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Música, adoração e vida cristã

Estudiosos da música e da Bíblia apontam características da


adoração cristã
Por Daniel Oscar Plenc
20 de janeiro de 2022

Apesar da Bíblia não ser específica em defender estilos musicais, o livro deixa claro
os princípios a serem seguidos (Foto: Shutterstock)
A discussão sobre os estilos musicais adequados para o culto na igreja, bem como

para a vida pessoal, é vista como complexa e controversa. Com alguma frequência,

perguntas são feitas, porém não respondidas satisfatoriamente ou são recebidas

com visões diferentes.

Questionamentos são levantados sobre as possíveis implicações morais, emocionais

ou espirituais da linguagem musical; ou seja, se a música ou o ritmo

musical podem exercer influência sobre as pessoas, independentemente da letra.

Além disso, existem dúvidas sobre se a música vai além do argumento estético,

artístico, para entrar no terreno da ética, da moralidade e da espiritualidade.

Explicações são levantadas a favor ou contra a ideia de que os estilos musicais

impactam as crenças ou valores pessoais. Também não há consenso sobre a

possível influência dos diferentes elementos da música como a melodia, a harmonia

e o ritmo. Em suma, podem ser encontrados critérios válidos para orientar a escolha

da música para os indivíduos, as famílias ou as instituições como a igreja? Tal escolha

tem relação genuína com a espiritualidade e a religiosidade?


A música como linguagem e estilo

O conceito da música pode ser construído como uma linguagem particular que

precisa ser escolhida apropriadamente para o cumprimento de seu objetivo? O

que se entende por essa linguagem? Essas perguntas refletem a tensão existente

entre a tendência de pensar que a música, inclusive sem letra, pode comunicar algo

que o ouvinte pode entender com alguma clareza, e a suposição de que a música não

comunica muito mais do que qualidades estéticas.

Muitos consideram que a música, sem considerar a letra, é “um veículo

essencialmente neutro”. i Consequentemente, a atenção é dada quase

exclusivamente à mensagem da letra, entendendo que a música não faz parte dessa

mensagem, de modo que qualquer discussão sobre estilos musicais se torna

irrelevante. Outros se opõem resolutamente à noção de neutralidade da música.

Um conhecido seminário sobre música cristã, transmitido pela Bible Broadcasting

Network (BBN), foi precisamente intitulado: “A linguagem da música”. Seu

apresentador, o professor de teoria musical Frank Garlock, concentra seu argumento

na tese de que a música é uma linguagem; portanto, não pode ser amoral ou neutra.

Ele afirma: “As notas individuais são neutras, mas quando começa a combiná-

las e adicionar ritmo a elas, você começa a transformá-la em linguagem. E você pode

ter música boa ou ruim dependendo da combinação dos elementos e da maneira de

executá-la. A música é comunicação; portanto, tem qualidade moral”. O documento

intitulado “Uma filosofia adventista sobre a música” concorda com Garlock nesse

aspecto: “A música não é moral nem espiritualmente neutra”.ii


Em seu livro In Tune With God [Em sintonia com Deus], Lilianne Doukhan diz que

existem dois pontos de vista sobre a neutralidade da música. O

primeiro assume uma postura mística e supersticiosa ao atribuir à música um poder

mágico, e o segundo nega que a música tenha efeitos sobre o ser humano. A autora

não acredita que a música seja neutra, embora considere que seu efeito

seja enquadrado pelas experiências e pelas circunstâncias.iii

Estética e espiritualidade

Ao refletir sobre os desafios da música contemporânea de adoração, ela diz:

“Precisamos redescobrir e entender que a música fala em uma linguagem própria,

independente das palavras [...]”.iv A autora não acredita que haja correspondência

entre estética e ética: “É importante distinguir entre a experiência estética (espiritual)

e a experiência religiosa; elas não são equivalentes”.v

Em vez disso, ela acredita que o poder da música está na intensificação (intensifica

tanto o efeito das palavras quanto a receptividade das pessoas), no

embelezamento (dá beleza a eventos, palavras, experiências ou ações), no estímulo e

reforço (traz ânimo, energia, etc.), e nas associações (a conexão entre a música e seu

ambiente).vi

Aqueles que acreditam que a música não é neutra costumam advertir sobre as

consequências práticas de assumir uma posição contrária. Na pesquisa traduzida

como Música sacra, cultura e adoração, Wolfgang Hans Martin Stefani afirma: “Essa

ideia levanta questões sobre a possibilidade ou não de distinguir entre o sagrado e o

profano na música, assim como as questões relacionadas às associações


musicais”.vii Ele ressalta que, além da letra, a música comunica uma mensagem, um

significado e que a música não é um meio neutro, uma vez que a ideia de

neutralidade esvazia a música de qualidades morais, reduzindo-a a qualidades

artísticas.viii

Estilos musicais

E quanto ao estilo? Há orientações sobre os estilos musicais mais adequados para a

música cristã? Se por estilo entende-se um gênero musical específico (balada, blues,

clássico, country, criollo, pop, rap, rock, etc.), é evidente que não serão

encontradas prescrições na Bíblia ou nos escritos de Ellen White. Agora,

se por estilo entendemos uma forma de fazer música, ou as características que a

identificam, é possível extrair da revelação algumas orientações úteis.

Um simples estudo sobre a música na Bíblia pode nos dar importantes implicações

para sua consideração atual. Por exemplo: (1) que a música é um dom de Deus a

ser recebido, cultivado e empregado para Sua glória; (2) que a música dedicada a

Deus é cultivada com a dignidade de um ministério; (3) que a música destinada ao

culto deve ser organizada com cuidado e espírito de serviço; (4) que os músicos e

os líderes religiosos devem trabalhar em harmonia e cooperação; (5) que os

responsáveis pela música desempenharão um ministério melhor se forem escolhidos

e apoiados em seu desenvolvimento musical, espiritual e teológico; (6) que a

qualidade musical, a beleza estética e a relevância dos textos devem ser

intencionalmente buscadas; (7) que as letras devem ser essencialmente teocêntricas,

educativas, sem esquecer seu alcance evangelizador.ix


O mesmo pode ser dito sobre os muitos conselhos de Ellen White. A autora ressalta

que a música e o canto são dons preciosos de Deus, depois aponta certas

características positivas e negativas que compõem diferentes formas de fazer

música.x São valorizados negativamente, por exemplo, a exibição teatral, os

movimentos corporais e os gestos exagerados, as notas prolongadas (como na

ópera), a ostentação, o ruído que atordoa os sentidos, o volume excessivo,

a aspereza, o barulho e a confusão, o exibicionismo, o formalismo, as vozes agudas e

estridentes. Pelo contrário, são apreciadas a dignidade, a música melodiosa,

harmoniosa, clara, suave, as canções alegres com melodias solenes e palavras

pronunciadas com clareza.

Como pode ser lido literalmente: “Não é o canto alto que é necessário, porém

entonações claras, a pronúncia correta, a dicção distinta. Tomem todos tempo para

cultivar a voz, de maneira que o louvor de Deus seja entoado em tons claros, suaves,

sem asperezas e estridências que ofendam ao ouvido. A aptidão de cantar é dom de

Deus; seja ele usado para glória Sua”.xi “O bom canto é como a música dos

pássaros – dominado e melodioso.”xii “A música deve possuir beleza, poder e

faculdade de comover.”xiii

Elementos e critérios

Sabe-se que a música combina e equilibra vários elementos básicos como a melodia

(sucessão de sons), a harmonia (acordes ou sons simultâneos), o

ritmo (ordenamento e duração dos sons), a cor (qualidade do som), o timbre (som

característico), o tempo (velocidade da execução), etc.


Ocasionalmente, tem se tentado relacionar esses elementos musicais com seus

possíveis efeitos sobre as pessoas (razão, emoções, corpo).xiv Nesse

processo, intervêm o compositor, o intérprete e o ouvinte. Parece evidente aqui que

o melhor efeito ocorre quando a música é caracterizada por qualidade, equilíbrio

entre dissonâncias e consonâncias (entre tensão e repouso), variedade, clareza,

naturalidade, boa afinação, volume razoável, riqueza poética e relevância dos

textos.

