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-REFORMA SANITARIA ~em busca de uma teoria SONIA FLEURY TEIXEIRA ORGANIZADORA CARLOS NELSON COUTINHO EDMUNDO GALLO GERALDO LUCCHES! JENI VAITSMAN MARIA HELENA ML. DE MENDONCA PAULO CESAR NASCIMENTO ROMUALDO DAMASO SARAH ESCO! REFORMA SANITARIA 6, desde meados da década de BO, 0 termo mais encontrado em todos os discursos polilicos, discussies académicas é documentos oliciais da area de Saude no Brasil. No entante, se reunirmos um pequeno grupo dessas pessoas e propusermos a larela de construgdo de uma definigdo para o conceito de Reforma Sanitéria provaveimente nos depararemos com uma ampla diversidade ou alé mesmo uma auséncia de conceituagda coerente. Execrada por uns, lervorosamente deisndida por outros, a Relorma Sanitdria poder transcender o dominio das paixies e submeter-se também a uma andlise cientflica, capaz de orientar a construgdo das estralégias politicas? 0 esforgo realizado nesta Coletanes é exalamente 0 de encontrar uma base tedrica na qual se possa aprofundar a discussdo sabre a Reforma Sanitaria. Esse objetivo atabou per levar os autores a tralar 2 problemadtica da relorma deniro de uma * perspectiva gramsciana, através da qua: pode ser enconliado 9 instrumental tedrico necesséria para a discussao de lemas tao polémicas como: democratia e sucialismo, Teiorma @ revolugdo, corporalivismo & quesido nacional, hegemonia e coergao, Estado e sociedade, saber ¢ praxis, burocracia e movimento sanitario. Este nosso primeira passo no sentido de elucidar estas quesides nao 6 conciusivo nem encerfa a debale, mas, Certamente, abre uma janela e descorlina um enorme campo a ser coberto na travessia que é a Reforma Sanitaria brasileira. Sonia Fleury REFORMA SANITARIA Em busca de uma teoria Colegao PENSAMENTO SOCIAL E SAUDE Volume 3 ASSOCIACAO BRASILEIRA DE POS-GRADUACAO EM SAUDE COLETIVA DIRLTORIA DA ABRASCO Gestao [987-1929 Presidente: Guilherme Rodrigues da Silva Vice-Presidentes: Eleutério Rodriguez Neto Luiz Cordoni Jdnior Tesoureira: Roseni Rosangela Chompre Sectetdtio Executivo: Paulo Marchiori Buss Secretario Executive Adjunto: Péricles Silveira da Costa SONIA FLEURY' 'TEIXEIRA’ Organizadora CARLOS NELSON COUTENHO © FDMUNBO GALLO GERALDO LUCCHESi = JENI VAITSMAN MARIA HELENA MENDONCA *® PAULO CESAR NASCIMENTO ROMUALDO DAMASO © SARAIE ESCOREL SILVIA GERSCHMAN * SONIA FLEURY TEIXEIRA REFORMA SANITARIA - Em busca de uma teoria © Siow abrasco REFORMA SANITARIA: Em busca de uma teoria Carlos Nelson Coutinho, Edmundo Gallo, Geraldo Lucchesi, Jeni Vaitsman, Maria Helena Mendonca, Paulo César Nascimento, Romualdo Damaso, Sarah Escorel, Silvia Gerschman, Sonia Fleury Teixeira Conselho editorial: Amélia Cohn, Everardo Duarte Nunes, Regina M. Giffoni Marsiglia, Rita de Cassia Barradas Barata Capa: edig&o de arte: Roberto Yukio Matto arte-linal: Maria Regina Da Silva ilustracdo: Milton José de Almeida Coordenagéo editorial: Ana Candida Costa Editoragéo: Danilo A. Q. Motales Revisao: Ana Paula de Souza, Marcia Longo Supervisao editorial: Antonio de Paulo Silva Dados de Catalogagée oa Publicapéa (CIP) Internacional (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Refocn sunitiria : em busca de unio ( Fleury Teixcira, organizadera, — Corer ; Rio de Janeiro : AssaciagSo Brasileira de Pés-Graduarso em Saude Coletiva, 1989. — (Pensamentn social e sade ; 5) ISBN 85-249.019%6 1. Politica médica — Brasil 2. Saneamento — Brasit 3, Seve priblica f. Teixeira, Sonia Marla Fleury. 11. Serie. t ‘DD 362.720981 [apes ~562.10981 indicoa para catélogo slutemétice: {. Brasil; Politica de sadide - Bemeslar social 362.1098! 2. Brasil; Poliica saniuiria ; Broblemai socinis 363.7 20581 3. Brasil: Reforma sanitiria , Problems sociais 363.7 20981 PI aE 4 af v Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizacio expressa dos autores e do editor. € 1989 by Autores Direitos para esta edigaa CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 387 — Tel.; (01!) 864-011) 05009 — Sao Paulo — SP Impresso no Brasil — 1989 OS AUTORES CARLOS NELSON COUTINHO, filésofo, com doulorado em cién- cia politica EDMUNDO GALLO, médico, espevialisia em medicina social com mestrado em satide publica GERALDO LUCCHESI, farmacéuticvo-bioquimico, sanitarista, com mestrado em satide piiblica JENI VAITSMAN, socidloga, mestre em antropologia, com douto rada em sociologia MARIA HELENA MAGALHAES DE MENDONGA, socidloga, com mestrado em satide ptiblica PAULO CESAR NASCIMENTO, historiador, mestre em histéria e em Filosofia ROMUALDO DAMASO, socidlogo, com mestrado em ciéncia poli- tica, especialista em medicina alternativa ¢ praticas alimentares 5ARAH ESCOREL, médica, especialista cm satide publica, mestre em satide publica SILVIA GERSCHMAN, sccidloga, mesire em sociolugia, com dou- torado em satide piiblica SONIA FLEURY TEEXEIRA, psicdloga, mestre em sociologia, com doulorads em ciéncia politica “Y vomo centestacién a las objeciones anarquicas de que aplezamos Ia Revolucién Socialista, diremos: no la aplazamos, sino que damos cl primet paso havia la misma por el tinico procedimiento posible, por Ja tinica scnda certera, a saber: por la senda de la tepiiblica democratica. Quien quiera ir al socialismo por otro camino que no sea el de la detocracia politica, Megara infaliblemente a conchusiones absurdas y reaccionarias, tanto en el sentida econdmico come en el politico,” (LENIN, “Dos lacticas de fa social democracia en Ja revolucién demoerdtica”, in Obras escogidas, Editorial Progresso, Mosceu) Esta colelanea é um dos produtos da pesquisa “Estudos das politicas e estratégias de construgao do sistema de satide: perspectivas da Re- forma Sanitaria”, financiada pelo Programa de Estudos Sobre Politicas de Satde (PESPS) do Ministério da Sadde/Banco Mundial/[PEA, através da Secretaria de Ciéncia ¢ Tecnologia do Minisiéric da Saude, e realizada polo Niicleo de Estudos Politico-Sociais cm Satide da Escola Nacional de Saude Publica, com o apoio da Presidéncia da Fiocruz. SUMARIO Apreseniacao de Paulo Marchiori Buss, 11 REFLEXGES TEORICAS SOBRE DEMOCRACIA E REFORMA SANITARIA por Sonia Fleuty Tcixcira, 17 1. Satide: determinagées estruturais e cidudanias, 17 2, Regimes paliticos ¢ formulacéo dc politicas sociais, 25 3. Domocracia ¢ Keformn Sanitaria: algumas hipdteses explicativas, 28 REPRESENTACAQ DE INTERESSES, FORMULACAO DE POLITICAS E HEGEMONIA por Carlos Nelson Coutinho, 47 SABER E PRAXIS NA REFORMA S5ANITARIA — AVALIACAG DA PRATICA CIENTIFICA NO MOVIMENTO SANITARIO por Romualdo Damaso, 61 lL. Saber ¢ Prdxis na Reforma Sanitéria, 61 2. Praxis, 65 3 Saber mcdico ¢ saber histérico-sceial, 79 HEGEMONIA, BLOCO HISTORICO E MOVIMENTO SANITARIO por Edmundo Gallo ¢ Paulo César Nascimento, 91 1. Hegemonia ¢ saide, 91 2. Hegemonia e bleco histérica, 97 3. Hegemonia e sociedade, 102 4. A modernidade ¢ singular da sadde, 107 5. Algo além de uma “axiologia” das elites, 110 6. loco histirica ¢ movitnento samitério, #12 7, » Onde