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16) EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE Edgar Morin L. Quando dizemos: “E complexo, € muito complexo!”, com a palavra “comple- xo” no estamos dando uma explicagdo, mas sim assinalando uma dificuldade para explicar. Designamos algo que, nao podendo realmente explicar, vamos chamar de “com- plexo”. Por isso € que. se existe um pensamento complexo, este nao ser um pensamen- to capaz de abrir todas 2s portas (como essas chaves que abrem caixas-forte ou automs- veis), mas um pensamento onde estard sempre presente a dificuldade. No fundo, gosta- riamos de evitar a complexidade, gostarfamos de ter idéias simples, leis simples, frmu- las simples, para compreender e explicar 0 que ocorre ao nosso redor e em nés. Mas, como essas formulas simples ¢ essas leis simples séio cada vez mais insuficientes, estamos confrontados com o desafio da complexidade. Um desafio ao qual € necessario respon- der, em primeiro lugar, tratando de assinalar o que quer dizer “complexidade”. E isto ja nos expoe um problema: “existe uma complexidade? [ou] complexidades. Pode-se dizer que hd complexidade onde quer que se produza um emaranhamento de ages, de interacdes, de retroagdes. E esse emaranhamento é tal que nem um compu- tador poderia captar todos os processos em curso. Mas ha também outra complexidade que provém da existéncia de fendmenos aleatérios (que nao podem ser determinados ¢ que, empiricamente, agregam incerteza ao pensamento). Pode-se dizer, no que concerne Acomplexidade, que hd um pélo empirico e um pélo légico e que a complexidade apa- rece quando ha simultaneamente dificuldades empiricas e dificuldades I6gicas. Dific dades empiricas: 0 exemplo mais belo provém da meteorologia e € conhecido pelo noni de “efeito borboleta”: uma borboleta que bate suas asas na Austrélia pode, por uma série de causas ¢ efeitos postos em movimento, provocar um furacéo em Buenos Aires, por exemplo. Essa complexidade tem a ver com 0 que Pascal havia visto muito bem. Pascal disse ha ja wrés séculos: “Todas as coisas so ajudadas e ajudantes, todas as coisas so mediatas ¢ imediatas, e todas esto ligadas entre si por um lago que conecta umas &s outras, inclusive as mais distanciadas. Nessas condigées — agregava Pascal —considero impossivel conhecer 0 todo se nao conhego as partes”. Esta € a primeira Novos Paradjgmas Cultura ¢ Subjetividade 275 complexidade; nada estd realmente isolado no Universo e tudo est em relagao. Vamos encontrar esta complexidade no mundo da fisica e também, de uma maneira diferente, no mundo da politica, posto que, como o veremos, estamos na era planetériae tudoo que ocorre num ponto do globo pode repercutir em todos os outros pontos do globo. O problema légico aparece quando a I6gica dedutiva se mostra insuficiente para dar uma prova num sistema de pensamento e surgem contradigdes que se tornam insu- peraveis. E 0 que ocorreu, por exemplo, no campo da microfisica. Houve um momento hist6rico, no infcio do século, quando se enfrentaram duas concepgdes da matéria ele- mentar, ou seja, da particula; uma concepgdo ondulatéria onde efetivamente a partfcula era uma onda, e uma concepgdo corpuscular. Bem, 0 momento histérico foi quando Niels Bohr disse que essas duas proposigdes contradit6rias eram, de fato, complementa- res, visto que empiricamente os dois fendmenos apareciam em condigées diferentes € logicamente deviam ser associados dois termos que se excluem mutuamente. Estas so as complexidades que néo podemos deixar de lado ¢ que é necessério enfrentar. Retomo a frase de Pascal para resumi-la sob uma forma caricatural: “Tudo est em tudo e reciprocamente”. O que significa: “Desanimem-se, porque vio fundir-se na confusao mais completa!”. E sem diivida essa frase: “Tudo esta em tudo e reciproca mente” pode ser elucidada, com a condigdo de que se aceite a seguinte proposi¢ao: nio s6 uma parte est no todo, como também o todo est na parte. Como € isso? Vejamos alguns exemplos: cada célula de nosso corpo é uma parte que esté no todo de nosso organismo, mas cada célula contém a totalidade do patriménio genético do conjunto do corpo, o que significa que o todo esta também na parte. Cada individuo numa sociedade uma parte de um todo, que € a sociedade, mas esta intervém, desde o nascimento do individuo, com sua linguagem, suas normas, suas proibigdes, sua cultura, seu saber; outra vez, 0 todo esté na parte. Com efeito, “tudo esté em tudo e reciprocamente”. NOs mesmos, do ponto de vista césmico, somos uma parte no todo césmico: as particulas que nasceram nos primeiros instantes do Universo se encontram em nossos atomos. O tomo de carbono necessdrio para nossa vida formou-se num sol anterior ao nosso. Ou seja, a totalidade da hist6ria do cosmos est4 em nés, que somos, nao obstante, uma parte pequena, infima, perdida no cosmos. E sem diivida somos singulares, posto que o prin- cipio “O todo est na parte” nao significa que a parte seja um reflexo puro e simples do todo. Cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, mas, de algum modo, contém 0 todo. oo - IL. Esta é uma problematica sumamente vasta, e a dificuldade que temos para entrar nela supde um fendmeno hist6rico e cultural no qual nos encontramos. Na escola aprendemos a pensar separando. Aprendemos a separar as matérias: a Histéria, a Geo- grafia, a Fisica, etc. Muito bem! Mas se olhamos melhor vemos que a quimica, num nivel experimental, esté no campo da microfisica. E sabemos que a histéria sempre ocorre em um tertitério, numa geografia. E também sabemos que a geografia é toda uma hist6ria césmica através da paisagem, através das montanhas e planicies... Fica bem distinguir estas matérias, mas nao € necessario estabelecer separacdes absolutas. Aprendemos muito bem a separar. Separamos um objeto de seu ambiente, isolamos um objeto em relagio ao observador que 0 observa. Nosso pensamento € disjuntivo e, além disso, redutor: buscamos a explicagdo de um todo através da constituigao de suas par- tes. Queremos eliminar o problema da complexidade. Este é um obstaculo profundo, pois obedece a fixagdo a uma forma de pensamento que se impde em nossa mente desde ainfincia, que se desenvolve na escola, na universidade e se incrustra na especializa- Gio; e o mundo dos experts e dos especialistas maneja cada vez mais nossas sociedades. 