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o2ri2023, 22.38 RPM 23-0 ensino de Matematica Geraldo Avila IMECC-UNICAMP, Campinas, SP ACrise do Ensino E bem sabido que o ensino da Matematica na escola do 1.° ¢ 2.° graus vive uma crise crénica ha muitos anos. Deixando de lado os fatores sécio-econdmicos e politicos, abordaremos aqui tio-somente as dificuldades ligadas diretamente a0 ensino nas escolas. Essas dificuldades vém se perpetuando desde o inicio da década de sessenta, quando 0 ensino da Matematica passou por uma reforma profunda, que deu origem ao que se convencionou chamar de Matematica Moderna. As caracteristicas principais dessa reforma foram uma énfase acentuada na utilizacdo da linguagem de conjuntos ¢ numa apresentagdo excessivamente formal das diferentes partes da Matematica, Foi uma reforma radical. Os reformistas contaram, desde 0 primeiro instante, com adeptos fervorosos poucos opositores. A maioria dos professores — e mesmo alguns eminentes matemiticos — apoiava as mudangas com entusiasmo. Mas, com o passar do tempo, a ineficdcia da Matematica Moderna ia-se tormando mais e mais evidente. Os opositores do movimento foram aumentando em némero e contando, cada vez mais, com 0 apoio de pesquisadores de grande prestigio. Em conseqiiéncia disso, ¢ das muitas criticas que entdo se faziam 4 fcia dessa orientagio para o ensino, novas mudangas Matemética Moderna, aliadas as evidéncias da inefica comecaram a ser feitas, no sentido de corrigir os rumos que vinham sendo seguidos. Na maioria dos paises a crise da Matemdtica Moderna foi superada ¢ ja é coisa do pasado, No Brasil, entretanto, nao obstante os avangos que tém sido feitos nos iiltimos quinze anos aproximadamente, convivemos ainda com fortes resquicios daquelas idéias dos anos sessentas. 0 Papel da Linguagem e do Simbolismo O ensino de Matematica como era feito antes da reforma da Matematica Moderna dos anos sessentas realmente continha muitas deficiéncias. Nao levava em conta aspectos importantes da psicologia do aprendizado que, felizmente, vém recebendo, hoje em dia, mais atengdo. Mas a reforma trouxe inovagdes desastrosas, algumas das quais persistem, no obstante as mudangas salutares dos dltimos anos. Assim & que os livros do 1.° © 2.° graus continuam carregados de simbolismo ¢ linguagem de conjuntos que mais atrapalham do que ajudam o aluno em seu esforgo de aprendizagem. E preciso ter presente que o objetivo de todo ensino, seja de Matematica, seja de qualquer outra disciplina, é transmitir idéias, estimular o pensamento independente e a criatividade. A Matematica, em particular, depende muito de sua inguagem e simbolismo especificos. Mas é também a linguagem eo simbolismo préprios da Matemdtica que a fazem tio inacessivel, principalmente ao leigo, mesmo ao "leigo erudito". Assim, podemos dizer, em certo sentido, que a linguagem e o simbolismo da Matematica sio um "mal necessario". (Alias, é interessante notar que demorou muito para que esses elementos tao decisivos no progresso da Matematica se desenvolvessem com toda forga. Isso s6 veio a acontecer a partir do século XVI, com o desenvolvimento da notagao e do formalismo da Algebra.) Por causa mesmo dessas dificuldades inerentes & linguagem e ao simbolismo & que se torna tio necessirio 0 devido cuidado na boa utilizacdo desses instrumentos,para que eles exergam seu desejado papel no aprendizado, e no © prejudiquem. Linguagem e simbolismo so muito ‘iteis e indispensiveis enquanto ajudam na transmissdo e na agilizagdo das idéias. Infelizmente, 0 que acontece no ensino elementar é que a linguagem de conjuntos ¢ o excesso de simbolismo e terminologia, além de ndo ajudarem, s6 atrapalham. Por exemplo, nio ha beneficio algum em insistir com as criangas na distingdo entre "namero" e "numeral". Ao contrario, isto sé traz prejuizos, criando uma preocupagdo desnecesséria na mente do aluno. Do mesmo modo, para introduzir a idéia de "fungo" nao é preciso apelar para produto cartesiano de conjuntos, muito menos para 2 nogio de relago, como costuma ser feito; isto nada tem de motivador. Em situages como essas, 0 excesso de linguagem obstrui o mais importante, que so as idéias. Por exemplo, é muito mais natural ¢ mais facil dizer bitpsirpm.orgbrfedrom23irpmt.him 14 oarr2029, 22:39 RPM 23 © ensino de Matemética "2 e 5 so as raizes da equagdo x?