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“Thulos da coecsio a Psicologia 40s Gomportamant 2 an la Spt ot Mer Paconoa Personat $i scr da personalidade MICHEL HANSENNE ‘Tilo cignal Paycholgie de la persomnalité Autor Michel Hanseane Copyright © De Boeck & Lacie sa, 2003, 1 dion Ediions De Boeck Univeité Rus des Minas, 39, B1000 Brust ‘Teadosdo Jodo Galas de Almeida Capa Roberto Medeiror Revi Fernanda Fonseca Pagnacio Impressioeacabamento Marina PedadeFereea Rolo & Fos ~ Ate Gris Maen 150 972.796.1266 Depesio legal n 215503104 1. edi, Lisbo, Setembro de 20045 Reserdasrodos os dts pars lingua pores & ‘CLIMERSL EDITORES Q CCLIMEPST~ Sociedade Médico Pscolégica, [Ra Pinheiro Chagas, 36,12 DP 1050-179 Lisboa ~ Por “elefone 35121 317 47 09, axe 4354 21 352 85 74 E-mail: info@climepsi pe sro cies ‘Nenbuma parte deste livo pode ser reproduzida por qualquer process, incluindo a fotoc6pia, ‘ransmitida ou traduzida em linguagem méquina sem a auorizagio por escrito do editor. INDICE Nota introdut6ria Ageadeciment0 wenn men 1. Introdugio. Resenha hist6rica.. : 7 Definigdes da personalidade e terminologia temperament nnn O cardcter... SS ‘Tragos de personalidade ¢ tipos de personalidade (O miimero das dimensées da personalidade Extabilidade da personalidade.. (0s objectivos da psicologia da personalidade ..... O que é uma teoria? .. 2. Métodos em psicologia da personalidade.. [As duas grandes abordagens da personalidade: (© método do estudo de e080. © método das correlacées. ( método experimental Qual 0 método mais utiizado em psicologia da personalidade? idiogréfica e nomocética.. 3. A avaliacio da personalidade AAs fontes de informagio A fdelidade da medida ‘A consisténcia interna A fidelidade inteccotadores A estabilidade no tempo ‘A validade da medida A validade construtiva as 7 19 21 2 4 26 7 28 29 32 35 a a3 “4 46 49 3 37 59 68 69 7 n 2B ” 8 Pacovocia a Feasonstanane A validade criteria... 7s A validade de contesio . 76 A validade semelhante 7 A cstandardizagio e a sensibilidade 8 4. Os determinantes da personalidade Os determinantes biolégicos 8s As tipologias. 85 As elagées entre a personalidad eos sistemas lisiobgicos.. 7 Os determinantes genéticos 90 7 O método dos gémeos 91 V Infivéncia da hereitariedade sobre a personalidad wcwsovsoe 94 YO método familar. 98 Os estudos sobre a adopsao. bod AA identificagao dos genes. 101 Os deteminantes ambientas. 103 O ambiente nao partilhado.. 104 A corrlasio gendtica-ambiente 106 5. Asteorias da personlidade a VX A perspectica psicanalitica: Freud .. 113 A teoria de Freud. : 44 As fascs do desenvolvimento 18 Ci 120 A perspectiva neo-: o-analitica: ia! Adler, Horney, Sullivan, Ekeon ¢ Fromm Aiaceota de Jang, : (Os tipos de personaldade cas fangbes picldgias © desenvolvimento da personalidad « Ch teota de Adler 127 128 129 (0 desenvolvimento da personalidad. 131 Citic nnn 132, A teoria de Horney se 133 ‘As necessidades neuréticas 134 Critica 137 A teoria de Sullivan en 137 ‘As fases do desenvolvimento... 139 a4 42. force 9 Os estaidios de desenvolvimento .. Critica ‘A teoria de Fromm [As necessidades son 147 148 4g Os craters "450 Catica oe 132 A peta umani Rogie Mion 353 f Ateora de Rogers. 154 © desenvolvimento da personalidad ass A pseote9pin cer 156 Cin 156 a ota de Maslow 137 As necessidades .... wo 158 As experdncas extremes 160 Cetica 12 {A perspectva da aprendizagem: Skinner, Bandura e Roter 163 A teoria de Skinner. 163 0 2ef0r608 163 A personalidade. 465 Celtic sone 166 A teoria de Bandura 167 ‘Aaprendizagem por obserasi 168 As fases do modeling . 169 Critica 173 A teoria de Rotter 173 O locus de controlo . 175 176 17 7 Caracteristicas de pessoas internas ¢ extersas Catia A perspectva cogntiva: Kelly, Mischel e Beck, Ateotia de Kelly. 177 0s construtos 179 Avaliagio dos consteutos 182 Critica 7 183 184 185 188 189 © cognitivismo actual: Walter Mishel ‘Atoria de Mischel.. Adiar a gratificacio Critica. : Perturbagies do comportamento e modificazto do comportamento: 190 192 a teoria de Beck : A avaliagio da personalidade 10 Pacouoch oa Pansonainane A perspectva das disposigdes: Allport, Cattell, Esenck eo Big Five A tworia de Allport: 0818508 un (© desenvolvimento da personalidade Chic enemies AA weoria de Catell Os tragos © questionatio 16 9F a Wh eotia de Eye vero A organizacia hierérquica da personalidad ‘As bases biolgicas da personalidade.. Os questonérios de personaldade . Crtica se VO modelo dos 5 factors. O questionstio NEO PL. Comparacio com oaros modelo Ca : = A perspectivapsicobiolégica: Gray, Tellegen, Zuckerman ¢ Cloninger A teoria de Gray sen A eoria de Tellegen Ateoria de Zuckerman Primeita etapa do modelo: os temperamentos... Desenvolvimento posterior do modelo: os caracteres. Os questiondtios de personalidade .. : ‘As aplicagdes clinicas do modelo de Cloninger Comparagito com outros modelos causa... Critica. A personalidade e as outras dimensies da vida psiquica .. Personalidade e processos cognitives a Was relagdes entre a personalidade e a inteligéncia geral VA personalidade e os estilos de pensamento . Impulsividade e percep¢io .. Personalidade e meméria.. . Perturbagdes cognitivas na perturbagées da personalidade A personalidade anti-social... A personalidade esquizetipica Personalidade e emoges Aspectos gerai 212 193 193, 195 196 196 200 200 202 203 204 206 - 207 208 208 210 202 214 214 217 217 . 219 20 225 226 235 235 237 . 249 . 251 251 256 259 . 