Que significa esta palavra DESPOSADA?

O termo correspondente no texto grego é o particípio passado passivo do verbo


MNESTÉUO que tem 2 sentidos:

MNESTÉUO = casar, adquirir para si uma esposa.

MNESTÉUO = dar em casamento, prometer em casamento.

Assim o particípio EMNESTEUMÉNE, aí empregado em referência a Maria, pode ter


2 sentidos.

EMNESTEUMÉNE = que já se casou, que já está casada;

EMNESTEUMÉNE = que já noivou, que já foi dada ou prometida em casamento.

Não se sabe pelo texto se Maria, ao receber a anunciação do Anjo estava já


casada com S. José, habitando com ele na mesma casa ou se era apenas uma
noiva, prometida em casamento e aguardando o dia em que iria com ele habitar
em conjunto. Mais adiante, ao relatar o nascimento, S. Lucas, dizendo que José
foi à cidade de Davi, para se alistar com sua ESPOSA Maria (Lucas II-5) emprega
a mesma palavra EMNESTEUMÉNE e aí evidentemente já estão casados, morando na
mesma casa. Mas disto não se conclui que na hora da anunciação, esta palavra
tenha o mesmo sentido, uma vez que servia para designar uma coisa ou outra: ou
noiva ou casada.

Os melhores intérpretes se dividem nesta questão: S. Hilário, S. Basílio,


Orígenes são de opinião que Maria era, então, simplesmente noiva; S. Ambrósio,
S. João Crisóstomo, S. Pedro Crisólogo, S. Bernardo, Suarez são de opinião que
ela já era casada, quando recebeu a visita do Anjo.

Os modernos também se dividem neste particular.

Não nos compete emitir parecer numa questão em que os grandes mestres
discutem. Apenas queremos fazer menção de uma dúvida que logo ocorre ao
espírito do leitor: Como podia Maria ser apenas uma simples noiva no momento
da anunciação, se desde esse momento ela vai conceber e depois vai mostrar
sinais de gravidez? Os partidários da opinião de que se tratava apenas de simples
noivado, apelam para a diferença entre os nossos costumes, os dos tempos de
hoje e os costumes dos judeus de outrora, em que o noivado era já um contrato
firmado dando aos noivos plenos direitos matrimoniais, tendo menor
importância a cerimônia da realização do casamento, em que a noiva era
introduzida na casa do noivo. Demos a palavra ao Pe Denis Buzy: “Todo o
mundo reconhece hoje que os noivos judeus gozavam dos mesmos direitos
matrimoniais que os esposos propriamente ditos. As provas se tornaram
clássicas: a noiva infiel era punida com o apedrejamento, do mesmo modo que a
esposa culpada; a noiva que perdia seu noivo era assemelhada a uma viúva; a
noiva, como a esposa, não podia ser desprezada, senão por uma carta de
divórcio; o filho concebido no tempo do noivado era olhado como legítimo.
Segundo a palavra de Calmet, o noivado, quase igualmente como o casamento,
era uma COBERTURA suficiente para a reputação da mãe e do filho. Além disto,
não precisamos que nos venham persuadir que Deus não podia prejudicar a
honra daquela que Ele dava por mãe a seu Filho.”

Mencionamos esta questão, porque ela vai influir na compreensão de certos


textos.

Vejamos agora
Vejamos agora

A cena da anunciação.

395. Aparecendo a esta VIRGEM DESPOSADA com um varão que se chamava José
(Lucas I-27), a esta virgem chamada Maria, o anjo a saúda: Deus te salve, cheia
de graça: o Senhor é contigo (Lucas I-28) [59].

Diante da saudação do anjo, a virgem se perturba; na sua humildade profunda


não pode compreender tão alto elogio, tão honrosa saudação feita por um Anjo,
admira-se como o Senhor podia assim pôr os olhos na baixeza de sua escrava
(Lucas I-48); em vez de envaidecer-se, confunde-se ante a mensagem que vem
do Céu, tão longe está de se julgar em tão privilegiada situação perante Deus:
Ela, como o ouviu, turbou-se do seu falar e discorria pensativa que saudação
seria esta (Lucas I-29).

O anjo então a tranquiliza e aproveita a ocasião para lhe dar a grande notícia:
Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis conceberás no teu
ventre e DARÁS À LUZ um filho e por-Lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e
será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai
Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim (Lucas
I-30 a 33).

O grande ideal das filhas de Israel era ser mãe; que se dirá então deste ideal mil
vezes mais elevado de ser mãe do Messias Prometido, daquele que iria reinar
eternamente na casa de Jacó? Qual a moça judia que pensaria em opor
dificuldades a esta perspectiva de se tornar mãe de uma maneira tão gloriosa?

Maria SSma, entretanto, vê uma grande dificuldade diante de si: Como se fará
isso, pois EU NÃO CONHEÇO VARÃO? (Lucas I-34).

Ora, estas palavras revelam claramente uma resolução decidida de CONSERVAR


PERPETUAMENTE A SUA VIRGINDADE.

Maria SSma que já está casada ou, no mínimo, que já é noiva de S. José, fica sem
compreender como pode ter um filho, se não conhece varão. É evidente que ela
não se refere ao fato de não ter conhecido varão até a data presente, pois isto de
maneira alguma representaria um empecilho ou uma impossibilidade. Pois não
estava ela já, casada com José? Ou, na hipótese de um simples noivado, não
estava ela de contrato firmado com José para se casar dentro de pouco tempo? O
Anjo não diz que ela já concebeu, nem que ela vai conceber naquele mesmo dia
ou naquela mesma semana, apenas fala, sem determinação de tempo, numa coisa
que irá acontecer para o futuro: CONCEBERÁS. Para uma noiva, esta revelação é o
que há de mais natural; nenhuma noiva, em circunstâncias normais, acharia
impossível este acontecimento. Como bem observa Cornélio Alápide, ela diz:
NÃO CONHEÇO VARÃO assim como dizem os abstêmios NÃO BEBO VINHO, querendo
significar com isto, não só que não bebem vinho presentemente, mas que não
pretendem bebê-lo. Está Maria não diante de uma impossibilidade física, mas
sim de uma impotência moral; se ela vê aí que é um problema tão difícil o
nascimento de um filho, é porque está ligada a Deus pelo VOTO DE VIRGINDADE. E
se existe este voto de virgindade nela que está comprometida com S. José, é sinal
de que houve entre ambos um pacto de perfeita continência.

E a prova de que a dificuldade que vê Maria SSma para ser a mãe do Messias é a
sua inabalável resolução de conservar-se virgem, está na resposta dada pelo
Anjo. Maria deve tranquilizar-se a este respeito, porque o Filho nascerá por um
prodígio, sem quebra absolutamente de sua virgindade: O ESPÍRITO SANTO DESCERÁ
SOBRE TI e a virtude do Altíssimo te cobrirá da sua sombra. E por isso mesmo O
SANTO QUE HÁ DE NASCER DE TI SERÁ CHAMADO FILHO DE DEUS. Que aí tens tu a Isabel,
tua parenta, que até concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da
que se diz estéril, PORQUE A DEUS NADA É IMPOSSÍVEL (Lucas I-35 a 37).

Resolvida a dificuldade, explicado pelo anjo como se podem conciliar as 2


coisas, a virgindade e a maternidade (Deus, a quem nada é impossível, é que se
encarregará de conciliá-las), só então é que Maria SSma dá o seu sim: Eis aqui a
escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lucas I-38).

Uma pergunta naturalmente nos há de fazer o leitor: Tendo Maria SSma esta
inabalável resolução de conservar a sua virgindade, como se explica que a
vemos esposa ou, pelo menos, noiva de S. José? Se ela queria permanecer
virgem, não pareceria, humanamente falando, mais seguro ficar em casa sem ser
noiva ou sem casar-se, do que procurar um casamento com pacto de
continência?

— Nas circunstâncias em que estava Maria, dados os costumes e a mentalidade


do povo judaico, o mais seguro para ela era casar-se com pacto de continência,
tanto mais que na sua intuição tinha bem compreendido a castidade admirável de
S. José. E explicaremos por quê.

Entre os judeus daquele tempo não se concebia que uma moça ficasse solteira.
Quando a mulher chegava à idade de casar-se, os pais, os parentes lhe
arranjavam um casamento e a moça tinha que submeter-se. O povo judeu,
pequeno povo no mundo, mas povo eleito do Senhor, que cultuava o Deus
Verdadeiro, sentia-se na necessidade absoluta de propagar-se.

Pelo seu casamento com S. José, Maria SSma não só satisfazia à imposição de
seus parentes, como também ficava livre das possíveis importunações dos
pretendentes à sua mão, ao mesmo tempo que realizava o seu ideal de
virgindade.

E Deus que inspirara em ambos, em Maria e José este alto ideal de castidade,
preparava admiravelmente a realização de seus desígnios. Queria que o Messias
Prometido nascesse de uma virgem, mas era preciso que fosse uma VIRGEM
CASADA, para que se salvaguardasse perante o público o bom nome, a reputação
da mãe e do filho. E no meio de tantas filhas de Israel que ambicionavam a
glória de ser mãe do Messias, foi premiar justamente aquela que em tal preço
punha a sua virgindade que renunciaria de bom grado a pretensão de ser a mãe
do Salvador. Nem Maria nem José podiam ter a mínima ideia de que do seu lar
abençoado e casto haveria de sair o Redentor do mundo; o seu desprendimento, a
sua renúncia haviam conquistado o coração de Deus.

Voltemos, porém, à nossa argumentação.

Pelo colóquio entre Maria e o anjo Gabriel se vê claramente que MARIA


CONSERVAVA UMA RESOLUÇÃO INABALÁVEL DE CONSERVAR A SUA VIRGINDADE; tão
firme era esta resolução que Maria, ao receber a comunicação do Anjo, se
lembra logo do seu voto feito a Deus, prestando mais atenção a este Seu
compromisso do que à mensagem do Anjo, por mais tentadora que esta seja. Daí
se conclui com toda lógica que Maria foi virgem antes do parto, no parto e
depois do parto.

1º — VIRGEM ANTES DO PARTO. Isto não necessita de grandes demonstrações. Nem


os protestantes entram em discussão sobre este ponto. Tanto as palavras do Anjo
ditas a Maria na Anunciação, como a declaração explícita do Evangelista
S. Mateus, segundo veremos daqui a pouco (nº 399) são claras em afirmar que
Jesus nasceu sem intervenção humana e que Maria estava intacta por ocasião de
seu nascimento.

2ª — VIRGEM NO PARTO. Uma vez manifestado o desejo de Maria de conservar a


sua virgindade, não seria o seu próprio Filho, Ele que nos ensina a honrar pai e
mãe, que haveria de destruir no nascimento esta virgindade, da qual ela fazia
tanta questão.

Além disto, o Evangelista S. Mateus apresenta o nascimento de Jesus como a


realização da profecia de Isaías: Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o
que falou o Senhor pelo profeta que diz: Eis uma VIRGEM CONCEBERÁ e DARÁ À LUZ
um filho e apelidá-lo-ão pelo nome de Emanuel que quer dizer: Deus conosco
(Mateus I-22 e 23).

Ora, esta profecia anunciava um GRANDE PRODÍGIO, pois Isaías tinha dito a Acaz:
Pede para ti ao Senhor teu Deus algum sinal que chegue ao profundo do inferno
ou ao mais alto do Céu (Isaías VII-11) e Acaz se recusara a pedi-lo: Não pedirei
tal, nem tentarei ao Senhor (Isaías VII-12). Deus vai anunciar o grande prodígio,
prodígio que Acaz não entenderá, como bem o merece a Sua incredulidade; mas
que S. Mateus mostra cumprido no nascimento de Jesus: Eis que uma VIRGEM
CONCEBERÁ E DARÁ À LUZ um filho e será chamado o seu nome Emanuel (Isaías VII-
14). É claro que ESTE GRANDE PRODÍGIO ficaria incompleto, se Maria pudesse
conceber, permanecendo virgem e não pudesse dar à luz sem perda de sua
integridade. E o texto afirma uma coisa e outra; diz: Eis que uma VIRGEM
CONCEBERÁ e acrescenta: E DARÁ À LUZ.

Ir perguntar aos médicos como isto pode acontecer, quais são as suas
explicações sobre o caso, seria muito fora de propósito: seria o caso também de
perguntar aos sábios como pôde Jesus entrar numa casa estando as portas
fechadas (João XX-19) ou como pode um morto ressuscitar no terceiro dia.

3º — VIRGEM DEPOIS DO PARTO. Se Maria SSma manifestou diante do Anjo aquele


firmíssimo propósito de conservar-se virgem, não se pode conceber que aquela
que S. Isabel, inspirada pelo Espírito Santo, chamou bendita entre as mulheres
(Lucas I-42) tivesse a fraqueza de quebrar o seu voto. Se diante da própria
perspectiva de ser a mãe do Messias, se diante da própria mensagem do Céu ela
vê, no seu empenho de permanecer virgem, um obstáculo muito grande para
aceitar a grande missão que lhe era confiada e só dá o seu consentimento quando
o Anjo a tranquiliza a respeito, como é que depois do nascimento de Jesus ela
não se contentaria com um Filho tão nobre e tão sublime e procuraria ter outros?
O mesmo se diga de S. José que a Escritura abertamente chama um homem justo
(Mateus I-19). Não se concebe que, após o nascimento do Redentor, quisesse
forçar ou induzir a sua esposa a quebrar a sua inabalável resolução, quando a
segurança com que Maria declara que não conhece varão (ela que demonstra
assim conhecer as leis do matrimônio) mostra claramente que S. José estava de
pleno acordo com o seu propósito, e voto de virgindade. Bem como seria grande
presunção de sua parte querer violar o corpo virginal de Maria, que servira de
templo ao Redentor.

Para quem sabe tirar logicamente as conclusões de um fato, para quem lê os


Evangelhos com o desejo sincero de conhecer a verdade e não com a ideia
preconcebida de contradizer a Igreja, para quem considera a Mãe de Deus como
ela o era realmente, uma criatura santa e fiel aos seus compromissos assumidos
para com Deus, o diálogo entre Maria e o Arcanjo S. Gabriel é uma prova cabal
de sua PERPÉTUA VIRGINDADE.