-7x + 10=0" do que "o conjunto verdade da sentenga x* - 7x + 10=0 é V= {2,5}". Alids, nenhum matematico profissional diz isso. O natural & seguir 0 costume dos matematicos profissionais, ¢ nao ficar inventando pedantismos artificiais como esse. E é importante observar que linguagem ndo motiva ninguém, idéias sim, Nenhum aluno pode se interessar por qualquer coisa onde nao veja algum elemento que Ihe satisfaga ou aguce a curiosidade. O mesmo é verdade no caso dos matemiticos que contribuiram para o desenvolvimento de sua cigncia. Eles estavam sempre OEnsino de Matematica — NTP) oto Tinguazem slementos quando cles se Irzerem necessarios para auxiliar no aprendizado de coisas verdaderramente relevantes. AResponsabilidade por Mudangas Ha um certo consenso, entre professores, em que realmente a linguagem de conjuntos quase nada tem a ver com 0 que se deve ensinar, No entanto, as desejadas mudangas ndo se operam, e isto por varias razdes. Os cursos de licenciatura das universidades © faculdades nem sempre esti bem estruturados para preparar devidamente seus alunos para as tarefas de ensino no 1.° e 2.° graus. Os proprios professores que lecionam nesses cursos de licenciatura muitas vezes no estéo devidamente motivados para essas tarefas. As provas de muitos concursos piblicos e de varios exames vestibulares continuam apresentando questdes sobre conjuntos, linguagem ¢ formalismo inconseqiiente, Finalmente, os autores e editores de livros-textos também sio responsaveis pela presente situagdo, pois so eles que pem no mercado o instrumental basico do professorado de todo o pais. E evidente, pois, que no haverd mudangas no ensino enquanto ndo houver mudangas nos livrosetextos. Como se vé, depende desses profissionais, mais que de quaisquer outros, a possibilidade das mudangas desejadas. Possam eles tomar consciéncia das melhorias possiveis, eliminando dos livros os elementos negativos e prejudiciais no ensino-aprendizagem da Matemitica, abrindo assim o caminho para o trnsito livre e facil das idéias. AReestruturagao dos Programas Um aspecto importante a ser notado nas sucessivas reformas do ensino é a preservagao de coisas antigas, nijo obstante a insisténcia em "modernidade", Fala-sc muito em "modernizar" 0 ensino, mas essas "modemizagdes" nao se livram de verdadeiros esqueletos cuidadosamente preservados intactos nos novos programas... Um exemplo disso é 0 tépico razées e proporedes, que continua sendo apresentado hoje como o era hd cem ou duzentos anos, Nao mudou, ndo evoluiu. Continuamos atrelados a conceitos arcaicos, insistindo ainda em terminologia anacrénica, como antecedente, consegiiente, e em outras coisas initeis como a famigerada regra de trés composta. Em dois artigos na Revista do Professor de Matematica (RPM 8 e 9) tratamos essa questao detalhadamente, mostrando que tudo ndo passa de constatar uma relagdo de dependéncia funcional entre duas ou mais, grandezas, nada mais; 0 resto é resolugdo de equagdes simples. Procuramos mostrar, nesses artigos, que o ensino dessa dependéncia ¢ uma boa oportunidade para uma primeira introdugio do conceito de fungi e de trabalho com graficos, ja no 1.° grau. Regra de extragio da raiz quadrada, sistemas lineares e equagdes de um modo geral sio tépicos cujo ensino no se modernizou ¢ que continua sendo feito de maneira anacrénica ¢ desatenta para a realidade das calculadoras de bolso, jé bastante disseminadas e acessiveis. mais que tempo de ensinarmos métodos de aproximagao no 2° grau, adequados a calculos aproximados. (Sobre sistemas lineares, veja-se, a propésito, o artigo do Professor Elon Lages Lima, neste mesmo nimero da RPM.) A propésito da raiz quadrada, o que se devia ensinar é a sequéneia recorrente ay4i = (a +1/ ay) / 2. (Veja RPM 2, p. 27; RPM 4, pp. 25-27; RPM 8, pp. 65-66; RPM 21, pp. 11-17.) Como se vé, 0 estudo dessa seqiiéncia situa-se muito bem num estudo geral de segiiéncias recorrentes e aproximacées numéricas, incorporando © que atualmente leva o nome de P.A. ¢ PG. bitpsirpm.orgbrfedrom23irpmt.him 28 oarr12028, 22:38 RPM 25 - 0 ensina de Matematica Trigonometria & outro tépico que ocupa indevidamente uma grande parte dos programas, muitas vezes incluindo tratamento numérico de resoluedo de tridngulos, hoje superado pela facilidade de cdlculos com a utilizagao de calculadoras eletrénicas. © ensino de logaritmos também nao se modernizou ¢ continua sendo feito num espirito arcaico, quando nio tem mais a importincia que teve por varios séculos, de