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Sociedade & Culluras, n* 14, 2000, 121-139 wcaeto, Ea A ESCOLA NO MUNDO RURAL Contributos para a construcao de um objecto de estudo Rui Canario: Aescola no mundo rural é um tema periférico da actividade de investigagao A sua construcdo como objecto de estudo supée um trabalho tedrico de siste- miitico questionamento que permita construir uma problemdtica de investi- gacio Neste artigo eshoca-se esse questionamento, com base em quatro ideias fundamentais. a primeira ideia é a que estamos face néo a um problema interno ao sistema escolar, mas sim face & questo do futuro do mundo rural; @ segunda ideia consiste em deslocar o debate da sua dimensdo técnica para uma dimenséo politica, recolocando a questo da escola no terreno dos fins e néio dos meios; a terceira ideia corresponde a encarar 0 mundo rural como um terreno de resisténcia @ -civilizagdo do mercado; a quarta ideia sustenta que 0 contexto rural é potencialmente fecundo para a emergéncia de priticas educativas que permitam repensar criticamente a forma escolar: © nascimento ¢ desenvolvimento, na Europa, dos sistemas escolares pabli- cos si0 contemporaneos da emergéncia e da construgéo dos modernos Estados liberais que vieram substituirse aos Estados do Antigo Regime A ctiagio de uma rede apertada de escolas do ensino primatio, cobrindo © conjunto do ter- ritétio nacional (entendido como um todo homogéneo), nomeacamente as zonas rurais mais recOnditas, desempenhou um papel extremamente impor- * Universidade de Lisboa; Instituto das Comunidades Educativas gP¥CACdg SOCIEDADE SX CuLTURAS tante na afirmacdo de um psocesso de unificacio cultural € politica Portugal nao foge a esta regra e a rede escolar do primeiro ciclo do Ensino Basico € for- mada ainda hoje, maioritariamente, por escolas de pequenas dimensdes situa- las em contexto rural A evolugio demogréfica explica que estas escolas tenham um reduzido mimero de professores (um ou dois lugares) € de alunos (uma percentagem significativa tem menos de dez, alunos) Esta situagao, apesar da politica oficial de encerramento das pequenas esco- las situadas em meio rural, tem permanecido relativamente estavel ao longo dos ultimos anos Com efeito, a evolugao demografica (efeito combinado da taxa de natalidade e das migrages) tem feito -nascer todos os anos novas escolas de pequena dimensio Do ponto de vista social ¢ pedagdgico a escola em meio rural tem constituido tema de debate no quadro da definigo das poli- ticas educativas e tem sido dominio de desenvolvimento de intervengdes e pro- jectos de inovaco, insuficientemente conhecidos ¢ divulgados A escola em meio tural é, portanto, em Portugal, como nos restantes paises da Europa, uma realidade Gincontornavel-) objecto de um interesse e debate crescentes Aescola em meio rural: de objecto social a objecto de estudo Em Portugal, a tendencial subordinacdo funcional da investigacdo em cién- cias da educagio as politicas oficiais, de cariz gestiondtio, faz da escola no mundo rural um tema periférico marginal da actividade de investigacdo Como se afirma num estudo recente «as escolas rurais sio, entre nés, um n@o- -assunto na agenda investigativas (Sarmento, M ; Sousa T ¢ Ferreira, F, 1998) A negacao da escola em meio rural como objecto de estudo nao decorre apenas do seu cardcter periférico ou absoleto que poria em causa a pertinéncia € 0 interesse de uma tal actividade Para alguns investigadores, o que esté em causa & a negacio da proptia existéncia da escola priméria em meio rural: para Joao Formosinho (1998: 26) no oferece diividas o facto de que «maioritariamente nao hé escolas no Ensino Primatio- sendo estas inexistentes em contexto rural, uma vez que -apenas nas cidades hd comunidades docentes com dimensio sufi- ciente para viabilizar uma escola» Esta argumentacdo combinada com o facto, incontestével, assinalado pelo mesmo autor (p 55) de que «a maior parte das ' gvvCACdy soctspape & curruras criangas que frequentam © Ensino primario vivem em zonas urbanas+ (racioci- nio que pode ser extensivo a numerosas outras instituigdes) dispensa-nos a macada de pensar e argumentar sobre o problema das escolas em meio