261 265 268 270 270 270 fore 1 275 279 281 284 285 285 286 288 A teotia diferencial das emogbes: Personalidade e bem-estar.. Personalidade e emogGes: articulagio psicobiolégica . ‘BmogGes e perturbagdes da personalidade Personalidad e psicopatologia .. Depressiioe personalidade Aspectos teéricos. Aspectos metodol6gicos Inpulidad epscoptlogin 2p — 9s Gonclses. Gli 255 Bblgatis 35 oe 343 Indice remissivo ANicole. A Kiara, Dana ¢ Nelle, NOTA INTRODUTORIA © estudo da personalidade ~ normal ou patolégica ~ constitui um domi cularmente apreciado em psicologia, Desde sempre, a personalidade tem suscitad eras teorias e classificagGes, a tal ponto que, na actualidade, existem quase tantas tcorias da personalidade como autores que aborcaram esta temitica. As teorias da personalidade sio, porranto, muito diversificadas, estando algumas, na melhor das hipéteses, desactualizadas; as actuais teorias bendficiam, sem sombra de divida, do avango dos conhecimentos em psicologia. O propésito desta obra é proporcionar um panorama, to vasto quanto possivel, das teorias da personalidade. Para além disso, Como estas teorias no emergem do nada, estando associadasa uma merodologia espect- fica e na medida em que animam a conteovérsia en-re 0 inato ¢ 0 adquirido, a presente obra tcatard, de igual modo, destas diferentes questbes necessérias a compreensio geral Pretende-se que a nossa abordagem seja, em sinultaneo, cientifica e critica. At buir-se-d uma posigdo cimeira, tanto a validade como a objectividade dos conceitos abordados. Néo se tratara de uma escolha pessoal do autor, mas antes de uma opeio ppartilhada pelos intimeros psicélogos que, na actualidade, procuram carapultar a psi- ologia para 0 patamsar das ciéncias experimentais. Tanto quanto possivel procurare: ‘mos que a presente obra seja atraente, quer no que se refere a apresentagio da matéria ~ acompanhando-a de figuras e de outros instruments que faciliem a compreensio — ‘quer no que diz respeito ao estilo adoptado, o qual visa cornar acessivel 0 contedido de textos cientficos, conteside esse, por vezes, difcilmente digerivel por um piblico pro- fano. Os diversos instrumentos pedagégicos utlizados — 0s quadtos, os resurmos, bem como as questdes colocadas no final de cada capitulo ~ tornario a leitura mais fécil, adequando-se provavelmente bem a um pablico estudantil. 'Em principio, o presente livro deveria preencher um vazio existente na literatara feanodfona. Enquanto verificamos existir em ingl’s um vasto niimeto de obras sobre este assunto, temos de admitic que o letor francSfono nao dispoe de tal escolha. Esta lacuna motivou a elaboragao deste livro. Sers preciso pensar que a psicologia da perso- nalidade nao € abordada em manuais franceses? Certamente que nio, embora nao se The conceda uma posigio isolada, pois a dita psicalogia aparece geralmente integrada ‘em obras de psicologia diferencial, ao lado da inceligéncia. AGRADECIMENTOS A redacgio de um livro constitui uma longa aventura solitéria. Porém, tal rarefa ‘nfo teria sido realizada sem a intervengio de diferentes pessoas. Gostaria aqui de expres- sar o meu agradecimento Aquelas ¢ Aqueles que inuenciaram a minha carrera e que, indirectamente, So cesponsiveis pelasideias veiculadas nesta obra. Agradeco, em pri- meiro lugar, a Ezio Titelli que, em 1986, me iniciou na psicofarmacologia, tendo-me transmitido um tigor merodolégico e cientitico, além de, sobretudo, ter estimulado a minha sede de conhecimentos na érea da psicologia. Para além disso, Ezio Tireli esti mulou-me, de forma continuada, a prosseguir as actividades ligadas & investigasio, ‘Agradeco igualmente a Martine Timsit-Berthier, que me recebeu no seu laborat6rio de neurofisiologia clinica, tendo-me transmitido toda a sua experiéncia. Agradeco ainda a Mare Ansseat, com quem colaborei durante mais de dez anos. Além do rigor cientifico aque me transmitiu, permitiu-me desenvolver as minhas préprias investigagées em con- digées de exceléncia, tendo sempre sido para mimum verdadeiro motor. Devo também agradecer vivamente a Michel Jeierski, director editorial das edigSes De Boeck, pelo interesse que concedeu a0 manuscito, Agradeco igualmente a Patrick Lemaize a sua leitura atenta e a sugestdo de inclu 0 capitulo consagrado as selagBes entre a personalidade e as outras dimensées da vida psiquica. Tal capitulo enriquece de forma marcante esta obra. Agradeco também & equipa de procugio, coordenada por Michel Blaimont, e, muito particularmente, a Christine Gaillard, que assegurou o pro- cesso de produgio do livro. Por fim, agradeso aos que contribuiram para oaperfeigoamento formal do manus- cxito a0 longo das suas diferentes fases, permitindo-me citar Anne Demoulin, Philippe Kempeneers ¢ Jean-Pierre Thibaut. 1| INTRODUGAO Neste capitulo, remos abordar os seguintes t6pi208: o ‘Quais so as origens da nogdo de personalicade e como ora a personalidade ‘considerada ha jé muito tempo. Como pode definr-se esta nogdo complexa que é a personalidade, bem como ‘8 diferentes termos utlizados em psicologie da personalidad. Quais 280 os objectives da psicologia da personalidad. (0 que se entende por teoria numa perspectiva cientiiea. 20. Pscococis 2A PensonnuoAne [7 conceto e persanatide 6 um conceit central am psccogia. Tab 0 & de {gu modo, nada quotans Freqentment,ounnos cz’ do um detrninado ‘tv qo tom ua fore personad cu du UG tn na porsoal- ade domiant Nl festaroserultzarreguarmerteeie oncatoparadescrorer ts ouas poston; tornorao oe al fora ut db ue ste pousel aloo azar Nés tos ua necessidoe real essz autor, de categorar oe ats, Ton ‘ee ance mate neresano voc quota canoe so obser dna sana jmguaasna sro unncsuna read oto atoe Gees fr dou eg Gechaee cone euém tbuono. db oubo como um iadore cua and, came vd Por que razlo temos sta necessidace natural de descrever os outros em termos de personalidade? Podemos faclmente evocar como primeira razdo ~allés, bem fac de Imaginar~ 0 acto de esta necessidade natural nos permit ter imagens coerentes & consistentes das pessoas que nos rodeiam. Deste mod, reconhecemos faciimente ‘tatar-se da mesma pessoa por ela se comportar de forma coorente em diferentes situagées, Uma segunda razao que justica o facto de descrevermos 8 outros om ‘ungde do temo personalidade reside na oiccunstanaia de esta palavra implicar 2 existéncia de uma forga no interior de uma pesos, forga essa que exoroeinfuéncla sobre os comportamentos e pensamentos dessa masma passoa. Delxamos circular adel de acordo coin a qual as pessoas néo escolhern necessariamente amancira ‘como se comportam, concedendo assim aigum crédito as influGncias bloldgicas. Estas duas rz6es tn urna consequéncia primordial: podemos prognesticar os com- Pportamentos dos que nos slo préximos. Tal facto constitul um ponto essoncial, pos, ‘am inimeras situages, 6 importante poder precizer de que