You are on page 1of 22
MARIA HELENA WEBE VISIBILIDADE E CREDIBILIDADE TENSOES DA COMUNICACAO POLITICA Nos teus olhos também posso ver ‘As vitrines te vendo passar Na galeria cada clarao E como dia, depois outro dia Abrindo um salao, passas em exposicao Passas sem ver teu vigia... {Chico Buarque, Vitrines, 1981) INTRODUCAO No primeiro dia, o deus da tradi¢ao judaico-crista criou a luz e criou também o olhar dirigido a ela, antes que o homem ea mulher habitassem o Paraiso. No olhar, a vulnerabilidade a seducio e, nas palavras da serpente, a ilustio do poder. Nessa metdfora esté a equa¢gdo sobre os permanentes pactos e disputas da contemporaneidade, especificamente aqueles exercitados entre os media e a politica. De um lado, o poder justificado pela razao, pelas utopias e pela representagao politica, e de outro, os meios de comunicagao de massa e seu poder delegado pela sua capacidade de dar visibilidade a qualquer campo vital, informando e seduzindo. Esses poderes conformam as tens6es vivenciadas por sujeitos dependentes desses holofotes, sempre em busca de argumentos para justificar a dependéncig ov , concessio, mesmo que temporaria, do campo da politica ubiqiiidade do: as estratégias da propagancl © oe A ereeses ce rercntia e destas (empresas € pe issionals ia litica e governamental. , - ars apuaae propiciada pela midia esto 0s votos ¢ a la ima yiblica, com todas as suas conseqliéncias formacdo da imagen FI sorias. AS relagdes € interesse: controladas por atuantes assessor Ss i ios de comunicacao de massa produzem uma entre politica ¢ meios FT e salutar infidelidade, em que os perversa interdepenchies ‘dem ser defendidos ou driblados, interesses sociais e a ética P' a a Ee dependendo da audiéncia ou do futuro a nacao. Existem casos exemplares e amplamente estudados como da luta pelas Diretas J4 ou o impeachment do presidente Color. Entre acertos e confrontos dos campos da politica dos media, acirra-se o intermitente debate propiciado pela idéia de que a natureza ptiblica da politica vem sendo maculada por interesses privados, orientados pelas assessorias de comunica¢ao, pela propaganda e pela obtenco de lucros institucionais (forma¢ao de imagem) e financeiro (verbas publicitarias, investimentos). Os media, /no entanto, ao se constituirem como espaco privilegiado e constitutivo da cena ptiblica, transito incontestavel para qualquer informag’o, tornam-se investimentos permanentes de sujeitos e instituicdes politicas que a elas se adaptam e concedem. Trata-se de um proceso complexo (como demonstram os estudos sobre as rotinas produtivas do jornalismo), devido ao exercicio simultineo, expresso pelo discurso midiatico construido entre os interesses da empresa de comunicacio, os investimentos da publicidade e do marketing, e a atividade jornalistica sustentada pelo principio da verdade na apreensio e reproducao da realidade. Da espontaneidade do olhar a fabricagdo da visibilidade, desde sempre a humanidade se debruca sobre o poder de poder ver, de aprender. Mas sempre se surpreendera com a complexa construgao de visibilidades dirigidas 4 obtencdo de credibilidade. A combinacao de tecnologias e configuragdes imagéticas exige novas posturas humanas e cria novas sociabilidades e impactos. Institui¢des € sujeitos da politica podem apenas ficar perplexos quando a sua sobrevivéncia (existéncia?) depende do olhar da Gérgona Medusa e das sereias, tao bem traduzido pelo aparato midiatico. As estratégias de visibilidade tém seus proprios saberes 118 e verdades e, portanto, nao dependem apenas do campo da visao para expandir seus efeitos. A politica exige, cada vez mais, novas linguagens e configura- des que sejam incluidas no proceso de midiatizagao (adogao de fatos em todos espacos) e de espetacularizag’o (a midiatizacao acrescida de mobilizagGes sociais), mesmo que os seus processos ‘de mediagao e relagdes exclusivos da politica sejam mantidos. E 0 tempo de producao e consumo da imagem que restringe e amplia a comunica¢ao publica das novas democracias € novos autoritarismos em meio a sociedade transparente, de Vattimo; a sociedade refletida de Landowsky; 0 homovidens de Sartori. Tempos complexos da “transformagao da politica”, como bem diz Wilson Gomes (2004), e a sua necessaria comunicagio, colocada em equilibrio ou confronto com a comunicaco construida pelo campo dos media. A equacao (des)equilibra sujeitos e instituigées dos campos politico e midiatico. Quanto maior a capacidade de comunicacao da politica em seu préprio territério partidario e social, menor a influéncia do discurso midiatico, e vice-versa. A mem6ria do eleitor e seu imaginario armazenarao informacées, quaisquer que sejam suas origens. De modo cada vez mais complexo, estende-se o debate sobre o poder de visibilidade propiciado pelos media a instituigdes, fatos e sujeitos da politica e como esse “dar a ver” pode se tornar equivalente 4 credibilidade. Meios de comunica¢ao impressos, eletronicos e digitais informam e promovem, denunciam e vigiam a politica, mas é da natureza desta obter a credibilidade necessaria 4 representagao e a governanga. O OLHAR E O BENEFICIO DA DUVIDA A constituigao de visibilidades e das tensdes entre os dominios ptiblicos e privados arrasta consigo a credibilidade que € a questdo vital da politica. O “poder fiducidrio” da atribuicgao de fé no sujeito que representa o outro, como diz Pierre Bourdieu (1989), com todas as vinculagdes simbélicas que isso acarreta, sera representado pela fé virtual especifica da visibilidade Propiciada pelos espagos e dispositivos midiaticos. Do olhar face a face ao espeticulo, a politica busca a visibilidade assim como necessita da credibilidade necessdria 4 manutengdo do 19 7 