276 Dora Fried Schnitman Bem, hd um problema grave, porque sabemos que os especialistas so excelentes para resolver os problemas que se propdem em sua especialidade com a condicao de que nao surjam interferéncias com fatores pertencentes a especialidades vizinhas e com a condigao de que no se apresente nada novo nos problemas expostos. O problema é que, enquanto aparece uma novidade ou uma interferéncia, 0 expert se equivoca um pouco mais seguidamente que o no-expert. Daf que tenhamos chegado a menosprezar as idéi- as gerais, porque, como se diz, esto “no ar”, so ocas, ndo foram provadas. Mas os experts nao podem prescindir delas; tém idéias gerais sobre a vida, sobre 0 mundo, sobre 0 amor, sobre as mulheres, sobre a politica... S6 que essas idéias gerais so as mais pobres das idéias gerais, j4 que nunca tentam repensé-las ou controlé-las. Nao se pode viver sem idéias gerais, e refiro-me As que concernem a natureza do homem, da vida, da sociedade. ‘Até hd uns 20 ou 30 anos, a ciéncia classica havia desintegrado 0 cosmos, havia desintegrado a vida dizendo que a vida nao existia, que hé moléculas, comportamentos, gens, mas, a vida? Que é isso? Nao a conhego! A ciéncia classica desintegrou a s de; os estudos em parcelas, demograficos, econémicos, etc., desintegraram o problema {global e inclusive o homer, posto que, definitivamente, podia considerar-se o homem como um objeto indigno do conhecimento especializado, quase uma ilusao. Agora veja- mos: nio podemos renunciar as perguntas bésicas a que os seres humanos se expuseram desde que trataram de pensar, desde que olharam o céu estrelado, desde que, j4 cida- dos, se interrogaram sobre qual podia ser a melhor sociedade ou, pelo menos, a menos mé; desde que se perguntaram, por fim, “de onde viemos?”, “qual o sentido da vida?” ‘Nao podemos viver escamoteando essas questées como se fossem bobas ou insanas: podemos eliminé-las, sem diivida, mas entio a tinica funcao do conhecimento serd a manipulacao. Como bem viu Husserl, a partir do momento em que deixou de se propor interrogagdes sobre si mesma, sobre sua marcha, seus fundamentos, seu alcance, a ciéncia, ou, melhor dito, a tecnologia, converteu-se numa maquina cega. O paradoxal € que essa ciéncia moderna, que tanto contribuiu para elucidar 0 cosmos, as estrelas, a bactéria e, enfim, tantas coisas, é completamente cega com respeito a si mesma e a seus poderes; j& nao sabemos para onde ela nos conduz. IIL. Se temos gravadas em nés essas formas de pensamento que nos levam a reduzir, a separar, a simplificar, a ocultar os grandes problemas, isto se deve ao fato de que reina em nés um paradigma profundo, oculto, que governa novas idéias sem que nos demos conta, Cremos ver a realidade; em realidade vemos o que 0 paradigma nos pede para ver e ocultamos 0 que 0 paradigma nos impée a nao ver. Hoje, em nosso século, se estabelece o seguinte problema: podemos perguntar-nos se comegou uma revolucdo paradigmitica, Uma revolugdo orientada, evidentemente, em direcdo da com- plexidade. Creio que se pode colocar o problema em trés planos: o das ciéncias fisicas, © das ciéncias humanas (ou, mais extensamente, do conhecimento do homem) e 0 da politica. Por que pensamos que tenha comegado uma revolugo paradigmatica no plano das ciéncias fisicas? Porque em nossa época presenciamos a derrubada do que foi o dogma central da fisica classica. Em Descartes, em Newton, o mundo era um mundo perfeito. Por qué? Porque emanava da perfeigao divina. Inclusive quando Laplace afas- tou Deus do mundo, conservou para o mundo a perfei¢io, ou melhor, introduziu 0 atributo divino ao mundo. Para Laplace, o mundo era uma maquina determinista perfei- tae, se tivéssemos 0 génio de um deménio todo-poderoso, poderfamos conhecer todos 08 eventos do passado e todos os eventos do futuro. Era uma maquina mecanica absolu- tamente ordenada. A desordem nio podia ser mais do que uma ilusao ou uma aparé Este mundo estava constitufdo por pequenos tijolos elementares indivisveis, os 4tomos. Esse é 0 mundo que se derrubou! Derrubou-se pelos dois lados, pela base, em nfvel de Atomos, quando se viu que este nao era um tijolo e sim um sistema sumamente complexo constitufdo por particulas, e que as préprias particulas eram entidades altamente com- plexas, no limite entre o material e 0 no-material, dotadas de estranha qualidade de poder ser tanto onda quanto corptisculo, sem ser nem um nem outro, E quanto ao mundo microfisico, vemos um agitar-se de indeterminagGes que nao nos permitem registrar mais que uma ordem estatistica. No plano do cosmos, um universo mecdnico, eterno, desaprumou-se hé trinta anos com 0 descobrimento da dispersao das galéxias e dessa irradiagao f6ssil a trés graus Kelvin; com a hipétese de que esse mundo nasce de uma deflagragiio original ou de uma pequena flutuacao original em um no-ser absoluto, ¢ também de que esse nascimento se produz numa combinagao de ordem e desordem. Nasce na desordem, no sentido de que nasce de uma maneira deflagrativa e em meio a um calor intenso. E calot significa agitacfo desordenada das particulas ou dos étomos. Mas hé também um prin- cfpio de ordem, jé que certas particulas podem associar-se quando se encontram na desordem, dando lugar a esse momento no qual se constituem alguns grandes princfpios que permitem tanto a formagao dos nticleos como a formagao das galaxias e dos astros. Nosso universo €, pois, 0 fruto do que chamarei uma dialgica de ordem e desor- . Dialdgica no sentido de que se tratam de duas nogGes totalmente heterogéneas — que se rechagam mutuamente —e que da um lugar irredutfvel ao que parecia obscuro para os deterministas: “Como desordem? A desordem nao existe, é uma ilusdo!” Pois bem, a desordem nao sé existe como de fato desempenha um papel produtor no Univer- so. Eesse é 0 fendmeno mais surpreendente. E essa dialégica de ordem e desordem que produz todas as organizagSes existentes no Universo. Agora vemos que o que é certo para o mundo fisico também o € para o nascimento da vida, que apareceria em condi- Ges turbulentas, eruptivas, tormentosas, hd quatro mil milhdes de anos. Tudo se fez, tudo nasceu através de encontros aleatérios. Devemos, pois, trabalhar com a desordem e coma incerteza, e damo-nos conta de que trabalhar com a desordem e a incerteza nao significa deixar-se submergir por elas; €, enfim, colocar prova um pensamento energético que os olhe de frente. Hegel dizia que o verdadeiro pensamento é 0 pensamento que enfrenta a morte, que olha de frente a morte. O verdadeiro pensamento é o que olha de frente, enfrenta a desordem e a incerteza. ~~ De fato, vemos nascer ciéncias de outro tipo, diferentes das disciplinas classicas. Darei trés exemplos. O primeiro é a cosmologia, que exige reunir dados provenientes da astronomia de observagao, dos radiotelescépios e dados que provém dos aceleradores de particulas da microfisica para tratar de imaginar em que condigdes se formaram os primeiros elementos fisicos no princfpio do Universo, por exemplo. A cosmologia € uma ciéncia de reflexao a partir de elementos diferentes. O segundo exemplo sio as cigncias da terra: a geologia, a meteorologia, a vulcanologia, a sismologia, que eram, hé trinta anos, disciplinas sem comunicagao alguma. Até que, gragas tecténica*, se con- cebeu a Terra como um sistema vivo (nao vivo no sentido biolégico, que é 0 nosso, mas com vida prépria, com suas regulagées, sua auto-reprodugo, suas transformagées, sua hist6ria) e a todas essas diferentes disciplinas conectadas em torno da idéia desse siste- * MR! Geodinémica, relativa ao movimento da crosta da Terra. 