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Gada mer t¥Yt 4 | tT ies ISSN 1415 - 0778 Lucia Massara Diretora Carlos Alberto Rohrmann Rodolpho Barreto Sampaio Jinior Editores REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO [Ene oR irons [wR Fr | we] Belo Horizonte — 2008 | mi 8 seracen 1200 | ar AAPLICACAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA. HERMENEUTICA DE HANS-GEORG GADAMER FERNANDO ARMANDO RIBEIRO BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA. Sumario 1, Introdugo. 2. Hermenéutica interpretagio. 3. A hermenéutica enquanto método de interpretacao. 3.1 Os métodos de interpretagio do Direito 4. Cri- ticas A aplicagao do Direito sobre 0 paradigma da “hermenéutica” enquanto método de interpretacao. 5. A Hermenéutica Filoséfica de Gadamer. 5.1 O : Horizonte Histérico 5.2 A Fusao de Horizontes 5.3 Histéria Efeitual 5.4 O Circulo Hermenéutico 5.5 A questo do método 5.6 A Linguagem 6. A aplicagio do Direito sob o prisma da Hermenéutica Filoséfica de Gadamer: uma contribuigao ao Direito. 7. Con clusdo. 8. Referéncias bibliogrificas Resumo presente trabalho visa a apresentar a contribuicao da hermenéu- tica filoséfica de Hans-Georg Gadamer para a hermenéutica juridica, bem como as razBes da necessiria superagio do paradigma metédico que marca a interpretagdo do Direito desde o século XIX. Procura-se demonstrar como a hermenéutica gadameriana pode fecundar o estudo do Direito, apresentando sua intrinseca condigdo dialégica e reflexiva | para com a tradigao. | | en a0 sanamae wa | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA PALAVRAS-CHAVE: Hans-Georg Gadamer. Hermentutica Juridica Século 19. Abstract ‘The present work presents the contribution of the philosophical hermeneutics of Hans-Georg Gadamer to the legal hermeneutics, as, well as the reasons why the methodological paradigm of legal interpre- tation, prevailed since the XIX century must be considered undeniably outmoded. We also try to present how the gadamerian hermeneutics can fertilize the study of the Law, by showing its intrinsically dialogical and reflexive condition in face of tradition. KEYWORDS: Hans-Georg Gadamer. Legal Rules of interpretation. 19th century. 1 INTRODUGAO O estudo do Direito ¢ uma constante procura. Procura-se pelo sentido da Constituigdo, pela Justiga. Procura-se muitas vezes sem saber ao certo as feigdes do que se esté a buscar. Procura-se freqiien- temente apenas no siléncio do texto como se ele tudo soubesse € a tudo respondesse. Todavia, o Direito ndo ¢ somente aquilo que consta dos textos de leis e cédigos. Os textos legais apenas trazem ordens de conduta na sociedade, aptas a regular relagdes intersubjetivas. Por conseguinte, a procura do Direito no texto legal implica o encontro de um Direito mudo, aplicado como a desconsiderar 0 sujeito que interpreta sem saber a que serve, a quem obedece. Considerando que tudo que é apreendido e representado pelo sujeito cognoscente remete a um processo hermenéutico e que o mun- do vem a consciéncia pela palavra, sendo a linguagem ja a primeira interpretagdo, a hermenéutica torna-se inseparavel da vida humana e, por conseguinte, do préprio Direito. Portanto, 0 Direito depende da mediagao hermenéutica, Sem hermenéutica, nfo hé Direito, s6 texto. No Direito, por intermédio do discurso se exprime o valido e 0 ndo- Valido, o razodvel e 0 ndo- razoavel, o que corresponde dignidade da pessoa humana ¢ o que a nega ou ignora, e para tanto sempre se tem. um processo hermenéutico. 38 coven va AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENBUTICA, Investigar ¢ refletir a aplicagio do Direito no paradigma do Es- tado Democratico de Direito e no contexto da pluralidade exige o re- conhecimento da inevitabilidade do trabalho de recriagao critica dos textos, Nesse setitido, a Hermenéutica Fitoséficagadameriana feeu=——————_ da o estudo do Direito, demonstrando a sua inevitavel compreensio enquanto didlogo critico ¢ reflexivo com a tradi¢ao. Buscando pensar a Hermenéutica Filoséfica de Gadamer no Ambito da aplicagdo do Direito, este artigo propde uma breve introdu- ¢G0 hermenéutica, procurando estabelecer uma distingao entre esta € a interpretagdo, Em seguida discorre sobre a hermenéutica classica, seus métodos, suas escolas. Posteriormente adentraré a Hermenéutica Filoséfica de Gadamer, definindo alguns de seus conceitos e expondo suas caracteristicas. Somente, entio, se passaré a Hermenéutica Juri- dica gadameriana, enfrentando algumas questées de relevancia. 2 HERMENEUTICA E INTERPRETACAO Historicamente, a hermenéutica penetrou de forma gradativa no dominio das ciéncias humanas ¢ da filosofia, adquirindo com o advento da modernidade diversos significados. Neste sentido, Palmer assinala: © campo da hermenéutica tem sido interpretado (numa ordem cronolégica pouco rigorosa) como: 1) uma teoria da exegese bi- blica; 2) uma metodologia filoldgica geral; 3) uma ciéncia de toda a compreensio linglistica; 4) uma base metodologica das geis- teswissenschaften; 5) uma fenomenologia da existéncia e da com- preensao existencial; 6) sistemas de interpretacdo, simultanea- mente recolectivos e inconoclsticos, utilizados pelo homem para alcangar o significado subjacente aos mitos e simbolos {...]. Cada defini¢ao representa essencialmente um ponto de vista a partir do qual a hermenéutica é encarada. (PALMER, 1999: 43-44). O modelo hermenéutico desde a escoléstica até o sistema hist6- rico-evolutivo consiste, em linhas gerais, no estudo da sistematizagao dos processos aplicaveis para determinar o sentido e 0 alcance das expresses. Por conseguinte, a hermenéutica juridica no sentido tra- 39 FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA dicional busca o sentido da verba legis por intermédio de métodos ¢ téonicas de interpretagao da lei Entretanto, desde os estudos de Heidegger, a hermenéutica no pode mais ser compreendida como uma instrumentalidade passiva ca- paz de tornar compreensivel o objeto de estudo. Nesse sentido, a va- riagdo da propria compreenséo da linguagem como “meio universal” (KUNSCH, 2001) faz necessaria a viragem do modo de ser e perceber da propria hermenéutica, Segundo Heidegger (1997: 172), hermenéutica deriva do grego hermeneuein, que remete a0 deus Hermes, o mensageiro dos deuses. Hermes era conhecido como aquele que descobriu 0 objeto utilizado pela compreensio humana para alcancar o significado das coisas ¢ para transmiti-lo as outras pessoas. O deus Hermes era vinculado a uma fungéo de transmutagio, ou seja, transformava aquilo que a compreen- sfio humana néo aleangava em algo que essa compreensiio conseguisse compreender, Todavia, para tanto furtava algo. Hermes, ao traduzit em Jinguagem humana o que foi dito pelos deuses colocava um pouco de si, tirava um pouco dos deuses. Nesse sentido, o proceso de tradugo, enquanto manifestagéo do proprio fazer hermenéutico comporta sem- pre, ¢ inevitavelmente, uma atribuigdo de sentido. Esta, longe de ser um problema, constitui-se como condigao de possibilidade. Vale dizer, © proceso de desvelamento, esséncia do fazer hermenéutico enquanto saber auto-reflexivo ¢ participagao no ser implica necessariamente uma participagdo ativa e reconstrutiva da esfera de sentidos. Na perspectiva heideggeriana, foram os latinos que, ao identi- ficar hermenéutica com interpretacdo, operaram uma regress&o, pois a palavra interpretagio ndo traz a abertura dialética inerente ao fazer hermenéutico, pela conjungdo de dizer, explicar e traduzir como sen- tidos antigos da palavra hermenéutica. A palavra interpretagio nfo diz do furtar, é silenciosa sobre o se colocar. O termo interpretagao permite ser significado apenas como um ajuste de intengdo, como cla- rificagao do sentido de um objeto. Dessa forma, 0 uso do termo inter- pretacdo como sinénimo de hermenéutica fez esquecer todo substrato trazido pela hermenéutica em seu uso grego, Heidegger reivindica a hermenéutica em seu sentido mais ori- ginal. Dessa forma, para Heidegger, a hermenéutica permite revelar, descobrir, perceber qual o significado mais profundo daquilo que est4 40 AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA. na realidade manifesta. Pela hermenéutica descobre-se o significado oculto, ndo manifesto, nao s6 de um texto (stricto sensu), mas tam- bém, da linguagem, Neste sentido acentua Stein: A