poder. (Os movimentos do olhar para a politica esto diretamente relacionados apreensao, a0 reconhecimento, compnenaii & selegao da argumentacao, que podera (ou nao) se comtrapor a mera imagem veiculada pelos meios de comunicagao de massa. Mas é na visibilidade dessa informagao Gve os argumentos lerao adquirir maior repercussao & credibilidade. Na associagao_ visibilidade/credibilidade, nem sempre a verdade e a qualidade sairao vencedoras. O poder de ver e deduzir é atravessado pelos espelhos, onde sao formadas as imagens € onde sao construidos o tempo ¢ a circulagio da visibilidade perecivel diante da credibilidade quase permanente. A visibilidade torna-se entao equivalente aquilo que E verossimil, a imagem passivel de ser fabricada, ampliada ¢ re- freada, O olhar é disputado pelas verdades dos poderes politicos ¢ midiaticos, na mesma proporgao que se pretende educé-lo para que o risco de “duvidar do que se vé” seja minimo. Para tanto, existem as pesquisas e suas sofisticadas metodologias associadas a estratégias persuasivas que tentam conformar esse olhar. Assim, sao facilitadas a veiculacao de campanhas e a previsio de acerto, mas sem certezas. A dominagao do imaginario, no entanto, sempre sera, em algum nivel, consentida, pois as paixdes e emogdes de cada in- dividuo nao esto 4 mercé de mensuragGes quali/quantitativas e sempre podem surpreender. A vulnerabilidade do olhar é também ) a fragilidade da imagem, pasando pela Caverna de Platio, Na descoberta da fotografia e do cinema, o poder de ver e dar a ver € atravessado por interdigGes € autorizagdes de ordem estética e ideolégica. Simulagao, manipulagao, montagens fisicas como arte ou como realidade so modos de (des)qualificar discursos econdmicos, politicos, sociais ou particulares que dependem dos jogos imagéticos para serem vistos, defendidos, aplaudidos e votados. Na politica, a disputa pelo controle da historia exige, de governantes e politicos, exercicios de visibilidade que possam convencer e seduzir governados e eleitores; que possam aferir reconhecimento, apoio e prestar contas a sociedade. O poder da midia também esta na simultaneidade de suas agdes, pois, 20 mesmo tempo em que abriga e edita, mantém a vigilancia sobre esses exercicios. Como tese, é possivel afirmar que a constituig¢ao de visibilidades é feita simultaneamente, na criag’o e na diluigao de tensdes entre os dominios publicos e privados. O investimento e os resultados 120 da visibilidade politica residem na fronteira das esferas pUblicas e privadas. De um lado, a necessidade de constituir ¢ veicular uma imagem publica favordvel para ingressar na disputa politica, dirigida 4 obtengao de apoio e votos. Por outro, a politica ingressa na configuragao e interesses da propria midia, revestida por itens € técnicas administrados pelos profissionais e servicos de publicidade e assessoria. Para 0 ptiblico espectador, € preciso ver para saber e esse “dar a ver” vem acompanhado de manuais de visibilidade sobre o que fazer com o que se vé. Nesse sentido, € possivel sair a rua e reivindicar ou ficar conformado ao noticidrio, dependendo das combinagées possiveis entre visibilidade e credibilidade. Sao as variaveis (in)controlaveis da difusdo de fatos € sujeitos que relativizam o poder dos media, na sua dimensao dominadora (adaptacao a tempos, espacos, linguagens € cédigos) e libertina (tudo pode ser visto se interessar a alguém). A intensidade e a permanéncia do que se torna visivel e promovido, como noticia ou propaganda, poderd indicar o grau de credibilidade de um fato, sujeito e instituicao com as (in)desejadas repercuss6es para aliados ou adversérios. Como exemplo, a relacdo entre as empresas de comunicaca4o e€ os poderes Executivo e Legislativo Federais, por ocasiao do processo de cassa¢ao do presidente Fernando Collor de Mello, analisada por Anténio Fausto Neto (1995) no livro O impeachment da televisdo - como se cassa um presidente. Esse texto, centrado na discussao sobre comunica¢ao e politica, traz o olhar como outro lugar. O olhar’ da arte, da psicanilise, da filosofia, da mitologia, dos aparelhos midiaticos, da fotografia e do cinema; no olhar da diferenca das racas, da sexualidade; no olhar da memGria e do esquecimento e no olhar sedutor, tio caro ao aparato mididtico e a politica. Terrenos dridos onde o olhar tem de ser atraido, seduzido, convencido e libertado para opinar. O terreno da midia e da politica abriga espacos de relativizagdes entre a aparéncia e a ética, quando a visibilidade se impde & politica como espetaculo (eleigdes, showmicios, escindalos, protocolos, cerimoniais, postura) e como informagao (noticias, entrevistas, programas, debates). De qualquer modo, apenas a propaganda permite o controle dessa visibilidade. Com a infor- magao jornalistica, o controle € mais difuso, porquanto depende do jornalista, da edigdo e dos interesses da empresa, 7 O olhar e a comunicagao sao préprias do ser humano, assim. como a visibilidade é natural ao poder politico, A comunicagao '' mididtica reine os dois movimentos, e assim exerce seu poder. 