Notas (pular)

[59] O texto grego de Nestle não traz as palavras: Bendita és tu entre as mulheres, mas as mesmas
competem sem dúvida alguma a Maria SSma, porque foram proferidas por S. Isabel, que as disse, inspirada
pelo Espírito Santo, e isto consta não só da Vulgata, mas também do texto grego: Isabel ficou cheia do
Espírito Santo e bradou em alta voz e disse: Benta és tu entre as mulheres, e bento é o fruto do teu ventre
(Lucas I-42). (voltar)

Antes de coabitarem.

396. Vejamos agora os textos do Evangelho, sobre os quais se enganam


redondamente os protestantes, julgando ver neles uma prova de que Maria não
foi virgem depois do parto.

Um deles é o seguinte: Estando já Maria, sua mãe, desposada com José, ANTES
DE COABITAREM, se achou ter ela concebido por obra do Espírito Santo (Mateus I-
18).
Tanto a palavra portuguesa COABITAR, como a palavra grega a ela correspondente
no texto, isto é, o verbo SYNÉRCHOMAI, têm 2 sentidos, um inocente e outro não.

SYNÉRCHOMAI = reunir-se em um mesmo lugar, habitar junto.

SYNÉRCHOMAI = ter relações carnais.

Se modernamente no português o verbo COABITAR começa a ser empregado mais


neste 2º sentido, isto nada tem que ver com a questão. Não deixa de haver em
português o 1º sentido; consulte-se para isto qualquer dicionário. Além disto a
Bíblia não foi escrita em português; o texto do Pe Pereira que aí damos não é
mais que a tradução da Vulgata, que por sua vez traduz o texto grego, e no grego
há os 2 sentidos.

Fica, portanto, a questão: ANTES DE COABITAREM aí no caso quer dizer: ANTES DE


MORAREM JUNTOS ou quer dizer ANTES DE TEREM RELAÇÕES CARNAIS?

Para se resolver esta questão, seria preciso, porém, resolver a outra, a qual não
ficou devidamente elucidada: DESPOSADA no texto da Anunciação quer dizer
CASADA ou quer dizer apenas NOIVA, DADA EM CASAMENTO?

Se DESPOSADA quer dizer simplesmente NOIVA, como opinam muitos bons


intérpretes, então ANTES DE COABITAREM significa simplesmente: antes que o noivo
José tivesse levado Maria para a sua casa e começassem a morar juntos sob o
mesmo teto. Não há, portanto, nenhuma prova contra a virgindade de Maria
SSma.

— Mas dirão os protestantes: O Sr. mesmo disse que também são muitos os bons
intérpretes que afirmam que quando o Anjo anunciou a Maria, ela já estava
casada, morando com José na mesma casa. Nesta hipótese então ANTES DE
COABITAREM quer dizer evidentemente ANTES DE TEREM RELAÇÕES SEXUAIS. Ora,
dizendo isto, o Evangelista mostra que de fato tiveram estas relações depois.

— Quer dizer então que a objeção de Vocês vale somente sob condição. Está de
pé a objeção somente no caso em que DESPOSADA queira dizer CASADA e MORANDO
NA MESMA CASA.

Mas vamos supor mesmo como certo o que é discutido. Vamos supor como
assentado de pedra e cal que Maria recebeu a mensagem do Anjo, quando já
estava morando com S. José na mesma casa e que, portanto, ANTES DE
COABITAREM quer dizer ANTES DE TEREM RELAÇÕES CARNAIS.

Mesmo assim, é inteiramente falha a argumentação de Vocês.

Daí não se segue forçosamente que houve tais relações depois. O fito do
Evangelista é apenas frisar que não houve intervenção humana no nascimento de
Jesus; e ele podia muito bem ter dito isto, mesmo sem cogitar de maneira alguma
no que sucedeu ou podia ter sucedido depois. Nem sempre quando se diz: ANTES
DE FAZER uma coisa, se segue que a coisa depois foi feita.

Podemos citar inúmeros exemplos.

Já S. Jerônimo, argumentando contra Helvídio, apresentava as seguintes frases:

ANTES DE ALMOÇAR NAQUELE PORTO, embarquei para a África.


Paulo Apóstolo, ANTES DE CHEGAR À ESPANHA, foi preso.
Helvídio, ANTES DE FAZER PENITÊNCIA, morreu.

Daí não se segue que depois voltei àquele porto para almoçar. Não se segue que
Paulo tivesse chegado à Espanha, nem que Helvídio, depois de morto, tivesse
feito penitência.

Cornélio Alápide lembra as seguintes frases:

Ele, ANTES DE ENVELHECER, estava cheio de cabelos brancos.


Este menino, ANTES DE ATINGIR A IDADE VIRIL, já é um sábio.

Daí não se conclui que ele tenha envelhecido, pode até ter morrido antes disto,
mas o fato é que teve cabelos brancos antes de envelhecer. Nem se conclui que o
menino tenha que atingir a idade viril para a frase ser verdadeira: a frase exprime
apenas o que o menino é de inteligência precoce, pode muito bem morrer antes
de tornar-se homem, como muitas vezes acontece com os precoces.

Observa Calmet:

“Diz-se todos os dias que:


Um homem morreu ANTES DE EXECUTAR SEUS PROJETOS.
Segue-se daí que os tenha executado depois da morte?
que: Um juiz condenou o réu, ANTES DE OUVI-LO.
Segue-se que o tenha ouvido, depois de condená-lo?”

Realmente, caros amigos, nós dizemos:

Os alunos, ANTES DE PRESTAREM O EXAME, foram aprovados e diplomados;

O trem espatifou-se, ANTES DE CHEGAR À ESTAÇÃO DE TAL CIDADE;

quando é claro que, depois de diplomados, os alunos não prestarão mais exames
e que o trem espatifado não chegou ao seu destino.

E quando dizemos: Os protestantes, ANTES DE ESTUDAREM A FUNDO AS QUESTÕES


BÍBLICAS, se põem a doutrinar; não cogitamos se no caso eles irão depois estudar
a fundo ou não estas questões bíblicas.

Em todos estes casos ANTES DE FAZER equivale apenas a SEM FAZER:

Embarquei para a África SEM ALMOÇAR; Paulo foi preso SEM TER CHEGADO à
Espanha, Helvídio morreu SEM FAZER PENITÊNCIA; ele, SEM ENVELHECER, estava com
cabelos brancos; o menino, SEM SER HOMEM FEITO, já é um sábio; o homem morreu
SEM EXECUTAR os seus projetos; o juiz condenou o réu SEM OUVI-LO; os alunos
foram diplomados SEM PRESTAREM EXAME; o trem espatifou-se SEM CHEGAR àquela
estação e os protestantes se põem a doutrinar SEM ESTUDAREM A FUNDO AS
QUESTÕES BÍBLICAS.

A frase do Evangelho quer dizer apenas: Estando já Maria, sua mãe, desposada
com José, SEM COABITAREM, se achou ter ela concebido do Espírito Santo. Seja
qual for o sentido que se queira dar à palavra COABITAR, isto em nada atinge no
caso a virgindade de Maria SSma.

Não temas receber Maria, tua mulher.

397. Uma vez averiguado por S. José o estado de gravidez de Maria SSma, isto
não deixou de ser um caso doloroso para ele. Não tinha nenhuma dúvida sobre a
virtude de Maria e por outro lado aparecia aquele fenômeno tão estranho.
Observa Calmet: “Ele creu que o que via nela, provinha antes de alguma
violência que ela teria sofrido ou de alguma outra causa que lhe era
desconhecida”. Maria, por sua vez, guardava o segredo da revelação do Anjo,
entregando-se confiantemente à Divina Providência que tudo solucionaria.

Nesta situação angustiosa, resolve José deixá-la secretamente. Foi a atitude que
se lhe afigurou mais prudente e acertada. Um anjo, então, em sonhos lhe explica
o ocorrido. É a melhor solução e a que não podia faltar; o papel de José como
preservador da reputação de Maria é indispensável; e por outro lado a revelação
feita pelo Céu torna-se mais honrosa para a Santíssima Virgem.

O Anjo diz a José: Não temas RECEBER a Maria, tua mulher, porque o que nela se
gerou é obra do Espírito Santo (Mateus I-20). E diz o Evangelho que
despertando José do sono, fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e
RECEBEU a sua mulher (Mateus I-24).

Que significa este verbo RECEBER aí expresso duas vezes?

Corresponde ao verbo grego:

PARALAMBÁNO — receber ao pé de si ou consigo (como mulher ou companheira,


como filho adotivo ou como auxiliar ou aliado); acolher, dar hospitalidade;
tomar a seu cargo; aceitar, admitir.

Na hipótese de que S. José, ao receber o aviso em sonhos, estivesse


simplesmente noivo, a palavra do Anjo quer dizer: Não temas realizar com
Maria a cerimônia do casamento e levá-la para tua casa.

Na hipótese de que já estivessem casados, quer dizer: Não temas aceitá-la como
tua mulher, não a abandones.

Talvez o protestante queira tirar desta palavra TUA MULHER, uma conclusão contra
a virgindade de Maria SSma. Tudo é possível na cabeça de um leitor malicioso.
Mas chamando-a TUA MULHER, o Evangelista quer referir-se apenas ao que ela é
LEGALMENTE, ou melhor, perante a lei, perante o público, sem cogitar daquilo que
se passa na intimidade conjugal. E é assim que sempre procedem os Evangelhos.
O próprio S. Mateus, neste mesmo capítulo, começa o seu Evangelho fazendo a
genealogia de Jesus Cristo pelo lado de S. José, embora sabendo perfeitamente
que ele não é o pai de Jesus. Quando o Menino é apresentado no templo, José e
Maria ficam encantados com as palavras de Simeão, e o Evangelista os chama de
pai e mãe do Menino: E seu PAI e mãe estavam admirados daquelas coisas que
dEle se diziam (Lucas II-33) [60].

E a própria Maria SSma chamou a José de PAI do Menino, quando ele se perdeu,
com doze anos e foi achado no templo de Jerusalém: Sabe que teu PAI e eu te
andávamos buscando cheios de aflição (Lucas II-48). Alguns querem tirar daí
argumento para dizer que José foi pai verdadeiro de Jesus, e não pai adotivo.
Mas os próprios protestantes não concordam com isto, porque está evidente nos
Evangelhos que a concepção de Cristo foi virginal. Faz-se a genealogia de José,
chama-se a José de pai, porque perante a lei ele é o pai do Menino.

Assim também, perante a lei Maria é a mulher de José; se há entre eles um pacto
de continência, se ambos espontaneamente renunciam na intimidade os seus
direitos matrimoniais, não é por isto que Maria deixa de ser realmente a mulher
de José.

Notas (pular)

[60] Ferreira de Almeida traz: José e sua mãe se maravilharam das coisas que dEle se diziam (Lucas II-33).
Mas não está de acordo com o texto grego que diz: O SEU PAI E A MÃE. Podem-se conferir todos os outros
tradutores, inclusive a Sociedade Bíblica do Brasil. (voltar)

O primogênito.

398. Outro argumento que os adversários da virgindade perpétua de Maria


acham fortíssimo, mas que na realidade não prova coisa alguma, é o fato de
Jesus ser chamado PRIMOGÊNITO.

Isto acontece 2 vezes no texto da Vulgata: em S. Mateus e em S. Lucas.

E ele não na conheceu enquanto ela não deu à luz ao seu PRIMOGÊNITO; e Lhe pôs
por nome Jesus (Mateus I-25).

E deu à luz o seu filho PRIMOGÊNITO e O enfaixou e O reclinou em uma


manjedoura (Lucas II-7).

Queremos notar, não para nos descartarmos desta palavra PRIMOGÊNITO, o que não
é possível, pois aparece em S. Lucas (nem há necessidade disto, como veremos),
mas por simples informação ao leitor, que a palavra PRIMOGÊNITO não aparece no
texto grego de S. Mateus.

OUK (não) EGÍNOSKEN AUTÉN (a conhecia) HÉOS (até que) ÉTEKEN (deu à luz) HYIÓN
(um filho) KAI (e) EKÁLESEN (chamou) TÒ ÓNOMA AUTÓU (o nome dEle) IESÓUN
(Jesus).

A palavra deve ter sido acrescentada por distração de algum copista influenciado
pelo fato de aparecer a mesma em S. Lucas. Como testemunho insuspeito, temos
a tradução da Sociedade Bíblica do Brasil, a qual não traz aí no texto de
S. Mateus esta palavra: E NÃO A CONHECEU, ENQUANTO ELA NÃO DEU À LUZ UM FILHO, A
QUEM PÔS O NOME DE JESUS (Mateus I-25).

O fato, porém, é que no Evangelho de S. Lucas se diz que Maria deu à luz seu
filho PRIMOGÊNITO.

Ora, dizem os protestantes, PRIMOGÊNITO quer dizer o primeiro que foi gerado;
logo, nasceram outros. Além disto, S. Lucas escreveu o seu Evangelho não no
tempo em que o Menino nasceu, porém muitos anos depois da morte de Cristo;
se o Evangelho diz PRIMOGÊNITO e não Unigênito, isto é sinal de que o
Evangelista sabia da existência de outros filhos. Logo, Maria não foi virgem
depois do parto.

— Toda esta argumentação se baseia num falso fundamento: o protestante, no


caso, não tem uma ideia exata do que quer dizer PRIMOGÊNITO.

E a questão não está em saber qual a impressão que vai produzir esta palavra no
espírito de um herege que está ansioso por encontrar argumentos a fim de provar
que Maria SSma perdeu um dia a sua virgindade. A questão está em saber qual o
significado que davam os hebreus à palavra PRIMOGÊNITO, pois é neste sentido que
a empregam os Evangelhos.

PRIMOGÊNITO era simplesmente isto: aquele antes do qual não tinha nascido outro.
Nascessem outros depois ou não, isto não importava no caso; o primeiro que
nascia era PRIMOGÊNITO sempre e, como tal, tinha uma especialidade, era
consagrado a Deus: Falou mais o Senhor a Moisés e lhe disse: Consagra-me
todos os PRIMOGÊNITOS que abrem o útero de sua mãe entre os filhos de Israel,
assim de homens como de animais, porque TODOS ELES SÃO MEUS (Êxodo XIII-1 e
2). Todo o macho que abre o útero de sua mãe será meu; os de todos os animais,
assim de vacas como de ovelhas, serão meus (Êxodo XXXIV-19).

