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A modernidade fotografica Prouco antes da metade do século XIX, entre Londres e Paris, ocorre uma forte aceleragao da vida cotidiana e cultural, uma transfor- magio nos modos de producao e um aumento sem precedente das trocas, dentro de um vasto processo de industrializacao, de urbanizagao e de generalizagao da economia de mercado. Na esteira do capitalismo industrial,' surge assim uma modernidade, assinalada por Max Weber pelo seu espirito de célculo, pela ra- cionalidade instrumental e pelo fato de que ela leva ao “desencantamento do mundo”? A modernidade da fotografia e a legitimidade de suas fungdes documentais apoiam-se nas ligagdes es- treitas que ela mantém com os mais emblematicos fenémenos da sociedade industrial: 0 crescimento das metrOpoles ¢ 0 desenvolvimento da economia monetaria; a industrializagao; as grandes mudangas nos conceitos de espaco e de tempo ea revolugao das TWichael Lowy & Robert Sayre, Revolt et mélancolie, Le romantisme & (Paris: Payot, 1992), p32 contre-courant de la modernité (1919),em Le savant et 2 Max Weber, “Le métier et la vocation de savant” le politique (Paris: UGE, 1963), p. 9. » também, a democracia. Essas ligagdes, associadas ao carter comunicagdes: mas, 10a imagem da sociedade industrial: ecinico da fotografia, v3o aponti-Ia com uela que a documenta com o mximo de pertinénca ede eiccia, que Ihe serve de ferramenta, e que atuliza seus valores essenciais, Do mesmo modo, para a | fotografia, a sociedade industrial representa sua condigio de posibilidade, sew principal objeto e seu paradigm. ‘aio basta, entrtanto, o dispositive mecinico eas ligagbes com a sociedade industrial para garantiea modernidade das imagens e das prticas fotogrica. A fotografia nio€intrinsecamente moderna, De imediat, ela € plural e munca de- {ari de sé-o, Seu dispositive sempre vai dar pretext a pritica tanto modernas {quanto antimodernas.E isso desde seu aparecimento: Frangois Arago, ds Aca llemia de Ciéncas, em agosto de 1839, pronuncia um elogio ao daguerteotpos ‘em resposta, em novembro de 1839, Désiré Raoul-Rochette defend, iante da < Academia de Belas Artes, s positivos drets sobre papel de Hippolyte Bayard | Colocando-se “sob atelagio da ate’ ele os contrapoe as imagens sobre metal de le Daguerre, e os qualifica de “verdadeitos desenhos’ dotados de um“efeito.verda- | > deitamente encantador”? O antagonismo entre o procedimento de Daguerre e 0 de Bayard, entre o metal eo papel, em breve fomentara os defensores do nitide lar € 05 adeptos do! indefinids dos contornos; os partidrios do negativo de video os calotipistas: 0s artistas ¢ as “pessoas do oficiv’, Na esteira dessa alternativa, J iy detineiam-se oposigoes entre a cigncia e a arte, o oficio e a criaglo, a “utilidade” & a “curiosidade”;¢ também entre as insttuigdes (Daguerre ésustentado por Arago, dda Academia das Cikncias;e Bayard, por Raoul-Rochett, da Academia de Belas Artes) Tudo isso resulta na coexisténcia ¢ na oposicdo de priticas e de formas | diferentes 20 longo de toda a historia da fotografia. Embora a “fotografia-documento” tenha acompanhado as sucessivas moder- nidades dos séculos XIX e XX, encarnando alguns de seus grandes valores, ela foi | incessantemente confrontada as prticasalternativas, prineipalmente as dos pic- | | soricos, depois as dos veteranos da fotografia artistic: Gustave Le Gray, Henri Le dc outros. Atualmente, o declinio das fungdes documentais ipanha'o fim da modernidade e da sociedade industrial, ¢tra- duz-se em uma etlosio das praticas entre os mailtiplos dominios ~ a fotografia, a Tei Ras Alenia de en M. Bayard em Le creas ppt sues ess prodits pare proce de MBean Noni ed 1108p Ane Rol ha tm aol 86-87 (Prs Ma, 1989), p45. = eto en Fras, ext ct nee contemporinea ¢s reds digits, Sea fotografia nao é em si moderna, como estado pelas priticas pelas obras (antimodernas e nde modernas), seu dispo ‘iivo particular, assim como as crcunstancias de seu aparecimento eos cenarios Je seu desenvolvimento, contribuiu fortemente para atualizar 0 que poderiamos ‘hamar de suas virtualidades modernas. O que resultou em uma configuracao particular de prticas,usos, imagens e formas, (0s lugares, as datas, 0s us0s, 08 dispositivas, os fatos: tudo comprova que & sre na dinamica da sociedade industrial nascente invengao