modo um amigo nosso vaireagir. As nossas previs6es baselem-se, evidentemente, nos elementos que pos suimos sobre a sua personalidade. Por exernplo, vocé nao contidenciariafacimente _aspeciosintimos da sua vida a um amigo se soubesse que este tam uma lastimavel tendéncia para contar tudo a toda a gente. Uma tercolra e ita razzo pela qual utlizames com reguiaridads e com grande prazer 0 termo personalidade na nossa vida quotidiana reside no facto do esse mesmo lermo dar a imaressdo de que os. {ragos saientes de determinada pessoa podem distingu-la dos curs sueitos , em Corto sentido, catalogé-la. As qualidadas que nos vem & mente em peimelto lugar, ‘quando procuramos descrever um individuo, 80, 20s noscoe alhos, as mais eign- cativas para essa pessoa. Torna-se assim primordial operar de forma a ter boas representagdes montals relativamente aos que nos radolam. NBo serd incomodativo ‘do poder catalogar, com exactidgo,alguém que conhegamos, da mesma forma que nos pra conver com petseas de quem nfo podemosaproximar-ne om emooucto 27 Resenha histérica ‘A tendéncia natural que temos para descrever os outros através de adjectivos camo amivel,impulsivo, colrico,terno, apaixonado, fogoso, ec, nia é, obviamente, recente, verificando-se desde hé muito tempo. Teremos ocasizo de ver, na sequéncia deste capi- tulo, que ja na Antiguidade existiam classficagdes de diferentes tipos de personali- dade. Por ora, limitarnos-emos a abordar a ctimologia da palavra ea evocar os paralelis- mos que podem estabelecerse entre o seu uso na antiguidade e o que se tem difundido na actualidade Historicamente, personalidader tem origem ns palavra latina personat. Persona designa a mascara de teatro que um actor usava, ra Antiguidade, paca exprimir dife- rentes emogdest eatitudest. Com efeito, na Epoca, era corrente utiliza astificios para ‘evocar no piblico as caractersticas do aetor. Convém ter presente que tais méscaras no constituiam de todo disfarces, antes correspondendo a expressées faciais especii- ‘as, que davam origem a interpretagdes comuns. Este siltimo ponto é, obviamente, da maior importincia: 0 pablico tinha de descodficar a informacio veiculada pelas miscaras ‘da mesma mancira, ito é,nZo havendo espaco para quaisquer interpretages ambiguas. Por exemplo, se um actor tivesse de evocar tristeza, a méscara consistiria numa descrigfo sem equivocos da tristera. Nos n0ss0s dis, depararis com este fenémeno em situagées sociais nas quais 0s individuos se disfarcam, como acontece no Carnaval. ‘Nio teria a utilizagio corrente das ditas mascaras, na Antiguidade, o intuito de cencobrit as caréncias de expresso emocional dos actores? Evitaria~a dita utilizagio de mascaras — equivocos relativamente 4 interpretagio das expressbes emocionais dos actores? Quicé possiblitava aos actores 0 desempenho de diferentes papéis, ora diver- tidos ora trdgicos, sem uma adaptagio ‘das suas reais expressées facais. Nao comm dizerse quao dificil € para um actor, o desempetho de papéis diferentes, subenten- ddendo-se diferentes personalidaces? Tanto € assim que, de acordo com este concepcio, vigora a idea segundo a qual a personalidad corresponde a uma imagem socal super” ficial que os individuos adoptam ao desempenharem papéis. Teremos ocasiao de veri- ficar que, na actalidade, 2 personalidadeé, obviamente algo muito mais complexo do ‘quc um simples jogo de papéis, pois, entre outros aspectos, a prépria personalidade caracteri2a © modo como um sujcito se comporta habitualmente. ‘Assim, é interessante verificar-se que as mascaras do teatro antigo que os actores ‘ostentavam para veicular emosoes atitudes apresentavam caracterstcas bastante seme- nantes ds que atribuimos, nos nossos dias, & nogiode personalidade, Antes de mais, as éscaras que os actores urilizavam permaneciam imutdveis 20 longo da acco, tal como habicualmente se considera que 2 personalidade se mantém constante durance a Vida, Dito de outro modo, estamos em cret que, na época, umn actor no deveria mudar de persona durante a pega. A.um segundo nivel, as méscaras permitiam aos espectado- res poderem constitu representagGes mentais distintas para os diferentes acrores,além de Ihes possibiltarem antecipar e prever a forma como estes se iriam comportar, tal como, na actualidade, se espezam certos comportamentos da parte de determinadas ‘petsonalidades. Deste modo, os espectadores tinham uma imagem estével e coerente ds actores, do mesmo modo que nés temos uma in:agem estavel ecocrente das pessoas 22 Paotocn 94 PrisonauiouDe ‘que nos circundam. A um trceizo nivel, 0 nimero de méscaras uzadas pelos actores da Ansiguidade limitava-se a uma dia; ora, hoje em dia, 6, de forma undnime, ceco- hecido ser relativamenterestrto 0 nimero de tipos de personalidader. Quer isto dizer 4que, é na Antiguidade, se pensava que o nomem néo podia comportar-se de mitiplas smanciras, ances exstindo atitudes relaivamente homogéneas de padres de comporta- rento, padrdes esses aprupados por trés das seferidas méscaras. 'Na Anciguidade, persona tinha, portato, um significado préximo daquilo que se designa, hoje em dis, por personalidade: as aptiddese cas eapacidades pessosis, 0 que nos distingue dos outros ¢ o que convém a detezminados comportamentos. Tadavia, persona significava também aquilo que nbs parecemos, sem o sermos, ou seja 0 papel ue desempenhamos. Ora, nos dias que corzem, estas duas caractetisticas n30 so, obviament, atribuives 8 personalidade, tal como a concebemos na actualidade. Para além disso, a evolugio posterior de persona, iniialmente influenciada pelo discurso tzol6gicoe, de seguda, pela linguagem cientificar, eiralhe oaspecto de no autent dade; passa, antes de mas, a Ser. Deste modo, ao longo dos tempos, a noglo de perso nalidade perdew a conotagao coma ilusio ¢ com o teatro, para designar a forma como uma pessoa se comporta habitualmente. Definigées da personalidade e terminologia Parece mais ficil imaginar as razées que nos levam a descrever os outros em termes de personalidade do que definir este conceito. Com efeto, estamos todos de acordo em pensar que sentimos esta necessidade para termas imagens