278 Dora Fried Schnitman ma Terra, A ciéncia ecolégica’é também uma ciéncia nova, jé que seu conceito-central 60 de ecossistema, Um ecossistema é 0 conjunto organizador que se efetua a partir das interagdes entre os seres vivos, unicelulares, vegetais, animais e as condigdes geofisicas de um dado lugar, de um biotipo, de um nicho ecol6gico. Os ecossistemas, por sua vez, retinem-se no vasto sistema que chamamos biosfera e que tem sua vidae suas regulagdes proprias. Ou seja, so ciéncias cujo objeto é um sistema. Isso nos sugere que seria necessério generalizar essa idéia e substituir a idéia de objeto, que é fechada, monétona, uuniforme, pela nogio de sistema. Todos os objetos que conhecemos sao sistemas, ou seja, estiio dotados de algum tipo de organizagao. IV. Devemos agora encarar uma problemitica que durante muito tempo foi igno- rada, porque se acreditava que a organizagao dependia pura e simplesmente da ordem. Em realidade, a organizagio € 0 que liga um sistema, que € um todo constitufdo de elementos diferentes encaixados ¢ articulados. E a idéia que destréi toda tentativa reducionista de explicac3o é que o todo tem uma quantidade de propriedades e qualida- des que nao tém as partes quando esto separadas. Uma bactéria possui qualidades, propriedades de auto-reproducao, de movimento, de alimentagio, de auto-reparagao que de nenhum modo tém, isoladamente, as macromoléculas que a constituem. Pode mos chamar de emergentes a essas qualidades que nascem no nfvel do todo, dado que emergem, que chegam a ser qualidades a partir do momento em que hum todo, Essas qualidades emergentes podem retroagir sobre as partes. Dizia antes que a sociedade € ‘um todo cujas qualidades retroagem sobre os individuos dando-Ihes uma linguagem, cultura e educacao. O todo, portanto, € mais que a soma das partes. Mas, a0 mesmo tempo, é menos que a soma das partes, porque a organizacio de um todo impoe constrigbes e inibicdes as partes que o formam, que jé nao tém tal liberdade. Uma organizagao social impde suas less, tabus e proibigGes aos individuos, que nao podem fazer tudo o que quiserem. Ou seja. o todo &, ao mesmo tempo, mais € menos que a soma das partes, Com sé uma pequena palavra, “organizagaio”, nos vemos enfrentando uma complexida- de conceitual ¢ devemos observar quais so as vantagens e as constrig6es, posto que essa reflexio evitar glorificar as organizag6es mais amplas, Efetivamente, se uma organizago muito ampla impde constrigdes demasiado duras, entao € preferivel contar com organizagdes menores (Small is beautiful!), organizagdes onde hd menores constrigdes sobre as partes ou 0s individuos. Tudo isto leva a ver as diferentes organiza- Ges e a julgé-las em funcio das liberdades ou das constrigdes que estabelecem. Em nossa conferéncia anterior, falamos da auto-eco-organizagao, que se refere, de modo geral, 8 organizacao viva. Aqui, podemos notar uma diferenga fundamental entre essas maquinas viventes ¢ as maquinas artificiais que produzimos nas fabricas. Essa diferenca jé foi assinalada por von Neumann, nos anos 50. Von Neumann partia do seguinte paradoxo: uma maquina artificial € feita de constituintes sumamente confiaveis; as pecas foram fabricadas e controladas. Escolhem-se as pegas mais resistentes, as melhor adaptadas para o trabalho que devem fazer, as mais durdveis. Uma méquina viva, em troca, uma bactéria, é feita de componentes muito pouco confidveis, as molé- culas degradam-se muito facilmente. A maquina artificial, sem diivida, desde que come- gaa funcionar comeca a se degradar. A maquina viva, a partir do momento em que omega a funcionar, pode eventualmente se desenvolver; também se degradard final- mente, mas no pelo mesmo tipo de desgaste que a maquina artificial. Por qué? A explicagio deste problema foi dada por Heréclito, hd 2.700 anos, mediante uma f6rmu- la consideravelmente densa: “Viver de morte, morrer de vida”. Viver de morte, que significa isso? Significa que, num organismo, nossas moléculas se degradam, mas que Novos Paradigmas, Cultura ¢ Subjetividade 279 somos capazes de produzir moléculas totalmente novas que rejuvenescem as células. De igual modo, nossas células degradam-se mas 0 organismo 6 capaz de produzir células totalmente novas que o rejuvenescem. Rejuvenescemos sem cessar. Cada batida de nos- So coracao irriga nosso organismo com sangue desintoxicado pelos pulmoes. Rejuve- nescemos 60 vezes por minuto. Eu rejuvenesco, vocés rejuvenescem, nossas moléculas fazem-no varias vezes por ano. Passamos 0 tempo rejuvenescendo, ou seja, vivemos da morte dessas células para rejuvenescer-nos. Mas, entdo, por que morremos? Porque, com o tempo, rejuvenescer € sumamente cansativo. Rejuvenescer € mortal! Por isso, desgragadamente, morremos. Morremos de vida. Hi outra caracteristica na maquina viva, j4 assinalada por von Foerster, e trata de uma maquina ndo-trivial. “Uma maquina trivial — dizia von Foerster — é uma méquina da qual se podem conhecer os outputs uma vez que conhecemos os inputs. Ainda sem saber o que ocorre no interior da maquina, podemos predizer seu comporta- mento.” Podemos conhecer todos os comportamentos da méquina trivial. Uma méquina viva conduz-se seguidamente como uma mdquina trivial, e podemos prever nossos com- portamentos; pela manhd vai-se ao trabalho, mais ou menos pontualmente, e tem-se um comportamento previsivel. Mas. as vezes, realizamos atos totalmente inesperados. Re- cordo o caso de um grande amigo na cerimOnia de seu casamento, em Paris. O juiz. do distrito pergunta & noiva se quer casar-se com este homem e ela responde que sim. Depois pergunta a cle se deseja casar-se com ela, e ele vacila; tem uma flor na mio, uma margarida, e comega a desfolhé-la, dizendo: “sim, nao, sim, nao...” e, ao final, “nao”. E entao diz: “Lamento”. Certamente, € um comportamento raro ou inesperado. Mas mui- tos acontecimentos hist6ricos s3o o resultado de um funcionamento nao-trivial da mé- quina humana. Quando alguém diz que, ante uma ofensa, nao se deve castigar e sim oferecer a outra face (ou seja: perdoar), esta é uma reago nao-trivial a I6gica da vendetta, da vinganga e do castigo. Assim € que hd diferengas enormes entre a maquina viva e a artificial. A maquina artificial nao tolera a desordem; apenas aparece um elemento em desordem, se detém. A maquina viva pode tolerar uma quantidade razoavel de desordem. Em nossos organis- mos, por exemplo, produzem-se continuamente proliferagdes incontroladas de células; mas no se transformam em cdincer, porque em determinado momento intervém a guar- da imunolégica ¢ as obriga a deixar de reproduzir-se. As sociedades humanas toleram uma grande porgdo de desordem; um aspecto dessa desordem é o que chamamos liber- dade. Podemos entio utilizar a desordem como um elemento necessdrio nos processos de criagdo e invengao, pois toda invengao ¢ toda criagao se apresentam inevitavelmente como um desvio e um erro com respeito ao sistema previamente estabelecido. Vemos aqui como € necessario pensar a complexidade de base de toda realidade vivente. Por outro lado, quando digo que nao devemos considerar objetos, e sim sistemas, isto significa que o proprio sistema pode ser considerado como parte de um polissistema e como se estivesse rodeado por um ecossistema, oferecendo-nos assim a possibilidade de reconsideré-lo em seu ambiente. Insisto com o que ja disse: 0 que nos circunda esta inserito em nés. Aqui, voltamos a encontrar o princfpio do holograma: nao s6 a parte est no todo, mas o todo esté na parte. Hi outro aspecto: acreditava-se ter um conheci- mento certo, objetivo, porque se havia eliminado o observador, porque o observador era um elemento contingente. ‘Sem diivida, sabemos que a realidade — o que chamamos a realidade que perce- bemos =a percebemos somente gragas a nossas estruturas mentais, a nossos patterns, que nos permitem organizar nossa experiéncia no tempo e no espago. Fazfamos como se 0 mundo exterior fosse um mundo que existisse em si, cujo reconhecimento fosse 0 280 Dora Fried Schnitman teflexo fotografico correto. Bem, essa € precisamente a idéia que precisamos superar, desde 0 momento em que sabemos que todo conhecimento é uma tradugao e uma recons- trugao. Todo conhecimento é uma tradugao no sentido de que os estimulos que chegam anossos olhos vao até milhdes de células diferentes, provocando e suscitando mensa- gens que transmitir’o ao cérebro mediante 0 nervo Stico, segundo um cédigo binério. Dito de outra maneira, a natureza do estimulo visual seré traduzida num cédigo. E todos os cédigos que chegam a diferentes regides do cérebro so mesclados e transfor- mados para dar-nos uma percepgio, uma representagao. Desse modo, traduzimos reconstruimos. V.E agora entramos no debate sobre o construtivismo. Devo dizer que eu, pesso- almente, sou um co-construtivista, ou seja, penso que construimos a percepgao do mun- do, mas com uma considerdvel ajuda de sua parte. O que nao significa que se possa eludir o status do conhecimento como “traduga0” e “reconstrugao”. O surpreendente é que nosso cérebro esté totalmente fechado em nossa caixa craniana, que nao se comuni- ca diretamente com 0 mundo exterior, e 0 mundo exterior envia estimulos que sao trans- formados em mensagens, as quais, por sua vez, so transformadas em informacées, que Por sua vez so transformadas em percepcGes. Isso € muito importante e é valido para todo tipo de conhecimento. Quando o desenvolvimento das ciéncias fisicas parecia indi- car que o observador ficava eliminado para sempre, so justamente essas ciéncias as que 0 reintroduzem. So as relagdes de incerteza de Heinsenberg que demonstram, e por uma razo puramente material, por assim dizer, que se em nivel microfisico queremos aclarar nossa observacao, fazemos intervir fétons que vao perturbar as partfculas ob- servadas. Ou seja, hé um limite no qual 0 observador se converte numa intervenciio perturbadora. Mas, de maneira mais ampla, Niels Bohr e os seguidores da Escola de Copenhague pensavam que 0 que conhecemos nao é o mundo em si, é 0 mundo com nosso conhecimento. Nao podemos separar o mundo que conhecemos das estruturas de nosso conhecimento. H4 uma aderéncia insepardvel entre nosso espirito eo mundo, Tudo isto € ainda mais certo para o mundo humano. Nao podemos fazer sociolo- gia ou antropologia dizendo-nos “Somos cientistas! Vamos investigar, analisar questio- nérios...” E evidente que o observador deve observar-se a si mesmo observando aos outros. Tomemos 0 caso da antropologia. Por que a antropologia foi tao aberrante no principio do século? Porque os antropélogos estavam convencidos de serem os donos da sabedoria e da racionalidade, por causa de sua perspectivaocidental, e consideravam o que viam como um mundo arcaico de criangas grandes que viviam de maneira puramen- te animista, mfstica ou neurstica. Lévi-Bruhl dizia que os “primitivos”— como os cha- mava em suas publicagSes — viviam num estado de participago mistica. Nao se pro- punha em absoluto a pergunta que se fez Wittgenstein ao ler os escritos de James Frazer: “Como € possivel que estes selvagens, que passam o tempo executando daneas, cantos, feiticos, rituais © atos de magia saitam to bem cagar com flechas verdadeiras, com uma estratégia verdadeira e com um conhecimento verdadeiro do mundo exterior?”. Nao se havia compreendido que coexistiam tanto racionalidade como magia nessas sociedades. Assim como nao se havia visto que existia magia em nossa sociedade ao mesmo tempo que racionalidade, e inclusive no interior de nossa racionalidade. Assim, © antropélogo deve situar-se a si mesmo no mundo em que est, para tratar de compre ender 0 mundo totalmente alheio que vai estudar. Acaso as coisas so mais féceis para o socidlogo que estuda sua prépria socieda- de? De nenhum modo. Porque ele mesmo & uma parte do todo; tem um ponto de vista parcial ¢ ao mesmo tempo inclui em si o todo, esta possuido pela sociedade. Deve, Novos Paradigmas, Cultura ¢ Subjetividade 281 portanto, fazer um esforgo mental extraordinério para encontrar um metaponto de vista Ecomo encontrar um metaponto de vista quando se encontra dentro de uma sociedade? Evidentemente, conhecendo outras sociedades: estudando as sociedades do passado, imaginando as possiveis sociedades do futuro, tratando de estabelecer confrontaces de maneira a conseguir descentrar-se. O ponto de vista da complexidade diz-nos justamen- te que € uma loucura acreditar que se possa conhecer do ponto de vista da onisciéncia, de um trono supremo a partir do qual se contemplaria 0 universo. Nao ha um lugar possfvel de onisciéncia. Mas o que se pode fazer para evitar o relativismo ou 0 etnocentrismo total é edificar metapontos de vista. Podemos construir mirantes e do alto desses mirantes contemplar o que ocorre. Podemos estabelecer metapontos de vista limitados e frageis. Pois o conhecimento, seja 0 sociol6gico, o antropolégico ou qual- quer outro, deve buscar um metaponto de vista. E 0 requisito absoluto que diferencia o modo de pensamento simples, que acredita alcangar o verdadeiro, que pensa que 0 co- nhecimento é reflexo, que no considera necessério conhecer a si mesmo para conhecer ao objeto, € 0 conhecimento complexo, que necesita a curva auto-observavel (e, agre- garia, autocritica) do observador-conceituador sobre si mesmo. Estas sao algumas das aquisigdes, das modificapSes necess4rias para um pensamento complexo. VI. Volto agora 20 problema humano. Quando falamos do homem, sentimos que nos referimos a algo genérico e abstrato. O homem é um objeto estranho, algo simuita- neamente biolégico € nio-biolégico. Com a maior comodidade, estudamos o homem biolgico no departamento de biologia e o homem cultural e psicolégico nos departa- mentos de ciéncias humanas e de psicologia.O homem tem um cérebro, que é um érgo bioldgico, ¢ um espirito, que € um GreSo psiquico. Acaso alguma vez ambos se encon- tram? O espirito ¢ 0 cérebro no se encontram jamais. As pessoas que estudam 0 cére- bro