Professional Documents
Culture Documents
Jesus Santiago - A Escola, o Instituto e A Ética Das Consequências
Jesus Santiago - A Escola, o Instituto e A Ética Das Consequências
das consequências
Conferência proferida na atividade Para que serve o Instituto? -
abril/2023
Jésus Santiago
Psicanalista, A.M.E. da Escola Brasileira de Psicanálise/AMP
santiago.bhe@terra.com.br
Resumo: No presente texto, o autor apresenta a forma de
funcionamento da Escola e do Instituto a partir da ideia de que o
princípio de orientação para a prática clínica é o mesmo que
para a prática institucional dedicada à formação analítica. O
modo como a psicanálise apreende as coisas do mundo diz mais
de uma dimensão ética do que propriamente epistêmica – trata-
se de uma dimensão ética que se deduz do fato de que não há
uma teoria do inconsciente sem uma prática que seja capaz de
acolher a experiência do inconsciente. O autor, faz, então, uma
leitura sobre os ambientes psicanalíticos contemporâneos e
sobre a diferença entre a Escola e o Instituto.
Vale dizer, por outro lado, que suas perspectivas inovadoras quanto
ao tratamento do sintoma não emergem em estado bruto, sem a
ação dos conceitos psicanalíticos. Afirmo que o valor ético do
primado da prática diz respeito ao fato de que os conceitos e as
categorias clínicas com as quais lidamos e cujo aggionarmento
visamos não apenas atendem as exigências da prática analítica,
mas também têm a sua origem nesse âmbito da prática. Se Lacan
chega a pôr em questão a existência de uma teoria do inconsciente
– como ele o faz no transcurso do Seminário De um Outro ao outro
–, o faz na medida em que ele é apenas apreensível,
conceitualmente falando, no campo da prática. Diante disso, pode-
se inferir que o inconsciente é exemplar da dimensão
consequencialista da ética, na medida em que sua conceituação
não advém da mera especulação sobre a sua existência, mas, sim,
da prática que o toma como objeto de uma experiência. A ética
mostra-se implicada nessa formulação de que o inconsciente
apenas é apreensível no campo da prática, considerando que a
visada da psicanálise é a incidência efetiva no real do sintoma.
[2] “Eu diria que o primeiro tempo é: o mundo existe”. (LACAN, 1962-
63/2005, p. 42)
Aluna do Instituto: O que mais existe hoje são cursos que ensinam
como cobrar a sessão, como se faz isso ou aquilo.
Jésus Santiago: Sim! Ficou na gaveta. Com isto quero dizer que não
é possível conduzir um tratamento analítico no horizonte de um
código deontológico. Vou aproveitar para responder à aluna do
Instituto que fez uma questão importante sobre a técnica.
Evidentemente que as questões sobre a técnica psicanalítica
surgem quando estamos em dificuldades com algum problema no
tocante ao atendimento de um paciente. Muitas vezes, procura-se
resolver essas dificuldades por intermédio de um fazer sob o
comando de um conjunto de regras prescritivas. Lacan propõe que
as questões técnicas devem estar submetidas aos princípios que
conferem substância à chamada ética da psicanálise. Isso significa
que não há como dirigir um tratamento analítico por meio de um
protocolo de regras técnicas a serem seguidas. A medicina hoje, a
tão propalada “medicina baseada em evidências”, é marcada pelo
uso de guidelines, pelo emprego rotineiro de protocolos e, em
suma, por princípios de caráter estritamente técnicos. Parecem-me
importantes os questionamentos e as investigações, que já têm
lugar no terreno da medicina, sobre o emprego do protocolo na
atividade clínica do médico.
É sob esse viés que temos que adotar um olhar crítico sobre o que
é um curso ou um seminário clínico articulado à concepção
lacaniana da formação analítica. Por exemplo, um curso do
Instituto se distingue da gama de cursos que surgem na cidade
pelo simples fato de que um curso do Instituto toma a psicanálise
como uma prática. A dimensão da prática tem que ser muito bem
exposta num curso de formação. Portanto, não podemos fazer um
curso como os demais cursos de especialização ligados às
Universidades. Não podemos fazer um curso sobre o conceito de
inconsciente, conceito de pulsão, conceito de estruturas clínicas,
etc.
Nós temos que trabalhar melhor entre nós para criar uma
alternativa que seja inovadora e compatível com aquilo que é o
objetivo da psicanálise e que é tratar o sintoma. Estou insistindo
muito nesse ponto, mas, se a gente não levar isso em consideração,
simplesmente a psicanálise vai sofre os mesmos abalos que um dia
sofreu o marxismo.
Nesse sentido, achei fundamental isso que você trouxe para pensar
a articulação entre o Passe e o matema, de modo que o
testemunho de um AE não deixe em segundo plano os problemas
cruciais da psicanálise, inclusive como experiência de Escola.
Porém, não é apenas esse saber fazer com o sintoma que gera a
distinção entre o ensino no Instituto e a oferta de cursos de
psicanálise no âmbito da Universidade. Não é apenas o saber que
está em jogo nessa distinção entre o Instituto e a Universidade,
pois o foco fundamental dessa diferenciação é o desejo do analista
compreendido como “pura enunciação”. Mais precisamente, o
desejo do analista é uma incógnita, um “x” que se coloca em sua
própria enunciação (LACAN, 1967/2003, p. 257). Segundo
esclarecimento recente de Miller (2023), esse “estar em posição de
incógnita (x) em sua própria enunciação” se ilustra pela figura do
Che vuoi?, que, por sua vez, assume a forma de uma pergunta:
“que quer me dizer um analista quando fala e também quando
não fala?”. Se desejo não se confunde com a fala, o analista no
plano de seu desejo se mantém em uma posição de incógnita (x),
ou seja, “não se sabe o que ele quer”. Segundo ele, se pode dizer
que o analista pratica a “arte do enigma”, ou seja, “o enigma está
para além do enunciado, porém, não se sabe”. E continua essa
elaboração a partir da diferença entre a demanda e o desejo, visto
que “a demanda é sempre a demanda de algo; o desejo do analista
não é nunca o desejo de algo para os seus analisantes”. Conclui-se,
assim, que “o desejo do analista se confunde com o desejo de
nada”.
Referências
[1] “Eu diria que o primeiro tempo é: o mundo existe”. (LACAN, 1962-
63/2005, p. 42)
IMPRIMIR EMAIL
PUBLICAÇÕES
EBP
TYA BRASIL
CIEN
NRC-BR
VIDEOS
Entrevistas
Cursos
Filmes
NOSSO ENDEREÇO
CEP: 30130-007
ipsmmg@institutopsicanalise-mg.com.br
© ipsm-mg