coerentes e consistentes das pessoas que nos rodeiam e bem assim para podermos prever as suas reacgdes. Ora, se lhe pedissemos para definir a nogao de personalidade, deparariamos, por certo, com iniimeras definigées. Ainda que este conceito tenha sofrido uma evolugio, no parece rem devidamentecircuriscrito nem bem definido; trata-se, alids, de um dos conceitos ‘menos bem definidos em psicologia. O que torna as coisas mais complicads & que ~ semelhansa de tantos outros conceitos em psicologia ~ existe uma ampla difusio da nogio de personalidade ¢, junto do grande piiblico, tal nocio nao tem © mesmo signi- Ficado que lhe atribui a psicologiacientifica, A tilizacio quotidiana que fazemos desta nogio prende-se, acima de tudo, coma descricéo dos caractezes expeciicos de determi- nadas pessoas, sem contudo serem tomadas precaugdes que confiram rigor estas ‘mesmas descrigdes, enquanto, para o psicblogo, a personalidade corresponde a uma teoria que se aplica a todos 0s individuos. Teremos ocasiao de observar, tanto neste capitulo como no terceiro — onde se trataré da questio da validade+ da medida -, ‘© que distingue estas duas abordagens e, mais especifieamente, 0 que caracteriza uma teoria baseada em factos observiveis Existem indmeras definigdes de personalidade e praticamente todos os grandes psi ‘6logos da personalidade propuseram uma. Estas definigdes estdo em selacio directa com a escola dos métodos e dos pontos de vista do autor. Contudo, a maioria dos autores retoma as mesmasideies que enunciémos acima, a saber: consistncia, a caue salidade interna e o carécter distintivo. Vamos agora apresentar algumias de entce as Itrovecso | 23 ‘muitas definigdes que foram sendo dadas, sem por isso prestmir tratar-se das melho res. Segundo Allport (1937), a_personalidade é a organizago di individuo, de sistemas psico que wadura te + Stuagdes. Trata-se de ume organizacio di a deni nist amb nas base iolilea da personalidade. Ese aspectocons- tirai um ponto primordial, pois, actualmente, nenkum psicélogo pode negar a influgn- ia dos factores biolégicos, em sentido lato, sobze a personalidade (tratar-se-é desta {questo mais deralhadamente no capitulo quatro). Para Eysenck (1953), um dos mais destacados psicélogos ingleses da personalidade que marcou.o século Ko peace SPD lade é 9 organizacio mais ow menos firme e derive €da dimensio Fisica de um gular adapracio ao.meio. A dimensio fhica femete-nos, au paza eon aspecto que seré central na teoria de Eysenck{ A sua deft como. aq qe per Sredcia de estes peo, na dads fazer. Através desta definicio vemos que, antes de tudo, Cate se intezessava-por-um spssta.da.personalidade: poder prever a forma.como una pessoa. se. Yai om poitar. Byrne (1966) definea personalidade como a comibinagao de todas as dimensbes relativamente durdveis de diferencas individuais gue podem ser medidas. Esta defii- lo inscreve-se, sobretudo, numa tradicio da psicologia diferencial* que consiste cm medic as difereneas individuais entre os individuos, Mais recentement, Linton (1986) define a personalidade como o conglomerado organizado dos processos* e dos estados psicoldgicos pertencentes a um individuo. Esta definicao, embora seja mais abrangente, insiste rambém no facto de a personalidade ser um processo organizado, especifico de cada individuo. Face a este conjunto de definigées e seguindo Carver et Scheier (2000), destacam-se alguns pontos: 1. A personalidade nio corresponde uma justaposigéo de pega, send sis, uma orgenizasio. 2. A personalidade néo se encontra muito simplesmente num local especifico. Ela 6 activa tata-se de um processo dinamico no interior do individuo, [A personalidade corresponde a um conceito psicol6gico cujas bases sio fsiol ‘A personalidade é uma forga interna que determina como 0 individvo se com portad {A personaldade éconstituida por padres de respostas recorrentese consistent. [A personalidade no se reflecre apenas numa direcsio, mas antes em vérias, 2 semelhanga dos comportamentos, dos persamentos dos sentimentos. 24 Pacovoci ba Prasonpane Agora que jé delimitémos o que corresponde & personalidade através de definigdes gerais, convém introdurir alguns elementos sobre determinados conceitos espectficos a psicologia da personalidades. © temperamento Antes de mais, é importante ter presente que a nogio de remperamento deve distin- guiese da de personalidade. Trata-se de nogées difecenes, ainda que, na linguagem Corrente os dois termos sejam, por vezes, empregues indistintamente. Qual é a grande difecenga entce petsonalidade ¢ temperamento? Segundo Busse Plomin (1984), 0s tem- /‘Beramentos tim uma base biologic, representando a dimensio afectiva e emoci { da personalidads; eles surgem precocemente na nossa vida, continuando a desempe- \ kar tum papel na vida adulea. Estes autores definem os temperamentos como tragos ) inatose da personalidade que aparecem desde a inféncia. Através desta descrigio, pet- cebemos que os temperamentos constituem manifestagdes precoces de determinados tracos de personalidader,cuja origem €eminentemente genéticas. Os autores em ques- tio sublinham também o facto de os temperamentos poderem sex modificados pela experiéncia, apesar da base hereditfria que apresentam, Note'se também que, segundo Lochlin (1992), um psicélogo de referencia em gené- tica comportamentals, a ideia de os temperamentos serem influenciados por factores ‘genéticos de um modo mais especifico do que a personalidade nao € demonstrada com clareza. Com efeto,reremos ocasio de constaré-loa seguir, os factores genéticos exer- em igualmenteinfluéncia sobre a personalidade. A ideia de uma base biol6gica dos temperamentos remonta & Antiguidade. Nesta época, os temperamentos, que eram em niimero de qustro, apresentavamserelaciona- dos com quatro tipos de bumor: havi 0 temperamento fleumstico, que correspondia & linfa,o temperamento sanguineo, que correspondia ao sangu, o temperamento melan- célico, que cotrespondia 8 bilis negra, ¢ 0 temperamento colérico, correspondente a bis amarela. O humor cuja concentracio fosse maior, proporcionalmente aos outros, determinava o temperamento, De acordo com esta