se chegou e até onde se pode ir, L14 SOBRE A FORMULACAO DE POLITICAS SOCIAIS por Silvia Gerschman, 119 1. Intredugio, 119 2. LimitagGes e alcances das teorias sobre politica social, 121 3. Causalidade, compreensio « determinagSo na undlise das politicas sociais: uma discussie metodoldgica, 124 4. Por um enfoque integrado na andlise das politicas socinis, 127 5. ‘Tépicos para uma pesquisa sobre o esiudo atual das Politicas sociais, 134 CORPORATIVISMO: NOTAS PARA SUA APLICACAO NO CAMPO DA SAUDE por Jeni Vaitsman, 159 1. Corporativismo no sense eomum, 140 2. Corporalivismo come uma concepgas de sociedade totalitaria, 140 3. Corporativismo camo uma furma de intermediagio de interesses entre sociedade civil e Estado, 141 4, Corporativismo coma uma evolugdo recente da intermediagdo de interesses nas sociedades capitalistas avancadas e democrdticas ou neocorporativis- mo, 142 5. Corporativismo come modelu tedrico, 144 6. Corporativismo e sua aplicagio no campo da satide, 147 BUROCRACIA E POLITICA DE SAUDE: ARENA OU ATOR? por Geraldo Lucchesi, 157 SAUDE: UMA QUESTAO NACIONAL por Sarah Escorel, 181 REFORMAS SANITARIAS NA ITALIA E NO BRASIL: COMPARACOES por Sonia Fleury Teixeira © Maria Helena Mendonga, 193 E. Introdugiio, 193 2. Condigics de cmergéncia das reformas, 196 3. Breve histérico da Reforma Sanitaria — Italia-Brasil, 211 4, A dinamica das reformas. 219 5. Limites e possibilidades das reformas, 227 APRESENTACAO Muito se tem escrito, cm anos recentes, sobre a politica de satide do Estado brasileiro, ora realizando-se andlises conjunturais, ora bus- cando encontrar relagies explicativas entre atores sociais, projeto de sociedade ¢ suide, em periodizagdes da pratica médica e dos modelos de organizacda de servicos com maior ou menor grau de consisténcia, Ja as indagagdes teéricas em torna dos elementos determinantes da formulagdo e execugdo das politicas sociais cm geral ¢ da politica de satide em particular, nig iém recebido a abordagem sistemética que exige sua importdncia no contexte cicntifico ¢ politico que vive a mo- derma sociedade brasileira. © Niicleo de Estudos Palitico-sociais em Satide (NUPES) do De- partamento de Administragao e Planejamenio em Satide da Escola Na- cional de Satide Priblica/FIOCRUZ, constituido cm anos recentes, ¢ ‘trabathando ativamente em torno da quest@a, passou a colocar suces- sivos questionamentus tedricoy em lorno do movimento que se con- vencionou chamar de Reforma Sanitaria Brasileira. E o fez no con- texto do projelo de pesquisa “Estudos das Polfticas ¢ Estratégias de Construgao do Sistema de Satide: Perspectivas da Reforma Sanitaria Brasileira”, financiada pela FIOCRUZ, pela FINEP e pela Secretaria de Ciéncia e Tecnologia do Ministério da Saude. Buscando uma atitude inovadora frente ao exercicio da pratica cientifica, o grupo constituido vem trabalhando oricntado por uma original formulagac coletiva do quadro tedrico-metodoldgico, a reali- zagio de Semindrios de Pesquisa abertos a outros pesquisadores com interesses nesta drea de trabalho (intcrmedidrios no trabalho de inves- tigagiio} e o concurso de profissionais de diversas formagGes basicas: ciéncia politica, medicina, sociclogia, enfermagem, economia e filo- Servivo de tibliv tes Dacumentagas 11 FACULDGO 1¢ 3 DE PUBLICA sofia. Este trabalho multidisciplinar, a despeito das dificuldades de sua conerctizacdo, tem oportunizado indmeros bons resultados: um texto de apoio da colecio da ENSP sobre Aitccedentes da Reforma Sanitdriu foi seu primeiro produto, reunindo um amplo cenjunte de reflexes, analisando as conjunturas do sanitarismo desenvulvimentista (1955-64) ¢ a privatizagfo do social na modemizagao avtoritaria (1964-74), Apds a realizacio de dois Semindrios de Pesquisa, com a apre- sentagio das hipdétescs ¢ grandes delineamentos da pesquisa, ¢ a par- ticipagdo de grande mimero de pesquisadores externos ao projeto, incluindo os cxperimentados Profs. Giovani Betlinguer — - professor da Universidade de Roma ¢, na qualidade de Senador italiano, um dos politicas mais comprometidos com a Reforma Sanitaria duquele pais — ¢ Carlos Nelson Coutinho, cientista polilico brasileiro, partia a grupo para a realizagda dos estudas, trabalhu que resulia neste Ent busea de uma igoria da Reforma Sanitiria. No seu primciro artigo, “Reflexes tedricas sobre Democracia e Reforma Sanitaria’, Sonia Fleury — coordenadora do projeto de pes- quisa c organizadora da coletanea — introduz bases fundamentais para a compreenséo do papel das politicas de sade como projeto setorial de um Estado que, numa sociedade de classes, representa inequivoca- damente og interesses da classe dominante, sem deixar de apresentar a possibifidade de expressao dos interesses contra-hegemdnicos na apa- rente homogeneidade do Estado. Discute amplamente as dificuldades enfrentadas pele concepgiic histérico-estrutural, que usa, na andlise das questées da satide no interior da saciedade, apontande, entrelanto, um elenco criativo de saidas metodoligicas e hipdteses inovadoras que bus- cam explicar a emergéncia do conceito de Reforma Sanitaria num con- texto democratic, Carlos Nelson discutc como, notadamente na teoria sucial mo- dcerna, aparecem as questGes da representagao de interesses, da formu- lacdo de paliticas e da hegemonia, categorias fundamentais no esquema conccitual ¢ analitica do projeto.de pesquisa sobre a Reforma Sanitaria do NUPES e, por conseqiiéncia, da presente publicuyao, Enlaliza as visoes do liberalismo de Locke, a rigorosa visio do “interesse de clas- ses de Marx e, fundamentalmente, do renevador da teoria marxista, Antonio Gramsci. A identificagio de atores significativos na cena politica de cons- teugdo dialética do canceito e da pratica da Reforma Sanilaria desdo- 12 bta-se nos capitulos seguintes du liveo, cserites pelos pesquisadores envolvidos no projeto, jovens e promisyores, investindo com seriedade e madura reflexdo nos objetos de suas dissertagées. A individualiza- yo dos atores ou das campos iematicos envolvidos com 4 questio da Reforma Sanitéria, para melhor examind-los, longe de utomizar a and- lise, permite vislumbrar uma expressiva unidade conceilual e metodo- logiea que percorre o livro inteiro. As quesldcs relativas ao saber e prdtica cientifica no interior da movimento sanitérid; do corporativismo de grupos privados organiza- dos; ¢ da buroeracia estatal — identificados como elementos impor- tantey na configuragéa das propostas ¢ da prdtica da Reforma Sani- tdriag. — sao examinadas, respectivamente, por Romualdo Démaso, Jeni Vaitsman e Geraldo Lucchesi, Trazemt angulos novos ¢ instigantes para as questées que aburdam, com s¢ vera. Romualdo Damaaso estabelece, inicialmente, sua compreensio dos conceitos cm terne dos quais se moverd, saber e préxts, usando aiguns dos scus formuladores modcrnos (mas ja cldssicos): Bachelard e Foucault. No seu texto, realiza findamentaimente uma Jeitura muito interessante das formulagdes relativas