12. Suas teias, produtos € servi¢os tém fornecido atalhos € subs dios a todos os campos do conhecimento, oe tao criticadas quanto desejadas. Duas miradas sobre a visibilidade sao tomadas Je empréstimo. A defesa da visibilidade como valor associado A imaginagaio, defendido por ftalo Calvino (1990) e o mito da G6rgona Medusa, para expressar, metaforicamente, a visibilidade em meio a delicadeza e ao terror. Com a primeira acepgao, é possivel pensar na tecnologia e na estética, aservico dos melhores modos de ver e de apreender a politica, € na inevitabilidade dos meios de comunicagio de massa, nesse processo. O delicado argumento se integra ao segundo, quando a politica torna-se passivel de manipulagao, @ ponto de esmaecer a esséncia do argumento politico. Como resisténcia aos poderes da midia, Calvino (1990) contrapés a literatura, enaltecendo-a nos valores “Jeveza, rapidez, exatidao, visibilidade, multiplicidade e consisténcia”. Com essas palavras, o autor justifica o poder da literatura em resgatar o mundo da “perniciosa intervencao” dos media. A visibilidade da literatura € relacionada a beleza e 4 imagina¢ao, estabelecendo a linha entre o que pode ser visto € 0 imaginado. Sao salientados dois tipos de processos imagindrios: da palavra até a imagem, na leitura, e o da imagem para a palavra (p. 99), ressaltando a imaginacao como 0 “repert6rio do potencial, do hipotético, de tudo quanto nao é, nem, e talvez ndo seja, mas que poderia ter sido”. Porém a visibilidade subentende que as solugoes visuais sao decisivas e fazem com que a imaginacao individual corra perigo nessa civilizacao da imagem. O autor se pergunta se “poder evocar imagens in absentia continuara a desenvolver-se numa humanidade cada vez mais inundada pelo diltivio das imagens pré-fabricadas? Com esse excesso de imagens e de fragmentos ficaria impossivel torn4-los relevantes na mem6ria, no imaginario decorrente do ‘patriménio individual’ (p. 106-107). A visibilidade, entende Calvino (p. 110), mostra as “realidades” e “fantasias” e estas s6 “podem tomar forma através da escrita” quando obtidas com a “observagao direta do mundo real, a transfiguragao fantasmatica e onirica, o mundo figurativo transmitido pela cultura em seus varios niveis e um processo de abstragdo, condensagdo € interioriza¢ao da experiéncia sensivel, de importancia decisiva tanto na visualizagao quanto na verbalizacdo do pensamento”. O autor complementa; 122 (..) se incluf a visibilidade em minha lista de valores a Preservar foi para advertir que estamos correndo 0 perigo de perder uma faculdade humana fundamental: a capacidade de por em foco visdes de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros sobre uma pagina em branco, de pensar por imagens. Penso numa possivel peda- gogia da imagina que nos habitue a controlar a prépria visio interior sem sufoca-la e, sem, por outro lado, deix4-la cair num confuso e passageiro fantasiar, mas permitindo que as imagens se ctistalizem numa forma bem definida, memoravel, auto-suficiente, “icdstica” (p. 107-108). Mesmo na inten¢ao poética de Calvino, a visibilidade pode ser usada pelos media assim como suas antiteses, ocultamen- to, apagamento e opacidade. Nesse sentido, a midia hibridiza visibilidade-opacidade e torna (in)visivel 0 mundo, borra as imagens e parcializa a totalidade. A visibilidade esté no seu campo de poder. A estratégia de visibilidade midiatica permite a formagao de imagens conceituais e visuais a partir de ofertas especificas dirigidas 4 sociedade, cujos interesses sempre podem ser relativizados. Esse 6 0 pensamento que pode manter vivo o debate sobre a intimidade entre verdade, realidade, visibilidade, credibilidade e ética. A visibilidade do cotidiano, da realidade, dos eventos sociais, politicos e econédmicos dependem da edi¢ao jornalistica, do argumento de cria¢ao do antincio publicitario, da introdugao de quest6es polémicas em programas de entretenimento e debate. Mesmo que ao jornalismo sempre seja atribuido o poder de saber de tudo e nao faltar com a verdade, sao muitos os aspectos verdadeiros de um fato que podem ser mostrados pelos media, contornados pelo tempo e pela edigdo, para que o fragmento pareca a totalidade. O interesse ptiblico tem sido expresso pelos formadores de opiniao midiaticos, pelas pesquisas e na combinagao de interesses privados dos media, ou politico dependendo do potencial de atracdo editorial e mercadolégica do acontecimento. Realidades e fantasias recebem diferentes graus de dade e provocam diferentes reagdes ao tentar se apropriar e intervir no imaginario. Nos media, temos o que é possivel ver | visibili- € 0 que nos é permitido ver (a edigdo) e a verdade (em algum lugar) sobre o acontecimento, ja que a totalidade nao sera vista. 123 ) ‘A visto midiatizada privilegia a fragmentacao do privade sobre a totalidade do publico. O excesso OU reste i” et si oa sobre fatos, sujeitos € instituigoes da politica eee ae Eo Wia- mente, das linhas editoriais dos veiculos de eee eases investimentos publicitarios € dos interes fal a los, “ or 7 politica e ii stitucional. Os graus de opacidade ependes 10 dos interesses entre os sujeitos, instituigdes, € a valoracao obti d la junto aos media, cuja visibilidade ou opacidade € definida em sua pr6- pria linguagem conformadora da aparéncia do {ato As censuras nos regimes totalitarios, por exemplo, tém por fungao manter a aparéncia necessaria a aparéncia da representatividade legal, quando a propaganda é privilegiada sobre a informacao subme- tida A censura. Nos regimes democriticos, a busca de visibilidade € tao importante na forma de propaganda quanto de informacao jornalistica para 0 jogo de formacao da imagem publica. IMAGEM E A DISPUTA DE CREDIBILIDADE Dois exemplos recentes da area politico-eleitoral sao emblematicos para mostrar o processo de adapta¢ao € concessao dirigido pela necessidade de visibilidade e apoio, gerados pelo mesmo recorte histérico das eleigdes de 2002 no Brasil. Afetam mais as centenas de paginas produzidas pelos pesquisadores dessa Area do que os espectadores dos fatos. Trata-se das concessdes & da possivel incoer€ncia entre o “discurso duro e reivindicatério” do Partido dos Trabalhadores, publicitariamente reformulado para a campanha eleitoral de Luiz Inacio Lula da Silva. Na seqiiéncia, a sua presenca, com exclusividade, no Jornal