filosofia enquanto filosofia hermenéutica procura uma base para 08 processos cognitivos humanos que se dao na linguagem ¢ diz que existe, desde cedo, um processo comum a todos os seres hu- manos que Ihes permite se comunicarem através de uma lingua- gem, através dos discursos chamados assert6ricos, dos discursos que trabalham com enunciados e que esta condigdo de possibi- lidade vern da compreensio, de uma compreensto determinada. ‘A compreensio faz parte do modo de ser do homem. Ela é dada ‘como estrutura prévia de sentido. (STEIN, 1996: 33). Ainda, segundo Stein, existem dois modos de compreender, que setiam 0 compreender de uma proposigao e o compreender anterior, que 6 saber como se esté no mundo, o existir, o sobreviver. O compreender é uma qualidade do ser humano enquanto humano. Assim podemos ima- ginar que existe um logos que se bifurca. O primeiro seria o logos da compreensio de uma proposigio, o logos que se manifesta na linguagem (chamado por Heidegger de logos apoféintico). Eo segundo seria “aquele que se da praticamente no compreender enquanto somos um modo de compreender” (STEIN, 1996: 27) chamado de logos hermenéutico, De acordo com Margarida Lacombe Camargo: Para Heidegger, a compreensdo consiste no movimento basico da existéncia, no sentido de que compreender nfo significa um comportamento do pensamento humano entre outros que se possa disciplinar metodologicamente, e, portanto conformar-se ‘como meétodo cientifico. Constitui, antes, o movimento basico da existéncia humana. (CAMARGO, 2003: 29). A partir dos estudos de Heiddeger, Hans-Georg Gadamer con- substancia um tratamento paradigmdtico capaz de radicar em novas bases a questo hermenéutica. Com Gadamer, a tarefa hermenéutica nfo é mais desenvolver um procedimento para a compreensiio, mas “esclarecer as condiges sob as quais surge a compreenséo” (GADA- MER, 1997: 442). Portanto, tem-se uma nova e€ definitiva li¢do; uma 4 | ose 4s re FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONGALVES DE ARAUJO BRAGA coisa é estabelecer uma praxis de interpretagdo opaca como principio, € outra coisa bem diferente é investigar as categorias a partir das quais, passa a se dar a compreensio. Abre-se, entio, para uma hermenéutica juridica critica, compre- endendo que a hermenéutica é um processo de interpretagao somado a criagdo, no qual o intérprete aplicador é responsdvel também pela atualizagao permanente do Direito, visto em toda a sistematicidade e abrangéncia inerentes a seu modo de ser no mundo, 3. AHERMENEUTICA ENQUANTO METODO DE INTERPRETACAO Ahhermenéutica enquanto método de interpretago é apresen- tada.como ciéncia. Ela contém regras bem ordenadas que fixam os critérios e prineipios que norteiam a interpretagao. 6 a teoria cien- tifica da interpretago, sendo um instrumento para a realizagao do Direito. Conforme ensina Streck (2003: 106), a hermenéutica enquanto método de interpretagdo sofre a influéncia da hermenéutica de cunho objetivista de Emilio Betti que se baseia numa forma metédica e dis- ciplinada da compreensao. Ainda, segundo o autor gaticho, para Betti a interpretagdo seria um processo reprodutivo no qual o intérprete traduz para sua linguagem as objetivagdes da mente de outro por meio de uma realidade andloga a que originou as objetivagdes interpreta- das. Portanto, interpretar seria o reconhecimento do significado que o : autor foi capaz de elaborar (2003: 107). A concepeao da hermenéutica classica no Direito é performati- vamente representada pelo pensamento de Francesco Ferrara, jurista italiano de 1921, cuja obra revela o entendimento de uma hermenéuti- ca normativa que muito deposita nos métodos interpretativos. Ferrara assevera que o intérprete tem apenas o papel de mediador entre a lei € 0 fato. Para ele, “a misso do intérprete é justamente descobrir 0 contetido real da norma juridica” (FERRARA, 2003: 24). Nao obstante, para Ferrara os métodos de interpretagiio so pre~ ciosos para evitar: 2 AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA, [...] de uma parte daqueles que por timidez ow inexperiéncia estio estritamente agarrados ao texto da lei, para néo perderem o cami nko [...J; por outro lado, o perigo ainda mais grave de que o inté prete, deixando-se apaixonar-por uma tese, trabalhe de fantasia Jjulgue encontrar no Diteito positivo idéias e principios que sao an- tes 0 fruto das suas lucubragSes teéricas ou das suas preferéncias sentimentais. FERRARA, 2002: 25). No Direito brasileiro, esse pensamento hermenéutico normativo se tmaterializou no nome de Carlos Maximiliano, que assim ensinava: A hermenéutica juridica tem por objetivo o estudo ¢ a sistematiza- ‘sao dos processos aplicdveis para determinar 0 sentido ¢ 0 alcance das expresses do Direito. [...] Para aplicar 0 Direito se faz mister ‘um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; ¢, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensio. Em suma, 0 executor extrai da norma tudo o que na mesma se con- tem: é 0 que se chama interpretar. (MAXIMILIANO, 1999: 1). Interpretar & descobrir o sentido e o alcance da norma, procu- rando 0 significado dos conceitos juridicos. A hermenéutica é a téc- nica. A norma juridica, como modelo de Direito, ¢ o objeto cultural, cognoscivel do sujeito que se debruga em decifré-la. Desse modo, existem regras que o intérprete deve seguir, as, quais se manifestam e se multiplicam nos chamados métodos de inter- pretagio. Tais métodos poderiam levar & vontade do legistador, ou a vontade da lei, ou ainda ao estabelecido pela livre convicgdo do juiz? Nao importa, o relevante é que grande contribuigo da hermenéutica seria fornecer os métodos de interpretago que mostrariam o signifi- cado das normas. 3.1 Os métodos de interpretagao do Direito Tradicionalmente, a doutrina tem elencado as seguintes técnicas interpretativas do Direito: gramatical, l6gico-sistematica, histérica, sociolégica e teleolégica. a FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONGALVES DE ARAUJO BRAGA A interpretagdo gramatical ¢ a andlise da lei com base nas pa- lavras que compéem seu texto, bem como da conexdo entre elas. Na interpretagdo gramatical, o intérprete analisa o texto da lei com base nas palavras e na conexio linglistica. Assim, o intérprete se debruga sobre as expressGes normativas, investigando a origem etimolégica dos vocbulos e aplicando regras de concordancia ou regéncia, Jana interpretagdo Iégico-sistemitica busca-se deduzir a volun- tas legis com base em outras circunstancias que no as gramaticais, remetendo ao significado de uma norma em relagio com as outras, hicrarquicamente superiores ou mais gerais. Noutros termos, a inter- pretacdo légico-sistematica consiste em referir 0 texto ao contexto normativo de que faz parte, correlacionando, assim, a norma ao siste- ma do ordenamento juridico. A interpretagao histérica perquire os antecedentes imediatos ¢ remotos do modelo normativo. Portanto, a interpretagdo hist6rica tem por objeto a situagao da relaco juridica regulada pelas normas juri- dicas no momento da promulgagao da lei evidenciando o modo da intervengao do Direito num dado momento histérico. Por sua vez, 0 processo sociolégico de interpretagao objetiva amplia o sentido da norma a relagdes novas, além de temperar o al- cance do preceito normativo, a fim de fazé-lo espelhar as necessida- des atuais da comunidade juridica, Por fim, a interpretagao teleolégica objetiva depreende a fina lidade do modelo normativo, haja vista que a delimitago do sentido normativo requer a captagao dos fins para os quais se elaborou a nor- ma juridica. Ressalte-se que os métodos interpretativos nao se contrapdem rasgadamente, no so necessariamente operagées separadas, podem ser tratados como partes conexas de uma sé atividade. Nesse sentido, varias escolas apregoavam diferentes usos dos métodos interpretativos. 