ao saber e a praxis cientifica do chamado movimento suniidrio, ¢ sua articulagio no plano politico, com o exame de alguns trabalhos fundameniais de Arouca, Donnan- gelo © outros. Pattindo do entendimento que, na teoria politica ¢ socioldgica, o terma corporativismo tem sido aplicado pata designar diferentes ordens de fendmenos, jeni Vailsman revisa inicialmente 0 uso corrente da conceilo, para deter-se na sua utilizagao visando esclarecer a rela- cdo entre representagdo de inleresacs organizados ¢ formulagioa de po- litigas. Analisa sumariamente os casos da inddstria farmacéutica, dos emprcsarios de hospitais ¢ do movimento sanitario para ilustrar, no campo da satide, a aplicagfo do conceito. Lucehesi examina a burdcracia estatal como espago de luta poli- tica, tratando inicialmente a questdo de um ponto de visla mais ted- rico @, a seguir, examinands com mais detalhes, o caso brasileiro €, parlicularmente, 0 da burucracia no setor sade, O texto de Silvia Gerschman disserta sobre a formulagio de poli- ticas sociais no cstado capitalisia ¢ o faz tomando como referéncia a leitura de diferentes autores ¢ abordagens teéricas, que contextualiza ¢ das quais aponta possibilidades e limitagdes. A proposta de um enlaque integrado na undlise das politicas sociais, com uma preocupa- 43 yao fingl centrada sobre a questo da politica de savide no vaso brasi- leito, completam o capitulo, C capitulo eluborado por Edmundo Gallo ¢ Paulo César Nusci- mento, a partir da introdugao das categorias gramscianas de hegemonia e bloco histéricu, diseute o processo recente de formulagio de politi- cas de satide. Relacionanda as disputas pela diregdo setorial — a ques- tao da lula pela hegemonia no plano social, aponiam us dificuldades @ as perspectivas na couslrugdo de um movimento sanilarie — poxsivel manifestagao sciorial de um nova bloco histérico — que consiga can- trapor-se ao prajeto neo-liberal. A discussdo sobre a possibilidade da luta especifica no campo da satide (a partir do desenvolvimento de uma consciéncia sanitdria) vir a se transformar em questao nacional ¢ a ténica do texto de Sarah Escore]. Utilizando as categorius gramscianas de questo nacional, hegemonia, bloco histérico e intelectual organico, a autora procura identificar 9 papel do chamado movimento sanitdrio na construgdo de valores ideolégicos na classe trabalhadora e da uta da satide na cons- trugfo de uma sociedade socialista. © capitulo final reyeste-se de especial interesse na medida em que procura indagar acerca das semelhancas e diferengas dos processos em curso no campo da satide na Itdlia e Brasil, patses sabidamente distintos seja ao se considerar os perfis social, econémico e politico, seja na prépria hist6riu de ambos os paises. O esforgo de Sonia Fleury e Maria Helena Mendonga € regiamente compensado, pois logram ay autoras realizar uma abordagem rica ¢ precisa dos dois casos, com destaque para o trabalho sobre o Brasil, e apontar o papel dos dife- remies autores politicos (sindicatos, movimento médico, politicos etc.) na construg’a de ambos os projetes, brasileira c italiano. Finalmente, merece especial mengic a coexistémcia de duas fun- gGes simulténeas no trabalho do grupo da pesquisa (¢ autores do li- yro):; ao tempo em que indaga, examina, registra, comclui, ou seja, tealiza o trabalho de investigagao, investe também no plano politico, atuando junto 4 entidades governamentais, cientificas e da saciedade civil: as descobortas du pratica cientifica aliadas 4 pratiea politica, numa interacdo dialética que beneficia a sociedade ¢ enriquece a te- flexao dos pesquisadores, Deve, por fim, compartilhar com o Leiter que — curiose e meti- culaso, pois lé desde os créditos ¢ orelhas, passando pela apresentagio — chegou até aqui, as dificuldades de apresentar um livro téo rico em 14 detalhes, ngulos de viséo, abordapgens inovadoras € argutas hipsteses. Assim, comvido-v a passar dircto para o$ textos constitutivos desta publicagao para emergir, do outro lado da leituva, com a certeza de ter pereurrids um lexta fundamental para a compreensdo deste com- plexo processo que é a Reforma Sanitdria Brasileira. Paulo Marchiori Buss Rio de Janeiro, maio de 1989. 15 REFLEXOES TEORICAS SOBRE DEMOCRACIA E REFORMA SANITARIA Sonia Fleury Teiacira 1. SAUDE: DETERMINACOES ESTRUTURAIS E CIDADANIAS A intradugfo da concepydo histérico-estrutural i area de satide ingugura um novo paradigma no conhecimenta da relagao entre medi- cina e socicdade e conseqiientemnente do papel do Estado nessa relagao. © aprofundamento do estuda sobre a relagde entre Estado e Sau- de sob a ética histérico-estrutural se d& pela realirmacdo do cardter de classe das sociedades modemas, cuja reconhecimento tarna-se vilal & andlise dos determinantes do crescimento da intervengio estatal na sociedade cm geral, parlicularmente na sadde. Em poucas palavras, pademos identificar ay relagdes entre a estru- tura de classes e as politicas ¢ praticas no campo da satide em Irés niveis: — uo nivel econdmico, através das diferentes necossidades de yeprodugéo ampliada do capital que jneidem ou se realizam através do setor satide; — ao nivel politico, ao compreender as politicas de satide como parte do processe de Icgitiraagao do poder do Estado, e, consequente- mente, da manutencdo do dominio de classe; — a0 nivel ideolégico, ao desvendar as articulagoes entre a pro- ducdo cientifica, as praticas sociais e o conjunto de valores que orga 17 niza o universo cultural e moral dos profissionais de saide, com a insergao desses agentes na estrutura social. Embora esse seja um esquema abrangente, que pode dar conta de uma multiplicidade de uspectos envolvidos na dindmica atual do satide, superando todus os modelos tedricos precedentes, sua maior limitagio reside no tratamento dado aus diferentes niveis analitivos mencionadus. * Nesse sentido, obyerva-se que lodas as inlerpretacSes couvergem para a explicagAo mais fundamental, relativa as atliculagdes entre saade e produgao cconémica. O3 niveis politica c idealdgicn, embora presemtes, nfo reecbem um tratamento eapaz de elucidar nao sé sua dindmica prépria, como também as relagGes contraditérias com os outras nfveis, Reproduzem-se no campo da satide as dificuldades encontradas no marxismo com relagao 4 problematica da determina- sao etre os niveis intra-estrutural ¢ super-estrutural. A incorporacéo do métado e categorias marxistas ao setur sadde convergiu para a construgdo de um esquema analitico da intervengao do Estado através das politicas de satide. Inicialimente, a partir da categoria medicina estatal, huscava-se apreender tanto as modificagdes do aparelho do Estado como resposta as alteragdes do papel da me- dicina no processo de acumulagéo, quanto as modificagdes na prépria prética médica enquanto uma agao estatal. Fsses estudos convergiram para a busca de explicagdes para o crescimente da intervengao estatal no setor, estabelecendo um miv- delo de determinagdes simultineas em que esse fenénemo era eredi- tado “ao crescimento das necessidades suciais, yue sido delerminadas tanto pelo processo de acumulagao de capital come pela elevacio do nivel da luta de classes” (Navarro, V., 1983: 88-100). Essa afirmagda fazia-se acompanhar por duas precaugdes meto- doldgicas: 1° “Nao hd uma dinica explicagao para politicas sociais: elas sc explicam pela combinagéo, e a natureza e o nimero desias combina- gGes dependerao das origens histéricas de cada fator, da forma poll- lica que os fatores determinem sua telagdo com os ‘oultos ¢ de sua fungaéo nessa forragdo social especitica; 2.