Nacional, da Rede Globo, apés ser anunciada sua vit6ria, Este foi o ptilpito escolhido para falar 4 Nag&o. Nas duas situagdes é possivel identificar a complexidade das democracias contemporineas, sob a égide da autonomia e dependéncia entre os campos da midia e da politica, regida pelo paradoxo de que ao mesmo tempo em que se reconhece a inevitabilidade de comunicagao de governos € partidos, dependentes da estética, linguagem e tecnologia proprias dos media, € necessario manter a autonomia do campo da politica e do campo da midia. Sao (in)dependéncias que favorecem ambos os discursos, com emogao e racionalidade. Dois dispositivos de visibilidade regem e seduzem a humani- dade na era da imagem. De um lado, o olhar planejado sedutor tLi.ee yy x 4 que transforma organismos e fatos em mercadorias dependentes de aprovagao e consumo, num processo continuo de reificagao, O outro dispositivo esta na dimensao pan6ptica, aqui interpre- tada por Rodrigues (1990, p. 163-165)" para indicar 0 poder de visibilidade e controle exercido pelos media, pois o Pandéptico “impressiona mais a imaginacgao do que os sentidos”, tornando equivalentes o poder e o querer, porque anula a possibilidade da desordem; possibilitando a reciprocidade entre vigilante e vigiado e abolindo “completamente o segredo e a possibilidade dessa subversao silenciosa que representam os gestos, as palavras, os pensamentos e até os sonhos nao controlados pelo poder” Afirma o autor que “o discurso dos media surge como dispositivo pandptico das consciéncias” e completa: A partir do momento que a utopia panéptica se generaliza com © mito contemporaneo da transparéncia total do mundo, com a objectivacao e a instantaneidade da informacao, é 0 proprio olhar do vigilante que se subjectiva no olhar do cidadao, invertendo e domesticando a propria ordem vigilante do poder (...) Inspec- cionados e inspetores confundem-se na moderna categoria de opiniao publica, interiorizando-se de maneira doce e asséptica a disciplina do poder das massas, das maiorias silenciosas, de todos sobre todos (p. 167-168). Essa dimensdo pandptica dos media permite entender o controle autorizado do sujeito pela necessidade de ter acesso aos media (do jornal a Internet) em busca de informacées, lazer, caricias. Os mesmos media que atribuem poder aos “olhadores” de tudo e que treinam 0 modo de olhar de voyeurs privilegiados de escindalos, intimidades das celebridades, de exposi¢oes no Orkut ao buraco da fechadura da série internacional Big Brother.> Ratifica-se, novamente, a complexidade de comunicagio da politica que simultaneamente deve atrair e manter o olhar (comunicagao planejada), ir ao encontro das expectativas do imagindrio do espectador (previamente pesquisado) e convencé- lo sobre a diferenca entre politicos e sobre a verdade de seu discurso (argumentacao). Tudo isso na dimensio controlavel da propaganda e na incontrolével do jornalismo, Aqui reside mais uma das tensdes entre ptblico e privado. Pode-se dizer —no limite do debate — que as intengdes ¢ interesses politico- 125 governamentais sto privaclos € repletos de segredos. Sao, portanto, difundidos em parte € estetizados na medida exata dos interesses dos media e adversarios. Politicos, governos ¢ partidos vao sendo adaptados & ordem midiatica € realizam a comunica¢ao com seus ptiblicos, criando representacdes diversificadas, simplificando e universalizando discursos para demarcar territorios diferenciados de visibilidade. Nao apenas entre discursos adversarios, mas reduzindo a diferenga entre a forma do discurso da politica € os demais discursos engendrados no espago midiatico. Os media como novo espaco publico de disputa e representagao da politica tm mantido um debate salutar. Mesmo, com indicagdes peremptorias que véem nisto a limitacao e a decadéncia da politica, da sua incomunicagao, da supremacia do privado sobre 0 publico e da inexisténcia ou desqualificagao da opiniao publica como uma espiral do siléncio. Em outra posi¢ao, a tentativa de explicar o funcionamento da esfera mediitica, as novas configuragdes da opinido publica, a inevitavel configuracao da Idade ‘Midia' e da sua intervencao sobre a historia e seus sujeitos. De qualquer modo, torna-se cada vez mais restrita a discussao que pretende entender o comportamento social e a disputa politica sem a participacao dos media. Neste sentido, os proprios conceitos como espetaculo, esfera publica e midiatizagio assumem novas dimensdes € sao reavaliados sob © impacto da realidade, por exemplo, a existéncia planejada e estratégica do Forum Social Mundial,> que criou um espago puiblico onde milhares de pessoas debatem e tornam visiveis as diferencas executando 0 slogan “um novo mundo € possivel”, € se contrapondo a ordem econémica imposta pelas relagdes entre os paises mais ricos que integram o grupo G7. Visibilidade esta na dependéncia da formagao de imagens e de representagdes do dominio visual objetivo e do “dominio imaterial” das representagdes mentais. Sendo que os “dois conceitos unificadores desses dominios da imagem sio os conceitos de signo e de representagao”. Essa referéncia minima do estudo de Santaella e Néth (2001, p. 15) convém a este trabalho, no sentido de que a partir dela, os autores chegam 2 pergunta “as imagens podem mentit?”, relacionando essa pergunts a niveis de persuasdo e de manipulagio em relagdo aos estudos apocalipticos sobre a comunicagao (p, 195-197). Sem ingressat na discussdo semidtica, trata-se de agregar mais um aspecto 38 126 y inipulagdo da realidade. A montagem de imagens, tempo € projecao de acontecimentos é realizada exaustivamente, da genética a guerra, trazendo audiéncia e lucratividade, mesmo quando a farsa € denunciada. Perde