4 CRITICAS A APLICAGAO DO DIREITO SOBRE O PARADIGMA DA “HERMENEUTICA” ENQUANTO METODO DE INTERPRETACAO ‘A hermenéutica no escopo dos métodos de interpretago impli- cao revelar do sentido da norma. A interpretagiio tem como objetivo “ foe; co Ao a | eccrine a5 AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA, fundamental o estudo dos processos de fixagiio do sentido e do alcan- ce da norma juridica, com a finalidade de extrair seu significado, seu contetido. Segundo Carlos Maximiliano, o jurista, esclarecido pela her- ‘menéutica “nao perturba a harmonia do conjunto nem altera as linhas arquitetOnicas da obra; desce aos alicerces, e dali arranca tesouros de idéias” (MAXIMILIANO, 1999: 14). Portanto, de acordo com o autor, ahermenéutica equivaleria a métodos por meio dos quais o intérprete dissiparia as obscuridades e contradigées, explicaria a matéria para descobrir 0 “brilho de um pensamento fecundo em aplicagdes prati- cas” (MAXIMILIANO, 1999: 15). Dessa forma, as grandes questdes hermenéuticas do Direito ficam circunscritas & pergunta acerca do sentido que a interpretagdo deve fixar. Em comentario @ hermenéutica concebida como técnica de interpretago no prefiécio a obra Jurisdi¢ao Constitucional e Herme- néutica de Lénio Streck assevera Emildo Stein: “Ao lado da herme- néutica biblica, a hermenéutica juridica era sempre um exercicio de interpretagdo técnica de um lado, e, de outro essa interpretagao era comandada por canones rigidos e por intérpretes dotados de especial autoridade” (STRECK, 2004: XV). Enquanto instrumental para a exegese de texto, o saber herme- néutico é reduzido a um complexo intrincado com vistas & descoberta de uma verdade pré-existente. Sob esse ponto de vista, tanto a Escola da Exegese (refiexo da positivagao do Direito sobre os bragos da se- ‘guranga e da certeza), quanto a Escola Histérica (marcada pela crenga ingénua da histéria como algo objetivavel), ou a Jurisprudéncia anali- tica (sendo uma vertente cientifica e dogmatica) incorrem na compre- ens&o do ato de interpretar como um proceso silogistico em que das premissas decorre a conclusio da verdade da norma, o que pode levar & confusio entre validade e verdade. Portanto, no ambito da Ciéncia Juridica, a identificagao da hermenéutica como pura técnica a partir da qual se extrai a verdade conduz ao que Plauto Faraco Azevedo cha- mou de empobrecimento do processo hermenéutico. Nao obstante, a via do automatismo exegético ou silogismo dedutivo implica a desva- lorizagao da atividade judicante, de que o conceptualismo apartado da vida é contraparte (AZEVEDO, 1989: 61). 45 asroznen sro3 | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUIO BRAGA ‘Como acentua Lénio Streck (2004: 39), a hermenéutica enquan- to técnica, saber operacional, domina no campo juridico uma vez que © pensamento dogmatico do Direito cré na existéncia de uma sub- Jetividade instauradora do mundo que possibilitaria a “interpretagao correta”, 0 “exato sentido da norma”. Tal compreensio jaz sobre 0 paradigma da filosofia do sujeito, partido da concepeio de que € no sujeito que reside a verdade. Nas palavras de Lénio Streck: (... as priticas hermenéutico-interpretativas vigorantes/hegem6- nicas no campo de operacionalidade ~ incluindo ai a doutrina e a jurisprudéncia ~ ainda estdo presas & dicotomia sujeito-objeto, carentes e/ou refratérios a viragem lingtifstica de cunho pragmatis- ta-ontol6gico ocorrida contemporaneamente, onde a relago passa 4 ser sujeito-sujeito. Dito de outro modo, no campo juridico bra- sileiro a linguagem ainda tem um caréter secundério, uma terceira coisa que se interpoe entre 0 sujeito e o objeto, enfim, uma espécie de instrumento ou veiculo condutor de ‘esséncias’ e ‘corretas exe- ‘geses" dos textos legais. (STRECK, 2003: 18). Ora, coma filosofia da linguagem a verdade passa a habitar nem 86 0 objeto nem apenas o sujeito, mas se cogita o médium, a relagdo, a linguagem. Portanto, o intérprete nao dispée da verdade, tampouco “existem ‘capas de sentidos’ depositadas em algum canto do universo linguistic a disposi¢ao do intérprete, prontas a serem acopladas a nudez dos textos ou objetos” (STRECK, 2004: 256), Mas, por que ainda impera no campo do Direito o paradigma da filosofia do sujeito? Um dos motivos é, certamente, a resisténcia que se ope as novas idéias. Nao obstante, conforme expe Souza Cruz (2006: 3), 0 exame dogmético dos textos legislativos se sustenta na incorporagao das nogées clissicas da divisdo qualitativa dos poderes pela qual ao legislativo caberia uma ago de cardter volitivo, legando- se ao magistrado apenas a descoberta da vontade da lei ou do legis- lador. Vale lembrar ainda que segundo Dalmo Dallari (1980: 95), 0 emprego dos varios modelos de interpretagdo confere 20 intérprete 0 sentimento de isengao frente as injustigas que decorrem da lei, o que parece ser um tanto quanto cOmodo. Além disso, acredita-se que a uti- lizago das técnicas interpretativas confere a tio aclamada seguranga 46 IREITO NA PERSPECTIVA HERMENBUTICA. juridica, pois cercaria o intérprete, evitando as convicgdes tedricas proprias de cada individuo. ‘Todavia, como demonstra Margarida Lacombe Camargo (2003: 3), 0s critérios de interpretagdo ndo conferem objetividade & interpre- tagdo das leis. Primeiro, por faltar a elas hierarquia, tormando 0 seu comando bastante fluido. Segundo, por ignorar a dimensio criadora do intérprete que atenta antes para a resolugo do problema do que para a lei, Por fim, conforme alerta Streck (2004: 249), pensar a atividade hermenéutica como produto de métodos implica pensé-la como ins- trumento do conhecimento, que € equivocado. A luz do pensamento de Gadamer, podemos aduzir que hermenéutica é existéncia, e remete aquilo que acontece ao homem enquanto homem. 5 AHERMENEUTICA FILOSOFICA DE GADAMER Areflexdo hermenéutica do século XIX, representada principal- mente pelo pensamento de Dilthey, coloca o problema da compreen- sto em termos de um modo de conhecimento. Heidegger (1967: 33) ao defender a especificidade da linguagem enquanto linguagem do ser, aquém ¢ além de toda explicagdo filoséfica que se deu até entdo, apresenta a compreenso ndo em termos de um carter epistemol6- gico, mas, sim, existencial, Em Heidegger a compreensio no é um modo de conhecer, mas a prépria existéncia. Seguindo a matriz heideggeriana, Gadamer afirma: “Ser que pode ser compreendido é linguagem” (GADAMER, 1997: 566). A linguagem no ambito da Hermenéutica Filosofica de Gadamer cons- titui a mediago total da experiéncia do ser. E, nesses termos, é apre- sentado o limite imposto a toda experiéncia hermenéutica do sentido. Para Gadamer, 0 que é no pode jamais ser compreendido em sua totalidade, pois para tudo que uma linguagem desencadeia, ela remete sempre para além do enunciado como tal. O ser no pode ser compre- endido em sua totalidade, no podendo assim, haver uma pretensio de totalidade da interpretagio (1997: 706). Nas palavras de Emildo Stein, Gadamer insere a interpretagio “num contexto ~ ou de cardter existencial, ou com as caracteristi- a | cori FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUIO BRAGA cas do acontecer da tradigdo na histéria do ser ~ em que interpretar permite ser compreendido progressivamente como uma autocom- preensdo de quem interpreta” (STEIN, 2002: 3). E isso, como acen- tua Gadamer, no implica uma diminuigao de cientificidade, mas a legitimagao de um significado humano especial. Em Gadamer, 0 interpretar ja ndo é mais uma instancia cientifica, mas é, antes, uma experiéncia humana de mundo, na qual a compreensio é um préprio critério existencial. Ressalte-se que, no prefaicio a 2" edigdo de Verdade e Método Hans-Georg Gadamer esclarece que as conseqiiéncias praticas das investigagSes por ele apresentadas “ndo ocorrem em todo caso para um engajamento nio cientifico, mas para probidade cientifica de reconhecer, em todo compreender um engajamento real ¢ efetivo” (GADAMER, 1997: 14). E salienta: “Minha intengo verdadeira, porém, foi e é uma intengdo filosdfica: O que esté em questo ndo € 0 que nés fazemos, o que nés deveriamos fazer, mas o que, ul- trapassando nosso querer ¢ fazer, nos sobrevém, ou nos acontece” (GADAMER, 1997: 14). Gadamer ainda esclarece, na introdugdo a obra Verdade e Méto- do, que as andlises por ele empreitadas ndo param na justificagao da verdade da arte. Elas procuram antes desenvolver, desde esse ponto de partida um conceito de conhecimento e de verdade que correspon- de ao todo da experiéncia hermenéutica. Para Gadamer, assim como na experiéncia da arte, na qual as verdades ultrapassam a esfera do co- nhecimento metédico, algo semelhante vale para o todo das ciéncias do espirito', nas quais a tradi¢ao histérica ¢ transformada em objeto da pesquisa. E certo que a experiéncia da tradicao histérica ultrapassa fundamentalmente aquilo