* “nao ha um corte dicotémico claro entre as neccssidades sa- ciais do capital e as demandas sociais du trabalho. Qualquer politica utilizada pode servir a ambas"’ (1983:147). A primeira varacteristica desse modelo explicative é o abandono da nogSo de causalidade e sua substituigdo pelo conceito de deter 18 minagio. Assim, a concepgao de determinagdo, oriunda da categoria determinagao social do processo satide/docnga, permite superar mes- mo os modelos multicausais, ao introduzir a nogaa de determinagScs cantraditérias ¢ simultaneas decorrentes de necessidades do cupital e do trabalho. Embara o modelo pretendesse incorporar u amédlise da determi- nagéo coma desenvolvimenty & superagio de contradigies dialéticas, na verdade suas aplicagdes ficaram muito aquém das intengdes, Pro- vavelmente como conseqiiéncia do pouco desenvolvimento das dis- cussdcs ao nivel epistemoldgico, a utilizagao de modelo de determi- nagdo tem sofrido freqiientes truncamentos mecanicistas, ao procurar enquadrar as politicas sociais ora sab o Angulo da acumulagao, ora sob a perspectiva da Icgitimagac. Apesar da grande utilizagdo desse modelo na explicugio das po- Ifticas de sadde, e, por certo, de sua grande utilidade como instru mental analitieo, hd necessidade de estudos epistemoldgicos que bus- quem desenvolyer a nogado de detezminacao da intervencio estatal no campo dz satde. Eis algumas questdes que mereciam ser aprofundadus: — As relacdes entre modelos de causulidade distintos: a social, em busca de espevificidades histéricas, ¢ a bioldgica, que trata das generalizagdes ao nivel da espécie. Embora cssas questies tenham sido tratadas no ambito da epidemiologia social, a mera transposigao do conceity de determinagio para o campo da andlise politica da intervengao do Estado nao pode ignorar que aa lidar com politicas de satide, deve-sc recorrer a outros pardinctras. — As relagées de determinagio em ultima instdncia do coond- mico e a sobredeterminagao dos niveis superestruturais — politico e ideolégico — no campo da satide. A mera identificago de uma pe- riodizagdo da pratica médica e dos modelos de organizagio dos ser- vigos como decorréncia das demandas ao nivel do processo produ- tive ndo tem sido capaz de dar conta da dindmica contraditéria intro- duzida pelas determinacdes situadas ao nivel das jutas politicas na esfera da reproducaa e¢ dos valores e idevlogias que se reproduzem no campo da satide ¢ no interior da pratica médica. -— A selagiio dialética entre as necessidades do capital ¢ as do trabalho, que incidem e conformam o campo das politicas de satide de modo a evitar uma polarizagao mecanica entre supostas “politicas sunitérias de acumulagdo” ¢ “polilicas sanitérias de legitimidade”, 19 sem, no entanto, cair cm uma integragao mistificadora dos conflitas e vontradigGes que se expressam ao nivel da reprodugio. Finalmente, um ultimo problema relacionado a aplicabilidade desse modelo diz respeito 4 sua concepedo estrutural-funcionalista. Ao pretender deduzir de uma analise eslrututal do Estado capitalista as fungdes das politicas sociais (Faleiros, 1980}, termina-se por reduzir a politica social fou toda a politica piblica) a um mero papel de reproducau du modo dv producto nos niveis ecandmico e/au superes- truiural (Oliveira, J., 1988). Lndependentemente da evidéncia acumu- lada sobre a funcionalidade das politicas sociais no capitalismo, auto- res como Coimbra (in Abranches, $.H., 1987) apontam alguns pro- blemas embulides no modelo marxista-funcionalista, tais como a subs- tituicdo da reflexdo sobre causalidade pela Iégica da determinagio acumulacia x legitimidade, a subordinagfio das manifestagdes histd- ricoconcretas a um modelo estruuural ¢, finalmente, a concepgaa da detcrminagdo como fenémeno externo ao Estado. A simples introdugio da noyiio de interesses de classe nfo ga- rante que a andlise politica utrapasse o nivel da reificagao das fun- edes das politicas sociais. A questao da andlise dos determinantes da incervengic estatal passa assim a requeter uma reflexio mais acura- da da prépria natureza do Estado, recuperando a nagaio bdsica da contradigéo ¢ de suas mamifcsiacdes histéricas concretas. A andlise da crescenle inmtervengdo do Estado atrayés das cha- madas politicas socivis requer, pois, que se compreenda o préprio desenvelvimento da cidadania no Estado moderno, configurando pa- drdes de direitus sociais préprios a cada nagao. Se a coercio cstatal € sua prdépria condiggo de emergéncia, cn- quanto inslancia scpatada do econémico, nio hi como negar sua aluacdo na articulagao do consenso, que vai requerer u busca do fun- damento de sua legitimidade em um lugar que seja a negagio do fracionamento e da luta que se dao na sociedade. A cidadania é, ao nivel politico, a abstragZa necessiria & cons- tituigéo, fundamento e Jegitimidade do poder politico. Enquanto abstragdo, que implica uma igualdade formal entre os indiyiduos iso- ladas perante o Estado, é condicdo de reproducdo da dominagéo so- cial desde que nega a exisléncia das rclagGes contraditérias de explo- raedo. Nega inclusive a existéncia de alores coletivos, classes sociais © scus interesses antagdnicus — sendo portanta essencial para a cons- trugéo da ideologia liberal do Estado como representante da vontade coletiva. 29 Este efcita de mascaramento é responsdvel pela reproducio so- cial na medida em que a condigdo de cidadania passa a ser o funda- mento do dever politica, ampliando o cansenso relativo i ordem poli- tica, reservando ussim 4 coercdo Fisica uma posigga permanonte, porém virtual. No cntanto, se por um lado a cidadania cnquanto relagao individual de direito entre o cidadio e o Estado, é a negacae da existéncia das classes soviais, por outro lado, seu reconhecimento, contradiloriamente, foi impreseindivel para a constituicao, organi- zagao © luta das classes dominadas. Assim come o Estado capitalista € mais que um instrumenta da dominagéo burguosa, devendo ser compreendido em sua natureza com- plexa, da mesma forma a cidadania é¢ mais que uma mistificagao da relagdo de igualdade burguesa, sendo necessdrio compreendéla em sua génese e desenvolvimento, para além de sua funcionalidade. A andlise dos deierminanies da intervengio do Estado através das politicas soviais leva em consideragdo, jnicialmente, duas ordens de falores: primciro, que a