a ética, ganha 0 consumo. A credibilidade num discurso, num sujeito, num projeto é minada pela gestualidade, pelos interesses privados. Como afirma Richard Sennett (1989, p. 17), “podemos compreender que o trabalho de um politico é 0 de colaborar ou executar a legislacao, mas esse trabalho nao nos interessa, até que percebamos o papel da personalidade na luta politica. Um lider politico que busca 0 poder obtém ‘credibilidade’ ou ‘legitimidade’ pelo tipo de homem que é, nao pelas agdes ou programas que defende”. Neste sentido, visibilidade + credibilidade dependem de um trabalho reciproco de fabricagao da imagem ptblica. Fatos, sujeitos e instituigdes ptiblicas que desejam visibilidade criarao estruturas de comunicac¢ao estratégica para atrairem as pautas midiaticas e criarem a melhor propaganda, as melhores apari¢des. Por sua vez, os media sio operadores desses objetivos, embora mantenham seu espaco minimo de autonomia, na 4rea jornalistica. Ou seja, a politica tem meios ¢ investimentos sofisticados para se comunicar, para obter visibilidade, mas € no espaco ptiblico da midia que essa visibilidade provoca credibilidade. E 0 outro falando. O poder exercido pelos media reside na sua capacidade de equilibrar pactos e disputas sobre as verdades dos fatos e 0 espaco mais adequado. Outro aspecto importante a ser ressaltado, situado entre a visibilidade e a credibilidade, € o testemunho do individuo, da sociedade, do eleitor, expresso em votos, apoio, opiniao. A disputa de espaco ptblico por sujeitos e instituigdes ocorre através dos media, e € realizada estrategicamente pela visibilidade programada numa busca exaustiva do olhar do outro e da sua aprovacao. O outro € o espectador, eleitor, 0 consumidor _« midiatico, transformados em testemunhas permanentes, sendo que suas posi¢des sao aferidas, continuamente, pelas pesqui dirigidas 4 afericao sobre 0 que este sujeito vé e o que ele faz com 0 que vé, nos seus diferentes papéis. Os resultados fe pesquisa orientam para a conquista do olhar (momento um e para o aumento de credibilidade (momento dois) sobre ° discurso € sobre o sujeito visualizado. A busca de visibilidade percorre diferentes caminhos com diferentes linguagens em que @ 127 de vai sendo proposta no espa¢o puiblico de visibitic Sia da propaganda e na noticia, espago de vistbllidade controlada Para o espectador desse processo importa a soma conquistada. sibilidade seja acrescida . settili jue a vis ace nivels e visiidade ay pode-se falar no ponto cego a Saale Peers sempre haverd algo intangivel, oes el ou exagerado demais para ser percebido pelo destinatério da informagao midiatica. O olhar nao é mais confidvel se a imagem mente, se a realidade na fotografia ou na televisdo € passivel de cortes, montagens. O testemunho do espectador sobre a verdade dos fatos pode, facilmente, ser decorrente do excesso de informacées, de ocupagio do tempo, de similitude entre entretenimento, jornalismo e propaganda. Excessos de visibilidade de determinados fatos. ) Assim Jean Baudrillard (1984, p. 9), em uma de suas performances |retérico-apocalipticas, introduz com preciso a categoria | “transpolitica” como a transparéncia e a obscenidade de todas as “estruturas em um universo. Das metdforas, a mais interessante é a idéia da obscenidade, quando ele afirma que “as coisas visiveis na escuridao e no siléncio: se desvanecem no mais visivel do que © visivel: a obscenidade”. O autor denomina de obscenidade branca tudo aquilo que é “incansavelmente filmado, filtrado, revisado e corrigidos sob a grande angular do social, da moral e da informacao (p. 61) e complementa: “esta obscenidade arrasta consigo os restos da ilusio de profundidade"(p. 63), sendo que a obscenidade branca *é a escalada da transparéncia que alcanca seu apogeu no enfraquecimento da cena politica”. Ainda nessa linha, Baudrillard (1997, P. 18) questiona a realidade e afirma que ha uma “descaptaco do real através do prdprio excesso das aparéncias do real” S _ Também 0 real se dilui nas suas Tepresentacdes identificaveis qQy fro discurso midiatico. A 8ravidade e a dimensio dos fatos sao neutralizadas pela dificuldade de manter a diferenca e pela cor- relagdo de forgas entre fatos, tempo, espaco e interesses. Provo- cam a passividade do espectador. Chamar a aten¢ao passa a ser Prerrogativa de outros espacos e de impactos diretos, A midia vird depois. A artista plastica Yoko Hono, mais de 70 anos, que é tam- bém a imagem publica de John Lennon, encenou a performance Cut piece, no Teatro Ranelagh, em Paris, no dia 11 de setembro de 2003. Se fez visivel num palco onde Provocou a participagao das 128 pessoas para que dela se aproximassem e cortassem um pedago de sua roupa preta, que deveria ser entregue a alguém como sinal da luta pela paz. A recente invasdo ao Iraque (2003) e suas conseqiiéncias, bem como os atentados terroristas as torres do WTC (2001) sao indicagdes de ideologias, de projetos privados sobre liberdade, de paz e guerra. A veiculagao dessas imagens de celebrac4o (para os autores) e de horror (para o mundo) serao decididas pelos interesses editorias somados aos politicos-priva- dos das emissoras. Em meio a tudo isso, 0 cidadao espectador, a testemunha ocular da histéria com dificuldades sobre como acreditar no seu préprio olhar atraigoado pelas imagens e o tempo. Sao espetaculos que nao permitem, ao olhar, escolher. Em meio a tudo, as tensdes entre midia e politica. As quest6es éticas aparecem de todos os modos. Um exem- plo prosaico é o da fraude montada pelo apresentador brasileiro Gugu Liberato condenado pela Justica por ter montado uma encenagao no seu programa Domingo Legal, do SBT — Sistema Brasileiro de Televisao (2003). Para