E é precisamente porque vai descrever depois a apresentação do Menino no


templo, na sua qualidade de primogênito, que Lucas, ao relatar o nascimento de
Jesus, O chama deste modo: E depois que foram concluídos os dias da
purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, O levaram a Jerusalém para O
apresentarem ao Senhor, segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o
filho macho que for PRIMOGÊNITO será consagrado ao Senhor (Lucas II-22 e 23).

Quanto a S. Mateus, como vimos, o texto grego não traz esta palavra, mas ainda
mesmo que a trouxesse, isto em nada afetaria o caso. Se primogênito é O
PRIMEIRO QUE É GERADO, como a própria palavra está dizendo, se primogênito era
uma classe especial de homens consagrados a Deus, pouco importa que depois
dele tenham nascido outros ou não, aquele que antes de si não teve nenhum
irmão é eternamente e para todos os efeitos o primogênito. Quando Deus, como
se conta no Êxodo (XII-29 e 30) fez morrer no Egito todos os PRIMOGÊNITOS, é
claro que mesmo aqueles que já eram homens feitos e não tinham tido mais
nenhum irmão ou irmã, e mesmo que os não pudessem ter mais, por haverem
morrido seus pais, ainda assim entravam no rol: se eram os primeiros filhos, se
antes deles não tinha nascido nenhum, era o quanto bastava para serem
irrevogavelmente primogênitos e, como tais, condenados à exterminação.

Esta era a significação da palavra BEKOR ou primogênito entre os hebreus: o


primeiro que nasce, independentemente da consideração se depois dele nascem
outros ou não. Uma antiga inscrição judia encontrada em Tell-el-Yedouhieh,
fala-nos de uma jovem mulher chamada Arsinoé que morreu “entre as dores do
parto do seu filho PRIMOGÊNITO”. Aliás, o mesmo se podia dizer em nossa língua,
sem que nisto houvesse nenhuma falta de lógica, uma vez que não repugna que
haja PRIMEIRO SEM SEGUNDO, porque alguém pode dizer, por exemplo: Este foi o
meu primeiro discurso, aliás PRIMEIRO E ÚLTIMO, porque não falarei mais em
público. Como se vê, a noção de PRIMEIRO e a noção de ÚLTIMO não implicam
necessariamente uma contradição.

E fazendo ressaltar em Jesus a sua qualidade de PRIMOGÊNITO, o Evangelista quer


relembrar apenas que, peia lei mosaica, Ele era, como todos os primogênitos,
consagrado a Deus.
O uso de “enquanto” e “até que” entre os hebreus.

399. Mas onde se mostra bem claramente um modo bem diverso de expressar-
se, entre o nosso idioma e a linguagem usada antigamente entre os hebreus, é na
frase empregada por S. Mateus, referindo-se a S. José:

E ele não na conhecia ENQUANTO ela não DEU À LUZ o seu primogênito; e Lhe pôs
por nome Jesus (Mateus I-25).

Ferreira de Almeida e Pe Matos Soares apresentam a conjunção subordinativa de


um modo ainda mais conforme ao texto grego e ao latim da Vulgata:

Ferreira de Almeida: E não a conheceu ATÉ QUE deu à luz seu filho, o
primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus (Mateus I-25).

Pe Matos Soares: E não a conhecia ATÉ QUE deu à luz seu filho primogênito; e
pos-Lhe o nome de Jesus (Mateus I-25).

Não há dúvida que isto dito assim em nossa língua parece dar a entender que
José a conheceu depois; mas a questão está em saber se no modo de falar dos
HEBREUS DAQUELE TEMPO, SE NO MODO DE FALAR DA BÍBLIA se tira esta conclusão. E
aí se vê o perigo de pôr-se a Bíblia, um livro escrito há tantos séculos e
apresentando uma linguagem bem diversa da nossa, nas mãos de qualquer
pessoa, com o direito de interpretá-la como lhe vem à cabeça, sem ter o
conhecimento da índole das línguas antigas.

Segundo o modo de falar dos hebreus (e S. Mateus é um hebreu da gema e aliás


escreveu o Evangelho na sua própria língua, sendo o texto grego uma tradução e
quem traduz a Escritura, o faz palavra por palavra, para respeitar o texto sagrado,
além disto é certo que o grego do Novo Testamento está repleto de hebraísmos),
segundo o modo de falar das línguas semíticas:

não a conheceu ENQUANTO ela não deu à luz;

não a conheceu ATÉ QUE ela deu à luz;

quer dizer simplesmente isto: sem que a tivesse conhecido, ela deu à luz — sem
nenhuma preocupação com o que aconteceu ou não aconteceu depois.
O leitor naturalmente exige provas, quer que se apresentem frases semelhantes
nas Escrituras.

Pois bem, não será difícil apresentá-las.

Vejamos o Gênesis.

Houve o dilúvio em que caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta
noites (Gênesis VII-12). As águas cresceram e engrossaram prodigiosamente
por cima da terra, e todos os mais elevados montes que há debaixo do Céu
ficaram cobertos; tendo a água chegado ao cume dos montes, elevou-se ainda
por cima deles quinze côvados (Gênesis VII-19 e 20). E as águas tiveram a terra
coberta cento e cinquenta dias (Gênesis VII-24).

Noé e os seus estão na arca. Depois dos 150 dias começam as águas a diminuir:
E as águas... começaram a diminuir-se depois de cento e cinquenta dias
(Gênesis VIII-3). É natural agora, portanto, a curiosidade de Noé em saber a
marcha em que se vai processando esta diminuição das águas e quanto tempo
mais ou menos irá durar aquela moradia dentro da arca, que por certo não deve
ser lá muito cômoda.

Solta então um corvo que não volta mais (Gênesis VIII-7);

solta depois uma pomba que, não achando onde pousar, volta bem depressa para
a arca (Gênesis VIII-9);

sete dias depois, solta outra pomba e esta volta para Noé sobre a tarde, trazendo
no seu bico um ramo de oliveira com as folhas verdes (Gênesis VIII-11). É já
um bom sinal;

espera Noé mais sete dias e solta outra pomba que não torna mais a ele (Gênesis
VIII-12).

O corvo não se mostrou bom mensageiro; enrascou-se no meio das águas e não
acertou o caminho para voltar. Daí o ditado entre os hebreus de se chamar corvo
mensageiro ao portador que não dá conta de seu recado.

Pois bem, em lugar de dizer, como nós diríamos, que a arca pousou em terra, SEM
QUE o corvo tivesse voltado, a Escritura diz da seguinte maneira: abriu Noé a
janela que tinha feito na arca e soltou um corvo, o qual saiu e não voltou mais,
ATÉ QUE AS ÁGUAS QUE ESTAVAM SOBRE A TERRA SE SECARAM (Gênesis VIII-6 e 7) [61].

Ora, é evidente que o corvo não voltou mais à arca, depois que ela pousou em
terra; nem isto interessa mais ao narrador, que quis mostrar apenas a marcha dos
acontecimentos enquanto estavam na arca. Mas é o modo de falar deles naquele
tempo. Assim também, em vez de dizer: Maria deu à luz, sem que José a tivesse
conhecido, S. Mateus diz que José não a conheceu, ATÉ QUE ela deu à luz. O que
interessa ao narrador no caso é simplesmente mostrar que a concepção de Jesus
foi virginal.

Mas vamos a outros exemplos.

Em vez de dizer: Reduzirás a pó os reis, SEM QUE NINGUÉM TE POSSA RESISTIR, a


Bíblia diz: Entregar-te-á nas tuas mãos os seus reis, e fará que não fique
memória de seus nomes debaixo do Céu; ninguém te poderá resistir, ATÉ QUE OS
TENHAS FEITO EM PÓ (Deuteronômio VII-24). É claro que, depois de reduzidos a pó
os reis, com maioria de razão ninguém poderá resistir. Mas este é o modo de
falar dos antigos: ninguém resistirá ATÉ QUE os tenhas feito em pó.

Em vez de dizer: Micol, filha de Saul, MORREU SEM TER TIDO FILHOS, a Bíblia diz:
Micol, filha de Saul, não teve filhos ATÉ O DIA DA SUA MORTE (2º Reis VI-23).

Em vez de dizer: Morrereis, SEM QUE esta iniquidade vos seja perdoada, Isaías
diz: Não se aos perdoará por certo esta iniquidade ATÉ QUE MORRAIS, diz o Senhor
Deus dos exércitos (Isaías XXII-14). Vê-se muito bem que Deus não quer dizer
aí que, depois de mortos, vai dar-lhes o perdão; mas sim que morrerão sem
alcançá-lo. E no mesmo profeta Isaías, em vez de se dizer: Estabelecerá a justiça
sobre a terra, SEM PRECISAR SER TRISTE NEM TURBULENTO, diz assim: Não será triste
nem turbulento, ATÉ QUE estabeleça na terra o justiça (Isaías XLII-4). É evidente
que, se o libertador de Israel não foi triste nem turbulento antes do
estabelecimento da justiça, muito menos o será depois de estabelecê-la. Mas este
é o estilo da Bíblia. O ATÉ QUE, e o ENQUANTO NÃO, não têm na Bíblia o mesmo
sentido que têm na nossa linguagem comum, não exprimem absolutamente uma
restrição. Não há, portanto, restrição à virgindade de Maria naquela frase de
S. Mateus.

Outros exemplos em que o ATÉ QUE não exprime nenhuma restrição, temos nos
Salmos:

Como os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim os nossos olhos estão
fitos no Senhor nosso Deus, ATÉ QUE tenha misericórdia de nós (Salmos CXXII-
2). Quer dizer então que, depois que Deus tiver misericórdia, não olharemos
mais para Ele e nEle não teremos mais os olhos fitos? Não é este absolutamente
o sentido do Salmista.

Diz o Salmo 119: Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha mão direita,
ATÉ QUE PONHA a teus inimigos por escabelo de teus pés (Salmos CIX-1). Quer
dizer que depois de ter os inimigos debaixo de seus pés, aquele Triunfador não
estará mais sentado à direita do Senhor? Absolutamente não; porque aí é que vai
começar a época melhor de reinar, de sentar-se glorioso, com os inimigos
vencidos e subjugados a seus pés.

Mas é este o estilo da Bíblia.

Não podemos, portanto, tomar uma frase bíblica e querer à fina força interpretá-
la de acordo com o nosso modo de falar de hoje, dentro da nossa língua; ela tem
que ser vista como realmente é, uma palavra da Escritura que tem o seu estilo
próprio, a sua linguagem peculiar.

E argumentar, muito entusiasmado, com estas frases que enganam à primeira


vista, é mostrar apenas falta de conhecimento do que é a Bíblia.

José não conheceu a Maria, até que ela deu à luz o seu filho, quer dizer
simplesmente, segundo o modo de falar das Escrituras, a afirmação de que Maria
era virgem por ocasião de seu abençoado parto; esta afirmação absolutamente
não é destruída por esta outra que também é verdadeira: Maria continuou virgem
a sua vida inteira, ATÉ QUE morreu, o que por sua vez também não quer dizer que
ela tenha perdido a virgindade depois da morte.

Notas (pular)

[61] Este texto que é o da Vulgata está de acordo também com a versão dos Setenta, e portanto de qualquer
maneira reflete o modo de falar dos antigos. E se assim verteram os Setenta e S. Jerônimo, quem pode
garantir qual é o texto hebraico original exato, se é o que temos hoje ou o que os Setenta e S. Jerônimo
tiveram em mãos? (voltar)

Os irmãos de Jesus.
Os irmãos de Jesus.

400. Diante da frase de S. Mateus vista no número anterior, o leitor ainda


poderá compreender como se tenham equivocado os protestantes, iludindo-se
com as aparências.

Mas agora vai pasmar ao ver a malícia, a precipitação com que esses enfatuados
intérpretes da Bíblia que a leem continuamente e procuram aprendê-la de cor,
ainda vão tirar da expressão IRMÃOS DE JESUS uma conclusão contra a virgindade
perpétua do Maria SSma. Senão, vejamos.

Sabemos que a Escritura não somente designa com o nome de irmãos aqueles
que são filhos do mesmo pai ou da mesma mãe, como eram Caim e Abel, Esaú e
Jacó, S. Tiago Maior e S. João Evangelista (que eram filhos de Zebedeu) etc.;
mas também aqueles que são parentes próximos, como tios e primos.

A Escritura está cheia destes exemplos.

Abraão chama de irmão a Lot: Peço-te que não haja rixas entre mim e ti, nem
entre os meus pastores e os teus, porque somos IRMÃOS (Gênesis XIII-8). Mais
adiante a própria Bíblia o chama assim: Abraão, tendo ouvido que Lot, seu
IRMÃO, ficara prisioneiro... (Gênesis XIV-14). Pois bem, Lot era apenas sobrinho
de Abraão, pois já antes disto se lê no Gênesis: Tinha Abraão setenta e cinco
anos quando saiu de Harã. E ele levou consigo a Sarai, sua mulher, a Lot, FILHO
DE SEU IRMÃO, e todos os bens que possuíam (Gênesis XII-4 e 5).

Labão diz a Jacó: Acaso, porque tu és meu IRMÃO, deves tu servir-me de graça?
(Gênesis XXIX-15). E no entanto Jacó era SOBRINHO de Labão: Isaac chamou a
Jacó e o abençoou e lhe pôs por preceito dizendo: Não tomes mulher da geração
de Canaã; mas vai e parte para a Mesopotâmia ... e desposa-te com uma das
filhas de Labão, TEU TIO (Gênesis XXVIII-1 e 2). Realmente Jacó era filho de
Isaac com Rebeca (Gênesis XXV-21 a 25) e Rebeca era irmã de Labão: Rebeca,
porém, tinha um irmão chamado Labão (Gênesis XXIV-29). E no entanto não
só, como vimos acima, seu tio o chama IRMÃO, mas também quando Jacó se
encontra com Raquel, que é filha de Labão (Gênesis XXIX-5 e 6), diz à moça
que é IRMÃO de Labão: E lhe manifestou que era IRMÃO de seu pai e filho de
Rebeca (Gênesis XXIX-12).
Lê-se no Levítico que Nadab e Abiu, FILHOS de ARÃO (Levítico X-1) são mortos
por castigo, por terem oferecido um fogo estranho nos seus turíbulos. Moisés
chama os primos dos que faleceram: Misael e Elisafã, FILHOS de Oziel, TIO DE
ARÃO (Levítico X-4) e lhes diz: Ide, tirai vossos IRMÃOS de diante do santuário e
levai-os para fora do campo (Levítico X-4).

