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‘Seas cagsrinam or ‘om ns jg. om fra dips mane at sta aa erg crane cantar é0pncioea ida men pola balla de rasa pai, ite soni suas, soa ngs, Seam, su sia, suacric. tne daca mpl utana ‘anfnina. Aste ole de Ii Antoni lec, Maria ‘Regina Branco onaldo leo sia ses aio Signiicsns da thao da Mss Popular na copes dora kt msi ‘quenes ja denen 05 ‘umano nasi aera devi, Deve nad aeangase ers orn logy ado ‘permease ‘nis enuanorna, inera his sate (gland enon pala toa ud id, cand itase sonora insta (Quando nase lio as msin- tepeutas eolheeaminos ara sugralgunas ung o ani que i oir taal deumaletre mora, tos pals ta ser sli £ Precis Canta Musicoterapia, Cantos e Cangées £ Preciso Cantar Musicoterapia, Cantos e Cangies Luts Ant6nio Millecco Filho Muse cterapenta cinco com forma em Geste- Terapia Cralor da tenis Mico Verbal Mnicereropentte Pico, com cexpeciaangdo em Musicoserapi Mes: Edvcopd Marca Profesor do CConterseurio Brae de Misia, ENELIVROS Riv de Jancito | Ronaldo Pomponét Millecco “Capyigh © 201, Las Ai eco Fh, Mi Regia Exper lo, Roa Pompe Mssco ‘Dinos exclusios desta is pra lings poses SON, $5 718.0401 oncalos’ [BNBLIVROS EDITORS E LIVRARIA LTDA, tv emige Vlas 6, Soba 201 (cep 20231181 — Ride asi, FI “okra (21) 22-88 ‘ema ents @potseun.com br ‘wewencloncombe reservados todos odin prot dopo on repro dese ote, to oy ove pre 8 ase forma ou poe salar ms {Glenn sein, gag, ftp eu us) sem peas xe sin Eaters most de Ca: Moric Roto Ebtorato Bas ‘hina Mile Pry sito Maria Citi Chagos radio Gren Mare Steador Palace gc Pi, ae An, mcs a Nts ct nid Vai, iste cangaio ‘Sai do meu peitoe semeia a emogdo ‘Que mora dentro do meu coracio. (Modinha— Tom Jobim e Vinicius de Moraes) Viver e ni ter a vergonha de ser feliz Cantar e cantar e cantar A beleza de ser um etemo aprendic. (0 que 6, 0 que é— Luiz Gonzaga Hinior) Joma esta cangio como um beijo {Menino do Rio— Caetano Veloso) SUMARIO Preficia — Mauro $a Rego Costa ‘Comentio dos Autores ruse Parr (© Cantar Human 1.0 Homem como Criador 2. A lmportincia do Cantar 3, Pequenu Histria do Canto 3.1, Do Periodo Primitivo aos Tempos Uo Barroco 3.2. Colonia O Bncontie das 3.3, Os Camtores e Cantoras do Rigio $34, Do Canta Intimista & Massificagio 4. A Diversidade do Cantar 4.1, Cantos de Trabalho 4.2, Cangdes Anénimas 4.2.1. Acalantos 42.2 Jogos Inantis 4.2.3. Folguedos 44.3, Cantos Sncros ou Religiosos 18 in at 25 eee 45 48 va Ermcoso can 44, Canto Carnavalesco ‘4.1, 0 Cantar Carnavalesco no Rio de Janeiro 4.5. Canticos Guereiros 4.6, Canto com Intervensie Politica 4.7. Cangies de Amor. ‘SEGUNDA Pare Mosicoterapia. 5, 0 Cantar na Musicoterapia 6, Algumas Diregies 7.0 Misico-Verbal 8. Fung®es do Canto 8.1. Canto Falho 8.2. Canto como Prazer 8.3. Canto como Expressdo de Vivencias Inconscientes 8:4, Canto como Reszate 855, Canto Desejante 8.6. Canto Comunicative 8.7, Canto Corporal Epilogo Bibliograia {indice Remissivo 50 52 6 10 "4 n 19 295 7 98 100 102 103 105 109 3 “7 PREFACIO Mauro Sa Rego Costa esta em Elves pla UFRJ Profesor da FEIT ‘Comeratra Breede Misch tempo todo o texto € atravessado por leas de canes. “Muitas que voe® conoce e a leitura € imediatamente sical, Muitas de que voe® no lembrava mais e que provo- team como urna meméria involunttia, e voce € deslocalo, Je repente, pela lembranga de um pedago perdido da tua vida, ‘Canges ds velhoscaravais;cangées de proest, detuaépoca dig estudante; cantigas de roda, das brineaderas infants; ean ges de amor, cangBes de guerra.. De repente, o mundo & repovoado por essa camada sonora que o acompan meio sem. se perceber, meio naturalmente, como 0 calor do verio e a5 cores fortes do més de maio, Com a descrigio detalhada de todos os pos, mativos, e modas das cangées, desde as mais antigas — de trabalho ¢ de devogio — as mais recentes, que vycé acaba de ouvir no rio do caro, 0 texto nos passa ess sensagio: am dos eatros, dos outdoors, das devores e dos passarinhos, vivemos, desde