rural E, contudo, como diria Galileu, elas existem © objectivo principal deste texto é 0 de argumentar no sentido de que € possivel, interessante, titil © pertinente, do ponto de vista investigativo, exercer um olhar ctitico sobte esse objecto social, em vias de extingao, ¢ tentar transformé-lo num objecto de estudo ‘A operacdo de consttugio de um objecto de estudo, a partir de um objecto social, constitui o cerne da actividade investigativa (Canario, 1996), na medida em que apenas ela permite ultrapassar uma perspectiva de realismo ingénuo, segundo a qual existiria uma correspondéncia directa entre o mundo da seali- dade objectiva e 0 mundo dos objectos teéricos € conceptuais, criados a partir da percepcao € autonomizande-se dela. o estabelecimento da distincao entre aquilo que € da ordem do mundo material, do mundo tal como € percepcio- nado e do mundo conceptuaimente construido pela mente humana, num con- texto social (Berger € Luckman, 1984) que peimite superar a ilusio de que seria possive] um acesso nao mediatizado ao real -enquanto tal Nesta perspec- tiva, nao existe uma anélise cientifica objectiva, independente do «ponto de vistas do investigador, cuja interrogacdo da realidade a transforma num objecto de estudo A recusa de uma visio essencialista da realidade conduz a sua intei- rogacao sistematica a partir de uma problemitica, ou seja, um corpo articulado de questées, teorias e conceitos que tornam possivel abordar o objecto de estudo plo como um ser, mas sim como uma selagios (Herman, Bruyne € Schoutheete, 1974) Neste artigo pretendemos esbogar a construgao de um questionamento siste- matico da escola em meio rusal a partir de quatio eixos ou ideias fundamentais: ~ A primeira ideia é a de que o futuro das pequenas escolas situadas em contexto rural nao constitui um problema interno 2 sistema escolar, inscre- vendo-se, pelo contrario, numa questio bem mais vasta que diz 1espeito 20 futuro do mundo rural, ¢, portanto, 4 configurac3o global da nossa sociedad; A segunda ideia consiste em deslocar a questo da escola em meio rural de um contexto técnico para um contexto politico, contribuindo para recolocar a questao da escola e da educacao no terreno dos fins € nao dos meios; go¥CaCdo sociepaps & curiuras — A terceira ideia corresponde a encarat o mundo rural como um terreno de resisténcia & -civilizacio do metcados, podendo funcionar como um analisa- dor dos mecanismos de alienacao do trabalho escolar e das condigdes da sua eventual superagao; — A quarta ideia corresponde a equacionar o contexto rural como um ter- reno potenciaimente fecundo para a emergéncia de préiticas educativas que aju- dem a repensar criticamente a forma escolar Deste ponto de vista, a escola em. meio rural aparece no como algo de obsoleto, mas sim como algo que pode ser «portador de faturos Aescola e o futuro do mundo rural A escola primiria, enquanto instumento de construgdo dos Estados moder- nos, constituiu, relativamente 20 mundo rural, um veiculo de penetragio de uma cultura urbana e laica Se, num primeiro momento, a reaccio foi defen- siva, num segundo momento as comunidades camponesas apropriaram-se da instituigo escolar A escola primétia adquiru, em cada aldeia uma dimensao emblemitica, transformando-se num simbolo de progresso € constituindo-se como um elemento identitério da propria comunidade Hoje, para alguns, a pequena escola em meio rural aparece como inevitavelmente condenada, em nome da «modernizagao: ¢ do «progresso» Para outros, porém, essa condena- (40 nfo s6 nao € inevitivel, como também nao é desejavel. O processo de progressivo encerramento das escolas em meio sural, que € concomitante com ‘© encerramento de outros servicos de caricter piiblico, traduz-se pelo efeito de acelerat ¢ contribuir para tomar itreversivel o declinio das comunidades cam- ponesas € o desaparecimento do rural (em termos econdmicos, sociais, cultu- ais e paisagisticos) Nesta pesspectiva, debater o futuro das pequenas escolas em meio rural corresponde, necessariamente, a questionar futuro © a possibilidade de sobrevivéncia do mundo rural no seu conjunto, impondo-se um reexame cri- tico dos modelos de sociedade e de desenvolvimento, ainda