Lê-se no livro de Paralipômenos que Eleazar e Cis são filhos de Moholi: FILHOS
DE MOHOLI: Eleazar e Cis (1º Paralipômenos XXIII-21), portanto irmãos no
verdadeiro sentido da palavra. Eleazar só teve filhas e não filhos; as filhas dele
se casaram com os filhos de Cis. Espera-se que a Escritura diga: casaram-se com
os filhos de Cis, que eram seus primos; mas ela diz: com os filhos de Cis, seus
IRMÃOS. E Eleazar morreu e não teve filhos, senão filhas; e casaram com os
filhos de Cis, SEUS IRMÃOS (1º Paralipômenos XXIII-22).

É dentro deste costume hebreu de designar com o nome de IRMÃOS, não só os que
têm os mesmos pais, senão também os parentes próximos como tios, primos e
sobrinhos, pois o hebraico não possuía palavras próprias para designar esses
parentescos, que o Novo Testamento fala em IRMÃOS DE JESUS e é o próprio Novo
Testamento QUE SE ENCARREGA DE DEMONSTRÁ-LO.

Querem ter a PROVA os nossos amigos protestantes?

Dá alguma vez o Evangelho os nomes desses irmãos de Jesus, para que


possamos identificá-los?

Sim, dá. Sabe-se dos nomes, pelo menos de 4: Tiago, José, Judas e Simão: Não é
este o oficial, filho de Maria, IRMÃO de TIAGO e de JOSÉ e de JUDAS e de SIMÃO?
Não vivem aqui entre nós também suas irmãs? (Marcos VI-3). Porventura não é
este o filho do oficial? Não se chamava sua mãe Maria, e seus IRMÃOS TIAGO E
JOSÉ E SIMÃO E JUDAS? E suas irmãs não vivem elas todas entre nós? (Mateus
XIII-55 e 56).

Pois bem, este TIAGO que encabeça a lista é um Apóstolo, pois diz S. Paulo na
Epístola aos Gálatas: E dos outros APÓSTOLOS não vi a nenhum, senão a TIAGO,
IRMÃO DO SENHOR (Gálatas I-19) [62].

Quer dizer então que, segundo a opinião desses protestantes, este Tiago
Apóstolo era filho de Maria, mãe de Jesus; e de Maria e de José, porque, como
os próprios protestantes reconhecem, Maria nunca teve filhos antes de seu
casamento com José. E não se casou com outro depois da morte de José, pois na
hora da morte de Cristo, ela está sozinha, sem marido e Cristo a entrega a
S. João Evangelista; além disto se Maria tivesse casado outra vez, seus filhos
estariam pequenos, não estariam em idade de ser Apóstolos.

Temos 2 Apóstolos com o nome de Tiago: Tiago Maior e Tiago Menor. Vamos
ver se algum deles era filho de José com Maria.

S. Tiago Maior era irmão de S. João Evangelista, e ambos FILHOS DE ZEBEDEU: Da


mesma sorte havia deixado atônitos a TIAGO e a JOÃO, FILHOS DE ZEBEDEU (Lucas
V-10).

S. Tiago Menor, que era irmão de Judas, era filho de ALFEU. Entre os APÓSTOLOS,
que são enumerados por S. Mateus, estão: Tiago, FILHO DE ZEBEDEU e Tiago FILHO
DE ALFEU (Mateus X-3). Que tem a ver Maria SSma com este Alfeu ou com este
Zebedeu? Logo, este Tiago, IRMÃO DO SENHOR, não é seu filho.

Além disto, comparando-se os Evangelhos, se vê claramente que este Tiago e


este José que encabeçam a lista são PRIMOS de Jesus, e o Tiago é o Apóstolo
Tiago Menor. Enumerando as mulheres que estavam juntamente com Maria ao
pé da cruz, Mateus, Marcos e João as identificam da seguinte maneira:

MATEUS XXVII-56
Maria, mãe de Tiago e de José; Maria Madalena; a mãe dos filhos de
Zebedeu.
MARCOS XV-40
Maria, mãe de Tiago Menor e de José; Maria Madalena; Salomé.
JOÃO XIX-25
a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleofas; Maria Madalena.

Por aí se vê que a mesma Maria que é apresentada por São João como tia de
Jesus (irmã de sua mãe) é apresentada por São Mateus e S. Marcos como mãe de
TIAGO MENOR e de JOSÉ. E é claro que não se trata de Maria Salomé, que é a mãe
dos filhos de Zebedeu e, portanto, é mãe de Tiago Maior.

Tiago Menor e José são, portanto, PRIMOS de Jesus e são os primeiros que
encabeçam aquela lista:

TIAGO, JOSÉ, JUDAS E SIMÃO

E de fato o Apóstolo S. Judas Tadeu era irmão de S. Tiago Menor, pois ele diz
no começo de sua Epístola: Judas, servo de Jesus Cristo e IRMÃO de Tiago (vers.
1º). Tanto o Evangelho de S. Lucas (VI-16) como os Atos dos Apóstolos (I-13)
para diferenciarem Judas Tadeu de Judas Iscariotes, chamam a Judas Tadeu:
Judas, irmão de Tiago.

E assim cai por terra fragorosamente a alegação dos protestantes de que Maria
teve outros filhos além do Divino Salvador, alegação baseada em que o
Evangelho fala em IRMÃOS DE JESUS. Não só provamos que entre os hebreus se
chamavam IRMÃOS os parentes próximos, mas também mostramos que a lista dos
nomes apresentados como sendo destes IRMÃOS é logo encabeçada por DOIS
PRIMOS, filhos da irmã da mãe de Jesus. Logo, não tem nenhum valor a alegação.

A única dificuldade, esta agora já sem importância, que pode fazer o protestante
é que Tiago Menor é filho de ALFEU, e sua mãe é apresentada como MULHER DE
CLEOFAS.

Sem precisar recorrer a nenhum argumento de tradição (porque talvez os


protestantes não gostem disto) temos que observar o seguinte:

1º — o texto original não diz MULHER DE CLEOFAS, mas diz simplesmente: a irmã
de sua mãe, Maria, a do Cleofas (texto grego de João XIX-25); podia chamar-se
Maria, a do Cleofas, por causa do pai ou por outro qualquer motivo;

2º — não repugna que a mesma Maria se tenha casado com Alfeu e dele tenha
tido S. Tiago Menor, e depois se tenha casado com Cleofas e tido outros filhos
ou mesmo deixado de ter. Tiago é o único que é apontado nos Evangelhos como
filho deste Alfeu, pois o Alfeu, pai de S. Mateus (Marcos II-14) já deve ser
outro;

3º — não repugna que o próprio Alfeu seja o mesmo Cleofas [63]. É muito
comum nas Escrituras uma pessoa ser conhecida por 2 nomes diversos: O sogro
de Moisés é chamado Raguel (Êxodo II-18 a 21) e logo depois é chamado Jetro
(Êxodo III-1). Gedeão, depois de ter derribado o altar de Baal é chamado
também Jerobaal (Juízes VI-32). Osias, rei de Judá, é chamado também Azarias
(4º Reis XV-32; 1º Paralipômenos III-12). E no Novo Testamento o mesmo
Mateus é chamado Levi: Viu um homem, que estava assentado no telônio,
chamado Mateus (Mateus IX-9). Viu a Levi, filho de Alfeu, assentado no telônio
(Marcos II-14). O mesmo que é chamado José é chamado Barsabas (Atos I-23).

Ainda hoje mesmo, entre nós, nas nossas localidades do interior principalmente,
é multo comum esta duplicidade de nomes.

Seja Alfeu o mesmo Cleofas ou não seja, isto pouco importa. O que é fato é que
Maria de Cleofas é irmã de Maria, mãe de Jesus e é ao mesmo tempo mãe de
Tiago e de José, que são chamados IRMÃOS do Senhor.

Queremos ainda chamar a atenção do leitor para o seguinte: esses hereges que
negam a virgindade perpétua de Maria SSma e que dizem que IRMÃOS de Jesus
quer dizer FILHOS DE MARIA, atribuem à SSma Virgem uma filharada enorme.

Além de Tiago, José, Judas e Simão, estão as IRMÃS DE JESUS, sobre as quais
S. Mateus apresenta os judeus dizendo: E suas irmãs não vivem elas TODAS entre
nós? (Mateus XIII-56). Ora, para se dizer assim TODAS, é preciso que sejam de 3
para cima.

Além disto Tiago e Judas eram Apóstolos. Mas S. João no seu Evangelho já fala
em IRMÃOS que são hostis a Jesus e Lhe dizem: Sai daqui e vai para a Judeia,
para que também teus discípulos vejam as obras que tu fazes (João VII-3). Ali
na Galileia o ambiente não estava de todo favorável ao Divino Mestre, porque
nem ainda seus IRMÃOS criam nEle (João VII-5). É, portanto, mais outra tropa de
irmãos a engrossar a fileira dos filhos de Maria [64]...

E no entanto o Evangelho, descrevendo a vida de família em Nazaré, relatando a


ida de Jesus ao templo de Jerusalém, quando o Menino Deus já tinha doze anos
(Lucas II-42), não faz a mínima referência a irmão nenhum que Jesus tivesse. Se
Maria teve assim tantos filhos, nessa ocasião já deveria ter alguns.

Os Evangelhos só vêm a falar em IRMÃOS de Jesus, quando Ele aparece na sua


vida pública.

Mais ainda: na hora de sua morte, é a S. João Evangelista, filho de Zebedeu e de


Salomé, que Ele encarrega de ficar tomando conta de sua Mãe SSma: Jesus, pois,
tendo visto sua mãe e ao discípulo que Ele amava, o qual estava presente, disse
a sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe.
E desta hora em diante a tomou o discípulo para sua casa (João XIX-26 e 27).

Se Maria teve tantos filhos e filhas, como se explica que ela tenha sido entregue
aos cuidados de S. João Evangelista e que este a tenha levado para sua casa?
Dizer que esses irmãos do Senhor tenham morrido dentro daqueles três anos da
vida pública do Mestre, não é possível, pois S. Paulo continua falar em irmãos
do Senhor que ainda estão vivos depois da morte de Jesus (1ª Coríntios IX-5;
Gálatas I-19).

É inqualificável esta AUDÁCIA, esta TEMERIDADE com que um protestante lê a sua


Bíblia, assim tão às pressas, tão descuidadamente e sai depois, sem o menor
escrúpulo, a blasfemar daquilo que ignora.

E é assim que se faz a interpretação protestante.

Uma interpretação superficial, que não aprofunda o sentido dos textos, que se
ilude facilmente com as aparências, que não é baseada em nenhum princípio de
lógica, que não se dá ao trabalho de confrontar e harmonizar uma passagem com
outra, e que usa frequentemente de truques, de estéril jogo de palavras. Não
estamos falando sem provas; o leitor já teve ocasião de sobra para apreciar tudo
isto no decurso deste livro: já vimos quanto valem os seus argumentos, quando
querem estabelecer a tese de que a fé salva sem as obras, quando querem
derrubar as teses do primado de Pedro, do poder e autoridade da Igreja, dos
efeitos do Batismo, do Sacramento da Penitência, da presença de Jesus na
Eucaristia, ou quando querem apresentar a Igreja como idólatra, por causa de
suas imagens etc., etc.

É com esta interpretação superficial que eles se armam para procurar atingir o
seu objetivo, que é combater a Igreja Católica, fundada por Jesus Cristo para ser
a coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15) e que tem a seu favor as
divinas promessas de que jamais falhará, por mais encarniçadas que sejam as
guerras desencadeadas contra ela pelas potestades infernais.

Nesta ânsia de combater a Igreja, pouco lhes importa o valor ou a qualidade das
objeções; a quantidade, sim, é o que lhes interessa. Acumular objeções sempre
mais e mais; se forem bem resolvidas, eles não cessarão a luta, terão sempre
mais e mais; se forem bem resolvidas, eles não cessarão a luta, terão sempre
novas objeções a apresentar; estas nunca lhes faltarão, pois se a Bíblia apresenta
dúvidas e dificuldades mesmo para os verdadeiros, sinceros e preparados
intérpretes, quanto mais para quem vai manuseá-la sem a necessária sinceridade
ou sem a devida competência.

E enquanto a razão humana se mostra assim tão fraca diante da Bíblia — mais
fraca ainda, é claro, quando é perturbada pelo ódio sectário e pela ânsia de
querer forçar os textos sagrados para amoldá-los aos interesses de religiões
inventadas pelos homens — a Igreja continua firme e serena no seu posto; só ela
é que recebeu a missão divina de ensinar a todos os povos e por isto só ela é que
possui a chave da legítima interpretação da Bíblia.

Notas

[62] N.d.r.: Alguns protestantes objetam que este Tiago Apóstolo seja necessariamente dos Doze, pois
outros são chamados Apóstolos sem que tenham sido dos Doze, como Matias (Atos I-26), Paulo e Barnabé
(Atos XIV-14), Andrônico e Júnias (Romanos XVI-7), Epafrodito (Filipenses II-25). Para responder a esta
dificuldade com propriedade, incluímos aqui a tradução da seção “The identity of James, Jude and Simon”
(A identidade de Tiago, Judas e Simão) da Catholic Encyclopedia no tópico “The Brethren of the Lord” (Os
Irmãos do Senhor).