sempre, cercados de canes. ss uma sensagio nova surpreendente, porque nossa relagio imediata com as cangées, até porque elas sempre esti- veram af, nfo & com algo de fora — um objeto — mas com pastes nossas — partes muito especiais, que tem uma existe cia fisiea pouco clara ao lado desse seu carster memor afetivo, Os afetos existe no tempo, como a misia,e tem | J mm fivro que dé vontade de canta. Voc8 vai lendo e po passa, nfo hi como pelo, estanei-lo, Hs, sim, As ca {es seriam uma das forms privilewiadas de fazer isso. Blas uardam blocos de tempo, de meniria, E com sen Formato lar, de eterno retorn, votamn sempre esgatando a carga emo perceber, eda vem ‘sen poder — na época em que as ouvfamos ou eankvamos, Quando uma eangio nos volta A mente, nesse mod da m= gra involuntéria nota que involuntirio também & ouvi-la sem pedir ou ler sua Tetra nas paginas que seguem —ela ta como st paixagem, os tragos marcantes de nossa arguitetura afotiva daquele momento, Somos transportados para 0 ps saulo, ao tal como era quando o viveros, mas tal como © afetiva com que as associivarnos—: Daf n riqueza da utilizagio das eangdes como material reraputco, na musicoterapa, queéa questi da segunda pa te do livro. Toda terapia é, de certo modo, reserever a nossa histria, As difculdades com que lidamos por no conseguir ddr conta do que sentimos, pelos conflitos entre valores. 0 con- flito entre nassos ideas ea "realdads” que tomos que enfren- tar os bloquetos em relaedo a expacos de experidneia ative, profissionais,expressivas et. todos aparecem como determi= nade modos de nos “contat” ou nos “cantar”. E o trabalho terapeutico pode entio ser pensado como aprender & cantar novas cangBes, ou mais ainda, chegar a ouvir e cantar as mes- ‘mas cangdes que esto em nossi meméria mulando a earga aftiva com que as fixamo. eves, umn enorme sic trabalho: um tabalho de inéiprete, quando “interpre tar" seré muder um andamento, um clima, um modo de dizer (os gestos atitude, que o acompantam, como lembram | autores, citando Liz Tati), levanda junto uma arguitetura de nossa vida, de nossos afetos, aossos modos de sent. (Os relatos dos pro uticos desta segunda ‘parte mio seriam to mareantes, no entanto, sem a viagem que Ronaldo Millecco, Luts AntOnio Millecco © Maria Regina Brando nos impelem a fazer ao longo de “O Cantar Huma no", primeira parte. Essa viagem aponta,tamiém, a impor= tncia que te» para © musicoterapeuta poder habit mun flo cultural em que vive (ouve ¢ canta) seu paciente, com conhecimento da riqueza e variedade de elementos musi { postico-musicais) o mais vasto passivel. Mostra como & cessrio mergulhar neste universo,e, como dominio desta gta de diversidade, aproximar-se de um tempo imemorial. ou “pas sado puro que, coma mostra Proust seria Fonte de possibi- lidude das experiéneias do passado ou da memiria, De outro modo, como ser cap de influ na mudanga do pasado ov da meméria de sew paciente? Proust aponta que ‘este “pasado puro” tera na literatura e na mésiea sa mora pellets, Madar nosso passado — e nosso futuro — como pretende o trabalho terspgutico, aprende com essa possibilida de da memria de um tempo que nunca foi vivido, um “erst de tempo", de que nos falam as eangdes anes que as fixes bitrariamente 1 um momento de nosks vidas COMENTARIO DOS AUTORES temos una preocupcio central: quas as Fungéestera- ‘peuticas do canto? Em que medida faa ele das neces ddades ¢ conflitos humanes? De que manera pode © musicote- rapeuta servr-se dele como instrumento de trabalho? A esse propésito,levantamos uma série de reflexdes e questdes. ‘A necessidade de eriar cultara; a arte como expressio da simensio simbslica; 0 choro ea vocalizagdo como primeiras Imanifestagies, antecedendo a aguisigio de Tinguagem;o cane to.como linguagem primitiva; 3s cangdes presentes na inf cia, no folclore, no trabalho, nas reigices, nas festss popu res, na politica e na histtia. Sio estes os diversos caminhos por nés pereorrdos