dominantes no final deste século A defesa da escola em contexto mural assenta, ento, num tri- plo postulado: o primeiro consiste em considerat esta defesa como correspon- | go¥OACdG SOCIEDADE && CULIURAS dendo & defesa do mundo rural no seu conjunto; 0 segundo consiste em consi- derar que a instituigio escolar pode desempenhar um papel de produgio social, contribuindo activamente para a revitalizaglo social das zonas rurais (Amiguinho, 1995; Espiney, 1994); o terceiro postulado consiste em considerar que, pelas suas caracteristicas singulares, a pequena escola em contexto rural pode contribuir para steinventar préticas pedagdpicas ¢ educativas, superado- ras dos limites inerentes a forma escolar (Canario, 1995) problema do mundo rural é, regra geral, equacionado como um pro- blema de desenvolvimento ou, melhor dizendo, de auséncia de desenvolvi- mento, em contraposico ao mundo urbano e industrializado. Esta maneira de colocar a questio supde a maturalizacao» do processo de desenvolvimento que conhecemos nos dois tiltimos séculos e que se traduz, na actualidade, por um aciéscimo simultneo, ¢ a nivel planetétio, da pobreza, do desemprego e da desigualdade (Friedman, 1996) O agravamento dos problemas sociais € conco- mitante com 0 agravamento, por alguns descrito como catastréfico, dos proble- mas ambientais, susceptivel de pr em causa a prépria sobrevivéncia da huma- nidade O modelo desenvolvimentista que conhecemos, levado As suas conse- quéncias extremas configura uma espécie de ssuicidio colectivor (Max-Neef, 1992) Deste ponto de vista, a crise com que nos confrontamos nfo corresponde a uma crise do mundo rural tradicional que 0 desenvolvimento» tem vindo a eli- minat de forma sistemética, mas sim a uma ctise do mundo urbano e industrial, edificado com base nos valores mercantis A maioria da humanidade vive j& em grandes metrpoles urbanas, cujo crescimento se acelerou na segunda metade deste século Entendido, no quadro da modernidade, como um sinal inequi- voco de «progresso», 0 crescimento urbano tem vindo a dar fugar a inquietude A coincidéncia enue os grandes problemas sociais do nosso tempo (desem- prego, -exclusdo-, voléncia, criminalidade) e a transformago dos espagos usba- nos tem servido de fundamento para a teorizacdo do que alguns autores desig- nam por «nova questo social» (Rosanvallon, 1995; Castel, 1995; Dubet € Martucelli, 1998) Em vez de uma «crise do mundo turab, sera talvez mais exacto falar de uma crise da civilizagio urbana, no quadro da qual podem ser interpretados os problemas da educacao e, nomeadamente os que afectam a instituicRo escolar (Henriot-Van Zanten, 1991) sP¥CAGhg socrepade & curruras Interpretar as dificuldades actuais do mundo tural como um problema de -atraso: € um efro € perspectivar o seu futuro em termos de -tecuperacio do atrasos corresponde a um mito Com efeito, os problemas do mundo rural repre- sentam a consequéncia logica das ssolugdes: urbanas e industriais, na lgica do mercado A desertificagao tendencial do mundo rural constitui 0 contraponto necessitio do crescimento urbano Ora a desertificagéo do mundo rural apa- rece, nesta perspectiva, como indispensivel 20 -desenvolvimentox, na medida em que contribui pata aumentar a quantidade e o volume das transaccdes monetirias e faz, portanto, crescer o PIB (Produto Intetno Bruto) ainda conside- rado como 0 principal indicador do desenvolvimento Por outro lado, as assime- trias sociais e econémicas entre regides (@ escala nacional, transnacional ou pla- netiria) aparecem como intrinsecas a um modelo de desenvolvimento que, baseado no lucro e na competicao, est condenado a produzir desigualdades © diagnéstico mais comum sobre os problemas do mundo sural tem como base uma leitura «pela negativay, traduzida por um discusso centrado nas carén- cias ¢ na auséncia de recursos Ora, 0 que € importante evidenciar é 0 facto de os territérios rurais representarem em si mesmos um recurso fundamental, na medida em que se constituem como uma reserva de espaco fisico, com um. papel fundamental nos processos de proteccao e reprodugao da natureza e da paisagem (Ferreita de Almeida, 1998) Por outro lado, as regides rurais dispdem de um