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Leandro S. Almeida, M. Adelina Guisande, Aristides I. Ferreira INTELIGENCIA feoneae™® A inteligéncia, como a electricidade, é mais facil de avaliar que definir. Estas palavras de Jensen ilustram as dificuldades de consenso entre os investigadores quando definem inteligéncia. Este livro, de forma exaus- tiva e clara, apresenta as grandes correntes ¢ os autores mais representa- tivos do estudo na drea. Desde as posturas mais eléssicas da inteligéncia como potencial intelectual, & perspectiva mais recente de inteligéncia como processos e estratégias de resolucao de problemas, passando pelos autores que enfatizam as estruturas do desenvolvimento da inteligéncia, este livro descreve as sucessivas abordagens, dando particular realce a respectiva especificidade e complementaridade, em particular ao nivel da avaliagao ¢ da intervengao. Na ligica dos estudantes, dos investigadores ¢ dos profissionais, este livro apresenta uma sintese actualizada de um conceito socialmente relevante em miiltiplas dreas de actuagao. LEANDROS. ALMEIDA ‘M. ADELINA GUISANDE ARISTIDESI. FERREIRA INTELIGENCIA: PERSPECTIVAS TEORICAS ALMEDINA INTELIGENCIA: PERSPECTIVAS TEORICAS EEANDROS. ALMEIDA DM ADELINA GUISANDE. ‘ARISTIDES L FERREIRA EDIGOESALMEDINA.SA ‘Av. Fern Magalies, 564, 5" Andar 30006174 Coimbra ‘Ta-z39851000 Fie 239881901 vwvalmedina net editon@almedina ne G.C.GRARCADECOIMARA, LDA. Paes Acfige 3001488 Coimbrs rocso@gracadecoimbra pe Javeia, 2009 erdsro cnt 2a7ese/09 (edades ea opinitesinerdos ma presente publiesio so dacacasiarerponsbilidade dos) eas) autres). ‘Toda reprodupte desta br, por froin oa process, em pel autorzagio eerie do Ea pastel de plocedimeata judi conus o inractor ‘ite Nasional de Portal ~CaalagaionaPublicpo ALMEIDA, Leandro da Siva ¢ ours lotligtncis: perspectivas teres / Leandro S Almeida, Me Adslng Gulsande,Arisdes Ferrers ISBN978-972-40,36311 1. GUISANDE, M.Adetin FERREIRA, Arsides cu 1599 316 a2 INTRODUGAO Antes do nascimento da Psicologia Cientifica, virios fildsofos & pensadores se questionaram sobre a defini¢io da inteligéncia, 2 sua avaliagio e as razGes da sua diferenciagao nos individuos. Numa sin- tese dos pensadores gregos até acs finais do século passado, Richard- son (1991) sistematiza algumas ideias a propésito das caracteristicas ds inteligéncia nesse longo periodo de tempo: forga ou poder mental, aptidao para pensar abstractamente, aptido para pensar, raciocinar ou apreender relagdes, capacidade de bom senso ou julgamento, ou apti- io para formar associagbes complexas. Facilmente reconheceremos que estas caracteristicas permanccem actuais, mesmo podendo hoje aparecer melhor descritas em termos de fungdes mentais e de com- portamento de realizacio. ‘Tomando dois dos autores que iniciaram o estudo da inteligéncia no seio da Psicologia, verficamos que 0 conceito de inteligéncia aparece definido como “forga ou poder mental” (Galton, 1869) ou como “capaci- dade de aprender relagdes" (Spearman, 1904). Esta referencia & hist6- ria do conhecimento permite-nos, falando em definigio da inteligéncia, ponderar de imediato dois aspectos. Em primeito lugar, a inteligéncia no é uma preocupagdo do preseate, havendo esbogos das definigies € das controvérsias actuais 20 longo de mais de um século do estudo da inteligéncia. Em segundo lugas, ¢ assim sendo, importa reconhecer as dificuldades em se produzir conhecimento consensual, requerendo grande ponderagéo aquando da passagem dos resultados da investigagio para a pritica, nomeadamente quando dat decorrem implicacbes indi Viduais e sociais diversas, Tais implicagdes ¢ controvérsia associada, tor- naram a inteligéncia aum dos campos de maior volume de investigagio na Psicologia, bem como aquele que suscitou mais debates na opiniio publica, 6 Inligncia:Prpctvs Teias 0 termo “inteligéncia” é utilizado com demasiada frequéncia sem nos interrogarmos suficientemente