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DO! 10.14383/0UV.v15n282018-47543 O uso da manipulagaéo motivica como recurso composicional: analise da obra “Miniaturas Salmaticas RAFAEL MILHOMEM SILVA msce Mestrado, em andamento, na Universidade Federal de Uberlandia - Linha 1: processos analiticos, criatives, interpretativos e historiogréficos em musica (PPGMU). Espacializagio em Ed. infantil pela ESA. Bacharelacio em miisica/ violao na Universidade Federal de Gois, Dasenvolve pesquisa em tomo do tema “Cavaquinho Polifénico’. Atua como professor, compositor, arranjacor e instrumentista (violdo, guitarra, cavaquinho e flauta doce). & integrante do Barok-Projekto e do Quartsto Goyazes. ORCID: htips://orcid orgj0000-0002- 1030-8791 Aigo: Universidade Federal de Uberiangia (UFU) Lattes: http:/lattes.cnpq.br/1077908236751305 ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 jm RESUMO Este artigo apresenta uma reflexéo sobre 0 conceito formas de manipulacao moti- via 8 sua aplicagao no processo composicional, o que reforga os aspectos artesa- nais do ato de compor través de uma anélise motivica da obra Miniaturas Salméticas para violao solo, 0 compositor Rafael Milhomem demonstra como ocorre © desenvolvimento composicional através da manipulagao motivica e como 0 uso deste procedimento pode gerar economia de material temético, coeréncia, légica, compreensibilidade e fluncia do discurso musical ll PALAVRAS-CHAVE Composicao Musical, Violao solo, Manipulagéo motivica, Variagoes melédicas, De- senvolvimento musical ™ ABSTRACT This atticle presents a reflection on the concept and forms of motive manipulation and its application in the compositional process, which reinforces the handcrafted aspects of composing. Through a motive analysis of the work “Miniaturas Salméti- as" for solo guitar, the composer Rafael Milhomem demonstrates how compositio- nal development occurs through motive manipulation and how the use of this procedure can generate thematic material economy, coherence, logic, comprehen- sibility and fluency of musical discourse. ™ KEYWORDS Musical composition, Solo guitar, motivic manipulation, Melodic variations, Musical development, ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 seo m ms70 Desenvolvimento motivico O presente artigo versa sobre o desenvolvimento motivico cantido na obra Miniaturas Saiméticas composta pelo presente autor, Almejo com este trabalho de- monstrar meus procedimentos composicionais por meio da manipulac&o motivica e dessa forma contribuir nao apenas para a literatura violonistica, mas também para rea de anélise musical, composigao e pesquisa em misica de um modo geral Provavelmente quando tentamos exemplificar musicalmente um motivo, a primeira opgao que nos vem & ments seja o célebre padrao de trés colcheias © uma minima contido na 5# Sinfonia de Beethoven. O compositor trabalha este motivo du- rante todo o primeiro movimento, dessa forma ele consegue economizar material musical » conferir unidade a obra. Figura 1. Motivo ritmico-melédico da 58 Sinfonia de Beethoven, Segundo Bert Ligon (2001, p. 318) “Um motivo é uma ideia musical curta ou tema para desenvolvimento ¢ pode ser criado ou derivado do material melédico es- crito” (tradugao nossa)’. Para Amold Schoenberg (2012, p.35) ‘até mesmo a escrita de frases simples envolve a invengao € 0 uso de motivos, mesmo gue, talvez, in- conscientemente”. Para o autor o motivo pode ser facilmente identificado pois apa- rece de forma “marcante" no inicio de uma peca. Carlos Almada (2000, p. 251) fala gue a “personalidade” do motivo "pode ser estabelecida tanto pslo seu contorno melédico, quanto por seu ritmo ou combinagao de ambos ‘Além de conferir unidacie, se o motivo for usado de maneira consciente, este ira produzir coeréncia, légica, compreensibilidade e fluéncia do discurso. Mas néo & 420 simples como parece, pois 0 efeito esperado vai depender da forma como o motivo for tratado & desenvolvido. Em outras palavras, ira depender da habilidade do