instrumento de célculo numérico. Hoje em dia, com a disseminagdo das calculadoras eletrénicas, seria um despropésito ensinar a utilizagdo das tabuas de logaritmos. E preciso mudar a énfase no ensino do logaritmo, adequando-o as necessidades de hoje. 0 logaritmo decimal, ‘Go importante no antigo célculo numérico manual, perdeu muito desse papel. Muito importante a ensinar hoje em dia & a fungo logaritmo natural e sua inversa, a exponencial e”, a fungo mais importante da Matematica, que ocorre na descri¢do de uma variedade de fenémenos, como o crescimento de uma cultura de bactérias, de uma populagao, de juros compostos, do decaimento radiativo, etc. (Veja, por exemplo, nosso livro Caleulo 1, Segdes 4.10, 4.11 € 5.6.) Ao leitor interessado numa apresentagdo do logaritmo para 0 professor do 2.° grau, recomendamos 0 livro Logaritmos, do Prof. Elon Lages Lima, publicado pela Sociedade Brasileira de Matematica. Fungées, Calculo e Geometria Analitica Os problemas relacionados com 0 ensino de fungées merecem consideragdes numa segao a parte. © que a Matematica Modema fez com o ensino de fungdes redundou num desenvolvimento excessivamente formal, abstrato e longo desse tépico do programa, ocupando toda a primeira série do 2.° grau, e afastado das aplicagdes que podem se constituir em boa motivagdo. Atualmente gasta-se muito tempo explicando as operagdes de unido, interse¢ao ¢ produto cartesiano de conjuntos, para se chegar & definigdo de fungdo como um caso particular de relagao. Isto nada tem de motivador para o aluno ¢ é irrelevante nos exemplos de fungdes que so discutidos nesse estigio do aprendizado, todos eles dados por formulas simples. Para bem entendermos o contra-senso do ensino atualmente praticado na escola do 2.° grau nesse dominio da Matematica, devemos lembrar que os matemiticos profissionais lidaram com fungbes por quase dois séculos antes de chegarem a definigao geral de fungao. E se ai chegaram, foi porque tiveram necessidade desse conceito geral para resolverem delicadas questdes surgidas no trato de importantes problemas de convergéncia, Mais especificamente, os problemas tratados levavam a consideragdo de séries infinitas de fungdes, sobretudo as séries trigonométricas. (Isso esta explicado em nosso livro Introducao Andlise Matematica, publicado pela Editora Edgard Bliicher, Veja as, “Notas Complementares" no fim dos capitulos, sobretudo as pp. 104 a 107.) Ora, se essas sutilezas da Andlise esto fora do aleance do aluno do 2° grau, por que perturbé-lo com uma idéia to geral e abstraia de fungio, ‘num momento em que ele esta tdo despreparado para apreciar sua importancia? As coisas devem vir a seu devido tempo. Do mesmo modo que na evolugdo das idéias, também no ensino os conceitos sé devem ser introduzidos 4 medida que vao sendo solicitados no desenvolvimento dos t6picos ensinados, a medida que o aluno esteja em condigées de apreciar criticamente a importancia do que esta aprendendo. Ao contrario, 0 que vemos no ensino de fungdes é a introdugdo de diversos conceitos novos, como fungao injetiva, sobrejetiva, inversa, composta, etc, sem utilizagdo adequada desses conceitos, e, portanto, sem revelar sua real importancia. O resultado € negativo, pois, ao invés de estimular os alunos, produz neles 0 efeito contrario de gerar desinteresse pela Matematica. Conclusao Concluimos reafirmando nossa crenga na viabilidade de varias mudangas no ensino da Matemitica. Isso passaria por um verdadeiro "enxugamento" dos atuais programas, com a conseqiiente abertura de espago bastante para acomodar o ensino de elementos de Célculo, tio enriquecedor no estudo das fungdes ¢ muito bitpsirpm.orgbrfedrom23irpmt.him 34 o2ri2023, 22.38 RPM 23-0 ensino de Matematica relevante como auxiliar no ensino da Fisica. (Jé falamos sobre isso na RPM 18. Veja também os artigos do Professor Duelos e da Professora Gravina na RPM 20.) Como posso adquirir? Matematica (Ginasial, 4 vols.) de Osvaldo Sangiorgi e Matematica (Colegial, 3 vols.) de Ary Quintella., usados na década de 70. Eserever para Vander F de Almeida Rua Salvador Borges, 26 36632-030 Betim, MG Softwares Educacionais Gostaria de receber softwares educacionais matematicos de colegas que jé tenham experiéncia na Area. Escrever para Jorge B. de Abreu Setor D, Q. 16, C. 12, Valparaiso I 72870-000 Luziania, GO. bitpsirpm.orgbrfedrom23irpmt.him ais

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