na reflexo sobre aimportineia do cant Inumano. O Canto & a lina de eostura que uni os retalhos desta cola de assuntos, Alguns pontos mereceram um espa ‘90 maior, decorrente da importincia que acreditamos terem ‘olerapia: uma pequena hist6ria do canto, os anges infants, as ceangdes folelicas, a8 can {ges carmavalescise os cantos como intervensdo politica, fo Fam assuntos mais deseavolvidos, "No campo da Mosicoterapia, também encontramos alguns caminhos que earacterizam o trabalho singular de cada terapeuta, Independe da fina tedriea de eada um, a perspect va de que o Canto & um elemento terapéutico de grande Valor eoncepgio comm todos. Finalmente, reffetindo sobre noss experigneia clinica, propomos algunas fungdes terapeuticas so canto D=: primeira passos de nossas aividades clinieas, PrIMEIRA PARTE O CANTAR HUMANO © HOMEM COMO CRIADOR “A arte émecessiria ‘para que o homem se tore caps de conkecere mudar 0 mundo Mas arte tambim &necessiria fem virtde da magia ‘que Ihe é inerente.” Eynest Fischer ‘© inicio era o c40s eo som, Um mundo ineSgnito inte _zava 0 homem, monido dos sentidos e da inteligénca, Partido da percepeio descontinus, © homem comeyou 4 ctr ordenagdes, mitologias« russ, que aplacassem um pouco a sua incompreensio e desproteyo frente & natureza que orao acalentava, rao aterrorizava, Criando seus simbo- los, pOde expressar valores e intezpretar a retlidade Vivida. O universofisico e simibélico jf inerente a nés genha nova di ‘mensio, € como seres humanes, tornamo-nos animals um tan (omais sofisticados Na mitologia grega, Prometew rouba o fogo dos deuses para di-lo aos mortals, da originando a eiviizagio e 0 ato criador. Pudemos, assim, tansformar a matéia,o aimento, © pensamento, o sentimento, a cultura. Na mitologia judai- co-ctisti, Adio © Eva provam o fruto da drvore do Bem edo Mal, do conhecimento, desencadeando a aurora da conser. ia humana. A linguagem, o mito, «arte, a rligifo, esto 4 Erneceo ewan presentes em todas as clturas hnmanas de fods os tempos. Isso permite o intercimbio e registro de experiéneias, a ‘expresso de sentimentos, deslizamento ea complexiticag0 da coltur contador no escolhe 0 seu cantar tanta © mundo que v8 {0 Cantador —Dory Cayman e Nelson Motta) ‘mew exminho pelo mundo fu memo trapo ‘a Bahia ja me dew régua e compasso {Aquele Abraco — Gilberto Gi) 0 ato criador € um ato de ruptura, de mergutho no ca0s em busca de um forma, Criar 6 um at individual e coletivo. Diz-nos Helio Pellegrino que o artisa sonha de novo o sew sonho, quando o exprime ¢, assim, consegue iransformd-lo ‘em canto geral (..) Arte & sonho compartithado, comunica- do, dialégico.! ‘O coletivo gesta a idéia eo artista partea a obra. A cultura «405 referencias, os istrumentos materiaise imbélicos que 6 artista uliliza para eriar seu camino © orientar 0 ness. “Movimento dialético de mtua infuéncia. Segundo Freud, ‘umente grap & capac depen evitivo no campo da intel iinet, come & demenstrado,acima de tuto, pela prépria 1 como pelo foltor,pelascangBes pope is semellntes. Permanece questzo abera, Tingnagen. bo "Paria, 1968, p52 Orr coo eancon 5 até dso, saber 0 quanto 0 pensador ono escrito indi dualmente,devem ao estinulo do grupo em que vvem,e se eles nao fazem mais do que aperfeioar um trabalho mental em que o& outro vera pate sinatinea® Por sua vez Jung, estudando os arquétipos e oinconsciemte coletvo, fala da dindmiea dessas forgas influindo de maneit \ecisiva em todos os movimentos inconssientes da hurmanida- Ae, principalmente na eriatividade humana.? um lamento, um canto mais puro ‘que me iamina a casa escura E minha orga, é nossa energie que vem de longe para nos fazer companhia (Maga — Milton Nascimento Fernando Brant) mas se eu tro do lament ‘our vida vai nascer (Outubro — Milton Nascimento e Femando Brant) Segundo Mirio de Andrade, os elementos formas da m= sea, 0 Som e © Ritmo, so to velhos como o homem, por ‘starem presentes nele mesmo, nos movimentos do corago, ho