nao se dao conta de que estudam o cérebro com seu espirito. Vivemos nessa disjungao que nos impée sempre uma visao mutilada. Mas, além disso, o homem nao € somente biolégico-cultural. E também espécie- individuo, sociedade-individuo; o ser humano é de natureza multidimensional. Por ou- tro lado, esse homem, que nossos manuais chamavam homo sapiens, € a0 mesmo tempo homo demens. Castoriadis disse: “O homem é esse animal louco cuja loucura inventou a razo”. O fato € que nao se pode estabelecer uma fronteira entre 0 que é sensato e 0 que € louco. Que é, por exemplo, uma vida sensata? E uma vida na qual se presta muita atengio em nao tomar vinho, nao comer molhos, nao sair, nao viajar em avizo, nao correr nenhum risco para conservé-la 0 maior tempo possivel? Ou é uma vida de consu- mo, de gozo, de embriaguez, na qual se arrisca perder a vida? Evidentemente, ninguém pode dar resposta a esta pergunta. Nesse homem que € sapiense & demens, hé uma mescla inextrincdvel, um pensa- mento duplo: um pensamento que chamaria racional, empirico, técnico, que existe des- dea pré-hist6ria e € anterior & humanidade (posto que os animais executam atos empiricos, racionais e técnicos), mas que, evidentemente, o homem desenvolveu. Também temos um pensamento simbélico, mitolégico, magico. Vivemos permanentemente em ambos 0s registros. Nao se pode suprimir a parte dos mitos, as aspiracdes, os sonhos, a fanta- sia. Todos os que se interessam pelo psiquismo, pela psicologia humana, sabem que 0s sonhos, os fantasmas, as loucuras so partes integrantes do ser humano. Nao sio vaos, superestruturas que se desvanecem, mas sim seu tecido. Como dizia Shakespeare: “So- mos feitos da matéria dos sonhos”. Por que esquecer isto? Por que ter sempre opinides compartimentadas? Por que considerar os seres humanos segundo sua categoria sécio- profissional, seu nivel de vida, sua idade, seu sexo, de acordo com questionarios de 282 Dora Fried Schnitman opiniao ou documentos de identidade? Cada ser, inclusive o mais vulgar ou andnimo, € um verdadeiro cosmos. Nao s6 porque a profusio de interagdes em seu eérebro seja maior que todas as interagdes no cosmos, mas também porque leva em si um mundo fabuloso e desconhecido. Durante logo tempo, a superioridade da literatura com respeito as ciéncias huma- nas residiu precisamente em dar conta desse aspecto, num momento em que as ciéncias humanas haviam anulado por completo a existéncia do individuo. Enquanto que hoje a biologia nos mostra a extraordindria diversidade dos individuos, nao s6 anatémica, mas também psicoldgica. Neel, num belo texto, Lessons from a Primitive People, estudou ‘uma tribo indigena da Amaz6nia que durante 500 anos viveu isolada das demais. Ai encontrou individuos tZo diferentes uns dos outros como os que se podem ver no metr6 de Paris ou no de Buenos Aires. Os individuos existem, estao af. E a singularidade, 0 concreto, a came, 0 sofrimento, tudo isto é o que faz.a forga da novela. Quando Balzac tentou compreender as pessoas através da andlise de seu rosto, de sen comportamento, de sua maneira de apresentar-se, dos méveis com que se cercam, de seu ambiente, enfim, faz algo que é evidentemente complex. Quando Stendhal mostra a importancia de pequenos detalhes, em aparéncia insignificantes, mas que ocupam um papel to im- portante na vida, faz uma obra de complexidade. Quando Tolstoi mostra a superposiga0 Uo destino dos individuos e da grande hist6ria, como no principe André em Guerra e Paz, enlaga a alma individual ¢ 0 destino hist6rico global. E Dostoievski, quando desco- bre as intermiténcias, as bruscas mudangas que fazemos de uma parte de nés mesmos a outra parte de nés, mostra que € impossfvel racionalizar numa formula um ser humano. Os grandes novelistas ensinaram 0 caminho da complexidade, mas ainda que no 0 tenham feito em forma conceitual, no plano do pensamento filos6fico e cientifico, sua contribuigio é necessaria para todo pensamento filos6fico e cientifico. VIL Gostaria de tratar agora 0 problema da complexidade politica. Primeiro ponto: durante muito tempo, a politica foi aarte de governar, depois houve um momen- to,em particular durante a Revolugio Francesa, no qual se converteu em algo mais que aarte de governar. Porque a politica pode proporcionar algo importante aos cidadaos, pode dar-Ihes liberdade, igualdade, fraternidade, ou seja, algo que melhore a sociedade. Nesse sentido, Saint-Just havia dito: “todas as artes produziram maravilhas, s6 a arte de governar no produziu mais do que monstros”. Mas, a partir da Revolugao Francesa, Yimos entrar na politica muitos aspectos humanos que antes estavam fora desse terreno. ‘Assim acontece com a demografia, com os problemas de populagdo: € necessério legis- far contra a diminuigo da natalidade? Estimular 0 aborto? Controlar os nascimentos? 0 problema demografico, que era um problema biol6gico, entrou na politica. O proble- ma da ecologia, que parecia uma questao totalmente exterior, converteu-se num proble- ‘ma politico desde que compreendemos que a degradagio que ocasionamos na biosfera apresenta conseqiiéncias sociais e politicas, em se tratando da contaminagao local de um riacho ou de um lago, que apresenta um problema concreto para uma cidade ou uma regio, ou dos problemas globais da biosfera, E assim também est4 comegando uma invasao ainda maior da esfera politica. Hoje existe a possibilidade de criar vida numa proveta, de usar 0 esperma de um desco- hecido ou de alguém que tenha morrido para fazer uma crianga, a possibilidade de que uma mulher seja portadora do embritio de outra. Tudo isto estabelece interrogagdes fundamentais que modificam 0 que considerévamos mais imutiivel na vida. Antes, se sabia quem era um pai, uma mae. Mas hoje... Hé pouco se publicou o caso de uma mulher que se converteu em mie e avé simultaneamente, porque era portadora de um Novos Paradigmas, Cultura ¢ Subjetividade 283 embriao de sua filha. E este € um caso bastante simples, porque se pode ser mile ¢ av6 simultaneamente. Mas hé outros casos absolutamente perturbadores, que se convertem em proble- ma politico. Todas as ciéncias, no seu desenvolvimento, criam problemas politicos, E evidente que a fisica nuclear produziu os problemas politicos derivados da energia nu- clear, da vida e da morte, e do armamento termonuclear. Por outro lado, vivemos em Estados que tendem a ser estados assistenciais, que tomam a seu cargo os individuos, que corrigem os desastres naturais dando compensagdes aos que tiveram més colheitas, ou que sofreram inundacGes. A politica cobre, pois, um espaco de protecao social muito amplo. Isso significa que, na pratica. a politica se tornou enormemente complexa. Agora concerne a todos os aspectos humanos. O que acontece, entio? Ou bem, por um lado, surgem politicas totalitdrias, que impdem o dominio da ideologia do partido tinico ¢ buscam submeter todos os aspectos da vida humana a suas concepgdes; ou bem, por outro lado, aparece a tendéncia dominante em