Tiago é sem dúvida o Bispo de Jerusalém (cf. Atos XII-17, XV-13, XXI-18; Gálatas I-19, II-9 a 12) e o
autor da primeira Epístola Apostólica. Sua identidade com São Tiago Menor (Marcos XV-40) e o Apóstolo
São Tiago, filho de Alfeu (Mateus X-3; Marcos III-18), ainda que contestada por muitos críticos
protestantes, pode também ser considerada como certa. Não há dúvida razoável que na Epístola aos Gálatas:
E dos outros APÓSTOLOS não vi a nenhum, senão a TIAGO, IRMÃO DO SENHOR (Gálatas I-19), S. Paulo
representa Tiago como um membro do Colégio Apostólico. O propósito pelo qual a afirmação foi feita
deixa claro que “apóstolos” é para ser tomado estritamente para designar os Doze, e esta veracidade pede
que a cláusula “senão a Tiago” ser entendida significar que em adição a S. Pedro, S. Paulo cita outro
Apóstolo, “Tiago, irmão do Senhor” (cf. Atos IX-27). Além disso, a proeminência e autoridade de Tiago
entre os Apóstolos (Atos XV-13; Gálatas II-9; neste último ele é citado até mesmo antes de S. Pedro)
poderia pertencer somente a um de seu número. Agora, havia somente dois Apóstolos chamados Tiago:
Tiago filho de Zebedeu, e Tiago filho de Alfeu (Mateus X-13; Marcos III-18; Lucas VI-16; Atos I-13). O
primeiro está fora de questão, já que estava morto no tempo dos eventos referidos por Atos XV-6ss e
Gálatas II-9 a 12 (cf. Atos XII-2). Tiago “o irmão do Senhor” é portanto um com o filho de Alfeu, e
consequentemente com Tiago Menor, sendo a identidade entre estes geralmente concedida. Novamente,
comparando João XIX-25 com Mateus XXVII-56 e Marcos XV-40 (cf. Marcos XV-47, XVI-1),
encontramos que Maria de Cléofas, ou mais corretamente Clopas (Klopas), a irmã de Maria, Mãe de Cristo,
é a mesma que Maria mãe de Tiago Menor e José, ou Joses. Como mulheres casadas não são distinguidas
pela adição do nome de seus pais, Maria de Clopas deve ser a esposa de Clopas, e não sua filha, como se
tem mantido. Mais ainda, os nomes de seus filhos e a ordem na qual eles são dados, sem dúvida em ordem
de senioridade, nos garante identificar estes filhos com Tiago e José, os “irmãos” do Senhor. A existência
entre os primeiros seguidores de Cristo de dois conjuntos de irmãos tendo os mesmos nomes em ordem de
idade, não parece ser o caso, e não pode ser assumido sem provas. Uma vez que esta identidade é
concedida, a conclusão que Clopas e Alfeu são a mesma pessoa, mesmo que os nomes sejam bem distintos.
É, entretanto, altamente provável, e comumente admitido, que Clopas e Alfeu são meramente transcrições
diferentes da mesma palavra aramaica HALPHAI. Tiago e José, “irmãos” do Senhor, são portanto os filhos de
Alfeu. De José nada mais é conhecido. Judas é o autor da última das Epístolas Católicas (Judas I). Ele é por
boa razão identificado por comentaristas católicos como “Judas Tiago” (“Judas, irmão de Tiago” na versão
Douay) de Lucas VI-6 e Atos I-13, e Tadeu em outras partes (Mateus X-3; Marcos III-18). Está de acordo
com o costume grego de um homem ser distinguido pela adição do nome do irmão em vez do nome do pai,
quando o irmão é melhor conhecido. Que este é o caso com Judas se infere do título “o irmão de Tiago”,
pelo qual ele designa a si mesmo em sua Epístola. Sobre Simão nada certo pode ser dito. Ele é identificado
pela maioria dos comentaristas com Simeão, ou Simão, que, de acordo com Hegesippus, era filho de
Clopas, e sucedeu Tiago como Bispo de Jerusalém. Alguns o identificam com o Apóstolo Simão Cananeu
(Mateus X-4; Marcos III-18) ou o Zelota (Lucas VI-15; Atos I-13). O agrupar de Tiago, Judas ou Tadeu, e
Simão, depois dos outros Apóstolos, à exceção de Judas Iscariotes, na lista dos Apóstolos (Mateus X-4 e 5;
Marcos III-18; Lucas VI-16; Atos I-13) dá alguma probabilidade a este ponto de vista, por parecer indicar
alguma conexão entre os três. Seja assim como é possível, é certo que ao menos dois dos “irmãos” de Cristo
estavam entre os Apóstolos. Isto é certamente dedutível da 1ª Epístola aos Coríntios: Acaso não temos nós
poder para levar por toda a parte uma mulher irmã, assim como também os outros Apóstolos, e os IRMÃOS
DO SENHOR e Cefas? (1ª Coríntios IX-5). A menção de Cefas ao final indica que S. Paulo, depois de falar dos
Apóstolos em geral, chama atenção especial aos mais proeminentes, os “irmãos” do Senhor e Cefas. A
objeção que nenhum “irmão” do Senhor poderia ter sido membro do Colégio Apostólico, porque seis meses
antes de Cristo morrer eles não acreditavam nEle (João VII-3 a 5) se apoia num mau entendimento do texto.
Seus “irmãos” acreditavam em seu poder miraculoso, e urgiam que Ele se manifestasse ao mundo. Sua
descrença era relativa. Não era um querer crer em Sua Messianidade, mas uma falsa concepção desta. Eles
não tinham ainda se livrado da ideia judaica do Messias que seria um governante temporal. Nós nos
deparamos com esta ideia entre os Apóstolos tão tarde quanto no dia de Sua Ascensão (Atos I-6). Em todo
caso, a expressão “seus irmãos” não necessariamente inclui cada um e todo “irmão”, quando ela ocorre.
Esta última observação também responde suficientemente à dificuldade em Atos I-13 e 14 onde, diz-se,
uma distinção clara é feita entre os Apóstolos e os “irmãos” do Senhor. (voltar)

[63] N.d.r.: cf. nota de rodapé [62]: “... Uma vez que esta identidade [entre Tiago Menor e Tiago irmão do
Senhor] é concedida, a conclusão que Clopas e Alfeu são a mesma pessoa, mesmo que os nomes sejam bem
distintos. É, entretanto, altamente provável, e comumente admitido, que Clopas e Alfeu são meramente
transcrições diferentes da mesma palavra aramaica HALPHAI”. (voltar)

[64] O fato de dizer o Evangelho de S. João que os irmãos de Jesus não criam nEle não exclui o fato de que
Tiago Menor, o Apóstolo e Judas Tadeu estejam incluídos entre os irmãos de Jesus. Costumamos fazer
classificações de acordo com a maioria. Assim é que dizemos que os brasileiros são católicos e os ingleses
são protestantes, sem que isto seja argumento para negar a existência de protestantes no Brasil ou de
católicos na Inglaterra. S. João não diz que TODOS os irmãos de Jesus eram descrentes. O que é fato,
portanto, é que os irmãos de Jesus eram tantos, que uma ou duas exceções pouco influíam no caso. (voltar)
Apêndice
Lista dos Papas
(desde S. Pedro até nossos dias)
S. Pedro Apóstolo governou a Igreja até o ano de 67, quando foi martirizado.

Nº Papa Início Fim


2º S. Lino 67 – 76
3º S. Anacleto 76 – 88
4º S. Clemente I 88 – 97
5º S. Evaristo 97 – 105
6º S. Alexandre I 105 – 115
7º S. Sisto I 115 – 125
8º S. Telésforo 125 – 136
9º S. Higino 136 – 140
10º S. Pio I 140 – 155
11º S. Aniceto 155 – 166
12º S. Sotero 166 – 175
13º S. Eleutério 175 – 189
14º S. Vitor I 189 – 199
15º S. Zeferino 199 – 217
16º S. Calisto I 217 – 222
17º S. Urbano I 222 – 230
18º S. Ponciano 230 – 235
19º S. Antero 235 – 236
20º S. Fabiano 236 – 250
21º S. Cornélio I 251 – 253
22º S. Lúcio I 253 – 254
23º S. Estevão I 254 – 257
24º S. Sisto II 257 – 258
25º S. Dionísio 259 – 268
26º S. Félix I 269 – 274
27º S. Eutiquiano 275 – 283
28º S. Caio 283 – 296
29º S. Marcelino 296 – 304
30º S. Marcelo I 308 – 309
31º S. Eusébio 309 – 309
32º S. Melquíades 311 – 314
33º 314 – 335
33º S. Silvestre I 314 – 335
34º S. Marcos 336 – 336
35º S. Júlio I 337 – 352
36º Libério 352 – 366
37º S. Dâmaso I 366 – 384
38º S. Sirício 384 – 399
39º S. Anastácio I 399 – 401
40º S. Inocêncio I 401 – 417
41º S. Zósimo 417 – 418
42º S. Bonifácio I 418 – 422
43º S. Celestino I 422 – 432
44º S. Sisto III 432 – 440
45º S. Leão I (Magno) 440 – 461
46º S. Hilário 461 – 468
47º S. Simplício 468 – 483
48º S. Félix II 483 – 492
49º S. Galásio I 492 – 496
50º Anastácio II 496 – 498
51º S. Símaco 498 – 514
52º S. Hormisdas 514 – 523
53º S. João I 523 – 526
54º S. Félix III 526 – 530
55º Bonifácio II 530 – 532
56º João II 533 – 535
57º S. Agapito I 535 – 536
58º S. Silvério 536 – 537
59º Vigílio 537 – 555
60º Pelágio I 556 – 561
61º João III 561 – 574
62º Bento I 575 – 579
63º Pelágio II 579 – 590
64º S. Gregório I (Magno) 590 – 604
65º Sabiniano 604 – 607
66º Bonifácio III 607 – 608
67º S. Bonifácio IV 608 – 615
68º S. Adeodato I 615 – 618
69º Bonifácio V 619 – 625
70º Honório I 625 – 638
71º Severino 640 – 640
72º João IV 640 – 642
73º Teodoro I 642 – 649
74º S. Martinho I 649 – 655
75º S. Eugênio I 654 – 657
76º S. Vitaliano 657 – 672
77º Adeodato II 672 – 676
78º Dono 676 – 678
79º S. Ágato 678 – 681
80º S. Leão II 682 – 683
81º S. Bento II 684 – 685
82º João V 685 – 686
83º Cônon 686 – 687
84º S. Sérgio I 687 – 701
85º João VI 701 – 705
86º João VII 705 – 707
87º Sisínio 707 – 708
88º Constantino I 708 – 715
89º S. Gregório II 715 – 731
90º S. Gregório III 731 – 741
91º S. Zacarias 741 – 752
92º Estevão II 752 – 757
93º S. Paulo I 757 – 767
94º Estevão III 768 – 772
95º Adriano I 772 – 795
96º S. Leão III 795 – 816
97º Estevão IV 816 – 817
98º S. Pascoal I 817 – 824
99º Eugênio II 824 – 827
100º Valentino I 827 – 827
101º Gregório IV 827 – 844
102º Sério II 844 – 847
103º S. Leão IV 847 – 855
104º Bento III 855 – 858
105º S. Nicolau I 858 – 867
106º Adriano II 867 – 872
107º João VIII 872 – 882
108º Marinho I 882 – 884
109º S. Adriano III 884 – 885
110º Estevão V 885 – 891
111º Formoso 891 – 896
112º Bonifácio VI 896 – 896
113º Estêvão VI 896 – 897
114º Romano 897 – 897
114º Romano 897 – 897
115º Teodoro II 897 – 897
116º João IX 898 – 900
117º Bento IV 900 – 903
118º Leão V 903 – 903
119º Sérgio III 904 – 911
120º Anastácio III 911 – 913
121º Lando 913 – 914
122º João X 914 – 928
123º Leão VI 928 – 928
124º Estevão VII 929 – 931
125º João XI 931 – 935
126º Leão VII 936 – 939
127º Estêvão VIII 939 – 942
128º Marinho II 942 – 946
129º Agapito II 946 – 955
130º João XII 955 – 964
131º Leão VIII 963 – 965
132º Bento V 965 – 965
133º João XIII 965 – 972
134º Bento VI 973 – 974
135º Bento VII 974 – 983
136º João XIV 983 – 984
137º João XV 985 – 996
138º Gregório V 996 – 999
139º Silvestre II 999 – 1003
140º João XVII 1003 – 1003
141º João XVIII 1004 – 1009
142º Sérgio IV 1009 – 1012
143º Bento VIII 1012 – 1024
144º João XIX 1024 – 1032
145º Bento IX 1032 – 1045
146º Silvestre III 1045 – 1045
147º Bento IX (2ª vez) 1045 – 1045
148º Gregório VI 1045 – 1046
149º Clemente II 1046 – 1047
150º Bento IX (3ª vez) 1047 – 1048
151º Dâmaso II 1048 – 1049
152º S. Leão IX 1049 – 1055
153º Vitor II 1055 – 1057
154º Estêvão X 1057 – 1059
155º Nicolau II 1059 – 1061
155º Nicolau II 1059 – 1061
156º Alexandre II 1061 – 1073
157º S. Gregório VII 1073 – 1085
158º B. Vitor III 1086 – 1087
159º B. Urbano II 1088 – 1099
160º Pascoal II 1099 – 1118
161º Gelásio II 1118 – 1119
162º Calisto II 1119 – 1124
163º Honório II 1124 – 1130
164º Inocêncio II 1130 – 1143
165º Celestino II 1143 – 1144
166º Lúcio II 1144 – 1145
167º B. Eugênio III 1145 – 1153
168º Anastácio IV 1153 – 1154
169º Adriano IV 1154 – 1159
170º Alexandre III 1159 – 1181
171º Lúcio III 1181 – 1185
172º Urbano III 1185 – 1187
173º Gregório VIII 1187 – 1187
174º Clemente III 1187 – 1191
175º Celestino III 1191 – 1198
176º Inocêncio III 1198 – 1216
177º Honório III 1216 – 1227
178º Gregório IX 1227 – 1241
179º Celestino IV 1241 – 1241
180º Inocêncio IV 1243 – 1254
181º Alexandre IV 1254 – 1261
182º Urbano IV 1261 – 1264
183º Clemente IV 1265 – 1268
184º B. Gregório X 1271 – 1276
185º B. Inocêncio V 1276 – 1276
186º Adriano V 1276 – 1276
187º João XXI 1276 – 1277
188º Nicolau III 1277 – 1280
189º Martinho IV 1281 – 1285
190º Honório IV 1285 – 1287
191º Nicolau IV 1288 – 1292
192º S. Celestino V 1294 – 1294
193º Bonifácio VIII 1294 – 1303
194º B. Bento XI 1303 – 1304
195º Clemente V 1305 – 1314
196º João XXII 1316 – 1334
196º João XXII 1316 – 1334
197º Bento XII 1335 – 1342
198º Clemente VI 1342 – 1352
199º Inocêncio VI 1352 – 1352
200º B. Urbano V 1362 – 1370
201º Gregório XI 1370 – 1378
202º Urbano VI 1378 – 1389
203º Bonifácio IX 1389 – 1404
204º Inocêncio VII 1404 – 1406
205º Gregório XII 1406 – 1415
206º Martinho V 1417 – 1431
207º Eugênio IV 1431 – 1447
208º Nicolau V 1447 – 1455
209º Calisto III 1455 – 1458
210º Pio II 1458 – 1464
211º Paulo II 1464 – 1471
212º Sisto IV 1471 – 1484
213º Inocêncio VIII 1484 – 1492
214º Alexandre VI 1492 – 1503
215º Pio III 1503 – 1503
216º Júlio II 1503 – 1513
217º Leão X 1513 – 1521
218º Adriano VI 1522 – 1523
219º Clemente VII 1523 – 1534
220º Paulo III 1534 – 1549
221º Júlio III 1550 – 1555
222º Marcelo II 1555 – 1555
223º Paulo IV 1555 – 1559
224º Pio IV 1559 – 1565
225º S. Pio V 1566 – 1572
226º Gregório XIII 1572 – 1585
227º Sisto V 1585 – 1590
228º Urbano VII 1590 – 1590
229º Gregório XIV 1590 – 1591
230º Inocêncio IX 1591 – 1591
231º Clemente VIII 1592 – 1605
232º Leão XI 1605 – 1605
233º Paulo V 1605 – 1621
234º Gregório XV 1621 – 1623
235º Urbano VIII 1623 – 1644
236º Inocêncio X 1644 – 1655
237º Alexandre VII 1655 – 1667
237º Alexandre VII 1655 – 1667
238º Clemente IX 1667 – 1669
239º Clemente X 1670 – 1676
240º B. Inocêncio XI 1676 – 1689
241º Alexandre VIII 1689 – 1691
242º Inocêncio XII 1691 – 1700
243º Clemente XI 1700 – 1721
244º Inocêncio XIII 1721 – 1724
245º Bento XIII 1724 – 1730
246º Clemente XII 1730 – 1740
247º Bento XIV 1740 – 1758
248º Clemente XIII 1758 – 1769
249º Clemente XIV 1769 – 1774
250º Pio VI 1775 – 1799
251º Pio VII 1800 – 1823
252º Leão XII 1823 – 1829
253º Pio VIII 1829 – 1830
254º Gregório XVI 1831 – 1846
255º Pio IX 1846 – 1878
256º Leão XIII 1878 – 1903
257º S. Pio X 1903 – 1914
258º Bento XV 1914 – 1922
259º Pio XI 1922 – 1939
260º Pio XII 1939 – 1958
261º João XXIII 1958 – 1963
262º Paulo VI 1963 – 1978
263º João Paulo I 1978 – 1978
264º João Paulo II 1978 – 2005
265º Bento XVI 2005 – 2013
266º Francisco 2013 – hoje
Índice detalhado das seções
Capítulos neste índice: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17.
Primeira Parte: A Salvação pela Fé