um auditério avido mostrou “com exclusividade” a entrevista com dois homens mascarados, pertencentes a uma organiza¢gao criminosa, sobre a tentativa de seqiiestro do famoso Pe. Marcelo Rossi, em So Paulo. A fraude serviu para uma discussao publica sobre a ética e a acirrada busca de pontos da audiéncia entre as emissoras. A rentabilidade do esciindalo € sempre incontestav Testemunhas da chegada a Lua ou dos ataques terroristas as torres da WTC nada tém em comum, a nao ser a conclama¢io para que testemunhem a imagem e acreditem em inimigos, em guerras. A estetizacao da comunicacao tira o sentido do fato, do essencial e pode sempre transformar simulacro em realidade. Mas sao as imagens da guerra ou da destruicao de prédios ou florestas que parecerao cada vez mais verdade quanto mais intensos e debatidos forem os fragmentos tornados visiveis. As bombas e explosées trazem sons e luzes e os olhares sio capturados, pois, como afirma Paulo Virillo, “a luz artificial é em si um espetdculo”. A disputa de poderes transforma instituigdes € sujeitos politicos em reféns da imagem puiblicd’ e, conseqiientemente, dependentes de uma sofisticada maquina de produgio informativa, promocional de relagdes ptiblicas. Obedece, também, a estratégias dos image 129 makers outros profissionais cuja competéncia esta atrelada aos processos de aferic’o do comportamento da opiniao publica ¢ de publicos especificos, bem como a capacidade de nao cometer delitos estéticos entre a veiculagao do discurso da politica (e da raz4o) e o discurso midiatico (e da emogao). Para que acontecimentos, organiza¢6es, teorias, opinides ¢ sujeitos existam, é preciso que sejam visiveis a olho nu. Esse é © grande desafio da contemporaneidade, pois além de visibili- dade conseqiiente é necessario que haja credibilidade, e esta é construida para além do olhar. No centro desta equagao vital visibilidade © credibilidade estio os meios de comunicagao nas suas feicdes grificas, eletronicas e digitais que interferem, moldam e fabricam a imagem ptblica e a opiniao ptiblica. Essas sa0 0 eixo central da discussdo sobre visibilidade. Em meio a midia e a politica estao aqueles que necessitam de visibilidade publica e disputam espagos. A visibilidade passa de um termo a um conceito essencial, para que possam ser discutidos as complexas relagGes € os interesses engendrados entre esferas ptiblicas e privadas. E a transformacao / do olhar em argumentos. Para tanto, € preciso atrair, prender o olhar do outro, pela diferenca ou pela igualdade; pela repulsa ou pelo desejo; pela projecdo ou pela denegacio; pela razao ou pela emogio... os vocdbulos sio muitos, e as mAquinas de tornar visivel, sofisticadas e de facil acesso. A visibilidade do ptiblico € decorrente de sofisticados mecanismos de sedug4o e mensurada pelas pesquisas que aferem 0 que o olhar e os demais sentidos captaram, como captaram € 0 que armazenaram. A visibilidade € 0 conceito intermediério e definitivo entre a identidade de uma instituigdo e o testemunhal de um sujeito sobre a imagem construida. Essa intermediagao é realizada por diferentes meios e formatos da comunicagao, assim como pelo modo com que os meios de comunicag’o a expdem. Nesse sentido, a visibilidade pode ser aferida em graus, que podem variar, desde o plano do reconhecimento, propiciado pela rela presencial (grau minimo) até a participagdo em um espeticulo (grau maximo). Em outro plano, a visibilidade intermediada pelos media propicia diferentes graus de apreensao e de testemunhos. O processo comunicativo de uma instituigao tem o grau de | complexidade determinado pela necessidade de ser visto e natureza do seu projeto (politico, empresarial, cultural). Assim, 0 130 desejo de visibilidade de uma instituigao e a obteng4o/manutengao | Ge uma imagem sélida, favoravel e em longo prazo, depende da compreensio e do equilibro da equagao entre a identidade de quem quer se tornar publicamente visivel (nivel aproximado de verdade e realidade), e a visibilidade (diferentes mediag6es € dependente dos media) e a credibilidade (nivel suficiente para manter disputas na midia e na politica). Visibilidade e credibilidade sao condigdes para que haja disputa politica, principalmente quando a arena esta nos meios de comunicacao massiva. A identidade que sustenta a visibilidade desejada € 0 conjunto de representacdes que uma institui¢gao ou sujeito fazem de si mesmos, escolhendo os principais aspectos para se fazer conhecer e para demarcar a diferenga em relagao aos outros. A visibilidade obtida na midia, via propaganda ou informacio, se dara a partir da demarcacao de territérios de diferenca. A disputa pela ocupacao de tempo e espaco midiatico é a disputa pela ocupacao do imaginario. Um imaginario cada vez mais disputado e submetido a milhares de informagées € certezas restritas. Coexistem, para um sujeito ou institui¢ao politica, dois niveis de visibilidade: o primeiro € estratégico, mas simples € controlavel, pois situa-se nas decisdes da instituicao sobre 0 modo como quer ser vista em relacao aos aspectos mostrados, tempo de exposi¢ao e intensidade. O outro nivel € igualmente estratégico, porém mais complexo, ja que se refere aos aspectos para os quais o espectador sera atraido e seu tempo de exposi¢ao € disponibilidade para as informagées veiculadas pelos media, ou seja, variaveis incontrolaveis. O posicionamento da midia —espaco visivel da politica — s6 sera controlado por intervengio de decisdes econdmicas, politicas e pessoais advindas da esfera privada, Como parte indissocidvel da comunicagao e da visibilidade desejada pela politica estao as suas marcas conceituais e visuais, nas suas pegadas, gestos, sujeitos e discursos. Entender como