quanto ao seu real significado. Em relagdo ao conceito, podemos concordar com Jensen (1969) a0 afirmar aque “inteligence, like electricity, is easier to measures than to define’, 01, nas palavras da Anastasi (1986, p. 5), “the term intelligence has acquired too many caves meaning that obfuscate its nature”, Em consequéncia, trata-se de um conceito ou consinito que nao desfiuta de consenso, als polimorfo no seu significado (Sternberg, 2000a), Mesmo assim, se pensarmos nas dife- rentes caracteristicas humanas, a inteligéncia reporta-se as suas capaci- dades ¢ habilidades. Howe (1997) afirma que “Being intelligent matters, it makes a bg diference to human fives” (p. 1) ou, por outras palavras, os indivi- duos diferenciam-se na sua capacidade para realizar tarefas intelectual- mente exigentes e iso pode fazer a diferenca © estudo da inteligéncia acompanha a historia da psicologia como ‘uma das dimensdes mais investigadas na explicagéo do comportamento humano, sendo certo que as preocupacées com a avaliagio das capaci- dades humanas podetio ter acompanhado a histéria da humanidade 4 partir do momento em que esta procura os mais capazes ou os mais adequados para as diferentes fungSes da vida social (Oakland, 1999) Em consequéncia, as questdes da definiczo, avaliagio e desenvolvimento da inteligéncia mereceram ~ e continuam merecer — grande espaco na investigacao psicolégica. A resolugao de problemas, o rendimento ou a adaptagio dos individuos requerem, em alguma medida, determinados nfveis ou habilidades cognitivas. Mesmo ngo se defendendo uma relacto linear ¢ causal entre cognicio e rendimento académico, profissional ou , certo que as dimensbes cognitivas si0 importantes na explicagio das diferencas individuais de desempenho (Almeida, 1996). E compre~ censivel, assim, que a inteligéncia seja um dos assuntos mais estudados na Psicologia (32.758 artigos registados ne PycINFO da Associacio Ame- ricana de Psicologia contendo no titulo Intelligence, Intelectual ow Ability, acesso feito em 10 de Fevereiro de 2008). Estes ntimeros (e importa acrescentar que, mesmo tratando-se da base de dados mais absangente da producio bibliogréfica em Psicologia, escé longe de abarear toda a producio nesta érea), ilustram seguramente ‘que a “inteligéncia” nao é apenas um assunto importante como também tum assunto polémico e pouco consensual entre os psicélogos, sobretudo 108 investigadores (Richardson, 2002; Sternberg, 20003). Intotugio 7 Como em qualquer outro manual dedicado 4 inteligéncia, este livro refere a multiplicidade de leinuras que alimentam controvérsia fem tomo deste construto, Assim, apresentamos a diversidade de con- cepgbes, apontando discrepiincias e convergéncias entre elas, fazendo acreditar que, no limite, a diversidade de opinies decorre mais da apa- r@nciae do enfoque de cada autor, do que da esséncia dos fenémenos em estudo (Richardson, 1991). Alguma ambiguidade do conceito decorre da propria animosidade entre os autores, ou seja, “o termo inteligéncia tem a rara qualidade de unit em si uma relativa obscuridade conceptual com ‘uma elevada tonalidade emocional” (Burgaleta, 1989, p. 9). Nao sendo tum constructo de observagio directa, como em relagdo a outros cons- ‘ructos psicologicos intemos, a inteligéncia é mais definida pelos seus efeitos nos comportamentos, sendo a sua presenga e avaliagio mera- mente inferidas. Por outro lado, para além de uma inteligéncia identif- cada com as fung6es mentais intemas, parece haver lugar para ume inte _géncia mais pritica e contextualizada associada ao sucesso e desempenho superior (Sternberg, 2005). Varios esforgos conjuntos tm sido ciclicamente organizados bus- cando algum consenso a propésito de “o que ¢ a inteligéncia”. Refe- rimo-nos, por exemplo, & consulta realizada pelo Journal of Educational Pyychology (1921), a0 congresso de Pittsburgh com esse objectivo (Res- nick, 1976) ou a0 levantamento de definigdes efectuado