que nela é pesquisavel. No entanto, Verda- de e Método propse-se a expor a verdade como um acontecer, o qual jd esté embebido de tradigao (1997: 34). Neste sentido, Gadamer traz algumas nogdes que devem ser pontuadas: No fim do século XIX, Dilthey desenvolveu uma nova teoria sobre as ciéncias que nfo podliam experimentar-se ou observar-se empiricamente cujo objeto era a realidade hist rico-social da vida humana, Dilthey chamou-as ciéncias do espirto em contraposigio 2s cigncias fisico-naturais, 48 | mee nen BV Gol) AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA. 5.1 O horizonte histérico O horizonte é 0 ambito de visio existente desde um ponto deter- minado da histéria, ou seja, o resultado dialético do contraste do pas- sado com o presente. Nas palavras de Gadamer, o “horizonte proprio do intérprete é determinante, mas no como um ponto de vista ao qual a pessoa se apega ou pelo qual se imp3e, sendo como uma opiniio e ‘uma possibilidade posta em jogo e que Ihe ajuda a apropriar-se daqui- Jo que vem dito no texto” (GADAMER, 1997: 404). Conforme assinala Rodolfo Viana Pereira, o horizonte histérico “demonstra que 0 acesso do homem ao mundo se dé a partir de seu ponto de vista, de sua situagiio hermenéutica, que ¢ sempre um po- sicionar-se perante os fendmenos” (PEREIRA, 2001: 27). Esclarece ainda que a situagéio hermenéutica “vincula-se ao conjunto de experi- éncias trazidas na Historia que formam indissociavelmente nosso raio. de visio e pré-moldam nossas interagdes intelectivas com os fendme- nos que se nos postam 4 frente” (PEREIRA, 2001: 27). ‘A pré-compreensfo seria uma antecipagao prévia e difusa do sentido do texto influenciado pela tradi¢ao em que se insere o sujeito que 0 analisa, Noutros termos, € 0 produto da relagio intersubjetiva que o hermeneuta tem no mundo. A pré-compreensio é parte forma- dora da propria compreenséo, constitui ontologicamente a compreen- sto. Deste modo, como assevera Pereira nao existe “possibilidade de compreender que se forme a margem do conjunto difuso de pré-com- preensdes advindas do horizonte histérico em que se situa 0 sujeito” (PEREIRA, 2001 : 28). Prossegue: (..) 0 homem ao interpretar qualquer fenémeno, ja possui anteci- padamente uma pré-compreensio difusa do mesmo, um pré-con- ceito, uma antecipagao prévia de seu sentido, influenciada pela tradigo em que se insere (suas experiéncias, seu modo de vida, sua situagdo hermenéutica etc). (PEREIRA, 2001: 28). ‘A compreensio é formada por meio de pré-compreensdes. Nos termos de Gadamer, “nao existe compreensao que seja livre de todo pré-conceito, por mais que a vontade do nosso conhecimento tenha de estar sempre dirigida, no sentido de escapar ao conjunto de nossos pré-conceitos” (GADAMER, 1997: 709). 9 | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALY DE ARAUIO BRAC Portanto, a situagdo hermenéutica do homem jé o encaminha a um objeto com um certo olhar. © fenémeno sempre é visto de forma mediada, é sempre representado. Nao se conhece algo em sua pleni- tude, mas sempre algo enquanto algo. Todo fenémeno com 0 qual 0 homem se defronta “jamais se mostra em sua pureza objetiva e ahist6- rica, como que isolado e pronto a descoberta em seu estado bruto, mas antes aparece matizado pelo espectro de cores que formam o raio de visdo daquele que o observa” (PEREIRA, 2001: 41). O que nao signi- fica a impossibilidade de conhecimento das coisas, mas tio somente que essas s6 podem ser conhecidas de forma mediada, Nao obstante, Gadamer ressalta que 0 horizonte histérico nao significa enclausuramento, mas abertura. Como diz Pereira, a conscién- cia do horizonte histérico permite melhor vislumbré-lo ramo a um padrdo mais correto (2001:28). Pela nogdo do horizonte hist6rico che- ga-se a consciéncia da pluralidade de camadas de sentidos em que se reconhece “uma constante mobilidade de significados cambiantes em fungo de cada época” (PEREIRA, 2001: 44). A partir da conscién- cia da pluralidade de camadas de sentidos, a fixagio de determinados principios hermenéuticos reluz. com ainda mais forga. 5.2 A fusio de horizontes Segundo Gadamer, no se pode isolar o intérprete do objeto her- menéutico ¢ nesse sentido, o significado do texto nao esté a espera do intérprete. Nas palavras de Pasqualini: Na acepso mais plena, o sentido nio existe apenas do lado do texto, nem somente do lado do intérprete, mas como um evento que se da em dupa trajetéria: do texto (que se exterioriza e vem & frente) ao intérprete; e do intérprete (que mergulha na linguagem e a revela) ao texto, Esse duplo percurso sabe da distncia que sepa- ra texto e intérprete e, nessa medida, sabe que ambos, ainda quan- do juntos, se ocultam (velamento) e se mostram (desvelamento) (PASQUALINT, 2002:171). A compreensdo que se realiza mediante um didlogo hermenéu- tico implica fundir o horizonte do intérprete com o horizonte daquele 30 snare “em VAG y AAPLICAGAO DO DIREITO NA Pl SPECTIVA HERMENEUTICA. que & interpretado. E do inter-relacionamento do horizonte proprio do intérprete com o alheio nasce um novo. Para Gadamer, na fustio de horizontes se da “a plenitude da conversa, na qual ganha expresso uma coisa que nao é sé de interesse meu ou do meu autor, mas de inte- resse geral” (GADAMER, 1997: 404) . O compreender do intérprete faz parte de um acontecer que decorre do préprio texto que precisa de interpretago, Na nogdo de fusdo de horizontes ha a concepgao de que a verdade do texto ndo est na submissdo incondicionada a opinido do autor nem somente nos pré-conceitos do intérprete, mas sendo na fustio de horizontes de ambos. Gadamer produz uma virada hermenéutica em que ja no é mais, possivel descrever o interpretar como produgdo de um sujeito sobe- rano. Nesse sentido, 0 intérprete nao pode impor ao texto a sua pré- compreensio, devendo confronté-la criticamente com as possibilida- des razoaveis dentro de um contexto. Nas palavras de Gadamer: Importa que nos mantenhamos longe do erro de que 0 que deter- mina ¢ limita 0 horizonte do presente ¢ um acervo fixo de opinides € valoragées, e que face a isso a alteridade do passado se destaca como um fundamento sélido. Na verdade, o horizonte do presen- te esté num processo de constante formagao, na medida em que estamos obrigados a por & prova constantemente todos os nossos preconceitos. (GADAMER, 1997: 414) A verdade de um texto nfio esti na submisséo incondiciona- da & opinidio do autor nem apenas nos preconceitos do intérprete, mas na fusio dos horizontes de ambos. A tarcfa de descoberta da verdade do objeto é no todo impotente, pois o homem, ao debrugar- se sobre um objeto no encontra apenas objeto, mas também a¢ao humana reffetida, Assim, a interpretagdo deixa de ser um proceso reprodutivo, para figurar como processo produtivo, posto que o in- térprete nao realiza apenas uma atividade reprodutiva do texto, mas o atualiza de acordo com as circunsténcias do momento. Ao projetar seu horizonte histérico, o intérprete d4 origem a um novo horizonte no presente, O presente vem a ser como uma evolugio do limitado horizonte histérico para um novo horizonte superador, numa fusio de horizontes. st em | FERNANDO ARMANDO RIBEIKO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA, Ressalte-se ainda que a fusdo de horizontes implica um outro tipo de fuséo, aquela entre compreensio, interpretago e aplicagdo, Numa inverstio da posigio classica de que primeiro vem a interpretago para depois decorrer a compteensdo, em Gadamer compreende-se para in- terpretar, Para 0 fildsofo sempre se interpreta e para que isso ocorra é necessério que exista uma compreensao (pré-compreensio). Nao obs- tante, para Gadamer a aplicagao nfo é um terceiro momento em que primeiro se interpreta, em seguida, se compreende e, por fim, se aplica. Como ensina Pereira, “para Gadamer, a interpretagio nada mais é do que a forma explicita da compreensdo e nfo um momento distinto des- ta. Igualmente, a aplicago no se realiza posteriormente a essas, mas integra o proprio ato de compreender” (PEREIRA, 2001: 37). 