politica social é a resultante possivel ¢ nevessdria das relaySes que historicamente sé cstabeleceram no de- senvolvimento das contradiydes entre capital e trabalho, ¢, ao mes- mo tempo, ¢ fator delerminante no curso posterior da relagao entre as forgas sociais [undamentais; segundo, que para o campo das poli- ticas sociais confluem interesses de natureza diversa ¢ mesmo con- traditérios, advindos da presenga dos atores na cena politica, de sorte que a problematica da cmergéncia da intervengdo estatal sobre as questdes sociais encontra-s¢ quasc scmpre multideterminada. Pedemos agrupar os determinantes da intorvengéo estutal em duas grandes calegorias: as necessidades decorrentes do processo de acumulagdo capilalista e a luta pela hegemonia. Como serdé possivel observar, mesmo buscando tralar a questdo da determinacao da interyencdo estatal a partir de uma visio que recupera a contradig&o e reinlroduz a luta de classes no interior do préprio Rstada, vemos que o esquema analitica baseado nas fungdes de acumulagda X Icgitimidade acaba por impor restrigdes & dialética necessaéria 4 compreensée du lute pela hegemonia. No entanto, apesar das limitagdes representadas pela incorpora- gao de wn modelo de determinagaa oriundo de uma concepgao res- trita do Estado foi precisamente o aprofundamento dessa discussio — a nivel da determinacgo da politica de satide — que requereu (e€ ainda requcr) uma ampliagio da concepgao do Estado, 21 Ao tratar a dicotomia acumulada X legitimidade foi necessitio introduzic a problemética da luta e dos interesses de classe na for- mulacdo ¢ implementagio das polfticas sociais. Os imteresses das clas- ses dominadas foram, no inicio, tratados unicamente como capazes de mobilizar uma ago totalizante e cooptadora via politicas sociais, pelas quais reforgavase a dominasao de classes ¢ legitimava-se o cxereicio do poder estatal. Ao introduzir os interesscs das classes do- minadas, mesmo que subordinados, colocou-se a perspectiva ¢ necessi- dadg de se tratar o Estado de forma a comporiar a anilise da luta de classes. A incorporagio das andlises dos tedricos marxistas con- tempordneos a respeito do Estado possibililou transpor a nivel de compreensio da politica publica para além de seu carter legitimador, camo um espaco na Inta pela manutengao da hegemonia ou na con- solidagdo de propostas conira-hegeménicas e formagio de um novo bloco histérico. A tontativa de superagio da andlise de legiimagao pela andlise da luta pela hegemonia, pela sua propria origcin ¢ trajetéria, ndo pode uinda construir categorias homogéneas na anélise das politicas de sade, Assim, observa-se freqiientcmente a utilizagio do conceito de hegemonia juntamente com uma concep¢do restrita da Estado, ou conseqiientemente, em franca contradigo com uma visio do process de transformagao que absulutiza a “quebra do Estado’. Estas consideragées iniciais acerca do modelo dc andlise dos de- terminanles da intervengio estatal tiveram o objetivo de apontar ca- minhos que o nivel atualmente alcangado nessa linha de estudos esta a indicat como possibilidades em aberlo. Nao se pretendeu com isso negar validade &s andlises jd realizadas © que constituiram-se na mais proficua vertente interpretativa da questio do Estado na drea de satide, Um outro campo de aplicagao da ciéncia politica A satide tém sido as andlises relativas ao processo de formulacde de politicas. Neste casa, procura-se conheeer néo apenas us dcterminantes estruturais da intervenciio estatal mas, mais especificamente, os processos histdricos que configuram distintos padrdes de relagao Fstado/sociedade, bem como as caracleristicas dessa configuragéo no encaminhamento das propostas de mudangn do setor satide. O conhecimento de uma rea- lidade sanildria cspecifica, bem como dos seus processus de forme Jago de politicas implica considerar o desenvolvimento do aparelho estatal responsdvel nesie campo como um produto do deservolvimen- to histérico das relagGes entre as forgas politicas fundamentais. A 22 andlise das politicas sociais devcrd icr em conta nao apenas as mo- delos de desenvolvimento nacicnais como também a ordem politica, os regimes politicos que organizam as relagées cntre os cidadaos, as glasses e as instfncias imstitucionais. Processos politicos implicam, por outro lado, considerar o sistema de representagdo de interesses © slias conseqiiéncias au nivel da politica de satide. Finalmente, todas essas andlises convergem para a discussdo das estratégias de mudanga no setor satide, isto é, a conducdo politica da Reforma Sanitaria. Como se véerd a seguir, a questi da hegemonia sé tem seu tra- lamento mais aprofundado — embora seja ainda muito incipiente — quando rompe-se com o modelo original da dupla determinayéo em ditegdo & andlise das condicOcs de realizagéco da Reforma Sanitaria. O estude da constituigdo dus padrSes de cidadania em distintos con- textos nacionais tem inspirado um conjunto de estudos sobre 4 incor- poragdo das demandas sociais tanto através de um modelo liberal-de- mocrata como a partir do capitalismo autoritdrio. © padro de politica social emergente em um contexto de indus- trializagio retardatdria foi marcadamente distinto daquele que se originou na liberal-democravia. Em primeiro lugar, hd um consenso sobre a necessidade de protuy’o que perpassa toda a sociedade, ¢, em segundo lugar, o Estado € 9 mentor do projeto e ndo os trabalhado- res. Resulta desse processo um sistema de protegiuv social que nfo se orienta pelos principios da universalizagiio e garanlia do minimo vital, mas sim pela diferenciagdo das categorias de trabalhadores em relagdo 4 paula de beneficios a que tém acesso, quasc scmpre esta- belecides por uma relagaéo contratual e maniendo uma proporgéo com as conlsibuicSes realizadas pelo trabalhador. Neste tipo de sistema, além das politicas sociais funcionarem como um mecanismo de preservagio das desiguuldades do mercado, os beneficios concedidos a certas fragdes da classe trabalhadora ca- racterizat-se-iam como privilégios de grupos ao invés de direitos uni- versais da cidadania. Para Abranches (The Politics of Social. Welfare in Latin America, mimeo.), este padric conservador traria embutida a Logica da coopta- gfio de setores da soviedade no processo de assimilagio das deman- das sociais, A segmentagao politica e legal da classe operaria em cate- gorias funcionais, gozanda de privilégios diferenciados, tem sido de- nominada por Santos (1979) sob o conceito dé cidadani«e regulada, isto é, régulada pela condigao de insergio ne mercado de trahatho 23 ¢ sancionada pelo Estado. O desenvolvimento desse modelo de cida- dania se faria por expansdes horizontais e verticais das privilégios, @ nao pela universalizag’io dos direitos. Esse padrac de cidadania regulada pela condigio de trabalho tem sido ulilizado para descrever a situagao latino-americana decorrente das peculiaridades de um pro- cesso de acumulagZo que, além de retardatério, € dependenie . O processo de acumulagSo latino-americany introdusiria carac- teristicas au nivel da composigéo da classe irabalhadora, cujas conse- qiiéncias econdmicas e politicas confarmariam um padrao distinto de expresséo das demandas sociais, bem come de sua assimilagao através das polfticas sociais. Difereniemento dos pafses desenvolyidos, as evonomias retarda- tarias/dependentos caracterizam-se pela incorporagao de tecnologia elevada e concentradora de capital, de forma abrupta c fragmeniada, sem uma articulagée orgdnica ou um efeito expansiva para 0 conjunto des selores produtivos. Essa modalidade desde o inicio monopolistica dg organizagia da produgdo tem come cuaracteristica central a hete- rogencidade estrutural da economia com a cuncomilancia do processe de cxpansio das relagies capitalislas e a manutengao, como partes integrantes desse processo de acumulacao, de formas de insersda na divisio secial do trabalho nao tipicutmente capistalistas (Kowarick, L., 1981:61). Resulta desse vompicxo processo de acumulagado uma classe trabalhadora altamente heterceénca, com diferentes farmas de inser- g40 na produgdo. A ideniidade que serdé encontrada néo sora pois enquanto pro- dutores, dada a diversidade apunlada, mas cnquanto consumidares, na luta por sua reproducdo individual ¢ social. Assim como a fébrica é 0 locus da produgdo, é na familia, na casa, no bairro que se desen- tolam as lucas na csfera da reprodugio. A consciéncia alcangada, neste casa, € a de cidadania, sendo que a organizagio nao poderd absolutizar o sindiculo ¢ o partida. Ao contrétio, a proliferagao dus movimentos suciais urbanos, de composigfo policlassista e que to mam o Estado proyedor dos meios de consumo coletivos como seu alva, dé mosiras da diversidade apreseptada também au nivel da organizagao. As possibilidades de articulugdv entre as diferentes formas de organizagao passam, assim a ser tarefa polftica [undamental para a superacao do carater fragmentdrio dos moyimentos soviais ¢ da debi- Jidade estrutural do movimento sindicul. 24 2. REGIMES POLITICOS E FORMULAGAO DE POLITICAS SOCIAIS Se a relagdo Estado/sociedade pode ser apreendida, do Angulo das politicas sociais, a partir dos distintos padres de incorporagao das demandas, a relagio entre regimes politicos ¢ politicas de satide é mediada pelo processo de formulagio c implementagaée das politicas ptiblicas. Em outras palavras, os sistemas de represcntagio ¢ arga- nizagdo de interesses, os comportamentos ¢ aliangas entre atures poli- ticos, suas estratégias e projelos av nivel setorial 26 alcangam ser compreendides & luz da andlise dos regimes ¢ instituigGes politicas. Na América Latina, o principal mecanismo responsavel pela pro- tegéo social tem sido o sistema de Seguridude Social, que cada vez mais assume um papel predominante no campo da atengao & satide. A anélise politica da Seguridade Social identifica dois fatores funda- mentais ma origem e evolugdo desses sistemas: os grupos de pressfc e @ burocracia estatal. Aqueles que, como Mesa-Lago (1978), enfatizam o papel dos grupos de presséo como fator predominante na evalugio de um siste- ma de Seguridade Social estratificado chamam atengau para o [ato de que, quanta maior o poder de pressao dos grupos, maior o nimero e melhor a qualidade dos beneficios obtidos, enquanto é menor a sua conttibuigdo ao sistema. Para estes analistas, os partides politicus, e a burocracia estatal participam da definicio do modelo de proteydo social sompre de forma secunddria & atuagao dos grupos de pressao. Autores como Malloy (1883) enfatizam especialmente o papel do Estado em maos das clitcs governamentais que, emhora respon- dendo as pressGes dos grupos de inleresse, deu uma resposta seletiva 2 altamente polilica a essas demandas. Assim, os programas de pro- tegao social constituiriam uma forma de acomedacéo corporativista de grupos sociais emergentes, particularmente dos trabalhadores nos modernos setores capitalistas da economia. Qualquer uma das verlentes explicativas tem demonstrado, com intimeras evidéncias, a aplicabilidade de sou csquema analitico. No entanto, a menos que essas evidéncias sejam referidas a uma andlise mais abrangente tanto da relagao Estado/sociedade quanto dos regi- mes politicos ¢ seus processos institucionais, corre-se 0 risea de néo se ultrapassar o nivel descritiva. Outros autores (Oliveira, J.A. e Teixeira, 5.M.F., 1986) pro- curam assim esludar o comportamento tanto da burucracia quanto 23 dos grupos de interesses nes contextos politicos que tém marcado a trajetéria da maioria dos paises lalinc-americanas: os governos popu- listas, os regimes burocratico-auloritdrios e, recentemente, os periodos de transigao demucritica, Nos regimes populisias houve uma crescente politizagao das rela- ges sociais, ¢ a mecanismo institucional previdenciério foi funda- mental na cooptag’o de fragées dos trabalhadores av projeto estalal, 20 mesmo tempo em que funcianava como canal eficiente de escoa- mento da demanda politica ¢ social desses grupos. O resultado desse processo foi a criagéo e consolidagio de sislemas previdencidrios fragmentados, infquos e pouco abrangentes, que, mesmo assim, repre- sentaram um avango significative nas condigdcs de vida da populagao trabalhadora coberta pelo sistema. A politica social caracterizou-se entao por ser, ao mesmo tempo, um sistema de exclusao politica ¢ social de certos grupos ocupacionais (camponeses, domésticas, autondmos); um sistema de privilégios dife- renciais para us grupas mais poderosos (militares, servidores, fragGes da classe trabalhadora); um mecanismo institucional, administrative ¢ legal fragmentado, multiple ¢ diversificado. Neste sentido, o sistema institucional da seguridade social foi parte atuante de um modelo de corporativizagio da socicdade que preservou o predominio de um Estado forte enquante segmentava a classe trabalhadora em calegorias funcionais, através de uma incorporacao alienada que impedia sua percepgo enquanto classe ¢ sua transcendéncia em diregao aos direi- tos universais de cidadania, O colapso do populisme associa-sc ao acirramento das contradi- gdes no interior da coalizagko dominante a tal grau que ternou-se impossivel preservar © cantrole de interesses divergentes pelo Estado, que crescentemente perdia a sua capacidade de mobilizagfo ¢ mani- pulagio dos trabalhadorcs. A substituicio dos governos populistas por ditaduras militares deu origem a uma nova configurayao politica, as regimes militares autoritério-burcerdticos, varacterizados por: exclusdo politica ¢ cco- némica dos setores populares, desmobilizagao e¢ despolitizagao da sociedade, transnacionalizacao da csirutura produtiva e criagdo de uma tecnocracia (civil e militar) detentora de enormes graus de liberdade de decisio (O’Donnell, in Coller [org.], 1982). A exclusio dos trabalhadores do novo pacto de poder e a desmo- bilizaco através de violenta reprossfo 4s suas organizagovs refleti- fam-se