compositor em criar manipular o material motivico. Para isso existem ferramen- tas. Alguns autores as chamam de transformagdes melédicas (ALMADA, 2000), re- petigdes iterais ou modificadas (SCHOENBERG, 2012), manipulacao motivica, dispositivos melédicos (PEASE, 2019), variagoes ritmicas (LAWN e HELLMER, 1993) ou desenvolvimento motivico (LIGON, 2001). Neste artigo adotarei o termo manipu- lagao motivica por este invocar a ideia de “pér a mao na massa”, encarando 0 fazer musical como um ato artesanal. Porém em determinados momentos poderei usar os demais termos supracitados, Basicamente, a forma de trabalhar o motivo é a repe- tigdo, que pode ser apenas ritmica, alterando somente as notas: por notas, alteran- TRiEINE (or moti isa short musica! ides or theme for development and may be newly invented or derived rom the writen mefodte mataria”. (No orginal) ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 do © ritmo ou melédica, quando repete-se iteralmente as notas e o ritmo. Para Ted Pease (2013, p.18) “um dos dispositives melédicos mais dbvios 6 a repeti¢ao mot vica” (tradugao nossa)? O simples fato de repetirmos a frase inteira, mudando ou nao a harmonia, jA confere um grau de desenvolvimento melédico. Para 0 autor es- sa pratica de repeticéo melédica com alteracao harménica é muito comum em gé- eros como o blues por sxemplo, Segundo Schoenberg (2012, p.S7) ela pode ser “literal, modificada ou desenvolvida”. Ja Richard Lawn e Jeffrey Hellmer (1989, p.72) classificam as variagoes melédicas em: exatas, quando preservamos a mesma rela- co intervalar ou diaténicas, quando fazemos pequenos ajustes cromaticos de mo- do a acomodar a melodia a harmonia. Ligon tem 0 mesmo pensamento de Schoenberg. Segundo Ligon (2001, p.318) 0 motivo deve ser recorrente, deve apa- recer outras vezes no decorrer do discurso musical, caso contrério néo € um motivo. Este mesmo autor nos apresenta uma lista de ferramentas de manipulagao do moti- vo. Sao elas: - Repetigao: o motivo deve recorrer para que seja um motivo’ + Sequéncia: transpor para outras alturas em padrées repetidos: + Fragmentagao: usar apenas uma parte fragmentada do motivo; = Adigao ou interpolagao: & 0 oposto da fragmentagao. Mais material é adi cionado 20 motivo = Ornamentacao ou “embelezamento”®: € uma forma de conseguir variagao através da adicao de nota de passagem pontual ou pequenas oramentacdes, evi- tando que 0 motivo torne-se monétono: ~ Aumentagao’ é tomar 0 motive mais longo através do uso de figuras de maior duracao - Diminuigao: é tornar o motivo mais curto através do uso de figuras de me- nor duracao; - Inversao: 08 intervalos do motivo original sao inverticos. Se a melodia sobe uma terca maior, na inversao ela deverd descer uma terca maior. Em alguns casos a inversao nao precisa ser rigorosa, é permitido ajustar algum intervalo para que o mesmo se adeque a harmonia; = Retrégrado: © motivo é reproduzido com as notas na ordem reversa, de trés para frente. Nao é facilmente reconhecivel a primeira vista ou audigao; + Inversao retrograda: 0 motivo € reproduzido de modo inverso e retrégrado simultaneamente: ‘T7ORBOTihe most obvious melodle devices is simple motte repetition”. (No original 2 +Embolishrent™. (No orignal) ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 oi. ms72 - Deslocamento: pode ser aplicado em ritmos ou notas, Parte das notas do motivo podem ser deslocadas em oitavas, para cima ou para baixo. © motivo pode ser deslocado ritmicamente para diferentes partes da frase, antes ou depois do es- perado ~ Mudlanea de modo: © motivo pode ser ajustado para outros modos; + Iteragao: significa repeticao de notas. Torna um ritmo simples mais ativo através da repeticao de notas Lawn e Hellmer (1998, p.71) enquadra basicamente todos esses dispositi- vos de manipulagao motivica como sendo Variagoes Ritmicas. Para os autores a “variagao ritmica pode fornecer mansiras interessantes de desenvolver uma melo- dia’ Outro ponto a ser salientado 6 0 contorne melédico. Pease (2003, p.26) fala