nossa sociedade, na qual a politica se torna cada vez mais tecnocratica e econocritica, na qual se tentam resolver os miiltiplos problemas de maneira técnica ¢ econémica. Nas condigdes atuais da competic&o econd- mica internacional, problemas que até agora eram secundérios se tornaram capitais: a estabilidade da moeda. o equillibrio dos intercdmbios de importagdo e exportacao. Tudo isso faz com que a politica esteja invadida por questdes econémicas, e que o pensamen- to econémico € técnico ocupe um primeiro plano. E absolutamente necessério elaborar um pensamento complexe capaz de compreender que a politica se tornou multidimen- sional. E isto ocorre, justamente, quando mais e mais adentramos na era planetéria; ou seja, no momento em que se produzem inumerdveis interconexdes entre os diferentes segmentos do planeta. Ha solidariedade. inclusive, e sobretudo, em meio a conflitividade. Porque, 0 que deu origem a era planetaria? Duas guerras mundiais. E aqui também podemos ver que no sé a parte esta no todo, mas também 0 todo est na parte. Quando me levanto pela manha, na Franga, tomo um café que vem do Brasil ou da Etiépia, ou um chd que vem da India, ligo meu ridio japonés, que me dé noticias do mundo inteiro, ponho minha camisa de algodio confeccionada em Hong Kong ¢ assim todo 0 dia; sem sabé-lo, sou um cidadao planetério, Indo dizer: “Mas, ¢ toda essa gente pobre que vive nos 'bairros de emergéncia'? Esses no vivem de maneira planetéria!” Pois bem, sim, de um modo terrivel eles também vivem de maneira planetiria. Porque € 0 desenvolvimen- to industrial que deu lugar ao éxodo rural. E a rentabilidade que provoca a desaparigao dos pequenos proprietarios e sua avalanche para os “bairros de emergéncia”: cayampas, favelas, etc. E tudo isso faz com que essa gente, na indigéncia, viva a tragédia planeté- tia. Entdio, como fazer hoje uma politica exclusivamente nacional sem pensar no ambi- ente continental, seja a América Latina, para vocés, ou a Europa, para nés? E sem pensar que 0 préprio continente nao é mais que uma provincia na era planetéria. Como conceber uma politica econémica ecoldgica, sendio de um ponto de vista metanacional? A politica deve hoje enfrentar esta complexidade planetéria. E acrescentarei, também, que a sociedade perdeu o que Ihe proporcionava uma falsa certeza: perdeu o futuro garantido. Nao era somente o sistema totalitario da URSS © que prometia um futuro radiante (que se desmoronou, como ja sabemos). E que nossa sociedade ocidental nao vivia com a idéia das leis da histéria, 2 maneira simplista do marxismo dogmatico, mas com a idéia de um progresso inevitavel, necessério e garan- tido. Acreditava-se que podia haver alguns ziguezagues, alguns retardamentos, mas que © futuro estava garantido. Por que? Pois porque a ciéncia se desenvolvia e, portanto, 284 Dora Fried Scbnitman no podia senao fomentar a racionalidade e seus beneficios. Porque a democracia nio podia seniio estender-se. Mas hoje, depois de Hiroshima, depois das manipulagdes ge- néticas, nos damos conta de que a ciéncia é ambivalente, que pode tanto ser benéfica para a humanidade como destrui-la. Sabemos que a racionalidade no se incrementa por si mesma, que pode retroceder, que pode adquirir formas delirantes de racionaliza- 40, ou seja, de um sistema I6gico fechado, isolado, incapaz de ver o real. Esta é a grande crise e a dor do futuro, Por que o despertar dos nacionalismos aparece combina- do com fundamentalismos? E porque quando perdemos o futuro nos aferramos ao pas- sado. Estamos numa época em que as velhas formulas, como “o futuro nos pertence” ou “devemos seguir esse caminho” desmoronaram e a politica esta destinada 4 complexi- dade. Diria inclusive que j4 nao hé uma politica soberana; agora se faz necessério falar de uma ecologia da politica. A politica encontra-se num oceano de interagdes em meio as quais tenta navegar. ‘VIL. Aqui ha um principio fundamental de complexidade que € 0 prinefpio eco- logico da aco. Este principio nos diz: “a agdo escapa a vontade do ator politico para entrar no jogo das inter-retroagSes, retroacdes reciprocas do conjunto da sociedade”. Assim, por exemplo, na Franga de 1789, a aristocracia quis aproveitar o debilitamento do poder real e desencadeou a convocagao dos Estados Gerais, que representavam os trés estamentos: a nobreza, 0 clero e 0 Terceiro Estado. Até entio, a nobreza e o clero tinham a maioria,mas, uma vez efetuada a convocagao, 0 Terceiro Estado, o mais nu- meroso, decidiu que se votasse por pessoa e nao por classe. Constituiu-se uma Assem- bléia Nacional e o movimento aristocratico transformou-se em seu oposto: uma revolu- g&i0 democratica. Mais recentemente, vimos como o golpe de agosto de 1991 em Mos- cou desencadeou acontecimentos contrérios aos desejados; ou seja, a liquidacao do po- der do aparelho do Partido Comunista e da KGB. E assim que a ago escapa a vontade do ator. Duas conseqtiéncias: a primeira é que o nivel de eficdcia maxima da aco se situa sempre no comego de seu desenvolvimento. Por isso, quando se quer fazer reformas, elas devem ser feitas muito rapido. A segunda é que as conseqiiéncias tiltimas de uma ago nao sao previsiveis. Nessas condig6es é que se pode entender, entéo, a mudanga epistemolégica. A politica ndo governa; navega ao timao, no sentido cibernético, no sentido em que a palavra “cibernética” significa “arte de navegar”. Mas isto nao quer dizer que s6 deva navegar o rumo do dia-a-dia; deve ter uma idéia-farol que a ilumine. Nao pode fazer programas para o futuro, posto que os programas sao projegdes abstra- tas e mecanicistas que os acontecimentos desbaratam. Sem divida, € necessario proje- tar valores, idéias-forca, idéias motoras. Ea aco é sempre uma estratégia. E necessario estabelecer a diferenga entre programa e estratégia; penso que ali est4 a diferenga entre pensamento simplificante € pensamento complexo. Um programa uma seqiiéncia de atos decididosa priorie que devem comecar a funcionar um apés 0 outro, sem variar. Certamente, um programa funciona muito bem quando as condigdes circundantes nao se modificam e, sobretudo, quando nao sao perturbadas. A estratégia um cenario de agdo que se pode modificar em fungao das informagées, dos aconteci- mentos, dos imprevistos que sobrevenham no curso da aco. Dito de outro modo: a estratégia é a arte de trabalhar com a incerteza. A estratégia de pensamento € a arte de pensar coma incerteza. A estratégia de agdo é a arte de atuar na incerteza. Certamente, h4 uma diferenga entre a ago e o pensamento, porque h muitos modos de ago que so complexos na pratica mas nao na teoria. Gostaria de propor, por exemplo, um jogo popular de que gosto muito: o futebol. Novos Paradigmas, Cultura ¢ Subjetividade 285 A estratégia de uma equipe de futebol ndo consiste em elaborar um programa para marcar gols, posto que € evidente que a equipe contraria tem as mesmas intenges. Nao se trata de construir um jogo, mas de construir um jogo que va desconstruir 