por Sternberg e Detterman (1986). A maior divergéncia entre os autores passa pelo debate entre os que defendem ser inteligéncia um atributo inerente & escrutura neurolégica ¢, como tal, uma caracteristica interna da mente (Bysenck, 1987, ¢ 05 que a véem como aprendizagem e um atributo do comiporiamienito (Howe, 1988; Valsiner, 1984), Ao contritio da primeira, tida como ume abordagenr mais vadicional, esta tiltima tem granjeado maior apoio presentemente. Assi: sendo, a inteligéncia nfo pode ser pensada como uina entidade interna 20 organismo mas mais como uma qualidade do comportamento (Anastasi & Urbina, 2000), 0 que em nossa opinigo vai também no sentido daqueles que, desde bem cedo, associaram a inteligencia 20 comportamento adaptativo do individuo. Para esta diversidade de postaras, ¢ em parte desorientagao, con- tribuiu muito os referenciais assumidos pelos diversos aurores ea pouca prcocupagio que demonstraram em se aproximarem conceptualmente uns Gos outros. Téo-pouco parece ter havido uma preoeupagio com a apre- sentagio clara dos seus pontos de partida. Howard (1993), associando 8 eigdie espectvasTerias 1 heterogencidade de posigées & falta de precis4o, aponta txés concei- tos Frequentemente associades com inteligéncia para ilustrar como os autores se podem reportar a coisas diferentes falando de inteligéncia, ‘ou como podem assumir posigdes divergentes embora reportados a um mesmo conceito. Os trés conceitos, por si enunciados como mais fre- ‘quentes nas teorias so: (}) 2 inteligéncia como factor ¢ (podendo este conceito ser assumido de um modo mais biolégico, mais psicoldgico ou, ainda, mais matemético, mas certo que se mantém actual um século apés a sua identificagao ~ Lubinski, 2004); (i) a inteligéncia como proprie- dade do comportamento, nomeadamente 0 comportamento adaptativo (aqui inteligéncia pode ser mais um adjectivo que wm substantivo, mais ‘uma designagao do que uma propriedade); (ii) a inteligéncia como um conjunto de aptiddes (¢ aqui uns incluem e outros mio as aptidées liga- das ao conhecimento). No mesmo sentido, Eysenck (1988) menciona trés concepgoes, em parte distintas e, em parte, sobreponiveis sobre inteligéncia. Bm primeiro lugar, poder-se-ia falar numa inteligéncia bioldgica (préxima da teoria de Galton, ou a inteligéncia reportada & estrutura e fisiologia do cérebro, aos aspecios bioguimicos ¢ genéticos) e que, segundo ele, seria a mais fundamental e a mais pura de todas, ou seja, a menos afec- tada pelos factores sociais. A avaliagio desta inteligéncia seria mais facil- mente conseguida através dos registos electrocacefalogrificos (EEGs), dos potenciais evocados, da resposta galvénica da pele ou de alguns tempos de reacgio, Fm segundo lugar, ter-se-ia a jnteligéncia psicomé- trica ou 0 QI, em larga medida determinada pela inteligéncia biolégica, ‘mas inclaindo jgualmente a influéncia dos factores culturais, contextos familiares, estaruto s6cio-econémico, educagio e outros factores contex- tusis, Finalmente, ter-se-ia a inteligencia social, ou seja a aplicagio pelos individuos das duas inteligéncias anteriores 2os problemas e simiagSes quotidianas. Aqui, a par de factores cognitivos, outros néo cognitivos Gatide, interesses, nutrigao, estratégias, personalidade, educagao..) tem alguma importincia para a explicagio do tipo e nivel de desempenho los sujeitos. Para Eysenck, a resolucio da controvérsia apontada nio est fem metermos tudo num tinico saco pois isso dificulta 0 entendimento entre os autores, Para uma melhor sistematizagio dos contributos tedricos em torno da definigao de inteligéncia, este livo considera as teorias ¢ autores da abordagem psicométiica (capitulo 1), da abordagem desenvolsimentista (capitulo 2}, da abordagem cognitivista (capitulo 3) e, no capitulo 4, Invotugto 9 jum conjunto de teorias mais recentes e tidas como mais abrangentes ‘ou tomando na definigzo da inteligencia aspectos nao exchusivamente