simples ato de resprar, no caminhar, nas mos que pereu- {em ena voz que produz 0 soni. Quando o homem se percebe ‘como um insttumento, como um corpo sonora, ¢ descobre que estes sons podem ser organizados, nasce a misica, Comega, ele, entio, a manej-los, ombini-los, convertendo-os em ma- \cria nova, em um fantistico veieula expressive. | *eeud 1960192, p06 6 Erma cv o compositor me disse (qe eu cantasse dsraidamente esta cangao aque en cantasse como se 0 veto soprasse pela boca vindo do pulmo fe queen fens w lado pra excatar {venta jorrando as paras pelo ar (0 compositor me disse — Gilbert Gil) de compor una cancdo ra mim fo to devespeadamente necesrio (Woite de Hotel — Castano Veloso) ‘Darwin relacionava as principals FangSes da misica nas so- ciedades primitivas, a eelobragdes rtuas de sexo e fertiida- {de O canto seria um dos atrativos com vistas ao acasalameato, ‘fala sugiia mais tarde, como um desenvolvimento da “ine ‘guagem sexual", aplicads i comunicago entre as pessoas. Garcia-Roza, ein seu livo “Palavrae Verdade”, investiga a corigem da palavra, Recorre a Niewsche, que aribu a oigem da poesia os eantos magico ereligiesos, que teriam por objetivo; consiranger tanto ira dos denses, como das homens, “am0- Jecendo-os" pela cadéneia do cant. A palavra eantada tinha.um carter rival, o que a distinguia da palava esr. 'As opnides sobre a origem do canto, podem ser polémicas, as vezes até divergentes. Mas, seja pata exorcizar temores, ‘como linguagem sexual, ou como parte dos sts litérgicos, 0 fato é que, dese muito cedo, a organizagio humana se wiliza dlo cao, da expresso vocal, criando novos universos € ex- pandindo sua comonicag. A IMPORTANCIA DO CANTAR eu preparo uma congo em que minha mie se reconbega odor ar mes se recomhecam que fale come doe otha) ‘eu prepare uma cao «qe Joga acondar os homens ‘eadormecer as criangas (Congo Amiga — Carlas Drunwond de Andre « Mion Nascimento) ‘manidade como um todo, quando nascemos ¢ nos lan- ‘amos 2 aventura de exist. A ontogénese repete afi enese. Helio Pellegrino dizia que o ser humano é o ser para 0 qual 0 mundo, tal como extd, nda basta’. Somos a Tinie espécie que nasce prematura, recortada do Cosmo, So nos um corte, para cujo preenchimento no temos equi ios instntives. Viversos, assim, um experiéncia de sda insuficigneia biol6gico-ontoldgica, Nos vemos mer- rrlhados em vertiginosas e explosivas excitagdes internas & lextemas, sem condigdes de decifri-as, Temos uma percep- ‘in descontinua do Muxo de estimlos e vivemos erivades T ‘dos nés atravessumos um carninho similar ao da hu e Eneces can de angistia nesta Fragmentadainiciagdo vital. Expressamos 10 desconforto,dilatando os pulmdes e chorando: nosso pri- ‘O alimento nos chega ¢ experienciamos o primeiro gozo, {que faz da boea a primeira zona er6gena. O enlace amoreso tne/bebé 6 0 chio que vai permit o desenvolvimento emo~ ‘onal, 6 “holding” que resgata, povisoriamente, a unidade ‘tering E pelo prinelpio de prazer que vivemos nossa pre~ maturidade cultural. Deparamos comt um oceano sonoro: ru- fos, siléncios, sons vocais, melodias da linguagem, seqién- cia sftmicas, variagbes temsticas,tensDes © espessuras 50- horas, pausas ¢ intervals, Estamos no meio de um movi mento sinfOnico e, Bos poucos, aprendemos a interagir com ‘le. Balbuciamos, brineamos com silabas, choramos por ne- cessidades ou artificios. & pela mifsica que comegamos decifrar 0 mundo. ‘Conforme se observa, se & verdade que temos que nos deparar com todas as perplexidades relativas 3 evolugao hu- mana, também & certo que dispomos de um vasto potencial para o enfrentamento dessus perplexidades. Aqui, 0 raclo- hal ¢ 0 irracional se unem ¢ se completam, © desse casa: fnento surge de maneira exuberante, uma nova maneira de texpressar orto e a musica, j existente, por exemplo, nos péssaros por isso uma forca me leva a cantar por isso esa forga extranha Dor isso que en canto. ndo pose parar porto essa vo: aman (Force Evtranha— Caetano