classficacio, que se deve a Galeno (que realmente se inspirou nas ideias de HipSerates),o fleamatico ¢ apitico,o sangui- rico € optimista, 0 melancélico é triste e moroso, sendo o colérco irascivel, forte © combativo (ver fig. 11). Outros autores associam ainda os quatro temperamentos 20s quatro clementos: o fleumético & gua, o melancélico a terra, © sanguinco a0 ar e © colérico a0 fogs : Convém, obviamente, manter uma posicio de prudéncia face a uma classificaggo deste género, pois ela nao assenta em exitérios objectivas, nfo se aliezsando numa teoria explcativa. As associagdes entre os temperamentose os humores so simplistas, reflectindo os conhecimentos da época. Porém, é interessante constatar que, ainda que «estas associngées sejam absolutamente ingémuas, podemos encontrar um prolongamen- to destas mesmas asociagSes em determinadas teorias psicobioldgicas¢ actus, basea- das elas préprias num conjunto factos experimentas. Tal € o caso, entre outros, do modelo biossocial da personalidade de Cloninger (que sr abordado em pormenor no lnsmovucto 25 Figura 1.1 Gravura sobre madeica da Idade Misia recresentando os quatro temperamentos. ‘Da eaquera para a data o Meumatco, 0 melancdlen, 0 sangulneo eo coco cap. 5), que compreende trés temperamentos de base em estreta relagio com os siste- mas de neurotransmissio: a procura da novidade com o sistema dopaminérgico, 0 evi- tamento do perigo com o sistema serotoninérgice e a dependéncia face & recompensa com o sistema noradrenérgico (Cloninger, 1986, 1987). A diferenga entre este modelo 2a cassficacao de Galeno ~ ainda que ambos assentem no principio de uma associa io entre temperamentos ¢ vatiéveis biol6gicas — reside no facto de o primeiro ter sido claborado com base cm dadost consistentes, eter dado lugar &emergncia de inimeros cstudos de validacio (ver Hanseane, 2001), enquanto o segundo modelo apenas se baseia em especulagbes. ‘Na realidade, existem diversos temperamentos,emboraseja possivel agrupé-los num niimero relaivamente restrito, gragas& técnica matematica da andlise factorial, cujo principio sera descrito mais adiante. A este prof6sito, Digman (1994) realizou uma analise factorial sobre um conjunto de dados provenientes de dezoito questionérios, ‘questiondrios esses que media os temperamentos, Desteestudo ressaltam quatro facto- 1 principis, que o autor designou por: 1) impukividade, 2) socabilidade, 3) 0 medo 4) a célera. Note-se que a terminologia dos dois éltimos temperamentos Se presta 2 confusées, pois essa mesma terminologia é retomada para designar duas das cinco cemogies de base (a alcgria, a tristeza, 0 desgosto, o medo ¢ a cera). Efectivamente, ‘nfo podem confundie-se as emogbes, que sio rezcg6es comportamentais caracteriza- das pela rapider do seu desencadeamento assim como pela sua brevidade, e os tempe- ramentos, que se ceracterizam por uma estabilidade, manifestando-se em diferentes contextos. Buss e Plomin (1975, 1984) slo da opinio que os temperamentos podem resunit- -se a és dominios diferentes: a emocionalidade < actividade ea sociabilidade. A cmo- cionalidade corresponde & tendéncia para manifestar reacgdes fisiol6gicas em diversos contextos, como sejam as situagGes que evocam medo, cdlera« situagies stessantes. A actividade corresponde & dimensio energética do individuo, exprimindo-st em swjei- tos que fazem muitas coisas sem sentirem fadiga e que, em paralelo, acham qué 0 tempo 26 Pscoxoaia 0A PERsONALDADE passa demasiadamente depressa. A sociabilidade sefere-e ao facto de se preferie a com ppanhia dos outros a solidao. Estes ts temperamentos, ou dsposigSese naturais para 0 sujeito se comportar de uma forma preferencial, endo de outea tm uma base genética Buss e Plomin elaboraram um questiondrio para apreender estes ts temperamentos: © EAS temperament survey (E de emocionalidade, A de actividade e de socabildade). caracter Hii que distinguir a nogdo de carécrer da de personalidade. Antes de mais, refira-se ‘que a nogio de carécter, assaz presente, tanto na linguagem quotidiana como na im- prensa mais mundang, tende a desaparecer do vocabuléro cientfico da psicologia ac- tual. Deste modo, salvo raras excepgbes, na actualidade jé ndo se fala de cardcter. Nao se pense, contudo, que esta situacio sempre se verificow. De facto, sendo, durante bas- tante tempo, cardcter sinénimo de personalidade, diversos autores suprimiram a sua utilizacdo em Virtude das diferentes conotagdes morais que se associavam & nogao de caricter, bem como & circunstincia de © termo em questio reflectir um juizo de valor tendencialmente negativo. Com efeto, quem é que nunca disse de outrem que tinha um ‘mau carécter ow que tina um cardcter forte, endo mesmo, que se tratava de um mau fetio? Arcavés destes diferentes exemplos, verifica-se que as apreciagbes eram, as mais ddas vezes, negativas. Todavia, a maioria de nés utiliza este termo para designar carac- teristicas positives de pessoas conhecidas: «Tem um bom eardcter> ou ainda «E um individuo possuidor de um carécterafévele, Ainda assim, esta nogio de caricter - quer sj positive quer negativa ~ constcui, antes de mais, um juizo moral. Por exsa razio, em 1937, Allport manifesta jé uma notéria preferéncia pelo termo traco relativamente & nogio de cardcter, Para este autor, o traco, que definiremos mais tarde, em a vanta- gem de ser uma nosio desprovida de conotagées morais, além de representar com elateza um termo cientifico. Se é verdade que a nosio de carcter foi praticamente banida da linguagem psicol6- ica cientifica, é preciso salentar que o recente modelo de Cloninger integra trés carac- teres (Cloninger etal 1993). Neste modelo, os caracteres so definidos como dimen- 38s da personalidade determinadas pela aprendizagem social e pela aprendizagem cognitive, ndo sendo, portarto, influenciados por factores hereditiios, contraiamente ads temperamentos, de que falamos mais acima, Os trés earacteres si0 0s seguintes: a autodeterminacior, a cooperagdot e a transcendénciae, Enecessétio prestar atengio ‘ao seguinte ponto: no modelo de Cloninger, os catacteres exprimem a ideia de que a personalidade nao é determinada