Cap. 1 — Desmantelo e desequilíbrio da teoria protestante

1 – A tese do pastor.
2 – Textos evangélicos.
3 – Conciliação dos textos.
4 – Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos pagãos.
5 – Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos cristãos.
6 – Desequilíbrio da doutrina protestante.
7 – Estranho remédio para os males do mundo.
8 – Onde está o desmantelo.
9 – Aceitação integral de Cristo.
10 – A Bíblia mal compreendida.

Cap. 2 — Doutrina católica sobre a salvação

1º — A parte realizada por Jesus Cristo

11 – A visão beatífica.
12 – A graça santificante.
13 – Dons gratuitos.
14 – Promessa do Redentor.
15 – O único Salvador.
16 – Em que sentido Maria SSma é chamada corredentora.
17 – O que Jesus mereceu por nós.
18 – Os que viveram antes de Cristo.
19 – A parte de Deus e a nossa.

2º — A nossa contribuição entrelaçada com a ação de Deus

20 – A regeneração das crianças pagãs.


21 – A justificação dos adultos pagãos.
22 – Batismo de desejo e batismo de sangue.
23 – A guarda dos mandamentos.
24 – Necessidade da graça para o cumprimento da lei divina.
25 – Necessidade da graça para qualquer obra meritória.
26 – Necessidade da graça para a fé.
27 – Distribuição desigual das graças.
28 – Graça suficiente para todos.
29 – Duas causas que se entrelaçam.
30 – Algumas comparações clássicas.
31 – A segunda tábua de salvação depois do batismo.
32 – Purificação real e interna.
33 – O que o homem pode merecer.
34 – Aumento da graça e da glória.
35 – Deus retribui a cada um segundo as suas obras.
36 – Confusão de ideias.
37 – A doutrina católica e a presunção.
38 – Recompensa e benefício.

Cap. 3 — Como surgiu a teoria da salvação só pela fé

39 – Novidade de doutrina.
40 – Martinho Lutero faz-se monge.
41 – A “descoberta” de Lutero.
42 – Negação do livre arbítrio.
43 – O pecado original.
44 – Luz nas trevas e consolo no desespero...
45 – Nada de arrependimento, nem de boas obras.
46 – A fé e a salvação, obras exclusivas de Deus.
47 – Pecado mortal e pecado venial.
48 – Livres de todas as leis!...
49 – Conseguiu Lutero seu objetivo?
50 – O luteranismo e a razão.
51 – E era assim?...
52 – Bonito começo!...
53 – Só podia dar nisso mesmo!
54 – A máscara.
55 – A manha protestante.
56 – A fé que salva.
Cap. 4 — O verdadeiro sentido da salvação pela fé

Introdução

57 – Textos bíblicos sobre a salvação pela fé.


58 – Doutrina protestante e doutrina católica.
59 – Método para a interpretação dos textos.

O que é CRER

60 – A concepção de Lutero.
61 – Um texto da epístola aos hebreus.
62 – Outro engano.
63 – A cananeia.
64 – O caso do paralítico.
65 – Noção legítima de fé.
66 – Crer ou não crer.
67 – Crer em Cristo, Filho de Deus.
68 – Crer no evangelho.
69 – Fé particularizada.

O que devemos CRER

70 – A palavra infalível do Mestre.


71 – Amor de Deus.
72 – Amor do próximo.
73 – A castidade.
74 – O juízo final.

Como devemos CRER

75 – Como deve ser a nossa fé?


76 – A fé é o nosso médico.
77 – A fé como ponto de partida.

Um caminho só
78 – Desfazendo a confusão.

O estilo da Bíblia e o teor das divinas promessas

79 – Nas pegadas do Bom Pastor.


80 – As promessas e suas condições.
81 – A invocação do Nome do Senhor.
82 – A eficácia da oração.
83 – A Eucaristia e a vida eterna.
84 – Grande condição para uma grande promessa.

Cap. 5 — A certeza da salvação

85 – Doutrina de S. Paulo.
86 – Não há condenação.
87 – Salvação em marcha e salvação consumada.
88 – O verbo salvar em três tempos.
89 – Duplo conceito de vida eterna.
90 – Ovelhas que não perecerão.
91 – Qualquer pessoa pode perder-se.
92 – Sei em quem tenho crido.
93 – O poder salvador de Cristo.
94 – Crescia o número dos que se salvam.
95 – Os que se salvam, isto é, nós.
96 – Outra ilusão protestante.
97 – O testemunho do Espírito Santo.
98 – O ensino das epístolas.
99 – Vício de origem.
100 – Um quadro maravilhoso.
101 – Da teoria para os fatos.
102 – Os batistas e a certeza da salvação.
103 – A desigualdade das graças.
104 – Deus é imutável; mas nós?!
105 – A transformação do homem.
106 – A nova criatura.
107 – Há certeza do arrependimento?
108 – Tranquilidade da firme esperança.
109 – Diante da realidade.

Cap. 6 — A justificação pela fé sem as obras da lei

110 – Dois textos de S. Paulo.


111 – Lei natural.
112 – Lei mosaica.
113 – Lei de Cristo.
114 – Sempre o Decálogo.
115 – Obras da lei; de qual lei?
116 – S. Tiago e S. Paulo.

1º — Na Epístola aos Gálatas

117 – A questão dos judaizantes.


118 – Incidente entre S. Paulo e S. Pedro.
119 – A luta contra os judaizantes na Epístola aos Gálatas.
120 – O pensamento paulino e a doutrina católica.

2º — Na Epístola aos Romanos

121 – Uma trela de Lutero.


122 – A argumentação de S. Paulo.
123 – Um parêntesis.
124 – Reatando o fio da argumentação.
125 – Não é assim a argumentação de S. Paulo.

Cap. 7 — A graça dada “de graça”, segundo o ensino de S. Paulo

126 – Graça atual e graça santificante.


127 – Ambas são necessárias.
128 – O princípio do mérito não pode ser merecido.
129 – Esforço e merecimento.
130 – Ações com valor divino.
131 – A vocação para a fé.
132 – Na Epístola a Tito.
133 – Na Epístola aos Efésios.
134 – Na Epístola aos Romanos.
135 – Depois da justificação
136 – Uma alegoria.

Cap. 8 — O equilíbrio da doutrina santificadora

137 – Os três elementos.

A Fé

138 – Necessidade da fé.


139 – A crença vem do coração.
140 – Como é perigoso menosprezar a crença!

A Graça

141 – Necessidade da graça.

As Obras

142 – A fé sem obras é morta.


143 – A salvação depende das obras.
144 – A gratuidade da salvação.
145 – O salvo pratica a virtude para ser salvo.
146 – Nossos adversários.
147 – É assim que se santificam as almas?
148 – Sacramentalismo.
149 – Conclusão.
Segunda Parte: A minha Igreja

Cap. 9 — A Igreja, sua pedra fundamental e seu governo

A primazia de S. Pedro

150 – A enumeração dos Apóstolos.


151 – Pedro, o primeiro dos Apóstolos.
152 – Pedro fala pelo colégio apostólico.
153 – Pedro e os que com ele estavam.
154 – Atenções especiais a S. Pedro.
155 – Depois da ascensão.
156 – A atuação no concílio de Jerusalém.
157 – Mais provas nas epístolas.

Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja

158 – Simão recebe um novo nome.


159 – Pedro, pedra fundamental da Igreja.
160 – Um texto que não vem ao caso.
161 – Cristo é a pedra e Pedro é a pedra.
162 – Conforta a teus irmãos
163 – Ninguém pode pôr outro fundamento.
164 – Os sucessores de Pedro.

E as portas do inferno não prevalecerão contra ela

165 – Profecia e promessa.


166 – Portas do hádes = poder das trevas.
167 – A Igreja de Cristo é a Igreja Católica.
168 – Onde está a promessa de Cristo?

Eu te darei as chaves do Reino dos Céus;


e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos Céus,
e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos Céus.
169 – A entrega das chaves.
170 – Ligar e desligar.

Apascenta os meus cordeiros; Apascenta as minhas ovelhas

171 – O pastor do grande rebanho.


172 – O amor de Pedro.
173 – Um parêntesis sobre Pedro e satanás.
174 – Ainda o amor de Pedro.
175 – O verbo apascentar.
176 – O pastor dos pastores.
177 – Não foi uma reintegração no apostolado.

A disputa sobre o maior

178 – Origem da disputa.


179 – O Reino dos Céus.
180 – Levantando os ânimos.

A questão dos doze tronos

181 – Outra objeção do mesmo gênero.


182 – Uma observação fora de propósito.
183 – A proposta da mãe dos filhos de Zebedeu.
184 – A exortação do mestre.
185 – S. Pedro seguiu os conselhos do mestre.
186 – O silêncio de S. Marcos.

Dize-o à Igreja

187 – Uma interpretação pelo método confuso.


188 – Os dois tratamentos: tu e vós.
189 – Autoridade da Igreja.
190 – Os fatos nas escrituras.
191 – Os versículos seguintes.

O poder concedido aos Apóstolos


O poder concedido aos Apóstolos

192 – Harmonia entre os poderes.

Os mandamentos da Igreja

193 – O mandamento do Concílio de Jerusalém.


194 – Primeiro mandamento: ouvir a Missa.
195 – Segundo mandamento: a participação da Eucaristia.
196 – Terceiro mandamento: a confissão anual.
197 – Quarto mandamento: o jejum.
198 – Ainda o quarto mandamento: a abstinência de carne.
199 – Quinto mandamento: pagar dízimos.
200 – Uma organização divina.

Cap. 10 — Cristo enviou os Apóstolos a pregar

Dificuldades para a exata interpretação da Bíblia

201 – Dois pontos de apoio: Escritura e Tradição.


202 – A ação da providência na interpretação das escrituras.
203 – A aventura de Martinho Lutero.
204 – A mensagem de Deus é para todos.
205 – A Bíblia não foi escrita em português.
206 – Entendes o que estás lendo? (Atos VIII-30)
207 – A diversidade de gêneros.
208 – A doutrina no Novo Testamento.
209 – A interpretação tem que ser total e não parcial.
210 – Prodígios e carismas.
211 – O celibato na Igreja primitiva e na atual.
212 – Os católicos já estão evangelizados.
213 – Nem tudo está na Bíblia.

Com o livre exame,


o intérprete é capaz de todos os absurdos e extravagâncias

214 – Fraquezas da inteligência e da vaidade humana.


215 – Má doutrina e pior explicação.
216 – Jesus ludibriando?
217 – Outra proeza de Calvino.
218 – Uma dos socinianos.
219 – Um “intérprete” bastante esperto...
220 – O grande crime de todas as religiões...
221 – Batismo de defuntos por procuração.
222 – Quando os humildes podem mais que os sabichões.

Divergências no seio do Protestantismo

223 – Nova Babel.


224 – Católicos à fina força.
225 – A Santíssima Trindade.
226 – A divindade de Jesus Cristo
227 – Em que consiste a salvação.
228 – A graça.
229 – A fé e as obras.
230 – A imortalidade da alma.
231 – A existência do inferno. A predestinação.
232 – O purgatório.
233 – Sacramentos.
234 – O Batismo. A pregação.
235 – A Eucaristia.
236 – O Matrimônio.
237 – Sábado e Domingo. Adventismo.
238 – O culto dos santos.
239 – Virgindade de Maria SSma.
240 – As imagens.
241 – O pecado original.
242 – Natureza e organização da Igreja.
243 – A Bíblia e sua inspiração.
244 – Completamente desorientados...

A grande chaga do Protestantismo


245 – Lágrimas e lamentações dos reformados.
246 – Desculpas muito frágeis.
247 – Vergonha e desmoralização.
248 – Fracasso do livre exame.
249 – Falsidade do Protestantismo.
250 – A profecia de Caifás.
251 – Uma só fé.

A Bíblia não autoriza o livre exame

252 – Examinai as Escrituras.