que “o contorno melédico desempenha um papel definitivo na escrita da melodia’ Segundo 0 autor o climax é a nota mais aguda da peca e de modo geral sao estra- tegicamente inseridas para promover maior dramaticidade. Nao é uma regra, mas frequentemente ocorrem nos momentos finais, cerca de dois tercos a trés quartos da pega. Almada (2000, p. 251) esclarece que na maioria dos casos, o climax apa- rece préximo & cadéncia final. Podemos ver na figura 2 uma ilustracao aproximada do contorno melédico e indicagao do climax. Climax Figura 2. Contorno melédico e climax. Miniaturas Salmaticas - A génese. A obra Miniaturas Salméticas foi composta em 2019, fruto da encomenda de algumas pecas que figurassem como pano de undo para declamagoes de sal- mos. O trabalho foi feito, Foram 5 peqiuenas pecas que poderiam ser tocadas de modo ciclico, repetidas vezes, até o término da declamagao, porém percebi que havia muita arte imersa nesse trabalho e que a obra merecia mais do que apenas 0 papel coadjuvante. Entao em 2015 foi langado o album independente “Emanacoes Harméni- as” no qual se encontra a obra em questéo. Em 2018 apés um convite da grava- dora francesa Vinikosmo para lancar um élbum autoral, intitulado “Flugantaj ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 ‘Melodioj", resolv relangar a obra Miniatures Saimaticas, mas como exigéncia da gravadora (especializada em musica em esperanto), os titulos deveriam estar no re- ferido idioma. Por esse motivo essa obra foi traduzida por Tuma Caipira Comélio Pires® e as cinco pecas sao traduzidas por: Turma Calpira Cornélio Pires nr.1 até Tur ima Caipira Comélio Pires nr5. Ambos 0s titulos so encontrados ao pesquisarmos nas plataformas digitais. pega também foi escrita em Si eélio. Com indicagao de andamento “lento” estruturada em trés sessées com um total de 45 compassos. A peca atinge a nota mais aguda, ré, em varios momentos, mas o climax de fato somente é atingido no compasso 43; ‘A quarta peca esta em Sol maior. Com indicacao de andamento “lento e ex- pressivo’, estruturada em trés sessdes com um total de 29 compassos. Assim como a anterior, esta pega passa pela nota mais aguda em varios momentos, porém 0 pice é atingido de fato no ultimo compasso: A quita e Ultima tem a primeira e segunda sessces elaboradas no modo Ré mixolidio e a terceira sesso em Ré maior, com indicagao de andamento moderato, estruturada em trés sessoes com um total de 27 compassos. O climax dessa peca é atingido no compasso 15. ‘Além de intercambiarem os motivos, outro ponto em comum € fato de que o climax dessas pegas, com excegao da miniatura n°5 que esta dentro da margem de dois tergos, ocorre nos momentos finais, dentro da margem de trés quartos. Quadro comparativo - Miniatures Salmaticas Quadro comparative ~Miniaturas Salmaticas Miniatura] Miniatura] Miniatura | Miniatura] Miniatura ww ns ns ws Toualidade7) Mimaior | Sieolo | Sieoko | Solmmior | REMixolidio Modo Re mation ‘Andamento] Lenfoe | S5bpm | Lento) Lentoe | Moderato, expressive expressive Estrutura | Duas sessbes | Ties sessbes | Ties sessbes | Tres sessdes | Trés sessoes ‘Compassos a 27 % w 27 [Climax 1 cy & 29 1 ‘T7TTEdUgHo do esperanto para o portugues = “Melodies voacoras © Miniatura} em esperanto signiica: Miniaturas ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 573 ms74 Andlise da obra Miniatura Salmatica n@1 - https://www.youtube.com/watch?v=swOUg- \Vel2TUBlist=OLAKSuy_ksgJ-kl4UfV7hSUtpAkv/-vtySSRBliBg&index=1 (Link da mu- sica no Youtube) ‘A miniatura n® 1 apresenta no primeiro compasso a frase em estrutura irre- gular com antecedente em 2 compasses e um consequente em 3 compassos. Con- forme podemos visualizar na figura 3, 0 material motivico desta frase ira figurar com algumas adequagdes nos baixos da miniatura n¢2 nos compassos 18 € 19 ¢ tam- bém na miniatura n° 5 com transposigao exata, uma segunda abaixo. Figura 3. Primeiro tema da Miniaturas Salméticas n°t 2 O segundo tema é apresentado nos compassos 6 a 9. O antecedente apa- rece nos compassos 