nos aparelhos de politica social através da maior ou inenor 26 intecvencao estatal na sistema previdencidrio com o conseqliente afas- tamento dos trabalhadares de sua direca0. Com relagdo acs setores dominantes, o fechamento dos canais democraticos de representagio de interesses implicou sua substituigdo por “anéis burocraticos”, (Cardoso, F.H., 1975), isto ¢, formas de acticulagio de interesses cnvolvendo a burocracia ptblica {civil e militar} e a burveracia privada (da grande empresa nacional ou inter- nacional), inserindo ¢ organizando os interesses privados na interior do aparetho estatal. Desta [orma, interesses privados passatam a se incrusirar nos aparelhos de politica social, crianda uma situagio aparentemente patadoxal, no caso da assisténcia médica em alguns paises, em que a crescente intervencao estatal foi a mecanisme que possihilitou a privatizagao da politica publica. No caso brasileira, desde a inicio dos anos 70 acentuaram-se algumas tendéncias relutivas 4 organizagao do sistema de satide: a) extensao da cobertura previdencidria, de forma a abranger a qualidade total da populayéo urbana ¢ ainda parle da populagéo rural; ) reorientacdo da politica nacional de suide para uma pratica médica curativo-individual, especializada ¢ sofisticada, em detrimento de medidas de saiide publica, de cardter preventive e interesse cole- tivo; c) desenvolvimento de um padre de organizagio da pratica médica crientado ¢m termos da lucratividade, propiciando a mercan- tilizagio ¢ empresariamento da medicina através da alocacao preferen- cial dos recursos previdencidrios para compra de servigos aos presta- dores privados; d) viabilizagdo de um complexo médico-industrial com a crescente expansfio da base tecnolégica da rede de servicos e do consumo dz medicamentos. Todo esse processa fui acompanhada por uma modetnizagio administrativa ¢ institucional dos aparelhos governamentais destinados a lidar com as politicas sociais que se caracierizou pela maior especia- fizacedo de cada drgido wo Jado de uma crescente centtalizagao ¢ con- centragao dos recursos institucionais. Ao [inal da década, este modelo j4 demonstrava suas enormes jinadequagées 4 realidade saniddria nacional: 1) A pratica média dominante, curativa, sofisticada e especia- lizada n&o era capaz de alterar o perfil de morbi-mortalidade no qual persistiam docncas facilmente evitdveis com medidas simples de cardter 27 preventive. Ademais, os cusios crescentes do cuidado médico inviabi- lizavam a expansao da cobertura. 2) A auséncia dc eritérios para compra de servigos aos hospitais Privados era incompativel com as nevessidadcs crescentes de coorde- nagao ¢ planejamente da rede prestadora de servicos. 3) © alto grau de centralizagio c fragmentagio em dois minis- térios responsaveis pela politica de satide criava superposiches, des- coordenagées, auséncia de controle cte., reduzindo a elicacia e eficién- cia da ag&o governamental. Essas contradigGes foram inicialmente acentuadas pela crise fimanceira da Previdéncia Social no inicio dos anos 80, que faz parte do contexto recessive que atravessam os paises em desenvolvimento da América Latina. Por outro lado, o pracesso de redenocratizacia colocau novas exigéncias em termos do equacionamento da enorme divida sovial ucumulada nus ultimos anos, seja em termos do atendi- mento as neccssidades, dv aumento da eqiidade e justiga social na implementagao das polilicas piblicas, da recuperagdo do principio federativo ¢ da melhoria da qualidade do servigo ptblico. 3. DEMOCRACIA E REFORMA SANITARIA: ALGUMAS HIPOTESES EXPLICATIVAS Nos tépicos anteriores tratamos das diversas aplicactes da and- lise politica yollada para a elucidagdo das relacdes complexas que se estabeleeem entre suude e processos de acumulagdo capitalista, formas de relagéo Estado/sociedade, modulidades de incarporagfo das de- mandas, regimes politicos ¢ aparelhos institucionais respans4yeis pela protecao social. Essas andlises, em sua maioria, caracterizam-se, par um lado, por screm estudos ex-post-fecto e, por outro, pot tenderem a tratar a confipuragadu do sector sade como resultante dos ptocessos socic-econémicos considerados como seus determinantes. No ctitanto, mesmo as andlises aqui resumidas demonstram que, & medida que saimos du mais allo nivel de abstragio (determinantes da interveng3o estalal) para nos acercarmos do objeto mais concreto (desenyulvimento dos sistemas de satide e sepuridade social}, as rela- yGes entre os fenémenos estudados complexificam-se, ¢ a sade nao pode mais ser concebida somente como resultante, j4 que sc constitui em um espage sempre especifico de reprodugdo ampliada das telagdes politicas ¢ ccondémivas. 28 Todo © esforgo desenvolvido pela teoria socisldgica contempo rénca no sentido de compreender os fendmenos socials simultanca- menic como algo que, em séndo exiruturado, é também estruturante da realidade social, precisa ser cletivamente incorporado as andlises das politicas publicas. Hipsiese 1 A incorporagic das demandas sanitérias por meio de um conjunto de dispositivos legais ¢ institucionais, configurando distintas cidadanias, €, a0 mesmo tempo que resultanie da vorrelagio de forcas existente, unt elemento ativa na conformagdo de identidades politicas ¢ saciais, isto é, no desenvolvimento subseqiiente da luta politica. Essa afirmagaa 6 tem sentido na medida em que a andlise polt- fica passa a tratar de objetos concretos para além dos modelos estru- turais abstratos. N&o se trala de negar a contribuicéo fundamental dos estudos realizados cm um nivel abstrato, mas sim de compreender que este é um nivel analitico necessdrio, mas insuficientc, na medida em que, segundo Engels, cle “necessita ilustrar-ce com exemplos histricos, manter-sé em contato consiante com a realidade” (Engels, F., 1973: 530). Traiando as categorias abstrato ¢ concrelo na dialética marxista, Coutinho resume uo pensamento de Marx; “{...