253 – A Escritura é útil.
254 – Os judeus de Beréia.
255 – Examinai tudo.

Abraçamos a Fé, não pelo livre exame, mas pela humilde submissão à Igreja

256 – A posição católica e a protestante.


257 – A última palavra.
258 – Que escreveu Jesus Cristo?
259 – Nenhuma ordem para escrever.
260 – Pregai o Evangelho.
261 – O ensino da Igreja nos nossos dias.
262 – A pregação católica e a protestante.
263 – Utilidade da Escritura.
264 – Coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15).

Cap. 11 — Cristo enviou os Apóstolos a batizar

265 – A lei da solidariedade humana.


266 – Na antiga e na nova lei.
267 – Pregar e batizar.
268 – O batismo das crianças.
269 – A regeneração do adulto.
270 – A fé e os sacramentos.
271 – Os sacramentos e o sacrifício da cruz.
272 – Como se suprem a fé e os sacramentos.
273 – Ex ópere operato.
274 – Renascer da água e do Espírito Santo.
275 – O batismo de João e o de Cristo.
276 – Sentido próprio e sentido figurado.
277 – Lógica protestante.
278 – O dom do Espírito Santo.
279 – Conversão e regeneração de Saulo.
280 – Banho de água.
281 – O batismo nos salva.
282 – O batismo de imersão.
283 – Alegação incrível.
284 – Exceção não destrói a regra.
285 – Imperativo com particípio presente.
286 – O resultado da pregação.
287 – A que se reduz o Batismo.

Cap. 12 — Cristo deu aos Apóstolos o poder de perdoar pecados

288 – O poder das chaves


289 – Não se trata de questões disciplinares.
290 – Não é um poder concedido a toda a Igreja.
291 – A necessidade da confissão.
292 – Vantagens da confissão.
293 – A Confissão na lei antiga.
294 – Na 1ª Epístola de S. João.
295 – Na Epístola de S. Tiago.
296 – Um trecho dos Atos e a Confissão auricular.
297 – A Confissão e o Padre Nosso.

Cap. 13 — Cristo deu aos Apóstolos o poder de consagrar

A promessa da Eucaristia

298 – O capítulo 6º de S. João.


299 – A multiplicação dos pães.
300 – À procura do Mestre.
301 – A natural depuração.
302 – Jesus e o maná do deserto.
303 – O dom da fé.
304 – Versículos 48 a 50.
305 – Versículos 51 e 52.
306 – Versículo 53.
307 – Versículo 54.
308 – Versículo 55.
309 – Versículo 56.
310 – Versículo 57.
311 – Versículo 58.
312 – Versículo 59.
313 – Versículos 60 e 61.
314 – Versículos 62 e 63.
315 – Versículo 64.
316 – Versículos 65 a 68.
317 – Versículos 69 e 70.

A Instituição

318 – Ceia legal e Ceia Eucarística.


319 – Este ou Isto?
320 – A clareza e simplicidade das narrativas.
321 – Cristo falou medindo toda a sua responsabilidade.
322 – Sentido literal e sentido metafórico.
323 – O memorial da Paixão.
324 – Disposições para bem comungar.
325 – A segunda vinda de Cristo.
326 – Teria Cristo comungado?
327 – O Pão Celestial.
328 – O fruto da vinha.
329 – Bagatelas.

A Missa e a Cruz

330 – A Ordem dada aos Apóstolos.


331 – Noção de sacrifício.
332 – Quatro finalidades dos sacrifícios.
333 – O valor dos sacrifícios antigos.
334 – Os sacrifícios expiatórios.
335 – Sacrifício único.
336 – O Sacrifício da Missa e a redenção eterna.
337 – A Missa, oração oficial da Igreja.
338 – A propiciação na Santa Missa.
339 – Confusões protestantes sobre os sufrágios.
340 – O purgatório.
341 – Cristo, único sacerdote.
342 – A oblação constante de Cristo.
343 – A nossa oblação.
344 – O sacerdócio dos fiéis.

A Missa é verdadeiro e real sacrifício

345 – A profecia de Malaquias.


346 – A primeira Missa na Última Ceia.
347 – Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.
348 – Nós temos um altar.
349 – O sacrifício dos cristãos e os sacrifícios pagãos.
350 – Profunda significação eucarística.

Cap. 14 — Os Apóstolos tiveram sucessores

351 – A Missão dos Apóstolos exigia sucessores.


352 – Cristo fala aos Apóstolos e seus sucessores.
353 – O argumento dos fatos.
354 – A eleição de S. Matias.
355 – Diáconos.
356 – Presbíteros ou bispos.
357 – Os apóstolos.
358 – Homens destinados a um plano superior ao dos presbíteros.
359 – O termo bispos.
360 – Verdadeira Igreja de Cristo.
361 – Duas correntes.
362 – Os protestantes em apuros.
363 – Absoluta falta de lógica.
364 – Os protestantes não creem em Jesus Cristo.
365 – A minha Igreja.
Terceira Parte: Jesus, único mediador

Cap. 15 — O culto dos santos

366 – Por que só a Bíblia?


367 – As decisões dos concílios.
368 – Usos e questões disciplinares.
369 – O desafio.
370 – Na Epístola aos Colossenses.
371 – Adora a Deus!
372 – Bons e maus trocadilhos.
373 – Mediação e suas finalidades.
374 – O contexto.
375 – A ciência dos santos na Visão Beatífica.
376 – Velha experiência.
377 – A promessa sobre a eficácia da oração.
378 – Vem de longe a invocação dos santos.
379 – O Corpo Místico de Cristo.

Cap. 16 — O culto das imagens

Observações preliminares

380 – Utilidade das imagens.


381 – Noção de ídolo e de imagem.
382 – Noção de adoração e latria.
383 – A adoração em espírito e verdade.
384 – Lei de Deus a que estamos sujeitos.

O texto do Êxodo

385 – Versículos 3º e 4º.


386 – Versículo 5º.
387 – A interpretação protestante.
388 – Ainda o versículo 5º.
389 – Os dez mandamentos.
Liceidade e conveniência

390 – A força das circunstâncias.


391 – As imagens através dos séculos da era cristã.
392 – O feitiço contra o feiticeiro.
Quarta Parte: Os irmãos de Jesus

Cap. 17 — A Virgindade Perpétua de Maria Santíssima

393 – O que pensavam os Santos Padres.


394 – Noiva ou casada?
395 – A cena da anunciação.
396 – Antes de coabitarem.
397 – Não temas receber Maria, tua mulher.
398 – O primogênito.
399 – O uso de “enquanto” e “até que” entre os hebreus.
400 – Os irmãos de Jesus.
Índice Analítico
ADORAÇÃO
noção de adoração e latria, adoração propriamente e impropriamente dita
nº 382; adoração em espírito e verdade, qual é o verdadeiro adorador
nº 383.
ADVENTISTAS
como se originou esta seita nº 237.
AMOR DE DEUS
é indispensável para a salvação nº 70; manifesta-se pela observância dos
mandamentos nº 71.
AMOR DO PRÓXIMO
o amor ao próximo, mesmo aos inimigos, é indispensável para a salvação
nº 72.
ANJOS
os anjos sabem o que se passa na terra nº 375.
APÓSTOLOS
a primazia de Pedro entre os Apóstolos nos 151 a 157; os Apóstolos
haveriam de ter sucessores nº 351.
BATISMO
necessidade do Batismo para as crianças nos 20 e 268; disposições
necessárias para o batismo dos adultos nº 21; batismo de desejo e batismo
de sangue nº 22; o batismo de João e o de Cristo nº 275; efeitos do Batismo
nos 274 a 281; batismo de imersão e de infusão nº 282; os efeitos do
Batismo e o caso de Cornélio nº 284; a que está reduzido o Batismo em
muitas seitas protestantes nº 287.
BATISTAS
os Batistas e a certeza da salvação nº 102.
BÍBLIA
dificuldades para a exata interpretação da Bíblia nos 201 a 209; ação da
Providência na interpretação das Escrituras nº 202; nem tudo está na Bíblia
nº 213; o livre exame leva às maiores extravagâncias em matéria de exegese
nos 215 a 221; divergências entre os protestantes sobre o conceito de
inspiração da Bíblia nº 243; não havia livre exame na Igreja Primitiva
nº 263; a Bíblia não é a única regra de fé nº 366.
BISPOS
os Bispos são sucessores dos Apóstolos nos 358 e 359.
CELIBATO ECLESIÁSTICO
está de acordo com o espírito do Cristianismo, conforme o ensino de Jesus e
de S. Paulo e nada há contra ele na Bíblia nº 211.
CONCÍLIOS
qual a finalidade que têm as decisões dos Concílios Ecumênicos nº 367.
CONFISSÃO DOS PECADOS
sua necessidade nº 291; suas vantagens nº 292; uso da confissão na Lei
Antiga nº 293; a confissão UNS AOS OUTROS nº 295; confissão pública e
confissão auricular nº 296; a confissão em uso entre os primeiros cristãos
nº 296; a confissão e o “Perdoa-nos as nossas dívidas” do Padre Nosso
nº 297.
CORREDENTORA
em que sentido alguns escritores católicos chamam assim a Maria SSma
nº 16.
CULTO DAS IMAGENS
utilidade das imagens nº 380; diferença entre ídolo e imagem nº 381; o
culto das imagens e o texto dos 10 mandamentos na Lei Antiga nos 385 a
389; por que a Bíblia não fala em culto das imagens nº 390; as imagens
através dos séculos da era cristã nº 391.
CULTO DOS SANTOS
o corpo místico de Cristo e a legitimidade do culto dos santos nº 379.
DIÁCONOS
sua instituição e suas funções nº 355.
DOMINGO
por que o domingo e não o sábado é o dia de descanso dos cristãos nº 194.
DOUTRINA
DOUTRINA
diferença entre a doutrina e as questões disciplinares nº 368.
ESTILO ABREVIADO DA BÍBLIA
vários exemplos nos 70, 74, 80, 83, 139, 294.
EUCARISTIA
como se deve entender a promessa de vida eterna para aqueles que
comungam nº 83; divergências entre os protestantes a respeito da presença
real de Jesus na Eucaristia nº 235; a multiplicação dos pães, figura do
mistério eucarístico nº 299; a presença real de Jesus na Eucaristia, provada
no capítulo 6º de S. João nos 298 a 317; por que motivo se dá a comunhão
sob uma só espécie nº 307; o cordeiro pascoal, figura da Eucaristia nº 318; a
presença real de Jesus na Eucaristia, provada pelas palavras da instituição
na Última Ceia nos 318 a 322; a Eucaristia não é mero memorial nº 323;
teria Cristo comungado? nº 326; a Eucaristia é um real e verdadeiro
sacrifício nos 345 a 348.
EVANGELHO
o que quer dizer pregar o Evangelho nos 68 e 260; como se deu a
propagação do Evangelho nos 258 a 260; o ensino do Evangelho nos nossos
dias nº 261; a pregação católica e a protestante nº 262.