conjunto de valores culturais e ambientais que lhe sao intrinsecos, mas relativamente sinvisiveis: no quadro de uma légica de mercado A sua existén- cia €, contudo, evidenciada no ambito das teorias de economia ambiental que fazem apelo a0 conceito de valor de existéncias que «assenta no principio da diversidade ecolégica natural em que o valor é devido a critérios de raridade, especificidade ¢ funcionalidade em termos de sistemas ecolégicos, sem que exija o reconhecimento de um valor de mercado de curto prazo + (Partidario, 1998: 63) Se é incontestavel que as zonas rurais se definem, hoje, por uma situagio problematica que tudo indica conduzi-las para o colapso social e econémico, nao € menos verdadeiro que a sobrevivéncia destas -ilhas de itracionalidade» (do ponto de vista do mercado) se apresenta como uma questio crucial, em termos civilizacionais Como afirma Alberto de Melo (1991: 150-151), elas apa- recem, pot um lado, como sbastides de resisténcia contra a tendéncia corrente pede lig SOCIEDADE 2X CULTURAS de massificagao, de normalizacao e de unidimensionalidade: e, por outro lado, como daboratérios virtuais de experiéncias alternativas, de natureza social € econémica, capazes de associar todas as dimensdes humanas e societais do desenvolvimento» Esta defesa do mundo rural no deve confundit-se com uma perspectiva de regresso (impossivel) ao pasado, em que as zonas rurais eram exclusivamente zonas agricolas A valorizacio do mundo rural emerge, hoje, a partir de novas formas de articulagio com o mundo urbano ¢ prefigurando outros modos de vida colectiva E nesta perspectiva que se inscreve a tendén- cia registada no mundo ocidental «desenvolvidos de «um ressurgimento das zonas rurais como alternativa residencial 4s zonas urbanas» (Partidario, 1998: 65). Assim, a defesa da sobrevivéncia do mundo rural, ¢ dos seus habitantes como os nossos «guardadores de paisagens: configura-se no como uma pre- servaco do pasado, mas sim como uma salvaguarda do futuro isolamento das zonas rurais, as perdas demogrificas, a auséncia de pers- pectivas de emprego, 0 encerramento de servicos piiblicos sao factores que esto estreitamente associados a processos de perda da identidade, de des- crenga, fatalismo € baixa auto-estima colectiva Nao constitui, por isso, tarefa facil a inversto da tendéncia de colapso que afecta as zonas rurais Essa inver- sto supde a identificacio de recursos endogenos, susceptiveis de serem optimi- zados pela iniciativa € paiticipacao dos actores locais £ na perspectiva desta tomada de iniciativas que, ainda segundo Alberto de Melo, assume uma impor- tancia decisiva a emergéncia de uma cultura de desenvolvimento, em cuja indugio tera papel fundamental a accio educativa, incluindo a acgio escolar (Candtio, 1998) Aescola em meio rural: o primado da politica A problemética da escola em meio rural tem sido objecto de uma aborda- gem duplamente reducionista que consiste, por um lado, em acentuar 0 seu caractet interno ao sistema escolar e omitindo-se a sua dimensao societal mais global Por outro lado, a sua leitura piivilegia a dimensio meramente técnica da questio, reduzindo-a a um problema de maior ou menor racionalidade da rede escolar, encarada numa perspectiva de eeficdcias, de -qualidade: e de e¥OAGAg soctepane & cutruras racionalizagao de custos A discussao desta maneita de ver remete-nos para um debate muito mais amplo que se relaciona com o tipo de diagnéstico que faze- mos das dificuldades ¢ ambiguidades que atravessa hoje a instituicio escolar Trata-se de uma crise de veficdciae ou de uma crise de sentido? Por outras palavras, trata-se de uma questo de meios ou de uma questio de fins? Como € conhecido, o recente Tivro Branco sobre Educagao publicado pela Comissio Europeia, no ano que assinalou a educac&o ao longo da vida, «decte- tour o fim dos debates de principio sobre as politicas educativas F este «con- senso» generalizado que est4 subjacente ao tho celebrado spacto educativos O facto de fazei incidir o debate de forma praticamente exclusiva sobre os meios representa uma nega¢lo da dimensio politica £ esta negagdo que caracteriza 0 discurso gestiondrio € técnico, dominante sobre a realidade