Veloso) José Miguel Wisnik nos instiga @ pensar mais profunda- mente na presen da misica em nossos primi: ‘Quando erianga ainda no aprendew afelar mas jd perce ‘ev que alinguagem significa, a vor da mde, com suas mel dias seus toques, & pura misica, ov &aquilo que depois ‘ontinuaremos para sempre a our na msc: ua ing sem onde se percebe o horizone de ume sentido que no en ‘unto ndo se disrimina em siqnosiolados, mas gue 36 se Inui como ma globalidade em perpétuo recuo,no-verbl, Intradusivel, mas, sua manera, transparente A musica vi Vida enguanto habit, tenda que queremos amar ow redoma ‘em que preciso far canta ee surdina ou com esridéncla ‘yor da mde, envelope sonoro que fi uma ve: (por todas) limprescindivel para a erianca que se constitu como algo paras, coma “self Exist um fendmeno intriganteconhecide por Cangso de Ur, home dado a'um tipo fundamental de melodia, cantada por criangas em todo o mundo, independente da cultura aque per- tencem, De dezoito meses dois anos e meio de idade, a8 ct ancascantum espontancamente fragmentos mel6dieos com tervalos de segunda, terga menor e erga maior. Até os ts anos, passam a incluirintevalos de quarta e de quint, © 8 partie daf, comesam a ser influenciadas pelo estilo musical particular da prépria cultura. Segundo Leonard Bernstein, a Cangio de Ur seria um padedo arquetipico®. Este fenomeno parece representa um importante elemento no processo psi- colégico de desenvolvimento, demonstrando uma possivel ‘elagdo entre ox processos mentais eo fluxo natural da cons- cigneia tonal Tame, 1984, p. 251, 10 Erncces eae Cantar mover o dom do fund de 0a pao sedicir tas pedras,eatedrais,coragdo (Seducir-~ Djavan) yor dealguém (quando vem do coragto de quem det toda beleca de matures ‘onde nao hi pecado nen penldo (Alguém Cantando — Cavtano Veloso) Asserlas,encantando fatalmente os aventureiros do mar, sig entidades miticas com corpo de mulher ¢rabo de peixe, ‘que t2m no cant sew maior pode. Dizem a lendas que aquele ‘que ouve sev canto, é de tal forma seduzido, que se ¥8 con- ddenado a morrer ni mar procarando encontri-la. Da mesma forma fara, a me-"égus,atrasta os Indios para 0 funda dos rose lagos, com sua beleza seu eanto mavioso O canto tomo sedugio, como feitigo fata, nos fala de uma de suas facetas. Podemos fazer uma analogia destesmitos com aim gem que obebé tem, quando étomado nos bragos pela mie © tembalado por um acalanto, fazendo com que se entregue & teste encinlamento, a este arrebatamento, até mergulhar no mundo dos sonhos, “morrendo” temporariamente de seu es- tado de vigflia, Sobre aclantos, voltaremos a falar en outro ‘Os hindus dos tempos antigosafirmavam que o canto era a primeira arte! Arte primeira, expresso primitiva onto & Pan, 1978 filogenética, Do choro ao canto cultural, uma Tonga estrada sonora. Cantando, criamos ordenages no espagaitempa, pro- Jetamo-nos combinando nota, expressamos o que sentiniss e 1 que sabemos sobre 0 sentimento humana. Nossos sono, utopias € desventura, sio compartithados. Através do canto, resgatamos a unidade,o teritrio analdgico, a inensidade do viver. Criando 0 nosso canto, interFerimos na “sinfonia”,ex- pressando nossa experincia eespethando 0 mundo. AtE que Ponto o nosso futuro cantar nos vai remeter esta intensidade, sexta prevalncia do prazer? Nao serio canto, em muitas de suas manifestagdes, ume forma de resgate da unidade imagi- nisi erecostura aa Cosmo? PEQUENA HISTORIA DO CANTO sejam falas como ex serdo bonitas, nao importa so bonitas as cangies ‘mesmo miserveis ox poctas ‘a seus versas sero bons, (Choro Bando — Chico Buarque ¢ Edu Lobo) exe os Tonginquos tempos da pré-histéria, © homem fo desenvolvendo a comunicagio com seus semelhan- tes através da mimica eda fala tendo na vor o pit ro instrumento capaz de emitir sons, Mario de Andrade nos fala da relago do homem primitivo com os sons produzidos pelo dtgHo vocal, que se distinguem em sons orais ¢ sons 0s sons ovaiseriaraye as palavra