a obrigação de fé está incluída na obrigação dos mandamentos nº 5; é
errônea a noção de fé que têm os protestantes nos 8 e 9, 60 a 69;
necessidade da graça para a fé nº 26; o verdadeiro sentido da salvação pela
fé nos 57 a 85; a fé é uma virtude distinta da esperança e da caridade nº 60;
como deve ser a nossa fé: viva, sincera, coerente nº 75; a fé nos salva
porque é o nosso médico a nos prescrever as demais virtudes nº 76; a fé
como ponto de partida para a salvação nº 77; salvar-se pela fé ou salvar-se
pelos mandamentos é um caminho só nº 78; a doutrina de S. Paulo sobre a
salvação pela fé nº 85; a vocação para a fé é um dom gratuito nº 131;
necessidade da fé para a salvação nº 138; a fé nasce no coração nº 139;
justificação pela fé e pelos sacramentos nº 270; os protestantes não creem
em Jesus Cristo nº 364; diferença entre questões de fé e questões
disciplinares nº 368.
GRAÇA
GRAÇA
divide-se em graça santificante e graça atual nº 126: a graça santificante é
uma participação da natureza divina nº 12; antes de Cristo já se recebia a
graça de Cristo nº 18; necessidade da graça para o cumprimento da lei
divina nº 24; necessidade da graça para qualquer obra meritória nº 25;
necessidade da graça para a fé nº 26; distribuição desigual das graças nos 27
e 103; a todos é dada uma graça suficiente para a salvação nº 28; a ação
humana é entrelaçada com a ação da graça nos 29 e 30; que quer dizer graça
primeira nº 33; a graça pode aumentar nº 34; tanto a graça santificante
como a atual são necessárias para a salvação nº 127; a passagem do estado
de pecado para o de graça santificante, ou seja, a graça primeira nos é
concedida gratuitamente nos 128 a 134; a existência da graça sobrenatural é
negada por muitos protestantes nº 228.
HADES
o que significa esta palavra nº 166.
HÓSTIA
o que quer dizer esta frase: não resta mais hóstia pelos pecados (Hebreus
X-26) nota no fim do nº 338.
IGREJA
significação do princípio: Fora da Igreja não há salvação – nota ao nº 6; as
portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja nos 165 e 166; desde a
época apostólica a Igreja de Cristo vem sendo chamada Igreja Católica
nº 167; que vem a ser “dize-o à Igreja” nos 187 a 190 ; julgamento de
questões na Igreja nº 190; legitimidade e conveniência dos mandamentos da
Igreja nos 193 a 199; o papel da Igreja na interpretação das Escrituras
nº 201; a Igreja é a coluna e firmamento da verdade nº 264.
IMAGENS
utilidade das imagens nº 380; diferença entre ídolo e imagem nº 381.
IMORTALIDADE DA ALMA
é negada por muitos protestantes nº 230.
INFERNO
sentidos da palavra “inferno” na Bíblia nº 166; a existência do inferno é
negada por muitos protestantes nº 231.
INTERCESSÃO DOS SANTOS
INTERCESSÃO DOS SANTOS
velha experiência dos católicos sobre a intercessão dos santos nº 376.
INVOCAÇÃO DO NOME DO SENHOR
em que sentido salva nº 81.
INVOCAÇÃO DOS SANTOS
vem dos primeiros tempos da Igreja nº 378.
JESUS CRISTO
a aceitação de Jesus Cristo só como Salvador é muito mesquinha e
incompleta nos 8 e 9; Jesus é o Único Salvador nº 15; o que Jesus mereceu
por nós nº 17; em que sentido Jesus pagou por todos nós nº 19; a divindade
de Jesus Cristo e os Socinianos nº 218; a divindade de Jesus Cristo é negada
por muitos protestantes nº 226; em que sentido Jesus é o Único Mediador
nos 372 a 374.
JUDAIZANTES
a questão dos judaizantes nº 117.
JUSTIÇA DE DEUS
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras nº 35; não se pode
enaltecer a misericórdia de Deus negando a sua justiça nº 340.
JUSTIFICAÇÃO
a remissão dos pecados é uma purificação real e interna e não uma mera
não-imputação nº 32; que quer dizer justificação pela fé sem as obras da lei
nos 110 a 125; justificação pela fé e pelos sacramentos nº 270.
LATRIA
noção de adoração e de latria nº 382.
LEI
o que vem a ser lei natural nº 111, lei mosaica nº 112, lei de Cristo nº 113; o
que se entende por obras da lei nº 115.
LIVRE ARBÍTRIO
foi negado por Lutero nº 42; é ensinado claramente na Bíblia nº 53.
LIVRE EXAME
impraticabilidade do livre exame nos 201 a 209; a razão humana com o livre
exame é capaz dos maiores absurdos e extravagâncias nos 215 a 221;
fracasso do livre exame nº 248; a Bíblia não autoriza o livre exame nos 252
a 255; abraçamos a fé, não pelo livre exame, mas pela humilde submissão à
Igreja nº 256 a 264; o livre exame não estava em uso entre os primeiros
cristãos nº 263.
LUTERO
seu drama íntimo nos 40 e 41; negava o livre arbítrio nº 42; ensinava uma
salvação sem arrependimento nº 45; suas ideias sobre a justiça de Deus
nº 50.
MANDAMENTOS DA IGREJA
não são contrários aos mandamentos divinos, antes ajudam a melhor
observá-los nos 193 a 199; primeiro mandamento: ouvir missa nº 194;
segundo mandamento: a participação da Eucaristia nº 195; terceiro
mandamento: a confissão anual nº 196; quarto mandamento: o jejum e a
abstinência nos 197 e 198; quinto mandamento: pagar dízimos nº 199.
MANDAMENTOS DE DEUS
seu conhecimento é inato ao homem nº 4; para cumpri-los é necessária a
graça nº 24; a observância dos mandamentos é necessária para a salvação
nº 70; o amor de Deus se manifesta pela observância dos mandamentos
nº 71; Jesus Cristo refundiu e aperfeiçoou os dez mandamentos nº 389.
MARIA SANTÍSSIMA
em que sentido é chamada corredentora nº 16; opinião de alguns
protestantes a respeito do culto a Maria nº 238 e de sua virgindade perpétua
nº 239; legitimidade do nosso amor e veneração à Mãe de Jesus nº 379; o
que pensavam os Santos Padres sobre a virgindade perpétua de Maria SSma
nº 392; Maria SSma foi virgem antes do parto, no parto e depois do parto
nº 394; resposta às objeções contra a virgindade perpétua de Maria SSma
nos 396 a 400.
MEDIADOR
diversos sentidos desta palavra nº 373; em que sentido Jesus é o nosso
Único Mediador nos 372 a 374.
MÉRITO
o que o homem pode merecer nº 33; o princípio do mérito não pode ser
merecido nº 128.
OBRAS
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras nº 35; diferença entre boas
obras e obras da lei nº 115; a salvação depende também das nossas obras
nº 143.
ORAÇÃO
sob que condições a nossa oração alcança o seu efeito nº 82; a promessa
sobre a eficácia da oração em nada impede a intercessão dos santos nº 377.
PAGÃOS
podem salvar-se, caso estejam de boa fé nº 4; não há possibilidade de
salvação para os pagãos na teoria da salvação só pela fé nº 6; regeneração
das crianças pagãs nº 20.
PECADO
S. Paulo enumera vários pecados mortais nº 23; há pecados mortais e
pecados veniais nº 340; Jesus confere aos Apóstolos o poder de perdoar
pecados nos 287 a 289.
PECADO ORIGINAL
consiste na privação da graça santificante nº 13.
PELAGIANISMO
em que consiste; foi condenado pela Igreja nº 24.
PODER DE LIGAR E DESLIGAR
é recebido por Pedro nº 170; é recebido pelos demais Apóstolos, mas isto
em nada destrói os plenos poderes de Pedro sobre a Igreja nos 189 e 190;
que relação há entre o poder de ligar e desligar e o poder de perdoar
pecados e retê-los nº 288.
PODER DE PERDOAR OS PECADOS E RETÊ-LOS
não se trata de questões disciplinares nº 289; foi um poder concedido aos
Apóstolos, não a toda a Igreja nº 290.
PRESBÍTEROS
suas atribuições; eram distintos dos diáconos nº 357; presbíteros que estão
num plano superior aos demais presbíteros nº 358.
PRIMADO DE S. PEDRO
Pedro era o primeiro dos Apóstolos nº 151; era Pedro que falava sempre em
nome do colégio apostólico nº 152; atenções especiais dispensadas por
Cristo a S. Pedro nº 154; a primazia de Pedro nos 151 a 157; Simão recebe o
nome de Pedro nº 158; Pedro, pedra fundamental da Igreja nº 159; Cristo é
pedra e Pedro é pedra nº 161; Pedro recebe a incumbência de confortar os
seus irmãos nº 162; Pedro teve sucessores nº 164; Pedro recebe as chaves
do Reino dos Céus, com o poder de ligar e desligar nos 169 e 170; Cristo
constitui a Pedro pastor de todo o seu rebanho nos 171 a 177; o silêncio de
Marcos e a modéstia de Pedro nº 186; o incidente entre S. Pedro e S. Paulo
nos 118 e 157; a disputa sobre o maior e o primado de Pedro nos 178 a 180;
a questão dos 12 tronos e o primado de Pedro nos 181 a 184; lista dos
sucessores de S. Pedro, ou seja, catálogo dos Papas, no Apêndice.
PROTESTANTISMO
a doutrina protestante não apresenta um remédio eficaz para os males
morais do mundo nº 7; divergências no seio do Protestantismo nos 225 a
243; falsidade do Protestantismo nº 249; os protestantes não creem em
Jesus Cristo nº 364.
PURGATÓRIO
é admitido por alguns protestantes nº 232; existência do purgatório nº 340.
QUENOTICISMO
rigoroso e mitigado nº 226.
REDENÇÃO
a promessa do Redentor nº 14; qual o sentido da Redenção operada por
Cristo nos 17 e 19.
REINO DOS CÉUS
duplo sentido da expressão Reino dos Céus nº 179.
SACRAMENTOS
sacramentalismo está claramente ensinado na Bíblia nº 148; divergências
entre os protestantes sobre a noção e o número dos sacramentos nº 233;
justificação pela fé e pelos sacramentos nº 270; os sacramentos e o
sacrifício da Cruz nº 271; os sacramentos produzem efeito ex ópere operato
nº 273.
SACRIFÍCIO
os sacramentos e o Sacrifício da Cruz nº 271; noção geral de sacrifício
nº 331; quatro finalidades dos sacrifícios nº 332; que valor tinham os
sacrifícios da Antiga Lei nº 333; por que motivo se renova na Santa Missa o
Sacrifício da Cruz nº 337; a Eucaristia é um real e verdadeiro sacrifício
nos 345 a 348.
SALVAÇÃO
o verdadeiro sentido da salvação pela fé nos 57 a 85; vários sentidos do
verbo salvar nº 88; a salvação neste mundo ainda pode perder-se nº 91; a
salvação depende também de nossas obras nº 143; é falso que a salvação
seja dada inteiramente de graça nº 144; o salvo pratica a virtude para ser
salvo nº 145.
SANTÍSSIMA TRINDADE
é negada por muitos protestantes nº 225.
SANTOS
o culto dos santos vem dos primeiros tempos da Igreja nº 378; o culto dos
santos e o corpo místico de Cristo nº 379.
SEMIPELAGIANISMO
em que consiste e onde foi condenado nº 26.
TRADIÇÃO
não só a Escritura é regra de fé, mas também a tradição nº 201; nem tudo
está na Bíblia nº 213; são infantis os argumentos com os quais pretendem
provar os protestantes pelas Escrituras que só se deve admitir o que está na
Bíblia nº 258 (nota).
VIDA ETERNA
duplo conceito de vida eterna: vida eterna = glória, vida eterna = graça
nº 89.
VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA SANTÍSSIMA
opinião de alguns protestantes sobre o assunto nº 239; o que pensavam os
Santos Padres nº 393; resposta às objeções contra a virgindade perpétua de
Maria SSma nos 396 a 400.
VISÃO BEATÍFICA
em que consiste; está acima da nossa natureza nº 11; a ciência dos santos na
visão beatífica nº 375.
Índice dos trechos da Bíblia mais largamente
comentados
Êxodo XX-3 a 5: nos 385 a 389.

Deuteronômio V-7 a 9: nos 385 a 389.

Salmos CIX-4: nº 347.

Isaías I-18: nº 340.

Joel II-32: nº 81.

Malaquias I-11: nº 345.

Mateus I-18: nº 396.

Mateus I-20: nº 397.

Mateus I-24: nº 397.

Mateus I-25: nos 398 e 399.

Mateus VI-12: nº 297.

Mateus VIII-2: nº 62.

Mateus VIII-8 a 10: nº 62.

Mateus IX-2: nº 64.

Mateus IX-28: nº 62.

Mateus X-2: nº 151.

Mateus XIII-55 e 56: nº 400.

Mateus XV-11: nº 198.


Mateus XV-22 a 28: nº 63.

Mateus XVI-17 e 18: nos 159 a 168.

Mateus XVIII-1 a 4: nos 178 a 180.

Mateus XVIII-17: nos 187 a 190.

Mateus XVIII-19 e 20: nº 191.

Mateus XIX-14: nº 268 nota.

Mateus XIX-16 e 17: nos 4 e 70.

Mateus XX-25 a 27: nos 182 a 184.

Mateus XXV-31 a 43: nº 74.

Mateus XXVI-26 a 28: nos 318 a 322.

Mateus XXVIII-19: nº 285.

Mateus XXVIII-20: nº 261.

Marcos I-15: nº 68.

Marcos VI-3: nº 400.

Marcos VIII-29 e 30: nº 186.

Marcos XIV-22 a 24: nos 318 a 322.

Marcos XVI-16: nos 58 a 84, 286.

Lucas I-34: nº 395.

Lucas II-7: nº 398.

Lucas XI-4: nº 297.


Lucas XXII-19 e 20: nos 318 a 323.

Lucas XXII-31 e 32: nº 162.

João I-42: nº 158.

João III-5: nos 274 a 281.

João III-16 a 18: nos 58 a 84.

João III-36: nos 58 a 84.

João IV-23: nº 383.

João V-24: nos 58 a 84, 89.

João V-39: nº 251.

João VI-29: nº 301.

João VI-40: nos 58 a 84.

João VI-47: nos 58 a 84.

João VI-48 a 50: nº 304.

João VI-51 e 52: nº 305.

João VI-53: nº 306.

João VI-54: nº 307.

João VI-55: nos 89 e 308.

João VI-56: nº 309.

João VI-57: nº 310.

João VI-58: nº 311.


João VI-59: nº 312.

João VI-61: nº 313.

João VI-62 e 63: nº 314.

João VI-64: nº 315.

João VI-67 e 68: nº 316.

João VI-69 e 70: nº 317.

João X-27 e 28: nº 90.

João XI-25 e 26: nos 58 a 84.

João XI-49 a 52: nº 250.

João XIV-13 e 14: nº 377.

João XIV-21: nº 71.

João XV-7: nº 377.

João XVII-1 a 3: nº 89.

João XVII-20 e 21: nº 249.

João XX-23: nos 288 a 290.

João XXI-15 a 17: nos 171 a 177.

Atos II-38: nos 276 e 277.

Atos II-47: nº 94.

Atos X-43: nº 270.

Atos X-44 a 48: nº 284.


Atos XVI-30 e 31: nos 58 a 84.

Atos XVII-11: nº 254.

Atos XIX-18: nº 296.

Atos XXII-6: nº 279.

Romanos I-16: nos 58 a 84.

Romanos III-28: nos 115, 122 a 125.

Romanos IV-4 a 7: nº 134.

Romanos VI-23: nos 89 e 135.

Romanos VIII-1: nº 86.

Romanos VIII-15: nº 98.

Romanos VIII-16: nº 97.

Romanos X-11: nos 58 a 84.

Romanos X-13: nº 81.

Romanos XI-16: nº 131.

1ª Coríntios I-18: nº 95.

1ª Coríntios III-11: nº 163.

1ª Coríntios IX-5: nº 211.

1ª Coríntios IX-22: nº 265.

1ª Coríntios X-4: nº 160.

1ª Coríntios X-16: nº 349.


1ª Coríntios X-21: nº 349.

1ª Coríntios XI-23 a 25: nos 318 a 323.

1ª Coríntios XI-25: nº 325.

1ª Coríntios XI-27 a 29: nº 324.

1ª Coríntios XI-29: nº 221.

Gálatas I-8: nº 256 (nota).

Gálatas II-16: nos 115, 117 a 119.

Efésios II-4 a 9: nos 88, 138.

Efésios IV-1 a 5: nº 251.

Colossenses II-18: nº 370.

1ª Tessalonicenses V-21: nº 255.

1ª Timóteo II-5: nos 372 a 374.

1ª Timóteo III-15: nº 264.

1ª Timóteo IV-16: nº 265.

2ª Timóteo I-8 e 9: nº 131.

2ª Timóteo I-12: nº 92.

2ª Timóteo III-16: nos 253 e 263.

Tito III-3 a 8: nos 132 e 280.

Hebreus VII-25: nº 93.

Hebreus X-26: nº 338 (nota ao final).


Hebreus XI-1: nº 61.

Hebreus XI-6: nos 4 e 61.

Hebreus XIII-10: nº 348.

Tiago V-16: nº 295.

Tiago V-16 a 18: nº 377.

1ª Pedro III-20 e 21: nº 281.

1ª Pedro V-1: nos 185 e 357.

1ª João I-7: nº 271.

1ª João I-9: nº 294.

1ª João V-10 a 13: nº 89.

Apocalipse II-17: nº 161 (nota).

Apocalipse XIX-10: nº 371.

Apocalipse XXII-9: nº 371.


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