inteletivas. Se na abordagem psicométrica a questio central se prende com as aptiddes ou tragos estruturantes da inteligéncia, ¢ em particular com a sua avaliagio, na abordagem desenvolvimentista a questio central prende-se com as formas (estédios) que a inteligéncia vai assumindo 20 longo do desenvolvimento, sobrevudo na infincia € na adolescéncia. Por sua ver, aabordagem cognitivista centra-se nos processos, nas estrat ou nos elementos funcionais ¢ operativos que tornam possivel 0 “acto inteligente”. Trata-se, pois, de uma abordagem mais voltada para as com- ponentes ¢ metacomponentes que descrevem 0 pensamento, 2 cognica0 € a resolugio de problemas, ou Seja, os processos implicados na codifica- io da informagao (input), no seu tritamento (treatment) ¢ na elaboracio da resposta (output). Bstes ttimos aspectos, ainda mais contextualizados as situagdes de aprendizagem e de realizagdo, estio igualmente presen- tes nas teorias abrangentes, € mais actuais, com que encerramos este livto. A terminar, com este livro precendemos ilustrar a relevincia social ¢ psicolégica do conceito da inteligéncia, acreditando que s6 essa rele- vncia justfica os esforcos continuados da investigago em prol da sua melhor definigio, avaliagio e promocio. Em boa medida, a constatacio € 2 compreensio das diferengas kumanas nas habilidades cognitivas justificam as diversas tcorias disponiveis (Almeida & Buela-Casal, 1997) Nao havendo consensos a propésito da definiglo, espera-se que este liveo estimule uma compreensio das diferentes orientagdes e pos namentos tedricos, cabendo a cada leitor chegar & sua sintese pessoal nesta matéria, Por tltimo, centrando este livro no que ¢ 2 inteligéncia, deixaremos para publicagGes futuras as questes do como se avala e como se promove CAPITULO 1 ABORDAGEM PSICOMETRICA Introdugio A perspectiva'mais clissica de estudo da inteligéncia tem sido definida por abordagem psicométrica, também dita factorial ov i rencial, Sucintamente, as diféfengis individuais nas habilidades cogat iivas fazem-nos investigar os Factores internos da mente responséveis por tal diferenciacao ¢ acredita-se que testes devidamente validados podertio melhor identificar ¢ avaliar tais factores internos e explicar as proprias diferencas individuais. A interdependéncia tautolégica dos trés clementos (diferengas na realizacio, factores internos € testes) é fie~ quentemente apontada como uma das principaisfragilidades desta abor- dagem, ou seja, demasiado assente na “inferéncia” e pouco “testada” experimentalmente, A abordagem factorial inclu diversas concepgbes tedricas em torno, da definigio da inteligéncia, todas elas de um modo geral tendo implica- ges directas nas formas propostas pera a sua avaliagao. A larga maioria dos testes de inteligéncia disponiveis e usados, no presente, suportam-se nesta abordagem da inteligéncia. Aqui, inteligncia significa capacidade ou aptido mental, podendo essa capacidade traduzir-se num potencial hheterogéneo mas coerente de fungGes mentais (por exempio, QU ou Quociente de Inteligéncia), numa capacidade geral de aprender signifi- dos € de estabelecer e aplicar relagdes nas mais diversas situagdes de desempenho (factor g) ou numa diversidade de aptiddes ou fungdes cog- nitivas diferenciadas, podendo estas serem entendidas como autonomas entre si ou, entio, correlacionadas ¢ interdependentes segundo niveis hierérquicos de maior ou menor generalizacio. 2 eligi: Prgctvas Terie Assim, neste capitulo, descrevemos as teorias compésitas da inteli- géncia, avancando de seguida para as concepgdes mais tipicamente fac- Toriais. Aqui dedicaremos espago 20s autores que propoem a inteligencia ‘como factor ¢ por oposicZo aos defensores de uma concepgao multiface- tada da estrutura da inteligéncia na base de diferentes aptidaes. Nesse particular, serd dado algum destaque as teorias hierérquicas da inteligén-

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