5.3 Histéria efeitual Reconhecer o principio da hist6ria efeitual é perceber a infiuén- cia que a histéria exerce sobre o ser humano e que esta influéncia mol- da e fundamenta o modo de compreender. Nas palavras de Gadamer: (...) cada época entende um texto transmitido de uma maneira pe- culiar, pois 0 texto constitui parte do conjunto de uma tradigao pela qual cada época tem um interesse objetivo ¢ na qual tenta compreender a si mesma. O verdadeiro sentido de um texto, tal como este se apresenta a seu intérprete, no depende do aspecto puramente ocasional que representam o autor € o seu piiblico ori- gindrio. Ou, pelo menos, nao se esgota nisso. Pois este sentido est sempre determinado também pela situagdo histérica do intérprete ¢, por conseqiiéncia, pela totalidade do processo hist6rico. (GA DAMER, 1997: 366). Ahistéria efeitual opera, conscientemente ou nfo, em toda com- preens&o condicionando ¢ controlando a fusao de horizontes. A com- preensdo humana é dotada de uma temporalidade intrinseca, Como ressalta Pereira: (..) no existe possibilidade de compreensio que se dé fora da historia, fora da influéncia temporal. O compreender humano deita 32 AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA. suas raizes no acontecer do tempo, no conjunto de experiéncias a cle transmitidas historicamente, o que leva a historicidade de toda compreensio. (PEREIRA, 2001: 32). O didlogo hermentutico se realiza dentro da propria conscién- cia de histéria efeitual, ou seja, no escopo da constituigao objetiva da cadeia de interpretages feitas sobre o mesmo texto. Nao obstante, acentua Lopes A consciéncia do texto que o intérprete tem forma parte, por sua vez, da historia efeitual do préprio texto, pois toda compreensao é historica e todo compreender se incorpora ao processo histérico, independentemente da vontade do intérprete. (LOPES, 2000:106). Dessa forma, a histéria efeitual compe a compreensao nao 86 no sentido de que a molda, mas também no sentido de que dela 0 hermeneuta participa. Nao ¢ a hist6ria efeitual uma forga cega, em face da qual o intérprete seria um ente meramente passivo, nao apenas porque o intérprete por meio dela se auto-interpreta, mas também por- que por ela o intérprete é continuamente interpelado. Ainda, conforme Margarida Lacombe, a autoridade da tradigdo nao tira a liberdade do intérprete, pois ao ser racionalmente reconhecida pode ser controlada (CAMARGO, 2003: 57). Nas palavras de Gadamer: ‘Nao é s6 a tradigdo e a ordem de vida natural que formam a uni- dade do mundo em que vivernos como homens; o modo como nos experimentamos uns aos outros ¢ como experimentamos as tradi- ges historicas ¢ as construgdes naturais de nossas experiéncias € do nosso mundo formam um auténtico universo hermenéutico com respeito a0 qual nos nfo estamos encerrados entre barreiras insuperéveis sendo abertos a ele. (GADAMER?1997: 26). Portanto, 0 reconhecimento da histéria efeitual no implica acriticidade, ao contrario, pelo choque diante de um momento futuro em que os pré-conceitos advindos da tradi¢ao nfo mais respondem, tem-se a possibilidade de distingo entre os verdadeiros pré-conceitos sobre os quais se compreende e aqueles falsos pré-conceitos que alu- dem a mal-entendidos (GADAMER, 1997: 447). 3 em vo | | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO! BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA 5.4 0 circulo hermenéutico O horizonte do intérprete envolve necessariamente pré-conceitos € esses se defrontam constantemente com novos espagos de compreen- slo. Desse confronto, o pré-conceito retoma ao intérprete ja modifica- do. A isso Gadamer denomina circulo hermenéutico. Conforme ensina Pereira: circulo hermenéutico ocorre no instante em que o sujeito, atra- vés de sua pré-compreensao, participa na construggo do sentido do objeto (moldado por tais preconceitos), a passo que o proprio objeto, no desenrolar do processo hermenéutico, modifica a com- preensio do intérprete. (PEREIRA, 2001: 35) Ressalte-se que 0 circulo hermenéutico ¢ fecundo a criticidade, pois considera que o texto pode trazer elementos que ponham a prova 0s pré-juizos do intérprete, Em contato com o fendmeno interpretado © intérprete pode langar luzes sobre seus pré-conceitos, revisando-os. Considerando que esse processo nunca se esgota ou se estabi liza, ao contrario, esta numa progressdo sem fim, alguns estudiosos 0 chamardo de espiral hermenéutico. Para esses, 0 espiral hermenéutico € a imagem que melhor representa o fato de que o intérprete nfo re- toma da mesma forma que nele entrou, de que ndo leva os mesmos pré-conceitos originais. Todavia, a interpretagao heideggeriana e mais abalizada, s6 nos possibilita mesmo dizer de um “circulo hermenéuti- co” no qual, entretanto, nao hé uma circularidade fechada, mas aberta a prépria temporalidade insita ao Dasein2 De toda forma, o circulo hermenéutico implica um encontro entre a tradigio do intérprete a do texto, entre 0 horizonte daquele que compreende ¢ 0 horizonte que se reflete na propria obra. Neste sentido, no se fica sempre nos ‘mesmos pré-conceitos uma vez que se modificam, ou outros séo ins- taurados no processo de compreensiio, Ressalte-se que, como ensina Margarida Lacombe, o circulo hermenéutico nao é um circulo meto- dolégico, sendo que descreve um momento estrutural ontolégico da compreensaio (CAMARGO, 2003: 58). ‘Neste sentido PAIVA: 1998 e STEIN: 2001 s4 | cosun os AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA... 5.5 A questio do método O modelo tecnicista de interpretagao concebe 0 conhecer como um “movimento unidirecional que parte do sujeito, unidade absoluta de compreensio, em dirego ao objeto, realidade dotada de um sen- tido perene acessivel por um procedimento controlavel em sua isen- G0” (PEREIRA, 2001: 48). Decorre dai a primazia dos métodos. Segundo Gadamer “a hermenéutica nfo é uma questo de méto- do, pois o método é usado como questo” (GADAMER, 1997: 459). Gadamer problematiza o método enquanto caminho de acesso a ver- dade, o que nao significa que no reconhega a importincia desse a0 desenvolvimento do campo cientifico, conforme afirma: “O espirito metodolégico da ciéncia se impde por toda parte. Assim, de longe, no me veio A mente negar a preméncia iniludivel do trabalho me- todolégico, dentro das assim chamadas ciéneias humanas” (GADA- MER, 1997: 15). 0 fildsofo acentua a insustentabilidade da metodologia cientifi- ca enquanto postulado tinico para a verdade. Para Gadamer, o método é tdo-somente uma predicagio da proposigao j4 compreendida, pois quando se langa mio do método ja se compreendeu. O método chega tarde. Nas palavras de Palmer: “O método é incapaz de revelar uma nova verdade, apenas explicita o tipo de verdade jé implicito no mé- todo” (PALMER, 1999: 169). Para garantir-se a verdade no basta a certeza que a utilizagao dos métodos cientificos proporcionam. No conhecimento cientifico opera também © préprio daquele que conhece e isso designa certa- mente o limite do método, mas nfo da ciéncia. Gadamer traz um redimensionamento do modelo interpretativo calcado em técnicas, Para o filésofo, nao se pode poupar 0 objeto dos pré-conceitos que o intérprete possa trazer. Alids, como ressalta Pe- reira & sobre o solo dessa contaminagao que se consubstancia o enten- dimento. Noutros termos, no ha como esterilizar a coisa cognoscivel da contaminagao causada pelo intérprete sem deixar estéril 0 proprio conhecimento (2001: 48) 35 znzeeo 11083 | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA 5.6 A linguagem A linguagem em Gadamer é pensada a partir de uma reflexio da filosofia analitica, tendo como aporte teérico, mais especificamente, a teoria dos atos de fala de Austin. Sem se considerar as especificidades de cada fildsofo analiti- co, a filosofia da linguagem se consubstancia na idéia de que todo pensamento ocorre por meio de signos. O pensamento nfo se dé imediatamente, mas ¢ mediatizado por signos, e da mesma forma cocorre com o conhecimento € acesso a realidade. Portanto, o pen- samento é dialégico e no centrado no individuo, como ocorria na tradigdo cartesiana, Pode-se dizer que ha duas graces bem distintas acerca da fi- losofia da linguagem. Para a primeira gerago a linguagem cotidiana é repleta de problemas, ambigua e imprecisa, havendo a necessidade de substitui-la por uma linguagem l6gico/formal. Caberia, portanto, 4 filosofia da linguagem essa missio. J4 para a segunda geracdo, in- cumbiria a filosofia da linguagem buscar esclarecer conceitos como verdade, significagdo e referencia. Austin se insere nessa gerag&o. Austin clabora a Teoria dos Atos de Fala e prope, como par- te constitutiva de sua teoria, os