convencionas das lin _guagens que a ineigenciacompreendisinediatamente, Os ‘tos musics eriaram as melodia rimicas que o corpa com: preendia inedltamente Embora respeitemos 0 valor didético dessa opinifo, ere= ‘mos difel 0 estabelecimento de ur limite rigido entre as oni ioe 13, ‘gens da mimica da fala, da rnsien © da poesia. Quer nos parecer que o homem pode ter wnidoinstintivamente mesica & palavra, prazere intlecto, integrando 0s sons vocals. rova- ‘velmente & a partir daf que o canto se faz presente nas mas cliversascultaras, sua fun social tem se transformado junto ‘com a historia 3.1. Do Periooo Prmirivo aos ‘Tepos po BARROCO. todo dia 2 sol leva ‘a0 sa de todo dia (Canto do pore de algun lugar — Caetano Veloso) ‘A misica dos primitives se caracterizaria pela repetigio ‘em unssono, geralmente coral, de motivosrimico-melédices Raramente apareceriam pequenas plifonias, com movinmea= tos paralelos de quarta ede quinta, no que Mii de Andrade cama de intuigda instintiva dos sons harmdnicos." Para Con- vig Rezende, estes rudimentos de polifonia vio aparceer ro fim da Tdade Média"®.\ Na antigiidude ocorte o descobrimento da msi. As civilizagies desenvolvem a Arte Musical: uma eriagdo social com fungio estéica, dotada de elementos fixos, for- mas regres — uma téenica,enfim' Sabemos da presenga {do cantornas mais antigas civilizagdes. Os sumérios os caldeus tia, D8 Rigs, 1957, p. 2. Peguero bo caro s € 08 assrios, hi uns seis mil anos, na Mesopotinia, ja pos sam um método de letura musical ese utlizavam de inst 'mentos para acompanhar seus cinticos. Na Grécia surgiram cantores ambulantes, os Rapsodos, que se acompanhavam na lira de quato cordas, dando origem a0 Lirismo, unio de poemas. melodias e danga. No Lirismo Co- ‘a, Ditieambo, celebravam as aventuas de Dionsio, protetor da Arto Sonora. Originam-se dat, a Tragéia e a Comédia, Os cantos usados no Teatro Grego ou fora dele, eram sempre ondicos. Segundo a Biblia, Moisés, ap6s cruzar o Mar Vermelho com os hebreus, reuniu-os para entoar um clntico de agra- ‘decimento a Devs, onde cada frase musical era respondida pelos demas. Isto. mais tarde, ficou conhecido como "Can- 'o Antiféaica”, Com 0 inicio do Cristianismo, hoave wma ‘grande mudanga na musica. Nao obstante a “mensagem ds ressurteigio, que por si s6 seria um cintico de alegtia, 0 que de fato marcou os primeiros tempos da cristandade foi 8 cruz, 0 sacrificio’ Assim, a trdgiea morte de Cristo fez com que as ceriménias religiosastrocassem o ritmo ea sen: salidade musical, por um tom nostigicoe solene. A cons- iencia, que até entio era mais coletiva, comega a ser subs- tituida por uma consciéncia individval, A mésiea mais ritmada, que coletivizava Facilmente 0s seres com suas dinamogenias muito forts, & substtufda pelos eantos me liosos. Recorreu-seentio aos cnticos hebraicos, retrando ‘6s instrumentos acompankantes ¢ o eromatismo “sensual” ‘A misica adquiria uma forma exclusivamente vocal € monédica, Durante a Idade Média, o canto coral ganha impulso. No séeulo VI, 0 Papa Gregorio Magno desenvolve 0 que ficou cconhecide como "Canto Gregorian ‘os figis cantam em unfssono estebilhos voeais, de Forma 6 Ensen cua ‘monddica, Com 0 desenvolvimento das escolas de canto co- ral, surgem o contracanto de quartas ou quintas paralelas, e 4 polifonia, que é a combinagia de vérias melodias simul- tineas. Nos primeitos dez séculos, predominou a musica religiosa sem acompanhamento instrumental. A voz huma- 1a foo instrumento soberano e nesse longo perfodo a pals vra miisiea pouco mais era do que sindnimo de canto, A superagio da ineuridade do Canto Gregoriano e da modes- tu polifonia ctista, abre espago para a evolugio da misica ‘rofana vocal e instrumental, Surgem o “Conducta” (canto ‘88s vores, com ritmo e texto diferentes) e 0 "CAnone” (a mestna melodia, repetia por todas as vozes, cada uma “ata ‘cando” por sua vez). Palestrina, s6 com recursos da voz. humana, eriov obras sublimes que tornaran-se