6 8 7 & 0 consequente nos compassos 6 € 9. Este material motivico também sera trabalhado, por transposicao, na miniatura n® 5. Na voz inter- na, compasso 7, 9 ccorre um padrao em nota de passagem em movimento ascen- dente © no compasso11 em movimento descendents. Este material serd aproveitado na miniatura n? 4. O fragmento destacado em quadrado, na figura 3, ‘sera usado por diminui¢ao na miniatura n® 5. Este mesmo fragmento, com as devi- das adequagées, seré usado como material motivico e desenvolvide nas miniaturas n°S @ 4 conforme figura 3. Figura 4, Segundo tema da Miniaturas Salmaticas n°t ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 No compasso 12 é apresentado na voz intema uma escala em movimento descendents, Esta ideia de escala, tanto na forma ascendente quanto descendente, sera evocada nas miniaturas n° 2, 8 © 4 sempre em momentos de transicao entre uma sesso e outra ou para encaminhar para final de pega. Mais uma vez 0 padréo em notas de passagem do compasso 7 é apresentado. Vide figura 5. Figura 8. Voz interna Miniatura Salmatica nee -https://www.youtube.com/wat- ch?v=dn1u7DQelpMalist=OLAKSuy_ksgJ-Kl4Utv7hSUtpAkvi-vtySSReliBg&index=2 (Link da misica no Youtube) Esta miniatura é iniciada com a apresentagao de dois temas que ocorrem simultaneamente nas vozes superior ¢ inferior. O tema da voz superior iré aparecer na terceira sessao desta mesma miniatura, no compasso 18 € na terceira sessao da miniatura n® 4 no compasso 21. No compasso 6 ocorre a ideia do motivo em escala ascendente que funciona como ponte para a préxima frase contida do compasso 7. Jao tema da voz inferior, é transposto uma 128 justa acima, no compasso 7. Vide fi gura 6 Tema da voz superior ‘Tema de voz inferior Motivo em escala ascendente ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 575 a o g°%® 6o — =a ow Onvl - Continuacao do tema da voz superior Figura 6, Apresentagdo dos dois temas da Miniaturas Salméticas nea, Na figura 7 nota-se que na segunda sessdo 0 mesmo tema da voz inferior também é apresentado com transposigao no compasso 12 uma 52 justa acima, com uma mudanga de plano no acompanhamento, sendo empregando aqui uma textura mais densa e dramatica. ms76 Figura 7. Segunda sesso - Tema na voz inferior com transposicéo. ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 A terceira sesso da miniatura n° 2 apresenta na voz superior o primeiro te- ma por diminuigéo. Jé na voz inferior o tema da miniatura n? 1 6 desenvolvido nos baixos, através da adicao ou interpolacao. Mais notas foram acrescentadas ao ma- terial motivico. As notas que configuram o tema sao apresentadas no inicio de cada subdivisao de tempo, como podemos ver na figura 8a. Figura 8a Primeiro tema por diminuigao na voz superior e tema da miniatura n®1 desenvolvi do nos baixos. Comparando as figuras 8a ¢ 8b identifica-se as transformacées ocorridas a partir do tema inicial da miniatura n® 1. As trés primeiras notas sao idénticas (si, I sol), @ quarta nota é diferente (na figura 6a temos um f @ na figura 6b temos um. mi), um claro exemplo de adequagao melédica 8 segue-se da quinta a oltava notas (Si, LA, Sol, LA) também de forma idéntica. Dessa forma configura-se uma transfor magao por adicao ou interpolagao. Figura 8b. Tema da miniatura n?t ~ Notas em destaque. ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 577 ms78 A frase do compasso 18 é repetida uma citava acima no compasso 22, E para encaminhar para o destecho da pega é apresentado novamente 0 motivo em. escala ascendente e descendent, recorrente nessa obra. Vide figura 9 fe Dsarcads Figura 9, Repeticao citava acima Miniatura Salmatica n°3 - https://www. youtube. com/watch?v=9Ra3wkV7IAcBlist=OLAKSuy_ksgu- Kl4Ufv7hSUtpAkyj-vty3SRBIIBg&index=s (Link da missica no Youtube) Esta miniatura esté repleta do material motivico oriundo das escalas diaténi- cas ascendentes e descendentes. Neste caso essas escalas assumem um papel secundério, enquanto 0 material motivico originado na miniatura 1, compasso 11, aqui é