em exclusivo por temperamentos, cuja origem gené- Sea inci, ms abn pla ako do meio ambient, Neste model, o career ‘taduz igualmente a ideia de disposigdes duradoiras, que aparecem mais tarde na vida do iadvideo, €qee modulam oe temperamaniosdebase. i emooucto 27 ‘Tragos de personalidade e tipos de personalidade {Em psicologia da pecsonalidade,classicamente,disingne-etragn de personalidade de tipo de personalidade. Um taco de personalidade sepresents uma earactristica fel, disposigdo do individao para se compoztar de uma determinada maneira em Situacées diversas. E, pelo menos, deste mado que a maioria dos psielogos da perso- ‘alidadeencaram este conceito. Jéo dissemos,o tro substitu vantajosamente a nogio de caricter. Tracos habituais sf0, por exemplo: a inpulsividade, a generosidade, a sen- sibilidade, a timider, a empatia ou a honestidade. Neste caso, falamos também de subd- smensbes da persomalidade. CConvird ter em liha de conta que os tag0s (ou subdimensées) sio habitualmente considerados sobte um continuum, indo de um extcemo ao outro. Por exemplo, no modelo de Cloninger, existe ua subdimensio da dimensio de procura da novidade aque se chama impulsividade-reflexdo. Na realidsde, esta subdimensio constitui um teago bipolar que facilmente, pode cepresentar-se graicamente sobre urn continuum, compreendendo exe, num dos pélos, a impulsividade e n0 outro a reflexao (fig. 1.2. (s soeitos situamese num ponto da recta, que liga as das extremidades, na maioria dos casos, de qualificativos opostos, endo certo que a maioria dos individuos se coloca fa meio da dita recta e que apenas algumnas pessoas ocupam as posigdes extrema. =} [==] Figura 1.2, Os tragos 880 ieposig6esinivduals que oisntam a cond, ‘om elferentes contextos, de ura forma partoula, Habitusimente,sf0 consideratos sobte um eontnuunn, qua vei do'um extrem 20 outro Er ambis as exremdades da recta, ‘ncontam-se qualitative: opestos, stuando:se 0 Invidvos nom detarminado panto ‘decca mesma reca| [Apés termos definido traso de personalidade, seré mais cil descrevermas tipo de petsonalidade. Efecivamente, um tipo de personalidade (ou dimensio de personalidade) correspond, 80-36, ao composto de diferentes trag0s (ou subdimensbes). Dito de ou- de um qualificativo mais pl ngloba difecentes qualificati- vos mais espécificos. Por exemplo a extroversio® corresponde a um tipo de personali- dide que-se encontra frequentemente, compreendendo og segues diferentes tragos sociabilidade, domindncia, asertividade, actvidade ¢ nervosidade. Na figura 1.3, podemos observar os diferentes tcagos das dimens6es de procura de novidade © de ‘evitamento do perigo, dimensées constantes do modelo de Cloninger. 28 Pocouact oa Peasonauoane Evtamenta do perigo| e/a Inqulete ertecpatéria ‘Timidez face 208 desconhecidos versus Optimism versus Espo gogaro. edo do ncerto versus Contangs Proura de novidede Exalabiidode exporatéria| exravagancia versus Fgloez versie Recerca Irmpushidade ‘usincia de ora varoue Retox versus Roguarentagso Figura 1.3. opresentago das cimens6es (pe) da eitamento do peigo fem cima) 1.09 procura de novidade em bao) e das reepectves sundimandes (rapes), Note 30 que cada cubcimeneso ee organiza sobre um continuum que vai de un extreme eo ule © ndmero das dimensées da personalidade ‘Como veremos nas descrigdes das teorias da personalidade, os psicélogos da perso- nalidade nfo estio de acordo relativamente ao nimero de dimensdes que caracterizam, 1 personalidade. Tal desacordo constitui, como 6 Gbvio, um problema real, pois, na actualidade, no existe consenso quanto a este ponto, O modelo dos cinco factores, ue serd desenvolvido mais adiante (Digman, 1990s John 1990; Goldberg, 1990), reine ‘uma concordncia relativa entre os psicélogos da personalidade, dando, no entanto, também lugar a divergéncias, por vezes,virulentas. A titulo de exemplo,cite-se a con- trovérsia entre Bysenck e Costa patente em dois artigos de titulos bem significativos: Ierronugio 29 «Quatro manciras de demonstras que'0s cinco factors no sio fundamentais» (Eysenck, 1992) e «Quatro manciras de demonstrar que os cinco factores so fundamenta (Costa e McCrae, 1992) ‘Nao é,portanto, possivel, mesmo na actualidade,afirmar-se que a personalidade & consttuida por 3,4 ou 5 dimensées. Anda asim, iemos aqui desezever rapidamente de que modo deteeminados autores encaram problema do némero de dimensdes da personalidade, ou, noutzos molds, que dimensies so fundamentas e suficientes para Gescrever o conjunto da personalidade. Para Eysenc (1967) eTellegen (1985), bastam tes dimensdes, mas as designagSes que lhe sio atrbuias nio so idéatics, Para Eysenck, astiés grandes dimensdessio: a extraversio versus itroversdos, 0 neuroticism versus a estabilidade emocionalre psicotcismo® versus forca do Eu. Estas dimensbes fo bipolares, situando-s os ind(viduos num ponco ent os dois extremos. Para Tellegen, astcés dimensdcs sio: emogdo positivay, emocdo negativat e constrangimentor. Carell (1957, 1990) definin 16 dimensBes e Guilford e Zimmerman (1956) deteeminaram 14 “Mais fecentemence, Zuckerman (1994) propés um modelo que compreende 3, 5 ou 7 dimensdes, Cloninger (Cloninges e¢ al, 1993), por seu lado, defini sexe dimensdes, ‘que slo: a procura da novidade, o evitamento do perigo, a dependncia da recompen Sa persictanciat, a auzodeterminagao, a cooperacio ea tcanscendéacia, Enfim, como jf temos vindo a demonstrat, desde hé cerca de uma década, diferentes ausores.tém enix is meric ft sede © cnn dos t nalidade (Digman, 1990); falamos do modelo dos cinco factores* oSinsrae Bae sr dimensdes deste modelo, jas denominacées diferem, por ‘veri, ene 0s atores, sto: extzoversio, agradabil dades, conscienciasidades, nearo- ticismo e abertura’. “O facto de onimero de factores destes modelos dimensionais ser diferente assenta, «entze outzs, nos diferentes métodos de andlise factorial utlizados pelos autores. Res: rmidament, a andlise factorial, que comporta actualmente um grande niimero de téni- cas, um método estatistico* que permite reduzir, partir da anélise das correlacdes* cexistetes, um grande mimero de varivwisw a um nimero mais