atos locucionarios, ilocucionérios ¢ perlocucionérios. Segundo Austin, todo ato de linguagem é iniciado quando se diz algo. O ato locucionério abrange toda a dimenso do falar 4 medida que remete a presenca de contetido sintético/semanti- co. De acordo com Austin, 0 ato locucionsrio é constituido por 3 (trés) dimensGes distintas. A primeira dimensdo relaciona-se ao ato fonético que significa 0 ato de proferir certos rufdos ou uma certa séqiiéncia sonora, que Austin chama de fone. A segunda dimensao ¢ relativa a0 ato fatico ¢ diz respeito ao proferimento de certas palavras ou vocd- bulos pertencentes ¢ em conformidade com uma certa gramatica, que Austin chama de fema. Finalmente, a terceira dimensio, ou seja, 0 ato rético, denominado por Austin de rema, refere-se a utilizagio de tais vocdbulos com uma certa significacdo que deve ter um certo sentido e referéncia (1990: 85-94). O ato ilocucionétio, por sua vez, ndo remete t4o somente des- crigdo, mas a criagdo de um novo objeto. O ato ilocucionatio diz res- 56 | | seen st AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA, peito ao modo e ao sentido de como se utiliza a linguagem em situa- Ges particulares e em relago a um contexto definido (1990: 85-94) Por fim, o cardter perlocucionario diz respeito aos efeitos que ato de fala pode provocar numa pessoa. Esse efeito, diferefitemente do ato ilocucionario, ndo € convencional nem esté ligado a um con- texto definido. O efeito pode ser esperado ou nao, da mesma forma que pode ser deliberado ou nao. E um tipo de efeito que n&io se pode ter controle sobre ele (1990: 85-94). E importante ressaltar que a separagao realizada (ato locucio- nario, ilocucionario ¢ perlocucionério) deve ser vista apenas sob a perspectiva técnico-analitica, que foi utilizada t4o-somente para a formulac&o da Teoria dos Atos de Fala. Segundo Austin, os trés atos de linguagem ocorrem sempre simultaneamente. Portanto, linguagem niio se reduz a descrigo da realidade, quando o homem fala esté agin do e criando objetos no mundo (1990: 85-94). Apreciando os estudos de Austin, Gadamer afirma que “a lin- guagem é o médium universal em que se realiza a propria compreen- sto”, $6 pela linguagem se pode compreender, salientando que nao se entende por linguagem apenas a descrigao dos objetos. E pela lingua- gem que se compreende, na medida em que é por meio dela que se relacionam velhas descrigées com outras novas, portanto, é por meio dela que se cria e age (GADAMER, 1998: 566). E isso que permitira a Gadamer entrelagar a dialeticidade intrin- seca a relacdo entre pensamento e fala, como conversagao, na dialé- tica da pergunta e da resposta pertinente & interpretagéo de qualquer texto. Nesse sentido, chega o autor a dizer que “a lingiiisticidade da compreensio é a concrego da consciéncia da historia efeitual” (GA- DAMER, 1998: 567). Nao apenas a tradi¢do, mas a propria compreen- sfio tem natureza lingiistica, portando, pois, uma relagio fundamental com a lingiiisticidade. Como diz Gadamer, 0 préprio mundo “é o solo comum, no palmilhado por ninguém e reconhecido por todos, que une a todos os que falam entre si. Todas as formas da comunidade de vida humana so formas de comunidade lingtiistica, e, mais ainda, formam linguagem” (1998: 647). A mundanidade lingilistica do mun- do em que desde sempre jé nos movemos constitui entéo condigao de todas as nossas concepgées. Nao hd um ponto de observagao fora da 37 FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONG. /ES DE ARAUJO BRAGA, histéria, assim como nfo hé histéria sem linguagem. Compreende-se aj o cardter especulativo inerente a linguagem, na medida em que suas palavras no copiam o ente, mas deixam vir a fala uma relago com 0 todo do ser. 6 AAPLICACAO DO DIREITO SOB O PRISMA DA HERMENEUTICA FILOSOFICA DE GADAMER: UMA CONTRIBUICAO AO DIREITO © Direito hé muito insiste na tentativa va de que por meio de mais ¢ mais dogmatica interpretativa ter-se-ia maior efetividade do Direito, methores decisbes. Todavia, a aplicagio do Direito de forma metodificada implica a manutengao do que Tércio Sampaio denomina “mistério divino do Direito” remetendo ao “principio de uma auto- ridade eterna fora do tempo e mistificante, conforme as exigéncias dos mecanismos de controle burocrético num contexto centralista” (FERRAZ JR, 1998: 178). Conforme Streck, a dogmatica interpreta tiva ndo consegue atender as especificidades das demandas originadas de uma sociedade complexa e conflituosa no qual o crescimento dos direitos trans-individuais e a crescente complexidade social reclamam novas posturas dos operadores juridicos (STRECK, 2003: 17). E que, como acentua Marcelo Gallupo, a organizagdo ¢ a con- formagao juridica do dissenso, do pluralismo, consubstanciado inclusi- ve na Constituigdio Federal de 1988, depde em desfavor de um pensar pronto ¢ acabado acerca das regras juridicas (GALLUPO, 2001: 59). Nesse sentido, a idéia de um sistema fechado mantido pelas técnicas in- terpretativas ¢ refratiria ao Estado Democratico de Direito mesmo por- que a idéia de se monopolizar 0 objeto do conhecimento, de represen- té-lo como ele realmente é em si mesmo, exprime o desejo de adquirir © poder do objeto, o poder de dizer a norma. Exige-se, no contexto do Estado Democratico do Direito, um “pensar problematizador” no qual a idéia de um sistema fechado, rigoroso e prévio seja afastada em prol de ‘um uma reconstrugao dialégica que reivindica 0 caso concreto. Ante as constatagdes de que o horizonte tradicional da hermenéu- tica técnica se revela cada vez mais insuficiente para o desiderato da in- 58 zeror0m s10814 | AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA. terpretagio juridica, os pressupostos tedrico-cientificos, metodolégicos € também filoséficos da Ciéncia do Direito postos em evidéncia pela Het- menéutica de Gadamer necessitam ser estudados e aprofundados. Nesse sentido, afiguram-se os ensinamentos de Arruda Jinior e Gongalves: Discutir a hermenéutica filoséfica como um novo paradigma cog- nitivo para o saber e a pritica juridica envolve a reformulagio pre- liminar daquele territério metodolégico no qual sto radicalmente delimitadas as possibilidades de percep¢éo ¢ funcionamento do Direito. A concepgdo hermenéutica sugere formas alternativas, menos cientificistas mais historicizadas, para as geragdes vi douras apreenderem 0 Direito como um entre 0s diversos outros componentes do fendmeno normativo-comportamental mais ge~ ral. (ARRUDA JUNIOR; GONGALVES, 2002: 233). Pela teoria hermenéutica de Gadamer a questio interpretativa deixa de colocar-se enquanto um problema metodolégico ou de sim- ples técnica, para ser um problema filoséfico, a medida que a inter- pretago ndo é concebida como um meio de conhecer, mas como um. modo de ser. Na obra Verdade e Método, Gadamer expée uma nova teoria da experiéneia hermenéutica que vai além da tradicional con- cepso que a equipara a uma metodologia cientifica. A hermenéutica deixa de ser um método para tornar-se uma ontologia, 0 “modo de ser do homem”, o modo de “compreender”, desvalorizando, dessa manei- 1a, a teoria positivista. Assim, acentua Lénio Streck: ‘A passagem de (c/ou o rompimento com) um modelo de inter- pretagdo do Direito de cunho objetivista, (..), que trabalha com a possibilidade da busca de conceitos ensimesmados das palavras da lei, feitas por um sujeito cognoscente mergulhado nos confins do paradigma epistemolégico da filosofia da consciéncia, come- ga a ser desfeita a partir dos aportes da semiética, em sua ma- triz pragmatica e da hermenéutica filoséfica com a hermenéutica antirreprodutiva de Gadamer, pela qual se passa da percepgéo & compreenso. (STRECK, 2003:174).. Portanto, a partir da hermenéutica de Gadamer, a pergunta pelo sentido do texto juridico é uma pergunta pelo modo como esse sentido 39 | eer 50 a | | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONGALVES DE ARAUJO BRAGA, se dé, qual seja, pelo ser que compreende esse sentido. Segundo Stre- ck, isso significa dizer que “o mensageiro ja vem com a mensagem”, “no conto esté o contador” (STRECK, 2004: 198). Assim, as questdes, levantadas por Gadamer atingem profundamente os marcos teéricos e/ou praticos da Ciéncia do Direito. A partir de Gadamer ¢ inconcebi- vel pensar que pelos métodos interpretativos o intérprete possa expur- gar seus pré-conceitos