desenvolvido de forma bastante detalhada. © motive presente no compasso 1 desta miniatura mantem a mesma confi- guragao ritmica, contomo melédico semelhants, porém difere do motive original pela sua relacdo intervalar. Na figura 10 podemos ver as transformacdes intervalares, a8 quais 0 motivo foi submetido, ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Miniatura n? 1 comp. 11 Miniatura n2 3 compasso 1 2m 2m 2M 21 YY mM 3m 2M Figura 10. Transtormagao intervalar do motivo. O que vemos a seguir, na figura 11, é que além das transformacdes interva- lares, 0 motivo apresentado na linha do baixo, ainda soffe transformacao por ad 40. Note-se que em seguida, no compasso 3 @ 4 0 motivo é desenvolvido na voz superior por transformagao retrégrada ¢ mudanga de oitava. Ainda no compasso 3 08 baixos executam a recorrente escala diaténica em movimento descendent. Movimento retrégrado Motivo Adicao Figura 11. Transtormagao motivica por adigao e movimento retrégrado. motivo inicial é repetido duas oitavas acima no compasso 6 e acompa- nhado por sextas paralelas na voz intermediaria, No segundo tempo do compasso 7 © motivo passa a ser executado no baixo, transposto uma quarta justa acima do motivo inicial, Vide-se figura 12. ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 s7om m530 Figura 12. Motivo reproduzido duas oitavas acima. O motive retrégrado repetido no compasso 9, dessa vez uma citava aci- ma. As vozes intermediaria ¢ grave fazem um movimento obliquo, seguindo simul- taneamente a ideia de escalas ascendentes e descendentes, preparando para a entrada da segunda sessao conforme figura 13. Motivo retrégrado uma oitava a cima. Escalas ascendente e descendente com movimento obliquo. Figura 13. Movimento retrégradio na voz superior e movimento oblique nas vozes inferiores. © motivo da segunda sessao inicia-se com as trés primeiras notas do moti vo inicial, no compasso 12, em seguida, no compasso 13 mantem-se o mesmo rit- mo, porém com uma transformacao livre. No compass 15 0 motivo é apresentado por transposicao exata, uma quarta justa acima. A frase é concluida com uma esca- la em movimento descendente, mas mantendo a mesma ideia ritmica do motivo ini- cial. Vide figura 14 ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Trés primeiras notes do motivo inicial Transformagao livre 3S @®oO Figura 14. Trés primsiras notas do motivo inicial Ainda na segunda sessao 0 motivo & repetido uma 128 justa acima, no compasso 21. No segundo tempo do compasso 22 esse mesmo motivo € tocado uma 8# abaixo @ aparece com o ritmo deslocado um tempo a frente. No compasso 28 0 motivo é apresentado por aumentacao. Seguindo para o compasso 24, no se- gundo tempo o motivo é apresentado por movimento retrogrado © com desloca- mento um tempo @ frente. J& no segundo tempo do compasso 28 0 motivo & executado em harménicos em transformacao inversa @ para finalizar a segunda sesséo 0 mesmo motivo é executade em pizzicato em transformacao inversa retré- grada. Vide figura 15. Motivo transposto Motivo por aumentacao FR fo ; Mofivo 8? abaixo a= Motivo inverso Inverso retrégrado Figura 15. Transtormacao por transposieao, aumentacao; retrégraco, inverso ¢ inverso retré grado. ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 Na terceira sessao 0 mesmo motive aparece na voz superior, agora com va- Tiago ritmica no compasso 36, incrustrado em sextinas. O acompanhamento ¢ feio or um ostinato com as notas si € re. No compasso 89 0 mesmo motivo é repetico na voz inferior, comegando pela nota fa#, uma décima segunda justa abaixo. Para finalizar a peca é apresentacio o motive por movimento retrégraco no compasso 42 Vide figura 16. mse Figura 16. Tema com variagéo ritmica incrustrado em sextinas. Notas do tema em destaque Miniatura Salmatica n24 - https:/;www youtube. com/watch?v=kSA51pzvYXMalist=OLAKSuy_ksgJ- Ki4Ufv7hSUtpAkyj-vty3SRBliBa&index—<4 (Link da misica no Youtube) O tema apresentado na miniatura n®8 no compasso 11 aqui é representado uma quarta justa acima e com alteragao ritmica, sendo as duas primeiras notas de cada compasso alteradas por aumentacao, Na voz intermediéria o padréo em notas de passagem, originario da miniatura n®1, aqui é recorrente. Vide figura 17. ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Figura 17. Tema alterado por aumentagdo nas duas primeiras notas de cada compasso. No compasso 5 a frase inicial da miniatura n° é apresentada por transposi- co, uma décima segunda & cima, ¢ ao mesmo tempo por aumentagéo. No com- asso 7 ocotre uma elisao jé que a Ultima nota desta frase também é a nota inicial da frase seguinte, no mesmo compasso, proveniente da miniatura n%2. Esta frase 6 repetida uma citava acima, com pequenas alteracoes ritmicas e na ultima nota, compasso 9, ao invés da nota subir uma segunda maior, aqui esta nota desce uma segunda menor, conferindo uma vatiacdo diaténica. Vide figura 18. Motivo alterado por Transposigao e aumentacao elisao 22 menor abaixo -— Figura 18 Motivo alteraco por transposigao @ aumentacdo. Na figura 19 a mesma frase do compasso 7 ¢ repetida literalmente no com- asso 11, porém com variacéo timbrica em harménicos. Figura 19. Variago timarica em harménicos ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 seo mised No compasso 15 a frase proveniente da miniatura n°9, recorrente nesta mi niatura n@ 4 no compasso 5, agora aparece com nova alteracao ritmica. No com- asso 16 a frase da miniatura n®°2 aparece fragmentada, apenas as quatro primeiras notas, em seguida o motivo do compasso 1 ¢ apresentado de modo fragmentado, apenas as trés primeitas notas, e por diminui¢ao. Nos baixos do compasso 16 0 te- ma da miniatura n°2 aparece por inversao diaténica. A ultima nota da frase, ao inves de descer uma segunda maior, contratia o sentido de frase inversa e sobe uma se- gunnda maior. No compasso 18 a frase do compasso 1 novamente é repetida, con- tudo as quatro primeiras notas tem o ritmo alterado por diminuigéo. No compasso 19, no tercsiro tempo, a mesma frase que ocorrera no compasso 15 agora é repeti- da com aumentagao e com deslocamento ritmico, j4 que se inicia no tercsiro e nao no primeiro tempo e ainda tem a titima nota, mi, desiocada uma citava abaixo. Vide figura 20 elisio elisdo Figura 20a. Apresentacéo do teria da miniatura n°2 de modo fragmentaco na voz superior @ 1a voz inferior o tema da miniatura n%2 por inversao diaténica. Para faciltar a visuelizacao e para que 0 leitor possa confrontar as imagens, insiro novamente na figura 206 © motive que sofrera transformacao por adicéo na miniatura n2°9 que aqui passa a ser ressignificado na miniatura n°4 no compasso 15. Observe a mesma relagdo intervalar da voz superior da figura 20a e da voz infe- rior da figura 20b. Reapresento também, na figura 20¢, o tema da miniatura n° fi- gurando na voz inferior, para que o leitor confronts com 0 compasso 16 da miniatura n24 na figura 20a, Observe a relacao intervalar espelhada, caracteristica do movi- mento inverso ie ° oy, ih ete o° o- | Ss Figura 206, ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Figura 200. Na figura 21 a frase da voz superior da miniatura n® 2 repetida no com- passo 21 desta miniatura n%4. A frase é apresentada transposta uma quarta justa acima e a ritmica permanece a mesma no antecedents que vai do compasso 21 20 22, contudo o consequente, que vai do compasso 23 ao 24, sofre alteracao por au- mentacao. Encaminhando para o final desta sessao, no compasso 25, ocorre nova- mente 0 padrao em escala ascendente com variagao em sincopes. O fragmento inicial da miniatura n®3 é apresentado com adicao e forma inversa, transposto uma oitava acima no compasso 27, remetendo o interprete ao inicio da pega. 585 ml Antecedente consequente pe bo PR Pp PP Adicio Motivo Figura 21. Frase da miniatura n°2 repetida uma quarta justa acima na miniatura n°4, ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 m536 Miniatura Salmatica n®5_ - https://www.youtube.com/watch?v=IVnBiZJ- rafw&list=OLAKSuy_ksgJ-kl4UtV7hSUtpAkvj-wtySSRBliBg&index=5 (Link da musica no Youtube) © tema da miniatura n°1 & apresentado aqui um tom abaixo e sem a ana- cruse. O acompanhamento ganha o acréscimo das sincopes e toma-se mais denso. © andamento moderato da miniatura n°5 contrasta com o “Lento € expressivo” da miniatura n°t. Vide figura 22a. Antecedente Consequente ‘dy “FF To Figura 22a. Tema da miniatura n®t repetido um tom abaixo na miniatura n®5. - prt & Confronte a figura 22a com a figura 22b observe a relacao intervalar, le- vando em conta que o tema da miniatura n?1 é anacrustico, portanto a primeira nota Mi deve ser suprimida da comparagao. ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Figura 226, No compasso 6 0 tema da miniatura _n® 3 é apresentado por diminuigao. usando sincopes & comecando pela nota Fa#. No quarto tempo deste mesmo compasso a voz inferior apresenta este mesmo tema por deslocamento, mantendo @ mesma ritmica do original porém comegando pela nota Fa#. Ainda no quarto tempo do compasso 6, na voz superior, a nota Si em elisdo, apresenta o tema da voz inferior da miniatura n® 2, de modo fragmentado © com alteracao ritmica. Toda essa parte ocorre em apenas dois compassos e lembra uma espécie de stretto6 devido as entradas truncadas de cada frase. Vide figura 23. Elisio Figura 23, Entradas em forma de stretto, Do compasso 6 20 11 segue a idsia de uma frase por compasso porém 0 baixo movimenta mudando a harménia. No compasso 8 o mesmo tema transposto da miniatura n® 8 6 repetido com alteragao harménica ¢ estruturado como um ante- ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 587 mse cedente. A primeira nota deste tema confere um intervalo de nona maior em relacao @ nota do baixo. Ja 0 consequente aparece no compasso 9 com a quinta nota des- locada uma citava acima e com nova alteragéo harménica. A primeira nota do con- ‘sequente forma um intervalo de sétima maior em relacao ao baixo. No quarto tempo do compasso 9 ocorre por diminuicéo um pequeno motivo jé apresentado na mini- atura n® 1 no compasso 11 da referida peca. No compasso 10 a mesma ideia de antecedente e consequente é repetida, porém com nova alteragao harménica, sen- do a primeira nota uma nona maior em relacao ao baixo, O consequente ocorre no compasso 11 tendo a frase repetida com desiocamento uma oitava acima e a pri- meira nota uma décima primeira aumentada em relacao ao baixo. Vide figura 24 Figura 24. Tema transposto da miniatura n®3 @ repatido com alteragao harménica nos baixos. ‘A segunda sesso comega no compasso 14. Esta frase & proveniente da miniatura n® 1 porém aqui ela é repstida uma segunda maior abaixo, com mucanga harménica e textura mais densa. Note que a ideia de escala ascendente recorrente em toda a obra mais uma vez & evocada para finalizar uma sessao. Vide figura 25, ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 rit Figura 25. Tema proveniente da miniatura n°trepetida uma segunda maior abaixo. Conclusées A pratica da manipulagéo motica 6 um valioso recurso para o desenvolvi- mento meiédico e quebra de monotonia. € bastante usada na misica serial, porém nao fica restrito a ela, 6 um recurso usado por varios compositores em varios perio- dos do barroco ao contemporaneo e até mesmo em génefos musicais diversos co- mo o jazz ¢ blues O recurso da variacdo melédica é uma ferramenta poderosa a ser usada na composi¢ao musical. Teoricamente a manipulagao motivica 6 simples de se aplicar, mas na prética depende muito da escolha do motivo e da habilidade em manipulé- lo. Lawn e Helmer (1993, p.71) falam que “se uma melodia é forte, hé uma exeelen- te chance de que ela também seja eficaz se explorada por movimento inverso, re- trégrado e retrégrado inverso”. Para descobrir se 0 motivo é “forte” é interessante testé-lo em varias espécies de variagdes antes de prosseguir com a composicao. E importante tocar o motivo citava acima e abaixo; tocar o motivo na forma inversa, retrégrada @ retrégrada inversa, Muitas vezes a resultante de uma variacao inversa ou retrégrada nem sempre soa bem, principalmente se