educativa. No caso portugues, a sua especificidade conduz a combinar uma logica «democratiza- dora (que responde a preocupacoes de legitimacao € ao cardcter inacabado da construgo da escola de massas) com uma Idgica «modernizadoras (dominante) que visa adaptar, de um modo instrumental, a educacao a légica do mercado, na sua fase cle acelerada integracdo supranacional A questao da escola em meio rural, pelas implicagdes societais para que remete, pode constituir um bom analisador para fazer sobressait a distingao entre uma visio técnica € gestiondria dos problemas educativos ¢ uma visio que recoloca a questio educativa no centro do debate politico e filoséfico, na continuidade da tradigo tao bem representada por Paulo Freire, para quem projecto educativo e projecto politico constituiam realidades indissociiveis Estas duas visdes estio bem presentes no debate recente, em Portugal, sobre a pequena escola em meio rural. A visio técnica e gestiondria € bem ilustrada pelo trabalho de Jodo Formosinho (1998), j4 anteriormente citado Nele o autor, em primeiro lugar, enfatiza a dimensio técnica verificando a exis- téncia de «um desajuste entre esta rede escolar, dimensionada para um mundo rural, € a realidade actual de uma sociedade urbanizada (p 25), acrescem outras dificuldades técnicas, nomeadamente o sntimero limitado de alunos» que sno permite um desenvolvimento educacional adequado» € torna dificil o desenvolvimento de actividades como -o trabalho cooperativo, a pratica des- portiva, as actividades colectivas, etc» ¢ enquadra a superacao destas dificulda- des no quadro de «uma solugao que permita modernizar o Ensino Primdrio em @ gr¥oACdg SOCIEDADE & CULTURAS Portugah (p. 39) Em segundo higar, apontam-se perspectivas de solugo natu- ralmente congruentes com o diagnéstico realizado, ou seja, de natureza téc- nica: além dos ajustamentos de rede (visando, certamente, a ctiagio de werda- deiras escolas) propde-se a -especializacdio dos professores», através, naturale mente, da -formaco especializada+ 0 que permitird nao apenas responder eis novas exigéncias colocadas 3 escola de massas+ como ainda evita: aos profes- sores «@ dispersio de tarefas, contextos e puiblicos que torna tio desgastante 0 wabalho na escola actuah (p 48) A pequena escola rural, caracterizada como -com poucos alunos, com poucos recursos, com edificios degradados, numa comunidade isolada nao pode sendo constituir um obstéculo 4 modernizacao- da escola primatia, tanto mais que 0 contexto social em que nos inserimos obedece a deteiminismos a que apenas podemos aspitar a adaptarmo-nos: qualquer que seja 0 juizo que facamos sobre a evolugio do mundo em que vivemos ( ) a verdade € que o controlo que temos sobre a evolugio civiliza- cional é limitado- e portanto «podemos estar a induzir uma iniciagdo & escola () que nio prepara as criangas para a inevitabilidade da vida num mundo urbanos(p 55) Uma outra visio, bem distinta nos seus pressupostos, aparece explicitada num recente trabalho de investigacdo empitica sobre a escola em meio rural (Saimento, M., Sousa, I. e Ferreira, F, 1998) Para estes autores € precisamente a dimensio politica do problema que é enfatizada: © problema da rede nao é apenas um problema técnico ¢ administrative, como decotse de algumas pers- pectivas com que tem sido encarado Trata-se de um problema eminentemente politico, com fortes implicagées locais, que faz apelo & participagao de todos os intetessados no processo educativos (p 99) Esta enfatizagio é concomitante com uma perspectiva valorizada da escola em meio rural, obtigada a colocar-se em causa de forma constante, na medida em que também a sua legitimidade se joga de modo continuo, -perante a ameaga latente de encertamento« (p 15) Por outro lado, e segundo os mesmos autores, € possivel encontrar na escola em meio rural praticas educativas anunciadoras de futuro, ou seja: «priticas educativas que jogando na resisténcia, afirmam a vitalidade das oiganizacées ‘educativas como instituigdes de produgdo ¢ comunicagio de saberes significati- vos para as crian¢as € sustentam a capacidade emancipatéria da escola ptiblica na promogio das culturas locais e no desenvolvimento comunitirio: (p 15) gvUCAChg SOCIEDADE & CULTURAS A existéncias de perspectivas tio diversas ¢ contraditérias no quado da investigagio em ciéncias da educacio, em Portugal, sobre um mesmo pro- blema, é certamente estimulante ¢ um convite ao aprofundamento investigativo desta tealidade e 2 um conhecimento mais proximo de projectos de interven- ¢éo em meio nual, ainda insuficientemente teorizados ¢ divulgados A investi- gacdo empirica e a producio reflexiva sobre o problema da escola em contexto rural no poderio alhear-se do debate sobre a questio dos fins educativos, ou seja, da dimensio especificamente politica da educagao Talvez que a questio da escola em meio tural nos possa ajudas, em termos educativos, a libertarmo- -nos de um pragmatismo estreito que faz estiolar a funcao critica do pensa- mento educativo Também no campo da educacao parece, hoje, importante aproximar-mo-nos do designio proposto por André Gorz (1997), 0 de -apren- detmos a pensar 20 contrério», ou seja, definir as mudancas a realizar a partis da finalidade (iltima a atingi ¢ no dos meios imediatamente disponiveis € daquilo que é percepcionado como realizivel Acscola, o mundo rural ¢ a légica do mercado A passagem das sociedades rurais do Antigo Regime para as socicdades liberais € industuializadas, na sequéncia da Revolugao Industrial ¢ das Revolugdes Liberais, nfo representa uma transi¢ao linear e continua mas sim 0 afrontamento, muitas vezes violento, entre dois modos de vida, duas visses do mundo, dois modelos de sociedade radicalmente diferentes © petiodo que vai da segunda metade do século XVIII até 1930 corresponde, segundo a magistral descri¢ao feita por Karl Polanyi (1983), 8 construgio na Europa de uma socie~ dade de mercado, otientada pelo principio «utépico de um mercado omnipre- sente € auto regulado © desenvolvimento da organizagao social nascente supunha a destruicio das estruturas sociais tradicionais, impeditivas de um fun- cionamento social ¢ econémico baseado na producto de mescadorias € na acu- mulagao de capital © principio do fim do mundo rural tradicional pode sex assinalado, nos primérdios do capitalismo, com 0 proceso de vedagao das ter- ras (enclosures), integrando-as numa economia de mercado e transformando- -as, posteriormente em fébricas a céu aberto A historia da crise do mundo gvUC4 Cag SOCIEDADE & GUITURAS rural confunde-se, portanto, com a hist6ria do triunfo do mercado e dos seus valores civilizacionais A construgdo de uma ordem social capitalista, fundada nos valores do mer- cado, supunha a desagregagio dos fundamentos do mundo rural tradicional, como condigao para desenvolver um processo de progressiva «mercantilizacio de tudo- (Wallerstein, 1999) Ou seja tornava-se necessitio desteritorializar a economia, liquidas progressivamente os processos de produgio para o auto consumo, criar uma massa de assalariados libertos de territérios e lacos comu- nitérios especificos ¢ forgados, na luta pela sobrevivéncia, a, como ironizava Marx, vender livremente a sua forca de trabalho A uma sociedade fortemente integrada, eta tetmos comunitérios, sucedia uma outra em que, do ponto de vista dos te6ticos do scapitalismo ut6picos (os economistas clissicos) 0 lago social deixou de ser pensado em termos de contrato, para passar a ser enca- rado como o resultado automatico e no deliberado da prossecugio egoista do interesse individual O triunfo do mercado (enquanto principio hegemdnico} sepresenta a extensio desta filosofia egoista e de competi¢ao a todas as esferas da actividade humana As transformacées sociais no que diz respeito ao modo de peicepcionar 0 tempo constituem um bom analisador do fosso que separa as visdes do mundo em confronto (Schor, 1992) A ideia de que o tempo é dinheiror é concomi- tante com o triunfo da légica de mercado, supde encarat o tempo como um bem escasso que se «gastar € que por isso precisa de set gerido a partir de cii- tétios de preciséo, de medida, de economia Generaliza-se 0 uso do relégio (sempre presente na fabrica € na escola) ¢ 0 lazer é clatamente dissociado do trabalho € remetido pata a periferia Nas sociedades ratais 0 tempo nao se gasta

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