se € visto é uma das etapas do processo de visibilidade, porque aferir o modo de ser visto € devolver ao olhar do publico. A visibilidade sera expressa por estratégias € mecanismos constitutivos da imagem publica e pelas significagdes culturais e sociais. A mediagdo pelos signos possibilita e sustenta a relagdo social, Pois € © processo de representagdo que permite a comunicagao entre as pessoas. Portanto, os sujeitos estabelecem relagdes 131 sociais através das representagdes que S40 por eles construidas nas mediagdes simbdlicas e, como processo de representagio, transita nas diferentes dimensdes do sujeito, atravessa o pensar, © falar, o sentir, 0 criar, 0 desejar € 0 agir. A disputa pela ocupagao do melhor espaco de visibilidade depende de alguns aspectos essenciais que devem ser descobertos e potencializados: a natureza da instituigao em rela¢do aos inte- resses sociais, politicos e econdmicos; estabelecimento de agGes € relagdes com os media; a concepgao estratégica da comunicagao e€ a utilizagdo de meios adequados as exigéncias € expectativas dos piblicos-alvos, assim como em relagao a opiniao ptiblica. Determinada, em grande parte, pelos interesses miditicos, a visibilidade da politica se submete 2 sofisticagao de processos de agendamento. Nesse processo, a permissdo para que instituicdes ou sujeitos politicos obtenham testemunhas leitoras, espectadoras das informagdes. Todas as informages (jornalisticas e publici- tirias) deverao ser passiveis de decodificagao, desde a sugestao de pautas para midia impressa € eletronica, logomarcas, pecas publicitérias, material audiovisual, espagos internéticos, eventos, viagens, premiacdes, espetaculos, protocolos ptiblicos até o discurso. A visibilidade deve deixar marcas, pistas atratoras para a formacao da imagem publica favorivel. O marketing chamara de posicionamento este conjunto de atividades instrumentais com 0 propésito de conseguir uma posi¢ao valiosa na mente dos publicos. Visiveis € invisiveis, os processos sociais, organizacionais € politicos sao decodificados pelos espectadores, atraidos por informacOes que interferem na sua vida. A constituicdo da imagem ptiblica’ € inerente ao exercicio da politica e diz respeito a “coisa publica”. A importancia da sua veiculagio e apreensio depende do lugar ocupado pelo sujeito ou instituigao politica e, portanto, do grau de responsabilidade social, conforme o resultado da seguinte equacao: AQOES DE INSTITUICOES E SUJEITOS PUBLICOS = INFORMACAO DE INTERESSE PUBLICO = PARTICIPACAO DA MIDIA = REPERCUSSAO PUBLICA As informagoes e sinais sao estrategicamente construidos como as acées de instituigées e sujeitos priblicos (informacao, propaganda, eventos, atitudes) que sendo ptiblicas sio informagdes de interesse ptiblico as quais dependem da participagdo da midia 132 (relagdes econdmicas, politicas, privadas, ete.) Para repercutir. A repercussdo ptiblica € desencadeada pelos media, adversarios, populagao, individuos e opiniao piiblica. A formagao de imagens sobre a repercussio da ado sera constituida em grupos € pelo espectador dessa cena politica, E a divida sobre todos que veicularam essa agao é inerente ao processo. Tudo se dirige ao espectador, sujeito principal do processo de formagao de imagem. Hannah Arendt (1993) refere-se a politica, a respeito do ser e da-sua aparéncia, utilizando uma categoria essencial & andlise do poder dos media: 0 espectador. Atribui uma forca especial a esse sujeito interposto entre os jogos de poder afirmando que “somente o espectador e nunca o ator, pode conhecer e compreender 0 que quer que se oferega como espetaculo”. A palavra espectador adquire importancia e forca, a partir do resgate do seu sentido original como elemento impor- tante para tencionar as relagGes entre os poderes. Espectador é categoria associada a verdade por Arendt: A inferéncia que se pode fazer a partir dessa antiga distincao entre agir e compreender a “verdade” sobre 0 espetaculo; mas o preco a ser pago é a retirada da participacao no espetaculo. O espectador vé toda a cena, o ator apenas uma parte que como “parcela do todo, deve encarnar o seu papel”. O ator depende da opiniao, a sua forma de apresentar-se é decisiva “ele nao é 0 seu proprio senhor (...) ele deve se portar de acordo com o que os espectadores esperam dele e 0 veredicto final de sucesso ou fracasso estd nas mos desses espectadores” (p. 72). Enquanto espectador, esse sujeito pode avaliar, intermediar e criticar o movimento dos poderes e, também, usufruir da esteti- zacao da politica, numa espécie de acordo momentineo. Nesse sentido, pode-se sempre acreditar na disputa de poderes e na Ppartigao de resultados entre a politica, a midia, a sociedade e os individuos, entre eles havera um ponto cego e o beneficio da divida, mesmo numa sociedade pandéptica. Do espectador, leitor, eleitor espera-se que acredite no discurso politico. Espera-se que saiba diferencid-lo, no discurso midiatico. Espera-se que saiba discernir entre a intensidade da visibilidade € a possivel credibilidade. No entanto, 0 excesso e a sofisticagao estético-tecnologicos das informagdes, bem como a ténue Separa¢ao entre a publicidade, 0 espetaculo e o jornalismo criam confortaveis impedimentos para que visibilidade e credibilidade sejam equivalentes. Nao existem muitas chances, neste mundo de velocidades ampliadas e da redugado do tempo habil, de que os fatos sejam apresentados com a maior completude possivel e com anilises aprofundadas. Entre o pragmatismo e as divi credibilidade, a declaragao de Gre! olhar e a luz: das da equacao visibilidade/ imas (2002, p. 26) sobre o vista do sujeito — a luz, que Po é | a luz que golpeia a Se a prorinsd alidade. O deslumbramento € 0 patamar mais profundo da visu atinge o sujeito e transforma sua visto (..) NOTAS 1 Vero debate sobre o olhar no livro fundador: NOVAES, Adauto ef ‘al. O olbar. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1988. 2 © pandptico é a metéfora construida a partir da obra The panopticon de Jeremy Bentham, de 1791, sobre a construca0 de uma prisio de visibilidade ideal- 3 Alusdo explicita ao controle do Grande Irmio na obra 1984, de George Orwell 4 Denominagao de Albino Rubim. 5 F6rum Social Mundial, chamado de Assembléia da Humanidade, tendo ocorrido ‘em Porto Alegre (RS) nos anos 2001, 2002, 2004 e na India, em 2003. © Referencias e questdes em torno do conceito imagem ptiblica encontram-se desenvolvidas no texto “Imagem piiblica” (2004), da mesma autora ee : Referéncias baseadas no texto “A imagem publica”, que integra o trabalho da autora REFERENCIAS ARENDT, Hannah. A dignidade da politica. Rio de Janeiro: Relume Dumard, 1993. BAUDRILLARD, Jean. A arte da desapari¢do. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. 134 BAUDRILLARD, Jean. Las estrategias fatales. Barcelona: Anagrama 1984. , BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e 0 texto. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1998. BOURDIEU, Pierre. O poder simbolico. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. CALVINO, ftalo. Seis propostas para o préximo milénio: ligdes ame- ricanas. S40 Paulo: Companhia das Letras, 1990. CHAMPAGNE, Patrick. Formar a opinido: 0 novo jogo politico Petropolis: Vozes, 1996. FAUSTO NETO, A. O impeachment da televistio— como se cassa um presidente. Rio de Janeiro: Diadorim, 1995. GOMES, Wilson. A politica de imagem. Fronteiras, v. 11, n. 1, S20 Leopoldo, Unisinos, p. 43-52. 1999. GOMES, Wilson. Transformagées da politica na era da comunicagao de massa. Sao Paulo: Paulus, 2004. GREIMAS, Algirdas J. (1987). Da imperfeicdo. Si0 Paulo: Hacker, 2002. HERSCHMANN, M.; MESSEDER PEREIRA, C. A. Midia, meméria e celebridades estratégias narrativas em contextos de alta visibilidade Rio de Janeiro: E-papers, 2003. JAMESON, Fredric. As marcas do visivel. Rio de Janeiro: Graal, 1995. LANDOWSKI, Eric. A sociedade refletida. Sio Paulo: Edusc/Pontes, 1992. LIPOVETSKY, Gilles. O creptisculo do dever, a ética indolor dos novos tempos democraticos. Lisboa: Dom.Quixote, 1994. MARTIN-BARBERO, J,; REY, German. Os exercicios do ver-hegemonia audiovisual e ficcdo televisiva. S40 Paulo: Senac, 2001 NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. La espiral del silencio. Una teoria de la opinion publica In; FERRY, Jean-Marc; WOLTON, Dominique e¢ al. EI nuevo espacio piiblico. Barcelona: Gedisa, 1998. p. 200-209. 135 PORTO, Sérgio Dayrell (Org.). A incompreensdo das diferengas ~ 11 de setembro em Nova York. Brasilia: IESB, 2002 QUERE, Louis. Des miroirs équivoues: aux origines de la communication moderne, Paris: Aubier, [s.d]. RODRIGUES, Adriano. Estratégias da comunicagao — questao comu- nicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Presenga, 1990. RUBIM, Antdnio Albino C. Comunicagdo e politica. Sao Paulo: Hacker, 2000. RUBIM, Antdnio Albino C. (Org). Comunicagao e politica—conceitos © abordagens. Salvador: Editora UNESP/EDUFBA, 2004. SANTAELLA, Lticia; NOTH, Winfried. Imagem — cogni¢4o, semi6tica midia, 3. ed. Sio Paulo: Iuminuras, 2001. SENNETT, Rirchard. O declinio do homem piiblico — as tiranias da intimidade. S40 Paulo: Companhia das Letras, 1989. THOMPSON, John B. Political scandal- power and visibility in the media age. Cambridge [UK]: Polity Press, 2000 VIRILIO, Paul. A maquina de visdo. 2. ed. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1994 WEBER, Maria Helena. Comunicagdo e espetdculos da politica. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. WEBER, Maria Helena. Imagem Publica. In: RUBIM, Ant6nio Albino Canelas (Org.). Comunicagdo e politica: conceitos e abordagens. Salvador: Editora UNESP/EDUFBA, 2004. p. 259-307 WEBER, Maria Helena. Politica, refém da imagem publica. In PIMENTA, Marcelo et al. Tendéncias na comunicagdo. Porto Alegre. L&PM, 1999. p. 70-85. v. 2 136 EDITORA UF G DT Wesis2.7 Webley E IDENTIDADES COLETIVAS cee nen De Re ue ate kerri HowanrmaS Organizadoras S™ ant » oon G CL ENT MPO Bp OHO fo e 5° 905 al? a gaat aa , if eit é OF Peng Mt yen ery OF nO hen ph ot og a ile” © 2006, Os autores © 2006, Editora UFMG Este livro ou parte dele nao pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizagao escrita do Editor. Midia, esfera publica e identidades coletivas / Rousiley Maia, Maria Céres Pimenta Spinola Castro (organizadoras) Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 247 p.— (Humanitas) M627 Selecao de documentos apresentados no Col6quio Internacional Midia: Espaco Piblico e Identidades Coletivas, realizado em setembro de 2003, Inclui referéncias. ISBN: 85-7041-524-9 1. Midia ~ Aspectos sociais. 1. Coléquio Internacional Midia: Espaco Publico e Identidades Coletivas (2003). Il Série. DD: 070 DU: 070 ———— Elaborada pela central de Controle de Qualidade da Catalogagao da Biblioteca Universitaria da UFMG ESTE LIVRO RECEBEU APOIO DA PRO-REITORIA DE POS-GRADUACAO, ATRAVES DO CONVENIO CAPES-PROF/UFMG. EDITORAGAO DE TEXTOS: Ana Maria de Moraes REVISAO E NORMALIZAGAO: Maria do Carmo Leite Ribeiro REVISAO DE PROVAS: Alexandre Vasconcelos de Melo e Michel Gannam PRODUGAO GRAFICA: Warren M. Santos PROJETO GRAFICO: Gloria Campos - Manga CAPA: Eduardo Ferreira FORMATACAO: Rodrigo M. Quintas EDITORA UFMG. Av. Ant6nio Carlos, 6.627 - Ala direita da Biblioteca Central - Térreo ‘Campus Pampulha - 31270-901 - Belo Horizonte - MG Tel.: (31) 3499-4650 Fax: (31) 3499-4768 www.editora.ufmg.br editora@ufmg, br

You might also like