eestrito. Este passo permite, desde logo, deteminar as varidveis subjacentes mais fundamentas a que cha- ‘amos factorese, Seguidamente, permite determinar a relagao ent os factores ¢ as medidas ou 05 festes+ que os forneceram. Esta relagio exprime-se em termos de satura- ‘fo e indica a medida em que cada factor influenciaos resultados dos testes. O mimero de factors idenificados pela andlise factorial depeade da técnica de anise utilizada. Este ponto pode, portant, explicar que os diferentes psicélogos da personalidade nio cstejam de acordo rlativamente ao nimero de dimens6es que determinam a personal dade. Para além disso, 0 mimero de factores da teoria de Cavell pode continuar a set zeduzido, gracas a uma andlise factorial secundéria, Neste sentido, o modelo de Cattell ccompreende cinco factores secundstios. Por outro lado, para Eysenck (1994), os tragos de Cattell nfo consttuem tracos fandamentais. Em paralelo, McKenzie (1988) mos- ‘trou que estes tracos podem resumir-sea ers factores principais, os quis ao sensivel- mente compardveis as tés dimensdes da teoria de Bysenck. 30 Pacotocin os Pensomansoane Estabilidade da personalidade Anda que a personalidede possa sofrer modificagdes ao Jongo da vida de.nm ind- viduo, consideca-se que a mesma é relativamente estavel. Dito de outro mo até continua a desenvolver aalidade que se forja desde 6 Gtia, @ stresantei, como Sejam abinos semuais,acidentes graves, doengas prolongadasou de- termieados aconcecimentos familiares, tas como divércio de um dos pais ou perda de um dos progenitores. — Cam efeito, diferentes estados tém demonstrado uma consténcia dos temperaimen tos e da personalidade ao longo das diferentes fases da vida, desde a infancia até a ‘dade adula. Para além disso, os temperamentos das criangas da primeira infincia esto estreitamente correlacionados com os comportamencos na idade adulta.Significa isto que uma erianga que se revelacolérica no ifantério ter francas probabilidades de pecmanecer colérea na idade adult, Do mesmo modo, uma erianga conscienciosa na primeira inféncia permanecerd assim na adultc. Poderiamos multiplcar os exemplos, tendo sempre presente que a evolugio da personalidade depende de maltiplos factores. Com muita precsio, Costa e McCrae (1988) avaliaam a personalidade de 983 sujei- tos deidades compreendidas ente 0s 21 ¢ 08 96 anos, tendo demonstrado que as prin- ipais dimensdes da personalidade, segundo o modo como eram definidas pelo modelo dos 5 factors, permaneciam eseiveis num intervalo de 6 anos, no caso dos maiores de 30 anos. Fm contrapatida, nas pessoas mais jovens, a personalidade pode sofrec peque- nas transformagBes. Numa amosta importante, estes mesmos autores (Costa e MeCra, 1994), mostram que, nos adolescents entre os 17 0820 anos os resultados deextrover- ‘sdo € de neuroticismo séo mais elevados, sendo os de agradabilidade ¢ de consciencio- sidade menos expressivos do que nos adultos de idade superior a 30 anos. Os indivi- duos entre 08 20 ¢ os 30 anos obtém resultados intermédios. Assim sendo, com base nestes resultados, a persénalidade parece estabilizar a partir dos 30 anos. ‘Acstabilidade dos tagos da personalidade entre a adolescencia ea idade adult et bem patente, de igual modo, num recente grande estudo longitudinal (Roberts et al, 2001). Foram avaliados intimecas vezes individuos de idades compreendias entre os 18 €0526 anos, endo os autores demonstrado que as diferentes dimensoes no sofrem rodificagdes entre as valiagbese. As modificagées que se registam desde a adolescen- cia até idade adulta dio conta de uma evolugio no sentido de uma maior maturidade. CConsequentemente, as criangas consideradas mais maduras sfo aquelas cuja personali- dade menos se modifica. Num outro estudo realizado com individuos entre 08 18 ¢ 08 22 anos (Robins tal, 2001) foram obtidos resultados comparévcis, Mathiesen Tambs (1999) avaliam os femperamentos de criangas pequenas 20s 18, 30 ¢ 50 meses. Os resultados evidenciam uma estabilidade importante nos tempera- mentos medidos nos 3 diferentes periodos. Num importante estudo longitudinal, Kubicka ecolaboradores (2001) estudam uma coortes de 440 sueitos, avaliados aos 9-10,21-23, 28-31 e 32-35 anos. A personalidade é avaliada pelos profesores, pelos pais e pelos colegas de curma, aos 9-10 anos, e través de questiondrios na idade adulta. As 3 dimen- ‘s6es estudadas (extroversiio, neuroticismo ¢ concienciosidade) evidenciam correlagdes moougto 31 : A al ue ge % ape ee a ee Idd fom ance) Figura 1.8. Relagoentro a dade #0 resutado de procura de rovidada, do modelo de Clonnger, obtiso& partite uma amostra 60 322 sjlios baigas (ansenne ea, 2001) i a fg aia Bn © 42 = a 30 0 50 60 70 80 Ida fem anes) Figura 1.5. Rlapo ante aida o resultado de rarscondéncla do modelo de Cionnger ‘blo strauds ce uma amosta de 166 jel belgas, do sexo Torinine tance ota, 2001) importantes Estes autores demonstram, também, que temperamentos observados a0s 9-10 anos podem predizer um consumo de éleool 2a idade adulta: uma nota fraca em conscienciosidade prediz abusos repetivos de éleool, enquanto uma noca elevada em. extroversio prediz um consumo quotidiano. Convém, todavia, introduzir algumas muances a respeito desta aparente estabili- dade da personalidade. De facto, alguas estudos demonstraram que certas dimensBes da personalidade sofriam modifcagées em funcio da idade. Brindscrm e colaborado- res (2001), zeferem que certas dimensdesretiradas do modelo de Cloninger esto asso- ciadas & dade. Mais especficamente, Hansenne ¢ colaboradores (2001) veificaraa, ‘uma populagio representativa de 322 sujeitos belgas, que a dimenséo procura de novidade, do modelo de Cloninger, se encontrava em correlagao negativa com a idade, 32, Pcouocia nA PeALONALIDADE tanto nas mulheres como nos homens: quanto mais a idade avanga, menos os individuos procuram a novidade (fig. 1.4). Tal facto pode compreender-se com facilidade. Em con- trapartda, a dimensio de transcendéncia, também ela perrencente ao modelo referido, ‘encontra-s positivamentecorrelacionada com a idade, mas apenas no caso das mulke es: quanto mais as mulheres avangam na