e, nesse sentido, o método é uma ferramenta indtil. O jurista, ao compreender e, por conseguinte, interpretar néo deixa de trazer suas pré-compreensGes, pois estas sio constitutivas da prépria compreensio. Os métodos interpretativos ainda to em voga no estudo do Di- reito ndo conseguem filtrar a situagdo hermenéutica do intérprete. No proprio modo de utilizar-se dos métodos interpretativos ja se manifes- a aquele que se propde a dele langar mio. “O intérprete que realiza a filtragem ja esta na filtragem, No filtrado esta aquele que filtra. No filtro jé esta o filtrado” (STRECK, 2001: 221), Isso posto, invidvel a reprodugo de sentido da norma tal como avilta a hermenéutica clis- sica do Direito. O Direito exige um perene interpretar, haja vista que as palavras da lei nfo so univocas. Por sua vez, 0 processo interpre- tativo do Direito nao decorre da descoberta do univoco ou do correto sentido, mas, ao contritio, tende a uma interpretago produtiva origi- nada de um processo de compreensdo em que a situago hermenéutica do jurista se funde com o texto juridico, expressando algo que nao é nem somente as pré-compreensdes do intérprete nem apenas o texto, é neste sentido algo novo. Ressalte-se que a Hermenéutica de Gadamer nao significa negar que o Direito porta uma delimitagao de sentido. Ele proprio esclarece que: A tarefa da interpretagio consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua aplicagao. A complementagao produtiva do Direito, que ocorre com isso, esta obviamente reservada ao juiz, mas este encontra-se por sua vez sujeito a lei, exatamente como qualquer outro membro da comunidade juridica. Na idéia de uma ordem judicial supde-se o fato de que a sentenga do juiz néo surja de arbitrariedades imprevisiveis, mas de uma ponderacdo justa de conjunto. (GADAMER, 1997: 489) oo AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA. Considerando 0 Giro Hermenéutico operado por Gadamer, 0 intérprete é produto da linguagem social que envolve os pré-conceitos advindos da tradigo. E nesse sentido pertinentes sio as consideragdes de Souza Cruz, que, aludindo o giro lingtiistico, explica que, como fruto da linguagem social o “magistrado deve deixar de contar ape- nas consigo mesmo (ou com o consolo de que sua decistio, em caso de erro, podera ser revista pelo tribunal/instincia superior)” (SOUZA CRUZ, 2001: 232). Como fruto da linguagem social o magistrado conta com todos os seus pré-conceitos desde suas mais remotas expe- rigncias (conscientes ou nfo), de sua formagdo humana e juridica, até os elementos probatérios que se deram no curso regular do processo, argumentago das partes etc. A compreensdo do juiz ndo se da em solidao, ou seja, dele com ele mesmo e exclusivamente a partir dele, pois ocorre num processo jurisdicional em que € precfpuo 0 contra- ditorio ea ampla defesa. Tanto o auitor quanto o réu, ao se manifesta- rem no processo em simétrica paridade, participam na interpretagao- compreensto-aplicagdo (lembrando que nao constituem momentos distintos) da lei expressa no provimento final do juiz. Portanto, no momento de produgao do provimento jurisdicional as partes, 0 dito ¢ © contraditado, j aportam para o provimento jurisdicional uma série de pré-compreensbes, as quais densificam a possibilidade de sentido normativo para muito além de uma suposta moldura. Assim, revelar da atividade interpretativa enquanto indissociavel da pré-compreensio do intérprete, impde-se & exigéncia de que o proces- so de interpretago seja aberto. Neste sentido, torna-se ainda mais im- prescindivel a necessidade daqueles que so legitimados, porque so- frerdo as conseqiléncias da compreensdo que se fizer da norma (seus destinatdrios), de participarem do processo para que venham a ser consideradas as suas proprias pré-compreensdes. Allei, 0 processo e toda formagio juridica do hermeneuta com- pdem sua pré-compreenso, a qual se fundem as novas leituras do texto legal que se seguirdo, bem como a andlise do caso concreto que surgir, as teses empreitadas pelos advogados, num circulo hermenéu- tico onde o saber do Direito nao se fecha. Dessa forma, os métodos de interpretagdo devem ser entendidos como uma orientagio aberta, incumbindo a eles salientar os aspectos que o intérprete deve levar em conta, mas consciente de que eles néo tém 0 poder de esvaziar a 6 | tne nn | | FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA, interpretagao das pré-compreensdes do intérprete. Nesse sentido, para Gadamer a compreensdo do Direito nfo significa apenas um proje- tar do intérprete em dirego a um significado, mas precipuamente a aquisigao pela compreensao de novas e numerosas possibilidades, tais como a interpretagao do texto, as relagdes nele escondidas, as conclu- ses que dele advém, etc. (2003: 41). Na esteira de Gadamer, o intérprete do Direito jé acessa 0 texto normativo munido de certas possibilidades de sentido, das pré-com- preensdes que, longe de revelarem um subjetivismo ou relativismo na interpretagao, situam-se como verdadeiras condigées de possibilidade de toda compreesao. Dizer que um texto juridico (um dispositivo nor- mativo, uma lei, etc.) nfo pode ser desvinculado da antecipagao de sentido operada por aquele que o interpreta significa dizer que o intér- rete nao interpreta por partes, como coloca a hermenéutica classica, em que primeiro se interpreta, depois se compreende para, finalmente, se aplicar. Nesse sentido, para uma hermenéutica juridica de viés ga- dameriano, 0 juiz sé decide por que encontrou o fundamento. Como qualquer intérprete, hé um sentido que é antecipado ao juiz.— advindo das pré-compreensdes ~e neste momento jé se tem a decisao. Portan- to, 0 julgador nao decide para depois buscar a fundamentagao, mas s6 decide porque ja encontrou o fundamento, que nesse momento é ainda uma antecipagao prévia de sentidos tomada de pré-compreensoes ain- da ndo problematizadas. Obviamente, deve o magistrado aprimorar 0 fandamento, revé-lo a partir de uma racionalidade discursiva. £ certo que muitas decisées parecem manifestar apenas 0 primeiro sentido, isto é, revelam tao somente a antecipagdo do sentido embebida pelas expectativas do juiz, sem maiores aprofundamentos. Para esses casos a parte que se sente prejudicada, acreditando nao ter sido o direito devidamente interpretado, pode valer-se do duplo grau de jurisdigao. Portanto, o duplo grau figuraria enquanto possibilidade de se ter 0 necessirio aprofundamento de sentido para aquelas decisées que re- velam uma interpretagao presa ao primeiro sentido E relevante explicitar que, numa leitura gadameriana, mesmo ap6s 0 aprofundamento de sentido no se pode falar de uma verdade na interpretagdo como se fosse um conhecimento fixo. Para o fildsofo pode-se ter num dado momento uma melhor interpretagio conside- tando a histéria efeitual da norma, seu contexto, sua construgdo dia- a [AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA... logica ¢ processual. Todavia, essa interpretagtio pode néo ser sempre a melhor considerando que a interpretagdo acontece de forma espiral em que a cada leitura, novos elementos ¢ releituras fazem-na expan- dir. Em tomo deste pensamento Gadamer adverte: (..) 0 jurista ndo pode sujeitar-se a que, por exemplo, os protocols pat- amentares Ihe ensinariam com respeito a intengao dos que elaboraram a lei. Pelo contrdtio, o jurista esta obrigado a admitir que as circunstincias foram sendo mudadas e que, por conseguinte, tem que determinar de novo a fungio normativa da lei. (GADAMER, 1997: 485). Destarte, uma interpretagdo s6 pode ser melhor em relagdo a0 um dado contexto e nesse sentido 0 caso conereto ganha relevo. O caso concreto que reflete uma nova situagdo no qual o intérprete (0 juiz € antes de-tudo um intérprete) tem que renovar a efetividade da norma, Tal efetividade nao se consegue simplesmente na tentativa de reconstrugdo da intengo original do legislador mesmo porque é ela uma tentativa fadada ao fracasso, considerando que a pré-compreensio daquele que interpreta faz parte do processo interpretativo. Renovar a efetividade da norma significa que ante a um caso concreto, isto é um novo objeto cognoscivel, o horizonte do intérprete com todas as suas pré-compreensdes (suas experiéncias de vida, seu estudo e vivencia do Direito) funde-se com o horizonte legado pelo caso concreto. E do inter-relacionamento do horizonte préprio do intérprete com o do caso conereto nasce um novo, que, obviamente, como ja pontuado, neces- sita ser aprofundado pelo intérprete sob risco de expressar equivocos ¢ pré-conceitos inauténticos. Dessa forma, a pretensdo reguladora da norma é apenas 0 inicio de todo um processo hermenéutico em que se tem a aplicagao produtiva da norma, uma vez que a compreensao nao & um simples ato reprodutivo do sentido original do texto. ‘Nao obstante, considerando o circulo hermenéutico, o intérpre- te do Direito nao retorna da fustio com 0 caso concreto ou com 0 texto normativo da mesma forma que nele entrou, porquanto seus pré- conceitos originais podem se consolidar, modificar, ou mesmo outros serem instaurados, Destarte, a cada caso concreto, ou a cada nova Ie tura do texto juridico, tem-se um novo intérprete, seja mais convicto de sua posicao juridica, seja dela reticente. 