a variagao for exata (man- tendo a mesma relacao intervalar do motive original) © que pode gerar tensdes in- desejadas. Enfim, deve-se experimentar 0 motivo em todas as variagdes possiveis de modo a averiguar seu potencial melédico; fazer fluir a ideia musical, corroboran- do no desenvolvimento da obra. Com o material motivico das miniaturas n°t e 2, foram desenvolvidas as ou- tras 8 miniaturas. Os motives foram submetides as variagoes melédicas, intercam- biados entre as pecas ¢ tratado de modo a gerar unidade. Tals varices melédicas podem ser aplicadas nao apenas nos temas principals mas também pode-se apro- veitar o material tematico proveniente dos contracantos. O motive que aparece em uma determinada peca é modificado para ser usado mais adiante na mesma peca ou em cutra. Muitas vezes 0 desenvolvimento motivico pode gerar tamanha trans- formacao a ponto de beirar o irreconhecivel, principalmente quando empregamos dois motivos distintos, simultaneament Todas as miniaturas apresentam o climax nos momentos finals de cada pe- Ga, estando este dentro do padrao de dois tergos ou trés quartos mencionado por ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 seo m m590 Pease (2013). Foi observado que o padrao de escalas ascendentes ou descendentes é re- patido em momentos estratégicos, sempre em momentos de transicao entre uma sessao € outra ou simplesmente para encaminhar para o final da pega. Por fim conclu que de fato a manipulacao motivica 6 uma valiosa ferra- menta para a economia de ideias e material motivico e além conferir unidade e coe réncia A obra de modo satisfatério ainda pode implicar em economia no tempo de conclusao da mesma visto que gasta-se menos tempo no processo de elaboracao de novas melodias. REFERENCIAS ALMADA, Carlos. Arranjo, Campinas: Editora da Unicamp, 2000. LAWN, Richard J. / HELLER, Jeffrey L. Jazz Theory and Practice. Los Angeles: Alred Publishing Co. Ine, 1908, LIGON, Bert. daze Theory Resources: Tonal, harmonic, melodic and rhytmic organization ot jazz — vols. 1 2. Houston: Houston publishing, 2001 PEASE. Ted. Jaze Composition: theory and practioe. Boston: Berklee Press, 2013, SADIE, Stanloy & LATHAM, Alison. Diclondrlo grove de misica: odigao concisa. Rio de Jansiro, Jorge Zahar Editor, 1998 SCHOENBERG, Amold, Fundamentos da composigae musical { Amold Schosnberg: tradugio de Eduardo Sainoman, 28 ed. 28 raimpr. S40 Paulo: Edusp, 2012. Recebido em 08/05/2019 - Aprovade em 01/09/2019 Como citar: Soares, V. H. L. de A.; Matsumoto, R. K. (2019). Afronte como verbo: escrevivencias do ser ator negro em performatividade. OuvirOUver, 15(2), 568-598. https://doi.org/10.14899/OUV-v15n282019-47543 OIG] “evs outrourer ets eenciaca com uma Licenga Creative ‘Commons Atribuig&o-NaoComercial 4.0 Internacional. ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Anexo som Miniaturas Salmaticas Para violao solo Rafael Milhomem ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 ralao Aba, 2013 I - Miniaturas Salmaticas Rafael Mhomem Lente exressvo Viotio tempo 4 msez yr r eps Rata Mma Se Repair ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Catal, abi de 2013, II-Miniaturas Salmaticas Rafael Mhomem ass Vialio seo m oni by Raa ham ie ‘maemo com ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 Miniatura Salmdticas "me @ @ g— 0 oe 69 mised fh Dsarcous ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 Calo Maio, 2013, III - Miniaturas Salmaticas Rafael Mhomem ses ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 ein tras Saitcas 596 DS.ctCoda on ° Poms ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019 cxalo, ‘Mao, 2013, IV-Miniaturas Salmaticas Rats Miomems rrr opr yl ae Sh =o f ® 6 ‘ouvirouver ll Uberlandia v. 15 n. 2 p. 588-598 jan. |jun. 2019 Maio, 2013 V - Miniaturas Salmaticas Rafael Milhomem Viotio 508 f Coorr wy i na a = ~ ? a = =a =I aI =I =I + enpo wor op gr = al 2 au = = ey ouvirouver il Uberlancia v. 18 n. 2 p, 568-608 jul, |dez. 2019

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