idade, mais desenvolvem crengas (fig. 1.5). Os objectivos da psicologia da personalidade 7 objective da psicologia da personalidade & construit uma teria cientifca que ffermita descrever, expicare prognosticar 0 comportamenco dos individuos. Esta rea especifis da psicologiadistingue-se das teorias do senso commur pelo cardcter sistemé- ico ecrtico que comporca. Com efeito, uma teoria cientifica supde que os fenémenos «studados sejam descrios em termos de conceitos ou de variveis operacionalmentet Aefinidos, isto é, indicando as condigGes de observagio ou as regras de procedimento ‘que condziram 20 conceito ou & variével tlizados. Por exemplo, em ver de se dizer, sem mais, que uma pessoa € extrovertida, rferimos as observagGes que nos levaram 4 descrevé-la como tal. Quando abordamos as diferentes teorias da personalidade, pode- ‘mos constatar que nem todas oferecem, de forma alguma, um quadro teérico cujo intuit seja dar resposta a estes 3 objectivos. A personalidade pode, portanto, ser abor- dada de maneiras muito diversas (ver destaque 1-1). Efectivamente, a teoria Big Five {modelo dos 5 factores), que representa o inicio de um consenso entre os diferentes psicélogos da personalidad, centra-s, em exclusivo, na descriglo da personalidad: pata os adeptos desta abordagem ha que acertar, desde o inicio, o problema da descri- fo c do mimero de dimensdes da personalidade, antes de poder explicé-la ou de a predizer. Segundo Eysenck, a explicagao € priortéria, como atestam as inémeras bases experimentas nas quas se baseou para elaboras a sua teria ‘Como é ébvio, um dos primeiros objectivos da psicologia da personalidade & = descrigio da personslidade através de métodost objectives. Para tal desde logo, hi due delimitaras diferentes dimensdes da péxionalidadec,segaidamente, staat os vidos nessas mesmas dimensées, Tal corresponde, aids, a um dos gai da psicologia diferencia, dsciplina que engloba a personzalidade (a personalidade cons- titui uma diferengs individual, do mesmo modo que as aptidées cognitivas, aptid6es que preenchem maioritariamente 2 visio dos psiedlogos da linha difecencial ~ ver, 4 este respeito, Gilles, 1999 ¢ Huteau, 1995). A descrigao da personalidade pode fazer- se de duas formas distintas. No caso da primeira, os psic6logos utiizam um conjunto de termos que utilizamos pata nos descrever e para descrever os outros. Tais termos provém do vocabulério quotidiano, Este passo é designado taxondmico* ou lexical’, pois baseia-se num Iéxico. Apés ter coligido estas diferentes palavras, recorremos & métodos estatisticos de andlise factorial para as reduzir a um nimero limitado de fac- tores, que se tornardo as dimensdes da personalidade. A teoria de Catelle 0 modelo Big Five ilustram na pecfegao esta orientacio. A outzadiligincia consisee na adopio de uma diligencia hipotético-dedutiva, na qual os psieélogos possuem uma ideia das dimensées da personalidade e procuram validé-las atcavés de dados emplrics. A teoria de Eysenck constcui um excelente exemplo desta diligéncia hipotético-dedstiva, brnooucto 33 ‘A-explicasdo da personalidade constiui o segundo grande objetivo da psicologia de pesonalidade, Como seexplica que algoém sejatendencalmente mais introveide gue outrem seja mais extrovertdo? Obviamente que aio existe apenas uma resposta {ra questdo, dependendo a propria resposta da pesigao teérca adoprada. Se nos {eportatmos ds concepgoes feudianas da personalidade as diferengas radicam no desen- ‘alvimento psicossexual da cianga: Se nos repostarms 3 teoriaspsicobiologicas, as, “erengas sfo parcialmente devidas a mecanismos bslégicos complexos que intera- gem com factores do meio. Nomeadamente para Eysenck, a diferenca ene extrover- fidoc introverido situa-se,principalmente, ao aivel dainformagio cortical, que é mais Jinensa no segundo caso, Importa ndo esquecer qu, ainda de acordo com as teorias psicobiol6gicas, as diferengas de personalidade (da mesma forma qué as difereicas individuals no dominio das aptid6es cognitivas) expicam-se, em cerca de 40%, por ‘anibionte nao part ‘no capitulo 3, ‘A ptevisio do compostamento em funcéo de dados que conhecemos de um indi ao constitu’ o terceiro objectivo da psicologia da personalidade. A este propésito, seri convenicnte precisar que, para determinados psicélogos da personalidade, como homeadamente Cattell, a personalidade é primordialmente definida em termos de pre- digio. Este mesmo autor havia aliés proposto uma férmula que permitia prever um comportamento em: fungiio da situagio em que a pessca é colocada e da personalidade dessa mesma pessoa, Fsta preocupagio encontra-se, em particular, nos psicélogos que se dedicam selecegio profissional, uma vez que estes tm que averiguar se uma pessoa se adequa ou no a um determinado posto de trabalho, baseando-se, para tal, em diferentes dados, tais como a personalidade. ‘Um silkimo objective da psicologia da personalidade, que no abordarermos aqui, consiste em ocupar-se das pertucbaces da personalidade, lem como das suas respecti- vas modificagées, ovorridas no quadro,de-uma cerapia. Nao desenvolveremos esta parte da psicologia da personalidade pois, ances de mais, ecistem outros manuais que inci dem especificamente sobre esta matéria (ver, a este respeito, Debray e Nollet, 2001), além dea psicologia da personalidade estudar a personalidade normal, devendo distin- ‘uir-se da psicologia clinica, que estuda mais particularmente as perturbagées da per- sonalidade. Todavia, um determinado niimero das teosias descritas no capitulo 5 foi claborado com base em pacientes que apresentavam perturbagées da personalidade, sendo este aspecto particularmente verdadeiro no caso da teoria psicanalitca ¢ das teorias neo-analiticas (ver adiante). Outras teotias permitem avaliar a personalidade normal, frnecendo meios de descrever as personalidades patolégicas; a partir do prin- cipio amplamente admitido de que personalidade normal e personalidade patolégica se situam sobre um continuaon: 0 que difere entre ambasdeve ser entendido em texmos de intensidade das manifestagdes comportamentais.

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