modelo para ‘as composigdes sucras. A misieae a palavra— & capela— formavam um todo perfeito, numa simplicidade crstaina e ‘majestosa, levando a poifonia catdica ao seu apogeu. Vale nolar que © desenvolvimento da polifonia coincide com a cevolugio da liberdade de expresso do pensamento, ou seja, do dislogo. © longo perfodo de poder supremo da Tarja, com seus bu- sos. distorgdes, comega ser superado a partido século XVI, como descontentamento popular & uma grande crise interna Surge a Reforma e, com ela, uma cosrente musical propria que cculiminou no Coral Protestant, onde os motives musicais po- pulares foram amplamente utilizados. Sone gue eu eraum di um trovador dor velhos tempos que no voltam mals ‘antava asim a toda hora ‘ar mci lindas mods. (0 Trovador — Jair Amorim e Bvaldo Gouveia) rou srons 20 ” deixa cantar de novo bo trovader A merenedra as da tua toda cangdo do mew amor. (quarela do Brasil Ary Barroso) ava, desde ha muito, na Europa Continental, uma espé- vie de cantadores estraderos. Bram os Histides, tocadores de istumentos populares. José Ramos Tiahorio nos diz que a partir da Idade Média 0 Canto Coral se refugia nas igrejas, ‘enquamto os vthos cantos coltivas de eardter profano cami- havaim para a Cant, em processo de eriagdo por jograis, Imenestréis etrovadores, desde o século XI ‘A Cangio, desenvolvida e aprimorada no século XVI, ‘crt um tipo de misiea erudita, de inspirago popular, asso ciando poesia © canto. A “Chanson francesa baseava-se no lirismo grego e nos eantores trovadorescos. Na Itilia, as anges foram denominadas “Madrigais” e eram compos- tus de varias vozes, Na Alemanha,o “Lied” era uma cangio pra piano e canto, sendo escolhidos textos dos mais con- sagrados poeta. ‘As transformagdes s6cio-econdmicas da Europa, deram, corigem a burguesia mercanilista e, com ela a figura do que investe em arte e no artista. O aparecimento «da harmonia, que abriv espayo para a misica barroca, ¢ 3 retomada do" rego mela gio), antecessor da pera. O Barroco cxion um efeito decorative, enfeitador da expressia stistca. Os cantadores passam a rebuscar as melodias com vocalizagbes, trinados eimpostagdes voeais diversas. A 6pe- "S197, p38, 18 Ermer canon ‘de origem italiana, difunde-se pela Europa, através de seus grandes compositorese cantores, eternizando esse estilo de ‘cantar, em espeticulos draméticos ou eémicos. Do canto primitivo a0 barroco, o canto ocidental desenvolyeu-se te- rica teenicamente, chegando a um nivel altissimo de so- fisticagao. 3.2. Cotonizacho: © ENCONTRO bas ETRIAS As sevas te deram na note seus vtmos barbaros os negros rouseram de longe resersas de pranto cas brancosfalaram de armor ‘m-suas cangdes ‘dessa mistura de voces (Canta Brast — David Naser e Aeyr Pres Vermelho) [A partir do final do século XY, 0 Vetho Mundo ganharia os ‘mares, “descobrindo” novas terra, acreditando serem “Edens perdidos” prontos para serem ocupados ¢ exploraos, passan- 4o, assim, a terem diteito a partcipar do “Mundo Civilizad Grandes expedigaes levaram os aes do Renascimento para 0 Novo Mundo. © movimento expansionista europe, a0 che- gar is Américas, encontra populagdes indigenas com ses va lores muito singulares seus ritmos berbaros £0 processo de colonizagéo do Brasil iniciad pelos padres Jesuits, teve como arma mais poderosa a atragio de seus hi nose canios, tomando possivel a obra de eatequese dos ind _genas. Bstes hinos eram aprendidos eentoads pelos indios, © ‘se contrapunham aos seus cantos e danas de carter migico. ‘A ceagio 3 colonizago se deu quando 6 trabalho organizado Pro wero 20 caro 0 na lavoura foi exigido, pois os indios no compreendian & Jorma de divisie e os moldes comerciais do trabalho." Rubras cascates jorravam des costas das santos ‘one canose chibats inundando 0 cova do pessoal do porda ‘que a exenplo do fetccims (Mestre-Sala dos Mares — Aldi Blanc ¢ Jno Bosco} ‘Ao arrastarem da Africa enormes contingentes de povos, sem perceber, os europeus estavam