0 jogo adversdrio, enquanto que 0 adversério vai buscar desconstruir 0 nosso jogo. Entio, o que vai desempenhar um papel importante so os erros do adversério. Assim como 0 bom judoca utiliza a energia de seu inimigo para derrubé-lo, o bom jogador de futebol vai utilizar em seu beneficio toda debilidade ou erro do adversério para, nesse momento, marcar o gol. E sempre hé alternativas. Em outras palavras, o futebol que vemos todas as semanas nos estdios é uma demonstracao de complexidade. E da mesma maneira como nossa visio é algo muito complexo, nossa percepgdo também o é. Porque ao olhar © que temos ante os olhos somos capazes de concentrar o olhar num elemento, de ver o conjunto, de fazer uma panoramica, de estabelecer a conexao entre diferentes coisas. ‘Com nossos olhos somos capazes de ver de maneira complexa. Mas no somos capazes de pensar de maneira complexa. Creio que é nesse nivel, no do pensamento pensante, para onde é necessério dirigir-se no sentido de complexidade. IX. Concluo dizendo que © pensamento complexo niio é o pensamento onisciente. Pelo contrario, € 0 pensamento que sabe que sempre é local, situado em um tempo ¢ em um momento. O pensamento complexo nao é o pensamento completo; pelo contrario, sabe de antemao que sempre ha incerteza. Por isso mesmo escapa do dogmatismo arro- gante que reina nos pensamentos mao-complexos. Mas 0 pensamento complexo nao cai num ceticismo resignado porque, operando uma ruptura total com o dogmatismo da certeza, se lanca valorosamente & aventura incerta do pensamento, se une assim & aven- tura incerta da humanidade desde seu nascimento. Devemos aprender a viver com a incerteza e nao, como nos quiseram ensinar h4 milénios, a fazer qualquer coisa para evitar a incertaza. Certamente é bom ter certeza, mas se é uma falsa certeza isso € muito ruim. Porque o problema verdadeiro continua consistindo em privilegiar a estratégia e nao 0 programa. Estamos vivendo talvez uma grande revolugao paradigmética, Talvez, mas h4 algo ali muito dificil de discernir, porgue uma grande revolucdo nas premissas do pen- samento necessita de muito tempo. E uma revolugdo muito dificil, lenta e miltipla. Talvez jé tenha comegado um pouco ao estilo da batalha das IIhas Midway; uma bata- tha sumamente interessante na qual combateram as frotas japonesa e norte-americana, cobrindo centenas de quilémetros, mas com os barcos muito distantes uns dos outros. Havia avides japoneses que atacavam os barcos norte-americanos, avides norte-ameri- canos que atacavam barcos japoneses, submarinos japoneses, submarinos norte-ameri- canos... era um pouco a luta de cada um contra todos, uma luta indescritfvel na qual era impossivel que cada um dos almirantes tivesse 0 panorama global da batalha. Num dado momento, o almirante japonés diz que sofreu muitas perdas e que é melhor retirar- se; ¢ 0 almirante norte-americano vé que a frota japonesa comeca a bater em retirada e diz: “Ganhamos”. Essa é a batalha das Midway, uma batalha que nao terminou. Temos, sem diivida, uma grande luta entre as antigas formas de pensamento, duras e resistentes a custa de ressecamentos, e esclerosadas, e as novas formas de pensamento que so ainda embrionérias (0 que é embrionério é, portanto, frégil, e corre risco de morrer). Estamos nesse ponto e creio que neste dominio entramos num novo comeco. Nao estamos no fim da historia das realizagdes do pensamento; nao alcan¢amos os limites do génio humano; longe disso, estamos na pré-histéria do espirito humano. Nao estamos na bata- tha final, mas na luta inicial: estamos num perfodo inicial no qual devemos repensar as perspectivas de um conhecimento e de uma politica dignos da humanidade na era plane- 286 Dora Fried Schnitman t4ria, para que a humanidade possa nascer como tal. E devemos trabalhar no acasoe na incerteza. Quero terminar com duas metéforas. A primeira provém de Jules Michelet, que, num belo livro sobre o mar, imaginava o aparecimento das baleias. Michelet nunca havia visto as baleias se acasalando e supunha que, para que houvesse fecundagao, 0 macho e a fémea devessem elevar-se verticalmente 20 mesmo tempo e acoplar-se num instante. Certamente haveria muitos fiascos e as baleias deveriam recomegar uma e outra vez, até que ao final conseguissem e se produzisse a fecundagao. E assim seria como as baleias tém filhos. Enfim, a realidade é mais prosaica, porque as baleias se acasalam horizontalmente. O que quer dizer esta metéfora é que 0 mundo da aco polf- tica carece da eficdcia fisica que pode ter um martelo golpeando um prego. Quanto mais golpes de martelo, mais se afunda o prego, que & 0 que desejamos. Mas no mundo politico estamos como a baleia, tratando de fecundar. E devemos estar contentes se encontramos nosso caminho. A segunda metifora provém da crisélida, Para que a lagarta se converta em borboleta, deve encerrar-se numa crisdlida. O que ocorre no interior da lagarta é muito interessante; seu sistema imunolégico comega a destruir tudo o que corresponde & la- garta, incluindo o sistema digestivo, jé que a borboleta nao comer os mesmos alimen- tos que a lagarta. A tinica coisa que se mantém é o sistema nervoso. Assim € que a lagarta se destréi como tal para poder construir-se como borboleta. E quando esta con- segue romper a crisdlida, a vemos aparecer, quase imével, com as asas grudadas, inca- paz de desgrudé-las. E quando comegamos a nos inquietar por ela, a perguntar-nos se poderd abrir as asas, de repente a borboleta alca véo. REFERENCIA BIBLIOGRAFICA Neel, J.V. Lessons from a primitive people. Science, 1970, 170, (3960), pp. 815-822. Novos Paradigmas, Cultura ¢ Subjetividade 287 DIALOGO Edgar Morin, Ernst von Glasersfeld, José Jiménez von Glasersfeld: Vocé disse em certo momento que vemos s6 aquilo que o paradigma permite ver, Estou de acordo com esta proposigao e queria perguntar se 0 paradigma, assim visto, no é uma espécie de rede de relagdes (a network of relations). Se esse € 0 caso, se podemos trabalhar com essa hipétese, entio a diferenga entre ordem e desordem poderia ser formulada dizendo que ha ordem quando se vé algo através da rede relacional que construimos: que hé desordem quando nao se vé nada. Desse modo, © fato de que se veja uma situac3o como ordenada ou desordenada é uma questo de paradigma. Essa é minha pergunta Morin: Definiria quase da mesma forma a nogio de paradigma, ou seja, com o termo “relagdo”. Mas o defimiria da seguinte maneira: um paradigma comporta um certo ntimero de relagdes I6gicas, bem precisas, entre conceitos; nogdes basicas que governam todo o discurso. Vou dar um exemplo: hd um paradigma que identifica, que integra o homem ¢ a natureza. Esse paradigma impede de ver o que especifica o homem, aquilo que faz sua diferenca. H outro paradigma, que infelizmente reina ainda em nossas universidades. que separa por completo o homem natural do homem cultural. A disjuncao entre essas duas nogies governa todas os discursos. E, com efeito, tudo o que € natural se torna cego 20 olfhar cultural e, vice-versa, tudo o que € cultural se toma cego ao olhar natural. A relacSo disjuntiva controla o discurso. O conceito de ordem supSe gue todos os componentes do universo esto interconectados por leis necessarias. Portanto, esta é uma rede muito ajustada e regular. Mas acontece que. m nivel de paradigma. o conceito de ordem expulsa a desordem como um conceito obsceno, ou seja, como algo que destr6i. Por isso se diz: “Mas no, a desordem nao € mais que uma aparéncia que provém de nossa ignorancia. Hi algo por tris do acaso”. Eu diria ento: o paradigma primeiro impde conceitos soberanos ¢ impée, entre esses conceitos, relacdes que podem ser de conjungao, de disjungao, de inclusao, etc. E nesse sentido que estamos sujeitos a paradigmas, mas isso nao contradiz.a idéia de que, uma vez constituidos, as redes sejam as importantes. Mas ha algo mais; um paradigma € invisivel, nao esta formulado em lugar nenhum! O que ocorre é que, quando se aplica, © pensamento que obedece a um paradigma, nao nos damos conta do que fazemos, 0 pensamento que obedece a um paradigma estd cego ao paradigma. Quando 0 pensamen- to jd nao tem éxito em explicar suas observagdes € que se pode interrogar e remontar até © paradigma. Jiménez: Queria fazer algumas consideragdes para que fiquem explicitos neste didlogo uma série de pontos que me parecem interessantes, e para conhecer, se possivel, as opinides do professor Morin acerca deles. Utilizei a nogo de complexidade em meus trabalhos—e, concretamente, numa de minhas iiltimas publicagdes — para referi-la ao que seria a caracterizago da cultura atual, a cultura moderna como uma cultura funda- ‘mentalmente complexa. Esta dimensdo também esté presente do ponto de vista da teoria social na teoria da cultura de Max Weber, onde me parece que se pode ler tudo o que implica a complexizacao crescente das sociedades modernas frente a outro tipo de socie- 288 Dora Fried Sdiitman dades do passado. Em todo caso, jé que em sua intervencao o professor Morin aludiu & dimensio politica a partir de seus delineamentos epistemolégicos, e também na medida em que numerosas interven¢ées colocaram énfase sobre os problemas da ética — que estiveram presentes, flutuando ao longo deste Encontro — me parece interessante rela- cionar o problema da complexidade da cultura moderna com o que poderia ser uma critica antropol6gica da politica, ou também com o que seria a necessidade de uma reformulaco, em tom mais decididamente antropoldgico, das categorias do politico. Em boa medida, o grau de especializagao e singularizago que se pretendeu, tanto nas praticas quanto na teoria da politica, levou muitas vezes a negar 0 cardter enormemente complexo e, portanto, 0 carater de interferéncia e auto-interferéncia de todos os processos que sucedem no conjunto da vida humana. Entendo que restabelecer estes tipos de questoes do ponto de vista antropolégico seria uma vertente, 0 caminho adequado para evitar, por um lado, os becos sem safda das pretenses totalizantes (que acabam sendo totalitarias) da filosofia da histéria, que tio freqiientemente predomina- ram no processo do mundo modemno e levaram a fracassos evidentemente draméticos — poderfamos dizer arruinadores — para o processo das culturas humanas. Por outro lado, evitar o que seria 0 nivelamento da dimensao critica e ética a respeito do poder e suas diversas articulagdes em nosso mundo, uma de cujas tiltimas manifestages, em meu entender — e quero introduzir também esta variante polémica em nosso Encontro —. seria a formulagio filos6fica do estado de nossa cultura como uma cultura pés-moderna. Também gostaria de conhecer a posigao do professor Morin sobre este ponto de vista que, em minha opiniio, parte da vertente nominalista, apresen- taacaracterizacao da cultura atual como pés-moderna e encerra no termo pés-moderno uma perspectiva englobante, totalizante, evidenciada na aspiragao a caracterizar com ‘um 56 termo todo o estado complexo da situagaio na qual vivemos ¢ na qual nos debate- ‘mos. Do meu ponto de vista, assumir a situagao de um pensamento complexo e de uma sociedade complexa, como nas que atualmente vivemos, implicaria, de uma vez por todas, ser conscientes de que nao existe um espirito unificador da época (Zeitgeist, segundo a terminologia de Hegel), mas que estamos numa época com uma série comple- xade vertentes, dimensdes, praticas e diferencas. A questio parece-me decisiva, sobre- tudo se nos damos conta de que toda pretenso de unificar, em termos de categorias, © presente ou a definigo da época moderna, no terreno das categorias epistemol6gicas, tem também como correlato, no terreno das praticas politicas e no terreno da ética, a submissiio a um prinefpio coercitivo de unidade. Por exemplo, na relag&o centro-perife- ria, a imposigdo A periferia de um modelo de comportamento econdmico, politico ¢ humano e, por fim, um processo de marginalizaco que em setores muito importantes de nosso mundo se sente intensamente. Morin: Penso que se estabelecem aqui dois problemas que concernem a perspec- tiva antropolégica. Para mim, essa perspectiva é muito importante, e a coloco assim: considero a Historia, toda a Hist6ria, a diversidade dos fenémenos hist6ricos, como um laboratério antropolégico. E no laboratério antropolégico que se expressam as potencialidades humanas. Saber o que pode o homem, o que ele manifesta e, sobretudo, tratar de ver como ha, ao mesmo tempo, unidade e diversidade humanas. E dizer que a diversidade extrema se encontra sobre uma base de unidade, como quisemos mostrar na unidade do homem, que nao esté feita de unidade, de homogeinizagao, mas de uma unidade que permite a expresso das diversidades. Quanto & questo do p6s-modernismo, a palavra me incomoda um pouco. Por qué? Antes de tudo, devo dizer o positive que me evoca essa palavra. Em minha opi- Novos Paradigmas, Cultura ¢ Subjetividade 289 nido, é a ruptura com a.crenga de que o novo € sempre melhor do que o que o precedeu. A idéia moderna, se quisermos, € que tudo vai progressivamente melhor do que o que Ihe precedeu. Em realidade, sempre sucede algo novo e 0 novo nao necessariamente & melhor. Estamos numa época onde nos damos conta do esgotamento de tudo o que significava o modemo, e aqui também temos que nos colocar de acordo sobre o signifi- cado do modemo. O modemo era a crenga no valor do novo e no cardter positive do suceder. Para mim, a crise do futuro é um componente da crise da modernidade; © que chamfvamos modernidade esté em crise. Mas como ainda niio vimos a cara do que est emergindo, temos uma maneira pobre de denominé-lo, o termo é “pés”, “pés-moderno”. Penso que os termos “pés"e “neo” traduzem a impossibilidade de conceitualizar verda. deiramente, por agora, a nova face que ainda no est formada. Creio que é importante reagir contra toda simplifica¢So semantica, contra toda tentativa de homogeinizacao cultural. ss

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