da fotografia sein Foi ela que assegurou as condigées de seu aparecimento, que permitiu seu des: dobramento, que a modelou, que se serviu dela. Criada, forjada, utilizada por ssa sociedade, ¢ incessantemente transformada acompanhando suas evolugses, fotografia, no decorrer de eu primeito século, como destino maior conheceu ape: nas ode servin de responder as novas necessidades de imagens da nova sociedade De ser uma ferramenta. Pois, como qualquer outta, essa sociedade tinha necessi- “Gade de um sistema de representagao adaptado-ao seu nivel de desenvolvimento, __aoseu grade teenicidade aos seus ritmos, as seus modos de organizacio sociis \ «politicos, aos seus valores ¢, evidentemente, a sua economia. Na metade do sécu- a fotografia foi a melhor resposta para todas essas necessidades. Foi o que a projetow no coragiio da modernidade, e que Ihe valeu alcangar 0 papel de docu- cla epresentava, Se a fotografia & moderna, deve-o, sobretudo, a0 seu carter de imagem-mni isto 6,0 poder de equivaler legitimamente 3s coisas qu quina, parte que, sem precedentes, a tecnologia ocupa em suas imagens. Um lugar tao importante que chega a uma ruptura com as imagens anteriores. Filoso- ficamente, :nquanto imagem-maquina, fotografia oscila, como veremos, entre a transcendéncia ¢ a imanéncia, o que fundamenta sua modernidade. No decorrer da historia, a tecnologia foi muitas vezesrequisitada por desenhis- tas, gravadores, artistas, Pnsemos na camera obscura, que ocupa um grande lugar ‘no dispositive fotografico; ou, também, na cament lucida; na lupa nas famosas veduteitalianas; ou, ainda, no fsionotrago; sem falar dos vitios dispositivos de impressio e de difusio de gravuras. No entanto, anteriormente, nunca a mao do __ hhomem havia sido abolida, Ou seja, um limiar foi transposto com a fotografia ue, enquanto imagem tecnolbgiea, se distingue de todas as imagens anterionss,¢ anuncia uma nova série, em que vao incluir-se prineipalmente o cinema, 0 video eatelevisio, Mas ésobretudo no dominio das imagens que tal imi étransposto, io exato in: nascente introduz a maquina no conjunto dasatividades produtivas.£ ssa simultaneidade e essa analogia das solugdes que, 40 situar a fotografia no processo de industralizagao, fazem dela a imagem da nova sociedade industrial: seu modelo, seu vetor no dominio das imagens ¢, bem depress, um de seus principais instrumentos. Imagem-méquina Em 1839, a invencio de Nigpce-Daguerre ¢ solenemente anunciada ¢ em ‘uida oferecida pela Franga “liberalmente a0 mundo todo enquanto a Inglaterra reivindica a paternidade. Sem apresentar um real interess, essa primeira querela sublinha, todavia, que a fotografia surge quase simultaneamente na Franga e na Inglaterra, na “era do maquinismo” e no seu epicentro. Dez anos antes, o critica inglés Thomas Carlyle ja afirmava que a época era “nao uma era heroica, ou de- ‘cionista, ou fils6fica, ou moral, mas, antes de tudo, a era mecanica’, Como os Fomantics franceses que fazem uma entrada ruidosa na histria com a batalha de Hernan (1830) -, Carlyle teme que, por todas as partes, a miquina suplan- ‘© rapidamente o homem,e deplora esse fato, segundo ele constatado, que “os Préprios sees humanos tornaram-se mecinicos em suas cabecas ¢ coragdes, a0 ‘mesmo tempo que em suas maos” Ele lamenta que, a partir dai, “nossa verdad dlivindade seja 0 Mecanismo" Essa critica rom lira 8 € antimoderna da maquina, que Jentos debates enfrentados pela fotografia, ddernas. Mas, quer pertengam a um ou ao iver uma época de transi, ondea soci ‘ive industrial. nesse momento pate uti os mais vieu- contrapde-se s leituras positivas, mo: utto lado, os observadores reconhecem idade pas 'méiquinas manuais ¢ equipando as image aie “iPando as imagens de meios para se adaptar aos novos Enguanto os antimodernos lamentam que, ass dade da mio, 0s modenos vem nano ccicia da representag 3 imagem € privada da ha- izagao 0 meio para incrementar a nagem extraisuaessén vem na mecani 0: Para a tradicao, aim do homem ago apy a pm 8, es ae Tn «a8. 2025: Ma ba chair des dpe 7. TINS ale Roi, La paogphcen Fn 12) 6m ial and Mons a im ens ane Chapman 5859, (sua mao, seu oar, sua intligéncia, sua sensibilidade, etc): para 0s modemas, 40 contririo, a redugio da porgio.do.homem, ou a superagao de seus limites, é

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