Alguns estudos de aplicação desses critérios têm sido ocasionalmente divulgados.

Jeffrey K. Lauritzen, por exemplo, menciona a seguinte conceituação: “A música, em

sua definição mais simples, é composta por três elementos: melodia, harmonia e

ritmo. Esses três correspondem a pelo menos um nível no que diz respeito ao

espírito ou intelecto do homem; suas emoções e sentimentos; e seu corpo ou

necessidades físicas. Ao escolher a música para o culto, sua hierarquia deve ser

mantida intacta: a melodia deve reinar suprema. A harmonia apoia a melodia, mas

nunca a suplanta. O ritmo deve sustentar ambas, mas nunca suplantá-las”.xv Em

geral, exige-se um equilíbrio e uma ponderação entre os três elementos

fundamentais.

Lilianne Doukhan afirma que a música de valor duradouro tem um equilíbrio

adequado entre os três principais elementos da música: melodia, harmonia e

ritmo, e um equilíbrio conveniente entre os princípios de repetição (que produz

tensão) e variedade (que produz relaxamento). Ela destaca ainda que a essência do

estilo musical depende do uso criativo desses elementos.xvi Wolfgang H.


M. Stefani, por sua vez, refere-se à capacidade de comunicação dos elementos

musicais: “Por meio da melodia, da harmonia, do ritmo e de outros elementos, a

música transmite emoções e estados de ânimo”.xvii

Outro dos inevitáveis critérios musicais tem a ver com o volume, dada a necessidade

de não exceder os decibéis recomendados pela ciência médica. Talvez ainda mais

discutido seja o assunto da preponderância do ritmo sobre a melodia.

Música contemporânea

Lilianne Doukhan fala sobre os pontos fortes e os desafios da chamada Música de

Adoração Contemporânea. Como pontos fortes, ela lista os seguintes: (1) muitas

vezes a letra é tirada diretamente das Escrituras; (2) é fácil de aprender porque é

simples, previsível e repetitiva; (3) tem flexibilidade rítmica; (4) permite que

os jovens usem seus talentos na execução de instrumentos; (5) é criativa. Os desafios

seriam os seguintes: (1) muitas vezes é excessivamente contextual, sentimental

e egocêntrica; (2) precisa recuperar a consistência entre a mensagem do texto e o

estilo musical; (3) requer o uso prudente da tecnologia, de maneira que (por

exemplo) as faixas musicais não substituam a oferta musical dos músicos;

(4) precisa se proteger contra a manipulação emocional; (5) precisa mostrar

prudência em relação a atitudes e associações seculares.xviii

Quais são algumas das características às vezes preocupantes da música cristã

contemporânea? (1) A repetição excessiva e a monotonia de algumas composições

musicais; (2) o sentimentalismo excessivo; (3) o volume exagerado; (4) a ênfase

antropocêntrica. “A ênfase de muitas músicas religiosas contemporâneas no ‘me’,


‘mim’ e no ‘eu’ reflete a teologia egocêntrica que é tão predominante hoje... A

teologia egocêntrica das músicas contemporâneas é refletida nessas letras

que contêm apenas referências vagas ou obscuras a coisas espirituais.”xix

Além da música

O conhecido autor evangélico John MacArthur apresentou ao mundo cristão uma

séria reflexão sobre a adoração e a música. No apêndice de uma de suas obras mais

difundidas, ele se refere às mudanças ocorridas nos últimos séculos.xx Diz que

uma alteração profunda aconteceu na música da igreja no final do século XIX,

quando os hinos, mais doutrinários e didáticos, foram substituídos pela música

gospel, com menos conteúdo doutrinário, mais simples, subjetivas, emocionais,

populares e evangelísticas.

E desde o final do século XX, outra grande modificação aconteceu, quando as

músicas de louvor seguiram a música gospel, com melodias atraentes, mais curtas e

repetitivas, como expressões pessoais de louvor, sem nenhum propósito didático.