} a dialética como um método de articulagao categorial que procede mediante a elevagaio do abstrato av concreto, do menos complexo ao mais complexo, esta eleyacio ter como meta a construgao progressiva de uma ‘totalidade concrete’, de uma ‘sinlese de miltiplas determinagdes’, na qual as vdrias determinagées abstratas (parciais) aparecem repostas e transfi- guradas na totalidade que as mediatiza ¢ — precisamente por isso — as concretiza” (Coutinho, C.N., 1984:15). © processo de elevagao do abstrate ao concreto, do mais simples mais complexo correspondeu no campo da saude & pussagem de uma conceituagdo absttata da satide como “estado de completo bem- estar Tisico, ¢ social", & busca de uma aproximayio cada vez mais accrcada & vomplexa_ realidade abarcada neste campy jedrico € pritica a politica, — 29 Na prdtica politica atual observa-se a utilizagdo de uma concep- go abrangente de sadde, como ficou cvidenciado no Relatéric final da 8." Conferéncia Nacional de Satide realizada no Brasil em 1986: — “A sate nfo ¢ um conscito absirato, Deline-se no contexto histdérico de determinada sociedade e num dadg momento do scu de- senvolvimento, devendo ser conquistada pela populacdo em suas lutas cotidianas. Em seu sentido mais abrangente, a satide € a resultante das condigdes de ulimentacio, habitagio, educagie, renda, meio am- biente, trabalho, transporte, emprego, lazer. liberdade, acesso e posse da terra © acesso a servigos de satide. E assim, antes de mdo, o resul- tado das formas de orpanizacao social da produgo, as quails podem gerar grandes desigualdades nos niveis de vida’ (Anais da 8* Confe- réncia Nacional de Satide, 1987:382). Hipétese 2 Embora a concep¢io abrangente da satde nao transcenda a sua compreenséo como resultante, o importante a reter aqui é que no Processa politica coletivo de construgao do saber ocorrido na 8. Conferéncia Nacional de Satide, ela é vista ao mesmo tempo come resultado das formas de organizagda social da produgic, mas sempre como frato das lutas populares colidianas, ambos atuando na confor: magdo de sua concretizagio histdrica e singular. Podemos assumir essa afirmagic como 2,3 hipétese explicativa, embora acrescentemos, como decorréncia da nossa {,.* hipétese, que cla ¢ ao mesmo tempo resul- tante/indutor das formas de organizacio social da produgo e da luta politica. A busea de compreensio tedrica da satide enquamto “tetalidade concreta”, “sintese de miltiplas delerminagdes” foi assim expressa por Arouca: “Satide para nés é€ um objeto concreto que compreende: 1) um campo de necessidades geradas pelo fenémeno satide, enfermidade; 2) a produgfo dos servigos de sadide com sna base técnico-ma- terial, seus agentes e instituigdes organizados para satisfazer necessi- dades; 3) ser um espaco especifico de circulago de mercadorias e de sua produgia (empresas, equipamentos e medicamentos); 4) ser um espago de densidade ideolégica; ~ 30 5) ser um espago da hegemonia de classe, através das politicas sociais que tém a ver com a produgio social; 6) possuir uma poténcia tecnologica especifica que permite solu- cionar problemas tanto a nivel individual como coletivo” (Arouca, AS., 1982). Essas duas definigdes mostram bem a dialética empregada na elevacio do conceita ao nivel abstrato, e sua posterior superagio em um concreto que sé pode ser pensudo wo nivel da [ormacao econémico- social. A este nivel, a quesido que se coloca para a teoria do Estado na drea de saude ja nao é mais somente a elucidagaéo dos determinan- tes de stia inlervengao ou os modelos de protegao social decarrentes do processo de acumulaydo capitalista. A questao politica e de teoria politica que esta colocada hoje no contexto latino-americana diz res- peito as condigées necesstirias ao processo de democratizagao da satide. Entre nés a questao demvcrdtica emergiu com o esfacelamento dos Tegimes burucratico-autoritdrias, com diferentes projetos oriundos de dislinios selores sociais. Algumas correntes da esquerda teriam sido o primeiro ¢ principal ator politico a rever suas concepgies € assumir uma proposta efetiva de redemocratizacio da saciedade. Este processo de autocrilica nav decorreu principalmente da repressdo im- posta pelos regimes autoritdrios, mas de uma longa trajetéria de matu- ragao politica e ledrica. Por um lado, concorrou o desencanto com as teorias nacionalistas de origem cepalina, nas quais se propugnava um papel destacado a burocracia cstatal que, através da acio planejada, criaria as condigdes de um desenvalvimentu nacional beneficiador de toda a sociedade. Um segundo [ator decorren da prépria experiéncia com os governos auterildrios, um cruel aprendizado acerca de que nem tudo que é estatal é publico, no sentido de propiciar o aumento do bem-estar da sociedade, Finalmente, o desenvolvimenta tedrico recente da teoria marxista do Fstado retomou 2 guestao democratica, tanta nas savie- dades capitalistas como nas sucialistas, como um valor universal (Welffort, F., 1984). A compreensdo do Estado, nfio mais como exclusivamente um comitd de negdcios da burguesia, mas como uma arena de lulas poli- ticas crivada das contradigdes que atravessam a estrutura de classes tem como correspondents a identilicagau de que o poder passa tanto pela diregéo/dominagao hegeménica quanto pela coergdo. A luta pela hegemonia por parte das classes dominadas recoloca a questo da democracia nao 86 coma um valor taticu, mas também 31 estratégico, A dcomocracia, cnquanlo uma modalidade plural de exet- ciclo do poder politico, passa a scr vista como o espacgo ideal de formulacdo de uma contra-hegemonia, ampliando o campo de aliangas das catnadas populares, de sorte que os inteloetuais oriundos das clas- ses médias e da burgucsia vém a ser um afiado fundamental neste processo de furmulugio de um projeto politico e¢ cultural dos setores dominados. Esta revisio da perspectiva “golpista" dus esquerdus (no sentido de buscar solugdes de cupula, sem mobilizacéo das bases) apunta para a conquista de reformas no interior do capitalismo, come condigao de consolidagao de uma contra-hegemonia, e mesmo comvu uma via de transigfo a um socialismo que preserve as conquistus demucralicay alcangadas. Antes de passar & discussio mais aprofundada das cunseqiitncias fe6ricas introduzidas pela questo democralica, lorma-se noocssario buscar algum rigor conceitual em telaco & terminulogia introduzida, Em, tecas as ptepostas de democratizagdo, o elemento comum é a busca da estabclecimento de novas relacSes entre Tstada 2 suciedade, recomhecendu-se 90 cardler aulorildcio do Estado e a sua dissociagéo ¢ Talta de legitimidade ante uma socicdade civil de natureza complexa e tendendo cada vez mais & auto-organizagéo. As diferentes adjeti- vagdes que recebe o conceito democracia denotam ay profundas diver- géncias de origem ¢ signilicado que se lhe quer atribuir em cada projeto politico, desde a suposta desestatizagao de economia, passando pela restauragéo dos inscrumentos da alterndncia no poder, até a incarparagao dos setores excluidos ¢ suas demandas polilicas ¢ sociais cm wim novo pactO econdmicc-social (nas versées liberal-conservadora, liberal-democrata ¢ social-democtata). Na busea de maior preciso, pode-se afirmar que o conceito de demecracia remete a trés tegras principais: “participagao (ou parti- cipagdo voletiva ¢ generalizada, ainda que indireta, nas tomadas de devises validas pura toda a comunidade), controle a partir de baixo (com base no principio de que todo poder nao controlade tende ao abuso} c liberdade de dis enso” (Coutinho, C.N., 1980), Esig coucéituagie oriiiida do liberalismo democralica pode scr considerada ineldstica no sentido de que se opée 4 autocracia, senda que no primeiro caso as normuas juridicas que regulam o exercicia do pader politico demoerdtica sio criadas por aqueles a quem clas sao dirigidas e, no segundo caso, por pessoas diferentes dos seus desti- natdrios (Dubbio, N., 1983332}. 32

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