8 FERNANDO ARMANDO RIBEIRO/ BARBARA GONCALVES DE ARAUJO BRAGA Portanto, ante o circulo hermenéutico tem-se um melhor intér- prete do Direito. E melhor intérprete em termos gadamerianos remete 4 metéfora de amplitude no qual quanto mais descrigdes estiverem disponiveis e quanto maior a integrago entre elas, melhor a compre- ensio do intérprete em relago ao objeto identificado por qualquer das descrigdes. Em termos mais gerais, compreender melhor o Di- reito é ter consciéncia efetiva da historicidade de sua aplicagao, é ter mais.a dizer sobre ele, ¢ ser capaz de abrir-se para conjugar ditames normativos, institutos, experiéncias e teorias de uma maneira sempre renovada e a0 mesmo tempo integrada a uma correta reconstrugao da propria tradigao. 7 CONCLUSAO Em sua obra Humano, demasiado humano, de 1886 (2000: 98), pontuou Nietzsche que a ciéncia moderna tem por meta garantir 0 minimo de dor possivel. Parece-nos que, nos dias de hoje e na cena juridica atual, tal proposigao no é descabida. De fato, a Ciéncia do Direito ainda prefere pautar-se em técnicas interpretativas que supos- tamente evitam o softimento de setis operadores ao minimizar a sua carga de responsabilidade na concretizagao do Direito. Os métodos interpretativos nao trazem ao intérprete consciéncia de que ele, intér- prete, est na interpretagdo €, por conseguinte, pode contribuir seja para um maior ou menor nivel justiga, para a perpetuagao ou para a erradicacdo das mazelas do Direito. Nao obstante, identificar herme- néutica a técnicas interpretativas evita que a sociedade sofra da dor de saber que a lei nem tudo abarca, de que na decisio do juiz em uma demanda nao hé tio somente a lei, mas um pouco do juiz que a pro- feriu, Assim, a Ciéncia do Direito evita a dor da inseguranga juridica, a dor de um intérprete que nao esti isento da interpretago, mas a0 contrario, faz parte dela. Entretanto, em nome do minimo de dor possivel, o Direito, pela ago imobilizadora de intérpretes somente ocupados com a seguranga, 44 consumou, ao longo dos tempos, ¢ ainda consuma diariamente, as mais imperdodveis injustigas. Assim, o que tem sido assegurado pelo AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA, Direito, na realidade, é téo-somente por vezes “seguranga de imutabi- lidade”, por outras, ironicamente, “‘seguranga da arbitréria mutabilida- de”, e em ambos 0s casos tem-se uma “seguranga” de duvidoso valor. Investigar e refletir a partir de elementos da Hermenéutica de Hans-Georg Gadamer € tentar vislumbrar um outro horizonte para a compreensio da aplicago do Direito, que muitas vezes nao é o mais, cémodo. Gadamer, ao tomar consciente a situag4o hermenéutica, a fu- so de horizontes, a consciéncia histérica, etc., macula toda tentativa de uum saber objetivo da situacio, exatamente porque o intérprete ja esté inserido em seu interior. Assim, a hermenéutica juridica de Gadamer traz ao intérprete a angtistia do estranhamento (STRECK, 2004:217), {sto é, desenraiza aquilo que o Direito tendencialmente encobre. Ante a temeridade do pensamento gadameriano no estudo do Direito, muito se diz de suas conseqiéncias, mais especificamente no Ambito da aplicagao do Direito, Desaguar-se-ia num juiz monolégico ¢ em decisées solipsistas? Acreditamos que nao e pensamos que a propria trama da historicidade reflexiva inerente & hermenéutica ga- dameriana ja seria suficiente para eliminar tal acusagdo. ‘Nao obstante, pensamos que a propria pergunta pela conseqiiéneia da Hermenéutica de Gadamer para a aplicago do Direito nio parece ser adequada. Gadamer fala de algo que independe de um querer, de algo que se sobrepSe ¢ acontece inevitavelmente ao humano. Des- sa forma, nfio é negando o estudo de Gadamer para o Direito que se afastaria do Direito a sua sujeigio as pré-compreensées, a fusio de horizontes e a toda a realidade do processo de compreensao por ele trabalhado. A interpretago e a aplicagio do Direito envolvem se- res humanos que tem como condigo principal a de se fazcrem seres, hermenéuticos. Nao é negando Gadamer ao Direito que se aparta 0 judiciarismo. Ao contrério, Gadamer constitui um relevante aporte te6rico a ser considerado para se pensar a questo dos métodos clas- sicos de interpretago do Direito, sua insuficiéncia e a necessidade de um outro paradigma capaz de considerar quest6es como o relati- vismo juridico e as decisées arbitrarias. Assim, a desmistificagéo do fazer hermenéutico realizado por Gadamer constitui um proeminente aporte para uma reflexdo critica sobre a pré-compreensio rumo a uma reorientagdo tedrica da aplicago do Direito, que abrange no s6 a in- 6s enone neste | | NDO ARMANDO Ri .0/ BARBARA GONCALVES DE ARAUIO BRAGA vestigaeao sobre os mecanismos de pré-compreensio, como também a influéncia de uma pré-compreenséo irracional e ideolégica sobre a escolha do método interpretativo da norma juridica. Neste sentido, a preocupagao da Hermenéutica Juridica perpassaria aquilo que acen- tua Inocéncio Martires Coelho: Se nfo existe interpretacdo sem intérprete; se toda interpretacdo, em- bora seja um ato de conhecimento, traduz-se, afinal,em uma manifes- ‘ago de vontade do aplicador do Direito; se a distincia entre a gene- ralidade da norma e a particularidade do caso exige, necessariamente, ‘0 trabalho mediador do intérprete, como condiglo indispensével a0 funcionamento do sistema juridico; se no desempenho dessa tarefa ‘esta sempre uma insuprimfvel margem de livre apreciago pelos ope- radotes da interpretacdo; se ao fim e ao cabo, isso tudo é verdadeiro, centio 0 ideal de racionalidade, de objetividade e, mesmo de seguranca juridica, aponta para o imperativo de se fazer recuar 0 mais possivel 0 ‘momento subjetivo da interpretagio e reduzir ao minimo aquele resi- duo incémodo de voluntarismo que se faz presente, inevitavelmente, em todo trabalho hermenéutico, (COELHO, 1997: 13) Por meio de Gadamer torna-se imperativa a consciéncia de que as pré-compreensdes emergem a todo momento, e é necessério um es- forgo demasiadamente grande, nao abarcado pelo método, para nfo se tomar “as nuvens do erro pelo céu da verdade” (HEGEL, 1985: 41), Problematizando Gadamer, o intérprete do Direito pode desvelar no- vos sentidos sobre o denso problema da interpretago, encarando de forma mais realista e menos abstrata a tarefa que se p6e diante dele, € pode, assim, ser consciente do novo Direito que emerge também a partir dele. E 0 novo, nesse caso, representa, sobretudo, o diferente do que esti posto e ja evidentemente fracassado, Portanto, 0 novo é apenas o desvencilhar-se do ja insustentavel, advindo da saturagiio de antigos paradigmas, para assumir a condigao humana, finita e histori- ca, como condigao de possibilidade de toda compreensio, 8 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARRUDA JUNIOR, Edmundo Lima de; GONGALVES, Marcus Fa- biano. Fundamentagdo Etica e Hermentutica — alternativas para 0 Direito. Florianépolis: CESUSC, 2002. 66 AAPLICAGAO DO DIREITO NA PERSPECTIVA HERMENEUTICA... AUSTIN, John Langshaw. Quando Dizer é Fazer ~ Palavras e Agao. ‘Tr. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. AZEVEDO, Plauto Faraco. Critica a Dogmdtica e Hermenéutica Ju- ridica. Porto Alegre: Fabris Editor, 1989. BIAGIONI, Jodo. A ontologia Hermenéutica de H.G Gadamer. 1. ed. Uberlandia: Universidade Federal de Uberlandia, 1983. CALVET, T. De Wittgenstein & Redescoberta da Mente. 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