MacArthur está mais preocupado com o conteúdo do que simplesmente com o estilo.

Ele explica em uma nota de rodapé: “Acredito que o estilo deve ser apropriado ao

conteúdo e, por isso, oponho-me a algumas músicas cristãs contemporâneas com

base no estilo. No entanto, minha primeira preocupação – e o ponto que enfatizo

neste capítulo – tem a ver com o conteúdo, não com o estilo”. xxi

Conselhos bíblicos

As Escrituras têm algo a dizer sobre o canto e a música? Claro que sim, tanto no

Antigo quanto no Novo Testamento. É possível retornar ao hinário de Israel (o livro


dos Salmos) em busca de inspiração, motivação e um modelo para a adoração

adequada. Como grande parte da poesia hebraica, os Salmos são caracterizados por

uma profunda consciência da realidade de Deus, de Sua presença; mostram amor

pela natureza e por seu Criador; expressam profundas verdades éticas e qualidades

humanas fundamentais, como afeto, angústia, amor, dor e confiança.xxii

Quais são seus temas centrais? Alguns dos tópicos que poderiam iluminar

todos os louvores musicais são os seguintes: (1) a oração; (2) a gratidão; (3) o louvor;

(4) a adoração; (5) a história do povo de Deus; (6) as virtudes morais; (7) a família;

(8) a vinda do Messias; (9) o arrependimento e o perdão; (10) o culto.xxiii Os Salmos

apresentam alguns princípios que continuam sendo valiosos para a música de

adoração: (a) o princípio do foco (eles estão centrados no Senhor, em Seu caráter

e Seus propósitos); (b) os princípios da motivação

(a gratidão, o louvor, a admiração, a adoração, tão importantes

em toda manifestação musical); e (c) o princípio da excelência (que impele a

oferecer ao Céu o que há de melhor em riqueza poética e qualidade musical, além

da imprescindível sinceridade e disposição de entrega).xxiv

As duas passagens apostólicas mais concretas sobre a música cristã são encontradas

em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16. Nelas, com plena consciência da obra de Cristo e

do Espírito Santo, Paulo exorta os crentes a se expressar com canções de louvor:

“Falando entre vós com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, cantando e

salmodiando ao Senhor no vosso coração” (Efésios 5:19). Novamente ele diz isso com

palavras similares: “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a


sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e

cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração”

(Colossenses 3:16). Esses textos de Paulo são os mais instrutivos do Novo

Testamento.

Pode ser difícil entender o que eram os “salmos, hinos e cânticos espirituais”. É

evidente que os salmos vinham dos antigos hebreus; que os hinos eram dirigidos a

Cristo (como pode ser visto em determinados hinos cristocêntricos que

aparecem em Efésios 5:14; Filipenses 2:6-11; Colossenses 1:15-20; 1 Timóteo 3:16; 2

Timóteo 2:11-13; Hebreus 1:3); e que os cânticos espirituais eram possivelmente

músicas espontâneas de louvor (1Coríntios 14:15). Mas o que é inegável é que a

música cristã era participativa, educativa, interativa, cristocêntrica e profundamente

espiritual, o que também dava lugar à diversidade e à espontaneidade.xxv Tanto o

antigo (os Salmos) quanto o mais recente (hinos) e o atual (cânticos espirituais)

tinham seu lugar.

A música, com toda a sua beleza e complexidade, é um veículo fascinante de

expressão e comunicação. Quando se destina à adoração, à inspiração

e ao testemunho, precisa ser escolhida e tratada com o maior esmero a fim de

alcançar os objetivos propostos. Seria bom, em busca de sabedoria e conselho, um

retorno a Deus, por meio da oração, e à Bíblia, em busca de orientação, para

prosseguir com o sublime propósito de existir para a glória de Deus e para a benção

dos homens.
Daniel Oscar Plenc, PhD. Doutor em Teologia pela Universidade Adventista del Plata

(UAP), é professor da Faculdade de Teologia da UAP e diretor do Centro de Pesquisa

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