abrindo espago para maior revolugao da histria da msica ocidenta, que explodi- ria alguns séculos mais tarde. O europeu reencontrava asim, © canto primtivo, natural eespontineo, com enorme Varied le de emissdes vocas, das Américas eda Attica. Mas sa Ot «veinocéntica de dominador enxergava apenas uma manifes- ligto exdtica e atrasada culturalmente. Ji © negro © 0 dio, amo tempo, tiveram acesso ao conhecimento musical dese volvido e acumulado pelo branco,enriquecendo seus batugues, seus cantos “bisbaros e migicns No Brasil. a troea de informagoes cultrais ent as vias “nagies" de negras e os heterogéneas grupos da Peninsula Istiea, portugueses em maior nimero e espanéis, precisava ve tempo para se efetivar.& Igreja Catliea eve um papel mportante neste intercimbio, criando varias oportunidudes pura um relativamente vee exercicia das eriagdes eulturais ‘lo negro, transformando as procisses em um verdadeiro tea- tno ambalante. Podemos encontrar ainda hoje, um grande nd nero de fests easlico-pagas no calendiro foleléric. Como CE Tinto, 1972 2» meas cman ‘exemplo, podemos citar os Reisados, a Festa do Divino Espi- Fito Santa e a Lavagem do Bontim, A piesa é snore Desde que o sna & mba €assin A ligrina clara sobre a pee escura A noite, cha gue cali fora Solidao apavora Td demorando em se 0 rim Mas alguna cova acomece ‘No quando agora om mioe CCntondo en owando a tristan embora (Desde que o samba é samba — Caetano Veloso) © canto vigoroso ou chorado, 2 danga e os rituais religion ‘0s, significaram. para muitos negros, a sobrevivéncia ao ban- 20, a0 t6dlo, Seus descendents, negros e mestigos filhos de cescravos, passaramn a assimilar 0s hibitos musicais dos bean 0s, criando isicas ¢ estilos musicais que marearam uma roptura generalizada em relagio & musica européia que impe- ou até 0 século XIX, ‘A artculagio lund-maxixe-samba, a partir do final do sé «elo passa, € comentada por Muniz Sodré" como rudimen- todo processo de sintese urbana das diversas expresses mu- sicais a formagio social brasileira. Em contraposigdo a mis- a operistica, valsas e modinhas da elt, o batuque e suas de- rivagdes tomaram progressivamente as ruas, em estas popu- lares ao ar livee. O jazz e 0 blues, nascidos nos campos de algodio, as margens do Rio Mississipi foram o dessa emi tido pelo negro para suport a dureza do trabalho © 9 exlio otgado em que vivia. O blues & truto do easamento do grito eseravo com a harmonia européi, Fee 0, ‘Um dos aspectos mais interessantes dessa unio, foo es- surgimento da voz natural, do espontineo e da variedade das temissDes voeais. Outro aspecto interessante da unito, 6 a ntegragdo compo-misica a interdependéncia da musica com a dlanga, a ginga, 0 requebrado, 0 swing, o ritmo sensual, Sao rites 6s frutos que hoje podemos colher, originérios dessa ‘ui, Os cantos indfgenas espantis deram origem as ean- bes da América Latina: samba, chacareta, milonga, cancién, tre outas, 3.3. Os Canrones & Canronas bo RADI [és somos ox cantoes do rio levamas a vide a cantar de noite emblem teu sono dle mana nds vamos te acordar. (Cantores do Radio ~ Lamartine Bab, ota de Barr & Alberto Roberti) ‘0 surgimento do ridio, nos anos vinte, propiciow, prinei- pralmente na década de trinta, o aparecimento dos intéxpre- tes, Com eles, modificase 0 fazer musical, essurge o Ro- nants eurepen eé retomada a misca receptva, para usar oy aexpressio de Roland Barthes! Esta em contraposi 1 misiew muscular, realizada e vivida pelo pov, era apenas ‘executada por um grupo de “luminados". Daf por diane, a «les eompetita “interpretar” os sentimentos da “massa”, Essa realidad é, na époce, bem caracterizada pelo nivel de segun- lo plano a que eram reduzidos 0s compositores. Aparecesse, por exempfo, uma valsa de sucesso cantada por Orlando Sil ‘va, Silvio Caldas ou Carlos Galhardo, ¢ ninguém guardaria eas, 990 2 rea can ls nomes dos autores dessas musica, Eas eram apenas men

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